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Nº 181
EDITORIAL OUT | 2017
As marcas da violência
Expressões e Experiências
• Na trilha das mediações 2
as mulheres, no plural, são impactadas em anúncio da extinção de reserva florestal de Voz do leitor 4
seus diferentes contextos e identidades. Há 47 mil km quadrados de floresta amazônica
NA
desigualdade entre homens e mulheres. provocou revolta nacional e internacional Súmula 5
Mas há ainda mais discriminação e invisi- que fez o governo Temer recuar. Em discur-
bilidade caso elas sejam pobres, negras, so no festival Rock in Rio, a líder indígena Toques da Redação 9
indígenas, lésbicas, trans, ou de baixa es- Sônia Guajajara, afirmou que “existe uma
Meio Ambiente
TRILHA DAS
colaridade, por exemplo. Quando opressão guerra contra a Amazônia, com os po-
de gênero, racismo e preconceito étnico vos indígenas e o meio ambiente sendo • Amazônia resiste — até quando? 10
ou religioso estão presentes também na brutalmente atacados”. Participantes do
atenção à saúde, agravam-se as iniquidades 53º Congresso da Sociedade Brasileira de Saúde Mental
MEDIAÇÕES
das condições de vida a que as mulheres Medicina Tropical concluíram que o enfren- • Eu + 1 = muitos 12
estão submetidas. tamento das doenças negligenciadas exige
A afirmação da diversidade identitária a compreensão do ambiente e inclusão Medtrop 2017
importa aos novos movimentos feministas, dos indivíduos e alertaram para o risco do • Pessoas negligenciadas, políticas globais 14
porque permite melhor compreender e aumento da vulnerabilidade social, com a
transformar a realidade, reafirmar direitos perda de direitos e da proteção social e o
que estão sob ataque, propor políticas desmonte da ciência nacional e da educa-
Livro aborda as relações e influências públicas de proteção integral à saúde. ção e saúde públicas.
Esta foi uma das marcas da 2ª Conferência Não deixe de ler também a maté-
entre os campos da comunicação e da saúde Nacional de Saúde das Mulheres, que reu- ria sobre o projeto “Refugiados de Belo
niu cerca de 1.800 delegadas eleitas em Monte”, financiado via internet, que gerou
Capa | Conferência Nacional de Saúde
conferências municipais e estaduais. Entre o movimento “Clínica do Cuidado”. O do-
das Mulheres
Luiz Felipe Stevanim Igor serve-se desse conceito — conforme apresentado por os temas mais debatidos a legalização do cumentário “Eu + 1: uma jornada de saúde
• #nemumaamenos 18
N
Jesús Martín-Barbero, autor do célebre livro “Dos meios e das aborto, o desmonte da saúde pública, todas mental na Amazônia”, dirigido por Eliane
as dúvidas e relatos compartilhados por médicos e mediações” — para analisar as relações entre comunicação e as formas de opressão, assédio e violência Brum, mostra este movimento de voluntá- • Muito chão pela frente 26
residentes em grupos de whatsapp; no dia a dia dos saúde que perpassam temas variados, como a participação contra as mulheres e o feminicídio – crime rios, incluindo psicólogos, psicanalistas e • "A violência é estruturante na vida das
agentes comunitários de saúde, que atuam como me- social, a formação profissional em saúde, o papel mediador que custa a vida de uma mulher a cada psiquiatras, que foi à região do Xingu, em mulheres" 28
diadores entre os saberes populares e o conhecimento desempenhado por médicos e agentes comunitários, o discurso duas horas, no país. janeiro deste ano, para escutar, acolher,
ENSP
reconhecido pela Medicina; na luta pela garantia dos direitos jornalístico e o modo como as práticas cada vez mais mediadas A violência, sob a forma de machis- documentar e se envolver com a dor dos
à comunicação e à saúde para toda a população; nas cores e pela tecnologia, principalmente pela internet, alteram o entendi- mo, sexismo ou misoginia é estruturante atingidos pela construção da hidrelétrica • 63 anos em movimento 30
contornos que a epidemia recente de zika assumiu nas páginas mento sobre saúde e doença. “A questão da mediação envolve, na vida das mulheres, em suas relações de Belo Monte, no Pará. São impactantes
Parto humanizado
dos principais jornais brasileiros; no modo como o consumis- também, as práticas de construção de elos, nexos, vínculos, interpessoais e de trabalho, reflete a en- os depoimentos dos atingidos e dos profis-
mo de informações e a enxurrada de terapias alternativas na fluxos, trocas e misturas entre sistemas culturais distintos e seus fermeira e sanitarista Carmem Lucia Luiz, sionais que se afetaram com o sofrimento • A casa é nossa 32
internet tem mudado a relação entre saúde e doença. O que respectivos grupos”, afirma o autor. coordenadora da conferência, em entre- deles e com o cenário de destruição am-
há em comum entre todas essas questões é a necessidade de Um dos temas abordados é a atuação dos agentes vista à Radis, que vale ser lida na íntegra. biental. “A vida não tá cabendo em mim”, Serviço 34
entender como as relações, práticas e saberes comunicativos se comunitários como mediadores culturais nas práticas de “As mulheres conduzem a sua vida a partir desabafa um dos atingidos. “A dor maior é
Pós-Tudo
fazem presentes no campo da saúde. Mas não apenas isso: cada promoção da saúde, no texto escrito por Ana Valéria da possibilidade de sofrer violências”, diz. a desimpaciência que acontece aqui dentro
um desses exemplos aponta para a evidência de que ambas — Mendonça, Grasiela Pereira, Mariella Oliveira-Costa e Maria A reportagem ouviu representantes de di- e me faz entrar no medo”, expressa outro. • "Não aceitamos atenção primária seletiva" 35
Saúde e Comunicação — são campos cada vez mais imbricados, Fátima de Souza — essa perspectiva revela que a mediação versos movimentos sociais e acompanhou “Aquilo era o horror do horror; é impro-
tema explorado no livro “Mediações comunicativas da saúde”, não é uma prerrogativa apenas dos meios de comunicação, a conferência do Pará, registrando também nunciável a violência daquela barragem”,
organizado por Igor Sacramento, pesquisador do Instituto de mas dos próprios profissionais de saúde e cidadãos, que as desigualdades regionais. relembra uma das profissionais de saúde.
Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde contribuem com experiências dialógicas entre os campos O desrespeito aos direitos humanos Capa: Foto de Eduardo de Oliveira
(Icict/Fiocruz), e lançado pela editora Multifoco em setembro. da Informação, Comunicação e Educação em Saúde. Inesita e à sustentabilidade motivaram outras Rogério Lannes Rocha
Com a assinatura de 26 autores oriundos das áreas Soares de Araújo e Wilma Madeira da Silva refletem sobre a pautas na revista. No Rio, houve um dia de Editor chefe e coordenador do Programa Radis
de Comunicação, Informação, Saúde Coletiva, Linguística e relação entre comunicação e participação social a partir das
Educação, os 14 textos da coletânea abordam as mediações conferências de saúde. Rodrigo Murtinho e eu abordamos
entre saúde e comunicação, que contribuem para modificar as as interseções entre as políticas públicas de comunicação e CARTUM
configurações de cada um desses campos. Um dos pontos em a saúde, levando em conta as tensões entre os interesses pri- RADIS . Jornalismo premiado
comum que unifica as reflexões é a ideia de que a comunicação vados e o público, em temas como regulação da publicidade pela Opas e pela A s foc-SN
não é um mero instrumento de divulgação e propagação dos e democratização da radiodifusão. Wilson Couto Borges e
saberes produzidos pelo campo da saúde, mas possui elemen- Adriana Aguiar estudam o papel da comunicação na forma-
tos chave que definem e transformam as relações e as práticas ção de residentes no Brasil. Entre outros temas explorados
presentes nesse setor na atualidade. nos textos, estão as representações da saúde no discurso
O conceito de mediação é o fio condutor que entrelaça jornalístico, o consumo de informações online sobre o tema,
as discussões suscitadas nas quatro partes da obra (“A questão a busca pela perfomance do bem-estar nas redes sociais e
das mediações”; “Políticas e práticas”; “Discursos jornalísti- a articulação entre comunicação e educação na formação
cos”; “Internet e tecnologias digitais”). No texto introdutório, profissional em saúde.
