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“ Sem a cultura, e a liberdade relativa que ela pressupõe, a
sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva.”
Albert Camus
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SUMÁRIO
1. Prólogo………………………………………………………………………….… 04
2. Uma breve história do nosso Carnaval de Rua………………………………..05
2.1 Carnaval, origem remota………………………………………..…..05
2.2 Desfiles de Carnaval de Rua em São Paulo………………...…...06
2.3 Primeira sociedade carnavalesca de SP………………………….07
2.4 Cordões, ranchos e escolas de samba……………………………07
2.5 Cordão Barra Funda…………………………………..…………….08
2.6 Anos 1920 e 1930……………………………………………………08
2.7 Ditadura Vargas, Segunda Guerra Mundial e mais repressão….08
2.8 Carnaval dos anos 1950…………………………………………….09
2.9 Anos 1960 e 1970 - Anos de Chumbo da Ditadura Militar………09
2.10 Carnaval Oficial de São Paulo…………………………………….09
2.11 Ausência dos Blocos Carnavalescos……………………………..10
2.12 Polo Cultural e Esportivo Grade Otelo - Sambódromo…………11
2.13 Embrião da chegada dos blocos carnavalescos atuais…….…..11
2.14 Bandalha e o carnaval da resistência…………………………….11
2.15 Dos anos 1990 a 2010……………………………………………..12
2.16 Manifesto Carnavalista……………………………………………..13
2.17 Novos Blocos Arrastando Multidões……………………………...14
2.18 Conclusão da seção..………………………………………………15
3. Carnaval de Rua e Cultura, sobre sua indissociabilidade…………………………..16
4. Os horizontes e limites do apoio comercial ao Carnaval de Rua de SP…………..18
4.1 Efeitos Organizacionais e Impactos…………………………………………20
4.2 Efeitos de Caráter Financeiro………………………………………………..21
4.3 Sobre um novo modelo de aporte…………………………………………...25
4.4 Conclusão da seção…………………………………………………………..27
5. Outras disposições………………………………………………………………………28
5.1 Policiamento e segurança…………………………………………………….28
5.2 Relação com moradores……………………………………………………...30
5.3 Campanhas contra o assédio sexual e contra a LGBTFobia…..….……..31
6. Alcançando os Objetivos………………………………………………………………..32
7. Conclusão Geral…………………………………………………………………………33
8. Assinaturas……………………………………………………………………………….35
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1. PRÓLOGO
Estêvão Romane
Coordenador e redator do Grupo de Trabalho Unidos Venceremos.
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2. ORIGEM, TRADIÇÃO E PIONEIRISMO DO CARNAVAL DE RUA DE SP
Uma breve história de nosso Carnaval de Rua.
Por Candinho Neto – Jornalista pela Faculdades Integradas Alcântara Machado; Bacharel
em Direito pela UNI-FMU; Cronista Carnavalesco entre 1980 a 2012 nos Jornais Popular da
Tarde/Diário Popular; presidente da Banda do Candinho & Mulatas; nascido a 2 de dezembro
de 1949.
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crescente participação popular e posteriormente com a participação da população negra
escravizada ou recém liberta, a qual tomavam as ruas entoando cantos religiosos de seus
países e regiões de origem, o governo e a polícia interviram com repressão, sustando a
festa e a fazendo permanecer num período latente nos idos de 1854. Efetivamente, a
brincadeira popular foi criminalizada, e alguns membros da elite passaram a dar sequência
ao ato em espaços privados, como teatros e clubes. Neste período, a música foi introduzida,
plantando as origens do carnaval que conhecemos hoje.
No entanto, a tentativa de repressão da expressão nas ruas não perdurou, se
mostrando ineficaz perante a força de expressão latente do povo. Logo, começaram a se
formar, mesmo ilegais à época, os cordões e ranchos carnavalescos, que contavam com
outras expressões populares como a capoeira, músicas entoadas por grandes bumbos e
diferentes ritmos miscigenados. Nas próximas décadas, ainda na virada entre o século XIX
e XX, graças a perseverança destes heróis de nossa cultura popular, pudemos acompanhar
o surgimento das marchinhas carnavalescas, dos Afoxés na Bahia, do Samba, observamos
o frevo tomando as rua de Recife e o maracatu nas ruas de Olinda, efetivando, assim, o
Carnaval de Rua.
Não obstante, ao longo do início do século XX, nota-se que rapidamente o Carnaval
ganhou força e tornou-se símbolo de nossa cultura, numa manifestação cultural, social e
política que transcendem as classes sociais e econômicas, ganhando notória diversidade de
realização de formatos, origens e culturas, tal qual temos o reflexo até hoje.
Entende-se, portanto, como Carnaval de Rua toda manifestação pública, gratuita e
aberta, realizado nas ruas, praça e, avenidas das cidades brasileiras. Tanto Bandas,
Blocos, Cordões ou qualquer outro tipo de desfile são chamados de Carnaval de Rua.
Por seu turno, o Carnaval de Salão conforme a própria denominação o diz, trata-se
de festejos ou Bailes realizados internamente em clubes, associações de classes e mesmo
em Teatro Municipais. Entrando neste contexto, vale notar, os badalados Concursos de
Fantasias, de enorme glamour entre as décadas de 1930 a 1960 no Brasil.
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Sociedade Carnavalesca de São Paulo, com o nome de Sociedade Carnavalesca
Piratininga - iniciando aí as Sumidades Carnavalescas com desfiles realizados no chamado
Triângulo Paulista, compreendido entre as Ruas Direita, XV de Novembro e São Bento no
centro da cidade.
Nos carnavais seguintes surgiram outras sociedades carnavalescas como os
Zuavos, os Fenianos, os Girondinos e os Tenentes de Plutão. Por volta de 1860 as
Sociedades Carnavalescas eram muito elitizadas pois era muito caro manter os carros,
comprar ou alugar fantasias luxuosas, e as decorações para os desfiles. Assim, a partir de
1863, por falta de financiamento, este tipo de carnaval foi desaparecendo, restando apenas
algumas pessoas que passavam abaixo assinados de forma a colocar uma Banda Musical
nas ruas para animar os foliões - uma solução mais econômica e prática.
É importante lembrar que naquela época a polícia e o governo eram
majoritariamente repressores do Carnaval de Rua, obrigando quem quisesse brincar nas
ruas com máscaras e fantasias a portar um cartão com autorização da delegacia da região
proposta.
