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EXPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS

Nº 181
EDITORIAL OUT | 2017

As marcas da violência
Expressões e Experiências
• Na trilha das mediações 2

A s lutas feministas vêm de longe na his-


tória e incorporam, hoje, a percepção
das formas diversas e cumulativas como
protestos frente a intolerância e violência
contra as religiões afro-brasileiras, com
ataques cruéis a religiosos e terreiros. O
Editorial
• A s marcas da violência 3

as mulheres, no plural, são impactadas em anúncio da extinção de reserva florestal de Voz do leitor 4
seus diferentes contextos e identidades. Há 47 mil km quadrados de floresta amazônica

NA
desigualdade entre homens e mulheres. provocou revolta nacional e internacional Súmula 5
Mas há ainda mais discriminação e invisi- que fez o governo Temer recuar. Em discur-
bilidade caso elas sejam pobres, negras, so no festival Rock in Rio, a líder indígena Toques da Redação 9
indígenas, lésbicas, trans, ou de baixa es- Sônia Guajajara, afirmou que “existe uma
Meio Ambiente

TRILHA DAS
colaridade, por exemplo. Quando opressão guerra contra a Amazônia, com os po-
de gênero, racismo e preconceito étnico vos indígenas e o meio ambiente sendo • Amazônia resiste — até quando? 10
ou religioso estão presentes também na brutalmente atacados”. Participantes do
atenção à saúde, agravam-se as iniquidades 53º Congresso da Sociedade Brasileira de Saúde Mental

MEDIAÇÕES
das condições de vida a que as mulheres Medicina Tropical concluíram que o enfren- • Eu + 1 = muitos 12
estão submetidas. tamento das doenças negligenciadas exige
A afirmação da diversidade identitária a compreensão do ambiente e inclusão Medtrop 2017
importa aos novos movimentos feministas, dos indivíduos e alertaram para o risco do • Pessoas negligenciadas, políticas globais 14
porque permite melhor compreender e aumento da vulnerabilidade social, com a
transformar a realidade, reafirmar direitos perda de direitos e da proteção social e o
que estão sob ataque, propor políticas desmonte da ciência nacional e da educa-
Livro aborda as relações e influências públicas de proteção integral à saúde. ção e saúde públicas.
Esta foi uma das marcas da 2ª Conferência Não deixe de ler também a maté-
entre os campos da comunicação e da saúde Nacional de Saúde das Mulheres, que reu- ria sobre o projeto “Refugiados de Belo
niu cerca de 1.800 delegadas eleitas em Monte”, financiado via internet, que gerou
Capa | Conferência Nacional de Saúde
conferências municipais e estaduais. Entre o movimento “Clínica do Cuidado”. O do-
das Mulheres
Luiz Felipe Stevanim Igor serve-se desse conceito — conforme apresentado por os temas mais debatidos a legalização do cumentário “Eu + 1: uma jornada de saúde
• #nemumaamenos 18

N
Jesús Martín-Barbero, autor do célebre livro “Dos meios e das aborto, o desmonte da saúde pública, todas mental na Amazônia”, dirigido por Eliane
as dúvidas e relatos compartilhados por médicos e mediações” — para analisar as relações entre comunicação e as formas de opressão, assédio e violência Brum, mostra este movimento de voluntá- • Muito chão pela frente 26
residentes em grupos de whatsapp; no dia a dia dos saúde que perpassam temas variados, como a participação contra as mulheres e o feminicídio – crime rios, incluindo psicólogos, psicanalistas e • "A violência é estruturante na vida das
agentes comunitários de saúde, que atuam como me- social, a formação profissional em saúde, o papel mediador que custa a vida de uma mulher a cada psiquiatras, que foi à região do Xingu, em mulheres" 28
diadores entre os saberes populares e o conhecimento desempenhado por médicos e agentes comunitários, o discurso duas horas, no país. janeiro deste ano, para escutar, acolher,
ENSP
reconhecido pela Medicina; na luta pela garantia dos direitos jornalístico e o modo como as práticas cada vez mais mediadas A violência, sob a forma de machis- documentar e se envolver com a dor dos
à comunicação e à saúde para toda a população; nas cores e pela tecnologia, principalmente pela internet, alteram o entendi- mo, sexismo ou misoginia é estruturante atingidos pela construção da hidrelétrica • 63 anos em movimento 30
contornos que a epidemia recente de zika assumiu nas páginas mento sobre saúde e doença. “A questão da mediação envolve, na vida das mulheres, em suas relações de Belo Monte, no Pará. São impactantes
Parto humanizado
dos principais jornais brasileiros; no modo como o consumis- também, as práticas de construção de elos, nexos, vínculos, interpessoais e de trabalho, reflete a en- os depoimentos dos atingidos e dos profis-
mo de informações e a enxurrada de terapias alternativas na fluxos, trocas e misturas entre sistemas culturais distintos e seus fermeira e sanitarista Carmem Lucia Luiz, sionais que se afetaram com o sofrimento • A casa é nossa 32
internet tem mudado a relação entre saúde e doença. O que respectivos grupos”, afirma o autor. coordenadora da conferência, em entre- deles e com o cenário de destruição am-
há em comum entre todas essas questões é a necessidade de Um dos temas abordados é a atuação dos agentes vista à Radis, que vale ser lida na íntegra. biental. “A vida não tá cabendo em mim”, Serviço 34
entender como as relações, práticas e saberes comunicativos se comunitários como mediadores culturais nas práticas de “As mulheres conduzem a sua vida a partir desabafa um dos atingidos. “A dor maior é
Pós-Tudo
fazem presentes no campo da saúde. Mas não apenas isso: cada promoção da saúde, no texto escrito por Ana Valéria da possibilidade de sofrer violências”, diz. a desimpaciência que acontece aqui dentro
um desses exemplos aponta para a evidência de que ambas — Mendonça, Grasiela Pereira, Mariella Oliveira-Costa e Maria A reportagem ouviu representantes de di- e me faz entrar no medo”, expressa outro. • "Não aceitamos atenção primária seletiva" 35
Saúde e Comunicação — são campos cada vez mais imbricados, Fátima de Souza — essa perspectiva revela que a mediação versos movimentos sociais e acompanhou “Aquilo era o horror do horror; é impro-
tema explorado no livro “Mediações comunicativas da saúde”, não é uma prerrogativa apenas dos meios de comunicação, a conferência do Pará, registrando também nunciável a violência daquela barragem”,
organizado por Igor Sacramento, pesquisador do Instituto de mas dos próprios profissionais de saúde e cidadãos, que as desigualdades regionais. relembra uma das profissionais de saúde.
Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde contribuem com experiências dialógicas entre os campos O desrespeito aos direitos humanos Capa: Foto de Eduardo de Oliveira
(Icict/Fiocruz), e lançado pela editora Multifoco em setembro. da Informação, Comunicação e Educação em Saúde. Inesita e à sustentabilidade motivaram outras Rogério Lannes Rocha
Com a assinatura de 26 autores oriundos das áreas Soares de Araújo e Wilma Madeira da Silva refletem sobre a pautas na revista. No Rio, houve um dia de Editor chefe e coordenador do Programa Radis
de Comunicação, Informação, Saúde Coletiva, Linguística e relação entre comunicação e participação social a partir das
Educação, os 14 textos da coletânea abordam as mediações conferências de saúde. Rodrigo Murtinho e eu abordamos
entre saúde e comunicação, que contribuem para modificar as as interseções entre as políticas públicas de comunicação e CARTUM
configurações de cada um desses campos. Um dos pontos em a saúde, levando em conta as tensões entre os interesses pri- RADIS . Jornalismo premiado
comum que unifica as reflexões é a ideia de que a comunicação vados e o público, em temas como regulação da publicidade pela Opas e pela A s foc-SN
não é um mero instrumento de divulgação e propagação dos e democratização da radiodifusão. Wilson Couto Borges e
saberes produzidos pelo campo da saúde, mas possui elemen- Adriana Aguiar estudam o papel da comunicação na forma-
tos chave que definem e transformam as relações e as práticas ção de residentes no Brasil. Entre outros temas explorados
presentes nesse setor na atualidade. nos textos, estão as representações da saúde no discurso
O conceito de mediação é o fio condutor que entrelaça jornalístico, o consumo de informações online sobre o tema,
as discussões suscitadas nas quatro partes da obra (“A questão a busca pela perfomance do bem-estar nas redes sociais e
das mediações”; “Políticas e práticas”; “Discursos jornalísti- a articulação entre comunicação e educação na formação
cos”; “Internet e tecnologias digitais”). No texto introdutório, profissional em saúde. 
FACEBOOK.COM/TIRASARMANDINHO

[2] RADIS 181 • OUT/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [3]


VOZ DODO
VOZ LEITOR
LEITOR SÚMULA

Aprendizado e esperança com a edição 168, que falava exatamente sobre o


assunto. Mais uma vez consegui concluir o curso. Conselho Federal de Psicologia
M uito obrigado pela excelente revista!
Informação de qualidade, na contramão da
nossa mídia comprometida e viciada, e uma inje-
Radis, cada edição um novo aprendizado. Parabéns
pelo trabalho de toda equipe!
• Sandra Lima Neves, Linhares, ES reage à legalização da “cura gay”
ção de esperança em quem realmente quer um
país melhor e menos desigual. Parabéns!
• Rodrigo Valdez de Oliveira e Ana Paula Carvalho
de Medeiros, Porto Alegre, RS
E stou muito contente com a confirmação da
assinatura da revista. Ela irá me ajudar a saber
mais sobre o atual cenário do país e, consequen-
U ma polêmica decisão
judicial causou indigna-
ção entre ativistas de direitos
forma de censura, preconceito
ou discriminação”.
Ainda que o texto da
temente, irá me orientar e saber mais sobre os humanos e profissionais de liminar não seja taxativo, o

Q uero agradecer a Radis por ter me ajudado com


material para o meu aprendizado. Em 2013,
por conta da edição 129, sobre desenvolvimento
assuntos para que eu possa usar nas minhas
redações. A revista de setembro ficou ótima,
muito bom trabalho. A vocês, meu elogio e meu
saúde, e motivou inúmeras
discussões nas redes sociais.
No dia 15 de setembro, o
contexto histórico do pro-
cesso, no entanto, deixou os
profissionais e os movimentos
urbano, meu TCC da graduação ficou ótimo e agradecimento. juiz Waldemar Cláudio de de direitos humanos e LGBTI
consegui colar grau; agora em 2017, fazendo uma • Ana Luisa Rocha, Goiânia, GO Carvalho, da 14ª Vara do em alerta. A liminar concedi-
pós-graduação em gestão pública em serviços Distrito Federal, concedeu da pelo juiz atende, de forma
de saúde sobre cuidados paliativos, estava muito R: Caros Rodrigo, Sandra e Ana Luisa, a equipe uma liminar que, na prática, parcial, a uma ação movida por
difícil conseguir material até me sentir presenteada agradece os elogios e a leitura! legaliza a possibilidade de Rozangela Alves Justino, uma
os psicólogos ofertarem “te- psicóloga do Rio de Janeiro
jovens leitores. rapias de reversão sexual”, que pedia a suspensão das
Radis agradece • Anna Educação 
Corrupção no Brasil irá muitoKarolina,
contribuirValença,
para queRJpossamos oti- • Andreza de Jesus de Lima, Feira de popularmente conhecidas regras do CFP. Ela teve seu re-

D
G
esde que me tornei assinante da Radis,
ostaria
ção da
de parabenizar
este importante
revista uma
tornou-se Radis,
veículotoda
pelo deleite
leitura conteúdo
a equipe
de comunica-
com-
na minha
mizar as ações no meu estado. Universidades
públicas e faculdades não tratam do assunto,
Financiamento
de modo que os médicos possam diagnos-
G ostariaBAde sugerir que tratassem das
Santana,
pessoas com deficiência na educação
pública
CaraeAndreza,
privada, especialmente
obrigado pelacrianças suges-
como “terapias de cura gay”.
Conforme noticiou a
versão online do jornal El
gistro profissional cassado em
2009 porque oferecia “terapias
para curar a homossexuali-
pleto
de
e claro
vida. Fico
ver uma
trabalho
corrupção
e de qualidade
da ediçãopelo
maravilhada

no Brasil
para ode
176. competente
matériainformações
em veicular
hoje,
leitor. Sou
Eu gostaria
que falasse verídicas
sobre a
informando
estudante
G
ticarostaria
mercê
e tratardeasparabenizar
ótimas
impactos
te clínico e das
leishmanioses,
informações
os pacientes,
a revista
referentes
com diagnóstico
reformas que nosso país
não laboratorial.
pelasà
deixando
aos
somen-
e adolescentes,
tão!
senvolvimento
Um
dado o processo
Em breve trataremos
abraço! biopsicossocial e intelectual
próprios de suas idades, uma vez que a lei
de de-
do assunto. País (19/9), o juiz determi-
nou que o Conselho Federal
de Psicologia (CFP) alteras-
dade masculina e feminina”.
Naquele ano, às vésperas de
seu julgamento, ela chegou
qual o destino
de Serviço doe dinheiro
Social as matériasapreendido
são um •está
Josévivenciando.
Gregório da Silva O que vocês
Júnior, estão PI
Teresina, fa- nº 13.146 de
Assédio 2015, vem resguardar tais
moral se a interpretação de suas a acusar “o movimento pró-
com os corruptos
suporte para minha e sobre os altos
formação. salários
Parabéns, zendo, sem dúvida, é um trabalho sério direitos. Ficarei agradecida caso possam normas, de forma a não -homossexualismo” de ter
dos
Radis,
rem
parlamentares,
pelos
pública
por se preocupar
de direitos
considerando
qualidade
que com
do epovo
em vez
comestão
uma

da cidadania.  benefícios para si mesmos.


desaúde
luta-
apenas
a efetivação
e de
Gostaria
te
qualidade,
José, Radis voltauma
número,denaver
sobre o aconteceu
quando financiamento
utilidade
a tratar
mais matérias
cobertura
mais douma SUS
pública.
do assunto nes-
falando
do 53ª Medtrop,
no mo-
edição da
A
ções.
doro leressa
fortalecer
luta uma
a Radis,
tão importantes
dessesObservando
sujeitos.
pois a mesma
discussão
miríade de ao excelentes
e bandeiracontém
desenvolvimento
diversos ambientes
de
informa-
impedir os profissionais “de
promoverem estudos ou
atendimento profissional, de
feito alianças com conselhos
de psicologia para “implantar
a ditadura gay no país”.
• Patricia
• Ana Carlos
Suênia de Castro,
Barbosa Araújo,Itapoá, SC PB
Caturité, mento atual,
reunião elencando
ChagasLeish. pontos
Confira a como
matéria o de
• Mtrabalho e ouvindo
ayre Araújo, Ananindeua, históriasPA reais de forma reservada, pertinente Em nota, o CFP decla-
subfinanciamento,
na página 12. desonerações e incen- trabalhadorxs da saúde (e de fora da área à (re)orientação sexual, ga- rou (16/9) que vai recorrer
Patricia, nós estamos atentos aos
Suicídio tivos fiscais para o setor privado, relação da
Mãessaúde dotambém),
cárcere sugiro que seja feita rantindo-lhes, assim, a plena da decisão e argumenta que
efeitos da corrupção sobre a condução pública privada
Botulismo no SUS e mecanismos do
infantil uma reportagem sobre assédio moral, liberdade científica acerca “o que está em jogo é o en-

