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DE DESASTRES
Relatório Final
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres
CEPED UFSC
Florianópolis, 2012
PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dilma Vana Rousseff
MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL
Fernando Bezerra de Souza Coelho
SECRETÁRIO NACIONAL DE DEFESA CIVIL
Humberto de Azevedo Viana Filho
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE MINIMIZAÇÃO DE DESASTRES
Rafael Schadeck
É neste ponto que o projeto PCRD se fez presente, atuando diretamente na capacitação de
agentes de defesa civil, formal e informalmente constituídos. A descrição dos resultados dos
trabalhos e as indicações dos principais pontos de reflexão, a partir das experiências de
campo, objetivam dar transparência ao projeto, ao mesmo tempo em que se cumpra com o
papel da universidade de construir e divulgar conhecimento.
Coordenação do Projeto
Professor Antônio Edésio Jungles, Dr.
Corpo Técnico
Cilene Victor, Dra.
Erik Bernardes
Janaina Rocha Furtado
Juliana Frandalozo Alves dos Santos
Paulo Fernando Costa
Sarah Marcela Chinchilla Cartagena
Revisão de Texto
Pedro Paulo Souza
Apoio
Alexandre Souza
Eliane Alves Barreto
Francisco Freire
Michelly Panicio
Nilthon Fernandes
Paulo Roberto dos Santos
RESUMO
Outras referências – descritas em detalhes no item 2.6 – também foram necessárias para
subsidiar a análise da cobertura da imprensa sobre fatos relacionados à Defesa Civil e a riscos
de desastres. Entre elas, destacam-se algumas teorias da comunicação, como a Hipótese do
Agenda-setting, segundo a qual os meios de comunicação de massa pautam as conversas
cotidianas.
Durante a execução do projeto, além do referencial técnico científico, a inter-relação das seis
ações foi fundamental para o enriquecimento do trabalho. A realização das oficinas, por
exemplo, foi constantemente aperfeiçoada em conteúdo e dinâmica, a partir dos resultados
obtidos com os grupos focais, ou com novos exemplos de divulgação da temática na imprensa.
De março de 2010 a dezembro de 2011, o PCRD esteve presente nas 27 unidades federativas,
onde realizou, além das oficinas de capacitação, as seguintes atividades: a) entrevista
exploratória com o público presente nas oficinas de 22 estados; b) entrevista exploratória com
comunidades em áreas de riscos de 19 estados; c) 77 entrevistas exploratórias com
coordenadores estaduais e municipais de Defesa Civil, assessores de imprensa das
Coordenarias Estaduais de Defesa Civil (CEDECs) e jornalistas da imprensa local de 23
estados; d) aplicação de 1.221 questionários de opinião; e) análise de 9.528 matérias
jornalísticas publicadas nos jornais de 18 unidades federativas; f) produção e publicação de
reportagens na revista Com Ciência Ambiental sobre iniciativas bem sucedidas de defesa civil
de 23 estados da federação.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................................................11
2. RISCOS DE DESASTRES E COMUNICAÇÃO - A BASE DO PCRD .............................................................13
2.1. SOCIEDADE DE RISCOS E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL................................................................................ 13
2.2. O CONTEXTO BRASILEIRO .......................................................................................................................................................... 15
2.3. CIÊNCIA DO RISCO ........................................................................................................................................................................ 18
2.4. PERCEPÇÃO DE RISCOS ............................................................................................................................................................ 21
2.5. COMUNICAÇÃO DE RISCOS ....................................................................................................................................................... 22
2.6. T EORIAS DA COMUNICAÇÃO ..................................................................................................................................................... 23
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as questões ambientais ganharam visibilidade e passaram a ocupar lugar de
destaque na agenda dos brasileiros. Essa conquista, no entanto, está associada à urgência
dos problemas decorrentes da ação do homem sobre o meio ambiente, como o desmatamento,
a escassez de água, o esgotamento de recursos naturais não-renováveis, a produção
acentuada e a disposição inadequada de resíduos sólidos.
As mudanças climáticas são, sem dúvida, a principal temática responsável pela retomada do
debate ambiental, como há muito não se via. A visibilidade midiática à causa e aos cientistas
pode ser considerada singular na recente história do desenvolvimento científico brasileiro.
Significa dizer que nunca antes um tema de envergadura científica foi tão popularizado quanto
o das mudanças climáticas.
Os constantes debates sobre o estado da arte das mudanças climáticas, dos seus possíveis
impactos e das medidas mitigadoras, em âmbito local, regional, nacional e mundial, ajudaram a
promover outra temática relevante: a dos riscos de desastres.
Nos últimos três anos, desde a divulgação do quarto relatório do Painel Intergovernamental
para Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês), disponível no endereço
(http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html ) fomentou-se a
percepção de estreita relação entre as mudanças climáticas e os desastres naturais, conforme
a nomenclatura do Sistema Nacional de Defesa Civil, ou desastres ambientais – denominação
mais compatível com o atual contexto.
O aspecto positivo dessa relação dá-se pelo fato de a temática sobre riscos de desastres, por
muito tempo, restrita ao universo da Defesa Civil, conseguir alcançar visibilidade, ainda que
mais modesta, como indicam os resultados da pesquisa em 9.500 matérias, detalhada no
item 9.5 deste relatório.
Deve-se ressaltar que foram necessárias quase duas décadas, do primeiro relatório do IPCC,
em 1991, ao quarto relatório, em 2007, para que a temática sobre mudanças climáticas
alcançasse reconhecimento além do meio científico.
A associação entre mudanças climáticas e riscos de desastres cria o cenário adequado para
promover uma mudança de cultura, ainda que seja um processo lento e custoso. Substituir a
cultura de desastres, enraizada na história e no desenvolvimento do país, pela cultura de riscos
de desastres é um desafio que justifica a concepção do projeto PCRD - Promoção da Cultura
de Riscos de Desastres, objeto deste documento.
Por meio de cooperação técnica entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec) e o Centro
Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres da Universidade Federal de Santa
(CEPED UFSC), e da parceria com a Revista Com Ciência Ambiental, o PCRD foi concebido e
estruturado em seis ações principais:
O Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec) classifica o desastre, por origem, em natural,
misto e antropogênico, não recorrendo, portanto, ao termo desastre ambiental.
A classificação do desastre por intensidade (I, II, III e IV), mensurada por meio da soma da
magnitude do evento natural adverso com a vulnerabilidade da fonte receptora (comunidades,
ou pessoas expostas aos riscos), sugere que os desastres registrados no Brasil nos últimos
anos sejam ambientais. Isso porque a vulnerabilidade das comunidades está associada ao seu
grau de exposição aos riscos, como residir em áreas ambientalmente vulneráveis, em
encostas, às margens de rios e córregos - situação típica de um crescimento desordenado e
insustentável das cidades ao longo do desenvolvimento do país.
Por esta razão, a discussão acerca dos dois conceitos ambientais, Sociedade de Riscos e
Desenvolvimento Sustentável, é fundamental para a compreensão do contexto no qual o
projeto PCRD foi concebido.
O conceito de Sociedade de Riscos, cunhado pelo filósofo e sociólogo alemão Ulrich Beck, em
1986, sugere a divisão dos tempos em duas modernidades. A primeira, a da revolução
industrial, e a segunda, resultado dos avanços científicos e tecnológicos.
final da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento, instituída pelo Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1983 (MAWHINEY, 2005).
Até os primeiros cinco anos após a Rio 92, as questões ambientais – base dos conceitos
Sociedade de Riscos e Desenvolvimento Sustentável – continuaram a pautar a agenda dos
políticos, dos meios de comunicação, da comunidade científica e do empresariado. Após
aquele período, porém, o tema enfraqueceu e perdeu visibilidade, retornando mais forte e
amadurecido nos primeiros anos deste século.
Assim, na sociedade das mudanças climáticas, tornou-se comum, pelo menos nos últimos três
anos, o emprego do termo desastres ambientais ao referir-se aos desastres resultantes da
magnitude de fenômenos naturais adversos sobre a vulnerabilidade das comunidades expostas
Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD 15
aos riscos.
A distância entre o surgimento do conceito de Ulrich Beck e o final da primeira década deste
século foi definitivamente reduzida após a ocorrência dos últimos desastres naturais ou
ambientais, forçando todas as nações a compreenderem a urgência do problema e a
conceberem mecanismos de enfrentamento dos riscos pelas comunidades vulneráveis.
O desastre que acometeu a população de Santa Catarina, em outubro de 2008, foi, sem
dúvida, o marco da discussão sobre desastres e riscos de desastres no país. À época,
expressões como áreas de riscos, mapeamento de áreas de riscos, gerenciamento de riscos e
comunidades vulneráveis passaram a fazer parte do discurso de vários setores.
Meses após a tragédia que vitimou milhares de catarinenses, entre março e maio de 2009,
estados do Nordeste e Norte do país, como Maranhão, Ceará, Piauí, Tocantins e Amazonas,
foram atingidos pela frequência e intensidade de chuvas pouco comuns a uma população que
sempre pareceu mais exposta aos riscos associados aos longos períodos de estiagem.
No ano seguinte, os desastres de Angra dos Reis, em janeiro, do Morro do Bumba, em abril, de
Pernambuco e Alagoas, em junho, fizeram o tema ganhar espaço na agenda da imprensa, dos
governos, do empresariado, da comunidade científica e dos políticos. Espaço reiterado pelo
desastre na região serrana do Rio de Janeiro em janeiro de 2011.
A visibilidade da temática, por sua vez, está diretamente relacionada ao espaço que as
tragédias ocuparam no noticiário brasileiro. As conversas cotidianas eram pautadas à medida
que o tema ganhava espaço, minutos nos telejornais, páginas e mais páginas de revistas e
jornais, e lotavam os diálogos nas redes sociais, como blogs, Twitter e Facebook.
Claramente, o desastre passou a integrar o dia a dia dos brasileiros, mas ainda como evento
concreto e acabado. Essa cultura do desastre favorece, entretanto, a ideia de fatalismo, do que
não é possível evitar, e por isso se aceita passivamente. Promover a cultura de riscos de
desastres é negar a ideia do inevitável, e percebê-lo antes, como risco. Este é hoje o desafio a
que se propõe contribuir o projeto PCRD.
16 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Além disto, como referência nos trabalhos de promoção da cultura de riscos de desastres está
a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD), entidade ligada à ONU e que
promove bienalmente a Campanha Mundial de Redução de Desastres, articulada no Brasil pela
Secretaria Nacional de Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional.
Para o período de 2010 a 2015, a Campanha da EIRD, no inglês denominada Making Cities
Resilient, My City is Getting Ready, pauta-se na crescente urbanização mundial e nos
problemas decorrentes de uma ocupação desordenada em contraponto à necessidade de
prever riscos e criar ferramentas de adaptação e de enfrentamento para a construção de
cidades mais seguras.
Neste sentido, o projeto PCRD, entendido como parte dessa Campanha Nacional, define como
objeto de trabalho a área de Comunicação e Percepção de Riscos. O seu objetivo,
apresentado mais detalhadamente a seguir, é o de contribuir para a promoção da cultura de
risco com a ampliação da percepção de risco e do desenvolvimento de ferramentas eficazes de
comunicação de risco, com ênfase na questão ambiental, contextualizada, portanto, com a
urgência da sustentabilidade, sobretudo, em tempos de mudanças climáticas.
Realizado em 1992, 1997, 2001 e 2006, com amostra da população brasileira, o estudo é o
mais completo documento sobre a percepção dos cidadãos em relação às questões
ambientais. Na última edição, realizada quase 15 anos após o Brasil sediar a Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92), alguns resultados são
preocupantes.
Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD 17
Para boa parte dos brasileiros, meio ambiente ainda é sinônimo de fauna e flora e, portanto, o
homem não integra essa problemática. Logo, a questão ambiental mais lembrada pelos
entrevistados foi a das florestas, ignorando outras temáticas, principalmente aquelas
relacionadas ao meio urbano, onde se encontram 84% da população brasileira (IBGE, 2010).
A percepção não sofre variação de região para região, porém quando comparadas as
respostas com o grau de formação escolar, as diferenças são significativas. Quanto maior o
nível de escolaridade, maior o conhecimento sobre as questões ambientais.
A avaliação de outras instituições, apesar dos esforços públicos e privados em prol do meio
ambiente, mantém-se sustentada em estigmas de que "o governo e os empresários são vilões
do meio ambiente". A principal explicação para esse registro é o nível de informação dos
brasileiros sobre temas ambientais.
O estudo, cujo tema central de 2006 foi Biodiversidade, concluiu, entre outras questões, que os
conceitos biodiversidade e meio ambiente precisam ser mais bem compreendidos,
principalmente suas correlações com o cotidiano das pessoas. Outra conclusão preocupante
do estudo refere-se à relação entre consciência e mudança de atitude. "O crescimento da
consciência espantoso e animador não é acompanhado na mesma medida de comportamentos
que indiquem mudanças significativas de hábitos ou atitudes" (MMA, 2006:10).
A pesquisa registra que “em nove possibilidades de opção [a questão do meio ambiente]
recebe o último lugar, mas outros problemas associados à problemática ambiental, como
esgoto, lixo e enchentes aparecem bem posicionados.” (MMA, 2010:7) Com a análise
específica do item moradia, elemento que melhor se vincula à percepção de risco, verifica-se
que apenas 10% da amostra pesquisada apontam o tema como um entre os três problemas
urbanos mais importantes em sua cidade.
É nesse cenário que se encontram os principais desafios da Defesa Civil para lidar com o
gerenciamento de riscos. No Brasil, ainda são escassos estudos sobre a percepção do
brasileiro diante dos riscos ambientais, naturais e tecnológicos. A ausência de estudos dessa
natureza dificulta ainda mais a formulação de políticas públicas capazes de envolver as
comunidades, por exemplo, nos processos de tomada de decisões acerca de um determinado
risco.
18 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
A grave crise ambiental vivida pela humanidade nos tempos atuais explica, em parte, o
aumento da frequência e da intensidade dos eventos calamitosos causados por fenômenos
naturais verificados nas últimas décadas do século XX e no primeiro decênio do XXI.
Tais contingências – quase sempre agravadas pela ação antrópica – fizeram com que a
produção de estudos acadêmicos sobre o tema proliferasse mundo afora, resultando em
múltiplas teorias e conceitos que fomentam a ciência do risco na sociedade pós-moderna.
No entanto, os desastres naturais não são nenhuma novidade. Ao longo da história, desde que
deixamos de ser nômades até a formação dos primeiros aglomerados urbanos, sempre
ocorreram vicissitudes dessa natureza (BRUMES, 2001).
No período medieval e na Idade Moderna, o adensamento populacional das urbes expôs ainda
mais o homem a situações de riscos. No ano de 1332, sete milhões de chineses foram
afogados por uma megainundação, e outros dez milhões morreram em função da fome e das
doenças que sobrevieram ao desastre (BRYANT, 1997). Já o grande terremoto ocorrido em
Lisboa, em 1755, matou mais de 30 mil pessoas (MUNICH RE GROUP, 1999).
Neste século, o exemplo mais proeminente foi a catástrofe provocada pelas ondas sísmicas
marinhas no continente asiático, em 26 de dezembro de 2004. À época, o tsunami, nome
popular do fenômeno, desalojou mais de 1,7 milhão de pessoas e ceifou 170 mil vidas (KOHL,
2005).
Além dos danos materiais, humanos e sociais, os eventos severos também acarretam enormes
prejuízos econômicos. No Brasil, um dos casos mais emblemáticos é o ciclone tropical
Catarina, o único furacão oficialmente registrado no Atlântico Sul, que passou pelo litoral de
Santa Catarina em 2004 e causou perdas de R$ 212 milhões.
Os estudiosos dessa área, que exige a colaboração entre as ciências físicas e sociais,
apontam as mudanças climáticas, o crescimento rápido e descontrolado dos centros urbanos e
a consequente ocupação de áreas de risco – zonas costeiras, margens de rios e córregos,
morros e outros ambientes vulneráveis – como as principais causas agravantes dos efeitos dos
desastres naturais (MARCELINO et al., 2006).
Os riscos, por sua vez, dizem respeito à probabilidade dos eventos danosos ocorrerem em
quatro escalas possíveis – global, nacional, regional e local – e, nesse contexto, a abordagem
adotada aqui se centra nos aspectos socioambientais e econômicos desses acontecimentos.
O risco do acidente, o risco de dar errado, o risco iminente, o risco elevado são alguns
exemplos corriqueiramente encontrados nas nossas literaturas técnica ou leiga, cujo
sentido predominante é o de representar certa chance de algo acontecer. Assim,
costumamos dizer que o risco é iminente ou que o risco é elevado para algo que nos
parece certo ou com grande chance de acontecer. Não é difícil intuir que “a chance de algo
acontecer” está relacionada com certo efeito observável sobre um bem que se quer
proteger, podendo ser esse bem o homem, uma espécie vegetal ou animal, ou ainda
propriedades e equipamentos (Cetesb, 2010:22)
Em síntese, o risco também pode ser entendido como a “medida de danos à vida humana,
resultante da combinação entre a frequência de ocorrência e a magnitude das perdas ou danos
(consequências)” (Cetesb, 2010:27). Embora alguns especialistas da ciência do risco avaliem
que é inútil tentar defini-lo (DODERLEIN, 1987), outros autores aprofundaram a investigação
sobre o significado do termo, alcançando múltiplas definições. Cientificamente, o conceito de
risco pode ser empregado em áreas distintas e classificá-lo é um exercício complexo.
Conforme esclarece Nardocci (1999):
Os riscos que têm como sujeito o ser humano, estando associados diretamente com as
atividades antropogênicas, são divididos em tecnológicos, ambientais e epidemiológicos.
Os riscos tecnológicos são os riscos para a saúde humana, decorrente de fenômenos
acidentais não naturais e caracterizados essencialmente por efeitos imediatos. Os riscos
ambientais são os riscos para a saúde humana, causados por fatores ou mudanças
ambientais induzidos por atividades antropogênicas e estão associados aos efeitos
crônicos. Os riscos epidemiológicos são os riscos para a saúde humana, imediatos e de
longo prazo, associados ao estilo de vida da população, doenças epidêmicas, uso de
drogas lícitas ou ilícitas etc. (...) A última classe é a dos riscos naturais. Estes têm como
sujeito também o ser humano, mas são causados por fenômenos naturais como enchentes,
20 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Outros autores, porém, afirmam que essa divisão será cada vez menos empregada, uma vez
que, em função do grau de complexidade de cada risco, não é possível mais diferenciá-los
entre si.
Ainda sobre a ciência do risco, é importante registrar os conceitos trabalhados por Castro, que
vivenciou e construiu a Defesa Civil brasileira durante catorze anos. Sua produção bibliográfica
serve hoje de referência ao Sindec, e é também, em maior parte, a referência do público alvo
do PCRD.
Em seu primeiro volume do Manual de Planejamento em Defesa Civil, Castro registra como
conceito de risco a medida de danos e prejuízos potenciais, expressa nos termos de
probabilidade estatística de ocorrência, e intensidade ou grandeza das consequências
possíveis (CASTRO, 1999:8-9).
