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VOLUME 5, SUPLEMENTO , 2012 RE V I S TA B RA S I L E I RA D E H I S T Ó R I A D A C I Ê N C I A

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The Revista Brasileira de História da Ciência, (ISSN 1983-4713) published two times a year by Sociedade Brasileira
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Paulo/SP), Michel Paty (Equipe REHSEIS/CNRS, Paris), Nísia Trindade Lima (FIOCRUZ, Rio de Janeiro/RJ), Olival Freire Júnior (UFBa, Salvador/BA),
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Silvia Figueirôa (UNICAMP, Campinas/SP), Ubiratan D’Ambrosio (PUC-SP), Victor Navarro Brotóns (Universidad de Valencia, Valencia), Wolfgang
Schäffner (Universidad de Buenos Aires)

Ficha catalográfica preparada pela biblioteca do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)

Revista Brasileira de História da Ciência / Sociedade Brasileira de História


da Ciência – Vol. 5, suplemento . – Rio de Janeiro: SBHC, 2012 –
v.: il.

Semestral
Continuação de: Revista da SBHC
Sumários em inglês e português
ISSN 1983-4713

1. História da ciência - Periódicos. I.Título.


CDU 5: 6 (091)
VOLUME 5, SUPLEMENTO, 2012
EDITORIAL | Editorial

ARTIGOS | Articles

09 Apresentação
Antonio Carlos Robert Moraes

12 Do veneno ao antídoto: Barbosa Rodrigues e os estudos e controvérsias


científicas sobre o curare
From poison to antidote: Barbosa Rodrigues and the studies and scientific
controversial about curare
Magali Romero Sá

22 Saberes e práticas sobre plantas: a contribuição de Barbosa Rodrigues


Plant Wisdom and practices: a contribution by Barbosa Rodrigues
Ariane Peixoto, Rejan R. Guedes-Bruni, Moacir Haverroth e Inês Machline Silva

31 Barbosa Rodrigues e os estudos botânicos na Amazônia


Barbosa Rodrigues and his botanical studies in Amazonia
William Rodrigues

41 Barbosa Rodrigues e os sambaquis da Amazônia


Barbosa Rodrigues and the Amazonian’s kökknmödding
Heloisa Bertol Domingues

51 João Barbosa Rodrigues – cientista ilustrador


João Barbosa Rodrigues – illustrator scientist
Paulo Ormindo

60 Delimitando as fronteiras: a musealização da botânica


Demarcating borders: the muzealization of botany
Luisa Maria Rocha

72 Os museus e o projeto republicano brasileiro


The museums and the Brazilian republican projec
Cícero Antônio F. de Almeida

80 Lepidosiren giglioliana: uma homenagem do botânico João Barbosa Rodrigues


ao zoólogo Enrico Hillyer Giglioli
Lepidosiren giglioliana: a homage paid by the botanist João Barbosa Rodrigues
to the zoologist Enrico Hillyer Giglioli
Antonio Carlos Sequeira Fernandes, Andrea Siqueira D’Alessandri Forti, Vittorio Pane,
Marina Jardim e Silva e Cecilia de Oliveira Ewbank

88 João Barbosa Rodrigues, um naturalista entre o Império e a República


João Barbosa Rodrigues, a naturalist between the empire and the Republic
Alda Heizer

95 O País das Amazonas e naturalistas brasileiros: a natureza amazônica nas viagens


científicas da Comissão Rondon e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1907-1931)
O País das Amazonas and the brazilian naturalists: the amazonian nature in
scientific voyages of the Rondon Commission and the Rio de Janeiro´s Botanical
Garden (1907-1931)
Dominichi Miranda de Sá e Ingrid Fonseca Casazza

110 Congressos internacionais e a atuação de Barbosa Rodrigues no evento de 1905


International meetings and the Barbosa Rodrigues role on the 1905 event
Ana Maria Ribeiro de Andrade
EDITORIAL

Este número especial da Revista Brasileira de História da Ciência apresenta um conjunto


de reflexões que resultam do Seminário João Barbosa Rodrigues – Um naturalista brasileiro,
promovido pela Escola Nacional de Botânica Tropical - Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
do Rio de Janeiro e pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz em homenagem ao centenário de
morte do botânico João Barbosa Rodrigues (1909-2009) e realizado entre os dias 21, 22 e 23
de outubro de 2009, ano em que o Ministério da Ciência e Tecnologia elegeu como tema cen-
tral “A Ciência no Brasil”. Tratou-se de uma oportunidade única de trazer à cena um dos mais
importantes cientistas brasileiros, discutir o seu legado e a atualidade das questões propostas
por ele em sua obra.
Considerado um dos mais importantes naturalistas brasileiros, Barbosa Rodrigues teve
atuação expressiva como cientista na segunda metade do século XIX e primeira década do
século XX.
Dentre os seus estudos em história natural, encontram-se a botânica, a etnografia, a
arqueologia, a fisiologia e a farmacologia.
Afinado com o perfil de seus interlocutores à época, como o botânico Francisco Freire
 Allemão e o barão de Capanema, Guilherme Schüch, João Barbosa Rodrigues, um cientista ama-
dor, conseguiu se firmar como botânico profissional respeitado no Brasil e no exterior. Nos anos
1870, pesquisou intensamente na Amazônia brasileira, coletando e herborizando principalmente
palmeiras e orquídeas. Seus estudos botânicos e etnobotânicos, abrangendo desde a taxonomia
até a ilustração científica e a aplicação de plantas medicinais, levaram-no a ser indicado como
diretor do primeiro Museu Botânico de Manaus, no coração da região amazônica, em 1883.
Foi responsável ainda por importantes contribuições para o conhecimento de línguas e culturas
indígenas dessa região. Com a instalação da República, o cientista foi convidado, em 1890, a
assumir a direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, dando início a uma série de mudanças
que marcariam profundamente a instituição até hoje. João Barbosa Rodrigues vivenciou, através
dos anos, uma troca científica expressiva com seus contemporâneos de diferentes instituições
e contou com o apoio do imperador D. Pedro II e da princesa Isabel.
Abrimos o fascículo com o artigo de Antonio Carlos Robert Moraes. O pesquisador
chamou especial atenção para a trajetória de Barbosa Rodrigues, “que contraria a tese de um
caminho único e homogêneo na formação da comunidade científica do Brasil”. Além disso,
aborda questões relevantes como a importância de pensarmos “a apropriação simbólica do
território nacional”, “a especialização do trabalho intelectual no século XIX”, “a importância da
prática de catalogação da fauna e da flora e seu percurso histórico”.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 6-8, 2012


Este número
Magali Romero da Sá,
Revista Brasileiranos
especialista deestudos
História sobre
da Ciência dá continuidade
o naturalista, pretendeu ao em
projeto
seu
artigo “resgatar os estudos sobre o curare realizados por Barbosa Rodrigues, ressaltandodeo
de publicação de um dossiê temático por ano. Abrimos o volume com uma coletânea
artigos
lado que versam
polêmico sobre Engenharia
do naturalista e Política,
e a repercussão de seus formando o dossiê
experimentos entreproposto por Pedro
os seus pares e na
Eduardo Mesquita
imprensa da época”. Marinho. Tendo como objeto o trabalho e a trajetória de cientistas e
técnicos, as instituições que os formavam, as agremiações e as escolas, as revistas e os
O lugar da etnobotânica na prática científica de Barbosa Rodrigues foi abordado por Ariane
espaços de atuação destes homens, o que sintoniza os artigos aqui publicados é a premis-
Peixoto, Rejan R. Guedes-Bruni, Moacir Haverroth e Inês Machline Silva. Os autores destacaram,
sa de que as atividades profissionais dos engenheiros, aqui entendidos como intelectuais,
entre outros aspectos, “a importância da classificação botânica indígena para a afirmação de
formam e viabilizam uma rede de relações objetivas entre distintas agências e agentes.
uma ciência brasileira, cujo entendimento só seria possível pela convivência com os índios, com
É, portanto, fundamental conhecer as tensões sociais que cercam essas relações, o peso rela-
o entendimento da língua e de conhecimentos botânicos”.
tivo dos grupos nelas comprometidos e as idéias predominantes. Os trabalhos e as trajetórias
dessesWilliam
homens Rodrigues,
nos revelam biólogo que ocupa aindividuais
as experiências cadeira dee Barbosa
também Rodrigues
as coletivas. naSuas
Academia de
histórias
Letras da Amazônia,
estão unidas, ao mesmo em tempo,
Manaus,num traçou
marcoumdeparalelo entre
referência a vida
social pública
e numa e a de cientista
linguagem construídade
João Barbosa
a partir de suas Rodrigues,
experiências,destacando o autodidatismo
que também e sua especialização
são modificadas em taxonomia
por esses elementos. das
Os textos
Orchidaceae e Arecaceae,
escritos por Sonia Regina dealém de suas
Mendonça, contribuições
Pedro nas áreas
Eduardo Mequista de arqueologia,
Marinho, Maria Letícia zoologia,
Corrêa
antropologia,
e Dilma Andrade geologia,
de Paula filologia e etnologia
demonstram indígena.das análises que revelam as relações entre
a importância
estes Heloisa
homensBertol
e instituições
Domingues destacou empolítica
com a esfera da nacional
seu artigo nos séculos
que entre XIX e XX,
os trabalhos de realizando
campo de
uma aproximação da História da Ciência e da Tecnologia
Barbosa Rodrigues, aqueles voltados para os sambaquis ganharam destaque. com as discussões no âmbito mais 
alargado da historiografia.
O artista plástico e professor Paulo Ormindo analisou a arte botânica como uma forma de
A apresentação
expressão artística e demais substancial
pesquisa do dossiê
científica fica a cargo
nas ciências naturaisdeeSilvia Figueirôa.
na história da arte, exempli-
ficadaAnos desenhos
sessão e aquarelas
de artigos reafirmadonossas
cientista e ilustrador
intenções botânico
de ampliar João Barbosa
o diálogo Rodrigues.
internacional, trazen-
do dois trabalhos de colegas de Portugal. Em O “Museu de Geologia Colonial”
Os museus não ficaram de fora das análises. Dois museólogos discorreram sobre Barbosa das comissões
geológicas edeosPortugal:
Rodrigues museus:contexto RochaJosé
e memória,
Luisa Maria Manuel Brandão
apresentou nos brinda
uma reflexão acercacom da uma reflexão
trajetória de
sobre o papel das coleções científicas coloniais, tanto do ponto de vista
construção e transformação do Museu Botânico do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, concebido mais imediato do co-
nhecimento
por e da exploração
João Barbosa Rodrigues com dos recursos
o intuito naturais situados onoprocesso
de compreender ultramar,deneste caso em África,
musealização dessa
como também aborda como estas coleções fornecem, hoje, um acervo
área especializada do conhecimento a partir de uma articulação no âmbito institucional, social rico para os estudos
edaepistêmico.Cícero
História das Geociências.
Antônio F.Aoderefletir
Almeidasobre o contexto
analisou do desenvolvimento
“a reconfiguração dos museus da indústria de
brasileiros
plástico em Portugal, a partir da década de 1930, Maria Elvira Callapez,
após a implantação da República, destacando os ideais de ‘progresso’ e a inserção dos museus em Plásticos na socie-
dadeagendas
nas portuguesa rural,dereforça
políticas umapública’,
‘instrução vez mais,depor meio dedo
‘educação suas análises,
povo’ a importância
e de ‘formação de se
das almas’,
observar a complexa teia
tendo como base casos exemplares”. entre ciência, tecnologia, política, economia e sociedade.
Voltando-nos
Antonio Carlospara o texto
Sequeira escrito Andrea
Fernandes, por André Luís D’Alessandri
Siqueira Mattedi DiasForti,Vittorio
e Eliene Lima intitulado
Pane, Marina
“O Curso
Jardim de Análise
e Silva e CeciliaMatemática
de Oliveira de Omardestacaram
Ewbank Catunda: uma formacientífica
a relação peculiar ededeapropriação
amizade entreda
análise matemática moderna, verificamos a riqueza dos livros didáticos e anotações
Barbosa Rodrigues e Enrico H. Giglioli, alicerçada no interesse de ambos pela antropologia epara aulas
aproduzidos
etnografia,para cursos
o que universitários
resultou como
na inserção fontes parabrasileiro
do naturalista a análisecomo
de processos
membro de difusãonae
honorário
afirmação de teorias científicas. Neste caso, a abordagem dos autores contribui para os estudos
da institucionalização e profissionalização da Matemática no Brasil e dialoga, intimamente, com
a História da Educação, em particular com a História do ensino científico.
Encerrando a sessão de artigos, Isabel Cafezeiro, Edward Hermann Haeusler, Henrique

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 6-8, 2012


prestigiada Sociedade Italiana de Antropologia e Etnografia, em reconhecimento aos seus
trabalhos em prol da antropologia brasileira.
Alda Heizer refletiu sobre a atuação de Barbosa Rodrigues na transição entre o Império
e a República, tentando compreender Barbosa em diálogo com diferentes interlocutores e
em diferentes momentos, com o objetivo de demonstrar a complexidade das pesquisas que
pretendem circunstanciar um naturalista como Barbosa Rodrigues nessa transição.
Dominichi Miranda de Sá e Ingrid Fonseca Casazza discorreram sobre o papel dos museus,
jardins botânicos e comissões de exploração no inventário sistemático da natureza da fronteira
noroeste do território nacional, ressaltando que sob a direção de Barbosa Rodrigues ocorreu
incentivo à pesquisa científica, com o aumento das coleções, a criação do cargo de naturalista
viajante e o incremento do intercâmbio com outras instituições científicas.
Por fim, Ana Maria Ribeiro de Andrade analisou a atuação e contribuição científica de
João Barbosa Rodrigues para a 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano, realizada
na cidade do Rio de Janeiro em 1905, e concluiu que os dois trabalhos de Barbosa Rodrigues
“publicados nos anais são relevantes para a botânica, história da ciência e do meio ambiente.
 As advertências feitas ao governo e especialistas no trabalho ‘A diminuição das águas no Brasil’
permanecem muito atuais”.
Assim, esta publicação de caráter interdisciplinar – reunindo historiadores, museólogos,
ilustradores científicos, botânicos, antropólogos e cientistas sociais –aborda, além do próprio
legado científico de Barbosa Rodrigues, a história do desenvolvimento da botânica no Brasil.
Finalmente, registramos o apoio da Faperj (APQ2), que possibilitou a edição deste
número especial, que, esperamos, irá contribuir para aprofundar as discussões sobre o tema
aqui apresentado.

Magali Romero Sá e Alda Heizer


Editoras convidadas

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 6-8, 2012


Apresentação

ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES


Departamento de Geografia, FFLCH-USP

Não é preciso ser um seguidor de Friedrich Ratzel para constatar que o Estado-nação – essa construção política 
da “segunda” modernidade – se alimenta, sempre que possível, da expansão territorial para fortalecer sua unidade
interna e que os processos expansionistas jogaram um papel considerável na consolidação das identidades nacionais
modernas. Em face de tal constatação, uma particularidade histórica bem evidente da formação brasileira residiu na
possibilidade de os agentes estatais efetuarem esse movimento expansivo (sua territorialização) num espaço em sua
quase totalidade não submetido à soberania de outros estados. Essa possibilidade de uma “expansão para dentro”,
já expressa na autoqualificação como “império” (conforme a arguta indicação de Ilmar Mattos),1 fundamentou-se no
fato geográfico de o “território usado” do novo país não abarcar o conjunto de seu domínio territorial acatado pela
diplomacia ocidental. Isto é, o território colonial português na América do Sul, cujos contornos foram delineados no
“Mapa das Cortes”, no processo de elaboração do Tratado de Madri, em 1755, apresentava-se no cenário pós-colonial
como uma herança para o novo Estado: uma área de pretensão de soberania fundamentada na continuidade dinástica
e no conhecimento geográfico (mesmo que incerto em suas bordas, principalmente).2
A adoção do princípio do utis possidetis na delimitação das fronteiras brasileiras reforçou as práticas de reconheci-
mento do território, pois alargava a base da ideia de apropriação encaminhando-a também para o campo do levantamento
e da representação do espaço. No contexto após a Independência, a publicação do material das expedições da segunda
metade do século XVIII ganhava potência, assim como o incentivo à realização de novas viagens e à composição de
coleções dos variados aspectos dos meios naturais e das populações agora “brasileiras”. Aliavam-se a esse propósito a
necessidade de reconhecer os lugares aptos a certas explorações produtivas e a confecção de um inventário dos recursos
naturais disponíveis para diversas atividades. Pode-se considerar que uma ciência brasileira foi animada inicialmente por
tais objetivos de afirmação e desenvolvimento nacionais. Cabe salientar que o campo para tais práticas era extrema-
mente extenso, posto que o espaço do país encontrava-se, em sua maior parte, constituído de “fundos territoriais”, isto
é, de porções ainda não incorporadas de forma sistemática à economia nacional.3 Muito havia a levantar, a registrar e a
catalogar, sendo tais exercícios também um instrumento geopolítico de domínio e de propriedade estatais.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 9-11, 2012


A apropriação simbólica do território nacional, a inscrição de suas características e componentes nos cânones da
ciência moderna, jogava um papel adicional na legitimação da monarquia brasileira, que se apresentava no “concerto
das nações” como uma representante da ilustração nos trópicos. A taxonomia ganhava, assim, um status de aferição do
intuito civilizador, o que transparecia ao submeter uma natureza selvagem às luzes do conhecimento científico. Sabe-se
que naquelas sociedades em que a história não é prodigiosa na alimentação dos mitos de origem, a geografia vem em
seu socorro oferecendo material para a doutrinação patriótica:4 paisagens diferentes, espécies desconhecidas, acidentes
geomorfológicos extraordinários, habitantes autóctones exóticos, etc. Nessa situação, a afirmação da identidade nacional
plasma-se ao solo, ganhando uma grande carga de ideologias geográficas, característica que se acentua nos países
pós-coloniais construídos num forte processo de expansão. No entanto, tais elementos necessitam ser organizados e
expostos (assim como os registros históricos) para serem eficientes em sua função ideológica. A composição de um
imaginário geográfico e territorial nacional demanda a instituição de monumentos, museus e coleções (como já foi bem
apontado por Benedict Anderson, entre outros).5
O Brasil do século XIX conheceu um conjunto significativo de agências estatais e paraestatais dedicadas ao
trabalho acima descrito. Essas instituições congregavam um círculo de especialistas que transitavam numa circulação
inter pares sempre próxima ao governo, do qual não raro participavam ativamente. É difícil estabelecer um nome ou
uma categoria que abarque todo esse segmento usando os rótulos atuais: eram letrados, mas também naturalistas,
etnógrafos, botânicos, zoólogos, geólogos, engenheiros, médicos, militares, políticos, diplomatas, que compunham a
clientela do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - do Museu Imperial, das faculdades, etc. Envolviam-se com a
política e com a imprensa, mas também dirigiam órgãos oficiais e ocupavam cargos públicos, além, muitas vezes, de
tocar rentáveis negócios privados.6 Cabe, acima de tudo, assinalar que viajavam e liam bastante, estando sintonizados
com as ideias científicas mais sofisticadas em voga na época. Não se tratava de amadores ou miméticos, como tentou
caricaturar uma primeira historiografia republicana universitária, mas de intelectuais que reagiam a uma ambiência so-
cial peculiar posta pela dinâmica da modernidade periférica neste confim do Ocidente. A seleção de teorias e filiações
10 que professavam respondia aos princípios e aos interesses que esposavam, assim como em qualquer outra parte do
mundo moderno.
Com o caminhar do Oitocentos, à ideia legitimadora de civilização vem se associar o tema da modernização, tra-
zendo a tecnologia e o maquinismo para o centro de preocupações da elite brasileira. O espetáculo da modernidade se
expressa como paisagem e, notadamente, como sistemas de engenharia que redesenham as cidades e os caminhos.
A renovação urbana, a construção de ferrovias e a iluminação elétrica definem um projeto de país que vai conviver com
as frentes de expansão em franco movimento e com a incorporação de espaços pioneiros em diferentes quadrantes do
território nacional.7 A tentativa de articular essas duas características fica bem evidenciada nas práticas associativas
e científicas da época, animando um novo surto de reconhecimento do espaço brasileiro com a realização de viagens
e expedições, a confecção de mapas e roteiros, a publicação de textos e a organização de coleções naturais, tudo
construído e disposto segundo as recomendações das teorias científicas então vigentes. O advento da República, com
um forte conteúdo de redescoberta e de refundação do país, estimulava tal tendência. Nesse contexto, certa especia-
lização do trabalho intelectual começava a se consolidar no final do século XIX, propiciando identificar melhor se não
as instituições, ao menos os indivíduos. As comunidades especializadas começavam a ganhar forma.
A catalogação das espécies da flora e fauna brasileiras sempre foi uma atividade que acompanhou o processo de
colonização da América portuguesa, atraindo o interesse dos viajantes estrangeiros e das autoridades metropolitanas.
A emergência do Brasil como entidade geopolítica autônoma só reforçou esse objetivo taxonômico pelos motivos já
mencionados no início do presente texto. Seja por um viés utilitarista, seja por um desejo puro de conhecimento, os
elementos da natureza do espaço brasileiro foram sendo levantados, identificados e catalogados, gerando acervos
que eram expostos como uma apresentação do país. Não raro eram apresentados ao lado dos produtos da indústria
nacional e das grandes obras modernizadoras do território, permitindo criar a imagem da articulação buscada entre
riqueza natural e capacidade industrial (o que atava o “berço esplêndido” a uma promessa de futuro grandioso, alimen-
tando a figura tão repetida do “gigante adormecido”). Por essa via discursiva, o pensamento romântico de afirmação da

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 9-11, 2012


nacionalidade não se opunha às posturas e práticas cientificistas, antes concorriam para o projeto comum de conhecer
e, nesse ato, construir o país. Como em todas as sociedades pós-coloniais, a aferição do sucesso de cada empreitada
em muito residia na acolhida dos resultados obtidos nos fóruns adequados dos países centrais. Como já apontaram
vários autores, a colonialidade do saber é um componente essencial da modernidade periférica.8
Se o Brasil aparecia para a prática da descrição e da classificação como um depósito infinito de novidades, a
Amazônia representava a exacerbação dessa qualidade nacional. Era a terra incógnita por excelência, onde a exuberância
natural era proporcional ao desconhecimento de suas características, qualificando-se, assim, como um paraíso para os
levantamentos de campo naturalistas e etnográficos. Diga-se de passagem que, na visão evolutiva da ciência da segunda
metade do século XIX, os habitantes autóctones eram analisados como parte da paisagem local na sua condição de
“povos naturais” (cuja imagem era apresentada conforme o destino que lhes era reservado em cada projeto nacional).9
Viajar pela Amazônia era uma garantia de obtenção de resultados inéditos em diferentes áreas do conhecimento, o
que permitia ao pesquisador abrir a porta de entrada no grand monde da ciência, o que, no caso brasileiro, podia ser
atestado no ingresso como sócio das instituições consagradas, a começar pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Uma mesma expedição levantava dados arqueológicos, linguísticos, etnográficos, geológicos, botânicos, zoológicos,
astronômicos, além de elaborar descrições geográficas e representações cartográficas das terras visitadas.
A trajetória de João Barbosa Rodrigues é exemplar em face da interpretação esboçada nos parágrafos anteriores.
Contemporâneo da “geração de 1870” (sem inserção aparente nas ações que a qualificam), filho de um comerciante
e sem titulação acadêmica formal na área, acaba por se credenciar como um dos mais importantes botânicos do país,
apoiado em uma formação prática de campo, na qual vai apurando sua capacidade taxonômica. Sem acesso, durante
décadas, ao universo institucional da ciência na corte, acaba, já na República, por se tornar o dirigente de um dos
mais importantes lugares de cultivo de seu campo de especialização: o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.10 Trata-se,
portanto, de um personagem interessante, que ilustra a variedade de situações de vida e que contraria a tese de um
caminho único e homogêneo na formação da comunidade científica no Brasil. O presente dossiê ilumina diversas facetas
de sua vida e de sua obra, inserindo sua biografia numa análise contextual do campo disciplinar. 11

Notas e referências bibliográficas


Antonio Carlos Robert Moraes é geógrafo e sociólogo, mestre, doutor e livre-docente em Geografia Humana. É professor titular do Departamento de Geografia
da Universidade de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Geografia Política (Geopo-USP). E-mail: tonicogeo@uol.com.br

1 MATTOS, Ilmar R.Construtores e herdeiros. A trama dos interesses na construção da unidade política. In: JANCSÓ,István. (Org.) Independência: História e
Historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005.
2 Ver: CINTRA, Jorge Pimentel. O Mapa das Cortes: perspectivas cartográficas. In: Anais do Museu Paulista, v. 17, número 2, 2009.
3 MORAES, Antonio Carlos R. Geografia Histórica do Brasil. São Paulo: Annablume, 2009.
4 ESCOLAR, Marcelo. Crítica do discurso geográfico. São Paulo: Hucitec, 1996.
5 Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.
6 Como exemplo arquétipo, entre outros, ver: FIGUEIRÔA, Silvia F. M. Ciência e tecnologia no Brasil Imperial – Guilherme Schüch, Barão de Capanema (1824-
1908). Varia História, v. 21, n. 34, 2005.
7 Ver: HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. A modernidade na selva. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
8 Ver, por exemplo: LANDER, Edgardo. (Org.) La Colonialidad del Saber: Eurocentrismo y ciências sociales. Buenos Aires: CLACSO, 2003.
9 TREECE, David. Exilados, aliados, rebeldes. O movimento indianista, a prática indigenista e o Estado-nação imperial. São Paulo: Nankin/Edusp, 2008.
10 SÁ, Magali R., O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. História, Ciência, Saúde.
Manguinhos, v. VIII (suplemento), 899-924, 2001.

[ Artigo recebido em 09/2010 | Aceito em 11/2010 ]

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 9-11, 2012


Do veneno ao antídoto: Barbosa Rodrigues e os
estudos e controvérsias científicas sobre o curare

From poison to antidote: Barbosa Rodrigues and the studies and


scientific controversial about curare

MAGALI ROMERO SÁ
Casa de Oswaldo Cruz | Fiocruz

RESUMO João Barbosa Rodrigues iniciou em 1878 uma série de debates públicos com o médico e naturalista
João Batista de Lacerda, mediado pela Academia de Medicina do Rio de Janeiro, sobre a origem do veneno
utilizado pelos índios amazônicos em suas flechas e seu provável antídoto. Utilizando-se de material trazido
da Amazônia pelos naturalistas viajantes do Museu Nacional, Lacerda atribuiu poderes curarizantes a uma
espécie botânica de menispermácea, contrariando a hipótese de Barbosa Rodrigues de que somente espécies
de estricnos eram as responsáveis pela toxidade do curare. Barbosa Rodrigues passou três anos em comissão
botânica do governo imperial na região amazônica onde adquiriu seus conhecimentos sobre o curare. Defendia,
como alguns viajantes dos séculos XVII e XVIII, que o cloreto de sódio era utilizado como antídoto do curare,
12 fato controverso no meio científico da época e não aceito por Batista de Lacerda. O presente trabalho resgata
os estudos sobre o curare, realizados por Barbosa Rodrigues, ressaltando o lado polêmico do naturalista e a
repercussão de seus experimentos entre os seus pares e na imprensa da época.

Palavras-chave Barbosa Rodrigues, controvérsias científicas, curare, Amazônia, Museu Nacional, João Batista
de Lacerda.

ABSTRACT João Barbosa Rodrigues initiated in 1878 a series of public debates with the physician João Batista de
Lacerda, intermediate by the Medical Academy of Rio de Janeiro, on the origin of the arrow and dart poisons used by
the Amazonian Indians and its probably antidote. Using material brought back from Amazonia by traveling naturalists
of Museu Nacional, Lacerda attributed curarizing powers to a botanical specie of Menispermaceae, in opposition to Bar-
bosa Rodrigues hipothese that only Strychnos species were responsible for the curare toxicity. Barbosa Rodrigues spent
three years in a botanical commission in the Amazon region financed by the Imperial government, where he acquire his
knowledge on curare. As XVII and XVIII travelers, he advocate that sodium chloride was used as an antidote to curare.
A polemic fact not accepted by scientists and João Batista de Lacerda. The present article brings to light the studies on
curare written by Barbosa Rodrigues emphasizing the polemic side of the Brazilian naturalist and the repercussion of
his experiments among his peers and the press at the time.

Keywords Barbosa Rodrigues, scientific controversy, curare, Amazônia, Museu Nacional, João Batista de Lacerda.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 12-21, 2012


Introdução

No início do século XX, o naturalista brasileiro João Barbosa Rodrigues publicou em Bruxelas o trabalho “L’uirarêry
ou Curare. Extraits et complément des notes d’um naturaliste Brésilien”. Nele, o botânico brasileiro expôs suas pesquisas
sobre o curare, iniciadas quando de sua primeira viagem ao vale do Amazonas, em 1873, e a disputa que manteve
com o médico e pesquisador do Museu Imperial de História Natural, João Batista de Lacerda, em fins do século XIX,
sobre o antídoto do curare.
O poderoso veneno dos indígenas da América do Sul gerou grande curiosidade nos primeiros exploradores que
chegaram à região do vale do Amazonas e Orenoco nos séculos XVI e XVII. Desconhecido dos europeus, o veneno de
ação paralisante, utilizado por algumas tribos indígenas nas pontas das flechas e dardos lançados pelas zarabatanas
para a caça, era fabricado em um ritual conduzido pelo curandeiro da tribo, com a utilização de diferentes tipos de lianas
e raízes em sua composição, o que levou a intensa especulação sobre que espécie seria responsável pela toxidade
do veneno. Um dos primeiros exploradores que entraram em contato com o curare e descreveu os seus efeitos foi o
espanhol Alonso Perez de Tolosa durante exploração do lago Maracaibo, na Venezuela, em 1548. Cristóbal Diatristán
de Acuña, padre jesuíta que acompanhou Pedro Teixeira em sua exploração do Amazonas em 1639, descreveu o
veneno no relato de sua viagem publicado em Madri, em 1641.1 Cronistas que nunca haviam viajado para o Novo
Mundo também relataram o veneno mortal dos índios, como o italiano Pietro d`Anghiera que, vivendo na Espanha
e utilizando-se de documentos e descrições pessoais dos exploradores que estiveram nas Américas, enviava cartas
para a Itália descrevendo o que ouvia. Essas cartas foram parcialmente publicadas em 1504, 1507-8, e todos os seus
escritos reunidos na obra De Orbe Novo. publicada em 1516, na qual descreve a técnica dos selvagens em usar arco
e flechas envenenadas2 (McIntyre, 1947, p. 5-6). 3
Lawrence Keymis, comandante da expedição de Walter Raleigh à Guiana em 1596, relacionou, em sua narrativa
de viagem, as ervas venenosas utilizadas pelos indígenas, e foi o primeiro a usar o termo “ourari”.4 O explorador francês
13
Charles Marie de La Condamine, em sua viagem pelo Amazonas em 1743, conseguiu dos índios ticunas flechas envene-
nadas, com as quais fez demonstrações em galinhas, ao chegar a Caiena, para o comandante da colônia, os oficiais e o
médico do rei. Repetiu a experiência para vários professores quando regressou à Europa, mais precisamente em Leiden,
na Holanda. La Condamine (1992 [1745], p. 121-122)5 descreveu o veneno como “um extrato produzido por meio de
fogo, do sumo de diversas plantas, e particularmente de certas lianas onde entravam mais de trinta espécies de ervas ou
raízes na preparação do veneno”, não especificando as espécies usadas. Outros viajantes, posteriormente, descreveriam,
com mais precisão, o preparo do curare e mesmo identificariam as plantas usadas no fabrico do veneno, como Alexander
von Humboldt e Aimé Bonpland. Humboldt, em sua Voyage aux régions équinoxiales du nouveau continent, publicada em
1816, relatou em detalhes a preparação do veneno, a qual presenciou quando em Esmeralda, no Orenoco.

Esta operação química, a qual o velho homem (índio) deu muita importância, nos parece ser extrema-
mente simples. A liana (bejuco) usada em Esmeralda para a preparação do veneno possui o mesmo
nome daquele usado nas florestas de Javita. É o bejuco de Mavacure, coletada em grande abundân-
cia a leste da missão, no banco esquerdo do Orenoco, além do rio Amaguaca, nas trilhas monta-
nhosas e rochosas de Guanaya e Yumariquin. Apesar do feixe de bejuco o qual nós encontramos na
cabana do índio estar inteiramente sem folhas, nós não tivemos dúvida de ser ele da mesma família
dos estricnos ((próximo ao Rouhamon de Aublet), o qual nós examinamos na floresta de Pimichin.
(Humboldt, in McIntyre, ibid., p. 28)

Durante o século XIX, o interesse científico pelo curare se intensificou, principalmente após os relatos de Humboldt
que, juntamente com Karl Friedrich Philip von Martius e os irmãos Richard e Robert Schomburgk, atribuíram a toxidade
do veneno às plantas do gênero Strychnos. Martius e Johann Baptist von Spix assistiram aos Juris, nas margens do rio
Japurá, prepararem o curare com a casca da Strychnos [castelneana], à qual juntavam a de cipós que denominavam
imene (Abuta imene), além de raiz de piperácea, Arthante geniculata, etc. Richard Schomburgk descreveu em detalhes

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a preparação do curare, enumerando, pelo menos, três espécies diferentes de Strychnos na preparação do veneno
(McIntyre, ibid., p. 33). Já Francis de la Porte Castelnau, que chefiou a expedição que o governo francês enviou à América
do Sul entre 1843 e 1847, desceu o Amazonas vindo de Lima e identificou no curare fabricado pelos índios Ticunas,
além da Strychnos castelneana, outra espécie do grupo das menispermáceas, a Abuta caudicans, que consideraria a
principal responsável pelo efeito curarizante. Para ele, essas duas espécies eram os principais constituintes do curare
daquela tribo indígena, tido como um dos mais ativos de todos quantos eram preparados no vale do Amazonas.6
Oswaldo Brasil e João Campos, em seu artigo sobre Lacerda e a origem botânica do curare,7 publicado em 1951,
chamam a atenção para a presença de animais venenosos na mistura elaborada pelos índios, levando alguns viajantes
a atribuir a eles a toxidade do veneno.
Alguns naturalistas também faziam distinções entre os curares de acordo com os potes utilizados no armazena-
mento, como os tubos de bambu, potes de barro ou cabaças.
Um dos primeiros progressos para o entendimento das plantas que compõem o veneno, veio de Bogotá, em 1828,
no trabalho desenvolvido pelos pesquisadores franceses: o químico Jean-Baptiste Boussingault e o médico François
Desire Roulin. Em 1822, Simon Bolivar incumbiu a Francisco Antonio Zea, ministro da Colômbia na França, contratar
professores para um centro de ensino superior que pretendia estabelecer na Colômbia, com o objetivo de desenvolver
a história natural do país. Zea consultou Alexander Humboldt, que indicou Boussingault e Roulin.8 Quando em Bogotá,
os dois desenvolveram pesquisas químicas com o curare e demonstraram que este não possuía estricnina, mas um
princípio ativo solúvel em água e de difícil cristalização (Marini-Bettòlo, 1973).9
Pouco avanço houve em relação à química do curare desde as pesquisas iniciadas em Bogotá, até que o químico alemão
Rudolf Boehm isolou, em 1886, um alcaloide quaternário extremamente tóxico, que denominou tubocurarina, além de outros
dois terciários fisiologicamente inativos. Assim, Boehm formulou uma classificação empírica sobre as variedades de curare,
baseada, essencialmente, nos recipientes em que as mesmas estavam contidas. Pesquisadores passaram, então, a utilizar o
14 método classificatório de Boehm até as primeiras décadas do século XX. Segundo Carneiro, esse método não apresentava
qualquer base científica e era desprovido de qualquer fundamento botânico, químico ou fisiológico (Sá, 2004, p. 53).10

As pesquisas brasileiras sobre o curare

Na segunda metade do século XIX, naturalistas brasileiros tentaram determinar a composição botânica do curare.
Em 1872, João Barbosa Rodrigues chegou à Amazônia, comissionado pelo governo imperial, para fazer levantamento
das espécies de palmeiras da região. Durante os dois anos e meio que passou na região, o botânico brasileiro viven-
ciou inúmeras experiências que foram utilizadas durante toda a sua carreira. Acompanhado de um servo, Barbosa
percorreu o interior da região coletando espécimes de orquídeas e palmeiras. Aproveitava a sabedoria popular para
fazer anotações importantes quanto à utilização da flora local na medicina, na culinária e habitação, principalmente em
relação às palmeiras; fez coletas em sítios arqueológicos e geológicos e aprendeu com os indígenas a arte do curare.
Barbosa Rodrigues explorou, ainda, os rios Capim, Tapajós, Trombetas, Urubu e Jatapu, e Jamundá, tendo publicado o
resultado de sua exploração em cinco relatórios, entre 1875 e 1878. Barbosa Rodrigues aprendeu a feitura do curare
com uma índia miranha e constatou que os estricnos seriam responsáveis pela curarização e a morte (B. Rodrigues,
1903, p. 6-11).11
Alguns anos após Barbosa Rodrigues ter retornado ao Rio de Janeiro, em 1878, foram enviados ao vale do Ama-
zonas os naturalistas viajantes do Museu Imperial Carl August Wilhelm Schwacke12 e Clément Jobert, com o objetivo
de reunir coleção botânica para a instituição. Durante os meses que passaram na região, os dois naturalistas assistiram
à preparação do curare pelos índios ticunas, no alto Solimões, próximo às fronteiras do Peru, e identificaram as plantas
principais que entravam na composição do veneno: as denominadas pelos indígenas como “uirari” entravam em maiores

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proporções, e as “icu”, identificadas por
Schwacke como Strychnos castelneana
e Anomospermum grandifolium Eichler.
Os naturalistas do Museu Imperial trou-
xeram, além de potes de curare, caules
de Anomospermum e de outras espécies
para futuras experiências. Em experiência,
alguns anos mais tarde, com o extrato
fluido de Anomospermum, o médico
João Batista de Lacerda demonstrou,
pela primeira vez, os efeitos curarizantes
dessa espécie vegetal, comprovando as
observações de Schwacke e Jobert.13
Lacerda passou a defender a to-
xidade do curare às espécies de menis-
permácea após realizar experiências com
espécies de Strychnos dos arredores do
Rio de Janeiro (S. triplinervia e Strychnos
gardneri) e não conseguir comprovar
nenhum efeito paralisante. Seu primeiro
trabalho com Strychnos triplinervia foi pu-
Figura 1 Strychnos spp. Hans Solereder – 1892-1895. Loganiaceae In: ENGLER, Prantl. blicado em nota, no Jornal do Commercio
(Ed.) Die natürlichen Pflanzenfamilien [...] IV. Teil. 2. Abteilung Leipzig, W. Engelmann. de 24 de agosto de 1878. Além de negar
a toxidade ao Strychnos, afirmou que não 15
considerava o cloreto de sódio como antídoto do curare. A publicação do trabalho de Lacerda foi interpretada por Bar-
bosa Rodrigues como uma provocação a ele e às ideias que defendia. Para Barbosa, eram as espécies de Strychnos as
responsáveis pela toxidade do curare, e o cloreto de sódio, o único antídoto para o veneno dos índios. Barbosa estava
prestes a fazer uma demonstração sobre o valor do sal como antídoto para os membros da Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, e Lacerda tinha conhecimento disso.
Sentindo-se desafiado, o extremamente combativo João Barbosa Rodrigues iniciou uma grande polêmica com
João Batista de Lacerda, mediada pela Academia Imperial de Medicina, com uma série de demonstrações públicas
para comprovar a sua tese.

A disputa travada entre Barbosa Rodrigues e João Batista de Lacerda

No dia seguinte à publicação do artigo de Lacerda, em 25 de agosto, ocorreu a primeira demonstração para comprovar
o valor do sal como neutralizador do curare. Realizada na casa de Barbosa Rodrigues, situada na Rua Haddock Lobo, n.
43, a sessão ocorreu na presença dos médicos Gama-Lobo, Fernando Francisco da Costa, Ferraz, Domingos José Freire,
Agostinho José de Souza-Lima, Joaquim Monteiro Caminhoá, Luís de Souza Lobo, João Baptista dos Santos, Samuel
Brandão de Souza-Barros, Henrique Carlos Feldhagem, Belfort e José Jeronymo de Azevedo Lima, Theodore Peckolt.14
Barbosa Rodrigues iniciou a demonstração utilizando uma flecha com curare fabricado pelos índios uaupes em uma
incisão feita num porquinho da índia, e, após alguns minutos, o animal já demonstrava sinais de paralisia, vindo a morrer.
A segunda experiência consistiu em aplicar uma injeção hipodérmica na cobaia e, em seguida, aplicar urina retirada
da bexiga da cobaia morta. Dezoito minutos depois, o animal se encontrava sem nenhum sintoma de envenenamento.

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A terceira experiência foi realizada em uma cobaia jovem, aplicando uma flecha envenenada em incisão feita na coxa
direita. Após trinta minutos, estando o animal completamente anestesiado, foi aplicado sal de cozinha dissolvido em água
na ferida e na boca, além de água fria na testa. O animal se recuperou completamente.
Barbosa Rodrigues realizou mais três experiências aplicando o sal de cozinha como antídoto. Duas foram bem-
sucedidas; na terceira, não conseguiu recuperar o animal, tendo concluído que, após completa paralisia, era impossível
combater os efeitos do veneno.
A segunda demonstração ocorreu em 01 de setembro, também em casa de Barbosa Rodrigues, agora na presença
de um número maior de médicos – lentes da Faculdade de Medicina e membros da Academia Imperial de Medicina
– além de curiosos. Entre eles, encontravam-se João Baptista de Lacerda, Nicolau Moreira, Costa Ferraz, Souza Lobo,
Joaquim da Rocha, Joaquim Monteiro Caminhoá, Nuno de Andrade, José Jeronymo Azevedo Lima, Furquim Werneck,
Baptista dos Santos, Henrique Carlos Fildhagen, Alfredo de Almeida Rego, Henrique Schutel.
Barbosa Rodrigues, antes de iniciar, fez questão de ler para os presentes o relatório de demonstração anterior,
realizada com sucesso em 03 de agosto de 1878, na casa de Guilherme Schüch de Capanema e na presença do Dr.
Henrique Schutel. Barbosa mostrava, assim, aos presentes, o apoio que vinha recebendo de seu amigo e protetor
Guilherme de Capanema.15
A experiência começou com uma injeção de dois miligramas de curare em um porquinho da índia e, em seguida,
uma aplicação intradérmica de uma solução de sal de cozinha em 20 gotas de água, tendo o efeito do veneno sido
neutralizado.
A experiência seguinte consistiu em infeccionar o animal com a mesma dose de veneno misturada com a mesma
quantidade de água salinizada. O animal, após receber a mistura, não apresentou sinal de envenenamento. A terceira
experiência foi injetar em outro porquinho da índia somente o veneno, tendo o mesmo falecido em minutos. Na quarta
16
experiência, Barbosa Rodrigues utilizou uma flecha envenenada e, após 40 segundos, a flecha foi retirada do animal e,
sobre a ferida, colocado o sal. O animal, após apresentar sinais de envenenamento, recuperou-se. Por último, a expe-
riência foi realizada em um cachorro, que também foi flechado duas vezes e, após a aplicação do sal, ficou curado.
Bastante impressionados, os médicos presentes convidaram Barbosa Rodrigues a continuar suas experiências
na Faculdade de Medicina (O Cruzeiro, 02-09-1878).16
Na ocasião, Barbosa Rodrigues clamou para si a prioridade na divulgação do sal de cozinha como o antídoto
do curare, tendo o Dr. Costa Ferraz proposto que fosse criada uma Sociedade de Fisiologia Experimental para que se
iniciassem experiências com outros venenos e substâncias.17
Batista de Lacerda, presente ao experimento, não quis atestar a experiência feita por Barbosa e convidou a
todos os presentes para assistirem a uma demonstração feita por ele no Museu de História Natural. Para ele, o curare
utilizado por Barbosa era de baixa toxidade e, em sua experiência, ele utilizaria um curare de alta toxidade depositado
na coleção do Museu.
No dia seguinte, na presença de Barbosa Rodrigues e de oito médicos membros da Academia e professores da
Faculdade, João Batista de Lacerda e Clément Jobert iniciaram a demonstração nas dependências do Museu.
Barbosa Rodrigues questionou a origem do curare que havia sido escolhido pelos naturalistas do Museu, sendo
então convidado por Batista de Lacerda para realizar a experiência, o que recusou. Interpelado por Jobert, iniciou
calorosa discussão com o colega francês, apaziguada pelos membros presentes. A experiência finalmente foi iniciada.
Fez-se uma incisão na cobaia e colocou-se a flecha envenenada em contato com a ferida. Após alguns segundos, foi
introduzido na incisão o sal de cozinha. O animal veio a morrer dezoito minutos depois.
Após nova discussão com Clément Jobert, Barbosa Rodrigues convidou a todos os presentes que o acompanhasse à
sala de etnografia, para que fosse escolhido um curare autêntico, e ele mesmo faria a demonstração. Escolhido o material,

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Barbosa iniciou a experiência com a cobaia e, após aplicar o sal de cozinha na incisão contaminada pelo veneno, o animal
se recuperou em alguns minutos. Questionado por ter usado um curare que já estava depositado no Museu há mais de
vinte anos, Barbosa Rodrigues repetiu a experiência sem utilizar o sal como antídoto, e o animal acabou morrendo.
A demonstração de Barbosa Rodrigues continuou sendo desacreditada pelos pesquisadores do Museu que, em
publicação no jornal Gazeta de Notícias, de 09 de setembro de 1978, comunicaram que:

Admitindo como perfeitamente exatos os resultados das experiências de Cl. Bernard, Reynoso, Balbiant
e Jobert, que provam não ser o sal marinho nem um antídoto químico nem um antagonista do curare,
instituiu o dr. Lacerda Filho, com a cooperação do dr.Jobert, uma série de experiências no Museu Nacional
para se verificar aquele sal, assim como outras substâncias podem exercer alguma ação local sobre as
feridas envenenadas pelo curare. Dessas experiências concluíram o seguinte:
• que o sal marinho atuando sobre as fibras musculares lisas da pele e dos vasos que se distribuem no
tecido celular subcutâneo, retarda a absorção do curare;
• que de todos os meios que atuam localmente, o sal marinho é o mais infiel;
• que o alumen [sic] é um excelente meio local que dá muitos bons resultados enquanto o veneno não
tem entrado na circulação;
• que os resultados aparentemente brilhantes, obtidos em outras experiências com o sal marinho expli-
cam-se por um processo operatório defeituoso e absolutamente diferente daquele que se dá em condições
naturais e comuns.
Chegando a estas conclusões, baseadas em fatos numerosos, os drs. Lacerda Filho e Jobert dão desde já
por terminada esta questão de antidotismo do sal marinho.18

O médico Nuno de Andrade, que vinha acompanhando os experimentos de Barbosa Rodrigues, saiu em sua 17
defesa e publicou declaração, no Jornal do Commercio de 10-09-1878,19 de que as conclusões de Lacerda eram sem
fundamento e insustentáveis. Lacerda decidiu esclarecer em definitivo a questão do antídoto do curare e publicou no
jornal O Cruzeiro, e no Progresso Médico de 12 e 15 de setembro, longo artigo, no qual expôs que o cloreto de sódio era
uma antiga tradição indígena, propagada na Venezuela, Guianas e Brasil, e combatida por Claude Bernard, após sérias
e nobres experiências. Referindo-se indiretamente a Barbosa Rodrigues, dizia que “recentemente, essa crença tinha
um ardente defensor em um dos exploradores da região amazônica e que este havia realizado alguns experimentos
demonstrativos [com o sal] com aparente sucesso” (Lacerda, 1878. In: Barbosa Rodrigues, 1903).20 Expôs, então, em
detalhes, as experiências que realizou, descrevendo todos os efeitos fisiológicos produzidos pelo curare e a inocuidade
do sal, que tinha somente a propriedade de retardar a absorção do veneno. Concluiu que não havia ainda sido descoberto
o antídoto do curare como queria fazer acreditar Barbosa Rodrigues.
Desde a descoberta do curare, sempre houve grande interesse em se conhecer seu antídoto. O viajante italiano
Gonzalo Fernandez de Oviedo descreveu em seu relato de viagem, publicado em 1530, que, nas missões, asseguravam
aos viajantes europeus que eles não precisavam mais temer as flechas mergulhadas em curare, se tivessem um pouco
de sal em suas bocas.21
Para Condamine, era o açúcar que funcionava como antídoto. Humboldt, em seu diário de viagem, também dizia
que, nos bancos do Amazonas, a preferência era para o açúcar e que o sal não era conhecido pelos índios da floresta.
Descreveu que não havia cura para o curare fresco, bem concentrado, deixado por um longo período na ferida e entrando
livremente na circulação. Porém, relatou que, entre os [curares] específicos empregados nos bancos do Orenoco, o
antídoto mais celebrado era o muriato de soda [cloreto de sódio]. A ferida era esfregada com sal, e o produto também
era tomado internamente. Humbodt afirmava não estar completamente convencido da eficácia do sal e afirmava que os
experimentos efetuados pelos franceses Alire Raffeneau-Delille, botânico e médico, e François Magendie, fisiologista,
não comprovavam a sua eficácia.

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Em 1855, o fisiologista francês Claude Bernard (professor da cadeira de Fisiologia do Colégio de França) iniciou
uma série de experimentos com curare, esclarecendo muitas dúvidas sobre a atuação do veneno e de seu antídoto.
Como enfatizado por Michael Radcliffe Lee (2005, p. 88) Bernard foi a grande influência nos estudos sobre o curare no
século XIX.v Como um dos resultados de suas pesquisas, Bernard provou que a respiração artificial era o único meio eficaz
para recuperar os efeitos do curare. Os resultados de suas pesquisas foram:23

• Para que o veneno cause efeito, é necessário entrar na corrente sanguínea.


• A absorção do curare pelo estômago e intestino é pobre e variável.
• O curare é um cristaloide e passa por diálise através de uma membrana semipermeável.
• A morte é causada pela falência respiratória, sem convulsões e sem dor. O coração continua a bater
após cessar a respiração. Recuperação poderá ocorrer, se a respiração artificial for mantida por um longo
período.
• A ação essencial do veneno é sobre o nervo motor, enquanto os nervos sensoriais permanecem não
afetados.
• Os nervos voluntários das extremidades são os mais sensíveis ao veneno, seguidos por aqueles dos
músculos torácicos e então pelos nervos frênicos do diafragma.
• Curare e estricnina atuam em diferentes lugares: curare, perifericamente, e estricnina, centralmente.
• Ambos, o nervo ciático e o músculo gastrocnêmico, retêm suas habilidades para funcionar após o veneno
ser aplicado. Dessa forma, o local de ação deve acontecer na área de junção entre os dois.

No auge da discussão travada entre Rodrigues e Lacerda, chegou ao Rio de Janeiro, em meados de 1878, um
jovem fisiologista francês, Louis Couty, contratado para trabalhar na Escola Politécnica para lecionar Biologia Industrial.
18 Alguns meses após sua chegada ao Brasil, Couty entrou em contato com Batista de Lacerda e engajou-se nas pesquisas
sobre curare que estavam sendo realizadas no Museu Imperial. Clemente Jobert havia retornado para a França em
fins de 1878.24 O primeiro resultado da parceria entre Couty e Lacerda saiu publicado em 1879, no Comptes Rendus
de l´Academie des Sciences de Paris, no qual os pesquisadores expuseram as pesquisas que estavam desenvolvendo
para verificar se era nas Loganiaceae (Strychnos) ou nas Meniospermaceae (Anomospermum) que se encontrava o
princípio ativo do curare. As experiências que realizavam no Museu eram assistidas pelo imperador e outros membros
da comunidade científica da época com grande sucesso. Entusiasmado com os resultados que os pesquisadores vinham
obtendo, o imperador apoiou formalmente a criação do primeiro Laboratório de Fisiologia Experimental anexo ao Museu,
sendo instalado oficialmente em 1880.25
A teoria de Barbosa Rodrigues em relação ao antídoto, naquele momento, já se encontrava desacreditada.
A polêmica com Lacerda o levou a pedir um veredicto oficial da Academia Imperial de Medicina, entendendo que somente
ela teria competência para resolver a questão. Rodrigues confiava nos seus resultados e na resposta positiva que tinha
recebido dos membros da Academia após a realização de suas experiências. Porém, após alguns adiamentos, qual foi a
sua surpresa ao ler o resultado do veredicto da comissão nomeada pela Academia, publicado no Jornal do Commercio
de 03 de dezembro de 1878:26 após uma longa exposição de motivos, em que eles corroboravam indiretamente com
os argumentos expostos por Batista de Lacerda, os acadêmicos concluíram que o cloreto de sódio não era considerado
um neutralizador dos sintomas manifestados após o envenenamento pelo curare.
Indignado e frustrado, Barbosa Rodrigues compareceu à sessão extraordinária na Academia, de 03 de fevereiro
de 1879, e discorreu longamente defendendo a sua teoria.
Rodrigues entendia a decisão dos acadêmicos como uma defesa da ciência oficial, já que ele não tinha nenhuma
filiação institucional e não era médico de formação. Tentava descredenciar Batista de Lacerda em seus conhecimentos
etnográficos e botânicos, valendo-se da sua experiência na região amazônica com tribos indígenas e a flora da região.
Nacionalista, rejeitava a opinião dos pesquisadores estrangeiros como Jobert e Schwacke por entender que os mes-

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mos só haviam passado rapidamente pela
Amazônia e não tinham adquirido conhe-
cimento suficiente dos costumes, língua
e diversidade florística da região.27

Conclusão

Ao ser nomeado pelo governo im-


perial para o seu primeiro cargo institucio-
nal como diretor do Museu Botânico do
Amazonas em 1884, Barbosa Rodrigues
projetou uma instituição moderna com
desenhista, fotógrafo, um laboratório
químico para a análise dos princípios
ativos das plantas da Amazônia e uma
revista científica, denominada por ele
Vellosia, para divulgar os trabalhos da
nova instituição.28
O curare continuou a ser objeto de
suas pesquisas e, no primeiro número
da nova revista, em 1888 , publicou um
estudo taxonômico sobre as estricnos, de- 19
nominado “Década de Strychnos Novos”,
em que descreveu dez espécies novas de
Strychnos, continuando a atribuir somente
a essas espécies a toxidade do veneno.
Esse trabalho foi republicado em 1891,
quando já estava de volta ao Rio dirigindo
Figura 2 Strychnos macrophylla. B. Strychnos rivularia. Barbosa Rodrigues, João. Vellosia, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.29
vol. III, 1891
Em contestação às pesquisas que
Lacerda continuava a realizar, com posição
contrária à sua sobre a origem botânica do curare, Barbosa Rodrigues publicou, em 1903, os estudos etnográficos que
fez sobre o temível veneno indígena e toda a disputa travada com Batista de Lacerda, divulgada nos jornais de época.
Esse foi o último trabalho de Rodrigues sobre o curare.
Batista de Lacerda, que defendia ardorosamente a ação curarizante às menispermáceas (Chondodendron), con-
firmou, em 1909, a toxidade dos Strychnos como defendido por Rodrigues. Em seu trabalho, Lacerda afirmou:

O curare é um extrato vegetal, composto de uma, duas ou mais plantas, das quais só duas são verda-
deiramente ativas, uma delas pertence à tribo das Strychneas, família Loganiáceas, outra à família das
Menispermáceas.
Por mais variável que possa ser a composição deste veneno indígena, há de encontrar-se nele sempre
uma Strychnea ou uma menispermácea ou ambas reunidas, embora, conforme as regiões e as tribos, as
espécies botânicas empregadas, quer de uma quer de outra planta, sejam diferentes.

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Barbosa Rodrigues faleceu em abril de 1909 e não teve a oportunidade de ver reconhecida por Lacerda a veracidade
de suas observações etnográficas e botânicas. Barbosa errou ao defender tão intensamente a hipótese do cloreto de
sódio como antídoto do curare, hipótese descartada por Claude Bernard desde 1844. Ele não era um fisiologista, mas
sim um excelente botânico e etnógrafo. No fim, os dois pesquisadores sempre estiveram certos em relação à origem
botânica do curare.