Entre 1865 a 1869 por causa da Guerra do Paraguai, que debilitou a economia do
Brasil, houve a interrupção do Carnaval de Rua de São Paulo, que só ressurgiu com força
total em 1872 com a participação expressiva feminina. É curioso notar que, como as ditas
“moças de família” eram à época proibidas de participar dos desfiles, por vezes eram
cortesãs que alegravam os carros alegóricos dos clubes, remontando, mais uma vez, a
origem e expressão genuína de pessoas reprimidas por definições e estereótipos de
classes sociais e econômicas, e da importância do Carnaval de Rua para a quebra destes
paradigmas e tabus que nada contribuem à sociedade.
Neste período também é de se notar a origem do costume de se utilizarem carros
alegóricos, por meio dos desfiles chamados de Corsos. Segundo Jorge Americano, no livro
“São Paulo Daquele Tempo”, o Corso durou entre 1910 a 1915 no centro de São Paulo,
quando foi transferido para a Avenida Paulista. O Corso era composto de automóveis de
capotas abertas, onde as senhoras vinham sentadas nos bancos e as moças sentadas sob
as capotas abertas enquanto os rapazes acompanhavam a pé os carros que seguiam
devagar pelas ruas. Este tipo de desfile de carnaval obviamente era apenas para a elite,
pois outras classes não dispunham de meios econômicos para acompanhar esta
manifestação festiva.
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O primeiro Cordão Carnavalesco de São Paulo oficial foi o Cordão Da Barra Funda,
fundado em 1914 no antigo Largo da Banana (onde hoje se encontra o Memorial da
América Latina) por Dionisio Barbosa, segundo artigo de Chico Santana publicado na
Revista Histórica do Arquivo Público do Estado de São Paulo. O Cordão da Barra Funda foi
o embrião do Cordão Camisa Verde e Branco, que culminou com a fundação da Escola de
Samba Camisa Verde e Branco em 1972, além de inspirar o surgimento de outros Cordões
como o Cordão Vai-Vai, em 1930, que originou a Escola de Samba Vai-Vai, também em
1972. Convém destacar que tanto a Camisa Verde como a Vai-Vai deixaram de ser cordão
para seguir a Lei do Carnaval sancionada pelo então prefeito José Vicente de Faria Lima no
ano de 1968, institucionalizando o Carnaval de Rua de São Paulo e unificando o desfile das
Escolas de Samba. Outro Cordão de destaque na época em São Paulo foi o Cordão
Campos Elíseos formado pela comunidade negra paulistana.
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O então prefeito Prestes Maia, que governou a cidade entre 1938 e 1945 , tendo
como interventor federal do Estado de São Paulo o polêmico Ademar de Barros, se
posicionou contrário a oficialização do Carnaval de Rua de São Paulo, se limitando a
assumir parte dos encargos dos desfiles como a ornamentação das ruas para as festa dos
blocos, cordões e Escolas de Samba.
Havia ainda restrições políticas quanto aos aspectos morais envolvendo os
costumes. O apoio financeiro oficial foi suspenso por causa da frágil economia que racionou
o combustível, desativando efetivamente os desfiles de rua do Corso e das Grandes
Sociedades.
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bairros da capital, foi o prefeito José Vicente Faria Lima, o Brigadeiro Faria Lima, quem
resolveu transformar a festa em um acontecimento da cidade. "Para incentivar os foliões,
foram estabelecidos dotação orçamentária de verba e infraestrutura, prêmios e troféus
para as melhores fantasias, blocos, cordões e ranchos", prometia o prefeito, ao enviar o
projeto de lei que regulamentaria a promoção do carnaval pela Prefeitura.
Nesta tomada de decisão do prefeito foi criada a Secretaria Municipal de Turismo e
Fomento da Cidade de São Paulo, que mais tarde viria a ser substituída pela empresa mista
Paulistur S.A, durante muito tempo conhecida como Anhembi Turismo e Eventos, e
atualmente chamada de SPTuris - hoje em vias de privatização. Tal empresa deveria cuidar
da tramitação de processos e entendimentos para a contração de infraestrutura e liberação
de verba para os desfiles e Escolas de Samba, mas no fundo, atendia aos anseios da
Ditadura Militar em dominar e manter sob sua guarda os grandes movimentos socioculturais
brasileiros, como o Carnaval de Rua. As normas do desfile das escolas de samba foram
importadas do Rio de Janeiro, que também sofria com a repressão cultural e social.
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Carnavalescos da ABASP e da ABBC exprimidos em verba orçamentária das menores
possíveis. A Lei do Carnaval beneficia sobremaneira os Desfiles das Escolas de Samba no
SAMBÓDROMO, e outros pontos da cidade, onde é consumida entre 80% (oitenta por
cento) e 90% (Noventa por cento). O restante é diluído em outros itens constantes na Lei
dentre eles Concurso de Rainha Princesas e Rei Momo do Carnaval de São Paulo sendo
que a ABASP e a ABBC recebem cerca de 1% (um por cento) cada uma delas para cumprir
com o repasse de verba para suas bandas e blocos associados dentre outras despesas
administrativas.
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Banda Redonda deu sequência ao chamado Carnaval de Resistência nas ruas de São
Paulo, haja vista ter a Bandalha deixado de desfilar por imposição e principalmente
repressão dos órgãos públicos.
Nesta mesma época surgiu a Banda do Candinho & Mulatas, fundada em 1981 pelo
autor deste texto, Candinho Neto, com o intuito de divulgar a fase pré-carnavalesca de São
Paulo, que na época quase não existia no centro e era praticamente zerada na periferia
paulistana. O Carnaval de Rua de São Paulo se limitava basicamente aos desfiles das
Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos aos domingo e terça-feira de Carnaval na Av.
Tiradentes.
Vale lembrar saudosamente da Banda Gueri-Gueri, fundada pelo empresário
Roberto Suplicy fez enorme sucesso de público e mídia entre os anos 1980/90 nos jardins
finalizando suas atividades no Parque Ibirapuera na primeira década dos anos 2000. A
Banda do Biroska, no Bairro da Santa Cecília com saída na Rua Canuto Do Val sob o
comando da empresária Lilian Gonçalves, que desfilou por algum tempo deixando o cenário
carnavalesco de São Paulo por mudança de rumo de suas atividades.
Destacamos que as bandas e blocos carnavalescos da ABASP, que surgiram antes
da lei da Prefeita Luiza Erundina em 1990, participaram do chamado Carnaval de
Resistência uma vez que tinham que enfrentar dificuldades de toda ordem para colocar
seus desfiles nas ruas.