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públicas e faculdades não tratam do assunto,
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de modo que os médicos possam diagnos-
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pública
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obrigado pelacrianças suges-
como “terapias de cura gay”.
Conforme noticiou a
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gistro profissional cassado em
2009 porque oferecia “terapias
para curar a homossexuali-
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do assunto. País (19/9), o juiz determi-
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dade masculina e feminina”.
Naquele ano, às vésperas de
seu julgamento, ela chegou
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Parabéns, zendo, sem dúvida, é um trabalho sério direitos. Ficarei agradecida caso possam normas, de forma a não -homossexualismo” de ter
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interpretação, já que até ago-
abordando o jogo “Baleia azul” e a série da
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de repasse e ficou
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combatido e debatido de Jan, 2017. Tenho
em contraponto As regras a que o ma- ra outras tentativas de sustar
“Os 13 porquês”. A maneira como vocês
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que determina que “os psicólogos não exercerão qualquer ação
que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas
homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar
sucesso”. O conselho acrescentou ainda que o “Judiciário se
equivoca ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a reso-
lução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais
em especial
vida. no Piauí
Matérias como — essas
são doenças conside-
são essenciais Parabéns pelo excelente
fonte de informação. Portrabalho!
meio daTenho
Radis qualJoão
complexo.
Paulo, Ex: I, II,tem
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assim por dian-
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radas conscientizá-los
para negligenciadas. Tanto a leishmaniose
que existem várias todas
tenho me minhas edições
tornando bem mais
um leitor guardadas
crítico éte.assunto
Fico no sério
agurdo. Desde nas
e reflete de ja,condições
obgda. chega a anular a resolução, mas determina que os profissionais taxativo na defesa de sua posição: “A psicologia brasileira não
visceral para
saídas comoaa depressão.
leishmanioseGostaria
tegumentar de e umsempre
maiorque necessário
defensor do SUS.recorro a elas • Leila
de Oliveira
saúde. Vamos- Aparecida
investigar de eGoiânia
em breve possam “estudar ou atender aqueles que voluntariamente venham será instrumento de promoção do sofrimento, do preconceito,
americana. Gostaria
parabenizá-los peladematéria
saber quando vão
excelente. para realizar
• Kleiton atividades
Wagner com meus
Nogueira, alunos
Campina teremos uma matéria sobre o tema. em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer da intolerância e da exclusão”.
editarvocês
Que mais uma vez sobre
produzam maisesse agravocomo
matérias o que eGrande,
esclarecer
PB dúvidas. Obrigado pela sugestão.
essa, que com certeza agradou muitos
EXPEDIENTE
EXPEDIENTE RADIS ADVERTE
é uma publicação impressa e online da Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara www.ensp.fiocruz.br/radis
www.ensp.fiocruz.br/radis
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RADIS 181••OUT
OUT/2017
/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [5]
Favor às Santas Casas e Filantrópicas Avança PL que altera rotulagem dos transgênicos
E m um contexto de ajuste
fiscal na área da saúde e de
de Sestelo, trata-se de uma
medida que favorece os cre- M ais um retrocesso em curso no Senado.
Dessa vez, o projeto de lei que torna a
REPRODUÇÃO
ciência e tecnologia, o gover- dores das Santas Casas, sejam identificação de produtos transgênicos mais
no deu sinal verde na liberação instituições financeiras ou for- flexível foi aprovado (19/9) na Comissão de
de recursos para santas casas necedores, o que mostra “uma Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e segue
e hospitais filantrópicos. O linha de prioridade política do agora para mais duas comissões. A proposta
presidente da República em atual governo”. prevê a retirada do símbolo internacional das
exercício, Rodrigo Maia, san- A dívida das Santas Casas embalagens de produtos que apresentam
cionou a lei 13.479 que cria o é estimada em R$ 21 bilhões, organismos geneticamente modificados e
Programa de Financiamento segundo informou a Folha de provocou críticas como a da senadora Regina
S.Paulo (19/9). corrupta sobre o Congresso Nacional Vigilância Sanitária (Anvisa). A vistoria da razoabilidade’ na fiscalização”, escreveu ação da Vigilância, o presidente interino
Em nota, a Associação Brasileira atentam contra princípios previstos na Vigilância inutilizou 610 kg de alimentos Roberta em um post no Instagram, afir- da Câmara, Fabio Ramalho (PMDB-MG),
de Saúde Coletiva (Abrasco) decla- Constituição Federal e transformam o considerados impróprios para consumo, mando que iria recorrer à justiça ao apontar promoveu uma degustação de queijos
rou que vai pedir a nulidade da lei que mudança constitucional em tema de Processo Legislativo em um instrumento entre eles, sanduíches, queijos, linguiças, para temas como fome e a insegurança ali- mineiros em seu gabinete para políticos
autoriza capital estrangeiro na saúde. grande relevância social. Como também de negócios particulares ilícitos, afrontan- embutidos, cogumelos, churros, carne de mentar diante da inutilização de 160 kg de e pediu celeridade aos projetos em trami-
De acordo com a Abrasco, não foram informou a jornalista Conceição Lemes no do o interesse público e a democracia”, sol, especiarias e hambúrgueres. De acordo alimentos que seriam comercializados. Em tação para regulamentar a inspeção dos
cumpridos os ritos básicos para uma site Viomundo (20/9), o autor da proposta afirmou a nota da Abrasco. com o site do Estadão (18/9), multas foram nota, a Vigilância alegou que os produtos produtos de pequenos produtores.
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TOQUES
REPRODUÇÃO FACEBOOK
de Combate à Intolerância Religiosa, o clima é de medo entre os o babalaô Márcio de Jagun, é preciso se solidarizar com as ma notícia pode ser dada sob variados ângulos,
adeptos das religiões afro-brasileiras e seus líderes não podem vítimas e cobrar providências urgentes das autoridades, sem dependendo da abordagem que se queira des-
ficar calados diante do crescimento da intolerância religiosa, como disseminar o terror e o medo. “Estou vendo religiosos de ma- tacar. Exemplo recente foi a matéria publicada pelo
informou O Dia em outra matéria (8/9). Na mesma reportagem, trizes africanas apregoando ‘revanches’ e neopentecostais se Estado de S. Paulo (11/9): “Número de socorridos
a socióloga Carolina Rocha, autora do livro “O sabá do sertão: sentindo estimulados a ‘mais ataques’. Aonde vamos chegar? por acidentes de trânsito em SP aumenta 18,9%”,
feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial”, explica que Que tipo de sociedade queremos?”, declarou em sua página informou a manchete da editoria São Paulo. Apesar
casos como esses são antigos; ela cita o exemplo de seguidores no facebook. Como sinal da luta por respeito a todas as reli- do destaque dado no título, no subtítulo e na foto
da umbanda e do candomblé no Morro do Dendê, na Ilha do giões, representantes de diversas denominações se reuniram que ilustra a matéria — um grupo de socorristas
Governador (RJ), que foram proibidos por chefes do tráfico de na praia de Copacabana, na 10ª edição da Caminhada em Rede que resiste trabalhando em uma ocorrência — o texto fala, na
usar branco, cor sagrada para essas religiões. Defesa da Liberdade Religiosa (17/9). A maior parte vestida verdade, sobre o aumento no número de acidentes
A intolerância religiosa foi tema da Radis na edição 152: na
reportagem de maio de 2015, a professora da Universidade Federal
de branco, a manifestação reuniu cerca de 50 mil pessoas,
segundo os organizadores. D iante da falta de pagamento de salários e do corte de ener-
gia elétrica, profissionais e usuários do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) Paulo da Portela ocu-
na capital paulista. Ao positivar o relato, os editores
do jornal disfarçam a má notícia e ainda relativizam
a responsabilidade pelo número de feridos, ques-
param a unidade, em Madureira, no Rio de Janeiro, e seguiram tionando os números divulgados.