Afirma também que o risco pode ser definido como a relação existente entre a probabilidade
estatística de que uma ameaça de evento adverso ou de acidente determinado se concretize
com uma magnitude definida; e o grau de vulnerabilidade do sistema receptor a seus efeitos
(CASTRO, 1999:9). Esta definição pode ser exemplificada pela seguinte representação gráfica,
onde dois eixos constituem as variáveis ameaça e vulnerabilidade, e a linha em diagonal que
representa o risco.
ameaça
RISCO
vulnerabilidade
O entendimento do risco sob essa perspectiva, ainda que simplificada, permite compreender
toda a sequência de ações de gestão de risco, uma vez que se baseiam pelas duas variáveis:
ameaça e vulnerabilidade. Significa dizer que a redução de riscos não se dá exclusivamente
pelas medidas estruturais, tampouco pelas não estruturais. Uma articulação entre ambas é
necessária e se dá nos quatro momentos de como é pensado o Sindec – prevenção,
preparação, resposta e reconstrução.
Pensar sob o eixo da ameaça é construir ferramentas de alerta e alarme, por exemplo.
Entretanto, todo investimento em equipamentos não tem efeito se o eixo da vulnerabilidade não
Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD 21
Iniciadas na década de 1970, nos Estados Unidos, as primeiras pesquisas sobre percepção de
riscos tiveram o propósito de entender os motivos que levavam famílias a residir em áreas de
riscos de inundações e de acidentes naturais.
Estudos de percepção de riscos, tanto nos Estados Unidos como em países europeus,
apresentaram resultados que pareciam já conhecidos, na prática, pelo público das Oficinas de
Capacitação em Comunicação e Percepção de Riscos – uma das ações do PCRD.
Outra conclusão desses estudos mostra que as pessoas tendem a aceitar riscos elevados se
eles forem voluntariamente escolhidos e a rejeitar riscos menores se forem percebidos como
imposição.
As pesquisas de percepção revelaram ainda que o nível de informação das pessoas é fator
determinante na sua percepção de risco e de possíveis benefícios associados a ele. Quanto
menor o nível de informação, maior o equívoco para perceber tanto o risco quanto o benefício.
Na prática, mais que na pesquisa científica, diversas iniciativas têm sido realizadas na área de
percepção de riscos. São ações que objetivam aumentar o conhecimento de comunidades
vulneráveis, de maneira que sua percepção de risco consiga ser ampliada.
Um dos trabalhos registrados nessa área, realizado pelo CEPED UFSC entre dezembro de
2007 e dezembro de 2009, chama-se “Percepção de Riscos: a descoberta de um novo olhar”.
Como atividade de extensão, e não de pesquisa, o projeto trabalhou com escolas estaduais de
Santa Catarina, produzindo material didático de apoio a professores, como vídeos, cartilhas e
livros.
22 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
A comunicação de riscos – por muito tempo tratada como mera transmissão de informações de
especialistas para o público leigo – passou a ser considerada importante ferramenta da gestão
de riscos, sobretudo, porque permite a troca de conhecimento, ideias, percepções e opiniões
entre os diversos atores sociais, incluindo as populações expostas aos riscos.
A comunicação de riscos é entendida como uma condição necessária à realização dos direitos
de toda pessoa em participar das tomadas de decisões que dizem respeito à sua vida e saúde.
Daí a ideia central de considerar a comunicação de riscos importante instrumento de
democratização do processo de tomada de decisão diante de um determinado risco.
A partir da base teórica no campo da comunicação de riscos, o PCRD, por meio de suas
oficinas de sensibilização e capacitação de multiplicadores, apresenta quatro modelos de
comunicação de riscos capazes de horizontalizar as tomadas de decisão, reduzir o medo e a
ansiedade das comunidades expostas, orientar o fluxo de informação, atender a demanda dos
meios de comunicação, inibir a propagação de rumores e melhorar a comunicação entre as
diversas instituições atuantes na gestão de riscos de desastres.
Entre os principais autores desse campo científico estão Peter Sandman, Susan Santos,
Magdalena Gadomska e Vincent Kovello.
Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD 23
Um dos exemplos é a pesquisa do psicólogo social, Serge Moscovici, de 1961, que deu origem
à Teoria das Representações Sociais, uma proposta de psicossociologia do conhecimento que,
ao mesmo tempo em que critica o behaviorismo e a psicologia cognitivista, propõe a
investigação da construção do senso comum para que seja possível compreender a reação de
interferência do social, incluindo o papel dos meios de comunicação, nos indivíduos e nos
grupos sociais (Pavarino, 2003).
Para Moscovici, dessa forma, o fenômeno das representações sociais é próprio das
sociedades pensantes (thinking society), onde os acontecimentos ocorrem em ritmo acelerado
e onde não há tempo suficiente para que as representações se tornem uma tradição das
sociedades contemporâneas.
Para os behavioristas, a mente era apenas uma lousa branca, onde nossas experiências
sensoriais podem ser escritas. Para os cognitivistas, essa lousa se transforma numa c aixa
preta onde as informações, palavras e pensamentos poderiam ser totalmente manipulados
1
Expressão em língua inglesa para meios de comunicação de massa.
24 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Essa nova significação possui um fim prático ao indivíduo e ao grupo: desenvolver algo que
fosse mais simples de compreender (pela lógica não científica) e que pudesse, ao mesmo
tempo, dar chance às pessoas na resolução de seus próprios problemas e conflitos. Isso
significa facilitar a compreensão de determinado tema pela sociedade.
Quando uma nova significação se torna necessária, então, é porque há conflitos entre o que foi
dito e o efetivamente compreendido. As representações expõem esses conflitos, apresentam
uma nova compreensão e permitem que discursos diferentes convivam em um mesmo
ambiente (Pavarino, 2003: 37).
Para ilustrar a sua teoria, Moscovici desenvolveu alguns conceitos que podem oferecer
algumas contribuições significativas aos trabalhos sobre mass media, como seus processos
formadores (ancoragem e objetivação), o princípio da transformação do não familiar em
familiar, os sistemas de comunicação: difusão, propagação e propaganda, além de serem, ao
mesmo tempo, produto social e parte do processo de construção dessa realidade.
A Hipótese do Agenda-setting, por sua vez, propõe que aquilo que é comentado, discutido e
pensado na esfera social deve-se, em grande parte, aos mass media. São eles o principal elo
entre os fatos e a opinião pública, entre o real, o compreendido e o imaginado (Kosicki, 1993).
São eles que dizem ao público, portanto, em que pensar e como pensar sobre determinado
assunto, direcionando a opinião pública e dando sentido à realidade social.
Mesmo assim, o poder da imprensa é limitado. Isso porque, no caso da Hipótese do Agenda-
setting, é possível apenas comprovar que os meios de comunicação pautam as conversas
Riscos de desastres e comunicação – a base do PCRD 25
cotidianas, mas nenhum estudo consegue provar que aquilo que a imprensa determinou ou
ditou como pensamento tenha sido acatado por sua audiência.
Em síntese, nem todas as pessoas ou grupos sociais são influenciados pelos meios de
comunicação. A sociedade está exposta ao universo midiático, mas quanto mais conhecimento
um grupo tiver sobre um dado assunto, menos estará exposto ao que diz o noticiário. Essa
característica está relacionada com a distância que o público possui sobre o assunto e não o
contrário: quanto menor a “experiência direta, imediata e pessoal que o público tiver com o
tema, mais influência ele receberá” (Pavarino, 2003:23).
O que se verá nos capítulos posteriores é a tentativa de refletir sobre as teorias aqui
apresentadas, contrapondo-as à realidade dos profissionais de defesa civil, suas expectativas e
experiências de campo; e à realidade de comunidades expostas a riscos, suas crenças e
atitudes.
No Brasil, não muito diferente de como aconteceu nos Estados Unidos, essa demanda de
ações, programas, atividades e compromissos no campo da comunicação de riscos – foco do
PCRD - surgiu dos próprios profissionais de defesa civil, em resposta às necessidades de suas
comunidades.
O interesse dos agentes de defesa civil pela comunicação de riscos não é recente, mas foi
durante o 5º Fórum Nacional de Defesa Civil, realizado em Camaçari, Bahia, em novembro de
2008, que ele ganhou eco e visibilidade.
Naquela ocasião, a maioria das intervenções dos presentes apontou os seguintes desafios da
gestão de riscos de desastres: a) falta de percepção e informação das comunidades expostas
aos riscos; b) fluxo acentuado e ora desencontrado de informação; c) propagação de rumores;
d) demanda acentuada da imprensa, sobretudo no contexto dos desastres; e) falta de
confiança e credibilidade das autoridades atuantes na área; e f) necessidade de contemplar a
participação das comunidades expostas aos riscos no processo de tomada de decisão acerca
dos problemas que dizem respeito a suas vidas.
Ao partir dessa proposição, o projeto PCRD foi concebido com o objetivo central de contribuir
para a promoção da cultura de riscos de desastres no Brasil, evidenciando a importância da
participação e do envolvimento de todos os setores da sociedade com os temas relacionados a
riscos de desastres. Para tanto, faz-se necessária a transformação dessa temática em
preocupação social e pauta da agenda de políticos, partidos, governantes, administradores
públicos, pesquisadores, acadêmicos, educadores e meios e profissionais de comunicação.
O projeto PCRD tem como público-alvo profissionais de defesa civil, de comunicação social,
bombeiros, acadêmicos, cientistas, educadores e demais públicos interessados ou atuantes
nas áreas correlatas. Todos são potenciais multiplicadores das ideias, informações e
conhecimentos alcançados com as atividades do projeto.
Para alcançar o objetivo central de promover a cultura de riscos de desastres no Brasil e, com
ela, fomentar a percepção e o nível de informação das comunidades, reduzindo, assim, a sua
vulnerabilidade frente às diversas ameaças, o projeto PCRD estruturou-se em seis principais
Objetivos e metodologias do PCRD 29
ações.
Nos capítulos seguintes cada ação será apresentada em detalhes, com descrição da
metodologia e dos resultados do PCRD alcançados no período de março de 2010 a dezembro
de 2011.
As oficinas foram programadas para ocorrer nas 27 capitais brasileiras, e elaboradas com o
propósito maior de ampliar a articulação entre Defesa Civil e as instituições atuantes na gestão
de riscos e de desastres e, assim, fomentar a participação local na construção da cultura de
risco no Brasil.
Seu conteúdo programático contempla e defende a ideia de que o acesso à informação ajuda a
promover uma percepção mais coerente dos riscos aos quais as comunidades estão expostas.
Com isso, é possível iniciar o processo de construção da cultura de riscos.
Com duração inicialmente de oito horas, a partir da quarta oficina a carga-horária passou a ser
de 12 horas, considerando a necessidade de ampliar a discussão sobre o Sindec e a
participação do público nas discussões durante a capacitação. Após a sensibilização dos
participantes, alcançada por meio de discussões de cunho histórico e teórico-conceitual, o
conteúdo foca na capacitação do público presente para a elaboração de programas e ações de
comunicação de riscos que permitam:
32 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
4.1. Conteúdo
Com base na discussão teórica apresentada no capítulo 2, o conteúdo das oficinas está
dividido em quatro partes, para as quais há referência técnico-científica e metodologias
específicas. No quadro abaixo, encontram-se as principais informações das oficinas, divididas
em blocos de conteúdo.
Parte I
Estão contemplados os seguintes temas:
Introdução ao Sistema Nacional de Defesa Civil;
Conteúdo A Defesa Civil e as suas Frentes de Atuação;
A Classificação dos Desastres quanto Origem, Evolução e Intensidade;
A Defesa Civil e as Novas Tendências.
Base técnico-científica Sistema Nacional de Defesa Civil
Metodologia Exposição de conteúdo por meio de projetor e discussão com os presentes
Duração De 1 a 2 horas
Responsável Representante do DMD/Sedec
Parte II
Momento dedicado à discussão com grupo focal, com o propósito de:
Identificar a percepção de riscos do público presente;
Identificar a percepção que o público presente tem acerca da percepção de riscos da sua
comunidade;
Conteúdo
Identificar os principais desafios enfrentados nas localidades, com foco na comunicação e
percepção de riscos;
Identificar lendas, estigmas e ideias acerca do comportamento da imprensa, da comunidade
e das autoridades responsáveis.
O conteúdo está fundamentado no Sistema Nacional de Defesa Civil e nas pesquisas dos
principais estudiosos da Ciência do Risco, com foco no campo da percepção e comunicação de
Base técnico-científica
riscos, como Peter Sandman, Susan Santos, Paul Slovic, Lennart Sjöberg e Magdalena
Gadomska
Discussão conduzida por uma pesquisadora que estimula, por meio de perguntas, a
Metodologia
participação do público presente.
Duração 1 hora
Responsável Sarah Cartagena, pesquisadora do CEPED UFSC
Parte III
Conteúdo O conteúdo contempla os seguintes temas:
Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas 33
Como anteriormente registrado, a carga-horária das oficinas passou de oito horas para 12
horas, distribuídas entre o primeiro dia do encontro, ocorrido às quintas-feiras, no período da
tarde, das 14h às 18h, e o segundo-dia, com as atividades das 8h às 12h e das 14h às 18h,
com intervalo de duas horas de almoço.
As três primeiras oficinas, realizadas nos estados do Tocantins e Mato Grosso e no Distrito
Federal, tiveram duração de oito horas. Foi a partir da quarta oficina, ocorrida no Amazonas,
que a carga-horária passou a ser de 12 horas, visando ajustar e adequar o conteúdo
trabalhado à realidade e necessidade do público-alvo.
34 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Por tratar-se de uma ação de capacitação, nos mesmos moldes de um processo convencional
de educação, seja ela técnica ou científica, há sempre o desafio de mensurar os resultados
alcançados. As ações de educação, formatadas na troca de informações, ideias, impressões e
conhecimentos, ainda que tenham os seus resultados quantitativos, no caso específico,
observados pelo número de aulas, de horas, de alunos presentes, de adesão etc., dão uma
contribuição maior, de forma mais lenta, porém efetiva, ao processo de mudanças de atitudes
capazes de fomentar o desenvolvimento da sociedade.
Assim, para explicitar o que as Oficinas de Comunicação já alcançaram, além dos números
acima, discorremos a seguir sobre alguns registros importantes.
Essa atividade, momento em que o público era estimulado a participar de um debate sobre
questões relacionadas à comunicação e percepção de riscos, revelou que para a maioria dos
presentes é quase que desnecessária a realização de pesquisas de percepção de riscos com
as comunidades, uma vez que, na visão desse público, as pessoas estão expostas aos riscos
por falta de opção de moradia.
À medida que o conteúdo programático avançava, era possível fazer um paralelo com a
prática, com foco na realidade brasileira. O público começava, aos poucos, a demonstrar uma
postura mais crítica em relação à sua percepção da comunidade e de sua exposição aos
riscos.
Após a parte teórica, no segundo dia, o público se envolvia intensamente com a realização de
exercícios, análise de reportagens televisivas sobre desastres e com a explicação dos quatro
modelos de comunicação de riscos.
Mesmo após a realização das 27 oficinas não foi possível identificar consenso sobre a relação
Caderno especial – percebendo riscos, reduzindo perdas 35
do público presente com a imprensa local e nacional, no entanto, a grande maioria dos
presentes criticou veementemente a imprensa local, apontando-a como despreparada,
sensacionalista e “vendida”.
Durante os debates, algumas pessoas chegaram a se alterar no momento em que o foco era a
atuação da imprensa. Muitas delas registraram as suas opiniões, impressões e críticas
sustentadas em velhos estigmas, como: “a imprensa manipula a população”, “as pessoas só
assistem a programas sensacionalistas porque não há opção”, “jornalistas são todos burros e
não sabem nada sobre desastres”, “jornalistas, quando querem, perseguem e destroem as
pessoas”, “os jornais da minha cidade são vendidos”.
Alguns presentes revelaram não entender muito bem a proposta dos dois centros, vistos como
responsáveis pela mesma função, mas que, para muitos, “não se conversam” – expressão
usada pelos alunos.
O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas, veiculado na Revista Com Ciência
Ambiental, é uma ação de divulgação do conhecimento técnico, científico e tradicional no
campo da ciência do risco.
Por meio de parceira com a Editora Lua Nova, responsável pela revista Com Ciência
Ambiental, o projeto PCRD contemplou o desenvolvimento de conteúdo técnico-científico para
16 edições, entre maio de 2010 e agosto de 2011, com impressão de 10 mil exemplares
mensais exclusivos ao projeto, sendo 9.000 distribuídos pela Sedec e 1.000 pelo CEPED
UFSC. Assim, o conteúdo abordado no caderno especial tinha potencial para alcançar cerca de
240 mil pessoas: público majoritariamente de formadores de opinião (75%) que corresponde ao
perfil dos leitores da revista Com Ciência Ambiental, sendo os outros 25% público específico do
projeto PCRD.
Com conteúdo médio de dez páginas, o Caderno deve servir à Defesa Civil Nacional como
referência teórica, técnica e científica. O conteúdo é de responsabilidade do CEPED UFSC
que, em parceria com a Sedec, define as temáticas e convida os autores, em sua maioria,
pesquisadores, cientistas, técnicos, lideranças políticas e comunitárias, cuja atuação e
experiência profissional tenham relevância para o tema de cada edição.
O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas almeja dar visibilidade à produção
intelectual de técnicos, cientistas, pesquisadores e demais autores atuantes na área de defesa
civil ou conhecedores das temáticas da área, conforme a tabela abaixo:
5.1. Resultados
Com base apenas nos 10 mil exemplares mensais destinados à Defesa Civil e às instituições
parceiras e atuantes na gestão de riscos de desastres, o Caderno deve ter atingido,
mensalmente, 60 mil leitores. A estimativa é baseada nos dados da ANER, segundo a qual um
exemplar de revista especialista, de conteúdo não perecível, é lido por cerca de seis pessoas.
Desses 10 mil exemplares da revista Com Ciência Ambiental, nove mil são distribuídos pela
Sedec e mil pelo CEPED UFSC.
Por sua vez, a produção do conteúdo do caderno seguiu a metodologia prevista para definição
dos temas trabalhados nos artigos e seleção de autores. Assim, o Caderno Percebendo
Riscos, Reduzindo Perdas favoreceu a discussão sobre prevenção de riscos de desastres e
intercalou autores entre pesquisadores do CEPED UFSC e convidados – profissionais de
defesa civil e estudiosos – como se vê na tabela seguinte, e na íntegra, no apêndice deste
relatório.
Nº de
Temas Autores Edição
páginas
38 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Os presentes nas oficinas também têm citado ideias, teorias e discussões abordadas no
Caderno Especial ou na Seção Cidades Seguras, tema do próximo tópico.
O processo de promoção de uma cultura de riscos de desastres deve ser composto por uma
série de práticas educativas e participativas que reforcem conceitos, incentivem a ação e
proponham a reflexão para a mudança de comportamento.
Produzir conteúdo jornalístico que retrate boas práticas locais, sobretudo aquelas de potencial
multiplicador e que contemplem a participação das comunidades expostas, é o principal
propósito da Seção Especial Cidades Seguras.
Por meio da publicação de reportagens, especialmente com foco na gestão de riscos, a Seção
Especial Cidades Seguras apresenta-se como mais uma ferramenta de divulgação de práticas,
iniciativas, programas e ações concretas de potencial multiplicador no Brasil.
6.1. Resultados
invisíveis, não vistos a olho nu, mas que alcançarão resultados efetivos.
