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Sébastien Darbon
Sylvia Caiuby Novaes
Etienne Samain
Sylvain Maresca
Gilles Boétsch & Jean-Noèl Ferrié
Amarildo Camicel
Cláudia T. Magni & Mauro Bruschi
Armando Martins de Barros
O etnólogo e suas imagens
Sébastien Darbon*
Realismo
À primeira vista, o que há de mais realista senão uma fotografia? De fato,
a fotografia, em função de suas próprias características, leva ao mundo
da cópia, da marca — o que os semiólogos da comunicação chamam de
modo analógico ou icônico dos signos visuais, em oposição ao modo co
dificado ou convencional. Uma foto é uma cópia da realidade, e se tende-
ria a dizer facilmente: uma cópia fiel. Pois, com efeito, contrariamente à
pintura em particular, uma foto nasce a partir de um conjunto de proces
sos mecânicos ou físico-químicos (a luz penetra através de uma objetiva,
respeitando as leis da refração, impressionando depois os cristais de pra
ta de uma película). Alguns utilizam até o termo "fotônico" em referência
aos fótons, às partículas de luz. Encontramo-nos, com isto, no pleno mun
do da física e da química, isto é, no meio de processos naturais que o
fotógrafo se contenta em domesticar — mas para o essencial, basta apoiar
sobre um disparador, e a realidade se imprime diante de você, indiscu
tivelmente reproduzida. Existiria, por assim dizer, um processo causai,
imediato, automático, mecânico e natural que, por ocasião da produção
da imagem, asseguraria nos objetos uma presença peculiar. Certos au
tores iriam até falar de simulacro: a imagem fotográfica faria ver o objeto
ele-mesmo — tal como foi.
Poderiamos julgar que se trata neste caso da caricatura de uma atitude
mental que os próprios pesquisadores denunciam unanimente e sem ape
lo. Parece-me, no entanto, que se faz necessário voltar a isso sempre, tão
insidioso permanece o caráter de "evidência" que se prende a certas re
presentações iconográficas. Falando-se de reprodução, sugerimos a idéia
de semelhança, mas essa semelhança não está de modo algum garantida.
Uma imagem fotográfica é algo eminentemente fabricado, e, essa fabrica
ção, assenta-se sobre convenções relativas à representação: representa
somente algo que se assemelha às cenas no momento em que são fotografadas.
Assim sendo, o suposto realismo fotográfico é algo do qual temos dificul
dade de nos despreender, e que produz seus efeitos de modo suficiente
mente pernicioso. Evidentemente, se utilizamos a fotografia como ama
dores, para recolher lembranças, é pouco importante. Mas, ao contrário,
se a fotografia faz parte de um dispositivo de pesquisa etnológica, deve-se
ser mais exigente e mais rigoroso.
Quais seriam, então, as razões de pôr em dúvida, por princípio e a priori, a
semelhança entre uma foto e o que ela representa?
1. Primeiro, por um certo número de razões práticas que são bastante
conhecidas. Sabemos quão as escolhas operadas sobre os aspectos os mais
mecânicos, ou os mais físico-químicos, como a objetiva, a película, as mo
dalidades de revelação e de tiragem, por exemplo, têm conseqüências ime
diatamente sensíveis sobre a reprodução da "realidade" que se constrói
através de uma foto. Os que praticam um pouco a fotografia sabem, pelo
fato de terem de trabalhar em condições de luminosidade fraca, que deve
rão utilizar uma película hipersensível, o que dará mais granulação na
prova, uma fineza menor da imagem, contornos mais desfocados, contras
tes modificados, com relação ao que se teria obtido se se tivesse utilizado
uma película menos sensível. Decidiriamos, desta vez, fotografar com uma
objetiva grande angular? Obteríamos uma deformação do sujeito com li
nhas de fuga acentuadas em relação ao que o olho vê normalmente,
distorção essa qxie poderá ainda aumentar se tomarmos um angulo de
visão de cima para baixo ou de baixo para cima. Porventura, temos esco
lhido uma teleobjetiva. Sendo fraca a profundidade de campo desse tipo
de objetiva, somente aparecerá nítido o sujeito sobre o qual concentramos
o foco e, o que se encontra na frente ou atrás se tomará desfocado: no caso,
abstrai-se o sujeito daquilo que o circunda. Utilizar-se-á, por acaso, uma
revelação dê filme muito rápida, provocando granulação ou contrastes em
função da maior ou menor temperatura do banho de revelação ou, ao
contrário, um processo mais lento e produtos adaptados que permitem
obter uma maior fineza na gama dos cinzas? Utilizaremos, eventualmente,
um papel duro na tiragem, a fim de se obter um aumento dos contrastes e
praticamente nenhum tom cinza intermediário, dirimindo desse modo os
detalhes? Etc. etc... Nesse nível bem elementar e limitando-nos aqui ape
nas à fotografia, as possibilidades de encenação já são inúmeras. A tudo
isso, acrescenta-se, evidentemente, a diversidade infinita dos modos de se
tratar o assunto: o enquadramento, evidentemente (o que está dentro do
campo e o que está fora do campo, o ângulo da tomada, a posição do
sujeito dentro do campo central ou deslocada), mas, também, oformato do
negativo (uma escolha estreitamente vinculada à maneabilidade do ma
terial e, conseqüeri temente, ao tipo de foto que se pode tirar), a luz (com
essa questão central- devemos submeter-nos à natureza, isto é, contentar-
nos com a luz tal como está ou, ao contrário, modificar as condições de ilu
minação, recorrendo a projetores ou flashes?), ou, ainda, a atitude do fotó
grafo em relação ao seu sujeito (tratando-se de uma pessoa ou de um conjun
to de pessoas, será que pedirá permissão antes de fotografar ou roubará a
foto? Será que fará uma encenação ou fotografará as pessoas tais como
são? Será que as personagens deverão permanecer imóveis ou poderão
mexer-se?) etc. Aliás, é exatamente a questão que levanta Bourdieu (1965),
falando dos diversos modos de aproximação da fotografia em função das
classes sociais e em função da época. Pode-se, com efeito, notar diferenças
muito importantes no que diz respeito às convenções de enquadramento e
de tomada entre a fotografia popular, a foto amadora ou o documento de
imprensa feito por profissionais; e, no decorrer do tempo, a evolução das
ferramentas provocou, igualmente, evoluções nesse domínio.