Saúde mental de jovens preocupa universidades trabalhando — à luz de velas. “Nossa energia reside em nosso
comprometimento com nosso mandato, nossa força de trabalho,
EDUARDO HOLLANDA
Foto aérea do Greenpeace mostra
a Reseva de Cobre e Associados
(Renca), já atingida por garimpos
ilegais. Ao lado, a localização no
mapa e a participação de Sonia
Guajajara no show de Alicia Keys,
no Rock in Rio
WWF BRASIL
AMAZÔNIA RESISTE
— ATE´ QUANDO?
Ameaça de extinção de reserva mineral mobiliza ativistas “O meio maior unidade de conservação de flo- Ignorando a polêmica no Brasil,
resta tropical do mundo”. M i c h e l Te m e r a n u n c i o u n a 7 2 ª
em favor das unidades de conservação ambiente vive Segundo a organização, outras Assembleia Geral da Organização das
Q
medidas capazes de enfraquecer áreas Nações Unidas, em 19 de setembro em
uando, diante de um público de mais de 80 mil pes- dia seguinte, diante das intensas críticas, o Ministério de Minas seu maior de proteção ambiental da Amazônia Nova York, queda de 20% no desma-
soas, a cantora norte-americana Alicia Keys convidou e Energia determinou a suspensão temporária do decreto também ganham força no atual governo, tamento na Amazônia, sem apresentar
ao palco principal do Rock in Rio a líder indígena Sônia assinado por Temer. Em 12 de setembro, lideranças indígenas pesadelo. como legalização da grilagem, impedi- dados oficiais. A informação foi reti-
Guajajara, em 18 de setembro, estava criando um dos e ambientalistas entregaram ao presidente da Câmara dos mento de novas demarcações de Terras rada de um levantamento do Instituto
momentos mais lembrados do festival. “Existe uma guerra con- Deputados, Rodrigo Maia, e ao presidente do Senado, Eunício Não é apenas Indígenas, promoção do uso e registro do Homem e do Meio Ambiente da
tra a Amazônia. Os povos indígenas e o meio ambiente estão
sendo brutalmente atacados. O governo quer colocar à venda
Oliveira, mais de 1,5 milhão de assinaturas coletadas até então
nas plataformas 342 Amazônia, Greenpeace e Avaaz, exigindo
uma Medida de novos agrotóxicos e fim da rotulagem
de alimentos transgênicos. Um destaque
Amazônia (Imazon), mas pesquisadores
do instituto classificaram a fala de Temer
uma gigantesca área de reserva mineral”, disse Guajajara para
uma multidão que, de volta, gritou “Fora Temer”.
a proteção da floresta e do meio ambiente. A pressão fez com
que Temer anunciasse a revogação total do decreto, no dia 27.
Provisória ou é o Projeto de Lei (PL) 3729/2004, que
recomenda a dispensa de licenciamento
de “imprecisa” e “inadequada”.
E m m a n i f e s t o, o m o v i m e n t o
Sônia estava se referindo ao decreto nº 9.142, assinado Corriam risco ainda nove outras áreas que estavam pro- um decreto. ambiental para atividades agrope- #Resista, que reúne mais de 150 orga-
pelo presidente Michel Temer e publicado no Diário Oficial em tegidas pela Renca — sete unidades de conservação e duas cuárias, a criação do licenciamento nizações da sociedade civil, incluindo
23 de agosto, que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e terras indígenas — e poderiam ser afetadas pela decisão. “O É um pacote autodeclaratório e a flexibilização das o Instituto Socioambiental (ISA) e o
Associados (Renca), uma área de quase 47 mil km quadrados decreto do governo não altera as áreas protegidas porque exigências ambientais. Greenpeace, fala em um processo de
de floresta amazônica entre o Pará e o Amapá. O texto libe- atividades de mineração são proibidas por lei em unidades de completo de “O meio ambiente vive seu maior “entrega de nosso país, de nossos recur-
rava essa região, maior que o território da Dinamarca, para a
exploração privada de minérios como ouro, manganês, cobre
conservação classificadas como de proteção integral, porém,
dentro do atual contexto político de flexibilização das leis, maldades” pesadelo. Não é apenas uma Medida
Provisória ou um decreto. É um pa-
sos naturais, de nossos biomas, a retira-
da de direitos das populações tradicio-
e ferro. O argumento do Ministério de Minas e Energia era o todo cuidado é pouco”, explicou nota do Greenpeace Brasil. “A cote completo de maldades”, avaliou nais e camponesas e de criminalização
de que a medida iria revitalizar a mineração brasileira. exemplo da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, é possível Marcio Astrini Marcio Astrini, coordenador de Políticas da luta social”. E afirma: “A nossa
Especialistas brasileiros e estrangeiros apontaram ime- que venham por aí mais propostas de mudança de categoria coordenador de Públicas do Greenpeace. “Um ataque diversidade (biológica e cultural) é nossa
diatamente os prejuízos do decreto, em especial o aumento de determinadas áreas, visando a diminuição da proteção ou Políticas Públicas orquestrado entre governo e Congresso maior riqueza e não deve servir como
do desmatamento. Em 30 de agosto, o juiz federal Rolando redução de unidades de conservação na região — colocando do Greenpeace usa nossas riquezas naturais como mo- moeda de troca em obscuras negociatas
Valcir Spanholo suspendeu o textp que extinguia a Renca. No em risco áreas como o Parque Nacional do Tumucumaque, eda barata de troca”. políticas no Congresso”.
EU + 1 = MUITOS
“Aquilo era o horror do horror. É impronunciável a violência simplesmente se adaptar a uma nova realidade. “Por isso acho impor-
daquela barragem no meio do rio”, conta Maíra Brum Rieck, tante os movimentos de luta. É importante o movimento”, considera.
psicanalista que participou do projeto. No documentário, ima-
gens do trajeto, as árvores secas, as ilhas queimadas, a floresta
depauperada, revelam o cenário opressivo. QUE NOME TEM?
H
afetivas, adoecer, definhar. Parte desse processo pode ser conferido aquela população. “Eu + 1” tem pouco mais de uma hora e meia breviveram, falar de suas dores e do que também era importante
á um sujeito e há um outro. E entre eles — entre nós — agora no documentário “Eu + 1: uma jornada de saúde mental na de duração e é pela voz da equipe de escutadores que o espectador para elas, sentir-se cuidadas. Para cada um dos profissionais, apesar
muito para ser feito. Primeiro houve seu João da Silva, Amazônia”, dirigido por Eliane Brum, disponível em plataforma também se torna testemunha do sofrimento dos atingidos. São do pouco tempo, era essencial o exercício da escuta.