Notas e referências bibliográficas


Magali Romero Sá é doutora em History and Philosophy of Science pela University of Durham (1996). É pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo
Cruz e professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (COC/Fiocruz), sendo atualmente coordenadora-geral deste programa. É
bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq, nível 2. Integra o conselho consultivo da Sociedade Brasileira de História da Ciência (2011-2012) e é membro do
conselho editorial do periódico Medical History. E-mail: magali@coc.fiocruz.br

1 ACUÑA, Cristobal. Nuevo Descubrimiento del Gran Río de las Amazonas. Madrid: Imprenta Del Reyno, 1641.
2 Norman Bisset, em seu artigo sobre War and hunting poisons of the New World, expõe que muitas descrições feitas sobre os efeitos produzidos pelos
dardos usados pelos indígenas para combater os invasores não eram, em verdade, devido ao curare, mas sim a outro veneno, já que o curare era utilizado
pelas tribos da floresta para a caça, e não para a guerra. BISSET, Norman G. War and hunting poisons of the New World. Part 1. Notes on the early history
of curare. Journal of Ethnopharmacology, v. 36, n. 1, p. 1-26, 1992.
3 MC’INTYRE, A. R. Curare, its history, nature and clinical use. Chicago, Illinois: The University of Chicago Press, 1947.
4 KEYMIS, L. A relation of the Second Voyage to Guiana. Perfourmed and written in the yeare 1596. T. Dawson, London. 1596.
5 LA CONDAMINE, Charles-Marie . Viagem pelo Amazonas, 1735-1745. São Paulo- Rio de Janeiro: Edusp, Editora Nova Fronteira, 1992.
6 CASTELNAU, F. Expedição às regiões centrais da América do Sul. Coleção Reconquista do Brasil, v. 217. Belo Horizonte-Rio de Janeiro: Editora Itatiaia. 2000.
7 BRASIL, Oswaldo V.; CAMPOS, João S. Lacerda e a origem botânica do curare. In: João Batista de Lacerda. Comemoração do Centenário de Nascimento
(1846-1946). Museu Nacional, Publicações Avulsas, n. 6, p. 69-71, 1951.
20 8 Sobre a vinda dos professores franceses para a Colômbia, ver: Mariano Eduardo de Rivero y Ustariz (1798-1857) em http://www.pdvsa.com/lexico/
pioneros/mariano.htm.
9 BOUSSINGAULT, Jean-Baptiste; ROULIN, François Desire. Examen chimique du curare, poison des Indiens de l’Orénoqué. Annales de Chimie 39, p.24–37. 1828.
10 SÁ, Magali Romero. Paulo Carneiro e o curare: em busca do princípio ativo. In: MAIO, Marcos Chor. (Org.) Ciência, Política e Relações Internacionais. Rio
de Janeiro- Brasília: Editora Fiocruz, Unesco, 2004.
11 BARBOSA Rodrigues, João. L`Uiraêry ou curare. Extraits et Complément des notes d´un naturaliste brésilien. Bruxelles: Imprimerie Veuve Monnom,
1903.
12 Schwacke chegou ao Brasil, em 1873. Em 1874, foi contratado pelo Museu de História Natural como naturalista viajante. Em 1891, deixou o Museu e assumiu
a cátedra de Botânica na Escola de Farmácia de Outro Preto, onde permaneceu até sua aposentadoria. Voltou para a Alemanha, onde faleceu em 1904.
13 Brasil & Campos, 1951, p. 70.
14 Barbosa Rodrigues, 1903, p. 88.
15 Capanema era considerado o mecenas de Barbosa Rodrigues. Polemista tanto quanto Barbosa, Capanema não simpatizava com muitos pesquisadores
do Museu de História Natural e sempre apoiava Barbosa em todas as querelas que envolvessem os pesquisadores dessa instituição. Ver: SÁ, Magali
Romero. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na 2ª metade do século XIX. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.
VIII (suplemento), p. 899-924, 2001.
16 O Cruzeiro de 02 de setembro de 1878. Ata da reunião de 01 de setembro de 1878 para realização das experiências de Barbosa Rodrigues sobre o
curare.
17 BARBOSA Rodrigues, João. L`Uiraêry ou curare. Extraits et Complément des notes d´un naturaliste brésilien. Bruxelles: Imprimerie Veuve Monnom, 1903,
p. 96.
18 Gazeta de Notícias de 09 de setembro de 1878. Declaração de Lacerda encerrando a questão por não ter Barbosa Rodrigues provado suas asserções.
19 Jornal do Commercio de 10 de setembro de 1878. Declaração do Dr. Nuno de Andrade de que as conclusões de Lacerda são sem fundamento e
insustentáveis.
20 O Cruzeiro de 12 de setembro de 1878. Artigo de João Batista de Lacerda sobre os pretensos antídotos do curare.
21 OVIEDO, Gonzalo Fernandez. Sommario della storia naturale delle Indie (La memoria). http://www.parodos.it/anapliromatica/bios/4.htm
22 LEE, Michael Radcliffe. Curare: the South American arrow poison. Journal Royal College of Physicians of Edinburgh, v. 35, p. 83–92, 2005.
23 BERNARD, Claude. New Experiments on the Woorara Poison. Lancet, v. I, p. 298–300, 1851.
24 Jobert, ao chegar de volta à França, apresentou, na sessão de 14 de dezembro de 1878 da Sociedade de Biologia de Paris, palestra sobre sua viagem à
Amazônia e a demonstração sobre a fabricação do curare, que teve a oportunidade de presenciar. Barbosa Rodrigues, indignado ao tomar conhecimento

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 12-21, 2012


da palestra de Jobert, publicada no Comptes Rendus e reproduzida no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, escreveu uma longa carta refutando todas
as observações do naturalista francês.
JOBERT, Clément. Sur la préparation du curare. Comptes Rendus des Séances Hebdomadaires de l’Academie des Sciences. Paris, n. 86, p. 121-122, 1978.
Gazeta de Notícias de 23 de fevereiro de 1879. Carta de Barbosa Rodrigues contestando as observações de Clément Jobert.
25 DIAS, Mario Vianna. Lacerda Fisiologista. In: João Batista de Lacerda. Comemoração do Centenário de Nascimento (1846-1946). Museu Nacional,
Publicações Avulsas, n0 6, p. 50, 1951. O laboratório ocupava dois salões no pavimento térreo do Museu [situado, na época, na Praça da República].
26 A comissão era composta pelos médicos Fernando Francisco da Costa Ferraz, Dr. Carlos Frederico dos Santos Xavier de Azevedo e o farmacêutico Augusto
César Diogo.
27 O relatório da comissão nomeada pela Academia foi publicado no Jornal do Commercio de 03 de dezembro de 1878 e no Annaes Brazilienses de Medicina,
v. XXX, 1878-70.

O discurso de Barbosa Rodrigues proferido na Academia foi publicado nos Annaes Brazilienses de Medicina, v. XXXI, 1879.
28 Regulamento do Museu Botânico do Amazonas. Regulamento n. 49, de 22 de janeiro de 1884. Publicado na Vellosia, v. II, p. 81-86.
29 No ano de 1883, Barbosa Rodrigues foi convidado pelo governo Imperial para dirigir o então recém-criado Museu Botânico do Amazonas. Responsável
pela elaboração básica do Museu, o botânico brasileiro apresentou um plano ambicioso, no qual os estudos de Botânica aplicada à Medicina e indústria
mereceram lugar de destaque. Durante os sete anos em que funcionou o Museu Botânico, Barbosa Rodrigues empreendeu inúmeras excursões científicas
e dedicou-se aos estudos etnográficos, estudando as línguas indígenas, além de suas lendas e mitos. Com a proclamação da República, foi nomeado
diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1890, instituição que dirigiu por 19 anos até a sua morte, em 1909.

[ Artigo recebido em 10/2010 | Aceito em12/2010 ]

21

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 12-21, 2012


Saberes e práticas sobre plantas:
a contribuição de Barbosa Rodrigues

Plant Wisdom and practices: a contribution by Barbosa Rodrigues

ARIANE LUNA PEIXOTO


Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

REJAN R. GUEDES-BRUNI
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

MOACIR HAVERROTH
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária | Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre

INÊS MACHLINE SILVA


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Departamento de Botânica.

22
RESUMO João Barbosa Rodrigues (1842-1909) teve rica experiência entre diferentes sociedades. Fez estudos
e ilustrações detalhados de plantas e dos ambientes onde ocorriam. Aliando essas experiências às leituras, ex-
perimentos em laboratórios e trocas com seus pares, defendeu a hipótese de que as denominações das plantas
não eram fruto da união arbitrária de características, mas de uma lógica apoiada em observações aceitas e le-
gitimadas pelos nativos, que seguiam um método para classificação das plantas. O tema é detalhado em Mbáe
Kaá-Tapyiyetá Enoyndaua, obra aqui contextualizada. No cenário de afirmação de uma ciência brasileira, ele
defendia a importância da classificação botânica indígena, cujo entendimento só seria possível pela convivência
com os índios, com o entendimento da língua e conhecimentos botânicos.

Palavras-chave Etnotaxonomia, Etnobotânica, classificação botânica, conhecimento tradicional, cientistas


brasileiros.

ABSTRACT João Barbosa Rodrigues (1842-1909) had a very rich experience/background from different societies. He
prepared detailed papers and illustrations of plants and their habitats. Adding this experience to reading, lab work and
exchange with other scientists, Barbosa Rodrigues brought to light the hypothesis that plant names were not a simple
junction of their characteristics, but were products of a logical system based on observation, accepted by native Ame-
ricans. Thus, they followed a method for plant classification. This idea is detailed in Mbáe Kaá-Tapyiyetá Enoyndaua,
the work that the present paper puts into context. In the scenery of Brazilian science, he supported the native botanical
classification, and thought that it could only be understood through familiarity with the Indians and their language
and botanical knowledge.

Keywords Etnotaxonomia, Etnobotany, Traditional botanical knowledge, Brazilian scientists.

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O botânico Barbosa Rodrigues

João Barbosa Rodrigues (1842-1909), filho de comerciante português e mãe brasileira de ascendência indígena,
nasceu no Rio de Janeiro, então capital do Império. Porém, cedo se mudou para a cidade de Campanha, em Minas
Gerais, onde viveu até a década de 1850, retornando ao Rio de Janeiro para completar seus estudos. Trabalhou como
secretário e professor de Desenho no Colégio Pedro II, onde conviveu com o botânico Francisco Freire Alemão Cysneiros,
com o qual aprimorou sua capacidade de observação de estruturas vegetais e seus dons artísticos. Trabalhou ainda
como tenente da Guarda Nacional; administrador de uma fábrica de formicida; diretor do Museu do Amazonas e diretor
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Casou-se três vezes e teve 14 filhos. A última esposa, Constança Paca, desem-
penhou importante papel em sua trajetória como naturalista, já que, além de tê-lo acompanhado em muitas viagens,
também o auxiliou na elaboração de desenhos científicos.1 2 Teve atuação expressiva como cidadão e cientista no seu
tempo. Ainda muito jovem, acompanhou Freire Alemão em expedições às serranias do Rio de Janeiro; conviveu com
o médico sueco Anders Fredrik Regnell, que residia na cidade de Caldas, em Minas Gerais, que, além de clínico, era
coletor e colecionador de plantas; acompanhou o botânico sueco Salamon Eberhard Henschen, pelas serras de Minas
Gerais, em 1869, em busca de orquídeas.3 4
Em 1870, na capital do Império, apresentou uma obra tratando de orquídeas brasileiras, em três volumes, com
descrições em latim e francês. Até então, era reconhecido como professor de Desenho e não como cientista.5 A obra,
apoiada por Guilherme Schünc de Capanema (o barão de Capanema), que, além de cientista, era um colecionador
de orquídeas, gerou desconfiança sobre a sua competência na área.6 Um ano depois, apresentou ao imperador um
tratado sobre orquídeas do Brasil, afirmando ter sido incentivado em seu trabalho pelos botânicos Freire Alemão e frei
Custódio Alves Serrão, solicitando “proteção imperial e permissão para dedicar-lhe a obra”.7 Após muitas polêmicas,
houve aprovação de recursos para sua publicação, os quais, entretanto, nunca foram liberados.8
Sob o patrocínio do barão de Capanema, foi comissionado pelo governo brasileiro para explorar o vale do Rio
23
Amazonas, onde permaneceu por dois anos e meio (1872-1874), tendo, entre outros compromissos, o de complementar
os estudos sobre palmeiras realizados por Carl Friedrich von Martius. Para Barbosa Rodrigues, era uma oportunidade
para se firmar como naturalista. Nesse período, percorreu o baixo Amazonas e alguns de seus tributários, observando,
coletando e fazendo anotações sobre a utilização (o saber e o fazer) da flora local na medicina, na culinária e na habi-
tação, registrando também os nomes pelos quais as plantas eram conhecidas, dando especial atenção às palmeiras.
Além disso, colecionou artefatos indígenas, fósseis, fez anotações sobre as línguas locais e muito mais.9 O herbário do
Jardim Botânico do Rio de Janeiro tem em sua coleção de exsicatas, nove exemplares coletados por Barbosa Rodrigues
no estado do Pará e três no estado do Amazonas, em 1872 e 1873. Em sete desses espécimes, há anotações sobre
nomes comuns ou uso nas etiquetas das exsicatas (Figuras 1 e 2).
Em 1883, foi designado pelo governo imperial para dirigir o recém-criado Museu Botânico do Amazonas, em Manaus,
do qual foi diretor desde sua abertura até seu fechamento em 1890.10 Nesse período, também fez expedições, observando
saberes e fazeres das diferentes sociedades com as quais conviveu e os citou em muitos de seus trabalhos.
Com a proclamação da República, Barbosa Rodrigues foi nomeado, em 1892, diretor do Jardim Botânico do Rio
de Janeiro, cargo que ocupou até a sua morte, em 1909. Empenhou-se em elaborar um projeto integral para o Jardim
Botânico, contemplando o arboreto, estufas e viveiros, áreas para experimentos, laboratórios, biblioteca, herbário, escola
de Botânica, além de um museu botânico. Sabedor, inclusive pela própria vivência, da importância de expedições de
campo para a constituição de coleções representativas da flora brasileira, criou o cargo de naturalista viajante.11 Nesse
período, também, trabalhou nas suas anotações de viagens, desenhos e materiais herborizados, consolidando algumas
de suas mais importantes obras, entre as quais o Sertum Palmarum Brasiliensium, publicada em 1903, e Mbaé Kaá
– Tapyiyetá Enoyndaua (A Botânica – nomenclatura indígena), publicada em 1905, ambas imprescindíveis na compre-
ensão da classificação botânica indígena. A convivência com diferentes sociedades humanas, as suas anotações de
campo, os exemplares que colecionou bem como a sua experiência com a nomenclatura indígena das palmeiras foram
essenciais para a elaboração dessa última obra.12

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 22-30, 2012


Seus estudos sobre palmeiras foram apresentados na obra Sertum Palmarum Brasiliensium,13 na qual trata de 282
espécies e apresenta 174 pranchas ilustrando-as nos ambientes onde ocorrem e, algumas vezes, como são usadas
localmente. São, portanto, registros da sua percepção no contexto ambiental e sociocultural.

Barbosa Rodrigues e a etnotaxonomia

Barbosa Rodrigues tinha evidências do uso, pelos indígenas, de um sistema etnotaxonômico com estrutura hie-
rárquica de táxons. Suas evidências estavam calcadas em informações recolhidas em suas viagens, quando procurou
acompanhar atividades do dia a dia das diferentes sociedades humanas com as quais teve contato, prática pouco
comum no fazer científico da época. Utilizando seus conhecimentos sobre taxonomia de palmeiras e outros grupos
de plantas, aliando-os ao que era apreendido do saber local, percorreu diferentes ambientes, reconhecendo-os como
imprescindíveis na compreensão da classificação botânica indígena. Analisava as plantas e os lugares onde ocorriam
levando em conta as divisões espaciais feitas pelos próprios indígenas. O esforço de compreensão e transmissão do
saber local perpassa por quase toda a obra do autor, tanto nas iconografias quanto nos textos escritos. Da preocupação
com o entendimento do vocabulário indígena resultaram diversas anotações, tanto em publicações quanto em etiquetas
de espécimes depositados em herbários. Passados mais de 100 anos, seus dois trabalhos acima referidos são ainda
citados em muitas publicações que tratam da etnotaxonomia de plantas. Um tema árduo e ainda pouco trabalhado.
Os espécimes que colecionou e as anotações que os acompanham foram tidos, entretanto, por muito tempo, como
perdidos. Dois exemplares foram encontrados por William Rodrigues no herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA), e outro, por Gustavo Romero, na coleção do Museu Nacional, Rio de Janeiro.14
Na busca de maiores informações, revisitamos alguns herbários e/ou consultamos as bases de dados disponíveis
24
on line em busca das coletas de Barbosa Rodrigues e anotações de suas etiquetas. Partindo dessas informações, lo-
calizamos, no herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 34 exemplares coletados por ele (Quadro 1), em 14 dos
quais há anotações de pertencimento ao Herbário Gustavo Capanema ou à Comissão Capanema. Algumas informações
disponíveis nas etiquetas dos exemplares comprovam o empenho de Barbosa Rodrigues em retratar o saber local.
No Sertum Palmarum, já no prefácio, o autor declara que, para as subdivisões dos gêneros das palmeiras, utilizou
nomes indígenas empregados pelos nativos (não somente para designar as espécies, como para indicar grupamentos)
com o mesmo discernimento que os melhores botânicos. Declara, ainda, que o uso constante que os índios fazem das
palmeiras os tornam conhecedores dos caracteres que as distinguem. Sendo assim, eles dão um nome genérico a
certo número de espécies que reúne características comuns que expressam esse nome. Segundo Barbosa Rodrigues,
graças a essa nomenclatura, os brasileiros e os estrangeiros poderão conhecer mais facilmente as espécies, legitimando,
assim, o saber dos indígenas.
Nessa obra, antes das descrições botânicas das espécies, há uma parte denominada “Usage e emploi des
palmiers du Brésil”, na qual são descritas, para um grande número de táxons, as formas de uso associadas às partes
utilizadas do vegetal. Descreve, por exemplo, que as folhas podem ser usadas para cobrir habitações, fornecer fios para
confecção de redes e cestarias em geral; que os brotos servem como palmito, confecção de tipitis e fornecem cera
para fazer velas. Revela que, do caule, os índios fazem canoas e zarabatanas para lançar flechas mortais com curare;
os frutos servem de alimento, fornecem óleos, sabão, além da confecção de anéis, brincos, etc. Algumas espécies
têm raízes usadas como medicinais.
Nessa mesma obra, faz referência e descreve os nomes indígenas atribuídos às espécies. Estes foram, muitas
vezes, usados por Barbosa Rodrigues para designar os epítetos específicos, bem como para as seções e subseções de
gêneros por ele propostos. Por exemplo, para o gênero Astrocarium, percebeu que existiam naturalmente três divisões
(seções). As subseções foram designadas pelos nomes vulgares, tais como, Yauary, Chambira, Mumbaca, Mumbacuçu,

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Quadro 1 Exemplares coletados por Barbosa Rodrigues pertencentes a coleção do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro,
ordenados por data de coleta (RB = Número de registro [tombo]; Coleção HBC = Herbário Brasil Capanema; Coleção CC =
Comissão Capanema; No. Col.= Número de coleta de Barbosa Rodrigues).
RB Familia Espécie Estado /Localidade No. Data de Nome comum
Coleção Col. coleta e observações
11348 Fabaceae Chamaecrista desvauxii (Collad.) Killip PA, Santarém 54 23.5.1872

186132 Rubiaceae Sipanea PA, Santarém 211 20.6.1872

5229 Fabaceae Inga bullatorugosa Ducke AM, Itaituba (CC) 84 4.7.1872 Ingá

91035 Rubiaceae Sphinctanthus PA, Cachoeira do Apuhy 108 13.8.1872


Curarea toxicofera (Wedd.) Barneby & PA, Maloca do Sahy, terra Timbé =caraape; os índios
154967 Menispermaceae 70 19.8.1872 Mauhés fazem das folhas,
Krukoff dos Mauhés torrador para o paricá
374002 Sapindaceae Paullinia cupana Kunth PA, nas terras das Mauhés 98 19.8.1872 Guaraná Medicinal
PA, Igarapeassú Louro da várzea
222151 Lauraceae Nectandra 214 5.10.1872 Emprega-se a madeira
(Santarém) para carvão
5015 Fabaceae Centrosema pubescens Benth. PA, Óbidos (CC) 252 19.11.1872 Flor cor de rosa

5013 Fabaceae Centrosema brasilianum (L) Benth. PA, Óbidos 253 19.11.1872 Flor rosa

11713 Fabaceae Derris spruceana (Benth.) Ducke PA, Óbidos 273 20.11.1872 Turiíva

5332 Fabaceae Tephrosia nitens Benth. AM, Óbidos (CC)   24.11.1872  

182824 Malpighiaceae Byrsonima AM   23.6.1873 Muruchi do igapó


Campuloclinium purpurascens (Baker) MG, São Gonçalo da
4847 Asteraceae  15 5.1876
(Sch. Bip. ex Baker) R.M.King & H.Rob. Campanha (HBC)
134861 Lauraceae Ocotea glaziovii Mez RJ, Rio Bonito, Sambe   20.7.1876 Com flor
Asteraceae Ayapana amygdalina (Lam.) R.M.King &
4857 MG, Serra da Tromba 105 9.1876
H.Rob.
91040 Rubiaceae
Galianthe angustifolia (Cham. & Schldl.)
MG, Serra do Iguapé (HBC) 224 9.1876 25
E.L.Cabral
120413 Solanaceae Brunfelsia uniflora (Pohl) D.Don MG, Cabo Verde (HBC) 261 10.1976

10138 Ericaceae Agarista hispidula (DC.) Hook. ex Nied. MG, Caldas   11.1876 Cor de rosa

8717 Aquifoliaceae Ilex chamaedryfolia Reissek MG, Caldas (HBC) 372 11.1876 Congonha-miuda
Eryngium hemisphaericum Urb. Mathias
14411 Apiaceae MG, Caldas 396 11.1876  
& Constance
4802 Asteraceae Baccharis brevifolia DC. MG, Poços de Caldas (HBC) 460 12.1876

26214 Piperaceae Piper regnellii (Miq.) C.DC MG, Caldas 484 12.1876

26215 Piperaceae Piper mollicomum Kunth MG, Caldas 503 12.1876


Heterocondylus lysimachioides (Chodat) MG, Caldas, in paludosis
4858 Asteraceae 582 1.1877
R.M.King & H.Rob. (HBC)
91042 Rubiaceae Galium megapotamicum Spreng. MG, Poços 605 1.1877 Ruivinha
MG, Poços de Caldas, in
22630 Orobanchaceae Esterhazya macrodota (Cham). Benth. 638 1.1877
paludosis (HBC)
Campuloclinium purpurascens (Baker)
505054 Asteraceae  MG, Poços de Caldas (HBC) 739 1.1877
R.M.King & H.Rob.
Grazielia gaudichaudeana (DC.) R.M.King
4849 Asteraceae & H.Rob. MG, Poços de Caldas (HBC)  585 1.1877
Campuloclinium purpurascens (Baker) MG, Caldas, Campis
4847 Asteraceae 800 3.1877
R.M.King & H.Rob. humidis (HBC)
22645 Orobanchaceae Melasma stricta (Benth.) Hassl. MG, Poços de Caldas (HBC) 883 3.1877
Campuloclinium purpurascens (Baker)
4847c Asteraceae MG, Caldas (HBC) 566 4.1877
R.M.King & H.Rob.
183936 Piperaceae Piper aduncum L. MG 1000 5.1877
Eryngium juncifolium (Urb.) Math. &
14400 Apiaceae MG 1024 5.1877
Const.
164 Apiaceae Eryngium canaliculatum Cham. & Schltdl. MG   1877

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Ayry, bem como Murumuru. O autor expli-
ca que os nomes vulgares são todos de
origem Karany (guarany), dá o significado
de cada um e observa que esses nomes
usados pelos indígenas refletem, de fato,
as características observadas, como
listado abaixo:
Yauary: fruto cujo tronco vive dentro
da água (ua: tronco); y (água). Com efeito,
ela cresce na água.
Mumbaca: árvore que expele os fru-
tos (mum: expelir, fazer sair); ibac (árvore
com fruto). O epicarpo e o endocarpo se
rasgam e expelem as sementes.
Airy: corruptela de uáyry, que quer
dizer: fruto que dá na água (Uá: fruto);
yry (que dá na água). Dos frutos dessa
espécie só se aproveita a água, quando
eles estão verdes.
Murumuru: é uma corruptela de
Moromburu, que significa: muito maldito
(moro, prefixo que torna o verbo absoluto);
26 mburu (maldito). Na verdade, toda a planta
é coberta por espinhos muito malditos,
pois eles são muito venenosos e longos
como punhais afiados.
Ao final dessa obra, existe uma re-
lação dos nomes vulgares das palmeiras,
confirmando a importância destes para
Barbosa Rodrigues.
No livro Mbaé Kaá – Tapyiyetá
Figura 1 Curarea toxicofera (Wedd.) Barneby & Krukoff - Fotografia de exsicata do
Enoyndaua15 (A Botânica – nomenclatura
herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro coletada por Barbosa Rodrigues no estado
indígena), Barbosa Rodrigues demonstra
do Pará, Maloca do Sahy, terra dos Mauhés, em 19 de agosto de 1872.
mais diretamente que tinha evidências
consolidadas do uso pelos indígenas de um sistema etnotaxonômico com estrutura hierárquica de táxons, como já
exposto, em 1903, no Sertum Palmarum. Expõe suas ideias sobre o sistema etnotaxonômico empregado pelos indíge-
nas de modo didático, exemplificando-o abundantemente. As suas evidências estavam calcadas também em estudos
linguísticos, o que fortalecia a hipótese de que as denominações dadas pelos índios não eram fruto de uma união arbi-
trária de características, mas de uma lógica apoiada em observações aceitas e legitimadas pelas tribos, que seguiam
um método sintético de classificação tanto do ambiente como das plantas. “Para bem se entrar n’este conhecimento
é mister não só saber a lingua como ser também botanista, porque o termo creado e applicado a um vegetal pelo índio
é sempre baseado em um estudo da planta e não dado arbitrariamente como o vulgo faz.”
Nessa obra, fundadora da etnotaxonomia nacional, mostra o seu empenho em retratar ao mundo o homem
brasileiro e seus saberes. Já na introdução – “A quem ler” –, defende o saber local e o “bom caráter” do indígena:

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“Quereis conhecer o carater do indio? Ide busca-lo nas selvas, como o fiz, convivei com elles, mas não os julgueis por
aquelles que vieram para o nosso meio doutrinados pela cartilha dos regatões e dos gananciosos que faziam outr’ora
descimentos” (p.II).
Diz ainda: “Das minhas observações entre índios e tapuyos, ligados pela mesma língua, quer no norte quer no sul
do paiz, cheguei a alcançar ver que, por uma chave, uniram caracteristicamente vegetaes, cuja denominação não era
arbitraria e sim fructo de observações acceitas e perpetuadas em todo o paiz” (p.III).
A percepção humana sobre agrupamentos biológicos, tanto nas classificações científicas quanto folk (popular),
tem como base as similaridades e diferenças compartilhadas pelos agrupamentos, seja de “espécies”, de ambientes
ou de paisagens. Em 1905, Barbosa Rodrigues afirmou que “as categorias indígenas de classificação das plantas estão,
mais ou menos, de acordo com a taxonomia e a glossologia cientificas, segundo as regras de Linneo”. Considera que os
“selvagens, pelo fructo de suas observações, seguiam e seguem um methodo synthetico na classificação das plantas.
Designam as espécies por nomes tirados dos caracteres das folhas, das flores, dos fructos, ou de propriedades como o
cheiro, o sabor, a dureza, a duração, a cor, o emprego, etc., etc. (...) Denominadas as espécies, as reúnem em gêneros,

27

Figura 2 Etiquetas de exemplares coletados por Barbosa Rodrigues da coleção de exsicatas do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

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cujo nome é o da planta mais típica. Formam seções ou famílias. Dessa divisão formam grupos que dividem em ybá
(madeiras de lei), ibirá ou muyrá (paus), kaa (ervas) e icipós ou cipós (trepadeiras)” (p.9).
Faz a seguinte referência: “Os índios são muito observadores e, na sua língua, eles têm para as plantas uma
classificação bem certa. Eles fazem a botânica à sua maneira, mas ela serve de auxiliar ao botânico. Eles empregam,
para designar as plantas, nomes tirados das cores, da duração, da forma, da utilidade, do tamanho; como um botânico,
sempre com uma característica servindo como um guia” (p. 19).
A língua de que Barbosa Rodrigues trata é a que ele chama “abanheenga ou nheengatu”, conhecida por Tupy ou
Karany, que se estendia de norte a sul do Brasil e servia de elo entre todas as tribos e entre estas e os brancos.16
Informa que, para coleta e uso das plantas, os índios utilizam as florestas virgens (kaá eté), as matas (kaa) e os
campos (nhum). As matas de nova aparição (kaapoer) são utilizadas para roças (kó) e plantações (korupaua).
Em relação às partes da planta e seus produtos, apresenta os termos usados pelos indígenas para designá-las.
Cita 27 termos e seus produtos, como raiz (çapó), tronco (upi), folha (ob), flor (iboty), galho (takang), fruto (uá, iuá,
ybá), semente (ayin), espinho (yu), etc.
Apresenta uma listagem de termos adjetivos na língua indígena, comparando-os ao grego e latim para os estados
de caracteres das diferentes partes vegetais. Para a descrição morfológica (forma), cita 10 termos: Akay (pontudo-
cuspidatus); Apuau (redondo- rotundus); Peua (chato- planus), entre outros. E exemplifica a composição dos nomes,
utilizando espécies botânicas: Caa peua (folha-chata) – Cissampelos pereira Vell.
Em referência às cores, cita também 10 termos: Kuatiar (manchado-maculatus); Pirag, (sanguíneo- rubens), entre
outros, exemplificando com espécies, entre as quais Myra yua (pau-amarelo) para Zizyphus joazeiro Mart. Cinco termos
foram relacionados ao gosto: Pochy (mau, venenoso- toxicus); Hee (doce - dulcis); Ai (azedo - acidus); Ob (amargo
- amarus); Taia ( arde, queima - urens) e, entre os exemplos, cita Kaa roba (planta amargosa) para Jacaranda caroba
28 DC. Para tamanho, fez referência a Açu (grande - magnus); Mirin (pequeno - parvus) e ainda Y, (pequenino - pusilus).
Outros termos são usados para direção (3), consistência e textura (13), bem como cheiro (4) e propriedade (2).
Kaá, uá, yuá ou ybá e myra servem de gêneros incertae sedis, em que há dúvida no grupo a que se ligam. Em todos
os grupos formados pelos índios, acham-se tais gêneros, assim como a posposição rana (semelhante a oides, affinis
ou similis dos botânicos). E exemplifica: Uruku rana (Hyeronima alchorneoides Fr.All.) – parece com Uruku (Bixaceae),
mas não é e também Genipá rana (Myrtaceae), que parece com o genipá, mas não é.
Para a formação de um coletivo de plantas, informa que os indígenas empregam o sufixo tyua, tyba, adulterado
em tiba, tuba e teua, adicionado ao gênero principal da planta, correspondendo ao al no português: Araçatyba =
Araçasal; Umirytyba=Umirisal.
Apresenta exemplos de plantas (etnoespécies e gêneros) reunidos em 36 grupos, correspondentes às famílias
botânicas, na conceituação da sua época – as famílias naturais estabelecidas por Jussieu, entre as quais figuram Anno-
naceae, Meliaceae, Anacardiaceae, Leguminosae, Passifloraceae e Myrtaceae. Os estudos etnobotânicos serviam para
afirmar a sua hipótese de que as línguas dos povos ameríndios partiam de uma só raíz. “Do extremo norte do Brazil ao
centro de Matto Grosso, atravez do Paraguay, vemos sempre as plantas, em todas as especies, conservarem o mesmo
nome em todos os lugares, mostrando-nos a irradiação da lingua. Tiradas as lettras accrescentadas ou mudadas, temos
sempre a pronuncia primitiva e conservada” (p. 35).
As classificações de folk e científica são ambas problemáticas, pois os conceitos que definem os critérios de se-
paração e agrupamento perpassam ideologias pertencentes a momentos históricos e conjunturas político-sociais, mas,
principalmente, os objetivos e os objetos são inteiramente distintos.17 Não cabe aqui nos determos sobre o histórico das
classificações folk ou científicas, um tema inesgotável, nem nas correntes de pensamento que as sustentam. Citamos,
entretanto, os trabalhos realizados por Berlin, Breedlove & Raven18 que, na década de 1960, desenvolveram pesquisas em
Chiapas, no México, entre falantes da língua Tzeltal, e discutem, entre outros temas, a correspondência entre sistemas

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taxonômicos de folk e o sistema lineano. Esses autores e seus colaboradores coletaram cerca de 10.000 espécimes,
correspondendo a cerca de 1.000 espécies e as informações a elas associadas. Definem uma espécie Tzeltal como um
táxon que não inclui nenhum outro táxon (táxon terminal). Brent Berlin19 apresentou um modelo de sistema baseado na
estrutura hierárquica dos táxons e propôs princípios gerais para sua sistematização, ressaltando que as categorizações
etnobiológicas teriam regularidades que persistem além do ambiente local, cultura, sociedade e linguagens. No campo
da etnotaxonomia, frequentemente se estabelecem hipóteses para testar os princípios propostos por Berlin.
Os trabalhos etnobiológicos realizados no Brasil que seguiram a linha de investigação etnotaxonômica foram,
principalmente, baseados em populações indígenas. Moacir Haverroth,20 estudando os Kaingang, debruçou-se so-
bre este tema e aborda a obra de Barbosa Rodrigues. Darrel Posey,21 estudando etnoclassificação de insetos pelos
Kayapó-Gorotíre, afirma que os Kayapó dividem seu meio ambiente em “zonas ecológicas”, “subzonas” e “categorias
de transição”. Essas categorias estão estabelecidas conforme seus critérios culturais e estão altamente ligadas ao
contexto da vida dessa comunidade.
Em populações não indígenas, as abordagens são ainda raras. Entretanto, pesquisas realizadas com peixes, crustáceos
e insetos no nordeste brasileiro, entre outros, utilizando-se de diferentes metodologias para estudos etnobiológicos,22 vêm
mostrando a riqueza do conhecimento de populações locais sobre classificações etnobiológicas, com utilização de critérios
morfológicos e ecológicos, frutos da vivência e do acúmulo de experiências dessas populações. Demonstram como esses
conhecimentos podem ser aliados valiosos na conservação das espécies, dos sistemas biológicos e dos saberes e práticas
de sociedades humanas em diferentes locais, e essenciais no planejamento do uso sustentável dos recursos naturais.
Barbosa Rodrigues dá indícios, em trechos da sua obra, que, na interpretação do saber sobre as plantas entre
indígenas e caboclos, estava calcado em procedimentos metodológicos. “Para bem se achar a etymologia própria dos
termos, é necessario conhecer o verdadeiro som do alphabeto, a inflexão da voz e o objeto a que ella se refere; do
contrário, veremos traduções que, parecendo exatas, ou mesmo que o sejam, não se ligam ao objeto determinado”
(p. 24); dá indícios de caminhadas e perguntas que fazia aos locais, como em “turnês guiadas”, nas quais buscava a 29
confirmação do emprego de plantas e de partes das plantas em artefatos e para outros usos. Entretanto, não se têm,
muitas vezes, as plantas como documentos. Os seus desenhos são valiosíssimos como objetos de ciência. As suas
obras, particularizadas no campo da etnotaxonomia, constituem objetos para leitura e releitura. Uma observação dada
por ele, vinculada a um determinado local ou sociedade, particulariza, assim, uma informação que pode, em si, motivar
um ensaio, um experimento a ser feito em nosso tempo ou pelas futuras gerações.
Em suas viagens, Barbosa Rodrigues recolheu informações e procurou acompanhar atividades do dia a dia das
diferentes sociedades humanas com as quais teve contato. A importância dada às observações e práticas dos nativos,
em suas expedições pela Amazônia e em outras regiões do país, o retratam como um dos principais atores no cenário
de afirmação de uma ciência genuinamente brasileira. Terminamos com um parágrafo da obra que brevemente tratamos
à guisa de ilustrar as linhas de pensamento às quais esse grande cientista brasileiro se filiava:
“Não sendo meu fim dar a nomenclatura indígena da flora brasileira, e apenas mostrar quanto o índio é observador,
perspicaz e intelligente e quanto a sua classificação botanica está, mais ou menos, de accordo com a taxonomia e a
glossologia scientificas, segundo as regras de Linneo, não apresentei sinão exemplos que comprovem minhas asserções.
Estes exemplos poder-se-iam alongar, mas para que? Os que apresento são mais que sufficientes”.

Agradecimentos

À Rosangela S. Cunha, técnica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, pelo prestimoso auxílio na busca das exsicatas
coletadas por Barbosa Rodrigues na extensa coleção do herbário; a Erika von Sohsten S. Medeiros e Isabel M. R. Oliveira pelo
auxílio no tratamento das imagens das exsicatas; a Flavio L. Peixoto e Dean Berck pela leitura do texto e versão do abstract.

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Notas e referências bibliográficas
Ariane Luna Peixoto é doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp, professora titular aposentada da UFRRJ, pesquisadora associada do JBRJ e bolsista do CNPq.
É professora no Programa de Pós-graduação em Botânica da Escola Nacional de Botânica Tropical/JBRJ e no Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropi-
cal do Centro Universitário Norte do Espírito Santo/Ufes. E-mail: ariane@jbrj.gov.br
Rejan R. Guedes-Bruni é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula, mestre em Botânica pela UFRJ e doutora em Ecologia pela Univer-
sidade de São Paulo. É pesquisadora titular do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e coordenadora do Curso de Ciências Biológicas da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: rbruni@jbrj.gov.br
Moacir Haverroth é graduado em Ciências Biológicas e mestre em Antropologia Social pela UFSC e doutor em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Pes-
quisador da Embrapa, Unidade do Acre, na área de plantas medicinais, aromáticas, condimentares e ornamentais, onde desenvolve projetos entre povos indígenas,
extrativistas e agricultores familiares. E-mail: moacir.haverroth@cpafac.embrapa.br
Inês Machline Silva é licenciada em Ciências Biológicas pela UFRRJ, mestre em Botânica pela UFRJ e doutora em Botânica pelo Instituto de Pesquisa Jardim
Botânico do Rio de Janeiro. É professora associada da UFRRJ. Tem experiência na área de Botânica, com ênfase em Etnobotânica, estudando principalmente
plantas medicinais, feiras livres, conservação e mata atlântica. E-mail: machline@ufrrj.br

1 SÁ, Magali Romero. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. História, Ciências, Saúde
– Manguinhos. Rio de Janeiro, v. VIII (suplemento), p. 899-924, 2001.
2 Cf. ORMINDO, Paulo. Arte botânica em João Barbosa Rodrigues. In: Jardim Botânico do Rio de Janeiro – 1808-2008. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2008, p. 57-65.
3 HOEHNE, Frederico Carlos. O Jardim Botânico de São Paulo. São Paulo: Secretaria da Agricultura de São Paulo, 1941.
4 MORI, Scott & FERREIRA, Flora Castano. A distinguished Brazilian botanist, João Barbosa Rodrigues (1842-1909). Brittonia, New York, v. 39, n. 1, p. 73-85,
1987.
5 SÁ, op. cit., 2001.
6 Cf. HOEHNE, op.cit., 1941; MORI & FERREIRA, op. cit., 1987; SÁ, op. cit., 2001.
7 Cf. SÁ., op.cit. 2001, citando carta de Barbosa Rodrigues ao imperador.
8 SPRUNGER, Samuel; CRIBB, Phillip & TOSCANO DE BRITO, Antonio. (Org.) João Barbosa Rodrigues Iiconographie des orchidées du Brésil. F. R. Verlag, Basle. 1996.
9 PEIXOTO, Ariane Luna; SILVA, Inês Machline & GUEDES-BRUNI, Rejan R. O saber sobre as plantas em sociedades humanas: o olhar de Barbosa Rodrigues.
In: ABSY, Maria Lúcia; MATOS, Francisca D.A. & AMARAL, Ieda L. (Org.) Diversidade Vegetal Brasileira: conhecimento, conservação e uso. 61º Congresso
30 Nacional de Botânica. Sociedade Botânica do Brasil. Manaus, 2010, p. 71-75.
10 CAMPOS PORTO, Joaquim. Histórico do Museu Botânico do Amazonas. Vellosia, 2. ed., Rio de Janeiro, 1891, p. 61-80.
11 Cf. OLIVEIRA, Ana Rosa. A Construção da paisagem. In: Jardim Botânico do Rio de Janeiro – 1808-2008. Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisas Jardim
Botânico do Rio de Janeiro. 2008. p. 79-91. PEIXOTO, Ariane Luna & MORIN, Marli Pires. 2008. O Jardim Botânico construindo pontes de saberes. In:
Roberto Padilla & Nair P. Soares (Orgs.) Jardim Botânico do Rio de Janeiro 1808-2008. Rio de Janeiro: Artepadilla, p.132-151.
12 Cf. PEIXOTO, SILVA, & GUEDES-BRUNI, op. cit., 2010.
13 RODRIGUES, João Barbosa. Sertum Palmarum Brasiliensium. Relation des palmiers nouveaux du Brésil. Bruxelas. Imprimerie Veuve Monnom, 2 vols. [Fac-
símile Ed. Expressão e Cultura, 1989]. 1903.
14 Cf. CRIBB, Phillip & TOSCANO DE BRITO, Antônio. Introdução e história. In: SPRUNGER, Samuel, CRIBB, Phillip & TOSCANO DE BRITO, Antonio (Orgs.). João
Barbosa Rodrigues Iiconographie des orchidées du Brésil. F. R. Verlag. Basle. 1996.
15 RODRIGUES, João Barbosa. Mbaé Kaá – Tapyiyetá Enoyndaua ou A Botânica – Nomenclatura indígena. Memória apresentada ao 3º Congresso Scientífico
Latino Americano. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. 1905. 87 p. [+ errata 1 p.]
16 HAVERROTH, Moacir. Etnobotânica: Uma revisão teórica. Antropologia em Primeira Mão UFSC, Florianópolis. n. 20, p. 1-56. Disponível em <http://www.
cfh.ufsc.br/~nessi/Etnobotanica % 20.htm>. 1997. Acesso em 22.6.2010.
17 HAVERROTH, op.cit. 1997; HAVERROTH, Moacir. Etnobotânica, uso e classificação dos vegetais pelos Kaingang – Terra Indígena Xapecó. 1. ed. Recife:
NUPEEA/SBEE, 2007. 107 p.
18 BERLIN, Brent; BREEDLOVE, D.E. & RAVEN, Peter. Folk taxonomies and biological clas­sification. Science n. 154, p. 273-275. 1966; BERLIN, Brent.,
BREEDLOVE, D.E. & RAVEN, Peter. Covert catgories and folk taxonomies. American Anthropologist v. 70, p. 290-299. 1968; BERLIN, Brent., BREEDLOVE,
D.E. & RAVEN, Peter. General Principles of classification and nomenclature in folk biology. American Anthropologist, n. 75, p. 214-42, 1973.
19 BERLIN, Brent. Ethnobiological classification: principles of categorization of plants and animals in traditional societies. Princeton, New Jersey, Princeton
University Press. 1992.
20 HAVERROTH, op.cit., 1997; HAVERROTH, op. cit., 2007.
21 POSEY, D. A. 1986. Etnoentomologia de tribos indígenas da Amazônia. In: Ribeiro, B. Suma Etnológica Brasileira. Petrópolis: Ed. Vozes, p. 251-271.
22 Cf. FERREIRA, Emmanoeala N., MOURÃO, José S., ROCHA, Pollyana D., NASCIMENTO, Douglas M., BEZERRA, Dandara M.M. Folk classification of the
crabs and swimming crabs (Crustácea – Brachyura) of the Mamanguape river estuary, Northeastern – Brasil. Jounal of Ethnobiology and Ethnomedicine v.5,
n. 22., 11p. (on line), agosto de 2009; COSTA NETO, Eraldo Medeiros & MARQUES, J.G.V. A etnotaxonômia de recursos ictiofaunísticos pelos pescadores
da comunidade de Siribinha, norte do estado da Bahia, Brasil. Biociências, v. 8, n. 2, p. 61-76. 2000; MOURÃO, José S Nordi N. Comparação entre as
taxonomias folk e científica para peixes do estuário do Rio Mamanguape, Paraíba – Brasil. Interciência, v. 27, n. 12, p. 664-668, 2002.

[ Artigo recebido em 03/2010 | Aceito em 07/2010 ]

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Barbosa Rodrigues e os estudos botânicos na Amazônia

Barbosa Rodrigues and his botanical studies in Amazonia

WILLIAM ANTONIO RODRIGUES


Universidade Federal do Paraná | UFPR

RESUMO Trata este trabalho da vida e obra de um dos maiores naturalistas que o Brasil já teve. Natural do
Rio de Janeiro, onde nasceu e morreu, João Barbosa Rodrigues (1842-1909) foi um autodidata de grande cultura
eclética, especializou-se na taxonomia das Orchidaceae e Arecaceae, mas, também deu grandes contribuições
na área de Arqueologia, Zoologia, Antropologia, Geologia, Filologia e Etnologia indígena. Durante 18 anos, de-
dicou-se ao estudo da flora amazônica. Foi diretor do Museu Botânico do Amazonas, em Manaus, por sete anos
(1883-1890) e, por fim, destacado diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, até o seu falecimento. Um dos
seus grandes méritos foi a pacificação dos terríveis índios crichanás do rio Jauaperi, Amazonas. Publicou dezenas
de trabalhos, entre eles, Sertum Palmarum Brasiliense, sua obra-prima, rica de ilustrações coloridas, feitas de seu
próprio punho no campo, incluindo os aspectos gerais das palmeiras em seu próprio habitat, e a Iconographie des
Orchidées du Brésil, cuja parte inédita das ilustrações em cores foi recentemente restaurada e publicada.

Palavras-chave biografia, João Barbosa Rodrigues, vale amazônico, naturalista, botânico, flora brasileira.
31

ABSTRACT The life and works of João Barbosa Rodrigues (1842-1909), one of the most famous Brazilian natural-
ists born and died in Rio de Janeiro, are remembered in this paper. He was a self-taught, vast eclectic culture, stood out
as specialist, mainly, in taxonomy of orchids and palms families. He also made important contributions to Brazilian
literature, archeology, geology, geography, zoology, and indigenous anthropology, ethnography and philology. During 18
years dedicated to the studies of Amazonian Flora, he published numerous articles dealing with the vast data obtained
during his expeditions in the extensive Amazon valley. A remarkable work in his life was to succeed in pacifying the
savage Crichanás Indians, of the Jauaperi River, Amazonas He was the single director of the Botanical Museum of
Amazonas (1883-1890), created specially for him by the Princess Isabel, and finally distinguished director (1890-1909)
of the Botanical Garden of Rio de Janeiro until 6 March 1909, when he died. He is remembered for the countless new
species and genera named by him, particularly of palms and orchids. He was author of dozens of important works such
as Sertum Palmarum Brasiliense, his masterpiece, rich in colorful illustrations made by his own wrist in field, including
the palm trees in their habitat and the Iconographie des Orchidées du Brésil

Keywords biography, João Barbosa Rodrigues, Amazon valley, naturalist, botanist, Brazilian flora.

Introdução

Comemorou-se no país o centenário da morte de João Barbosa Rodrigues, mais conhecido nos meios científicos
e culturais como Barbosa Rodrigues. Nasceu em 22 de junho de 1842, no Rio de Janeiro, e faleceu em sua terra natal,
em 6 de março de 1909, de septicemia, aos 66 anos de idade. Passou sua infância em Campanha (atual São Gonçalo
de Sapucaí, Minas Gerais).

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Destacou-se como um dos maiores botânicos nacionais de seu tempo e de renome internacional. Apesar de
autodidata e amador no início de sua carreira, acabou especializando-se, posteriormente, na taxonomia, particularmente
de palmeiras e de orquídeas, embora também tivesse dado grandes contribuições no ramo da Geografia, Etnobotânica,
Etnografia, Filologia, Zoologia, Paleontologia, Arqueologia, Antropologia, Farmacologia e Filologia indígena. Dedicou-se
também ao estudo sobre crenças e costumes indígenas da Amazônia.
Deixou Minas aos 11 anos e foi viver no Rio de Janeiro para estudar e se profissionalizar. Bittencourt1 menciona
que Barbosa Rodrigues, durante sua juventude, foi um menino prodígio. Cursou Economia Política e Desenho com
brilhantismo no Instituto Comercial do Rio de Janeiro, de cujo estabelecimento de ensino, ao se formar, tornou-se logo
secretário. Estudou no tradicional Colégio Pedro II, com distinção em todas as matérias. Devido a sua habilidade em
Desenho e intermediação do seu antigo mestre, o barão de Capanema (Guilherme Schüch de Capanema, 1824-1908),
ingressou em 1866 como professor dessa disciplina e, mais tarde, secretário do mesmo educandário.
Conforme menciona sua neta Salgado,2 ainda na juventude colaborou em diversos jornais e folhetins mineiros,
dedicando-se à poesia e à literatura. Publicou, assim, aos 16 anos, a sua primeira obra poética, intitulada Threnos
d´amor (1858) e, em seguida, Livro de Orlinda, páginas íntimas (1861), Memórias de uma costureira (1861) e Contos
nocturnos. Estudo (1864). Algumas dessas poesias foram lidas por mim (Rodrigues, 1970), quando tomei posse na
Cadeira nº 38, da Academia Amazonense de Letras, cujo patrono é o nosso ilustre naturalista.
Mesmo como naturalista, nunca deixou de ser poeta nos seus escritos. Lendo seus artigos, vê-se neles certo
tom de beleza, harmonia, filosofia e patriotismo. Ainda muito jovem, passou a desenhar plantas, dedicar-se às pesqui-
sas botânicas e às ciências afins sob influência e orientação de seu mestre e mecenas, o barão de Capanema, e dos
botânicos frei Custódio Alves Serrão (1799-1873), Anders Fredrick Regnel (1807-1884) e Francisco Cysneiros Freire
Allemão (1797-1874). Por este último, um talentoso artista, botânico e mestre no colégio em que estudou, foi estimulado,
também bastante, para que se dedicasse aos estudos de história natural, tendo sido levado algumas vezes em suas
32 excursões botânicas pelos arredores do Rio de Janeiro.3 Seu aprimoramento, entretanto, no estudo das orquídeas se
deu em 1869, quando acompanhou, durante seis meses, o botânico sueco Salomon Ebehard Henschen (1847-1930),
que veio ao Brasil, a convite de Regnel, para coletar plantas na cidade mineira de Caldas. Nessa ocasião, aprendeu as
técnicas de herborização, identificação das orquídeas e recebeu ensinamentos básicos, que lhe serviram para despertar
a vocação pelo estudo taxonômico dessa importante família.
Barbosa Rodrigues casou-se três vezes e teve, ao todo, 14 filhos (6 mulheres e 8 homens): uma filha com a sua
segunda esposa (Cândica Pereira) e o restante com sua última consorte (Constança Paca).

Expedições na Amazônia

O barão de Capanema, amigo de infância e íntimo de D. Pedro II, conhecedor da potencialidade científica de seu
ex-discípulo e sabedor do interesse do governo imperial em encontrar alguém disposto a pesquisar a hileia, com o fim
não só de estudar a sua rica flora, mas também rever, atualizar e ampliar o conhecimento das palmeiras que haviam sido
motivo de publicação, antes, por naturalistas estrangeiros que estiveram na Amazônia – como Alfred Russel Wallace
(1848), Richard Spruce (1849) e, em particular, Carl. Friederich Philipp von Martius (1823-1850) –, apontou o nome de
Barbosa Rodrigues para essa importante missão.
Barbosa Rodrigues seguiu para a hileia, juntamente com sua família, em 16/01/1872, onde permaneceu por cerca
de três anos e meio (1872-1875). Percorreu os rios Capim, Jamundá, Tapajós, Trombetas, Urubu e Uatumã, deixando-
nos cinco importantes relatórios sob o título “Exploração e Estudo do Valle do Amazonas”,4 tratando de dados históri-
cos, geológicos, geográficos, botânicos, zoológicos, econômicos, etnográficos e sociológicos das regiões percorridas.
Ao regressar dessa viagem, com uma enorme bagagem de dados científicos recolhidos, criou gratuitamente algumas

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inimizades e invejas, em especial entre pessoas mais íntimas de D. Pedro II, as quais o acusaram de “republicano,
doido e incompetente”,5 ou “ignorante, astuto, invejoso, hipócrita”.6 Por causa dessa grave e infundada acusação,
desentendeu-se com D. Pedro II e terminou demitido do Colégio Pedro II.
Estando Barbosa Rodrigues desempregado, o barão de Capanema o empregou como administrador em sua fabrica
de formicida, em Rodeio (Rio de Janeiro). Durante o tempo que passou nessa cidade, não parou. Continuou dedicando-se
ao estudo botânico e trabalhando na sua Iconographie des Orchidées de Brésil. Nesse ínterim, publicou Genera et species
Orchidearum Novarum (1877 e 1882), em que descreveu 381 espécies e 11 gêneros novos, sem, infelizmente, as ilustrações
coloridas, como era seu desejo. Parte dessas ilustrações, todas coloridas, num total de 267, foi, posteriormente, cedida
por Barbosa Rodrigues, recopiada em preto e branco, e incluída por Alfred Cogniaux (1893-1906) na monografia sobre
Orquidáceas da monumental flora brasiliensis, de Martius. Recentemente, grande parte de suas autênticas ilustrações
coloridas das orquídeas, desgastas com o tempo, foram recuperadas e publicadas na Suíça por Sprunger et al.7

Museu Botânico do Amazonas

Em 1882, por indicação do barão de Capanema e valiosa intermediação da princesa Isabel (Condessa D´Eu), foi
criado o Museu Botânico do Amazonas, em Manaus, pelo então presidente da Província do Amazonas, Dr. José Lustosa
da Cunha Paranaguá, em 18 de junho de 1883, tendo Barbosa Rodrigues tomado posse em 14/12/1883 como seu único
pesquisador e diretor até a sua extinção, sete anos após, com a Proclamação da República. A inauguração do Museu
se deu em 16/02/1884, num prédio provisório na Chácara do Cachangá, no igarapé da Cachoeirinha.
O plano do Museu, esboçado por Barbosa Rodrigues, compreendia o estudo da flora sob os pontos de vista
taxonômico, biológico e econômico, a organização de um herbário representativo da flora regional, a confecção de um
catálogo para divulgação da flora amazônica, seus produtos e sua distribuição geográfica, e a criação de uma revista 33
em que se reuniriam todos os trabalhos de pesquisa da referida entidade. Além disso, estava prevista a criação de um
curso de Ciências, dividido em Agrimensura e Agricultura, cursos esses que, infelizmente, não chegaram a vingar por
razões escusas e falta de dotação orçamentária. Barbosa Rodrigues, durante a sua gestão à frente do referido Museu,
nunca foi bem-visto por alguns influentes políticos da Província. Alguns desses motivos encontram-se em Porto.8 Por
ter tido muitos obstáculos nesse período, não perdia a oportunidade de atacar pública e veementemente os opositores
que dificultavam seu trabalho. Segundo consta,9 Barbosa Rodrigues era de uma energia invulgar, impetuoso e rancoroso
com seus contendores, mas generoso e gentil com seus familiares e amigos. Os serviços de limpeza e manutenção do
Museu eram, em geral, executados pelos seus filhos e empregados – isto até 1885, quando o Museu logrou contratar
um servente para esse fim, segundo Campos Porto.10
Durante os sete anos de sua efêmera existência, o Museu foi transferido três vezes de sede, só encontrando
estabilidade quando passou para o Lyceu, hoje conhecido como Colégio Estadual D. Pedro II. Em Vellosia, Campos
Porto11 conta minuciosamente como era a nova e derradeira sede. Os recursos orçamentários eram, em geral, sempre
muito escassos para a manutenção da instituição e de seus funcionários, e a nomeação de um competente jornalista
(Joaquim Augusto de Campos Porto) como secretário só ocorreu em 1887, isto é, três anos antes da extinção do
Museu. Diante dessas razões, estava claro que fizeram tudo para que Barbosa Rodrigues deixasse a instituição. Não
conseguiram demiti-lo antes porque Barbosa Rodrigues tinha grande respaldo político da corte, tanto que, logo após o
fim da monarquia, ele foi sumariamente demitido e a instituição fechada.
Barbosa Rodrigues, no final do prólogo da 1ª edição, transcrita no volume 1 da 2ª edição de Vellosia,12 ponderava
que, mesmo dispondo de parcas dotações orçamentárias, o Museu, durante sua existência, não fraquejou um só
momento, mesmo diante dos percalços. Não admitia que a entidade tivesse de suspender suas atividades sob “pena
de incorrer num crime de leso-patriotismo que ele a si próprio não perdoaria, por isso não esmoreceu um só momento
até que deram o golpe de morte na instituição”.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Trabalho de campo

Barbosa Rodrigues era um naturalista emérito, incansável e apaixonado pelo que fazia, e inteiramente dedicado
ao estudo e trabalho em tempo integral. Era dotado de uma curiosidade nata, espírito de aventura, metódico, meticu-
loso e corajoso. Durante suas excursões, segundo ele próprio mencionou numa de suas correspondências enviadas
ao botânico sueco, Anders Fredrick Regnel (1807-1884), para quem ele coletava material sob a promessa de uma boa
messe, “costumava coletar pela manhã até o meio dia, à tarde desenhava e à noite fazia as descrições”.13 Inúmeras
vezes demonstrou muita coragem. Não esmorecia mesmo diante de eventuais perigos: lugares tidos como perigosos
e doentios, presença de índios selvagens, rios encachoeirados, animais ferozes, etc. Uma de suas maiores bravuras
narradas por ele próprio14 foi quando se dispôs a pacificar os temíveis índios crichanás (Waimiri-Atroari, família Karib),
do rio Negro, Amazonas, arriscando a sua própria vida. Sá15 cita que o geólogo britânico Charles Brown, que o acom-
panhou nas suas excursões pelo rio Trombetas, no Pará, menciona que Barbosa Rodrigues “era dotado de uma energia
e ardor quase portentoso, quando começava a trabalhar. Era normalmente o primeiro a sair do barco e a se aproximar
do primeiro nativo que encontrasse. Sentado desconfortavelmente em um toco ou outro lugar conveniente, procedia
a anotar em sua caderneta tudo que ele conseguia obter de suas numerosas perguntas”.
No estudo das palmeiras e orquídeas, a cujas famílias ele dedicou a maior parte de sua existência, escreveu, em
francês, no Sertum palmarum,16 o seguinte:

Aux orchideés j´ai sacrifié lês joies de ma jeunesse

Aux palmiers les loisirs de l´age mûr

Também, ao descrever17 algumas espécies novas, cultivadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, assim se
34 expressou ao se manifestar orgulhosa e patrioticamente sobre o seu dedicado interesse pelo estudo botânico de nossa
flora: “Desejo que elas perpetuem a dedicação que tenho pela terra que me foi berço, à qual desinteressadamente
sacrifiquei os melhores dias de minha existência, tendo arriscado em muitas delas, até a própria vida”.