A íntegra dos conteúdos publicados entre maio de 2010 e setembro de 2011, compõe o
apêndice deste relatório e estão também disponíveis nos sites da SEDEC (defesacivil.gov.br) e
CEPED UFSC (www.ceped.ufsc.br), conforme tabela abaixo.
Nº de
Títulos Edição
páginas
Com tiragem de 30 mil exemplares, a revista Com Ciência Ambiental tem como público-alvo
lideranças indígenas e comunitárias, pesquisadores atuantes na área de Ciência, Tecnologia e
Inovação (CT&I), empresários, estudantes, professores de graduação e pós-graduação,
educadores e demais interessados nas questões ambientais do meio urbano, rural e das
florestas, configurando-se como um importante veículo para promoção da cultura de riscos de
desastres.
Destaca-se ainda o conselho editorial da revista, que aloca quatro pesquisadores doutores,
com estudos nas áreas de avaliação de riscos, gerenciamento de riscos, comunicação e
percepção de riscos.
Neste sentido, O Caderno Especial Percebendo Riscos, Reduzindo Perdas e a Seção Especial
Cidades Seguras, além da veiculação de campanhas de prevenção de desastres, com
periodicidade mensal, são também norteados pelo pensamento de contemplar olhares diversos
e de distanciar-se de abordagens meramente negativas que tendem a provocar no leitor um
sentimento de apatia.
Em 2010, a revista foi parceira do Ministério da Ciência e Tecnologia, com produção sobre a
contribuição da comunidade científica brasileira para o desenvolvimento sustentável. E em
2011, Ano Internacional das Florestas, foi concebido o Concurso Ano Internacional das
Florestas – Concurso de Desenhos, Fotografias e Artigos – Uma contribuição à mobilização
mundial em prol das florestas.
7.1. Resultados
44 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
O espaço, entretanto, foi utilizado em apenas dois momentos. O primeiro, pela campanha
sobre queimadas da Defesa Civil Estadual de Tocantins, veiculada na edição de março de
2010. E o segundo, pela Sedec, para divulgação da Campanha Nacional Cidades Mais
Seguras, e da Semana Nacional de Redução de Riscos de Desastres, veiculadas nas edições
de outubro, novembro, dezembro de 2010.
A baixa adesão a essa ação do PCRD pode ser justificada pela ausência de campanhas de
comunicação e educação voltadas à gestão de riscos, concebidas no âmbito das CEDEC e
COMDEC. Outra explicação pode estar no fato de as defesas civis estaduais, na sua maioria,
não disporem de assessorias de comunicação próprias.
O convite de veiculação das campanhas foi feito pela Sedec, por meio de ofício no qual os
estados são convidados a receber as oficinas de Comunicação e Percepção de Riscos, e
reforçado quando da presença da equipe do PCRD, representada pelos três parceiros, Sedec,
CEPED UFSC e Revista Com Ciência Ambiental.
Um dos fatores que contribui para a formação da cultura de riscos em uma sociedade é a
organização de dados e informações de forma estruturada e com base metodológica
consistente. Exerce a função de fonte de informação confiável a pesquisadores, gestores
públicos e meios de comunicação, imprensa principalmente, favorecendo os processos de
tomada de decisão.
A proposta de gerar um anuário surgiu da constatação de que o Brasil ainda não dispõe de um
banco de dados oficial disponível para consulta, capaz de registrar e processar as ocorrências
de desastres, independente de sua origem (natural, mista e antropogênica) e de sua
intensidade (I, II, III e IV).
O que pode explicar a ausência desse recurso é o fato de o desastre não ocorrer no mundo, no
país, na região ou no estado. Ele acontece na rua, no bairro, na cidade e, portanto, demanda
que as instituições locais, como as COMDECs e o Corpo de Bombeiros, duas das principais
instituições atuantes na gestão de desastres, estejam devidamente capacitadas e disponham
de recursos, humanos, tecnológicos e financeiros, para registrar e processar as informações
sobre os desastres ocorridos nos municípios.
Essa primeira versão pretende incluir informações de 2007 a 2010, com base nas informações
do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) da Sedec. Essa
proposta se integra ao PNGR – Planejamento Nacional para Gestão de Riscos, também
desenvolvido em cooperação técnica entre a Sedec e o CEPED UFSC. O PNGR pretende
construir um Sistema de Informações que estruture os dados relacionados à ocorrência de
46 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
O documento deve incluir também uma análise qualitativa dos dados apresentados, apontando
o caráter parcial do registro, que atualmente não é rigorosamente organizado e padronizado
pelos estados e municípios brasileiros ao enviá-los ao Cenad.
8.1. Resultados
Ainda que os seus dados não sejam verossímeis, pois estão registrados apenas os desastres
que provocaram a decretação de situação de anormalidade e demandaram o preenchimento
do relatório de NOPRED (Notificação Preliminar de Desastre), a organização da série histórica
de forma ilustrada e mais didática, servirá de fonte oficial de informação, ajudando a identificar
os tipos de desastres mais comuns no Brasil, as regiões e os estados com maior ocorrência,
assim como a época do ano em que são mais frequentes.
1408
1500
0
2007 2008 2009 2010
Vale registrar que esses números não correspondem ao total de desastres no Brasil, mas sim
Anuário brasileiro de ocorrência de desastres 47
aqueles que a Sedec tem registro de notificação. Isto se demonstra, por exemplo, durante
algumas das oficinas de Capacitação em Percepção Comunicação de Riscos de Desastres,
quando os pesquisadores do projeto PCRD, visando estimular a discussão sobre a importância
de um banco de dados de desastres, perguntaram aos presentes o número de desastres que
acometeu aquele estado, durante o ano de 2010, considerado um período recente na memória
das pessoas. Para a surpresa dos pesquisadores, as respostas eram totalmente divergentes.
Por exemplo, em um dado estado, os alunos responderam que em 2010 houve mais de 15
desastres “graves”, mas na série histórica da Sedec não aparece nenhum desastre naquele
estado, no mesmo período. Situações como essas se repetiram em várias oficinas.
Assim, apenas para ilustrar a discussão de que a série histórica da Sedec, na ausência de um
banco de dados, pode subsidiar as instituições competentes a conceber e a promover ações de
prevenção, apresentamos alguns gráficos com base nessa realidade.
No gráfico seguinte, sobre a incidência de desastres, por estado, de 2007 a 2010, nota-se que
o Rio Grande do Sul respondeu por 24% de todos os desastres notificados, número superior ao
de 17 estados juntos, ou 21% do total.
Como pode ser visto no gráfico anterior, dos quatro estados que compõem a região Sudeste,
apenas São Paulo não aparece entre os dez com o maior número de desastres – fato que
revela a vulnerabilidade das comunidades da região mais rica e desenvolvida do país.
Para fomentar ações, programas e iniciativas que visam promover a cultura de riscos de
desastres, faz-se necessário compreender os aspectos que influenciam a percepção de risco
no contexto da sociedade brasileira, os quais, segundo a Organização Pan-americana da
Saúde, estão diretamente ligados a cinco fatores/agentes: governo, ciência, sociedade, cultura
e os meios de comunicação (OPAS, 2007).
Os valores culturais, por exemplo, podem influenciar essa percepção, assim como a forma
como os meios de comunicação divulgam o risco e outros assuntos relacionados a ele e a
maneira como a ciência e os cientistas de uma forma geral comprometem-se e relacionam-
se com a sociedade (DI GIULIO, 2006:6).
A ausência desses estudos aumenta ainda mais os obstáculos enfrentados pelos gestores de
defesa civil quando se encontram diante da incerteza, do medo, das crenças, dos valores, das
percepções e dos níveis de informações das comunidades expostas a riscos de desastres.
Para subsidiar a atuação da defesa civil e, ao mesmo tempo, contribuir para os avanços da
ciência nessa área, o Projeto PCRD contemplou em suas ações esta pesquisa-ação no campo
da comunicação e percepção de riscos de desastres, a qual está estruturada nos seguintes
procedimentos:
a) revisão bibliográfica;
c) discussão com grupo focal com o público presente nas oficinas de capacitação;
Cada oficina teve as suas particularidades e, por esta razão, em alguns estados não houve
tempo hábil para os participantes responderem o questionário da pesquisa de opinião. Assim,
do total de 27 oficinas realizadas, os questionários foram aplicados em 21 delas, não
contemplando as seguintes unidades federativas: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa
Catarina, Acre, Amapá e Pernambuco.
Deve-se ainda salientar que na primeira oficina do projeto, realizada em Palmas, Tocantins, em
março de 2010, o modelo de questionário não havia passado pela validação do grupo de
pesquisa do Projeto PCRD. Assim, foi aplicada a versão inicial do questionário, composto por
13 questões com respostas em escala de 1 a 10.
Após análise do grupo, o questionário passou a ser composto por 10 perguntas e manteve a
escala de 1 a 10 para as respostas.
Como pode ser observado a seguir, o público total de participantes da pesquisa de opinião foi
de 1.381 pessoas. Do total de respondentes, distribuídos nas cinco regiões do país, a maioria
era do sexo masculino, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 51
8%
23%
69%
7% 16%
16%
15% 28%
18%
N NE S SE CO SR
A análise da tabulação dos questionários permite destacar algumas inferências. Uma delas é
sobre a afirmativa de que “uma pessoa e/ou comunidade jamais aceita ficar exposta a um
risco” (pergunta 7). Para 21,6% dos participantes da pesquisa, a afirmação está totalmente
errada, mas para 10.3% foi assinalada a casa 9 de concordância, numa escala de 1 a 10. Os
dados demonstram a dificuldade dos respondentes consensuar e compreender as causas que
levam alguém a ocupar uma área sabidamente de risco.
52 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Destaca-se também que 77% acreditam que a avaliação social do risco deve ter uma ampla
participação no conjunto total da avaliação de risco (pergunta 2). Ao mesmo tempo, igualmente
77% da amostra atribuem um alto nível de credibilidade aos avaliadores científicos do risco
(pergunta 3).
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 53
ROTEIRO DE PERGUNTAS
Foco Retorno
Foco Riscos Foco Percepção Foco Grupo
Grupo
comodidade, áreas?
4. Quando falamos
em desastres no Por falta de opção,
8. Como medir
Brasil, de qual ou Por injustiça social...
valores em vida e
quais, rapidamente
moradia?
lembramos?
9. Que mecanismos
poderíamos usar
para retirar as
pessoas das áreas
de riscos?
10. Alguém é
culpado por essa
situação (pessoas
em áreas de
riscos?)
A análise do conteúdo dos grupos focais demonstra que a percepção de risco dos
multiplicadores geralmente está atrelada à vulnerabilidade social da população. Segundo a
opinião da maioria dos participantes, o principal fator responsável pela ocupação de áreas de
risco é a falta de opção. O estímulo à reflexão faz aparecer outros motivos, como: status quo,
cuidados e assistência de terceiros, comodidade e outros benefícios.
O grupo é sempre levado a pensar nas soluções a partir de sua atuação. Em geral, aparecem
como estratégias: educação formal e informal, investimento em políticas públicas e
planejamento urbano ordenado. Dificilmente os participantes relatam, voluntariamente, o papel
dos meios de comunicação, ou as estratégias de comunicação de risco, como parte do
processo de mudança de comportamento e ampliação da percepção de risco.
Talvez, a razão maior para que ferramentas de comunicação de risco não sejam
imediatamente apontadas pelos participantes da oficina esteja no fato desta ser uma
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 55
abordagem recente, posterior à década de 50 (SPINK, 2001). Assim sendo, apreende-se que a
própria cultura de comunicação de riscos, não faz ainda parte do cotidiano dos agentes de
defesa civil. A constatação sustenta e reafirma a importância do PCRD, com as oficinas e
capacitações, salientando o quanto a prevenção de riscos pode ser apoiada pelas ferramentas
de comunicação.
Sobre a percepção de risco, afirmaram: “a necessidade dos moradores de área de risco é mais
premente que o risco”; “eles têm noção de risco, mas não acreditam que vai acontecer”;
“quanto maior a percepção de risco, maior a minimização”.
*****
A discussão teve início a partir de aplicação de dinâmica de grupo, em que cada participante
deveria utilizar uma palavra para representar o conceito de percepção de risco. As palavras
56 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
apresentadas foram:
Já na condução do grupo focal um dos temas mais enfatizados foi a importância da mudança
cultural, atrelado ao momento de fortalecimento da defesa civil por meio da 1ª Conferência
Nacional de Defesa Civil e Assistência Humanitária.
O grupo foi levado a refletir que instituições são responsáveis por trabalhar ações de
prevenção de riscos, estimulados a pensar sobre seu próprio papel e o papel da imprensa.
Questões como ocupação de áreas de risco por pobres e ricos, risco versus benefício, e
atuação do poder público foram amplamente debatidas. Para a redução de riscos, a solução
mais apontada foi a educação, vinculada ao trabalho de informação e construção de uma
cultura apta a perceber e prevenir riscos.
*****
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 57
O que se percebe até aqui não é a falta de percepção de risco dos participantes da oficina,
mas sim a pouca familiaridade com a expressão e o conceito. O que pode refletir diretamente
nas estratégias que determinam sua atuação e em seus processos decisórios enquanto
gestores de defesa civil. Registram-se frases dos participantes ao final da dinâmica, a
descrever o significado e objetivo de suas encenações:
“é preciso estimular que as pessoas percebam seu papel de cidadão: direitos e deveres”
O passo seguinte foi estimular o grupo a pensar em estratégias de ação que consigam
trabalhar a mudança de comportamento com indivíduos que ocupam áreas de risco.
Informação foi o tema central da discussão, chegando à percepção de risco. Para o grupo a
percepção de risco passa também pela percepção dos gestores, apresentados como agentes
pouco atuantes. A atividade de pesquisa-ação foi, entretanto, interrompida devido ao tempo
restrito e atrasos para o início da oficina. A sequência deu-se com a Diretora do Departamento
de Minimização de Desastres da Secretaria Nacional de Defesa Civil, Daniela Lopes, que
discutindo sobre o SINDEC e aproveitando as falas do grupo ponderou que o desastre ocorre
diante da exclusão de políticas públicas, sendo o risco democrático, mas não o acesso a
serviços de educação, saúde, etc., que se associam às melhores práticas de prevenção e
preparação.
*****
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 59
O registro do grupo focal ocorrido no Estado apenas relata a tentativa de conduzir um processo
de investigação sobre percepção e comunicação de risco com os presentes, uma vez que
devido aos interesses do grupo não foi possível abordar o tema.
Influenciados por fortes questões políticas o grupo desviou a todo o momento a discussão
sobre percepção de risco para as interferências negativas ocasionadas pela falta de políticas
públicas e ausência de uma administração pública adequada.
*****
Quando indagados sobre a possibilidade de se conviver com o risco, parâmetros para definição
de riscos aceitáveis, e alternativas para convivência com risco, o grupo silenciou. Em seguida,
um dos participantes afirmou: “ninguém vai levantar e falar sobre isso, porque isso não é feito
(...) a única coisa que fazemos é tapar o olhos e fazer de conta que não está acontecendo”.
A atividade conduziu à discussão sobre a exploração das possibilidades de ação dos órgãos de
defesa civil, gerando o consenso entre os participantes de que o papel da defesa civil é o de
acionar órgãos públicos. A noção de encadeamento para a mobilização social também se fez
60 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
presente: “despertar em vocês, para que despertem onde trabalham, para que desperte a
sociedade na prevenção”.
*****
Entre as causas relatadas para ocupação de áreas de risco, foram apontadas: falta de opção,
benefícios, descompromisso público, saques em situação de emergências e falta de
informação.
*****
além de serem fortes, precisam parecer fortes. O retorno do grupo foi imediato, dizendo que
“não há fomento por parte do Estado e nem por parte do governo em capacitar os profissionais
de Defesa Civil. Os profissionais capazes não sã valorizados e, portanto, é dinheiro mal
empregado”.
Com a mediação de Mateus (SEDEC) como facilitador do grupo focal o grupo definiu risco
como:
Acham que não existe risco zero e que o risco pode ser positivo ou negativo.
“Enquanto você está em sua casa, na rua você está exposto a outros riscos”.
Diversas vezes exemplificaram suas falas com exemplos de direção defensiva. Acham que as
pessoas precisam minimizar os riscos. “o risco pode ser aumentado ou diminuído por uma
gama de fatores. A informação, neste sentido, é muito importante”.
Debate acerca da informação se estabelece, enquanto alguns pensam que falta informação,
outros entendem que as pessoas sabem dos riscos a que estão expostas, mas não fazem
nada a respeito. Alguns acham que é preciso envolver dinheiro. Outros dizem: “informação não
muda comportamento”.
Em tom pejorativo, um dos componentes do grupo afirma que os seres humanos são suicidas e
que são imprudentes porque esquecem os riscos. E completa, “na minha opinião ele não tem
que ter educação, a pessoa só aprende apanhando”.
Quando Mateus pergunta o que leva as pessoas a morarem em áreas de risco, o grupo
salienta a falta de opção. Divergências também aparecem, pois outras pessoas entendem que
no Estado não falta opção. “todos os anos a Defesa Civil e os bombeiros querem tirar as
pessoas de lá. As pessoas vendem suas casas e voltam. As pessoas estão lá porque querem,
porque é próximo do centro”.
Há quem afirma que a condição de vida da população é baixa, não tem emprego, não tem
62 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Outros acham que faltam políticas públicas, saneamento, informação, e que é um conjunto de
fatores que implica na “decisão” de uma pessoa continuar a viver em áreas de risco.
Citam que há famílias que passam seis meses em abrigo e seis meses na casa, quando não é
época de chuvas. Acha que os órgãos públicos acostumaram mal as pessoas.
Além das chuvas, falam dos problemas relacionados aos incêndios florestais, que assolam a
região todos os anos, sazonalmente. Falam que as queimadas decorrem dos ciclos de
desmatamento e que também fazem parte do ciclo de desenvolvimento agrícola da região.
“Nem sempre o incêndio é criminoso. Nós somos hipócritas, muitas vezes. Incentivamos as
queimadas e depois reclamamos dos incêndios florestais”.
Outros afirmam que o maior problema está no plano diretor que não funciona. Não houve
comissões para discutir o plano, apesar da ótima topografia, temos problemas com recursos.
Falta vontade política para apontar onde os recursos precisam ser investidos. Os gestores não
querem saber o que está acontecendo nas áreas de risco. “Falta vontade política e
continuidade das ações”.
Terminam o debate dizendo que no Estado também os riscos habitam áreas de risco e
ninguém faz nada. Querem morar perto do rio porque é bonito.
*****
A diversidade e qualidade de participação do público desde o início da oficina fez com que o
grupo focal não ocorresse como nos outros cursos. As percepções do grupo sobre riscos de
desastre mobilizaram debates contínuos entre os participantes, sem que houvesse a
necessidade de mediar o debate de forma estruturada. Relataram:
Falas que identificam um contexto de transformação no país com relação aos riscos de
desastres e que indicam a relevância dos aspectos culturais na percepção e convivência com o
risco. Ainda relataram que os riscos estão relacionados à cultura de planície, a qual não se
adapta às necessidades de construção em morros. A questão da infraestrutura urbana que não
considera as águas servidas, por exemplo.