A
das dorei

mento do pela
Obrigado
a matéria
políticas
maio (Radis
de, como
públicasdaeedição
pode ser
suicídio
176), que tratou
conferido
no Brasil
sugestão e por
do mês
no acesso
do au-
na Súmula.
e no
suamundo,
de
à saú-

leitura! S
governo como a desvinculação da receita
eria de Outro
da União. grandetema
sobre oser
e deveria botulismo
importância
abordado
que merece
infantil.
que falassem
na revista
atenção
Esse foi
éo a tema
nova
A
formasrespeito
de como

cere (Radis
antigo, porém
reportagem
Cláudia Peres
repercussões
172),
combater este
sobreEste
na saúde.
gostaria
pode-se dizer
feitamal
as mães
deque
pore suas

saber
Ana
tema énomuito
cár-
onde
é pouco
da matéria, sem qualquer
censura ou necessidade de
licença prévia”.
fraquecimento da Resolução
01/99 pela disputa de sua
interpretação, já que até ago-
abordando o jogo “Baleia azul” e a série da
formaminha monografia
de repasse e ficou
de recurso nítido
pelo que
governo foi feita a pesquisa
combatido e debatido de Jan, 2017. Tenho
em contraponto As regras a que o ma- ra outras tentativas de sustar
“Os 13 porquês”. A maneira como vocês
Leishmanioses as pessoas
Federal em desconhecem
custeio e capital.a doença e sua
Que possí- interesse
aos em saber,
inúmeros onde,de
exemplos se jornadas
passou estade gistrado faz referência estão a norma, inclusive por meio
abordaram os assuntos foi bem interessan- gravidade
veis impactos — algumas
isso trará pesquisas
para o compro-
controle pesquisa,  ou
sofrimento melhor,
de todxs as/os onde foi feita estaE
trabalhadorxs. na Resolução 01/99 do CFP, de lei federal, não obtiveram

Q
aárea
uero muito agradecer
te, principalmente

da saúde.
vontade deAs
para aalertar
a Radis um instrumento
e adolescentes
todos que

leishmanioses
atentar contra no
fazem
os jovens
esclarecedor
que podem ter em mente
suaBrasil
na
—e
própria
vam
entendo
aSUS,
que muitas
social? Como
servir comidas
menores
mães de
estudante
enlatadas eem
a importância
e essade dois passa
defesa
têm o habito de
Administração,
meldefender
de abelha
anos, por exemplo.
uma boa
o •
pesquisa.  No texto
congratulações
referida Penitenciária
João Paulo
dasuas
pelas
Zimmermann
p.22incríveis
Talavera
tem o nome
Silva,Bruce 
Bangu, Rio de Janeiro,  mas não fala em
Barão,em
da
edições.
RS
que determina que “os psicólogos não exercerão qualquer ação
que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas
homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar
sucesso”. O conselho acrescentou ainda que o “Judiciário se
equivoca ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a reso-
lução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais
em especial
vida. no Piauí
Matérias como — essas
são doenças conside-
são essenciais Parabéns pelo excelente
fonte de informação. Portrabalho!
meio daTenho
Radis qualJoão
complexo.
Paulo, Ex: I, II,tem
você III e razão.
assim por dian-
Assédio homossexuais para tratamentos não solicitados”. A liminar não não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar” e foi
radas conscientizá-los
para negligenciadas. Tanto a leishmaniose
que existem várias todas
tenho me minhas edições
tornando bem mais
um leitor guardadas
crítico éte.assunto
Fico no sério
agurdo. Desde nas
e reflete de ja,condições
obgda. chega a anular a resolução, mas determina que os profissionais taxativo na defesa de sua posição: “A psicologia brasileira não
visceral para
saídas comoaa depressão.
leishmanioseGostaria
tegumentar de e umsempre
maiorque necessário
defensor do SUS.recorro a elas • Leila
de Oliveira
saúde. Vamos- Aparecida
investigar de eGoiânia
em breve possam “estudar ou atender aqueles que voluntariamente venham será instrumento de promoção do sofrimento, do preconceito,
americana. Gostaria
parabenizá-los peladematéria
saber quando vão
excelente. para realizar
• Kleiton atividades
Wagner com meus
Nogueira, alunos
Campina teremos uma matéria sobre o tema. em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer da intolerância e da exclusão”.
editarvocês
Que mais uma vez sobre
produzam maisesse agravocomo
matérias o que eGrande,
esclarecer
PB dúvidas. Obrigado pela sugestão.
essa, que com certeza agradou muitos

EXPEDIENTE
EXPEDIENTE RADIS ADVERTE
é uma publicação impressa e online da Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara www.ensp.fiocruz.br/radis
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[4] RADIS181
RADIS 181••OUT
OUT/2017
/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [5]
Favor às Santas Casas e Filantrópicas Avança PL que altera rotulagem dos transgênicos
E m um contexto de ajuste
fiscal na área da saúde e de
de Sestelo, trata-se de uma
medida que favorece os cre- M ais um retrocesso em curso no Senado.
Dessa vez, o projeto de lei que torna a

REPRODUÇÃO
ciência e tecnologia, o gover- dores das Santas Casas, sejam identificação de produtos transgênicos mais
no deu sinal verde na liberação instituições financeiras ou for- flexível foi aprovado (19/9) na Comissão de
de recursos para santas casas necedores, o que mostra “uma Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e segue
e hospitais filantrópicos. O linha de prioridade política do agora para mais duas comissões. A proposta
presidente da República em atual governo”. prevê a retirada do símbolo internacional das
exercício, Rodrigo Maia, san- A dívida das Santas Casas embalagens de produtos que apresentam
cionou a lei 13.479 que cria o é estimada em R$ 21 bilhões, organismos geneticamente modificados e
Programa de Financiamento segundo informou a Folha de provocou críticas como a da senadora Regina

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: IDEC


Específico para Santas Casas e S.Paulo (5/9). Ainda segundo Sousa (PT-PI), que em agosto havia apresen-
Hospitais Sem Fins Lucrativos o jornal, o Brasil possui 1.708 tado um voto em separado defendendo a
(Pró-Santas Casas) que aten- hospitais filantrópicos e Santas rejeição da iniciativa.
dem o SUS (5/9) — o projeto, Casas que prestam serviço De acordo com a proposta, se a con-
de autoria do senador José ao SUS. Porém, na mesma centração de organismos modificados gene-
Serra (PSDB-SP), já havia sido entrevista, Sestelo alerta para ticamente for inferior a 1% da composição
aprovado pela Câmara em a presença de interesses priva- total de mercadoria como óleo de soja, fubá
agosto e seguiu para sanção dos nessas instituições ditas fi- e derivados, os produtores não serão obri-
presidencial. Na prática, as lantrópicas. “Quando você fala gados a trazer a informação em seu rótulo,
instituições filantrópicas terão de forma indistinta em ‘Santas como noticiou o jornal O Globo (20/9). Do
acesso a um caixa de R$ 10 Casas’, está colocando no contrário, caso a concentração seja superior
bilhões liberados pelos bancos mesmo saco instituições muito a 1%, os fabricantes devem trazer a identifi-
públicos (BNDES, Caixa e Banco do Brasil) subsidiada, considerou o pesquisador José diferentes. Uma pequena Santa Casa de cação no rótulo, mas sem a necessidade da
até 2022 — R$ 2 bilhões a cada ano. Sestelo, da Universidade Federal da Bahia uma cidade do interior, que atende somen- letra “T” inserida em triângulo amarelo como ocorre atualmente. Ainda em agosto, a imprensa havia divulgado especulações
Segundo noticiou a Agência Brasil (UFBA), em entrevista à jornalista Maíra te o SUS, e depende do orçamento público O projeto, de autoria do deputado Luiz Carlos Heinze (PP- de que o presidente Michel Temer poderia assinar um decreto,
(5/9), as filantrópicas da saúde poderão Mathias, no site da Escola Politécnica de para sobreviver, é colocada no mesmo RS), causou alvoroço desde que passou pela Câmara, quando foi preparado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
tomar crédito independentemente da Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). pacote de hospitais como Sírio e Einstein, aprovado em 2016. No Senado, o PL não estava na pauta da CRA (Mapa) para retirar a obrigação de uso do símbolo “T” no rótulo dos
existência de saldos devedores ou de “Isso vai gerar um aumento da dívida que são beneficiados por mecanismos de mas foi incluído a pedido do relator da proposta, senador Cidinho alimentos e rações animais. À época (25/8), em carta enviada ao
inadimplência em outras operações das Santas Casas. É uma situação que isenção fiscal, tributária, previdenciária”, Santos (PR-MT). No parecer, ele disse que a identificação do produ- Palácio do Planalto, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
financeiras. Em contrapartida, essas ins- se repete periodicamente. Em 2013 já explica. Para o pesquisador, essas grandes to da maneira que é feita hoje atrapalha as vendas dos alimentos (Idec) se manifestou contra, afirmando que a medida privilegia a
tituições deverão apresentar um plano teve um plano semelhante e agora mais instituições filantrópicas utilizam uma pe- brasileiros no exterior. À Rádio Senado (20/9), Cidinho declarou indústria e que representa um “grave retrocesso” e uma “afronta
de gestão para ser implementado em até uma vez”, afirmou. Para ele, não estão quena parcela de seus leitos para o SUS e que a especificação deve estar no rótulo, “sem a necessidade da aos direitos dos consumidores”. Desde 2008, o Instituto mantém
dois anos. A medida do governo é uma resolvendo o problema, mas manejando aproveitam essas vantagens para vender caracterização de um T bem grande como símbolo de uma caveira uma campanha contra o fim da rotulagem de transgênicos (https://
“rolagem da dívida”, com taxa de juros a dívida “com malabarismos”. Na visão serviços com planos de saúde próprios. para desmerecer o produto brasileiro”. goo.gl/yeu8rL). A ação já coletou 94 mil assinaturas.

Propina na lei do capital estrangeiro


Vigilância na Cidade do Rock
A entrada de capital estrangeiro no
setor da saúde pode estar ligada
a um esquema de corrupção e pro-
à época, o deputado Manoel Junior
(PMDB-PB), recebeu doações no valor de
mais de R$ 105 mil do Bradesco Saúde na A s 294 inspeções realizadas pela
Vigilância Sanitária nos três primeiros
aplicadas “por alimentos conservados em
temperaturas inadequadas, sem rótulos,
entraram de forma ilegal no município
pois estavam sem o registro do Serviço de
pina. O deputado cassado Eduardo eleição de 2014, segundo levantamento dias do festival Rock in Rio revelaram a falta de asseio, falta de sistema de água Inspeção Federal (SIF). “E como que esses
Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba, dos pesquisadores Mario Scheffer, da tensão existente entre o processamento quente corrente nas cozinhas, falta de alimentos vieram parar aqui? Como eles
teria recebido dinheiro da empresa de Universidade de São Paulo (USP), e Ligia artesanal e os produtos industrializados. certificado de capacitação, exaustão ine- passaram pelas barreiras?”, perguntou
planos de saúde Amil e da Rede D’Or, Bahia, da Universidade Federal do Rio de Em sua edição de agosto, a revista Visa em ficiente, falta de lavatório para as mãos, Aline Gomes, coordenadora de alimentos
administradora de hospitais privados Janeiro (UFRJ). Debate, editada pelo Instituto Nacional de falta de equipamentos de proteção indivi- da Visa, em matéria divulgada pelo G1
no Rio de Janeiro, para aprovar a Sancionada em janeiro de 2015, a Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/ dual de trabalhadores e falta de asseio em (18/9). Além da qualidade dos alimentos,
Medida Provisória que autorizou a lei 13.097 alterou a chamada lei orgâni- Fiocruz), trouxe artigo (https://goo.gl/ banheiro da força de trabalho do evento”. o G1 mostrou a amplitude do trabalho
presença de capital estrangeiro em ca do SUS (lei 8.080, de 1990) e permitiu Br1EXK) da pesquisadora Rosângela Pezza Na abertura do festival (15/9), a Visa fez da Visa ao informar (19/9) que os fiscais
todo o setor da saúde. A informação que empresas de outras nacionalidades Cintrão, da Universidade Federal Rural do uma apreensão em espaços comandados também verificaram condições higiênicas
foi dada durante a delação do doleiro possam atuar em serviços de saúde, Rio de Janeiro, no qual a autora reflete so- pelos chefes Roberta Sudbrack e Jayme de estabelecimentos, postos médicos,
Lúcio Funaro, operador de propina como hospitais e clínicas, o que até en- bre a valorização dos produtos artesanais Barreto Drummond. Nas redes sociais, ambulâncias, salões de beleza, ambientes
do PMDB, como informaram os sites tão não era permitido pela Constituição e da agricultura familiar em contraponto Roberta questionou a blitz da Vigilância, de uso comum e água dos bebedouros e
dos jornais O Globo (13/9) e Correio Federal de 1988, como Radis publicou com a Política Nacional de Segurança desqualificando o importante papel que o também checaram condições de trabalho
Brasiliense (17/9) e a coluna da jor- na edição 151. “O pagamento de pro- Alimentar e Nutricional presente na RDC órgão tem cumprido em defesa da saúde dos funcionários e destinação do lixo pro-
nalista Cláudia Colucci na Folha de pina, a compra de votos e a influência nº 49/2013, da Agência Nacional de da população. “Não houve ‘bom senso ou duzido no local. Em um protesto (20/9) à
CEBES

S.Paulo (19/9). corrupta sobre o Congresso Nacional Vigilância Sanitária (Anvisa). A vistoria da razoabilidade’ na fiscalização”, escreveu ação da Vigilância, o presidente interino
Em nota, a Associação Brasileira atentam contra princípios previstos na Vigilância inutilizou 610 kg de alimentos Roberta em um post no Instagram, afir- da Câmara, Fabio Ramalho (PMDB-MG),
de Saúde Coletiva (Abrasco) decla- Constituição Federal e transformam o considerados impróprios para consumo, mando que iria recorrer à justiça ao apontar promoveu uma degustação de queijos
rou que vai pedir a nulidade da lei que mudança constitucional em tema de Processo Legislativo em um instrumento entre eles, sanduíches, queijos, linguiças, para temas como fome e a insegurança ali- mineiros em seu gabinete para políticos
autoriza capital estrangeiro na saúde. grande relevância social. Como também de negócios particulares ilícitos, afrontan- embutidos, cogumelos, churros, carne de mentar diante da inutilização de 160 kg de e pediu celeridade aos projetos em trami-
De acordo com a Abrasco, não foram informou a jornalista Conceição Lemes no do o interesse público e a democracia”, sol, especiarias e hambúrgueres. De acordo alimentos que seriam comercializados. Em tação para regulamentar a inspeção dos
cumpridos os ritos básicos para uma site Viomundo (20/9), o autor da proposta afirmou a nota da Abrasco. com o site do Estadão (18/9), multas foram nota, a Vigilância alegou que os produtos produtos de pequenos produtores.

