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Brasília, DF
2007
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Brasília, DF
2007
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________________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira (Orientador)
Universidade Católica de Brasília - UCB
________________________________________________________
Profa. Dra. Deise Matos do Amparo (Co-Orientadora)
Universidade Católica de Brasília - UCB
________________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida (Examinadora Interna)
Universidade Católica de Brasília - UCB
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Profa. Dra. Anna Elisa de Villemor-Amaral (Examinadora Externa)
Universidade São Francisco / Faculdade de Psicologia da PUC-SP
Brasília, DF
2007
iv
DEDICATÓRIA
ciência e da esperança.
v
AGRADECIMENTOS
A meus pais, pelo amor, educação, instrução e conscientização sobre a vida. Aos demais
familiares, pelos sinceros laços de afeição.
Ao Dr. Roberto Menezes de Oliveira (Orientador) e à Dra. Deise Matos do Amparo (Co-
Orientadora), pelo profissionalismo na condução do processo, pelas valiosas sugestões na
estrutura organizacional desta pesquisa, e principalmente pela coragem de aceitar a
coordenação-supervisão de um Estudo de Caso delicado e complexo, ainda com fortes
preconceitos no Brasil.
Aos pesquisadores da International Society for the Study of Trauma and Dissociation
(Sociedade Internacional para o Estudo do Trauma e da Dissociação), e membros da
ISSDWORLD, lista de discussão internacional, pelas respostas ininterruptas frente a
questionamentos diversos relacionados com a Personalidade Múltipla.
Aos pesquisadores citados neste estudo de caso, bem como àqueles outros anônimos, pela
incansável dedicação em prol do avanço científico e da melhora de seus pacientes.
Por fim, não desejando esquecer ninguém – porque considero a gratidão como um
sentimento que deixa rastros luminosos no caminho de cada um em seu curso ascensional –
agradeço àqueles que minha memória consciente não foi capaz de lembrar.
vi
1910[1909]/1996, p.62).
Então,
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I – CARACTERIZAÇÃO DA PERSONALIDADE MÚLTIPLA
E RELAÇÃO COM TRAUMA E DISSOCIAÇÃO 9
1.1- Casos Clássicos de Personalidade Múltipla 9
1.2- Definições 29
1.3- Classificações e Critérios Diagnósticos Atuais 30
1.4- Sintomatologia 31
1.5- Epidemiologia 33
1.6- Etiologia 36
1.7- Funcionamento da Dinâmica Psíquica 38
1.8- Trauma e Dissociação 40
CAPÍTULO II - MÉTODO 45
2.1- Caracterização do Método 45
2.2- Participante 46
2.3- Instrumentos Utilizados 48
2.3.1- Relato de Sessões Clínicas 48
2.3.2- Produções das Personalidades 49
2.3.3- Escala de Experiências Dissociativas - DES 49
2.3.4- Teste das Pirâmides Coloridas - Pfister 50
2.3.5- Teste de Apercepção Temática - TAT 51
2.3.6- Entrevistas (Clínica, SCID-D e Devolutiva) 51
2.4- Procedimentos para Coleta de Dados 53
2.5- Procedimentos para Análise dos Dados 55
CAPÍTULO III – RESULTADOS: PROCESSOS DISSOCIATIVOS E
TRAUMÁTICOS EM CAROLINE 57
3.1- Elementos Anamnésicos e Relatos Clínicos 57
3.2- As Produções das Personalidades 97
3.3- A Escala de Experiências Dissociativas - DES 104
3.4- O Teste de Pfister 105
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 9 - Siglas das cores utilizadas por Caroline na primeira pirâmide (alto, centro),
segunda pirâmide (baixo, esquerda) e terceira pirâmide (baixo, direita). 110
Figura 12 - Comparação entre valor obtido, por Caroline, e valor esperado para cada cor. 111
Figura 13 - Siglas das cores utilizadas pela alter Dalva na primeira pirâmide (alto, centro),
na segunda pirâmide (baixo, esquerda) e na terceira pirâmide (baixo, direita). 115
Figura 14 - Demonstrativo do resultado das cores escolhidas por Dalva, em porcentagens. 115
Figura 15 - Comparação entre valor obtido, por Dalva, e valor esperado para cada cor. 116
Figura 17 - Demonstrativo do resultado das cores escolhidas por Caroline (re-teste). 120
Figura 18 - Comparação entre valor obtido e valor esperado para cada cor (re-teste). 120
Figura 19 - Principais protagonistas identificados nas histórias narradas por Caroline. 124
Figura 23 - Demonstração do impacto global, por prancha, das necessidades de Caroline. 128
LISTA DE TABELAS
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
1995, p.17). Para este distúrbio dissociativo, doravante chamado de personalidade múltipla,
(CID-10, 1993).
distintas, cada qual dominante num momento específico” (Hacking, 1995, p.17), encontram-se as
chamadas personalidades alternativas (múltiplas) ou alters. Putnam (1989) afirma “não acreditar
que alguém saiba realmente o que seja uma alter” (p.103) 1. Já Braun (1986) diz “ser qualquer
personalidade ou fragmento [quase alter] emergente com exceção da personalidade host – aquela
que executa o comando do corpo durante um maior percentual de tempo num dado período”
(p.xiii). Para Haddock (2001), as alters são partes dissociadas do self capazes de agir de forma
1
Todas as citações estrangeiras contidas nesta pesquisa foram traduzidas livremente pelo autor.
2
imersões das múltiplas personalidades. “Se uma pessoa for severamente traumatizada na infância
a ponto de não conseguir elaborar tal experiência, ela poderá dissociar para sobreviver. A DID é
mesma, experienciando-as como separadas do ego” (Haddock, 2001, p.28). “O abuso infantil
explica a multiplicidade. A maioria dos múltiplos – termo pelo qual são conhecidos os pacientes
(...) não podemos evitar conceder nossa atenção, por um momento mais, às identificações
segredo dos casos daquilo que é descrito como ‘personalidade múltipla’ seja que as
coisas não vão tão longe, permanece a questão dos conflitos entre as diversas
identificações em que o ego se separa, conflitos que, afinal de contas, não podem ser
e que revelam ou manifestam uma organização estrutural própria. São inteligentes, com
3
escrevem bilhetes, poesias, desenham, elaboram trabalhos manuais, e são capazes de falar ou
separada do fluxo restante dos processos cognitivos (Braun, 1986) – tenha tido contato
consciente com a língua estrangeira em questão. Outras alters se apresentam doentes, violentas,
diferenciadas no mesmo corpo físico, como cor, sexo e idade. Existem ainda alters que emergem
em estados oníricos e outras que afloram em pleno distúrbio neurológico. Nestes casos, um
psiquismo distinto parece moldar no corpo as interpretações psíquicas que traz quando de sua
emersão, ou se ajusta a uma nova realidade caso passe a ser controlado por outra personalidade.
O medo da loucura é fator comum nos pacientes múltiplos. A liberação dos aspectos
traumáticos (ab-reações) objetivando processos de fusão e/ou integração – termos que podem ser
constitui a essência maior do tratamento científico atual, visto que dissolve o impacto do trauma
personalidade múltipla ainda não foi alcançada. No Brasil, ao contrário de outros países –
Turquia, Suécia e Rússia), asiático (Israel e Japão), africano (África do Sul) e oceânico
(Austrália e Nova Zelândia) – o campo se apresenta insipiente. Não há congressos que abordem a
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nenhuma literatura científica original. Portanto, a relevância desta pesquisa justifica-se: pela
múltipla. Além disso, tenciona despertar a atenção de pesquisadores para este assunto.
Com vista a introduzir essa questão, propomos discutir um caso clínico de personalidade
fragmentado, quebrado, faltando nele uma associação cujas lembranças conscientes são
personalidade múltipla?
3- Na personalidade múltipla, a integração das alters, ou dos “eus recalcados”, faz cessar ou
fragmentada?
personalidade múltipla?
Dentro do âmbito deste estudo de caso, o objetivo geral desta pesquisa é investigar a
as múltiplas personalidades, bem como registrar as produções obtidas por cada uma delas;
Colocadas estas questões, devemos descrever o plano deste trabalho. Esta pesquisa está
psicoterápico desde o seu início, descrevemos alguns relatos de sessões clínicas, mencionamos
produtos obtidos com O Teste das Pirâmides de Cores 2 (Pfister) e com o Teste de Apercepção
Temática (TAT), e, por fim, expomos os resultados obtidos com as entrevistas realizadas. No
Tendo em vista tratar-se esta pesquisa de um caso raro de personalidade múltipla, não
havendo muita literatura científica no Brasil, vale a pena antecipar outros termos técnicos
que faz emergir ou imergir uma personalidade. Também pode ser desencadeado por um litígio de
forças mentais entre duas ou mais personalidades que podem, ou não, fazer parte do psiquismo
2
Denominação adotada por Justo e Kolck (1976).
7
c) Fragmento: Uma parte do self que carece de uma gama emocional mais
significativa, ou de uma história de vida mais completa, como é o caso das alters. É quase uma
d) Gap: São lacunas temporais da memória. Espaços de tempo não lineares quando
analisados sob a ótica da realidade concreta e psíquica de uma personalidade que compõe o
psiquismo de uma paciente múltipla (Braun, 1986; Haddock, 2001; Putnam, 1989; Ross, 1989).
seja, uma personalidade auxiliar que contribui com o terapeuta no tratamento da personalidade
tratamento psicoterápico. Pode ser a própria personalidade original, a personalidade host, uma
paciente deste estudo de caso, Caroline. Da mesma forma, embora todas as demais
personalidades possuam identificações nominativas próprias – exceção para duas delas conforme
psiquismo, ou seja, numa mesma individualidade. Assim, por exemplo, quando estivermos
falando de Dalva, Jennifer, Jane, Mayara Sandes, Helen, Elise, Ester e X, estaremos
história da humanidade, faz-se indispensável encontrar um foco no tempo para iniciar o que
representa a gota d’água de nossa contribuição. Desta forma, a seguir, apresentaremos dez casos
1646, quando “Paracelso apresentou o primeiro caso de MPD envolvendo uma mulher que se
encontrava amnésica perante uma personalidade alternativa que roubou o dinheiro dela”
Em contraposição, Ian Hacking (1991) acredita que o caso apresentado por Paracelso seja
de sonambulismo porque o termo “múltiplo” não era nem conhecido nem difundido naquela
época. Afirmou ele: “Eu gostaria de corrigir um mal-entendido extensamente repetido.... Como
Paracelso morreu em 1541, devemos explicar que houve um engano.... A história de Paracelso
deveria ter sido chamada um caso apropriado de sonambulismo” (p.138). Na visão de Hacking
já no século XVI a personalidade múltipla entrava em voga nos meios científicos, embora com
nomenclatura diversa. Um maior consenso sobre o transtorno, com o rigor da ciência, somente
visão, uma jovem mulher alemã, de vinte anos de idade, mudou repentinamente a própria
personalidade para os modos e maneiras de uma senhora francesa, imitando e falando o francês
perfeitamente e o alemão como se fosse uma francesa. Esses estados, de francês, repetiram-se.
Quando em sua personalidade francesa, a mulher tinha completa memória de tudo aquilo que
tinha dito e feito durante o estado francês anterior. Quando em sua personalidade alemã, ela nada
Este caso, descrito por Gemelin no final do século XVIII, vem consignar a personalidade
científicos vigentes. Importante frisar que outros autores consideram os registros de Gemelin
como sendo o primeiro caso científico de personalidade múltipla. Como exemplo, citamos Coons
múltipla, foi publicado pela primeira vez por John Kearsley Mitchell em 1815 e ampliado por
William S. Plumer em 1860 (Putnam, 1989). O caso foi mais popularizado com a publicação do
livro The Philosophy of Sleep (A Filosofia do Sono), escrito em 1830. Em 1889, Weir Mitchell
publicou a história de Mary Reynolds em livro mais completo intitulado Mary Reynolds: A Case
contando dezenove anos, Mary foi encontrada desacordada no campo parecendo ter perdido a
consciência. Recuperou-a brevemente, mas, permaneceu cega e surda durante cinco ou seis
semanas. Sua audição retornou repentinamente e sua visão foi restabelecida gradualmente. Três
11
meses depois, ela foi encontrada em sono profundo que durou muitas horas e do qual despertou
tendo perdido toda a memória e até mesmo o uso da fala. Posteriormente, em uma manhã,
acordou em seu estado natural expressando surpresa à mudança de estação, sem perceber que
algo anormal havia ocorrido com ela. Estas alterações de um estado para outro continuaram
durante quinze ou dezesseis anos. Finalmente cessaram quando ela alcançou trinta e cinco anos,
permanecendo em seu segundo estado sem mudança adicional até sua morte em 1854. As
diferenças entre as duas personalidades eram impressionantes. Em seu primeiro estado, Mary era
extravagante, apaixonada por diversão, com forte tendência para versos e rimas. As duas grafias
diferiam completamente. Cada estado sabia do outro e temia o retorno entre eles por razões
diferentes. Em seu segundo estado Mary considerava o primeiro como lerdo e estúpido. O
segundo estado causava maior preocupação à família pelo fato dela ficar inquieta e excêntrica.
Mary Reynolds também não passou despercebida de Jung (1993). Em tópico específico
relacionado com a mudança espontânea de caráter, ele a citou como sendo o primeiro caso
Mary Reynolds, dado a público por WEIR MITCHELL. Ocorreu com uma jovem
senhora que morava, em 1811, na Pensilvânia. Após um sono profundo que durou cerca
de 20 horas, havia esquecido completamente todo o seu passado e tudo o que aprendera;
inclusive as palavras que pronunciava haviam perdido seu sentido. Não mais conhecia os
parentes. Aos poucos foi aprendendo novamente a ler e escrever, mas escrevia da direita
para a esquerda. O mais notável, porém, foi a mudança de seu caráter: ‘Em vez de
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melancólica, agora era jovial ao extremo. Em vez de reservada, era animada e social.
Antes era taciturna e retraída, agora alegre e jocosa. Sua atitude estava total e
absolutamente mudada.... Depois de cinco semanas e após outro sono profundo, voltou ao
estado primitivo, com amnésia quanto a este intervalo. Estes estados se alternaram
opinião dele, o primeiro caso de múltiplo foi descrito por Eberhardt Gmelin em 1791, enquanto
que o primeiro caso americano, Mary Reynolds, foi registrado em 1815. Enfatizou ainda que a
ligação da personalidade múltipla com o abuso infantil não foi largamente reconhecida até a
Hacking (1995) homologa Coons (1986) ao dizer que o abuso infantil explica a
multiplicidade. Segundo ele, essa foi a forma que os múltiplos encontraram para enfrentar o
personalidade múltipla.
múltipla foi inaugurado na França, em 1836, por Antoine Despine, com a publicação da história
Estelle tinha onze anos quando chamou a atenção de Despine. Ellenberger (1970)
registrou que ela era absorvida em devaneios e visões fantásticas, e que esqueceu de um
momento para outro tudo aquilo que estava acontecendo ao seu redor. Sua mãe contou para
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Despine que Estelle era confortada todas as noites por um coro de anjos, e que durante o sono a
menina prescrevia o próprio tratamento e dieta. Revelou que um anjo consolador aparecia em seu
sono a quem Estelle nomeou de Angeline, e com quem se ocupava em animada conversação. Era
Angeline quem dirigia o tratamento junto a Despine. No início de 1837 Estelle começou a
conduzir uma vida dupla. Em seu estado normal estava paralisada. O movimento mais leve lhe
causava dor intolerável. Amava sua mãe e exigia a presença dela constantemente. Entretanto, no
estado segundo era capaz de caminhar e não tolerava a presença da genitora. Começou
integração gradual dos dois estados, normal e segundo, aconteceu lentamente. Em junho de 1837
a paciente foi liberada do tratamento. Uma faceta interessante da história de Estelle é a maneira
pela qual a cura foi alcançada. A condição normal dela era de fato a patológica, enquanto que a
condição anormal era a saudável. Despine trouxe esta última para um desenvolvimento pleno
realizando a fusão entre as duas condições e fazendo com que a personalidade saudável
assumisse o controle. Após sua cura, ela passou a maior parte da vida na França. Casou-se em Le
Fator importantíssimo a ser enfatizado neste caso é que o tratamento de Despine foi
concluído com êxito. A paciente ficou curada e conseguiu desenvolver sua vida com
normalidade a partir de então. Enfaticamente, a personalidade múltipla tinha solução e esta foi
alcançada em 1837 com a integração de dois estados de consciência. Conforme descrito, Estelle
representa, como definido pela literatura atual, o Inner Self Helper de Allison (1980), ou seja,
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múltipla. Ou ainda, a
(...) personalidade racional (...), o Hidden Observer ou “observador oculto” (...), que
anota tudo o que acontece com as outras personalidades e que pode ser consultado pelo
Além das duas condições especificadas por Despine, Angeline representaria uma outra,
personalidade múltipla.
similar, Ross (1994) chegou à mesma conclusão em caso específico ao fazer as seguintes
considerações: “Trabalhamos com elas [com as alters] como se fossem, literalmente, duas
pessoas distintas que tivessem assuntos não resolvidos entre si.... Penso que alcançamos um
Segundo Hacking (1995), um outro caso clássico de personalidade múltipla, descrito por
Jules Voisin em julho de 1885, refere-se ao paciente francês Louis Vivet que apresentou oito
descrevê-lo. Ele nasceu em Paris, em fevereiro de 1863. Era filho de uma prostituta alcoólatra
que o espancava e não lhe dava atenção. Em outubro de 1871 foi acusado de ter roubado algumas
roupas sendo mandado para um reformatório. Depois de quase dois anos foi transferido para uma
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colônia penal agrícola no noroeste da França. Foi solto em 1881, aos dezoito anos de idade.
Tinha longas crises. Foi sujeito a uma estranha variedade de tratamentos, inclusive magnetos em
vida. Vivet permitiu ser fotografado em seus estados anormais, ditos estados nervosos.
Faure, Kersten, Dinet e Onno (1997), corroborando Hacking (1995), registraram que “o
paciente francês Louis Vivet foi o primeiro a ser explicitamente nomeado como de personalidade
muito fortes em Vivet. No que se refere à questão traumática, praticamente toda a sua vida foi
desenrolada com experiências violentas e insatisfatórias. Várias fontes em Vivet indicam que,
desde cedo, ele foi exposto a experiências de vida extremamente opressivas, incluindo abuso
físico, negligência severa, tresvarios, abandono, desamparo e prisão (Faure e cols., 1997).
Um outro clássico que tornou a personalidade múltipla mais conhecida, embora não se
trate de um caso clínico propriamente dito, foi o conto intitulado The Strange Case of Dr Jekyll
and Mr. Hyde, escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson, em 1886.
exemplar. Seu monstruoso alter ego, Sr. Hyde – condição segunda –, é uma personalidade
hedonista, cruel, irresponsável, que busca os prazeres carnais. O doutor Jekyll objetivava
permitir a transmutação entre os dois estados ou condições para explicar a convivência do bem e
do mal dentro do ser humano. Porém, dividido e perdendo de forma crescente o controle e o
domínio do segundo estado, ele procura desesperadamente uma forma de resolver o impasse. Ao
mesmo tempo, é cobaia das experiências – realizadas com drogas sintéticas auto-aplicáveis –
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sem conhecer o alcance dos experimentos. Subjugado pela própria invenção, sem poder refreá-la,
(...) Desse dia em diante me pareceu que somente com um grande esforço, como a
Brasil como O Médico e o Monstro. A sua relação com a personalidade múltipla não passou
Ellenberger (1970), por exemplo, registrou que não menos numerosos foram os romances
literatura foi provavelmente o conto de Stevenson, de especial interesse devido à maneira pela
qual foi concebido e escrito. Stevenson declarou ter, durante os anos, desenvolvido uma intensa
vida onírica. Em seus sonhos pequenas pessoas vinham até ele e sugestionavam idéias para os
seus romances. Ele acrescentou que muitos detalhes da história contida no clássico mencionado
O livro de Stevenson abriu campo para uma série de discussões e investigações ainda
própria, não sentida ou percebida nem pela personalidade original, nem pela personalidade host,
nem pela personalidade de apresentação, ou até mesmo, por outras alters que compõem o
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psiquismo do paciente. Além disso, o que particularmente chamamos atenção aqui é a ingestão
dos medicamentos prescritos e dos efeitos colaterais dos mesmos, que apresentam ressonância
Em 1887, um novo caso foi documentado no meio científico. Eugène Azam publicou um
personalidade].
que a maioria dos casos de desdobramento tinham grotescos problemas corporais. Os mais
dramáticos eram as anestesias e paralisias de partes do corpo, tremores e anomalias dos sentidos,
como restrição de visão, perda de paladar ou olfato. Tais queixas não tinham causa orgânica,
Ellenberger (1970), citando o próprio Azam, também mencionou que Félida era uma
Quase diariamente tinha uma crise. Repentinamente sentia uma dor aguda nas têmporas
entrando, posteriormente, num estado letárgico por alguns minutos. Quando despertava, era uma
pessoa completamente diferente, alegre, vivaz, as vezes soberba, e livre de doenças. Esta
condição normalmente durava algumas horas e resultava num curto estado letárgico do qual
retornava à personalidade ordinária. Azam declarou que em sua condição normal, Félida era de
inteligência comum, mas que se tornava brilhante na condição secundária. Nesta última, era bem
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consciente não somente da condição secundária prévia, mas também sobre toda a sua vida. Em
seu estado normal nada conhecia de sua condição secundária exceto o que os outros lhe
contavam. Menos freqüentemente Félida tinha outro tipo de crise o qual Azam chamou de sua
Hacking (1995), levantando informações sobre a vida de Félida, assinalou que ela, em
1859, tinha um namorado e que ficou grávida no segundo estado sentindo-se contente. No
primeiro estado negava a gravidez. Azam perdeu contato com Félida durante dezesseis anos. Em
1875 ela passava até três meses alegre, no segundo estado, que aos poucos foi se tornando o seu
estado normal. Ao longo do tempo o segundo estado tornou-se o normal, e o anterior ficou cada
vez mais raro. Quando mais velha, o seu estado original havia praticamente desaparecido.
Félida. O próprio livro de Azam parece conter uma imprecisão no título, visto que o caso em
questão não é de dupla consciência, mas sim, de consciência múltipla. Além das condições
primeira e segunda, pelo menos mais uma, a condição terceira, foi detectada no psiquismo de
Indubitavelmente, foi Sigmund Freud juntamente com Joseph Breuer quem melhor
(...) Num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar
mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem se
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ligada a um desses dois estados, chama-se esse o estado mental ‘conscience’ e o que dela
dissociação psíquica, dissociação da consciência e absence foram todos utilizados por Freud no
Anna O, por exemplo, caso clássico descrito minuciosamente por Freud e Breuer (1893-
1895/1996), é de grande proximidade com os múltiplos. Ela foi apresentada como sendo uma
pessoa que possuía um intelecto poderoso e grandes dotes poéticos que estavam sob o controle
devaneios sistemáticos descritos como sendo o seu teatro particular. A sua noção de sexualidade
era surpreendentemente não desenvolvida. Além disso, conseguia ler em francês e italiano,
escrevia com a mão esquerda e empregava letra de forma romana. Os seus diferentes distúrbios
também encontradas nos múltiplos, Freud (1910 [1909]/1996) registrou que Anna O “(...) exibia,
ao lado de seu estado normal, vários outros de ‘absence’, confusão e alterações do caráter”
(p.35).
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comum colocar em questão se clientes de Freud são propriamente aquilo que o próprio Freud
Ross (1989), por exemplo, menciona que possivelmente Anna O tinha personalidade
múltipla. Ele justifica a sua opinião citando um trecho de Ernest Jones: “Mais interessante,
porém, era a presença de dois estados distintos de consciência: um bastante normal, o outro de
uma criança malcriada e problemática. (...) Era assim, um caso de dupla personalidade” (pp.31-
32). Ele também cita um excerto do psicanalista contemporâneo Walter Stewart para corroborar
(...) [Anna o] desenvolveu uma dupla personalidade. No estado normal, era orientada,
Ross (1989) realça ainda a possibilidade da multiplicidade de Anna O quando enfatiza ser
ela um caso de tripla personalidade. Conforme mostrado a seguir, ele utiliza as próprias palavras
Não obstante, embora seus dois estados fossem assim nitidamente separados, não só o
estado secundário invadia o primeiro, como também (...) um observador lúcido e calmo
ficava sentado, conforme ela dizia, num canto de seu cérebro, contemplando toda aquela
O caso Hélène Smith, cujo verdadeiro nome era Élise-Catherine Müller, foi publicado
pela primeira vez em 1899. Encontra-se registrado no livro intitulado From India to the Planet
Mars: A Study of a Case of Somnambulism with Glossolalia (Das Índias ao Planeta Marte: Um
Estudo de Caso de Sonambulismo com Glossolalia), escrito por Théodore Flournoy, prefaciado
por C. G. Jung.
Um conceito pioneiro que Flournoy fez uso em seu estudo, diretamente ligado à
sujeito, que acredita ver nelas algo novo” (Flournoy, 1899/1994, p.8).
contexto contemporâneo, numa tentativa de ajuste de nomenclatura, têm título modificado. Nas
novas versões, o livro está denominado From India to Planet Mars: A Case of Multiple
Personality with Imaginary Languages (Das Índias ao Planeta Marte: Um Caso de Personalidade
Múltipla com Linguagens Imaginárias). Então, o que antes era tido como um misto de
que começam, espontaneamente, a falar línguas desconhecidas, tidas como frutos de dom divino,
mas que, geralmente, são línguas inexistentes (Ferreira, 1999) – passou a ser reconhecido como
próximo de outro, denominado xenoglossia, fala espontânea em língua(s) que não foi/foram
previamente aprendida(s) (Ferreira, 1999), podendo fazer parte do quadro característico dos
múltiplos, não somente verbalizando em línguas diversas, como também fazendo uso da escrita.
