Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Uma casa imaginária cuja forma tem como único suporte a pura idealização é
bem diferente daquela cuja construção simbólica pode sustentar o peso da torrente de
significantes vindos do campo do Outro. Se for feita de papel como uma maquete ou
um bonsai pode até parecer muito com uma casade verdade, mas sob o sopro forte de
um vento real corre o risco de se perder no ar como pipa voada. A analogia que fiz com
a casa do poema e a psicose não desencadeada gira em torno da fragilidade do artifício
1
Psicanalista e escritora. Professora da Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ. Mestre em
Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela UERJ. Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela
Universidade Veiga de Almeida – Rio de Janeiro.
1
de sustentação dessa estrutura. Um suporte que se dá pela via do imaginário através do
apoio emum significante ideal.
A verdade sobre a castração é algo real e nos atinge a todos. Masaqueles que
contam com o Nome-do-Pai na estrutura conseguemcircular no laço social disfarçando
sua tolice sob inúmeros semblantes. Ou seja, somente na neurose o sujeito consegue
fazer de conta que não é castrado e desempenhar um papel sem se identificar ao
significante que o representa no laço social que aqui poderíamos relacionar à rua dos
bobos (os neuróticos em relação à sua debilidade).
Na psicose, por outro lado, o inconsciente está a céu aberto de modo que o
sujeito fica exposto à invasão dos significantes que retornam em toda sua materialidade.
Dito de outro modo, a palavra deixa de funcionar como representante da representação e
passa a encarnar a coisa real. Ou seja, o que foi foracluído no simbólico retorna no real,
como é o caso das alucinações verbais e o delírio.No Seminário 3 (2002 [1955-1956]),
Lacan nos adverte que essa falta estrutural muitas vezes é compensada através das
identificações imaginárias ao outro. Desse modo,o psicótico age de modo estereotipado,
como se estivesse interpretandocertos papéis, o que, por vezes,soa um tanto artificial.
Vemos como isso se dá na paranoia, por exemplo, onde o papel interpretado pelo sujeito
está diretamente ligado ao significante do ideal do eu materno. Também há aqueles que
se apoiam em uma pessoa (um ente querido) ou em uma função supostamente
valorizada (um trabalho, uma posição social). Sob determinadas condições especiais,
esse significante ideal pode servir de apoio estrutural ao longo de toda uma vida.No
entanto, como sabemos, um apoiosempre pode falhar. Frágeis como uma casa de
papel,os apoios imaginários do sujeito na psicose são bastante vulneráveis. Se, no
Seminário 3,Lacan chama esses apoios de bengalas imaginárias, no Seminário
23,desenvolverá o conceito de sinthomaque funcionará como quarto elo da estrutura.
Vejamos como isso se dá.
2
estados que antecedem à abertura deflagrada do surto propriamente dito e, assim, parte
do fenômeno para introduzir a questão sobre o diagnóstico estrutural. É inegável a
contribuição de Deutsch nesse sentido, pois, através da construção de seus casos
clínicos, ela nos esclarece sobre a fenomenologiaque se apresenta anteriormente à
construção delirante, diferindo-os, inclusive, dos casos de identificação histérica.Sobre
o emprego da nomenclatura “como se”,Deutsch esclarece o seguinte ponto:
3
realização da identificação essencial ao
posicionamento sexual por inviabilizar o
advento da metáfora paterna e de sua
resultante: a significação fálica. Em
conseqüência, sem esse ponto de
identificação, de apaziguamento imaginário,
o psicótico é um sujeito solto, errante, sem
referência ao seu sexo, à deriva no que se
refere à partilha dos sexos. (RICHA, 2006)
5
Um exemplo paradigmático de como ocorre essa entrada na realidade
crepuscular da psicose é o caso do Presidente Schreber(FREUD,1911). Através do
estudo de caso empreendido por Freud a partir das memórias escritas pelo próprio
Schreber, vemos como se dá o momento do desencadeamento da sua doença bem
comoo momento de sua estabilização logo após sua construção delirante. Como
sabemos, a questão da emasculação de Schreber, ou seja, de sua transformação em
mulher de Deus, tem importância central noposicionamentode Freud. Para ele, a psicose
de Schreber foi desencadeada como fruto de uma forte defesa contra seus impulsos
homossexuais. Entretanto, como vimos há pouco, a noção de empuxo à mulher
desenvolvida por Lacan nosesclarece o que realmente estava em questão, ou seja, a
impossibilidade estrutural de se posicionar na partilha dos sexos na psicose.
Mas Lacan avança em seu ensino. No Seminário, livro 23, o sintoma (2007),
elaboraa noção de sinthomarelacionando-a aos casos de psicose não desencadeada. E ele
o fará a partir do cauteloso estudo da escrita de James Joyce. Com isso,lançará um novo
olhar sobre a psicose, acrescentando algo a mais ao que já vinha trabalhando desde o
Seminário 3.