pescador, e Eliane Brum, jornalista. Ele disse para ela: digital desde setembro (https://goo.gl/eagF8B). relatos fortes sobre “os rastros de destruição”, como afirmam ter A controversa obra de Belo Monte teve início em novembro
“Senhora, é doído. Você constrói tudo pra na hora da “Refugiados de Belo Monte” foi o nome escolhido para ouvido de muitos ribeirinhos. “A vida não tá cabendo em mim”, de 2015 como parte do Programa de Aceleração do Crescimento
velhice dizer: ‘Tô sossegado, tenho uma casa, minha família toda batizar todo o projeto porque seus idealizadores consideram que escutaram de um pescador. E de outro: “A dor maior é a desim- (PAC) e foi anunciada pelo Governo Federal como a terceira maior
estruturada’. Aí, você abre a mão assim e, xiuuuuu, é igual a uma essas populações são refugiados dentro do próprio país, pessoas paciência que acontece aqui dentro e me faz entrar no medo”. usina em capacidade instalada de energia que levaria melhores
poça d´água no meio da areia”. Seu João contava sobre como expulsas do lar sem direito a decidir sobre seu destino. Os profis- Noemi Bandeira, psicóloga e doutoranda em saúde coletiva, condições sociais, econômicas e ambientais aos 10 municípios da
se sentiu quando soube que teria a casa incendiada na região sionais envolvidos foram selecionados por currículo e passaram sempre trabalhou com pessoas em situação de vulnerabilidade. região. Apesar do clamor dos ambientalistas e da comprovação
do Xingu para dar lugar à Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no ainda por entrevistas, além de um processo de formação com aulas Mas ela diz que ficou muito impactada diante da violência de Belo de que boa parte das medidas de proteção da região não esta-
Pará. Perdeu a voz, as pernas travaram, quis morrer em sacrifício semanais, cursos e oficinas. No ano passado, durante algumas Monte com os ribeirinhos que perderam o lar em meio a natureza e vam sendo cumpridas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
no mesmo fogo que o expulsou da ilha juntamente com outras viagens, parte do grupo esteve em Altamira, a cidade paraense hoje habitam as casas do Reassentamento Urbano Coletivo (RUC), e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença
famílias. “Daqui pra frente eu só vejo escuridão na minha vista”, onde foram reassentados os ribeirinhos, para um reconhecimento nome dado aos conjuntos padronizados construídos para abrigar de operação à empresa Norte Energia S/A. Agora, no dia 13 de
lamentou, depois de recuperar a fala. do território. Em janeiro deste ano, a equipe completa com 18 as vítimas da remoção. Durante um dos atendimentos, ela ouviu de setembro, o Tribunal Regional Federal, em Brasília, ordenou a
Mas foi justamente o testemunho dele o embrião de um profissionais desembarcou no local para 15 dias de uma maratona uma senhora de 82 anos de idade: “Eu me criei andando”. Agora, suspensão da licença, paralisando as obras até que seja promo-
movimento de voluntários — psicólogos, psicanalistas, psiquiatras intensa no que foi intitulado de “Clínica de Cuidado” porque era essa senhora tem medo de sair, e a pequena casa onde vive, em vida a readequação dos projetos destinados ao reassentamento
e a própria jornalista — e muito mais gente em torno de uma exatamente de cuidado com o outro que o projeto tratava. Altamira, é protegida por grades em todas as portas e janelas. Outra urbano coletivo das pessoas que foram despejadas de suas
rede de escuta, tratamento e documentação da dor dos atingidos Juntos, atenderam 62 casos em 171 sessões; realizaram psicóloga envolvida, Vivian Karina da Silva, também encontrou relatos casas. A decisão atende ao pedido feito pelo Ministério Público
pela polêmica megaobra. Intitulado “Refugiados de Belo Monte”, 12 reuniões com movimentos sociais, rede pública de saúde de trauma intenso e casos como o da garotinha que, desabituada Federal em ação que teve início em 2015, quando começaram
o projeto foi financiado coletivamente pela internet e culminou mental, Ministério Público e Defensoria Pública; e organizaram ao trânsito, foi atropelada nas ruas do reassentamento e hoje tem as construções. Mas ainda cabe recurso.
com a “Clínica de Cuidado”, uma experiência de atenção ao quatro ações no território e cinco expedições pelo Xingu, inclusive marcas e cicatrizes em ambas as pernas. O documentário não entra em detalhes sobre toda a batalha
sofrimento psíquico daqueles que tiveram a vida marcada pela para conhecer a barragem, episódio que deixou a equipe muda. O documentário deixa ver ainda os desejos que motivaram esses jurídica que envolveu a obra. Mas não precisa. Os relatos falam
profissionais de saúde a participar do projeto, seus próprios medos por si e têm um tom político, de militância, uma contundente
diante do desafio e o impacto da experiência na vida de cada um. A defesa de políticas públicas voltadas para a atenção ao sofrimento
PESSOAS
NEGLIGENCIADAS,
ENFRENTAMENTO
DAS DOENÇAS
TROPICAIS EXIGE
COMPREENSÃO
POLÍTICAS GLOBAIS
DO AMBIENTE E
Adriano De Lavor o aumento da vulnerabilidade social e convocaram a sociedade
INCLUSÃO DOS
N
brasileira para a defesa dos direitos humanos, da proteção so-
o início do século 20, a cidade do Rio de Janeiro era conhe- cial, da educação pública, da ciência e tecnologia nacionais e
INDIVÍDUOS cida como “túmulo dos estrangeiros”, por conta da fama do fortalecimento do SUS, defenderam maior visibilidade para
insalubre que carregava. Navios estrangeiros evitavam as doenças negligenciadas e maior participação dos indivíduos
aportar na então capital da República, temendo a morte afetados por elas na definição de políticas públicas.
de seus tripulantes por febre amarela, peste bubônica, varíola,
malária e outras doenças. Nas ruas, a crescente urbanização e o
ascendente comércio não conseguiam esconder a disputa trava- VOZ E PROTAGONISMO
da entre pedestres, sujeira, ambulantes e insetos. Nas moradias,
a convivência com lixo, esgoto e água contaminada favorecia O protagonismo destas pessoas foi um dos diferenciais
sucessivas epidemias. O cenário de contrastes começou a mudar do Medtrop 2017. Reunidos no primeiro dia, representantes de
com a intervenção de Oswaldo Cruz, à frente da Direção Geral associações e entidades organizadas por pessoas que convivem
de Saúde Pública, que tinha a missão de erradicar as doenças que com leishmanioses, doença de Chagas, hanseníase, tuberculose,
periodicamente atingiam a população. filarioses, hepatites virais, HIV/aids, verminoses e outras tantas
Oswaldo foi um dos primeiros sanitaristas a investir em doenças infecciosas e negligenciadas manifestaram sua preocu-
ações que relacionavam as doenças aos fatores ambientais pação que, em pleno século 21, “ainda se percebam invisíveis
e às condições de vida da população. A reboque da ampla na atenção básica e especializada do SUS, precisando de mais
reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos, ele políticas concretas de busca ativa, acolhimento, diagnóstico,
articulou a aprovação de um novo código sanitário — que tratamento e reabilitação”, como registrado na Carta de Cuiabá,
incluía vacinação obrigatória e a remoção dos moradores de elaborada pelo Fórum Social Brasileiro para Enfrentamento de
cortiços — determinou a caça aos vetores, isolou doentes e Doenças Infecciosas e Negligenciadas — criado no Medtrop 2016
promoveu a distribuição de folhetos educativos. Apesar da (Radis 169) e lida na abertura do congresso.
resistência que sofreu por parte da população, da imprensa “Nossa principal reivindicação é por novos tratamentos, por
e até da comunidade médica, seu esforço na erradicação de pesquisa e inovação nos medicamentos”, disse a Radis Moacir
doenças como a febre amarela urbana, há mais de 100 anos, Antônio Zini, integrante do fórum. Há 26 anos convivendo com
ainda inspira a comunidade científica, especialmente quando leishmaniose e há 20 anos em tratamento, ele reclamou dos
se trata de atualizar o enfrentamento das chamadas doenças remédios distribuídos na rede pública, que segundo ele são
tropicais (ou negligenciadas). “São as relações de poder e as antigos e causam muitos efeitos colaterais, e informou que hoje
relações sociais que geram as doenças tropicais”, sentenciou o toma uma medicação mais “adequada”, fornecida pela iniciativa
pesquisador Marcus Lacerda, então presidente da Sociedade Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em
Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) durante a abertura da inglês de Drugs for Neglected Diseases initiative) (Radis 124).
53ª edição do Medtrop, na noite de 27 de agosto, em Cuiabá. Em tratamento no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá,
Durante o evento, cuja programação foi estruturada a partir Moacir aproveitava a repercussão do fórum para articular, durante
do tema “Ambiente e doenças tropicais: desafios para campos e o evento, a criação de uma associação de pessoas que vivem
cidades”, os participantes alertaram para o risco que representa com as leishmanioses que, segundo ele, não existe ainda no país.