Tais ocorrências tornam a personalidade múltipla mais enigmática, visto que alguns fatos são
testemunhados com explicações científicas ainda insatisfatórias. Afinal, como pode alguém falar
ou escrever em línguas diversas sem nunca ter aprendido tais conhecimentos? Como explicar
várias alters escrevendo espontaneamente com caligrafias tão distintas e diversificadas entre si?
Hélène Smith fez uso de uma misteriosa linguagem cifrada para falar de Marte. Flournoy
achava que essas palavras chamadas “marcianas” eram provenientes do inconsciente dela. A
caligrafia. Trazemos estas ilustrações porque Caroline, sujeito do estudo de caso desta pesquisa,
apresenta aspecto semelhante relacionado com Dalva, uma de suas alters, discutido
O estudo de Flournoy está estruturado em três grandes grupos ou eixos temáticos aos
quais denominou ciclos. O primeiro, ciclo marciano. O segundo, ciclo hindu. O terceiro e último,
ciclo real. O título do livro se justifica indo das Índias – relativo ao hinduísmo –, ao contexto
Interessante atentar para uma similaridade com o caso de Estelle L’Hardy. Assim como
esta última apresentava uma personalidade (Angeline) atuante em seu contexto, interagindo-se
diretamente com Despine, Hélène Smith também tinha uma personalidade (Léopold) que
participava de seu contexto interagindo-se com Flournoy. Um capítulo inteiro foi dedicado ao
estudo de Léopold, fato que comprova a importância desta personalidade para o autor. Tais
questões, conforme descrito anteriormente, ligam-se ao chamado ISH, termo cunhado pelo
Para finalizar este caso, importante registrarmos duas citações. A primeira atesta certa
Eu estava a ponto de dizer que no estado natural Mlle. Smith é normal. Certas dúvidas me
contêm, e eu me corrijo dizendo que em seu estado ordinário, ela se parece com qualquer
outra pessoa. Com isto quero dizer que afora as lacunas que as emersões espontâneas de
desempenho nas várias tarefas (ou falando com ela sobre todo tipo de assunto), de tudo
que ela é capaz de realizar em seus estados anormais, ou os curiosos tesouros escondidos
pode ser considerada um ISH. Trata-se de um trecho escrito pelo próprio Flournoy (1899/1994),
adequadamente, que somente pode ser representado pela analogia destes estados curiosos,
excepcionais na vida de vigília normal, mas menos raro em sonhos quando a pessoa
parece mudar de identidade e se torna outra pessoa. Hélène, mais de uma vez, contou ter
freqüentemente à noite, ou ao despertar pela manhã. Ela tem, inicialmente, uma visão
fugidia do protetor. Então, parece que pouco a pouco ele é submerso nela; ela o sente
dominando e penetrando o seu organismo inteiro, como se ele realmente se tornasse ela
Ellenberger (1970) registra que Christine Beauchamp, nascida em 1875, tinha vinte e três
anos quando Morton Prince se familiarizou com ela em 1898. Naquele momento, era uma
estudante da faculdade de New England, uma pessoa educada, muito tímida que passava todo o
tempo lendo livros. Tinha um alto senso do dever. Era diligente, escrupulosa, orgulhosa e
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reservada. Mostrava uma reticência mórbida para falar sobre si mesma. Sofria dores de cabeça,
cansaço, e uma inibição da vontade, razão porque Prince foi consultado. Prince sabia que a
senhorita Beauchamp tinha perdido a mãe aos treze anos. Estava sempre infeliz em casa. Tinha
aliviá-la dos sofrimentos Prince experimentou hipnotizá-la. Conseguiu com facilidade. Foi
surpreendido ao notar que, quando hipnotizada, ela exibia dois estados diferentes o qual chamou
senhorita Beauchamp reforçada, B III era totalmente o oposto: alegre, vivaz, despreocupada,
conhecia das suas duas subpersonalidades. B II conhecia B I, mas não conhecia B III. Por outro
lado, B III, a quem Prince chamou de Chris, escolheu o nome Sally. Ela mostrou desprezo e
desdém por B I a qual achava estúpida. Sally não tinha a cultura da senhorita Beauchamp e não
falava francês. Não demorou muito, Sally manifestou sua existência indiretamente na vida da
senhorita Beauchamp sugerindo palavras e atitudes grosseiras. Foi uma maneira de mostrar-se.
Alguns meses depois, Sally entrou diretamente em cena na forma de uma personalidade
alternativa pública que conhecia tudo sobre a vida da senhorita Beauchamp, enquanto que esta
brincadeiras constrangedoras que eram feitas com ela de tempos em tempos. Posteriormente,
uma nova personalidade emergiu, B IV, a Idiota. Parecia ser uma personalidade regressiva.
Prince descobriu que a senhorita Beauchamp também tinha sofrido um choque nervoso aos
dezoito anos de idade. Ele obteve sucesso conseguindo integrar todas estas personalidades numa
múltipla, visto que cada personalidade secundária era somente uma parte de um ego normal e
hora, e em cada mudança seu caráter era transformado e suas recordações alteradas. Além da
realidade original ou do self normal, o self nascido, o qual ela planejava naturalmente ser, podia
ser qualquer uma dentre três pessoas diferentes. Embora fazendo uso de um mesmo corpo, cada
personalidade possuía características distintas. Uma diferença manifestada por diferentes traços
variavam nestes aspectos umas das outras, e da original senhorita Beauchamp. Duas delas não
tinham nenhum conhecimento uma da outra ou da terceira. Na memória de cada uma delas havia
uma ou outra personalidade acordava, deparando-se, sem saber onde estava, ignorando o que
tinha dito ou feito em momentos anteriores. Somente uma das três tinha conhecimento da vida
das outras, apresentando caráter estranho removido das demais em termos de individualidade. As
personalidades iam e vinham numa sucessão rápida e cambiante, nem sempre biunívoca. Às
vontade própria. Acontecia que a senhorita Beauchamp, em um momento dizia, fazia e planejava
organizar algo para o qual pouco tempo antes contestava fortemente, favorecia gostos que num
momento atrás teria sido detestável aos seus ideais, e desfazia ou destruía o que antes havia
Prince (1905/1957) foi também quem cunhou o termo co-consciência, registrando que
duas alters podem estar à par uma da outra. Conforme mencionado, ele também foi inovador em
personalidade múltipla, ele propôs outro, personalidade desintegrada, enfatizando uma separação
personalidade múltipla poderiam ser mencionados, tais como: Léonie, paciente cujo caso está
documentado em Janet (1889); Eva, história registrada em Sizemore (1978), que se transformou
num clássico do cinema tendo Joanne Woodward desempenhado o papel principal e ganhado o
Wilbur, descrita em Schreiber (1973), cujo quadro clínico apresentou uma hierarquia contendo
(1977); Billy Milligan, serial killer que apresentou vinte e quatro personalidades distintas
Não há como identificar precisamente qual foi ou tenha sido o primeiro caso de
personalidade múltipla ao longo da história, que “em vez de estática e estagnada, é dinâmica, em
constante mutação e crescimento; que está sendo aprimorada ou aperfeiçoada sempre que novos
dados são descobertos e concepções errôneas são corrigidas” (Schultz & Schultz, 1992, p.24).
Para finalizar este histórico, gostaríamos de destacar aspectos comuns e incomuns entre
os dez clássicos citados e o estudo de caso pesquisado. Primeiramente, devemos enfatizar que os
28
histórias de vida possuem conteúdos dramáticos, com teor elevado de sofrimentos traumáticos.
Algumas alters apresentam fatores cognitivos superiores à personalidade host, bem como hábitos
preparar o leitor para um fator exclusivo vinculado ao caso Caroline, resultante da presença de
uma alter (Jennifer), descrita também em tópico ulterior, cuja emersão sempre ocorre em
realidade onírica, diferente da realidade psíquica das demais personalidades, sempre em estados
de vigília.
Necessário, à vista disso, iniciar nova etapa de nossa pesquisa. Uma vez encerrada a
histórico apresentado.
29
1.2- Definições
A definição citada logo abaixo, retirada de Berlinck e cols. (1997), foi elaborada por
Braun em 1979. Em outro momento, este último autor definiu a personalidade múltipla “como
sendo a demonstração, em uma pessoa, de duas ou mais personalidades, cada uma das quais
necessário também que se possa observar um controle do corpo por uma personalidade
Para Ross (1994), a personalidade múltipla é “uma pequena menina imaginando que o
abuso aconteceu com outra pessoa” (p. vii). Já para Putnam (1989) a personalidade múltipla
“representa o ponto final das desordens dissociativas.... É ainda uma das condições mentais mais
fascinação” (p.26).
Infere-se que novas definições, novas idéias, novos entendimentos e teorias diversificadas
para a personalidade múltipla irão existir. Comumente, a obra de cientistas, filósofos e eruditos é
muitas vezes ignorada ou negada num dado período de tempo, apenas para ser reconhecida
30
posteriormente. Tais ocorrências implicam que a época determina se uma idéia vai ser seguida
a novas descobertas e percepções. Mesmo os maiores intelectos foram constrangidos pelo fator
aplicação de uma descoberta pode ser limitada pelo padrão dominante de pensamento de uma
cultura, de uma região ou de uma época, mas uma idéia excessivamente nova para ser aceita num
dado período pode sê-lo prontamente uma geração ou um século depois. A mudança vagarosa
(1993), a personalidade múltipla está catalogada com o código F44.8 Outros transtornos
conversão]. A segunda, não menos importante que a anterior, é o Diagnostic and Statistical
Em 1980, na terceira atualização do DSM, pela primeira vez foram organizados critérios
de 2003, que estabeleceu, como mostrado na Tabela 1, os seguintes critérios diagnósticos para a
A. Presença de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos (cada qual com
seu próprio padrão relativamente persistente de percepção, relacionamento e pensamento
acerca do ambiente e de si mesmo).
D. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex.,
apagões ou comportamento caótico durante a intoxicação com álcool) ou de uma condição
médica geral (por ex., crises parciais complexas). Nota: Em crianças, os sintomas não são
atribuíveis a amigos imaginários ou outros jogos de fantasia.
1.4- Sintomatologia
alterações psicofisiológicas observadas em estudos clínicos ao longo dos anos. Alguns sintomas
científico para o assunto com investigações e estudos sofisticados dos sintomas físicos, tais
como: atividades das ondas cerebrais, fluxo sangüíneo cerebral, refração visual, atividades
4- Sintomas PTSS (Post Traumatic Stress Symptoms): 98% dos pacientes múltiplos
reportam históricos de traumas infantis severos e reincidentes. São eles: trauma
psicológico, imagens intrusivas, revivificação, flashbacks, pesadelos, acionamentos
(triggers), pânico, ansiedades, entorpecimento, detachment (desligamento, separação).
coincidem com os grupos apresentados por Loewenstein, com prevalência para os Sintomas
Processo.
33
1.5- Epidemiologia
propriedade de se expandir em ondas sucessivas. A primeira onda veio da Europa com Charcot,
William James e Morton Prince. A partir da década de 1930, a personalidade múltipla parecia ter
desaparecido, com exceção para alguns casos dispersos como o de Chris Sizemore, popularizada
no filme As três faces de Eva. O ponto nevrálgico de retorno diagnóstico ocorreu em 1973
quando a psicanalista Cornelia Wilbur e a jornalista Flora Shreiber publicaram Sybil, o diário de
Georges Greaves, Richard Kluft e Bennett Braun começaram a se interessar novamente pelo
transtorno, que o extenso livro de Ellenberger (1970), The Discovery of The Unconscious (A
estudos quantitativos efetivados na década de 1990. Como mostrado na Tabela 3, a seguir, apesar
grupos com estes tipos de paciente, em vários países, demonstraram que o transtorno não é
transtorno raro, e ocorre em diferentes países a uma mesma taxa percentual aproximada na
– com pesquisas na Argentina, Austrália, China, França, Alemanha, Havaí, Irã, Israel, Nova
Zelândia, Filipinas, Porto Rico e Reino Unido – relacionadas com questões traumáticas e
Segundo Haddock (2001) diferentes partes (alters) se apresentam para tratamento com
colaboradores encontraram, nos resultados de suas pesquisas, um tempo médio de seis anos e
oito meses para que uma pessoa portadora de personalidade múltipla tenha o seu diagnóstico
estabelecido corretamente.
Canadá:
- Ross e cols. 5.4 20.7
- Horen e cols. 6.0 17.0
Estados Unidos:
- Saxe e cols. 4.0 15.0
- Latz e cols. 12.0 46.0
Países Baixos:
- Boon & Draijer 5.0 –
Noruega:
- Knudsen e cols. 4.7 8.2
Turquia:
- Tutkun e cols. 5.0 –
Estados Unidos:
- Ross e cols. 14.0 39.0
- Leeper e cols. 5.1 15.4
- Ellason e cols. 18.6 56.9
- Dunn e cols. 7.0 15.0
1.6- Etiologia
nunca acontecendo antes de suas expectativas e intervenções. Outros afirmam que a iatrogenia é
possível desde que o clínico tenha despendido grande esforço intencional para alcançar este
propósito. Certamente, muitos sintomas de personalidade múltipla podem ser criados através de
em torno da teoria dos efeitos traumáticos sofridos durante o período infantil. Assim, a
psicanálise, como método de investigação da infância, passou a ter uma contribuição singular e
adicional, principalmente quando analisada sob a óptica do real no sujeito, uma vez que as
histórias sedutoras, imaginárias e fantasiosas dos histéricos são fatos concretos nos múltiplos
ocorridos a partir da infância. A causa típica mais proeminente vincula-se a abusos físicos e
emocionais repetitivos (Hacking, 1995; Haddock, 2001; Putnam, 1989; Rich, 2005; Ross, 1989).
37
Segundo Putnam (1989) embora existam diversas teorias para explicar a gênese da
personalidade múltipla, o modelo clínico mais aceitável baseia-se na evidência de que o trauma
infantil repetitivo aumenta capacidades dissociativas que, por sua vez, fornecem a base para o
Conforme registra Berlinck e cols. (1977), existe certo consenso entre psicólogos e
geralmente de uma violência emocional, física ou sexual sofrida na infância, causada na maior
parte das vezes por um dos pais. A dissociação, por sua vez, é o mecanismo de defesa
mobilizado pelo sujeito desprotegido para sobreviver à invasão da dor, dos afetos. Diante de tais
sofrimentos a pessoa se dissocia. Faz como se nada tivesse acontecido, como se o acontecimento
traumático não tivesse ocorrido com ela, e sim com outro, com quem não quer ter contato algum,
seduções sexuais experimentadas na infância, contadas por suas pacientes histéricas, eram na
realidade, mais fantasias que recordações reais, muito embora as próprias pacientes nelas
do traço criado como marca recalcada no inconsciente representa um fato real, verídico e
Uchitel (2004) analisa esta questão registrando que o abuso, o trauma, em seu caráter
realidade material mantiverem distinções puras de campos, e a realidade material intervir com o
estatuto perturbador de quem confunde, ela precisará ser negada, desmentida ou relativizada na
Freud (1912/1996) registrou que o “termo inconsciente (...) designa não apenas as idéias
latentes em geral, mas especialmente idéias com certo caráter dinâmico, idéias que se mantêm à
exemplificação de que a ciência precisa aprofundar investigações em sua busca para aquisição de
(...) ao invés de concordar com a hipótese de idéias inconscientes, das quais nada
sabemos, é melhor presumir que a consciência pode ser dividida, de modo que certas
idéias ou outros atos psíquicos possam constituir uma consciência separada, que se
39
1912/1996, p.281).
caso Félida o qual considerou como um notável modelo de personalidade alternada ou dupla, que
contribui muito para demonstrar que a divisão da consciência não constitui imaginação
fantasiosa.
Inferimos que Freud, fazendo menção à alternância entre personalidades, sintetizou o que
estabelecer que
que seja – que oscila entre dois complexos psíquicos diferentes que se tornam conscientes
especificamente, as condições de sua origem, a natureza dos seus conflitos, a existência ou não
40
seja, a relação do sujeito com sua própria realidade, somadas ao embaraço das identidades,
Ferenczi (1933), por exemplo, explicou a importância das duas realidades mencionadas,
que é psíquico. Para ele, no plano científico, um dos principais méritos de Freud foi o de se ter
corajosamente oposto aos excessos dos fanáticos da objetividade, e o de ter levado em conta a
indicações de vários autores, teremos sempre a seguinte seqüência para o transtorno que
Emersão-Imersão de alters (Haddock, 2001; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Ross, 1989;
Steinberg, 1994).
Freud (1893-1895/1996) fez menção ao trauma como sendo a ação patogênica de uma
representação psíquica inconsciente carregada de afeto, ou, de outra forma, “uma lembrança
registra que “muitas vezes ‘se desligar’ no momento do trauma ou não estar presente
Uchitel (2004) esclarece a inter-relação da dupla mencionada quando diz que “o trauma
não é assimilado e integrado com o resto dos conteúdos psíquicos. Seu impacto insuportável
cinde ou fragmenta o ego, isola o acontecimento e impede de encontrar, pela representação, uma
A primeira teoria sobre o assunto foi elaborada por Otto Rank quando da publicação do clássico
Freud (1926 [1925]/1996), registrou que Rank fez uma tentativa firme de estabelecer uma
relação entre as primeiras fobias das crianças e as impressões nelas causadas pelo evento do
na teoria do trauma. A avaliação clínica dos seus pacientes reforçava a hipótese de que
experiências traumáticas reais haviam ocorrido e que não apenas fantasias de sedução e violência
Em continuidade, Sanches (2005) também alerta para a postura dos analistas que,
como realidade os episódios traumáticos apontados por seus pacientes. Do contrário, duvidando
múltipla. Segundo ele, não existe choque nem pavor sem anúncio de clivagem do ego. Uma
aflição extrema e, sobretudo, a angústia da morte tem o poder de despertar disposições latentes.
Além disso, em explicações adicionais que servem de fundamentação ao transtorno, ele registrou
fragmentos clivados aumentam, e torna-se rapidamente difícil, sem cair em confusão, manter
contato com esses fragmentos, que se comportam todos como personalidades distintas que não se
personalidade borderline, dentre outros) em que o fator dissociativo está presente sem que,
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2003), ou seja, a presença real de duas ou mais
43
alters atuando recorrentemente no controle do corpo, com sintomas amnésicos agudos, sem que
Segundo a International Society for the Study of Trauma and Dissociation (Sociedade
usada para descrever a falta de conexão entre coisas associadas entre si. Em formas severas a
identidade ou da percepção.
Putnam (1989) enfatiza que a dissociação pode ocorrer de forma patológica ou não. Essas
diferentes formas são um continuum de uma dissociação menor do dia-a-dia, tal como um
devaneio, para uma forma patológica, tal como a personalidade múltipla. Assim, a maioria das
dissociados para representar um processo anormal. Pesquisadores (Braun, 1986; Haddock, 2001;
Putnam, 1989; Ross, 1989) têm enfatizado diferentes aspectos do processo dissociativo como
várias representações distintas coexistirem dentro do ego, dissociadas entre si, e que emergem
dissociativos distintos, sendo a personalidade múltipla o mais severo deles (Putnam, 1989).
44
Feita esta correlação entre trauma e dissociação com foco na personalidade múltipla, bem
CAPÍTULO II - MÉTODO
methodos, donde meta significa “através de” e hodos equivale a “caminho/estrada”, significando
algo. Há certo consenso na literatura em dizer que os métodos qualitativos adquiriram status
científico com os trabalhos dos antropólogos, vindo depois a se desenvolver entre os sociólogos
e educadores. Uma outra vertente importante a contribuir com a concepção e a prática do estudo
do homem e, nesta perspectiva, com os métodos qualitativos foi à psicanálise. Para que uma
discussão psicodinâmica seja bem-sucedida e preencha os passos do método científico ela deve
Conforme menciona André (1986), a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de
O Método do estudo de caso refere-se a uma análise intensiva de uma situação particular
(Tull & Hawkins, 1976). É uma inquirição empírica que pesquisa um fenômeno contemporâneo
dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é
claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas. Caracteriza-se pela
O estudo de caso é também útil quando um fenômeno é vasto e complexo, onde o corpo
quando um fenômeno não pode ser estudado fora do contexto no qual ele naturalmente ocorre
(Bonoma, 1985).
46
Segundo André (2005) os estudos de caso são valorizados pela sua capacidade de projetar
luz sobre o fenômeno estudado, de modo que o leitor possa descobrir novos sentidos, expandir
suas experiências ou confirmar o que já sabia. Espera-se que o estudo de caso favoreça a
levando o leitor a ampliar suas experiências. Espera-se ainda que desvele pistas para
psicodinâmica, por analisar intensivamente a situação específica de uma paciente, por investigar
e levar luz a um fenômeno complexo – ainda pouco difundido no Brasil – e por lidar com
2.2- Participante
Para o presente estudo de caso tivemos um sujeito único, Caroline (nome fictício).
Brasileira, casada, quarenta e sete anos à época de nosso primeiro encontro, escolaridade média
(Ensino Médio concluído ou 2º Grau Completo). Aceitou tomar parte desta pesquisa
Esclarecido (veja Anexo 1) 3. Pela primeira vez foi diagnosticada como múltipla. O diagnóstico
foi feito por nós, de forma progressiva, a medida que os critérios contidos no DSM-IV-TR
3
O projeto de pesquisa desta dissertação de mestrado foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Católica de
Brasília na data de 24/10/2006, e aprovado pelo mesmo em 11/12/2006.
47
pelo seu companheiro e por uma de suas filhas quando do processo de anamnese.
Neste caso clínico, até o presente momento, – além da personalidade Caroline – foram
identificadas dez outras personalidades: Dalva, Jennifer, Jane, Mayara Sandes, Helen, Elise,
Ester, Mariana (ISH exclusivo de Ester), X e Supervisor. Esta última – terminologia definida por
para este tipo de “pessoa”, ou seja, para o ISH que atua globalmente no contexto. A penúltima
personalidade foi definida propositalmente como uma incógnita pelo fato de ainda não ter sido
exceção para X e Supervisor, foram registradas conforme identificadas por elas mesmas quando
de suas emersões.
relacionadas com eventos de sua vida – quando em processo dissociativo –, a sua conduta de
abstemia, sem também nunca ter feito uso de drogas ilícitas, somadas a ineficácia de
4
O vocábulo “pesquisador”, quando o sentido se fizer pertinente, refere-se diretamente ao autor deste trabalho.
48
vinculado especificamente a uma alter (Ester) e o outro atuando de forma integral em relação às
Por fim, mencionamos que a paciente trabalha atualmente como terapeuta alternativa e
Segundo Mezan (1998), as informações que entram num relato clínico se deve a
informações necessárias. Quando se escreve sobre um paciente, tal escrito é parte desse paciente,
um diálogo com ele. Assim, o paciente é também um dos mais importantes destinatários do
Mezan (1998) também menciona que o relato clínico objetiva o registro de anotações
sobre como o paciente se apresenta, do que ele se queixa, qual é o seu sintoma e o que ele conta
nas sessões. Além disso, aditamos o registro sobre o que acontece durante as sessões clínicas.
O relato de sessões clínicas foi utilizado para esclarecer aspectos antigos e novos do
evidências, ou seja, de documentos utilizados como fontes de informação, pode ser usada tanto
como uma técnica exploratória indicando aspectos a serem focalizados por outras técnicas, como
para a verificação ou complementação dos dados logrados por meio de outras técnicas.
Para o presente estudo de caso foram apresentadas algumas produções elaboradas pelas
manuais, transcrições de fala em língua estrangeira e em língua pátria. Tais produções foram
personalidade múltipla. Algumas produções das personalidades deste estudo, obtidas ao longo do
Instrumento (veja Anexo 3) elaborado por Putnam e Carlson (1986). Trata-se de um dos
dissociativos. Contém vinte e oito perguntas cujas respostas equivalem a percentuais que variam
sujeito. Apesar da escala não ser utilizada como instrumento diagnóstico, o escore de 30 é
considerado o ponto de corte acima do qual se pode identificar pacientes com transtornos
dissociativos. Portanto, a DES 5 deve ser usada como instrumento gerador de casos suspeitos de
Instrumento criado pelo suíço Max Pfister como tese de doutorado em Psicologia à
Sociedade de Psicanálise de Zurique, em 1946. A versão original do teste foi publicada pela
O teste foi introduzido no Brasil, em 1956, por Fernando de Villemor Amaral. Trata-se
de uma técnica valiosa para o diagnóstico da dinâmica emocional e das habilidades cognitivas
das pessoas, que tem se mostrado muito útil tanto na clínica quanto em diversos contextos da
avaliação psicológica. Por exemplo, indica satisfatoriamente que a presença de tapetes furados
Um parecer de profissional externo (juiz), sem vínculo com esta pesquisa, relacionado
com o Teste das Pirâmides Coloridas (Pfister), foi apresentado (veja Anexo 5).
5
Em setembro de 2004 a Revista Brasileira de Psiquiatria, volume 26, número 3, Órgão Oficial da ABP –
Associação Brasileira de Psiquiatria – apresentou um artigo intitulado “A adaptação transcultural para o português
do instrumento Dissociative Experiences Scale para rastrear e quantificar os fenômenos dissociativos”. Como já
havíamos aplicado a escala (DES) em Caroline, com tradução própria, resolvemos manter o que fizemos no ano de
2002.
51
clínicos de testes incluem o exame de pessoas com transtornos emocionais graves e outros tipos
depende do grau em que ele serve como indicador de uma área relativamente ampla e
significativa de comportamento.
paciente não deseja aceitar ou que não tem condições de admitir por serem inconscientes
(Murray, 1943/1967).
