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ARTIGO ARTICLE
luzes e sombras no debate setorial dos anos 90
Ligia Bahia 1
Abstract This paper surveys public-private Resumo Este trabalho examina interfaces pú-
interfaces within the health insurance market blica-privadas do mercado de planos e segu-
in Brazil, seeking to question the relationships ros no Brasil, procurando questionar as rela-
of autonomy and dependence between the sup- ções de autonomia e dependência das empre-
plementary health care enterprises and SUS, sas de assistência médica suplementar com o
as well as some aspects conditioning govern- SUS e alguns dos pressupostos que orientam o
ment regulation. The analysis of this market processo de regulação governamental. A análi-
is referenced on the related literature and on se desse mercado se apóia em referenciais ex-
information provided by official sources, con- traídos da literatura e sobre informações pro-
sulting businesses, health plans and insurances venientes de fontes oficiais, empresas de con-
enterprises and their owners’ accounts. One sultoria, dados de empresas de planos e segu-
suggests the need for broadening the agenda ros e depoimentos de seus dirigentes. Sugere-
on the public-private mosaic structuring the se a necessidade de ampliar a agenda de deba-
Brazilian health system. tes e pesquisas sobre o mosaico público-privado
Key words Private health plans and insur- que estrutura o sistema de saúde brasileiro.
ance, Public-private relationships, Government Palavras-chave Planos e seguros privados de
regulation saúde, Relações entre público e privado, Regu-
lação governamental
1 Núcleo de Estudos de
Saúde Coletiva, Faculdade
de Medicina, Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Av. Brigadeiro Trompowsky
s/no, Hospital Universitário,
Ilha do Fundão, 21941-000,
Rio de Janeiro RJ.
ligiabahia@uol.com.br
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Bahia, L.
saúde coletivos e individuais. Segue-se uma ções hospitalares (exclui honorários médicos),
definição esquemática dos tipos de planos. considerando estabelecimentos, no Rio de Ja-
Estes planos obedecem, em geral, regras neiro, com o mesmo perfil assistencial variam,
claramente identificáveis associadas a uma hie- entre CR$7.700,00 e CR$1.150,00 (informa-
rarquização das demandas segundo status so- ções fornecidas à autora por hospitais privados
cioeconômico. Os planos diferem quanto à pos- localizados no Rio de Janeiro). Segundo Luís
sibilidade de escolha do médico e acesso/tipo Fernando Figueiredo, da CRC Consultoria, o
de acomodações em hospitais. Identificam-se valor das diárias (exclui procedimentos e me-
três níveis de planos/seguros: 1) os voltados pa- dicamentos) em hospitais paulistas de linha A,
ra o atendimento dos executivos e clientes in- como o Oswaldo Cruz, é US$300; em um hos-
dividuais com alto poder aquisitivo, que asso- pital B, como o Iguatemi, US$150; e US$80 no
ciam um valor de reembolso compatível com o Alvorada, classificado como C (Bahia, 1999).
acesso a consultas médicas realizadas por pro- A estratificação das demandas em torno dos
fissionais de prestígio – que não estão creden- planos de saúde molda sub-redes limitadas ao
ciados pelas empresas de planos e seguros – atendimento de clientes de um determinado
com a utilização de quartos particulares em status sócio-ocupacional. Tal modelo impede o
hospitais privados de excelência, primeira li- trânsito até de clientes de planos de saúde entre
nha; 2) aqueles destinados aos níveis gerenciais as sub-redes de uma mesma operadora e requer
intermediários que permitem a internação em um intenso e intrincado controle administrati-
quartos particulares de hospitais de “segunda vo da parte dos prestadores de serviços e das
linha” e não prevêem reembolso ou o desesti- operadoras. Por exemplo: os clientes de um pla-
mulam, incitando o atendimento ambulatorial no especial podem não estar cobertos para in-
através da rede credenciada ou própria da ope- ternação em um centro de tratamento intensivo
radora de planos/seguros; 3) os que abrangem de um hospital, o qual está credenciado para in-
o maior contingente de clientes e restringem a ternações clínicas; será negada a internação de
cobertura a uma rede credenciada específica, um paciente vinculado a um plano básico em
centros médicos ambulatoriais das operadoras um hospital credenciado que não tenha vaga na
com acomodações em enfermarias de hospitais enfermaria, ainda que o mesmo disponha de
“mais simples” ou a um único provedor. leitos ociosos em quartos particulares.