Entendem que, muitas vezes, as pessoas não sabem que moram em áreas de risco. “Nossa
sociedade privilegia a abordagem objetiva dos riscos e não os riscos subjetivos. Devemos ter
clareza com relação a esta questão”.
Acham que a defesa civil não pode aparecer só no desastre, mas durante todo o ano. “É
preciso que saia na mídia o pensamento da comunidade, junto com a do jornalista”.
Perguntam: “a quem interessa a fragilidade da defesa civil?” e ainda refletem sobre a
autonomia da produção das matérias jornalísticas com relação aos desastres: “quem paga as
matérias?” “política não há para que haja campanhas de prevenção?”. Acham que os meios de
comunicação fazem o que querem. E que “quando não tem vítima, não tem repercussão na
mídia”.
Refletem, também, com relação à própria Defesa Civil e suas dificuldades estruturais e
políticas que “a gente precisa saber que a Defesa Civil quer, pois não temos identidade
alguma. Tem município que tem equipe, outros não têm. A política Nacional de Defesa Civil é
muito bonita no papel, mas na prática não tem recursos para as obras”. Ainda com relação às
obras ressaltam “uso e ocupação do solo, maior problema da defesa civil, precisa de ações
estruturais e não podemos fazer nada”.
A questão dos recursos disponíveis à Defesa Civil se apresenta, mais uma vez, como
dimensão relevante com relação aos entraves que enfrentam seus agentes, analisam que falta
interdisciplinaridade e que não há recursos para impedir algumas situações, como as
construção de casas em locais inadequados. “Como é que eu posso pedir para uma COMDEC
ser mais atuante, mais preparada, se quem tem o dinheiro é a união?” e concluem: “para
fortalecer a Defesa Civil é preciso fortalecer os municípios”. “Vão pensar que a CODECIPE é
risco, risco de não ser bem capacitado, bem preparado”.
*****
64 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
A discussão teve início após o grupo responder às perguntas do questionário. Assim, para dar
sequência ao contexto, incentivou-se que o grupo opinasse sobre a capacidade de moradores
de áreas de risco em realizar uma avaliação de risco a respeito da área que habitam.
A opinião que mais prevaleceu no primeiro momento foi de que as áreas de risco são ocupadas
em função de falta de opção, ou por conveniência como a proximidade ao trabalho. Por outro
lado, um dos representantes de COMDEC pontuou sobre a dificuldade de compreensão sobre
o risco, dizendo:
“Quando você chega para um morador para falar sobre o risco, ele responde que o local pode
até ser perigoso, mas que não é área de risco, não!”
Outros participantes expuseram a situação de moradores que percebem nos desastres e nos
riscos possibilidades de ganhos, como a obtenção de casas de realocação para depois vendê-
las.
Fato bastante caracterizado pelos participantes foi a dificuldade de articular soluções devido às
interferências político-partidárias, uma vez que as decisões pouco são pautadas em políticas
de estado.
*****
A discussão como o grupo teve início com o incentivo à reflexão sobre as razões para que
ocorram as ocupações em áreas de risco. As falas do grupo, entretanto, apresentaram uma
maturidade antes não identificada explicitamente nos demais grupos focais, qual seja a
compreensão da dificuldade em identificar as razões para ocupação das áreas de risco. “Quem
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 65
*****
A oficina realizada no Estado contou com a presença principalmente de agentes de defesa civil
e de bombeiros, além de algumas COMDECs, profissionais de comunicação e instituições de
meio ambiente.
Para discussão do grupo focal, apesar do pouco tempo disponível, o grupo enfatizou as
dificuldades para realizar a gestão de risco, devido ao que chamaram de “turismo do desastre”
caracterizado pela atenção exacerbada nos momentos em que ocorrem os desastres e da
pouca atenção para os momentos de prevenção e preparação.
Além disso, o grupo pontuou a necessidade de que as COMDECs possam articular-se para
produzir melhores trabalhos e resultados em prevenção de riscos de desastres.
*****
A primeira fala local, referindo-se à capital do Estado, enfocou a constituição formal das ações
de defesa civil, por meio da afirmativa “Uma cidade de 200 anos onde vai ser fundada, agora, a
Defesa Civil”.
Ponto forte durante a fala dos participantes foi a interferência de crenças e mitos na percepção
de risco, com destaque à necessidade dos processos educativos para mudança de
comportamento de comunidades, por meio da construção do conhecimento e considerando-se
o nível de abstração de cada indivíduo.
*****
66 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
*****
*****
Como metodologia de trabalho, após discutir as principais razões para que ocorram as
ocupações em áreas de risco, estimulou-se o grupo a discutir sobre as principais possibilidades
de atuação e principais estratégias para solução dos problemas.
Pela escassez de tempo disponível para execução da atividade no Estado, não foi possível
aprofundar a discussão. O grupo, entretanto, enfatizou a dificuldade de atuação por falta de
recursos a serem investidos diretamente nas instituições de defesa civil, dificultando seu
trabalho de prevenção.
*****
“O mesmo que destrói pode prevenir. O mesmo que interfere negativamente pode interferir
positivamente.”.
A ideia da percepção de risco para o grupo está diretamente associada à prevenção dos
desastres, e neste caso no papel fundamental da atuação comunitária.
Na gestão de desastres, a resposta deve funcionar como processo de ajuda aos afetados.
*****
Outra dificuldade apresentada foi com relação à remoção e retorno à área de risco, apontando
como solução retiradas que incluam destruição imediata de casas ou cercamento e isolamento
da área. Segundo os presentes, os ribeirinhos destacam-se pelo apego ao local: “acorda e vai
pescar o café da manhã”, contrapondo a retirada desses moradores para áreas longe do rio.
“Muitas vezes, não é necessário remover, mas investir em infraestrutura”.
*****
Neste sentido, a investigação com comunidades foi acordada com cada Coordenadoria
Estadual de Defesa Civil, que indicou uma localidade para a realização da atividade.
Orientados pelos pesquisadores do PCRD a equipe técnica de cada Defesa Civil Estadual
selecionava, sempre que possível, ao menos uma área de risco considerada relevante, ou uma
comunidade que tenha sido retirada de área de risco, e instalada em um novo bairro, por
exemplo. Foram visitadas ao todo 28 localidades, com 79 pessoas participando diretamente
desta etapa da pesquisa, como ilustram os gráficos abaixo.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 69
ROTEIRO DE PERGUNTAS
1. A quais riscos sua 5. O que explica 10. Você se sente 15. Já aconteceu de alguma
comunidade está algumas famílias, suficientemente informado família ter de sair de casa?
exposta? pessoas ou a sua sobre os riscos aos quais Por quê?
comunidade como um está exposto?
2. Desses, quais são os todo vir a residir em 16. Como ocorre o processo
que mais preocupam a uma área de risco? 11. Como essas de negociação para retirada
comunidade? Por quê? informações chegam até de uma pessoa ou família?
6. Como a você? Quem faz essa
3. Alguém fez a avaliação comunidade convive comunicação? 17. A comunidade tem
desses riscos ou essa com esses riscos? participado das decisões
avaliação é da própria 12. O que você acha que relacionadas a uma situação
comunidade? 7. Qual o maior poderia mudar nessa de risco?
problema da comunicação?
4. Vocês concordam com comunidade? 18. Como você avalia essas
essa avaliação de riscos? 13. Você ou alguém da decisões. Como você s
Por quê? 8. Você conhece os comunidade já teve algum acham que deveriam ser?
riscos aos quais está tipo de dificuldade para
exposto? obter informações sobre
riscos?
9. Como você avalia a
noção de risco de sua 14. Como você avalia o
comunidade? papel dos meios de
comunicação?
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 71
Visitando comunidades expostas aos mais variados riscos, a equipe de pesquisa do projeto
investigou a percepção de risco de moradores de área de risco. Infelizmente, fatores como
exclusão social e violência ainda desvirtuam o olhar das comunidades para o risco. No
levantamento, problemas com drogas, traficantes, violência e insegurança, estavam acima do
risco de inundações ou deslizamentos na escala de preocupação dos moradores
A partir dessas investigações apreende-se que as percepções dos moradores sobre o risco são
variadas e em poucos casos observou-se o entendimento do risco e a organização comunitária
para conviver com o mesmo. Os contatos revelam que a grande parte dos moradores resiste
em deixar o local, mas quando se tratam daqueles que deixaram o local há algum tempo, a
demonstração é de grande satisfação com a retirada.
A atividade foi realizada na sede do Núcleo Comunitário de Defesa Civil (NUDEC), espaço
compartilhado com a Associação de Moradores. Em formato de grupo focal, participaram da
pesquisa a presidente do NUDEC e mais três líderes comunitárias, além do acompanhamento
do representante da Defesa Civil Estadual.
A discussão teve início com a indagação sobre quais os principais riscos que afetam a
comunidade, procedida do relato dos riscos associados ao transbordo do rio Maranguapinho,
que alaga as casas da comunidade e já provocou óbitos por afogamento ou choque elétrico.
A líder comunitária, no entanto, ponderou: “é o povo que entra no rio, não é o rio que entra nas
casas”, informando que são cerca de 2 mil pessoas morando há cerca de 30 anos no local,
área invadida que não seria deixada voluntariamente pelos moradores. O grupo foi enfático ao
afirmar que esses moradores preferem seus três dias anuais de água dentro de casa, em troca
da garantia de “escola, emprego e comida” nos demais dias do ano.
72 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Questionado sobre outros tipos de riscos que podem afetar a comunidade, o grupo citou meio
ambiente e risco social: violência com mulheres e idosos, principalmente. As constatações das
integrantes do NUDEC baseiam-se em sua experiência como líderes comunitárias, que durante
o ano de 2010 conseguiram realizar duas palestras para a comunidade, uma sobre dengue e
outra sobre meio ambiente. Mas ainda há queixas. Para o grupo a “Defesa Civil podia
aumentar o trabalho de vir e conversar”, referindo-se à dificuldade de encontrar pessoas que
possam realizar trabalhos de mobilização e informação com a comunidade.
Para o grupo, no entanto, as motivações para mudança cultural perpassam também pela
participação dos gestores públicos. As lideranças registraram a ausência de posto de saúde e
de áreas de lazer, além de deficiências no sistema de recolhimento do lixo. E ao tentar
descrever sobre o papel da Defesa Civil nesse contexto, afirmaram que a função da “Defesa
Civil é detectar onde está o risco”, desejando que ela tivesse um fundo próprio para que
pudesse investir em trabalhos com as comunidades. O que se percebe nos discursos da
comunidade é uma quase impotência para solucionar problemas visíveis e bem
compreendidos, ao mesmo tempo em que lhes falta informação e capacitação.
2001, em parceria com a Defesa Civil e a Polícia Militar por meio dos Conselhos Comunitários
de Defesa Social (CCMS). “Eu não me sinto derrotada”, disse a líder comunitária.
*****
Segundo relato dos profissionais de Defesa Civil, o Morro do Avião era uma das piores
ocupações do município e frequentemente afetado pelas fortes chuvas, quando os barracos
eram levados pela lama. A realocação das famílias, que ocuparam o morro durante mais de 10
anos, começou com o processo de cadastramento e acompanhamento da Secretaria Municipal
de Assistência Social e Cidadania – SEMASC e da COMDEC, até a entrega oficial das novas
residências em 10 de junho de 2010. Apesar de a desocupação ter se completado, a Defesa
Civil permanecia fiscalizando a área, para evitar novas ocupações.
No bairro novo conversamos com alguns moradores que haviam chegado ao local há menos
de dois meses. O objetivo era conhecer suas percepções sobre a localidade que antes
ocupavam, comparativamente à sua nova realidade. Claudiane, José Domingos e Jaci dos
Santos foram convidados para um bate-papo quando caminhavam pelas ruas do novo bairro,
ao que prontamente aceitaram o convite.
Claudiane, de 28 anos, que durante toda a conversa permaneceu com o seu bebê de dois
meses no colo, morou no Morro durante cinco anos; o senhor José Domingos residiu no local
por três anos; e Jaci dos Santos por oito. Quando questionados sobre as principais dificuldades
de morar no Morro, as queixas foram com relação à violência e drogas, revelando que muitas
vezes era preciso trancar-se em casa. Voluntariamente os relatos não abordaram as questões
relacionadas a uma ocupação irregular em área de risco, denotando uma percepção de que os
prejuízos provocados por fenômenos, como enxurradas e vendavais, têm origem muito mais
natural que antrópica. Estimulados a refletir sobre as consequências das chuvas nos seus
barracos, a moradora afirmou “Pedia a Deus que não caísse”.
preocupações. “Não tenho medo de nada”, disse Jaci dos Santos. O senhor José Domingos,
por sua vez, encontrou na localidade uma nova fonte de renda. Transformou o quarto da nova
casa em uma mercearia. Passou a dormir na varanda, mas mostrou-se contente em ter seu
próprio comércio para atender ao bairro que começa a crescer com a entrega de novas casas e
apartamentos para moradores de outras áreas de risco do município.
Outro aspecto, frequentemente relatado pelos profissionais de defesa civil como uma das
principais dificuldades de seu trabalho, foi abordado com os moradores: famílias que ocupam
áreas de risco para receber moradias e aquelas que comercializam casas recebidas em
processos de realocação. O relato dos moradores reforça essa difícil realidade.
No novo conjunto residencial, conversamos também com Marcelo Rocha síndico de oito blocos
de prédios onde residem famílias provenientes de diversas áreas do município. Marcelo, um
dos primeiros contemplados com moradia no local, há cerca de cinco meses, mora com a
esposa e o filho Marcelo Vinícius, nascido depois de sua mudança para o novo apartamento. O
morador relatou algumas impressões bem diferentes do primeiro grupo.
Apesar de também satisfeito com a casa própria, o morador precisa gerenciar as dificuldades
de ser síndico de 128 apartamentos. São vazamentos de água e entupimentos de caixa de
gordura por conta de uma construção com duvidoso controle de qualidade. Assaltos e violência
por conta de usuários de drogas que percebem uma crescente movimentação no local. Contas
de água e luz para serem rateadas pelos moradores, exigindo a cobrança de taxas de
condomínio de uma população em grande parte desempregada.
São os desafios do Conjunto 17 de Março, enfrentados por Marcelo Rocha, não sem o apoio
da defesa civil municipal, que frequentemente visita o bairro para acompanhar sua ocupação.
O que se percebe nestes relatos é a necessidade de se trabalhar questões culturais novas
para os moradores, uma vez que o sistema de convivência com vizinhos passa a ser alterado
ao serem retirados de áreas de risco.
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 75
A pesquisa foi realizada em um município onde, segundo os profissionais de defesa civil, 85%
de sua área estão sob influência do Aquífero Karst, “que nada mais é, do que um reservatório
subterrâneo de águas em terrenos de rochas carbonáticas, uma área extremamente frágil que
requer cuidados quanto a sua ocupação.”
Os contatos com os moradores do município não foram realizados em forma de grupo focal,
devido as visitas terem ocorrido em diferentes locais para visualização das formações de
dolinas. A primeira visita foi realizada na localidade denominada Tranqueira, onde há cerca de
três anos abriu-se uma enorme cratera (dolina de cerca de 230 metros de diâmetro).
Segundo o relato dos moradores, o terreno cedeu de um dia para o outro. “Começou com um
pequeno buraco e no dia seguinte virou atrativo turístico. Tivemos de cercar o local com postes
de concreto para evitar a aproximação da imprensa e de curiosos”, contam os bombeiros e
profissionais de defesa civil do município. Trata-se de um local isolado, de mata, sem ocupação
urbana.
Na caminhada até o alto do morro, onde a dolina se formou, encontramos com moradores
locais que costumavam plantar na região, mas depois do ocorrido passaram a evitar a
permanência na área.
Em seguida, visitamos uma escola estadual abandonada. Uma construção utilizada apenas
durante um ano pelos alunos e logo interditada por causa das grandes rachaduras surgidas
nas paredes, teto e até pela descida do chão. Na sequência, a visita foi em uma área cercada
pela companhia de saneamento do Estado que ocorreu após a retirada de moradores,
pagamento de indenização e demolição de residências afetadas pelo fenômeno em
consequência das atividades da companhia nas proximidades. No local, não foi possível
conversar com os moradores, mas interessante foi perceber que inúmeras outras residências,
vizinhas à área cercada, permanecem na rotina da cidade - mais uma localidade próxima ao
centro afetada pela subsidência do solo.
natural formado, segundo informação dos profissionais de defesa civil, por uma dolina. Os
administradores do parque também informam que é comum o surgimento de novas aberturas
no solo, fato com o qual lidam com normalidade e sem grandes preocupações aparentes.
A última visita do dia foi ao Bairro Botiatuba, área rural do município. Recebidos pelo
proprietário de um pequeno sítio, fomos levados aos fundos da casa onde uma nova dolina
havia surgido.
Chamou a atenção a naturalidade com que todos tratavam do assunto. O proprietário contou
que durante 13 anos a área foi ocupada por água, como um lago. Um dia acordou e a área
estava seca, com um pequeno buraco no solo. “Secou um dia depois do temporal forte”. E
quando da nossa visita, o buraco já se transformara em uma abertura mais profunda e de
cavidade circular. Sérios, os profissionais de defesa civil recomendaram:
“Vou queimar” – respondeu o proprietário, referindo-se aos tocos de madeira que ficavam no
fundo do extinto lago.
“Cuidado! Amarre uma corda na cintura” – respondeu o Sargento, prevenindo o morador para o
risco de a abertura no solo ampliar-se.
Quando questionado sobre sua familiaridade com o fenômeno, o proprietário informou que
assim que a água secou, comunicou à Defesa Civil, que por sua vez levou até o local
pesquisadores da universidade federal. “Estiveram aqui um professor e um outro senhor. Me
pediram para acompanhar e avisar caso o buraco aumentasse. Acho que tenho de chamar eles
de novo porque aqui estamos em uma zona de muito calcário e muita água por baixo”.
Bem próxima à dolina está a casa de um vizinho. O proprietário conta: “Quantas noites não
dormiram. Sabe lá o que tem aí por baixo”. Durante os dois dias de visita às áreas, esse foi o
primeiro relato que demonstrou realmente preocupação. Em geral, as falas carregavam certa
tranquilidade e extrema familiaridade com o fenômeno, diferentemente da percepção dos
pesquisadores.
O que se percebe claramente é que estão todos bastante acostumados a viver em uma
permanente área de risco, onde, a qualquer momento, novas cavidades podem aparecer. Mas
os contatos com os moradores e agentes de defesa civil deixou a dúvida de quanto o costume
com o fato realmente reflete em preparação ou se o sentimento de “isso não acontece comigo”
ainda prevalece.
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 77
A pesquisa foi realizada na comunidade da Vila São José, que se localiza em área de
inundação. A Defesa Civil do município escolheu a comunidade em função da estrutura do
NUDEC, que conta com 20 integrantes e tem na igreja católica uma forte aliada.
O contato com a equipe de Defesa Civil é permanente, que informa ao padre a previsão de
chuvas no bairro, e a informação vai para o quadro de avisos da paróquia que tem uma seção
exclusiva para assuntos de defesa civil.