Nesta pesquisa foi utilizado o conjunto feminino adulto com a seleção das seguintes
pranchas: 1, 2, 3MF, 4, 5, 6MF, 7MF, 8MF, 9MF, 10, 11, 12F, 13HF, 14, 15, 16, 17MF, 18MF,
19 e 20.
assistência ou pesquisa.
liberdade de formular as perguntas e organizar sua seqüência, mas requer, naturalmente, mais
Steinberg (1994), a SCID-D provê uma fotografia bem definida do sistema de respostas aos
traumas de uma pessoa. Contém perguntas relacionadas com os sintomas requeridos pelo DSM-
processo de seqüência temporal onde o psicólogo tem algo a dizer ao sujeito. Ela deve iniciar
conforme a faixa etária do entrevistado. No caso de um adulto, é realizada com ele próprio, se
apresenta condições para isso. Uma única sessão para a entrevista devolutiva foi necessária para
seres humanos, inclusive aqueles que dizem respeito ao sigilo da paciente, foram obedecidos.
etapa refere-se às informações obtidas entre o final do ano de 1998 e o primeiro semestre de
2006, que compõem os relatos clínicos advindos dos atendimentos. A segunda etapa vincula-se
aos dados logrados durante a pesquisa em si, ou seja, durante o segundo semestre de 2006.
sessões semanais regulares, exceção para processos de crise justificáveis – inclusive, com
atendimentos por telefone. Em ambas as etapas, os registros clínicos foram efetivados durante as
psicoterápico.
Durante a primeira etapa da pesquisa várias sessões foram gravadas pelo pesquisador
com autorização da paciente. Na segunda etapa todas as sessões foram gravadas. A partir desses
registros, descrevemos os relatos clínicos apresentados, bem como demonstramos algumas das
produções das personalidades. O grau de dissociação da paciente foi confirmado pela escala
54
DES, aplicada por nós em 2002, durante a primeira etapa da pesquisa, em uma única sessão
clínica. Durante a segunda etapa foram aplicados os testes Pfister e TAT como recursos
Assim sendo, para a primeira etapa da pesquisa, as informações foram coletadas ao longo
dos anos com o processo psicoterápico. Para a segunda etapa, a coleta de dados foi feita em dez
sessões clínicas previamente estabelecidas conjuntamente com a paciente. Três delas utilizadas
para a realização das entrevistas (clínica, SCID-D e devolutiva), duas para a aplicação do Pfister
– sendo uma para re-teste do instrumento –, e duas para o TAT. Três encontros foram
necessários para atendimentos clínicos emergenciais desencadeados por crises surgidas ao longo
da pesquisa.
As entrevistas clínica e SCID-D foram realizadas por outro pesquisador (juiz). Em alguns
realização das entrevistas foi motivada pela necessidade de participação de um outro pesquisador
que não tivesse acompanhado a paciente clinicamente, portanto, mais livre de conteúdos
por Caroline, apesar dela, quase sempre, não ter consciência plena do fato. Tais circunstâncias
são intrínsecas à personalidade múltipla. Assinalamos ainda que, quando pertinente, realizamos
clínico, com uma análise intensiva dos diversos dados reunidos na pesquisa a partir dos
descrição segue o ordenamento temporal dos atendimentos, e seu agrupamento está de acordo
dissociativos.
pesquisa, foram selecionadas pelo pesquisador com base na relevância dos aspectos traumáticos
A escala DES (veja Anexo 2) foi mensurada quantitativamente de acordo com os critérios
TAT foi guiado pelo modelo de interpretação americano (Murray, 1943/1967), e complementado
em Silva (2003). A análise e interpretação do Teste das Pirâmides de Cores foi feita com base
nas informações contidas em Justo e Kolck (1976), Villemor Amaral (1978) e Villemor-Amaral
(2005).
56
evidenciar conteúdos significativos para evidenciar o quadro clínico. A entrevista SCID-D (veja
Anexo 4) teve um tratamento específico para a identificação dos sinais e sintomas seguindo as
funcionamento psíquico (Putnam, 1989; Ross, 1989) de Caroline, identificando todas as alters,
Foi desta forma, com a aquisição das diversas fontes de evidência, com a esquematização
transcrições, análises e interpretações dos relatos clínicos e das entrevistas, e com os resultados
dos testes psicológicos, que discutimos a questão do trauma e dissociação nesse estudo de caso.
57
TRAUMÁTICOS EM CAROLINE
das entrevistas.
previamente obtidas na primeira etapa da pesquisa, durante o percurso realizado com Caroline
nos anos de tratamento psicoterápico conosco. Este relato justifica-se porque foi a partir deste
Corria o final do ano de 1998... Caroline nos chegou por indicação de outra paciente. Era
a sua primeira vez num psicólogo. Logo de início, verbalizou: “Estou com muito medo de ficar
louca e de perder a memória. Sempre tive lapsos de memória e intensas dores de cabeça. Fui
muito maltratada pelas pessoas que cuidaram de mim. Também por outras”.
sentimentos expondo os agravos sofridos. Ora sorria, ora engolia o choro. Interessante revelar
que tal crise nervosa se apresentava como uma intensa descarga de afetos reprimidos há muito.
Encontrou naquele ambiente uma forma de desabafo, sentindo-se livre para externar seus medos,
Já para o final da sessão, disse-nos: “Estou me sentindo melhor, mais leve e tranqüila,
com sono”. A pressão mental diminuiu e a expressão verbal cedeu lugar ao torpor fisiológico.
58
espontaneamente. Sorriu. Recomeçou a falar. “Interessante este lugar. Transmite paz, conforto.
fisionômicas, nas expressões da emoção, nos gestos. Entretanto, naquela ocasião, atribuímos tais
alterações como sendo efeitos do breve relaxamento e das descargas psíquicas iniciais.
relaxamento, fato que se deu de forma extremamente fácil, simples e direta, sem maiores
esforços. Relaxou novamente, conservando-se neste estado por mais alguns minutos. No segundo
detalhes próprios do início se mostraram mais fidedignos. Verbalizou-nos: “O que o senhor fez?
Parece que dormi! Como é bom se sentir bem. Lembro-me que lhe dizia estar me sentindo
“Se soubesses como é difícil falar de mim, reviver situações, invocar imagens que
guardei no fundo de um arquivo, sei que vivo, lá dentro de mim. Talvez seja uma catarse
necessária para queimar ou adocicar fatos e pessoas que de uma forma ou outra foram
59
importantes nesta minha vida. Lembranças! Estas quando invocadas, vejo-me sempre só,
olhando para o céu, sentindo dentro de mim a certeza de existir alguém muito querido
que viria me levar para algum lugar feliz. Timidez! Muita. Por motivos não revelados.
Paixão de adolescente! Este meu ser sonhado. Vontade de apaixonar! Sei que o coração
não tem idade. As emoções são o bem de cada um. Paixão não. Mas, um grande amor.
inclusive, contextos traumáticos e dissociativos da vida dela desde o seu nascimento sem a
menor noção de que estaríamos lidando com um caso de personalidade múltipla, um transtorno
A paciente relatou que sua mãe biológica, moça simples do interior de um estado do
nordeste brasileiro, veio para o centro-oeste à procura de melhores oportunidades. Ela empregou-
se como doméstica na casa de um juiz aposentado e viúvo, com filhos já criados, pertencente a
intimidades entre patrão e empregada. E, nestas intimidades a gravidez se fez presente. Porém, o
preconceito social culminou com a família tradicional mudando-se de cidade, ficando, sua mãe,
sozinha, na pobreza. Foram palavras dela: “Ela chegou na cidade. Foi trabalhar como doméstica
na casa dele e tiveram não sei lá o quê, o sexo mesmo. Eu acho que fui gerada pelo sexo, não
pelo amor. Quando ele ficou sabendo, mudou de cidade, abandonou-a e ela me teve literalmente
sozinha, no chão”.
60
Continuou dizendo que o cenário do nascimento era de extrema miséria. Apenas uma
choupana construída a beira de um riacho. Um contexto simples, desolado e frio pela ausência do
essencial. Enfatizou que nasceu literalmente no chão, através do esforço solitário de sua mãe,
recursos da genitora, relegada pela importante figura do juiz da cidade que não assumiu o ato
materno em desesperança, ou mesmo almejando para a filha um futuro diferente do dela, talvez...
Caroline mencionou ter sido acolhida por duas senhoras de certa idade, professoras da
única escola da redondeza. Segundo informou, eram de recursos escassos e seus únicos haveres
eram os valores morais com os quais ela procurou se identificar. Ambas eram católico-
os rituais religiosos. Eram reservadas. Uma viúva (mãe) e a outra solteira (filha). Esta última, sua
madrinha. Não havia figuras de referência masculina no contexto familiar-educativo. Esse papel
A doação efetivada com poucos meses após o nascimento nunca foi sentida como um ato
de amor por parte dela. Talvez tenha sido por dó, pela comoção do momento de angústia da
pobre mulher. Talvez algum tipo de impulsividade. Talvez... Mas, conforme relatou, o certo é
que Caroline dizia: “nunca ouvi delas que eu não seria devolvida pelo fato de ser importante,
por já gostarem de mim, por não conseguirem viver sem mim, por já ser parte da família e da
Caroline também enfatizou que quando tinha dois anos de idade iniciaram processos
colega que sempre a acompanhava nos rituais das procissões. Certo dia, “fui levada para ver
minha amiguinha já morta, colocada em cima de uma mesa, pronta para o sepultamento, com as
vestes típicas do cortejo. Não conseguia compreender o porquê da mãe dela chorar tanto sem
colocar a filha no colo. Eu via a menina solitária e imóvel sobre a mesa que ficava justamente
na altura dos meus olhos. Impressionada com o quadro passei a noite e alguns dias em choque
nervoso. Nestes momentos, via a minha colega levantar-se da mesa, chamando-me para ir ao
seu encontro”.
Conforme a paciente mencionou, outro fato singular que marcou profundamente a vida
dela ocorreu quando contava cinco anos de idade. Sua mãe não biológica havia ficado viúva
muito jovem, quando sua filha, madrinha de Caroline, estava com apenas dois anos. Ela e o
marido, quando nos momentos extremos de agonia dele, fizeram juras de amor. Segundos antes
permanecendo assim por tempo relativamente longo. Sua mãe sempre conservou a fidelidade
vislumbrada. Praticamente, durante esta fase, tive a certeza de que um ser especial e exclusivo,
o meu grande amor, viria me proteger e me salvar. Essa certeza passou a ser o meu estímulo de
vida. A história fortaleceu ou fez iniciar sonhos que passaram a representar realidades dentro
de mim”.
“Não sei quando comecei a sonhar porque vivia sonhando acordada”. Conforme
Caroline relatou, com mais ou menos seis anos, começou a ter pesadelos. Acordava suando frio e
com medo. Demorava a ser acalmada saindo dos sonhos para a realidade. Ainda assim, ficava
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lembrando por muito tempo das imagens perturbadoras um tanto fixas na sua mente. Sonhava
quase sempre caindo de lugares altos, em plena penumbra, ou em noites chuvosas que ventavam
muito, pés descalços, procurando a sua casa que, no sonho, não sabia onde ficava, quase
entrando em pânico. Seus sonhos eram sempre de noite, com poucas luzes, sem cores. As
lembranças dos sonhos traziam uma sensação ruim, de cair de muito alto, quase no escuro, sem
saber quando seria o final da queda. Tal queda nunca chegava ao fim. A seguir, como mostrado
na Figura 3, apresentamos o desenho feito pela paciente, a nosso pedido, retratando o seu sonho
recidivo.
Caroline dizia que ficava “com medo de dormir e sonhar novamente como sempre
acontecia. Acordava abatida e triste no começo da manhã. Rezava quase ininterruptamente para
que Deus me protegesse porque, na interpretação delas [das duas senhoras], tudo acontecia por
causa deu não ter rezado suficientemente. Deus, então, não era poderoso. Se fosse, não deixaria
Além disso, a paciente verbalizou: “As pessoas achavam que eu vivia no mundo da lua”.
ocorrências normais para ela. Desde antes de adquirir melhor precisão para as idéias próprias,
confusões de identidade, lapsos de memória, amnésias e ouvir vozes eram ocorrências típicas,
recorrentes, intermitentes e enigmáticas na vida dela. O invulgar dos demais era o comum dela.
Segundo seu relato: “Eu via ‘pessoas’ chegarem, conversarem entre si, não compreendendo
como aqueles estranhos adentravam minha casa estando as portas fechadas. Auto justificava-me
A casa dela parecia ser a continuidade da igreja. Estampas de santos, os mais variados,
por quase toda a residência. Segundo a sua ótica perceptiva, dava a impressão de serem olheiros
ameaçadas com presenças que não viam nem percebiam. Presenças estas reveladas por Caroline,
que também as acompanhava nas orações. Geralmente, pediam proteção contra as tentações do
passou a segredar o que nela era autêntico e espontâneo. Só que agora acrescentados ao medo do
diabo e da vontade de não querer ver mais nada. Segundo comentou: “Quando aconteciam as
visões, encolhia-me e rezava como havia sido recomendado, tentando me livrar do demônio.
Uma luta íntima constante me deixava conflituosa: Quem era mais poderoso, Deus ou o diabo?”
Segundo seu relato, praticamente, embora tivesse crescido sempre em confronto com
duas realidades, foi a partir dos nove anos que começou a distinguir mais detalhadamente o
processo de divisão da consciência, de split mental que experienciava desde então. Principiou a
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perguntar por que os outros não viam o que ela via já que tudo era tão real. Com inteligentes
para as novenas e compromissos impostos pela igreja na figura do sacerdote, que começou a
freqüentar a casa. Dava seqüência a processos indiretos cujo objetivo era investigar se os demais
estavam vendo o que ela via ou ouvindo o que ela ouvia. Diante da negativa de todos, constatava
que as ocorrências circunstanciais somente eram provenientes do seu campo perceptivo. Aquelas
impressões psíquicas eram interpretações mentais unicamente dela. Fazendo uso desse
mecanismo foi conseguindo sobreviver sem retaliações e preparar-se para situações mais
complexas que não tardariam. As ocorrências não eram verbalizadas diretamente. Eram
camufladas em tons de autenticidade que ela percebia e sentia, nunca deixando de cumprir as
recomendações e imposições das opiniões alheias e próximas. Não obstante, esta conduta
benéfica aos olhos externos não impedia a continuidade dos fenômenos, nem favorecia
Pelo contrário, desconfiava desde pequena das diferenças existentes entre ela e os demais.
Seu desespero era configurado com idéias recorrentes de suicídio. Segundo seu relato, “o
suicídio, ou a idéia dele, sempre foi uma temática constante em minha vida”. Ciclicamente,
desde a infância, essa fixação ainda ressurge em seu psiquismo, embora com menor intensidade
muito dispersiva. Tímida a ponto de quase não conseguir erguer os olhos. Apesar disso, na
distraída e ausente. Minha caligrafia sempre foi muito irregular”. Este último fato, conforme a
paciente destacou, contrariava os professores que davam como castigo escrever frases em
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páginas seguidas. Talvez professores mais qualificados e atentos às divagações infantis, teriam
constatado nela indícios de natureza invulgar a serem investigados com maior profundidade.
Suas coisas eram, no mínimo, mais impróprias ao comum das crianças. Apesar disso, segundo
informou, sempre procurou ser dócil, compreensiva, cooperadora, responsável, afável e delicada.
Num dia, não se recorda o motivo, ainda com nove anos, Caroline relatou que foi
surpreendida com revelações sobre a sua ascendência por meio de uma senhora de cor (sic),
prestadora de serviços domésticos que freqüentava a casa. Vinha em troca de parca comida e
fazia a lavagem da roupa. Achava, entretanto, que não deveria lavar a roupa dela. Que sua
criação não estava correta. Que, para ela, deveriam ser ensinadas as tarefas simples do lar, a fim
de substituí-la. Pelo fato de Caroline demonstrar não gostar de pessoas de cor – motivo não
compreendido por ela mesma ou outras razões inconscientes (a paciente possui tez e olhos
claros, parecendo descendência européia) –, a senhora, que possuía certa intimidade com as
patroas, por sentir rejeição e confrontar origens, de maneira agressiva e de forma constrangedora,
num ato impensado de retaliação, expôs a origem da menina de forma humilhante e reservada.
Falou-lhe não ser ela grande coisa. Precisava saber que a sua procedência era mais humilde que a
dela própria. O que quis dizer, e disse, era que Caroline não tinha nem mãe, nem pai. Era uma
pessoa rejeitada na vida e que, por caridade, vivia naquela casa. No consultório, expressou-nos a
sua dor da seguinte forma: “Quando recebi a notícia sobre a minha ascendência foi como se me
A paciente mencionou sempre ter sido amiga dos livros. Apesar de muito dispersiva,
quando contava doze anos de idade, colocou-se em condições, por concurso seletivo, de
professores. Seu desconforto aumentou pelo nível social dos estudantes ali reunidos. Famílias
tradicionais e ricas. Todas conhecidas entre si. Não tendo vaidades, nem poder aquisitivo, sentia-
questionamentos difíceis feitos pelos professores sem se dar conta das respostas verbalizadas.
Como se as respostas saíssem prontas da sua boca sem que tivesse consciência das formulações
expostas. Segundo ela, tal situação automática ou espontânea gerava espanto nos colegas e
admiração nos profissionais. Contou-nos ainda que ocorrências dessa natureza aconteciam
desatenção percebida nela, não comprovada, principalmente, quando diante das “saídas”
inteligentes e acima da média elaboradas. Outras vezes, decepcionava os mesmos por nada
Por volta desse período sua madrinha se casou com uma pessoa bem mais jovem que
fazia uso de alcoólicos, proveniente do mesmo tronco familiar. Vamos chamá-lo Sr. O. Segundo
ordem dele, novo comandante da casa, eu fui afastada da mesa durante as refeições por ser
considerada de nível inferior”. Neste ponto, conforme salientou, acentuamos condutas sexuais
conflituosas previamente existentes, sofridas por Caroline. Apesar da opção pela vida conjugal,
antes de se casar, sua madrinha parecia ter relacionamentos homossexuais com uma amiga, velha
conhecida, em ambiente reservado da casa, sob ciência da genitora. Nestas ocasiões Caroline
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ouvia gemidos incompreensíveis. Confidenciou-nos achar ter sido vítima de algumas situações
constrangedoras tais como acordar sentindo-se apalpada em zonas erógenas. Sobre esses
ouvir, ao pé do meu ouvido, sussurros indiscretos de prazer por parte da minha madrinha,
Confidenciou-nos também não perceber as segundas intenções que lhe eram direcionadas
pelo Sr. O. Sentia um ambiente desfavorável dentro da casa. Recebia dele esbarrões propositais
que afetavam principalmente a região dos seios iniciantes. As datas comemorativas eram regadas
com bebidas diversas, fato não existente antes do casamento. Nestas festividades era comum, por
parte do Sr. O, insistências para que ela ingerisse alcoólicos. Diante de suas permanentes recusas
as represálias se faziam maiores. Disse-nos que em uma dessas circunstâncias, em meio a vários
convidados, o Sr. O lhe ofereceu insistentemente um “refrigerante” já no copo. Sem graça por
estar rodeada de pessoas, ela aceitou desconhecendo tamanha cortesia, totalmente diferente das
outras vezes em que era completamente ignorada. Sentiu-se constrangida a ingerir a bebida ante
a insistência do agressor mal intencionado. Com um fragmento do seu relato, trazemos sua
experiência: “Não me recordo como cheguei ao meu quarto. No despertar, ou no tentar ‘voltar’
que era obrigada, conseguia abrir os meus olhos com dificuldades e sentia mãos em meus seios
interrompeu, não sei quem, afastando-o de lá e cerrando a porta”. Ainda hoje Caroline afirma
não saber quem foi esse “alguém” salvador. Entretanto, guardou a certeza de uma interferência
superior. Aquela dúvida da existência de Deus começou a abrir espaço para a idéia de uma
outras experiências insólitas ocorridas com ela, algumas vezes, no ambiente estudantil –
Caroline preenchia seu nome e adormecia imediatamente. Adormecia sem dormir. De repente,
como num piscar de olhos, acordava assustada ouvindo o coordenador dizendo que o tempo da
prova havia se esgotado. Sobre isso, Caroline comentou: “Para meu espanto, a prova estava
toda respondida, muitas vezes, numa caligrafia estranha a minha. Para mim havia se passado
apenas um segundo, talvez menos. Nada de estranho era verbalizado pelos colegas. Ninguém
percebia nada. Ou, se percebiam nada diziam. Os resultados eram notas excelentes adicionadas
aos elogios dos meus professores. Sentia medo não compreendendo essas ocorrências
atentavam somente para os resultados. De outro, o temor perante circunstâncias desconexas. Tais
experiências dissociativas, bem como outras mencionadas mais adiante, somente nos foram
resultante da idéia do perigo real ou aparente de ser louca, ou de supor não ser compreendida,
fazia do silêncio a conduta trivial dela. Este medo da loucura continua atualmente, porém, mais
Declarou-nos ter se casado aos dezesseis anos. Chamemos o seu companheiro de Sr. A,
nove anos mais velho. Essencial retirar o véu de uma realidade matrimonial incomum
mutuamente acordada, conforme Caroline nos explicou. O casamento dela com o Sr. A, desde o
princípio, foi uma união de conveniência recíproca. De um lado, para ela, representava o
quase integral de duas senhoras que assumiram espontaneamente a educação de uma criança –
sem que estejamos fazendo pré-julgamentos ou estabelecendo juízos de valor diante contextos
particulares que não podemos precisar com maior profundidade –, e pelo desrespeito crescente
do Sr. O, prestes a cometer outros abusos sexuais, desejoso de saciar os seus instintos. De outro
lado, para o companheiro, havia a impotência sexual revelada na época do noivado, antes mesmo
da lua de mel, não como confidência de uma dificuldade masculina perturbadora, mas como
Caroline assumiu para si, expressando no seu relato, que seria uma “união de amizade”,
respeitosa nos demais quesitos de um contexto social e conjugal. Disse-nos também: “Eu estava
em êxtase. Seria uma nova forma de relacionamento. Uma irmandade leal”. Embora casados
pela Lei Civil, compartilhando uma vida em comum, sentia que “estaria salva de apetites
sexuais alheios”. Entretanto, essa fuga tinha razões mais profundas. Simbolizava ainda uma
outra conjuntura fundamental, de fidelidade, demonstrada no seu relato: “Eu havia encontrado a
fórmula ideal para me justificar perante o meu grande amor, aquele que idealizei a partir da
história contada por minha ‘mãe’ quando da agonia do companheiro, o amor que saberia
casada, para sobreviver, e continuando pura, estaria mantendo a promessa de continuar fiel ao
ser que representava a razão do meu viver, que representava a presença do ser ausente.
Consolava-me com essa idéia, de que a pessoa conhecida, o ser da minha plenitude, viria. Seria
poderoso e protetor. Lindo, com qualidades únicas e inconfundíveis. Seria um misto de tudo o
Mas, o Sr. A, apesar da impotência sexual, não aceitou uma vida conjugal sem
relacionamentos sexuais. No seu relato, difícil de crer, Caroline comentou: “perdi a virgindade
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por contato, sofrendo atos sexuais violentos com tentativas de penetração incompletas, fato que
inconformismos.
traumáticos desde o nascimento fez com que ela se tornasse uma pessoa sem auto-estima e sem
drogas ilícitas. A depressão sempre foi o diagnóstico comum e permanente dos profissionais que
negativo causado pela ausência sexual na relação matrimonial. Afirmavam que eu deveria ter
prazer sexual a qualquer custo porque a prática do sexo é fundamental à saúde”. Assim,
Mencionou ter sido aprovada no vestibular com quase trinta anos de idade. Em verdade,
desejava cursar Psicologia. Mas, por imposição matriculou-se no vestibular para tentar Direito,
impedimento dele, intransigente, instável e oscilante”. Desta forma, não pôde fazer o curso
A compreensão de sua realidade sempre foi muito difícil. Melhor dizendo, quase nunca
conseguiu entender certos fenômenos estranhos à sua lógica. Optava sempre pela conduta da
alienada. Enfatizou: “Pessoas que eu nunca havia visto declaravam com firmeza, de forma
estranhos junto aos meus pertences. Objetos estes que eu não sabia a procedência. Eu era capaz
de passear pela natureza e sentir uma vaga impressão de já ter estado naquele mesmo lugar.
Vestidos que nunca comprei apareciam no meu guarda-roupa. Às vezes, deparava-me vestida
com um vestido sem a lembrança de tê-lo vestido. Começava a pintar um quadro e ao retornar à
pintura, em outro momento, achava-a concluída num estilo diferente do meu. Muitas eram as
ocasiões em que eu tinha a impressão de ter acordado sem ter dormido. Às vezes, me deparava
com as unhas pintadas com esmalte vermelho – cor que não gosto – sem me lembrar de tê-las
pintado”.