FOTO: AGÊNCIA BRASIL
[16] RADIS 181 • OUT /2017 RADIS 181 • OUT /2017 [17]
CAPA | CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DAS MULHERES
T
rês dias de balsa. Este foi o tempo de viagem para que realizado depois que 110 dos 144 municípios passaram por Muitas das delegadas lembraram o quanto é importante a QUALIFICAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Raissuellem Castor, de 26 anos, e Kelmira Ferreira dos etapas locais. “As condições de vida e trabalho das mulheres preparação e a capacitação sobre as questões de gênero, desde
Santos, de 24, alcançassem Belém e conseguissem ribeirinhas, as quebradoras de castanhas, os povos de terreiro, a atenção básica. Tripla jornada, respeito às parteiras tradicionais Além de representatividade, qualificação. Foi sobre isso
participar da etapa estadual da conferência. Elas re- tudo isso precisa ser olhado de maneira diferente”, ressaltou. e a implementação de notificação de atendimento de violência que Christiane Costa, do Conselho Nacional de Saúde, falou
presentavam as usuárias do município de Prainha, na região A conselheira lembrou que o Pará tem um dos menores va- doméstica e sexual apareceram também entre as pautas de durante a palestra magna do evento. “O Conselho tem que en-
do Baixo Amazonas, oeste do Estado do Pará. As viagens lores per capita para a saúde, de apenas R$ 3 reais por dia. discussão. “Os ACSs muitas vezes têm que conversar com os tender melhor de orçamento. Queremos que as representantes
foram longas para grande parte das cerca de 500 mulheres “Por outro lado, por conta das distâncias geográficas, temos maridos que não querem que as esposas façam o preventivo de gestão discutam onde está o dinheiro da saúde. Fazer valer
que estavam ali. “Muitos estão atrás de sonhos, nós estamos que realizar grandes operações. Para efetuar a vacinação em de câncer de colo do útero”, observou palestrante Maria Eunice essa conferência e quebrar de uma vez por todas a visão que
atrás do básico, de coisas que já deveriam existir e funcionar alguns lugares é preciso o uso de helicópteros”, acentuou. Figueiredo Guedes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), muitos têm de que o controle social é ´arruaça´”, defendeu a
bem”, disse Raissuellem à Radis, explicando que queria, acima Um dos temas mais discutidos em Belém foi a saúde convidada para discutir o Eixo II — Vulnerabilidades nos ciclos auditora de contas públicas, que é nascida no Pará.
de tudo, cobrar agilidade dos laboratórios e ampliação da sexual e reprodutiva. A mortalidade materna no Pará tem de vida das mulheres na Política Nacional de Atenção Integral à Se nem todas tinham formação técnica e muitos anos de
rede para os exames citopatológicos. Com suas dimensões taxas de 66 óbitos de mulheres por 100 mil nascidos vivos Sáude das Mulheres —, que incluiu temas-chave como racismo. escolaridade, a persistência e a dedicação eram marca registra-
e distâncias imensas, o Pará tem questões específicas. Na — acima da média nacional (60) e bem distante do estado “A violência doméstica ainda é muito arraigada na sociedade. da das participantes. A quebradeira de coco Cledeneuza Maria
etapa paraense, que aconteceu entre 4 e 5 de agosto, em que tem a menor taxa, Santa Catarina, com 28 óbitos. “Ainda Existe uma naturalização do preconceito, muitas vezes até por Oliveira, de São Domingos do Araguaia, deu uma verdadeira
Belém, as pautas foram discutidas em tom de voz muito alto. precisamos trabalhar bastante para melhorar o pré-natal, parte da profissional de saúde, que acha que a mulher suporta aula à reportagem da Radis sobre a luta que trava há pelo
As mulheres ali presentes queriam realmente ser escutadas porque perdemos muitas mulheres por hipertensão arterial”, tudo, e a culpabiliza pelo estupro”, observou Maria Eunice. menos 30 anos: “Trabalhamos a participação da mulher na
à distância. Até pelos que não estavam ali. “É péssimo o afirmou Eunice. Implementar o preventivo de câncer de colo “Nas aldeias, muitas vezes só os homens falam português, sociedade, a autoestima das mulheres das áreas rurais. Muitas
governador não estar presente. Estamos fora do alcance de do útero com eficiência em todas as regiões de saúde é uma e o acesso ao atendimento de saúde para as mulheres indígenas delas não compreendiam que seu trabalho era essencial para
suas vistas”, criticou a agente comunitária de saúde. meta ainda a ser alcançada. Houve um aumento de 20% no fica prejudicado”, revelou Oé Paiakan Kaiapó, da etnia Kaiapó, a renda familiar. Enquanto os homens estão na roça, elas
“A nossa esperança é sermos ouvidas”, reforçou Maria número de óbitos por esse tipo de câncer entre 2011 e 2016, representante de usuárias do município de Redenção, na região estão quebrando coco para fazer azeite, fazer sabão. Isso
Eunice Begot, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, ao conforme apresentou a secretária de Saúde do estado Heloisa do Araguaia. Estudante de Serviço Social, com histórico familiar agrega valor. Com essa compreensão, a gente passou para a
avaliar como positivo o encontro das delegadas do estado, Maria Melo e Silva Guimarães. Ela lembrou que a doença de atuação no conselho distrital de Saúde Indígena (DSEI/KPA), participação política nos municípios. Dar opinião, compreen-
atinge principalmente mulheres de baixa escolaridade, e falou Oé considera importante dar visibilidade ao subsistema de saúde der o processo político, tudo isso é política, não é só política
da importância dos registros estatísticos — não somente indígena — seu principal objetivo na conferência. partidária”, definiu. (E.B.)
os relacionados a esta doença, mas também os dados de
mortalidade infantil e de violência doméstica, que também
são altos por lá. DESTINO: BRASÍLIA
“Eu gostaria de estar aqui dizendo que daqui a 20 anos
a mortalidade infantil será lenda, mas infelizmente o que eu “Nós, agentes comunitários de saúde somos a grande
venho falar é da preocupação que persiste”, alertou Carmem porta de entrada para o sistema”, lembrou Diene Nunes, repre-
Helena Ferreira Foro, vice-presidente nacional da Central sentante de trabalhadores, de Breves. A reportagem da Radis a
Única dos Trabalhadores (CUT), que fez a palestra sobre o Eixo encontrou muito entusiasmada, quando comemorava ter sido
II — “O mundo do trabalho e suas consequências na saúde eleita, ao lado da amiga Maria Augusta, entre as representantes
das mulheres” — e discutiu o impacto da reforma trabalhista de oito municípios da região da Ilha de Marajó. “São apenas
e de outras ameaças à vida das mulheres. “A nossa força duas vagas por regional, e algumas regionais têm muitos muni-
de trabalho vai ficar mais barata, e a nossa região é a mais cípios”, explicou. O objetivo de Diene, que se preparava para ir
cobiçada para o novo ciclo que o capital deseja. As mulheres pela primeira vez à capital do país, era um só. “Quero defender
da Amazônia já estão sentindo o impacto, especialmente as os direitos das mulheres ribeirinhas”.
trabalhadoras rurais, de não ter terra para produzir. Nossas “Ir para a Nacional” era visto como grande vitória entre
terras estão sendo vendidas para estrangeiros”, denunciou. as delegadas, especialmente para aquelas de fora da região
metropolitana de Belém, e a disputa foi acirrada. “É importante
descentralizar. A minha região, do Araguaia, tem 17 assen-
"BELO MONSTRO" tamentos de agricultura familiar. Temos muitas famílias em
situação de vulnerabilidade. Um tema a ser mantido e levado
“As mulheres da minha região estão doentes da alma”, para o documento final é garantir o tratamento fora do domi-
disse Maria Francineide dos Santos, delegada representante cílio, essencial para pacientes de regiões rurais. Hoje a ajuda de
de usuárias em Altamira. A área é uma das impactadas pela custo é insuficiente”, explicou a assistente social Ednalva Silva
construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (veja mais Geremias. “A mulher se desloca e deixa outros filhos sozinhos,
sobre o assunto na página 10). A usina ganhou o apelido ou quando ela mesma está doente, a família inteira fica ainda
de “Belo Monstro”, e a revolta pelos seus impactos foi mais vulnerável”, lembrou.