O trabalho dos integrantes do NUDEC, entretanto, tem suas dificuldades. A principal delas é a
necessidade de educar a população para a coleta de lixo, que é diária no bairro, mas muitos
moradores não respeitam. O bairro é dividido entre casas de classe média e cortiços onde
várias famílias dividem um espaço pequeno, e os corredores estreitos entre as casas dificultam
o acesso ou a saída no caso de enchentes. As lideranças dizem que há pouca solidariedade
entre os moradores e que é preciso trabalhar para “enraizar [na comunidade] a cultura de
apoio.” “Vamos encarar o problema, não adianta querer fugir.”, dizem em tom otimista, e
complementam “Na enchente você se sente bem, você ajuda a mulher grávida”
Outra dificuldade está no receio dos moradores que têm suas casas inundadas em sair para o
abrigo. “O pessoal não vai sair das casas porque, se sair, tem assalto”, relata o líder
comunitário. Há também aqueles que buscam se aproveitar da situação de afetado,
provocando, por exemplo, incêndios criminosos para receber indenização. “Não é vantagem, é
negócio”, disseram os participantes do grupo de discussão.
Para o grupo, a importância do NUDEC está no seu permanente contato com a comunidade,
de maneira que numa situação de desastres eles saibam a quem se reportar para pedir auxílio
adequado. “A comunidade conhece as pessoas mais vulneráveis, mas sem conhecimento pode
78 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
acabar prejudicando.”
Participaram do grupo focal o Padre Fernando Valadares, José Cláudio – líder comunitário;
Diogo, Veloso, Eduardo – agentes de defesa civil.
*****
O grupo focal foi realizado com três integrantes do NUDEC que desenvolvem um extenso
trabalho de prevenção com a comunidade local: Foguinho, de 22 anos; Wellington Marcos dos
Santos de 29; e Antonio Carvalho de Oliveira de 25 anos. Os principais riscos na comunidade
estão associados a chuvas e vendavais, como inundações, queda de taludes, e destelhamento
de casas.
O trabalho dos líderes comunitários começou há cerca de dois anos e meio, quando passaram
a fazer parte do NUDEC, existente desde 2002, mas que sofre frequente alteração de
lideranças em decorrência de questões políticas.
A conversa teve início com a narrativa dos jovens líderes sobre como começaram suas
atividades e como surgiu o interesse pelo NUDEC. Nos três casos, o envolvimento com outras
organizações comunitárias os levou à atuação em prevenção de riscos. Igreja, pastoral da
criança e associação de moradores foram seus vínculos, além de uma boa estrutura familiar e
educação, que segundo um deles, contribui para a melhor percepção das necessidades de
uma comunidade. Convivo com isso “desde criança, com meu pai socorrendo aqui, socorrendo
ali.”
“Eu quero que alguém faça pra mim. O nosso povo nunca pensa que tem que fazer alguma
coisa.”
“Eu tenho que saber onde plantar um pé de banana.”, referindo-se aos barrancos.
O apoio da prefeitura e da defesa civil foi mencionado várias vezes, como instituições que
incentivam o trabalho de prevenção e envolvimento com o tema, a exemplo da realização de
visitas, registro de fotos, retirada de famílias de áreas de risco, e instalação de placas de
orientação. O trabalho é integrado. “Eles ajudam, têm mais credibilidade” comentou Carlos –
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 79
Apoiados pela pastoral da criança os líderes fazem visitas nas residências e distribuem
cartilhas. As principais orientações são sobre a troca de pedras por lonas nos telhados, as
maneiras de evitar a dengue, e sobre o lixo. “As pessoas procuram a gente para nos perguntar
se está certo. Tem muito tempo que a gente não é chamado para socorro de urgência e
emergência”.
Na casa de Foguinho está instalado um pluviômetro, a leitura é diária, sempre pela manhã.
“Em função do pluviômetro tomam as decisões. A defesa civil liga para saber a leitura.”
Após o grupo focal os agentes de Defesa Civil levaram o grupo de pesquisa para uma volta
pelo bairro, onde foi possível verificar que muitas casas ainda mantêm pedras nos telhados. As
pedras fazem muito peso e mesmo que evitem que as telhas saiam voando, prejudicam a
segurança das residências quando as chuvas são fortes. No caminho, uma obra da prefeitura
para retirada de casas próximas a um córrego. Entulho, esgoto a céu aberto, e lixo doméstico
compartilhavam o espaço com os acessos às casas. Elisângela Dias da Conceição, de 25
anos, e moradora da localidade desde que nasceu, divide sua casa com mais cinco pessoas, e
está satisfeita com as obras da prefeitura. Diz que gosta de morar no local, e não gostaria de
ser retirada, apesar dos ratos e do fedor de esgoto. “Os ratos diminuíram bastante. Antes, na
hora do almoço, as panelas tinham que ficar fechadas. Se a gente bobeasse ficava sem.
Também entrava muita água e bicho, todo ano.”
*****
Com risco de alagamento, a primeira localidade caracterizava-se por uma ocupação irregular
às margens de um córrego, com muito lixo nas esquinas e à beira do corpo hídrico. Os relatos
de convivência com o risco de alagamento, feito por José Gomes, que mora no local há 12
anos, demonstram o apego ao local. O morador apontou a proximidade com o centro e com o
trabalho como pontos positivos, informando que não gostaria de se retirar do local. “As casas
enchem por poucas horas, a gente levanta tudo e espera abaixar”, afirmou o morador
acostumado às enchentes.
Jéssica, que mora com o marido e um filho há 17 anos no bairro, diz que quando os
80 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
alagamentos ocorrem, a única solução é correr para um local seco, afirmando que inundações
sempre aconteceram. Quando questionada sobre a quantidade de lixo e o sistema de coleta do
município, a moradora afirmou que há recolhimento três vezes por semana, o que leva à
conclusão de que a falta de educação em práticas básicas de higiene e bem-estar acaba
ampliando a situação de risco a que os moradores estão expostos.
*****
Em outra localidade, está Jesuína, há 20 anos moradora do bairro e que ficou sozinha com sua
casa numa área em que houve remoção de famílias e demolição das casas. A moradora
afirmou que se recusou a sair do local, principalmente em função de seu trabalho. Onde mora,
diz gastar R$10,00 diariamente com transporte para trabalhar, ao passo que gastaria R$50,00
se aceitasse a proposta de remoção. Jesuína mora com o filho e vive de costura e venda de
roupas. Diz não ter medo de morar no local, e que não vale a pena sair de um lugar central
para transformá-lo em parque. A situação remete à frequente discussão sobre o poder da
Defesa Civil para realizar retirada de moradores sem sua anuência, ponto de frequentes
discordâncias entre os próprios agentes de defesa civil.
Por fim, mais duas visitas foram realizadas na área para onde as famílias que residiam em área
de risco foram removidas. A rua não estava movimentada e os moradores pouco quiseram
conversar. Cleiton e Joselina, que conversaram por poucos minutos, afirmaram que no início
não queriam se mudar, mas que com o tempo acostumaram-se ao novo local. “O córrego
enchia e não havia lazer”, afirmou Joselina referindo-se à antiga moradia, mas ponderou sobre
as dificuldades atuais “a escola e o posto de saúde estão longe, e só este ano é que passou a
ter ônibus”.
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 81
Uma das moradoras mais atingidas foi a senhora Vanuza Pires, que reside no local há 8 anos,
e divide três pequenos cômodos no alto da favela com quatro filhos. A casa ficou toda
destelhada, fazendo com que perdesse o pouco que tinha (cama, televisão, guarda-roupas). O
atendimento do município foi imediato, com uma equipe trabalhando para recuperar o telhado,
e o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), articulando o atendimento às
necessidades da família e providenciando as doações de colchões, cesta básica e outros itens
de primeira necessidade. “A gente pensa que nunca vai acontecer” afirmou Vanuza referindo-
se ao destelhamento da casa, e com os filhos em volta durante toda a conversa. Quando
questionada sobre o interesse em sair do local, uma das filhas de Vanuza, com cerca de 6
anos, antecipou-se “não vamos sair daqui não, mamãe”, sendo completada pela mãe “As
crianças gostam, eu gosto também”. A moradora recebe bolsa família, e o marido mudou-se
para outra cidade em busca de emprego, mas desde então não contribuiu mais com as
despesas da casa.
Uma das perguntas realizadas em todas as conversas com moradores em áreas de risco
refere-se à principal preocupação do morador. O objetivo é saber se as questões relacionadas
ao risco registram-se naturalmente em suas falas. Mas a primeira ponderação de Vanuza
esteve atrelada às drogas e ao medo que seus filhos, à medida que cresçam, envolvam-se
com o problema. Em um tom de voz baixo, para que os demais não ouvissem, e ressabiada
com as consequências de sua fala, Vanuza pediu para manter em sigilo sua afirmação,
demonstrando medo e insegurança, e afirmando que muitas brigas ocorrem na comunidade em
função das drogas. Também por isso Vanuza nunca quis se envolver com a Associação de
Moradores do bairro. Ela fica sabendo das reuniões, mas não gosta de participar.
*****
82 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
No município da região metropolitana do Estado foram visitadas duas comunidades: Vila Nova
de Colares e Feu Rosa, afetadas por recorrentes enchentes. A conversa com os moradores foi
rápida, devido ao pouco tempo que o coordenador municipal de Defesa Civil dispunha para
acompanhar a equipe de pesquisa. Assim, foi apenas possível conversar com Dejanira
Florêncio de Oliveira que entre as principais preocupações registrou a violência, e o medo da
chuva, afirmando que “Não dormia quando chovia” e que, se pudesse, sairia do local, como fez
uma irmã que conseguiu construir uma casa.
*****
Foi realizada uma entrevista com o senhor Olvídio, 75 anos, liderança comunitária de Chão de
Estrelas, comunidade reassentada de uma área de risco de alagamento.
Apesar de sofrer com este problema, seu Olvídio não queria, a princípio, deixar a comunidade
Cabo do Gato, pois gostava da região e havia se habituado a morar ali. Como liderança
comunitária, acabou se tornando representante dos problemas locais da comunidade e se
tornou ator importante no processo de reassentamento. Hoje, após 30 anos de fundação da
sua ONG, na comunidade Chão de Estrelas, seu Olvídio desenvolve projetos relacionados ao
desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e leitura e escrita. Como tem vínculo
estreito com o CEPED local e desenvolve constantemente ações e cursos com o grupo, tem
clareza da importância da Defesa Civil na proteção das pessoas e da relevância de debater
sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável junto à comunidade.
Salienta que a Defesa Civil pouco vai à comunidade que enfrenta problemas com água,
alagamento, vinculado aos problemas de saneamento básico e pobreza. Bem organizada, a
comunidade vem lutando pelo centro comunitário, criaram uma padaria escola, e fizeram um
curso com CEPED local sobre prevenção de desastres.
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Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 83
Foi realizada uma visita em uma das principais áreas de risco do município, denominada Ibura.
Lá foi realizada uma conversa com Alcedésio, agente da Defesa Civil local e integrante do
NUDEC. Há em torno de 130 casas em áreas de risco. A topografia da região é feita de morros
com casas em áreas de alta declividade.
Alcedésio trabalha como agente de defesa civil com mais 22 pessoas e entre suas ações faz
visitas domiciliares, repassa informações, atende as demandas da comunidade, agencia a
limpeza das ruas e calhas. Pessoas da própria comunidade atuam fazendo a limpeza em
parceria com o NUDEC. Ele acha que a comunidade percebe os riscos, mas não fala porque
não quer sair de casa. Grande parte dos eventos se refere a deslizamentos por conta da
ocupação. Acha que a população sabe que mora em área de risco, mas tem a necessidade e a
teimosia também. Arrancam as placas colocadas pelo NUDEC. A área é muito vulnerável
socialmente, afirma Alcedésio, e, por isso, enfrentam muitos problemas com drogas.
Iraci, de 60 anos, mora em uma das áreas sujeitas a deslizamentos mapeadas pelo NUDEC.
Ali estão utilizando uma nova tecnologia, um gel que evita que o solo encharque com as
chuvas e deslize. Há oito anos ela vem sofrendo com o risco de deslizamento ao lado de sua
casa, construída em um corte de talude mal feito, em área de alta declividade. O acesso a sua
casa é feita por escadas. Mora na comunidade há 16 anos, mas há oito ocorreu o primeiro
deslizamento em sua casa. Desde então entra em contato com a defesa civil e com o NUDEC.
Ela e Alcedésio brigavam muito e com o tempo foram se tornando amigos, pois um precisava
da ajuda da outro. Quando foi morar ali não tinha medo de deslizamento, havia se separado do
marido e precisava de um local barato para viver. Era um rancho de madeira que ela foi
reformando e se transformou em uma casa de alvenaria.
Quando deslizou um pouco de terra, ela escutou um enorme barulho, saiu do quarto e ficou na
cozinha esperando. Tinha medo de sair de casa e chamou a Defesa Civil. Até hoje tem medo
de morar ali, quando chove muito teme que volte a deslizar como ocorreu mais algumas vezes
depois. Diz que não pode sair, pois é a única casa que tem e gosta da comunidade. Trabalha
como costureira em sua própria casa. Depois que passaram a utilizar o gel não deslizou mais,
acha que melhorou um pouco, uma vez que as lonas aumentaram o número de insetos e ratos
próximos a sua casa. Diz que não gosta das lonas por conta disso, mas sabe que são
importantes para evitar os deslizamentos.
Apesar da melhoria na qualidade de vida com o uso do gel, sabe que o problema não está
resolvido e continua com medo. Por isso, há muito tempo solicita que a prefeitura faça a
contenção da encosta com cimento, o que se pode observar em diversos pontos da
comunidade onde estão fazendo estas contenções.
84 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
*****
Localizada às margens do rio Branco, a comunidade Beiral - Caetano Filho foi o foco da
atividade de pesquisa de campo, onde todos os anos, sazonalmente, ocorrem inundações e
alagamentos devido às cheias do rio.
As casas do bairro são precárias, quase todas de madeira, localizadas a poucos metros do rio,
que guarda grande distância entre suas margens. Trata-se de uma das comunidades mais
antigas da capital, onde, segundo os relatos, teve início a ocupação da cidade. Também por
isso as famílias, antigas na localidade, são bastante apegadas ao lugar.
Mas o vínculo de Cisângela com o local é visível, o que a leva a não buscar outro local para
moradia, além das facilidades de estar em um bairro próximo ao centro da cidade. E mesmo
afirmando que não gosta dos abrigos, a moradora diz não ver solução para o problema, uma
vez que está habituada e não tem o desejo de se mudar.
*****
conversou com alguns moradores à medida que percorria sua principal estrada de acesso. A
estrada, paralela ao rio, estava bastante prejudicada pelas chuvas dos últimos dias, com vários
pontos de estreitamento, toda esburacada e com acesso interrompido após cerca de 20
quilômetros percorridos. No rio, meninos e meninas divertiam-se e refrescavam-se na tarde de
sol de sexta-feira. As crianças estavam sem aula há semanas, desde que o ônibus que as
levava à escola não conseguia mais transitar pela única via de acesso.
Na primeira parada, a equipe conversou com Jerusa Maria, de 27 anos, e Maria Rita, de 35.
Jerusa relatou, com naturalidade, que a comunidade já está acostumada à cheia do rio, e uma
creche num ponto mais alto serve de abrigo durante a noite que o rio entra nas casas.
Pelas falas da moradora e do agente de Defesa Civil, é possível perceber como a cheia do rio
faz parte do cotidiano das famílias, não sendo percebido como algo destrutivo, mas sim natural.
Os relatos demonstram a agilidade em proteger móveis e aparelhos domésticos sem que
sejam destruídos pela água, e igualmente o preparo em lidar com a inundação utilizando como
meios de locomoção câmaras de pneus de caminhão.
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José Nascimento - 76 anos, mora desde os 22 na localidade e já passou por várias casas.
Explica que a localidade passou a encher quando alteraram o caminho do rio, substituindo-o
por outro. A solução seria fazer retornar o rio antigo para o seu lugar original. é analfabeto. A
localidade nunca encheu tanto como agora. Quando perguntado se tem vontade de sair do
lugar, responde que se ganhasse uma casa boa sairia. É analfabeto e é aposentado.
Lucilene e Darlene - não gostam de morar no local, pois têm medo da enchente. “Quem gosta
de morar num lugar desses?" Darlene recém se mudou, pois ganhou a casa da sogra, mas não
gosta do local mesmo sem ainda ter passado por fortes chuvas. Lucilene antes pagava
aluguel, e há dois anos invadiu o local. “Antigamente enchia de 4 em 4 anos, agora tá mais
frequente, todo ano”. Mesmo assim as moradoras afirmam que as ocupações e invasões
cresceram muito no local, afirmando que "já não tem mais para onde crescer ou onde invadir".
*****
Na cidade foram visitadas duas comunidades em conjunto com os agentes da Defesa Civil do
Estado. A primeira delas, Aturiá, fica às margens do Rio Amazonas e recentemente foram
retiradas as casas mais próximas à margem, atingidas sempre que o nível do rio subia. Na
localidade, foram feitos contatos de casa em casa.
Amauri Miranda, que reside com a esposa e dois filhos há 12 anos no local, diz que não tem
medo de que o rio avance para a residência, apesar de nunca ter imaginado que subiria tanto,
como de uns quatro anos para cá. A residência é bem construída, de padrão médio, e está no
início do bairro, onde ainda não há palafitas. O morador, funcionário público federal, faz
reformas na casa, sem a intenção de mudar-se dali.
Percorrendo o bairro, o contraste entre a beleza natural do rio, e a degradação que a ocupação
humana provoca torna-se cada vez mais gritante. As palafitas dominam toda a área e abaixo
das passarelas e corredores o acúmulo de lixo e esgoto assusta. Ana mora há 7 anos no local,
vive de Bolsa Família e conta que quando chegou quase não havia mais espaço vazio para
construir sua palafita. Sua maior preocupação é com os cinco filhos, pela insegurança da
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 87
localidade, drogas, e também pelo lixo que se acumula. Incomoda-se com a área que alaga,
mas diz que não tem opção para morar em outro local, e que os apartamentos são sempre
muito pequenos e caros.
Nazaré, moradora há 5 anos na localidade, também aceitaria ir para outro lugar se tivesse
oportunidade. A moradora e seu marido sustentam seus três filhos com o benefício Bolsa
Família e com bicos como faxineira, ela, e pedreiro, ele. Possuem um filho cadeirante e
reclamam das dificuldades de acesso que enfrentam diariamente.
Divergindo da ideia de sair do local, e talvez porque conviva com a realidade há apenas um
mês, está Manuel que trabalha em um restaurante também de frente ao rio, já na saída da
comunidade e um pouco mais distante das palafitas. Quando perguntado se gostaria de residir
no local, Manuel não desfaz da ideia, apontando a permanente brisa do rio como ponto
positivo, e não manifestando medo de que a maré invada ou destrua o restaurante.
*****
Na outra localidade, denominada Mucajá, está uma favela que será futuramente removida para
496 apartamentos em construção em uma área vizinha. Segundo o relato dos agentes de
defesa civil, entretanto, a entrega dos prédios deve ser atrasada em função da má gestão dos
recursos. Em visita aos prédios, foi possível perceber como são pequenos, além de verificar
que alguns já se encontram danificados, mesmo antes de serem entregues. São vidraças
quebradas e muita umidade nos apartamentos térreos.
Na favela, poucos moradores pelos corredores, denotando certa apreensão, talvez pela
violência ou inibidos por traficantes. O cenário se repete: muito lixo, “gatos” em redes elétricas,
mau cheiro do esgoto a céu aberto, e cachorros maltratados pelo caminho.