Enfim, essas experiências dissociativas não eram novidades para ela. Na realidade,
conforme narrou, aconteciam-lhe ciclicamente desde a meninice até onde consegue se lembrar. O
conhecimento das coisas pela vivência prática e pelas observações pessoais, de forma
perturbadora se agravou, afetando-a como nunca antes. As pessoas mais próximas, os membros
a sua óptica perceptiva, optaram por considerá-la como uma pessoa passiva, afável e dócil, que
Podemos asseverar que ao final deste período, um ano após iniciada a psicoterapia,
Caroline estava um tanto renovada. Não que os lapsos de memória e as dores de cabeça
estivessem eliminados. Ela apenas sabia lidar mais adequadamente com eles. Aceitava melhor as
suas próprias peculiaridades. Em alguns períodos tivemos que fazer atendimentos semanais mais
freqüentes. Nesses encontros havia como uma repetição da sessão original. Afetos eram
Importante salientarmos que nos momentos circunstanciais de crise, quando algum fator
desconhecido alterava o equilíbrio das emoções dela, somente a descarga verbal com a seqüência
questionamos sobre as razões desses efeitos tão nítidos. À medida que eram apresentados,
A princípio, não foram poucas as chamadas telefônicas que recebemos. Nessas ocasiões,
conseguíamos que ela liberasse suas angústias após chorar – quase sempre com resistências – e
nos contasse repetidamente seus medos, apreensões e receios. Após essas verbalizações, algumas
demoradas, sentia-se mais aliviada. Foi mantendo a certeza de poder acreditar na psicoterapia
como meio adequado e eficiente de minimizar dores, sofrimentos e angústias. Constatava a sua
nível cerebral – comprovados com laudos pretéritos e com entrevistas clínicas individuais
realizadas com o Sr. A e com uma das filhas da paciente –, exceção para os processos
fomos percebendo algo incomum. Quase todas as vezes que fazíamos uso da técnica do
relaxamento notávamos o mesmo sono característico da sessão original. Fomos constatando essa
particularidade que tendia a uma repetição contínua. Sempre que fazíamos uso do relaxamento
Caroline literalmente adormecia. Permanecia em estado de sono natural por alguns poucos
minutos tradicionais. De nossa parte, logo que percebíamos o seu desvanecimento, silenciávamos
tal comportamento começou a ocorrer sem o relaxamento propriamente dito. Algumas vezes ela
chegava, sentava-se, respirava aliviada e adormecia no começo da sessão em períodos não mais
regulares. Outras, no meio. Outras, mais para o final da sessão sem que nada mencionássemos a
respeito do relaxamento.
novamente por mais alguns segundos ou minutos. Acordava. Retomava aos assuntos
verbalizados inicialmente. Não mais fazia menção às idéias novas do segundo estado. Sentia-se
Caroline: “Doutor, devo lhe contar também que hoje acordei angustiada. Tive
mais sobre isso...” Caroline: Silêncio... Adormecimento... (?) “Vamos mudar de assunto.
Você já viajou de navio? Eu amo o mar. Também adoro cantar”. Pesquisador: Após
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paciente... Caroline: “O que houve? Estou meio confusa. Mas, sinto-me feliz. Não quero
Quando, porém, ela percebia que de nossa parte algo estava diferente, quando sentia que
não a compreendíamos ou achava que estávamos indiferentes ao que ela havia expressado, o
efeito inverso não tardava a aparecer. Em vez do alívio almejado sobrevinha um grande mal-
estar. Nessas ocasiões, era imensamente difícil terminar a sessão e consentirmos que a paciente
deixasse o consultório naquelas condições, aparentemente pior que chegou. Fomos percebendo
que Caroline não se dava conta desses dois estágios de adormecimento. Para ela, não havia o
registro da “segunda fala”. Não se recordava dela. Perante intervenções vinculadas aos assuntos
que ela havia dito na “segunda fase” da sessão, que na sua realidade psíquica não tinha a menor
maneira contida, fato que agravava o processo e causava o retorno dos medos e receios iniciais.
dois estados. Hábitos e costumes diferenciados. Novos sorrisos, gestos e trejeitos. Outras
divergentes e recíprocas num mesmo período de tempo. Na nossa realidade, as sessões possuíam
gaps ou lacunas temporais. Para Caroline as sessões transcorriam de forma linear, sem gaps.
Quando lhe falávamos que havia adormecido por duas vezes não acreditava. Averiguamos,
estágio, quando do psiquismo modificado, não eram lembradas e nem registradas por ela. Seria
isso uma divisão da consciência? Será que durante todo esse tempo fizemos uso do método
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catártico que, nos dizeres de Anna O, segundo Joseph Breuer, era uma verdadeira talking cure
por ela. Mas, embora essas dissociações estivessem em menor grau à sua percepção, elas
continuavam a ocorrer em grau crescente. É importante enfatizarmos que tais ocorrências não se
identificar mais claramente que ela não se dava conta dos lapsos de memória, das ausências.
Dialogava conosco alguns assuntos. Parava por alguns segundos. Recomeçava a falar. Parava
novamente para recomeçar segundos depois. Nesses breves espaços de tempo, gaps, sua
memória, sua maneira de falar, o tom da sua voz, os contextos, eram outros, diferentes. Não
revelávamos para ela tais alterações. Ela não as percebia. Por isso não se perturbava tanto.
Aprofundamos as nossas investigações científicas. Foi assim que nos avistamos pela
primeira vez com a Transtorno Dissociativo de Identidade (DID), até esse tempo desconhecido e
ignorado por nós. Existiram, então, quatro processos aleatórios que nos fizeram perceber
que estávamos diante de um caso de personalidade múltipla tal como indicado nos critérios do
DSM-IV-TR (2003).
para o estado de consciência dois. Inicialmente, tal fenômeno alternante – switch – era oculto e
controle do corpo. Era essa alter, que estava num estado de consciência dois, quem comparecia à
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sessão. Em nossa percepção limitada era Caroline quem estava em atendimento. Ela, Caroline,
ambiente clínico. Fomos percebendo esta situação pelo fato dela nos telefonar desculpando-se
por não ter comparecido à sessão. Justificava estar um tanto confusa não sabendo explicar o
ocorrido.
No terceiro processo, Caroline dissociava-se durante a sessão clínica. Uma alter assumia
o comando do corpo e não se deixava reconhecer, indo embora depois de encerrada a sessão. O
nos telefonava aflita, sem saber como havia deixado o consultório e retornado à sua residência.
Sua última recordação era de estar sentada na poltrona do consultório em sessão clínica conosco.
espontânea da paciente ocorreu quando ela “acordou” em plena sessão clínica, ou seja, quando
ela, de súbito, emergiu sem saber como e surgiu sentada na poltrona em terapia conosco. Em
algumas dessas ocasiões Caroline apresentava-se para a sessão com roupas cujo estilo era muito
diferente do dela. Maquiagem sobressalente. Batom vermelho forte, unhas pintadas com esmalte
cuidadosas para permitir aproximações ao terapeuta. Isto, geralmente, leva tempo a fim de que
clínica. Os switches, mesmo ocorrendo, são às vezes muito sutis. Freqüentemente o terapeuta não
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percebe as mudanças, o que em parte, explica as razões pelas quais os múltiplos são tão
Foi praticamente na metade do ano que estamos referenciando, ano 2000, que ocorreu o
nosso primeiro contato, identificável conscientemente, com uma das personalidades que
Caroline: “Quando ela me contou sobre a jura de amor eterno ao companheiro tive a
certeza da existência de um ser especial, amado dentro de mim, exclusivo, o meu grande
amor”. Pesquisador: “Compreendo. Poderia me falar um pouco mais sobre este ser
Parece que vou desmaiar”. Silêncio... (?): “Olá. Sou Dalva. Não sei como o senhor
consegue entrar aqui na propriedade do meu avô. Mas, porque faz algum tempo que
A partir do ano de 2001 – exceção para Jennifer que também conhecemos em 2000 –,
melhor, fomos sendo capazes de detectá-las a partir de então. Em verdade, elas sempre estiveram
presentes. Éramos nós quem não as via. Desta forma fomos sendo capazes de compreender
Caroline mais profundamente e melhor desvendar as informações relatadas por ela. Além disso,
compreendermos também as produções obtidas na clínica e ao longo da vida dela, bem como as
diversos contextos de emersões e imersões nem sempre estavam diretamente relacionados com
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eram acionadas involuntariamente, falavam de seus contextos, das suas histórias, de suas
lembranças, de seus sentimentos, de seus hábitos e costumes, das suas épocas, das suas dores.
“Prezado Doutor:
Pela primeira vez estou falando para me identificar diante do senhor facilitando nossa
aprofundar, procurando novas fontes de conhecimentos com o objetivo de ser útil a esse
ser que já sofreu muita incompreensão pela medicina tradicional, que ainda desconhece
essa faceta tão importante e comprometedora da saúde mental, por várias gerações.
sua disposição para dificuldades atuais e futuras a serem vencidas. Confirmando suas
suspeitas, este caso é chamado na ciência atual como DID ou outra sigla que lhe for
suas mãos, agora seguras, este tesouro como sendo uma primeira experiência. Para
mais adiante, algumas alters, mas todas sob nosso controle para que não ajam incidentes
paciente. Assim sendo, será interessante para uma prévia pesquisa, que sejam
para o segundo e vice-versa. Elogiamos sua curiosidade positiva que ajudará a chegar
compreendida, e com esses dados quem sabe trazer o refazer da sua integridade mental.
Com ajuda, o paciente aprende a conviver sem desespero por medo da loucura.
Esperamos ter sido claro e se caso necessitar de outras explicações que ainda não
Vale ressaltarmos, neste ponto, outros tipos de experiências dissociativas inusitadas que
Caroline nos confidenciou corajosamente no ano de 2001. Revelou-nos que, algumas vezes,
acordava de madrugada estando sentada na mesa de seu escritório localizado num pequeno
quarto, em outro cômodo da casa. Ia dormir naturalmente em sua cama. Quando dava conta de si
estava sentada no referido escritório, com dores nos braços e, principalmente, nas mãos. À sua
Também poesias e alguns pequenos bilhetes escritos em inglês – Caroline, conforme relatou,
nunca aprendeu idiomas estrangeiros, exceção para o latim durante o ambiente escolar – e numa
acordando muito cansada quando a manhã já estava alta. Às vezes, quando assumia novamente o
controle de sua consciência, e do corpo físico, percebia que mais de um dia havia se passado. Tal
fato a deixava abalada interiormente. Porém, como ninguém nada comentava, ela permanecia no
silêncio costumeiro. Por razões que não sabe explicar guardou alguns destes desenhos
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aconteciam com ela durante o período da adolescência. A nosso pedido, após um período longo
de sessões, “ela” espontaneamente nos trouxe alguns desses desenhos para análise. Tempos
produzidas por cada uma delas. Algumas destas produções estão disponibilizadas neste trabalho
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(veja Anexo 2). Outras, antigas e recentes, estão inseridas de forma contextual na medida em que
Society for the Study of Trauma and Dissociation (ISSTD) – fato que se deu a partir do ano de
demonstra uma faceta excêntrica relacionada com a elaboração de uma linguagem secreta, muito
criativa.
no ano de 2001, Caroline nos confidenciou outras experiências interessantes. Numa dessas
experiências, revelou-nos ter acordado tossindo às duas horas da madrugada. Levantou para
corpo físico, encontrava-se sentada na mesa de seu escritório. Já eram cinco horas da manhã.
Três horas haviam se passado. Para ela, um piscar de olhos. Sentia muitas dores nas costas e
principalmente nas mãos. Em sua mesa, diante dela, dentre outras coisas, duas folhas com
Nada podemos afirmar sobre a regularidade desses desenhos na vida dela. A maioria
deles Caroline jogava fora. Não sabendo do que se tratava, nem quem os havia feito, desfazia-se
deles não vendo motivos para guardá-los. Assim procedeu muitas vezes, inclusive, durante os
anos de sua mocidade. Quando nos cientificamos destas produções pedimos à paciente que nos
entregasse os desenhos que tinha guardado e os novos que surgissem. Ela relutava. Mas, de onde
Passaram-se dois anos... Certa vez, em janeiro de 2003, “ela” (Dalva) resolveu
símbolos das mensagens correspondiam a uma “linguagem secreta”, um código inventado por
Rony e conhecido somente por eles dois. Praticamente, tudo que ela faz ou escreve está
que nesta sessão Caroline permaneceu dissociada espontaneamente durante quase todo o
processo. E, quando da imersão de Dalva para as profundezas do inconsciente, que para Caroline
representou um tempo cronológico inexistente e uma ocorrência não percebida, ela (Caroline)
continuou sua fala expressando seus pensamentos lógicos do início, como se a interrupção
temporal acontecida não tivesse ocorrido. Aparentemente, aquele espaço de tempo não fez parte
Foi a partir de então que pudemos iniciar o processo decifrável. Além dos símbolos,
Dalva nos revelou que a leitura das mensagens deveria ser feita verticalmente, de cima para
baixo, da direita para a esquerda. Símbolos especiais eram utilizados para separar cada palavra e
o ponto final. Assim, o símbolo “^” indicava o “separador de palavras” e “ν” indicava o “ponto
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final”. Revelou-nos ainda que todo o alfabeto havia sido derivado do formato de uma estrela,
mais especificamente, dos vértices e das linhas da Estrela-Dalva, a Estrela da Manhã, o planeta
Vênus. Tratava-se de uma linguagem secreta e íntima para correspondências recíprocas somente
entre ela e Ronaldo, Rony, seu meio-irmão, seu primo, o seu grande amor. Disse-nos também
que o nome dela foi escolhido pelos genitores quando contemplavam o céu. Complementou
dizendo que quando o casal admirava a Estrela da Manhã, sua mãe teve a certeza da gravidez.
Ambos, então, resolveram que o nome da filha seria o mesmo da estrela, Dalva. Foi desta forma
que conseguimos decifrar a mensagem trazida por Caroline, guardada conosco fazia
decifrada da mensagem, de cima para baixo, da direita para a esquerda. A seguir, linhas de 01 a
Dalva, em nossa presença, na clínica. O “s” ausente da primeira palavra da primeira linha,
As linhas 03, 04 e 05, contadas verticalmente a partir da direita para a esquerda da Figura
do código. Ou seja, cada letra e seu símbolo associado. Foi somente através deste código que
conseguimos decifrar as mensagens contidas nas Figuras 4 e 5 elaboradas por Dalva, bem como
as demais vindouras e algumas outras elaboradas desde a adolescência da paciente, que estavam
conosco.
fazendo uso da linguagem dos desenhos. No final do processo dissociativo espontâneo, contou-
nos ser um presente que fez para Rony, conforme decifração do papel de tonalidade rósea situado
Neste dia, Caroline chegou para a sessão clínica regular, cumprimentou-nos, sentou-se na
espacial dela seja divergente da nossa realidade, neste dia ela olhou para o lado e notou uma rosa
natural que estava num recipiente sobre a mesa. Levantou-se, sentou-se na cadeira e começou o
Fazendo uso racional e inteligente de papel, cola e tesoura retirou pétala a pétala da flor,
cadeira, entregou-nos o presente, pediu que o levássemos para Rony. Retornou para a poltrona e
adormeceu.
Caroline emergiu. Perguntou-nos: “O que está fazendo com isso na mão?” Afinal, como
havíamos feito aquela mágica fazendo aparecer um objeto nas mãos sem que ela tivesse visto
inicialmente? Ficou com medo. Percebendo o que ela não percebia e compreendendo o que ela
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iminente, decidimos continuar a sessão como se ela tivesse sido iniciada naquele momento, pois
que para a realidade psíquica dela estava apenas começando. O receio de ficar louca certamente
reapareceria e uma crise não tardaria. Assim, deparávamos cada vez mais com os seus processos
dissociativos agudos.
estava em crise, realizamos três sessões interventivas. Nestas sessões, foram enfocados aspectos
psicoterapia, de forma recorrente, por meio de um sonho repetitivo (vide Figura 3), foi possível
representava significativa ligação com o nascimento traumático, com a questão da rejeição, com
o desamparo fundamental e com o abandono da paciente, a maneira como ela foi expulsa do
ventre materno, o parto em si, feito pela própria mãe, solitariamente, nascendo Caroline
literalmente no chão. Afinal, vários perigos específicos são capazes de precipitar uma situação
traumática em diferentes épocas da vida. Dentre eles, o nascimento e a perda da mãe como um
Desenvolvendo esta idéia, Bergeret (1998) registra que um impacto sentido pelo sujeito
objeto, resulta no chamado trauma psíquico precoce. Tal trauma, de caráter afetivo,
comoção afetiva é fator traumatizante porque o ego não tem capacidade satisfatória para um
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sentido de realidade adequado, podendo resultar, então, num efeito dissociativo na estrutura
psíquica do sujeito.
Traumático] estou revivendo lembranças difíceis, sofridas, com muita angústia. Preciso
necessários. Eis, então, a fala de Caroline fazendo menção ao seu contexto de poucos meses de
“A voz da pessoa, do homem – provavelmente amante – que gritava com ela [mãe
biológica], era uma voz que vinha do mato. Parecia que ele vinha de uma floresta,
meu íntimo que eram palavras violentas. Na ocasião, tive a impressão de ouvir o
seguinte diálogo: Mãe Biológica: Leva, leva... Mãe Receptora: Depois você vai querer
de volta! Mãe Biológica: Não. Prometo nunca mais buscar. As duas senhoras partiram,
carregando-me nos braços, uma de cada lado, pulando por cima das pedras do riacho
Tal verbalização de Caroline fez com que buscássemos, em relato clínico pretérito,
Antes porém, devemos realçar que quase toda vez que processos dissociativos ocorriam
com Caroline, estando ela dirigindo seu carro na cidade, via-se numa floresta tal como na
lembrança relatada logo acima. Entrava em pânico não mais dando conta da sua desorganização
Caroline veio a fazer um insight relacionando o sonho repetitivo com o trauma do nascimento.
De nossa parte, por meio das associações realizadas, descobrimos que a visão repetitiva
da floresta não era propriamente de Caroline, mas de Ester. E, mais importante, que a cena
traumática da separação mãe-filha fez com que o cristal cindisse (Freud, 1933 [1932]/1996), e a
sessão clínica pretérita vinculada ao contexto presente, agora sendo desvendado. Nesta sessão
“Doutor,
infelizmente hoje acordei com uma dor diferente no coração. Não é no coração. É de ter
recordado dos meus pais sendo enterrados e eu enlouquecida querendo que eles me
90
ouvissem e falassem comigo. Não podia acreditar que eles estavam me desprezando
desta forma. E ninguém fazia nada para tirá-los daquele sono pesado. Foi quando uma
pessoa disse que eles jamais voltariam ao meu convívio. É claro que não acreditei.
Pensei que todos estavam enganados ou querendo me enganar. Sabia que aquelas
pessoas não eram do agrado de meus pais. Não sabia o porquê das suas presenças em
nossa casa. A capela estava toda enfeitada de flores e um silêncio total que me confundia
cada vez mais. Vi lágrimas nos olhos dos nossos serviçais que desciam de seus olhos
vermelhos. Não me deixaram ficar perto da pessoa que cuidava de mim. Colocaram em
mim um vestido preto que jamais tinha usado e nem daquela cor. Não quero falar o que
aconteceu. Mas na minha mente infantil, não sabia a realidade do que estava
acontecendo: que seria a última vez que os veria e justamente naquela posição,
dormindo, tão bonitos e não se importando comigo. Quando dei conta de mim, estava
escurecendo e ouvindo vozes chamando por meu nome por entre árvores, numa floresta.
Desconheci o lugar. Eram as vozes daquelas pessoas que diziam serem meus primos.
Sem mais esperar, as vozes estavam próximas ao meu ouvido e logo após isto, senti
sacudida por braços fortes e grosseiros chamando pelo meu nome. O susto foi tamanho
que gritei com toda a força dos meus pulmões. Eles me prenderam à força e no meu
pensamento só pensei que eles iriam me enterrar como fizeram com meus pais. Gritei por
meus pais, pelos servos que nos serviam, e nada aconteceu para impedir que me
levassem. Desse dia em diante fiquei trancada neste quarto que muito mal entra os raios
solares e que estão me fazendo ficar com as vistas turvas e com dificuldade quando saio,
até me acostumar com a claridade. Felizmente Mariana apareceu, sendo ela o meu
segredo, o meu anjo, que conversa comigo, que me ensinou a escrever, a cantar e a
91
brincar. Acho que quando eles me ouvem conversando com ela e não a vêem, pensam
contentes que estou enlouquecendo de verdade. Se não fosse ela tenho certeza que não
estaria mais viva e esses salafrários já teriam conseguido o que querem: a minha vida e
os meus bens. Outra coisa: nunca mais vi um serviçal conhecido, mas sempre essa
megera que me traz o que preciso sem dizer uma palavra. Doutor, não quero falar mais
sobre isto. Faz-me sofrer muito. Hoje não quero sair mais. Não quero ver ninguém. Vou
me deitar e tentar dormir para esquecer essa dor que não é no coração, mas é de
coração, de alma”.
Mariana – ISH específico da alter Ester –, também durante a segunda etapa de nossa
“Caro Doutor:
a sua intuição de associar com Ester a lembrança de um homem saindo da floresta é fato
verdadeiro. Quando de sua primeira crise, ao falecimento de seus pais, logo após o
sepultamento deles, ela correu para um bosque que ficava no fundo da propriedade. Foi
lá, depois de várias horas de procura, que a encontraram. Estava exausta de chorar e
a naquele estado, deixaram surgir em sua mente, a história da perda da razão. Ela foi
pensando que iriam enterrá-la viva. Assim começou seu tormentoso crescimento. A cada
dia eles iam favorecendo a notícia de sua loucura. As informações que ela lhe revelou,
tempos atrás [fazendo referência a verbalização anterior de Ester], são de natureza muito
92
período infantil, sendo alguns de pouco tempo após o nascimento dela. Na ocasião, fiz
com que Ester recordasse as cenas narradas e lhe contasse com suas próprias
palavras relatando os fatos sentidos por ela. Agora a sua compreensão estará mais fácil.
Continue... Mariana” .
Os perigos internos modificam-se com o período de vida, (...) mas possuem uma
uma perda de seu amor (...) – uma perda ou separação que poderá de várias maneiras
Continuou Caroline...
vinha fazendo ameaças. Mataria a filha dela [referindo-se a ela própria] e, certamente,
concretizaria o gesto naquele dia. Talvez, a doação tenha sido um ato extremo, de amor
amaram. Depois que fiquei sabendo da minha ascendência, comecei a receber ameaças
93
delas. Como se a pior coisa que pudesse acontecer comigo fosse o retorno para o antigo
lar, representando certamente a morte. Como isso significava um perigo real, as duas
depois de grande, já adolescente, via-me numa péssima situação, sentia muita raiva dela
[mãe biológica]. Afinal, tudo isso foi causado por ela, que me deu para ficar com o
homem dela, agressivo. É como se fosse uma escolha. E, como as que me receberam
sabiam do meu temor, usavam de ameaças com certa freqüência. Nunca fui amada.
Lembro ainda que tinha uma ferida dolorosa na minha nuca. As duas senhoras trataram
dela sem muitos cuidados. Acho que o amante dela [mãe biológica] já havia me agredido
antes. Até hoje tenho a cicatriz atrás da cabeça. Todas essas lembranças afloraram com
Pesquisador: “Não pare. Continue. Dê vazão ao que está vindo em sua mente. Tenha
coragem. Estamos aqui para ajudar você”. Foram essas as nossas palavras. Ela, então,
continuou... Caroline: “Quer saber qual o meu sentimento neste momento? Preciso
muito da sua compreensão. Não me julgue, por favor. Mas, o que me chega é
Mas, o que isto realmente significa? Seria uma disputa entre você e sua mãe biológica
pelo sentimento de ter sido excluída da vida dela, por causa dele?” Caroline: “Isso me
94
veio agora à mente, neste instante. Deve ser assim... Se você [referindo-se ao homem
agressivo] fez isso comigo, se teve coragem de fazer com que ela [mãe biológica] me
Pesquisador: “Você está dizendo que passou pela sua mente uma seqüência progressiva
primeiro pensamento foi sexo com ele, depois escravizá-lo, domando-o, dominando-o. E,
por fim, castigá-lo. Aquela vingança. Eu sempre pensei que fui fruto apenas do sexo sem
amor. E, talvez por causa desse pensamento, a única maneira deu castigá-lo seria
através do sexo, para escravizá-lo, vingando-me. Seria uma coisa bruta, ou por eu ser
mulher, ou para castigar ambos [homem agressivo e mãe biológica], porque foi por
causa dele [homem agressivo] que tudo aconteceu. Se ele [homem agressivo] tivesse
trazido proteção...”
Neste ponto, interpretamos que a associação inicial do sonho repetitivo com o desamparo
integração, verbalizamos:
sua consciência retornem para serem sanados. A proteção não dada, ou não recebida, as
escolhas sexuais da sua mãe biológica, o núcleo familiar não constituído, a rejeição, o
isso não se refere ao homem agressivo, mas essencialmente ao seu pai. Tudo que você
sofreu e tudo que você passa até hoje são decorrentes da atitude paterna, da atitude e
dos atos do seu genitor, que não quis (aceitou) tomar conta da filha”.
Diante de nossa interpretação, ao ouvir e atentar para a palavra “pai” e para as expressões
“atitude paterna” e “atitude e atos do seu genitor”, Caroline, em meio a uma grande descarga
“Jamais desejei conhecer esse homem [pai biológico] ou procurá-lo. Já deve estar
morto, bem longe. Não acredito que ele me abandonou por causa da família dele. Mas,
pela vergonha de ter escolhido uma pessoa inferior socialmente [ele juiz, ela doméstica],
De alguma forma o nascimento em si e a rejeição parental foram vividos como recusa dos
caracterizando o aspecto traumático. Tal aspecto foi real e repercutiu negativamente, em cadeia,
1998).
aprofundado, de “humanização das pessoas” que fizeram parte do contexto evolutivo da vida
dela, ou seja, mostramos que sua mãe biológica poderia estar tentando protegê-la, e que suas
mães receptoras, bem ou mal, acabaram cuidando dela. Não podemos assegurar que tal processo
96
tenha sido finalizado. Mas podemos certificar que o lado bom dela, proeminente ao sonho
repetitivo, escuro e trevoso, tem feito dela uma vencedora, uma pessoa que optou pela coragem
do enfrentamento com a opção da superação pela não desistência. Assim, lembramos que esse
quadro clínico apresenta traumas reais que desencadeiam processos dissociativos, dividindo a
pelas vias das ab-reações, que avivam memórias, sentimentos, angústias e sofrimentos. Os afetos
o parto realizado pela sua própria mãe, sozinha, no chão; o desamparo e a rejeição dos pais da
filiação; os maus-tratos constantes das duas senhoras (mãe e madrinha) que a receberam quando
do processo de doação; a revelação abrupta sobre a sua ascendência; os toques nas zonas
erógenas do seu corpo provocados por sua madrinha quando se masturbava; os esbarrões
propositais do Sr. O premeditando tocar em seus seios iniciantes; os beijos na sua boca
planejados pelo mesmo Sr. O que induziu Caroline por meio de substâncias químicas; os atos
sexuais violentos, impostos e frustrados de penetração por parte do Sr. A; a perda da virgindade
profissionais da medicina. Tais fatos aqui sintetizados, além de representar traumas reais,
processo dissociativo.