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oficial do Carnaval de Rua de São Paulo que não abria espaço para os desfiles de novos
blocos, estando todo e qualquer desfile não-oficial considerados ilegais e sujeito a
repressão policial. Estes Blocos Carnavalescos e agremiações, ao saírem às ruas, dentre
outras repressões públicas vindas também de associações de moradores, apanhavam da
polícia por estarem na rua se divertindo e arrastando o povo para a folia, por estarem
exprimindo nossa cultura e desafiando preceitos políticos e sociais.
O movimento propunha, portanto, mudanças radicais para a folia carnavalesca da
maior cidade do Brasil. As entidades ABASP, ABBC e UESP, únicas então detentoras dos
desfiles de rua oficiais, foram combatidas pelos carnavalistas que defendiam a não
institucionalização das entidades e da quebra do monopólio das autorizações cedidas. Tais
entidades logo se solidarizaram com as idéias do Manifesto, pois na verdade não eram
contra a expansão e libertação do Carnaval de Rua como proposto.
Os Carnavalistas defendiam que fosse aberto o direito de estar na rua como direito a
manifestação cultural que é o carnaval. E para eles, o mais importante era reforçar que o
carnaval é uma manifestação cultural, e não um evento pago em uma avenida artificial onde
a expressão cultural do povo fica fora de sua origem de mais de um século e meio nas ruas
de São Paulo e, milenar mundo afora.
Com a união de blocos que existem até hoje como o Jegue Elétrico, Kolombolo, Nóis
Trupica Mas Num Cai entre outros da capital, este modelo foi abraçado pelo então
Secretário de Cultura Juca Ferreira, dando origem ao gigante Carnaval de Rua de São
Paulo que temos hoje.
A preocupação à época era da simples permissão de estar nas ruas, não havendo
ainda a construção de um modelo de regras e financiamento a manifestação, como o qual
buscamos agora em 2018 por meio inclusive deste documento. O Carnaval de Rua de São
Paulo, portanto, ressurgiu de forma espontânea e de certa forma sem controle, o que
ocasionou novos conflitos com moradores e outros atores da cidade. Tais conflitos e os
próprios problemas enfrentados pelos foliões e blocos nos desfiles fizeram o governo iniciar
um processo de ordenação do Carnaval de Rua. Processo este, que corre até hoje.
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Este modelo, também adotado pelo ex-prefeito João Dória nos anos de 2017/18,
agora infelizmente longe do controle da Secretaria de Cultura, nas mãos apenas da
Secretaria de Prefeituras Regionais, tem sido muito criticado pelos representantes dos
Blocos Carnavalescos que pleiteiam revisão total para os próximos carnavais.
É importante aqui citar que, buscando mais dinamismo, amparo e visibilidade a
vários Blocos Carnavalescos novos, principalmente na periferia de São Paulo, neste
período surgiu a UBCRESP – União de Blocos Carnavalescos do Estado de São Paulo,
hoje registrando 280 blocos da Capital, ou seja, metade da totalidade dos blocos inscritos
oficialmente na última edição do nosso carnaval. Tal entidade é de relevância a ser citada
pois é a única entidade de união dos novos blocos novos deveras institucional com
representatividade jurídica, tal qual a ABASP, ABBC e outras entidades. O surgimento
desta vai de encontro com a visão de que os blocos estão buscando uma união legítima
para que, após séculos de idas e vindas, consigam se estabelecer, de fato, e ganharem
estabilidade.
Em decorrência desta abertura de os novos blocos saírem às ruas o desejo latente
de expressão do povo e sede de cultura voltou rapidamente à tona. De 47 blocos que
desfilavam pelas ruas em 2012 e poucos milhares de pessoas nas ruas, vimos um
crescimento vertiginoso de mais de 400 blocos e 10 milhões de pessoas em menos de 5
edições do Carnaval de Rua paulistano. Acompanhando os tempos, observamos que hoje
temos blocos com DJ’s - puramente de música mecânica, blocos com temáticas LGBT,
Infantis, para idosos, blocos das mais diferentes parcelas da sociedade que, novamente,
encontram no Carnaval de Rua a oportunidade de se expressarem e de se conectarem com
suas comunidades, expandir seus horizontes e se divertirem em meio a tantos conflitos e
pesos.
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3. CARNAVAL DE RUA E CULTURA, SOBRE SUA INDISSOCIABILIDADE.
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Ademais, é de se notar que, em razão do pressuposto, já é possível, inclusive,
aplicar leis de incentivo fiscal aos blocos, ponto este que deve ser expandido no nível
municipal, estadual e federal. As expressões oriundas do povo devem ser financiadas
publicamente e privadamente, sempre se atendo, é claro, a não corrupção do sistema,
priorizando aqueles que possuem pouco ou nenhum acesso a outras formas de
financiamento e ajuda, e aos projetos verdadeiramente sem fins lucrativos - o que, veja,
bem, não exclui o ressarcimento das horas-trabalho das equipes envolvidas.
Em nosso segundo ponto, respondendo ainda à pergunta auto-postulada aqui,
nomeadamente, “e o patrocinador da cidade que vende seu produto?”, este sim, por sua
própria natureza, atende interesses comerciais em sua essência e deve receber tratamento
distinto. É certamente um ato nobre o apoio às artes, o investimento na cultura, o ato de
injetar valor não no próprio bolso, mas de volta ao povo na propagação e evolução das
culturas e artes. Porém, é claro, o propósito final de um artista difere do empresariado: um
busca expressar, de diferentes formas, sua visão de mundo, passado, presente ou futuro; o
outro, busca invariavelmente, o lucro. Tal paralelo fazemos também no Carnaval de Rua, no
qual temos, de um lado, os blocos organizados há séculos por milhares de pessoas que
encontram nesta manifestação cultural uma forma de se expressarem, e, para que suas
criações passem ao plano concreto e físico, buscam formas de financiamento. Do outro
lado, marcas que enxergam nesta manifestação uma forma não somente de apoio à cultura,
mas também de lucro, diretamente via venda, ou indiretamente via marketing e campanhas
publicitárias. O bloco não pode ser demovido de seu status cultural por buscar um
patrocínio ou um patrono, ao passo que a empresa não pode ser promovida ao status de
arte e cultura por seu apoio.