Portanto, demanda e oferta conformam, Na prática, poucas cidades brasileiras pos-
teoricamente, duas pirâmides opostas entre si. suem os três tipos de coberturas e suas corres-
A dos clientes tem como base mais que 50% de pondentes sub-redes. Em outros municípios,
beneficiários de planos básicos e no topo me- com clientes de planos de saúde, as coberturas
nos de 10% dos vinculados aos planos mais disponíveis correspondem aos planos básico e
abrangentes. A dos provedores está assentada especial e os valores de remuneração dos médi-
em uma grande quantidade de serviços dispo- cos são duas vezes maiores para os pacientes
níveis para uma parcela reduzida de clientes e internados em quartos particulares do que os
tem como vértice um menor número de médi- destinados aos hospitalizados em enfermarias.
cos, hospitais e laboratórios para os beneficiá- Além disso, determinadas empresas emprega-
rios dos planos básicos. A conjugação das ca- doras de grande porte, como algumas estatais e
racterísticas da oferta às da demanda das em- multinacionais, adotam como política de re-
presas de planos e seguros-saúde produz pau- cursos um único plano de saúde, em geral tipo
tas de consumo de serviços bastante diferencia- especial ou executivo, para todos os níveis hie-
das bem como um uso complementar dos servi- rárquicos.
ços sob gestão do SUS mais ou menos intenso. Essas coberturas são propiciadas direta-
A “excelência” ou a “simplicidade” dos pro- mente pela empresa empregadora ou por em-
vedores de serviços se traduz através de valores presas especializadas na comercialização de
de remuneração extremamente diferenciados. planos de saúde. Tais alternativas representam
Os tetos de reembolso de consultas médicas cal- respectivamente opções de retenção/transfe-
culados como múltiplos da tabela da Associa- rência dos riscos de despesas médicas-hospita-
ção Médica Brasileira e os honorários médicos lares. Os planos próprios das empresas empre-
correspondentes à internação de um paciente gadoras, denominados autogestão, constituem
de plano VIP podem ser 6 a 8 vezes maiores do o subsegmento não comercial do mercado de
que o previsto para o de um plano básico. Da planos e seguros, enquanto que a transferência
mesma forma os valores médios das interna- dos riscos assistenciais para empresas médicas
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organização das sub-redes, para cada tipo de butários e planos coletivos empresariais contri-
plano, tem como conseqüência uma homoge- butários), exclusivamente pelos empregados
neização dos produtos que é determinada, na sob uma forma de contratação coletiva (planos
prática, pelos provedores de serviços e não pe- coletivos por adesão) ou ainda contratados in-
las operadoras. Um plano executivo de uma dividualmente (planos individuais). A maior
medicina de grupo é igual ao de uma segura- parte das despesas dos prêmios, mesmo no ca-
dora, de uma cooperativa médica e de uma em- so dos planos contributários, recai sobre o em-
presa/entidade com plano próprio. Como a de- pregador que tem a prerrogativa de considerá-
finição do produto depende estritamente da las como despesas operacionais e deduzi-las pa-
presença/ausência dos provedores de serviços ra fins do cálculo do imposto de renda. Da mes-
na lista de credenciados das operadoras, os ma forma as despesas com planos de saúde de
considerados excelentes adquirem alto poder pessoas físicas podem ser integralmente abati-
de barganha por serem requisitados para com- das dos tributos devidos.