97
em termos de suas interpretações psíquicas diferenciadas – épocas, hábitos, costumes, cor, sexo e
idade – atuando num mesmo corpo físico, registramos abaixo uma síntese individual de cada
suas características. Natural que durante todos esses anos de tratamento uma vasta gama de
produções tenham sido obtidas e que uma necessidade de critérios seletivos sejam
Ressaltamos que até o momento não obtivemos produções concretas relacionadas com
literatura científica define o termo “fragmento” para identificar personalidades menores não
suficientemente elaboradas para serem consideradas alters (Braun, 1986). Ou ainda, como uma
parte do self que carece de uma gama emocional mais significativa, de uma história de vida mais
completa (Haddock, 2001). Talvez, Elise e Helen sejam fragmentos de Caroline. Importante
dizer que Helen, nas poucas vezes que emergiu, apresentou uma característica singular. Ela é
tetraplégica. Consegue mexer somente os olhos e um pouco a cabeça. Nesses momentos, o corpo
físico de Caroline torna-se hirto e teso. Permanece nesta condição até a imersão de Helen ou
emersão de outra personalidade. Elise, por sua vez, apresenta-se sempre na adolescência.
Pergunta-nos: “De onde o senhor veio?, como chegou até aqui?”. Considera-nos um forasteiro.
Sempre gentil e educada. Inteligente, dócil, sensível e reservada. Fala constantemente em Rony,
98
seu primo-irmão, razão exclusiva do seu viver. Afirma residir com sua família na Escócia e já ter
feito várias viagens para aprendizados, com autorização dos pais, principalmente ao Egito e ao
Oriente. Escreve com facilidade. Produz poemas, via escrita ou oral, em uma sucessão
caleidoscópica impressionante. Como num túnel do tempo ela emerge com idades diferenciadas.
Ora está na adolescência, ora na fase adulta. Nunca idosa. Às vezes fala e escreve algumas
palavras num idioma que diz ser céltico. Por exemplo, “Snaf Snif” significando “Eu o amo”.
Suas produções são caracterizadas em formas de poesia, trabalhos manuais, mensagens secretas,
“Estou com 16 anos. (...) Sinto o compromisso com Ronaldo em primeiro lugar no meu
coração. Nossos olhos, nossas falas são sempre interessantes. (...) Sei no fundo do
coração, que somos um do outro, ele só tem olhos para mim e eu da mesma forma. (...)
Explico que Rony é meu meio irmão. Somos primos, nascidos no mesmo dia, nossos pais
são irmãos. Ele foi criado por minha mãe, que o ama como se fosse seu filho de
coração”.
Jennifer. Também emergiu pela primeira vez em 2000. Apresenta linguagem quase
sempre triste e melancólica. Ama a vida no mar. Faz parte de uma família de cantores negros
(sic) contratada pelo almirante de um navio para shows regulares aos clientes. Enfatiza sua pele
negra e seus dotes estéticos. Apesar disso, não sabe escrever. Afirma que “alguém” escreve as
mensagens que ela dita. A família sofre discriminações raciais. Ela é a protegida do almirante.
Relaciona-se intimamente com ele. Mas, sente-se infeliz por amar outra pessoa, Steve, que viaja
no mesmo navio de tempos em tempos. Ambos são de cor branca. Jennifer sempre emerge entre
99
as idades de 16 a 24 anos. Quando de suas emersões acredita estar sonhando. Ou seja, quando
conversa conosco sempre está em estado onírico. Esta é uma característica aparentemente
incomum nos múltiplos, detectada pela primeira vez em termos científicos. Quando de suas
imersões, afirma ter que retornar à sua triste realidade. O sonho acaba. Ela irá acordar. Suas
“Estou com 20 anos. Steve não está aqui. É noite, após o show. Estamos no convés aonde
eu canto com muita tristeza. Por isso fui tão aplaudida. Você sabe que nossa música
[jazz] significa tristeza. É um choro que vem em forma de canto, quando a nossa alma
chora. Minha mãe está muito doente. Preciso ir. Tenho que acordar”.
Mayara Sandes. Emergiu pela primeira vez em 2001. Diz que seus pais morreram. De
atitudes conflituosas. Ora geniosa, ora maternal e dedicada. Apresenta-se como a mãe adotiva de
três meninas cuja genitora, sua única irmã, morreu no parto da filha caçula. Mayara foi seduzida
na adolescência pelo grande amor da sua vida, uma pessoa dez anos mais velha, irresponsável
(sic), que optou se casar com a própria irmã dela, não cumprindo a promessa conjugal de outrora.
Após a morte da irmã Mayara assumiu espontaneamente a educação das três filhas, por venerar a
irmã e por ser uma forma de se manter ligada ao homem que nunca deixou de amar. Casou-se
com um velho (sic), sem manter relações íntimas, com a finalidade de proteção e segurança
materiais para ela e às filhas. Sente-se solitária com vontade de viver o que nunca se permitiu
comando do corpo físico. Suas produções são do tipo: bilhetes, recados e textos transcritos.
100
fala:
“O melhor é você [referindo-se à Caroline] atender meus pedidos em silêncio. Não diga
nada porque tenho ouvidos atentos. (...) Sou solitária palmeira incrustada numa ilha
oceânica deslumbrada pela beleza do céu e a formosura do mar. Mas, sentindo a ilha
afundar, não tendo onde apegar, tendo a dor como companheira. Como podes ajudar?
(...) Acho que as crianças não gostam dessa casa. É muito grande e esse senhor com
quem tive que casar, é um chato! Ainda bem que ele viaja muito e nesses períodos,
ficamos mais ou menos em paz. (...) Amanhã vamos fazer um piquenique. Iremos caçar
Supervisor. É uma personalidade cujo nome foi escolhido pelo pesquisador devido a sua
fala rebuscada e indicações sobre o processo terapêutico. Emergiu pela primeira vez em 2001.
masculino. Suas produções, similares as de Mariana, são obtidas via transcrições. A linguagem é
instruir, buscar cientistas que já comprovaram essa teoria que hoje ainda é muito pouca
conhecida. (...) Não se perturbe se caso ouvir críticas, é natural a crítica. (...) Conheça a
base e siga em frente. Estamos ao seu lado no controle da terapia, que neste caso é
profundamente necessária. Use os recursos que estiver à mão. (...) Quando necessário,
estarei presente”.
Jane. Emergiu pela primeira vez em 2002. É Alegre e vivaz. Adora a natureza e o campo.
Caracteriza-se pela presença de conflitos sobre desníveis sociais. Vive num reino, em terras
distantes, com seus pais. Simples e muito ligada aos genitores e a terra. Ama a agricultura.
Sofrem perseguições. Suas memórias, sentimentos e caráter são exclusivos, também diferentes
de Caroline. Ao mesmo tempo em que sabe ser dócil, mostra-se temperamental e dominante.
Ama intensamente um nobre que reside na corte com a família. Ele trabalha para o rei como
fiscal cobrando impostos das aldeias e vilarejos. Estão de casamento marcado sem que a nobreza
saiba. Suas fontes de evidência foram obtidas via transcrições de sessões clínicas. Esta alter se
“Quanto ao seu [referindo-se ao seu amor] afastamento da corte não tenha pressa.
Precisamos de cautela. Se caso alguém da corte tenha inveja da sua capacidade, (...)
pensar que pode ser uma traição da sua parte em abandonar o seu ofício, sofreremos
perseguições implacáveis. (...) São mandadas pessoas (...) para destruir e tomar as
propriedades que depois passaram a ser do Rei. (...) Confio em seu amor e nos nossos
amor. (...) Estarei em nossa janela a esperá-lo. (...) Quero uma educação primorosa. (...)
Quero que sejam como nós dois. Você fidalgo e eu uma amante da terra”.
Alter X. Emergiu pela primeira vez em 2003. Enigmática. Até hoje não se identificou. Daí
ser uma incógnita e ter sido nomeada desta forma. Ora temperamental, ora dócil. Às vezes fala
ou escreve numa linguagem filosófica. Esta personalidade é a única que escreve e fala em língua
inglesa. Apesar de Caroline relatar nunca ter estudado língua estrangeira, exceção para o latim
“Dear Love – star that sparkles in the same pulsation of my heart: I’m sorry I haven’t
written for so long but think deeply about the words that follow. (…) Then, the spell was
cast… We can be in paradise or delay the inevitable. What do you tell me? In our secret
language: Love”. 6
“A loucura é um surto que se dá no bom senso, que deixa de ser ativo e com isto a
lucidez se perde e quem toma conta das ações é sempre esse monstro que temos contido
dentro de cada um. (...) A loucura pode ser uma fuga, pode ser uma deficiência mental e
pode ser o desamparo de si mesmo. Como controlar algo interno? Com que armas
abater esse monstro insatisfeito e infeliz que habita o ser? Como garantir a plena
lucidez?”.
6
“Meu Amor - estrela que brilha na mesma pulsação do meu coração: Sinto muito demorar tanto para escrever, mas
reflita profundamente nas palavras que seguem. (…) Então, o feitiço foi lançado… Podemos estar no paraíso ou
retardar o inevitável. O que me diz? Na nossa linguagem secreta: Amor”.
103
Ester. Emergiu pela primeira vez em 2003. Semelhante a Jennifer, possui uma linguagem
triste, melancólica, sofrida. Sempre emerge com 17 anos. Apresenta-se como uma jovem
adolescente em tratamento psiquiátrico. Seus pais faleceram em um acidente quando ela estava
com seis anos de idade. É ameaçada constantemente de ser violentada por alguns familiares que
assumiram a sua guarda. Tal fato nunca se concretizou. Por ser considerada doente ninguém
acredita em suas verdades, tomadas como insanidade. Esta alter consegue enxergar Mariana –
também identificada pela primeira vez em 2003 –, que representa o seu ISH exclusivo. Afirma
ser o seu anjo protetor. Ester confia plenamente nela, reconhece a sua autoridade e sabe do seu
poder. As duas mantêm uma relação cordial. Mariana é uma matrona séria e dócil que consegue
dos familiares. As fontes de evidência de Ester são em formas de poesia e transcrições. A seguir,
“Quem sabe você me ajuda. Eu quero ficar aqui. Não quero ir para lá, onde estou. Sou
tão infeliz. Fiquei assim quando meus pais morreram. Preciso ficar. Não agüento ir para
“Ester é uma alter sofredora e angustiada que mora dentro de Caroline. O medo a faz
ficar com a euforia doentia. Tem hábitos diferentes e muitas vezes inconseqüentes.
Quando acontecem as crises, fica reclusa e afastada das outras pessoas. Ela é generosa,
A seguir, como mostrado na Tabela 4, apresentamos os escores obtidos por Caroline para
2002 quando fizemos uso deste instrumento pela primeira vez. O instrumento, de uso
profissional público, foi aplicado, corrigido e interpretado por nós, em colaboração com outros
acentuados. O resultado foi alcançado calculando-se a média aritmética dos escores obtidos,
mais aprofundadas, pois a DES não é instrumento diagnóstico para a personalidade múltipla
(Putnam, 1992).
7
Em setembro de 2004 a Revista Brasileira de Psiquiatria, volume 26, número 3, Órgão Oficial da ABP –
Associação Brasileira de Psiquiatria – apresentou um artigo intitulado “A adaptação transcultural para o português
do instrumento Dissociative Experiences Scale para rastrear e quantificar os fenômenos dissociativos”. Como já
havíamos aplicado a DES em Caroline, com tradução própria, resolvemos manter o que fizemos no ano de 2002.
105
os resultados alcançados com O Teste das Pirâmides de Cores, cujas aplicações, teste e re-teste,
Durante a construção da primeira pirâmide Caroline efetuou muitas trocas, desistiu das
cores e de suas elaborações várias vezes e fez as seguintes verbalizações: “Não é definitivo,
ainda posso mudar. Deixa-me pensar direitinho. Tem tanta variedade de cor. Eu queria fazer
matiz, mas não estou conseguindo. Misturando amarelo com azul dá verde. Tem tanta cor”.
Após sete minutos ela desfez tudo. Disse-nos: “Apesar de você ter me pedido para fazer uma
pirâmide bonita estou com vontade de fazer uma que representou a minha vida até antes da
terapia – [intenção explícita e específica]. Posso?”, “Como quiser”, respondemos. A partir deste
momento Caroline começou a trabalhar ordenadamente não mais fazendo alterações nem
Apesar dela ter elaborado a primeira pirâmide com mais de dez minutos, não
consideramos este tempo como demora excessiva. Demos-lhe, então, o segundo esquema
avisando que ainda teria um terceiro, ou seja, que após a elaboração da segunda pirâmide ainda
haveria uma terceira para ser feita. Ao terminar a elaboração da segunda pirâmide Caroline
verbalizou: “Estou me sentindo meio confusa...” Pela experiência de longo curso com a paciente
percebemos que ela estava entrando em processo dissociativo espontâneo. Logo que tapamos a
segunda pirâmide – a primeira já havia sido retirada do campo visual dela – Dalva, uma alter,
emergiu. Cumprimentou-nos e disse-nos: “Ouvi você falar em pirâmides. Já visitei o Egito com
mesmas instruções iniciais foram dadas. Dalva executou a atividade de forma completa. Os
Ao terminar o teste, Dalva nos pediu para escrever. Desejava fazer uma poesia para
Rony. Consentimos. Não escreveu seus sentimentos em escrita poética direta. Fez uso da
linguagem secreta, aquela dos sinais e símbolos que somente os dois (Dalva e Rony) tinham
conhecimento. Conhecendo este processo, revelado tempos atrás pela emersão de Dalva em
decifração nos foi revelada em sessão clínica pretérita. A leitura das mensagens é feita
verticalmente, de cima para baixo, da direita para a esquerda. Símbolos especiais são utilizados
107
para separar cada palavra e o ponto final. Todo o alfabeto foi derivado dos vértices e das linhas
da Estrela-Dalva, o planeta Vênus. A decifração feita por nós, equivalente à poesia de Dalva
escrita em código, mostrada na Figura 8, está abaixo. Cada linha numerada corresponde a cada
coluna da poesia, quando lida de cima para baixo, da direita para a esquerda, na linguagem
secreta da alter. Observamos o surgimento de algumas palavras no texto, como: Egito, pirâmide
Assim como os testes projetivos revelam algo do sujeito, Dalva, na situação de teste, nos
fez uma revelação inédita nesta sessão clínica. Foi durante a viagem ao Egito que ela e Rony,
Antes, porém, confiou-nos a entrega de sua poesia ao seu grande amor. Assim como chegou,
partiu. Caroline emergiu. Em seu retorno, nada percebeu do acontecido. Nada ficou registrado na
sua estrutura mnêmica. Os quase sessenta minutos transcorridos com Dalva no comando do
corpo representaram uma lacuna temporal (gap) na consciência dela, Caroline. Perguntou-nos:
“Você escondeu as duas pirâmides que fiz. Falta fazer mais uma?”. “Sim”, respondemos
ocorrido.
Após terminar a terceira pirâmide, Caroline nos pediu para fazer mais uma. Ela disse
desejar “representar algo mais”. Consentimos. Apesar da quarta pirâmide não entrar na
mensuração do teste, por se tratar de uma pesquisa – um estudo de caso científico –, interessante
momento apresentamos as três pirâmides feitas unicamente por Caroline sem estar dissociada. A
quarta pirâmide elaborada por ela não foi mostrada. As três pirâmides elaboradas, quando da
emersão de Dalva, fizeram parte de um processo à parte, vinculado com o contexto dissociativo
ocorrido. Seria ilógico pedirmos respostas para Caroline diante situações que estiveram ausentes
de sua estrutura consciencial. Ela poderia apresentar certo desconforto emocional, desequilibrar-
Caroline. Dalva emergiu espontaneamente; c) Dalva começou o teste. Fez as três pirâmides
integralmente obedecendo toda a seqüência descrita para o uso da técnica. Escreveu uma poesia
para Rony fazendo uso da linguagem secreta deles. Ficou conosco por quase uma hora. Essa
lacuna temporal não foi percebida conscientemente por Caroline; d) Dalva imergiu
espontaneamente. Caroline Retornou; e) demos continuidade ao teste com Caroline, que nos
Neste ponto, registramos um pouco mais sobre a outra realidade ocorrida, isto é, sobre a
emersão de Dalva. No início, Dalva ficou misturando os quadrículos como querendo selecionar
ou procurar cores desejadas. Quase ao término da última pirâmide, ficou em dúvida da cor lilás
(violeta - Vi1) situada na posição “1a” do esquema. Retirou o quadrículo lilás desta posição.
Ficou reflexiva, com aparente inquietação. Por fim, resolveu manter o mesmo lilás no topo. Ao
final da elaboração das três pirâmides escreveu a sua poesia nos moldes já comentados. Quando
terminou, olhou para nós, sorriu educadamente. Pediu-nos que entregasse seus desenhos (as
pirâmides) e o poema para Rony. Enfatizou-nos que ele compreenderia e se lembraria da viagem
que fizeram juntos ao Egito. Disse-nos ter que ir. Fechou os olhos, suspirou, partiu (imergiu).
Figura 9. Siglas das cores utilizadas por Caroline na primeira pirâmide (alto, centro),
segunda pirâmide (baixo, esquerda) e terceira pirâmide (baixo, direita).
porcentagens (Figura 11) e as comparações entre os valores obtidos e os valores esperados 8 para
cada cor (Figura 12). Conforme podemos verificar, há predomínio das cores azul e preta,
significativamente aumentadas. O valor obtido para a cor branca ficou um pouco acima do valor
8
Conforme registrado em Villemor-Amaral (2005), Tabela 4, grupo “Não-Pacientes”. Utilizamos esta mesma
tabela em todas as análises cromáticas apresentadas.
111
esperado para esta cor. Já os valores obtidos para as cores vermelha e amarela ficaram abaixo
dos seus respectivos valores esperados. As cores verde, violeta, laranja, marrom e cinza
Resultados Apresentados
Branco Cinza
11% 0%
Preto
31%
Azul
49%
Marrom
0%
Amarelo Vermelho
7% 2%
Laranja Violeta Verde
0% 0% 0%
Resultados Apresentados
100
Percentual
75
49
50
31
25 18,1 19,7
13,6 10,8 7 9,5 11 8,3
8,5 4 4,5
2 0 0 0 0 0 2,9
0
Az (VO)
Az (VE)
Vm (VO)
Vm (VE)
Vd (VO)
Vd (VE)
Vi (VO)
Vi (VE)
La (VO)
La (VE)
Am (VO)
Am (VE)
Ma (VO)
Ma (VE)
Pr (VO)
Pr (VE)
Br (VO)
Br (VE)
Ci (VO)
Ci (VE)
realizado. Tais informações se justificam por demonstrar que a paciente mantém o senso de
Pesquisador: “Qual das três pirâmides ficou mais bonita? Qual você gostou mais? Por
ordenadas”. Pesquisador: “Qual das três pirâmides ficou menos bonita? Qual você
impressão que esse amarelo jamais sairá daí”. Pesquisador: “Geralmente, qual a cor
que você mais gosta?”. Caroline: “Azul”. Pesquisador: “Geralmente, qual a cor que
você menos gosta?”. Caroline: “Preta”. Pesquisador: “Aqui no material do teste, qual a
cor que você mais gostou, a sua cor preferida?”. Caroline: “Azul. Esta aqui [referindo-
qual a cor que você menos gostou?”. Caroline: “Marrom. Esta aqui [referindo-se ao
Logo após o inquérito acima, tivemos o seguinte diálogo com a paciente, que evidenciou
você não ter escolhido a primeira pirâmide como a que menos gostou?”. Caroline: “Faz
parte do meu passado”. Pesquisador: “O que você quis representar com a primeira
pirâmide construída quando disse: ‘Apesar de você ter me pedido para fazer uma
pirâmide bonita estou com vontade de fazer uma que representou a minha vida até antes
113
pretos?”. Caroline: “Eu quis representar o meu passado traumático de muita dor e
vermelho representa o meu coração, que era preso e sangrava”. Pesquisador: “E, em
relação à quarta pirâmide, você mencionou que queria ‘representar algo mais’ [intenção
explícita e específica]. O que ela significa?”. Caroline: “Significa que todo o meu
Caroline. Como você está se sentindo?”. Caroline: “Estou bem”. Pesquisador: “Deseja
fazer alguma pergunta?”. Caroline: “Sim. Gostaria que você conversasse comigo sobre
específico para conversarmos sobre os resultados. Fique tranqüila. Tudo está correndo
bem. Sei que deve estar achando estranho o horário além do previsto. Mas, não se
Caroline apresentou conflitos interiores. Ficou caracterizada como uma pessoa internamente
ansiosa, tensa, que se esquiva ao contato mantendo atitudes frias e distantes em relação ao
mundo exterior. As cores azul e preta significativamente aumentadas, e a cor branca aumentada
discretamente, caracterizaram a paciente como introvertida, que sofreu repressões e que possui
tendência à perda do contato com a realidade. A ausência da cor laranja pode indicar
enfraquecimento estrutural, dissociação. Em relação ao aspecto formal, ela fez uso de estruturas
em mosaico (primeira e quarta pirâmides), tapete furado com tendência a estrutura em manto
direto para a terceira – refletiu uma busca de equilíbrio e de integração que pode ser
sentimentos de instabilidade controlados por mecanismos inibitórios. As cores por dupla – Az↑
Pr↑, Vd↓ Az↑ e La↓ Vi↓ – indicaram bloqueios e obstáculos ao desenvolvimento emocional,
inibição e medo de se expor. O tempo de execução foi de 10’13” para a primeira pirâmide, 4’29”
para a segunda, 4’ para a terceira e 2’ para a quarta e última pirâmide elaborada. Concluindo,
Figura 13. Siglas das cores utilizadas pela alter Dalva na primeira pirâmide (alto, centro),
na segunda pirâmide (baixo, esquerda) e na terceira pirâmide (baixo, direita).
escolhidas por Dalva, em porcentagens (Figura 14), e as comparações entre os valores obtidos e
esperados para cada cor (Figura 15). Como podemos verificar nessas duas figuras, há predomínio
das cores violeta, azul, vermelha e cinza, significativamente aumentadas. As cores verde, laranja,
amarela, marrom, preta e branca apresentaram percentuais (valores obtidos) iguais a zero.
Resultados Apresentados
Branco Cinza
Preto
0% 7%
0% Azul
Marrom 29%
0%
Amarelo
0%
Laranja Vermelho
0% 20%
Violeta
44% Verde
0%
Resultados Apresentados
100
Percentual
75
50 44
29
25 18,120 19,7
13,6 10,8
8,5 9,5 8,3 7
4 4,5 2,9
0 0 0 0 0 0
0
Az (VO)
Az (VE)
Vm (VO)
Vm (VE)
Vd (VO)
Vd (VE)
Vi (VO)
Vi (VE)
La (VO)
La (VE)
Am (VO)
Am (VE)
Ma (VO)
Ma (VE)
Pr (VO)
Pr (VE)
Br (VO)
Br (VE)
Ci (VO)
Ci (VE)
% Obtido (VO = Valor Obtido) e % Esperado (VE = Valor Esperado)
p/ cada cor
A pirâmide que Dalva disse ter mais gostado de fazer foi a primeira. A que gostou menos
foi a terceira. As cores que disse mais e menos gostar no dia-a-dia são azul e marrom
respectivamente. Em relação ao material do teste, as cores que mais e menos gostou foram Vi1 –
ela disse ser esta “a cor da espiritualidade” – e Vd1, ou seja, violeta e verde, ambas de
tonalidade 1.
A justificativa de Dalva para escolher a primeira pirâmide como a mais bonita, atentando
para os aspectos cor e forma, foi: “porque as cores se combinaram e a formação ficou muito
boa”. Já para a terceira pirâmide, escolhida como a menos bonita, realçando necessidades de
liberdade e proteção familiar, ela verbalizou: “Por causa da formação. Dá impressão de falta de
liberdade. Tanto o azul quanto o rosa parecem estar presos e pressionados. Nas outras as cores
estão juntas pela liberdade. Por outro lado, apesar da impressão de falta de liberdade, eu quis
representar a nossa proteção. O azul tendo significado em Rony e o rosa tendo a mim
representado. Dentro do amparo de nossos pais, representado pela outra cor envolta. Quero
117
deixar claro que a proteção de nossos pais não nos enclausura. Temos as laterais para o nosso
“Feminino”. Estado Civil: “Muito bem casada”. Naturalidade: “Escócia”. Grau de Instrução:
[quesito explicado pelo Pesquisador] “Meus pais encontraram mestres para me instruir”. Data:
aumentadas com prevalência significativa para esta última, o que indica perturbações na esfera
pirâmides fazendo uso somente de estruturas (simétrica para a primeira pirâmide, escada para a
de colocação (simétrico para a primeira pirâmide, diagonal para a segunda e direta para a terceira
– todos ascendentes) refletiu uma busca de equilíbrio (integração) que pode ser conseqüência de
classificada como restrita e flexível, caracterizando uma “pessoa” cautelosa e inibida, capaz de
se adaptar ao ambiente. As cores por dupla (Az↑ Ci↑, Vm↑ Vi↑, Vd↓ Az↑, Vd↓ Vm↑ e Ci↑ Vm↑)
118
de matizes, Dalva obteve resultado rebaixado em relação à média esperada, indicando limitação
4’18” para a primeira pirâmide, 3’25” para a segunda e 2’50” para a última pirâmide elaborada.