Um grupo de jovens empina pipa no alto do morro, e parecem esconder cigarros quando os
pesquisadores, junto à Defesa Civil do Estado, se aproximam. Emilson, de 18 anos, é o único
que aceita conversar. Diz que se preocupa com a violência no local, mas acredita que após a
mudança para os prédios o problema vai melhorar.
*****
Rodrigues, de 60 anos, é proprietário de uma pousada ao lado do morro. Segundo seu relato o
morro foi muito degradado pela movimentação de pessoas que costumavam subir e escorregar
até a praia. A cidade foi invadida por estrangeiros que começaram a investir em negócios e
pousadas. Mas com o tempo o morro foi descendo, até que a subida foi proibida e hoje a área
é interditada. “No meio tinha muita vegetação. O povo começou a subir desenfreadamente. O
homem é predador, subia e pegava as plantas. Agora [o morro] não desce mais”, afirmou o
dono da pousada.
*****
Em seguida, a equipe conversou com moradores do bairro Mãe Luiza, um bairro pobre em que
a ocupação cada vez mais avança morro acima. A Defesa Civil monitora o local, mas pouco
consegue investir em ações estruturais para prevenção dos deslizamentos.
Irene Crispim Almeida, aposentada, com 75 anos e há 20 morando no local, abriu sua casa
para a equipe de pesquisa. Um quarto e sala pequenos, e nos fundos da casa as tentativas
frustradas de conter a descida do morro. “Tá diminuindo a distância do morro para a casa.” A
moradora, que tem os filhos como vizinhos do barraco ao lado, afirma que gostaria de ir para
outro lugar, mas não tem condições de pagar por nada. “Eu queria que me tirassem daqui, se
os filhos não quiser, eu vou só”. E preocupada com a ladeira que tem que subir para chegar em
casa, a moradora continua “Eu espero ou o muro de arrimo, ou uma casinha em outro bairro.”
Do outro lado do bairro, a beleza da vista para o mar contrasta com as casas pobres na rua.
Neste ponto foi possível confirmar a informação da defesa civil e ver as casas construídas em
cima dos muros de arrimo anteriormente edificados pelo poder público. Lucas, de 26 anos,
visivelmente drogado, não quer sair do local. Apontando para o mar, responde a pergunta se
gosta de morar no local “imagine se eu não gosto de morar.” Segundo os agentes de defesa
civil Lucas já foi beneficiado por programas de inclusão social do município, inclusive de
geração de renda, mas por causa das drogas, não consegue manter-se em emprego algum. O
morador ainda contou que “de dez anos para cá é que os problemas começaram a surgir”, as
famílias foram crescendo e construindo mais casas “de repente, explodiu” afirmou.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 89
A última visita ocorreu em uma localidade vizinha à Petrobras, área plana, de classe média,
com casas de alvenaria e asfalto. Segundo o agente de defesa civil que mora no bairro, a
empresa não faz nenhum tipo de treinamento, mas há projetos para tirar as casas mais
próximas às instalações industriais. “Ter medo, a gente tem”, diz o agente de defesa civil, mas,
em geral, a população prefere continuar no local, “porque é perto de tudo: escola, hospital.”
*****
A pesquisa de campo foi realizada com uma visita à localidade Chocolatão, situada no centro
da cidade, e de onde 125 famílias haviam sido removidas há 10 dias; seguida pela visita à
Nova Chocolatão, para onde os moradores foram levados.
O que se viu na Vila Chocolatão, após os barracos serem colocados abaixo, foram os restos de
30 anos de ocupação: muito lixo, entulho, camas, sofás, aparelhos de televisão, colchões e
brinquedos despedaçados. Foram três anos de trabalho com a comunidade até a efetivação da
remoção. Segundo o relato dos agentes de Defesa Civil, as principais dificuldades estavam na
resistência dos traficantes moradores do local, uma vez que o ponto para venda de drogas era
central; e a angústia dos catadores de lixo, que também ocupavam a área, em residir em um
local longe dos principais pontos onde faziam coleta.
Mais uma vez, como em outras localidades, a dificuldade de retirar moradores de áreas de
risco instaladas próximas aos centros urbanos denota um dos principais motivos à ocupação
dessas áreas, qual seja, a necessidade de estar próximo aos serviços básicos e à fonte de
renda. O trabalho da defesa civil do município se destaca como boa prática, uma vez que a
negociação com os moradores foi permanente e os espaços de diálogo existiram todo o tempo.
Foi possível perceber claramente os resultados dessa gestão participativa na visita à Nova
Chocolatão, onde os pesquisadores foram recebidos pela líder comunitária. Bem articulada e
com um plano de atividades para adaptação dos moradores ao novo local, a líder comunitária
apresentou os equipamentos já instalados na comunidade: Posto de Saúde, Creche, Escola de
Ensino Fundamental e pontos comerciais prontos para serem ocupados.
A ocupação dos pontos comerciais foi planejada em conjunto com os moradores, por meio de
um cadastro prévio feito durante o processo de preparação para remoção da antiga Vila
Chocolatão. A instalação desses pequenos pontos comerciais no bairro, que acabava de se
formar, torna-se fundamental para facilitar acesso dos moradores a produtos diversos sem
necessidade de grandes deslocamentos, além de gerar renda à própria comunidade. É o
resultado de um processo de remoção pensado em conjunto com a comunidade, bem
articulado e participativo.
90 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Sobre a dificuldade de adaptação ao novo local, a líder tem claro que será necessário um
trabalho de mudança cultural com os moradores que antes viviam em barracos. Alguns se
adaptam mais facilmente, outros, entretanto, precisam receber orientações básicas de
convivência em comunidade. A líder relata que muitos moradores não têm costume de lavar
roupa. “Ganham muita roupa, usam e jogam fora” afirma. Há dificuldades também no uso do
vaso sanitário, por exemplo. Mas não é uma regra, algumas donas de casa são dedicadas e
caprichosas. “Tem casa que você tem que limpar o pé para entrar, outras para sair (...) ou
aprende a viver em comunidade, ou é excluído, infelizmente.”
*****
Na capital, a pesquisa ocorreu com uma líder comunitária do bairro Pontal da Barra, vizinho à
empresa Braskem. Em Branquinha, a pesquisa foi realizada com os afetados pela grande
enchente de junho de 2010, que ainda permanecem alojados em barracas.
A líder comunitária afirma que gosta de morar no local, pela tranquilidade e amizade com a
vizinhança. A localidade tem também escola, posto de saúde e transporte, e como lazer
organizam todo ano o carnaval de rua, não havendo grandes problemas com violência. A
preocupação maior da moradora é com o aumento do uso de drogas e prostituição infanto-
juvenil.
A Braskem, empresa que produz resinas e matéria-prima para fabricação de plásticos, está
localizada no início da comunidade e desenvolve há cerca de cinco anos o programa APELL
(Awareness and Preparedness for Emergencies at Local Level) com as comunidades em seu
entorno. No Pontal da Barra, o NUDEC foi instalado há cinco anos, e 13 lideranças ficam
constantemente com um celular da empresa para contato em caso de emergências. Edna é
uma delas.
testado toda quarta-feira, obedecendo a uma sequência em que primeiro toca o alarme, depois
testam o viva-voz e, por fim, a sirene para evacuação. Ao final dos testes os coordenadores de
área ligam para confirmar se todo o sistema está funcionando.
Edna relatou que um mês antes houve vazamento, mas o vento levou o produto para o
Trapiche, comunidade do lado oposto ao Pontal da Barra. No Trapiche a comunidade não foi
treinada pela Braskem e por isso houve certa confusão. “O pessoal do trapiche tava vulnerável
porque não sabia de nada”.
*****
Claudiana Gomes de Oliveira – Mora na casa com marido e filho e relata que quando comprou
a casa não imaginava que podia encher. A moradora conta que no dia da cheia (acompanhada
de muita lama) deu tempo de subir algumas coisas, mas não foi possível salvar tudo, como o
guarda-roupa, por exemplo. Hoje a moradora vive apreensiva sempre que chove, e afirma que
a Caixa está fazendo avaliação do local com um perito.
Duda - mora no local há 2 anos, e divide a casa com mais duas pessoas. Quando comprou a
casa, alguns vizinhos da rua comentaram sobre as cheias, “mas o construtor garantiu que não
tinha perigo”. Conta que no dia da enchente "só deu tempo de correr" e que a água "estourava
pela cerâmica". Afirma que gostaria de sair, mas não tem outro local para morar.
*****
No município foi visitada a Comunidade de Santa Rita, no centro da cidade, em que os relatos
92 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Irlei - mora há 38 anos no local e tem medo da enchente, que é bastante recente no bairro,
com registro no semestre corrente. Na casa residem três crianças e quatro adultos, registrando
como maior preocupação a existência de um rio que passa atrás de sua casa. O morador
relatou que as enchentes são recentes no bairro, e que “nas outras vezes a água não entrava”
na casa.
Severino Borges - mora no local há 3 anos, com sua esposa. Quando se mudou para a
localidade já tinha a informação de que havia enchentes, mas decidiu permanecer no local,
pois não tinha outro para instalar-se. Apesar das cheias, agradece a Deus por não ter perdido
nada.
Antonio Ferreira Nascimento – senhor de 71 anos que há 22 mora no local. A casa é grande e
bem estruturada, em que divide com mais cinco pessoas. Relatou que já passou por três
enchentes, e que quando percebe a água chegando sobe tudo o que pode para não perder
nada. No período de cheia fica sozinho na casa para garantir a segurança de seus pertences,
enquanto a mulher e toda a família vão dormir fora. Apesar de todas as ocorrências, e de ter a
cheia como maior preocupação, afirma que gosta de morar no local: "Seca ligeiro demais. É o
melhor lugar para viver, é perto de tudo (...) prefiro tá aqui dentro da água (...) passou 10 anos
sem encher".
*****
A ilha é território da capital e o acesso é feito apenas por embarcações ou aeronaves. A equipe
de pesquisa chegou à ilha de helicóptero, acompanhada pela equipe da Polícia Rodoviária. Do
alto foi possível ver claramente a área em que a margem do rio avança sobre a ilha, colocando
em risco suas construções ribeirinhas, entre elas a igreja, algumas casas e pontos comerciais.
A viagem de barco da ilha à capital dura 12 horas.
Tereza – chegou na ilha em 2009, mas tem intenção de se mudar dali, e diz: “Gostar, gostar,
não é o termo bom de morar.” Trabalha numa farmácia bem na entrada da ilha onde ocorrem
os deslizamentos, mas tem a esperança de que a terra pare de cair. “Se cair, a frente da
cidade vai embora”. Suas maiores preocupações são com a educação, com a falta de médicos
e com a frente da cidade que pode desaparecer. A moradora conta que no local habitam mais
idosos e crianças, pois a juventude acaba indo embora. Outro problema da ilha é o lixo. “Cada
um dá seu jeito”, afirma a moradora.
Nazau – senhor de 47 anos, há 40 na ilha, relata que durante sua infância tinha praia, mas que
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 93
hoje, por conta das constantes quedas de terra, “todo mundo vem tirar foto.”
João – mora na ilha há 24 anos e afirma que depois da construção da usina o rio não enche
mais, e quando enche não há muito peixe. Afirma que a usina prejudicou o rebanho, desde o
último ano, pois nunca sabe quando o rio vai encher. “Antes vinha água de deus. Hoje vem
água do homem, já perdi umas 6 canoas esse ano, e ninguém pode falar nada. Para eles ficou
bom, mas pra quem tá pra baixo nunca se sabe o que vai acontecer.” A reclamação do
morador refere-se à falta de comunicação entre os operadores da usina e a comunidade, que
não consegue reconhecer nenhum tipo de aviso. O morador afirma que não tem preocupações,
acha o local tranquilo e diz “a galinha que eu como aqui é caipira”. Os filhos moram na capital,
e o Sr. João pensa que talvez um dia tenha que ir morar com eles por conta da idade e para
poder receber atendimento médico, algo que falta na ilha. O morador também reclama da
dificuldade de transporte e da ausência de bancos ou caixas eletrônicos na ilha.
Abelha – nasceu no local, foi para a capital e voltou para a ilha há um ano e meio. Conta que a
energia elétrica chegou à ilha em 1984, disponibilizada diariamente das 18h às 24h. Hoje é
proprietário de uma pousada que hospeda aqueles que trabalham durante a semana e aos fins
de semana voltam para a capital. Conta que muita gente que morava na ilha foi embora e que
hoje as comunidades é que vieram para o local. Abelha gosta da ilha pela tranquilidade e
qualidade de vida, como a ausência de trânsito, por exemplo. Os maiores problemas são o
posto de saúde e o lixo, “exigem e não é dão a solução”, afirma.
*****
A equipe visitou uma das áreas mais afetadas pela enchente de junho de 2010. O rio que
margeava a cidade avançou sobre todas as casas, destruindo quase toda a cidade de 10.500
habitantes. Muito pouco foi reconstruído na localidade. Somente os habitantes da parte mais
alta, onde as casas foram menos afetadas, é que retomaram a normalidade. Os demais
moradores permanecem alojados em barracas de lona, que expostas a sol e chuva durante um
ano inteiro estão em péssimas condições. “Quando pensa que tá na lona, tá na chuva”, afirmou
uma jovem referindo-se ao mau estado das barracas.
Edenilson, que se mudou para o município com a esposa e a filha três meses antes do
desastre, conta que já não consegue mais abrigar-se da chuva, pois sua barraca está em
pedaços. Nem os moradores, nem os agentes de Defesa Civil do Estado souberam precisar
quantas famílias vivem nas barracas, mas visualmente mais de uma centena de barracas
parecem ocupar a área mais alta destinada provisoriamente aos afetados.
Por ter uma estrutura provisória, pouca coisa funciona no local. Algumas barracas possuem
94 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
antena de TV e fogão. Mas os banheiros são coletivos, menos de dez portas apenas com um
buraco no chão. Em frente aos banheiros, o caminhão pipa abastece diariamente um tanque, e
do outro lado quatro chuveiros sem qualquer privacidade servem para atender todos que
permanecem nas barracas, utilizados também por algumas famílias para lavar roupas. Por fim,
uma cozinha comunitária serve refeições três vezes ao dia.
Os afetados afirmam que não têm qualquer contato com os órgãos públicos, e boatos divergem
sobre a data de entrega das casas que estão sendo construídas a poucos quilômetros dali,
com uma previsão não mais otimista que no mínimo seis meses. Quando questionados sobre
algum tipo de organização ou associação para acompanhar o processo de entrega das casas,
uma jovem diz, “É perigoso desabafar, vai que leva um tiro.”, comentando sobre o constante
estado de apreensão e medo que todos vivem no local. Segundo os moradores, ocorrem
saques nas barracas, e já houve assassinato por desentendimentos, fazendo com que muitas
famílias tenham medo inclusive de dormir durante a noite.
O que se vê é o total descaso dos órgãos públicos competentes com a situação local,
chegando a intimidar a população por meio de violência. Ilustra a situação o comentário de
uma das pessoas com quem os pesquisadores conversaram logo que chegaram ao local,
admirando-se de como ninguém da prefeitura havia se aproximado para pedir a retirada da
equipe, como sempre ocorre quando a imprensa tenta divulgar a situação.
Para finalizar a visita ao município, a equipe foi conhecer as casas que estão sendo
construídas. Segundo os agentes de Defesa Civil, a demora para a entrega se dá
principalmente porque foram contratadas empreiteiras locais para a construção da nova cidade,
e que não conseguiram sustentar financeiramente o tamanho do projeto que assumiram, como
faria uma grande empreiteira, por exemplo.
Igualmente, como no caso das barracas, não foi possível obter uma informação oficial de
quantas casas estão sendo construídas, nem a metragem das mesmas. Algumas já estão
edificadas e com telhados, faltando apenas o acabamento. Outras ainda estão com as paredes
sendo erguidas. São casas de dois quartos, sala e cozinha. Um tamanho bom, principalmente
quando comparadas às barracas em que atualmente grande parte da população do município
vive. A data de entrega, entretanto, ninguém sabe informar.
*****
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 95
O grupo de discussão ocorreu com integrantes do NUDEC do bairro Bosque Real, onde
ocorreu o Simulado organizado pela Defesa Civil Nacional. Participaram da atividade Demétrio,
líder comunitário; Nívea, estagiária de serviço social e outras quatro integrantes do NUDEC:
Joilda, Vania, Simone e Luzia.
A comunidade está localizada em área de morro, algumas casas são de alvenaria, mas há
também muitos barracos, principalmente na parte baixa, e segundo informação dos
participantes do grupo de discussão mais de 60% do bairro é considerado como área de risco
alto. Na localidade, prevalece a ocupação de famílias carentes, ou “querentes” como relatou
um dos agentes de defesa civil, referindo-se ao mau costume da comunidade em sempre
depender de projetos assistenciais e estar permanentemente pedindo auxílio.
A presença da estagiária de serviço social ligada à Defesa Civil do município demonstra como
a gestão da defesa civil local é atuante, e segundo os próprios moradores, a Defesa Civil do
município serve de meio para cobrar ações do poder público, uma vez que os outros órgãos
“não são tão efetivos quanto a Defesa Civil do município”.
Segundo Gilberto, agente de defesa civil que também participou da discussão, uma reunião de
avaliação do Simulado será agendada com a comunidade. O agente de defesa civil destacou
também os resultados do trabalho do NUDEC desde 2007: “Hoje quem é de fora percebe
melhorias. São pequenas, por exemplo: lixo, e pessoas que saíram da área baixa.”
Vania conta que o bairro precisa de melhor infraestrutura como posto de saúde, farmácia,
96 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
creche, escola e transporte. Além disso, há também problemas com a coleta de lixo e dengue.
Na parte baixa são cerca de 60 famílias em piores condições, que em épocas de alagamento,
ficam sem dormir, e precisam levantar tudo o que têm para não perder ou estragar com a água
que invade as casas.
O NUDEC na comunidade foi fundado em 2007, e conta hoje com 28 membros. Na época,
conta Demétrio, a associação discutia sobre campo de futebol e áreas de lazer no bairro, mas
o líder comunitário enfatizou a questão da segurança. As reuniões ocorriam em cima da laje,
“eram 125 pessoas lá em cima, se a defesa civil tivesse lá não deixava a gente fazer a
reunião”, demonstrando que o trabalho em parceria com a Defesa Civil já resulta na percepção
de risco ampliada.
Hoje a comunidade paga a policiais militares por segurança privada, entregando ao “chefe de
segurança” uma taxa mensal que é recolhida entre os moradores que se mobilizaram para a
contratação do serviço. Mas nem todos pagam, “alguns dizem que segurança é dever do
estado, mas acho que a gente tem que fazer a nossa parte”, conclui o líder.
Sobre o trabalho da defesa civil no local, a estagiária de serviço social enfatiza que “as
pessoas que estão em vulnerabilidade maior têm mais dificuldade de participar”. No local, a
defesa civil já realizou capacitações durante dois meses, sobretudo sobre risco geológico, e
cria uma agenda com demandas da comunidade para o poder público. A tentativa é organizar o
trabalho de forma participativa com prioridades definidas pela própria comunidade. Mas a
estagiária deixa transparecer sua angústia diante a dificuldade de conseguir resultados e
investimentos em longo prazo, com a maior parte das ações acabando por ter cunho paliativo.