Tal distinção é de suma importância ser compreendida, pois quando começamos a
erroneamente identificar um como o outro, acabamos por gerar barreiras para o
crescimento artístico e cultural. Ora, como podemos tratar como comércio uma
manifestação cultural tal qual um bloco de rua, cobrando dele taxas municipais, aplicando
leis tributárias e de alvarás com o mesmo rigor exigido a uma empresa, exigindo dos blocos
um rigor executivo que é muito aquém de suas afluências artísticas naturais? Ceifando sua
espontaneidade de criação (o que não quer dizer que não há limite em sua liberdade), se o
bloco, por decreto municipal e por própria cultura do nosso carnaval paulistano não pode
cobrar do público sua exibição, não pode ter lucro e deve ser realizado em espaço público
sem segregação?
Ao mesmo tempo, já que agora tratamos de separar a manifestação cultural do
comercial, como podemos deixar que somente uma ou duas grandes marcas e empresas
se apoderem do espaço público, se apoderem dos blocos que ali passam e que não são
apoiados pela marca, ceder tamanho poder até mesmo da fiscalização e cumprimento das
regras a ele submetidas? Como podemos permitir que somente uma grande marca dite qual
será a cor da rua em toda São Paulo? Dite que produto o consumidor irá consumir? Dite o
que um bloco pode ou não presentear seu folião? Como podemos permitir que uma marca
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ou empresa passe por cima do bom-senso, da Lei e da ordem para alcançar seus
objetivos?
Portanto, a próxima pergunta que buscaremos solucionar é: quais os limites que
devemos impor na busca pela materialização de nossa manifestação cultural? O que
estamos dispostos a ceder para que ela seja interessante e viável a possível patronos?
Vimos em nossa primeira parte que sem apoio financeiro, ou alguma relação com o
mercado, as manifestações culturais se minguariam ou nem viriam à existência. O público,
sedento por cultura de graça nas ruas, simplesmente não iria ver, sentir, nem ouvir a arte
dirigida a ele. Teríamos aí um ciclo que já é conhecido e sabido por todos: um público de
milhões de pessoas que não consegue matar sua sede de cultura se torna instável e apela
a outras formas menos louváveis de expressão, ficando num ermo sem conteúdo, no qual
impera a desordem, o abuso excessivo de álcool e drogas, a depredação do espaço
público, a falta de respeito com nossa Cidade e Comunidade. Basta acompanhar os relatos
de moradores e comerciantes para ter isto como afirmação. Curiosamente, é notado, o
problema maior não é o bloco na rua, mas a falta dele! E isto é muito curioso, pois poderia
se assumir o contrário. No entanto, é na ausência de conteúdo que os problemas surgem.
Neste sentido, na busca por um equilíbrio e florescimento de nossa tão rica e
importante manifestação cultural, nos propomos a pensar um modelo comercial capaz de
respeitar a todos. Primeiramente, podemos dizer que existem 3 categorias principais de
blocos no que diz respeito a suas relações comerciais:
1) Existem blocos que não querem, por princípio, receber apoio de marcas,
tampouco estar próximo de ações comerciais. Em sua maioria, tal qual
Mozart, estes blocos acreditam que ter um patrono diminui sua liberdade de
expressão. Não somente, tais blocos podem não concordar politicamente
com as marcas apresentadas, ou até mesmo com o modelo capitalista em si
que vivemos, e para se manterem “puros”, não se associam a marca ou
empresa alguma - mesmo que vendam produtos ou busquem uma forma de
financiamento, porém independente e auto-centrada. Devemos respeitar esta
direção com muita seriedade, e não tratá-los com desdém. Estes blocos
devem ter o direito garantido de se apresentarem livres de marcas.
Chamemos, para fins organizacionais, estes blocos de “Blocos Livres”.
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2) Outra categoria são aqueles que não têm pretensão de se associar a um
patrono para alcançar seus objetivos e não buscam, necessariamente
crescimento de público. São blocos geralmente pequenos (em geral até 5mil
pessoas), composto por familiares, amigos, amigos de amigos, colegas de
trabalho, que desfilam nas ruas onde moram e convivem. Estes blocos em
geral evitam o grande público. Não possuem estrutura de sonorização e de
produção para atender um público grande e nem querem! Muitos não
divulgam publicamente local e data de saída para inclusive evitar que muita
gente vá a seu desfile. Tais blocos não possuem uma visão “radical” ao não
patrocínio, como os Blocos Livres, e até sentem que poderiam se beneficiar
de alguma verba ou infraestrutura oriunda do privado, mas como não
possuem estrutura de atendimento comercial e nem buscam o ter, em sua
maioria não geram interesse às marcas, nem as marcas se interessam por
eles. Este blocos estão num limbo: não querem crescer nem criar estrutura
de atendimento às marcas, porém precisam de apoio financeiro e de
infraestrutura para existirem e garantir segurança e um mínimo de conforto
aos foliões, por menor que seja o público, quem decide por um bloco na
comunidade é no mínimo um anfitrião com estima!; não são contra marcas,
porém não olham bem para aquelas que invadem seus blocos alegando que
“estão patrocinando a cidade, logo eu posso estar aqui com minha marca
pois você está na cidade” (atitude terrível esta que trataremos posteriormente
neste documento). É de se notar que esta categoria engloba a maioria dos
blocos da Cidade, e é parte intrínseca da alma do Carnaval de Rua
paulistano. Chamemos estes blocos de “Blocos Não-Profissionais”.
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extremas para evitar uma massa de foliões, ou abraçariam o que se tornaram
e passariam a tomar medidas para se profissionalizar e garantir satisfação do
público que cativaram. Não são, portanto, “bloco comerciais”, pois esta
expressão é falaciosa: são blocos que assumiram a postura profissional
perante sua expressão, tal qual uma pessoa pode assumir-se um artista ou
escritor profissional, deixando de estar no nível do lazer ou amador.
- Blocos Livres e Não Profissionais, somados, são a grande maioria dos blocos
da cidade. Não trazem, individualmente, grande número de foliões, porém,
estão espalhados pela cidade de forma simultânea. Geralmente possuem
forte relação com as regiões onde desfilam, em geral zonas residenciais ou
mistas. São manifestações que se removidas para longe de seus locais de
origem, deixarão de existir. São blocos em sua maioria conhecidos e amigos
de associações de bairro e de cuidado da comunidade. São blocos com
pouco ou nenhum equipamento de som móvel como trio elétrico, pouca ou
nenhuma organização para controle de público como corda, até porque são
desfiles em sua maioria tranquilos e sem grandes incidentes há séculos.
Individualmente não causam grande impacto na cidade, porém, como são
numerosos e espalhados, exigem dos órgãos públicos atenção e cuidado
simultâneo, o que traz um desafio de gestão por si só. Não precisam de
grande infraestrutura, mas precisam de atenção e cuidado.