Lacan nos ensina que James Joyce se construiu como um ego de artista e assim o
tendo feito, pôde se inscrever no laço social como um nome de referência no mundo das
letras. Além disso, sabe que a escrita de Joyce teve um efeito avassalador na cultura
porque introduz a novidade da letra como entidade acústica estritamente musical,
estando, portanto, destacada de um significado único. Esse fato levou Lacan a dizer que
Joyce explodiu a língua inglesa. Ao se inserir no laço social como esse sujeito „bélico‟
às avessas, Joyce se sustentou no laço social mantendo-se, de algum modo,„estável‟. Ou
seja, nãodesencadeou um surto psicótico nos moldes clássicos como, por exemplo, o fez
o presidente Schreber. Ao invés disso, explodiu a sintaxe da língua inglesa
quandoescreveuFinnegans Wake (1939), mostrando, com isso, a prevalência do
significante enquanto entidade acústica sobre o sentido conferido pelo imaginário.
Vemos, portanto, que a escrita de Joyce era uma resposta à falta do Nome-do-
Pai em sua estrutura, ou seja, era outro modo de suprir isso que lhe faltava desde
sempre, permitindo-lhe compensar uma Verwerfung de fato. Mas nesse caso, a
compensação da falha estrutural já não era mais através da identificação imaginária,
como vimos no Seminário 3. A escrita de Joyce adquire, desse modo, o valor
6
desuplência. Portanto, a partir do Seminário 23, vemos que Lacan tomaoutro rumo em
sua leitura sobre a psicose. Tendo como inspiração a escrita de James Joyce, Lacan
desenvolve ao longo desse seminário o conceito de sinthoma. Vejamos adiante como se
dá isso.
O sinthoma (com essa letra h depois do „t‟) é uma forma de escrita antiga, como
o próprio Lacan nos esclarece na lição de abertura desse seminário (Idem:11). A
novidade trazida com essa noção de sinthoma está precisamente no fato dela se articular
tanto à psicose quanto à neurose, pois a simples inserção de uma letra estaria
assinalando uma forma diferente de lidar com o gozo do sintoma. Com esse simples
artifício, temos a impressão de que Lacan alça o sinthoma do sujeito ao patamar de pura
diferença. Uma diferença que ocorre a partir de um determinado acontecimento - entre
um antes e um depois na história do sujeito - algo do tipo a hora “h” ou turning point
em inglês. O momento do desencadeamento de uma psicose certamente se dá num
desses momentos cruciais em que o sujeito constata que toda a imaginarização de que se
valia até então já não dá mais conta de mantê-lo no laço social. No caso de Joyce,a saída
possível foiatravés da escrita que funcionoucomo suplência para a falta do significante
do NP, operando aos moldes de um sinthoma que amarra os três nós. Ou seja, ele
conseguiu se inserir no laço social por ter alçado sua escrita criativa ao nível de um
sintoma muito particular, „ser reconhecido como um nome de artista‟. Ou seja, a forma
como ele lidava com a castração real se dava pela atividade da escrita, uma vez que esta
era resultado de um esforço íntimo para lidar com a invasão de gozo do campo do Outro
(não barrado).
Esse tipo de suplência pode ser bem eficaz, uma vez que engaja o sujeito de tal
modo em sua obra que faz com que ele consiga conjugar o simbólico com o real através
do tratamento do gozo pelo o significante. Entretanto, não podemos dizer que isso
jamais falhará, afinal devemos lembrar que uma suplência não é propriamente o NP, ou
seja, não há garantias de que o sujeito de estrutura psicótica se mantenha estável com
esse recurso indefinidamente. Portanto, ainda que a „casa imaginária‟ - à qual aludimos
no início desse artigo – possa contar com o reforço poderoso da criação artística,
devemos lembrar que a castração está sempre referida à rua dos bobos, número zero.
Para finalizar, gostaria de ressaltar que, na psicose, o que se rejeita não é propriamente a
rua dos bobos, mas justamente o índice da falta, ou seja,o número zero.
BIBLIOGRAFIA
brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. XIX. Rio de Janeiro:
Imago,1996.
179-225.
LABERGE, J (org.). Joyce-Lacan: o sinthoma. Recife: CEPE, 2007.
LACAN, J. “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In:
Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. “A significação do falo”. In: Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
______. O Seminário, livro 20: mais ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar,
1985.
9
Lacan, J. (1973). “O aturdito”. In: Outros escritos (pp. 448-497). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001.
LINKS:
http://www.scielo.br/pdf/pc/v22n1/a09v22n1.pdf
http://www.isepol.com/asephallus/numero_02/artigo_07port_edicao02.htmhttp://w
ww.isepol.com/asephallus/numero_02/artigo_07port_edicao02.htm
10