[6] RADIS 181 • OUT /2017 RADIS 181 • OUT /2017 [7]
TOQUES

Violência e intolerância contra terreiros Dor invisível


A cena revela ódio e intole-
rância: em um vídeo, um
homem identificado como sa-
Fluminense (UFF), Cristina Vital,
apontou que, desde os anos
1990, com o crescimento do
D epois que uma crise de fibromialgia fez com que
a cantora americana Lady Gaga cancelasse sua
apresentação no Rock in Rio, em setembro, sites e
cerdote de uma religião de segmento evangélico neopen- jornais publicaram matérias sobre a doença, que
matriz africana é obrigado a tecostal, houve uma mudança não tem cura e atinge entre 2% a 4% da população
destruir fios de contas e outros no campo religioso brasileiro, mundial. “O sofrimento chega a ser tanto que, ao
objetos sagrados, sob a ameaça “porque esse grupo tem um mínimo toque, o paciente agoniza, podendo ficar

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL


de outro homem autodenomi- modo de atuação no espaço debilitado, além de poder desenvolver depressão,
nado traficante; em outra grava- público que rivaliza por presen- insônia e fadiga”, destacou o site IG (19/9). A
ção, uma idosa é filmada sendo ça”. Autora do livro “Oração matéria informava ainda que o número pode ser
também forçada a destruir seus de traficante” (publicado em maior, já que o diagnóstico é complicado e há
próprios objetos de culto, sob 2015 pela Editora Garamond), subnotificação. O episódio mostrou como a visi-
insultos e ameaças. Os dois Cristina analisou em sua pes- bilidade de uma doença na mídia pode mobilizar a
vídeos circularam nas redes quisa as relações entre violência sociedade: “Apesar de poder assustar e comover, é
sociais em meados de setembro e religião nos territórios pobres importante que se fale sobre o assunto”, destacou
e se somam a um cenário de do Rio de Janeiro. o reumatologista Georges Basile Christopoulos,
agravamento nos casos de intolerância contra as religiões afro- Em mensagem publicada em sua página do facebook presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia
-brasileiras, principalmente a umbanda e o candomblé: em dois (13/9), a Casa de Oxumaré — um dos mais tradicionais (SBR), declarando esperar que o debate aumentasse
meses, foram sete terreiros depredados em Nova Iguaçu, muni- terreiros de candomblé da Bahia — afirmou que “nossos as chances de o governo liberar mais drogas para
cípio da Baixada Fluminense, como noticiou o jornal O Dia (7/9). corações, assim como de milhares de integrantes e adeptos o alívio da dor no SUS.
No último caso registrado na cidade, no início de setem- das religiões de matriz africana, estão em prantos nos últimos
bro, o terreiro de candomblé Ilê Asé Togun Jobi foi totalmente meses com os periódicos ataques aos terreiros de umbanda
destruído. A Polícia Civil investiga a ligação entre os crimes e e candomblé no estado do Rio de Janeiro”. Segundo o tex-
a ação de traficantes vinculados a denominações evangélicas to, a origem dos ataques é consequência da disseminação Fatos e versões
neopentecostais. De acordo com Ivanir do Santos, da Comissão do ódio religioso por “falsos profetas criminosos”. Já para

REPRODUÇÃO FACEBOOK
de Combate à Intolerância Religiosa, o clima é de medo entre os o babalaô Márcio de Jagun, é preciso se solidarizar com as ma notícia pode ser dada sob variados ângulos,
adeptos das religiões afro-brasileiras e seus líderes não podem vítimas e cobrar providências urgentes das autoridades, sem dependendo da abordagem que se queira des-
ficar calados diante do crescimento da intolerância religiosa, como disseminar o terror e o medo. “Estou vendo religiosos de ma- tacar. Exemplo recente foi a matéria publicada pelo
informou O Dia em outra matéria (8/9). Na mesma reportagem, trizes africanas apregoando ‘revanches’ e neopentecostais se Estado de S. Paulo (11/9): “Número de socorridos
a socióloga Carolina Rocha, autora do livro “O sabá do sertão: sentindo estimulados a ‘mais ataques’. Aonde vamos chegar? por acidentes de trânsito em SP aumenta 18,9%”,
feiticeiras, demônios e jesuítas no Piauí colonial”, explica que Que tipo de sociedade queremos?”, declarou em sua página informou a manchete da editoria São Paulo. Apesar
casos como esses são antigos; ela cita o exemplo de seguidores no facebook. Como sinal da luta por respeito a todas as reli- do destaque dado no título, no subtítulo e na foto
da umbanda e do candomblé no Morro do Dendê, na Ilha do giões, representantes de diversas denominações se reuniram que ilustra a matéria — um grupo de socorristas
Governador (RJ), que foram proibidos por chefes do tráfico de na praia de Copacabana, na 10ª edição da Caminhada em Rede que resiste trabalhando em uma ocorrência — o texto fala, na
usar branco, cor sagrada para essas religiões. Defesa da Liberdade Religiosa (17/9). A maior parte vestida verdade, sobre o aumento no número de acidentes
A intolerância religiosa foi tema da Radis na edição 152: na
reportagem de maio de 2015, a professora da Universidade Federal
de branco, a manifestação reuniu cerca de 50 mil pessoas,
segundo os organizadores. D iante da falta de pagamento de salários e do corte de ener-
gia elétrica, profissionais e usuários do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD) Paulo da Portela ocu-
na capital paulista. Ao positivar o relato, os editores
do jornal disfarçam a má notícia e ainda relativizam
a responsabilidade pelo número de feridos, ques-
param a unidade, em Madureira, no Rio de Janeiro, e seguiram tionando os números divulgados.
Saúde mental de jovens preocupa universidades trabalhando — à luz de velas. “Nossa energia reside em nosso
comprometimento com nosso mandato, nossa força de trabalho,

O s casos de alunos com ansiedade e


depressão estão cada vez mais fre-
quentes, o que tem levado as instituições
de que falhamos no processo”, diz a vice-
reitora Sandra Almeida.
Um mapeamento feito pela UFABC
(UFBA), que criou esse ano um programa
para ajudar alunos, principalmente os de
baixa renda. “Os cotistas sofreram rejei-
nossa capacidade de atuar em rede e nossa criatividade, tão soli-
citada neste difícil dia a dia que é o de nossa prática”, afirmaram
os funcionários em post nas redes sociais. No início de setem-
Lei Cavalo de Troia
públicas a criar núcleos de prevenção e
atendimento psicológico. Os estudantes
também têm organizado grupos de apoio
mostrou que 11% de seus alunos que
trancaram a matrícula em 2016 o fizeram
por problemas psicológicos. O psicólogo
ção, até mesmo de alguns professores”,
diz o psicanalista e assessor da UFBA
Marcelo Veras.
bro, a equipe estava sem receber os salários de julho e agosto.
Segundo a prefeitura, a responsabilidade do pagamento era de
uma organização gestora. A luz foi cortada em 1º de setembro
U m debate sobre extensão da licença-maternidade
em caso de nascimento de bebês prematuros na
Câmara embutiu uma expressão que pode interferir
nas redes sociais para compartilhar relatos André Luís Masieiro, do Departamento Alunos também têm se reunido em e religada no dia 5. no direito à interrupção da gravidez, nos casos hoje
e oferecer ajuda. Conforme reportagem de Atenção à Saúde da UFSCar, afirma grupos para auxiliar colegas e sensibilizar legalmente permitidos. A versão inicial da Proposta
publicada no jornal O Estado de S. Paulo na reportagem que a busca por auxílio as instituições. A principal iniciativa do de Emenda Constitucional 181/15, que tramita no
(16/9), com dados obtidos, por meio psicológico está frequentemente ligada à tipo foi a Frente Universitária de Saúde Congresso, sugere acrescentar o tempo de internação
da Lei de Acesso à Informação, apenas exigência constante que se faz dos jovens. Mental, criada em abril por alunos de ins- Direitos são humanos do bebê prematuro à licença-maternidade. Até aí,
na Universidade Federal de São Carlos “Sem dúvidas há um aumento do fenô- tituições públicas e privadas de São Paulo. atende a uma reivindicação antiga de diferentes se-
(UFSCar), no interior de São Paulo, foram
22 tentativas de suicídio nos últimos cin-
co anos. Nas universidades federais de
meno da depressão em universitários. A
ameaça do desemprego e do fracasso
profissional são fatores desencadeantes
O movimento surgiu após tentativas de
suicídio na Medicina da USP. “Eram muitos
alunos com esgotamento, sem acompa-
“D ireitos humanos são direitos de bandidos. Temos lido muito isso atual-
mente, sobretudo nas redes sociais. E toda vez que uma pessoa se diz
defensora dos direitos humanos, sempre aparece alguém para dizer que ela é
tores. O problema é que a proposta inclui o polêmico
conceito de “proteção da vida desde a concepção”.
O parecer do relator, discutido em Comissão Especial
São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC), de depressão.” nhamento adequado, e percebemos que defensora de bandidos. Em geral, as pessoas que defendem direitos humanos na Câmara (20/9) incluiria, no texto do Artigo 1º
cinco estudantes concretizaram o ato A UFSCar distribuiu cartilha de prá- isso não era particularidade da Medicina”, no país estão preocupadas ou ocupadas em defender os direitos daqueles da Constituição, que dispõe sobre o princípio de
no mesmo período. Na Federal de Minas ticas de acolhimento em saúde mental conta a aluna do curso Karen Maria Terra, que sequer são considerados humanos ou que tenham a sua humanidade dignidade da pessoa humana, a expressão “desde
Gerais (UFMG), foram criados neste ano para docentes e funcionários que rece- de 23 anos, integrante da Frente. Eles reconhecida. E eu sou uma dessas pessoas”. Do deputado federal Jean Wyllys, a concepção”. No artigo 5º também seria incluído
dois núcleos de saúde mental, após dois bem alunos em situação de sofrimento organizaram, em junho, uma semana de quando proferiu a aula magna do curso “TRANSformação”, ministrado no o conceito no texto que trata da inviolabilidade do
suicídios entre alunos. Até então, só a psicológico. Entre as ações de prevenção palestras para abordar questões sobre Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), no Rio de Janeiro. O curso direito à vida. O texto foi chamado de “Cavalo de
escola de Medicina tinha atendimento e atendimento listadas pela reportagem, a saúde mental. A página do grupo no visa aprimorar a formação da população trans em temas relativos à saúde, Troia” nas redes sociais. Nova reunião sobre o tema
do tipo. “Se um fato já aconteceu, é sinal estão também a da Federal da Bahia Facebook tem 27 mil seguidores.  educação, movimentos sociais, direito e cidadania. está marcada para outubro.

[8] RADIS 181 • OUT/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [9]


MEIO AMBIENTE
FÁBIO NASCIMENTO / GREENPEACE

EDUARDO HOLLANDA
Foto aérea do Greenpeace mostra
a Reseva de Cobre e Associados
(Renca), já atingida por garimpos
ilegais. Ao lado, a localização no
mapa e a participação de Sonia
Guajajara no show de Alicia Keys,
no Rock in Rio

WWF BRASIL
AMAZÔNIA RESISTE
— ATE´ QUANDO?
Ameaça de extinção de reserva mineral mobiliza ativistas “O meio maior unidade de conservação de flo- Ignorando a polêmica no Brasil,
resta tropical do mundo”. M i c h e l Te m e r a n u n c i o u n a 7 2 ª
em favor das unidades de conservação ambiente vive Segundo a organização, outras Assembleia Geral da Organização das

Q
medidas capazes de enfraquecer áreas Nações Unidas, em 19 de setembro em
uando, diante de um público de mais de 80 mil pes- dia seguinte, diante das intensas críticas, o Ministério de Minas seu maior de proteção ambiental da Amazônia Nova York, queda de 20% no desma-
soas, a cantora norte-americana Alicia Keys convidou e Energia determinou a suspensão temporária do decreto também ganham força no atual governo, tamento na Amazônia, sem apresentar
ao palco principal do Rock in Rio a líder indígena Sônia assinado por Temer. Em 12 de setembro, lideranças indígenas pesadelo. como legalização da grilagem, impedi- dados oficiais. A informação foi reti-
Guajajara, em 18 de setembro, estava criando um dos e ambientalistas entregaram ao presidente da Câmara dos mento de novas demarcações de Terras rada de um levantamento do Instituto
momentos mais lembrados do festival. “Existe uma guerra con- Deputados, Rodrigo Maia, e ao presidente do Senado, Eunício Não é apenas Indígenas, promoção do uso e registro do Homem e do Meio Ambiente da
tra a Amazônia. Os povos indígenas e o meio ambiente estão
sendo brutalmente atacados. O governo quer colocar à venda
Oliveira, mais de 1,5 milhão de assinaturas coletadas até então
nas plataformas 342 Amazônia, Greenpeace e Avaaz, exigindo
uma Medida de novos agrotóxicos e fim da rotulagem
de alimentos transgênicos. Um destaque
Amazônia (Imazon), mas pesquisadores
do instituto classificaram a fala de Temer
uma gigantesca área de reserva mineral”, disse Guajajara para
uma multidão que, de volta, gritou “Fora Temer”.
a proteção da floresta e do meio ambiente. A pressão fez com
que Temer anunciasse a revogação total do decreto, no dia 27.
Provisória ou é o Projeto de Lei (PL) 3729/2004, que
recomenda a dispensa de licenciamento
de “imprecisa” e “inadequada”.
E m m a n i f e s t o, o m o v i m e n t o
Sônia estava se referindo ao decreto nº 9.142, assinado Corriam risco ainda nove outras áreas que estavam pro- um decreto. ambiental para atividades agrope- #Resista, que reúne mais de 150 orga-
pelo presidente Michel Temer e publicado no Diário Oficial em tegidas pela Renca — sete unidades de conservação e duas cuárias, a criação do licenciamento nizações da sociedade civil, incluindo
23 de agosto, que extinguia a Reserva Nacional do Cobre e terras indígenas — e poderiam ser afetadas pela decisão. “O É um pacote autodeclaratório e a flexibilização das o Instituto Socioambiental (ISA) e o
Associados (Renca), uma área de quase 47 mil km quadrados decreto do governo não altera as áreas protegidas porque exigências ambientais. Greenpeace, fala em um processo de
de floresta amazônica entre o Pará e o Amapá. O texto libe- atividades de mineração são proibidas por lei em unidades de completo de “O meio ambiente vive seu maior “entrega de nosso país, de nossos recur-
rava essa região, maior que o território da Dinamarca, para a
exploração privada de minérios como ouro, manganês, cobre
conservação classificadas como de proteção integral, porém,
dentro do atual contexto político de flexibilização das leis, maldades” pesadelo. Não é apenas uma Medida
Provisória ou um decreto. É um pa-
sos naturais, de nossos biomas, a retira-
da de direitos das populações tradicio-
e ferro. O argumento do Ministério de Minas e Energia era o todo cuidado é pouco”, explicou nota do Greenpeace Brasil. “A cote completo de maldades”, avaliou nais e camponesas e de criminalização
de que a medida iria revitalizar a mineração brasileira. exemplo da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, é possível Marcio Astrini Marcio Astrini, coordenador de Políticas da luta social”. E afirma: “A nossa
Especialistas brasileiros e estrangeiros apontaram ime- que venham por aí mais propostas de mudança de categoria coordenador de Públicas do Greenpeace. “Um ataque diversidade (biológica e cultural) é nossa
diatamente os prejuízos do decreto, em especial o aumento de determinadas áreas, visando a diminuição da proteção ou Políticas Públicas orquestrado entre governo e Congresso maior riqueza e não deve servir como
do desmatamento. Em 30 de agosto, o juiz federal Rolando redução de unidades de conservação na região — colocando do Greenpeace usa nossas riquezas naturais como mo- moeda de troca em obscuras negociatas
Valcir Spanholo suspendeu o textp que extinguia a Renca. No em risco áreas como o Parque Nacional do Tumucumaque, eda barata de troca”. políticas no Congresso”. 