Homenagens especiais

A sua última esposa, D. Constança Eufrosina da Borba Paca (1844-1920), filha de um austríaco, capitão da guarda
da princesa Leopoldina, auxiliou-o bastante nas suas pesquisas pela Amazônia como fiel, dedicada e companheira nos
cansativos e arriscados trabalhos de campo, e colaboradora nas suas coletas e ilustrações botânicas. Segundo relato
de Stapf18 apud Mori,19 ela chegou a ajudar Barbosa Rodrigues na preparação das estampas de orquídeas brasileiras.
Como reconhecimento pela inestimável, valiosa e eficaz ajuda que sempre lhe prestou, criou o gênero Constantia
(Orchidaceae) em sua homenagem e, quando descreveu Bactris constanciae, Barbosa Rodrigues justificou em francês
a escolha do epíteto específico do seguinte modo:

Cette espèce, je l´ai dédiée à ma chère épouse Constança Barbosa Rodrigues, qui a tourjours été ma fidèle
compagne et qui m´aprêté son aide efficace dans tous mes travaux et dans mes dangereuses pérégrinations
par les forêts.

Le nome de l´espèce rappellera le courage, l´amour des découvertes scientifiques et l´héroïsme dont elle
a donné tant de preuves, notamment le 2 octobre 1873, lorsque notre pirogue coula à fond dans la rivière
Yatapu, entrainée par le tourbillon de la grande chute d´eau nommée Udidy et dans d´autres circonstances
lorsque, pendant la nuit, nous fûmes attaqués par um tigre dans la forêt oú nous avions nos hamacs près
de la Corredeira Picapáo, sur les rives de la même rivière.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Ce nome rappelera ausi les souffrances, la faim et la soif qu´a endurées ma nobre épouse pendant mes
nombreuses expéditions.19

Na descrição da nova espécie, consta uma foto da homenageada.


Barbosa Rodrigues, também reconhecido pelos favores recebidos de algumas pessoas especiais que, direta ou
indiretamente, sempre o apoiaram, não se esqueceu de homenageá-las, eternizando-as na denominação de alguns gêne-
ros de orquídeas, tais como Isabelia, em homenagem à princesa Isabel; Capanemia, dedicado ao seu mecenas barão de
Capanema; Orleanesia, lembrando o nome do príncipe Gastão de Orleans, conde d´Eu, amador e protetor da floricultura
no Brasil; o gênero Petronia, homenageando o imperador D. Pedro II; e Regnellia, dedicando o nome ao ilustre botânico
sueco Anders Fredrick Regnell, de quem Barbosa Rodrigues recebeu grande estímulo no estudo das orquídeas.
Graças aos seus próprios esforços, conseguiu, ainda em vida, inúmeras honrarias tanto nacionais como interna-
cionais conforme relacionado em Salgado,20 Rodrigues21 e Carauta.22

Comemorações quando do primeiro centenário de seu nascimento

Durante o centenário de seu nascimento, em 1942, diversos órgãos públicos se manifestaram, dentre eles a
Academia Amazonense de Letras, que lhe prestou uma grande e justa homenagem, tendo como orador oficial da en-
tidade o acadêmico Nunes Pereira,23 que versou sobre o tema “Um naturalista brasileiro na Amazônia”. Na ocasião, o
venerando e inesquecível acadêmico abordou sobre a brilhante passagem de Barbosa Rodrigues pela região Amazônica
e os resultados de suas importantes pesquisas para a ciência amazônica e brasileira.
A revista Rodriguésia, importante publicação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, cujo nome o reverencia, 35
publicou, também na ocasião, alguns artigos celebrando o centenário de seu nascimento.

Redenção econômica

Carauta24 relata que Barbosa Rodrigues, ao regressar da Amazônia, em 1875, foi destituído de todas as suas
funções, inclusive de professor de Desenho do Colégio D. Pedro II. Desempregado, passou por momentos difíceis, só
contornados pelo barão de Capanema, que lhe deu ajuda financeira e o emprego de administrador de sua fábrica de
formicida, em Rodeio (Rio de Janeiro). Como o dinheiro era insuficiente para o sustento de sua numerosa família, sua
esposa, D. Constança, chegou a lavar roupa para fora para complementar as despesas de casa. Sua redenção veio
bem mais tarde, com a comercialização de um remédio indígena, que ele denominou de Pariquina, em homenagem aos
índios pariquis, que habitavam as margens do rio Jatapu, afluente do rio Uatumã, Amazonas. Esse remédio era obtido
de uma planta herbácea de nome indígena tangarakaá, também conhecido entre os civilizados por solidônia, pega-pinto
ou erva-tostão, cujo nome botânico é Boerhavia paniculata Rich (Nyctaginaceae). Como o próprio Barbosa Rodrigues
relata (1905), esse medicamento era usado pelos índios pariquis como um poderoso remédio contra os males do fígado.
O preparo e negociação desse remédio por ele solucionou de vez todos seus problemas financeiros e, com o lucro da
venda, pôde até comprar uma casa no Rio de Janeiro e custear parte de sua viagem à Europa, acompanhado de sua
extensa família, quando o governo brasileiro resolveu custear a impressão do Sertum Palmarum Brasiliense.
O remédio causou na época muito sucesso, especialmente depois que recebeu o aval do famoso sanitarista
patrício Oswaldo Cruz, que, numa carta dirigida a ele, mencionava que não só aprovava o medicamento como o estava
recomendando aos seus pacientes.25 O remédio foi comercializado até meado de 1930, quando a sua família resolveu
vender a patente.

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Barbosa Rodrigues na direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Barbosa Rodrigues foi nomeado diretor do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 25/04/1890, assumindo suas
funções em 31/5/1890, cargo que ocupou com muita galhardia, proficiência e dedicação até sua morte, ocorrida em
06/03/1909. Sua nova missão não foi menos difícil. Encontrou o Jardim Botânico inteiramente desorganizado, necessi-
tando de uma reforma geral. Construiu prédios, estufas, aquário, enriqueceu o parque com novas espécies de plantas,
dando-lhe nova estrutura digna de todos os encômios. Encontrou o estabelecimento “sem arquivo, sem pessoal regular,
sem biblioteca e sem herbário. O grande parque mais parecia uma floresta. Tudo muito agradável à vista, mas cienti-
ficamente em estado deplorável”. Esses detalhes vêm descritos em seu Hortus fluminensis.26 Felizmente, conseguiu
implantar, com grande sucesso, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, grande parte do que não pôde concretizar no
Museu Botânico do Amazonas. O Jardim Botânico do Rio de hoje é um paradigma da ciência brasileira, respeitado e
mundialmente conhecido, graças, em grande parte, a sua competência de eficaz administrador. É, ainda hoje, consi-
derado um dos melhores diretores que o Jardim Botânico do Rio já teve.
À testa na direção do Jardim, com tanta tarefa a cumprir, esperava-se que ele estacionasse, cuidando apenas
da administração, de pôr em dia suas inúmeras anotações e experiências adquiridas durante longos anos de estudos
e trabalho de campo. Nada disso. Espírito irrequieto, dado a aventuras, impetuoso e incansável, sempre interessado
em adquirir novos conhecimentos sobre nossa flora, lançou-se ainda em novas aventuras por outras plagas, não só no
Brasil como Paraguai, Uruguai e Argentina, publicando sempre.

Destino das coleções botânicas


36 Da primeira viagem encetada por Barbosa Rodrigues entre 1872-1875 à Amazônia, as coleções zoológicas e
mineralógicas foram depositadas no Museu Nacional,27 enquanto as raras coleções botânicas atualmente existentes,
frutos de sua primeira expedição à Amazônia, encontram-se, hoje, em parte, depositadas no Jardim Botânico do Rio
de Janeiro (BR) e Museu Nacional (R). Segundo Carauta,28 as coleções botânicas de Barbosa Rodrigues, guardadas por
medida de segurança no porão de sua residência, sito na rua Haddock Lobo, Rio de Janeiro, foram totalmente destruí-
das durante uma grande inundação, além, provavelmente também, dos tipos nomenclaturais, peças fundamentais em
todo estudo taxonômico - motivo pelo qual se explica por que a maioria da coleção-tipo29 de seus táxons novos está
desaparecida, restando apenas as ilustrações tidas como lectótipos.
Campos Porto30 relata que, durante a extinção do Museu Botânico, o herbário dispunha de 10.000 espécimes dis-
postos naturalmente por ordem de família; a seção etnográfica, de 1260 objetos recolhidos de mais de sessenta tribos
indígenas amazônicas; e a química, de mais de 500 objetos - incluídas nessas coleções botânicas e etnográficas as
coletas de propriedade particular de Barbosa Rodrigues, adquiridas durante sua primeira expedição ao vale amazônico,
entre 1872-1875, além da doação de cerca de oitocentas exsicatas, recebidas do botânico americano John Donell Smith,
segundo Duarte.31 Infelizmente, após a extinção do Museu, não se sabe, até hoje, que destino deve ter sido dado a todo
esse acervo. Suas coleções, infelizmente, não se encontram guardadas em instituição alguma, nem no país, nem no
exterior, baldados os esforços de inúmeros especialistas em tentar localizá-las para consulta. Estão perdidas ou foram
destruídas, com o tempo, por falta de zelo. Em 1980, excepcionalmente, o presente autor encontrou, ocasionalmente,
em Manaus, uma parte de tipo de Tynanthus igneus de Barbosa Rodrigues, deixada por ele dentro do volume 5 de Adan-
sonia.32 O referido tipo, que serviu de base para a ilustração da nova espécie, comparado com a estampa X em Vellosia,
2ª ed.,33 mostrou que o referido exemplar tinha sido usado por Barbosa Rodrigues para ilustrar sua nova espécie. Esse
espécime-tipo encontra-se depositado no herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Do antigo Museu, infelizmente, não se tem notícia alguma até agora do destino dado a todos os seus pertences,
exceto a importantíssima coleção de obras raras: Flora Brasiliensis de Martius; Viagem de D´Orbigny; as coletâneas de

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Adansonia, Linnaea, Buffon, Castenaux, Prodromus de de Candolle; e algumas outras obras clássicas sobre a Amazônia,
que estavam nos guardados sem uso do antigo Liceu de Manaus, hoje Colégio Estadual D. Pedro II. Passaram a fazer
parte do acervo da Biblioteca do Inpa graças a um convênio com o Estado do Amazonas.34

Produção científica

Durante os 18 anos das pesquisas de Barbosa Rodrigues na Amazônia, sua produção científica foi grande e bas-
tante diversificada. A relação encontra-se, especialmente, em Victorino Alves Sacramento Blake,35 Ignatius Urban,36
Hermann von Ihering,37 Anônimo,38 Carauta39 e outros.
Descreveu inúmeras plantas novas; pacificou, com grande risco de vida, a perigosa e soberana tribo indígena dos
crichanás (Amazonas); criou a revista Vellosia, cujo nome foi emprestado, segundo Barbosa Rodrigues,40 do nosso ilustre
naturalista patrício, frei José Mariano de Conceição Velloso (1742-1811), autor da esplêndida obra Flora Fluminensis,
com a seguinte justificativa: “Na falta de um mecenas, sirva o nome de um redivivo, e que as palmas que por ventura
colha, prestem para ornar o pedestal da sua glória”.41 Em Vellosia, são descritas 107 espécies, 4 variedades e 4 gêneros
novos, tanto medicinais como industriais, entre elas 51 espécies de diversas famílias (incluindo 4 gêneros novos), 21
palmeiras e 35 orquídeas (incluindo 1 gênero novo). No segundo volume,42 constam 25 estampas de plantas novas; os
estudos sobre Arqueologia e Paleontologia (os vestígios de uma necrópole dos primitivos habitantes da Amazônia); o
folclore ou mitologia da mesma região e os répteis fósseis do vale amazônico; Histórico e Descrição do Museu Botânico
- Catálogo da seção etnográfica e arqueológica; e Relação das tribos selvagens representadas na entidade.
Dentre os inúmeros trabalhos de interesse amazônico publicados por Barbosa Rodrigues, destacam-se: Enume-
ratio palmarum novarum, em dois volumes;43 Genera et species orchidearum novarum,44 em dois álbuns; Iconographie
37
des Orchidées de Brésil,45 obra iniciada em 1869, incluindo texto e ilustrações em cores de orquídeas baseadas em
observações de campo; O rio Yauapery. Pacificação dos crichanás,46 trabalho este em que conta em detalhes como
ocorreu a catequização dos temíveis índios do rio Negro, os riscos que correu sem receber remuneração alguma a
mais pelo trabalho. Sua missão, nesse caso, não era só catequizar os índios, mas também estudar os produtos na-
turais da região dominada por eles no rio Jauaperi. Numa das vezes em que esteve com os crichanás, segundo seu
relato na publicação acima mencionada, levou sua família e, nessa ocasião, as índias fizeram com que sua esposa,
D. Constança, amamentasse algumas de suas crianças, e ele permitiu que levassem sua filha de 3 anos para satis-
fazer a curiosidade dos indígenas, especialmente por ser loura. O risco dessa aproximação com os indígenas foi-lhe
muito útil. Não só descobriu inúmeras espécies novas de palmeiras locais e suas utilidades como pôde escrever uma
série de outros artigos, tais como: “O canto e a dança selvícola” e “Lendas, crenças e superstições”;47 “Vocabulário
indígena comparado para mostrar a adulteração das línguas” (1892);48 “Vocabulário indígena” (1893); “Exploração e
Estudo do Valle do Amazonas”;49 “As moléstias do fígado curadas pela Pariquyna” (1897); “O Muirakytan e os ídolos
simbólicos” (1889); “Poranduba amazonense” (1890); e “L´uiraêry ou curare. Extraits et compléments des notes
d´un naturaliste brésilien”.50
O Sertum Palmarum Brasiliensium,51 sua obra-prima, foi editado em dois grandes e pesados volumes, contendo
texto em francês e 174 magníficas estampas coloridas, feitas de seu próprio punho, mandado imprimir na Bélgica
pelo nosso Governo.
Algumas de suas publicações são muito pouco conhecidas, especialmente aquelas em que descreve novos táxons,
por terem sido efetuadas em revistas de pouca penetração como as revistas de Engenharia e de Horticultura, em que
estão descritas, por exemplo, Monostychosepalum monanthum Barb. Rodr. (Burmanniaceae) - Rev. de Horticultura, v.2, p.
184, fig. 82.1877; Esterhazya superba Barb. Rodr. (Scrophulariaceae) - Rev. de Engenharia, v. 5, p.145, est. A 1-7.1883;
e Epistephium spruceanum Barb. Rodr. (Orchidaceae) - ibid., v.3, nº 49, 1881) e alguns outros táxons.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Esteve em Bruxelas, durante dois anos, junto com a família, acompanhando a publicação de sua obra-prima.
Dessa viagem, escreveu em 1904 um relato de alguns jardins botânicos europeus visitados e mais alguns outros
trabalhos importantes.52

Considerações finais

Barbosa Rodrigues como botânico foi surpreendente. Apesar da falta de bibliografia especializada, na época,
para consultar, e de coleções botânicas de referência ou coleções-tipo para consulta longe dos grandes centros de
pesquisa, mesmo assim, com grande esforço e muita dedicação, foi o primeiro brasileiro a se dedicar com maestria ao
estudo de grupos taxonômicos tão difíceis e complexos como as palmeiras e orquidáceas, e outras famílias botânicas
como as mirtáceas, por exemplo, e a dar uma grande contribuição para tornar a nossa rica e diversificada flora mais
bem conhecida mundialmente.
D. Pedro II, reconhecendo, no entanto, tempos depois, seus insofismáveis méritos como cientista de renome
internacional, estava prestes a lhe conceder o título de barão de Jauaperi, quando foi deposto.53
Não é novidade para muitos, mas é sempre bom lembrar que botânica não se faz apenas dentro de um laboratório.
É um trabalho de infantaria. Tem-se que estar, sempre que possível, à frente no campo, à cata de novidades ou de novas
fontes de informação sobre qualquer planta de modo geral, mesmo que isso implique grandes sacrifícios, desconfortos,
surpresas e riscos constantes. Felizmente, tudo isso Barbosa Rodrigues cumpriu com desenvoltura e muita dedicação;
portanto, como um profissional pertinaz, competente, inteligente, de vasta cultura eclética, corajoso, trabalhador e
estudioso. Será sempre lembrado como um exemplo para toda a juventude que está se iniciando na nobre e patriótica
profissão de naturalista no Brasil.
38
Ao findar este despretensioso artigo, gostaria de fazer minhas as palavras escritas por Barbosa Rodrigues no
prólogo da revista Vellosia, 1ª edição (1891):
A força moral de uma nação não se determina só pelo número de seus soldados ou de seus vasos de guerra, pelo
incremento de seu comércio ou de sua indústria, mas principalmente pelo grau a que têm atingido as ciências, as letras
e as artes. São estas que inventam o canhão, encouraçam as esquadras, impelem as locomotivas, fazem mover-se as
correntes elétricas, desvendam os mistérios das florestas e do solo e, tornando-os realidades, transformam-nos em
produtos que se derramam pelas fábricas e pelos mercados. É pela força intelectual, e não pela física, pois, que uma
nação progride, que campeia entre outras. Não bastam os arsenais, as fábricas, as alfândegas, é preciso que tudo se
mova pela força do gênio de seus filhos, que descobrem os materiais que dão movimento aos operários, às máquinas
e às pautas.

Agradecimentos

Agradeço ao prof. Olavo A. Guimarães da Universidade Federal do Paraná pela leitura do texto e correções.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Notas e referências bibliográficas
William Antonio Rodrigues é graduado em História Natural pela Faculdade de Ciências e Letras/RJ, com especialização em Botânica Médica pela Fiocruz/RJ e
Doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) pela Unicamp/SP. Pesquisador do Inpa/AM de 1951 a 1991, atualmente é professor sênior da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Tem 81 trabalhos publicados em periódicos e 51 capítulos de livros. E-mail: william@ufpr.gov.br

1 BITTENCOURT, Agnello. Dicionário amazonense de biografias. Vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1976.
2 SALGADO, Dilke de Barbosa Rodrigues. Barbosa Rodrigues, uma glória do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1945.
3 ORMINDO, Paulo. Arte Botânica do Rio de Janeiro. In: Jardim Botânico do Rio de Janeiro: 1808-2008. Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. (Org.), Rio de Janeiro, 2008. p. 57-67.
4 RODRIGUES, João Barbosa. Exploração e estudo do Valle do Amazonas. Rio Tapajós.Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875, p. 1-151; RODRIGUES,
João Barbosa. Exploração e estudo do Valle do Amazonas. Rio Capim. Relatório. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875, p.1-52 e mapa; RODRIGUES,
João Barbosa. Exploração e estudo do Valle do Amazonas. Rio Trombetas. Relatório. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875, p. 1-39 e planta do rio
Trombetas; RODRIGUES, João Barbosa. Exploração dos rios Urubu e Jatapu. Relatório. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875, p.1-129 e mapas.
5 CARAUTA, Jorge Pedro Pereira. Biobibliografia de Barbosa Rodrigues. XXV Cong. Nac.Botânica, Mossoró, Rio Grande do Norte, 20 a 26 de janeiro, 1974,
p.361- 370.
6 SÁ, Magali Romero. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. História, Ciências e Saúde
– Manguinhos, v. VIII (suplemento), p. 899-924, 2001.
7 SPRUNGER, Samuel; CRIBB, Phillip J. W.; BRITO, Toscano de. (Eds.). In: RODRIGUES, João Barbosa. Iconographie des orchidées du Brésil. The illustrations.
Friederich Reinhardt Verlag. Basileia: 1996, 540 p.
8 PORTO, Joaquim Augusto de Campos. Histórico do Museu Botânico do Amazonas. Contribuições do Museu Botânico do Amazonas. Vellosia, Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 2 ed., p. 61- 80, 1892.
9 CARAUTA, 1974, op. cit.
10 PORTO, 1982, op. cit.
11 Idem.
12 RODRIGUES, João Barbosa. Descrição do Museu. Contribuições do Museu Botânico do Amazonas. Vellosia. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 2. ed.,
p.81- 124, 1892.
13 RODRIGUES, João Barbosa. Plantas novas cultivadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, descriptas, classificadas e desenhadas. Rio de Janeiro, v. 1, n.1, 39
I-II, p. 1-38, t.9. 1891.
14 RODRIGUES, João Barbosa. O rio Jauapery. Pacificação dos Crichanás. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885, 275 p.
15 SÁ, 2001, op. cit.
16 RODRIGUES, João Barbosa. Sertum palmarum brasiliense. Relation des palmiers nouveaux du Brésil découverts, décrits et dessinés d’aprês naturele.
Bruxelles, 1903, v.1, I-XXIX, p. 1-140, 91 t.
17 Idem, p.1-114, 83 t.
18 MORI, Sott A.; FERREIRA, Flora Castaño. A distinguished Brazilian botanist, João Barbosa Rodrigues (1842-1909). Brittonia, New York, v. 39, n.1, p. 73-85,
1987.
19 RODRIGUES, 1903, op. cit.
20 SALGADO, 1945, op. cit.
21 RODRIGUES, William Antônio. Cadeira 38. Na poltrona de Barbosa Rodrigues. Revista da Academia Amazonense de Letras, Manaus, 1970, ano L, nº 15, p.
238-251, 1970.
22 CARAUTA, 1974, op. cit.
23 PEREIRA, N. Um naturalista na Amazônia. Manaus: Imprensa Publica, 1942.
24 CARAUTA, 1974, op. cit.
25 SÁ, 2001, op. cit.
26 RODRIGUES, João Barbosa. Hortus fluminensis ou breve notícia sobre as plantas cultivadas no Jardim Botanico do Rio de Janeiro para servir de guia aos
visitantes. Rio de Janeiro. XXXVIII, p. 1-308. I-X, I-XI, I-XVIII, 13 t, 1895.
27 SÁ, 2001, op. cit.
28 CARAUTA, 1974, op. cit.
29 Segundo o botânico Cláudio Nicoletti (com. pess.), curador das Coleções Vivas do Jardim Botânico do Rio, parte da coleção-tipo das plantas descritas por
Barbosa Rodrigues antes de 1890 foi remetida por ele (Barbosa Rodrigues) para o Jardim Botânico de Coimbra.
30 PORTO, 1982, op. cit.
31 DUARTE, Durango. Manaus entre o passado e o presente. 1ª ed., Manaus: Mídia. Ponto Com. 2009. 280p + 14 anexos.
32 RODRIGUES, William Antônio. Descoberta de um tipo raro da coleção Barbosa Rodrigues. Anais do 31º Congresso Nacional de Botânica do Brasil, Ilhéus,
Bahia, 1980. p. 81.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


33 RODRIGUES, João Barbosa. Descrição do Museu. Contribuições do Museu Botânico do Amazonas. Vellosia,. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 2ª ed.,
p.81- 124, 1892.
34 RODRIGUES, William Antônio; SILVA, Marlene Freitas da; SILVA, Algenir Ferraz Suano da; RIBEIRO, Maria de Nazaré Góes. Criação e evolução histórica do
Inpa (1954-1981). Acta Amazonica (Supl.), v.11, nº1, p.7-23, 1981.
35 BLAKE, Victorio Alves Sacramento. Barbosa Rodrigues. In: Diccionario bibliographico brazileiro. Rio de Janeiro, 1895, p. 359-365.
36 URBAN, Ignatius. Vitae itineraque collectarum botanicorum. In:.MARTIUS, Carl Friederich von. Flora brasiliensis, 1906, v.1, n. 1, p. 1-154.
37 IHERING, Hermann von. João Barbosa Rodrigues. Revista do Museu Paulista, Universidade e São Paulo, São Paulo, v. 8, p. 23-37, 1911.
38 ANÔNIMO. Vultos da Geografia do Brasil. Barbosa Rodrigues (1842-1909). Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 95-97, abril/junho,
1942; ANÔNIMO. Noticiário. Primeiro aniversário do nascimento de Barbosa Rodrigues. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 4, n.2, p.131-134.
abril/junho, 1942.
39 CARAUTA, 1974, op. cit.
40 RODRIGUES, 1891, op. cit.
41 VELLOSO, José Mariano da Conceição. Flora fluminensis. Rio de Janeiro, 1829 (1825) 352 p.; VELLOSO, José da Conceição Velloso. Flora fluminensis.
Icones. Paris, 11 vols. 1831 (1827).
42 RODRIGUES, 1892, op. cit.
43 RODRIGUES, João Barbosa. Enumeratio Palmarum Novarum quas Valle Fluminis Amazonum inventas et ad Sertum Palmarum. Rio de Janeiro: Brown &
Evaristo, 1875.
44 RODRIGUES, João Barbosa. Genera et species orchidearum novarum quas collegit, descripsit et iconibus illustravit. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1882.
45 SPRUNGER et al., 1996, op. cit.
46 RODRIGUES, João Barbosa. Rio Jauapery: Pacificação dos Crichanás. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885.
47 Publicados pela Revista Brazileira, 1881.
48 Vocabulario indigena comparado para mostrar a adulteração da lingua (complemento do Poranduba Amazonense). Publicação da Bibliotheca Nacional. Rio
de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1892.
49 RODRIGUES, João Barbosa. Exploração do rio Yamundá. Relatório. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1875, p. 1-99 e planta do rio Yamundá.
50 L’uiraêry ou curare. Extraits et compléments des notes d’un naturaliste brésilien (1903c). RODRIGUES, João Barbosa. L’uiraery ou curare. Extraits et
complément des notes d’um naturaliste brésilien. Bruxelles,1903, p.1-180, 7 t.
51 RODRIGUES, João Barbosa. Sertum Palmarum Brasiliensium. Relation des palmiers nouveaux du Brésil. Bruxelas, Imprimerie Veuve Monnom, 2 vols,
40 1903.
52 RODRIGUES, João Barbosa. Les noces des palmiers. Remarques prèliminaires sur La fécundation. Bruxelles, 1903. p.1-90, 7 t.; RODRIGUES, João Barbosa.
Myrtacées du Paraguay recueillies par Mr. le Dr. Emile Hassler. Bruxelles, 1903, I-VIII, p.1-20, 26 t.
53 CARAUTA, 1974, op. cit.

[ Artigo recebido em 06/2010 | Aceito em 09/2010 ]

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 31-40, 2012


Barbosa Rodrigues e os sambaquis da Amazônia1

Barbosa Rodrigues and the Amazonian’s kökknmödding

HELOISA MARIA BERTOL DOMINGUES


Museu de Astronomia | Mast-MCTI

RESUMO Este trabalho discute a visão de Barbosa Rodrigues sobre os sambaquis da Amazônia, a partir de um
artigo escrito oitenta anos depois pelo antropólogo Luiz de Castro Faria. Este recuperou aquele estudo de Barbosa
Rodrigues por ter identificado ali um traço de identidade entre ambos: os sambaquis como“restos humanos”eram
lugares de estudo da cultura social e não deviam ser destruídos. Comissionado pelo governo brasileiro, Barbosa
Rodrigues chegou à Amazônia em 1872, para realizar estudos naturalistas, dentre os quais os sambaquis. Esse
trabalho de Barbosa Rodrigues se insere nas pesquisas sobre a origem do homem americano que dominaram o
século XIX e foi um fio condutor da prática arqueológica brasileira até meados do século seguinte.

Palavras-chave Barbosa Rodrigues, Luiz de Castro Faria, sambaqui, história da arqueologia, história da etno-
logia, Amazônia.

41
ABSTRACT This work discusses the Barbosa Rodrigues vision on the Amazonian sambaquis from a paper written by
the Anthropologist Luiz de Castro Faria eighty years after, where he identified in the Barbosa Rodrigues study a common
trace between them: the sambaquis considered as “human rests” were places for studies of social culture and should not
be destroyed. Commisioned by the Brazilian Government, Barbosa Rodrigues arrived at the Amazonian in 1872 to carry
on naturalist studies, among them the sambaquis. This work can be inserted in the researches on the origin of American
Man, that dominated the end of XIXth Century and it was the guiding principles of the Brazilian archeological practice
until the midle of the next century.
Keywords Barbosa Rodrigues, Luiz de Castro Faria, kökknmödding, History of Archeology, History of Ethnology,
Amazonia.

O trabalho de Barbosa Rodrigues sobre os sambaquis na Amazônia, realizado nos anos 1870, se insere nas
pesquisas sobre a antiguidade do homem, as quais dominaram o século XIX. Comissionado pelo governo brasileiro,
Barbosa Rodrigues chegou à Amazônia, em 1872, com a missão de realizar explorações naturalistas no vale do Ama-
zonas, visando estimular os conhecimentos botânicos e completar o gênero Palmarum de Martius.2 Mas não descurou
das demais especialidades das ciências naturais e, dentre os seus trabalhos de campo, ganharam destaque, por sua
originalidade, aqueles realizados sobre os sambaquis.
Conforme sublinhou Luiz de Castro Faria, o estudo de Barbosa Rodrigues sobre os sambaquis é merecedor de toda
a atenção, pois ele possuía um conhecimento direto e profundo da região amazônica, era versado em arqueologia e
etnografia indígena e teve oportunidade de examinar pessoalmente diversas jazidas.3 Os trabalhos que publicou sobre
os sambaquis dizem respeito a duas jazidas de conchas: a da serra da Taperinha, no rio Aiaiá, e a do Pau Mulato, na
margem direita do Amazonas, próxima à borda do Lago Grande de Vila Franca, lago outrora denominado Tucumã e,
depois, das Campinas (o sítio denominado Pau Mulato era antigo leito do rio Amazonas).

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Corte vertical do Sernambi da Taperinha. Desenho de Barbosa Rodrigues.

O estudo dos montes de conchas, desde longa data, inquietava os estudiosos. Já no século XVI, Leonardo da Vinci
preocupou-se com esses montes e, observando-os, rejeitou o Leiscester Codex, que dizia que as conchas tinham sido
42 carregadas pelo Dilúvio, e afirmou, contrariando os neoplatônicos, que os fósseis eram constituídos de restos de organismos
antigos.4 Não cogitou, no entanto, a artificialidade desses montes. Os historiadores, hoje, são unânimes em afirmar que,
somente no século XIX, a ideia da artificialidade desses montes de conchas passou a ser aceita e deu base à construção
da Pré-História.
Para Claude Masset, a Pré-História nasceu em 1859, quando a Royal Society de Londres ultrapassou a congênere
francesa e reconheceu o trabalho de Boucher des Perthes.5 Desde os anos 1830, Boucher des Perthes afirmava que
existia o homem fóssil, contrariando o que dissera o reconhecido Cuvier, que havia negado essa existência. Na França,
esses estudos continuaram e, na segunda metade do século XIX, o abade Bourgeois, que estudara com Boucher des
Perthes, confirmou o que este dissera, com descobertas de sílex talhados em terrenos da era Terciária.6
Os estudos nas chamadas concheiras, os sambaquis, viriam confirmar a teoria de Boucher des Perthes. Foi na
Dinamarca, em 1837, que as pesquisas arqueológicas nos montes de conchas, sob a liderança de Worsaae, ganharam
relevo. Worsaae encontrou as concheiras de ostras a pequena distância da costa, rumo ao interior, e demonstrou que
continham vários artefatos pré-históricos, concluindo por sua origem artificial. Levando em consideração suas pesquisas,
a Real Academia de Ciências Dinamarquesa criou, em 1838, uma comissão encarregada de estudar as concheiras, com
o mesmo Worsaae à frente, juntamente com um biólogo, Steenstrup, e o geólogo J. S. Forchhamer. Em 1845, essa
comissão publicou um relatório dos estudos realizados, em seis volumes, mencionando os “restos de cozinha”. Ou seja,
concluiu que as concheiras eram de origem humana e definiu-lhes o padrão de acumulação. A comissão determinou,
ainda, o cenário paleoambiental (florestas de abetos e pinheiros, com uma pequena quantidade de carvalhos), demonstrou
que os únicos animais domesticados naquela época eram cães e que as concheiras eram ocupadas durante o outono,
o inverno e a primavera, jamais no verão.7 O único ponto de discordância entre os membros da comissão foi sobre a
idade das concheiras. Para Steenstrup, eram neolíticas, contemporâneas às tumbas megalíticas; para Worsaae, eram
anteriores, e ele estava correto.8 Esse trabalho correu mundo na época e a arqueologia da Dinamarca tornou-se modelo
para os demais países, inclusive para os estudos realizados no Brasil, particularmente os de Barbosa Rodrigues.

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No Brasil, as pesquisas nos chamados sambaquis tiveram início no litoral sul, onde foram encontrados em maior
quantidade, e logo despertaram o interesse dos especialistas internacionais. Rudolf Virchow, um dos mais famosos
cientistas europeus do século XIX, criador do Museu de Antropologia de Berlim, a partir de 1872 fez várias comunica-
ções sobre os sambaquis brasileiros na Academia Berlinense de Antropologia, Etnologia e Pré-História. Baseou-se em
materiais de Santa Catarina (São Francisco e Joinville) e São Paulo (Santo Amaro), certamente enviados pelo engenheiro
Kreplin; em relatórios como o do Dr. Von Eye, residente em Joinville; e também nos trabalhos de Charles Wiener e
Fritz Muller.9 Wiener fez uma viagem à região Sul e produziu um relatório a pedido de Ladislau Netto, diretor do Museu
Nacional. Fritz Muller era, nessa época, contratado como viajante naturalista do mesmo Museu. Para Castro Faria, os
trabalhos de Virchow deram impulso decisivo à formação do campo da Arqueologia no Brasil.
Em 1866, Burton já havia publicado referências a sambaquis da Ilha do Governador, Rio de Janeiro, que Wiener
posteriormente reproduziu, conforme sublinhou Castro Faria. Em 1871, a Revista do IHGB publicou os trabalhos de Carlos
Rath, que serviram também a Virchow, os quais o abade Durant apresentou na Sociedade de Antropologia de Paris,
em 1874.10 Nesse mesmo ano, Guilherme Schuch Capanema publicou o seu pequeno estudo sobre os sambaquis do
litoral sul do Brasil, na Alemanha e em Londres. O trabalho de Capanema foi publicado no Brasil, no primeiro número da
Revista Ensaios de Ciência (V. II, 1876). Para Barbosa Rodrigues, o trabalho de Capanema tornou os sambaquis brasileiros
conhecidos no mundo científico. No mesmo número de Ensaios de Ciência, foram publicados os estudos de Barbosa
Rodrigues sobre os sambaquis e a arqueologia na Amazônia. Aliás, essa revista foi criada por eles, Barbosa Rodrigues
e Capanema, juntamente com Batista Caetano, com a finalidade de publicar “ciência brasileira”.11
Os trabalhos de Barbosa Rodrigues sobre arqueologia e etnografia na Amazônia, dentre os quais aquele sobre
os sambaquis, mais tarde foram reunidos num volume chamado Antiguidades do Amazonas.12 Reconhecido internacio-
nalmente, principalmente como botânico, os trabalhos etnográficos e arqueológicos de Barbosa Rodrigues, conforme
afirmou recentemente o arqueólogo Lucio Menezes Ferreira, ainda são praticamente ignorados.13

43

O trabalho de João Barbosa Rodrigues

Ao introduzir Antiguidades do Amazonas, Barbosa Rodrigues fez um alerta sobre o “nosso” desconhecimento
daquelas relíquias guardadas pela Terra, alegando que tal ignorância se devia à falta de explorações especiais, o que,
por sua vez, levava ao desaparecimento e à destruição do material arqueológico, cuja consequência era a ignorância
dos costumes e usos dos indígenas. Fazia um apelo à necessidade de realização de trabalhos científicos no ambiente
natural e, ao mesmo tempo, deixava claro que a Arqueologia era uma forma de preservação da cultura, questão que
ainda hoje aflige os intelectuais e os especialistas que trabalham a memória cultural.
Bem mais tarde, possivelmente na década de 1950, o antropólogo Luiz de Castro Faria escreveu (num artigo que
não chegou a publicar) que os estudos de Barbosa Rodrigues sobre os sambaquis na Amazônia são de grande importância
pela peculiaridade de ter considerado o problema dos sambaquis ou sernambis numa região que não é marítima, e sim
fluvial, mostrando que aqueles montes de conchas podiam aparecer no interior, em margens de rios, e não somente
na costa oceânica, onde era comum estudá-los; e por ter sido um trabalho que representou uma indivisibilidade da
arqueologia brasileira, pois, embora não tivesse ligação direta com os das jazidas meridionais, mostrava que havia uma
sequência histórica nos estudos a respeito do tema. Uma indivisibilidade que chegou até o século XX e permitiu retomá-lo
como parte dos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos no litoral sul do Brasil, na década de 1940, dentre os quais
os de Castro Faria.14 Na verdade, segundo Francisco Pelayo, a discussão sobre a existência e antiguidade do homem
fóssil durou até os anos 1940.15 Daí também a continuidade histórica que alcançaram os trabalhos de Barbosa Rodrigues
sobre Arqueologia associada à Etnografia. Nas últimas décadas do século XIX, os estudos arqueológicos, abordando
a questão da origem do homem, davam base à História, fundamentando o imaginário dos nascentes Estados-nação.
Ainda em 1968, Paulo Duarte acreditava que os sambaquis, especialmente os do Brasil, continham a história inteira

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do Novo Continente, talvez do Mesolítico e do Neolítico inferior, e até boa parte das origens do Homem Americano.
O problema estava em aprender a interrogá-los antes que fossem destruídos.16
A epígrafe de “Antiguidades do Amazonas” evidencia a inserção de Barbosa Rodrigues no campo das ciências
que tratavam do homem fóssil, pois fazia referência direta à arqueologia de Boucher des Perthes:

A arqueologia é uma ciência que apenas inicia. Somente penetrando nas profundezas da Terra chegareis a
descobertas verdadeiramente grandes. Nós estamos ainda na epiderme, não fizemos mais do que escavar
a superfície e tirar um pouco da poeira. (Boucher des Perthes)17

Bourgeois, discípulo de Boucher des Perthes, também foi citado por Barbosa Rodrigues, ao lado de Lyell, Dellaunay,
Büchner e outros, quando falou da antiguidade dos achados arqueológicos na Amazônia. Incluía ainda aí os trabalhos
de Lund, em Minas Gerais, realizados na década de 40 do século XIX.
A Dinamarca foi vista como país difusor da cultura dos povos nórdicos, que haviam dominado os mares num dado
momento da Antiguidade. Tal influência explicava os sambaquis e outros traços culturais. Explicou que os kjoekken (cozi-
nha) modings (restos) na Dinamarca, pesquisados
por volta de 1845, eram encontrados próximos ao
litoral; hoje, porém, têm sido encontrados longe
da costa, evidenciando o deslocamento do mar.
O capítulo dedicado aos sambaquis da
Amazônia começou pela afirmação de que os
montes de conchas que encontrara eram aná-
logos aos kökknmöddings da Dinamarca ou shell
44 mounds dos Estados Unidos. Da mesma forma,
concordava com o que dissera o seu colega
Guilherme Capanema sobre os sambaquis de
Santa Catarina, sublinhando que este dera a
conhecer ao mundo científico os kökknmöddings
brasileiros. Fazendo um histórico dos trabalhos
dinamarqueses, Barbosa Rodrigues explicou
ainda o significado que eles haviam dado aos
montes de conchas: “restos de cozinha” – com
o que também concordava. “Os depósitos de
conchas”, disse ele, “chamados sernambis ou
sambaquis são os kökknmöddingers, ou restos
de cozinha, dos dinamarqueses”.
Ele preferia usar a palavra sernambi, por ser do
vocabulário indígena. Segundo Barbosa Rodrigues,
os índios denominavam sernambi a todo monte de
conchas que encontravam, quer nas praias, quer
nas margens dos rios. Quanto à origem da palavra
sernambi, dizia ele, exprime o pensamento do
índio: significa restos da vazante (deriva-se de
seryc, vazante da maré, e sembyr, restos).
Na sua analogia com os trabalhos dos dina- Inscrições nas paredes das serras do Irerê e Aruchy, espalhadas em diferentes
marqueses, Barbosa Rodrigues considerou que os alturas dos montes de conchas.

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sambaquis da Amazônia tinham sido feitos por imigrantes normandos ou norte-europeus, em épocas remotas. Para ele,
aqueles montes representavam “restos da vazante”, ou refugo da maré, pois eram vistos depois da vazante. Para reafirmar
a artificialidade dos sambaquis, Barbosa Rodrigues transcreveu um documento, antigo segundo ele, intitulado “Memória
sobre duas minas de conchas de sernambi”, pelo ajudante Pedro de Figueiredo Vasconcellos.18 Segundo a descrição,
tais minas encontravam-se no meio do seco Miridumba, que dá passagem para a Bahia do Atapu, em direção ao norte.
O manuscrito registrava o trabalho de moradores de Cintra, por mais de 80 anos no local, sem se perceber diminuição
dos montes de conchas. “Nelas se acham, além de cascas de sernambi, peixes petrificados, ossos de corpos huma-
nos, pedaços de louça de barro de cozinhar e de louça branca, muitos ossos de animais terrestres, búzios grandes e
pequenos, cascas de ostras e de outros muitos mariscos”. Os moradores locais diziam que, em toda a costa, até o rio
Gurupi, havia montes como aqueles.
Segundo a interpretação que fazia da memória, tinha havido no local emersão da costa, mas era perceptível que
um povo ali se reunia anualmente, indo à pesca dos moluscos e voltando para, possivelmente, fazer banquetes – prática
que era perpetuada entre os índios, como ele mesmo observava para os tempos atuais. No Amazonas, disse Barbosa
Rodrigues, “aparecem os sernambis, todo da feitura do homem, e o encontrado mais ainda recorda o uso escandinavo”.
As ditas minas encontravam-se em terras de um engenho que aproveitava o monte de conchas para o fabrico da cal,
cuja extração era de grande quantidade; por isso, ali o sambaqui era chamado de mina.
Nos dois sítios, foram encontrados, por ele, instrumentos de pedra, fragmentos de louça, já com a superfície
decomposta pela ação dos agentes naturais, espinhas de peixe-boi, ossos de pássaros, etc. Ele observou que “esses
sernambis, ou restos de cozinha, mostravam um costume que não era geral no Amazonas, “pois se o fosse, havendo
facilidade no apanho dos moluscos, como os mesmos monturos o provam, geral devera ser o encontro desses”. As
espinhas de peixes e os ossos de pássaros demonstravam-lhe que ali os índios se reuniam, de volta da pesca e da
caça, e que não eram tão bárbaros, porque já usavam as comidas cozidas em vasilhas de barro bem preparadas, o que
depreendeu dos fragmentos com fuligem que encontrou. Em ambos os sítios, as conchas encontradas eram fluviais,
da mesma espécie bivalve, do gênero Castalia, Unio e Hyria. 45

Barbosa Rodrigues observou, ainda, que os moluscos encontrados nesses montes não eram daqueles de vida
social, como o berbigão, e que formavam montes quando ficavam em seco, em situação de emersão da costa do
oceano. As espécies que ele havia examinado viviam solitárias e só apareciam na vazante do rio, em muito pequena
escala. Esses montes eram artificiais e, pela quantidade encontrada, demonstravam que eram erguidos por tribos que
anualmente iam à pesca.
Segundo ele, as inscrições mostravam que os sernambis brasileiros eram “muito mais modernos do que os
kökknmöddings dinamarqueses”, mas, a semelhança nas práticas indicava que havia descendência. Os índios que for-
maram aqueles montes de conchas ou aterros sepulcrais e deixaram inscrições lapidares que se encontravam cravadas
nas rochas, eram imigrados do Norte. Concluiu, assim, que esses restos de cozinha perpetuavam o costume de um
povo que aí existiu ou viveu por longos anos, em época anticolombiana.
Não excluiu, portanto, a ideia de origem europeia dos índios brasileiros. Para ele, esses montes encontrados na
Amazônia, demonstravam essa origem europeia da antiga civilização indígena da região. Eles eram semelhantes aos já
encontrados nos Estados Unidos, anteriormente. Sublinhou ainda que: “Esses depósitos não se encontram no Peru, o que
mostra que os invasores do Amazonas não passaram por lá, ou lá se detiveram muito pouco (Terra dos Aymaras)”.
O primeiro sítio examinado por ele, o da serra da Taperinha, no Rio Aiaiá, era distante da margem do rio, na base
da serra, onde raríssimos eram os moluscos que se encontravam e onde, naquela ocasião, nem as maiores enchentes
atingiam o lugar. Conforme sublinhou Castro Faria, é importante atentar para as observações de Barbosa Rodrigues sobre
a situação do local, pois as conchas encontradas estavam todas em decomposição, promiscuamente, dispostas em
estratos separados por pequenas camadas horizontais de humus, indicando que o depósito foi feito em várias épocas:
“Diferentes depósitos ou montículos destes, existem espalhados, todos com a forma cônica, tendo a base do maior
mais de 25 metros de diâmetro. Cerrada vegetação os cobre, deixando transparecer aqui ou ali a sua superfície”.19

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Examinando a estrutura geológica do terreno, Barbosa Rodrigues concluiu que outrora o Amazonas corria quase pela
fralda da serra, deixando uma pequena margem onde os índios tinham formado o sernambi. Seguidas enchentes cobriram
essa margem quando já o sernambi estava feito, e, retirando-se, este ficou rodeado de terras de aluvião que formavam
a margem atual. Os diversos deslocamentos com formações e destruições do rio provocaram o aparecimento de ilhas,
e o Aiaiá tomou outro curso e a natureza, novo aspecto.20 No alto da serra da Taperinha, Barbosa Rodrigues encontrou
terras pretas e os mesmos instrumentos de pedra, como machados ou fragmentos de cerâmica que encontrara no
sernambi, o que, para ele, era indício de que os índios que formaram o sernambi eram os mesmos que posteriormente
habitaram o alto da serra.
Nos dois sítios, Barbosa Rodrigues encontrou ossadas humanas, o que o chocou. Ficou na dúvida sobre o porquê
de encontrar ali aqueles restos humanos. Mas não admitiu que aquilo pudesse representar antropofagia. Para ele,
aqueles dois sernambis que pareciam ter pertencido ao mesmo grupo eram muito anteriores a 1500. Sua importância
arqueológica e etnográfica, em geral, era associada a um fato geológico, mas, para ele, tinha uma importância maior,
pois dava luz ao descobrimento do Brasil antes de Colombo.

Sobre a origem do homem americano:


da arqueologia à etnografia, à história

Os trabalhos de Barbosa Rodrigues sobre a arqueologia na Amazônia encontravam-se no centro da discussão


que, na segunda metade do século XIX, ocupava cientistas, geólogos, paleontólogos e arqueólogos, preocupados em
definir a origem do homem. No caso, Barbosa Rodrigues estava preocupado com a origem do homem americano, ou
homem brasileiro. Essa questão estava na base da periodização da História, quando os historiadores buscavam definir
46 o lugar temporal dos diferentes povos da terra, e acabou na divisão entre Pré-história e História.21
Entre os geólogos, a discussão instaurada dizia respeito à idade geológica da formação dos achados que
atestavam a presença do homem na Antiguidade. Barbosa Rodrigues duvidou que o homem no Brasil fosse tão
antigo quanto o Quaternário; afirmou não acreditar que a idade da pedra dos brasileiros fosse anterior à vinda dos
normandos à América no século X, os quais haviam invadido a Amazônia e influenciado a cultura local. Citou Lund
para dizer que este não afirmara que o homem de Lagoa Santa era tão antigo quanto os animais de espécies extintas
que o circundavam, quando encontrou o sítio em Minas Gerais. Citou também Emmanuel Liais, dizendo que este,
analisando apenas uma ossada, ousou afirmar que o homem do Brasil era contemporâneo ao megatherium. Concluiu,
então, que as armas e instrumentos de pedra, historicamente falando, remontavam à alta Antiguidade, mas não
à antiguidade geológica. Discutiu, portanto, a geologia em relação à arqueologia, mas não negou a antiguidade do
homem brasileiro.22
A conclusão de Barbosa Rodrigues sobre a origem normanda dos índios amazônicos foi extremamente criticada, e
uma dessas críticas, de grande repercussão, foi disparada por Silvio Romero que, na História da Literatura Brasileira (1ª
edição 1888), classificou-a de hipótese desastrada.23 No mesmo ano, 1888, Silvio Romero publicou o livro Ethnographia,
um livro que foi dividido em quatro capítulos, cada um deles dedicado a um naturalista que havia tratado da origem do
homem brasileiro. Neste, as críticas a Barbosa Rodrigues estenderam-se a um capítulo inteiro. Os outros três capítulos
foram dedicados a Couto de Magalhães (O Selvagem), Teófilo Braga e Ladislau Netto, todos, aliás, criticados. A visão
desses autores sobre os índios e o seu passado chocava-se com a de Silvio Romero; no caso de Barbosa Rodrigues,
ele discordava dos estudos arqueológicos na Amazônia que o levaram a concluir sobre a origem normanda dos índios;
afinal, Romero era um poligenista.
Na verdade, com esses trabalhos, Barbosa Rodrigues engajou-se e marcou uma posição no debate sobre a origem
do homem americano que, então, era objeto de discussão científica e também política, uma vez que definia a gênese

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da nacionalidade pela história. A questão de escrever a História do Brasil que mobilizava a todos, incluía o problema da
origem do homem do país. Em 1888, Silvio Romero, na História da Literatura Brasileira, confundia a história do país com
a literatura e, baseado nas ciências naturais, afirmava que os índios brasileiros eram originários do “solo americano”,
contrariando aqueles que, como Barbosa Rodrigues, acreditavam na origem nórdica dos povos americanos – o nó górdio
da discussão de Silvio Romero com ele.
Ainda do ponto de vista científico, a discussão sobre a origem do homem, nesta época, passava pelas disputas
entre os darwinistas e não darwinistas. Silvio Romero se dizia um darwinista, mas, sendo um spencenriano, abraçava
uma ideia evolucionista contrária a Darwin. As críticas a Barbosa atingiam também esse ponto, pois Silvio Romero,
poligenista, não admitia a ideia da migração dos índios; para ele, estes eram originários da América. Além do mais, ba-
seava-se nas conclusões da Antropologia, que mostrava a diferença intelectual das pessoas pela diferença das medidas
craniométricas, dividindo-as em superiores e inferiores. Assim, não era possível comparar o intelectual civilizado com o
índio nu. Os argumentos de Silvio Romero tirados da Antropologia davam suporte à sua ideia de história nacional.
Barbosa Rodrigues, numa linha de pesquisa etnológica e arqueológica que negava o evolucionismo darwinista,
defendeu a ideia de imigração dos índios para o Brasil, afirmando que, possivelmente, haviam descido pelas nascentes
do Amazonas, passando pelo Peru ou vindo pelo Norte, pelo canal de Cassiquiare; com isso, haviam trazido certos
traços culturais cuja distinção os restos arqueológicos mostravam. Para ele, através da Arqueologia era possível traçar
evidentes pontos de contato entre os povos primitivos da Amazônia e os do Norte da Europa.
A análise dos sambaquis fundamentaram a sua teoria de que, no Brasil, aqueles montes não seriam de idades
geológicas muito antigas; eram tanto montes naturais, formados pelos berbigões (cf. dicionário: molusco acéfalo),
quanto artificiais, porém, todos eram comparativamente modernos, pertencentes a um período relativamente recente,
o que o fez concluir que tinham sido formados por povos migrantes. Uns e outros mostravam a emersão da costa ou
o deslocamento do rio, ou seja, a transformação da natureza.
A falta de pesquisas arqueológicas, no Brasil, para Barbosa Rodrigues resultara numa arqueologia brasileira estran- 47
geira, pois, até então, era tirada de escritos de estrangeiros, o que ele não podia aceitar, já que somente as pesquisas
de campo davam a dimensão do que, de fato, havia existido. O estudo da Arqueologia – “descurado entre nós” – era
visto como um ramo da História, porém, esta, a partir da Arqueologia, somente mostrava a decadência cultural dos
índios. Para ele, ao contrário, práticas e técnicas demonstravam que ali viveram civilizações superiores, que, no entanto,
haviam degenerado após o contato e a dominação dos europeus, e das suas práticas religiosas. Castro Faria reafirmou
o que dizia Barbosa Rodrigues, cujos estudos deveriam merecer toda a atenção, uma vez que o naturalista possuía
um conhecimento direto e profundo da região amazônica, era versado em arqueologia e etnografia indígena e teve a
oportunidade de examinar pessoalmente diversas jazidas, realizando trabalho original. Sobre o pioneirismo de Barbosa
Rodrigues no registro da ocorrência de montes de conchas nas margens dos rios daquela região, o próprio Barbosa
Rodrigues declarou ao ministro da Agricultura no Relatório de 1872. Na verdade, ao concluírem que aqueles montes
de conchas eram artificiais, os cientistas acabaram por associar as duas ciências, Arqueologia e Etnografia.
De fato, tal associação marcou o trabalho de Barbosa Rodrigues. Ele comparou utensílios antigos e recentes,
e práticas como as de enterramento, observando o quanto mudaram e o quanto a cultura perdera seus referenciais
após a chegada de religiosos e a adoção de práticas de sepultamento cristão.24 Observou que instrumentos de lugares
diferentes indicavam subdivisões da “raça” e que as modificações que fizeram nos seus usos podiam representar a
origem de cada grupo. Da mesma forma, falou sobre as pontas de flechas feitas de sílex (primeiro material empregado)
ou de cristal e, mais tarde, a taquara ou o ferro, como as que usavam os muras semicivilizados. As mais antigas dessas
flechas de sílex tinham sido encontradas na Grécia antiga, estabelecendo, implicitamente, uma continuidade cultural.
Para ele, a Arqueologia era um atestado da cultura antiga tanto quanto a Etnografia retratava a cultura atual.
No Amazonas, como acontecia na Idade Média [europeia], encontravam-se arcos direitos e curvos, que serviam
para empunhar aquelas flechas para combater o inimigo ou para a caça de animais superiores. Sobre os machados de
pedra dos índios da Amazônia, observou que usavam diferentes tipos de machado para diferentes tipos de serviço. Dizia:

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“Os instrumentos de pedra, no Amazonas e para dizer no Brasil, são guias arqueológicos, que só dão luz à etnografia”.25
Demonstrava a forte ligação entre essas ciências: “A arte de então atravessou os séculos nos instrumentos de pedra (...)
Estes rústicos monumentos, desprezados até hoje por nós, servem para atestar às gerações futuras quanto foi grande
a decadência da raça americana, hoje representada por um povo indolente, quase sem arte e sem indústria...”.
Fez explicações detalhadas de como furavam ou entalhavam as pedras. Os machados, no entanto, não haviam
sofrido enormes mudanças desde quando começaram a ser utilizados até os contemporâneos. Os índios do Brasil uti-
lizavam os mesmos tipos de machado há milhares de anos, e a sua forma indicava que havia muita semelhança com
os utilizados pelos normandos – que teriam vindo para a América no século X. Então, Barbosa Rodrigues afirmava: “...
parece fora de dúvida que foram os normandos os mestres dos nossos selvagens”. Disse ele que a um ataque contra
normandos a reação teria sido apenas com flechas, e as massas (uma espécie de dardo) não tinham machados. Disse
também que os índios usavam ídolos protetores de batalhas ou de pescarias, aos quais não tributavam culto. Desses,
ele teria sido o primeiro a encontrar e a descrever um deles: o muiraquitã.
Barbosa Rodrigues mostrou que “... as antiguidades que se encontram, no vale do rio-mar, eram divididas em armas,
instrumentos e ídolos de pedra, cerâmica de uso doméstico, aterros e sernambis ou kjokkenmoddingers, urnas mortuárias
(ygasáuas) e inscrições ou desenhos”, o que atestava a peculiaridade e a diversidade das culturas. Ele discutiu sobre
a antiguidade dos instrumentos de pedra polida que havia encontrado em regiões carboníferas (rio Tapajós, Trombetas,
Yamuda e Yatapu) e terrenos devonianos (distrito de Ererê, em Monte Alegre), mas assinalou que não era possível dizer
se os instrumentos correspondiam aos períodos dos terrenos, sentindo-se impotente para afirmar a antiguidade desses
achados, pois a Geologia vinha afirmando serem os instrumentos de pedra polida anteriores à Gênese bíblica.
Não somente Barbosa Rodrigues ocupava um espaço no campo das ciências naturais, como também tomava posição
em relação à história do Brasil que estava sendo escrita. Para ele, “as antiguidades amazônicas” mostravam que a cultura
que guardavam não era tão pobre quanto transparecia o laconismo, ou mesmo, o silêncio dos “nossos” historiadores.
48 Nesse caso, ele podia estar respondendo às críticas que vinha recebendo, incluindo-se as de Silvio Romero.
Barbosa Rodrigues elaborou uma concepção particular da história do Brasil. Embora “não admitisse a doutrina
evolutiva”, conforme afirmou logo no início do seu trabalho, ao abraçar a causa da origem imigrante dos índios podia
estar contribuindo para confirmar o monogenismo – a origem comum dos seres vivos, ideia cara a Darwin – e, ao
mesmo tempo, afirmar que a história do Brasil começava com os índios. Negava a evolução, mas, admitia uma evolução
degenerativa, dizendo que os índios imigrados vinham de uma cultura superior que desaparecera em função da brutal
exploração colonizadora.
Barbosa Rodrigues andava, portanto, no caminho oposto ao de Silvio Romero. Para este último, o Brasil era resultado
da colonização europeia. Ambos discordavam da origem do homem americano e, consequentemente, tinham visões
opostas sobre o desenrolar da história do Brasil. Para Barbosa Rodrigues, a prática arqueológica, na Amazônia, dera-lhe
a certeza de que o Brasil nascera com os índios que vinham da antiguidade muito anterior à Era colombiana. Sua única
questão dizia respeito à idade daquelas culturas no país e foi criticado, inclusive por Castro Faria, que tanto admirou todo
o resto do seu trabalho. Em última instância, tudo isso evidenciava uma posição política em relação à colonização.