Nos mesmos moldes anteriores, apresentaremos a seguir os resultados obtidos com o re-
seu teste e no re-teste. Realçamos que o re-teste justifica-se pelo processo dissociativo ocorrido
supervisor externo (juiz), especializado no Pfister, sugerindo-nos nova aplicação (veja Anexo 5).
16, seguinte.
119
1ª
2ª 3ª
Figura 16. Reprodução das pirâmides de Caroline (re-teste).
porcentagens (Figura 17), e as novas comparações entre os valores obtidos e esperados para cada
cor (Figura 18), estão registrados a seguir. Conforme podemos observar, há predomínio das cores
azul e preta, significativamente aumentadas. O valor obtido para a cor branca ficou um pouco
acima do valor esperado para esta cor. Os valores obtidos para as cores vermelha e verde ficaram
abaixo do valor esperado. As cores violeta, laranja, amarela, marrom e cinza apresentaram
Resultados Apresentados
Preto Branco
27% 11% Cinza
Marrom
0%
0%
Azul
Amarelo
49%
0%
Laranja
Vermelho
0% Violeta Verde 7%
0% 7%
Resultados Apresentados
100
Percentual
75
49
50
27
25 18,1 19,7
13,6 10,8 9,5 11 8,3
7 7 8,5 4 4,5
0 0 0 0 0 2,9
0
Az (VO)
Az (VE)
Vm (VO)
Ma (VE)
Vm (VE)
Vd (VO)
Vd (VE)
Vi (VO)
Vi (VE)
La (VO)
La (VE)
Am (VO)
Am (VE)
Ma (VO)
Pr (VO)
Pr (VE)
Br (VO)
Br (VE)
Ci (VO)
Ci (VE)
A pirâmide que Caroline disse ter mais gostado de fazer foi a terceira. A que gostou
menos foi a segunda. As cores que disse mais e menos gostar no dia-a-dia são azul e preta
respectivamente. Em relação ao material do teste, as cores que mais e menos gostou foram Az3
A justificativa dela para escolher a terceira pirâmide como a mais bonita, salientando
necessidade integrativa, foi: “Porque não sinto conflito nas cores. Não existem conflitos. A
pirâmide está inteira”. Já em relação a segunda pirâmide, escolhida como a menos bonita,
realçando novamente a questão da liberdade, ela verbalizou: “O branco e o azul estão impedindo
a liberdade do verde”.
121
Enfatizamos que antes de iniciar a elaboração da primeira pirâmide, após ficar mexendo
nos quadrículos – como que estudando as cores (tempo de latência = 2’) – Caroline verbalizou:
“Vou repetir a primeira pirâmide que fiz da vez passada [referindo-se à primeira testagem],
formal, como sendo uma estrutura em manto fechado, nitidamente, conforme registrado no
parágrafo anterior, ela quis fazer uma representação específica. Ou seja, houve uma intenção
explicitada de representar algo, o que poderia sugerir uma estrutura em mosaico. Apesar disso,
resolvemos permanecer com a primeira classificação, mais adequada segundo o manual do teste.
inclusive, com idênticos valores obtidos para as cores azul (49) e branca (11). Percentuais
zerados para as cores violeta, laranja, marrom e cinza. Além disso, síndromes cromáticas (fria e
de contraste) análogas. Idêntico processo de execução (ordenado) – exceção para a parte inicial
instável) e idênticas cores por dupla (Az↑ Pr↑, Vd↓ Az↑ e La↓ Vi↓). Ambas as variações
Enquanto que na primeira aplicação Caroline fez uso de mosaicos (primeira e quarta pirâmides) e
camadas monocromáticas (terceira pirâmide), no re-teste ela fez uso de estrutura em manto
disso, as duas pirâmides interpostas (segunda pirâmide de cada aplicação) foram classificadas de
maneira idêntica: tapete furado com tendência à estrutura em manto. O modo de colocação
122
classificação foi simétrica no teste, no re-teste, foi em manto. Nas demais, o modo de colocação
foi idêntico: não evidenciado para as segundas pirâmides e ascendente e direto para as terceiras
elaborações. O tempo de execução foi significativamente menor no re-teste, ou seja, 4’42” para a
primeira pirâmide, 3’51” para a segunda e 3’13” para a última pirâmide elaborada, demonstrando
Todas, entretanto, assestam para o desejo da cura, para as reversões traumáticas e dissociativas
porém, que após o término desta segunda aplicação, a personalidade denominada por nós como
“Dr. Marcello,
espontânea de uma das alters. Por isto sempre dissemos: os estudos profundos em
benefício da ciência conduzem o cientista sincero a beneficiar não apenas o que lhe
apresentados. Este teste, Pfister, tem veracidade. Foi muito feliz o seu autor pelo seu
trabalho que neste caso em particular foi muito bem sucedido. É claro que terão no
futuro outros estudos mais precisos e menos trabalhosos de serem compreendidos pelos
cientistas que ainda não se interessaram neste momento por esta causa que por ser nova
não foi ventilada uma inteligente discussão. Portanto lhe são permitidas dúvidas e
descrenças diante deste contexto novo ou a nova maneira de encarar um distúrbio que na
verdade não é tão novo assim. Quanto à cliente: as ebulições internas estão mais
sintomas incomodativos que a paciente reclamava durante quase a vida toda diminuíram
no tratamento. Por fim, continue firme nos seus propósitos, estudando e investindo nas
forma que sua emersão, Caroline retornou se sentindo muito bem. Aliás, todas as vezes que a
“volta” dela é antecedida por esta personalidade, o reflexo de uma sensação de plenitude, de
Por fim, assinalamos que o modelo apresentado para as análises sintéticas do Pfister foi
idealizado por nós, com base na folha de protocolo do instrumento contida no manual do teste,
identificados nas histórias narradas por Caroline, que demonstra prevalência para identificá-los
quesitos e comparando-os com o somatório dos quatro últimos, constata-se certa fixação nas
Crianças 1
Filha 2
Casal 1
Homem 1
Mulher 2
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Totais Registrados
Figura 20, em ordem decrescente, são: solidão (44) 9, conflituosidade interpessoal (28) e
superioridade (27). Por outro lado, a criminalidade (12) está classificada como a sua
característica menos sobressalente. Uma outra característica cujo escore se aproximou dos
quesitos significativos é filiação grupal (23), demonstrando uma conexão com aspectos de
parte, a base da identidade dos novos membros da sociedade e de sua reunião aos diversos
grupos sociais.
Superioridade 27
Inferioridade 17
Criminalidade 12
Característica
Anormalidade Mental 18
Solidão 44
Filiação Grupal 23
Liderança 16
Conflituosidade (interpessoal) 28
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
(Duas mulheres na praia). Coincidentemente, três pranchas apresentaram escores idênticos (2)
9
Os valores entre parênteses equivalem aos escores obtidos por Caroline no TAT.
10
Os títulos das pranchas, de ambas as séries do TAT, foram retirados de Silva (2003, pp. 11-16).
126
40
30
22 23
Escore
20
20 16
13 14
11 10
8 9
10 6
5 5 4 5 5
2 2 3 2
0
13HF
3MF
6MF
7MF
8MF
9MF
12F
17MF
18MF
1
2
4
5
10
11
14
15
16
19
20
Prancha
Todas as vinte pranchas foram classificadas como vulgares, ou seja, as áreas mobilizáveis
por cada um dos estímulos estiveram presentes. Devemos, entretanto, ressaltar que para os
quadros 13HF (Mulher na cama), 15 (No cemitério), 17 (A ponte) e 20 (Só sob a luz), a
classificação foi pela fidelidade ao estímulo da gravura, e não aos temas comuns que as pranchas
despertam. Assim, enfatizamos que nas quatro histórias referentes aos quadros mencionados,
Caroline “fugiu” completamente ao tema da prancha sem perder o senso de realidade, fato que a
maiores necessidades de Caroline são: realização (43), afago (38) e proteção (33). Duas outras
necessidades também apresentaram valores significativos. Foram elas: passividade (26) e sexo
127
(25). Por outro lado, todas as formas de agressão resultaram em escores muito pouco
significativos.
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Visualizando o gráfico seguinte, Figura 23, observa-se que quatro pranchas mobilizaram
Caroline em relação ao somatório de necessidades contidas num mesmo quadro. Foram elas: 11
(Paisagem primitiva de pedra), 13HF (Mulher na cama) – estas duas com escore idêntico
equivalente a 22 –, 6MF (Mulher surpreendida – escore 17) e 4 (A mulher que retém o homem –
escore 16). A prancha menos impactante em termos do conjunto dos estímulos das doze
necessidades avaliadas foi a 15 (No cemitério) cujo escore ficou no patamar 3 de um máximo
equivalente a 60.
128
60
50
40
Escore
30
22 22
20 16 17
12 12 11
9 10 10 10 9 8
10 6 6 5 6 7 7
3
0
13HF
3MF
6MF
7MF
8MF
9MF
12F
17MF
18MF
1
10
11
14
15
16
19
20
Prancha
para o quesito mudança emocional (58). Para os itens abatimento e conflito ela obteve resultados
significativo. Para uma melhor visualização dos resultados, veja o gráfico abaixo, Figura 24.
Abatimento 55
Estados e Emoções
Conflito 45
Mudança Emocional 58
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
De outra forma, enquanto que as pranchas 12F (Mulher Jovem e Velha), 14 (Homem na
janela) e 18MF (Mulher que estrangula) obtiveram grau máximo – escore igual a 15 – em termos
Cemitério), 16 (Em Branco), 17MF (A Ponte) e 20 (Só Sob a Luz) não lograram impacto mínimo
em Caroline, ficando todas no patamar nulo em termos de estimulação simultânea para os três
itens avaliados.
Importante realçar quatro outras pranchas que obtiveram escore muito aproximado das
três que alcançaram o grau máximo de 15. Foram elas: 4 (A Mulher que Retém o Homem), 9MF
(Duas Mulheres na Praia), 11 (Paisagem Primitiva de Pedra) e 13HF (Mulher na Cama). Tais
significativamente Caroline. Ressaltamos que a história da prancha 16 (Em Branco) foi obtida
em processo dissociativo espontâneo, sendo narrada por uma das alters do contexto da paciente.
Mais especificamente, refere-se a Ester. Para uma melhor visualização dos resultados, veja o
15 15 15
15 14
14 13 13
13 12
12
11 10 10
10
Escore
9
9 8 8
8 7
7
6 5
5 4
4
3
2
1
13HF
1
2
4
5
10
11
14
15
16
19
20
3MF
6MF
7MF
8MF
9MF
12F
17MF
18MF
Prancha
ego significativo indicando que possui metas, expectativas, projetos de vida e sonhos com
superego é a instância psíquica menos sobressalente. Não há rigidez. Seu resultado, conforme
Caroline.
Superego 21
Instância Psíquicas
Ideal do Ego 44
Ego 43
psíquicas, conforme mostrado no gráfico seguinte, Figura 27, constata-se que somente uma
história alcançou grau máximo para os quesitos ego, ideal do ego e superego. Foi a 6MF (Mulher
surpreendida).
131
9
9 8 8 8
7 7 7 7 7
6 6 6
6 5 5
4 4
3 2 2
Escore
1
0
13HF
1
3MF
4
5
6MF
7MF
8MF
9MF
10
12F
11
14
15
16
17MF
18MF
19
20
-3
(-1)
-6
-9
Prancha
propriedade. As forças ambientais não promovem esse tipo de violência. Para uma melhor
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
80
70
60
Es c o r e
50
40
40
30
30
19 16 20 20 20
20 15 15 16 17
12 13 13
6
10 8 11 10
10 5
0
13HF
1
2
3MF
4
5
6MF
7MF
8MF
9MF
10
12F
11
14
15
16
17MF
18MF
19
20
Prancha
Do total de vinte histórias somente duas tiveram desfechos desfavoráveis. Foram elas:
9MF (Duas mulheres na praia) e 10 (O abraço). Na primeira, Caroline retratou um pouco da sua
própria história de vida ao narrar: “Apareceu num povoado uma menina. Ela demonstrava ter
vários distúrbios que ninguém entendia. Ela tinha visões, ouvia vozes, e às vezes, saía por causa
destas vozes que a perseguiam constantemente. Um dia ela sentiu desespero, e foi para um lugar
distante. Depois, ela esqueceu como foi que voltou para casa”. Na segunda, história da prancha
10, o sonho (ou a aparição) projetado(a) não conforta, não resolve o desespero narrado. Foram
palavras dela: “Vamos começar falando de uma moça que tinha um noivo. Ele sofreu um
acidente grave. Não resistiu aos ferimentos. Essa jovem entrou em grande desespero e vivia
clamando por ele. Numa noite em seu quarto ela o viu. Saltou da cama e abraçou aquela figura.
superação de perdas, sempre com opção pela vida, através do estudo e do trabalho, estes sempre
histórias narradas e suas gravuras, fato que comprovou que Caroline se situa dentro dos padrões
genitores (pais e mães), a homens e mulheres, a filhos, a crianças (meninos e meninas), a família
e ao período infantil da paciente. Também sobre dificuldades mentais, sobre tentativa de suicídio
com opção pela vida, sobre o ciclo de vida, sobre realidades psíquicas contrastantes e sobre a
Conforme demonstrado no gráfico abaixo, Figura 30, constata-se que, dentre dez grupos
de interesses organizados, os três maiores na vida de Caroline são: a) pai, mãe, família e lar; b)
marido e filhos; c) estudo e trabalho. Sendo que, os dois últimos classificados (grupos b e c)
Marido e Filhos 5
Deus, Aparições e Morte 3
Pai, Mãe, Família, Lar 10
Vida Fora da Família 1
Interesses
Estudo e Trabalho 5
Cura de Distúrbios 2
Navio 1
Felicidade 2
Comunicação Pela Música 1
Envelhecimento e Amadurecimento 2
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Totais Registrados
infantil, mais especificamente na figura feminina, o que indica certa fixação nas fases da infância
em grau acentuado. As suas dimensões psíquicas mais atuantes são: ideal do ego, ego e superego,
nesta ordem. No presente, as forças ambientais atuantes sobre Caroline são: afiliação emocional,
perdas e proteção. Demonstra superar dificuldades através do estudo e do trabalho, estes sempre
voltam-se para a família, para marido e filhos, e para o estudo e o trabalho. Considerando os
resultados expostos, Caroline apresenta conflitos emocionais, com tendência a elaborar seus
Por fim, vale enfatizar que ela obteve média aritmética geral igual a 296,95 em relação ao
total de palavras contidas em cada história de ambas as séries do TAT. Tal fato corrobora os
dizeres do manual do teste quando estabelece que a extensão média de histórias produzidas por
Agora, em relação aos aspectos dissociativos, essencial apontar que durante a aplicação
dissociativo com Caroline. A história contada é de Ester, que emergiu espontaneamente. Logo
Continuamos a aplicação normalmente. Assim sendo, podemos afirmar que de todas as vinte
histórias contadas, somente a da prancha 16 é de uma alter, Ester. Salientamos ainda que após o
135
Mariana: “Vamos bem. Ester é ainda uma menina-moça e muito esperta. Desde muito
Pesquisador: “Ester me disse que a senhora estava presente quando falávamos com ela.
Poderia comentar?”.
Mariana: Sim. Quando vê-la com comportamentos suaves é que estou comandando de
alguma forma as suas atitudes. Mas, nem sempre é possível. Ester, pela vida toda de
Caroline, esteve presente. Muitas vezes por indeterminado tempo. As pessoas estranhas
normais e responde sempre com bom humor, com certo divertimento da situação,
achando que elas são bobas ou não inteligentes para perceber a sua presença. Isto a
Pesquisador: “Às vezes, Ester parece tomar o controle do corpo de Caroline com
facilidade, mostrando a primazia da sua vontade. Caroline não tem percebido esse
Mariana: “Ester é uma pessoa divertida e gosta de brincar. Você viu na história que ela
contou. Isto confunde as pessoas. Enquanto acharem que sejam brincadeiras estará tudo
grande problema. Estamos evitando isso, vigiando, estando sempre ao lado de Ester.
Ela, algumas vezes, foge do nosso controle, mas estamos no comando sem grandes
dificuldades, apenas conversando com ela. Algumas vezes ela permanece, apesar de
nossa vontade”.
Mariana: “A conversa que teve com ela, se não observou teve conteúdo interessante.
Está tudo bem, não se preocupe, mas fique ciente de toda a situação para não sair do
controle. Enfatizo novamente, a vontade dela de ficar na emersão é grande. Por isso
precisa do meu acompanhamento, para não prejudicar Caroline. Ela já tem uma conduta
de enganar as pessoas que ficam ao redor dela. Quando as pessoas estranham Caroline,
ela diz que é por alegria. E assim ela fica sem ser identificada. As pessoas acostumaram
Mariana: “Ela não sabe exatamente de Caroline. Ela pensa que seja uma porta aberta
em que pode sair e se divertir, apesar de tudo ficar estranho. Mas ela sabe levar essa
Pesquisador: “Ester disse algo muito interessante: Quando emerge, sabe que alguém
tem que ficar ‘lá’. ‘Lá’ significa o contexto dela. Ela compreende que não pode ficar na
emersão sem que alguém permaneça no contexto dela. E, de alguma forma, sente que o
Pesquisador: “Inclusive, verbalizou achar que ninguém conseguiria agüentar o que ela
agüenta!”
Mariana: “Sim, ela acha que seria uma saída se alguém pudesse ficar no seu lugar. Ela
tenta de todas as maneiras achar uma saída definitiva e ser feliz. A vontade de
permanecer é muito grande. Só ela tem essa grande vontade, quase violenta e que às
Mariana: “Vamos ficar hoje por aqui. Poderemos falar mais em outra oportunidade”.
Mariana: “Conte sempre conosco. O teste das histórias [TAT] foi satisfatório. Continue
ocorrido. Foram esses os dados obtidos com o TAT. A seguir, apresentaremos os resultados
clínicos alcançados durante as entrevistas com Caroline, que colaborou ativamente durante todo
o processo. Salientamos que, por seu caráter descritivo, a análise qualitativa do TAT será
3.6- Entrevistas
Três encontros foram necessários para a realização das entrevistas. Todos eles ocorreram
acentuar que esta entrevista, conduzida por outro pesquisador (juiz), durou exatamente duas
horas, um minuto e vinte e oito segundos. Nestes cento e vinte minutos aproximados ocorreram
situações atípicas que há alguns meses não mais vinham acontecendo conosco. Aludimos ao
segundos e manifestou o desejo de trazer uma das alters. Foi assim que Dalva emergiu, sendo
acionada diretamente pelo ISH global. Ela ficou ativa no corpo por quinze minutos e trinta e oito
segundos. Durante a conversa, já mais para o final, Dalva entregou uma mensagem escrita na sua
linguagem secreta tradicional, feita na madrugada do mesmo dia da primeira entrevista, com
Caroline dissociada. Pediu que a mesma fosse repassada para Ronaldo. Posteriormente, Ester
chegou alegre e sedutora querendo “ficar para sempre”, conforme verbalizou. Ficou sozinha
com o pesquisador (juiz) por dez minutos e quatro segundos. A pedido dela, fomos chamados. O
diálogo a três durou treze minutos e doze segundos. Por fim, Caroline retornou fechando o ciclo
adicional de vinte minutos. Assim sendo, Caroline ficou em processo dissociativo espontâneo
por cinqüenta minutos e oito segundos. Do tempo total da entrevista, ela ficou ativa no comando
do corpo por um período de uma hora, onze minutos e vinte segundos. O tempo total dos
139
processos de ausência, seqüenciais, foi de cento e dez segundos (37 + 32 + 18 + 23), ou seja, um
minuto e cinqüenta segundos. Equivale dizer que por quase dois minutos Caroline esteve em um
estado de torpor sem que nenhuma personalidade estivesse presente ou atuante no comando do
corpo físico. Dezesseis segundos foram gastos para que adentrássemos a sala quando solicitado
primeira hora da entrevista clínica com o pesquisador (juiz). Estas falas, que complementam a
história de vida traumática da paciente já inicialmente descrita por nós, serão utilizadas nas
discussões.
Em relação à solidão, à maneira como era alimentada, às suas incertezas durante a época
“Eu tinha muito medo de viver só. Sentia-me muito só. A minha alimentação era o
suficiente para não morrer. Desde pequena, a história do Papai Noel... ‘Ele dava
presentes só para quem tem pai?’, ‘Por que ele dava presentes para tantas crianças?’,
‘Devia ser um Deus.’ Como eu era obrigada a freqüentar igrejas, saía nos altares
procurando o altar do Papai Noel, que era tão poderoso. Eu não ganhava presentes de
natal. O máximo que ganhava era um vestidinho de chita. Minhas roupas eram todas de
segunda”.
“Com mais ou menos três anos falei ‘diabo’ porque um menino vizinho falava esta
palavra e eu achava bonito. Essa mãe que me criou me deu um tapa na boca tão forte
que engoli um dente, nem mole estava. Aquilo sangrou e desceu pela roupa. Ela só
olhando. Nisso vi alguém chegando pelas minhas costas. ‘O que foi isso?’, minha mãe
biológica (acho que era ela) perguntou. Foi a primeira e última lembrança dela. ‘Foi ela
quem bateu na minha boca e arrancou o meu dente’, respondi. ‘Cadê o seu dente?’,
‘Engoli’. Ela virou e falou assim: ‘Dona [nome omitido propositalmente], não está vendo
que é uma criança!’ Ela [mãe de criação] respondeu: ‘Achou ruim, então leva’. O que
aconteceu? Silêncio de ambas as partes. Foi aí que vi que ninguém gostava de mim
porque nem a mãe biológica reagiu e nem a outra também nada fez. Mandou que eu
levantasse e fosse pegar água para lavar a boca e parar de sangrar. Foi um choque. Na
hora a criança não percebe. Somente posteriormente vai codificar. (...) Acho que tinha
veneração por elas [mães receptoras]. À medida que fui recordando, fui percebendo que
nunca fui amada. Fui dada mesmo. Tanto que na minha certidão só tem o nome dela, da
mãe biológica. Elas nunca me puseram no colo. Eu era uma menina muito mal cuidada.
“Usei o casamento para sair daquela casa. Tiveram que fazer uma outra certidão.
Modificaram o meu nome para eu poder casar, como se eu fosse a irmã de mim mesma.
idade. Não gostei do nome porque gostava mais do outro, já estava acostumada. (...)
141
Horrorosa a vida conjugal. Agüentei tudo porque não queria ver meus filhos sem pai.
Um pai bom ou ruim, mas que fosse pai deles, que eles se sentissem seguros. Pelo menos
“Aqui na terapia, ele [pesquisador] foi me explicando como deveria ser o meu
procedimento e que não era loucura. A dor de cabeça passou. Foi muito bom. Foi uma
prova para mim que ele estava no caminho certo. Hoje acontece [dissociação], mas não
como antigamente. Foram oito anos de muita ajuda. Eu devo muito a ele. Atualmente há
um certo controle, uma diminuição. As emersões vêm de forma mais calma. Alguma
Supervisor foi a primeira personalidade que emergiu dialogando com o pesquisador (juiz)
por quase dez minutos. Após apresentar-se, manifestou o desejo de trazer uma das alters (Dalva).
“Sou ajudante do doutor [pesquisador]. Sempre dou opinião a respeito dos problemas
com Caroline. Trocamos idéias. Vocês estão no caminho certo. Trata-se de uma coisa
142
muito nova, principalmente neste país. É necessário que isso seja mais discutido por
fenômenos, dizendo para ele [pesquisador] algumas coisas, como deve agir para auxiliar
Caroline. Podemos contornar situações. Vai chegar o tempo em que esse distúrbio será
bastante destrinchado. Muitas vezes ele passa despercebido, e logo que aparece uma ou
duas vezes, levam a pessoa para um hospital psiquiátrico, chamam de crise. (...) Eu
gostaria que você [pesquisador (juiz)] conhecesse uma alter. Não se preocupe. Estamos
no controle. É bem interessante você conhecer. Você já tem muitas qualidades, já está
Supervisor imergiu e, num mecanismo de acionamento indireto, fez emergir Dalva, com quem o
pesquisador (juiz) dialogou por mais de quinze minutos. Dalva fez apontamentos sobre o seu
contexto de vida, sua história com Rony, seus contextos familiares e dificuldades de adaptação
com a nossa realidade concreta. Além disso, fez menção a uma mensagem escrita na sua
“Sou Dalva. Não sei quem é Caroline com quem o senhor disse estar falando. Mas eu
sabia que viria conversar. Falaram-me que eu poderia ter confiança. Vivemos num meio
bastante conturbado. O meu nome foi estudado nas estrelas. Eu e Rony, meu primo-
irmão, viemos no mesmo dia. A mãe do Rony não resistiu e a minha mãe o criou como
filho também. Crescemos juntos, tendo dois pais e uma mãe. Primo-irmão porque somos
143
unidos demais. Moramos na Escócia. Rony faz viagens. Mas, nunca viaja só. Sempre em
caravana para o Oriente. Vai buscar novos conhecimentos, trazer papéis importantes
para estudos. Temos compromissos. Temos que esperar os vinte e dois anos. Estou com
dezenove. Quando ele está distante nos correspondemos. Eu mando um mensageiro que
traz respostas. São viagens longas, difíceis. Às vezes também vou. Meu avô acha que
aprendemos muito com isso. A família toda é unida. Temos hospitais. Os nossos doentes
alcançam a cura. Sempre deixo alguma mensagem para ele [pesquisador] mandar pelo
mensageiro para o Rony. Tenho confiança nele. Fiz uma mensagem para Rony. (...) Essa
película [papel] que existe é tão... A gente escreve com penas. Às vezes, quando
queremos escrever letras mais grossas é um tipo de pena, com letras mais finas outro
tipo de pena. Aqui não acho isso. Procuro e não acho. É muito estranho. Fico olhando
repasse à Rony, e sua correspondente decifração feita por nós, estão registradas a seguir.