O etrtóiogc e suas imagens 105
O sentido e a interpretação
Diante de uma imagem, como fazemos para "fazê-la vomitar", para tirar
dela o sentido? Por cuidado pedagógico, vou recorrer, aqui, a uma distin
ção — um pouco arbitrária, clássica, no entanto, entre os semiólogos da
comunicação — entre as noções de emissão e de recepção. Mas, faz-se
necessário bem observar que, num certo nível da análise, elas se reunifi-
cam por meio das noções de sentido e de interpretação.
Para abordar esse aspecto, partirei de uma anedota. Há alguns anos, num
colóquio, uma eminente especialista em sociologia da arte punha de lado
os relatórios de pesquisa dos sociólogos, que achava terrivelmente chatos.
Quanto a essa atitude, parece-me que só poderiamos dar-lhe razão. Mas
ela recheava sua crítica de um comentário, aparentemente anódino e bem-
vindo, que merece nossa atenção. Dizia em essência: vale mais uma foto
de Robert Doisneau que um relatório chato, pois a gente aprende muito
mais.
Creio que se deva cuidar muito desse tipo de proposições, que me parece
encobrir numerosos perigos e, sobretudo, um absoluto desconhecimento
daquilo que chamamos a "linguagem" da imagem com relação à lingua
gem de que se utiliza o discurso científico, digamos, no caso, o discurso
etnológico. É necessário investir ainda e sempre, até diria cada vez mais,
no fato de que uma imagem, quer seja fixa, quer animada, não é um discurso
científico. Para dizer as coisas de maneira um tanto provocadora, diria que
uma imagem não nos fala do mundo: falar do mundo, só a linguagem
articulada pode fazê-lo. Uma imagem não possui um sentido, que lhe seja
inerente, pois o sentido de uma imagem se constrói. Vamos fazer, logo,
uma série de distinções importantes, para evitar qualquer ambiguidade.
Vimos que, no nível do emissor, a imagem, longe de nos dar uma visão
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O etnólogo e suas imagens 107
* -■.
riadores acreditavam até então —, e sim que se devia, simplesmente, ver
nela a expressão emblemática ou simbólica de uma potência, de uma ma
jestade (Veyne, 1988).
Se tudo o que acabei de dizer até aqui é verdadeiro, então, decorre des
ses dados algo muito pouco valorizador no que diz respeito a alguns dos
princípios que fundam a semiologia da comunicação. Esta considera, com
efeito, que é absolutamente necessário distinguir, de um lado, o modo
analógico ou icônico dentro do qual as imagens entretêm uma relação di
reta com seu significado ou com seu referente (por exemplo, um retrato,
uma marca fotográfica); de outro lado, o modo codificado ou convencio
nal, no qual a relação das imagens com o seu significado depende de uma
convenção (por exemplo, uma contramão, um logotipo de uma empresa).