reproduzida por várias delegadas. “O que foi feito ali não O Pará decidiu levar absoluta maioria de mulheres (90%)
tem nome. Hoje, mais de 13% das pessoas vivem abaixo da para a conferência nacional. Os poucos delegados homens eram
linha da pobreza. A população amazônica e os paraenses geralmente de municípios onde não havia mulheres delegadas. A
precisam dizer não a esse modelo, que só trouxe mazelas”, escolha das pessoas que iriam para a etapa nacional, no entanto,
conclamou Francineide, indignada. “Meu município é um sofreu impacto da logística. “Para muitos municípios, só existe
dos mais violentos do país. Nem sequer o hospital de aten- transporte uma vez por dia. Os delegados só têm uma diária
dimento materno-infantil de Altamira, que era condicionante para ficar, portanto só podem dormir uma noite na cidade, e
da construção da usina foi implementado. Qual o benefício têm que ir embora. Por isso a delegação da região metropoli-
para a região?”, questionou Maria do Socorro Rodrigues do tana leva mais delegadas para a nacional”, observou Ednalva.
Carmo, enfermeira e vereadora do município.
A
violência impacta a saúde das mulheres de mui- reprodutiva — que é extremamente importante, Mortes evitáveis são mortes por falta de acesso, e
tas formas e em todas as fases da vida, defende mas não para todas, já que há mulheres que não por atenção inadequada. Isso é violência institu-
Carmen Lucia Luiz, coordenadora da 2ª Conferência querem ter filhos. cional. As mulheres trans, por exemplo, hoje têm
Nacional de Saúde das Mulheres. “Para se ter mais visibilidade, mas também têm vulnerabilidades
saúde é preciso primeiro estar viva”, resume a enfermeira e Qual deveria ser a prioridade? agregadas. E se for uma trans negra? Se for uma
sanitarista, que chama atenção para as altíssimas estatísti- O carro-chefe deveria ser a atenção à saúde mental mulher com pouca escolaridade? O setor saúde
cas de feminicídios. Para ela, a violência é estruturante da das mulheres, porque elas têm sintomatologias deve estar preparado para cuidar delas. Isso é
vida e do cotidiano das mulheres e se apresenta, inclusive, oriundas da opressão patriarcal em que a gente atenção integral com equidade.
pelo silenciamento. “As mulheres são silenciadas da sinto- vive. De toda a medicação psiquiátrica que é
matologia da opressão, do machismo, da misoginia. 80% dispensada na atenção básica, cerca de 80% é Que balanço você faz das ações para reduzir
da medicação psiquiátrica dispensada na atenção básica é dispensada para mulheres. Muitas não têm diag- a violência contra a mulher?
destinada às mulheres”, aponta Carmen, que coordena a nóstico de sofrimento mental. São as poliqueixosas A lei Maria da Penha foi um avanço muito gran-
Comissão Intersetorial de Saúde das Mulheres no Conselho e aquelas que têm queixas inespecíficas. As mulhe- de para dar visibilidade à violência doméstica; a
Nacional de Saúde (CNS) e atuou na implantação do proto- res são silenciadas da sintomatologia da opressão, tipificação do feminicídio como crime hediondo
colo de atendimento às vítimas de violência em Florianópolis, do machismo, da misoginia, por conta dessa visão foi outra ação que colocou em pauta a violência
considerado referência nacional. patologizante, com uso de medicamentos. Está contra as mulheres; melhorou muito a organiza-
escrito na política que não se deve patologizar o ção da assistência com o protocolo de atenção às
sintoma que é oriundo da condição social imposta vítimas de violência sexual, desde 1999, quando
Uma das reivindicações das delegadas principalmente, que já traziam de outros lu- à mulher. Isso é o que nós deveríamos tratar em surgiu a norma técnica de atendimento à violência.
foi “por nem um direito a menos”. Quais gares uma teoria feminista estruturada. Hoje primeiro lugar. Isso precisa ser mais disseminado, precisa ter mais
direitos das mulheres estão ameaçados e vemos o chamado feminismo interseccional, incentivo para que os municípios façam, não só fi-
de que forma isso afeta a saúde? que abarca a pluralidade das mulheres. Se Uma das pautas de maior destaque na confe- nanceiro, mas uma maior sensibilização e capacita-
Estamos falando de todos os direitos que estão compararmos a proporção de mulheres ne- rência é a violência. Como a violência ganhou ção. Por outro lado, temos todos esses retrocessos
sendo retirados, não só os direitos sexuais e re- gras na primeira conferência e nesta, há um maior visibilidade no campo da saúde? que barram os avanços. O impedimento do debate
produtivos. Quando observamos a questão da grande crescimento. Temos aqui, por exemplo, A violência aparece porque é estrutural na vida de gênero nas escolas é um deles. É grave porque
reforma previdenciária, da reforma trabalhista, mulheres que vivem com HIV/aids e elas hoje das mulheres, nas relações interpessoais, nas re- é na mais tenra idade que deveríamos ensinar os
todos os direitos estão sendo tirados. O traba- têm visibilidade. Então, eu acho que a evolução lações trabalhistas, onde a maioria dos chefes são meninos a não violentarem, e as meninas a não
lho tem a ver com a saúde, o transporte tem a foi muito grande no sentido de incorporar a homens. O machismo, o sexismo e a misoginia, se submeterem à violência. E aí vêm essas leis que
ver com a saúde. O lazer, o estar no mundo, o diversidade das mulheres. Se não tivermos a ou seja, a violência, são estruturantes na vida das buscam quebrar esse debate. Por isso eu gosto
respirar nesse planeta têm a ver com a saúde. compreensão de como essas diferenças foram mulheres. Todas as mulheres conduzem a sua vida de citar como mote desta conferência a frase de
Por exemplo, a questão do uso de agrotóxicos: transformadas em desigualdades, aí não conse- a partir da possibilidade de sofrer violências. Desde Simone de Beauvoir: “Você terá que manter-se
já existem pesquisas demonstrando a presença guiremos atingir a equidade, que é o objetivo. a violência psicológica, violência patrimonial, as- vigilante durante toda a sua vida”.
deles no leite materno. O saneamento básico sédio sexual, diferentes versões da violência até a
tem relação com saúde, e com o zika vírus. A Política Nacional de Atenção Integral situação-limite, que é o feminicídio. Em vez de os O que você acha da presença de homens
Quem vai cuidar das crianças [acometidas pela à Saúde da Mulher vem sendo posta em agressores serem cerceados, a gente é que tenta delegados na conferência?
síndrome de zika congênita]? As mulheres! E prática? evitar as situações onde as agressões acontecem. Nós entendemos que violência é uma questão
as mulheres da periferia, as mulheres pobres Lá em 2004, ela teve um salto de importância, Para você ter saúde você tem que estar viva antes. relacional, e não vamos resolver isso só entre as
em sua maioria. Elas moram em lugares onde deixou de ser um programa e passou a ser uma Há um feminicídio no país a cada duas horas. A mulheres. Por isso a comissão organizadora na-
a água muitas vezes não chega, ou quando política nacional e a orientar as diretrizes para estatística é de 13 por dia. Quantas sofrem [outros cional propôs que poderia haver no máximo 40%
chega não chega em todos os momentos do a condução das ações em saúde da mulher no tipos de violência] a cada minuto? É uma coisa de homens em cada delegação, desde as etapas
dia. Se ela não acordar de madrugada para país. O que aconteceu é que depois disso, o espantosa. municipais. Mas cada estado fez o seu regulamen-
encher as panelas, ela não terá água em casa ministério da saúde voltou a valorizar apenas to. Houve estado que saiu para a etapa nacional
no dia seguinte. E aí? É ela que está criando o a política de saúde materno-infantil, que é Um dos eixos trata das vulnerabilidades. com 100% de mulheres, não quis ter delegados
mosquito? Não, é o poder público que tem que o carro-chefe da política. Qual é o principal D iferentes mulheres sofrem diferentes homens. Houve outros com 20% de homens.