por a sub-rede de serviços de todas as operado- A maior parte dos prêmios arrecadados des-
ras de grande porte. O mesmo ocorre no senti- tina-se à remuneração do consumo de procedi-
do contrário para os serviços qualificados co- mentos médicos-hospitalares e uma pequena
mo básicos. Estes instrumentos de auto-regula- proporção corresponde a despesas administra-
ção introduzem fatores externos às meras rela- tivas, de marketing e de comercialização das
ções quantitativas entre oferta e demanda e operadoras. Não se dispõem de estimativas so-
certamente influenciam os valores dos prêmios bre o impacto do financiamento das operado-
e as formas de financiamento. ras de planos de saúde sobre a remuneração de
médicos, hospitais e unidades de diagnóstico e
terapia. Porém divulgam-se estimativas suge-
Prêmios e financiamento rindo que a remuneração de internações de pa-
cientes financiados pelos planos é 2, 4, 6 vezes
As empresas da assistência supletiva em con- maior do que as financiadas pelo SUS. Segun-
junto, segundo informações da Associação Bra- do Jatene (Folha de S. Paulo, 18/8/ 2000), 58,7%
sileira de Medicina de Grupo – Abramge e Cie- do orçamento do Incor, que atende 85% de pa-
fas, declararam um faturamento de mais de cientes do SUS, deriva de fontes públicas (esta-
R$20 bilhões em 1999, o que significa 625 reais do e governo federal) e 41,4% dos financiado-
per capita por ano, considerando-se 32 milhões res privados (empresas de assistência suple-
de clientes. Isso significa que os valores dos mentar e clientes particulares).
prêmios no Brasil são pelo menos 10 vezes me-
nores do que nos EUA (HIAA, 1999).
Através do faturamento das operadoras de A regulamentação da assistência
planos de saúde estima-se que as despesas men- médica suplementar
sais per capita destinadas ao pagamento de prê-
mios se situem em torno de CR$50,00. Esse va- Em termos gerais, a lei 9.656 de 1998 é avaliada
lor é semelhante ao encontrado por Teixeira et como um importante instrumento para coibir
al. (1999), em um estudo sobre os planos cole- os abusos das operadoras de planos de saúde
tivos em empresas de grande porte no Rio de contra os consumidores. Poucos ousariam de-
Janeiro e sugere, se as informações sobre o fa- fender abertamente a não intervenção estatal
turamento forem fidedignas, a absoluta predo- sobre as operadoras de planos de saúde. Os con-
minância de planos de nível básico no mercado flitos só se manifestam quando se discute qual
de assistência médica supletiva. Já que os prê- é o objeto e a intensidade da regulamentação.
mios correspondentes aos planos de tipo espe- Uma linha de argumentação postula que a
cial e executivo são bem mais elevados. Segun- regulamentação visa corrigir/atenuar as falhas
do o diretor médico da Amil, os clientes de pla- do mercado: assimetria de informações entre
nos de saúde estão concentrados nos segmen- clientes, operadoras e provedores de serviços; a
tos de menor poder aquisitivo: 30% no D e E, seleção de riscos por parte das empresas de pla-
41% no C e somente 29% no A (anotações pes- nos que preferem propiciar cobertura para os
soais, 2001). bons riscos e por parte de clientes que tendem
Os prêmios podem ser financiados integral- a adquirir seguros/planos em razão de já apre-
mente ou em parte pelas empresas empregado- sentarem alguma manifestação do problema
ras (planos coletivos empresariais não contri- (seleção adversa) e consumirem mais serviços
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Isso incidiu diretamente sobre outro pilar parte de seguradoras estrangeiras como a Cig-
da regulamentação: o ressarcimento ao SUS, na e Aetna que estavam associadas com empre-
concebido para desestimular o atendimento de sas nacionais.