[10] RADIS 181 • OUT/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [11]


SAÚDE MENTAL

EU + 1 = MUITOS
“Aquilo era o horror do horror. É impronunciável a violência simplesmente se adaptar a uma nova realidade. “Por isso acho impor-
daquela barragem no meio do rio”, conta Maíra Brum Rieck, tante os movimentos de luta. É importante o movimento”, considera.
psicanalista que participou do projeto. No documentário, ima-
gens do trajeto, as árvores secas, as ilhas queimadas, a floresta
depauperada, revelam o cenário opressivo. QUE NOME TEM?

Para a psicanalista Ilana Katz, idealizadora do projeto ao lado


“RASTROS DE DESTRUIÇÃO” de Eliane Brum e do também psicanalista Christian Dunker, essa
DOCUMENTÁRIO NARRA JORNADA EM SAÚDE MENTAL VOLTADA PARA foi uma das experiências mais profundas que já vivenciou. Ela foi
O filme não tem como foco a fala dos próprios ribeirinhos — a Belo Monte motivada pela pergunta: “Que nome as pessoas dão
ATINGIDOS PELA CONSTRUÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE eles surgem com raras exceções, como quando Maria Francineide para o seu sofrimento lá?” Ouviu como resposta que, para os ribei-
Ferreira diz que a equipe de saúde mental a ajudou “a achar a rinhos, o sofrimento tem nome de “cansaço”, “engano”, “traição”,
brecha da porta para sair de um lugar que não existe”, numa “perder a casa”, “pescador sem rio”, “monstruosidade”, “buraco”,
Ana Cláudia Peres violenta expulsão do território e acabaram por perder referências significativa metáfora para a imensa tristeza que se abateu sobre “esquecimento”, “fim”. As pessoas queriam lhes contar como so-

H
afetivas, adoecer, definhar. Parte desse processo pode ser conferido aquela população. “Eu + 1” tem pouco mais de uma hora e meia breviveram, falar de suas dores e do que também era importante
á um sujeito e há um outro. E entre eles — entre nós — agora no documentário “Eu + 1: uma jornada de saúde mental na de duração e é pela voz da equipe de escutadores que o espectador para elas, sentir-se cuidadas. Para cada um dos profissionais, apesar
muito para ser feito. Primeiro houve seu João da Silva, Amazônia”, dirigido por Eliane Brum, disponível em plataforma também se torna testemunha do sofrimento dos atingidos. São do pouco tempo, era essencial o exercício da escuta.
pescador, e Eliane Brum, jornalista. Ele disse para ela: digital desde setembro (https://goo.gl/eagF8B). relatos fortes sobre “os rastros de destruição”, como afirmam ter A controversa obra de Belo Monte teve início em novembro
“Senhora, é doído. Você constrói tudo pra na hora da “Refugiados de Belo Monte” foi o nome escolhido para ouvido de muitos ribeirinhos. “A vida não tá cabendo em mim”, de 2015 como parte do Programa de Aceleração do Crescimento
velhice dizer: ‘Tô sossegado, tenho uma casa, minha família toda batizar todo o projeto porque seus idealizadores consideram que escutaram de um pescador. E de outro: “A dor maior é a desim- (PAC) e foi anunciada pelo Governo Federal como a terceira maior
estruturada’. Aí, você abre a mão assim e, xiuuuuu, é igual a uma essas populações são refugiados dentro do próprio país, pessoas paciência que acontece aqui dentro e me faz entrar no medo”. usina em capacidade instalada de energia que levaria melhores
poça d´água no meio da areia”. Seu João contava sobre como expulsas do lar sem direito a decidir sobre seu destino. Os profis- Noemi Bandeira, psicóloga e doutoranda em saúde coletiva, condições sociais, econômicas e ambientais aos 10 municípios da
se sentiu quando soube que teria a casa incendiada na região sionais envolvidos foram selecionados por currículo e passaram sempre trabalhou com pessoas em situação de vulnerabilidade. região. Apesar do clamor dos ambientalistas e da comprovação
do Xingu para dar lugar à Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no ainda por entrevistas, além de um processo de formação com aulas Mas ela diz que ficou muito impactada diante da violência de Belo de que boa parte das medidas de proteção da região não esta-
Pará. Perdeu a voz, as pernas travaram, quis morrer em sacrifício semanais, cursos e oficinas. No ano passado, durante algumas Monte com os ribeirinhos que perderam o lar em meio a natureza e vam sendo cumpridas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
no mesmo fogo que o expulsou da ilha juntamente com outras viagens, parte do grupo esteve em Altamira, a cidade paraense hoje habitam as casas do Reassentamento Urbano Coletivo (RUC), e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu a licença
famílias. “Daqui pra frente eu só vejo escuridão na minha vista”, onde foram reassentados os ribeirinhos, para um reconhecimento nome dado aos conjuntos padronizados construídos para abrigar de operação à empresa Norte Energia S/A. Agora, no dia 13 de
lamentou, depois de recuperar a fala. do território. Em janeiro deste ano, a equipe completa com 18 as vítimas da remoção. Durante um dos atendimentos, ela ouviu de setembro, o Tribunal Regional Federal, em Brasília, ordenou a
Mas foi justamente o testemunho dele o embrião de um profissionais desembarcou no local para 15 dias de uma maratona uma senhora de 82 anos de idade: “Eu me criei andando”. Agora, suspensão da licença, paralisando as obras até que seja promo-
movimento de voluntários — psicólogos, psicanalistas, psiquiatras intensa no que foi intitulado de “Clínica de Cuidado” porque era essa senhora tem medo de sair, e a pequena casa onde vive, em vida a readequação dos projetos destinados ao reassentamento
e a própria jornalista — e muito mais gente em torno de uma exatamente de cuidado com o outro que o projeto tratava. Altamira, é protegida por grades em todas as portas e janelas. Outra urbano coletivo das pessoas que foram despejadas de suas
rede de escuta, tratamento e documentação da dor dos atingidos Juntos, atenderam 62 casos em 171 sessões; realizaram psicóloga envolvida, Vivian Karina da Silva, também encontrou relatos casas. A decisão atende ao pedido feito pelo Ministério Público
pela polêmica megaobra. Intitulado “Refugiados de Belo Monte”, 12 reuniões com movimentos sociais, rede pública de saúde de trauma intenso e casos como o da garotinha que, desabituada Federal em ação que teve início em 2015, quando começaram
o projeto foi financiado coletivamente pela internet e culminou mental, Ministério Público e Defensoria Pública; e organizaram ao trânsito, foi atropelada nas ruas do reassentamento e hoje tem as construções. Mas ainda cabe recurso.
com a “Clínica de Cuidado”, uma experiência de atenção ao quatro ações no território e cinco expedições pelo Xingu, inclusive marcas e cicatrizes em ambas as pernas. O documentário não entra em detalhes sobre toda a batalha
sofrimento psíquico daqueles que tiveram a vida marcada pela para conhecer a barragem, episódio que deixou a equipe muda. O documentário deixa ver ainda os desejos que motivaram esses jurídica que envolveu a obra. Mas não precisa. Os relatos falam
profissionais de saúde a participar do projeto, seus próprios medos por si e têm um tom político, de militância, uma contundente
diante do desafio e o impacto da experiência na vida de cada um. A defesa de políticas públicas voltadas para a atenção ao sofrimento

FOTO: ARQUIVO LILO CLARETO


psicóloga Cássia Pereira ainda se emociona ao falar de uma audiência psíquico dentro do Sistema Único de Saúde. “Se for só eu, nós não
pública que aconteceu em novembro do ano passado, quando ouviu vamos fazer nada. Se eu vou te convidar pra lutar contra alguma
índios e ribeirinhos cantando o hino em defesa de sua terra. “Eles coisa, sou eu e mais um, você e mais um, aí a história segue”,
ainda acreditam. Eu também tenho que acreditar”. Ao voltar para diz um refugiado de Belo Monte, Elio Alves da Silva, numa fala
casa em São Paulo, entre outras mudanças, passou a fazer parte do encorajadora que bem explica o título do documentário e, melhor
conselho do bairro onde mora. Também psicóloga, Flávia Ribeiro se ainda, o espírito da Clínica de Cuidado. Para Christian Dunker,
envolveu com o projeto “movida por um ímpeto” e por acreditar professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
na possibilidade da escuta clínica dentro de uma perspectiva de (USP), Belo Monte foi um “crime psicossocial”. “Isso é indignante.
exploração social. Retornou de Belo Monte afetada pelo que viu e É a ausência de qualquer consideração sobre saúde mental. Nosso
ouviu e ainda se preocupa com o fato de que as pessoas possam processo civilizatório não aprendeu nada”, protesta.
FOTO: LILO CLARETO / ARQUIVO CLÍNICA DE CUIDADO

RADIS 181 • OUT /2017 [13]


MEDTROP 2017

PESSOAS
NEGLIGENCIADAS,
ENFRENTAMENTO
DAS DOENÇAS
TROPICAIS EXIGE
COMPREENSÃO
POLÍTICAS GLOBAIS
DO AMBIENTE E
Adriano De Lavor o aumento da vulnerabilidade social e convocaram a sociedade
INCLUSÃO DOS

N
brasileira para a defesa dos direitos humanos, da proteção so-
o início do século 20, a cidade do Rio de Janeiro era conhe- cial, da educação pública, da ciência e tecnologia nacionais e
INDIVÍDUOS cida como “túmulo dos estrangeiros”, por conta da fama do fortalecimento do SUS, defenderam maior visibilidade para
insalubre que carregava. Navios estrangeiros evitavam as doenças negligenciadas e maior participação dos indivíduos
aportar na então capital da República, temendo a morte afetados por elas na definição de políticas públicas.
de seus tripulantes por febre amarela, peste bubônica, varíola,
malária e outras doenças. Nas ruas, a crescente urbanização e o
ascendente comércio não conseguiam esconder a disputa trava- VOZ E PROTAGONISMO
da entre pedestres, sujeira, ambulantes e insetos. Nas moradias,
a convivência com lixo, esgoto e água contaminada favorecia O protagonismo destas pessoas foi um dos diferenciais
sucessivas epidemias. O cenário de contrastes começou a mudar do Medtrop 2017. Reunidos no primeiro dia, representantes de
com a intervenção de Oswaldo Cruz, à frente da Direção Geral associações e entidades organizadas por pessoas que convivem
de Saúde Pública, que tinha a missão de erradicar as doenças que com leishmanioses, doença de Chagas, hanseníase, tuberculose,
periodicamente atingiam a população. filarioses, hepatites virais, HIV/aids, verminoses e outras tantas
Oswaldo foi um dos primeiros sanitaristas a investir em doenças infecciosas e negligenciadas manifestaram sua preocu-
ações que relacionavam as doenças aos fatores ambientais pação que, em pleno século 21, “ainda se percebam invisíveis
e às condições de vida da população. A reboque da ampla na atenção básica e especializada do SUS, precisando de mais
reforma urbana promovida pelo prefeito Pereira Passos, ele políticas concretas de busca ativa, acolhimento, diagnóstico,
articulou a aprovação de um novo código sanitário — que tratamento e reabilitação”, como registrado na Carta de Cuiabá,
incluía vacinação obrigatória e a remoção dos moradores de elaborada pelo Fórum Social Brasileiro para Enfrentamento de
cortiços — determinou a caça aos vetores, isolou doentes e Doenças Infecciosas e Negligenciadas — criado no Medtrop 2016
promoveu a distribuição de folhetos educativos. Apesar da (Radis 169) e lida na abertura do congresso.
resistência que sofreu por parte da população, da imprensa “Nossa principal reivindicação é por novos tratamentos, por
e até da comunidade médica, seu esforço na erradicação de pesquisa e inovação nos medicamentos”, disse a Radis Moacir
doenças como a febre amarela urbana, há mais de 100 anos, Antônio Zini, integrante do fórum. Há 26 anos convivendo com
ainda inspira a comunidade científica, especialmente quando leishmaniose e há 20 anos em tratamento, ele reclamou dos
se trata de atualizar o enfrentamento das chamadas doenças remédios distribuídos na rede pública, que segundo ele são
tropicais (ou negligenciadas). “São as relações de poder e as antigos e causam muitos efeitos colaterais, e informou que hoje
relações sociais que geram as doenças tropicais”, sentenciou o toma uma medicação mais “adequada”, fornecida pela iniciativa
pesquisador Marcus Lacerda, então presidente da Sociedade Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em
Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) durante a abertura da inglês de Drugs for Neglected Diseases initiative) (Radis 124).
53ª edição do Medtrop, na noite de 27 de agosto, em Cuiabá. Em tratamento no Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá,
Durante o evento, cuja programação foi estruturada a partir Moacir aproveitava a repercussão do fórum para articular, durante
do tema “Ambiente e doenças tropicais: desafios para campos e o evento, a criação de uma associação de pessoas que vivem
cidades”, os participantes alertaram para o risco que representa com as leishmanioses que, segundo ele, não existe ainda no país.
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FOTO: FERNANDO MARTIN
“Meu sonho é que todos possam ter as mesmas oportunidades INTERFACE COM O AMBIENTE
que eu tive”, ressaltou.
“Nós queremos que as políticas públicas de saúde sejam A relação entre doenças e ambiente, e a defesa da “saú-
realmente efetivadas”, complementou Gildo Bernardo, represen- de global” pautaram outras apresentações no Medtrop. Em
tante do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela sua conferência sobre a febre amarela, o pesquisador Pedro
Hanseníase (Morhan) no Recife. Para ele, os serviços de reabilita- Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro
ção são ineficientes e os profissionais não são capacitados para Chagas (IEC), no Pará, descreveu a chegada da doença ao país,
diagnosticar a doença. Ele contou à Radis que demorou quase 15 ainda no período do tráfico de escravos, e a sua distribuição
anos até receber um diagnóstico conclusivo sobre a dormência nas Américas; destacou como a derrubada de florestas para
que sentia. “Muitos médicos me diziam que eu não tinha nada. uso agropecuário, o tráfico de animais, as migrações e o avanço
Essa peregrinação existe até hoje”, alertou, relatando esperar da urbanização favorecem a disseminação do vírus e criticou
maior continuidade nas ações e sensibilidade dos gestores em a “subnotificação impressionante” da doença em todo o con-
relação às doenças negligenciadas. tinente americano.
Abrir espaço para voz dos pacientes no Medtrop é refle- Luiz Henrique Conde Sangenis, do laboratório de pesquisa
xo da inserção da 32ª Reunião Anual de Pesquisa Aplicada em clínica do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas
Doença de Chagas e da 20ª Reunião de Pesquisa Aplicada em (INI/Fiocruz), chamou atenção para a invisibilidade da doença
Leishmanioses (que juntas receberam o nome de ChagasLeish) no de Chagas — seja por desconhecimento ou subnotificação. “É
último congresso, em 2016, disse à Radis a pesquisadora Márcia silenciosa e silenciada, não aparece no jornal, e é desconhecida
Hueb, presidente do Medtrop 2017. Ela avaliou positivamente a até mesmo por profissionais de saúde”, definiu o pesquisador. Ele
estratégia, já que amplia o olhar da ciência para a avaliação das comentou sobre o desafio em acolher com empatia os pacientes
reais necessidades de quem vive com as doenças tropicais. Essa “que recebem o diagnóstico com medo e muitas dúvidas”, reco-
compreensão, segundo ela, dialoga com o tema do congresso, já mendando uma visão global por parte dos profissionais de saúde,
que o enfrentamento de qualquer uma delas deve envolver dife- próxima à abordagem preconizada pela Medicina de Família: “Se
rentes áreas da Saúde e enxergar o paciente em sua integralidade. não gosta de gente, não dá para trabalhar com isso. Tem que
“São estas pessoas que apontam para as dificuldades de acesso, haver respeito e saber ouvir o que eles têm a dizer”, colocou.
tanto ao atendimento quanto aos medicamentos”, complementou Para Luiz Henrique, isso inclui compreender seus contextos, como
Hiro Goto, coordenadora geral da ChagasLeish (veja entrevista escolaridade e renda, dificuldades com o tratamento, relações e
na página 17). apoio familiar, entre outros.
A articulação entre as diferentes áreas do conhecimento, e
da pesquisa com a clínica também mereceu atenção de pesquisa-
SAÚDE GLOBAL dores. Em sua conferência sobre a transmissão congênita do Zika
vírus, Celina Turchi, do Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães
Márcia explicou que os “tropicalistas” estão aprendendo a (IAM/Fiocruz Pernambuco) reforçou a necessidade do trabalho