144
1- Bilhete de amor
Após a imersão de Dalva, que se deu espontaneamente, Ester emergiu alegre e sedutora
rogando ajuda, falando de sua realidade psíquica diferenciada, mencionando Mariana e o próprio
145
pesquisador. Ficou mais de dez minutos em diálogo exclusivo com o pesquisador (juiz). Foram
palavras dela:
“Quem sabe você me ajuda. Eu quero ficar aqui. Não quero ir para lá onde estou. Sou
tão infeliz lá e tão feliz aqui. Quando consigo chegar aqui fico feliz. Vivo trancada num
quarto, quase não entra luz. Então, quando a luz bate não consigo enxergar direito.
Estou com vontade de ficar. Quem sabe você pode me ajudar? Prometo ficar boazinha.
Já falei para ele [pesquisador] que vou ficar aqui. Não agüento ficar lá. É tão triste.
Estou lá obrigada. Fiquei assim quando meus pais morreram. Eles [parentes-familiares]
desesperada. Fui lá... ‘Pai... Mãe... Falem comigo’. Não agüentei vê-los daquele jeito,
imóveis. Tive uma crise. Eles me amarraram. Apossaram da minha casa, dos meus bens e
me trancaram. Quando consigo sair de lá, nesse mundo aqui, fico tão feliz. Não quero
voltar. Preciso ficar. Não agüento ir para lá. Eles querem me matar. Minha única
salvação é Mariana, meu anjo que fica comigo. É tão difícil chegar. É como se eu tivesse
que passar por uma peneira fina. Aqui é que é bom. Vou achar um jeito de fugir.
dificilmente eu o engano”.
Ester continuou na emersão por mais treze minutos aproximadamente... Disse-nos, então:
146
“Você não tem coração mesmo, doutor [pesquisador]. Sabe como vivo lá. Acha fácil eu
vir e acha fácil eu voltar? Qual você acha mais fácil? Vir ou voltar? Chego tão mal dos
remédios que sou obrigada a tomar. Hoje estou com muita dor aqui [no tórax, apontou a
região cardíaca]. Estou passando muito frio lá. Fico com medo de comer aquela comida
horrorosa. Quero ficar. Vou ficar. Tenho meu noivo. Mas, nem ele pode me ajudar. Por
que será? Qualquer hora você [pesquisador] não vai conseguir. Já sei chegar sem você
ver. Agora, vou aprender a ficar sem você perceber. Vou embora porque a Mariana está
me chamando”.
Neste ponto, Caroline retornou fechando o elo dissociativo. Falamos com Caroline para
não se preocupar porque, para a realidade concreta e psíquica dela, a sua última recordação era
de estar dialogando diretamente com o pesquisador (juiz), antes mesmo dos desconhecidos
“acordando”, num novo contexto. Inclusive, estando agora, conversando com três pessoas, não
mais com duas somente. Interessante enfatizarmos que ela retornou ao mesmo ponto do diálogo
que estava tendo com o pesquisador (juiz), referente a “acionamentos ou triggers”, fato que
aproximadamente sessenta minutos. Foi agrupada, no seu conteúdo, buscando identificar sinais e
a) Amnésia
147
Sobre a existência de grandes gaps mnêmicos Caroline nos verbalizou: “(...) Isso é
comum. Quando percebi, estava lá na mesa; não é sonho, tenho certeza; também não me vi
sair”. Com esta fala ela explica o ocorrido na madrugada do dia da primeira entrevista,
Sobre se há horas ou dias que parecem perdidos ou que ela parece não perceber,
respondeu-nos:
“Às vezes sinto que tem uma coisa me puxando. Perco a consciência. Quando retorno,
estou noutra situação. Não vejo o dia correr. Não sei se saí ou não. Não sei se cumpri o
estabelecido. Atualmente tem sido menor. Aquilo me surpreendia. Sentia pânico, medo de
ficar louca, de perder a memória. ‘Que horas são agora?, o que fiz?, não lembro. Será
que fiz?’, só pensava isso. Desde pequena isso acontece. Às vezes eu programava alguma
coisa para sábado e domingo e, quando via, era segunda-feira. Eu não sabia se tinha
dormido ou não. Na época de criança acho que nem via o tempo passar. Só lembrava
“Chega no fim do dia, você vai fazer o seu balanço e vê que nem sabe se fez ou não fez.
Isso me faz ver que fiquei algum tempo fora do ar. Às vezes telefonava para o doutor
[pesquisador] para me desculpar por não ter ido à terapia, e ter vindo. Às vezes ligava
148
querendo saber como tinha chegado em casa. Quando via já estava em casa. Tinha
lapsos de tempo não registrados. Também a ponto deu chegar aqui sem saber como.
Sobre se já se viu, inesperadamente, longe de sua casa e não conseguiu se lembrar o que
“Eu pegava o carro, quando via estava a cento e vinte. Não sabia para onde estava indo.
Quando via estava noutro lugar. ‘O que estou fazendo aqui?’, era terrível. Geralmente
quando dirijo vejo a imagem de uma floresta [fato associado com Ester]. Aquilo me dá
pânico. Não vejo mais nada [dissociação]. Vou parar em locais distantes, não sei como.
Outras vezes, quando dou conta de mim, estou naquele tráfego. ‘Onde estou?’, tenho que
parar, dar um jeito de estacionar, reconhecer o lugar. Não sei como cheguei, se cheguei
agora, se foi ontem. Fico confusa, com medo de acontecer novamente. Uma vez bati o
carro na rua do consultório. Teve engarrafamento. Telefonei para ele [pesquisador] que
foi lá. Depois, ele me contou que foi uma alter que pensava estar guiando uma carroça”.
Sobre se alguma vez se achou longe de casa não podendo se lembrar quem era,
respondeu-nos: “Isso acontecia muito”. A respeito de alguma vez não ter conseguido se lembrar
do seu nome, idade, endereço, ou qualquer outra informação pessoal relevante, disse-nos:
“Muitas vezes. Uma vez fui ao médico. Tinha vinte anos de idade. A moça me perguntou
o nome. Fiquei calada. Realmente não me lembrava. Não lembrava nada. Sentei-me e
149
fiquei sem saber até onde estava. Depois, não sei quanto tempo se passou, consegui dar
meus dados”.
b) Despersonalização
Sobre se ela já se sentiu como se estivesse assistindo a um filme sobre si mesma, de fora
de seu próprio corpo, como se estivesse se vendo de longe, respondeu-nos: “Sim. Às vezes vejo
outras cenas. É como se estivesse assistindo a um filme, mas, comigo. Não gosto”.
Sobre se ela alguma vez teve o sentimento de estar desconectada de si mesma, respondeu-
nos: “Muitas vezes. De repente pareço que perco a identidade. Pareço que fico sem a mente.
Isso faz com que eu fique calada, com medo, dores de cabeça, vontade de chorar”.
Sobre se alguma vez se sentiu como se parte do corpo, ou o corpo inteiro, fosse estranho,
ela disse-nos: “Já. Às vezes eu ia me aprontar e pensava: ‘estou gorda’. Estranhava meu
corpo”.
Sobre se alguma vez sentiu que parte do corpo dela estava desconectada do restante do
corpo, verbalizou-nos: “Não digo partes do corpo, mas a mente. O corpo parece não obedecer à
Sobre se alguma vez se sentiu como se partes (ou a totalidade) do corpo dela
desaparecessem ou fossem irreais, Caroline disse-nos: “Já. Às vezes parece que só tenho a
mente”.
Sobre se já se sentiu como se fosse duas pessoas diferentes, disse-nos ficar, algumas
vezes, extrovertida e brincalhona. Depois, quieta. “Às vezes dá a impressão que não estou
c) Desrealização
150
parecessem pouco conhecidas ou irreais, ou não poder reconhecer amigos íntimos, parentes, ou
sua própria casa, Caroline nos respondeu: “Muitas vezes. Na minha casa, às vezes, acho todo
mundo estranho”.
A respeito de alguma vez se sentir como se seu ambiente ou outras pessoas estivessem
diminuindo (ou desaparecendo), verbalizou-nos: “Às vezes sinto que parece que o barulho do
Sobre se alguma vez se sentiu como se amigos íntimos, parentes ou a sua própria casa
parecessem estranhos, disse-nos: “Às vezes chego em casa, olho para as pessoas e desconheço
todo mundo. Acho que estou no lugar errado, com as pessoas erradas”.
d) Confusão de identidade
Sobre se alguma vez se sentiu como se houvesse uma luta acontecendo dentro dela,
respondeu-nos:
“Às vezes sinto um pouco disso tudo. Muitas vezes eu também me olhava no espelho e
perguntava: ‘Quem é essa?, eu sei que não sou eu, mas quem é ela?’, ‘cadê eu?’, na
procura desconheço a mim mesma. Procurava, então, fazer qualquer outra coisa para
e) Alteração de identidade
Sobre se alguma vez se sentiu como se ainda fosse, ou se achou agindo como se ainda
Atualmente a minha netinha fica dizendo assim: ‘Ester, Ester, vamos brincar?’ Fico
olhando para ela, que continua: ‘Você falou que era só eu chamar você de Ester que
você viria brincar comigo. Agora vamos brincar’. Não sei como se deu essa coisa na
cabecinha dela. Não sei se alguém chegou e falou que brincaria com ela. Mas, ela
acredita piamente nisso. Que basta me chamar duas ou três vezes de Ester que eu
brincarei com ela. Às vezes quando vejo estou deitada no chão, na grama, descalça,
suada, de bermuda, brincando. Ela quer que eu faça estrelinha, brinque de pique
Sobre se alguma vez agiu como se fosse uma pessoa completamente diferente, Caroline
respondeu-nos:
“Às vezes, acho que não estou realizando o que planejei. Por exemplo, ‘hoje vou a tal
lugar’. Mas, tudo me faz não ir. Às vezes vou me aprontar. Esqueço que fui me aprontar.
Sobre se alguma vez se referiu a si mesma (ou outras pessoas disseram que ela se referiu
a si mesma) fazendo uso de nomes diferentes, ou se outras pessoas se referem a ela fazendo
“Já. Muitas. Falo que deve ser uma pessoa muito parecida comigo. As pessoas acham
que estou brincando. E quando acham que estou brincando também levo na brincadeira
porque não dá para explicar isso. Às vezes recebo telefonemas perguntando por outros
152
nomes. Não sei como as pessoas descobrem minhas informações. Não sei explicar e
tenho medo das conseqüências. Cheguei a receber ligações de homens perguntando por
nomes estranhos”.
Sobre pertences que pareciam ser dela, mas que, em verdade, não se lembra como os
adquiriu, Caroline nos afirmou ter ocorrido várias vezes em sua vida. Exemplificou dizendo que
certa vez apareceu uma pulseira de ouro em sua casa, quando era pequena. Relembra ter havido
grande
“... celeuma. Forçavam-me a dizer onde foi que arranjei. Quando vi já estava lá na
batom, pinturas que não sabia a origem. Coisas que não eram do meu gosto. Não uso
cheque, nem cartão. Só dinheiro. É uma medida de segurança para mim mesma. Eu não
tinha idéia das personalidades. Perguntava-me: ‘Como fiz isso?, como cheguei a fazer
isso?’, são coisas diferentes da minha natureza. Minha madrinha era muito severa. Eu
apanhava muito por coisas que não lembrava ter feito. Era muito castigada. Mais ou
menos com cinco anos, por não mais agüentar a situação, tentei uma forma de suicídio
Esta entrevista teve como objetivo dar um fechamento para o processo de pesquisa com a
paciente. A seguir, relataremos alguns dos conteúdos mais importantes desse encontro.
153
aplicação do Pfister, principalmente sobre o processo dissociativo com Dalva em que ela esteve
ausente por quase sessenta minutos. Admirou-se com as elaborações piramidais da alter,
achando-as, inclusive, muito superiores as dela. Caroline não consegue compreender que as
alters são partes dela, compondo o arcabouço ou amálgama da sua própria individualidade. Em
sua percepção, trata-se de pessoas distintas, completamente excluídas da vida dela, que não
narrativa imaginada para a prancha 16. Aliás, devemos ressaltar que a nossa própria explicação
do acontecido durante a segunda série agiu como acionamento natural, ou trigger não
Ester quis escrever uma mensagem para seu noivo. Contou-nos que conheceu o seu
que ela toma o comando do corpo para viver, assim sempre se justifica. Quando da entrevista
com o pesquisador (juiz), ela também emergiu e fez menção ao noivo. Em sua emersão conosco,
nesta sessão devolutiva, pediu-nos papel e “alguma coisa para escrever”. À medida que
indagávamos a respeito do noivo com a finalidade de colher mais informações, ela ia escrevendo
no papel solicitado. Em um determinado ponto, dobrou o papel e ficou segurando-o sem nada
mais escrever. Não pediu que entregássemos o escrito ao noivo como Dalva sempre faz em
relação às suas produções para Rony. Ester começou a externar, verbalmente, sua vontade de
ficar para sempre. Desabafou angústias relacionadas com o ambiente em que vive, falou
novamente dos efeitos colaterais dos remédios obrigados a ingerir, do maltrato constante de
154
todos de “lá” para com ela, da ambição das pessoas, do desejo de posse perante os bens que lhe
pertencem legalmente e, das intenções e premeditações deles objetivando uma aparente morte
natural dela. Quando, finalmente, fez menção à Mariana, aproveitamos o gancho. Somente,
então, com o auxílio deste ISH específico, cujo diálogo não foi feito diretamente conosco, mas
através das verbalizações indiretas via Ester, como se três pessoas estivessem conversando,
estando uma delas sendo vista e ouvida somente pela outra, não pela tríade, que Ester imergiu e
Caroline retornou.
enigmático, um tempo aparentemente inexistente à sua consciência. Ela apenas aceita o fato já
devidamente comprovado diante das evidências incontestáveis. E, tais circunstâncias, não mais
são de caráter tão perturbador ao seu contexto íntimo. Pelo contrário, representam elucidações
plausíveis que desvendaram, e ainda desvendam, situações e eventos presentes na vida dela. Ao
deixada por Ester ao seu noivo fazia poucos instantes. Caroline demonstra certa preocupação a
respeito deste noivo que ela não sabe quem é. Tem medo das conseqüências que podem trazer à
sua vida, esse comprometimento de noivado com quem ela não sabe de onde ou quem seja.
Enfatizamos mais uma vez que tais ocorrências dissociativas, diminuídas cada vez mais na vida
perturbação mental crescente, caso não seja compreendido paulatinamente. Mas, que em relação
a ela, continuamente aclarada, com plenas evidências, inclusive com explicações detalhadas
sobre os processos experimentados durante vários anos, esse não era o caso. Caroline também se
mostrou surpresa quando lhe relatamos sobre o encadeamento dissociativo ocorrido durante a
primeira entrevista. Preocupou-se com a sua imagem perante o pesquisador (juiz), não desejando
Por fim, devemos dizer que sempre temos o cuidado para que seja Caroline quem sempre
deixe o consultório. Realçamos que embora ainda ocorram processos dissociativos, os mesmos
tempo de duração em que Caroline esteve dissociada sob o comando ou controle de outra(s)
personalidade(s). São esses os dois fatores mais importantes que atestam resultados satisfatórios
do tratamento ora em curso – e também dos nossos procedimentos –, cujos impactos traumáticos
estão cada vez mais reduzidos. Reduzidos e transformados em boa dose de alegria, esperança e
planos futuros, visto que Caroline deixou para o final uma agradável surpresa. Disse-nos:
“Passei no vestibular...”
Uma vez concluído este capítulo, contendo os resultados de nossa pesquisa, passaremos
TRAUMATISMO
Neste capítulo discutiremos os dados obtidos com foco nos objetivos propostos no
realçando a relação entre trauma e dissociação, e, por fim, faremos algumas considerações sobre
o transtorno.
Equiparando-se as duas escalas aplicadas, SCID-D (Steinberg, 1994) e DES (Putnam &
Carlson, 1986), constata-se que a paciente possui tendência acentuada para processos
dissociativos agudos, o que representa um elevado indício para a personalidade múltipla (vide
Tabela 4). A esse fator, associa-se o aparecimento concomitante de alters que representa o
(2000), universalmente experimentados por pessoas que tiveram suas vidas sujeitas a traumas,
específicos e significativos que passaram (Steinberg & Schnall, 2000) –, primeiro tipo de
perdidos sem o seu registro consciencial. Disse ela: “Às vezes... não vejo o dia correr... Às vezes
157
eu programava alguma coisa para sábado ou domingo e, quando via, era segunda-feira”.
Declarou ainda perceber, sem compreender, a existência de grandes gaps mnêmicos. Intervalos
estes que somente não são registrados conscientemente por ela – “tinha lapsos de tempo não
determinismo da vida mental (...) não conhece exceção” (p.62), e Brenner (1973) complementou:
“[Então], não existe descontinuidade na vida mental” (p.18), equivalendo dizer que nada é
perdido, tudo é registrado, levando-se em conta as realidades inconscientes que todos temos.
emersão de uma personalidade alternativa (Ester), citamos o relato de sua própria experiência ao
brincar com a neta, quando em dissociação. Caroline: “‘Ester, Ester, vamos brincar?’... Não sei
como se deu... Às vezes quando vejo estou deitada no chão, na grama, descalça, suada, de
bermuda, brincando”.
Vários outros exemplos de amnésia identificados nas respostas de Caroline para a escala
SCID-D podem ser apresentados: A mensagem que Dalva escreveu para Rony na madrugada do
dia da primeira entrevista; as idas e vindas dela ao consultório sem saber como lá chegou, ou
como de lá saiu; o fato de se ver, inesperadamente, longe de casa e não conseguir se lembrar o
que aconteceu antes disso; a sua incapacidade para lembrar o próprio nome. Foram falas de
Caroline durante a entrevista SCID-D: “Eu pegava o carro, quando via estava a cento e vinte.
Não sabia para onde estava indo... Quando via estava noutro lugar... Não sei como cheguei [na
clínica], se cheguei agora, se foi ontem... Uma vez fui ao médico... A moça me perguntou o
estar ficando louco ou dos outros acharem que eles estão, ou são, loucos (Ross, 1989). Com
Caroline, existe ainda um agravante, o medo de perder a memória. Por várias vezes ela repete
esta temática. O fator amnésico é um dos responsáveis por esta sua aflição quando disse: “Perco
a consciência. Quando retorno, estou em outra situação... pânico, medo de ficar louca, de
perder a memória”. Isto vai ao encontro do que mencionamos com Loewenstein (1991), veja
fragmentárias no histórico de vida, dentre outros, como relacionados à inabilidade para recordar
informações pessoais relevantes, na ausência de qualquer fator orgânico que justifique a presença
de tal comprometimento.
personalidade múltipla, conforme descrito nos dois últimos critérios diagnósticos do DSM-IV-
TR (vide Tabela 1). Alguns exemplos: “Paracelso apresentou o primeiro caso de MPD
envolvendo uma mulher que se encontrava amnésica perante uma personalidade alternativa que
roubou o dinheiro dela” (Putnam, 1989, p.28); o caso da jovem mulher alemã, descrito por
Gemelin no final do século XVIII, em 1791, e registrado por Ellenberger (1970): quando em sua
personalidade francesa, a mulher tinha completa memória de tudo aquilo que tinha dito e feito
durante o estado francês anterior. Quando em sua personalidade alemã, ela nada conhecia da sua
personalidade francesa; o histórico caso de Mary Reynolds, de 1815, também registrado por
Ellenberger (1970): Mary foi encontrada em sono profundo, que durou muitas horas e do qual
159
despertou tendo perdido toda a memória e até mesmo o uso da fala; Jung (1993) também
enfatizou questões amnésicas em Mary Reynolds ao registrar: “Após um sono profundo que
durou cerca de 20 horas, havia esquecido completamente todo o seu passado e tudo o que
aprendera” (p. 71); Hélène Smith, nas palavras de Flournoy (1899/1994): “(...) afora as lacunas
que as emersões espontâneas de automatismo fazem na vida dela, ninguém suspeitaria (...) de
tudo que ela é capaz de realizar em seus estados anormais” (p.31); Christine L. Beauchamp, nos
dizeres de Prince (1905/1957): Na memória de cada uma delas havia ausências correspondentes
aos períodos em que as outras personalidades estavam em ação. Repentinamente, uma ou outra
acorda, deparando-se, sem saber onde está, ignorando o que tenha dito ou feito em momentos
anteriores; Félida, caso documentado por Eugène Azam em 1887, mencionado por Hacking
(1995): “Evitava as pessoas porque não tinha idéia do que acontecera durante meses e meses”
(p.184).
experimentação de fatos estranhos, que parecem reais, muito difíceis de serem compreendidos
pela maioria comum, tais como: observar-se estando afastado de si próprio ou ter a sensação de
ser um observador de si mesmo, sentir-se irreal, estranho e desconectado das próprias emoções,
apresentar inabilidade para se reconhecer num espelho, ter percepções distorcidas do próprio
corpo (Steinberg & Schnall, 2000). Sobre experimentações desse tipo Caroline disse: “Às vezes
vejo outras cenas. É como se estivesse assistindo a um filme, mas, comigo”. Afirmou também
que muitas vezes tem o sentimento de se sentir desconectada de si mesma: “De repente pareço
que fico sem a mente. Isso faz com que eu fique calada, com medo, dores de cabeça, vontade de
160
chorar”. E ainda que, algumas vezes, sentia o seu corpo estranho: “Às vezes eu ia me aprontar e
A desrealização representa o terceiro sintoma avaliado pela escala SCID-D. Quer dizer,
algumas pessoas têm a sensação de que o ambiente, ou o mundo ao redor delas é irreal.
Apresentam alterações na percepção visual, sentem que a casa não é familiar e que os parentes
são estranhos (Steinberg & Schnall, 2000). Em relação a este quesito, Caroline afirmou: “Muitas
vezes, na minha casa, acho todo mundo estranho... Às vezes chego em casa, olho para as
pessoas e desconheço todo mundo. Acho que estou no lugar errado, com as pessoas erradas”.
seja, um sentimento de incerteza, de embaraço, de conflito sobre quem a pessoa é (Steinberg &
Schnall, 2000), Caroline chegou a dizer: “‘Quem é essa?, eu sei que não sou eu, mas quem é
(1970): “(...) Hélène, mais de uma vez, contou ter tido a impressão de se tornar ou se sentir
momentaneamente Leopold... Ela tem, inicialmente, uma visão fugidia do protetor. Então, parece
que pouco a pouco ele é submerso nela; ela o sente dominando e penetrando o seu organismo
Caroline que confirmaram a nossa assertiva. Esse sintoma se traduz, basicamente, pela pessoa se
encontrar agindo como se fosse uma criança. Ou ainda, ouvir dos outros que foi vista agindo
161
como uma pessoa diferente, ser chamada pelos outros com nomes diferentes do seu, e ter
encontrado pertences desconhecidos em seu ambiente particular (Steinberg & Schnall, 2000).
A respeito de se encontrar agindo como criança, já mencionamos que Caroline narrou sua
experiência com a própria neta de oito anos: “Às vezes... estou deitada no chão, na grama,
descalça, suada, de bermuda, brincando. Ela quer que eu faça estrelinha, brinque de pique
esconde, essas coisas. Fico cansadíssima”. Em relação a outras pessoas dizerem que ela
referem a ela fazendo menção a nomes diferentes, afirmou ter ocorrido “muitas vezes... Falo que
deve ser uma pessoa muito parecida comigo... Às vezes recebo telefonemas perguntando por
outros nomes. Não sei como as pessoas descobrem minhas informações... Cheguei a receber
ligações de homens perguntando por nomes estranhos”. Sobre pertences que pareciam ser dela,
mas que, em verdade, não se lembra como os adquiriu, Caroline afirmou ter ocorrido várias
vezes em sua vida. Exemplificou dizendo que certa vez apareceu uma pulseira de ouro em sua
casa quando ela era pequena. Segundo relembrou, disse: “Houve grande celeuma. Forçaram-me
a dizer onde foi que arranjei. Quando vi já estava lá na minha mesinha. Às vezes eu ia ao
shopping. Quando chegava notava um batom, pinturas que não sabia a origem. Coisas que não
eram do meu gosto”. Entendemos que estas experiências penosas compõem ou encapsulam o
A jovem mulher alemã do caso publicado por Eberhardt Gemelin em 1791, conforme
identidade, avaliado pelo instrumento SCID-D, quando escrevemos: Ela repentinamente mudou a
própria personalidade para os modos e maneiras de uma senhora francesa, imitando e falando o
Estelle L’Hardy, tratada em 1836 por Antoine Despine, também apresentou sintomas
Estelle começou a conduzir uma vida dupla. Em seu estado normal estava paralisada. No estado
possui uma característica singular parecida com a paciente de Despine. Ela, quando em suas
raras emersões, manifesta tetraplegia, com ausência integral dos movimentos e fortes dores em
externados, demonstra ausência total de sensibilidade sensorial, exceção para os órgãos da face.