Ora, acabamos de ver que não existe ícone no sentido estrito da palavra e
que uma imagem que se considere como sendo fiel ao seu objeto, no me
lhor dos casos, só pode ser uma abstração desse objeto ou da cópia dele,
isto é, a expressão de uma convenção de representação. Ao inverso dos
semiólogos da comunicação, devemos, assim, afirmar que não existe dife
rença de natureza entre os ícones e as imagens convencionais de um obje
to. Além disso, se é verdadeiro o fato de que uma imagem não tem sentido
em si, tampouco existe essa auto-suficiência semiológica dós códigos
iconográficos, já que, apenas, se pode isolar numa imagem ou numa série
de imagens, códigos discretos e "fracos" que, em nenhum caso, podem
impor e controlar por si sós o porvir-sentido da imagem. Uma imagem
nunca nos diz algo sobre o mundo (ou, o que torna a ser a mesma coisa,
dele, diz demais); ela não pode afirmar qualquer proposição que seja, tal
propriedade pertencendo somente à linguagem articulada. Ou ainda, se se
preferir, uma imagem, quer seja ela fixa ou animada, não é um discurso
científico. .« ;
Dito isso, existem muitas significações a serem extraídas das imagens. Se
não fosse o caso, não falaríamos delas. Para Jean-Claude Passeron, essa
condição a priori do funcionamento de um pacto iconográfico conduz o
espectador de uma imagem a "fazer como se ela afirmasse alguma coisa, a
prestar-lhe — como se fosse algo evidente — uma asserção implícita, cuja
formulação guia a identificação e a decupagem dos enunciados icônicos
pertinentes que realiza no conjunto indefinido das enunciações potenciais
de uma imagem" (Passeron, 1987). É a ausência de estruturação rígida da
imagem que cria essa "falta de comunicação"; falta essa que se pode cons
tatar facilmente por exemplo quando se pede a várias pessoas comenta
rem a mesma imagem, o que toma caduca a noção semiológica de código.
Para evitar qualquer mal-entendido, devo fazer, aqui, uma pequena afir
mação. Essa relatividade no decorrer da recepção da imagem — evidente
mente lastimável no campo da pesquisa científica — é, pelo contrário, par
te integrante do dispositivo artístico. Quando se faz fotografia artística, ou
pintura, não representa incômodo — até isso faz parte do próprio jogo —
o fato de o receptor atribuir todas as significações que quer naquilo que
está vendo: mergulhamos, nesse momento, no domínio da subjetividade e
da sensibilidade, não no do discurso racional. Poder-se-ia retrucar que, em
etnologia, o problema da "verdade" do discurso não é, ele também, muito
simples, uma vez que uma proposição permanece verdadeira até que seja
substituída por uma outra que parece mais aceitável; na medida em que,
O etnólogo e suas imagens
O texto e a imagem
A primeira idéia sobre a qual gostaria de insistir aqui diz respeito ao fato
de que texto e imagem não podem ser considerados do mesmo nível
hierárquico: a imagem deve ser subordinada ao texto. Isso decorre dire
tamente daquilo que dizia relativamente ao sentido: se uma imagem não i
tem sentido em si, que lhe seja inerente, se o sentido de uma imagem :
está, sempre, para ser construído por meio do discurso, a imagem, então,
é apenas um suporte para o discurso. Mas que tipo de suporte? Que ar- i
ticulação prever entre um e outro?
Um excelente exemplo de trabalho fotográfico de grande qualidade, mui
to bem integrado à démarche antropológica, nos é dado pelo que Gregory
Bateson e Margaret Mead realizaram em Bali. De uma maneira extrema
mente sistemática, Bateson produziu, no local, uns 25.000 clichês, quando
Mead anotava todos os pormenores do contexto dessas tomadas. Além
da maneira — seguramente exemplar — com que a imagem era concebi-,
da como instrumento estreitamente integrado a uma problemática, gos
taria, no momento, de realçar uma dimensão metodológica. Essas foto
grafias vêm sistematicamente acompanhadas de dois tipos de comentá
rios: uma contextualização e um início de interpretação de um lado, uma
descrição sistemática do que se vê na foto, de outro lado. Em suma, uma
espécie de redundância. Em outras palavras, Bateson considera que, de
um simples ponto de vista descritivo, a fotografia não basta. De fato,
toma-se totalmente imprescindível para nossa compreensão que Bateson
— que estava no campo e que tomou a fotografia — nos diga por exem
plo: "uma mocinha segura o cachorrinho quando a outra dispõe as pedras
sobre o chão para fazer uma cama ou um túmulo" etc.
Para se convencer disso, basta tentar reconstruir a legenda a partir da foto
(e constatar, assim, as diferenças com a legenda de Bateson, os contra-
sensos mesmos que introduzimos nela). Pode-se fazer, também, o teste
que consiste em olhar primeiro o texto, mascarando as fotos — esse texto
é preciso, mas abstrato, seco, muito pouco evocador —, depois, fazer o
contrário e olhar as fotografias mascarando o texto — as fotos são ,
evocadoras, mas abrem a uma multiplicidade de sentidos, tornam possí
veis numerosas interpretações.
f A segunda observação é que uma descrição pura não existe. Toda descri-
j ção, quer seja ela de uma realidade ou de uma imagem, já é uma interpre-
[_J:ação. O que me pode garantir que a interpretação de tal imagem será
correta? A seriedade esperada do etnólogo, talvez, mas mais precisamente
o conhecimento que ele tem das condições nas quais foi realizada essa
imagem. No caso de Bateson, não somente ele estava presente no campo
mas foi ele mesmo quem tirou as fotografias: ele domina ao mesmo tempo
o conhecimento do contexto e a intenção que presidiu à tomada. Isso, evi- /
Sébastien Darbon
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