ACESSO AO TRATAMENTO AINDA É PROBLEMA


superar os limites de especialidade (da infectologia) e investindo em conjunto na área de pesquisa, ao relatar como se organizou
em uma abordagem mais ampla, global, de modo a interferir na a mobilização em torno da epidemia, em 2015.
condução dos programas públicos de saúde. “A medicina tropical
cria uma interface muito grande com agenda prioritária da saúde”,
sinalizou, ressaltando a face democrática dessa abordagem, já PAPEL DA COMUNICAÇÃO
que além de dialogar com os pacientes, inclui demais profissio-
nais de saúde nas ações e estabelece uma relação direta entre Duas perguntas E na leishmaniose? A interface entre os determinantes sociais, as doenças e
pesquisa e prática. “Esta é uma sociedade que deve pertencer São vários desafios: há o problema em mon- a comunicação também foi tema de discussão. “Nosso desafio
a muitos, e não somente aos infectologistas. Existem muitos para Hiro Goto, tar esquemas de controle de transmissão das é fazer que aquilo que é importante não fique longe da mídia”,
outros fatores e agentes que devem ser considerados, para além novas espécies, que estão aparecendo com opinou Márcia, sugerindo que é preciso criar interesse, nos meios
da ciência”, resumiu. coordenadora a adaptação do vetor (o flebotomíneo) aos de comunicação, por assuntos que não necessariamente desper-
A proposta é inovadora, mas tem raízes. Um dos home- meios urbanos e às mudanças climáticas. Nós tam grandes audiências. “É preciso pensar e discutir, antes que
nageados do Medtrop em 2017, o professor João Carlos Pinto geral da Reunião também precisamos avaliar a decisão de tratar os problemas aconteçam”, recomendou, referindo-se à cobertura
Dias, pesquisador emérito do Instituto René Rachou (IRR/Fiocruz cães infectados com a leishmaniose visceral. Até de grandes epidemias.
Minas), foi um dos primeiros a propor um método de controle da ChagasLeish 2017 a pouco tempo, os animais eram sacrificados, Assessora de comunicação do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/
doença de Chagas com a participação da comunidade, ainda nos mas agora está autorizado o tratamento. Só que Fiocruz), Raquel Aguiar chamou atenção para o fato de a grande
anos 1970, como destacou Lileia Diotaiuti, parceira de trabalho mesmo tratados, os cães continuam transmitin- mídia abordar o tema sob o viés das causalidades biomédicas,
de João no grupo de trabalho sobre triatomíneos, no IRR. Em Quais os desafios em relação à doença do a doença. Em relação ao atendimento, havia invisibilizando as causas sociais e a voz das pessoas acometidas.
mais de 50 anos dedicados à pesquisa, ele implementou uma de Chagas? o Teste de Montenegro, cujo reagente não está Ela observou ainda que há uma redução do negligenciamento
metodologia inovadora, quando envolveu professores e alunos O grande problema é o acesso ao aten- mais sendo produzido. Há pessoas que estão ao aspecto de desinteresse comercial da indústria pelas doenças
de escolas rurais da cidade de Bambuí (MG) no combate ao vetor. dimento. Atualmente, a transmissão do sendo tratadas de leishmaniose visceral sem o tropicais, promovendo, por outro lado, a invisibilidade das con-
“A doença de Chagas era o elo entre uma sociedade injusta e a parasito está praticamente controlada, mas diagnóstico fechado. Isso é um problema, já dições sociais que são causadoras destas doenças.
vida das pessoas”, ressaltou Lileia. existem milhões de pessoas infectadas, que os medicamentos são muito tóxicos, com Sua análise recebeu o reforço de Inesita Araújo, pesqui-
O pesquisador dedicou a homenagem aos “parceiros de que estão desenvolvendo a fase crônica da efeitos colaterais graves. Em relação à forma sadora do Laboratório de Comunicação e Saúde do Instituto
histórias e sentimentos” e aqueles para os quais trabalhou: “Nós doença ou irão desenvolver no futuro — são tegumentar, há um teste rápido que facilitou de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em
somos alimentados pelo sofrimento alheio”, observou, resumin- as doenças gástricas e cardíacas, cujo trata- muito. Apesar disso, a letalidade das pessoas Saúde (Icict/Fiocruz), que avaliou haver um negligenciamento
do em quatro lições o aprendizado de décadas de pesquisa: “É mento é complexo e requer uma estrutura por conta da doença ainda é muito alta, em tor- da própria comunicação no campo da saúde. “É uma visão
preciso saber escutar; tudo está em movimento e cada momento de atendimento do sistema de saúde. Esse no de 7%, mas em alguns locais chega a 15%. A instrumental da comunicação que impede de enxergá-la como
tem seus desafios; tudo está ligado — se tem gente morrendo, não é um problema só do Brasil, mas de pesquisa ainda precisa abrir várias frentes para produtora de relações sociais e de poder”, avaliou a pesquisa-
algo está acontecendo; a terra não me pertence, sou eu que toda a América Latina. encontrar respostas. dora, defendendo que a comunicação seja encarada como um
pertenço ao ambiente e as suas circunstâncias”. determinante da própria saúde

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CAPA | CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE DAS MULHERES

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LUTA POR DIREITOS

A presença do ministro Ricardo Barros, palestrante não


esperado pelas delegadas, incendiou ainda mais o auditório.
As falas anteriores ao seu discurso haviam defendido políti-
cas de saúde direcionadas para mulheres — reivindicações
já colocadas desde a primeira conferência, em 1986. Barros
foi recebido com bolinhas de papel, gritos e vaias, que se
repetiam a cada momento em que seu nome era citado na
solenidade. Em sua fala, abafada por gritos de repúdio ao
atual governo e ao desmonte do SUS, o ministro apresentou
dados técnicos na área da saúde da mulher, ignorando as
críticas da plateia. Impassível, concluiu sua exposição e deixou
o local sob vaias, com o auditório parcialmente esvaziado e
uma boa parte das delegadas posicionada de costas para a
mesa principal.
Em um quadro que considera “de retração de direitos e
de acesso à saúde”, Emília Fernandes, presidente do Fórum
de Mulheres do Mercosul e primeira ministra de Políticas para
Mulheres do Brasil, no governo Dilma Rousseff (2011-2016),
considerou “natural” a reação da plateia. “O sucateamento
atinge a qualidade de vida das mulheres. Elas precisam de-
nunciar, mobilizar, dialogar com as comunidades para que
as pessoas saibam o risco que no nosso país está correndo”,
afirmou à Radis. “Essas mulheres clamam por atenção e jus-
tiça. Estão no limite e expressaram sua indignação diante de
um discurso acadêmico, de imposição de dados e números,
sem nenhum tipo de contestação e com um gestor que de-
monstrou frieza e insensibilidade diante de uma plateia que
conhece o tema”. Emília defende que a luta por democracia e
Maria Alyce representou o futuro da participação social: "Quero trabalhar com a saúde da mulher!"
o fim da violência seja integrada à de mulheres do Mercosul.
“A violência não tem fronteiras”, sentenciou.
Já na solenidade de abertura, o clima demonstrava a
disposição das delegadas em defender suas causas. Entre

As mulheres defenderam propostas


importantes em relação à saúde sexual reprodutiva. “Nosso corpo
identidade de gênero e orientação sexual. A violência chega aos
serviços de saúde e este é um desafio que precisamos enfrentar”,
conclamou. Carmem observou que a cultura do machismo e a
as mulheres presentes, estavam a técnica de enfermagem
Maria Augusta da Cunha e sua amiga Diene Nunes, agente
comunitária de saúde que a reportagem havia encontrado,
nos pertence”, gritaram, enquanto aprovavam a descriminalização violência contra a mulher estão diretamente ligadas ao tema em agosto, na etapa estadual do Pará (ver matéria na pág.
do aborto, ainda na discussão dos grupos, sem precisar passar central da conferência — Saúde das mulheres: Desafios para a 26). Mesmo depois de 12 horas de trajeto na balsa entre o
pela plenária final, com 76% dos votos obtidos. Mas não sem integralidade com equidade —, que estaria sempre em desta- município de Breves e Belém, e mais 36 horas de viagem da
polêmica, uma vez que havia grupos que se opuseram de manei- que, durante o evento, a partir de relatos trazidos por mulheres capital paraense até Brasília, elas eram só alegria e disposição
ra veemente à proposta. A discussão acalorada deixou perplexa de todo o país. “Relações sociais refletem as relações desiguais para participar. “Para nós é uma honra”, afirmou Diene.
Rejane Vieira, uma das relatoras da conferência. “Há mais de 30 de gênero”, refletiu a coordenadora, chamando atenção para os Um pouco mais cedo, elas já haviam participado de uma
anos que lutamos para inserir o aborto na discussão de saúde números da violência contra a mulher no Brasil. Segundo ela, a marcha, na Esplanada dos Ministérios, que pedia mais atenção
pública. Você chega aqui e encontra delegadas se posicionando cada duas horas ocorre um feminicídio, e a cada cinco minutos às questões da saúde e da vida de todas as mulheres. “É um
contra a legalização. Esperava que a gente conseguisse quebrar 11 mulheres são estupradas no país. grito de alerta”, disse Elgiane Lago, secretária de saúde da
mais paradigmas”, afirmou a delegada, relembrando sua parti- Para ela, o sistema de saúde (mas não só ele) precisa co- Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), du-
cipação na primeira edição do evento. locar o dedo nessa ferida, e descobrir o que deixa as mulheres rante a caminhada. “Não estamos de brincadeira, vamos lutar
em um lugar de extrema vulnerabilidade. Neste momento de por uma vida digna e por plenos direitos”, avisou, enquanto
“retrocesso político, com redução do direito à voz”, ela con- as participantes, de mãos dadas, desenhavam o símbolo do
ENERGIA DE RESISTÊNCIA vocou as mulheres para que se mantivessem vigilantes. “Nós, SUS e bradavam contra a Emenda Constitucional 241 (que
mulheres, ainda precisamos lutar pelo direito de ter direitos. estabelece um corte nos investimentos em políticas sociais
“Não é à toa que democracia é substantivo feminino e trará Devemos ficar atentas contra os retrocessos. Mudanças só por 20 anos). A aprovação da nova legislação trabalhista, em
esperança para todos nós”, sinalizou o presidente do Conselho acontecem se o governo reconhecer as pessoas como sujeitos 12 de julho, e o ataque à democracia também apareceram
Nacional de Saúde (CNS) Ronald dos Santos, na abertura da con- de direitos e também a importância da participação popular no evento, já que, segundo as participantes, são temas que
ferência, ocorrida no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. como preceito constitucional do SUS” (ver entrevista na pág. impactarão na saúde das mulheres e de suas famílias.
Rodeado de mulheres à mesa e no palco, Ronald foi enfático 26). Carmen enalteceu o papel das 70 mil mulheres que, desde
na defesa incondicional do SUS, prevendo “tempos sombrios”, janeiro de 2016, participaram das etapas municipal e estadual
mas apostando no potencial de resistência que havia na agenda da conferência. “Foram essas mulheres guerreiras que atende- DIVERSIDADE E INCLUSÃO
de debates. “Esta será uma fonte de energia para iluminar os ram ao nosso chamado e se reuniram para denunciar e resistir
momentos obscuros que vivemos nos dias de hoje”, declarou. às propostas de retrocesso que grassam no nosso Congresso Nos dias seguintes, variados temas pautaram as discus-
Coordenadora da 2ª CNSMu, a enfermeira e sanitarista Nacional em relação à retirada dos nossos direitos tão dura- sões no centro de convenções de Brasília. A delegada Ligia
Carmen Lucia Luiz, da União Brasileira de Mulheres (UBM), mente conquistados”, valorizou, conclamando as participantes Candieri, integrante da ONG Rede Feminista, valorizou a di-
aproveitou o momento para cobrar a efetivação de antigas rei- para a luta. “Querem rasgar a nossa Constituição cidadã. Não versidade nos perfis das participantes e nos temas abordados
vindicações. “Precisamos reconhecer a existência do racismo ins- deixaremos. Resistiremos com garra e ternura”, assegurou, sob durante a conferência, ressaltando que as identidades não
titucional e da LGBTfobia. No Brasil, o feminicídio tem raça, cor, palmas da plateia. deveriam representar um entrave para a defesa conjunta de

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temas-chave, como o aborto inseguro, responsável de saúde” recomendou a ativista, reivindicando a
pela morte de muitas mulheres. A participação de necessidade de se tratar com igualdade a partir da
delegados homens foi outro ponto que gerou contro- diferença (igualdade no acesso ao serviço, sem perder
vérsia. Por determinação da comissão organizadora de vista as especificidades). “É fantástico quando o
nacional, foi permitida uma cota máxima de 40% serviço de saúde olha para um corpo como o nosso
de homens em cada delegação, desde as etapas e o relaciona com o território”, observou Elionice, que
municipais. O delegado João Alessandro do Monte também atua como conselheira nacional de saúde.
defendeu a presença masculina. “Os homens que Na mesma mesa, Conceição Silva, bióloga e
estão aqui são mais sensíveis à luta, que não é só de sanitarista, coordenadora nacional de saúde da União
gênero, mas uma luta social e cultural. Fazer saúde de Negros pela Igualdade, afirmou que, do ponto de
e prevenção da saúde vai além da saúde da mulher, vista do cuidado à saúde, as mulheres negras sofrem
da criança e da família. É ver o cidadão e a cidadã na processos permanentes de violência. “A violência
sua integralidade”, definiu. obstétrica fere profundamente a vida dessas mulheres.
Indicado pela Associação de Pais e Amigos dos E mais de 65% das mortes maternas no Brasil são de
Excepcionais de Dias D´Ávila, na Bahia, ele levou à mulheres negras, atendidas em sua maioria no sistema
conferência reivindicações pelo aumento de mulheres público”, revelou. Segundo Conceição, elas morrem
em cargo de gestão. “A política de saúde é focada por doenças evitáveis, como infecção puerperal,
no adoecimento da população e não nas ações de hemorragia, hipertensão arterial e eclâmpsia. Ela ob-
prevenção e promoção. Vim reforçar as propostas de servou que a mulher negra tem direito a tratamento
inserção de políticas para as mulheres e promoção diferenciado, já que não responde ao tratamento da
de saúde familiar. Noto que, embora a saúde seja mesma forma, mas avaliou que este direito não é res-
feita por homens e mulheres, precisamos que as peitado, por conta do racismo. “O racismo tem duas
mulheres ocupem espaços na gestão”, disse à Radis, faces que se completam: a negligência do sistema de
esclarecendo que havia sugerido, ainda na etapa saúde e a dificuldade de acesso que as mulheres têm
estadual, proposta que previa a ocupação de cargos devido a suas condições de vida. Moram na periferia,
de gerência de serviços específicos para mulheres não conseguem entrar na fila de atendimento, têm
exclusivamente por mulheres. dificuldades financeiras, estão em subemprego, são
Coordenadora da área de saúde mental da chefes de família”, enumerou. Para ela, que foi gestora
conferência, a pesquisadora Margareth Arilha, do de uma unidade básica no município de Olinda (PE),
Núcleo de Estudos Elza Berquó, da Universidade o racismo é constante no sistema de saúde. “É muito
Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, doloroso. Somos discriminadas todos os dias. É só sair
considerou válida a oportunidade de dialogar com o de casa”, sentenciou.
universo masculino. “Não vemos essa discussão. Essa As mulheres indígenas também apresentaram
aproximação é importante para reduzir a distância questões específicas, no que se refere à atenção
entre os homens e as mulheres”, avaliou. Margareth integral à saúde. Letícia Yawanawa, coordenadora-
falou em um painel sobre a redução de inequidades, -geral da Organização de Mulheres Indígenas do
quando apresentou dados que demonstraram que Acre, comentou que a tripla e exaustiva jornada que
o número de filhos decresce no país, mas não recua enfrentam acarreta inúmeros problemas. “A mulher
nas áreas mais pobres — e também entre as mulheres indígena é duplamente discriminada: por ser indígena
com menor escolaridade. “As pesquisas mostram e por ser mulher. Ela tem um trabalho incansável,
de maneira irrefutável, no Brasil e no mundo, que dia e noite, com filhos e com o roçado.  Temos que
o uso de contraceptivos está associado aos anos de ser valorizadas pelo tanto que fazemos”, reinvidicou.
estudo. Quanto maior a taxa de escolaridade, menor Ela relatou que, aos poucos, a mulher indígena vem
o número de filhos”, apontou. Para ela, a expectativa ocupando espaços antes exclusivos dos homens. “No
depositada nas políticas de educação sexual dentro meu meio, as mulheres não participavam de eventos
das escolas, nos anos 1980, não surtiu efeito, já que e discussões. Desde 1994, batalhamos por espaços e
diferentes matrizes religiosas se ocuparam da tarefa já temos mulheres que são líderes, pajés, médicas. Já
nas escolas públicas do Brasil. “A predominância ainda mudou um pouco. Para nós é um passo conquistado
é da Igreja Católica. Isso é ruim, porque continua a e queremos conquistar cada vez mais”, comemorou.
pregação em favor dos métodos naturais e não dos
métodos anticoncepcionais”, comentou.
PRESENTE E FUTURO