clientes de planos de saúde em estabelecimen- O quinto ponto da agenda de debates sobre
tos da rede pública e privada conveniada. À a regulamentação – seu locus institucional – al-
ampliação de cobertura deveria corresponder vo de acirradas disputas interburocráticas en-
idealmente um “ressarcimento zero”. Mas a tre o Ministério da Saúde e o Ministério da Fa-
análise, embora superficial, dos obstáculos à zenda resultou na criação da criação da Agên-
implementação do ressarcimento ao SUS traz cia de Saúde Suplementar (ANS). A ANS, tal
elementos ainda mais esclarecedores sobre a como a Agência de Vigilância Sanitária e suas
imbricação dos provedores de serviços públi- congêneres, instituídas para a regular monopó-
cos e privados. A introdução de uma terceira lios estatais privatizados, possui autonomia or-
tabela para a remuneração dos procedimen- çamentária e decisória. Todas as agências regu-
tos – a Tabela Única Nacional de Equivalência ladoras se assemelham, no que diz respeito à
de Procedimentos (Tunep), concebida com va- estrutura organizacional, às dos setores de tele-
lores intermediários entre os preconizados pela comunicações, energia elétrica e petróleo. Di-
AMB e pelo SUS – provocou reações parado- ferem, contudo, em relação à natureza das
xais. Alguns médicos se recusam a registrar o ações regulatórias. As agências dos setores de
consumo de certos procedimentos, quando os comunicações e energia voltaram-se à forma-
mesmos são melhor remunerados pelo SUS, ção e diversificação dos mercados, enquanto
como despesas das operadoras. De outro lado, que as da saúde surgiram a partir da expectati-
operadoras argumentam que seus clientes op- va de constituição de mecanismos estatais de
tam espontaneamente pelo SUS e por isso esta- fiscalização e controle de preços mais potentes.
riam desobrigadas de ressarcir tais despesas. Qualquer avaliação sobre os impactos da ANS
Embora qualquer previsão sobre possíveis des- sobre o mercado de planos e seguros-saúde de-
dobramentos do ressarcimento ao SUS seja ve ser precedida por estudos mais específicos e
precipitada, em função do estágio inicial da aprofundados. No entanto, cabe adiantar inter-
operacionalização da legislação, existem indí- rogações sobre certos pressupostos que orien-
cios relativos à inocuidade de medidas eminen- taram sua constituição.
temente tecnocráticas sobre os tradicionais me- A criação da ANS, ao lado da Agência Na-
canismos de transporte de clientes entre o pú- cional de Vigilância Sanitária, a despeito dos
blico e o privado. questionamentos sobre adequação de seus mo-
Dois outros temas, mais afetos às tentativas delos regulatórios aos objetos da ação governa-
de alteração do padrão de competição entre as mental na saúde, é expressão institucional do
operadoras – a abertura do segmento ao capi- alargamento das atribuições setoriais. A mu-
tal estrangeiro e as regras econômico-financei- dança radical da imagem de um ministério
ras voltadas à comprovação de reservas e sol- combalido, pedinte de recursos, para a de pala-
vência – sinalizavam as intenções de estimular dino da defesa dos direitos do consumidor de
a reorganização do mercado através das em- planos de saúde e medicamentos se corporifica
presas de planos e seguros de maior parte, in- em novas instituições, livres dos vícios da bu-
clusive estrangeiras. Contextualizada pela mu- rocracia intervencionista tradicional. Ao mes-
dança na legislação sobre o acidente de traba- mo tempo a ANS corporifica, reverbera concei-
lho e previdência complementar e quebra do tos e acolhe iniciativas conflitantes com as di-
monopólio estatal do resseguro, a reconfigura- retrizes de universalização, eqüidade e descen-
ção empresarial do mercado de planos de saú- tralização. A incorreta, mas legitimada, expres-
de envolve promessas de estruturar sistemas de são saúde suplementar parece condensar as di-
seguridade integrados no âmbito privado, co- ficuldades para a formulação e implementação
mo um plano de saúde acoplado ao seguro de de políticas públicas para a regulação do mer-
acidente de trabalho. Por enquanto, os efeitos cado de planos de saúde.
dessas normas legais não provocaram mudan- De todo modo a escolha da ANS como lo-
ças radicais nem na origem do capital ou na cus regulatório da assistência médica suple-
natureza jurídico-institucional das operadoras mentar vem sendo poupada de críticas radi-
e nem no número das empresas de planos e se- cais. Os conflitos em relação às normas legais
guros-saúde de menor porte. Observa-se, in- gravitam em torno da intensidade e oportuni-
clusive, um movimento em direção oposta por dade das ações regulatórias. Deduz-se, portan-
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