“Tem momento que a gente consegue, tem outros que têm questões maiores.”
*****
Na cidade a investigação foi realizada na Vila Popular, localizada no Parque Liberal Imbirussu.
No local onde hoje é um parque foram retiradas 850 famílias e realizadas obras de drenagem
para evitar novas inundações. Abaixo, o relato dos moradores:
Braz – mora no local há 20 anos e conta que ali sempre houve inundações. A inundação era
lenta fazendo com que fosse possível levantar os móveis, e após cerca de 1 hora a água
abaixava. Uma das piores inundações ocorreu há 3 anos. O morador afirmou que depois das
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obras de drenagem, “encheu só um pouquinho”, mas que não se importa que encha, pois se
tivesse que vender a casa para ir para outro lugar, não haveria ninguém interessado em
comprar. São duas casas construídas no terreno para o casal e dois filhos; uma delas, mais
alta nos fundos, que em 2006, durante a maior enchente, chegou a ser atingida. Os moradores
gostam de morar no local, pela infraestrutura, escolas e posto, e sobre as cheias concluem:
“Tem em todo lugar, se tiver que sair por isso... A gente tá na área que pertence ao rio; tinha
que tá pelo menos 1000 metros para longe do rio.”
Paulo Sérgio – morou no local durante três anos com a família de quatro pessoas, e foi
realocada para outra área mais distante da área de risco. Afirma estar satisfeito com a
mudança, destacando que o local agora é “mais bonito”.
Luzinete – Já morava na área utilizada para realocamento desde 1983. Sua maior preocupação
é o matagal que ficou do outro lado da rua, onde as casas foram retiradas, pois agrava a
violência no local. Os filhos que moravam na área de risco ganharam casa.
Marisete – morou por cinco anos na área de risco, dividindo a casa com mais nove pessoas.
Contou que, na última cheia passou no local cinco minutos antes de ocorrer um
desmoronamento. Agora, na casa nova, não tem nenhuma preocupação: “agora vai dar tudo
certo. Deus ajude”
*****
A investigação foi feita na localidade de Timbó, conhecida como bairro dos bancários, em que
o rio está seco. Pelo relato dos agentes de defesa civil, a área era utilizada como jazida de
solos, e com o tempo, transformou-se em um “buraco cercado de paredes que a qualquer
momento podem deslizar”. A partir dos anos 1980 a jazida foi abandonada e começou a ser
invadida para ocupação residencial. No contato com os moradores foi possível notar muito diz
que me diz sobre as ações do poder público no local, urbanização, entrega de casas, abertura
de ruas, etc., mas pouca informação oficial. Abaixo, relato dos moradores:
Ilza – mora no local há 34 anos, não trabalha e sobrevive pelos recursos do bolsa família.
Afirma que apenas sairia “se fosse para ir para casa grande.” A moradora afirma que não tem
nenhum tipo de preocupação, e que chegou no local pois “na época fiquei sabendo que
estavam invadindo e invadi também”.
Luciana – mora no local há 10 anos e afirma que tem receio do paredão, que dá para os fundos
da casa. “Quando é tempo de chuva não deixo as crianças brincar”. A chuva é comum no mês
de junho, característico na localidade pelas festas de São João. A moradora afirma que gosta
de morar no local porque fica perto da escola dos filhos, "tem gente que tá pior que eu, e tá
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vivendo", afirma a moradora mesmo depois da última chuva forte, em que o morro desceu e
atingiu os fundos de sua casa.
Rúbia – jovem de 22 anos, que nasceu e criou-se na localidade, vizinha de Sr. José que mora
no local há pouco mais de 5 anos. Cobrando promessas feitas por gestores públicos sobre
entrega de novas casas, a moradora conta que na última vez de chuva forte o morro
escorregou e aterrou a cozinha, mas não quer sair do local. "O que tinha que cair já caiu",
conclui. A jovem – que mora com três filhos e tem outros dois que moram em outras casas no
mesmo local – diz que sua maior preocupação é a violência.
*****
A localidade visitada caracteriza-se por palafitas à beira do rio, uma área quase de mangue,
com poucas casas espalhadas desordenadamente pelo terreno úmido, e que sofre inundações
frequentes. Segundo a informação dos agentes de defesa civil a malária é comum entre os
moradores, que muitas vezes se curam de uma e pegam outra em seguida. Os moradores
foram abordados de casa em casa, pois no local não há qualquer tipo de organização
comunitária. Abaixo, os relatos:
Maria Jandira – jovem de 25 anos, que há quinze mudou-se para o local, principalmente pela
proximidade com o centro. Tem medo da malária, dengue e cobra. O marido trabalha na área
de construção civil e ela fica em casa cuidando das três crianças do casal.
Wilcilane – jovem de 22 anos que se mudou com a família de cinco pessoas para o local há
cerca de 3 ou 4 anos. Gosta do local pela tranquilidade e proximidade ao centro. Mas se
preocupa com as frequentes doenças. Conta que, na época de cheia, a água permanece na
casa durante duas semanas, e que quando a barragem é aberta não há tanta cheia.
Maria – mora no local há 15 anos, com mais 2 pessoas, mas reclama da água, de cobra,
mosquito e alagação. Conta que durante as cheias dorme pouco, e que aceitaria sair do local
se recebesse outra casa da prefeitura. “Apartamento ou casa, tanto faz. Mas não longe daqui
do centro. Aqui, se a gente quer ir na boate, sobe 3 quadras, ou pro shopping”.
Sueli – mãe de 2 filhos mudou-se para os apartamentos fornecidos pela prefeitura há um ano,
“lugar novo, vida toda”, afirma. A moradora vende lanche e gosta do novo local de moradia
principalmente pela proximidade da escola dos filhos. Afirma que por conta própria nunca teria
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 99
condições de morar em outro local, mas que agora está satisfeita com o local que tem mais
segurança e que nunca alagou.
*****
As unidades federativas contempladas pela atividade foram Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas,
Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul,
Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.
A abordagem aos entrevistados deu-se, em sua grande maioria, pessoalmente e nos mesmos
dias em que foram promovidas as oficinas de Comunicação e Percepção de Riscos de
Desastres. As entrevistas foram previamente agendadas com os entrevistados, mas em
decorrência de alguma mudança na agenda do entrevistado, a atividade foi feita por telefone
ou correio eletrônico.
Grupo II – Jornalistas de pelo menos dois dos principais veículos de comunicação do Estado;
Grupo III – Assessores de Imprensa dos órgãos de interesse (Defesa Civil e Corpo de
Bombeiros).
Devido ao fato de as perguntas serem dirigidas a profissionais com atuações distintas, para
cada grupo foi definido um foco específico no questionário, conforme mostram as tabelas a
100 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
seguir:
A postura adotada pelo entrevistador foi muito semelhante à do repórter diante de sua fonte de
informação, ou seja, primou-se sempre pela distância e pelo respeito profissional.
O material levantado até o momento poderá, no futuro, servir de base para a formulação de
políticas públicas voltadas à comunicação e percepção de riscos.
Com base nos relatos abaixo, é possível identificar o reconhecimento, por parte dos
coordenadores das defesas civis estaduais e municipais, da importância da atuação da
imprensa local na gestão de riscos e de desastres.
Observa-se que na maioria das respostas a imprensa é vista como parceira da defesa civil,
auxiliando-a com a disseminação de informações sobre desastres e situações de riscos, como
a divulgação de boletins meteorológicos, medidas preventivas, entre outras ações.
Curiosamente, as opiniões divergem das registradas pela maioria dos participantes das oficinas
de Comunicação e Percepção de Riscos, para os quais a imprensa, na situação de desastres,
mais atrapalha que ajuda, ampliando socialmente o desastre, e, diante das ações de
prevenção, os meios de comunicação são indiferentes.
Com o propósito de manter o anonimato dos entrevistados e, assim, garantir respostas mais
verdadeiras, ao final de cada depoimento, a identificação do respondente dá-se apenas pelas
iniciais dos seus nomes. A seguir, alguns dos depoimentos das entrevistas exploratórias com o
Grupo I são registrados.
*****
Temos um papel importante [para as comunidades que vivem em áreas de risco], porque, num
primeiro momento, somos nós que nos preocupamos em identificar essas áreas e, numa
segunda etapa, fazemos um trabalho educativo, levando informação a essas comunidades.
(JNM, major)
*****
Nossa relação [com a imprensa] é muito amigável, mas nossa Defesa Civil precisa de espaço
próprio e reestruturação organizacional, além de mais autonomia e equipamentos, para
atendermos melhor as demandas da população e dos jornalistas.
(CR, tenente-coronel)
*****
102 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Quando precisamos articular qualquer informação relacionada à Defesa Civil, nossa assessoria
de imprensa consegue espaço em qualquer tipo de mídia – TV, jornal, internet, rádio.
(GLR, coronel)
*****
Nós temos uma comissão permanente de atendimento a emergências, que funciona com as
secretarias e departamentos do município e é coordenada pela Defesa Civil. A imprensa
procura bastante essa comissão.
(LAB, coronel)
*****
Nós precisamos trazer os meios de comunicação de nosso estado para perto de nós, para nos
ajudar a informar a população e todos os envolvidos com a Defesa Civil. [...] A Defesa Civil é
assistencialista e esse modelo está ultrapassado. Só assistir quando o desastre acontece não
adianta. Temos de trabalhar a prevenção. Para isso, temos de celebrar convênios, contatos e
trazer a imprensa para perto da Defesa Civil.
(WL, coronel)
*****
[A comunicação de risco] precisa ser melhor trabalhada em nosso estado. Aqui, há veículos
contra e a favor do governo, e isso gera conflito, pois somos uma unidade federativa pequena.
[...] Aqui, as pessoas são alertadas [sobre os riscos de desastres] pelas emissoras AM e rádios
comunitárias. O rádio é eficiente e nossa população tem a cultura de ouvi-lo, até porque outros
meios de comunicação são de difícil acesso, devido, principalmente, à falta de energia elétrica.
(CLS, coronel)
*****
Ainda não conseguimos construir uma relação solidária com a imprensa. Os meios de
comunicação são importantes, mas priorizam fatos negativos. As medidas preventivas e a
conscientização das comunidades não têm espaço na cobertura.
(SBSJ, administrador)
*****
A percepção de risco varia de pessoa para pessoa. Quem vive numa situação de risco pode
considerá-la uma coisa normal. Temos uma área de alto risco ocupada há 30 anos, mas nada
aconteceu lá até agora. Então, os moradores vivem no local tranquilamente. Em outras áreas,
qualquer barulho faz com que a população evacue imediatamente o local. [...] É necessário que
as pessoas tenham essa percepção sobre os riscos a que se expõem, e esse trabalho da
Defesa Civil deveria começar nas escolas. [...] A imprensa também nos ajuda muito.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 103
Conhecemos praticamente todos os repórteres daqui e, logo que começa a chover, eles nos
procuram e nos ajudam monitorando [as áreas de risco] e divulgando informações.
(NMN, engenheiro civil)
*****
Os meus 29 anos de carreira de bombeiro militar mostram que a maioria das pessoas que
moram em áreas ambientalmente vulneráveis não tem noção do risco [a que está exposta].
Nesse sentido, quero dar um ponto positivo à imprensa, que em nosso estado publica todas as
nossas ações de prevenção e resposta aos desastres, mantendo a população informada sobre
nossos trabalhos. Aqui, a imprensa está ao nosso lado em todas as situações, tanto na
normalidade quanto na anormalidade.
(CRS, coronel)
*****
Nosso relacionamento com a imprensa é o melhor possível. Em 2009, durante uma grande
enchente que enfrentamos, a imprensa foi importantíssima para nós, principalmente em função
da parceria que fizemos com o Ministério Público. Todas as doações enviadas às regiões
afetadas eram filmadas antes de embarcarem nos caminhões e as imagens foram entregues
aos promotores de justiça, evitando, dessa forma, os desvios.
(JV, coronel)
*****
A nossa prioridade deve ser trabalhar com as Comdecs, para que elas sejam atuantes nas
comunidades, por meio de seus Nudecs. Temos de ramificar a Defesa Civil para nos
aproximarmos da população. E a imprensa tem um papel importante nesse processo.
(OJB, major)
*****
A imprensa tem de ser nossa aliada para repassar as informações e deixar a população
informada do que acontece. [...] Hoje em dia, essa relação [entre a imprensa e a Defesa Civil] é
indispensável, assim como nossa relação com os órgãos de meteorologia.
(EE, major)
*****
Acredito que o rádio consegue atingir o grosso das nossas comunidades – o ribeirinho, o
produtor rural e o homem que fica no meio do mato. Apesar do esforço para se implantar o
[programa] Floresta Digital e a internet livre, muitas aldeias e municípios não dispõem desses
serviços. Portanto, é o rádio que atinge o coração das pessoas.
(JJOS, coronel)
104 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
*****
Temos uma Diretoria de Comunicação Social dentro da Defesa Civil. Trabalhamos muito com a
Secretaria de Comunicação do estado. Toda e qualquer notícia que é divulgada para a
imprensa, com exceção dos alertas meteorológicos, acaba sendo de comum acordo. Isso faz
com que as notícias cheguem mais rápido aos seus destinatários. (SF, major)
*****
Os desastres sempre têm mais destaque, mas nossas vistorias em áreas de risco, tanto na
capital quanto no interior, nossos programas e operações de prevenção, além de outras ações,
recebem cobertura da imprensa, ajudando a nós e a própria população.
(JAB, tenente-coronel)
*****
Os depoimentos que serão registrados neste tópico revelam parte da opinião da imprensa
sobre o tema central da entrevista exploratória. Muitos dos jornalistas entrevistados
reconheceram falhas no seu trabalho, mas dividiram responsabilidades com as defesas civis
estaduais e municipais.
Essa dificuldade pode ajudar a explicar parte da crítica à defesa civil, no que diz respeito ao
atendimento à imprensa, uma vez que no cenário dos desastres as instituições envolvidas na
resposta estão focadas na ajuda às vítimas e na urgência de devolver a normalidade às
comunidades atingidas.
Ao citarem a falta de especialistas, os jornalistas tentam também dividir a culpa com a defesa
civil, porém, trata-se de uma demonstração de desconhecimento da existência e da atuação da
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 105
comunidade científica local, cujos pesquisadores estão alocados nas universidades privadas,
públicas (estaduais e federais) e nas instituições de pesquisa e têm, em menor ou maior
escala, produzido pesquisas e estudos nas áreas correlatas com as questões dos riscos de
desastres.
Como já registrado, a maioria das defesas civis não dispõe de assessorias próprias de
comunicação, o que pode explicar as lacunas de pautas sobre ações de prevenção. A seguir,
os relatos de alguns dos jornalistas entrevistados são destacados.
*****
As principais [dificuldades enfrentadas pelos jornalistas que cobrem situações de risco] são a
obtenção de dados técnicos e o acesso aos locais dos desastres [...], embora as defesas civis
da capital e do estado mantenham equipes que nos ajudam nessas ocasiões. [...] O Centro de
Meteorologia do nosso estado agora também divulga alertas. Isso é uma coisa recente. Há
pouco tempo, éramos atingidos [por deslizamentos e enchentes] e nem sabíamos de onde ela
[a chuva] tinha vindo. [...] Por isso, as sugestões de pauta [da Defesa Civil] são sempre bem-
vindas e aceitas. Quando isso ocorre, sempre publicamos.
(GM, editor)
*****
Pelo próprio vício do jornalismo, de dar a notícia quando o desastre ocorre, e não quando ele
pode ser evitado, creio que não só no jornal onde trabalho, mas em todos eles, o desastre está
presente em maior número de páginas. [...] [Nos momentos de desastres] a maioria dos
gestores de órgãos que lidam diretamente com os acidentes naturais, principalmente a Defesa
Civil, se limita a falar de sua estreita área de atuação, alegando ser de outra repartição a
responsabilidade pelo que foge da sua alçada. Para mim, isso é um sinal claro da falta de
integração entre as secretarias ou órgãos. A Defesa Civil do estado é distante dos jornalistas, e
só aparece quando faz reuniões ou quando é chamada a se pronunciar. A municipal, que é a
mais procurada, por termos a cobertura jornalística voltada – erroneamente – principalmente
para a capital, tem uma relação boa com os meios de comunicação, constituindo uma das
melhores fontes para a descoberta de problemas em áreas de risco. Os Bombeiros não
“provocam” os jornais a pensar matérias sobre sua área de atuação, um problema presente na
maioria das assessorias de comunicação compostas exclusivamente por militares, que
106 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
possuem um jeito diferente de pensar em gestão e uma hierarquia muito mais rígida. Pelo
menos entre as pessoas com quem convivo, nós vamos diretamente ao comandante, quando
temos o telefone ou damos a sorte de encontrá-lo sem a blindagem da assessoria. Quando
ligamos, o serviço de emergência [193] também avisa sobre acidentes que ocorrem. [...] Da
parte das assessorias de comunicação, é preciso entender que um técnico competente servirá
melhor à entrevista que um gestor político; que respostas de informação por e-mail,
principalmente quando se trata de órgãos federais – mesmo entendendo a grande demanda
que se recebe no dia a dia –, torna a matéria limitante, porque não há uma conversa direta com
a pessoa responsável pelo tema exposto; que informações desencontradas ou "picotadas"
podem ser evitadas pela integração entre as pastas; que a interação com os jornalistas de
redação podem ser desenvolvidas através de cursos de formação voltados a estes
profissionais; e que, finalmente, os órgãos assessorados efetivamente realizem um trabalho
eficaz nessas comunidades [expostas a riscos].
(SV, repórter)
*****
Não estamos fazendo a cobertura ideal [sobre os riscos de desastres], a que eu gostaria de ver
publicada em nossas páginas. Eu ainda não consegui fazer uma matéria sobre a aparelhagem
[técnica] das nossas defesas civis [...], mostrando o que o estado e os municípios possuem em
termos de equipamentos e de estrutura para atendimento em uma situação emergencial de
grande porte. Como as enchentes só ocorrem de vez em quando, fazemos apenas uma
cobertura momentânea. [...] E como não recebemos subsídios para cobertura acerca das
ações preventivas, também vamos deixando o assunto de lado. Algumas agências de notícias
nos alimentam [com informações], nos provocam. Mas falta essa “provocação” por porte da
Defesa Civil, embora a cobrança seja uma questão da responsabilidade social da nossa
profissão.
(EF, chefe de reportagem)
*****
Por estarem vinculadas à Secretaria de Comunicação do estado, que por sua vez está ligada
diretamente ao gabinete do governador, as assessorias de imprensa do Corpo de Bombeiros e
da Defesa Civil deixam muito a desejar. As informações acabam sendo muito filtradas
politicamente. [...] Para melhorar a relação entre a Defesa Civil e a imprensa, sugiro um site
exclusivo, decente, atualizado, com uma área de imprensa e cadastro de repórteres e outra
área para que as pessoas possam postar vídeos, fotos e textos sobre o que está acontecendo
em sua cidade, em seu bairro, na sua rua. Na era digital, isso ajuda muito o trabalho da
imprensa.