PAUTAS ESPECÍFICAS Buscar espaços para transformar a realidade foi


a bandeira levada pelas delegadas que representavam
Quando participava de uma mesa que discutiu as mulheres com deficiência. A palestrante Maria Luiza
a relação entre o trabalho e a saúde das mulheres ne- Câmara, presidente da Associação Baiana de Deficientes
gras, Elionice Sacramento, integrante do Movimento Físicos (Abadef-BA), de Salvador, criticou o corte de re-
das Pescadoras Artesanais e Marisqueiras da Bahia cursos para o SUS. “As pessoas com deficiência não têm
defendeu que, para além da sobrecarga diária, são direito a cadeira de rodas, cadeira de banho, remédios
as condições de trabalho, o modelo de desenvol- para diabetes. Estamos pressionando, mas o governo
vimento e a ameaça aos territórios que produzem tapeia, diz que não tem verba. Onde isso vai parar? Quem
efeitos diretos na saúde de 1,8 milhão de profissionais vai governar esse país com responsabilidade e amor?”,
da categoria registrados no país — em sua maioria questionou. Para ela, a situação requer uma tomada de
mulheres. “Há questões particulares das pescadoras posição. “Chega de mercantilizar o nosso país. Eu nunca
e marisqueiras que precisam ser olhadas pelo serviço vivi uma situação dessa. Nem na ditadura”, desabafou.

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"A gente vai fazer toda a diferença quando para melhor implementar a Política Nacional de
voltar aos nossos municípios e mudar, em 2018, Atenção Integral à Saúde das Mulheres, contem-
esse Congresso Nacional que não tem garantido os plando políticas específicas para a população
princípios do SUS”, prometeu Alessandra Lunas, da negra, LGBT, do campo, da floresta e das águas
coordenação nacional da Marcha das Margaridas. e da população em situação de rua. Além disso,
“Não ficamos paradas por 30 anos. Foi muita luta nos as delegadas propuseram 24 moções de apoio e
outros espaços. Nós, mais do que ninguém, sabemos repúdio. Entre elas, a de mulheres indígenas que
o que significa resistência”, assegurou a ativista que protestaram por não terem sido convidadas para
veio de Rondônia. Já a pequena Maria Alyce Borges falar nos eixos temáticos.
Sousa, de 11 anos, representou, durante o evento, o Nesse momento, seis experiências receberam
futuro desejado pelas participantes.  Delegada mais menção honrosa do Conselho Nacional de Saúde
jovem da conferência, a menina de Paço do Lumiar, da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS):
no Maranhão, foi bastante assediada pela imprensa o Ambulatório Trans, em Lagarto (SE), que acolhe
e mostrou que vislumbra um futuro de luta: “É muito a população transexual de forma humanizada com
importante estar aqui. Quero ser médica e trabalhar atendimento médico e psicossocial; o projeto Passo a
com saúde da mulher. Queria estar aqui para abrir Pássaro, em Teresina (PI), com atendimento e oficinas
meus horizontes”, disse a estudante. em saúde às mulheres privadas de liberdade da peni-
tenciária feminina de Teresina; o projeto Barriguda,
em Macaíba (RN), que realiza pré-natal na comuni-
MOMENTO HISTÓRICO dade quilombola de Capoeiras; o projeto Práticas de
Cuidado em Saúde com Trabalhadoras do Sexo, com
“A conferência foi muito vitoriosa e o grande acolhimento a esse segmento, em Fortaleza (CE); a
acerto foi ter sido das mulheres, no plural, contem- iniciativa TransformaDor, realizada pela Universidade
plando toda a interseccionalidade dos temas e as dife- Federal do Pará (UFPA), que atende mulheres grávidas,
rentes identidades dos públicos”, comemorou Ronald e o projeto Mulheres da AP 2.2, realizado em parceria
dos Santos, ao fim do evento. Na plenária final, foram com a Secretaria Municipal de Saúde e Universidade
apresentadas 320 propostas com recomendações do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

De quem é este bebê?


O movimento “De quem é este bebê?”, organi-
zado pelas trabalhadoras e gestoras da Saúde de Belo
Horizonte, chamou atenção para um tópico delicado
na roda de conversa que fazia parte da programação
paralela. A causa dessas profissionais tem sido de-
nunciar e combater a separação de muitas mulheres
dos seus filhos nas maternidades — as crianças são
levadas para abrigos — por serem moradoras de rua
ou usuárias de drogas, depois da aprovação de uma
portaria da Vara da Infância, de 2014. “Em torno de
350 a 500 bebês foram abrigados, e 60% deles foram
adotados. O interior de uma maternidade não é lugar
para definição de um projeto de vida e de futuro, e
sem oferecer nenhum tipo de respaldo para essa mãe
em situação de vulnerabilidade”, criticou a pediatra
Sônia Lansky, da secretaria de Saúde de Belo Horizonte.
“Hoje, um conselheiro de saúde de Belo
Horizonte está sofrendo um processo criminal contra
ele, com a alegação de que ‘atrapalha o trabalho da
promotoria´”, relatou Sônia. Profissionais de saúde e de
saúde mental de outros estados, que vivem situações
parecidas, tentando defender os direitos das partu-
rientes e de mães em situação de extrema vulnerabi-
lidade, quiseram trocar ideias com o grupo. “Coletar
os dados sobre usuárias de drogas e notificar tem sido
uma orientação também no Rio Grande do Sul, mas
isso pode se tornar um tiro no pé. Não concordamos
com o afastamento compulsório da mãe e nem com
a interrupção da amamentação, muitas vezes sem
indicação clínica, apenas por pobreza, sem dar uma
Sônia Lansky segunda chance a essas mulheres”, comentou uma
representante dos profissionais das participantes, que preferiu não se identificar. Saiba
Belo Horizonte (MG) mais em: https://dequemeestebebe.wordpress.com

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Muito chão pela frente Mulheres do Pará cobram acesso e atenção às questões de
gênero e saúde em regiões distantes dos grandes centros