Conclusão

Em seu trabalho, Barbosa Rodrigues manifestou-se contra a maneira colonial de explorar a terra e seus habitan-
tes, o que, para ele, destruía a cultura, ou, pelo menos, a empobrecia. Considerava-a uma exploração predatória. Ao
apresentar a Memória sobre as minas de conchas e observar a destruição dos montes de conchas para produzir cal,
Barbosa Rodrigues afirmou ser aquela prática uma “cobiça da civilização”. Foi a mesma indignação que, mais tarde,
no século XX, impulsionou Castro Faria a lutar pela Lei de Preservação do Patrimônio Arqueológico Brasileiro diante da

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destruição dos sambaquis no litoral de Santa Catarina pelas fábricas de cal.26 Uma relação política, portanto, uniu os
trabalhos dos dois cientistas. Castro Faria pesquisou intensamente a arqueologia e, particularmente, os sambaquis do
litoral sul do Brasil, principalmente em Santa Catarina e no Paraná, trabalhando a Arqueologia como parte da Etnologia.
A partir desse trabalho, ele engajou-se politicamente na campanha pela proteção dos sítios arqueológicos e samba-
quis, destruídos pela exploração econômica e predatória, e obteve êxito, com a promulgação da Lei de proteção aos
sítios arqueológicos em 1961. À época de Barbosa Rodrigues, essa luta não foi cogitada, mas, a preservação de sítios
arqueológicos foi uma questão que muito o inquietou.
O debate sobre os sambaquis – entre os que defendiam se tratar de um fenômeno cultural e os que propugnavam
a sua origem natural, sendo que essa última posição justificava sua exploração impiedosa para fins econômicos – foi
um fio condutor da prática arqueológica brasileira, a sua continuidade histórica, que dominou os dois séculos.
Hoje, tantas décadas depois de todos aqueles estudos e reflexões sobre o fenômeno dos sambaquis, impressiona a
atualidade de muitas daquelas ideias, infelizmente ainda não absorvidas – em particular, as que demonstram a diversidade
sociocultural das populações formadoras da história do país. Ainda hoje, há quem insista na utilização do termo sambaqui
para designar sítios arqueológicos litorâneos resultantes de processos socioculturais muito distintos. Mascara-se, assim,
sob um mesmo rótulo, diferentes fenômenos, na contramão da tendência mundial da disciplina, que, a cada dia, refina
mais e mais suas teorias, métodos e técnicas, bem como sua sensibilidade, para melhor apreender a heterogeneidade
e a diversidade sociocultural das culturas passadas, e, consequentemente, das culturas do presente.

Notas e referências bibliográficas


Heloisa Maria Bertol Domingues é pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins, doutora em História Social pela USP, professora colaboradora do
Programa de Pós-graduação em História, Unirio. Desenvolve pesquisas em História das Teorias e Práticas das Ciências Naturais e História da Antropologia, no 49
Brasil. E-mail: heloisa@mast.br

1 Este trabalho é dedicado à memória de Luiz de Castro Faria e insere-se no Projeto História da Antropologia no Acervo Luiz de Castro Faria, sob minha
coordenação. No seu arquivo (Fundo CF, Arquivo de História da Ciência, Mast), foi encontrado um artigo inédito, intitulado “O trabalho de João Barbosa
Rodrigues” (s/d), em que ele discute exatamente as pesquisas de Barbosa Rodrigues nos sambaquis na Amazônia, artigo que inspirou o presente
trabalho.
2 SÁ, Magali R. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. Revista História, Ciências e Saúde,
Manguinhos, v. VIII (suplemento), p. 899-924, 2001.
3 CASTRO FARIA, L. O trabalho de João Barbosa Rodrigues. Doc. Arquivo de História da Ciência, Mast, s/d. Escreveu ainda sobre os sambaquis: CASTRO
FARIA, L. A formulação do problema dos sambaquis. In: Antropologia – Escritos Exumados – Dimensões do conhecimento antropológico. V. 2. Niterói,
Rio de Janeiro, 2000, p. 187-194; CASTRO FARIA, L. O problema dos Sambaquis do Brasil: escavações recentes nos sítios de Cabeçuda (Laguna, Santa
Catarina). In: Antropologia – Escritos Exumados – Dimensões do conhecimento antropológico. V. 2. Niterói, Rio de Janeiro, 2000, p. 205-212.
4 JAY GOULD, Stephen. A montanha de moluscos de Leonardo da Vinci. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 39;
5 MASSET, Claude. Darwinisme et Prehistoire? TORT, Patrick. (Org.) Darwinisme et Société. Paris, PUF, 1992, p. 651-656. Para o autor, apesar de o lançamento,
em Londres, das ideias de Perthes coincidir com a publicação de A Origem das Espécies de Darwin, ambas as teorias eram paralelas e não dialogavam.
6 LOPEZ-PELAYO, F. ¿’Hombre Terciario’ o precursor humano?: Sílex, Transformismo y los orígenes de la humanidad. DOMINGUES, H. M. B.; SÁ, M. R.; PUIG-
SAMPER, Miguel Angel; RUIZ, Rosaura. (Org.) Darwinismo, meio ambiente, sociedade. Rio: Mast; São Paulo: Via Lettera, 2009, p. 161-176, 169.
7 TRIGGER, Bruce G. História do pensamento arqueológico. São Paulo: Odysseus Editora, 2004, p. 80.
8 Idem.
9 CASTRO FARIA, Luiz de. Virchow e os sambaquis brasileiros: um evolucionismo antidarwinista. DOMINGUES, Heloisa M. Bertol; SÁ, Magali R.; GLICK,
Thomas. (Org.) A recepção do darwinismo no Brasil. Rio: Ed. Fiocruz, 2003, p. 125-143. Luiz de CASTRO FARIA escreveu uma série de quatro trabalhos
sobre a formação da arqueologia no Brasil, dentre os quais a referência acima e três inéditos e inacabados que se encontram no seu arquivo, entre os quais
o citado “O trabalho de João Barbosa Rodrigues”. Segundo Tania Andrade Lima, em 1947, Castro Faria iniciou um trabalho de leitura crítica e de revisão
completa da bibliografia até então existente sobre sambaquis, para corrigir “generalizações descabidas e estereotipias comprometedoras” (LIMA, Tânia
Andrade L. Luiz de Castro Faria, também um arqueólogo. 2009. http//centrodememoria.cnpq.br/publicacoes3.html. Consulta 15/02/2011). Tais artigos,
certamente, constituem resultado de tais leituras.
10 Idem.
11 Em apêndice de seu Antiguidades do Amazonas, Barbosa Rodrigues diz: “ A ciência é cosmopolita, os seus obreiros são irmãos, do concurso de todos nasce
o progresso, por isso devemos trabalhar para que não vivamos sempre como filhos – família na ciência” (p. 71). Sobre a relação de Barbosa Rodrigues com

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Capanema, Magali Romero Sá afirma ter sido muito estreita. Capanema teria sido uma espécie de mecenas de Barbosa Rodrigues (2001).
12 BARBOSA RODRIGUES, J. Antiguidades do Amazonas. Revista Ensaios de Ciência, v. II, 1876. Publicado também em: BARBOSA RODRIGUES, J. Antiguidades
do Amazonas. Rio de Janeiro: Typographia Central, 1879.Sob o mesmo título, Barbosa Rodrigues publicou outros trabalhos resultantes de suas pesquisas
de campo na Amazônia, na Revista Vellosia, que ele criou em Manaus.
13 FERREIRA, L. M. João Barbosa Rodrigues: precursor da etnoclassificação na arqueologia amazônica. Revista de Antropologia, v, 1, n. 1, 2009 (cópia
eletrônica);
14 Nos anos 1940, 1950, Castro Faria, juntamente com o arqueólogo Loureiro Fernandes, engajou-se na luta política pela preservação dos sambaquis e dos
sítios arqueológicos do país, conforme reconheceu Paulo Duarte, que também estava engajado na mesma luta (Duarte, 1968, p.73). De acordo com Tania
Andrade Lima, a luta de Castro Faria pela preservação dos sambaquis e dos sítios arqueológicos começou por volta de 1947 e teve como primeiro resultado
a Resolução n. 289, de 5 de setembro de 1951, emitida pelo Conselho Nacional de Geografia, recomendando aos poderes públicos competentes a proteção
e conservação de grutas naturais e sambaquis. Nessa resolução, foram nominados os mesmos sítios que Castro Faria trabalhava em Santa Catarina, Minas
Gerais (Lagoa Santa) e Saquarema, e ela foi emitida pouco depois de uma conferência sua na Associação de Geógrafos Brasileiros (Lima, 2009).
15 Pelayo, 2009, op. cit.
16 DUARTE, Paulo. Pré-História Brasileira. São Paulo, Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo, 1968, p. 138.
17 L’Archeologie est une science qui commence. Ce n’est que en pénétrant dans les profondeurs de la Terre que vous arriverez à des découvertes vraiment
grandes. Nous n’en sommes qu’à l’épiderme, nous n’avons fait que gratter la superfície et soulever un peu de poussière. (Boucher des Perthes)
18 Embora diga que se tratava de documento antigo, não fez referência à data.
19 Sobre a formação do sambaqui, é interessante a observação feita por Paulo Duarte: “Contou-nos Paul Rivet que, no Chile, teve a emocionante impressão
de ver como se fazia um sambaqui! Sobre uma área extensa, coberta já de cascas de moluscos ali depositadas anteriormente, isto é, sobre uma base já
alta de sambaqui, um grupo de primitivos o recebeu com um banquete constituído de ostras assadas nas brasas de uma grande fogueira acesa no local.
Cada um dos comensais, tomando uma concha, comia o conteúdo e atirava a casca para trás, sem a olhar. Informaram a Rivet que aí enterravam também
mortos”. (Duarte, 1968, p.126)
20 CASTRO FARIA. Op. cit.
21 DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. A noção de civilização na visão dos construtores do Império. Niterói, RJ: IFCH-UFF (Dissertação de Mestrado), 1990.
22 Conforme Paulo Duarte, medições realizadas em meados do século XX, com o método do C14, deram mais de 7 mil anos a materiais de sambaquis do Sul
do Brasil (op. cit. 1968, p.92).
23 ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira. (5 volumes) Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1943 – 3ª. edição, p. 92.
24 Os enterramentos foram, também, uma preocupação de Castro Faria nos seus estudos arqueológicos.
25 BARBOSA RODRIGUES, op. cit., p. 120.
50 26 A luta obteve êxito somente em 1961, quando a Lei n. 3.924 foi promulgada. CASTRO FARIA, L. O problema da proteção aos sambaquis. In: Antropologia-
Escritos Exumados – dimensões do conhecimento antropológico. V. 2. Niterói, Rio de Janeiro, 2000, p.237-298. SIMÕES, Lucieni de Menezes. Elos do
Patrimônio: Luiz de Castro Faria e a preservação dos monumentos arqueológicos no Brasil, Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi – Ciências Humanas,
v. 4, n. 3, setembro/dezembro, p. 421-436, 2009.

[ Artigo recebido em 07/2010 | Aceito em 09/2010 ]

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João Barbosa Rodrigues – cientista ilustrador1

João Barbosa Rodrigues – illustrator scientist

PAULO ORMINDO
ICHS/UFRRJ e ENBT/JBRJ

RESUMO Este artigo analisa a Arte Botânica, como forma de expressão artística e cientifica dentro das ciên-
cias naturais e da história da arte, exemplificado nos desenhos e aquarelas do botânico e ilustrador João Bar-
bosa Rodrigues. Para isto, é abordado alguns conceitos sobre a arte e ciência. A obra e a vida de João Barbosa
Rodrigues são aqui abordados na busca de um entendimento da importância e do esforço no fazer botânico
científico e artístico, em defesa, divulgação e registro do patrimônio ambiental da humanidade tão ameaçado
pelas barbáries da humanidade.

Palavras- chave arte; ciência; botânica; ilustração botânica.

ABSTRACT This article analyzes the Botanical Art as a form of artistic expression and scientific research within the
natural sciences and art history, exemplified in the drawings and watercolors of the botanist and illustrator João Barbosa 51
Rodrigues. For this, we shall address some concepts on the art and science. The work and life of João Barbosa Rodrigues are
addressed in the search for an understanding of the importance and effort in making botanical scientific and artistic, in de-
fense, disclosure and registration of the environmental heritage of mankind as threatened by the barbarity of humanity.

Keywords arts; science; botany; botanical illustration.

Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 22 de junho de 1842, João Barbosa Rodrigues era filho de um negociante
português com uma brasileira descendente de índios. Passou sua infância no Sul de Minas Gerais, em Campanha. Desde
cedo, teve muito contato com a natureza, fascinado pela exuberância e variedade das espécies da nossa flora. Retorna
ao Rio de Janeiro aos onze anos de idade para frequentar o colégio, tendo como mestre Francisco Freire Allemão de
Cisneiros (1797-1874), um talentoso artista e botânico, excelente influência para o jovem Barbosa Rodrigues.
Barbosa Rodrigues teve que lutar desde cedo por melhores oportunidades de educação. Encontrou muitos men-
tores no meio intelectual brasileiro da época e logo começou a expressar seus talentos como escritor aos onze anos,
ao publicar seus primeiros versos, e aos dezesseis, publica um livro de poesias, além de conduzir estudos nos campos
da Linguística, Etnologia, Zoologia e Botânica. Freire Allemão logo percebeu o talento de Barbosa Rodrigues com temas
relacionados à História Natural, levando-o a realizar suas primeiras excursões botânicas nos morros dos arredores do
Rio de Janeiro. Freire Allemão também introduziu o jovem a Guilherme Schuech, barão de Capanema (1824-1908),
que, além de botânico, era político e um dos muitos filhos ilegítimos do imperador Dom Pedro I. Tornaram-se grandes
amigos e dele Barbosa Rodrigues obteve muito apoio, homenageando-o com o gênero Capanemia.2
Terminou seus estudos em 1859, na Escola Central de Engenharia, embora tivesse a pretensão de frequentar a
Escola de Medicina. A morte repentina de seu pai fez com que abandonasse essa ideia em favor do posto de secretário

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do Instituto do Comércio. Em seguida, o barão de Capanema usou de sua influência para obter-lhe um lugar como
secretário, e, logo, como professor de Artes no Colégio Dom Pedro II, tendo estudado, durante esse período, Economia
Política e Desenho Técnico no Instituto de Comércio. Nessa época, Barbosa Rodrigues decide devotar seu tempo ao
estudo das plantas, especialmente das orquídeas, e, mais adiante, das palmeiras.
Freire Allemão teve importante papel no estímulo e encorajamento prestado a Barbosa Rodrigues no que diz
respeito ao aperfeiçoamento de suas técnicas como ilustrador e na participação de expedições científicas.
Em 1871, Rodrigues recebeu uma comissão do governo para explorar o Amazonas, com a intenção de corrigir e
completar a monografia sobre palmeiras, feita por Martius para a Flora Brasiliensis.
Suas viagens pelo Amazonas duraram três anos e meio, durante os quais ele descobriu e descreveu setenta
e duas novas espécies de palmeiras. O resultado desse trabalho foi publicado, em 1875, no seu Enunmeratio Pal-
marum Novarum, e suas ilustrações e observações serviram como base para uma das mais magníficas obras sobre
palmeiras, o livro in-folio Sertum Palmarum Brasiliensium, em dois volumes publicados em Bruxelas, no ano de 1903
(Figura 1).
Viúvo duas vezes, Barbosa Rodrigues casou-se pela terceira vez com Dona Constança Eufrosina da Borba Pacca
(1844-1920), filha de um austríaco, capitão da guarda da Princesa Leopoldina. Além de ter-lhe dado treze filhos, seis

52

Figuras 1 e 1a Ilustrações de Barbosa Rodrigues que compõem o livro: “Sertum Palmarum brasiliensium”, Desmoncus paraensis Barb. Rodr.,
Scheelea corumbaensis Barb. Rodr., S. aniziitziana Barb. Rodr. e S. princips.Karst.

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homens e sete mulheres, nove dos quais nascidos quando viviam em Manaus, Dona Constança o acompanhou em
muitas de suas expedições e também o auxiliou na preparação das ilustrações de orquídeas da Icnographie des orchi-
dées du Brésil. A qualidade e habilidade do trabalho é fenomenal, levando-se em conta as condições difíceis em que
as pinturas foram elaboradas. A descrição do gênero Constantina foi feita por Barbosa Rodrigues em homenagem a
Dona Constança, companheira e esposa.
Decepcionado com o governo em virtude de não ter sido enviado para uma segunda expedição na Amazônia, pede
demissão do serviço público e vai trabalhar na fábrica de inseticidas, propriedade do barão de Capanema, em Rodeio
(atualmente Paulo Frontin). Essa pequena cidade, distante cerca de 86 km do Rio de Janeiro por ferrovia, foi uma sede
temporária para seus estudos botânicos na região, que resultaram na descrição de várias orquídeas e palmeiras novas
para a ciência.
Em 1883, a princesa Isabel cria o Museu Botânico do Amazonas, em Manaus, e Barbosa Rodrigues ocupa a sua
diretoria de 1883 a 1890. Posteriormente, ele a homenageia, dedicando-lhe um novo gênero de orquídea, Isabelia.
Barbosa Rodrigues deixa o cargo para assumir a diretoria do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em abril de 1890.
As exsicatas de suas coleções amazônicas parecem ter sido parcialmente perdidas, entretanto duas espécies do seu
herbário particular foram, até o momento, encontradas:

Infelizmente, além de dois espécimes, o primeiro descoberto por W.A. Rodrigues em 1980 e o segundo,
Cycnoches pentactylon Lindl., descoberto pelo Dr. Gustavo A. Romero no Museu Nacional do Rio de Janeiro
(Cat. Gen. No. 44757 Pará Col. J. Barbosa Rodrigues s.n. –IV- 1881, Det. Barb. Rodr.) não restam traços da
existência do Herbário.3

Foi, porém, uma grande sorte que ele tenha empenhado seu grande talento nas ilustrações das plantas que estu-
dou. As 325 pranchas originais de orquídeas e o livro in-fólio Sertum Palmarum Brasiliensium se encontram depositados
na Biblioteca João Barbosa Rodrigues, no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. 53

Em 25 de março de 1890, o naturalista Barbosa Rodrigues foi nomeado para dirigir o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, apresentando, em junho desse mesmo ano, as sugestões necessárias para o seu desenvolvimento. Relata
ao ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Francisco Glicério, as condições precárias em que a área se
encontrava, destacando:

(...) O local conhecido pelo nome de Jardim Botânico não é actualmente mais que um méro parque de recreio,
não se encontrando ahi a menor base para estudo, quando justamente esse estabelicimento não são creados
senão para escolas praticas de história natural, no ramo a que se destinam. Necessidades palpitantes se offe-
recem, pois, a quem, como eu, foi destinguido pelo governo com a honra de dirigir este estabelecimento.4

Assim, em 23 de junho de 1890, o general Manoel Deodoro da Fonseca, através do Decreto n. 518, determinou
reorganizar o Jardim Botânico, norteado pelos pensamentos progressistas do diretor J. Barbosa Rodrigues. Este
decreto estabelecia:

(...) “dois Herbários” – um destinado às plantas cultivadas no arboreto e outro à flora em geral, cada um
com seu respectivo registro, que representavam, na época, uma catalogação dessas plantas. Além disto,
o decreto determinava que esse acervo fosse constituído de plantas desidratadas, inclusive os frutos,
amostras de madeiras, fotografias e desenhos e ainda, uma coleção em álcool, tanto de frutos quanto de
outras partes da planta.5

Sendo assim, Barbosa Rodrigues estabeleceu, no Museu Botânico, o herbário e a biblioteca, que não existiam, e,
hoje, são os mais importantes do Brasil. Hoje, a biblioteca tem o nome de João Barbosa Rodrigues.

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Ilustrações de Barbosa Rodrigues

Barbosa Rodrigues, como cientista, fez uso da arte para representar seu objeto de estudo, preocupado com a
botânica sistemática, obtendo excelentes resultados estéticos. O valor das suas aquarelas vai além da arte, e, somado
ao da ciência, é inestimável, pois, em virtude de seu herbário ter sido destruído numa catástrofe natural, algumas de
suas pinturas tornaram-se iconotipos, ou seja, as ilustrações valem como referência científica – tipos nomenclaturais,
pois o material original das descrições se perderam, sendo os mesmos substituídos pelos desenhos, reconhecidos pelo
Código Internacional de Nomenclatura Botânica como Lectotipos.6
As ilustrações de orquídeas de João Barbosa Rodri-
gues, completadas no período de 1868-1885, estão entre
os mais importantes documentos sobre as orquídeas brasi-
leiras e, só em 1996, foram publicadas em toda sua íntegra.
A Icnographie des Orchidées du Brésil, publicada por Friedrich
Reinhard Verlag, Basileia, na Suíça (Figura 2), é composta por dois
volumes: um contém as ilustrações e as identificações atualiza-
das, com textos em quatro idiomas – português, inglês, francês
e alemão; o outro volume contém a introdução em francês e as
descrições originais de Barbosa Rodrigues em latim.

54

Figura 2 Ilustração de Barbosa Rodrigues. Coryanthes sp.


Capa do livro “Icnographie des Orchidées du Brésill”, 1996.

A incomparável contribuição do naturalista para


o estudo e conhecimento da nossa flora não se res-
tringe apenas às orquídeas: as palmeiras brasileiras
foram por ele amplamente estudadas e ilustradas,
resultando na magnífica obra em dois volumes Sertum
Palmarum Brasiliensium, publicada no ano de 1903,
em Bruxelas. Essa obra descreve 282 espécies de
palmeiras, sendo 166 novas para a ciência, e contém
174 pranchas, reproduzidas em litografias, ilustrando
os textos. As ilustrações desse esplendoroso trabalho
é bem abrangente no que diz respeito às descrições
das espécies: incluem o aspecto geral da planta em
seu habitat, por vezes associadas a outras espécies
para serem comparadas entre si, detalhes das flores
Figura 3 Sertum palmarum, 1903. Desenhos de Barbosa Rodrigues
e dos frutos (Figura 3). representando o habito e o habitat das palmeiras.

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As orquídeas de Barbosa Rodrigues são o que mais nos
interessa no momento, pois ele foi o primeiro botânico brasileiro
a ter interesse pelas orquídeas nativas do Brasil, tendo descrito
381 espécies e onze gêneros novos no seu trabalho básico
Genera et Species Orchidearum novarum, no período de 1877
a 1882.7 Ele se correspondia com as melhores e mais ilustres
figuras europeias dentro da Botânica, como H. G. Reichenbach,
Cogniaux, Rolfe e Sir. Joseph Hooker.
Infelizmente, Rodrigues nunca publicou as ilustrações de
orquídeas que havia preparado para acompanhar os textos.
Entretanto, algumas delas foram amplamente usadas como
modelos para as gravuras em preto e branco que acompanham
o texto de Cogniaux para a monumental Flora Brasiliensis de
Martius. O tratamento da Flora Barsiliensis sobre as orquídeas
cobre, ao todo, 1765 espécies, distribuídas em 145 gêneros.
Destas, 1455 espécies são nativas do Brasil e 310 ocorrem
também nos países vizinhos. Das 372 pranchas ilustrando 762
espécies em tamanho natural, 267 são cópias dos originais de
Barbosa Rodrigues (Figura 4). Aqui pode estar a resposta para
o surpreendente resultado de Joseph Pohl, na Flora Brasiliensis
Figura 4 Desenho de Barbosa Rodrigues, usado na “Flora Bra- de Martius (Figura 5). Aqueles desenhos possivelmente foram
siliensis” por Von Martius.
baseados também nos de Barbosa Rodrigues.

55

Figura 5 Oncindium crispum Lodd . Uns dos desenho de Barbosa Figura 6 Baptistonia echinata Barb.Rodr
Rodrigues, usado na “Flora Brasiliensis” por Von Martius.

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Parte do trabalho de Barbosa Rodrigues
ficou, por muito tempo, desconhecido, a despeito
de sua real importância, devido à dificuldade de
acesso a suas publicações sobre orquídeas e suas
ilustrações. As ilustrações foram divididas entre
duas instituições em dois países. Cinco volumes
estão no Jardim Botânico do Rio de Janeiro:
o volume I com 78 pranchas, o volume II com
50 pranchas, o volume III com 76 pranchas, o
volume V com 49 pranchas e o volume VI com
72 pranchas, somando ao todo 325 pranchas.
O volume IV está no Herbário Oakes Ames, na
Universidade de Harvard, USA.
As 325 pranchas examinadas, somadas às
da Universidade de Harvard, chegam a 389, apre-
sentando o estudo de 576 espécies – informação
um tanto conflitante, considerando as 1000
ilustrações mencionadas por Barbosa Rodrigues
e seus contemporâneos. Segundo Phillip Cribb e
Antônio Toscano de Brito:

Até o momento não foi encontrada uma


resposta satisfatória a este fato, mas sabe-
se que as pranchas sobreviventes são prin-
56
cipalmente baseadas nas espécies novas
de Barbosa Rodrigues. É possível que as
pinturas perdidas tratassem de espécies
previamente descritas e já conhecidas
para a ciência.8

Um conjunto quase completo de cópias


das aquarelas de Barbosa Rodrigues, feitas no
final do século XIX, encontram-se no herbário
de Orquídeas do Royal Botanic Gardens de Kew,
Figura 7 Zygopetalum pedicellatum (Thumb.) Garay.
Inglaterra. Trata-se das 550 ilustrações que
Lady Thiselton-dyer, esposa do terceiro diretor
do Royal Botanic Gardens, Kew, e filha do segundo diretor, Sir Joseph Hooker, copiou dos originais de Rodrigues para
a coleção de Kew. As cópias servem como referência para os originais que não se encontravam em boas condições
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Podem-se observar a cor e o estado do original que se encontra na Biblioteca
Barbosa Rodrigues (Figura 6), antes e depois da restauração, baseados na cópia que se encontram em Kew, em função
principalmente do ambiente inadequado onde são guardadas.
As condições dos cinco volumes que se encontram no Jardim Botânico do Rio de Janeiro eram precárias, o papel
estava apresentando sinais do ataque de fungos, descolorido e visivelmente danificado em inúmeras pranchas.Em
1996, esses trabalhos foram restaurados na Suíça, por ocasião da editoração dos manuscritos, e hoje se encontram
em melhores condições, mas verifiquei todas as 325 pranchas que aqui se encontram, uma por uma, e constatei que
necessitam de um armazenamento mais adequado, pois já apresentam sinais de acidez, e, se algo não for feito elas
podem voltar às condições anteriores.

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Foram necessários 130 anos para vir à tona toda a obra de Barbosa Rodrigues, inclusive as ilustrações deste
eminente botânico brasileiro. Na introdução de Genera et Species Orchidearum novarum, Barbosa Rodrigues diz:

(,,,) o objetivo que sempre quis alcançar é de reunir e apresentar num só volume todas as espécies brasileiras,
tanto as conhecidas como as novas, fornecendo a origem correta da maioria delas e descrevendo a riqueza
e variedade e o número de espécies desta bela e fascinante família no meu país.9

Ele já havia declarado, em 1877, que suas ilustrações seriam úteis tanto para profissionais como para amadores
da Botânica e horticultores, diz no Avant-Propos da Icnographie des orchidées du Brésil:

Cette Iconographie sera indispensable au savant, á l’amateur et au floriculteur; elle leur inspirera d’autant
plus de confiance qu’ils auront la certitude qu’elle a été fait d’aprés des orchidées vivantes, et non sur des
individus desséchés, conservés dans des herbiers, qui donnent très-fréquemment lieu á des erreurs soit
dans les descripitions, soit surtout dans les dessins. Autant que je l’ai pu, ces erreurs ont été corrigées.10
Rio de Janeiro, 20 Jullet 1877
J.B. Rodrigues

João Barbosa Rodrigues ilustrou quase


seiscentas espécies de orquídeas brasileiras,
e suas pranchas representam uma fonte
fundamental de informações sobre as espé-
cies da flora brasileira. A qualidade dessas
ilustrações, muitas feitas em seu ambiente
natural, o detalhamento das partes florais
e seu colorido exato tornam a coleção obra 57
da maior importância, especialmente como
referência para aqueles interessados nas
orquídeas do Brasil. Mais de 370 delas podem
ser consideradas “material tipo” dos nomes,
uma vez que não foram localizados as plantas
desidratadas que originaram as descrições,
tanto na forma de exsicatas quanto preser-
vadas em meio líquido.
Possivelmente, muitas das áreas on-
de Barbosa Rodrigues coletou amostras,
desenhou e trabalhou, hoje se encontrem
totalmente desfiguradas, não apresentem
mais a vegetação natural, sendo cidades ou
áreas de plantio. Algumas das espécies que
ele ilustrou, são raras ou até mesmo beiram
a extinção. Rodrigues visitou os quatro cantos
do país, desde o Rio de Janeiro e Minas Gerais
até o Amazonas.
Comentário significativo é apresentado
Figura 8 Oncindium crispum Lodd. A inflorescência aqui e cortada para compor a
por Samuel Sprunger, editor da Ignographie prancha em virtude do tamanho da planta e as estruturas internas nas flores são som-
des orchidées du Brésil, sobre as ilustrações breadas com grafite para evidenciar as formas dos calos, que são caracteres mor-
de Barbosa Rodrigues: fológicos importantes para a classificação das espécies neste grupo de orquídeas.

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As ilustrações são ao mesmo tempo raras, originais e de alta qualidade, e, juntamente com os textos des-
critivos, são uma imensa fonte de informação, na qual o autor demonstrou que rigor científico, amor ao
detalhe e beleza artística não são de modo algum incompatíveis. O artista botânico Barbosa Rodrigues, no
entanto, não deve ser comparado aos seus contemporâneos, os impressionistas, que utilizavam a natureza
em seu trabalho para expressar o seu conceito de mundo. Barbosa Rodrigues foi um artista botânico de
alto gabarito, do tipo que ainda hoje é insubstituível em comparação com a melhor fotografia ou imagem
gerada por computador, devido à quantidade de informação que pode ser transmitida através de uma
simples ilustração.11

A qualidade técnica das ilustrações é espantosa, algumas cores se mantêm vibrantes, o desenho é superpreciso,
a aquarela é usada de maneira clara e, por vezes, ele usa o grafite para marcar alguns detalhes. Muitos desenhos estão
“inacabados”, têm partes só com o contorno linear, outras partes pintadas. Os desenhos de Barbosa Rodrigues são
feitos com extrema habilidade: ele realiza parte do trabalho em grafite e parte em aquarela, possivelmente por falta de
tempo ou simplesmente por não ver necessidade de pintar toda a planta. O resultado parece ser intencional. Barbosa
Rodrigues encontrou uma bela solução, que gera um contraste vibrante entre as duas técnicas – aquarela e grafite –,
com extraordinário efeito estético (Figura 7). Por vezes, as técnicas de grafite, aquarela e guache se misturam (Figura
8). Ele era habilidosamente meticuloso, extremamente organizado e seguro nas observações morfológicas das plantas
e nas composições. Não observei nenhum traço de borrão ou rasura em seus trabalhos (Figura 9).
As pranchas feitas por Barbosa Rodrigues podem conter mais de uma espécie representada, podendo chegar
até oito em alguns grupos, como Pleurotalis e Octomeria, devido ao pequeno porte, motivo pelo qual encontram-se
mais espécies descritas do que pranchas
(Figura 10). Entretanto, algumas espécies
já ocupam duas folhas para formar uma
prancha, em virtude de todas as plantas
58 terem sido desenhadas em tamanho
natural. Outras vezes, talvez tenha usado
o recurso de dobrar o ramo floral ou até
mesmo cortá-lo e desenhá-lo em partes
separadas – os detalhes se encontram
com escalas indicando o aumento. Todas
as ilustrações estão assinadas e datadas,
e, em muitos casos, ele fazia observações
que achasse pertinente. O tamanho das
pranchas é de 26 cm x 36 cm e, no caso
das pranchas duplas, de 52 cm x 36 cm.
As ilustrações associadas aos textos
representam uma importante fonte de
informação e registro de espécies que
podem estar ameaçadas ou até mesmo
extintas, sendo considerados o único
elemento sobrevivente do material de
Barbosa Rodrigues. Neles – ilustrações
e textos – vários nomes de orquídeas
brasileiras estão baseados e, além do
valor histórico, científico e artístico que
representam, dentro de suas infinitas pos- Figura 9 Psilochitus modestus Barb. Rodr. É visível a naturalidade das plantas Ilustradas
sibilidades, têm servido aos brasileiros em por Barbosa Rodrigues e o requinte em suas composições.

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duplo sentido: o científico e o político, pois refletem
os percalços que nossos ilustres pesquisadores e
suas pesquisas enfrentam para o desenvolvimento
de uma nação.
João Barbosa Rodrigues faleceu em 1909,
ainda como diretor do Jardim Botânico do Rio
de Janeiro. Beneficiou o estudo da Botânica adi-
cionando com maestria a arte a esta ciência no
Brasil, além de preservar e divulgar as orquídeas,
uma das “joias” nacionais tanto do ponto de vista
artístico como científico. João Barbosa Rodrigues
nos legou inesgotável fonte de informação, sendo
considerado um gênio por uma de suas descen-
dentes, Dilke de Barbosa Rodrigues Salgado:

Gênio, sim, pois somente um gênio aos vinte


e seis anos de idade poderia ter concebido
obra tamanha: a Ignographie des orchidées
du Brésil, a primeira das grandes batalhas
de Barbosa Rodrigues.12

Figura 10 Pleurotalis, prancha contendo


ilustrações de cinco espécies de orquídeas
de um mesmo gênero. 59

Notas e referências bibliográficas


Paulo Ormindo é desenhista botânico. Formado em Gravura pela Escola de Belas Artes da UFRJ, mestre em Ciência da Arte pela UFF, Instituto de Arte e Comunica-
ção Social, Programa de Pós-graduação em Ciência da Arte, e especializado em Ilustração Botânica pelo Royal Botanic Garden Kew-UK. É chefe do Departamento
de Artes e professor de Ilustração Científica, Desenho e Aquarela Botânica no Curso de Licenciatura em Belas Artes do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisa sobre a Arte Botânica no Brasil e é professor do programa de extensão em Ilustração Botânica
da Escola Nacional de Botânica Tropical/JBRJ. E-mail: pormindo@uol.com.br
Agradecimento à biblioteca João Barbosa Rodrigues / JBRJ.

1 O presente artigo é desdobramento de minha dissertação de Mestrado, 2002 UFF, Instituto de Arte e Comunicação Social, Programa de Pós–graduação
em Ciência da Arte. “A Ilustração:sua importância na botânica e na arte” e foi apresentado no “Seminário Barbosa Rodrigues. Um naturalista brasileiro”,
realizado em outubro de 2009, na Escola Nacional de Botânica Tropical/JBRJ.
2 SPRUNGER, S.; CRIBB, P.J.W. e TOSCANO DE BRITO, A.L.V. (Orgs.), João Barbosa Rodrigues, Icnographie des Orchidées du Brésil. Basileia: Friedrich
Reinhard Verlag, 1996.
3 SPRUNGER, S.; CRIBB, P.J.W. e TOSCANO DE BRITO, A.L.V. (Orgs.), João Barbosa Rodrigues, Icnographie des Orchidées du Brésil. Basileia: Friedrich
Reinhard Verlag, 1996.
4 MARQUETE, N. F. da S., CARVALHO, L. d’Á. F. de & BAUMGATZ, J. F. A.de. (Orgs.) O Herbário do Jardim botânico do Rio de Janeiro: Um expoente na história
da flora brasileira. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2001.
5 MARQUETE, N. F. da S., CARVALHO, L. d’Á. F. de & BAUMGATZ, J. F. A.de. (Orgs.) O Herbário do Jardim botânico do Rio de Janeiro: Um expoente na história
da flora brasileira. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2001.
6 GREUTER, W. International Code of Botanical Nomenclature. Königstein, Germany: Koeltz Scintifc Books, 1994.
7 a 11 SPRUNGER, S.; CRIBB, P.J.W. e TOSCANO DE BRITO, A.L.V. (Orgs.), João Barbosa Rodrigues, Icnographie des Orchidées du Brésil. Basileia: Friedrich
Reinhard Verlag, 1996.
12 SALGADO, Dilke de Barbosa Rodrigues. Barbosa Rodrigues uma gloria no Brasil, [1942]).
[ Artigo recebido em 07/2010 | Aceito em 10/2010 ]

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Delimitando as fronteiras: a musealização da botânica

Demarcating borders: the muzealization of botany

LUISA MARIA ROCHA


Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

RESUMO Este artigo propõe uma reflexão acerca da trajetória de construção e transformação do Museu Botânico
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, concebido por João Barbosa Rodrigues, com o intuito de compreender
o processo de musealização dessa área especializada do conhecimento a partir de uma articulação no âmbito
institucional, social e epistêmico.

Palavras-chave Museu Botânico; musealização; vulgarização; informação; exposição.

ABSTRACT This article proposes a reflection on the path of construction and transformation of Botanical Museum
belonging to the Botanical Garden of Rio de Janeiro, designed by João Barbosa Rodrigues, in order to understand the process
of musealization of that specialized area of knowledge from a joint in the institutional, social and epistemic scope.
60
Keywords Botanical Museum; musealization; vulgarization; information; exhibit.

A musealização de uma área do conhecimento pode ser estudada a partir das intenções e estratégias empreen-
didas na concepção e constituição do projeto museológico, que confere uma determinada organicidade significativa
ao todo.1
Ainda que elegendo um patrimônio material capaz de representá-la simbolicamente, a musealização é decorrência
de uma articulação no âmbito institucional, social e epistêmico. A proposta de analisar a “biografia”2 do Museu Botânico
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), concebido por João Barbosa Rodrigues, tem como objetivo apontar alguns
momentos de sua trajetória em que essa articulação não apenas propiciou o processo de musealização dessa área do
conhecimento, mas, sobretudo, definiu a sua matriz gnosiológica.
O Jardim Botânico constitui um “lugar” privilegiado para compreensão da institucionalização do campo disciplinar
da Botânica a partir de um processo de musealização que envolve não somente a formação de coleções ou o inter-
câmbio científico, mas, antes, um determinado olhar museológico, que recorta certo objeto de um contexto social,
político e cultural, e o insere numa rede institucionalizada de práticas culturais com a intenção de sua permanência e
comunicação. Assim, o Jardim e o Museu Botânico de Barbosa Rodrigues constituem uma “construção contextualmente
específica que guarda as marcas de uma contingência situacional, que não pode ser adequadamente entendida sem
uma análise da sua construção”.3

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Aspecto Institucional

“São os jardins e os museus que classificam e determinam os vegetaes de seu paiz, e, só não o fazem
aquelles que não os possuem.”4

No Decreto nº 518 de 23 de junho de 1890, o regulamento proposto pelo então recém-nomeado diretor João
Barbosa Rodrigues estabelecia a missão, os objetivos e a estrutura do Jardim, realinhando-os com a Ciência Botânica,
ao mesmo tempo que delimitava as fronteiras e aplicações dessa especialidade.
O cunho científico da coleção e da instituição foi assegurado pela missão de estudo e classificação dos vegetais
por “methodos scientificos” e pela elaboração do catálogo geral, com a finalidade de realizar intercâmbios com institui-
ções congêneres no exterior.5 Ao definir como foco da coleção viva o cultivo de plantas úteis com emprego na Ciência,
Agricultura, Artes e Indústria, Barbosa Rodrigues apontou áreas de aplicação e interlocução da Ciência Botânica.6
Essa linha conceitual também nortearia a composição do acervo do Museu Botânico, que abrigaria um herbário
a ser formado pelas “plantas cultivadas no parque” e um pela “flora geral”, representados “por folhas, flores, fructos
seccos e em álcool e seus produtos”. A preocupação com a Agricultura7 e a Indústria Nacional teve seu reflexo na
inclusão no acervo de “instrumentos e apparelhos agrícolas e productos industriaes, tirados dos naturaes”. Algumas
máquinas8 e instrumentos eram remanescentes da gestão anterior: “Existindo no jardim grande numero de instrumentos
agrários, convem aproveitar os typos de todos elles e expo-los em salão próprio, entregando as duplicatas ao governo,
sempre deixando as que puderem servir às culturas”.9
Integraria ainda essa coleção amostras de “madeiras de lei”, algumas encontradas pelo naturalista “no lugar
denominado salitre” do Jardim Botânico.10 O acervo11 do Museu Botânico seria exposto nos salões do prédio do “antigo
museu industrial”,12 devidamente identificado, classificado e ordenado sob critérios taxonômicos em novos armários e
vitrines adquiridos em sua gestão. 61
A formação e a organização desse acervo precisariam de profissionais qualificados para realizar desde a coleta
até a ordenação do material. Para tal, o regulamento criou o cargo de naturalista-viajante, à semelhança do Museu
Nacional,13 com essas atribuições, além da responsabilidade pela “conservação do herbário e dos productos que
existirem no museu”.14
Determinado a configurar o Jardim como “lugar” da Botânica Brasileira, Barbosa Rodrigues estabeleceu requisitos
para nomeação ao cargo de diretor, em particular, a “qualidade de cidadão brasileiro” e a “capacidade profissional provada
por trabalhos botânicos que tenham sido aceitos por autoridades scientificas”.15 Seus esforços se direcionaram ainda
para a “vulgarização” da Botânica, com o intuito de despertar o interesse e promover o estudo botânico.
No regulamento de 1890, Barbosa Rodrigues não delimita as fronteiras entre Jardim e Museu Botânico; apenas
designa o segundo como “lugar” das coleções científicas e das exposições, nele anexando ainda a biblioteca, labora-
tório de análises orgânicas e observatório meteorológico. Provavelmente inspirado nos museus de história natural,16
os quais abrigavam em sua estrutura regimental as coleções científicas, estudo, ensino e vulgarização, o naturalista
concebeu um museu de caráter científico apoiado na coleção e no estudo, com uma vertente de instrução17 baseada
na exposição e nos recursos de visualização.
No regulamento de 1904, Barbosa Rodrigues propõe uma mudança regimental delimitando as fronteiras entre
Jardim e Museu, de maneira que ambos fossem complementares na consecução da missão institucional. Essa guinada
objetivava não somente a classificação e determinação dos “vegetaes de seu paiz”, conforme citado na epígrafe, mas
a afirmação da Ciência Botânica praticada no Brasil.
A transformação da concepção do Museu tem início no deslocamento do herbário, da biblioteca e do observatório
para o Jardim, que passaria também a abrigar uma escola botânica, o campo de experiências e viveiros, os refrige-
ratorios, os jardins, o laboratório e o arboretum.18 Esse deslocamento acompanha a tendência iniciada na Europa, no

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final do século XIX, de distinguir as coleções de referência e o trabalho científico da ação de observação e educação
do público leigo.
O Museu Botânico foi então seccionado nas divisões de Botânica e Florestal. Na primeira, estariam reunidas as
coleções de “vulgarização”, “introdução ao estudo da Botânica”, “sistemática elementar” e “flores, frutos e produtos
vegetais”. Essas coleções, organizadas e colocadas “ao alcance do público”, serviriam de “poderoso elemento para os
estudos feitos, ou por particulares ou nas escolas”.19
Ao priorizar a dimensão da vulgarização e educação, o diretor insiste nos desenhos ou modelos como recurso
didático para representar a organização interna e externa das plantas, em especial as estruturas e os fenômenos
fisiológicos. Na análise de Irina Podgorny e Maria Margareth Lopes:20 “uma representação gráfica vale muitas vezes
mais que a melhor descrição”.
A separação entre a coleção de pesquisa e de vulgarização seria efetivada na formação de uma coleção21 extraída
do herbário, dedicada a apresentar a classificação botânica pela representação das principais famílias, por gêneros e
espécies, disposta em volumes encadernados para manuseio do público. Uma coleção de amostras de flores, folhas,
frutos secos e em álcool e sementes seria preparada para “vulgarização”, de forma a evidenciar a lógica do estudo da
Botânica e a organização científica dos espécimes. O caráter científico seria ainda assegurado pela manutenção de uma
única numeração para a coleção do museu e do herbário, com vistas à comparação do material de estudo.22
Na divisão florestal do Museu, as amostras de madeiras estariam agrupadas segundo “os caracteres de cada
uma, sob os pontos de vista technico e botânico”. Isso porque a apresentação de uma série de amostras classificadas
permitiria a comparação e o estudo da Ciência Botânica, ao mesmo tempo que atenderia as necessidades técnicas
utilitárias concernentes à política governamental. Tal coleção compreendia “as madeiras de lei, de marcenaria, de
construção naval e civil” e era complementada por quadros de flores e folhas, testes de resistência e elasticidade,
desenhos microscópicos das estruturas e informação sobre sua procedência.23
62 As amostras dos produtos vegetais brutos, como resinas, gomas, óleos, fibras e aqueles preparados e manu-
faturados seriam exibidas no Museu, juntamente com a coleção de instrumentos agrários.24 A convivência no acervo
museológico de naturalia e artificialia tinha como propósito evidenciar o processo de transformação de uma categoria
em outra e os instrumentos empregados.25
A fronteira entre pesquisa e exposição, coleção de referência e de vulgarização foi ainda delimitada pelo controle do
acesso privado e público. Assim, biblioteca, herbários, viveiros e refrigeratorios eram de “uso privativo do Jardim”.26
A análise dos regulamentos do Jardim evidencia a tentativa de consolidá-lo como “lugar” da Ciência Botânica,
através da musealização dessa área especializada de conhecimento. Em 1890, a musealização da botânica repousava
na formação de coleções para um público especialista e de amadores que buscavam exemplares para pesquisa e es-
tudo comparativo. Em 1904, sem perder seu caráter científico, a musealização se direciona para a apresentação não
exaustiva de uma coleção de vulgarização, contemplando os aspectos educativo e didático necessários ao processo
de transmissão do saber para o público leigo.

Aspecto Social

“A possessão de um museu se equipara a um símbolo de civilização e de estar no mundo de acordo com


o tom dos tempos.”27

O Jardim manteve vínculos sociais pautados em intercâmbios com algumas instituições científicas do país
e do exterior. Os intercâmbios nacionais foram realizados, na sua maioria, a partir de uma rede de colaboradores

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organizada pelo naturalista, com a nomeação de correspondentes nos diversos estados brasileiros encarregados de
remeter plantas vivas e secas, além de produtos naturais e industriais para o enriquecimento da coleção viva, do
museu e do herbário.28
Os intercâmbios internacionais tinham como finalidade a troca de informações científicas, além de plantas e
sementes. Na visão de Maria Margareth Lopes,29 as coleções dos Museus de História Natural se constituíram no “prin-
cipal veículo que garantiu a inserção desses museus no panorama mundial”. Essa afirmação pode ser contextualizada
no Jardim Botânico pela frase de Barbosa Rodrigues no relatório de gestão:30 “torna-se cada dia mais accentuada a
permuta de correspondencia, plantas e sementes, entre a directoria do Jardim Botânico e os chefes de associações
scientificas e jardins dos paizes estrangeiros”.
Na visão de Barbosa Rodrigues, tais relações conferiram à instituição o reconhecimento científico há muito al-
mejado.31 Contudo, para alcançar esse patamar, o naturalista enfatizava a importância das informações e observações
científicas sobre os espécimes da coleção, bem como sua determinação e classificação. Então, os intercâmbios de
publicações científicas possibilitavam atender a demanda de “ordenar a natureza”, na medida em que estas ampliavam
a “capacidade de comparar e classificar coleções e estabelecer prioridades científicas”.32
A rede de intercâmbio nacional e internacional, importante para a consolidação da Botânica no Jardim, trouxe
a reboque o afloramento da personalidade de seu diretor, que, devido à incipiência organizacional da instituição, nela
imprimiu a sua marca pessoal, com força suficiente para influenciar os rumos institucionais em novos contextos culturais.
O próprio modelo de museu, inspirado em instituições europeias, sofreu não somente adaptações às condições locais,
mas também às suas características biográficas.
Os vínculos sociais foram reforçados em viagens e encontros científicos. Em 1903, a ida de Barbosa Rodrigues
para a Europa integrava o que Maria Margareth Lopes33 denominou de uma “tradição de viagens e comentários”,
existentes entre os diretores de museus, que divulgavam seus relatos por meio de publicações. Ao acompanhar a
publicação de seu livro Sertum Palmarum Brasiliensis, o naturalista visitou os principais jardins e museus de história 63
natural. Suas críticas e elogios às instituições europeias são indícios fundamentais na reorganização do Museu
em 1904, com destaque para a transferência das coleções de referência para o Jardim e a ênfase na instrução e
vulgarização no Museu.
A participação do naturalista em conferências e encontros científicos, além de contribuir para a sua reputação
e profissionalização como diretor de um Jardim Botânico, marcava sua atuação na área da Botânica. Complementam
essa rede científica as publicações, principal meio de comunicação do mundo acadêmico, que representavam “entrar na
natureza e nas bibliotecas internacionais”. Isso porque possuir uma coleção de referência e uma biblioteca multiplicada
por livros e imagens significava conectar “a natureza local com a de todo o planeta”.34
No regulamento de 1904, Barbosa Rodrigues evidencia o “lugar” histórico-social de onde construía as bases
de “seu Jardim”. Ao propor uma reestruturação institucional que continuasse a sua “marcha progressiva” e rasgasse
“novos horizontes com mais utilidade para o paiz”, o então diretor definia o seu alinhamento com o contexto científico,
social e político do Brasil Republicano.35 Ordem, progresso e utilidade da ciência para o país perpassavam as ações
de organização da instituição, ao mesmo tempo que patriotismo, dedicação e saber eram requisitos para um “bom
botânico” compromissado com o “inventário” e “estudo” da flora nacional.36 Nesse sentido, o “patriotismo” se referia à
descoberta e valorização das riquezas naturais para enriquecimento da ciência e do país, a “dedicação” à dupla jornada
de trabalho teórica e prática do botânico, e o “saber” envolveria a capacidade comprovada por estudos acadêmicos
com referir científico.
As relações sociais e científicas estabelecidas respeitavam os padrões internacionais, mas tentavam também
romper com a visão centro-periferia entre Europa e Brasil e construir as bases para galgar um “lugar” no “mundo ci-
vilizado”. Como esclarece Margarida de Souza Neves e Alda Lucia Heizer,37 “ser civilizado” significava espelhar-se no
modelo e nas necessidades dos grandes centros, em particular França e Inglaterra.

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Esse “lugar” estava calcado no potencial da instituição de, por um lado, formar coleções botânicas que repre-
sentassem a riqueza da flora do Brasil e, por outro, promover a “instrução pública” baseada em estimular o espírito
científico a partir da observação, estudo e comparação. O objetivo maior residia no processo de formação cultural que,
baseado nas disciplinas especializadas das ciências naturais, visava consolidar valores “universais” ressignificados
pelas especificidades locais.
A criação de um Museu Botânico também refletia o desejo do naturalista de inserção no mundo civilizado. Ao
implantar uma determinada visão de ciência e vulgarização, Barbosa Rodrigues assumiu algumas posições no panora-
ma das discussões nacionais, em particular, sobre a importância da instrução pública nos museus e jardins botânicos.
O naturalista entendia a vulgarização não apenas como “colocar a ciência na vida das pessoas”,38 mas também com o
objetivo pedagógico e formador.39 Tal qual o biólogo francês Louis Couty (1854-1884), o diretor propõe uma vulgarização
científica voltada ao público ilustrado, qualificado como botânicos, estudantes e amadores interessados em estudar,
descrever e comparar a flora nacional.
A instrução pública, então, estava baseada no arranjo sistemático das coleções e sua classificação científica, para
que o visitante aprendesse a “ordem da natureza”. Nesse caminho, o Museu não apenas instruía, mas apresentava a
própria “civilização”, com vistas a sua finalidade educadora – a promoção do “processo civilizatório”.40

64

Figura 1 O diretor do Museu Botânico João Barbosa Rodrigues em seu gabinete. (Acervo Museu do Meio Ambiente/JBRJ)

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Aspecto epistêmico

“Paiz que possue uma flora como a nossa, precisa dar elementos que formem botanicos para que se não
appareça o facto de serem nossas plantas conhecidas só por trabalhos de botanicos estrangeiros.”41

No século XIX, a consolidação da História Natural como ciência se deu sob a premissa da “purificação” dos objetos,
baseada na neutralidade dos procedimentos descritivos da natureza e no seu ordenamento segundo critérios lógicos
de classificação, então apoiados nos seus traços comuns. Naquele momento, o local de reunião destes “documentos”
passa a ser o das coleções, em especial, a dos herbários e jardins botânicos.42 Mudando a lógica do conhecimento
enciclopédico e extensivo característico do colecionismo, o museu moderno procura as leis universais que “regem a
regularidade da natureza” e, com isso, associa sua constituição a diferentes projetos intelectuais: “a ordem reinante
nas coleções deriva da ordem que se atribui à Natureza”.43
Nos jardins botânicos, assim como nos museus de história natural, o sistema de classificação do botânico Lineu,
de 1735, passou a ser o princípio que organizava os objetos, tanto na coleção quanto na exposição ao público. Os es-
paços institucionais se constituíram nos locais de celebração da ciência moderna e acompanharam o desenvolvimento
da produção do conhecimento na História Natural44 e de suas especializações.45
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que, na sua criação, objetivava o desenvolvimento de técnicas de aclimatação
de espécies exóticas, aos poucos foi incorporando o papel da pesquisa em ciência, em particular na área da Botânica.
Ao assumir esse papel em 1890, Barbosa Rodrigues promoveu um alinhamento com as concepções de ciência e
coleção, então vigentes, reorganizando e classificando os acervos, redefinindo a informação científica disponibilizada
e requalificando o seu público.
A informação associada ao objeto tornou-se um “certificado” de procedência46 para seu ingresso na coleção e, somada
65
àquelas advindas da identificação, classificação e propriedades técnicas utilitárias, atuava no museu como instrumento
educativo de um público interessado no estudo e instrução científicos. Contudo, como afirmam Podgorny e Lopes,47 o
caráter útil da coleção não advinha da função pública, mas de sua origem certificada e de sua finalidade científica.
A classificação taxonômica determinou a organização das coleções e forneceu as bases da informação científica
apresentada no Museu. A coleção especializada seguia a “lógica intrínseca” de sua série natural específica, baseada
na organização por critérios morfológicos.48 Esse critério influenciou o uso de recursos de visualização nas exposições,
nos quais desenhos, modelos e fotografias possibilitavam observar detalhes da estrutura vegetal de difícil percepção
ao olhar humano, em particular, aquele não treinado.
No processo de configurar o Jardim Botânico como o “lugar” da Ciência Botânica, Barbosa Rodrigues sobrevalorizou
a atividade de lazer na sua análise da gestão anterior49 para, em seguida, propor criticamente a ruptura com este modelo
e o início de um direcionamento para a ciência e sua especialização. Assim, não se tratou de um “novo” caminho para
o Jardim, mas, antes, a adequação da instituição às concepções científicas vigentes, marcadas também pela trajetória
biográfica de seu diretor e pelas necessidades decorrentes de seu vínculo político-administrativo.
A criação de um museu, no panorama nacional, conforme análise de Maria Margareth Lopes, encontrava-se
favorecida pelo crescimento do número e da importância científica e social dos museus relacionados às Ciências
Naturais, em função da “consolidação de diferentes elites locais e de iniciativas científicas regionais”, do “surto de
desenvolvimento material do país” e da “valorização da ciência como prática concreta e como instituição social”. No
âmbito internacional, os museus ganhavam força com as mudanças das Ciências Naturais em direção à “expansão
de diferentes áreas disciplinares e instituições científicas e pelo incremento da especialização e profissionalização dos
técnicos e cientistas”.50
A conjuntura nacional e internacional do final do século XIX, associada à formação de uma grande rede de
intercâmbios científicos de museus de história natural e jardins botânicos, permite compreender tanto a proposta de

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criação do Museu quanto a escolha arrojada por uma área disciplinar capaz de consubstanciar a imagem do Jardim
como o “locus” da Botânica, a despeito da visibilidade e da importância já alcançadas pelo Museu Nacional nessa
área do conhecimento. Na visão de Podgorny e Lopes,51 a “criação de cada um destes estabelecimentos ignorava a
existência de outros e almejava se consolidar, seu funcionamento se caracterizaria pela competência interinstitucional
de obter recursos do Estado”.
No contexto da institucionalização das ciências no Brasil, identificamos, na iniciativa de Barbosa Rodrigues, a busca
pela apropriação e delimitação de espaços institucionais que propiciassem não somente a consolidação da ciência, mas
da própria comunidade científica. Nesses espaços, tentava-se plasmar determinadas concepções científicas voltadas
para especificidades de um campo disciplinar.
Assim, a proposta de institucionalizar e consolidar a área Botânica no país definindo seu locus no Jardim adquire
um cunho estratégico sob o ponto de vista institucional, social e epistêmico, na medida em que delimita as fronteiras
disciplinares, estabelece uma rede social e científica e fortalece uma determinada visão de ciência, direcionada para a
formação e estudo das coleções, sob o viés taxonômico e sistemático, e para o ensino e a “instrução pública” de uma
determinada especialidade.
A Taxonomia tornou-se, então, um dos pilares do Jardim Botânico no conhecimento da flora, como explicitado
em um comentário do diretor:52 “que nos importa a nós, que temos uma flora gigante e quasi desconhecida, a orga-
nização de uma cellula vegetal e a sua transformação, si não conhecemos muitas vezes empiricamente o vegetal a
que ella pertence?”.
Defendendo o levantamento da nossa diversidade vegetal pelos cientistas brasileiros, a epígrafe de Barbo-
sa Rodrigues é um alerta para a necessidade de consolidar a botânica brasileira institucionalmente, através de
relações políticas, científicas e sociais que propiciem a formação de novos cientistas para a tarefa de conhecer a
nossa flora nacional.
66

A musealização da Botânica

“Dicotomia entre pesquisa e ensino, traduzida pela separação de coleções de estudo e coleções de exposição;
(...) museus complexos ou museus especializados; maior ou menor valorização dos aspectos educativos
para amplos públicos, esses foram os aspectos específicos, locais, que assumiram as questões centrais em
que se debateram os museus em todo o mundo na transição do século.”53

Os museus se definem em função da sua matriz gnosiológica, que envolve não somente as teorias do conhecimento
e da aprendizagem,54 como também a de comunicação e informação, essenciais para a reflexão acerca da relação
ciência e público. Nos diferentes contextos históricos e sociais, tanto as áreas do conhecimento quanto as teorias
que compõem essa matriz sofreram variações em função dos paradigmas vigentes, das perspectivas dos profissionais
envolvidos e da interpretação e apropriação das práticas teórico-metodológicas.
A proposta do Museu Botânico pode ser analisada como uma abordagem sistemática tanto na representação
quanto na organização museológica, na medida em que a museografia evidencia a estrutura da Ciência Botânica e
os seus procedimentos na classificação da flora. Como uma construção de ordem cultural, as regras que operam a
construção do espaço museal são decorrentes da racionalidade da época, eminentemente taxionômica.
No âmbito da representação, prevaleceu uma relação de apropriação simbólica do representado que “implica
um movimento de tradução do outro para uma ordem e um sentido compatíveis com o mundo do sujeito que repre-
senta”, e nesse sentido, no Museu e Jardim Botânico, operou-se a encenação da “subordinação da natureza à ordem
sistemática da ciência”.55

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O regime museológico56 predominante pode ser denominado de “espelho epistêmico”, uma vez que organiza e
apresenta a musealia como a textualidade material da teoria sistemática científica. Tal regime apoia-se na associação
triangular de “ciência”, “natureza” e “verdade”, tornando os termos intercambiáveis e dissolvendo a fronteira entre
os museus de ciência e da natureza: “Através da prática da ‘pura descrição’, a ciência coloca um mundo existente
‘objetivo’, que não contempla o específico”.57
A informação é concebida em função da sua adequação a um visitante ideal. A busca pelo “homem civilizado”,
que domina um amplo espectro de assuntos, temáticas e referências, tem seu escopo e abrangência relacionados a
uma determinada visão e posição social do que seria “cultura” e, portanto, do que seria “ciência”.58
Na apresentação da informação, delimita-se o conteúdo a ser transmitido e trabalha-se linearmente a sua or-
ganização lógica em grau crescente de complexidade, dando ênfase às regras universais consideradas como “verda-
deiras” em qualquer contexto histórico-social. O conhecimento museografado consolida e institucionaliza os domínios
disciplinares, cabendo ao sujeito a assimilação por adição dessa estrutura de caráter científico que independe do seu
contexto espaçotemporal.
Nas vitrines do Museu Botânico, “naturalia” e “artificialia” conviviam para evidenciar o processo de transformação
técnico-científico das categorias. Segundo Francesco Panese,59 a história da apresentação da “naturalia” está associada
às teorias científicas dominantes, materializadas nos arboretos ou nas vitrines dos museus. Assim, na visão de Barbosa
Rodrigues, conhecer a natureza e as possibilidades de sua aplicação definia os objetivos museológicos traçados a partir
da sua visão de Ciência Botânica.
O momento-chave para a compreensão da influência dos paradigmas vigentes na matriz gnosiológica dos museus
foi a dissociação entre coleção e exposição, que tem como pano de fundo a preocupação com a didática dos museus
do século XIX . Bragança Gil60 atribui essa dissociação a dois momentos de transformação da lógica na produção do
conhecimento, no âmbito da História Natural e da própria Museologia. Foram eles: a obra de Charles Darwin, que
promoveu o estudo sistemático dos objetos de coleção e a sua apresentação segundo os critérios dos três reinos da 67
natureza, e a teoria museológica de Mobius,61 que propiciou as bases para a separação entre os princípios de organiza-
ção e representação da coleção, orientados pela investigação, e da exposição, baseados na apresentação de objetos
representativos ou na reprodução para um público leigo. Van Praet acrescenta que as teorias sintéticas da ciência,
como a de Charles Darwin, introduziram ainda a exposição temática e o enfoque didático.62
No Museu Botânico, a dissociação entre coleção e exposição não se processou na sua radicalidade, como no
caso das exposições temáticas ou dos dioramas.63 Os objetos presentes na exposição eram selecionados de acordo
com a lógica do estudo da Botânica, e a organização dos espécimes se baseava nos conteúdos e procedimentos dessa
ciência. Percebemos então que as especificidades locais, como o olhar circunstanciado64 dos profissionais e a própria
interpretação e apropriação das práticas teórico-metodológicas, podem determinar a adoção, ou, mesmo, o grau de
aceitação das mudanças paradigmáticas.
A proposta de Barbosa Rodrigues caminhou em direção à perda da característica de um museu de acervo de
referência, para transformar-se em um acervo de “vulgarização”, entendido naquele momento como instrução e difusão
científica. A própria coleção para exposição, ainda que “objeto autêntico”, passou a ser formada para a aprendizagem
pela comparação, um objetivo didático-científico preocupado em expor detalhes morfológicos para os visitantes/alunos.
Da mesma forma, a exposição da coleção herborizada em livros, uma espécie de “biblioteca de espécimes naturalizados”
para o “manuseio do público”, implica supor uma preocupação do naturalista com a dimensão educativa de difusão da
disciplina Botânica. Assim, delimitou-se o espaço do saber: “A diferença entre quem sabia olhar as coisas e de quem
devia ser guiado e educado dentro do espaço do museu”.65
O recurso didático de utilização de desenhos e modelos explicativos na apresentação da estrutura das plantas
revela ainda a constituição de um saber museológico, que, segundo Podgorny e Lopes,66 busca “técnicas de apresen-
tação dos objetos para condicionar, dirigir e educar os modos de ver”, tornando “aparente uma estrutura distante de
nossos olhos, escondida atrás dos objetos”.