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para sua imagem de carnaval livre e diverso. Historicamente, vemos que
quando se reduz o carnaval de rua a poucas ruas e avenidas ele morre, fica
latente, como o ocorrido na década de 70, efeito que perdurou por ao menos
30 anos.
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catalisador de interações sociais e avanços positivos na sociedade. Barreiras sociais e
econômicas são quebradas, e pulsamos como uma só entidade. É bonito de se ver! No
entanto, no ponto de vista administrativo e financeiro surgem algumas questões, às quais
servirão de base para apontarmos algumas possíveis soluções ao final desta seção.
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Grande parte da economia gerada pelo Carnaval de Rua para a cidade vem de
forma direta de impostos, oriunda do turismo e da venda dos produtos e serviços durante a
festividade. A movimentação das empresas de marketing e de serviço de apoio aos blocos
também deve ser levada em consideração. Não existe, ao passo, atualmente, um cálculo
que englobe todas estas categorias. Tal estudo deveria ser escopo de uma entidade tal qual
Fundação Getúlio Vargas a qual poderia nos trazer números mais precisos em relação a
economia gerada pela manifestação cultural. Estudos recentes já apontam um faturamento
de mais de 700 milhões de reais, número este baseado em turismo e gastos com o turismo
interno e externo de São Paulo. A cifra, porém, é certamente maior se considerado os
outros setores envolvidos.
Além do mais, os efeitos de arrecadação para a cidade se prolongam ao longo do
ano: como plataforma de marketing e expansão dos negócios, como catalisador de novos
empreendimentos, e como desdobramentos tais quais eventos e festas privadas que
seguem ao longo dos meses consequentes e anteriores ao Carnaval. Comparativamente, o
carnaval de Salvador, tradicional e antigo, gera em torno 1,7 bilhão de reais de faturamento.
Se temos a projeção de que o Carnaval de São Paulo será o maior do País, ultrapassando
o de Salvador já na próxima edição, pode-se ter uma idéia do potencial de crescimento que
temos pela frente.
Tal força gera uma enorme responsabilidade por parte do poder público: a
manutenção do interesse coletivo ante o cerceamento individualístico e canibalístico a qual
o mercado, sem qualquer regulação ou balizamento, tende a historicamente sofrer. E os
reflexos disto já vemos em nosso Carnaval e já vimos em outros carnavais. Voltamos,
portanto, para as nossas perguntas iniciais.
Ora, se temos um carnaval tão diverso, uma geografia que nos permite expandir os
conteúdos pela cidade sem interferência um do outro, e uma necessidade de investimento e
recursos tamanha, porque, então, adotar o fracassado modelo de Cota Master? Tal modelo,
importado de outras cidades sem qualquer estudo e cuidado, prevê que, para cada
categoria aberta (cervejaria, camisinha, banco, etc), apenas uma marca possa investir na
cidade. Obviamente, os valores pedidos para cada categoria são enormes, uma vez que a
conta não é dividida entre mais partes. Em 2017 o valor inicial orçado pela Prefeitura
ultrapassava os 16 milhões de reais, e o processo de captação foi feito de forma tão obtusa
e seletiva que hoje é alvo de investigação no Ministério Público de São Paulo. O Carnaval
de Rua do Rio De Janeiro, que também adotou tal modelo, foi praticamente a falência
utilizando o mesmo modelo. O que acontece de errado neste modelo?
Primeiro, e mais importante, temos o efeito Cobertor Curto: com este modelo,
pouquíssimas marcas possuem capacidade de investimento para aportar na cidade como
um todo. E mesmo as marcas que possuem tal capacidade, quando o fazem, acabam
ficando sem verba para investir nos blocos em si. Estes, que deveriam ser os alvos diretos
do investimento para colocarem suas manifestações culturais políticas e sociais na rua, de
graça para o povo, entram em colapso sem verba. Para cada real que uma marca investe
na cidade, ela precisa gastar mais 2 a 6 reais para “fazer valer o investimento”, como diz o
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jargão. Isto pois a verba aportada na cidade é apenas a porta de entrada para o que a
marca tem de gastar em visibilidade. Ela precisa investir em marketing, em produção, em
gerência, e nos próprios blocos para ser vista e apreciada. Outrossim, é um dinheiro jogado
no lixo. Portanto, uma marca que decide gastar 10 milhões numa “cota master” do Carnaval
de Rua da cidade, necessitará investir outros 10 a 60 milhões para que seus analistas e
executivos passem a enxergar o investimento como valioso. De outra forma, calculam, é
melhor jogar o dinheiro em outro lugar - que certamente não será numa manifestação
cultural de graça para a população, de tamanha proporção. A grosso modo, o bem geral
que a marca poderia propiciar aportando verba em nosso Carnaval será dissipado em
campanhas midiáticas que só beneficiaram a própria empresa - se tanto.
Investir em infraestrutura para a cidade é fundamental para os blocos saírem na rua
provendo o mínimo de conforto aos foliões. No entanto, não fomenta nem ajuda a pagar os
custos das apresentações em si. Não adianta um carnaval com banheiro público mas sem
conteúdo com qualidade na rua. O que isto ocasiona é um carnaval com infraestrutura
adequada, porém, com conteúdos aquém do que o público necessita e do podemos
alcançar em termos de expressão. Blocos sem carro de som, blocos sem verba para pagar
seus músicos e artistas, sem verba para ensaios etc. Não é incomum ouvirmos histórias de
pessoas que vendem o único carro da família para cobrir os custos do bloco, blocos que
deixam de sair por falta de verba, e blocos que saem sem o menor preparo por falta de
verba, o que pode ocasionar em danos para as pessoas e para a cidade, além de desgastar
a imagem do Carnaval como um todo, afastando outros possíveis investidores, turistas e
pessoas impactadas.
Ao mesmo tempo, se poucas marcas (em geral 2 ou 3) dividem a conta da cidade, e
num cenário global são as únicas que têm poder para investir, se uma sai, a conta fica
inviável até para as demais. Foi o caso no Rio de Janeiro, onde das 3 maiores marcas
apoiadoras, uma decidiu, como sempre decidem a bem-querer as empresas, se retirarem
do Carnaval de Rua. As duas restantes não tiveram, então, verba para manter o
investimento, e abriu-se um rombo nas contas que até hoje não foi reparado, deixando a
cidade desamparada, sem preparo, sem estrutura, colocando policiais e fiscalizadoras
trabalhando em condições sub-humanas. Blocos com centenas de milhares de pessoas
com estrutura para poucos milhares... e aí sabemos o desenrolar deste filme. Os efeitos
administrativos são catastróficos e os culturais irreparáveis.