T
rês dias de balsa. Este foi o tempo de viagem para que realizado depois que 110 dos 144 municípios passaram por Muitas das delegadas lembraram o quanto é importante a QUALIFICAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
Raissuellem Castor, de 26 anos, e Kelmira Ferreira dos etapas locais. “As condições de vida e trabalho das mulheres preparação e a capacitação sobre as questões de gênero, desde
Santos, de 24, alcançassem Belém e conseguissem ribeirinhas, as quebradoras de castanhas, os povos de terreiro, a atenção básica. Tripla jornada, respeito às parteiras tradicionais Além de representatividade, qualificação. Foi sobre isso
participar da etapa estadual da conferência. Elas re- tudo isso precisa ser olhado de maneira diferente”, ressaltou. e a implementação de notificação de atendimento de violência que Christiane Costa, do Conselho Nacional de Saúde, falou
presentavam as usuárias do município de Prainha, na região A conselheira lembrou que o Pará tem um dos menores va- doméstica e sexual apareceram também entre as pautas de durante a palestra magna do evento. “O Conselho tem que en-
do Baixo Amazonas, oeste do Estado do Pará. As viagens lores per capita para a saúde, de apenas R$ 3 reais por dia. discussão. “Os ACSs muitas vezes têm que conversar com os tender melhor de orçamento. Queremos que as representantes
foram longas para grande parte das cerca de 500 mulheres “Por outro lado, por conta das distâncias geográficas, temos maridos que não querem que as esposas façam o preventivo de gestão discutam onde está o dinheiro da saúde. Fazer valer
que estavam ali. “Muitos estão atrás de sonhos, nós estamos que realizar grandes operações. Para efetuar a vacinação em de câncer de colo do útero”, observou palestrante Maria Eunice essa conferência e quebrar de uma vez por todas a visão que
atrás do básico, de coisas que já deveriam existir e funcionar alguns lugares é preciso o uso de helicópteros”, acentuou. Figueiredo Guedes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), muitos têm de que o controle social é ´arruaça´”, defendeu a
bem”, disse Raissuellem à Radis, explicando que queria, acima Um dos temas mais discutidos em Belém foi a saúde convidada para discutir o Eixo II — Vulnerabilidades nos ciclos auditora de contas públicas, que é nascida no Pará.
de tudo, cobrar agilidade dos laboratórios e ampliação da sexual e reprodutiva. A mortalidade materna no Pará tem de vida das mulheres na Política Nacional de Atenção Integral à Se nem todas tinham formação técnica e muitos anos de
rede para os exames citopatológicos. Com suas dimensões taxas de 66 óbitos de mulheres por 100 mil nascidos vivos Sáude das Mulheres —, que incluiu temas-chave como racismo. escolaridade, a persistência e a dedicação eram marca registra-
e distâncias imensas, o Pará tem questões específicas. Na — acima da média nacional (60) e bem distante do estado “A violência doméstica ainda é muito arraigada na sociedade. da das participantes. A quebradeira de coco Cledeneuza Maria
etapa paraense, que aconteceu entre 4 e 5 de agosto, em que tem a menor taxa, Santa Catarina, com 28 óbitos. “Ainda Existe uma naturalização do preconceito, muitas vezes até por Oliveira, de São Domingos do Araguaia, deu uma verdadeira
Belém, as pautas foram discutidas em tom de voz muito alto. precisamos trabalhar bastante para melhorar o pré-natal, parte da profissional de saúde, que acha que a mulher suporta aula à reportagem da Radis sobre a luta que trava há pelo
As mulheres ali presentes queriam realmente ser escutadas porque perdemos muitas mulheres por hipertensão arterial”, tudo, e a culpabiliza pelo estupro”, observou Maria Eunice. menos 30 anos: “Trabalhamos a participação da mulher na
à distância. Até pelos que não estavam ali. “É péssimo o afirmou Eunice. Implementar o preventivo de câncer de colo “Nas aldeias, muitas vezes só os homens falam português, sociedade, a autoestima das mulheres das áreas rurais. Muitas
governador não estar presente. Estamos fora do alcance de do útero com eficiência em todas as regiões de saúde é uma e o acesso ao atendimento de saúde para as mulheres indígenas delas não compreendiam que seu trabalho era essencial para
suas vistas”, criticou a agente comunitária de saúde. meta ainda a ser alcançada. Houve um aumento de 20% no fica prejudicado”, revelou Oé Paiakan Kaiapó, da etnia Kaiapó, a renda familiar. Enquanto os homens estão na roça, elas
“A nossa esperança é sermos ouvidas”, reforçou Maria número de óbitos por esse tipo de câncer entre 2011 e 2016, representante de usuárias do município de Redenção, na região estão quebrando coco para fazer azeite, fazer sabão. Isso
Eunice Begot, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, ao conforme apresentou a secretária de Saúde do estado Heloisa do Araguaia. Estudante de Serviço Social, com histórico familiar agrega valor. Com essa compreensão, a gente passou para a
avaliar como positivo o encontro das delegadas do estado, Maria Melo e Silva Guimarães. Ela lembrou que a doença de atuação no conselho distrital de Saúde Indígena (DSEI/KPA), participação política nos municípios. Dar opinião, compreen-
atinge principalmente mulheres de baixa escolaridade, e falou Oé considera importante dar visibilidade ao subsistema de saúde der o processo político, tudo isso é política, não é só política
da importância dos registros estatísticos — não somente indígena — seu principal objetivo na conferência. partidária”, definiu. (E.B.)
os relacionados a esta doença, mas também os dados de
mortalidade infantil e de violência doméstica, que também
são altos por lá. DESTINO: BRASÍLIA
“Eu gostaria de estar aqui dizendo que daqui a 20 anos
a mortalidade infantil será lenda, mas infelizmente o que eu “Nós, agentes comunitários de saúde somos a grande
venho falar é da preocupação que persiste”, alertou Carmem porta de entrada para o sistema”, lembrou Diene Nunes, repre-
Helena Ferreira Foro, vice-presidente nacional da Central sentante de trabalhadores, de Breves. A reportagem da Radis a
Única dos Trabalhadores (CUT), que fez a palestra sobre o Eixo encontrou muito entusiasmada, quando comemorava ter sido
II — “O mundo do trabalho e suas consequências na saúde eleita, ao lado da amiga Maria Augusta, entre as representantes
das mulheres” — e discutiu o impacto da reforma trabalhista de oito municípios da região da Ilha de Marajó. “São apenas
e de outras ameaças à vida das mulheres. “A nossa força duas vagas por regional, e algumas regionais têm muitos muni-
de trabalho vai ficar mais barata, e a nossa região é a mais cípios”, explicou. O objetivo de Diene, que se preparava para ir
cobiçada para o novo ciclo que o capital deseja. As mulheres pela primeira vez à capital do país, era um só. “Quero defender
da Amazônia já estão sentindo o impacto, especialmente as os direitos das mulheres ribeirinhas”.
trabalhadoras rurais, de não ter terra para produzir. Nossas “Ir para a Nacional” era visto como grande vitória entre
terras estão sendo vendidas para estrangeiros”, denunciou. as delegadas, especialmente para aquelas de fora da região
metropolitana de Belém, e a disputa foi acirrada. “É importante
descentralizar. A minha região, do Araguaia, tem 17 assen-
"BELO MONSTRO" tamentos de agricultura familiar. Temos muitas famílias em
situação de vulnerabilidade. Um tema a ser mantido e levado
“As mulheres da minha região estão doentes da alma”, para o documento final é garantir o tratamento fora do domi-
disse Maria Francineide dos Santos, delegada representante cílio, essencial para pacientes de regiões rurais. Hoje a ajuda de
de usuárias em Altamira. A área é uma das impactadas pela custo é insuficiente”, explicou a assistente social Ednalva Silva
construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (veja mais Geremias. “A mulher se desloca e deixa outros filhos sozinhos,
sobre o assunto na página 10). A usina ganhou o apelido ou quando ela mesma está doente, a família inteira fica ainda
de “Belo Monstro”, e a revolta pelos seus impactos foi mais vulnerável”, lembrou.
reproduzida por várias delegadas. “O que foi feito ali não O Pará decidiu levar absoluta maioria de mulheres (90%)
tem nome. Hoje, mais de 13% das pessoas vivem abaixo da para a conferência nacional. Os poucos delegados homens eram
linha da pobreza. A população amazônica e os paraenses geralmente de municípios onde não havia mulheres delegadas. A
precisam dizer não a esse modelo, que só trouxe mazelas”, escolha das pessoas que iriam para a etapa nacional, no entanto,
conclamou Francineide, indignada. “Meu município é um sofreu impacto da logística. “Para muitos municípios, só existe
dos mais violentos do país. Nem sequer o hospital de aten- transporte uma vez por dia. Os delegados só têm uma diária
dimento materno-infantil de Altamira, que era condicionante para ficar, portanto só podem dormir uma noite na cidade, e
da construção da usina foi implementado. Qual o benefício têm que ir embora. Por isso a delegação da região metropoli-
para a região?”, questionou Maria do Socorro Rodrigues do tana leva mais delegadas para a nacional”, observou Ednalva.
Carmo, enfermeira e vereadora do município.
A
violência impacta a saúde das mulheres de mui- reprodutiva — que é extremamente importante, Mortes evitáveis são mortes por falta de acesso, e
tas formas e em todas as fases da vida, defende mas não para todas, já que há mulheres que não por atenção inadequada. Isso é violência institu-
Carmen Lucia Luiz, coordenadora da 2ª Conferência querem ter filhos. cional. As mulheres trans, por exemplo, hoje têm
Nacional de Saúde das Mulheres. “Para se ter mais visibilidade, mas também têm vulnerabilidades
saúde é preciso primeiro estar viva”, resume a enfermeira e Qual deveria ser a prioridade? agregadas. E se for uma trans negra? Se for uma
sanitarista, que chama atenção para as altíssimas estatísti- O carro-chefe deveria ser a atenção à saúde mental mulher com pouca escolaridade? O setor saúde
cas de feminicídios. Para ela, a violência é estruturante da das mulheres, porque elas têm sintomatologias deve estar preparado para cuidar delas. Isso é
vida e do cotidiano das mulheres e se apresenta, inclusive, oriundas da opressão patriarcal em que a gente atenção integral com equidade.
pelo silenciamento. “As mulheres são silenciadas da sinto- vive. De toda a medicação psiquiátrica que é
matologia da opressão, do machismo, da misoginia. 80% dispensada na atenção básica, cerca de 80% é Que balanço você faz das ações para reduzir
da medicação psiquiátrica dispensada na atenção básica é dispensada para mulheres. Muitas não têm diag- a violência contra a mulher?
destinada às mulheres”, aponta Carmen, que coordena a nóstico de sofrimento mental. São as poliqueixosas A lei Maria da Penha foi um avanço muito gran-
Comissão Intersetorial de Saúde das Mulheres no Conselho e aquelas que têm queixas inespecíficas. As mulhe- de para dar visibilidade à violência doméstica; a
Nacional de Saúde (CNS) e atuou na implantação do proto- res são silenciadas da sintomatologia da opressão, tipificação do feminicídio como crime hediondo
colo de atendimento às vítimas de violência em Florianópolis, do machismo, da misoginia, por conta dessa visão foi outra ação que colocou em pauta a violência
considerado referência nacional. patologizante, com uso de medicamentos. Está contra as mulheres; melhorou muito a organiza-
escrito na política que não se deve patologizar o ção da assistência com o protocolo de atenção às
sintoma que é oriundo da condição social imposta vítimas de violência sexual, desde 1999, quando
Uma das reivindicações das delegadas principalmente, que já traziam de outros lu- à mulher. Isso é o que nós deveríamos tratar em surgiu a norma técnica de atendimento à violência.
foi “por nem um direito a menos”. Quais gares uma teoria feminista estruturada. Hoje primeiro lugar. Isso precisa ser mais disseminado, precisa ter mais
direitos das mulheres estão ameaçados e vemos o chamado feminismo interseccional, incentivo para que os municípios façam, não só fi-
de que forma isso afeta a saúde? que abarca a pluralidade das mulheres. Se Uma das pautas de maior destaque na confe- nanceiro, mas uma maior sensibilização e capacita-
Estamos falando de todos os direitos que estão compararmos a proporção de mulheres ne- rência é a violência. Como a violência ganhou ção. Por outro lado, temos todos esses retrocessos
sendo retirados, não só os direitos sexuais e re- gras na primeira conferência e nesta, há um maior visibilidade no campo da saúde? que barram os avanços. O impedimento do debate
produtivos. Quando observamos a questão da grande crescimento. Temos aqui, por exemplo, A violência aparece porque é estrutural na vida de gênero nas escolas é um deles. É grave porque
reforma previdenciária, da reforma trabalhista, mulheres que vivem com HIV/aids e elas hoje das mulheres, nas relações interpessoais, nas re- é na mais tenra idade que deveríamos ensinar os
todos os direitos estão sendo tirados. O traba- têm visibilidade. Então, eu acho que a evolução lações trabalhistas, onde a maioria dos chefes são meninos a não violentarem, e as meninas a não
lho tem a ver com a saúde, o transporte tem a foi muito grande no sentido de incorporar a homens. O machismo, o sexismo e a misoginia, se submeterem à violência. E aí vêm essas leis que
ver com a saúde. O lazer, o estar no mundo, o diversidade das mulheres. Se não tivermos a ou seja, a violência, são estruturantes na vida das buscam quebrar esse debate. Por isso eu gosto
respirar nesse planeta têm a ver com a saúde. compreensão de como essas diferenças foram mulheres. Todas as mulheres conduzem a sua vida de citar como mote desta conferência a frase de
Por exemplo, a questão do uso de agrotóxicos: transformadas em desigualdades, aí não conse- a partir da possibilidade de sofrer violências. Desde Simone de Beauvoir: “Você terá que manter-se
já existem pesquisas demonstrando a presença guiremos atingir a equidade, que é o objetivo. a violência psicológica, violência patrimonial, as- vigilante durante toda a sua vida”.
deles no leite materno. O saneamento básico sédio sexual, diferentes versões da violência até a
tem relação com saúde, e com o zika vírus. A Política Nacional de Atenção Integral situação-limite, que é o feminicídio. Em vez de os O que você acha da presença de homens
Quem vai cuidar das crianças [acometidas pela à Saúde da Mulher vem sendo posta em agressores serem cerceados, a gente é que tenta delegados na conferência?
síndrome de zika congênita]? As mulheres! E prática? evitar as situações onde as agressões acontecem. Nós entendemos que violência é uma questão
as mulheres da periferia, as mulheres pobres Lá em 2004, ela teve um salto de importância, Para você ter saúde você tem que estar viva antes. relacional, e não vamos resolver isso só entre as
em sua maioria. Elas moram em lugares onde deixou de ser um programa e passou a ser uma Há um feminicídio no país a cada duas horas. A mulheres. Por isso a comissão organizadora na-
a água muitas vezes não chega, ou quando política nacional e a orientar as diretrizes para estatística é de 13 por dia. Quantas sofrem [outros cional propôs que poderia haver no máximo 40%
chega não chega em todos os momentos do a condução das ações em saúde da mulher no tipos de violência] a cada minuto? É uma coisa de homens em cada delegação, desde as etapas
dia. Se ela não acordar de madrugada para país. O que aconteceu é que depois disso, o espantosa. municipais. Mas cada estado fez o seu regulamen-
encher as panelas, ela não terá água em casa ministério da saúde voltou a valorizar apenas to. Houve estado que saiu para a etapa nacional
no dia seguinte. E aí? É ela que está criando o a política de saúde materno-infantil, que é Um dos eixos trata das vulnerabilidades. com 100% de mulheres, não quis ter delegados
mosquito? Não, é o poder público que tem que o carro-chefe da política. Qual é o principal D iferentes mulheres sofrem diferentes homens. Houve outros com 20% de homens.
fazer a água chegar até lá.   programa? O Rede Cegonha. A minha crítica é violências? Nenhum deles teve 40% de homens delegados.
que a gente volta para essa extrema valorização Nós falamos em vulnerabilidades agregadas, ou Eu acho bom, porque os homens podem ouvir,
A 2ª conferência acontece depois de 31 da mulher apenas quando gestante, partu- seja, o fato de mulheres negras sofrerem mais, compreender, se sensibilizar, mudar suas próprias
anos. O que mudou no feminismo no país riente e puérpera, e está deixando bastante a por estarem vulneráveis ao racismo, ao racismo atitudes e se tornar multiplicadores. Pessoas que
desde então? desejar a atenção integral. Por isso o tema da institucional. O risco de morte materna é quase vão compreender o que é o machismo e como ele
O feminismo daquela época era mais eliti- conferência é “Integralidade com equidade”. O o dobro para mulheres negras em relação a mu- é determinante na vida e na saúde das mulheres.
zado. Era um feminismo de mulheres que que nos embasa é a atenção integral, ou seja, lheres brancas. A Organização Mundial da Saúde Nós queremos ter os homens no debate. Mas não
tinham acesso a autores e autoras europeus enxergar e atender a mulher para além da fase afirma que 90% das mortes maternas são evitáveis. queremos que a decisão seja deles.(E.B.)

[28] RADIS 181 • OUT/2017 RADIS 181 • OUT/2017 [29]


PARTO HUMANIZADO

Luiz Felipe Stevanim

O
pré-natal na unidade e ter o parto classificado como de baixo

A CASA
pessoal chegou cedo. Antes de oito da manhã, já se risco. Para Leila, quando se fala em direitos da mulher em rela-
reunia no quintal da “casinha”, nome afetivo com o qual ção ao parto, inclui-se até mesmo a integridade física e o direito
as famílias se referem à Casa de Parto David Capistrano de escolher onde vai ter o seu filho, de que forma e com qual
Filho, em Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro. profissional. “Existe uma resistência médica tanto do profissional
Naquele sábado nublado, um 19 de agosto de vez em quando quanto do modelo biomédico de que as mulheres têm que ser
salpicado por uma chuva fina, os voluntários do mutirão se submissas e que esse processo do parto tem que ser controlado
preparam para assumir as tarefas de recuperação e reforma da através de intervenções, que são na maioria das vezes inadequa-
unidade de saúde voltada para o parto humanizado, realizado das e desnecessárias”, pontua. Para Leila, a Casa de Parto é um
exclusivamente por enfermeiras obstétricas: divididos em grupos, modelo que “rema contra a maré”.
alguns se encarregam da pintura das grades e da reforma dos Embora seja um espaço de valorização e empoderamento da

É NOSSA
portões; outros cuidam da estrutura externa; crianças reviram mulher, Leila conta que ao longo do tempo percebe também o en-
a terra com as mãos e aprendem sobre o plantio de mudas, na gajamento dos pais na defesa da Casa de Parto e do parir de modo
extensa horta e jardim em torno da casa. natural. Também militante dessa questão, Téo Cordeiro, um dos
Ao meio-dia, antes da integrantes do Grupo de Papais
pausa para o almoço, é hora da Casa de Parto, conta que foi
de marcar o dia com o ato iniciativa dos pais a troca dos
simbólico de abraço à Casa de portões da unidade, que esta-
Parto: de mãos dadas, crianças, vam danificados e deixavam as
mulheres e homens circundam trabalhadoras e as famílias sem
a unidade, num gesto que de- segurança. Promovido no mês
monstra o afeto da comunidade de valorização da paternidade,
e dos profissionais por aquele o mutirão contou ainda com
MUTIRÃO NA CASA DE PARTO APONTA PARA espaço de saúde e que alerta a distribuição da edição 179
para o descaso do poder pú- da Radis, que aborda histórias
VALORIZAÇÃO DO PARIR NATURAL E DO DIREITO blico em relação à manutenção de pais, dentre elas a expe-
de uma iniciativa pioneira de riência do Grupo de Papais de
DE ESCOLHA DA MULHER promoção do parto humani- Realengo. A unidade também
zado. Fundada em 2004 por não conta mais com uma equi-
enfermeiras obstétricas, a Casa pe de segurança, porque a pre-
de Parto de Realengo — uma feitura não renovou o contrato
unidade do SUS — acolhe para com a empresa responsável
o pré-natal e parto gestantes por esse serviço. Quem faz a
de baixo risco que desejam vigilância do espaço atualmente
parir de forma natural, em um é a Guarda Municipal. Desde
ambiente acolhedor — o nome 2015 também não há contrata-
“casa” não foi escolhido ao acaso, pois a proposta é construir um ção de empresa para manutenção predial — tarefas simples como
espaço que se aproxime ao máximo da ideia de “lar”. “Apesar de troca de lâmpadas são feitas com “vaquinhas” das famílias e dos
mais de 3 mil bebês nascidos na casa e nem um caso de morte, profissionais. De acordo com relatos ouvidos por Radis entre os
reconhecimento e premiações, a unidade sofre diversos ataques participantes do mutirão, as instalações prediais estão deteriora-
frequentemente. Afinal, romper com um modelo que tem como das e o gerador não funciona, o que implica na transferência das
principal objetivo o lucro e a comodidade da categoria médica não gestantes e puérperas quando falta luz na unidade.
é fácil”, declara Danielle Ramos, militante do movimento de mu- O mutirão também marcou a criação da ReParto, uma inicia-
lheres Olga Benário e da ReParto (Rede de Apoio à Casa de Parto). tiva de famílias e profissionais de saúde voltada para a defesa da
Durante a refeição comunitária, cada um pega seu prato e Casa de Parto e para propagar o seu modelo por todo o estado
vai se espalhando pela área externa da casa, entre risos e conver- (até então a casa de Realego é a única no Rio de Janeiro). “O
sas, e ao som de um grupo de músicos também voluntários. São papel da Casa de Parto é mostrar na prática que é possível outro
na maior parte famílias que pariram na unidade e trouxeram seus modelo de sociedade, que tratar mulheres e bebês com dignidade
filhos para ajudar no mutirão, num gesto de reconhecimento pelo sem intervenções desnecessárias é muito simples e necessário”,
projeto, além de pessoas que acreditam na proposta da Casa de defende Danielle. Mãe de Camilo, de 3 anos, e Havana, de 1,
Parto. “Quando você vê, num dia nublado, no sábado, pessoas ambos nascidos na unidade, ela considera que a principal forma
que já tiveram seus bebês e retornam para garantir esse espaço, de se fazer escolhas conscientes e verdadeiramente autônomas é
isso não tem preço”, pontua a diretora da casa, a enfermeira Leila com informação. No pré-natal do seu primeiro filho, ela chegou
Azevedo. Aquele foi pensado como um espaço de “mulheres para até a “casinha” ainda sem conhecer muito bem a proposta do
mulheres”, para garantir a autonomia e o direito das mães no parto humanizado, mas foi envolvida pelo acolhimento. Passou
pré-natal e no parto. “São dois pilares importantes. Para a mulher, então a se consultar na casa e frequentar as oficinas — e toda
é o empoderamento, o reconhecimento de sua feminilidade, vez que tinha de ir “era uma alegria”.
de seus direitos. Para o profissional, é o direito de exercer com “Não se tratava simplesmente de um atendimento, mas da
autonomia a sua profissão”, reflete. Segundo ela, a Enfermagem criação de um vínculo que é um diferencial na preparação pro
é uma categoria que se diz autônoma, mas na realidade enfrenta parto”, conta. “O parto do Camilo foi bem demorado, fiquei 30
muitas resistências em outros espaços de saúde, principalmente horas na casa até ele nascer e todo o carinho da equipe e princi-
nos hospitais, por causa da hierarquização e subordinação. palmente da Leila, que em diversos momentos segurou minhas
A Casa de Parto é gerida totalmente por enfermeiras obs- mãos e agachou pelos corredores comigo, fizeram com que eu
tétricas: a equipe de saúde é formada por 20 enfermeiras (e um me sentisse segura e confiante sobre meu próprio corpo”, narra.
FOTOS: JOÃO AMORIM

homem), 12 técnicas de enfermagem, uma assistente social e Para mulheres como Danielle, estar presente e lutar por aquele
uma nutricionista. A condição para parir na casa é fazer todo o espaço é mesmo se sentir em casa.