fazer a água chegar até lá. programa? O Rede Cegonha. A minha crítica é violências? Nenhum deles teve 40% de homens delegados.
que a gente volta para essa extrema valorização Nós falamos em vulnerabilidades agregadas, ou Eu acho bom, porque os homens podem ouvir,
A 2ª conferência acontece depois de 31 da mulher apenas quando gestante, partu- seja, o fato de mulheres negras sofrerem mais, compreender, se sensibilizar, mudar suas próprias
anos. O que mudou no feminismo no país riente e puérpera, e está deixando bastante a por estarem vulneráveis ao racismo, ao racismo atitudes e se tornar multiplicadores. Pessoas que
desde então? desejar a atenção integral. Por isso o tema da institucional. O risco de morte materna é quase vão compreender o que é o machismo e como ele
O feminismo daquela época era mais eliti- conferência é “Integralidade com equidade”. O o dobro para mulheres negras em relação a mu- é determinante na vida e na saúde das mulheres.
zado. Era um feminismo de mulheres que que nos embasa é a atenção integral, ou seja, lheres brancas. A Organização Mundial da Saúde Nós queremos ter os homens no debate. Mas não
tinham acesso a autores e autoras europeus enxergar e atender a mulher para além da fase afirma que 90% das mortes maternas são evitáveis. queremos que a decisão seja deles.(E.B.)
O
pré-natal na unidade e ter o parto classificado como de baixo
A CASA
pessoal chegou cedo. Antes de oito da manhã, já se risco. Para Leila, quando se fala em direitos da mulher em rela-
reunia no quintal da “casinha”, nome afetivo com o qual ção ao parto, inclui-se até mesmo a integridade física e o direito
as famílias se referem à Casa de Parto David Capistrano de escolher onde vai ter o seu filho, de que forma e com qual
Filho, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro. profissional. “Existe uma resistência médica tanto do profissional
Naquele sábado nublado, um 19 de agosto de vez em quando quanto do modelo biomédico de que as mulheres têm que ser
salpicado por uma chuva fina, os voluntários do mutirão se submissas e que esse processo do parto tem que ser controlado
preparam para assumir as tarefas de recuperação e reforma da através de intervenções, que são na maioria das vezes inadequa-
unidade de saúde voltada para o parto humanizado, realizado das e desnecessárias”, pontua. Para Leila, a Casa de Parto é um
exclusivamente por enfermeiras obstétricas: divididos em grupos, modelo que “rema contra a maré”.
alguns se encarregam da pintura das grades e da reforma dos Embora seja um espaço de valorização e empoderamento da
É NOSSA
portões; outros cuidam da estrutura externa; crianças reviram mulher, Leila conta que ao longo do tempo percebe também o en-
a terra com as mãos e aprendem sobre o plantio de mudas, na gajamento dos pais na defesa da Casa de Parto e do parir de modo
extensa horta e jardim em torno da casa. natural. Também militante dessa questão, Téo Cordeiro, um dos
Ao meio-dia, antes da integrantes do Grupo de Papais
pausa para o almoço, é hora da Casa de Parto, conta que foi
de marcar o dia com o ato iniciativa dos pais a troca dos
simbólico de abraço à Casa de portões da unidade, que esta-
Parto: de mãos dadas, crianças, vam danificados e deixavam as
mulheres e homens circundam trabalhadoras e as famílias sem
a unidade, num gesto que de- segurança. Promovido no mês
monstra o afeto da comunidade de valorização da paternidade,
e dos profissionais por aquele o mutirão contou ainda com
MUTIRÃO NA CASA DE PARTO APONTA PARA espaço de saúde e que alerta a distribuição da edição 179
para o descaso do poder pú- da Radis, que aborda histórias
VALORIZAÇÃO DO PARIR NATURAL E DO DIREITO blico em relação à manutenção de pais, dentre elas a expe-
de uma iniciativa pioneira de riência do Grupo de Papais de
DE ESCOLHA DA MULHER promoção do parto humani- Realengo. A unidade também
zado. Fundada em 2004 por não conta mais com uma equi-
enfermeiras obstétricas, a Casa pe de segurança, porque a pre-
de Parto de Realengo — uma feitura não renovou o contrato
unidade do SUS — acolhe para com a empresa responsável
o pré-natal e parto gestantes por esse serviço. Quem faz a
de baixo risco que desejam vigilância do espaço atualmente
parir de forma natural, em um é a Guarda Municipal. Desde
ambiente acolhedor — o nome 2015 também não há contrata-
“casa” não foi escolhido ao acaso, pois a proposta é construir um ção de empresa para manutenção predial — tarefas simples como
espaço que se aproxime ao máximo da ideia de “lar”. “Apesar de troca de lâmpadas são feitas com “vaquinhas” das famílias e dos
mais de 3 mil bebês nascidos na casa e nem um caso de morte, profissionais. De acordo com relatos ouvidos por Radis entre os
reconhecimento e premiações, a unidade sofre diversos ataques participantes do mutirão, as instalações prediais estão deteriora-
frequentemente. Afinal, romper com um modelo que tem como das e o gerador não funciona, o que implica na transferência das
principal objetivo o lucro e a comodidade da categoria médica não gestantes e puérperas quando falta luz na unidade.
é fácil”, declara Danielle Ramos, militante do movimento de mu- O mutirão também marcou a criação da ReParto, uma inicia-
lheres Olga Benário e da ReParto (Rede de Apoio à Casa de Parto). tiva de famílias e profissionais de saúde voltada para a defesa da
Durante a refeição comunitária, cada um pega seu prato e Casa de Parto e para propagar o seu modelo por todo o estado
vai se espalhando pela área externa da casa, entre risos e conver- (até então a casa de Realego é a única no Rio de Janeiro). “O
sas, e ao som de um grupo de músicos também voluntários. São papel da Casa de Parto é mostrar na prática que é possível outro
na maior parte famílias que pariram na unidade e trouxeram seus modelo de sociedade, que tratar mulheres e bebês com dignidade
filhos para ajudar no mutirão, num gesto de reconhecimento pelo sem intervenções desnecessárias é muito simples e necessário”,
projeto, além de pessoas que acreditam na proposta da Casa de defende Danielle. Mãe de Camilo, de 3 anos, e Havana, de 1,
Parto. “Quando você vê, num dia nublado, no sábado, pessoas ambos nascidos na unidade, ela considera que a principal forma
que já tiveram seus bebês e retornam para garantir esse espaço, de se fazer escolhas conscientes e verdadeiramente autônomas é
isso não tem preço”, pontua a diretora da casa, a enfermeira Leila com informação. No pré-natal do seu primeiro filho, ela chegou
Azevedo. Aquele foi pensado como um espaço de “mulheres para até a “casinha” ainda sem conhecer muito bem a proposta do
mulheres”, para garantir a autonomia e o direito das mães no parto humanizado, mas foi envolvida pelo acolhimento. Passou
pré-natal e no parto. “São dois pilares importantes. Para a mulher, então a se consultar na casa e frequentar as oficinas — e toda
é o empoderamento, o reconhecimento de sua feminilidade, vez que tinha de ir “era uma alegria”.
de seus direitos. Para o profissional, é o direito de exercer com “Não se tratava simplesmente de um atendimento, mas da
autonomia a sua profissão”, reflete. Segundo ela, a Enfermagem criação de um vínculo que é um diferencial na preparação pro
é uma categoria que se diz autônoma, mas na realidade enfrenta parto”, conta. “O parto do Camilo foi bem demorado, fiquei 30
muitas resistências em outros espaços de saúde, principalmente horas na casa até ele nascer e todo o carinho da equipe e princi-
nos hospitais, por causa da hierarquização e subordinação. palmente da Leila, que em diversos momentos segurou minhas
A Casa de Parto é gerida totalmente por enfermeiras obs- mãos e agachou pelos corredores comigo, fizeram com que eu
tétricas: a equipe de saúde é formada por 20 enfermeiras (e um me sentisse segura e confiante sobre meu próprio corpo”, narra.