Um outro problema com este modelo é o da falta de atratividade que ele gera. As
marcas operam num sistema de contrapartidas para seus patrocínios. Quando maior o
valor, maior a contrapartida que elas esperam. E quando a Cidade não consegue atender
as contrapartidas necessárias? Temos um cliente insatisfeito que não voltará mais ou nem
investirá conosco, ou um cliente ousado que fará de tudo, legal e ilegalmente, para fazer
valer seu investimento. Não à toa, novamente, temos a investigação do Ministério Público
de SP em andamento para avaliar os abusos ocorridos durante o Carnaval de 2018 pelas
entidades patrocinadoras.
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Ademais, criamos, com este modelo atual, um efetivo afastamento de outras marcas,
com poder de investimento menor, porém muito significativo. Isto ocorre pois, uma vez que
o valor requerido é alto, e as contrapartidas que a Cidade deve entregar são altas, não resta
espaço para quem é grande, médio ou pequeno. Só ficam os gigantes. Veja bem:
pensemos que você tem uma empresa que fatura 40 milhões de reais por ano. Você é uma
companhia grande, tem um grande público, é querida no mercado e gostaria de fazer parte
do Carnaval de Rua de SP aportando 5 milhões de reais. Igual a você existem outras 5, que
somadas poderiam investir 25 milhões. No entanto, existe uma concorrente que fatura 1
bilhão, e pagou a tal da “cota master” da cidade de 15 milhões, a qual, entre outras coisas,
para justificar o valor pedido, a permite que apenas ela possa reabastecer os ambulantes
durante a festa, que as ruas sejam tomadas de adereços com a marca e cor dela, bem
como ela pode realizar ações de marketing em qual bloco for, inclusive em um que você iria
investir. Você não tem, portanto, como vender seu produto, sua marca irá sumir no meio da
concorrente, e o poder da outra empresa é tão grande que há rumores que ela controla até
os fiscais da Prefeitura. Você investiria seus 5 milhões de reais neste cenário? Certamente
não. E é isto o que ocorre, atualmente, em nosso Carnaval. E até mesmo marcas que
vendem outros produtos se sentem ameaçadas, tamanha a contrapartida e poder que é
dado a estas marcas “master”.
Portanto, a cidade, que poderia receber um aporte de 40 milhões, e os blocos que
poderiam receber milhões em incentivo para suas expressões, por falta de um ecossistema
de negócios fruível, tem de se contentar com 15 milhões, e nenhuma das 5 outras marcas
irão investir nos blocos, ou investir irrisoriamente. Todos sofrem: os blocos, as marcas, a
economia, o público, a Cidade, nossa cultura.
Porque, então seguimos este modelo? E porque, então, não nos colocamos, a
pensar noutro?
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5) Um modelo que ao mesmo tempo maximize o investimento na cidade e reduza o
valor total investido por marca na cidade, sobrando verba para os blocos - reduzindo, assim,
o efeito Cobertor Curto.
6 ) Um modelo que auxilie blocos não-profissionais ou em processo de
profissionalização a dialogar com marcas e empresas para que estes também possam
melhorar sua estrutura, elevando a qualidade total do Carnaval de Rua de SP.
7 ) Um modelo que compreenda a localidade dos blocos e permita que micro-marcas
e micro-empresas também possam investir sem serem engolidas por outras, ajudando as
comunidades locais a se beneficiarem.
8 ) Um modelo que não transforme a cidade num grande mercado a céu aberto, nem
numa grande campanha publicitária, buscando um equilíbrio nas contrapartidas permitidas e
negadas.
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- Criação de Zonas e Ruas Livres, onde não há qualquer exibição de marca
nem ação de marketing, para os Blocos Livres e público que não querem se
sujeitar a campanhas publicitárias.
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Este fator é de suma importância para aumentarmos o interesse das marcas
no apoio aos blocos e na cidade, e as limitações impostas são deveramente
extremas, pouco claras e afastam de forma incomensurável as marcas que
poderiam apoiar a todos.
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5. OUTRAS DISPOSIÇÕES
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de Salvador que transgridem o limite do respeito ao cidadão, mas é evidente a necessidade
de um policiamento mais ativo, organizado e planejado junto a população.
Não obstante, é de se notar que caso tal operação de policiamento não seja de fato
melhorada, que não seja feita dentro da massa de gente, com expansão do sistema de
monitoramento integrado dentre outras medidas pertinentes, onde possíveis infratores
percebam que não há mais espaço para o crescimento de atividades criminosas, corremos
o risco de passar por uma explosão de incidentes durante o Carnaval. Hoje, é nítido que o
policiamento é feito a distância nos blocos, com poucos e espaçados agentes da Civil à
paisana, e que crimes como furto e roubo são demasiadamente fáceis de serem efetivados.
Não somente, a venda de drogas e bebidas falsificadas mostra-se facilitada, e já há relatos
de organizações que utilizam a massa de pessoas para efetivar sequestros e raptos de
pessoas, bem como o planejamento de ataques terroristas.
Por estes motivos, pedimos que as polícias sejam encaminhadas para um programa
de troca de aprendizados e técnicas com as polícias de outras municipalidades de nosso
país que já possuem aprendizado de décadas no controle de público e mitigação de
atividades criminosas. Nosso carnaval deve ser conhecido e reconhecido como
extremamente seguro para toda a população, com uma polícia respeitosa, não truculenta,
porém ativa.
Uma grande questão que sempre rondou o carnaval, bem como todo grande evento
público, é a relação com os moradores. Quando falamos em moradores temos de lembrar
que, é claro, cada folião, integrante de bloco e até mesmo os governantes da cidade são
habitantes. Porém, é muito importante lembrarmos que, numa metrópole de 17 milhões de
pessoas, mesmo com 10 milhões nas ruas, temos outros tantos que não estão participando
diretamente do acontecimento, e temos de levar em conta a todos quando fazemos nossas
atividades.
É de se notar que inúmeros blocos possuem boa relação com os moradores e suas
associações de bairro e de cuidado com a comunidade, até porque da comunidade vieram e
dela dependem para se manter e se expressarem. E ambos temos de entender isto.
Deveria ser dever de cada bloco entrar em contato direto com os moradores e associações
das regiões por onde desfilam, e vice-versa. Nós só temos a ganhar com esta aproximação,
e é dela que extraíremos efeitos ainda mais benéficos por meio da criação de laços, de
senso de pertencimento comunitário, do cuidado com a Cidade. Vivemos numa metrópole
embrutecida com tanta violência e um dia-a-dia corrido e caótico, e se não pararmos para
nos conhecermos e nos aproximarmos, jamais formaremos uma união capaz de vencer as
adversidades e aqueles que imperam na desordem. Que o Carnaval de Rua sirva de
catalisador para esta união.