*****
Para conscientizar as comunidades sobre os riscos que correm, precisamos fazer mais
matérias educativas. Constantemente, temos alertado sobre os riscos de desastres, assunto
que sempre está em nossa agenda. E em é preciso acontecer uma grande chuva [para o tema
entrar pauta]; basta alagar uma rua e já estamos reclamando. Não esperamos a cidade inteira
ser alagada.
(LGC, editora)
*****
A TV tem pautado mais os fatos [desastres] do que os riscos. Talvez isso aconteça por
incompetência nossa, mas também não recebemos informações sobre prevenção. [...] A
relação entre nós e a Defesa Civil é pontual. Nem se você mostrasse-me uma foto eu saberia
identificar quem é o coordenador da nossa Defesa Civil estadual. [...] Durante os desastres,
nossa maior dificuldade é encontrar alguém que fale sobre ele e nos forneça uma explicação
lógica. [...] Esperamos que todo o Brasil acorde para o problema da Defesa Civil. O Brasil vive
um clima de desastre e, por isso, precisamos fortalecer as instituições da área.
(VP, chefe de reportagem)
*****
Quanto mais houver feedback entre os órgãos de Defesa Civil e a mídia, o resultado será muito
importante, porque isso vai gerar pauta e iniciativa no próprio governo. [...] O papel da mídia é
muito difícil. Se você sai do assunto, as pessoas te cobram; se você martela, as pessoas te
cobram também. [...] O que eu acho que falta [para a imprensa produzir mais matérias sobre
riscos de desastres] é chegar até nós esse tipo de informação; porque chegando, a gente faz [a
reportagem]. O assunto interessa, e muito. Se a informação de prevenção chegar, é mais do
que pauta, fica registrada e serve de prova, no caso de algum desastre futuro.
(RP, chefe de redação)
*****
[Sobre o sensacionalismo] creio que existem extremos que devem ser repensados. Pergunto
de que forma vamos contar a história de centenas, milhares de famílias que perderam tudo
sem que a emoção não seja usada. Ela é necessária, para que a gente não esqueça do
sofrimento alheio. É preciso fazer o leitor chorar e se identificar com aquela mãe que segura
um bebê envolto em um trapo, porque as poucas roupas do enxoval foram embora com a água
da enchente. Caso contrário, seríamos frios e trataríamos das pessoas não como humanos,
mas como números, estatísticas. E o jornalismo, para mim, não se trata de mera observação e
relato da realidade, como um burocrata que faz um relatório sobre dada situação. Se trata, sim,
de contar histórias, aproximar mundos e vidas diferentes, dar sua versão, filtrada por seus
108 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
(VC, editora)
*****
(LM, repórter)
*****
As portas da Defesa Civil sempre estiveram abertas para nós. Portanto, nossa maior
dificuldade em cobrir desastres é de caráter físico; trata-se do acesso a esses locais. [...] E se
tivéssemos acesso a mais informações técnicas, pautaríamos [as ações preventivas] com mais
frequência. Precisamos de informações de qualidade, provenientes de especialistas que
possam traduzir com clareza esse tipo de assunto para o nosso leitor. [...] Já está claro que a
remediação custa mais do que a prevenção. Se você reparar no orçamento do Ministério da
Integração Nacional, você perceberá essa disparidade.
(DM, chefe de reportagem)
*****
O que eu percebo é que não há medidas preventivas. No Brasil, todas as tragédias são
anunciadas. E se não existe prevenção, não há como colocá-la na pauta. Aliás, é a própria
população [exposta a riscos] que nos informa sobre a situação onde vive.
(RB, diretor de jornalismo e programação)
*****
Temos de cobrar das autoridades – e isso a imprensa sabe fazer como ninguém – mais
agilidade em relação à implementação de políticas públicas preventivas. Não basta apenas dar
resposta aos desastres. As notícias sobre as mudanças climáticas deixam claro que nossas
cidades precisam ser reorganizadas para enfrentarmos as chuvas e demais fenômenos
climáticos que serão mais intensos e frequentes. Mas o que a chamada grande imprensa está
fazendo? Nada, praticamente nada. Ela só coloca esse assunto em pauta respeitando sua
sazonalidade. E, assim, as tragédias vão se repetindo.
(EN, repórter)
*****
como de um meteorologista que possa explicar o fenômeno que originou uma tragédia, ou de
um ambientalista que explique o que causou determinado alagamento. É claro que precisamos
mostrar o drama do morador, mas também devemos divulgar as causas e as soluções para o
problema. [...] Nessas situações, não temos uma fonte que nos forneça informações seguras.
[As autoridades] sempre negarão os problemas e exaltarão a qualidade dos serviços. [...]
Muitas vezes, só conseguimos mobilizar o poder público com o choro de uma pessoa. Somos
jornalistas e temos de cobrir os fatos. Se uma senhora que perdeu tudo nos procura, nós, como
sendo uma emissora popular, vamos contar essa história e ficar em cima [das autoridades]
para ver se ela consegue outra casa.
(RA, apresentador e editor)
*****
Risco ambiental, mudança climática e perigo das encostas em tempos de chuvas são assuntos
que sempre estão em pauta [...] e entendemos que o trabalho [da Defesa Civil] é complicado
em situações de tragédia, mas acredito que a atenção dada à imprensa poderia ser melhor.
Ficamos o dia todo aguardando, para no final recebermos a resposta. Também há muita
informação desencontrada. A Defesa Civil fala uma coisa, e os Bombeiros, outra. Falta
centralizar tudo isso, para depois repassar à imprensa.
(RCJ, repórter)
*****
É importante que tenhamos uma base sólida para fazermos boas reportagens e, assim,
esclarecer para a população que os problemas [desastres] que nos afetam no dia a dia são
provocados por nossas próprias ações.
(LB, repórter e produtor)
*****
(BV, repórter)
*****
Uma grande dificuldade [enfrentada pela imprensa] é chegar aos locais atingidos [por
desastres]. Muitas vezes, precisamos do acompanhamento da Defesa Civil, e seus agentes
ficam ocupados e preocupados com o serviço deles. Mas dentro do possível, temos
conseguido chegar a esses locais. Outra dificuldade é a falta de dados. Como trabalhamos
110 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
*****
O Corpo de Bombeiros tem colaborado muito conosco. Inclusive enviando fotografias quando
não conseguimos acessar [os locais de desastres]. Isso nos ajuda muito.
(RH, editor)
*****
*****
Estamos mais vulneráveis aos desastres. Os relatórios do IPCC [sigla em inglês do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas] deixam isso bem claro. Por isso, sua cobertura
tende a ser mais rotineira na imprensa. Na verdade, já estamos vendo isso acontecer e, por
isso, serão cada vez mais necessários jornalistas e assessores de imprensa [dos órgãos de
prevenção e respostas aos desastres] mais preparados para lidar com o assunto.
(FA, repórter)
*****
Os depoimentos dos entrevistados do Grupo III, formado por assessores de imprensa atuantes
na defesa civil ou nas instituições parceiras, como Corpo de Bombeiros e secretarias de
comunicação dos estados e dos municípios, seguem na mesma direção daqueles registrados
no Grupo I.
Significa dizer que, assim como os diretores de defesa civil, os assessores de imprensa tanto
reconhecem a importância do trabalho da imprensa como elogiam a sua atuação – divergindo
da maioria dos presentes nas oficinas de Comunicação.
Como foi acordado com todos os entrevistados que o anonimato seria mantido, não é possível
afirmar que as respostas não sejam fiéis ao pensamento dos respondentes ou que elas
correspondam a uma tentativa de manter-se simpático aos olhos da imprensa, sobretudo a
local.
Verifica-se, portanto, que as respostas dos jornalistas atuantes nos meios de comunicação
local foram mais críticas e, portanto, parecem mais verossímeis. Isso não significa dizer que as
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 111
respostas dos dois grupos I e III não foram verdadeiras. O fato curioso é a discrepância entre
tais respostas e aquelas registradas durante as oficinas.
Com alguns dos depoimentos a seguir, é possível identificar o pensamento dos assessores de
imprensa.
*****
Temos um bom vínculo com os meios de comunicação. Sempre que mandamos releases ou
sugestões [de pauta], eles nos atendem, tanto o Corpo de Bombeiros quanto a Defesa Civil.
[...] Diariamente, também publicamos pelo menos uma notícia sobre nossas ações em nosso
site. Mas nossos equipamentos poderiam ser mais modernos e a internet mais eficiente, para
que pudéssemos postar vários documentos, fotos, releases e vídeos ao mesmo tempo. É
preciso valorizar a tecnologia, e isso é complicado no setor público.
(SR, tenente)
*****
A imprensa pode e deve nos ajudar a criar uma cultura voltada à prevenção dos desastres,
para substituir a atual cultura da reação que ainda impera em nossa sociedade, apesar das
lições e erros do passado e do presente. Por isso, é importante estreitarmos nosso vínculo com
os jornalistas, mantendo-os sempre informados sobre o assunto e conscientes dessa
necessidade.
(AB, tenente)
*****
(PM, tenente-coronel)
*****
De forma geral, temos um bom relacionamento com a imprensa, mas sinto que a maioria dos
repórteres e produtores que nos procuram não está plenamente preparada para lidar com o
assunto. Nesse momento, cabe a nós fornecer o máximo de subsídios para sua pauta – dados,
imagens, fontes, informações e sugestões – e orientá-los com o cuidado de não atingir o seu
ego, aquela vaidade que muito jornalista pseudointelectual tem.
(JR, jornalista)
*****
Nossa relação com a imprensa é muito boa, mantemos um relacionamento muito estreito e
112 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
*****
Os jornalistas são nossos parceiros e o trabalho deles é extremamente importante. Não temos
problemas [com os jornalistas], já que eles tratam as informações da Defesa Civil com carinho
e seriedade. [...] Nós pautamos a imprensa, mas não com aquele release tradicional com o
qual os meios de comunicação estão acostumados. Pautamos com alertas, com notas e
boletins diários, fazendo com que tenhamos um vínculo mais forte com a imprensa. [...] E a
parceria com a Secretaria de Comunicação do estado é bem forte, ela nos dá todo suporte
necessário em situações mais difíceis.
(FPC, jornalista)
*****
(AVF, tenente-coronel)
*****
(AVF, tenente-coronel)
*****
A falta de uma unificação dos dados [contribui para a formação de ruídos e rumores na
comunicação], pois nesses casos não pode haver mais de uma pessoa para falar ou divulgar
as informações. Em caso de crise, as informações precisam ser reunidas para que uma única
fonte, e de preferência com horários certos, esteja apta a divulgá-las.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 113
*****
Estou aqui há dois meses e fiz visitas às redações para conhecer o pessoal [da imprensa] e só
recebi elogios a respeito da nossa equipe. Inclusive, alegam que nossa comunicação é melhor
que a de outros órgãos de segurança. Nosso tempo de resposta é melhor, porque mantemos
uma equipe ligada em dois computadores e ao telefone, e as informações [da Defesa Civil] são
repassadas em tempo real para a mídia. (MFS, tenente-coronel)
*****
A imprensa tem mostrado cada vez mais interesse em captar matérias relacionadas à Defesa
Civil. E nós temos interesse em informar a comunidade. Isso gera matérias e faz com que
tenhamos sempre um bom relacionamento.
(MFA, major)
*****
Procuramos ter o contato mais estreito possível com a imprensa. Ela é o nosso canal para
sensibilizar de imediato a população. [...] Temos um laço estreito e de muita sinceridade e
fidelidade [com a imprensa]. E também realizamos reuniões periódicas com outros órgãos do
estado, para alinharmos as informações [a serem divulgadas em situações de crise].
(BCR, relações públicas)
*****
No Brasil, pode-se afirmar que os riscos de desastres encontram-se divididos em dois grandes
períodos, o de escassez de chuva e o de maior precipitação pluvial.
Equivocadamente mais associada às regiões Norte e Nordeste do Brasil, por serem as que
registram temperaturas mais elevadas, a estiagem tem impactado cidades de todo o país,
inclusive as da região Sul.
É no período das chuvas que se concentra o maior número de óbitos, a maioria vítima de
afogamento e de soterramento de suas casas.
De certa forma, o repórter faz seu papel quando expõe os riscos e dramas da população. Por
outro lado, explicar corretamente o que desencadeou a situação seria, no mínimo, o
cumprimento do dever jornalístico de revelar todos os lados de um acontecimento.
Por outro lado, não se pode esperar que um jornalista seja especialista em clima, em solo, em
habitação, em urbanismo e em todas as outras áreas do conhecimento envolvidas com a
problemática dos desastres, tanto em situação de risco quanto de resposta.
O bom relacionamento entre a defesa civil e os órgãos de imprensa, por esse motivo, torna-se
fundamental, sobretudo, frente ao processo de construção da credibilidade da defesa civil.
No entanto, acreditar que a imprensa é sempre vilã quando divulga informações equivocadas
é, no mínimo, uma tentativa de ignorar a necessidade de treinamento e melhor preparo dos
jornalistas, pois a cobertura de temas relacionados a riscos e a desastres demanda
conhecimento prévio por parte desses profissionais.
A Defesa Civil, porém, precisa estar preparada e capacitada para atender às demandas da
imprensa, dispondo sempre de dados e informações seguras, devidamente apuradas.
Transmitir credibilidade e segurança ao repórter encarregado da notícia é, sem dúvida, parte
desse preparo.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 115
O mau jornalismo, nesse caso, seria resultado do despreparo tanto do jornalista quanto do
entrevistado. O primeiro porque não se preocupou em estudar a pauta, em buscar informações
tanto para subsidiar a produção da matéria quanto para a condução da entrevista, e o segundo
porque, na maioria das vezes, ignora a falta de conhecimento do jornalista e não se esforça
para traduzir termos ou informações técnicas.
O modo como a imprensa cobre as ações de defesa civil, por sua vez, ganha relevância em
decorrência do papel dos meios de comunicação de massa (MCM) na construção da imagem
da entidade. “Os meios de comunicação de massa têm posição privilegiada na organização da
sociedade e na construção da realidade social contemporânea” (Pavarino, 2003, 24).
Para Wolf (1999), aquilo que é veiculado na imprensa, em filmes e em outros meios de
comunicação de massa fará parte da realidade na qual a sociedade acreditará.
Muitos estudos têm confirmado a tese de que os meios de comunicação de massa constroem
realidades. A seguir, apresentamos os resultados de uma pesquisa sobre a atuação da
imprensa na cobertura de fatos relacionados a riscos e a desastres.
O material da análise foi adquirido por meio de levantamento feito nos arquivos dos veículos
jornalísticos, pela internet, ou solicitados ao veículo. Para possibilitar a identificação das
matérias de interesse da pesquisa, foi feito um filtro por meio do uso dos termos chave defesa
civil e risco de desastre, entre os anos de 2007 e 2009.
Foram escolhidos para a pesquisa os dois jornais impressos de maior relevância de cada
estado e do Distrito Federal. Ao todo, foram analisadas 9.528 matérias de 25 veículos. Em
seguida, as matérias foram divididas em duas categorias: sobre desastres e riscos de
desastres.
Em cada uma dessas duas categorias, os tipos de fontes foram divididos e identificados com
letras: Defesa Civil (A); Outras fontes oficiais, como MI, MCT, prefeituras e governos estaduais
116 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Das matérias analisadas, apenas 665, ou 6,97% do total, abordaram o tema risco de desastre.
Em nenhuma dessas matérias a Defesa Civil foi fonte de informação, prevalecendo a categoria
C (especialistas).
Nas matérias sobre desastres, as categorias A e B (Defesa Civil e Outras Fontes Oficiais)
foram mais frequentes e estiveram presentes em 4.982 matérias, ou seja, em 52,28% do total.
A fonte C (especialistas) respondeu por 14,57%, ou seja, 1389 matérias. Os afetados pelos
desastres (Categoria D) estiveram presentes em 2492, ou 26,15%.
Pesquisa-ação em comunicação e percepção de riscos 117
Análise da Cobertura
Nesse caso, era feito um contato com o responsável pelo arquivo do veículo, que muitas vezes
disponibilizava-se para fazer o levantamento. Quando não havia essa possibilidade, realizava-
se um levantamento das notícias publicadas no site do jornal na web. Em outros casos, porém,
não foi possível nem o acesso ao arquivo físico do jornal, nem o levantamento via internet das
notícias publicadas no veículo, nem o acesso ao conteúdo publicado no site em anos
anteriores. Nesses casos, o veículo não foi incluído no levantamento por não dispor de
nenhuma forma de arquivamento de suas reportagens.
Após a leitura, as matérias foram separadas nas duas categorias já citadas, aquelas que
cobrem riscos de desastres e matérias sobre desastres. Em cada categoria, por sua vez, houve
118 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
Não há dúvidas sobre a importância da cobertura dos desastres, porém, com raras exceções,
após o desastre a imprensa tem muito pouco a fazer. Na maioria das situações analisadas os
veículos passaram a ser repetitivos e a apelar para histórias isoladas, explorando a dor das
vítimas.
Com base na análise das matérias publicadas sobre prevenção (riscos de desastres), ou seja,
6,97% do total das matérias encontradas, constatou-se que a Defesa Civil não foi reconhecida
como fonte de informação, recorrendo, majoritariamente, a especialistas alocados nas
universidades mais prestigiadas do país.
Os especialistas, sem dúvida, são importantes fontes de informação em matérias sobre riscos
de desastres. Nota-se, porém, que ao não recorrer a representantes da Defesa Civil como
fontes de informação, os veículos contribuíram para dissociar a Defesa Civil das ações de
prevenção (gestão de riscos), reforçando a ideia de tratar-se de uma “instituição” de resposta
aos desastres.
Essa análise dá origem a dois novos pressupostos: a) a Defesa Civil não organiza ações de
prevenção; b) a Defesa Civil não divulga de forma eficaz as suas ações de prevenção.
Essas duas hipóteses podem ser parcialmente confirmadas por meio dos resultados obtidos
com as entrevistas exploratórias com diretores de defesa civil, jornalistas de veículos de
comunicação e assessores de imprensa alocados nas instituições atuantes nas áreas de
prevenção e resposta aos desastres.
Outro ponto importante constatado na pesquisa foi a presença maciça das fontes oficiais,
representadas nesta pesquisa pelas categorias A (Defesa Civil) e B (Outras Fontes Oficiais),
nas 9.528 matérias sobre desastres.
Essas duas fontes estiveram presentes em 52,28% do total de matérias, seguida da categoria
D (Afetados), com 26,15% do total. Curiosamente, a categoria C (Especialistas) esteve
presente em apenas 14,57% das matérias. Os números reforçam a análise de uma cobertura
polarizada, dramática, em que de um lado estão as vítimas (fonte D) e do outro os culpados
(fonte A e B).
Deve-se ressaltar que recorrer à Defesa Civil e a outras fontes oficiais, como representantes do
Corpo de Bombeiros, governos federal, estadual e municipal, é condição primária para inibir a
120 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD
A cobertura polarizada, sustentada nos discursos daqueles vistos como culpados e vítimas, ao
explorar a dor das populações afetadas e ao buscar culpados, contribui com a ampliação social
do desastre, fomentando o medo, a angústia e o sentimento de incerteza dos afetados. Essa
atuação, por sua vez, distancia-se dos preceitos da comunicação de riscos e inibe a exploração
do potencial dos meios de comunicação de massa tanto no cenário dos riscos quanto no dos
desastres.
Referências bibliográficas 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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122 Promoção da Cultura de Riscos de Desastres - PCRD