FOTOS: JOÃO AMORIM
homem), 12 técnicas de enfermagem, uma assistente social e Para mulheres como Danielle, estar presente e lutar por aquele
uma nutricionista. A condição para parir na casa é fazer todo o espaço é mesmo se sentir em casa.
Leonardo Boff
63 ANOS
Teólogo e escritor, conhecido por sua defesa
dos direitos dos pobres e excluídos
EM MOVIMENTO
pode ser o mesmo que nos tira da crise. Quatro nós estão na raiz
da crise brasileira: o etnocídio indígena, o passado colonial violento
que impôs uma relação de dominação na sociedade, a escravidão
e o patrimonialismo, que é a base da nossa corrupção — a trans-
formação do bem público em bem particular. Nossa democracia é
antes uma farsa do que uma realidade. Representa antes os interesses
corporativos dos grupos que financiam as eleições e mantém uma
organicidade com a classe dominante, sempre de costas para o povo.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca É necessária uma refundação do Brasil sobre outras bases que não
essas. Resgatar a utopia, enriquecer a democracia. O primeiro bem
comemora aniversário debatendo crise brasileira do Estado é garantir o bem-viver a todos os cidadãos — não aquele
bem-viver que, para um ter a boa vida, muitos têm que ter a vida
à luz dos direitos conquistados na Constituinte ruim, mas sim o equilíbrio para que todo mundo tenha o decente”.
A
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/ no Brasil; Gastão Wagner, presidente da Associação Brasileira atendendo às expectativas da sociedade brasileira; e
EDUARDO DE OLIVEIRA
Fiocruz) comemorou seus 63 anos de luta pela uni- de Saúde Coletiva (Abrasco); Guilherme Boulos, coordenador recomendar a adoção de providências para a adequação
versalização da saúde pública no país com uma pro- nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); das atividades técnicas e científicas aos objetivos da ins-
gramação em torno do tema “Democracia e Saúde. João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento tituição. Os pronunciamentos do conselho terão a forma
Saúde é Democracia”, entre 4 e 6 de setembro. Conferências, dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Jorge Venâncio, de recomendação.
mesas redondas e atividades culturais buscaram refletir o mo- coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Avesso a homenagens, o pesquisador titular do
mento atual do país, 30 anos depois da Constituinte. Conselho Nacional de Saúde (Conep/CNS); o engenheiro sani- Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp/
O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores tarista Luiz Roberto Santos Moraes; Naomar de Almeida Filho, Ensp) Paulo Sabroza recebeu tributo por sua atuação
Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, defendeu que o “Brasil reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). E ainda: na escola. O amigo Luciano Toledo, coordenador do
precisa de uma revolução”. O teólogo e escritor Leonardo Paulo Marchiori Buss, coordenador do Centro de Relações Laboratório de Monitoramento Epidemiológico de
Boff tratou da “crise brasileira como desafio e perspectivas Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz); Roberto Leher, reitor Grandes Empreendimentos (LabMep), fundado pelos dois
de futuro”. da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Simone Dalila pesquisadores, fez uma síntese da trajetória de Sabroza,
Ainda houve a instalação do conselho consultivo da Nacif Lopes, juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; a que começou suas atividades na Ensp como docente ainda
escola, m espaço de interlocução com a sociedade brasileira, sanitarista Sonia Fleury; a historiadora Virginia Fontes; e o nos anos 1970. Nas décadas seguintes, o pesquisador aju-
constituído por 13 integrantes, dirigentes da área de saúde e re- cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. dou a formar profissionais da Saúde Pública, participou de
ferências nos campos da ciência, tecnologia e direitos humanos. Cabe ao consellho pronunciar-se sobre as diretrizes, pesquisas importantes e se tornou uma referência como
Presidido pelo diretor da escola, Hermano Castro, o conselho políticas e atividades da Ensp, em consonância com as epidemiologista. “O nome de Sabroza se confunde com
conta com Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, coletivo políticas nacionais de saúde, educação, ciência e tecnolo- o próprio nome da escola”, afirmou o diretor da Ensp,
que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação gia; subsidiar a escola com vistas ao avanço institucional, Hermano Castro.
NÃO
Vozes das margens do projeto civilizatório e do desenvolvimento da nação que
defende radicalmente a vida.
O rganizada por Giordano Barbin Bertelli e Gabriel de Santis Feltran, para a coleção Marginália de
Estudos Urbanos, a coletânea Vozes à margem: periferias, estética e política (Edufscar)
reúne artigos de pesquisadores dedicados à produção cultural das periferias urbanas brasileiras e
Observamos que a agenda neoliberal em curso propõe
enxugar e desarticular o sistema público, garantir clientela
para o setor privado e fortalecer a concepção de saúde como
apresenta ao público a abordagem do tema das linguagens e das estéticas produzidas e consumidas mercadoria e não como direito. Não parece ser por acaso que
por grupos marginalizados no cenário urbano contemporâneo. A obra enfoca as expressões linguís- duas agendas venham se desenrolando de forma concomitante:
ticas, artístico-culturais e estéticas presentes na sociabilidade destes grupos, além de atentar para o projeto dos planos acessíveis e a Revisão da PNAB.
seus múltiplos significados políticos. O Ministério da Saúde alega que “o intuito é ofertar planos
mais acessíveis, com atendimento direcionado para as reais
necessidades dos cidadãos brasileiros”, mas o que está por trás
Deslocamento do olhar Bourdieu na ciência da proposta é diminuir o impacto causado pelo aumento do de-
ACEITAMOS
semprego no mercado da saúde suplementar — que registrou
AT E N Ç ÃO
pelo ator, diretor e dramaturgo Conrado Dess, propõe representação do poder público, de condições favoráveis para
uma reflexão sobre a solidão nas grandes cidades. Por criação de clientela para o setor privado.
meio da dramaturgia, o autor propõe “um deslocamento De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor
do olhar” em direção às pessoas que constroem suas vidas (Idec), esse tipo de “produto” representa “a desregulamentação
em lugares onde não nasceram, onde têm que submeter da saúde suplementar, com claro prejuízo à população usuária
PRIMÁRIA
à arbitrariedade de leis e instituições que os tratam como e ao sistema de saúde brasileiro” e vai piorar a oferta e a qua-
números ou como um problema a ser tolerado”, define lidade dos serviços, gerando insegurança ao consumidor. O
Ferdinando Martins, no prefácio. setor saúde sofre historicamente com as políticas restritivas, ora
pela desresponsabilização do poder público, ora pelo modelo
Caminhada e democracia de desenvolvimento ancorando nas políticas neoliberais, mas
C
SELETIVA
om organização de Regina Marteleto e nunca ficou tão evidente a agenda de desmonte da saúde como
L
Uma das apostas é diminuir o acesso à atenção básica
EVENTOS ogo ao assumir o Ministério da Saúde, Ricardo Barros pública, ofertando-a no setor privado; outra possibilidade diz
questionou o tamanho do SUS e explicitou: “Nós não respeito à oferta dos serviços básicos, com importante estrutura
Fórum Alternativo Mundial da Água 15º Congresso Paulista de Saúde Pública vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a gerencial, centrada em procedimentos. A gestão local poderá
Constituição determina”. Afirmativas como essa passa- ampliar a terceirização dos serviços e compra-los de forma
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