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No caminhar e nos aprendizados obtidos, pudemos notar que, apesar dos conflitos
entre blocos e moradores serem por vezes constantes e explosivos, ambos estamos
lutando pelas mesmas coisas e no fundo temos mais pautas iguais do que diferentes.
Ambos queremos mais respeito e atenção da prefeitura; ambos queremos uma
manifestação mais segura e organizada para os foliões e para a cidade; ambos não
queremos ver nossas ruas serem transformadas em vomitórios e mictórios a céu aberto;
ambos não queremos ver nossa cidade deteriorada após os desfiles; e, curiosamente, a
maioria dos moradores, até mesmos dos que possuem as críticas mais ferrenhas a respeito
do Carnaval de Rua, gostam da manifestação e a querem. Neste sentido, devemos buscar
a conciliação e não a dissidência.
Não é de interesse de nenhum bloco o desrespeito aos moradores de seus bairros e
por onde passam, e os conflitos gerados, em sua maioria, ocorrem por falta de preparo e
organização dos órgãos públicos. A citar, alguns pontos:
- Falta de aviso prévio aos moradores, a respeito dos trajetos e horários dos
desfiles que passarão em suas ruas, bem como avisos prévios nas vagas de
estacionamento, de forma a evitar o bloqueio de carros e a impossibilidade
de se sair ou chegar em casa. Estes avisos devem ter ao menos 30 dias de
antecedência, para que eles possam se organizar e se planejar. Atenção
especial para residências com idosos, pessoas portadores de necessidades
especiais, que sofrem com o passar constante dos blocos.
- Organização junto aos blocos para que os moradores não percam a
possibilidade de ir e vir durante os desfiles e entrada e saída de veículos. É
claro que é necessária a compreensão de que o acesso poderá ficar mais
difícil nas horas de desfile, porém em muitos casos não se trata de
dificuldade, mas de impossibilidade, e não é possível tolerar isto.
- Melhoria dos serviços de banheiros públicos e lixo, já que ninguém é
obrigado a ver sua porta de casa ser transformada em latrina.
- Melhoria na eficiência da remoção de ambulantes ilegais que perduram após
o término dos desfiles (que devem terminar às 22 horas), e dos batidões ou
carros de som que assumem a festa após os blocos passarem. Este item é
muito importante pois é uma frase muito repetida pelas entidades de
moradores: “nosso problema não são os blocos, mas o que fica depois que
eles passam, noite adentro.”.
- Melhoria do policiamento durante o Carnaval de Rua, a fim de se manter a
segurança do entorno e nas ruas.
Aqui, novamente, notamos que somente uma ação integrada entre moradores,
blocos e órgãos públicos poderemos dar o devido respeito e atenção aos habitantes da
nossa cidade, e só temos a ganhar com isto. É importante envolvê-los nas discussões e
tomadas de decisões, se beneficiando inclusive do conhecimento local profundo que
possuem.
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5.3 CAMPANHAS CONTRA ASSÉDIO SEXUAL, CONTRA LGBTFOBIA
O Carnaval de Rua traz uma enorme interação entre a população. São mais de 9
milhões de pessoas que pacificamente brincam, se expressam, se divertem e absorvem
cultura gratuitamente nas rua de sua cidade. Num espírito de confraternização, no entanto,
reflexos de uma parte doente da sociedade são expostos, e mais do que nunca é hora de
lidarmos com estes assuntos de forma efetiva.
O Assédio Sexual é um tema deveras sério que aflige todos os sexos, porém
especialmente as mulheres. Além de atos violentos como puxões de cabelo, apertões nas
partes íntimas e até o estupro em si, vemos também atos que já foram até considerados
como “inocentes” há algumas décadas, porém hoje sabemos que escondem problemas
muito mais profundos. O reflexo de tais atitudes se mostram nos inúmeros casos de
estupro, violência doméstica e feminicídios, além dos efeitos danosos do tratamento
não-igualitário no mercado de trabalho e socialmente. É necessária seriedade e efetividade
para frearmos este mal.
O Carnaval de Rua é especialmente vítima desses abusadores, que usam do clima
livre e da multidão para cometerem seus crimes e má-condutas. Ao mesmo tempo, é
justamente o mesmo clima e multidão que permitem uma pulverização de políticas
repressivas e ações educativas para contribuir no sanar este problema, não somente
durante o Carnaval, mas durante todo o ano, levando reflexo para a sociedade.
Neste sentido, é imperativo que os órgãos públicos sejam não somente
conscientizados a respeito de como lidar com o problema, mas também de buscarem
soluções práticas de denúncia e penalização. Não apenas um trabalho de policiamento,
mas de educação e informação a respeito dos canais de denúncia, a explicação de
comportamentos abusivos para a população. Somente por meio de uma ação coordenada
entre os blocos, a comunidade e o poder público, conseguiremos frear e eliminar o
problema tão latente.
É importante salientar que já existem campanhas ativas que lidam com o tema
oriundas de blocos de rua, portais de comunicação e da mídia em geral. Tais esforços
devem ser somados e interligados a canais efetivos de repressão a este tipo de violência.
Acreditamos também que é de responsabilidade e dever direto dos patrocinadores
que vendem bebidas inebriantes informar, educar e ativamente procurar meios educativos e
comunicativos para mitigar os efeitos danosos que o álcool causa em certas pessoas. É
sabida a relação entre os efeitos do álcool e atos de violência contra a mulher e minorias, e
não devemos tratar este assunto como uma mera campanha de marketing bonita por parte
das empresas. Toda a empresa que venda bebida alcoólica deve apresentar um plano de
comunicação e ação para mitigar seus efeitos perante a população durante o Carnaval. Já é
determinação a exibição de avisos contra o abuso de álcool, e por mais que estes devam
ser ainda mais enfatizados e explicados, é imperativo que seja obrigatório a participação
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destas empresas em ações para frear o assédio sexual. Uma empresa que venda bebida
alcoólica e não assuma esta responsabilidade educativa pela natureza de seu produto deve
ser taxada de irresponsável e sofrer punições.