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O olhar museológico de Barbosa Rodrigues buscava “reter um tempo ou um lugar ideal”, como mencionado por
Heizer,67 através das coleções organizadas sob princípios sistemáticos, de forma que, através da musealização do
objeto tanto disciplinar quanto material, consagrava-se como “valor universal para a humanidade” uma determinada
visão de ciência e natureza.
Esse “lugar ideal” se desdobra num “lugar” institucional, social e epistêmico, delimitado pelas fronteiras discipli-
nares da especialização, articulado à rede social da comunidade científica de museus e jardins botânico e configurado
com a coleção especializada de referência e vulgarização. Mais do que isso, um “lugar” social representativo de uma
determinada comunidade científica, associado a uma visão de ciência que “enquadra” objetos e práticas ao tempo
que cumpre o papel de pesquisa e instrução pública. E um “lugar epistêmico” para celebrar uma determinada visão e
prática científica, legitimar e profissionalizar o “modus vivendi” de um segmento da sociedade.
O título “Delimitando Fronteiras: a Musealização da Botânica” tem o objetivo de provocar uma reflexão acerca
do processo de musealização, não de um objeto material, mas de uma área especializada do conhecimento. Como
esclarece Mario Chagas,68 “a musealização implica seleção, arbítrio e atribuição de valores”. Deste olhar, resulta uma
“musealidade” pela atribuição de sentido ao objeto musealizado. Neste artigo, o objeto foi definido por olhar circuns-
tanciado sobre a Ciência Botânica que, através da operação de “delegação”,69 transferiu para o objeto material exposto
a atribuição do sentido.70
Se entendermos que a musealidade
resultante do processo de delegação é
decorrência desse olhar original sobre o
patrimônio, então, o museu constitui um
sistema ritualizado de ação social com
base no patrimônio musealizado, que
68 “reproduz o regime semiótico com que
os grupos hegemônicos o organizaram”.71
A interpretação do patrimônio estaria
apoiada num “repertório fixo de tradições”,
que cristaliza uma posição hierárquica nos
museus, definindo unilateralmente a
comunicação e informação, excluindo e
segmentando o seu público.
Se entendermos que a musealidade
resultante do processo de delegação é
decorrência de um conjunto de “saberes,
valores e regimes de sentido” colocados
em jogo na exposição com um fluxo
próprio que articula o tempo – presen-
te/passado/futuro – num compromisso
comunicacional que promove a reflexão e
formação de identidades sociais, então, o
museu é um sistema processual de ação
social e o patrimônio é trabalhado na sua
dimensão de devir, na medida em que lida
Figura 2 Francisco de Albuquerque, ajudante secretário do diretor do Jardim Botânico,
com processos de significação inscritos
ao lado de uma vitrine da carpoteca do Museu Botânico. em diferentes tempos e espaço, em con-
(Acervo Museu do Meio Ambiente/JBRJ) textos culturais diversificados.

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As duas perspectivas de patrimônio têm, atualmente, seu reflexo nos museus e suas exposições, espaços de
institucionalização de determinadas visões epistemológicas, que podem tanto avançar no seu entendimento como um
movimento de devir, quanto consolidar o seu caráter cristalizado, fragmentar e de transmissibilidade.
Ao refletimos sobre a biografia do Museu Botânico de Barbosa Rodrigues, percebemos o esforço na construção de
um museu especializado, voltado ao campo disciplinar da Ciência Botânica, com uma coleção científica de referência,
mas que também contemplava outras demandas institucionais. A escolha desse acervo buscava fixar uma “tradição”
científica, ainda incipiente do ponto de vista da especialização, e, por isso mesmo, acabava sendo abrangente como a
própria formação de naturalista de seu diretor.
No entanto, ao analisarmos o processo de musealização e a sua articulação no âmbito institucional, social e
epistêmico, estamos tentando restabelecer um fluxo próprio que coloca em jogo os limites disciplinares, a coleção,
a visão e personalidade de um cientista, de forma a propiciar a reflexão e a abertura a novos regimes de sentidos,
capazes de propiciar os processos de transformação e rupturas necessários para superação de um olhar cristalizado
e de um museu celebração.

Notas e referências bibliográficas


Luisa Maria Rocha é doutora em Ciência da Informação pela UFF-IBICT. Atua como museóloga no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e
desenvolve pesquisas sobre museus, jardins botânicos e divulgação científica. E-mail: luisa@jbrj.gov.br
Agradecimentos a Alda Heizer, Magali Romero Sá, Maria Margareth Lopes e Rosana Simões Medeiros.

1 PANESE, Francesco. O significado de mostrar objetos científicos em museus. In: Conferência do Cimuset no Brasil, 34, 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de
Janeiro, 2006. CD-ROM.
2 Francesco Panese define biografia como a “trajetória de construção e transformação”. (PANESE, 2006)
69
3 KNORR-CETINA, K. The manufacture of knowledge: An essay on the Constructivist nature of sciencie. Pergamon press, 1981.
4 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.47.
5 BRASIL. Decreto 23 de junho de 1890. Reorganiza o Jardim Botânico. Lex: Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, p. 1408.
6 Ibid., p. 1407.
7 O Jardim estava vinculado ao Ministério de Estado de Negócios, da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
8 João da Silveira Caldeira, membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (Sain) evidencia a importância das máquinas agrícolas para o país:
“Enquanto a nação que tira os seus recursos da terra que a sustenta não chega ao estado da indústria, que podemos considerar como o terceiro período
do aperfeiçoamento social, e que constitui a verdadeira independência política, é de interesse desta nação introduzir todos os aperfeiçoamentos possíveis
nos diferentes ramos de indústria nacional por mais rara que ela seja, e principalmente na prática da agricultura e na preparação dos seus diversos produtos
a fim de possuir a vantagem de dar menos e receber mais ...”. LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências
naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.73.
9 RODRIGUES, João Barbosa. Exposição sobre o Estado de Necessidades do Jardim Botânico. 12 de junho de 1890. Publicado em 1893. Rio de Janeiro, p.11.
10 Ibid.
11 A composição desse acervo assemelha-se à do Museu Nacional, assim descrita por Lopes (1997, p.234): “... As plantas dessa seção estavam representadas
por suas folhas e órgãos reprodutores (...) frutos secos eram expostos nos armários, os carnudos imersos em álcool e as sementes conservadas em
frascos de vidros. A seção ainda possuía uma importante coleção de madeiras do Brasil, todas classificadas...”. LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre
a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, 369 p.
12 Em 1876, foi aprovada a construção do prédio do Museu Industrial, destinado a objetos dos três reinos da natureza. Em 1877, o museu, agora denominado
Museu Agrícola Industrial, é descrito com seis salões, compartimentos para estudo e um lugar próprio para biblioteca. Em 1888, o edifício destinado ao
museu passa por uma reforma e abriga “um laboratório analytico”, além do almoxarifado, guarda de coleções e outros serviços” (Brasil, 1888, p.48).
BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatorio [do ano de 1888] apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil... no anno de 1888. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888.
13 Desde 1875, o regulamento do Museu Nacional previa a inclusão formal de naturalistas viajantes no quadro de funcionários. LOPES, Maria Margareth.
O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.161.
14 BRASIL. Decreto 23 de junho de 1890. Reorganiza o Jardim Botânico. Lex: Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, p.1408.

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15 Ibid., p.1409,1410.
16 Os museus de história natural eram “instituições destinadas à recolha, conservação e estudo de espécimes que permitiam fazer a investigação e o estudo
sistemático da natureza”. MARANDINO, Martha. O conhecimento biológico nos museus de ciências: análise do processo de construção do discurso
expositivo. 2001. 435 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001, p.33.
17 Barbosa Rodrigues utiliza o termo instrução aludindo ao processo comunicacional de transmissão de conhecimento.
18 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.49.
19 Ibid., p.53.
20 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.237.
21 “A classificação das plantas será apresentada em uma collecção tirada do herbário que represente as principaes famílias por gêneros e espécies, em
volumes encadernados para fácil manuseamento e não haver estragos, ou em pastas por gêneros. Amostras de flores, folhas, fructos seccos e em
álcool, sementes, serão collecionados e terão a mesma numeração da do herbário para fácil confronto do estudo”. RODRIGUES, João Barbosa. Noticias
sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação e Obras Públicas. Rio: Imprensa
Nacional, 1904, p.54.
22 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.54.
23 Ibid.
24 Ibid.
25 “O processo e methodo de extracção e preparação, e os productos preparados, os utensis e machinas empregados para esses fins, de maneira que o
visitante segue com as vistas a transformação que se opera desde o estado bruto do vegetal, ate o mais aperfeiçoado”. RODRIGUES, João Barbosa.
Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação e Obras Públicas. Rio:
Imprensa Nacional, 1904, p.15.
26 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.54.
27 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.12.
28 Em 1893, contava o Jardim com 20 correspondentes distribuídos em 11 estados. BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatorio [do ano de 1893] apresentado
ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil... no anno de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893. p.26.
29 LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.297.
30 BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatorio [do ano de 1897] apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil... no anno de 1897. Rio
70 de Janeiro: Imprensa Nacional, 1897, p.20.
31 “O apreço, em que é tida esta instituição scientifica, revela-se pela correspondência que entretem e pelo empenho que os centros de estudos congêneres
manifestam em possuir dados e informações a seu respeito”. BRASIL. Ministério da Agricultura. Relatorio [do ano de 1895] apresentado ao Presidente da
República dos Estados Unidos do Brazil... no anno de 1895. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895, p.42.
32 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.117.
33 LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.224.
34 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.117.
35 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.48.
36 Ibid.
37 HEIZER, A. L.; NEVES, M. S. A Ordem é o Progresso. O Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual Editora, 2004, p.14.
38 Bensaude-Vincent analisando o processo de vulgarização no século XIX, afirma que este tinha como objetivo “colocar a ciência na vida das pessoas” e,
assim, inserir-se no âmbito político, econômico e literário. BENSAUDE-VINCET, Bernadette. Um public pour la science: l’essor de la vulgarisation au XX e
siécle. Reseaux, Mons, BE, n. 58, 1993, p. 49-65.
39 O cientista francês Louis Figuier entendia que a vulgarização tinha como objetivo não apenas colocar a ciência como o centro do sistema cultural, mas
provar sua característica pedagógica e formadora. BENSAUDE-VINCENT, Bernadette. A Genealogy of the increasing gap between science and the public.
Public Understanding of Science, Bristol, GB, v. 10, 2001, p. 99-113.
40 HEIZER, A. L.; NEVES, M. S. A Ordem é o Progresso. O Brasil de 1870 a 1910. São Paulo: Atual Editora, 2004, p.14.
41 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.45.
42 MARANDINO, Martha. O conhecimento biológico nos museus de ciências: análise do processo de construção do discurso expositivo. 2001. 435 f. Tese
(Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001, p.35,36.
43 KURY, Lorelai Brilhante; CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Ordem e natureza: coleções e cultura científica na Europa moderna. Anais do Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro, v.29, 1997, p.58.
44 Maria Margareth Lopes esclarece que os termos História Natural e Ciências Naturais conviveram de forma não claramente diferenciada na literatura
dessas áreas. LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997,
p.78/79.
45 Ibid, p.15,16.
46 No regulamento de 1890, Barbosa Rodrigues menciona que as “plantas vivas e seccas, fructos, sementes e productos vegetaes” fornecidas pelos

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correspondentes deveriam estar acompanhadas de “informações e observações sobre os mesmos”. BRASIL. Decreto 23 de junho de 1890. Reorganiza o
Jardim Botânico. Lex: Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, p.1408.
47 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.207.
48 KURY, Lorelai Brilhante; CAMENIETZKI, Carlos Ziller. Ordem e natureza: coleções e cultura científica na Europa moderna. Anais do Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro, v.29, 1997, p.79.
49 A gestão anterior à de João Barbosa Rodrigues era do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura.
50 LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.153.
51 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.12.
52 RODRIGUES, João Barbosa. Noticias sobre alguns jardins botânicos da Europa. Relatório apresentado ao exmo Sr. Ministro Lauro Muller. Ministro de Viação
e Obras Públicas. Rio: Imprensa Nacional, 1904, p.45.
53 LOPES, Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Huitec, 1997, p.302.
54 George Hein (1995, p.22) define a matriz gnosiológica a partir de dois eixos: conhecimento e aprendizagem. HEIN, George. Constructivist learning theory:
The Museum and the needs of people. In: International Committee of Museum Educators. Conference. Jerusalém, Israel, 15-22 October 1991. Disponível
em: <http://www.exploratorium.edu/ifi/resources/constructivistlearning.html>. Acesso em: 15 jan. 2007, p.22.
55 GOMES, Helder. Missão Botânica - Transnatural: [Catálogo da Exposição]. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2006, p.108.
56 Regime museológico: a totalidade das técnicas que organizam as relações espaciais, sociais e epistêmicas entre os agentes humanos e não-humanos de
cada exposição, isto é, os objetos, os lugares, os espaços, os autores e os diferentes públicos. O conceito de “regime museológico” permite a compreensão
de algumas tipologias de museus e suas matrizes. PANESE, Francesco. O significado de mostrar objetos científicos em museus. In: Conferência do Cimuset
no Brasil, 34, 2006, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2006. CD-ROM.
57 PANESE, Francesco. Les régimes muséologiques dans le domaine des sciences. In: COLLECTIF. Sciences au muse, Sciences nomads. Genebra: Georg
Éditeur, 2003, p. 8,9.
58 HOOPER-GREENHILL, E. Museum, media, message. London: Routledge, 1995, p.68.
59 PANESE, Francesco. Les régimes muséologiques dans le domaine des sciences. In: COLLECTIF. Sciences au muse, Sciences nomads. Genebra: Georg
Éditeur, 2003, p. 16.
60 GIL, Fernando Bragança. Museus de ciência: preparação do futuro, memória do passado. Colóquio ciências. Revista da Cultura Científica, Lisboa, n 3, p.
72-89, out. 1988, p.75.
61 Mobius foi curador do Museu de Zoologia de Kiel, na Alemanha, e cunhou essa teoria em 1891.
62 Van Praet (1995, p.60, apud MARANDINO, 2001, p.40). MARANDINO, Martha. O conhecimento biológico nos museus de ciências: análise do processo de
construção do discurso expositivo. 2001. 435 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
63 Dioramas: objetos preparados didática e artisticamente para apresentar uma visão sintética ecológica. Não evidencia os procedimentos de pesquisa 71
científica (VAN PRAET, 1995, p.62 apud MARANDINO, 2001).
64 Olhar circunstanciado: a qualificação deste olhar advém da sua inserção e articulação em três dimensões: a específica, referente ao olhar individualizado; a
local, referente ao compartilhamento de idéias e concepções com uma comunidade científica; e a internacional, referente à validação e consubstanciação
deste olhar numa rede social e científica.
65 PODGORNY, Irina; LOPES, Maria Margareth. El Desierto em una Vitrina: Museos e Historia Natural em La Argentina. México: Limusa, 2008, p.23.
66 Ibid., p.22.
67 HEIZER, Alda. Observar o céu e medir a terra: Instrumentos científicos e a participação do Império do Brasil na Exposição de Paris de 1889. 2005. 204 f.
Tese (Doutorado em Ensino e História das Ciências da Terra) - Unicamp, Programa de Pós-graduação em Ensino e História das Ciências da Terra, 2005,
p.158/166.
68 CHAGAS, Mario. Museália. Rio de Janeiro: JC editora, 1996, p.91.
69 A mediação como significado da transposição de fronteiras entre signos e coisas envolve também a operação que Latour (2001, p.217) denomina de
delegação. Essa operação pode modificar tanto a forma quanto a substância de nossa expressão, e produzir significado pela articulação que atravessa a
fronteira racional entre signos e coisas. Na operação de delegação, não ocorre somente um desvio com a translação de objetivos e funções, mas também
a alteração da própria substância expressiva.
70 LATOUR, Bruno. A esperança de pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos científicos. Bauru: Edusc, 2001, p.217.
71 CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p.169.

[ Artigo recebido em 05/2010 | Aceito em 08/2010 ]

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Os museus e o projeto republicano brasileiro

The museums and the Brazilian republican project

CÍCERO ANTÔNIO F. DE ALMEIDA


Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro|UniRio e Instituto Brasileiro de Museus/Ibram

RESUMO O artigo analisa a reconfiguração dos museus brasileiros após a implantação da República, destacando
os ideais de “progresso” e a inserção dos museus nas agendas políticas de “instrução pública”, de “educação do
povo” e de “formação das almas”, tendo como base casos exemplares.

Palavras-chave Museu, República, Brasil.

ABSTRACT The article makes an analysis of the reconfiguration of brazilian museums after the implement of the Re-
public, highlighting the ideas of “progress” and the insertion of museums on the political agendas of “public instruction”,
“people’s education” and “soul formation”, having as basis exemplary cases.

72 Keywords museum, Republic, Brazil.

Considerações Iniciais

A realização do Seminário “João Barbosa Rodrigues: um naturalista brasileiro”, em celebração ao centenário de


sua morte (1909-2009), concebido como um evento de caráter interdisciplinar, possibilitou diversas reflexões. Diretor do
Museu Botânico do Amazonas ao longo da década de 1880, Rodrigues foi convidado a dirigir o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro em março de 1890, sendo responsável por significativas modificações naquela instituição. Atuante, portanto, na
transição entre o Império e a República, Rodrigues foi personagem submerso num rico período da história brasileira, em
especial no que concerne à reconfiguração do papel dos museus no país. Eram os primeiros reflexos da transformação
de instituições científicas brasileiras a partir do novo regime político implantado em 15 de novembro de 1889.
Ao lado dos jardins botânicos e zoológicos, gabinetes e museus foram abrigo dos emergentes estudos de História
Natural no Brasil, no final do século XVIII e início do XIX, como consequência das atividades sistemáticas de viajantes e
naturalistas brasileiros e estrangeiros, que percorreram o país – considerado ainda um território científico inexplorado
– com o objetivo de formar coleções particulares ou suprir encomendas de naturalistas e instituições científicas euro-
peias. O crescente desejo de estimular os estudos, a formação de coleções e a criação de museus voltados à História
Natural fazia parte do contexto “civilizatório” do período, que ganharia novo viés com a República.
A contribuição do presente artigo será feita tangencialmente, a partir de uma visão panorâmica sobre a atuação
dos museus brasileiros no final do Império e, especialmente, nos primeiros anos da República, período de atuação de
Barbosa Rodrigues. Nesse panorama encontraremos, num primeiro momento, o fortalecimento dos museus de História

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Natural no contexto do aprimoramento dos valores republicanos de “instrução do povo” e, num segundo, uma mudança
de sentido dos próprios museus no Brasil, que migram gradativamente do campo da História Natural – tributários da
tradição renascentista dos Gabinetes de Curiosidades – para o da “formação científica” e da “formação das almas”.
Nesse sentido, os museus também estariam enquadrados num processo de construção da história republicana, que
necessitava de símbolos e mitos que compensassem a perda gerada pela transformação radical de regime político.
Buscou-se uma síntese da questão, baseada em casos exemplares, já que eram pouco numerosos os museus no
Brasil no final do século XIX.1 Veremos, por exemplo, o caso do Museu Paraense, que, logo após a República, graças ao
apoio das lideranças políticas locais, passou por um grande avanço institucional, especialmente durante a gestão do
zoólogo suíço Emilio Goeldi, entre 1894 e 1907.2 No caso do Museu Paulista, concebido ainda no Império e criado já sob
o novo regime, evidencia-se outra situação. Dedicação à História Natural em seus primeiros anos (o Museu foi criado
em 1894), em pouco tempo alterou seu patamar conceitual, através da crescente valorização como território simbólico
de construção do papel de São Paulo no contexto da “História Nacional”, especialmente guiado pela administração de
Afonso d’Escragnolle Taunay a partir de 1917.3
É importante esclarecer dois pontos. Não são possíveis esquemas rígidos de análise sobre a influência do regime
republicano no papel exercido pelos museus. Mesmo no Império, eles não estavam restritos apenas ao campo da His-
tória Natural, como atestam os museus do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Arqueológico, Histórico
e Geográfico Pernambucano, ou militares (do Exército e da Marinha), assim como não foram definitivamente abolidas
as iniciativas de criação de museus dedicados à História Natural no início da República, como atesta o próprio Museu
Paulista. Por outro lado, estamos considerando que os primeiros museus cujo caráter republicano começa a se destacar
localizam-se num espaço de tempo que vai da Proclamação até o início da década de 1920.

A influência da “cultura da curiosidade” e da experiência 73


revolucionária francesa nos museus brasileiros (séculos XVIII e XIX)

A relação entre museus e a consolidação dos conhecimentos sobre História Natural não foi, evidentemente, fenômeno
local. A noção de museu nas culturas ocidentais esteve ligada, desde o Renascimento até a criação dos primeiros estados
nacionais europeus, à ideia de civilização e de desenvolvimento das ciências. O impacto causado pelos primeiros Gabinetes
de Curiosidades, ainda no século XVI, foi tamanho, que acabou por influenciar hábitos e costumes. Prelados, cortesãos,
médicos, sábios, artistas, príncipes e monarcas estabeleceram a prática colecionista de maneira definitiva no mundo oci-
dental graças ao espírito humanista e sua busca pelos “vestígios do berço das civilizações”, criando o que se convencionou
chamar de “cultura da curiosidade”. Dentre os exemplos pioneiros, está o do italiano Paolo Giovio (1483/1552), médico por
formação, que publicou, em 1550, “Histórias de seu tempo” – biografias dos contemporâneos ilustres. Iniciou, em 1520,
uma coleção de retratos pintados, bustos e outros documentos. Entre 1537 e 1543, construiu, na cidade de Como (Itália),
uma residência especialmente destinada a abrigar o conjunto de suas coleções, chamada de Musaeum.
Outro caso paradigmático na história dos museus no mundo ocidental foi a criação do Ashmolean Museum,
em 24 de maio de 1683, na Universidade de Oxford, voltado ao aprimoramento dos conhecimentos dos estudantes,
especialmente no que tangia à História Natural.
Influenciado pelo ideário iluminista português do século XVIII, o vice-rei Luís de Vasconcelos (1779-1790) criou o
Gabinete de História Natural do Rio de Janeiro. Enquanto se construía a sede definitiva do Gabinete, um barracão foi
improvisado ao lado da futura construção e passou a abrigar animais “empalhados”, predominantemente aves, razão
pela qual a população passou a chamá-lo de Casa dos Pássaros. Coube a Francisco Xavier Cardoso Caldeira – Xavier
dos Pássaros – a responsabilidade de organizar a Casa, treinando aprendizes. O Museu foi extinto em 1813, logo após
o falecimento de Xavier, e suas coleções enviadas à Academia Real Militar.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 60-79, 2012


A extinção do Gabinete de História Natural do Rio de Janeiro foi, alguns anos mais tarde, compensada pela criação
do Museu Real pelo príncipe regente D. João VI. Os tempos eram outros, e a corte portuguesa estava então sediada no
Rio de Janeiro, que passou a ser a capital do Reino Unido. Dotar a cidade de “ferramentas civilizatórias” era essencial,
à medida que o futuro rei de Portugal percebia que sua permanência no Brasil não seria tão curta quanto se imaginava
no momento de sua partida de Lisboa.
Foi a experiência revolucionária na França decisiva para a ruptura do “velho” modelo de museus e gabinetes de
história natural. O confisco dos bens da Igreja em novembro de 1789, seguido pelo dos bens da nobreza e da Coroa,
em 1792, suscitou uma nova reflexão nos membros da Assembleia, voltada para a identificação do papel do Estado
na escolha dos bens de propriedade pública que deveriam ser conservados – como elementos simbólicos de uma
identidade nacional – e os que deveriam ser destruídos. Desde 1790, Aubin-Louis Millin, arqueólogo francês, chamava
a atenção da Assembleia Constituinte para os “monumentos históricos” da nação, tornando corrente esta expressão.
Paralelamente à conservação dos monumentos de arquitetura religiosa e civil, também começaram a ser valorizados,
alguns anos após o início do movimento revolucionário, bens artísticos em geral, como esculturas, móveis, joias, me-
dalhas, tapeçarias, dentre outros, igualmente representativos do passado “glorioso” da nação.
A criação do Museu dos Monumentos Franceses, em 21 de outubro de 1795, tornou-se emblemática nessas
condições, assim como a criação do Museu do Louvre, um pouco antes, em 10 de outubro de 1793, igualmente resul-
tado do processo de apropriação dos “bens nacionais”, no caso, tesouros artísticos acumulados pela Coroa francesa
ao longo de alguns séculos, confiscados pelo governo revolucionário, instalados no próprio palácio que abrigara a corte
francesa. Vale ressaltar que o termo museu já estava sendo empregado desde o Renascimento, resgatado, àquela
época, do grego mouseion (ou do latim museum), que identificava, na Antiguidade, tanto o templo das musas sobre
a colina de Helicão, na Grécia, onde eram reunidas oferendas, quanto uma ala do Palácio de Alexandria ao tempo de
Ptolomeu Filadelfo, onde se reuniam sábios sob o mecenato real.

74 O museu criado pelos revolucionários franceses foi o espaço dessa simultaneidade, que conciliava a continuidade
histórica através dos próprios artefatos colecionados pela realeza ou por representantes do Iluminismo com o “espírito”
da Revolução, oferecendo agora à população a fruição desse patrimônio ao criar uma instituição pública, não mais
restrita aos membros da corte, baseada nos mouseion da Antiguidade e do Renascimento.
Foi nesse contexto que os museus da recém-proclamada república brasileira buscaram inspiração, como instrumen-
tos de legitimação de um “patrimônio nativo”, ou seja, espaços consagrados à reunião dos fragmentos que constituem
o sentido da nacionalidade. Ao ser instalado o regime “para o povo” no Brasil, com referenciais norte-americanos e
europeus, um desafio se colocava: o de incorporar um maior contingente da população, que estava estruturada de
maneira excludente, com grande parte de analfabetos, a maioria descendente dos escravos recém-libertos e muitos
imigrantes que começavam a povoar grandes extensões territoriais do Sul do país. O regime republicano deveria aper-
feiçoar a velha sociedade imperial, instruindo-a, tornando-a apta ao progresso.
Mas é importante frisar que esses “novos” museus, como espaços de instrução e de recolhimento dos fragmentos
da nacionalidade, não foram bem-sucedidos em sua primeira fase, entre 1889 e a década de 1920, já que muitos não
superaram a mera intenção, não passando de seus decretos de criação, sem consequência prática. A consolidação
definitiva do projeto republicano de museus no Brasil vai se configurar a partir dos anos de 1920 e, especialmente,
após a Revolução de 30.

Os museus entre o Império e a República: exemplos a considerar

Para a análise da transição entre o período imperial e o início da República, vamos destacar o papel exercido
por alguns museus, considerados, aqui, exemplares, que cobrem um período de quase cem anos, desde a criação

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do Museu Real (atual Museu Nacional, no Rio de Janeiro), em 1818, até a criação do Museu Histórico Nacional (Rio
de Janeiro), em 1922, passando pelo Museu Paraense (atual Museu Paraense Emilio Goeldi), pelo Museu Paulista, e
por iniciativas na capital Federal (Museu Municipal do Rio de Janeiro e Casa de Rui Barbosa), no Estado de São Paulo
(Museu Republicano Convenção de Itu) e no Estado de Minas Gerais (Museu Mineiro).
O Museu Real foi criado em 6 de junho de 1818 por D. João VI, nos moldes das instituições museais científicas
da Europa. Em seu decreto de criação, estavam claras duas questões: de um lado, o território brasileiro era ainda um
espaço privilegiado na busca pela ampliação do conhecimento sobre a natureza, ainda quase intacto e por ser quase
totalmente descoberto, “que encerra em si milhares de objetos dignos de observação e exame”; de outro lado, poderia
tornar-se um laboratório para estudar as riquezas potenciais do país, “que podem ser empregados em benefício do
comércio, da indústria e das artes”. Assim, por influência direta do ministro e secretário de estado dos Negócios do
Reino, e encarregado da presidência do meu Real Erário, Tomás Antonio de Villanova Portugal, D. João VI estabeleceu
a criação do Museu Real, “para onde passem quanto antes, os instrumentos, máquinas e gabinetes que já existem
dispersos por outros lugares, ficando tudo a cargo das pessoas que Eu para o futuro nomear”.
Nos seus primeiros anos, o Museu consolidou suas coleções através da transferência de máquinas e objetos
dispersos em outras instituições, além das coleções oriundas da Casa dos Pássaros, objetos doados pela Família Imperial
– alguns de valor artístico –, recolhimento de expedições científicas e, em especial, da coleção mineralógica adquirida
pela Coroa portuguesa ainda no final do século XVIII, conhecida por Coleção Werner.
O imperador D. Pedro II atuou de forma decisiva para a consolidação do Museu, patrocinando aquisições im-
portantes, especialmente as peças arqueológicas egípcias, greco-romanas e de Pompeia, dentre outras. A República
baniu o imperador e sua família, resultando na permanência de seus pertences no Paço de São Cristovão, que foram
leiloados por ordem do Governo Provisório, a fim de reverter em benefício econômico para a República emergente e,
especialmente, para afastar definitivamente as referências simbólicas materiais ligadas ao Antigo Regime.
O fato de já contar com uma importante coleção no campo da História Natural e a necessidade de ampliação 75
de seus espaços, tanto para o abrigo adequado das coleções quanto para a realização de pesquisas, levou o governo
republicano a adotar uma medida de grande benefício para a instituição: transferir o Museu para o Paço de São Cristóvão.
Tratava-se de um antigo pleito, registrado em relatórios da direção da instituição ainda nos tempos imperiais. Também
estava em jogo o simbolismo do ato: a antiga residência real e imperial abrigava, agora, um museu “para o povo”,
onde se misturavam as coleções de História Natural, instrumentos científicos, dentre outros, com o antigo “território
monárquico”, agora franqueado à população, à instrução e às ciências.
O Museu Paraense foi resultado da iniciativa da Associação Filomática, em 1866, com destacado papel de
Domingos Soares Ferreira Pena, um dos seus fundadores. Nos estatutos da Associação, estava prevista a criação e
manutenção de um museu de história natural, reflexo do momento de valorização das ciências naturais na província
do Pará. O museu foi efetivamente criado em 6 de outubro de 1866, data da reunião inaugural da Associação. De 1894
(Lei nº 199, de 26 de junho de 1894) a 1900, denominou-se Museu Paraense de História Natural e Etnografia, e, desse
último ano até 1931, Museu Goeldi. Por Decreto nº 525, de 2 de novembro de 1931, passou a designar-se Museu
Paraense Emílio Goeldi.
O Museu foi instalado em prédio alugado, em outubro de 1867, e, durante seus primeiros anos de funcionamento,
encontrou dificuldades técnicas e financeiras. Um fator que proporcionou a afirmação do Museu foi o apoio direto de
Charles Frederick Hartt, que chegou a Belém em 1870, com o objetivo de realizar uma expedição científica no baixo
Amazonas, e ajudou a enriquecer as coleções da instituição. O Museu foi instalado em sede definitiva em 1871. No
ano seguinte, foi incorporado à província, que criou o “museu de história natural” (Lei nº de 12 de abril de 1872).
O promissor início do museu foi interrompido por alguns recuos do governo provincial a partir de 1872, ocasionando
sua extinção em 1889. Os seus tumultuados primeiros anos acabaram por conformar uma situação de penúria, que foi
radicalmente transformada na gestão de Emílio Goeldi, conforme assinalado acima.

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No caso do Museu Paraense, a modificação do quadro político com a República foi fator decisivo para sua recu-
peração. Ainda em 1890, o Museu Paraense foi novamente vinculado ao governo, no contexto da reforma da instrução
pública do novo estado republicano. O Museu foi formalmente reorganizado em 2 de setembro de 1890 (Decreto
nº 187), tornando nula a lei que o extinguira. Um novo regulamento reordena o museu: “Fica reorganizado o Museu
paraense, com o fim de proporcionar os meios de estudar as ciências naturais pela exposição de produtos animais,
vegetais e minerais, e de conhecer, pelas amostras expostas dos produtos do estado, o proveito que deles podem tirar
a indústria e o comércio”.4
Não foi sem sentido que o Museu Paraense foi reorganizado tendo como pano de fundo a reforma do ensino.
Nas teses republicanas, era importante “educar o povo” com noções de “civilidade e patriotismo”: “...foi nesse con-
texto (...) que o Museu paraense ressurgiu na República. Pode-se considerar que a ruptura política de novembro de
1889 ‘salvou’ a instituição de um fim definitivo”.5 A autonomia dos poderes locais sob o regime federativo, seguido
de grande impulso econômico proporcionado pela borracha, possibilitou a grande expansão econômica do Pará, com
consequências diretas no aperfeiçoamento das políticas públicas de educação. O primeiro governador eleito do Pará,
Lauro Sodré, foi seguidor das teses positivistas regidas pelo racionalismo, em que era dever do Estado “civilizar” a
sociedade, não mais no sentido monárquico, mas, sobretudo, na valorização das histórias regionais. Mesmo que o
museu não abandonasse as características que o criaram como instituição voltada à investigação da História Natural,
tal noção não poderia deixar de frisar a riqueza “amazônica”, marcando uma noção forte no início da República, que era
o conceito de identidade baseada no território.
Na reorganização promovida por Emílio Goeldi, o Museu ganhou novo regulamento em 1894, em que destacava,
dentre as missões, a “vulgarização da História Natural e Etnologia do Estado do Pará e da Amazônia em particular (...)”.
Estava explícito, agora, o recorte territorial, importante para as estratégias de afirmação do princípio republicano. Em
relatório apresentado ao governador Lauro Sodré, de 1895, Goeldi afirmou: “... não almejamos nem o elefante da Índia,
nem a girafa do continente negro. Queremos o que é nosso, o amazônico, o paraense (...)”.6
76
O Museu Paulista teve sua origem na edificação de um palácio-monumento em celebração à Independência, às
margens do célebre Ipiranga, que foi construído entre 1885 e 1890. Após sua edificação, já sob o regime republicano, o
prédio recebeu uma nova incumbência, além da comemorativa: deveria abrigar um museu de História Natural. O Museu
foi definitivamente criado pela Lei n. 192, de 26 de agosto de 1893, voltado para o estudo da História Natural. Seria
o palácio-monumento destinado ao propósito republicano da instrução e da ciência. Um de seus núcleos originais foi
a coleção oriunda do Museu Sertório, que pertencera a Joaquim Sertório. Desde os anos de 1880, a coleção Sertório
estava franqueada ao público, sendo conhecida não só pela população, mas também por viajantes estrangeiros, como
foi o caso de Carl Von Koseritz, que assim a ela se referiu em Imagens do Brasil: “(...) a coleção foi feita com enorme
esforço e grande sacrifício de dinheiro, e seguramente nenhum particular no Brasil fez antes coisa parecida”.7 Com
a venda do prédio onde estava instalado o museu do coronel Sertório, em 1890 seu novo proprietário, o Conselheiro
Francisco de Paula Mayrink, acabou oferecendo a coleção ao governo do Estado.
Aqui, vemos o caso específico de um museu que foi construído sob o regime republicano, mas com interesse
voltado ao estudo da História Natural através de um novo “projeto científico”, com elementos que o diferenciavam do
projeto do regime imperial, afinado com as aspirações da nova elite política republicana. O projeto político de unidade
territorial do Império buscou amenizar as diferenças regionais, assim como a instrução pública ficava restrita a um corpo
seleto da população, já que estavam naturalmente excluídos escravos e trabalhadores rurais de uma forma geral. Assim
como no caso da reestruturação do Museu Goeldi, o princípio republicano adotado no Museu Paulista assentava-se
também na “educação do povo”, através do aprimoramento do ensino público, e no recorte territorial.
Com o início da gestão de Taunay, em 1917, o Museu Paulista passa por uma profunda mudança: “(...) embora
tenha dado continuidade às atividades de História Natural, foi durante sua administração que se iniciou o processo pelo
qual esta ciência seria sobrepujada, na instituição, pela História Pátria”.8 Alguns atos do início de sua gestão demons-
tram o crescente processo de historicização, como foi o caso dos preparativos para a comemoração de centenário

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da Independência, em 1922, momento em que se empenhou na busca de objetos que assegurassem a salvaguarda
dos momentos e dos personagens considerados essenciais para a compreensão da história de São Paulo. Começa,
então, uma verdadeira cruzada para constituir definitivamente o Museu Paulista como instituição de referência para
se compreender São Paulo como berço da nacionalidade, com especial atenção ao papel das bandeiras paulistas e de
seus heróis. O próprio Taunay afirmaria essa nova posição, ao referir-se à mudança empreendida no Museu depois de
sua gestão, quando a instituição ganhou “(...) uma feição absolutamente nacionalista, nele se celebrando os grandes
feitos dos grandes vultos da História brasileira, especialmente de São Paulo”.9
Na capital federal e no Estado de Minas Gerais, apressou-se a República na busca de afirmação simbólica e política
do regime. As novas elites políticas passaram a liderar a construção dos fatos e processos considerados “memoráveis”,
cuja hegemonia se deu, em grande parte, devido à ausência de participação popular. Algumas iniciativas traduzem, no
campo dos museus, este processo, que veremos adiante.
Em 22 de abril de 1891, o intendente municipal Alfredo Piragibea apresentou um requerimento ao presidente do
Conselho Municipal pedindo que se remetessem as peças do Senado da Câmara e da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
para constituirem o Museu Municipal. Posteriormente, com base no Decreto n° 1641 (13/10/1914) que, em seu art. 19,
determinava “Conservar em boa guarda, devidamente catalogadas as peças de numismática, livros raros e objetos de
grande valia para o estudo da História da Cidade”, o prefeito Antônio Prado Júnior, pelo Decreto n° 3201 (16/01/1930),
determinou que se providenciasse “Sobre a melhor conservação de objetos que interessam à História da Cidade do
Rio de Janeiro” e deliberou que todos os objetos existentes em outras diretorias seriam recolhidos pela Diretoria de
Estatística e Arquivo, com funcionários designados para conservar e catalogar o acervo histórico da cidade.
O Museu Mineiro foi inicialmente previsto pela Lei estadual nº 126, de 11 de julho de 1895, que criou em Ouro Preto
“uma repartição denominada Arquivo Público Mineiro”: “(...) até a criação de um museu serão recolhidos ao arquivo e
classificados em sala especial, a proporção que forem adquiridos, os quadros e estátuas, mobílias, gravuras, estofos,
esmaltes, obras de cerâmica de quaisquer manifestações da arte no estado, desde que tenham valor propriamente artís-
77
tico ou histórico”.10 Assim deu início um recolhimento sistemático, que se aprofundaria com a criação formal do Museu
Mineiro pela Lei nº 528, de 20 de setembro de 1910, que, em seu artigo 1º, estabelecia: “Fica criado nesta Capital, o
Museu Mineiro de que cogitaram o art. 2º da Lei nº 126, de 11 de julho de 1895, e o art. 7º do Decreto nº 800 de 29 de
setembro desse mesmo ano, para quando as circunstâncias financeiras do Estado o permitissem, a juízo do Governo”.
Sobre a natureza do Museu, assim ficou estabelecido: “O Museu Mineiro além de servir de repositório de amostras
das riquezas naturais do estado, de coleções de objetos de história natural, de etnografia e de arte, em geral, mormente
de objetos antigos e raros, que se relacionem mais particularmente com a História de Minas (nos três períodos – da
Capitania, Província e estado), terá incumbência de zelar pelos monumentos e edifícios históricos existentes no estado,
propondo ao governo os meios de sua restauração ou conservação”. No segundo parágrafo da Lei nº 528, de 20 de
setembro de 1910, estava assegurado, caso fosse de conveniência do governo, “estabelecer uma de suas seções na
cidade de Ouro Preto, como centro de arte histórica de Minas Gerais”. Assim como no caso da capital federal, a efetivação
do Museu Mineiro só viria a se consolidar em 10 de maio de 1982, quase um século depois da ideia de sua criação.
Talvez o exemplo mais bem-sucedido e fundador da nova maneira republicana de “enxergar” os museus esteja
na criação do Museu Histórico Nacional, também na capital federal. Inaugurado no contexto da grande exposição
do Centenário da Independência, em 1922, tornou-se, então, o modelo por excelência do projeto republicano.
A reafirmação de conceitos como “nação” ou “tradição” estava no bojo de sua criação, impulsionadas pelo governo da
República. Pode-se fazer um paralelo com a mudança experimentada pelo Museu Paulista no mesmo período, também
impulsionado pelas efemérides do Centenário, quando seu diretor Afonso d’Escragnole Taunay pensava na presença do
homem paulista, dos “bandeirantes”. Para Gustavo Barroso, idealizador e primeiro diretor do Museu Histórico Nacional,
a República deveria cultuar a memória dos “grandes homens” do Império.
O Museu Histórico Nacional foi criado em 2 de agosto de 1922, pelo Decreto nº 15.596, e inaugurado em 12 de
outubro do mesmo ano, instalado inicialmente em duas salas do prédio do antigo Arsenal de Guerra da corte, no recinto

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dedicado à exposição do Centenário da Independência. Afinado com esse espírito corrente, Barroso baseou na “tradição”
seu projeto intelectual para o MHN, como forma de conferir legitimidade a um determinado segmento social, responsável
pela edificação de um modelo “moderno” de sociedade. As raízes dessa elite estariam num passado que remontava à
chegada da Coroa portuguesa ao Brasil, em 1808. Para Barroso, foi o Estado imperial o responsável por forjar o padrão
de nação para os brasileiros. A partir daí, seu projeto para o MHN acentuaria um caráter de permanência no processo
histórico, e caberia ao Museu preservar esses “elos” constitutivos da nacionalidade. A tradição brasileira, portanto,
no pensamento de Barroso, remontava ao Estado imperial; fragmentos a ele relacionados deveriam ser recolhidos ao
Museu como primeiro passo para a implantação do que haveria de chamar de culto da saudade.
O núcleo original do acervo de MHN, constituído por aproximadamente 1.000 objetos, poderia ser considerado uma
variada “coleção” de testemunhos ligados ao período imperial. Duas salas formavam o Museu originalmente: a primeira,
chamada Da Colônia ao Império; a segunda chamava-se Do Império à República, onde se destacava a maquete em gesso
da estátua equestre de D. Pedro II, comemorativa da rendição de Uruguaiana, de autoria do escultor Chaves Pinheiro, e
o trono que servia ao imperador nas sessões do Senado. Em artigo publicado no periódico A Pátria, de 24 de agosto de
1922, Barroso afirmava: “Para a felicidade nossa, acabou-se no Brasil a era do descaso pelo passado. Coube ao Exmº Sr.
Presidente Epitácio Pessoa a glória de ter instituído no seu país natal, cujas tradições o estreito sectarismo positivista se
tem esforçado por matar, o culto da saudade. Ele o iniciou, revogando o banimento da Família Imperial e fazendo com que
viessem repousar na Pátria querida as cinzas daqueles que, durante meio século de bondade dirigiu (sic) seus destinos”.
Na exposição de 1924, segundo o Catálogo Geral do Museu Histórico Nacional, aparecia a Sala da República,
em cujo acervo predominavam fotografias, retratos a óleo e objetos pessoais de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto,
Benjamin Constant, Epitácio Pessoa, Hermes da Fonseca, dentre outros presidentes e ministros. Mas essa sala também
apresentava alguns objetos que se referiam ao período imperial, dentre eles uma pintura a óleo do imperador D. Pedro
II, fardado de marechal, rasgada por “pontaços de espada no gabinete do Ministro da Guerra, onde se achava no dia
15 de novembro de 1889”, além do fragmento de uma placa com o nome do conde d’Eu, retirada de uma das ruas
78 de Fortaleza, “despedaçada pelos alunos da extinta Escola Militar daquele Estado, no dia 16 de novembro, quando ali
chegou a notícia da proclamação da República”. Neste último caso, havia uma observação no Catálogo que, àquela
altura (1924), o logradouro público já havia recuperado o antigo nome, numa tentativa de salientar o justo reparo.
O projeto de Barroso de culto à “tradição” também incluía o culto a “pessoas exemplares”, como afirma Regina
Abreu, que materializavam essa tradição: “O MHN tendia a restaurar, conservar e legitimar o papel do Império e da
nobreza brasileira no processo de formação da nacionalidade. (...) O culto a uma “pessoa exemplar”, tanto no caso do
Imperador quanto no de outras pessoas eleitas como tal, estruturava-se através dos objetos a ela relacionados”.11

Considerações finais

De uma forma geral, o que poderíamos chamar de um “caráter republicano” dos museus transformados ou criados
logo após 1889, estava centrado nos ideais de progresso e de instrução pública (de “educação do povo”) e na constru-
ção simbólica do novo regime, criado sem o clamor popular e carente de legitimidade. Esses valores se contrapunham
à tradição museológica, voltada à propagação dos conhecimentos de História Natural como caminho “civilizatório” e
de unidade territorial, projeto seguido com afinco pelo regime monárquico, que tinha na figura do imperador Pedro II
um dos seus mais importantes patrocinadores. Esses movimentos marcam uma decadência gradativa do interesse
centrado exclusivamente nas ciências naturais como objeto de criação de museus no Brasil, traduzindo-se, mesmo
nos dias atuais, numa escassa tradição dessa natureza em nosso país.
Mesmo nas instituições que continuaram concentradas nas coleções de História Natural, houve uma ruptura
no caráter enciclopédico e uma valorização das peculiaridades das províncias onde estavam instaladas, ou seja, uma
“territorialização” dos museus como um reflexo de um novo pacto federalista pós-republicano.

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Exemplos claros dessa atitude podem ser verificados tanto na criação do Museu Paulista quanto na reforma do
Museu Paraense. Em relação ao Museu Paraense, o caráter republicano se materializou especialmente na gestão de
Emilio Goeldi, período de grandes mudanças em relação à agenda científica e aos vínculos da instituição com os poderes
locais: “... o Museu Paraense cresceu institucionalmente e cientificamente porque foi parte de um projeto político, que
tinha na instrução pública, no cultivo das ciências e das artes algumas de suas prioridades. Sob essa perspectiva, os
políticos que assumiram a administração do estado do Pará após a proclamação da República foram fundamentais para
a requalificação do Museu Paraense nos anos de 1890”.12
O Museu Paulista percorreu rapidamente o território da História Natural, já sob a perspectiva republicana, e se
“encaixou” num conceito caro ao regime de 1889, que era o de valorização da “História Pátria”: “...pode-se afirmar
que tanto o aspecto simbólico quanto a utilidade instrutiva influenciaram fortemente para que o Museu Paulista fosse
criado como parte integrante dos projetos republicanos”.13
No campo da instrução pública, os museus ganharam espaço nas agendas dos primeiros governos locais da
República a partir do estímulo à criação de escolas complementares, ginásios específicos para o ensino secundário,
além da Escola Normal, peça-chave na formação dos mestres que seriam responsáveis pela difusão do ensino. Em
algumas escolas normais no Brasil, foram criados laboratórios científicos e mesmo museus de História Natural, parte
fundamental do desenvolvimento científico dos novos alunos.

Notas e referências bibliográficas


Cícero Antônio F. de Almeida é museólogo, professor de Museologia do Departamento de Estudos e Processos Museológicos do CCHS da Unirio, professor do
MBA em Gestão Cultural da Universidade Candido Mendes, mestre em Memória Social pela Unirio e diretor do Departamento de Processos Museais do Instituto
Brasileiro de Museus/Ibram. E-mail: cicerodealmeida@yahoo.com.br 79

1 No momento da Proclamação da República, o Brasil contava com 13 museus em funcionamento. A exatidão desse número ainda depende de novas
pesquisas.
2 Sobre a transformação do Museu Paraense no período de transição entre o Império e a República, indico o consistente trabalho de Nelson Sanjad, fruto de
sua tese de doutorado no Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, publicado sob o título “A Coruja de
Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907)”, pelo Instituto Brasileiro de Museus, Museu Paraense Emilio Goeldi e a Fundação
Oswaldo Cruz, 2010.
3 A transformação do Museu Paulista (entre sua criação) e as comemorações do Centenário da Independência, com destaque para a atuação de Taunay, são
objeto central do livro de Ana Maria de Alencar Alves “O Ipiranga Apropriado: ciência, política e poder. O Museu Paulista – 1893-1922”, de grande ajuda
na presente reflexão.
4 SANJAD, Nelson. A Coruja de Minerva: o Museu Paraense entre o Império e a República (1866-1907). Brasília: Instituto Brasileiro de Museus; Belém:
Museu Paraense Emilio Goeldi; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010, p.154.
5 Idem, p. 156.
6 Idem, p. 185.
7 KOSERITZ, Carl Von. Imagens do Brasil, São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980. (...). p. 266.
8 ALVES, Ana Maria de Alencar. O Ipiranga apropriado: ciência, política e poder. O Museu Paulista – 1893-1922. São Paulo: Humanitas/FFFLCH/USP, 2001, p.
69.
9 Idem, p. 179.
10 BARATA, Mário. Origens dos museus históricos e de arte no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 147 (350), p. 22-30, jan/mar. Rio
de Janeiro, 1986.
11 ABREU, Regina Maria do Rego Monteiro de. Sangue, nobreza e política no tempo dos imortais: um estudo antropológico da coleção Miguel Calmon no
Museu Histórico Nacional. Dissertação (Mestrado) apresentada ao Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRJ, 1990, p. 75.
12 SANJAD, op. cit., p. 374.
13 ALVES, op. cit., p. 187.

[ Artigo recebido em 10/2010 | Aceito em 12/2010 ]

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 60-79, 2012


Lepidosiren giglioliana: uma homenagem do botânico
João Barbosa Rodrigues ao zoólogo Enrico Hillyer Giglioli

Lepidosiren giglioliana: a homage paid by the botanist João Barbosa


Rodrigues to the zoologist Enrico Hillyer Giglioli

ANTONIO CARLOS SEQUEIRA FERNANDES


Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ

ANDREA SIQUEIRA D’ALESSANDRI FORTI


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Universidade Federal do Rio de Janeiro |UFRJ

VITTORIO PANE
Club Alpino Italiano, Sezione de Giaveno, Itália

MARINA JARDIM E SILVA


Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ
80
CECILIA DE OLIVEIRA EWBANK
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro | Unirio

RESUMO Em 1886, o botânico João Barbosa Rodrigues comunicou, no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro,
ter encontrado um peixe dipnoico, enviando-o ao zoólogo Enrico Hillyer Giglioli, do Real Museu Zoológico,
Florença, Itália. Acreditando tratar-se de uma espécie nova, designou-a Lepidosiren giglioliana, em homenagem
a Giglioli. O objetivo deste artigo é discutir a origem e razão da relação de amizade entre os dois pesquisadores,
certamente resultante do interesse de ambos pela Antropologia e a Etnografia, o que levou à indicação de Barbosa
Rodrigues para membro honorário da Sociedade Italiana de Antropologia e Etnografia, como reconhecimento
pelos seus trabalhos em prol da antropologia brasileira.
Palavras-chave: Lepidosiren giglioliana, João Barbosa Rodrigues, Enrico Hillyer Giglioli.

ABSTRACT In 1886 the botanist João Barbosa Rodrigues announced in the Jornal do Comércio from Rio de Janeiro
he had found a dipnoic fish, later sent to the zoologist Enrico Hillyer Giglioli at the Real Museo Zoologico, Florence,
Italy. The discovery was believed to be a new species and was named Lepidosiren giglioliana after Giglioli. This
paper aims at investigating the origins and reasons behind the friendship between the two researchers. They defini-
tely stem from their interest in anthropology and ethnography, ultimately contributing to the nomination of Barbosa
Rodrigues as the Honorary member of the Italian Society of Anthropology and Ethnography, due to his work in favor
of the Brazilian Anthropology.