RADIS 181 • OUT /2017 [31]


ENSP

FOTOS: VIRGINIA DAMAS/CCI


Guilherme Boulos
Coordenador nacional do Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

“O momento atual apresenta como desafio fazer de maneira


séria o debate de que tipo de transição queremos e que tipo de
programa podemos construir conjuntamente como saída popular
para o atoleiro em que país foi metido. Foi a perda da capacidade
de mobilização popular que proporcionou o golpe, que impediu a
derrubada de um governo com 3% de aprovação e que permitiu as
perversas reformas. Esse processo ainda não tomou forma de resis-
tência política, mas pode tomar. A convulsão vai para um lado ou
para o outro, dependendo do tipo de relação que se vai construir. A
disputa está dada. Precisamos construir coletivamente um rumo, nos
conectar com as demandas e sentimentos do povo. A crise pode se
desdobrar em alternativas e cenários interessantes para a maioria,
abrir caminhos importantes, capazes de resgatar a esperança em
um novo projeto de país. Se não estivermos à altura disso, podemos
nos deparar com um deserto de anos — e talvez décadas — de
consolidação conservadora”.

Leonardo Boff

63 ANOS
Teólogo e escritor, conhecido por sua defesa
dos direitos dos pobres e excluídos

“Estamos encerrando o ciclo de um tipo de política, um tipo


de Estado, que esgotou suas virtualidades. O atual modelo criou
problemas e agora não tem recursos próprios para dar solução a
eles. Albert Einstein dizia que o pensamento que criou a crise não

EM MOVIMENTO
pode ser o mesmo que nos tira da crise. Quatro nós estão na raiz
da crise brasileira: o etnocídio indígena, o passado colonial violento
que impôs uma relação de dominação na sociedade, a escravidão
e o patrimonialismo, que é a base da nossa corrupção — a trans-
formação do bem público em bem particular. Nossa democracia é
antes uma farsa do que uma realidade. Representa antes os interesses
corporativos dos grupos que financiam as eleições e mantém uma
organicidade com a classe dominante, sempre de costas para o povo.
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca É necessária uma refundação do Brasil sobre outras bases que não
essas. Resgatar a utopia, enriquecer a democracia. O primeiro bem
comemora aniversário debatendo crise brasileira do Estado é garantir o bem-viver a todos os cidadãos — não aquele
bem-viver que, para um ter a boa vida, muitos têm que ter a vida
à luz dos direitos conquistados na Constituinte ruim, mas sim o equilíbrio para que todo mundo tenha o decente”.

A
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/ no Brasil; Gastão Wagner, presidente da Associação Brasileira atendendo às expectativas da sociedade brasileira; e

EDUARDO DE OLIVEIRA
Fiocruz) comemorou seus 63 anos de luta pela uni- de Saúde Coletiva (Abrasco); Guilherme Boulos, coordenador recomendar a adoção de providências para a adequação
versalização da saúde pública no país com uma pro- nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST); das atividades técnicas e científicas aos objetivos da ins-
gramação em torno do tema “Democracia e Saúde. João Pedro Stédile, membro da direção nacional do Movimento tituição. Os pronunciamentos do conselho terão a forma
Saúde é Democracia”, entre 4 e 6 de setembro. Conferências, dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Jorge Venâncio, de recomendação.
mesas redondas e atividades culturais buscaram refletir o mo- coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Avesso a homenagens, o pesquisador titular do
mento atual do país, 30 anos depois da Constituinte. Conselho Nacional de Saúde (Conep/CNS); o engenheiro sani- Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Densp/
O coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores tarista Luiz Roberto Santos Moraes; Naomar de Almeida Filho, Ensp) Paulo Sabroza recebeu tributo por sua atuação
Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, defendeu que o “Brasil reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). E ainda: na escola. O amigo Luciano Toledo, coordenador do
precisa de uma revolução”. O teólogo e escritor Leonardo Paulo Marchiori Buss, coordenador do Centro de Relações Laboratório de Monitoramento Epidemiológico de
Boff tratou da “crise brasileira como desafio e perspectivas Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz); Roberto Leher, reitor Grandes Empreendimentos (LabMep), fundado pelos dois
de futuro”. da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Simone Dalila pesquisadores, fez uma síntese da trajetória de Sabroza,
Ainda houve a instalação do conselho consultivo da Nacif Lopes, juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; a que começou suas atividades na Ensp como docente ainda
escola, m espaço de interlocução com a sociedade brasileira, sanitarista Sonia Fleury; a historiadora Virginia Fontes; e o nos anos 1970. Nas décadas seguintes, o pesquisador aju-
constituído por 13 integrantes, dirigentes da área de saúde e re- cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. dou a formar profissionais da Saúde Pública, participou de
ferências nos campos da ciência, tecnologia e direitos humanos. Cabe ao consellho pronunciar-se sobre as diretrizes, pesquisas importantes e se tornou uma referência como
Presidido pelo diretor da escola, Hermano Castro, o conselho políticas e atividades da Ensp, em consonância com as epidemiologista. “O nome de Sabroza se confunde com
conta com Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, coletivo políticas nacionais de saúde, educação, ciência e tecnolo- o próprio nome da escola”, afirmou o diretor da Ensp,
que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação gia; subsidiar a escola com vistas ao avanço institucional, Hermano Castro.

RADIS 181 • OUT/2017 [33]


SERVIÇO PÓS-TUDO

PUBLICAÇÕES políticas públicas e pelo enfrentamento das desigualdades so-


ciais, econômicas e culturais. Ratificamos a defesa intransigente
do SUS universal, público e de qualidade, parte fundamental

NÃO
Vozes das margens do projeto civilizatório e do desenvolvimento da nação que
defende radicalmente a vida.

O rganizada por Giordano Barbin Bertelli e Gabriel de Santis Feltran, para a coleção Marginália de
Estudos Urbanos, a coletânea Vozes à margem: periferias, estética e política (Edufscar)
reúne artigos de pesquisadores dedicados à produção cultural das periferias urbanas brasileiras e
Observamos que a agenda neoliberal em curso propõe
enxugar e desarticular o sistema público, garantir clientela
para o setor privado e fortalecer a concepção de saúde como
apresenta ao público a abordagem do tema das linguagens e das estéticas produzidas e consumidas mercadoria e não como direito. Não parece ser por acaso que
por grupos marginalizados no cenário urbano contemporâneo. A obra enfoca as expressões linguís- duas agendas venham se desenrolando de forma concomitante:
ticas, artístico-culturais e estéticas presentes na sociabilidade destes grupos, além de atentar para o projeto dos planos acessíveis e a Revisão da PNAB.
seus múltiplos significados políticos. O Ministério da Saúde alega que “o intuito é ofertar planos
mais acessíveis, com atendimento direcionado para as reais
necessidades dos cidadãos brasileiros”, mas o que está por trás
Deslocamento do olhar Bourdieu na ciência da proposta é diminuir o impacto causado pelo aumento do de-

ACEITAMOS
semprego no mercado da saúde suplementar — que registrou

P eça de teatro dedicada a “todos os refugiados e imi-


grantes que buscam uma nova vida no Brasil”, São
Paulo refúgio (Editora Dramaturgia Brasileira), escrito
queda de 3% de beneficiários em planos médico-hospitalares e
contabilizou aumento nas despesas das operadoras. A novidade
nesta agenda é a produção, por parte da instância máxima de

AT E N Ç ÃO
pelo ator, diretor e dramaturgo Conrado Dess, propõe representação do poder público, de condições favoráveis para
uma reflexão sobre a solidão nas grandes cidades. Por criação de clientela para o setor privado.
meio da dramaturgia, o autor propõe “um deslocamento De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor
do olhar” em direção às pessoas que constroem suas vidas (Idec), esse tipo de “produto” representa “a desregulamentação
em lugares onde não nasceram, onde têm que submeter da saúde suplementar, com claro prejuízo à população usuária

PRIMÁRIA
à arbitrariedade de leis e instituições que os tratam como e ao sistema de saúde brasileiro” e vai piorar a oferta e a qua-
números ou como um problema a ser tolerado”, define lidade dos serviços, gerando insegurança ao consumidor. O
Ferdinando Martins, no prefácio. setor saúde sofre historicamente com as políticas restritivas, ora
pela desresponsabilização do poder público, ora pelo modelo
Caminhada e democracia de desenvolvimento ancorando nas políticas neoliberais, mas

C
SELETIVA
om organização de Regina Marteleto e nunca ficou tão evidente a agenda de desmonte da saúde como

C aminhar é a forma mais democrática de se loco-


mover. O debate em torno da qualidade de vida
nas cidades contemporâneas e sobre a importância de
Ricardo Pimenta, pesquisadores do Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação do
IBICT-UFRJ, o e-book Pierre Bourdieu e a pro-
direito, e a articulação dela como mercadoria.
Qual a relação disso com a revisão da Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB)? As alterações propostas não contribuem
se pensar e planejar o espaço urbano para o pedestre dução social da cultura, do conhecimento para a qualificação da rede, são adequações que respondem ao
pautam Cidades de pedestres — A caminhabilidade e da informação é uma coletânea onde são contexto econômico e de mercado, em resposta ao cenário de
no Brasil e no mundo (Editora Babilônia), organiza- analisadas diferentes formas de aplicação dos escassez e insuficiência agravado pela EC 95. A revisão autoriza
do por Victor Andrade, do Laboratório de Mobilidade conceitos e métodos produzidos pelo sociólogo o gestor a escolher livremente onde cortar e reduzir o SUS, seja
Sustentável, da UFRJ, e Clarisse Cunha Linke, do em campos diversos da pesquisa científica, entre em termos de qualidade, acesso, integralidade ou universali-
Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. eles a Comunicação, a Saúde, a Informação, a dade. As questões principais da revisão são enxugamento da
O livro reúne análises sobre caminhabilidade, assinados Museologia, a Arquitetura e as Ciências Sociais. força de trabalho — principalmente dos agentes comunitários
por diferentes profissionais, em que o pedestre é o pro- A obra fornece ainda um guia de leitura para a de saúde, com um corte que chegará a quase 40% no país — e
tagonista do espaço público, e a cidade, a expressão reflexão crítica das formas sociais de produção a desregulamentação da oferta, potencializada principalmente
de uma efetiva democracia. do conhecimento. Acesse https://goo.gl/Jqv4tK pelo possível desinvestimento na Estratégia Saúde da Família e
Liu Leal seus desdobramentos.

L
Uma das apostas é diminuir o acesso à atenção básica
EVENTOS ogo ao assumir o Ministério da Saúde, Ricardo Barros pública, ofertando-a no setor privado; outra possibilidade diz
questionou o tamanho do SUS e explicitou: “Nós não respeito à oferta dos serviços básicos, com importante estrutura
Fórum Alternativo Mundial da Água 15º Congresso Paulista de Saúde Pública vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a gerencial, centrada em procedimentos. A gestão local poderá
Constituição determina”. Afirmativas como essa passa- ampliar a terceirização dos serviços e compra-los de forma

Oevento acontecerá em contraponto ao


8º Fórum Mundial da Água, promovido
por grupos econômicos que defendem a pri-
P romovido pela Associação
Paulista de Saúde Pública
(APSP), o evento terá como
ram a fazer parte não só do seu discurso, mas também da sua
agenda política e da articulação direta com os empresários. O
Brasil vive, a partir da recente ruptura do processo democrático,
direta no mercado, ampliando assim o processo de privatização.
A defesa da Atenção Básica universal e integral, com co-
bertura de serviços e ações para 100% da população, articulada
vatização das fontes naturais e dos serviços tema “Saúde é política: há uma tentativa de enxugamento do Estado e das políticas que com as demais dimensões do sistema, a exemplo da vigilância
públicos de água, com o objetivo de denun- uma grande desordem sob garantem direitos. A crise política atual tem contribuído de for- em saúde, passa pelo reconhecimento das suas mais inovadoras
ciar práticas que impõem fortes impactos fi- o céu”, e pretende abordar ma estratégica para intensificar a agenda neoliberal e promover experiências, a ESF e o ACS. Ambos têm contribuído de forma
nanceiros e restrições de acesso à população outras perspectivas para além da ciência, aproximando diferentes políticas de austeridade, estratégias que fazem parte do projeto propositiva na reorientação das redes de atenção e do próprio
de todo o mundo à água, situação que afeta formas de manifestação da política presentes no cotidiano. A de desmonte do Estado de proteção social, como a aprovação modelo de saúde, otimizando custos e qualificado a intervenção
sobretudo os mais pobres. Também na pauta ideia é construir um congresso horizontalizado, desconstruído, da EC-95, que congela por 20 anos os recursos das políticas pública. Neste sentido, qualquer tentativa de diminuição das
do evento a defesa pública e o controle so- disperso no território, em movimento e aberto à sociedade e sociais; a Lei n 13.097/2015, que autoriza o capital estrangeiro estratégias e serviços que ainda se encontram em condições
cial das fontes de água, o acesso democrático, a luta contra as aos movimentos sociais. Para isso, a organização montou uma no setor saúde e as reformas da Previdência e do trabalho. de melhoramento, ampliação e qualificação, geram por parte
privatizações dos mananciais e as políticas públicas necessárias curadoria coletiva (no lugar de uma comissão científica nos O Conselho Nacional de Saúde (CNS), além de outros da sociedade uma defesa intransigente do sistema. Não aceita-
para o controle social do uso da água e preservação ambiental. moldes tradicionais. movimentos e entidades que defendem o SUS, a exemplo do mos propostas de uma atenção primária seletiva e focalizada,
Cebes e da Abrasco, redobraram sua atenção em torno destas geradora de uma universalização excludente.
Data 17 a 19 de março de 2018 Data 2 a 4 de novembro de 2017 agendas. A conquista histórica do direito à saúde carrega
Local UnB, Brasília Local São Paulo intrinsecamente a defesa da democracia e da luta política por Liu Leal é integrante do Centro Brasileiro de Estudos de
Info https://goo.gl/747jHz Info https://15congressoapsp.org.br/ justiça e cidadania, é um “bem” inafiançável, assegurado por Saúde (Cebes) e ex-conselheira nacional de Saúde

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