Um segundo tópico que podemos utilizar o carnaval para desenvolver um trabalho
muito efetivo é a eliminação da LGBTFobia de nossa sociedade. Novamente, aqui, vemos
um reflexo de uma parte da sociedade adoecida que não reconhece na diversidade da vida
uma igualdade fraterna, e nunca antes na história de nosso País o assunto foi tão
comentado e tão revisitado. Não à toa, os casos de violência contra LGBTs dispararam nos
últimos anos, em paralelo a diversas pessoas dos mais diversos gêneros e orientações
sexuais publicamente cansaram de viver às sombras e marginalizadas. É verdade que
vivemos no Brasil um período de certa forma libertador para esta parcela da sociedade, mas
também em contrapartida um período sombrio de repressão a esta liberdade que começa a
ser conquistada. Uma liberdade que vem sido conquistada literalmente a custas de muita
luta, sangue derramado, vidas danificadas e traumatizadas, quando não ceifadas. Temos a
responsabilidade de nos unirmos contra a LGBTFobia.
Interessante de se notar, diversos dos blocos mais conhecidos e notórios da cidade
tem origem e se assumem LGBTs. Nosso carnaval é o carnaval da diversidade, e deve ser
também o carnaval do respeito e do amor pela vida em suas mais diferentes formas. Aqui,
também, insistimos que o governo deve buscar, ativamente, a realizar campanhas contra a
LGBTFobia, instaurar mecanismos de denúncias práticas e ampliar a rede de apoio a esta
parcela ainda marginalizada pela maior parte da sociedade.
6. ALCANÇANDO OS OBJETIVOS
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Indagamos novamente, como podemos permitir que nossos agentes públicos sejam
tratados desta forma? Como podemos permitir que um cidadão do bem, a serviço do povo
se encontre nestas condições de trabalho? Como poderemos cobrar maior eficiência e
empenho sem uma melhoria nas condições de trabalho? Não há cabimento tamanho
desrespeito e desdém.
Para tudo isto e mais um pouco, faz-se necessária a criação de um Grupo
Intersecretarial Permanente para o Carnaval de Rua de São Paulo, junto a órgãos como a
Secretaria de Cultura e seu vasto conhecimento de operação em grandes eventos públicos,
CET, DSV, órgãos que se dedicam a estudos de viabilidade e facilitação comercial como
SPNegócios e afins, além de pontes com instituições de pesquisa acadêmica e,
primordialmente, com participação ativa da comunidade - blocos, moradores, comerciantes.
A participação da comunidade, da sociedade civil, que envolve não somente blocos,
mas moradores e atores de nossa Cidade, mostra-se cada vez mais necessária em toda a
esfera pública. É um fato consumado que nossas instituições mostram-se à mercê de
interesses políticos e pessoais que oscilam e mudam por completo de direção conforme a
dança das cadeiras. A permeabilidade que se dá às forças de interesses que não
respondem ao coletivo é alarmante. Haja visto, em nossa esfera, novamente citando aqui, a
ação decorrente do Ministério Público que busca investigar a predominância de interesses
pessoais obtusos na administração de nossos recursos. Não podemos mais ficar à mercê
de operações oportunistas, eleitoreiras, quando não puramente criminosas. A participação
da comunidade nos trâmites públicos que respaldam diretamente sobre nossas cabeças é
imprescindível, e mostra-se evidentemente necessária no Carnaval de Rua, tratando-se de
uma manifestação cultural, social e política do povo para o povo, com tamanha repercussão
e potencial unificador e agregador de nossa comunidade. Que o nosso Carnaval sirva de
exemplo de participação popular efetiva em nossa democracia e governo.
7. CONCLUSÃO GERAL
É realmente difícil encerrar o assunto e fechar este documento. Nosso carnaval é tão
diverso e complexo, envolve tantos atores, vontades e receios que seria injusto dizer que
explicitamos aqui tudo o que temos para dizer, refletir, ponderar e reivindicar. Mas
acreditamos ser um bom começo, e agradecemos a todos os leitores que nos
acompanharam até o final. Sabemos que é um tema exaustivo e não economizamos nas
palavras e raciocínios. Não bastaria aqui entregar uma simples lista de considerações ou
tabela de pontos… seria demasiadamente simplista e até mesmo desrespeitoso com o tema
o tratar desta forma. Deste modo, incentivamos o pleno e amplo diálogo e convidamos a
todos para mais conversas e mais entrosamento entre todas as partes. Somente por meio
da união poderemos vencer as adversidades da vida, vida esta que refletimos em nossas
expressões carnavalitas.
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Pudemos observar aqui que nossas maiores virtudes vêm com muita
responsabilidade e carência de mudanças. Nosso Carnaval de Rua é multifacetado e exige
uma atitude de comprometimento governamental que não pode depender de vontades
políticas que vêm e que passam. As cadeiras do poder mudam, mas nós continuamos
carregando esta tradição milenar. Nesse ínterim de trocas, ficamos a deriva, o que ocasiona
diversos problemas dos quais os blocos pouco têm participação, mas que acabam por
rescindir sobre nossos ombros. Estamos aqui para aprender, mas também para ensinar.
Somos professores, trabalhadores, artistas, desempregados, somos executivos, somos
negros, asiáticos, transsexuais, mulheres, jovens, idosos… somos o reflexo completo de
nossa sociedade e por isso clamamos por atenção, respeito e participação ativa nas ações
que caem sobre nós. Não há mais espaço para atitudes unilaterais, sem diálogo, sem a
participação ativa da sociedade, sem o respeito devido a nossas instituições. Diga-se de
passagem, não há mais espaço para tal atitude em nenhuma parte de nossa vida política. A
política é do povo e ao povo pertence. O governo é do povo e ao povo pertence. Os
governantes são o povo e ao povo pertencem. Que nossa luta e sede por democracia,
coerência e união se expanda e sirva de alento ao fortalecimento em todas as áreas de
nosso país.
Por todos estes motivos, concluímos com o clamor pela perspectiva primordial de
que este seja apenas o início do diálogo e da participação ativa da sociedade na construção
do nosso Carnaval de Rua, consequentemente de nossa cultura como brasileiros e
cidadãos do mundo. Que possamos juntos encontrar as melhores soluções para nossos
problemas e que juntos consigamos fortalecer nossos acertos.
Com grande estima a todos os cidadãos de nosso município, estado e país,
agradecemos vossa leitura e nos prestamos a disposição para o diálogo construtivo
irrestrito.
8. ASSINATURAS
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Candinho Neto - Banda do Candinho & Mulatas; integrante do “UV”.
Gustavo Gomes - GoFun: Blocos Rindo a Toa, Toca Um Samba Aí, Se te pego não te largo,
Vale o Que Vier, Eugênio, integrante do “UV’.
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