Keywords: Lepidosiren giglioliana, João Barbosa Rodrigues, Enrico Hillyer Giglioli.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


Introdução

O estabelecimento de correspondência entre naturalistas com interesses comuns nos diversos campos da
ciência não é fato novo, remontando principalmente aos idos do Renascimento. Com a descoberta do Novo Mundo e
a possibilidade de conhecimento de novos elementos naturais, tais interesses se acentuaram com a organização de
expedições que poderiam levar para o Velho Mundo as novidades faunísticas, florísticas e antropológicas oferecidas
pela exploração das terras “virgens e selvagens” situadas no Ocidente. Grandes coleções assim se formavam, vindo a
compor os acervos e exposições de inúmeros gabinetes e museus na Europa, aumentando cada vez mais o interesse
científico pelo Novo Mundo. No Brasil, com a organização, a partir do século XIX, de instituições ligadas ao estudo das
ciências naturais, como o Museu Nacional, a constituição de um corpo próprio de pesquisadores brasileiros à frente das
instituições e a realização de expedições de cunho naturalista e antropológico sob as expensas do governo imperial,
acentuou-se a permuta de ideias e exemplares entre os naturalistas brasileiros e os das instituições científicas europeias.
Como exemplo dessa “troca” entre naturalistas do Velho e do Novo Mundo na segunda metade do século XIX, tem-se
a relação que se estabeleceu entre o naturalista e botânico João Barbosa Rodrigues e o zoólogo e antropólogo Enrico
Hillyer Giglioli, a qual, ao que tudo indica, resultou num forte sentimento de amizade entre ambos.
No período de 1876 a 1886, os dois naturalistas devem ter mantido uma constante correspondência em que
tratariam de assuntos antropológicos, tema afim a ambos, com a possível remessa, da parte de Barbosa Rodrigues, de
objetos etnográficos produzidos pelos índios brasileiros. Tal relação de amizade certamente perdurou até o falecimento
de Barbosa Rodrigues, em março de 1909, e ficou evidenciada quando Barbosa Rodrigues decidiu, em 1886, homenagear
Giglioli com a adoção de seu nome para designar uma possível espécie nova de peixe dipnoico da região do Amazonas,
conhecido, na ocasião, pela raridade de exemplares. Apesar das inúmeras dificuldades de se conseguirem os elementos
originais da correspondência trocada entre os dois amigos, tida como perdida na sua quase totalidade, a análise de textos
publicados em jornais e periódicos permite traçar hipóteses sobre a origem e a continuidade da relação entre os dois
naturalistas, compondo uma história da profunda amizade estabelecida entre ambos, objetivo primordial deste artigo. 81

Os personagens

Para se entender a relação que se estabeleceu entre Barbosa Rodrigues e Enrico Giglioli, é necessário ressaltar,
através de uma breve biografia, os pontos comuns da vida dos dois naturalistas, bem como de dois outros personagens
a eles relacionados.
De família mineira, João Barbosa Rodrigues (1842-1909) nasceu no Rio de Janeiro e logo se mudou para Minas
Gerais, onde viveu os primeiros anos de sua infância. Após seu retorno à cidade natal, na década de 60, Barbosa Ro-
drigues ingressou na Escola Central, atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde
se formou engenheiro em 1869. Estabelecendo-se na cidade, complementou sua formação no Instituto Comercial do
Rio de Janeiro, onde conheceu Guilherme Schüch de Capanema (1824-1908), o barão de Capanema, o qual, além do
interesse pela Botânica, ocupou o cargo de geólogo no Museu Nacional e tornou-se seu grande amigo e mentor. Graças
a Capanema, Barbosa Rodrigues ocupou o cargo de secretário do Instituto Comercial e, posteriormente, os cargos de
secretário e professor de Desenho no Colégio Pedro II, até ser dispensado pelo imperador por considerá-lo partidário
dos ideais republicanos.1
Entre os anos de 1872 e 1875, Barbosa Rodrigues, “sob o patrocínio do barão de Capanema, foi comissionado pelo
governo brasileiro para explorar o vale do rio Amazonas”,2 atividade que resultou na publicação de cinco importantes
relatórios ainda em 1875, “cujas edições foram esgotadas em poucos meses”.3 Barbosa Rodrigues continuou suas
pesquisas e, apesar de seus trabalhos já serem conhecidos tanto no âmbito nacional como internacional, foi a partir da
década de 1880 que se consolidou no meio científico brasileiro, assumindo sucessivamente os cargos de diretor do extinto

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


Museu Botânico de Manaus, a convite
da princesa Isabel, e do Jardim Botânico
do Rio de Janeiro, neste último já sob o
regime republicano, onde permaneceu até
sua morte, em março de 1909.
Em 1876, os relatórios sobre suas
atividades na Amazônia chegaram às mãos
de Giglioli, que se interessou pelo seu con-
teúdo antropológico, iniciando-se, assim,
a longa amizade que os dois naturalistas
mantiveram nas décadas seguintes.
Nascido em Londres, mas de na-
cionalidade italiana, Enrico Hillyer Giglioli
(1845-1909) estudou no Instituto Técnico
de Pádua e, aos 16 anos, frequentou
a Escola Real de Minas de Londres no
período de 1861 a 1863, quando teve
a oportunidade de estudar as ciências
naturais e conhecer, nesse ínterím, os
maiores cientistas ingleses do momen-
to, como Charles Darwin, Charles Lyell,
Richard Owen e Thomas Huxley. De volta
à Itália, em 1864, Giglioli formou-se em
82 Ciências Naturais pela Universidade de
Pisa, onde seu pai, Vicenzo Giglioli, ocu-
pava a cátedra de Antropologia. Nessa
época, Giglioli teve contato com Filippo
Figura 1 Enrico Hillyer Giglioli, em fotografia cedida pela família ao Museu de Florença
De Filippi, diretor do Real Museu Zooló-
por ocasião de sua morte em 16 de dezembro de 1909 (Fotografia do acervo do Museu
gico de Turim, e, graças a ele, tornou-se
de História Natural da Universidade de Florença).
professor do Instituto Técnico de Casale
Monferrato, no Piemonte, sendo indicado para participar de uma viagem para circundar o mundo, a qual ocorreu de
outubro de 1865 a 1868, a bordo da fragata Magenta. Ao final do cruzeiro, Giglioli foi trabalhar na Universidade de
Turim com a incumbência de classificar e organizar as ricas coleções zoológicas e entomológicas coletadas durante
a viagem. No ano seguinte, em 1869, tornou-se professor de Zoologia e Anatomia Comparada de vertebrados no
Real Instituto de Estudos Superiores de Florença e, em 1877, passou a ocupar a direção do gabinete de zoologia de
vertebrados do referido instituto, permanecendo no cargo até sua morte, em dezembro de 1909.4 Durante sua vida
acadêmica, Giglioli teve interesse por vários temas científicos e, entre eles, a Antropologia, resultado da influência
de seu pai. Por esse motivo, manteve grande ligação com renomados antropólogos italianos, como De Filippi e Paolo
Mantegazza, chegando a organizar uma rica coleção etnográfica particular com os artefatos obtidos quando da viagem
realizada com a fragata Magenta, além de inúmeros outros objetos que conseguiu através de suas relações sociais
e científicas com várias partes do mundo,5 incluindo o Museu Nacional do Rio de Janeiro,6 e, certamente, também
com Barbosa Rodrigues.
Dois outros grandes personagens tiveram um papel relevante no relacionamento entre Barbosa Rodrigues e
Giglioli: o conselheiro brasileiro Felipe Lopes Netto, certamente o primeiro elo entre ambos, e o senador italiano Paolo
Mantegazza que, junto com Giglioli, propôs a indicação do naturalista brasileiro para membro da sociedade antropológica
e etnográfica de Florença.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


O destaque principal vai para Felipe Lopes Netto (1814-1895) que, nascido em Recife, começou seus estudos
na Faculdade de Direito de Olinda, aos quais deu continuidade na Universidade de Pisa, na Itália, onde os terminou.
De volta ao Brasil, teve destacada participação na Revolução Praieira, em 1848, sendo preso após o encerramento
da revolta. Anistiado, tornou-se deputado geral pela província de Sergipe, em 1864. Representante brasileiro como
diplomata residente em países como o Uruguai, os Estados Unidos e a Itália, Lopes Netto é particularmente conhecido
por sua atuação no tratado firmado com a Bolívia, em 1868, e árbitro brasileiro nas questões do Chile com as potências
estrangeiras devido à Guerra do Pacífico. Sua atuação na reunião e doação de exemplares ou coleções a instituições
científicas nacionais e estrangeiras é citada na literatura. Ladislau Netto, em sua importante obra sobre a história e
o acervo científico do Museu Nacional, relacionou seu nome como um dos doadores da instituição,7 sendo também
citado por João Baptista de Lacerda8 como doador de vários objetos procedentes da Lapônia, do Egito e da Rússia ao
Museu Nacional, em 1873. Três anos depois, em 1876, Lopes Netto, que, certamente já mantinha relações com Giglioli,
enviou ao Real Instituto de Estudos Superiores de Florença, onde Giglioli já se encontrava, uma coleção significativa de
pássaros, mamíferos e répteis do Brasil.9 No ano seguinte, Lopes Netto encaminhou a Giglioli, então, os relatórios de
autoria de Barbosa Rodrigues sobre a antropologia da Amazônia.
Em 1869, oito anos antes de Lopes Netto enviar os trabalhos de Barbosa Rodrigues a Giglioli, Paolo Mantegazza
(1831-1910), médico fisiologista e antropólogo italiano, escritor e reconhecido senador do Reino da Itália, fundava,
em Florença, o Museu Nacional de Antropologia e Etnologia. Na esteira de seu grande interesse pelos estudos antro-
pológicos e etnográficos, em 1871 fundou a Sociedade Italiana de Antropologia e Etnologia, na qual atuou como seu
principal dirigente por muitos anos, tendo a seu lado a constante participação de Giglioli.

Um interesse italiano pela etnografia brasileira


83
Giglioli estabeleceu seu primeiro contato com o Museu Nacional em janeiro de 1866, quando teve a oportuni-
dade de passar pelo Rio de Janeiro na célebre viagem ao redor do mundo a bordo da fragata Magenta, que relatou
posteriormente em sua obra, publicada cerca de sete anos após o término da viagem.10 Quando de sua permanência
na cidade, preocupou-se em conhecer os produtos da terra, a floresta da Tijuca, a parte baixa da cidade e algumas
fazendas. Interessou-se pelos costumes locais e observou as condições penosas dos escravos.
Em 6 de janeiro de 1866, cinco dias antes de sua partida para Montevidéu, foi, inclusive, recebido, junto com
os oficiais da fragata Regina, pelo imperador D. Pedro II e D. Teresa Cristina, tia do ex-rei de Nápoles.11 Em dia não
determinado, visitou o Museu Nacional e suas exposições, sobre as quais apresentou um breve relato, considerando
negligenciada a exibição de exemplares da fauna brasileira em detrimento de espécimens provenientes de outras regiões,
mas que teriam pouco interesse para os naturalistas estrangeiros que desejassem conhecer melhor os representantes
faunísticos do país. Na sua obra, Giglioli destacou a exposição etnológica do Museu, com ênfase aos exemplares re-
presentantes das culturas indígenas brasileiras, demonstrando particular interesse pela presença de troféus de cabeça
preparados pelos índios da tribo Munduruku.12
A notícia da presença dos troféus de cabeça na exposição do Museu Nacional não era novidade na literatura produ-
zida pelos naturalistas viajantes que visitavam a instituição, quando passavam pelo Rio de Janeiro, parada praticamente
obrigatória aos navios que se dirigiam ao sul do continente sul-americano, sendo, inclusive, ilustrados em aquarelas por
Jean-Baptiste Debret.13 Essas cabeças tornaram-se muito cobiçadas no século XIX pelos colecionadores europeus, parti-
cularmente em sua segunda metade, na mesma época, portanto, que Giglioli esforçava-se na montagem de uma coleção
antropológica – em 1889, para obter ao menos um exemplar, manteve correspondência com o Museu Nacional, encami-
nhando exemplares zoológicos oferecidos em permuta pelos tão cobiçados troféus14 para sua coleção antropológica.
Não há comprovação documental, no Museu Nacional, de que Giglioli tenha entrado em contato com os natu-
ralistas da instituição por ocasião de sua passagem pelo Rio de Janeiro, em 1866. Sendo assim, certamente também

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


não o fez com Barbosa Rodrigues, e os primeiros contatos entre os dois devem somente ter ocorrido dez anos depois,
quando tomou conhecimento dos relatórios elaborados pelo naturalista brasileiro.

84
Figura 2 (A) Foto do exemplar de Lepidosiren “giglioliana” enviado por Barbosa Rodrigues a Giglioli em 1886 e registrado no acervo do Museu de
História Natural, Seção de Zoologia “La Specola”, da Universidade de Florença, sob o número M.2670, e (B) detalhe da etiqueta de identificação
(Fotografia cedida pela Dra. Marta Poggesi).

Um botânico na sociedade antropológica e etnográfica italiana

Em 1876, quando participava, junto com Paolo Mantegaza, da direção da Sociedade Italiana de Antropologia
e de Etnologia, Giglioli recebeu de Lopes Netto exemplares dos relatórios elaborados por Barbosa Rodrigues sobre a
antropologia da Amazônia. Com grande interesse na antropologia sul-americana e reconhecendo o inestimável valor
dos relatórios publicados por Barbosa Rodrigues, Giglioli preparou uma resenha dos mesmos e as apresentou na reunião
da sociedade, realizada em 20 de dezembro do mesmo ano. Na ocasião, junto com Mantegaza, propôs a indicação de
Barbosa Rodrigues como membro honorário da sociedade, sendo aprovado pelos seus membros. Em 1877, no primeiro
número do ano do Arquivo de Antropologia e Etnologia da sociedade, publicou as resenhas referentes a cada um dos
relatórios e grandes elogios ao trabalho de Barbosa Rodrigues, com quem certamente já vinha se correspondendo
desde o ano anterior.15
Após a indicação do nome de Barbosa Rodrigues, dois outros brasileiros foram indicados para a sociedade italiana.
Na 44ª reunião, realizada em 26 de fevereiro de 1877, Giglioli e Mantegaza propuseram o nome de Pedro de Alcântara,
D. Pedro II, imperador do Brasil, o qual se encontrava presente à sessão, sendo eleito sócio honorário por aclamação.16
Na reunião seguinte, realizada em 20 de março do mesmo ano, Giglioli e Mantegaza propuseram então o nome de
Lopes Netto, o qual também foi eleito sócio honorário da sociedade.17 A partir de 1877, a sociedade antropológica
italiana passara a contar, então, em seu quadro de sócios, os nomes de três brasileiros e um italiano, cujas vidas, de
uma forma ou de outra, estavam interligadas.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


Homenageando o “amigo” Giglioli

Após a indicação de seu nome para a sociedade antropológica italiana, Barbosa Rodrigues certamente passou a
manter permanente correspondência com Giglioli, a quem se referiu como “amigo” ao lhe prestar uma justa homenagem.
Vivendo em Manaus, na década de 80, quando ocupava o cargo de diretor do Museu Botânico, Barbosa Rodrigues
tinha, além do conhecimento botânico para dirigir a instituição, também interesse por outros componentes da natureza
amazônica, incluindo os faunísticos. Ciente da raridade de exemplares de peixes como a piramboia, então classificada
pelos zoólogos como Lepidosiren paradoxa, e da existência de somente dois espécimens até então conhecidos, Barbosa
Rodrigues ficou exultante ante a visão de um terceiro exemplar da espécie que lhe chegava às mãos, “vivo e perfeito”.
Em 1886, encaminhou o exemplar ao Real Museu Zoológico de Florença para, por intermédio de seu “amigo Henrique
Giglioli”, ser estudado por seus especialistas. Desconfiado de que se tratava de uma nova espécie de peixe dipnoico,
propôs a denominação de Lepidosiren Giglioliana em homenagem a Giglioli, ficando a sugestão registrada em artigo
publicado no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro.18
A correspondência que Barbosa Rodrigues mantinha com Giglioli tinha, muito certamente, outros interesses bem
além da fauna regional amazônica. Criado para estudar principalmente a flora da região amazônica, o Museu Botânico
“voltava-se também para o estudo da ‘indústria indígena’, ficando encarregado de ‘conservar uma seção etnográfica’”,19
contendo fotografias, desenhos e objetos para estudos antropológicos. No seu acervo, em 1885, a seção etnográfica
chegou a contar com “1.103 objetos de coleções variadas de 60 tribos do vale amazônico”20 e as trocas ou permutas
eram permitidas, no caso de ocorrência de triplicatas.21 Acredita-se, assim, que a etnografia deveria ser o tema central
das cartas trocadas entre os dois naturalistas.22 Apesar dessa ligação com a temática etnográfica, por ser Giglioli um
renomado zoólogo italiano, Barbosa Rodrigues decidiu homenageá-lo com a nova espécie de peixe que, na época, era
de raríssima ocorrência.
Giglioli não tardou a responder à homenagem do “amigo”. Em 1887, publicou uma nota na revista Nature sobre
85
o exemplar recebido, o qual pessoalmente dedicou-se a analisar. Na nota, destaca ter recebido “from my friend Dr. J.
Barbosa Rodriguez, the learned and energitc Director of the Museu Botânico do Amazonas” 23 o espécimen de Lepido-
siren, destacando, assim, o sentimento de amizade e respeito estabelecido entre ambos. Por outro lado, seus estudos
concluem pela manutenção da designação específica já conhecida (L. paradoxa), embora ressalte a importância da
captura do novo exemplar. Quanto à designação Giglioliana, esta teve como destino o rol das designações sinonímicas
estabelecidas pela taxonomia zoológica. Ao contrário das cartas não localizadas, o exemplar enviado por Barbosa
Rodrigues a Giglioli continua no acervo do antigo Real Museu Zoológico, atualmente Museu de História Natural, Seção
de Zoologia “La Specola”, da Universidade de Florença.

Considerações finais

Diversos textos discorrendo sobre a vida e obra de Barbosa Rodrigues foram publicados desde a segunda década
do século XX, como os artigos de Hermann von Ihering,24 W. Duarte de Barros,25 Adir Guimarães,26 Magali Romero Sá27
e a obra de Dilke de Barbosa Rodrigues Salgado.28 Embora os relatórios de Barbora Rodrigues sobre a antropologia e
etnografia da região amazônica sejam conhecidos e comentados por diversos autores, é quase inexpressiva a menção
de sua participação em sociedades estrangeiras, particularmente em uma sociedade antropológica italiana, fato bre-
vemente referenciado por Dilke Salgado29 e cuja história procurou-se resgatar.
Não se pode deixar de ressaltar a importância do papel de Lopes Netto na ligação entre a obra de Barbosa Rodrigues
e a sociedade italiana. Provavelmente ciente do interesse de Giglioli pela etnografia sul-americana, foi o responsável
por lhe enviar os relatórios de Barbosa Rodrigues. Por sua vez, reconhecendo o valor dos textos, Giglioli apresentou-os
aos membros da sociedade, propondo sua inclusão nos quadros da instituição como sócio honorário, tendo-o feito

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


com o integral apoio de Mantegaza, seu fundador e presidente. Paralelamente, estabeleceu contato com Barbosa Ro-
drigues, com quem, através dos anos que se seguiram, consolidou uma forte amizade. Foi do reconhecimento mútuo
que surgiram as homenagens entre ambos: Giglioli indicando-o para membro de uma das mais respeitadas sociedades
antropológicas da Europa e Barbosa Rodrigues homenageando-o com a proposta de uma nova espécie de peixe com
raros exemplares conhecidos na época.
A ligação entre os naturalistas e Lopes Netto permaneceu pelas décadas seguintes. Depois de ser exonerado do
cargo de ministro residente que ocupava na Itália, Lopes Netto aposentou-se e estabeleceu residência em Florença,
onde veio a falecer em 8 de novembro de 1895. É provável que durante sua morada na cidade mantivesse o contato
com a sociedade antropológica de Florença, face aos laços de amizade que mantinha com Giglioli. Curiosamente, Bar-
bosa Rodrigues e Giglioli vieram a falecer no mesmo ano, em 1909: o primeiro, em 6 de março, e o segundo, em 16 de
dezembro. Findava, assim, uma grande amizade, mas permaneciam para todo o sempre os valores de reconhecimento
ético e profissional entre dois grandes naturalistas da segunda metade do século XIX e início do século XX.

Notas e referências bibliográficas


Antonio Carlos Sequeira Fernandes é professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bolsista de produtividade do CNPq. Bacharel e
licenciado em História Natural pela Universidade Gama Filho e licenciado em História pela Universidade Veiga de Almeida, é mestre e doutor em Ciências-Geologia
pela UFRJ, coordenando um projeto de recuperação do acervo geopaleontológico oitocentista do Museu Nacional. E-mail: acsfernandes@pq.cnpq.br
Andrea Siqueira D’Alessandri Forti é graduanda em Museologia pela Unirio e em História pela UFRJ, com atuação no levantamento histórico do acervo geopale-
ontológico do Museu Nacional. E-mail: andreadalessandri@yahoo.com.br
Vittorio Pane é geólogo pela Universidade de Turim, Itália, com especialidade em Paleontologia e Mineralogia dos Alpes, sendo curador do Museu Geológico
Experimental do Clube Alpino Italiano em Giaveno, Turim. E-mail: vpane_mgs@caigiaveno.com
86 Marina Jardim e Silva é graduanda em História pela UFRJ e bolsista Pibic/UFRJ. E-mail: marina.jardim@yahoo.com.br
Cecilia de Oliveira Ewbank é graduanda em Museologia pela Unirio e bolsista Pibic/CNPq. E-mail: oe.cecilia@gmail.com
Agradecimentos ao CNPq e à Faperj pelo apoio financeiro; à Maria José Veloso da Costa Santos e Sílvia Ninita de Moura Estevão pela disponibilização dos docu-
mentos do Setor de Memória e Arquivo do Museu Nacional (SEMEAR); à Marta Poggesi (Museu de História Natural da Universidade de Florença) pela fotografia
de Lepidosiren “giglioliana”; ao Museu de História Natural da Universidade de Florença e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro pelas cessões das imagens
de Enrico Giglioli e do diploma da Sociedade Italiana de Antropologia e Etnologia conferido a D. Pedro II, respectivamente.

1 Comunicação verbal de William Rodrigues em 23 de outubro de 2009.


2 SÁ, Magali Romero. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. História, Ciências, Saúde
– Manguinhos. Rio de Janeiro, v. VIII (suplemento), p. 906, 2001.
3 IHERING, Hermann von. João Barbosa Rodrigues. Revista do Museu Paulista. São Paulo, v. 8, p. 24, 1911.
4 D’Entrèves, Pietro Passerin; Lattanzi, Vito; Shepherd, Elizabeth Jane; Barbagli, Fausto; Violani, Carlo; Ciruzzi, Sara; Calzolari, Silvio. Enrico
Hillyer Giglioli: l’uomo, il naturalista, il viaggiatore. L’Universo. Florença, n. 5, p. 625-672, setembro-outubro, 1996.
5 PETRUCCI, Valéria. As coleções etnográficas brasileiras na Itália. In: RIBEIRO, Berta G.; MOREIRA NETO, Carlos Araújo; HOONAERT, Eduardo; PETRUCCI,
Valéria. (Ed.). A Itália e o Brasil indígena. Rio de Janeiro: Index Editora, 1983, p. 47-55.
6 FERNANDES, Antonio Carlos Sequeira; PANE, Vittorio; FORTI, Andrea Siqueira D’Alessandri; RAMOS, Renato Rodriguez Cabral. Trocando animais por
cabeças-troféu Munduruku: o intercâmbio de Enrico Giglioli com o Museu Nacional na segunda metade do século XIX. In: Encontro de História e Filosofia
da Biologia 2009, São Paulo. Resumos... São Paulo: Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia, p. 14-15, 2009.
7 NETTO, Ladislau. Investigações Historicas e Scientificas sobre o Museu Imperial e Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Philomatico, 1870,
p. iv (Anexo: Relação dos doadores do Museu Nacional).
8 Lacerda, João Baptista de. Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905, p. 36.
9 FERNANDES, Antonio Carlos Sequeira; PANE, Vittorio; FORTI, Andrea Siqueira D’Alessandri; RAMOS, Renato Rodriguez Cabral. Trocando espécimens de
animais por cabeças-troféu Munduruku: o intercâmbio de Enrico Giglioli com o Museu Nacional na segunda metade do século XIX. Filosofia e História da
Biologia. São Paulo, v. 5, n. 1, p. 1-19, 2010.
10 GIGLIOLI, Enrico Hillyer. Viaggio intorno al globo della R. Pirocorvetta Italiana “Magenta” negli anni 1865, 1866, 1867, 1868, sotto il comando del capitano
di fregata V. F. Arminjon. Relazione descrittiva e scientifica pubblicata sotto gli auspici del Ministero di Agricoltura, Industria e Commercio. Con introduzione
etnologica di Paolo Mantegazza. Milano, V. Maisner e C., 1875, p. 39-41.
11 D’Entrèves, op. cit., 1996, p. 654.
12 GIGLIOLI, op. cit., 1875, p. 41.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


13 BANDEIRA, Julio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil: obra completa 1816-1831. Rio de Janeiro: Capivara, 2007.
14 FERNANDES et al., op. cit.,2010, p. 14.
15 GIGLIOLI, Enrico Hillyer. Lo studio dell’Etnologia al Brasile. Archivio per l’Antropologia e la Etnologia. Florença, v. 7, n. 1, p. 40-49, 1877.
16 Ata da 44ª reunião da Sociedade Italiana de Antropologia e de Etnologia. Archivio per l’Antropologia e la Etnologia. Florença, v. 7, n. 1, p. 271-272, 1877.
17 Ata da 45ª reunião da Sociedade Italiana de Antropologia e de Etnologia. Archivio per l’Antropologia e la Etnologia. Florença, v. 7, n. 1, p. 272-273, 1877.
Nesta mesma reunião, foi lida em plenário uma carta de D. Pedro II com agradecimentos à sua indicação para membro da sociedade.
18 O artigo de Barbosa Rodrigues, escrito originalmente em 20 de setembro de 1886 em Manaus, quando ocupava a direção do Museu Botânico do
Amazonas, foi publicado na íntegra como uma comunicação ao Jornal do Comércio do Rio de Janeiro em sua edição de 18 de outubro do mesmo ano.
19 LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, p. 215, 1977.
20 LOPES, op. cit., 1977, p. 216.
21 LOPES, op. cit., 1977, p. 215.
22 Desconhece-se o paradeiro da correspondência recebida por Barbosa Rodrigues, a qual se julga, portanto, perdida; quanto à correspondência recebida por
Giglioli, esta ainda não foi localizada, sendo possível que se encontre nos arquivos do Museu Pigorini, em Roma, para onde foi enviado o acervo da coleção
antropológica particular de Giglioli. A impossibilidade de consulta aos arquivos do Pigorini tem dificultando uma confirmação documental dos conteúdos
que comprovassem a temática abordada entre os dois naturalistas; tampouco foi possível verificar a existência de permuta de material antropológico e
etnográfico entre eles.
23 GIGLIOLI, Enrico Hillyer. Lepidosiren paradoxa. Nature. Londres, v. 35, p. 343, 1887.
24 IHERING, Hermann von. João Barbosa Rodrigues. Revista do Museu Paulista. São Paulo, v. 8, p. 23-37, 1911.
25 BARROS, W. Duarte de. Barbosa Rodrigues – Naturalista brasileiro. Rodriguésia. Rio de Janeiro, ano 6, n. 15, p. 3-15, 1942.
26 GUIMARÃES, Adir. Barbosa Rodrigues. Rodriguésia. Rio de Janeiro, ano 15, n. 27, p. 191-212, 1952.
27 SÁ, op. cit., 2001.
28 SALGADO, Dilke de Barbosa Rodrigues. Barbosa Rodrigues, uma glória do Brasil. Rio de Janeiro: A Noite, 1945.
29 SALGADO, op. cit., p.175-176, 1945.

[ Artigo recebido em 05/2010 | Aceito em 07/2010 ]

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Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 80-87, 2012


João Barbosa Rodrigues, um naturalista entre
o Império e a República1

João Barbosa Rodrigues, a naturalist between the empire and the Republic

ALDA HEIZER
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

RESUMO O artigo aborda aspectos da biografia de João Barbosa Rodrigues, naturalista e ex-diretor do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, e aponta possibilidades de reflexão sobre os usos posteriores que fizeram sobre a
sua atuação na passagem do império para a república, no Brasil.
Palavras-chave naturalista; biografia; exposição.

ABSTRACT The article approaches aspects of João Barbosa Rodrigues biography, naturalist and ex-director of the Rio
de Janeiro’s Botanical Garden of and aims possibilities of reflection about what was written about the naturalist and the
subsequent uses that have been made about his role in the passage of the empire for the republic, in Brazil.
88 Keywords naturalist; biographie; exposition.

“Tal foi a nossa Exposição Nacional de 1908, notável e brilhantíssima e, pelo que nella exibiu, reveladora
de grande adeantamento de nossas industrias e artes, patenteando como nunca conseguira, a immensa
opulencia de nossas riquezas naturaes, a grande capacidade de nossa agricultura e, de um modo geral,
a importância econômica deste vasto e riquissimo paiz, que no decurso de um seculo, após a abertura de
seus portos ao livre commercio das nações, tanto se desenvolveu e progrediu, offerecendo ainda, e cada
vez mais, á actividade do capital e do trabalho, sob as garantias de um regimen livre e de uma legislação
liberal, as vantagens dos maiores benefícios”.2

Em 2007, com vistas a uma publicação a ser lançada3 durante as comemorações do bicentenário do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, elaborei um artigo sobre João Barbosa Rodrigues e a Exposição Nacional de 1908.4
Naquele momento, procurei trabalhar duas frentes que me permitiram compreender melhor o lugar do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro num evento que pretendia comemorar os cem anos da “Abertura dos Portos” e fazer um
balanço da história do Brasil desde a chegada da corte portuguesa, em 1808.5
Privilegiei, por um lado, compreender o projeto da Exposição num bairro que surgia naquele momento, as regras
de convivência que o evento se lhe impunha numa cidade que passara anos antes por um processo de “reformas físicas
e morais”, para usar um termo recorrente na época.6
Procurei também analisar, ainda que timidamente, a história institucional contada por Barbosa Rodrigues, a qual
está impressa no álbum comemorativo7 dos cem anos da instituição, elaborado para a referida Exposição – ressalva

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 88-94, 2012


feita ao fato de que o histórico apresentado pelo autor constituía a ampliação do que o naturalista havia escrito no
Hortus Fluminensis (1893).8
Naquele momento, interessou-me como o naturalista contou a história do Jardim Botânico desde a sua
criação, numa perspectiva muito parecida com a proposta da Exposição Nacional de 1908, que era a de fazer uma
retrospectiva histórica.
No entanto, ao realizar o levantamento de fontes para a minha pesquisa, outro documento que Barbosa Rodrigues
elaborou para representar o Jardim na Exposição de 1908 me chamou a atenção: trata-se de um impresso indicando
as plantas que seriam expostas no evento.9

Algumas considerações sobre a Exposição Nacional de 1908:

A Exposição Nacional de 1908, bem como outras exposições da mesma natureza, aconteceu em data escolhida
para comemorar algum evento histórico. Assim, a Exposição de Filadélfia de 1876 foi concebida para comemorar os
cem anos da independência dos EUA; a Exposição de Paris de 1889 foi concebida para comemorar o centenário da
Revolução Francesa de 1789. A de 1908 foi concebida para comemorar os cem anos da Abertura dos Portos, ato do
príncipe regente de Portugal D. João ao chegar ao Brasil, em 1808.
A historiadora Margarida de Souza Neves, autora de um artigo10 que inaugurou, na década de 1980, os estu-
dos sobre tais eventos, chamou a atenção, em recente publicação, para o que Caio Prado Jr. já assinalara antes.
Em seu “roteiro para a historiografia do II Reinado (1840-1889)”, o político e historiador brasileiro já indicava que
os catálogos de exposições, entre outras publicações (podemos certamente incluir os relatórios e resultados de
expedições, de congressos...), deveriam ser considerados como fontes da maior importância para os estudos sobre 89
o Segundo Reinado.
De fato, como destaca Neves,11 somente nos anos de 1980 os estudiosos brasileiros deram ouvidos a Caio Prado Jr.,
e um número considerável de pesquisadores de diferentes formações se debruçou sobre a temática das exposições.
O Brasil participou de exposições durante a segunda metade do século XIX na Europa, nos Estados Unidos e na
América do Sul.
Mesmo na Exposição de 1889, que comemorava a liberdade, a igualdade e a fraternidade, a monarquia se
apresentou, em meio a divergências internas, como um império nos trópicos, segundo seus organizadores, civilizado
e regenerado, dado que, um ano antes, abolira a escravidão.12
Conhecidos como “lições das coisas”, o visitante podia percorrer tais eventos, sempre monumentais, de forma
contemplativa ou por meio da interação com o que era exposto.
As exposições obedeciam a divisões internas em vários níveis: os países se apresentavam em pavilhões; dentro
destes, havia a exposição de objetos escolhidos como representativos, ou em pavilhões temáticos, como o do café
do Brasil, em Filadélfia; o da ótica em 1900, em Paris; e o das máquinas, em 1908, no Rio de Janeiro, para citar
alguns exemplos.13
A Exposição Nacional de1908 se apresentou como a concretização da relação íntima entre uma visão otimista
do progresso e a referência a um estágio de civilização sempre prestes a conquistar.
A inauguração da Exposição sofreu dois adiamentos devido ao atraso das obras (alargamento da avenida
principal e construção de um caminho pelo mar através de um porto) e à demora das remessas das peças dos
estados, o que impediu, inclusive, que algumas seções fossem abertas no dia. E também o evento da morte do rei
de Portugal, D. Carlos.

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Em agosto, o presidente da República Afonso Penna, em discurso inaugural, afirmou que a exposição tinha uma
missão: inventariar o país.
Por meio de uma lógica que privilegiou a retrospectiva histórica, característica também de outras exposições, o
evento recebeu milhares de visitantes, que percorreram os pavilhões para conhecer cidades, estados e instituições do
Brasil, os quais escolhiam o que consideravam relevante sobre suas atividades.
A Exposição apresentou ao público o palácio principal, os pavilhões: de máquinas, de madeiras, dos carros da
Estrada de Ferro Central do Brasil, da imprensa, do teatro, da música, da agricultura, dos Correios e Telégrafos, e do
Jardim Botânico – que não ficou de fora desse evento –, além de coretos, cafés, cinematógrafos, eventos de diversão
hípicos, teatros, concertos musicais...
Assim como a repartição dos Telégrafos e a Sociedade Nacional de Agricultura, o Jardim Botânico solicitou e
obteve terreno próprio para se apresentar.

O naturalista e a exposição

Para organizar a exposição, foi instalada uma comissão formada por um presidente, um secretário-geral, três
vice-presidentes e 36 membros.
Em 1907, ou seja, com um ano de antecedência, foi nomeada pelo governo uma comissão organizadora da Ex-
posição Nacional. Um dos comissários foi o botânico João Barbosa Rodrigues, ao lado de Rodolpho Bernadelli, Orville
Derby, Júlio Benedito Ottoni, André Gustavo Paulo de Frontin, dentre outros. As associações, sociedades e institutos
se fizeram representar por delegados especiais.
90
Para facilitar a visita à exposição, seus organizadores previram livros especiais. Podemos citar o guia oficial com
roteiro para os visitantes, o boletim de estatística e dados oficiais; catálogos dos produtos, notícias econômicas, me-
mórias históricas, estudos, álbuns, diagramas, mapas, anúncios.
Como memória do evento foram produzidos um relatório, atas dos congressos científicos que aconteciam no
interior das exposições e um catálogo geral.
Dentre esse material produzido, interessou-me, em particular, a relação das plantas que seriam expostas pelo
JBRJ por João Barbosa Rodrigues. Mais do que uma listagem do que seria exposto, havia uma advertência ao leitor
sobre a precariedade com que a instituição se apresentava.
Assim, no início do folheto, Barbosa Rodrigues diz – para lembrar, os visitantes da exposição poderiam “conhecer”
o jardim através desse material – que o Jardim não estava preparado para a exposição devido a dois fatores: o tempo
curto e o período escolhido, ou seja, a riqueza vegetal que possuía e sua beleza não poderiam ser ali apresentadas por
ser uma época inapropriada.
O naturalista advertia que, para preparar a apresentação das plantas, seria necessário tempo e não apenas poucos
meses. Isso mostra que Barbosa Rodrigues se preocupava com a adequada participação da instituição no evento.
No entanto, ao consultar o livro de ofícios expedidos pelo mesmo naturalista, em 1907,14 é possível constatar
que ele emitira ao Ministério da Justiça a confirmação da participação do Jardim Botânico e o início dos trabalhos
preparatórios para o evento, além da preparação de grande número de plantas, solicitação de adubo animal, vagões
da Estrada de Ferro Central do Brasil, bem como prestação de contas e um ofício sobre o pessoal empregado para
trabalhar especialmente para a exposição.
Da análise das correspondências estabelecidas com outros diretores de instituições de dentro e de fora do país,
constata-se que Barbosa Rodrigues já havia exposto os limites de atuação em que se encontrava tanto no museu de

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 88-94, 2012


Manaus, à altura da realização de expedições, como no JBRJ e a urgência de implementar reformas neste último, ao
assumi-lo como o primeiro diretor após a Proclamação da República.
No entanto, analisar a advertência citada aumentou, de fato, uma inquietação que já havia me ocorrido a partir
da leitura de uma biografia sobre Barbosa Rodrigues, escrita pelo então diretor do museu paulista Herman von Ihering
um ano após a morte de Barbosa Rodrigues, em 1910, sob a forma de homenagem ao naturalista.15
Para von Ihering, Barbosa foi um sábio e amigo. O diretor do museu paulista apresentou a extensa produção
de Barbosa bem como seus dados biográficos. Para von Ihering, com a morte do naturalista desapareceu o último
representante de uma “plêiade de excelentes botânicos” do Rio de Janeiro que, por meio de publicações e coleções,
contribuíram para o conhecimento da flora do Brasil.
Na biografia de Barbosa Rodrigues, as críticas por parte de von Ihering ao governo republicano não faltaram:
“o governo ao não se fazer representar na altura da morte de Barbosa Rodrigues” reforça a hipótese de que Barbosa
Rodrigues não estava afinado com os rumos desejados pelo governo ao JBRJ. Segundo von Ihering, a crítica feita por
Afonso Penna em sua última mensagem ao Congresso, ao tratar do JBRJ, é reveladora:
“... não mencionou a morte do único diretor competente daquele estabelecimento, criticando ainda, injusta-
mente, a sua obra e promettendo fazer uma reforma, pela qual o jardim devia entrar em outra fase de maior utilidade
practica”.
Herman von Ihering abre um parêntese para chamar a atenção para o que foi o Jardim Botânico antes de Barbosa
Rodrigues: muito diferente do que sempre foram os Jardins da Europa, por exemplo. Segundo ele, Barbosa implementou
uma orientação no JBRJ de “ caráter cientifico” no que diz respeito aos estudos científicos, bem como na apresentação
dos vegetais.
A mensagem presidencial teria se queixado do caráter improdutivo do Jardim da capital federal durante a dire-
ção de Barbosa, atribuindo-lhe as funções de um campo de experiências de um instituto agronômico, o que tornava a 91
instituição distante das missões de outros jardins botânicos.16
Na mensagem, o presidente (Hermes da Fonseca) declara que:

“O governo organisou o Jardim botânico e o Museu Nacional e adaptou esses estabelecimentos scientifi-
cos as funções praticas que devem preencher, de accordo com os serviços dependentes desse ministerio,
e com o objetivo de desenvolver o estudo da flora, da nossa fauna e das riquezas mineraes abundantes
no território nacional.”

Herman von Ihering critica a fala do presidente da República, chegando a dizer que, para experiências de agricul-
tura, o governo teria outras opções, outros locais mais apropriados.
Diante do exposto, talvez seja possível sugerir algumas possibilidades de reflexão:
Barbosa foi um homem de seu tempo17 e precisa ser compreendido na sua relação com o governo imperial bem
como com os acontecimentos dos primeiros anos da República.18
Barbosa dirigiu o Museu Botânico de Manaus a convite da princesa Isabel, organizou expedição com o apoio do
imperador, assumiu no governo republicano o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e implementou modificações; parti-
cipou de congresso (1905, no Rio de Janeiro) e exposições, criticando e enviando material. Um dos exemplos é como
Barbosa organizou a participação do Jardim na Exposição de 1908.
Por certo, suas críticas a como o Jardim estaria num evento que se propunha a apresentar os cem anos de Brasil
não se deteve à advertência da relação de plantas, até porque, desde o ano anterior, Barbosa, em ofício citado, solicitou e
prestou contas ao governo. A apresentação do Jardim na Exposição de 1908 não foi improvisada, e os senões de Barbosa
podem refletir uma tensão entre como ele atuava frente ao Jardim e os novos interesses do governo que se instalara.

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Portanto, Barbosa, ao implementar modificações no Jardim Botânico, para alguns desviou o curso da instituição
que deveria ser aquele que privilegia os estudos de Agronomia e suas aplicações e pode ser analisado num debate
maior sobre os caminhos do progresso no Brasil, uma discussão que não é nova: para alguns, o progresso viria pelo
caminho da industrialização; para outros, o caminho era justamente a reafirmação de uma suposta “vocação agrícola”
do Brasil. E havia certamente quem acreditasse ser a complementariedade desses dois setores da economia o caminho
efetivo do progresso.
O fato de Barbosa Rodrigues, ao ser esquecido pelo governo à altura de sua morte, bem como criticado em dis-
curso do presidente ao Congresso em 1910 (como chama a atenção Herman von Ihering) reforça que o esquecimento,
bem como a lembrança – operações da memória – são seletivos.
Além disso, é preciso analisar quem são os biógrafos dos nossos cientistas,19 e de onde eles falam, como é o
caso do antigo diretor do Museu Paulista Herman von Ihering.
Hermann von Ihering, em uma correspondência com o paleontólogo argentino Florentino Ameghino (1854-1911),
expressou sua opinião sobre o contexto de sua saída do Museu Nacional, assim denominado em 1891:

A mudança do Governo no Brasil foi a desmoralização na administração e ciência; o colega o julga possí-
vel que o Museu Nacional do Rio de Janeiro com o seu orçamento de 80 contos por ano provavelmente o
melhor dotado na América do Sul agora não possui um único naturalista! (...). No ano passado foi idéia
me nomear [diretor da seção zoológica], mas eu não quis. Ao contrário fizeram um rescrito declarando que
os naturalistas morando fora têm de mudar-se para o Rio (...). O colega sabe bem que Muller, Goeldi e eu
somos agora os únicos zoólogos em todo o vasto país do Brasil. Não o valia de pagar-nos o pequeníssimo
ordenado que recebemos para que continuemos nas nossas investigações e respeitados no mundo científico
e representando bem a ciência natural do Brasil? 20

92 Concluindo, citarei uma carta de Barbosa


Rodrigues ao imperador D. Pedro II meses antes
de ser indicado ao cargo de diretor do JBRJ, já
no governo republicano, a qual está no arquivo
do Museu Imperial de Petrópolis, em que o natu-
ralista afirma seu desgosto quanto à mudança de
regime e pela atuação dos militares, apresenta
seus protestos e fidelidade, e lamenta não poder
fazê-lo pessoalmente... ficando, diz Barbosa, “Sua
Majestade certa que tem em mim um amigo grato
e leal ....” e, se fosse preciso derramar o sangue
tanto pelo imperador quanto pela imperatriz Tere-
sa Cristina (a quem chama de santa), ele estaria
disposto a fazê-lo.
Barbosa encerra a carta afirmando ainda
que “é com lágrimas nos olhos que digo a Vossa
Majestade...” que ele era em Manaus, naquele
instante, o único monarquista assumido, dado que
todos os que se diziam amigos do trono aderiram
à República (republicanos de ultima hora – grifo
meu) e censuraram o seu procedimento.21
Sendo assim, compreender Barbosa Rodri-
gues em diálogo com diferentes interlocutores

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 88-94, 2012


e em diferentes momentos com o objetivo de
demonstrar a complexidade das pesquisas que
pretendem circunstanciar um naturalista como ele,
talvez nos retire do lugar cômodo que o vê como
um homem fora de seu tempo, excepcional; por
consequência, corremos o risco de perder a riqueza
das interlocuções, dos debates e do ambiente
científico de sua época.
O historiador Ricardo Salles, em seu criterio-
so trabalho22 sobre Joaquim Nabuco, inicia o livro
com uma frase contundente: “Joaquim Nabuco, um
pensador do império”, para, em seguida, dizer que
a afirmação representou durante o trabalho uma
interrogação e um desafio. Talvez seja esse um
dos procedimentos possíveis para pensar Barbosa
Rodrigues, um naturalista brasileiro.

Senhor,
Ante vossa Magestade Imperial venho
acabrunhado pelo desgosto profundo que
me causou a traiçoeira sedição militar beijar
reverente a destra de vossa Magestade e
aprofundar os meus protestos de amor
e fidelidade.
Se assim procedo é por não poder pessoalmente
93
o fazer, ficando vossa magestade certo que tem
em mim um amigo grato e leal que se for preciso
por Vossa Magestade ou por Vossa Augusta filha
derramará o seu sangue.
É com lágrimas nos olhos que digo à Vossa
magestade que sou aqui o único Monarchista,
que à face descoberta e em publico diz
abertamente, porque todos aqueles que se
dizem amigos do trono abdusiram à república,
com a sua assignatura e censuraram o meu
procedimento.
Peço à Vossa Magestade que apresente à sua
Magestade a Imperatriz, à essa Santa, os meus
respeitosos cumprimentos e os votos que faço
pela sua preciosa saúde.
Beijando respeitoso as mãos
de Vossa Magestade.
Sou de Vossa Magestade,
João Barbosa Rodrigues

Figuras Carta de João Barbosa Rodrigues ao imperador


D. Pedro II. Arquivo da Casa Imperial do Brasil / Museu Imperial
de Petrópolis.

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Notas e referências bibliográficas
Alda Heizer é doutora em Ensino e História das Ciências pelo IG/Unicamp. Desenvolve pesquisa sobre coleções científicas em museus e jardins botânicos no
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e é professora de História da Botânica no Programa de Pós-graduação da Escola Nacional de Botânica
Tropical/JBRJ. E-mail: aldaheizer@jbrj.gov.br

1 O presente artigo é desdobramento de minha apresentação no “Seminário Barbosa Rodrigues. Um naturalista brasileiro”, na mesa intitulada “Naturalistas,
Expedições e Congressos”, realizado em outubro de 2009, na Escola Nacional de Botânica Tropical/JBRJ.
2 Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Indústria, Viação e Obras Públicas Miguel
Calmon Du Pin de Almeida. V.1. Anno 1909.
3 HEIZER, Alda. O Jardim Botânico de João Barbosa Rodrigues na Exposição Nacional de 1908. Revista de História e Estudos Culturais (Fênix), v. 4, ano IV, n. 3
(jul-ago-set), 2007. É possível identificar outras referências ao envolvimento de João Barbosa Rodrigues e a participação do Brasil nas grandes exposições
do século XIX, como, por exemplo, o catálogo de produtos enviados para a Exposição de Berlim pela província do Amazonas e organizado por João Barbosa
Rodrigues. Typographia do Jornal do Amazonas A. B. Bugalho, 1886 (Biblioteca do JBRJ).
4 O tema das exposições provinciais, nacionais e internacionais tem sido estudado, e os resultados desses estudos apresentados em relatórios, artigos,
livros, dissertações e teses de Doutorado no Brasil, especialmente da década de 1980 para cá.
5 HEIZER, Alda. A Exposição Nacional de 1908: entre comemorações. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Edição 200 anos da chegada da
Família Real. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2008, p. 14-24.
6 Refiro-me às reformas por que passou a cidade do Rio de Janeiro durante a gestão do prefeito Pereira Passos nos primeiros anos da República.
7 RODRIGUES, João Barbosa. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Uma lembrança do 1º Centenário (1808-1908). Rio de Janeiro. Officinas da “Renascença”
& E. Beviláqua, 1908.
8 RODRIGUES, João Barbosa. Hortus Fluminensis. Notícias sobre as plantas cultivadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro para servir de guia aos visitantes.
Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894.
10 RODRIGUES, João Barbosa. Relação das plantas expostas pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro por João Barbosa Rodrigues na Exposição Nacional de
1908. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
11 NEVES, Margarida de Souza. As vitrines do progresso. O Brasil nas Exposições Internacionais. Rio de Janeiro: PUC-Rio/CNPq/Finep, 1986.
12 NEVES, Margarida de Souza. A ‘machina’ e o indígena: o Império do Brasil e a Exposição Internacional de 1862. In: HEIZER, Alda e VIDEIRA, Antonio
Augusto. (Orgs.) Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001, p.173-206.
13 HEIZER, Alda. Entre mudanças e permanências. Le Brésil em 1889 e o Bolletim Commemorativo da Exposição Nacional de 1908. In: ALMEIDA, Marta de;
VERGARA, Rezende Moema. (Orgs.) Ciência, história e historiografia. Rio de Janeiro: Mast; São Paulo: Via Lettera, 2008, p. 293-303.
94 14 HEIZER, Alda. Observar o Céu e medir a Terra. Instrumentos científicos e a Exposição de Paris de 1889. Tese de Doutorado em Ensino e História das
Ciências. IG/Unicamp, Campinas, 2005. Em minha tese, dedico parte do primeiro capítulo aos autores brasileiros que escreveram sobre exposições na
segunda metade do século XIX.
15 A autora agradece à bibliotecária Rosana Simões a indicação do seguinte documento: Livro de Ofícios de Barbosa Rodrigues. Ofícios 2125; 2126; 2132,
2146; 2160; 2253, 2259; 2260 (transcrição por Tania Maura N. Riccieri). Biblioteca João Barbosa Rodrigues/JBRJ/MMA.
16 IHERING, Hermann von. João Barbosa Rodrigues. Revista do Museu Paulista, v. VIII. São Paulo: Typhographia do Diario Official, 1910.
17 BEDIAGA, Begonha. Jardim Botânico do Rio de Janeiro e as Ciências Agrárias. Revista Ciência e Cultura. SBPC, n.1, Ano 62, p. 28-31, 2010; CAPILÉ,
Bruno. A mais santa das causas: a Revista Agrícola do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1869-1891). Dissertação de Mestrado em História das
Ciências das Técnicas e Epistemologia do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE/UFRJ), Rio de Janeiro, 2010; MARTINS,
Maria Fernanda Vieira. O Imperial Instituto Fluminense de Agricultura: Elites, política e reforma agrícola (1860-1897). Dissertação de Mestrado em História
do Curso de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1995; ARAÚJO, Nilton de Almeida. A Escola Agrícola de São Bento
das Lages e a institucionalização da agronomia no Brasil (1877-1930). Dissertação de Mestrado em Filosofia e História das Ciências. Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2006; ARAÚJO, Nilton de Almeida Pioneirismo e hegemonia: a construção da agronomia como campo científico na Bahia (1832-1911).
Tese de Doutorado do Curso de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.
18 MELLO, Leitão C. A Biologia no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional. Coleção Brasiliana, v. 99, 1937; RODRIGUES, Barbosa. Vultos do Brasil.
Revista Brasileira de Geografia, n. 1, ano IV, p. 253, 1942; GUIMARÃES, Barbosa Rodrigues. Resenha Bibliográfica. Rodriguesia, v.27, p. 191-212, 1952;
ROMERO SÁ, Magali. O botânico e o mecenas: João Barbosa Rodrigues e a ciência no Brasil na segunda metade do século XIX. História, Ciências, Saúde
- Manguinhos, v.VIII (suplemento), p. 899-924, 2001; Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz/
Fiocruz. Disponível em: http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br
19 MATTOS, Ilmar R. Do Império à República. Estudos Históricos, v. 2, n. 4, p. 161-296, Rio de Janeiro, 1986.
20 VIDEIRA, Antonio Augusto. Anotações para uma biografia de Guido Beck. In: ALMEIDA, Marta de; VERGARA, M. Rezende. (Orgs.) Ciência, história e
historiografia. Rio de Janeiro: Mast; São Paulo: Via Lettera, 2008, p. 115-12; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. Para pensar a vida de nossos cientistas
tropicais.In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antônio Augusto. (Orgs.) Ciência, civilização e império nos trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001, p. 225-234.
21 IHERING, Hermann Von. Apud LOPES, Maria Margaret; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. A criação do Museu Paulista na correspondência de
Hermann Von Ihering (1850-1930). Anais do Museu Paulista, v. 10-11, n. 11. São Paulo, 2002-2003, p. 31; 23-36.
22 Carta de João Barbosa Rodrigues ao imperador D. Pedro II. Maço 201- Doc. 9225. Arquivo da Casa Imperial do Brasil / Museu Imperial de Petrópolis.Outras cartas
podem ser analisadas e se encontram no Museu Imperial de Petrópolis, abordando a solicitação do botânico para que o Jardim Botânico fosse contemplado
com a biblioteca do imperador, como também a carta ao imperador pedindo autorização para lhe dedicar sua obra sobre orquídeas do Brasil. Agradeço aos
colegas do Museu Imperial a indicação das cartas de João Barbosa Rodrigues ao imperador D. Pedro II que se encontram na referida instituição.
23 SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco. Um pensador do império. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.
[ Artigo recebido em 09/2010 | Aceito em 11/2010 ]

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 88-94, 2012


O País das Amazonas e naturalistas brasileiros:
a natureza amazônica nas viagens científicas
da Comissão Rondon e do Jardim Botânico do
Rio de Janeiro (1907-1931)

O País das Amazonas and the brazilian naturalists: the amazonian


nature in scientific voyages of the Rondon Commission and the
Rio de Janeiro´s Botanical Garden (1907-1931)

DOMINICHI MIRANDA DE SÁ
Casa de Oswaldo Cruz | Fiocruz

INGRID FONSECA CASAZZA


Casa de Oswaldo Cruz | Fiocruz

95

RESUMO Em 1909, foi implementado o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio pela República brasileira.
Muitas instituições científicas, entre museus, jardins botânicos e comissões de exploração, foram encarregadas,
por esta pasta, do inventário sistemático da natureza da fronteira noroeste do território nacional. A região – que,
no século XIX, começava a ser sistematicamente conhecida e chamada de “Amazônia” – era fortemente asso-
ciada à prodigalidade, exuberância e generosidade dos seus recursos naturais. Para torná-la domínio político
efetivo, o Estado brasileiro patrocinou, entre 1907 e 1931, séries de expedições de conhecimento de sua fauna,
flora e populações, e dois de seus atores principais foram a Comissão Rondon e o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Essas instituições organizaram viagens e enviaram à Amazônia séries de naturalistas e profissionais de
formação técnico-científica. Essas viagens, seus objetivos, personagens e principais resultados serão analisados
neste artigo.

Palavras-chave Amazônia; natureza; viagens científicas; Comissão Rondon; Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

ABSTRACT Brazilian Ministry of Agriculture, Industry and Trade was implemented in 1909. Many of scientific
institutions, including museums, botanical gardens and operating committees, were charged by this Ministry to perform
the systematic inventory of the nature of country’s northwest border. The region in the nineteenth century began to be
systematically known and called the “Amazon”. It was strongly related to the exuberance and generosity of its natural
resources.  Between 1907 and 1931 the Rondon Commission and the Rio de Janeiro’s Botanical Garden organized scien-
tific expeditions and sent to the Amazon naturalists and technical professionals. These expeditions explored Amazon’s
fauna, flora and human populations, in an attempt to become it an effective political domain. These voyages, their goals,
protagonists and principal results will be presented in this article.

Keywords Amazon; nature; scientific expeditions; the Rondon Commission, the Rio de Janeiro’s Botanical Garden.

Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 5, suplemento, p. 95-109, 2012


Introdução

Inúmeras são as referências a indicar que o termo “Amazônia” foi usado e consagrado como designação de toda
uma região associada à prodigalidade e à generosidade da natureza em um livro publicado, pela primeira vez, em 1883.
Seu título era O País das Amazonas, e seu autor, um barão, o de Santa-Anna Nery (1848-1901). Sua primeira versão
foi financiada pela Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, mas o livro foi impresso e reimpresso em francês,
por editoras de Paris, em 1885 e 1890. Divulgada, desde a sua primeira impressão, em jornais locais, como o Diário de
Notícias, apenas em 1901 trechos da obra foram editados em português, no Álbum do Estado do Amazonas.1
Le Pays des Amazones, L‘El-dorado, Les Terres a Caoutchouc, seu título original, foi concebido como propaganda
para atrair, sobretudo, imigrantes estrangeiros. Na conversão da província do Amazonas em Amazônia, Nery, nascido
em rica e importante família de Belém e homem de letras formado na Europa, apoiava-se largamente em cronistas e
eclesiásticos, e, sobretudo, em viajantes e naturalistas como La Condamine, Humboldt, Wallace, Agassiz, Spix e Mar-
tius, os quais, do seu ponto de vista, tinham ilustrado, nos seus escritos, extensão, quantidade, riqueza e qualidades
privilegiadas e ilimitadas dos solos, vegetação e águas amazônicos.
Nery tinha, no entanto, forte ressalva aos estudiosos que citava, pois teriam priorizado a descrição de fenômenos
particulares e considerado como isolados os reinos da natureza e as populações humanas da região. A Amazônia, no
seu dizer, confirmaria o destino de “terra da promissão”, apontado pelos cronistas e naturalistas, se povoada em favor
do incremento da agricultura e da mineração; se desmentidas as ideias negativas sobre os pretensos malefícios do
clima quente;2 se floresta e matérias-primas exploráveis da região fossem utilizados “racionalmente” e em detrimento
do investimento exclusivo na extração da borracha; mas, sobretudo, se os seus elementos naturais fossem conhecidos
em conjunto, em sua “harmoniosa unidade”.3 O eixo unificador das imagens que construía e reproduzia sobre a região
– terras virgens e vastas, inexploradas e desconhecidas, ricas e de baixa ocupação – parecia ser, na verdade, o apro-
veitamento humano dos seus recursos. Não inventava a admiração com a exuberância, tampouco o utilitarismo nas
96
leituras da natureza,4 mas elevava-os à categoria máxima de publicidade e polo de atração e ocupação. A segui-lo, a
Amazônia seria uma paisagem única: desde “celeiro” à “farmácia central do mundo inteiro”.5
A despeito de ter sido considerado e de se apresentar, ele próprio, como o grande sistematizador e propagandista
da Amazônia como região singular, Nery seguia chave de leitura da própria produção científica dos naturalistas que
citava e à qual dizia se opor: o tratamento da diversidade espacial, ou seja, o entendimento de cada conjunto regional
como particular na “interação entre os vários elementos da natureza e da vida humana”.6 Tratava-se de nova tendência
de representação da natureza brasílica, que vinha sendo verificada desde o final do século XVIII e que seria mesmo
adensada no século XIX7 – a da percepção da variedade de territórios e sistemas naturais, com distintas modalidades e
potenciais de exploração econômica, que deveriam ser conhecidos em suas diferenças. Dito de outro modo, a natureza
seria um “conjunto de conjuntos”.8 Para nomear um desses conjuntos, visto na ocasião como exemplarmente rico e
complexo do ponto de vista dos seus recursos naturais específicos, Nery empregava o nome “Amazônia”,9 e convocava
a política monárquica tanto para empreender a sua colonização quanto para empregar os cientistas da ocasião no seu
estudo sistemático.
Seu apelo não era novo, sequer único entre homens de estado e de ideias no período imperial,10 mas apenas a
República brasileira, nos primeiros anos do século XX, financiaria uma política regular de conhecimento científico da
diversidade natural e regional brasileiras.11 A Amazônia, ou a fronteira noroeste do Brasil, tornou-se, em particular,
objeto frequente e privilegiado de estudos e pesquisas de séries de instituições científicas estatais, entre museus,
jardins botânicos e comissões de exploração, sobretudo após a criação e a implementação do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio (Maic, 1906-1909).12 Tratava-se de iniciativa de inventário sistemático da natureza da região, vista
na ocasião como rica e variada, e de tentativa de conversão de ‘fundos territoriais’13 (em região de frente de expansão
e disputas internacionais de limites) em “territórios usados”, ou em domínio político efetivo.14 Mais especificamente,
o Estado brasileiro patrocinou séries de expedições de conhecimento de sua fauna, flora e populações, que tiveram

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na Comissão Rondon e no Jardim Botânico do Rio de Janeiro dois de seus principais atores. Essas instituições, entre
1907 e 1931, organizaram viagens e enviaram à Amazônia séries de naturalistas e profissionais de formação técnico-
científica, que, além de coletarem, classificarem e catalogarem espécimes, realizaram levantamentos topográficos,
redigiram relatórios científicos, proferiram conferências e publicaram textos de divulgação acerca, sobretudo, das
novas espécies identificadas. Dessas viagens de conhecimento da natureza amazônica, seus personagens e principais
resultados é que tratará este artigo.

Ciência, Estado e inventário da natureza

Nas últimas décadas do século XX, a historiografia brasileira que toma a ciência como objeto vem sendo caracterizada
por sua aproximação com a História Social, pela crescente ampliação da demarcação temporal de suas pesquisas, pela
diversificação de suas temáticas, pela problematização conceitual da noção “instituição científica” e pela investigação
das relações entre Estado e ciência, sobretudo nos séculos XIX e XX.15 Sobre este último tópico em particular, os es-
tudos têm salientado que essa aliança, nesse período, tinha como objetivos principais a “civilização” e a modernização
do país sob a rubrica geral da “integração nacional”.16 “Integrar”, na ocasião, significava, basicamente, ocupar e povoar
os espaços vazios, sobretudo os do interior do território, tornando-os produtivos.17 E para a incorporação dos espaços
afastados do interior, o próprio Estado brasileiro, na virada do século XIX para o XX, além de primordialmente promover
construção e obras de infraestrutura de transportes e comunicação, como estradas de ferro e expansão de linhas telegrá-
ficas, organizou viagens científicas, que constituíram, elas também, projetos oficiais de modernização e exploração das
potencialidades econômicas do território brasileiro. As origens desse projeto podem ser localizadas no Império, por meio,
por exemplo, das atividades da Comissão Científica de Exploração (1856), da Comissão Geológica Imperial (1875) e da
Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo (1886),18 mas, durante a República, iniciativas semelhantes não apenas
97
se intensificaram como ganharam nova expressão. “Incorporação” e “conhecimento científico” do território – aliança que
incluía, não raras vezes, levantamentos nosológicos e atividades de combate a doenças nos sítios a serem ocupados e
povoados – passaram a ser aspectos absolutamente indissociáveis nessas viagens de exploração.19
Essas iniciativas estavam subordinadas à Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, dirigido pelo engenheiro Miguel Calmon du Pin e Almeida entre 1906
e 1909. Nesse período, inexistia um Ministério da Agricultura; o Macop, criado em 1860, foi extinto com a República,
em 1891. Esta Secretaria, na ocasião, representava os interesses da antiga pasta, a qual, durante o Império, vocalizou
a aliança entre “progresso nacional”, “progresso das ciências naturais”, sobretudo da Botânica com seus estudos apli-
cados sobre plantas e sementes, e “progresso da agricultura”.20 Essas comissões e viagens de exploração deveriam
realizar estudos sobre as populações e as riquezas naturais das regiões percorridas.
As atividades de cunho científico de comissões ligadas ao Ministério da Viação só fizeram crescer quando passa-
ram a estar atreladas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Maic), (re)criado em 1906, mas efetivamente
implementado em 1909, a partir da antiga Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do
Ministério da Viação.21 Elas passaram a estar oficialmente encarregadas dos trabalhos de levantamento topográfico,
reconhecimento, medição, identificação de caminhos e demarcação de terras nas quais seriam instalados centros agrí-
colas e suas lavouras. Nesse período, o levantamento científico do território, por meio do estudo de climas, incidência
de doenças, rios, plantas, animais e capacidade das terras para agricultura, mineração ou pecuária, era indissociável
dos projetos de diversificação produtiva, de modernização da agricultura, construção de caminhos para o escoamento
da produção e fixação de mão-de-obra no interior, das quais se encarregavam todos os diferentes órgãos do Maic na
ocasião, segundo o decreto 7.727 de 09/12/1909, que regulamentou a reorganização da pasta.22 Tratava-se de ênfase
em ciência aplicada, ou seja, era absolutamente imperativa a necessidade de pôr a natureza (entendida como recurso
natural) a serviço do homem.23

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Nossas pesquisas sugerem, baseadas em estudos anteriores,24 que a produção científica brasileira da virada do
século XIX para o XX esteve fortemente ancorada no financiamento de Ministérios a instituições e comissões de estu-
dos e exploração que acompanhavam obras de construção de infraestrutura e inventário de solos e riquezas naturais
para o incremento da agricultura, base da economia do país na ocasião.25 O Maic, em toda a Primeira República, foi
um dos principais financiadores de atividades científicas em instituições que estavam sob a sua jurisdição, como, por
exemplo, o Museu Nacional; o Jardim Botânico do Rio de Janeiro; a Escola de Minas de Ouro Preto; Diretoria Geral
de Estatística; Diretoria Geral do Serviço de Povoamento; Comissões Telegráficas; Serviço Geológico e Mineralógico
do Brasil; Observatório Nacional; Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais; Diretoria
de Meteorologia e Astronomia; Diretoria do Serviço de Inspeção, Estatística e Defesa Agrícola; Diretoria do Serviço
de Veterinária; Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária; Estação de Biologia Marinha; Estação Central de
Química Agrícola; Inspetoria de Pesca e Superintendência de Defesa da Borracha.
Nesse panorama, em função dos potenciais científicos e econômicos dos recursos naturais amazônicos que
vinham sendo alardeados em diferentes obras de intelectuais e viajantes, nacionais e estrangeiros,26 não estranha que
o Maic tenha direcionado para a região séries de naturalistas e profissionais com formação técnico-científica vinculados
às instituições cujas diretrizes orientava. Entre elas, destacam-se a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de
Mato Grosso ao Amazonas, ou Comissão Rondon, e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que organizaram diferentes
expedições de mapeamento de suas “riquezas”. Em momentos diversos, de 1907 a 1931, seus membros percorreram
a Amazônia com vistas ao seu conhecimento, aproveitamento e integração. Consolidavam o reconhecimento cientí-
fico de que, como sistema natural, constituía um mundo à parte e, em termos políticos, representavam a convicção
republicana de que, ou bem o Estado chegava à Amazônia, ou esse trecho norte e suas populações acabariam por se
destacar e distanciar do território nacional.27

98
A Comissão Rondon na fronteira amazônica

A partir do ano de 1907, vastas regiões da fronteira noroeste do Brasil passaram a ser atravessadas por um grupo
de oficiais e praças do exército brasileiro que cumpriam a missão de nelas estender fios telegráficos.28
Compunham uma comissão cujo objetivo era ligar ao Rio de Janeiro os territórios do Amazonas, do Acre (região
cedida ao Brasil pela Bolívia em tratado de 1903), do Alto Purus e do Alto Juruá, na fronteira com o Peru, por intermédio
da capital do Mato Grosso. Os pontos extremos da linha-tronco seriam Cuiabá, Santo Antônio do Madeira, ponto inicial
da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, e Manaus, na região amazônica.29 Era composta basicamente
por militares, entre oficiais, inspetores e seus auxiliares, dois médicos, dois farmacêuticos e um fotógrafo, além de
dezenas de praças para a execução dos trabalhos pesados. Somavam-se a eles guarda-fios e telegrafistas civis do
Ministério da Viação, e totalizavam, assim, de três a seis centenas de homens a formar a Comissão de Linhas Telegrá-
ficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA) – também conhecida como Comissão Rondon, por ter sido
chefiada pelo então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958).30 No orçamento da Comissão, previa-se
ainda a contratação dos “praticantes regionais”, ou seja, de civis, habitantes das regiões percorridas, inclusive índios,
que funcionariam como guias, remadores de canoas e auxiliares nos serviços de derrubada da mata e instalação dos
postes telegráficos.31
Os membros da Comissão, nas suas diferentes viagens, assim que chegavam às localidades destinadas à inte-
gração telegráfica, seguiam rígidas etapas de trabalho: reconhecimento preliminar do terreno por meio de medições,
demarcações e determinações dos azimutes para a confecção de mapas, organização de acampamentos e plantas,
escolha dos pontos de passagem da linha telegráfica, abertura da picada com derrubada da mata, nivelamento das
picadas em caso de terrenos acidentados, definição dos locais dos postes telegráficos e projeção das diretrizes das
linhas, extração de madeira para confecção desses postes, abertura dos buracos nos quais esses mesmos postes

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seriam fincados com seus para-raios e isoladores. Tratavam, então, de esticar os fios condutores, que eram, por sua
vez, ligados ao aparelho Morse, e, concluída a instalação, procediam aos levantamentos topográficos e coordenadas
geográficas dos pontos nos quais as linhas telegráficas tinham sido instaladas. Construíam também pequenas casas
para funcionarem como estações. Efetuado o trabalho de instalação, seguiam com acampamentos e equipamentos para
as localidades seguintes que dariam continuidade à linha-tronco, que, pretendia-se, rasgaria a floresta amazônica.32
Os trabalhos de construção de postos e linhas telegráficas ligaram Cuiabá a Santo Antônio do Madeira, atual
cidade de Porto Velho, mas não se estenderam até Manaus.33 Duraram de 1907 a 1915 (quando a região amazônica
foi alcançada), e, nas viagens dessa Comissão, as atividades de levantamento cartográfico e geográfico do território
brasileiro intensificaram-se. Aos oficiais do Batalhão de Engenharia e Construção do Exército passaram a se somar,
sistematicamente, séries de naturalistas estudiosos em Botânica, Cartografia, Geologia, Zoologia e Antropologia, so-
bretudo do Museu Nacional do Rio de Janeiro.34
A constituição da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas foi objeto de vários
trabalhos em história do Brasil35 que se ocuparam em examinar a importância da sua atuação, nos primeiros anos da
República, para a construção e conservação de redes telegráficas para comunicação, integração, vigilância e defesa
das fronteiras brasileiras ao norte. Sua caracterização como “missão civilizatória” do Estado brasileiro para a incorpo-
ração do interior, no dizer da ocasião, isolado do país também deve ser destacada nessas abordagens.36 No entanto,
na perspectiva da história das ciências, outras atividades da CLTEMTA também merecem atenção. Diretriz ministerial
mencionada no ofício que a criou, o inventário científico das riquezas naturais da porção norte do território era absoluta
prioridade nas diferentes viagens dos membros da Comissão do Mato Grosso ao Amazonas.37
Quando foi criada, a Comissão de Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas estava vinculada tanto ao
Ministério da Guerra, ao qual o Exército brasileiro estava subordinado, quanto à Secretaria dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. E por meio das indicações dessa Secre-
taria, a Comissão deveria realizar estudos sobre as populações e as riquezas naturais das regiões do Mato Grosso e do 99
Amazonas, de modo a avaliar o potencial do solo daquelas regiões para o cultivo de lavouras, diversificação e moder-
nização das áreas de plantio. A seguir as instruções que criaram a Comissão, publicadas no Diário Oficial de março de
1907, vemos que tinha sido designada principalmente para “estudar os recursos naturais da região percorrida” por meio
de explorações geológicas, geográficas, botânicas e mineralógicas.38 Os relatórios das viagens, muito documentados e
especialmente detalhados, com ênfase no mapeamento dos produtos extrativos da região, foram também expressão
dessas determinações de 1907.39
As atividades de cunho científico da Comissão cresceram quando ela passou a estar igualmente atrelada ao
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Maic).40 Na verdade, a Comissão continuou ligada aos Ministérios da
Guerra e da Viação, mas passou também a estar subordinada ao Ministério da Agricultura, com a criação do Serviço de
Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), em 1910. Com membros justapostos desde o
diretor Rondon aos chefes de seções, ajudantes técnicos e oficiais, cujos vencimentos, inclusive, eram calculados na
forma de gratificações adicionais pela atuação nos dois órgãos do Maic,41 a CLTEMTA e o SPILTN realizavam serviços
complementares nas mesmas regiões, Mato Grosso, Acre e Amazonas em trabalhos de levantamento topográfico,
reconhecimento, medição, demarcação de terras, identificação e construção de caminhos, e deveriam discriminar as
áreas ocupadas por índios42 (nas quais seria lentamente introduzida a indústria pecuária) daquelas nas quais seriam
instalados “centros agrícolas” e suas lavouras. Do ponto de vista do Maic, a subsistência e a fixação de populações
naquelas regiões só poderiam se efetivar por intermédio da expansão da agricultura.43
A tripla ingerência ministerial conferiu à Comissão uma visão ainda mais “utilitária” do conhecimento. Daí, a parti-
cipação mais sistemática nas suas diferentes viagens e, a partir de 1910, de naturalistas do Museu Nacional, instituição
que também passara à jurisdição do Ministério da Agricultura nessa mesma ocasião. Seriam esses naturalistas os
encarregados, “em benefício do trabalhador nacional”, da realização de “vários estudos, em diferentes estados, todos
tendentes à fundação de centros agrícolas (...). Há de se desbravar e povoar-se o interior”.44

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A propósito, os relatórios da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas de Mato Grosso ao Amazonas ilustram
bem a combinação entre os objetivos mais imediatos e “pragmáticos” de efetivar as comunicações e integração dos
sertões às preocupações e estilo de trabalho típicos dos naturalistas: volumosas descrições de espécimes da flora e
da fauna; detalhadas descrições geográficas e geológicas acompanhadas de pranchas primorosas; glossário de termos
presentes em línguas de vinte sociedades indígenas, entre outras características, fazem do conjunto dos trabalhos
realizados, como observou posteriormente o cientista brasileiro Arthur Neiva, uma das mais valiosas contribuições à
ciência brasileira. Somam-se a essas contribuições as fotografias e filmes realizados pela Comissão, sobretudo após
1912, com a criação da sua Seção de Cinematografia e Fotografia, dirigida pelo major Luiz Thomaz Reis, que preparou,
dentre outros, o filme Ao redor do Brasil, importante registro das viagens ao noroeste do Brasil.45
Os cientistas que participaram da Comissão Rondon, além de coletarem espécimes da flora e fauna das regiões
percorridas, classificaram e catalogaram o material coligido, redigiram relatórios científicos detalhados, proferiram
conferências e publicaram textos de divulgação durante as décadas de 1910 e 1920 sobre as viagens e seus resultados
no que se refere, sobretudo, a novas espécies identificadas. Dentre eles, destacam-se: na Zoologia, Alípio de Miranda
Ribeiro, Arnaldo Blake Santana e José Geraldo Kuhlmann; em Geologia e Mineralogia, Cícero de Campos e Euzébio de
Oliveira; na Antropologia, Edgard Roquette-Pinto; e na Botânica, Frederico Carlos Hoehne e João Geraldo Kuhlmann.
Entre os trabalhos da Comissão, destacam-se, ainda, o percurso pela Serra do Norte (região que hoje conhecemos
como o estado de Rondônia), a descoberta de rios até então desconhecidos e a correção de erros cartográficos, o
contato e o estudo de sociedades indígenas como os Pareci e os Nambiquara.46
A instituição que teve o acervo mais enriquecido pelos trabalhos da Comissão Rondon foi o Museu Nacional.47 Dados
apresentados por um dos principais zoólogos dessa instituição e membro da Comissão, Alípio de Miranda Ribeiro, em
conferências de forte teor crítico à própria direção do Museu pelo que considerava ausência de políticas de valorização
dos acervos e do trabalho dos naturalistas, trazem informações interessantes. Segundo ele, a “lição científica” dada
por Rondon era a melhor resposta ao famoso poeta Olavo Bilac, que afirmara ser o Museu Nacional uma instituição
100 “anquilosada”, ou seja, rígida, imobilizada, paralisada.48
O zoólogo, em conferências realizadas no Museu Nacional em 1916, comparou a formação das coleções de
Botânica, Zoologia e Antropologia nos quase 100 anos de existência da instituição, criada em 1818, em relação às
contribuições enviadas pela Comissão do Mato Grosso ao Amazonas em apenas 8 anos, enfatizando a diversidade e o
volume das médias anuais dos exemplares coletados. Em áreas como a Botânica, a média anual da Comissão era de
envio de 1104 exemplares, enquanto a anterior era de 530. Em Zoologia, a média era de 709 contra os 593,14 anteriores.
No caso da coleção antropológica, a diferença era ainda mais notável: 422 contra 11,85.49
Miranda Ribeiro fazia questão de destacar que o trabalho científico da Comissão não se teria restringido ao
incremento das coleções do Museu; seus relatórios traziam, por exemplo, descobertas e fartas descrições de novas
espécies de mamíferos, aves, insetos, plantas e substâncias vegetais medicinais, de peixes e algas de água doce, e
suas respectivas figuras, ou em estampas, segundo ele, “belamente executadas”, ou em fotografias, “muitas delas
pela primeira vez tiradas em estado natural”. E mais: o material coligido pela Comissão teria permitido uma revisão
completa dos crustáceos brasileiros da família Argulidae, assim como teria incrementado o trabalho do então diretor
do Museu Paulista Hermann Von Ihering com moluscos – a Comissão teria fornecido dados sobre 20 espécies, 3 delas
novas e muito raras. Também em Zoologia, destaca-se a coleção de mosquitos tabanídeos, coligida por Miranda Ribeiro
e estudada por Adolpho Lutz, à época cientista do Instituto Oswaldo Cruz. Na área de Botânica, teria fornecido subsídios
para as pesquisas de Alberto José de Sampaio, que preparou o trabalho A flora de Mato Grosso, publicado no periódico
da instituição: os Arquivos do Museu Nacional.50
Nessa mesma área, entre os naturalistas que acompanharam as viagens da Comissão, destaca-se o botânico
Frederico Carlos Hoehne, que, em linhas mais ou menos retas, percorreu 7.350 km dos campos e das florestas do
Mato Grosso para coleta de material botânico e observações fitofisionômicas. Sobre o trabalho desenvolvido, o próprio
Hoenne comentaria, anos depois, na publicação Índice bibliográfico e numérico das plantas colhidas pela Comissão

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Rondon (1951), que estudar e mapear a região equivaleria a desenvolver a economia de todo o Brasil. Além da sua rica
flora, revelada nas viagens da Comissão, a área era vastíssima: Hoehne salientava que nela caberiam, juntos, países e
populações inteiras da Europa – da Alemanha, França, Itália, Portugal e Holanda. Para ele, preparada para a agricultura,
a região seria capaz de garantir sozinha a alimentação de todos os brasileiros.
Para além da pesquisa científica, vemos, na documentação produzida – entre relatórios (técnicos, científicos e
médicos), mapas, plantas (com o reconhecimento e levantamento das regiões), cadernetas de viagem, diários de campo,
conferências, textos para jornais e revistas do período –, que os membros da Comissão também delimitavam as áreas
de limites com outros países, assim como aquelas propícias ao povoamento, ao cultivo de lavouras e à expansão da
pecuária; demarcavam terras indígenas, discriminavam, em levantamentos médicos, a selva, onde grassaria a malária,51
da floresta, objeto que começava, então, a ser discutido como área de “aproveitamento racional”.52
A “floresta amazônica” tornou-se foco especial de atenção dos trabalhos da Comissão Rondon no período de
1915 a 1920, quando seus membros realizaram, sobretudo, o levantamento e a exploração de rios da região. Num
empreendimento do Estado brasileiro designado para o conhecimento e a ocupação de uma área entrecortada por
rios, não estranha que estes se tenham tornado, por alguns anos, o seu foco prioritário. Naquela conjuntura, os rios
– esperava-se – deveriam constituir os caminhos principais: as estradas de penetração, esquadrinhamento e inventário,
modernização e ocupação da fronteira noroeste do Brasil.53
Nesse período, foram realizadas expedições de levantamento de diferentes rios, tanto daqueles identificados entre
1907 e 1915, quando o fio telegráfico foi instalado pela Comissão entre o Mato Grosso e o Amazonas, quanto daque-
les que seus membros, sobretudo os engenheiros militares, presumiam, pela consulta a mapas dos séculos XVIII e
XIX, necessitar de verificação e retificação dos seus cursos. E esses estudos de conhecimento dos rios – realizados,
sobretudo, pelos engenheiros militares da Comissão Rondon- podem ser compreendidos pela consulta a um tipo
específico de documentação: as cadernetas de anotações de campo feitas por esses mesmos oficiais. Elas contêm
os registros numéricos dos estudos e levantamentos feitos, e croquis com a representação gráfica da área explorada.
Alguns volumes guardam observações diversas a respeito dos aspectos geográficos, da ocupação humana do território 101
e informações acerca da metodologia e instrumentos utilizados nos trabalhos. No Arquivo Histórico do Exército do Forte
de Copacabana do Rio de Janeiro/Brasil, estão armazenadas cerca de 117 cadernetas com dados sobre as incursões
aos rios no período de 1915 a 1920.54 Referem-se a expedições de levantamento, reconhecimento e exploração de
diferentes rios da região que abarcava o estado brasileiro do Mato Grosso e suas divisas com Goiás e Amazonas – área
que engloba, sobretudo, a localidade que hoje conhecemos como o estado de Rondônia. Entre os rios explorados,
destacam-se o Jaru, Araguaia, rio das Mortes, Paraguai, Cuiabá, São Lourenço, rio Madeira e Jamari.55
A exploração e levantamento de rios foi uma atividade prioritária no âmbito da Comissão Rondon de 1915 a
1920 em função tanto do objetivo de ratificar ou retificar o traçado dos rios nos mapas então disponíveis quanto de
conhecer as características e potencialidades dos seus cursos d’água. Serviria, ao fim dos trabalhos, para produzir
novas representações cartográficas e mapas hidrográficos das regiões percorridas por meio do trabalho da Seção de
Desenho da Comissão Rondon.
E esse trabalho, nomeado de “reconhecimento” e “levantamento” pelos engenheiros da CLTEMTA, iniciava-se
percorrendo o próprio objeto, ou seja, por meio da tomada dos rumos do curso do rio estudado, através da bússola, e a
aferição das distâncias pela velocidade média da canoa que os transportava. Com o auxílio do cronômetro, media-se a
duração de tempo que a embarcação levava para percorrer determinado percurso, de modo que, de posse das grandezas
velocidade e tempo, com uma operação aritmética, obtinha-se a extensão do trecho do rio navegado.56
Havia ainda o trabalho de exploração do rio, no qual eram feitas medições mais complexas para indicar a largura e a
profundidade em determinados trechos, a velocidade média do fluxo de água, a descarga (vazão) e os saltos existentes,
e isso, para a avaliação do potencial hidráulico das quedas, bem como das suas condições de navegabilidade.
Além do exame do curso dos rios em pauta, de suas cachoeiras, corredeiras, seus formadores e afluentes,
registravam-se a geologia de seu leito, a flora de suas margens, a presença de sociedades indígenas e indícios de

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atividades econômicas realizadas nas suas proximidades. Se considerarmos a caderneta aberta, as tabelas dos diver-
sos tipos de trabalho estão impressas nas páginas da esquerda, compondo um conjunto de informações acerca das
características naturais dos territórios percorridos. Do lado direito, vemos o esboço ou croqui do trecho que está sendo
aferido e algumas informações da paisagem, de acidentes geográficos e de ocupação humana, encontrados ao longo
do itinerário seguido.57
Notamos, assim, que os engenheiros militares da Comissão Rondon funcionaram, a um só tempo, de 1915 a
1920, como palmilhadores e medidores de espaços, cartógrafos e etnógrafos das regiões percorridas. E os rios eram o
objeto primordial de atenção nas viagens desse período porque significavam o entrocamento dos diferentes objetivos 
da Comissão: eram vistos, concomitantemente, como caminhos de escoamento da produção agrícola e da circulação
de pessoas, marcos naturais de fronteira, viveiros dos vetores transmissores da malária que assolava as regiões à
época58 e condições determinantes para a instalação de lavouras. E dessa polissemia dos rios do norte do Brasil se foi
construindo a imagem da floresta amazônica na documentação da Comissão Rondon: região de chuvas intermitentes
e clima quente; grandes extensões de terra opulenta, fértil e abundante a serem cultivadas; regiões fabulosas e cheias
de riquezas; solos perfeitos para a agricultura e alternativa ideal ao exclusivo extrativismo da borracha, cujo incremento
da plantação dependia apenas da derrubada “racional” da mata, ocupação e povoamento por “lavradores operosos” e
criação de meios de transporte para o escoamento da produção. Era, como vemos, o próprio “país das Amazonas”, ou
seja, região de ocupação premente, cuja “natureza” era frente de expansão a ser entrecortada por linhas telegráficas,
centros agrícolas e caminhos fluviais.59

O Jardim Botânico e a Amazônia como objeto

102 Os primeiros jardins botânicos do mundo surgiram na Europa, no século XVI, com o intuito de estudar as plantas
medicinais, e formaram as primeiras coleções de plantas para fins científicos.60 Ao longo do tempo e nos mais diferentes
contextos locais, novas funções foram sendo acrescentadas a essas instituições, como, por exemplo, os estudos de
Botânica aplicados à agricultura e à exploração de recursos naturais. A importância dos jardins botânicos enquanto pontos
turísticos e locais destinados ao lazer das populações, e o papel fundamental que exercem atualmente na conservação
de espécies, também são atribuições que foram dadas a essas instituições no decorrer de sua história.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) – a exemplo de outros congêneres estabelecidos no país, como o
Jardim Botânico do Grão-Pará, fundado em 1796, na cidade de Belém – foi criado em 1808, com o objetivo de desen-
volver experiências de aclimatação com espécies vegetais de interesse agrícola e comercial.61 As primeiras instituições
botânicas da colônia (Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Jardim de Belém e de Pernambuco) visavam aclimatar as
chamadas plantas exóticas, incluindo aqui as especiarias das Índias orientais. Nessa época, o valor científico atribuído
aos produtos da flora estava associado ao caráter “útil” que estes representavam.
Em 1824, frei Leandro do Sacramento, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra e professor
de Botânica da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, foi nomeado como primeiro diretor da instituição, que,
desde 1819, estivera anexada ao Museu Real, atual Museu Nacional. Frei Leandro, além da aclimatação de plantas,
realizou pesquisas, experimentações, catalogação, classificação e introdução de novas espécies.62
Em 17 de agosto de 1861, foi assinado um contrato entre o Governo Imperial e o Imperial Instituto Fluminense
de Agricultura, determinando que a administração do Jardim Botânico passasse para o referido instituto, o qual visava
viabilizar medidas úteis para o progresso da agricultura e buscava, por intermédio da aplicação dos conhecimentos
científicos, racionalizar a exploração da terra e da natureza. A direção do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura
tinha o interesse em fundar no Jardim Botânico um estabelecimento agrícola, denominado Asilo Agrícola da Fazenda
Normal, que serviria de escola prática e modelo às fazendas de cultura de especiarias. Por volta de 1874, abrigava
um laboratório para análises químicas agrícolas, viveiros de plantas, cultura de bicho-da-seda, oficinas de serralheria e

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carpintaria e fábrica de chapéus de palha. O laboratório de Química, abandonado por um período e retomado naquele
ano, realizava análises de canas, terras e algumas plantas.63
A união entre o Jardim Botânico e o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura foi desfeita em 1890, e a institui-
ção passou a ser dirigida por João Barbosa Rodrigues. Durante este período, observou-se o fortalecimento da pesquisa
botânica, com ênfase no estudo da flora brasileira. Barbosa Rodrigues esteve à frente do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro por cerca de vinte anos, sendo um nome de grande prestígio na história da instituição. Sob sua direção, ocorreu
incentivo à pesquisa científica com o aumento das coleções, a criação do cargo de naturalista viajante e o incremento
do intercâmbio com outras instituições científicas.64
No início da década de 1910, ao ser subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, o Jardim
Botânico do Rio de Janeiro passou por um processo de reformulação das suas atribuições, o qual repercutiu nas
atividades científicas ali desenvolvidas. A reformulação foi resultado de uma adequação institucional ao projeto
republicano, que considerava a diversificação da agricultura um dos caminhos mais importantes para a realização
do objetivo de modernização do país. Essa adequação manteve a tradição institucional de depositária de diferentes
espécimes da flora do Brasil, mas demandou a sua reorganização em novas seções e especialidades, como é pos-
sível perceber através do decreto 7848, de 3 de fevereiro de 1910,65 que reestruturou o Jardim Botânico do Rio de
Janeiro com a criação da seção botânica, da seção agronômica, do laboratório de química agrícola e do de fisiologia
vegetal e ensaio de sementes.
A seção botânica ficou divida em herbários, museu botânico e florestal, jardins e estufas. A segunda seção, a
agronômica, abrangeria os serviços de silvicultura, arboricultura e fruticultura, o estudo agrícola e industrial das plantas
têxteis, e posto meteorológico. Ao laboratório de química agrícola, a terceira seção, competia análise e estudo das
terras e rochas, dos diversos adubos e corretivos, das plantas e frutos cultivados nos campos de cultura da instituição,
visando meios de aumentar-lhes o rendimento industrial, entre outros encargos. A quarta seção – o laboratório de
fisiologia vegetal e ensaios de sementes, além de outras funções – ficou responsável pelas pesquisas e experimenta- 103
ções atinentes às funções normais das plantas, pela aplicação dos princípios de fisiologia à agricultura e pelo estudo
do valor econômico das diversas espécies de grãos. O Jardim Botânico compreenderia também uma Biblioteca dotada
de um serviço especial de permutas de publicações com estabelecimentos congêneres do país e do estrangeiro, e de
um museu com amostras de terras agrícolas do Brasil, amostras de adubos, corretivos, inseticidas e fungicidas, com
indicação das respectivas composições, valor fertilizante e comercial, além de modelos e fotografias de máquinas,
aparelhos e instrumentos agrícolas e florestais.66
A crescente especialização da instituição em estudos de fisiologia vegetal e química agrícola, nas primeiras
décadas do século XX, atendia a necessidades práticas de aplicação dos novos conhecimentos na modernização e
diversificação da agricultura, como, por exemplo, no combate a pragas agrícolas e no cultivo de plantas/sementes
para diferentes tipos de solo. Mas, embora a instituição estivesse voltada para o atendimento das demandas do Maic,
como é possível perceber através das mudanças ocorridas em sua estrutura e na análise dos relatórios do referido
ministério, a natureza não era compreendida no JBRJ apenas como fonte de recursos para o incremento de lavouras;
não era valorizado apenas o seu aspecto “útil”. A partir da leitura dos relatórios do Jardim, podemos perceber que a
natureza aparece tanto como matéria-prima para a agricultura quanto como o objeto científico de profissionais que
se dedicavam a estudos que não tinham uma perspectiva imediatamente aplicada, como os trabalhos de descrição
taxonômica, por exemplo.
Durante esse período, a instituição expressou certa tradição nacional de reflexão sobre a natureza, própria de seu
contexto histórico, devendo servir como fonte de recursos que gerasse riquezas para o país. Por outro lado, os trabalhos
ali realizados traziam também as marcas de propostas científicas intrinsecamente presentes em jardins botânicos no
mundo inteiro, como, por exemplo, a intenção de constituí-los como amostras da flora de diferentes localidades do
planeta. Essas características acima listadas, que sinalizam uma coexistência dos estudos sobre a natureza por sua
utilidade e como objeto científico, não eram singulares do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas tal coexistência foi

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especialmente frequente na produção científica da instituição entre os anos de 1915 e 1931, período em que esteve
sob a direção de Pacheco Leão.
O médico e cientista Antônio Pacheco Leão assumiu a direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1915.
Sua trajetória profissional inclui cargos de direção em estabelecimentos governamentais como o Serviço de Profilaxia
da Febre Amarela e a Escola de Medicina, da qual foi professor, além de ter sido membro da Comissão Científica do
Instituto Oswaldo Cruz ao Amazonas, chefiada por Carlos Chagas. Assim como Barbosa Rodrigues, Pacheco Leão per-
maneceu muitos anos à frente da instituição. Durante esse período, podem ser percebidas a participação da instituição
em grandes expedições, a ampliação do herbário e do arboreto, e o treinamento de novos botânicos. Além disso, sob
a direção de Pacheco Leão, botânicos como Alberto Löfgren, Adolpho Ducke, João Geraldo Kuhlmann67 e Alexandre
Brade foram admitidos, o que impulsionou as pesquisas em taxonomia vegetal e elevou o Jardim Botânico à liderança
nacional nos estudos sobre a flora brasileira.68
Conforme já mencionado acima, as expedições científicas foram atividades promovidas durante a gestão de
Pacheco Leão. Na documentação analisada, existem muitas referências a essas expedições, cujos objetivos centrais
eram enriquecer as coleções do Jardim, com a coleta de novos espécimes, e a realização de estudos e observações
da flora de diferentes regiões do país, tanto de estados distantes da capital federal, como o Amazonas e o Pará, como
dos arredores do próprio Rio de Janeiro ou de estados como Espírito Santo e Minas Gerais. O material coletado não era
apenas para o estudo de sistemática, mas também para ensaios de aclimação, seleção e apuro de produtos de valia
agrícola e industrial. Esse material atingia anualmente milhares de espécies, de acordo com as fontes, o que coadunava
com a missão institucional de tornar-se o mostruário mais completo da flora nacional.
Os naturalistas viajantes saíam em expedições com a finalidade de coletar e classificar material botânico de
diversas áreas geográficas. Por vezes, esses cientistas esbarravam em obstáculos (como insuficiência de recursos ma-
teriais, dificuldades de transporte e enfermidades que acometiam a equipe), no entanto, retornavam dessas excursões
104 trazendo, além de novos exemplares de plantas, extensos relatórios que descreviam a vegetação das localidades pelas
quais passavam. Nesse período, dois botânicos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro tiveram destacada participação
nas expedições científicas realizadas pela instituição: João Geraldo Kuhlmann e Adolpho Ducke.
Em 27 de maio de 1919, João Geraldo Kuhlmann, que já havia percorrido as florestas do Amazonas e Mato Gros-
so como botânico da Comissão Rondon, foi indicado por Antônio Pacheco Leão, diretor do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, para exercer interinamente o cargo de ajudante da Seção de Botânica e Fisiologia Vegetal da instituição, em
substituição a Achiles de Faria Lisboa. Em 1922, após sua nomeação ao cargo de naturalista auxiliar, integra a missão
biológica belga ao Brasil, organizada por Jean Massart. As viagens da “Missão Belga” foram planejadas e dirigidas por
naturalistas do Jardim Botânico, incluindo Kuhlmann, e, inicialmente, percorreram localidades do Rio de Janeiro, como
Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Xerém, Deodoro, Piratininga e Floresta da Tijuca. Após essas viagens, os naturalistas
belgas e os do Jardim Botânico foram a pontos mais distantes do Estado, como Macacu e a Estação Biológica do
Itatiaia. Posteriormente, percorreram Minas Gerais e Bahia, e, já sem Massart, os integrantes da “Missão” estiveram
em Pernambuco, Pará e Manaus, entre outras localidades.69 Kuhlmann integrou, em 1923, na qualidade de botânico, a
Comissão Brasileira que acompanhou a missão oficial norte-americana de estudo da borracha no Vale do Amazonas.
Durante dez meses, coletou valioso acervo botânico, que foi incorporado ao herbário do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. Essa excursão estendeu-se do estado do Pará até Iquitos, no Peru, Mato Grosso e Bolívia. Realizou, ainda,
inúmeras incursões às regiões Sudeste e Sul do Brasil, para seus estudos sobre a flora arbórea de floresta atlântica,
podendo-se destacar aquelas realizadas em regiões serranas nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, no vale do
Rio Doce, estado do Espírito Santo e florestas dos estados do Paraná e Santa Catarina.
Adolpho Ducke, em 31 de outubro de 1918, foi contratado por três anos para servir como chefe da seção de
Botânica e Fisiologia Vegetal do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Tal contrato foi prorrogado por mais três anos até
sua nomeação efetiva, em 1924. Como funcionário do JB, de 1918 a 1945, integrou comissões na Amazônia que con-
tribuíram, através de suas coletas, para o enriquecimento do herbário e coleções vivas da instituição.

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Incontornável destacar a atenção destinada pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, através de estudos e expe-
dições, ao conhecimento da região amazônica. Como já mencionamos, nos primeiros anos da República tal região foi
objeto de amplo interesse para diversas instituições, as quais, através de empreendimentos que associavam atividade
científica e projetos dirigidos à integração dos pontos mais distantes do território, realizaram importantes expedições
ao interior. Desse modo, é possível pensar que a atenção destinada pelo Jardim Botânico a estudos sobre a região
amazônica – percebida através da análise da documentação referente à produção científica da instituição entre 1915
e 1931 (relatórios, periódicos, etc.) – estava em sintonia com o interesse nacional pela região.
Entre os anos de 1919 e 1945, os estudos científicos do Jardim Botânico na região amazônica foram intensos,
sobretudo, por meio do cientista Adolpho Ducke, que realizou diversas expedições à região para coleta de material
botânico. O relatório institucional do ano de 192770 comenta uma excursão realizada por Adolpho Ducke pela região
amazônica, a qual teria resultado na coleta de trezentas espécies de plantas vivas apenas em pontos do estado do
Amazonas. Até aquele momento, os exemplares botânicos coletados pela excursão haviam atingido o número de
1.200, a serem oportunamente classificados. A introdução no Jardim Botânico das plantas coletadas por Ducke nessas
viagens possibilitou a instalação de uma réplica do ecossistema amazônico na coleção viva. João Geraldo Kuhlmann
também realizou duas grandes expedições à Amazônia. A primeira foi em 1923, quando participou da comissão brasileira
integrada à missão oficial norte-americana, já citada acima, coletando um expressivo número de amostras botânicas,
desde o estado do Pará até Iquitos, no Peru e Bolívia, como também no estado de Mato Grosso. Na segunda expedição,
realizada em 1924, voltou a percorrer os estados do Amazonas e do Pará, chegando novamente ao Peru.71
A importância da Amazônia enquanto objeto de estudo para os pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro pode ser percebida através da análise do periódico Arquivos do Jardim Botânico, produzido pela instituição, no
qual foram publicados artigos que privilegiavam o tema. Tal periódico foi criado em 1915, voltado exclusivamente para
a Botânica, e, através dessa publicação, eram divulgadas as pesquisas realizadas na instituição. Os Arquivos do Jardim
Botânico foram publicados entre os anos de 1915 e 1933, e compõem um total de seis volumes. Segundo o editorial
do primeiro volume, o impresso teria a sistemática como assunto primordial, sobretudo no que se referia às plantas 105
econômicas ou de alta importância biológica. Ali foram publicados artigos sobre a flora de localidades específicas
como a região amazônica, o Pará e a serra de Itatiaia. Na publicação de 1930, por exemplo, há um artigo de Geraldo
Kuhlmann, intitulado “Contribuição para o conhecimento de algumas novas espécies da região amazônica e uma do Rio
de Janeiro bem como algumas notas sobre espécies já conhecidas”. É notório, nos seis volumes, o esforço recorrente
de “identificação” das espécies desconhecidas da flora nacional. Esse “esforço” pode ser observado também a partir
da análise de outras fontes, como, por exemplo, dos relatórios do Jardim Botânico que eram anexados aos relatórios
do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, trazendo anualmente os números relativos às novas espécies que
haviam sido identificadas. Essa missão de identificação das espécies desconhecidas da flora nacional era cumprida a
partir das expedições científicas de coleta, tanto as que percorriam os arredores do próprio Jardim, como as que se
estendiam até a região serrana do estado do Rio de Janeiro, ou, sobretudo, as viagens científicas que se tornavam
grandes aventuras pela então tida como vasta e pouco conhecida região amazônica.
As expedições científicas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, realizadas entre os anos de 1915 e 1931, e voltadas,
na expressão de época, para a coleta do desconhecido, objetivavam revelar as potencialidades e possibilidades de explora-
ção de recursos naturais em uma conjuntura em que o Estado era pensado, pelas elites políticas e intelectuais, como um
“espaço”, como um “território”.72 Na documentação do Jardim Botânico, “o país das Amazonas”, ou a natureza amazônica,
tal como na leitura que vimos propondo neste artigo, constituiria, em suma, uma diversificadíssima e particular biogeografia,
e, ainda, uma pouco conhecida flora nacional, principal riqueza da paisagem natural que buscavam inventariar.

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Considerações finais

Sob o nome “Amazônia”, conhece-se, hoje, a região definida pela bacia do rio Amazonas, coberta por uma floresta
tropical que se estende por nove países sul-americanos: Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname,
Guiana Francesa e Equador. Quase 50% de toda a Amazônia (precisamente 49,29% da região) encontra-se em território
brasileiro e é formada por 10 ecossistemas distribuídos por 23 ecorregiões, abrangendo os estados do Acre, Amapá,
Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, e partes dos estados do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão.73
O superlativo relacionado ao mundo natural parece ser o recurso linguístico mais comum para descrevê-la e defini-
la até os dias de hoje: maior bacia hidrográfica e maior floresta tropical do mundo; uma das maiores faunas aquáticas
e o bioma terrestre biologicamente mais rico da Terra. Não bastasse ser constituída por megabiodiversidade, é tão
somente a maior de todo o planeta. As pesquisas científicas em Ecologia, Biologia, desenvolvimento sustentável, Direito
Ambiental, História Ambiental e Antropologia, dentre outros ramos do conhecimento, o reforçam.74
Cronistas, viajantes e naturalistas que percorreram a região desde o século XVI, contribuíram para a construção
dessa interpretação da grandiosidade e dela avulta certa vertente que polariza, de um lado, um cenário natural, à mar-
gem da história, único e grandioso, e, de outro, o homem intruso – imagens que, no Brasil, os escritos de Euclides da
Cunha mais expressam e representam.75
No Brasil, esse imaginário conviveu com outra vertente, expressa em séries de projetos políticos (sobretudo
no período republicano) marcados pelo empenho constante na conversão do cenário natural em recursos nacionais.
Pesquisas recentes demonstram, inclusive, que a projeção dessa conversão remonta ao século XVIII e que, mesmo
então, já se concebiam também a exploração e o aproveitamento racionais dos seus elementos naturais.76 Seu auge,
no Brasil, foi a passagem do século XIX ao XX, e premissas básicas desse investimento sobre a natureza amazônica
eram o otimismo e a convicção na ação transformadora do homem. Como procuramos demonstrar no recorte proposto
106 neste artigo, esse investimento expressou-se como fiador científico do empreendimento e máxima metáfora publicista
em O País das Amazonas de Nery, mas também em projetos políticos – em parte, representados pelas viagens de
exploração científica, patrocinadas pelo Maic, dentre as quais se destacam aquelas realizadas pela Comissão Rondon
e pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Desse modo, filiadas, neste artigo, à historiografia das ciências, a qual se ocupa do exame da história das ativi-
dades científicas que acompanharam obras de construção de infraestrutura de comunicações e transporte em estados
nacionais, conferimos atenção às condições históricas por meio das quais os caminhos e as comunicações em contextos
nacionais promoveram, e mesmo demandaram o trabalho de campo de cientistas e naturalistas de diferentes áreas do
saber.77 Nesse sentido, propomos a análise das expedições realizadas por duas instituições científicas brasileiras das
primeiras décadas do século XX, a Comissão Rondon e o JBRJ, como iniciativas indissociáveis do processo de moder-
nização do Estado. Eram viagens de exploração do território nacional que visavam a esboçar um inventário científico
das riquezas naturais do país, no caso, um esquadrinhamento da natureza amazônica.
Se o seu intuito de “integrar”, como domínio político, a porção noroeste do país não foi efetivamente alcançado
à época, ou se, hoje, ele foi reconfigurado em função das novas atitudes, sensibilidades e pautas de relacionamento
com o mundo natural, os levantamentos científicos promovidos pela Comissão Rondon e pelo Jardim Botânico foram
decisivos para a valorização do trabalho dos naturalistas brasileiros e ampliaram o conhecimento sobre extensas áreas
do interior do país. Como salientou o naturalista Miranda Ribeiro, em texto publicado na revista Kosmos, de 1908, a
Comissão Rondon, por exemplo, eliminou inúmeras inscrições de “Desconhecido” dos mapas nacionais. Sua intenção
era transformar a fronteira noroeste, ou o País das Amazonas, em Brasil. No entanto, ajuda notável também forneceram,
para a criação e a consolidação da “Amazônia”: objeto de ciência, imaginação, turismo, disputas políticas internacionais,
curiosidade e temário central dos debates sobre uso sustentável de recursos naturais e preservação ecossistêmica
no mundo inteiro.

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Notas e referências bibliográficas
Dominichi Miranda de Sá é historiadora, doutora em História Social pela UFRJ. É professora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde
(PPGHCS) e pesquisadora do Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. E-mail: dominichi@coc.fiocruz.br
Ingrid Fonseca Casazza é doutoranda no Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e bolsista
da Capes. E-mail: ingrid.casazza@gmail.com

1 Coelho, Anna Carolina de Abreu. O País das Amazonas: o imaginário da natureza amazônica na propaganda para imigração no século XIX, História e-
historia, 2008, disponível em http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=55#_ftnref10; Godim, Neide.  A invenção da Amazônia.
São Paulo, Marco Zero, 1994.
2 Sobre o tema, consultar, por exemplo, o capitulo VIII, “Inventing Tropicality”, de Arnold, David. The problem of nature: environment, culture and European
expansion. Oxford: Blackwell, 1996; e Stepan, Nancy L. Picturing Tropical Nature. London: Reaktion Books, 2001.
3 A propósito, em seu livro, Nery comentava: “La plupart des auteurs qui ont composé des livres sur l‘Amazonie se trouvent dans ce cas. Le savant n‘enregistre
que certaines particularités de la flore ou de la faune; le géographe ne relève que des données topographiques; le trafiquant n‘est attentif qu‘aux phénomènes
de la production; l‘homme de lettres se contente d‘exploiter le pittoresque en vue de ses descriptions. Aucun d‘eux n‘étudie le pays dans son entier, dans son
harmonieuse unité”. NERY, Frederico Santa-Anna. O País das Amazonas. São Paulo: Edusp, 1981, p. XIV.
4 Arnold, David. The problem of nature: environment, culture and European expansion. Op. cit.; 1996.
5 NERY, Frederico Santa-Anna. O País das Amazonas. Op. cit.; 1981, p. 113,120,128.
6 Pádua, José Augusto. Natureza e Sociedade no Brasil Monárquico. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. (Org.) O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 2009, v. III, p. 316.
7 Idem; KURY, Lorelai. Viajantes-naturalistas no Brasil oitocentista: experiência, relato e imagem. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. VIII, Suplemento,
p. 863-880, 2001. Sobre a importância das distintas correntes intelectuais que conformaram esta nova interpretação da natureza, entre iluministas,
românticos e fisiocratas, ver Pádua, José Augusto. Natureza e Sociedade no Brasil Monárquico. Op. cit.; 2009.
8 Pádua, José Augusto. Natureza e Sociedade no Brasil Monárquico. Op. cit.; 2009, p. 317. Sobre o tema, com destaque para a importância crucial de
Humboldt neste debate, por sua formulação da “geografia das plantas”, sua perspectiva da distribuição variada da vida no planeta, da ideia da especial
pujança do mundo natural nos climas quentes e a importância da excursão científica para o conhecimento dos espaços naturais, ver, dentre outros,
Dettelbach, Michael. Global physics and aesthetic empire: Humboldt’s physical portrait of the tropics. In: MILLER, D. P.; REILL, P. H. (Org.) Visions of
empire: voyages, botany, and representations of nature. Cambridge, Cambridge University Press, 1996.
9 Sobre a história da ideia e da imagem da natureza amazônica, ver também: PADUA, José Augusto. Arrastados por uma cega avareza: as origens da crítica
107
à destruição dos recursos naturais amazônicos. Ciência & Ambiente, Amazônia: recursos naturais e história, n. 31, p. 133-146, 2005; e COSTA, Kelerson
Semerene. Homens e natureza na Amazônia brasileira: dimensões (1616-1920). Tese de Doutorado - Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
10 KURY, Lorelai. Explorar o Brasil: o Império, as Ciências e a Nação. In:KURY, Lorelai. (Org.) Comissão Científica do Império. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson
Estúdio, 2009, p. 19-49.
11 RIBEIRO, Rafael Winter. A invenção da diversidade: construção do Estado e diversificação territorial no Brasil (1889-1930). Tese de Doutorado - Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós- graduação em Geografia, Rio de Janeiro, 2005.
12 Idem.
13 Sobre a discussão da conversão dos “fundos territoriais” – frentes de expansão e áreas de potenciais riquezas de seus recursos naturais – em “territórios
usados”, ver MORAES, Antonio Carlos Robert. Território, região e formação colonial. Apontamentos em torno da geografia histórica da independência brasileira.
Ciência & Ambiente, Santa Maria, v. 33, p. 9-16; e Pádua, José Augusto. Natureza e Sociedade no Brasil Monárquico. Op. cit.; 2009, p. 329-330.
14 Sobre as disputas de fronteiras e os debates sobre limites internacionais na região amazônica da ocasião, ver SANJAD, Nelson. Ciência e política na fronteira
amazônica: Emílio Goeldi e o Contestado Franco-Brasileiro (1895-1900). In: 11o. Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia, 2008, Niterói. Rio de
Janeiro: Sociedade Brasileira de História da Ciência, 2010; VERGARA, Moema. Ciências, fronteiras e nação: comissões mistas de demarcação dos limites
territoriais entre Brasil e Bolívia, 1895-1901. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 5, p. 345-361, 2010.
15 DANTES, Maria Amélia M. Introdução. In: Espaços da ciência no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2001.
16 LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro: Revan/Iuperj, 1999.
17 MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. São Paulo: Educ; Fapesp, 1998.         
18 FIGUEIRÔA, Silvia. As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional, 1875-1934. São Paulo: Hucitec. 1997.  
19 Schweickardt, Júlio César; LIMA, Nísia Trindade. Os cientistas brasileiros visitam a Amazônia: as viagens científicas de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas
(1910-1913). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 14, p. 15, 2007. 
20 DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Ciência, um caso de política: as relações entre as ciências naturais e agricultura no Brasil Império. Tese (Doutorado)
- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. 
21 MENDONÇA, Sonia. R. de. O ruralismo brasileiro. São Paulo: Hucitec. 1997; RIBEIRO, Rafael Winter. A invenção da diversidade. Op. cit., 2005; BHERING,
Marcos Jungman. Positivismo e modernização: políticas e institutos científicos de agricultura no Brasil (1909-1935). Dissertação (Mestrado) - Programa de
Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro. 2008.
22 RIBEIRO, Rafael Winter. A invenção da diversidade. Op. cit., 2005; p. 73-74.
23 DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Ciência, um caso de política. Op. cit., 1995; RIBEIRO, Rafael Winter. A invenção da diversidade. Op. cit., 2005; SÁ,
Dominichi Miranda de; LIMA, Nísia Trindade. No rastro do desconhecido. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 11, p. 18 - 23, 23
ago., 2006.

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24 DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Ciência, um caso de política. Op. cit., 1995; FIGUEIRÔA, Silvia. As ciências geológicas no Brasil. Op. cit., 1997; LOPES,
Maria Margareth. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. 1. ed., Sao Paulo: Hiucitec, 1997.
25 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil: as atividades científicas da Comissão
Rondon (1907-1915). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 15, p. 779-810, 2008. 
26 KURY, Lorelai. Viajantes e naturalistas do século XIX. In: PEREIRA, Paulo Roberto. (Org.) Brasiliana da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Fundação
Biblioteca Nacional/Nova Fronteira, 2001, p. 59-77; MAIO, Marcos Chor.; SANJAD, Nelson; DRUMMOND, José Augusto. Entre o global e o local: a
pesquisa científica na Amazônia do século XX. Ciência & Ambiente, Santa Maria (RS), v. 31, p. 147-166, 2005.
27 MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio. Op. cit., 1998, p. 99
28 Idem; MACIEL, Laura Antunes. Cultura e tecnologia: a constituição do serviço telegráfico no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.21, n.41,
p.127-144. 2001.
29 BIGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon: a integração nacional. Rio de Janeiro: Contraponto; Petrobrás, 2000; MACIEL, Laura Antunes. A nação por um
fio. Op. cit., 1998.
30 DIACON, Todd A. Rondon: o marechal da floresta. São Paulo: Companhia das Letras. 2006. 
31 MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio. Op. cit., 1998; DIACON, Todd A. Rondon: o marechal da floresta. Op. cit.; 2006.
32 Idem; idem.
33 Sobre os altos índices de malária entre os membros da Comissão Rondon e o impacto dessa doença na reformulação dos objetivos e extensão das
expedições, ver CASER, Arthur Torres. O medo do sertão: doenças e ocupação do território na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato
Grosso ao Amazonas (1907-1915). Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-graduação em História das Ciências, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2009;
CASER, Arthur Torres.; SÁ, Dominichi Miranda de. Médicos, doenças e ocupação do território na Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato
Grosso ao Amazonas (1907-1915). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 5, p. 363-378, 2010. 
34 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do Território no Brasil. Op. cit., 2008.
35 BIGIO, Elias dos Santos. Cândido Rondon. Op. cit., 2000; MACIEL, Laura Antunes. A nação por um fio. Op. cit., 1998; DIACON, Todd. Rondon: o marechal
da floresta. Op. cit.; 2006.
36 LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. Op. cit., 1999.
37 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil. Op. cit., 2008.
38 Instruções pelas quais se deverá guiar o chefe da Comissão Construtora da Linha Telegráfica Estratégica de Mato Grosso ao Amazonas, organizadas de
acordo com a letra b, do n. XXI do art. 35, da lei n. 1.617, de 30 de dezembro de 1906. Decisões do Governo N.19 – EM 4 DE MARÇO DE 1907. Aprova as
instruções para o serviço da Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Mato Grosso ao Amazonas.
39 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e Inventário do Território no Brasil. Op. cit., 2008.
108 40 Idem.
41 Decreto 9214, de 15/12/1911, aprova o regulamento do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais. Título III: Da Organização
dos Serviços - Capítulo I: Distribuição dos Trabalhos; Capítulo II: Do Pessoal; Capítulo III: Dos deveres dos funcionários; Tabela de vencimentos a que se
refere o art. 85 deste regulamento. http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=53816.
42 Sobre a política indigenista da Comissão Rondon, ver: LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do
Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes. 1995. 
43 Decreto 9214, de 15/12/1911, aprova o regulamento do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais. Título II - Capítulo I:
Da Localização de Trabalhadores Nacionais, e Capítulo II: Da Instalação de Centros Agrícolas. http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.
action?id=53816.
44 Relatório do Maic de 1911-1912, p. 116-117. http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2002/000198.html; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA,
Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil. Op. cit., 2008.
45 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil. Op. cit., 2008.
46 Para consultar o estudo dessas sociedades indígenas formulado por naturalista da Comissão Rondon, ver ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondonia:
Anthropologia-Ethnografia. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/ABL, 2005 .
47 SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil. Op. cit., 2008.
48 Ribeiro, Alípio de Miranda. A Comissão Rondon e o Museu Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1945; SÁ, Dominichi Miranda de; SÁ, Magali
Romero; LIMA, Nísia Trindade. Telégrafos e inventário do território no Brasil. Op. cit., 2008.
49 Ribeiro, Alípio de Miranda. A Comissão Rondon e o Museu Nacional. Op. cit., 1945.
50 Idem.
51 CASER, Arthur Torres. O medo do sertão. Op. cit., 2009.
52 Sobre o debate no período, consultar: FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil,
anos 1920 – 1940. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.
53 Sobre estudos que tomam os rios como objeto da história, consultar, dentre outros: LEONARDI, Victor. Os historiadores e os rios – natureza e ruína na
Amazônia Brasileira. Ed. Unb, Paralelo 15, 1999; FLORES, Katia Maia. Caminhos que andam: o rio Tocantins e a navegação fluvial nos sertões do Brasil.
Tese de Doutorado em História: Universidade Federal de Minas Gerais, (UFMG), 2006; CORRÊA, Dora Shellard. Os rios na formação territorial do Brasil. In:
ARRUDA, Gilmar. (Org.) A natureza dos rios. História, memória e territórios. Curitiba: UFPR, 2008.
54 Sobre o acervo e a diversidade desse tipo de fontes sob a guarda do Forte de Copacabana, pode-se consultar: CORDEIRO, Aurélio; REZENDE, Tatiana.
Cadernetas de Rondon. Rio de Janeiro: Fundação Cultural do Exército Brasileiro, 2010.

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55 SA, Dominichi Miranda de. Os rios da dúvida: as viagens de exploração da natureza na Comissão Rondon (1915-1920). XV Congresso Colombiano de
História GT Historia ambiental, regiones y territorios, 2010.
56 CORDEIRO, Aurélio; REZENDE, Tatiana. Cadernetas de Rondon. Op. cit., 2010; SÁ, Dominichi Miranda de. Os rios da dúvida. Op. cit.; 2010; ARANHA,
Patrícia Marinho. Ciência, território e fronteira: os engenheiros geógrafos da Comissão Rondon (1907-1915). In: XXV Simpósio Nacional de História, 2009,
Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História. Fortaleza: ANPUH, 2009. CD-ROM.
57 Idem; idem; idem.
58 CASER, Arthur Torres. O medo do sertão. Op. cit., 2009.
59 SÁ, Dominichi Miranda de. Os rios da dúvida. Op. cit.; 2010.
60 JARDINE, N.; SECORD, J.A.; SPARY, E.C.; Cultures of Natural History, Cambrigde University Press, 1996.
61 DOMINGUES, Heloísa Maria Bertol. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro. In: Espaços da Ciência no Brasil. Op. cit., 2001.
62 Verbete “Jardim Botânico” do Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930), acessado em 20/08/2008, http://www.
dichistoriasaude.coc.fiocruz.br; BEDIAGA, Begonha. Conciliar o útil ao agradável e fazer ciência: Jardim Botânico do Rio de Janeiro-1808 a 1860. História,
Ciências, Saúde Manguinhos, v.14, n.4, outubro-dezembro 2007, p.1131-1157; ABRANCHES, Marta. A história das plantas úteis no arboreto do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro. Monografia (Aperfeiçoamento em Ciências Biológicas). Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro, 2005; PACHECO, Christiane
Assis. Semeando memórias no jardim: documentos e memórias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado) – Centro de Ciências
Humanas, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
63 Idem; idem; idem; idem.
64 SÁ, Magali Romero. O botânico e o mecenas. História, Ciências e Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. VIII, (suplemento), p.899-924, 2001. HEIZER,
Alda. O Jardim Botânico de Barbosa Rodrigues na Exposição Nacional de 1908. Fênix (Uberlândia), v.4, p.03-16, 2007; COSTA, Maria Lúcia M. Nova da;
PEREIRA, Tânia Sampaio. Conservação da biodiversidade: atuação dos jardins botânicos. Jardim Botânico do Rio de Janeiro 1808-2008. Rio de Janeiro:
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do R.J., 2008, p.25-31.
65 Decreto 7848 - de 3 de fevereiro de 1910- Acessado na página do Serviço de Informação do Congresso Nacional- http://www6.senado.gov.br/sicon/
PreparaPesquisa.action .
66 Idem.
67 Sobre Kuhlmann no JBRJ, ver: HEIZER, Alda. João Geraldo Khulmann e a Comissão da Borracha de 1912. In: HEIZER, Alda.; VIDEIRA, Antonio Augusto
Passos. (Org.) Ciência Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad, 2010, p. 209-226.
68 BEDIAGA, Begonha; LIMA, H.C.; MORIM, M.P.; BARROS, C.F. Da aclimatação à conservação: as atividades científicas durante dois séculos. Jardim Botânico
do Rio de Janeiro 1808-2008. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do R.J., 2008, v., p.33-43.
69 A propósito, ver: HEIZER, Alda. Notícias sobre uma expedição: Jean Massart e a missão biológica belga ao Brasil, 1922-1923. Caminhos, Comunicações e
Ciências. História, Ciências e Saúde, Manguinhos, v.15, n.3, p.849-864, 2008. 109
70 Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio Dr. Geminiano
Lyra Castro. Ano de 1927. http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33&l4=22
71 LIMA, Haroldo C.; KURTZ, Bruno C.; MARQUES, Maria do Carmo M. As expedições científicas: coletores à procura das riquezas da flora. In: O herbário do
Jardim Botânico do Rio de Janeiro: um expoente na história da flora brasileira. Rio de Janeiro: IPJBRJ, 2001, p.105-124.
72 MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e história no Brasil. São Paulo, Annablume, 2002; MAIA, João Marcelo E. A terra como invenção: o espaço no
pensamento social brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. .
73 FONSECA, Gustavo A. B. da; SILVA, José Maria Cardoso da. Megadiversidade amazônica. Desafios para a sua conservação. Ciência & Ambiente. Amazônia:
recursos naturais e história, n. 31, p. 13-23, 2005.
74 Idem.
75 LIMA, Nísia Trindade. Euclides da Cunha e o pensamento social no Brasil. Revista da Academia Brasileira de Letras, v. 62, p. 108-134, 2010; SCHWEICKARDT,
Júlio César; LIMA, Nísia Trindade. Do “inferno florido” à esperança do saneamento: ciência, natureza e saúde no estado do Amazonas durante a Primeira
República (1890-1930). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 5, p. 399-416, 2010; HARDMAN, Francisco F. A Amazônia como
voragem da História: impasses de uma representação literária. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, v. 15, 2007, p. 207-221.
76 PÁDUA, José Augusto. Arrastados por uma cega avareza. Op. cit., 2005.
77 Boa expressão desta historiografia encontra-se em: PODGORNY, Irina;  LIMA, Nísia Trindade; SCHAFFNER, W.; SÁ, Dominichi Miranda de. (Org.) Número
especial: Caminhos, Comunicações e Ciências. História, Ciência, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, v. 15, 2008.

[ Artigo recebido em 09/2010 | Aceito em 11/2010 ]

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Congressos internacionais e a atuação de Barbosa
Rodrigues no evento de 1905

International meetings and the Barbosa Rodrigues role on the 1905 event

ANA MARIA RIBEIRO DE ANDRADE


Museu de Astronomia e Ciências Afins | MAST/MCTI

RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar a atuação e contribuição científica de João Barbosa Rodrigues
para a 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1905.
Além de destacar o papel dos congressos científicos, mostra que ciência e relações diplomáticas se mesclam
na história desse evento. Conclui que Barbosa Rodrigues foi o principal organizador do Congresso de 1905 e
que seus dois trabalhos publicados nos anais são relevantes para a Botânica, História da Ciência e do Meio
Ambiente. As advertências feitas ao governo e especialistas no trabalho “A diminuição das águas no Brasil”
permanecem muito atuais.
110 Palavras-chave João Barbosa Rodrigues; evento científico internacional; Reunião do Congresso Scientifico
Latino-Americano, 3. (Rio de Janeiro, 1905); história do meio ambiente.

ABSTRACT This paper aims to analyze the performance and scientific contributions of João Barbosa Rodrigues for
the 3th Meeting of the Latin American Scientific Congress, held in Rio de Janeiro in 1905. Beyond to detail the role of
scientific conferences, it shows that science and foreign affairs combine in the history of this congress. It concludes that
Barbosa Rodrigues was the main organizer of the conference of 1905 and that his two papers published in the proceedings
are relevant to Botany, History of Science and the Environment. The warnings given to the government and specialists
about the decline of water in Brazil remain very current.

Keywords João Barbosa Rodrigues; international scientific conference; Meeting of the Latin American Scientific Con-
gress, 3. (Rio de Janeiro, 1905); history of the environment.

Introdução

Há mais de um século, cientistas brasileiros apresentam trabalhos em congressos científicos internacionais, a


fim de discutir com colegas os resultados e a metodologia das pesquisas e, assim, contribuir para o desenvolvimento
da ciência. Trata-se de uma atividade inerente à produção científica, marcadamente internacional e cooperativa, muito
embora os congressos sejam, ao mesmo tempo, acontecimentos científicos, sociais e políticos. Autoridades de Estado,
representantes do governo e de órgãos financiadores comparecem à sessão de abertura para colher os dividendos
políticos, assim como os promotores de empresas privadas fabricantes de equipamentos para os laboratórios estão
presentes para acompanhar as tendências das áreas experimentais. Dependendo da importância do congresso ou da

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relevância social do tema, a imprensa local noticia o acontecimento, entrevista os organizadores e diariamente apre-
senta uma síntese das principais atividades realizadas no dia anterior. Assuntos polêmicos e trabalhos que suscitam
discussões sobre os paradigmas da ciência têm destaque, merecendo até chamada na página principal.
Os grandes jornais brasileiros sempre acompanharam o desenrolar das reuniões científicas nacionais e interna-
cionais realizadas nas capitais do país, reservando um espaço proporcional em suas páginas ao interesse dos leitores,
às repercussões na comunidade científica e à participação de cientistas estrangeiros reconhecidos. No início do século
XX, a cobertura da imprensa era mais extensa do que nos dias atuais, em decorrência das características dos jornais,
da maior uniformidade do público leitor e da capacidade mobilizadora dos eventos, que eram menos frequentes. Re-
gistravam-se desde os preparativos até as resoluções mais importantes e polêmicas, o desembarque de convidados
ilustres no porto da cidade, o engajamento de autoridades, os discursos, as solenidades, e, evidentemente, as sessões
científicas que despertavam mais interesse dos participantes. Verifica-se que há mais permanências do que mudanças
na práxis científica.
Este trabalho tem por objetivo proceder à análise da atuação e contribuição científica de João Barbosa Rodrigues
para a 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano realizada em 1905, na cidade do Rio de Janeiro. Para isso,
apresenta um breve histórico e discorre sobre o papel dos eventos para o desenvolvimento da ciência, assim como os
ganhos políticos e outras vantagens auferidas pelos organizadores, cidade e país promotor. Também faz um balanço da
3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano a partir de notícias divulgadas na imprensa e das informações
registradas em atas das reuniões preparatórias e nos anais do evento, acentuando sua principal particularidade: a
mescla entre ciência e relações diplomáticas.1 A atuação de Barbosa Rodrigues na organização e realização do evento
é examinada com base nos mesmos documentos, e a contribuição científica é avaliada a partir do conteúdo dos dois
trabalhos de sua autoria publicados nos anais.
O trabalho acentua que, apesar de a atuação de Barbosa Rodrigues na fase preparatória e no decorrer do evento
ter contribuído para assegurar o êxito do primeiro congresso latino-americano realizado no país, ele não apresentou ou 111
submeteu à discussão os trabalhos de sua autoria nas sessões científicas. Alegou falta de tempo e inadequação do tamanho
do texto intitulado “A diminuição das águas no Brasil”, mesmo tendo participado da elaboração das rígidas normas para
apresentação de trabalhos. Já seu trabalho intitulado “Structure et formation de la tige des palmiers”, também publicado
no volume III dos anais, não aparece na programação e sequer foi mencionado em outro documento. Consta da produção
científica de Barbosa Rodrigues que o trabalho “A botânica e a nomenclatura indígena”,2 publicado como uma separata,
destinava-se ao evento de 1905. No entanto, o mesmo não foi apresentado nem publicado nos anais.
Donde se conclui que práticas inusuais em áreas consolidadas do campo científico eram vigentes um século
atrás, tais como: não comparecer ao congresso, deixando por isso de apresentar o trabalho inscrito e entregá-lo para
publicação; não adequar a apresentação oral às normas estabelecidas pela comissão organizadora do evento; e atribuir
uma informação errada a trabalho. Apesar de Barbosa Rodrigues ter descumprido o ritual acadêmico, a publicação de
seus trabalhos nos anais do evento possibilitou o registro para que os mesmos pudessem ser discutidos posteriormen-
te. É inegável sua contribuição: para a Botânica, com o estudo sobre as estirpes das palmeiras; para o debate, com
questões contemporâneas relacionadas ao meio ambiente. A atualidade da reflexão sobre a diminuição dos mananciais
é surpreendente, quando confrontada com a discussão do Código Florestal mais de um século depois.

1. Os primeiros congressos internacionais

As reuniões nacionais, como a Assembleia de Naturalistas e Físicos, realizada em Leipsig desde 1822, de-
ram origem aos congressos científicos internacionais, que começaram a ser realizados na década de 1860. Nos
primórdios, os organizadores imprimiam aos encontros o caráter de acontecimentos internacionais apenas devido
à presença de um convidado estrangeiro. É o caso dos congressos de Astronomia que, em 1865, já se autodeno-

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minam internacionais, apesar de serem organizados pela Astronomische Gesellschaft. Naquela época, somente os
congressos de disciplinas institucionalizadas – as Matemáticas e as Ciências Naturais – tinham caráter de evento
científico verdadeiramente internacional.
Os eventos de natureza técnico-profissional e científica tiveram um crescimento acentuado entre 1840-1914,
reflexo da maior profissionalização, das necessidades das sociedades e do apoio do Estado.3 A abrangência temática
e o aumento do número de participantes marcaram essa etapa do processo de configuração do campo científico e de
aplicações da ciência, que foi acompanhado pelo expressivo aumento do número de publicações especializadas e de
divulgação da ciência e da técnica.
Se a participação em congressos é inerente à produção de ciência, os governos tiveram um papel fundamental
nos primórdios da cooperação científica, dado que o desenvolvimento de novas técnicas exige a elaboração de uma
regulamentação unificadora internacional, tal como foi feito com o sistema métrico. Mas a preeminência de algum Estado
se torna fonte de novos conflitos: cada país tenta impor suas concepções e padrões para defender seus interesses.
No século XIX, o reconhecimento da importância da ciência foi favorecido pela ocorrência simultânea dos congres-
sos científicos e exposições universais. Além de terem possibilitado a elaboração da imagem da produção capitalista
associada a processos de aplicação da ciência e inventividade, as exposições universais foram capazes de arregimentar
novas forças para o desenvolvimento do trabalho científico. De um lado, os novos aliados colaboraram no sentido de
direcionar o trabalho de laboratórios para as necessidades sociais e econômicas, como aglutinar cientistas, engenheiros e
técnicos. De outro lado, esses gigantescos eventos foram o primeiro meio midiático a aproximar, com eficiência, ciência,
tecnologia e sociedade, correlacionando as potentes máquinas e os complexos artefatos exibidos ao avanço científico e
industrial. Observando o modelo das exposições universais realizadas em Paris, outras “catedrais do progresso” foram
erigidas, para que os benefícios e os “mistérios” da ciência ocupassem um lugar central no imaginário social. Isto é,
privilegiavam-se os elementos cenográficos em detrimento da reflexão e do relato, para que a multidão permanecesse
112 extasiada diante do que via. Os milhares de visitantes que afluíam diariamente às exposições universais, tornavam-se
testemunhas do “progresso da civilização”, embora poucos tivessem capacidade para discernir que a ciência contribuía
de maneira significativa para viabilizar o fetiche da técnica, da mercadoria e da ordem burguesa.4
Sem dúvida, as exposições universais contribuíram para estreitar as relações no interior das comunidades
científicas e tecnológicas, e para estabelecer redes de cooperação que ultrapassaram as fronteiras geopolíticas.
O impacto causado impulsionou a realização de eventos similares nacionais e regionais na América Latina, onde celebrar
a força do capitalismo industrial efetivamente estava fora do contexto. No Brasil, os esforços do imperador Pedro II e
dos primeiros presidentes da República, para que o país participasse de exposições universais e regionais, eram uma
estratégia de ação política. Sinalizavam o reconhecimento da importância dos contatos no exterior para estimular o
comércio de exportação de produtos agrícolas e postular um lugar de mais visibilidade entre os países desenvolvidos.
O fato de organizar uma exposição de caráter universal, ou mesmo, de apenas participar, significava firmar presença
no cenário internacional.5
As exposições promovidas no Brasil, quando comparadas às universais realizadas na Europa e nos Estados
Unidos, guardavam poucas semelhanças quanto ao conteúdo, dimensão e participação da sociedade. Entretanto, o
caráter enciclopédico das exposições-espetáculo, bem como os primeiros congressos internacionais realizados na
Europa, inspiraram as reuniões científicas latino-americanas realizadas em Buenos Aires, Montevidéu e Rio de Janeiro,
respectivamente em 1898, 1901 e 1905. As preocupações registradas nas atas das reuniões preparatórias da 3ª
Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano,6 as motivações daqueles que estiveram à frente da organização
ou emprestaram apoio político, o conteúdo dos trabalhos e os debates travados nas sessões científicas revelam que
as expectativas brasileiras de cooperação estavam muito além do campo científico. Atingiam as esferas da diplo-
macia e do comércio internacional com o propósito de fazer alianças com os países vizinhos, resolver problemas de
fronteiras, alfandegários, sanitários, técnicos e humanitários, e tinham a clara intenção de dissipar os receios de uma
ação expansionista do Brasil.7

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2. O papel dos congressos

A participação de congressos científicos nacionais e internacionais é considerada uma das etapas fundamentais
para o progresso da ciência. Depois de concluído o trabalho, é de praxe apresentar e discutir os resultados com colegas
em evento da área, bem como publicar a comunicação e o artigo completo em periódico de circulação internacional. Mas
nem sempre a qualidade dos trabalhos corresponde às expectativas da maioria dos participantes ou, inversamente, muitas
vezes as intervenções dos participantes não estão à altura da coerência e complexidade das questões em debate.
A cerimônia de abertura é a ocasião solene em que o conhecimento científico é utilizado no discurso de projeção
do potencial do país escolhido para sediar o congresso. Por isso, autoridades do mundo da política e da ciência se
colocam lado a lado. Outras festividades que ocorrem no transcorrer do evento, têm por fim demonstrar aos participan-
tes estrangeiros a valorização da cultura erudita e o respeito às tradições culturais da nação. Os congressos sempre
foram acontecimentos em que os participantes vivenciam bons momentos oferecidos pelos banquetes, discursos e
mundanidades. Isso pode ser facilmente comprovado numa rápida leitura do programa de quaisquer congressos inter-
nacionais, inclusive os das áreas tecnológicas consideradas mais herméticas. Independentemente da área, do local e
de quando os congressos foram realizados, as ocasiões para o convívio social são importantes para as apresentações
e reencontros, que podem resultar em colaborações e parcerias.
Como comprova a programação da 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano, o ritual de celebração
da ciência se assemelha aos eventos atuais. Afora a maior especialização e rigor na seleção dos trabalhos, está cada
vez mais claro que o território da ciência é um campo social como qualquer outro, com estratégias e mecanismos de
disputas característicos de grupos e indivíduos.
A participação em congressos internacionais faz parte da política de Estado, uma vez que pode interferir no prestígio
dos países dos participantes. O número de participantes por país é um indicador histórico do grau de desenvolvimento da
ciência, enquanto que a distribuição geográfica dos congressos indica a reputação cultural da cidade escolhida e a importância 113
da comunidade científica local. Disputas nas associações promotoras ou entre grupos da mesma área precedem a escolha
do país para a sede de um evento internacional. Os membros do comitê científico e do comitê executivo se revestem de
poder, podendo obter vantagens na carreira e dividendos, principalmente quando estão em cena interesses de indústrias.
A vida científica nacional é também diretamente afetada, criando um novo lugar de representação ou acirrando a luta entre
instituições tradicionais e emergentes, entre grupos de pesquisa concorrentes e entre pesquisadores.
Nas notícias publicadas na imprensa e nas informações contidas na coleção dos relatórios da 3ª Reunião do Con-
gresso Scientifico Latino-Americano, independentemente do jornal e do organizador do volume dos anais, sobressaem
o caráter de celebração das aplicações da ciência, o culto das letras e o esforço político de criar uma aliança latino-
americana com a finalidade explícita de enfrentar problemas comuns e de integração regional. Diante disso, deve-se
conferir ao evento uma duplicidade de caráter: científico e político.
Os participantes do Congresso de 1905 tiveram uma extensa agenda social, ocasiões para a “confraternização
científica” e para a “confraternização entre as nações irmãs”, e sessões para apresentação de trabalhos, cujas questões
deveriam preencher os seguintes requisitos: interessar “à comunhão das nações latinas” ou ser de interesse de mais
de “uma ou mais dessas nações”. As questões foram determinadas pela Comissão Diretora, a partir das questões pro-
postas pelas subcomissões, e submetidas à aprovação da sessão plenária depois de votadas nas respectivas sessões.
Dessa maneira, o debate contemplaria pontos considerados essenciais pela Comissão Diretora, tais como: a procura do
método mais eficaz para a confecção de um mapa geral dos países latino-americanos; o estudo das fontes de energia
hidráulica na América meridional, com objetivo de produzir energia elétrica; estudo das causas do desaparecimento do
volume das águas e dos mananciais no Brasil;8 a conservação das matas e seu controle; projetos de ligação possível
das bacias de navegação dos rios da Prata, Amazonas e Orinoco; traçado de grandes vias férreas latino-americanas;
progresso e desenvolvimento das ciências médicas e cirúrgicas; questões relativas à criminologia; principais famílias
linguísticas da América Latina.9

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Como os critérios científicos não foram determinantes para a composição das delegações brasileiras e estrangeiras,
e as questões a serem debatidas não estavam à altura de todos os participantes, a fronteira entre a agenda científica
e a promoção das relações internacionais ficou muito tênue.
O programa proposto pelos organizadores teve poucas alterações. Três tipos de atividades ocorreram entre os
dias 6 e 16 de agosto de 1905: sessões científicas para apresentação de trabalhos; visitas específicas de cada área;
e excursões a pontos turísticos. As manhãs e os finais da tarde, do dia 7 ao dia 12 de agosto, foram reservados para
as sessões científicas das áreas de Engenharia, Matemática Pura e Aplicada; Ciências Físicas e Naturais; Medicina,
Cirurgia e Medicina Pública; Ciências Jurídicas e Sociais; e Agronomia e Zootecnia. As apresentações dos trabalhos
transcorreram simultaneamente, mas o pequeno número de especialistas das áreas das ciências exatas, da terra e
biológicas levou à realização de sessões conjuntas e, ao contrário, a área da Medicina foi subdividida. As visitas às
instituições e aos prédios públicos foram realizadas no intervalo entre as sessões científicas. Após o dia 13, a duração
das sessões foi menor para facilitar as visitas aos locais mais distantes. Como em todos os congressos internacionais,
a ciência foi utilizada como propaganda para promover a imagem do país no exterior.
Os incontáveis discursos, os banquetes oferecidos pelos ministros de Estado, as efusivas saudações e brindes
retratavam os usos e costumes do início do século XX, e revelam que havia grande presença de pessoas de fora do
campo científico. As cerimônias oficiais, que contaram com a presença do presidente da República e do ministro das
Relações Exteriores, foram exercícios de cordialidade para promover a política externa do Brasil, pautada pela necessi-
dade de aproximação dos países vizinhos. Em resumo, o conjunto de atividades evidenciou a sobreposição de objetivos
do Congresso de 1905 e a incipiente institucionalização da ciência no continente.

3. Balanço do Congresso de 1905


114
A fragilidade do campo científico se refletiu no trabalho da Comissão Diretora que organizou a 3ª Reunião do Con-
gresso Scientifico Latino-Americano, assim como nas atividades das comissões que ficaram encarregadas de divulgar o
evento. Associados do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro
assumiram a tarefa de organizar o evento, com evidente predomínio de engenheiros e políticos.
A Comissão Diretora tentou atrair cientistas, professores, políticos, membros de governos, intelectuais, milita-
res, engenheiros, profissionais liberais e “homens de negócios”. Arregimentaram 83 instituições da América Latina,
sendo 44 brasileiras, que podem ser classificadas como: ensino de todos os níveis (21), profissionais (13), científicas
(4), culturais (3), e associações de natureza diversa (3). Eram instituições do Rio de Janeiro (29), de São Paulo (7),
de Minas Gerais (3), da Bahia, do Rio Grande do Sul, de Pernambuco, do Ceará e do Rio Grande do Norte, tais como:
as escolas politécnicas do Rio de Janeiro e de São Paulo; as faculdades de Direito politécnicas do Rio de Janeiro, de
São Paulo e de Minas Gerais; a Escola de Minas de Ouro Preto; colégios e ginásios; o clube de Engenharia, o Naval e o
Militar; a Academia Nacional de Medicina e a Academia do Comércio; a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional;
a Sociedade Nacional de Agricultura, além do Instituto Agronômico de São Paulo, do Museu Nacional e do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro.10
O reduzido número de institutos de pesquisa indica o grau de institucionalização da ciência na América Latina,
principalmente quando cotejado com a enorme lista de participantes individuais e os respectivos vínculos, e com o
conteúdo dos trabalhos publicados.11 Foram inscritos cerca de 630 participantes, denominados membros efetivos,
dentre os quais 474 do Brasil. A imensa maioria não apresentou trabalho, nem teria estado presente.12 Oswaldo Cruz13
e Santos Dumont estavam inscritos, mas não compareceram.
Centros do intercâmbio durante o século XIX, os museus de ciências naturais estiveram ausentes. Afora Jose Are-
chavaleta (naturalista e farmacêutico, diretor do Museu Nacional de Montevidéu) não ter apresentado trabalho – apenas

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presidiu as sessões de Ciências Naturais14 –, constatou-se que o paleontólogo argentino Florentino Ameghino (Museu
Nacional de Buenos Aires) e Emilio Goeldi (Museu Paraense), o qual integrou a comissão cooperadora do Pará, não se
inscreveram. Apesar de inscrito, Hermann von Ihering (Museu Paulista) não compareceu nem publicou trabalho.
Nas memórias do Congresso de 1905, não há informações sobre os critérios para envio de convites institucionais,
nem acerca das normas para inscrição individual. Também não há registros de vetos, quando os nomes foram submetidos
à aprovação da Comissão Diretora pelas subcomissões estabelecidas por área do conhecimento. Um dos objetivos dos
organizadores teria sido superar o número de participantes dos dois eventos anteriores: entre os 630 inscritos, havia
43 representantes de 13 países da América Latina e Caribe.
A tarefa seria difícil se a ciência fosse considerada apenas como realizações teóricas e experimentais do conheci-
mento especializado e original. Por esse critério, os que faziam ciência ou estavam envolvidos com a sua aplicação, eram
poucos. A produção de ciência na América Latina ainda estava restrita a pequenos grupos e às iniciativas isoladas. No
Brasil, os primeiros governos republicanos não demonstravam empenho para ampliar a atividade, e não havia vínculos
entre ciência e a nascente atividade industrial.
A falta de informações sobre os trabalhos inscritos pouco antes das apresentações foram algumas das críticas à
organização. Além disso, as inscrições deveriam obedecer à classificação proposta pela Comissão Diretora – Matemática
Pura e Aplicada; Engenharia; Ciências Médicas e Cirúrgicas; Medicina Pública; Ciências Antropológicas; Ciências Jurídicas
e Sociais; e Agronomia e Zootecnia – mas, na prática, houve alterações, e a distribuição não foi homogênea.
Refletindo o processo de sistematização do conhecimento ao longo da história, que é orientado pelas necessidades
e possibilidades das sociedades, as sessões de Medicina foram as mais concorridas: maior número de participantes
e de trabalhos publicados. O segundo lugar na afluência de congressistas ficou com as Ciências Jurídicas e Sociais,
cujas questões postas para discussão poderiam suscitar críticas à política exterior do país, desde 1902 sob condução
do barão do Rio Branco.
115
Quadro 1 – Trabalhos publicados nos anaisI
Área Número de trabalhos Percentual
Matemática Pura e Aplicada e Engenharia 10 8.9
Ciências Físicas e Naturais 17 15.2
Ciências Médicas e Cirúrgicas 27 24.1
Medicina Pública 16 14.3
Ciências Jurídicas e Sociais 23 20.5
Ciências Antropológicas 05 4.5
Ciências Pedagógicas II
08 7.1
Agricultura e Zootecnia 06 5.4
TOTAL 112 100
Fonte: ANDRADE, Ana M. Ribeiro de; SUPPO, Hugo Rogélio. O significado do Congresso. In: ANDRADE, Ana M. Ribeiro de. (Org.) A Terceira Reunião do Congresso
Scientifico Latino-Americano: ciência e política. Brasília/ Rio de Janeiro: CGEE/ MAST, 2002, p. 59-126. [Inclui CD-ROM.]
Notas: I Foi constatado que dezessete trabalhos entregues para a publicação não foram publicados e que diversos trabalhos publicados não foram apresentados;
II
Única área com participação de mulheres, que publicaram quatro trabalhos.

As resoluções votadas na sessão plenária foram orientadas pelo questionário elaborado pelas subcomissões nas
conclusões de trabalhos apresentados e nos debates travados nas sessões científicas. Uma leitura preliminar dos doze
volumes do Relatorio Geral permite afirmar: em nenhum dos países da América Latina a ciência havia conseguido se

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constituir como uma atividade institucionalizada. Não havia o imprescindível apoio do Estado e uma tradição científica
cumulativa, inclusive naquelas instituições consideradas bem-sucedidas no século XIX. As contribuições científicas do
3o Congresso, ao que tudo indica, eram resultantes de iniciativas isoladas e precisam ser analisadas com vagar pelos
especialistas das áreas de História da Matemática, Geologia, Saúde Pública, Ciências Naturais, Educação, Engenharia,
etc. Trabalhos que aparentam ser meras descrições, entretanto, podem indicar o estágio de desenvolvimento de disci-
plinas, refletindo a preocupação de se introduzirem reformas no ensino superior e de se promover o intercâmbio entre
professores de ciências e cientistas latino-americanos. A visão otimista sobre os resultados do evento, uma vez que
no Relatorio Geral não estão transcritos os comentários críticos ou negativos, não é suficiente para responder sobre o
papel que a ciência poderia desempenhar nas sociedades latino-americanas a longo prazo, a partir do que já havia sido
feito, ou avaliar o grau de inserção e o avanço da ciência nessa região geopolítica em comparação com as fronteiras
do conhecimento na transição para o século XX. Desse modo, se era reconhecida a importância da ciência para o
desenvolvimento dos países, não há registros de reivindicações ao Estado para a obtenção de melhores condições
para a produção de ciência.
Como país anfitrião, os brasileiros se sobressaíram quanto ao volume de trabalhos, permitindo uma avaliação mais
precisa do estado da ciência e da tecnologia no país. Porém, os dados quantitativos são inconsistentes para uma análise
comparativa entre os resultados das três reuniões no que se refere ao número de participantes, trabalhos apresentados
e trabalhos publicados. Também o número de áreas de conhecimento representadas é pouco esclarecedor, posto que
as subdivisões eram muito frágeis. A comparação do 3o Congresso com os dois eventos anteriores, em 1898 e 1901,
e com o 4º Congresso, que se realizou junto com o 1º Congresso Pan-americano (1909), permite adiantar que a marca
característica da reunião do Rio de Janeiro foi ter conseguido reunir um maior número de delegados.

116

Comissão Diretora do 30 Congresso Scientifico Latino-Americano, 1905. Sentado à esquerda: Barbosa Rodrigues

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4. A atuação de Barbosa Rodrigues em 1905

A proposta de instituir uma reunião científica permanente na América Latina, tal como ocorria em países europeus,
partiu da Sociedad Científica Argentina. Nenhum brasileiro participou da 1ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-
Americano (Buenos Aires, 10-20 de abril de 1898), mas João Barbosa Rodrigues (diretor do Jardim Botânico), Manoel
Victorino Pereira (médico), Alfredo Lisboa (engenheiro), Manoel Álvaro de Souza Sá (jurista) e Domingos Sergio de
Carvalho (engenheiro agrônomo, professor do Museu Nacional) compareceram à 2ª Reunião do Congresso Scientifico
Latino-Americano (Montevidéu, 20-31 de março de 1901). O grupo foi organizado no âmbito do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, pelo marquês de Paranaguá,15 e recebeu do governo federal recursos para a viagem. Quando o
Rio de Janeiro foi escolhido para sediar a terceira reunião, todos passaram a integrar a Comissão Organizadora, depois
denominada Comissão Diretora.
Os trabalhos dessa comissão tiveram início no IHGB, em julho de 1901, mas se tornaram regulares a partir de 5
de abril de 1902, quando a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro ganhou o status de sede da 3ª Reunião. Naquele
ano, ocorreram quatorze reuniões, e as atas foram publicadas no 1o Boletim dos Trabalhos Preparatórios.16 Os esforços
se concentraram na elaboração do regulamento e esboço da programação, na divulgação (circulares, boletins e fichas de
inscrição) e nas articulações visando garantir o auxílio do governo federal. Barbosa Rodrigues participou intensamente,
sempre fazendo ponderações que evidenciavam sua experiência em pesquisa e preocupação com o rigor científico.
Ficou estabelecido que haveria dez comissões científicas, denominadas subcomissões: Matemática Pura e
Aplicada; Ciências Físicas; Ciências Naturais; Engenharia; Ciências Médicas e Cirúrgicas; Medicina Pública; Ciências
Antropológicas; Ciências Jurídicas e Sociais; Ciências Pedagógicas; Agronomia e Zootecnia. Procurou-se manter a
estrutura organizacional do congresso de Montevidéu, considerado um êxito. Coube às comissões científicas: propor
questões para orientar os trabalhos a serem apresentados nas sessões; sugerir outros nomes para dividir as tarefas;
receber e classificar as dissertações, relatórios e comunicações sobre os temas afins enviados às mesmas; organizar
117
as atividades científicas e instalar as sessões até a eleição da Mesa definitiva de cada área; coordenar a publicação
do relatório final com os trabalhos selecionados.
Em 26 de novembro de 1902, Barbosa Rodrigues passou a integrar a Comissão Diretora, que substituiu a Co-
missão Organizadora. Até o congresso, outras 42 reuniões plenárias se realizaram na Sociedade de Geografia do Rio
de Janeiro ou na Escola Politécnica. As atas registravam as presenças e as justificativas das faltas, assim como as
propostas apresentadas e decisões, as quais o Jornal do Commercio transcrevia na íntegra para os leitores. Em 1904,
a Comissão Diretora se dedicou fundamentalmente a examinar os resultados do trabalho das comissões científicas,
a infraestrutura e apoio financeiro para realização do evento, o registro de participantes, os trabalhos inscritos e as
indicações para presidentes e membros honorários. Três meses antes do início do Congresso, devido às dificuldades
enfrentadas pela Comissão Diretora para executar as últimas tarefas,17 as atividades passaram a ser supervisionadas
por uma Comissão Executiva sob a presidência do próprio marquês de Paranaguá. Era menor do que a Comissão
Diretora, mas integrada por aqueles que estavam mais comprometidos com a realização do evento: Antonio de Paula
Freitas, Deodato Cesino Villela dos Santos, Manoel Álvaro de Souza Sá Vianna, Carlos Seild, José Américo dos Santos,
Alfredo Lisboa e o incansável João Barbosa Rodrigues. Seu empenho fora tal, que Constança Barbosa Rodrigues, sua
mulher, foi aclamada presidente honorária da 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano. A homenagem
era inusitada naquela época, diante do papel reservado na sociedade para as mulheres. A sugestão partiu do médico
argentino Manoel Otero Acevedo.
Em contraste com o dinamismo demonstrado na posição de diretor do Jardim Botânico, participante e repre-
sentante brasileiro no 2º Congresso, e membro das comissões organizadoras, diretora e executiva da 3ª Reunião do
Congresso Scientifico Latino-Americano, Barbosa Rodrigues não teve uma atuação científica compatível durante o
evento. Depois de vencida a proposta de agrupar as sessões de Engenharia, Matemática, Ciências Físicas e Ciências
Naturais, ele deveria apresentar trabalho nas sessões de Ciências Físicas e Naturais que foram realizadas em conjunto.

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Dos dezessete trabalhos publicados sobre Botânica, Geologia, Geofísica, Meteorologia, Zoologia e instrumentos científi-
cos, é interessante constatar que oito não foram apresentados. Barbosa Rodrigues, que teve dois trabalhos publicados,
também não submeteu seus trabalhos às críticas dos colegas.
As normas eram claras: cada participante dispunha de 15 minutos para ler o trabalho em português ou espanhol, e
outros 25 minutos para discussão. Esse tempo poderia ser prorrogado, como os trabalhos poderiam ser publicados em
outro idioma. Barbosa Rodrigues protelou a apresentação nos primeiros dias, alegando pouco tempo; esteve ausente
um dia; e, por fim, afirmou que o tamanho do trabalho intitulado a “A diminuição das águas no Brasil” era incompatível
com o tempo da sessão! Como ele não fez comentários sobre os outros trabalhos apresentados, pode-se aventar que
o desinteresse fora motivado pela falta de interlocutores na plateia ou simplesmente decorrente do cansaço físico.
A visita ao Jardim Botânico, do qual Barbosa Rodrigues era diretor, não teve caráter técnico, e não foi exclusiva
dos participantes das sessões de Ciências Físicas e Naturais. Centenas de participantes do 3º Congresso estiveram
presentes para as festividades de inauguração do monumento em homenagem ao botânico frei Leandro do Sacramento.
Se um pequeno grupo retornou ao local para um almoço na residência do diretor, o ato deve ser interpretado como um
gesto de confraternização entre colegas e amigos.

5. Os trabalhos de Barbosa Rodrigues

“Structure et formation de la tige des palmiers” foi publicado no tomo IIIA do Relatorio Geral, em francês, consi-
derada a língua da civilização.r Trata-se de um trabalho clássico de Botânica, o qual o autor inicia com uma descrição
“poética” do estipe da palmeira e um histórico das descrições do espécime. Em seguida, reporta-se à controvérsia
sobre a estrutura do estipe, lembrando que botânicos europeus se equivocaram na descrição de exemplares nativos
118 na África pelo fato de as palmeiras não resistirem a longas viagens. Discorre também sobre a reprodução e raízes das
palmeiras para explicar, de maneira pormenorizada, como se dá o desenvolvimento do estipe. Por meio de desenhos,
trata dos detalhes dos ramos e dos feixes de fibras. Um relato de experiência pessoal encerra o trabalho.
“A diminuição das águas no Brasil”, trabalho de mais de 160 páginas que Barbosa Rodrigues planejou apresentar
no 3º Congresso de 1905, foi publicado no tomo IIIA do Relatorio Geral, impresso em 1909.s Bem fundamentado e de
leitura agradável, é interessante observar que a estrutura da apresentação se assemelha às exigências dos trabalhos
acadêmicos. O autor destaca no prólogo a motivação do estudo, as hipóteses do trabalho, a finalidade e as questões
orientadoras. Isto é, chama atenção para a seca, diferenciando as alterações do índice pluviométrico do fenômeno
das secas que periodicamente assola algumas regiões do país, atribuindo o problema à diminuição dos mananciais.
A tese é de que uma revolução geológica no país, ligada uma revolução meteorológica, ou produzindo-a, resulta no
ressecamento da crosta terrestre e, consequentemente, ocasiona a diminuição das chuvas e trovoadas, a falta de
água e doenças. Baseia-se nas modificações que observou no volume dos rios da bacia Amazônica durante os anos
em que lá viveu, nas viagens pelas fronteiras até o Mato Grosso e em numerosos dados extraídos de documentos
oficiais, jornais, artigos, etc. Adverte o governo para a necessidade de entender a questão, a fim de ser evitada uma
calamidade, inclusive para as futuras gerações.
O trabalho está dividido em seis partes. Na primeira, faz um “Histórico das derrubadas e dos mananciais”t do Rio
de Janeiro, enfatizando os aspectos da relação aumento da população/consumo de água desde a época de Villegaignon
até recentes administrações. Apresenta diversos dados em quadros demonstrativos sobre o volume de água dos ma-
nanciais da cidade. A segunda parte, “Florestas e queimadas”,21 é particularmente interessante para a compreensão das
ideias do autor. Questiona a relação entre desmatamento e seca; enfatiza que as florestas são grandes consumidoras
de água e, mais uma vez, enfatiza que o problema se deve ao fato de a água não infiltrar no solo. Nesse item, é um
crítico severo das queimadas, por gerarem calor, além de fumaça, fuligem e cinzas.

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Em “Chuvas e trovoadas”,22 o item 3, o autor trata das mudanças no regime das chuvas e da diminuição das
trovoadas, o que vem observando ao longo dos anos. Em suas palavras, “os mananciais decrescem sendo já efeito da
diminuição das chuvas, produzido por uma causa geológica, que é uma revolução que se dá lentamente na crosta ter-
restre, e não por faltarem florestas”.23 Acentuando que faltam informações meteorológicas, Barbosa Rodrigues recorre
às informações de Luiz Cruls (do então Observatório Astronômico do Rio de Janeiro), do Instituto Agronômico de São
Paulo, da Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, da Companhia de Mineração do Morro Velho, da Diretoria
Geral dos Telégrafos, dentre outras, para reforçar sua tese. Também elenca dados do Uruguai, Argentina e México. Ao
contrário, apenas observações pessoais e pitorescos relatos populares sustentam a afirmação de que houve redução
na intensidade das trovoadas.
Ao tratar das “Causas da diminuição das águas e seus efeitos”,24 Barbosa Rodrigues novamente insiste na tese
da revolução geológica, reforçando os argumentos apresentados no Prólogo: solo seco, modificação dos componentes
terrosos devido à seca, questões relativas à cobertura vegetal, etc. Como um cientista típico do Novecentos, distan-
cia-se mais de sua área ao tecer comentários sobre as doenças, as desinfecções e os preceitos higiênicos recém-
adotados. Há certa ironia em algumas afirmativas, mas, cuidadosamente, afirma que a prática ainda não comprovou
a teoria dos microorganismos. Divaga sobre doenças, mortes, limpeza pública, emanações telúricas (diminuiriam
com o aumento de água no subsolo). Afirma, ressalvando que não é médico, que as epidemias estão relacionadas à
desaparição das águas.
Por fim, trata em separado da “Diminuição dos mananciais da capital”,25 citando vários rios que hoje não existem
mais ou estão reduzidos a filetes, e insiste em suas hipóteses para explicar a causa da redução do volume de água. Na
“Adenda” ao trabalho escrito em 1904, mas só publicado em 1909, transcreve e comenta cartas e matérias publicadas
em jornais sobre o mesmo tema.
Barbosa Rodrigues não estava na vanguarda da ciência de seu tempo, conforme algumas considerações deste
trabalho. Relutava em reconhecer a ação patogênica de microorganismos e quais espécies animais atuavam como 119
vetores na transmissão de doenças. Mas estava certo em defender a mata ciliar.

Pic nic no Silvestre (RJ): participantes do evento de 1905 e convidados

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Conclusão

Ao serem comparadas as características do primeiro evento latino-americano realizado no Rio de Janeiro com
as dos eventos recentes organizados pelas associações internacionais de pesquisadores, algumas generalizações a
respeito dos congressos científicos podem ser feitas, inclusive da história da ciência. Enquanto a especialização e a
profissionalização substituíram a multiplicidade de temas e a profusão de participantes com interesses muito distintos,
muitas áreas mantêm a tradição de organizar um grande congresso internacional a cada quadriênio, na cidade eleita
na reunião anterior, em que é também escolhida a futura comissão organizadora. Algumas instituições de pesquisa
igualmente conseguiram firmar a tradição de organizar colóquios regulares, sempre na mesma cidade, para os quais
atraem a participação de importantes pesquisadores estrangeiros. Em ambas, a ocasião é propícia para os organiza-
dores e os convidados especiais acumularem capital científico, tal como Barbosa Rodrigues conseguiu amealhar na 2ª
Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano (Montevidéu) e reproduzir na 3ª Reunião do Congresso Scientifico
Latino-Americano (Rio de Janeiro).
O ritual científico e a forma de organização permanecem praticamente inalterados, muito embora esteja mais
rarefeita a presença de representantes do Estado e sejam mais restritas as solenidades para projeção do potencial do
país anfitrião. Se, na transição para o século XX, a produção de conhecimento nos países da América Latina e Caribe
se encontrava em um patamar muito distante da Europa, onde o desenvolvimento do capitalismo havia promovido
profundas mudanças econômicas e sociais, trazendo com elas a crença no valor da ciência e da tecnologia, a distância
encurtou. O apoio do Estado, por intermédio de agências de fomento, contribuiu para aumentar de maneira surpreen-
dente o número de congressos, de pesquisadores e o que mais importa: a produção científica. A ciência, vista como
parte da cultura nacional, tornou-se um eficiente instrumento de política externa e de propaganda dos países, tal como
o barão do Rio Branco experimentou diretamente em 1905.
A leitura do Relatorio Geral da Terceira Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano26 estimula a reflexão
120 sobre o desenvolvimento da ciência e da tecnologia ao longo de um século de história, notadamente ao observar as
permanências e as mudanças. O documento testemunha como a ciência era produzida, aplicada e considerada na so-
ciedade brasileira do início do século XX. Inscritas na historicidade das condições de produção, transmissão e recepção
do conhecimento científico no Brasil e na América Latina, as informações contidas nos doze volumes dos anais deixam
evidentes a marca de celebração e o esforço político para enfrentar problemas comuns e de integração regional, o que
permite conferir ao evento uma duplicidade de caráter: científico e político.
Um exemplo da atualidade de temas abordados em 1905 é a contribuição de Barbosa Rodrigues sobre a diminui-
ção da água no Brasil. Mas, enquanto ele defendia a necessidade de preservação de uma faixa de mata ciliar de 200
metros, para proteger o solo e evitar a diminuição das chuvas e mananciais, o Ministério do Meio Ambiente, ainda hoje,
enfrenta resistências para fixar a largura mínima de 30 metros, apesar de várias evidências científicas que comprovam
a redução vertiginosa do volume de água potável na Terra. As advertências do botânico ao governo do presidente da
República Francisco de Paula Rodrigues Alves continuam ignoradas pelas autoridades e maioria da população, inclusive
do Rio de Janeiro e arredores.

Notas e referências bibliográficas


Ana Maria Ribeiro de Andrade é pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST/MCTI. E-mail: anaribeirodeandrade@gmail.com

1 Questões centrais sobre o evento de 1905 foram desenvolvidas anteriormente em: ANDRADE, Ana M. Ribeiro de. O Congresso sob muitos ângulos. In:
ANDRADE, Ana M. Ribeiro de. (Org.) A Terceira Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano: ciência e política. Brasília/ Rio de Janeiro: CGEE/
MAST, 2002, p. 21-57. [Inclui CD-ROM.] ; ANDRADE, Ana M. Ribeiro de; SUPPO, Hugo Rogélio. O significado do Congresso. In: ANDRADE, Ana M. Ribeiro
de. (Org.) A Terceira Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano: ciência e política. Brasília/ Rio de Janeiro: CGEE/ MAST, 2002, p. 59-126. [Inclui

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CD-ROM.]; SUPPO, Hugo Rogélio. Ciência e relações internacionais. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1 [nova
série], p. 6-20, jan./jun. 2003.
2 Há um exemplar desse trabalho na biblioteca do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
3 SCHROEDDER-GUDEHUS, Brigitte. Avant-propos. Les relations internationales (Les congrès scientifiques internationaux), Paris, n. 62, verão 1990.
4 Entre os diversos trabalhos sobre o tema, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais. Espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo:
Hucitec, 1997.
5 Sobre a participação do Brasil na Exposição de Paris de 1889, ver: heizer, Alda. Observar o céu e medir a Terra. Instrumentos científicos e a participação do
Império do Brasil na Exposição de Paris de 1889, 2005. Tese (Doutorado em Ciências) , IGE, Unicamp, Campinas.
6 Nos anais ou Relatorio Geral, e neste trabalho, a 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano é também designada 3º Congresso e Congresso
de 1905.
7 Ver em especial: REUNIÃO DO CONGRESSO SCIENTIFICO LATINO-AMERICANO, 3, 1905, Rio de Janeiro. Relatorio Geral: trabalhos preliminares e
inauguração do congresso. Organizado pelo Dr. Antonio de Paula Freitas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906, tomo I, 206 p. Idem. Actos solemnes,
visitas e excursões. Organizado por Américo W. Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, tomo VIII, 183 p. il.
8 Tema de trabalho de Barbosa Rodrigues.
9 Constatou-se que a maioria dos pontos correspondia a temas de estudo dos organizadores.
10 REUNIÃO DO CONGRESSO SCIENTIFICO LATINO-AMERICANO, 3, 1905, Rio de Janeiro. 2º Boletim. Trabalhos preparatórios até 31 de dezembro de 1904.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905, p. 41-42.
11 Idem. Relatorio Geral: actas e memorias referentes ás secções de Pedagogia, Anthropologia, Agronomia e Zootechnia. Organizado pelo Dr. Henrique
Guedes de Mello. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909, tomo VI, p. 121-136.
12 Há imprecisões nas fontes consultadas, tais como entre os Boletins dos trabalhos preparatórios e as informações publicadas, posteriormente, nos anais do
evento. Todos os volumes do Relatorio Geral estão no CD-ROM que acompanha ANDRADE (Org.), 2002. Ver: ANDRADE, Ana M. Ribeiro de; FERRÃO, Luiz
Felipe (Coord.). 3ª Reunião do Congresso Scientifico Latino-Americano. ed. fac-sim. Brasília/ Rio de Janeiro: CGEE/ MAST, 2002. CD-ROM.
13 Foi designado pela Comissão Diretora membro suplente da subcomissão de Medicina Pública, porém não participou das atividades. Mesmo hoje, cientistas
renomados são incluídos nas comissões científicas para sobrevalorizar o evento.
14 Ver: ANDRADE; SUPPO. Op. cit., 2002, p. 73.
15 Durante o Império, o monarquista marquês de Paranaguá, João Lustosa da Cunha Paranaguá, ocupou vários cargos políticos: senador, ministro das
Relações Exteriores e presidente de diversas províncias.
16 REUNIÃO DO CONGRESSO SCIENTIFICO LATINO-AMERICANO, 3, 1905, Rio de Janeiro. 1o Boletim. Trabalhos Preparatórios até 31 de dezembro de 1903.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904.
17 idem. 2o Boletim. Trabalhos Preparatórios até 31 de dezembro de 1904. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1905. p. 33-36. 121
18 idem. Relatorio Geral: trabalhos das secções do congresso de Sciencias Físicas e Naturais. Organizado pelo Dr. Henrique Guedes de Mello. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1909, tomo IIIA, 550 p. il.
19 Ibid., p. 153-316.
20 Ibid., p. 175-197.
21 Ibid., p. 197-211.
22 Ibid., p. 211-260.
23 Ibid., p. 212.
24 Ibid., p. 261-280.
25 Ibid., p. 280-295.
26 ANDRADE; FERRÃO. Op. cit.[2002, CD-ROM].

[ Artigo recebido em 05/2010 | Aceito em 07/2010 ]

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Secretaria da revista para serem escaneadas.
A Revista da SBHC publica artigos, ensaios, resenhas e notas de pesquisa iné-
ditos; transcrição e comentários críticos de documentos; imagens de interesse 6 As resenhas de publicações recentes de interesse para a área deverão ter
histórico; traduções comentadas; debates e entrevistas; e resumos de disser- de 5 a 10 páginas. A capa da publicação deverá ser escaneada em 300 dpi
tações e teses, em português, inglês, francês e espanhol. O editor reserva-se o no formato JPG (sem reduzir o tamanho do original mas sem ultrapassar 16
direito de efetuar alterações ou cortes nos trabalhos recebidos para adequá-los cm de largura) e enviada em arquivo separado.
às normas da revista, respeitando o estilo e os conteúdos do autor.
7 Abaixo do nome do autor deverá constar apenas a titulação máxima e o
vínculo profissional ou o programa de pós-graduação ao qual estão vincu-
SEÇÕES lados mestrandos e doutorandos.
Artigos – textos analíticos resultantes de estudos e pesquisas sobre temas de 8 A publicação e os comentários a respeito de documentos inéditos seguirão
interesse para história da ciência e da tecnologia, ensino e divulgação da ciên- as normas especificadas para os artigos.
cia, historiografia, museus e arquivos de ciência e tecnologia (até 35 pág).
9 As traduções de clássicos deverão vir acompanhadas do texto original e
Ensaios – textos ensaísticos relacionados a temas de interesse para história da seguirão as normas especificadas para os artigos.
ciência e da tecnologia, e áreas correlatas (até 30 páginas).
10 Resumo de dissertações e teses deverão ter de 200 a 300 palavras e ser
Depoimentos – debates e entrevistas com estudiosos da ciência, cientistas, acompanhados de três a cinco palavras-chave indicativas do conteúdo do
tecnologistas e professores sobre temas de interesse para a história da ciência trabalho (idioma principal e inglês).
e da tecnologia, ensino e divulgação da ciência, historiografia, museus e arqui-
11 A maior titulação (e instituição que o conferiu), o apoio financeiro recebido
vos de ciência e tecnologia acompanhados de texto introdutório (até 30 pág).
para a pesquisa, endereço, e-mail e, se desejar, concisos agradecimentos,
Imagens – trabalhos elaborados por meio de imagens, fotografias, gravuras, deverão ser mencionados no final do texto, antes da primeira nota.
desenhos, etc. (de preferência em preto e branco), acompanhados de texto
12 Os trabalhos deverão ser enviados para: revistadasbhc@mast.br. Ver tam-
introdutório e legendas (até 30 páginas).
122 bém: http://www.mast.br/sbhc/inicio.htm
Documentos e fontes – transcrição de documentos históricos e tradução da
13 Os trabalhos serão submetidos a dois especialistas para parecer. No caso
versão original de clássicos acompanhados de texto introdutório e comentários;
de divergência entre os dois pareceristas, o trabalho será enviado a um
material de divulgação de acervos e coleções de valor histórico acompanhado
terceiro consultor.
de texto introdutório, etc. (até 30 páginas).
14 O editor reserva-se o direito de introduzir alterações na redação e apre-
Resenhas – análises críticas de publicações recentes, de bases de dados infor-
sentação dos originais, visando a manter a uniformidade e a qualidade da
matizadas ou de material similar divulgado por meio de redes de computadores
revista, respeitando o estilo e as opiniões dos autores.
(de 5 a 10 páginas).
15 Cabe ao Conselho Editorial a decisão final referente à oportunidade da pu-
Resumos – descrições sucintas de dissertações de mestrado, teses de dou-
blicação das contribuições recebidas.
torado e livre-docência.
16 As editoras devem encaminhar os livros para serem resenhados para o
Cartas – comentários e críticas a artigos ou a qualquer texto publicado em
editor e a obra será encaminhada para especialista do tema.
números anteriores do periódico ou opinião sobre assuntos de interesse dos
leitores (até 3 páginas). 17 Normatização das notas cf. NBR6023:
SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo não itálico. Tradução.
edição, Cidade: Editora, ano. p. x-y.
NORMAS EDITORIAIS SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In: SOBRENOME,
Nome do organizador (Org.). Título do livro em itálico: subtítulo não itálico. Tra-
1 As colaborações para o periódico da Sociedade Brasileira de História de dução, edição, Cidade: Editora, ano, p. x-y.
Ciência devem ser inéditas e seguir as seguintes especificações: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico. Cidade, v.,
2 Os artigos terão a extensão de 50 páginas no máximo, digitadas em fonte n., p. x–y, mês ano.
Times New Roman 12, com espaço 1,5 e margens de 2,5cm. Não perso- SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo não itálico. Tradução.
nalizar o estilo ou utilizar no texto as marcas desnecessárias, como recuo, edição, Cidade: Editora, ano. p. x-y.
grifo, bordas, negrito, etc. As notas e as referências bibliográficas (biblio- SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In:
grafia citada e consultada) devem ser apresentadas no final do texto (com SOBRENOME, Nome do organizador (Org.). Título do livro em itálico: subtítulo
chamada numérica seqüencial no texto). A bibliografia não é publicada em não itálico. Tradução, edição, Cidade: Editora, ano, p. x-y.
separado. Apenas citações longas (cerca de 400 caracteres com espaço) SOBRENOME, Nome. Título do artigo.Título do periódico em itálico. Cidade:
podem ser destacadas do corpo do texto. Nomes de autores e demais Editora, vol., fascículo, p. x-y, mês e ano.
nomes próprios mencionados no texto devem ser apresentados na forma
completa, mas nas menções seguintes podem ser abreviados para a forma
mais conhecida. Por exemplo: Segundo Caio Prado Júnior ... Nas menções
seguintes, Prado Júnior.
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Presidente Olival Freire| UFBA Edição | Productor and editing processes
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10 Vice-presidente Ivan Marques da Costa| NCE/HCTE-UFRJ
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Mauad Editora Ltda.
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Tiragem: 1.000 exemplares
Leia também:

2012, Vol. 5 n. 1 2011, Vol. 4 n. 1 2011, Vol. 4 n. 2

2010, Vol. 3 n. 1 2010, Vol. 3 n. 2 2009, Vol. 3 n. 1

2009, Vol. 3 n. 2 2008, Vol. 2 n. 1 2008, Vol. 2 n. 2

Disponíveis em http://www.sbhc.org.br/revistahistoria/public

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Impressão: Sermograf
Volume 5, Suplemento: 2012
VOLUME 5, SUPLEMENTO , 2012 RE V I S TA B RA S I L E I RA D E H I S T Ó R I A D A C I Ê N C I A

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