O caso de Félida, documentado por Azam (1887), também enfatizado por Ellenberger
Conforme mencionado na primeira parte deste trabalho, Félida, repentinamente, sentia uma dor
aguda nas têmporas entrando num estado letárgico por alguns minutos. Quando despertava era
uma pessoa completamente diferente. Em sua condição normal ela era de inteligência comum.
aos fatores cognitivos analisados. Ao mesmo tempo em que há contextos de analfabetismo, como
algumas personalidades, como é o caso de Dalva, X e ISH’s, com graus intelectuais mais
elevados.
O Médico e o Monstro, conto escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson em 1886, é
outro exemplo de alteração de identidade: “A qualquer hora do dia ou da noite, eu era tomado
163
momento em minha cadeira, era como Hyde que eu despertava” (Stevenson, 1886/1989, p.98).
inter-relacionadas (Steinberg & Schnall, 2000). Algumas vezes elas se misturam entre si e se
Sintomas Processo em seu contexto, tais como: atributos e presenças de alters, inserções do
tais como: blackouts, time loss, olvidar comportamentos, mudanças inexplicáveis nos
tocante aos Sintomas PTSS, Caroline apresenta: trauma psicológico, flashbacks, acionamentos
memória somática e dor somatoforme. Por último, devemos dizer que ela apresenta os chamados
164
que vertentes complementares do caso fossem documentadas. Desta forma, Caroline revelou
aspectos penosos que fizeram parte do seu contexto de vida e que reforçam as suas experiências
fazendo uso das próprias palavras da paciente: “Eu tinha muito medo de viver só. Sentia-me
muito só. A minha alimentação era o suficiente para não morrer... Eu não ganhava presente de
natal... Minhas roupas eram todas de segunda”. Além disso, maus-tratos e violências como, o
tapa recebido na boca, dado pela mãe receptora na presença da suposta mãe biológica que a fez
engolir o próprio dente, que nem mole estava: “Foi um choque. Na hora a criança não percebe.
Somente posteriormente vai codificar”. A modificação do próprio nome aumentando a sua idade
para poder se casar: “Usei o casamento para sair daquela casa... Tiveram que fazer uma outra
certidão. Modificaram o meu nome para eu poder casar, como se eu fosse a irmã de mim
Outro fator relevante ocorrido durante a entrevista SCID-D foi o chamado encadeamento
dissociativo, onde o pesquisador (juiz) teve a oportunidade de dialogar com três personalidades,
sendo uma delas o ISH global do psiquismo de Caroline. Tal fato não é raro no contexto da
no tratamento de nossa paciente. Além disso, ele demonstrou ter idéia formada sobre o
165
pesquisador (juiz). Foram palavras dele: “Sou ajudante do doutor. Sempre dou opinião a
respeito dos problemas com Caroline. Trocamos idéias... Ficamos sempre controlando esses
fenômenos, dizendo para ele algumas coisas, como deve agir para auxiliar Caroline. Podemos
contornar situações... Eu gostaria que você conhecesse uma alter. Não se preocupe. Estamos no
controle... Você já tem muitas qualidades, já está sabendo, conhece o histórico, conhece as
técnicas, é um cientista”.
Dalva, que foi trazida por Supervisor num mecanismo de acionamento indireto, isto é, a
sua emersão foi provocada internamente pelo ISH global, contou sobre a origem do seu nome,
teceu comentários sobre a sua família, hábitos e costumes. Falou ainda do compromisso
recíproco com Rony e confiou o repasse de uma mensagem secreta para ele. Foram palavras
dela: “O meu nome foi estudado nas estrelas... Moramos na Escócia. Rony faz viagens... para o
Oriente... Temos compromissos... Quando ele está distante nos correspondemos. Eu mando um
mensageiro que traz respostas... Temos hospitais. Os nossos doentes alcançam a cura... Fiz uma
mensagem para Rony”. Ela também comprovou a inexistência de co-consciência bilateral com
Caroline ao dizer: “Sou Dalva. Não sei quem é Caroline com quem o senhor disse estar
falando”.
encadeamento (ou elo) dissociativo (Prince, 1905/1957), que se deu com o retorno de Caroline
ao comando do corpo, Ester manifestou desejos de assumir a sua vida em nossa realidade
concreta e psíquica. Falou de Mariana, tentou persuadir o pesquisador (juiz) para conseguir o seu
“Vivo trancada num quarto... Estou com vontade de ficar. Quem sabe você pode me ajudar?
Prometo ficar boazinha... Quando consigo sair de lá, nesse mundo aqui, fico tão feliz. Não quero
166
voltar... Não agüento ir para lá. Eles querem me matar. Minha única salvação é Mariana, meu
anjo que fica comigo... Vou achar um jeito de fugir... Estou passando muito frio lá... Tenho meu
noivo. Mas, nem ele pode me ajudar... Vou embora porque a Mariana está me chamando”.
Destacamos o controle exercido pelos ISH’s sobre as alters, principalmente nesta última frase de
Ester.
Finalizada esta discussão com base na articulação dos dados contidos na primeira parte
1991) e com os critérios diagnósticos para o transtorno (DSM-IV-TR, 2003); e ainda, com base
paciente.
Caroline, bem como identificar e inter-relacionar algumas delas visando explicitar o processo
provenientes das personalidades que compõem o psiquismo dela, são abundantes. Logicamente,
com vários anos de tratamento clínico, é natural que uma grande gama de fontes de evidência
Das poesias trazidas por Dalva, podemos reconhecer, em alguns versos, elementos da
Dalva (veja Produções de Dalva, Anexo 2) admitem o pinçamento de alguns dos seus versos, e a
Por outro lado, ainda sobre a questão dissociativa, as mensagens escritas na linguagem
complexo, elaborado com grau elevado de inteligência a partir das linhas e vértices do formato
de uma estrela, totalmente inconsciente à personalidade host, que desconhece e ainda hoje não
de Dalva – também com alusão à familiares, principalmente aos pais –, são direcionadas
amorosamente para Ronaldo que parece respondê-las de alguma forma, visto que o carinho
saudoso de quem se sente amada está sempre presente. Exemplificamos com alguns versos
contidos nas Figuras 4, 5, 8 e 31: “A pedido dos nossos pais...”, “No aconchego do nosso ninho
encontro o cheiro que te pertence...”, “Quando não estou com nossos pais estudando...”, “Alma
gêmea da minha alma... Viveremos eternamente unidos”, “Snaf Snif”. O porta-retrato, Figura 7,
trabalho manual feito por Dalva durante uma sessão clínica, reflete esse amor conjugal contendo
refletem os processos dissociativos de Caroline, por outro, também ligam-se à conteúdos da sua
história de vida. Podemos evidenciar isso registrando as próprias palavras verbalizadas por
Caroline, relacionadas com pensamentos e devaneios infantis iniciados desde a mais tenra
infância:
“Praticamente, durante esta fase, tive a certeza de que um ser especial e exclusivo, o
meu grande amor, viria me proteger e me salvar. Essa certeza passou a ser o meu
estímulo de vida. A história fortaleceu ou fez iniciar sonhos que passaram a representar
Assim, hipoteticamente, pensamos que esse grande amor que Caroline começou a
idealizar por volta dos cinco anos encontra-se também identificado nas produções de Dalva.
Ainda sobre esse aspecto, as produções de Jennifer, que enfatiza a sua tez negra e cujo nome
próprio, originário do galês, significa “de face branca” (Leite, 1992), também ligam-se ao
contexto imaginário de Caroline. Ela, Jennifer, realiza-se afetivamente quando de suas emersões
Interrompidos” e “Não Desista” (veja Produções de Jennifer, Anexo 2). Nos dois primeiros
poemas ela disse que “enquanto houver saudades, meu amor viverei neste ar em que respiras”.
“É difícil viver de sonhos, sonhos que nos fazem felizes... Dentro desse mundo imaginário...
correlacionou sonhos com o ambiente marítimo que afirma viver ao registrar: “Navio meu
amigo, singra essas águas... [no] mar salgado, agitado, purificado, claro... dentro dos meus
sonhos interrompidos”. Já no poema “Não Desista”, ela praticamente pede para o sonho
continuar, estimulando-se frente a sua situação de vida solitária. Exemplificamos: “Não deixes
169
morrer o sonho... Sonho, sonho meu... [que] enfeitarei com todas as cores... Como nas noites de
plena solidão”. Observamos, então, formas diferentes de lidar com a experiência amorosa. Dalva
vive um amor pleno. Jennifer busca nos sonhos a plenitude do amor. Caroline, em sua realidade
concreta e psíquica, vive um casamento destituído de afeto, não tendo o amor idealizado.
Conforme apresentado nos elementos anamnésicos, a senhora de cor (sic), aquela que
cientificou Caroline a respeito da sua ascendência, provavelmente de forma não intencional, fez
desencadear, desde então, a necessidade de fugir de uma dolorosa realidade concreta através de
uma vida onírica. Possivelmente, a dissociação foi a maneira inconsciente que Caroline
encontrou para suprir a solidão e o desamparo traumáticos, e, conseqüentemente, fazer com que
ela conseguisse continuar vivendo por meio dos processos dissociativos intermitentes na figura
das alters.
Mayara Sandes, a única personalidade que mantém co-consciência bilateral com Caroline
ou seja, a única personalidade que apresenta certo nível de interação consciente com Caroline,
Sandes, Anexo 2). Em uma delas, ela apresenta caráter temperamental e ameaçador – “Amiga
infiel... Não diga nada porque tenho ouvidos atentos” – enquanto noutra é sentimental e infantil
– “Amanhã vamos fazer um piquenique na Colina Azul... Vamos levar... um lindo pato
defumado... Iremos caçar borboletas mortas... Ver ninhos de passarinhos... Colher flores no
campo... Temos muito como nos divertirmos”. Existe ainda uma vertente acentuada em relação
ao cuidar de crianças – “Deixei as meninas na cama e vim lhe dar boa noite”. Aliás, a vida de
Mayara se resume em educar três meninas. Segundo o que observamos em seu relato na clínica,
ela se casou sem amor com um homem dez anos mais velho, sem manter relações íntimas, com a
170
finalidade de proteger e amparar as crianças, que na verdade são filhas de sua irmã com o
Mayara. Por exemplo, Caroline teve sua idade aumentada dez anos para poder se casar e se casou
com um homem que diz não amar. Outro aspecto é que houve um acordo para este casamento.
Não haveria relações sexuais. Tal acordo não foi cumprido pelo companheiro, Sr. A. Constata-se
em Caroline o desejo de ser cuidada como filha e amada como mulher, sem traumas.
Jane, em seu texto (veja Produção de Jane, Anexo 2), realça o valor da família, o amor ao
cultivo da terra, a boa educação desejada aos filhos e a fidelidade na relação afetiva. Disse ela:
“A única coisa que quero de ti é tua fidelidade... Quero uma educação primorosa, mas quero
que eles [filhos] não deixem de amar a terra e cuidar dela”. Valores morais de Jane também
estão contidos na individualidade de Caroline, fato que comprova a existência de conexões entre
as personalidades. De certa forma, o valor moral que comparece na fidelidade de Caroline foi
retratado quando ela fez menção ao seu atual casamento, que deveria ser uma “irmandade leal”
estaria mantendo a promessa de continuar fiel ao ser que representava a razão do meu viver,
Ester é a alter que mais reflete a realidade traumática de Caroline. As suas falas, as suas
produções, os seus contextos e a sua história de vida são revelados de maneira sofrida. Conforme
os seus relatos, as suas noites são tristes como o próprio título da sua poesia indica (veja
Produção de Ester, Anexo 2). Mas, não somente as noites. Os dias, as semanas, os meses, os
anos... Na sua fala, ela espelha as angústias de Caroline quando diz viver com vontade de ficar
em outro ambiente, pedindo ajuda, prometendo “ficar boazinha”, sentindo-se ameaçada – “eles
171
querem me matar” –, passando frio, querendo um aconchego amoroso – seu noivo – e, por fim,
sendo ajudada por alguém especial (Mariana, um ISH específico) que, conforme conceituou,
representa o “anjo que fica comigo [com ela]” (veja Entrevista Clínica).
L’Hardy (Despine apud Ellenberger, 1970), auxiliada por Angeline, o anjo consolador que
apareceu no sono dela; com Hélène Smith, mais especificamente na figura de Léopold
(Flournoy, 1899/1994); e com Robert Louis Stevenson em sua intensa vida onírica, quando
Monstro (Stevenson, 1886/1989). De certa forma, Ester, apesar da vida sofrida, de fato tem uma
figura protetora, feminina, na “pessoa” de Mariana. Já Caroline não tem a presença dessa figura.
corroboram o conceito de Allison (1980) sobre o ISH, ou seja, a fonte de orientação particular do
citamos um fragmento da fala de Mariana: “Meu jovem Doutor: Ester está com as emoções em
Estamos contentes com o seu progresso... Continue estudando” (veja Produção de Mariana,
Anexo 2). Citamos ainda um trecho da fala de Supervisor: “Meu prezado Doutor... Tente
compreender a desfragmentação da alma para obter a sua cura... Estamos entendendo as suas
mostraram concordância com a situação real do distúrbio... Continue firme nos seus propósitos,
estudando e investindo nas conquistas científicas. Conte conosco” (veja O Teste de Pfister,
Terceiro Capítulo). Assim sendo, parece-nos que os ISH’s também auxiliam a busca do
172
tranqüilizam a paciente e o próprio terapeuta. Isso foi observado no caso Caroline. Lembramos
ainda que após a emersão deles Caroline demonstra uma sensação de plenitude, de bem-estar e
Por fim, Alter X é de difícil interpretação. Lembramos que ela é uma figura enigmática.
De forma similar ao caso da jovem mulher alemã (Gemelin apud Ellenberger, 1970) e de Anna O
(Breuer & Freud, 1893-1895/1996), Alter X consegue falar em outro idioma (inglês). Em suas
emersões apresenta conteúdos afetivos e familiares. Por exemplo: “Dear Love... star that
sparkles in the same pulsation of my heart… Give my regards to your parents… Eternally in love
with you” 11. De outras vezes, escreve de forma filosófica enfatizando o tema da loucura, um dos
Com base nos anos de tratamento e nas informações complementares obtidas nesta
11
Querido Amor... Estrela que brilha na mesma pulsação do meu coração... Dê meus cumprimentos a seus pais.
Eternamente apaixonada por você.
173
pesquisador. Elas realçam que todas as personalidades, exceção de Mayara Sandes, são
conhecidas de Caroline por via indireta. Ou seja, Caroline somente sabe da existência das
personalidades por nosso intermédio, pois, quando em dissociação, a compreensão dos diversos
A representação gráfica também demonstra que Supervisor conhece, sem exceções, todas
dedicados exclusivamente a uma personalidade, como é o caso de Mariana, que atua diretamente
com Caroline de forma intermitente. Este processo está mais bem documentado no bilhete desta
174
alter (veja Produções de Mayara Sandes, Anexo 2). Trata-se de um bilhete litigioso, com
ameaças, que Mayara escreveu diretamente para Caroline. Esta, na época, tinha consciência que
estava registrando e escrevendo um pensamento que não era seu, como se uma força interna à
seu corpo. Quando ocorre este tipo de co-consciência, uma confusão mental se apresenta na
individualidade de Caroline, com fortes dificuldades íntimas. Uma voz interna, segundo
explicações de Caroline, mistura-se com o seu próprio pensamento. Esta situação somente se
ameniza quando acontece uma concordância bilateral, ou seja, quando a vontade de uma é aceita
diretamente na personalidade host, tais como: dores de cabeça, tonturas, alterações no humor,
personalidades, podem gerar desequilíbrios intensos e são responsáveis por distúrbios de alta
patológico da personalidade múltipla como apresentado por Keyes (1981), referindo-se a casos
de Serial Killer.
diretos com quaisquer personalidades tanto de forma espontânea quanto induzida ou provocada.
Contudo, com a progressão bem sucedida do tratamento, tornou-se patente que os mecanismos
traumáticas solucionadas por meio dos processos de ab-reação. Enfatizamos que das dez
175
São elas: Mayara Sandes, Dalva, Ester, Mariana e Supervisor. As demais parecem ter
adormecido, sendo despertadas somente pelas vias da indução, ou seja, por acionamentos
(triggers) provocados diretamente por nós. Tais observações corroboram as diretrizes clínicas
atuais que apontam como sucesso maior do tratamento a fusão ou integração das personalidades
(Hacking, 1995; Haddock, 2001; Putnam, 1989; Ross, 1989). À medida que este objetivo vai
da pessoa cindida está sendo revertida ou que a pessoa está no caminho da integralidade mental.
Esta é a perspectiva dos clínicos que trabalham com esse transtorno na atualidade (Haddock,
2001; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Rhoades & Sar, 2005; Ross, 1989).
passaremos agora a discussão da relação entre trauma e dissociação tomando como foco da
sem a presença de fatores traumáticos e dissociativos. Ou seja, para que o transtorno seja
desenvolvido num indivíduo, é essencial que esta pessoa tenha sido acometida por traumas reais
176
podem ser de natureza diversificada nos variados quadros clínicos, não necessariamente irá gerar
uma mesma síndrome. Existem fatores outros, como a capacidade de absorção ou de elaboração
razões de uma mesma causa não gerar quadros clínicos idênticos (Kluft & Fine, 1993; Putnam,
Segundo alguns autores da área (Allison, 1980; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989;
Rhoades & Sar, 2005; Ross, 1989; Steinberg, 1994), eventos traumáticos podem ocorrer em
qualquer fase da vida, desde o nascimento ou desde a mais tenra infância. Entretanto, o
dissociativa. Além disso, experimentam lacunas de memória (gaps) para a história pessoal tanto
remota quanto recente. O número de personalidades é variável e metade dos casos relatados
múltipla é:
Este esquema estabelece que fatores traumáticos reais geram processos dissociativos.
Estes, por sua vez, fazem emergir alters, característica maior da personalidade múltipla. Esta
177
seqüência ou encadeamento resulta na busca, pela terapia, de um processo reverso, ou seja, num
tratamento curativo para o transtorno, alcançado com a integração da fragmentação do eu, pela
fusão das personalidades dissociadas (Hacking, 1995; Haddock, 2001; Kluft & Fine, 1993;
Na primeira aplicação do Pfister, logo na pirâmide inicial, como mostrado na Figura 33,
Caroline enfatizou a sua questão traumática (circundada) numa estrutura em mosaico. Ela
hipotetizamos ser os choques violentos vivenciados durante um longo curso de sua vida.
manto –, como mostrado na Figura 34, hipotetizamos que Caroline enfatizou a questão
dissociativa, circundada por nós. Da mesma forma, interpretamos que a base da pirâmide
representada, numa linguagem simbólica, pelo cerne do seu psiquismo, rompeu-se. Nitidamente,
o alicerce de sua estrutura consciencial está desfocado do conjunto. A pirâmide está decepada ou
Dalva. A primeira pirâmide (alto, esquerda), em seu aspecto formal, é uma estrutura simétrica; a
segunda (alto, direita) é uma estrutura em escada; e a terceira (baixo, centro) é uma estrutura em
da personalidade.
179
personalidade original e que suaviza lítigios entre personalidades (Allison, 1980), está
representada no eixo central, vertical, pela cor cinza. A disposição mostrada representa uma
ênfase aos valores de posição. Salientamos que, conforme registrado por Villemor Amaral
(1978), para
pirâmide: o primeiro seria o vértice ou ápice da pirâmide, que se situa no espaço n.o 1 do
no espaço 5c do esquema. (...) Deixamos, pois, que futuras pesquisas possam lançar mais
Como não existem outros estudos para comparações, à partir desta pesquisa, sugerimos
cautelosamente que os valores de posição, ápice, centro e base, pelo menos nos casos de
espontâneo com Dalva, fato que fez com que Caroline retornasse do seu processo de imersão
sem ter consciência do ocorrido, ela (Caroline) elaborou a terceira pirâmide, como mostrado na
Figura 36. Avaliamos que sua construção assesta para a necessidade (vontade ou desejo) de
– formação em camadas, ou estratificada – a busca de uma fusão, que está representada pela
mosaico –, como mostrado na Figura 37, acentuamos o que hipotetizamos ser a busca do
181
(...) poderíamos dizer que a presença do verde, em geral, nas pirâmides tem uma
conotação muito positiva desde que situado dentro dos padrões de normalidade, ou seja
entre 18% e 20%, aproximadamente, incidindo tais valores percentuais com uma
utilização mais expressiva das tonalidades Vd2 e Vd3, e esta última sobretudo, a qual
Também não devemos deixar de referenciar o que Villemor Amaral (1978) chama de
“análise das pirâmides, em função dos diferentes planos da personalidade”. Segundo este autor,
182
aspecto mais externo de sua personalidade – o Ego – tal como se apresenta ou se mostra
controle, por parte dele, seria parcial. Finalmente, a terceira, que corresponderia à parte
aspectos da personalidade cujo controle não estaria bastante ao alcance do indivíduo, mas
Na primeira, ela retratou aspectos traumáticos de sua vida, sendo alguns, atualmente, conscientes
e controlados. Trata-se do aspecto mais externo de sua personalidade representado pela presença
ou da montanha de gelo flutuante (Hall & Lindzey, 1978), representada pela camada
intermediária, a parte mais ou menos acessível de Caroline, equivale às alters que emergem em
processos dissociativos cada vez mais sob controle parcial dela. Na terceira e última pirâmide, a
camada mais profunda da paciente – o seu inconsciente –, busca o bem-estar, a descarga das
Lembramos que ela construiu a primeira pirâmide em 10’13”. A segunda em 4’29” e a terceira
em 4’. Para a quarta pirâmide levou apenas 2’. Esteve além para os valores medianos do teste,
mas, dentro dos parâmetros aceitáveis para o tempo total de execução. Ênfase maior deve ser
dada ao tempo da primeira pirâmide, fato que caracterizou significativamente o chamado “tempo
psíquico de reação”.
variam entre 4 e 8 minutos para cada pirâmide e entre 15 e 20 minutos para o total das três
pirâmides. Por ser nova, a execução da primeira pirâmide, em geral, poderá exigir um pouco
mais de tempo que as duas subseqüentes. O tempo psíquico de reação é fator que deve ser levado
em consideração porque há indivíduos cujas reações normais são mais lentas e hesitantes,
enquanto que outros executam habitualmente suas tarefas com maior precisão e rapidez. Por
outro lado, há pessoas muito inseguras e com forte tendência à hesitação, que exigem longo
tempo para executar suas pirâmides. São meticulosas, prudentes e extremamente cautelosas. São
pessoas, via de regra, aparentemente sossegadas, calmas e que se desligam totalmente do mundo,
psíquico de reação apontam para uma facilidade de desligamento total do mundo, fenômeno
tendente a manto fechado. O verde (Vd3) substituiu o amarelo (Am1) como se Caroline
passando a ter relacionamentos afetivos e sociais satisfatórios, além de uma esfera de contatos
sadios (Villemor-Amaral, 2005). Por fim, a terceira pirâmide evidenciou mais fortemente a
monotonais.
São esses os aspectos que mereceram destaques em nossa discussão com o Pfister, ou
registro dos valores de posição, bem como as divisões elaboradas nas construções piramidais da
paciente, sugerindo facilidade para o desligamento total do mundo. Destaques esses que
fidedigna, que também pode trazer contribuições para análise de aspectos específicos na
personalidade múltipla.
Em relação ao Teste de Apercepção Temática (TAT), realçamos que esta discussão não
pela paciente estão inseridos exemplificando as nossas interpretações. O TAT de Caroline nos
relação a Caroline, esta conectividade ocorreu entre duas alters e um dos ISH’s que atuam no
psicodinamicamente, apresenta partes dissociadas que se ligam entre si. Por exemplo, na prancha
12F (Mulher Jovem e Velha), cuja área mobilizada pelos estímulos também focaliza a relação
paciente –, Caroline iniciou sua história com o nome Ana Maria (protagonista). Aliás, foi a única
história, em todo o teste, que algum personagem recebeu nominação. E, de certa forma, numa
inversão característica de Dalva, que escreve da direita para a esquerda em sua linguagem
secreta, alterando-se a ordem do primeiro nome com o segundo, e aglutinando-se a última vogal
do primeiro nome com a primeira vogal do segundo nome, após a troca posicional, obteremos a
personalidade: Maria + Ana = Mariana. Ou seja, uma resultante equivalente ao ISH específico de
um quesito projetivo-nominativo (Ana Maria): Caroline (por ser a personalidade host), Dalva
(pela estratégia de inversão) e Mariana (por ser um ISH específico da alter Ester).
apresenta dois ISH’s embutidos no psiquismo com atuações diferenciadas. Um deles, restrito e
186
específico de uma alter (Ester), representado por Mariana, e outro global, representado por
Supervisor. Este último com conhecimento e domínio integral sobre as demais personalidades. O
hodiernos, pode ser reconhecido no caso de Hélène Smith, registrado por Flournoy (1899/1994),
em 1836. Neste último, Angeline representou o ISH que direcionou o tratamento clínico,
personalidade proveniente de contextos traumáticos e dissociativos (Kluft & Fine, 1993; Putnam,
1989; Ross, 1989), ligando-se mais diretamente aos “sintomas processo” identificados por
Loewenstein (1991) e aos três primeiros critérios diagnósticos para o transtorno contidos no
verbalizou: “O marido [pai de Ana Maria] abandonou-a [abandonou a mãe de Ana Maria],
que apresenta fator traumático acentuado relacionado à figura paterna e materna, vinculado a
exemplo desta falta de proteção, de desamparo. Tal situação desencadeou nela uma timidez
excessiva, “a ponto de quase não conseguir erguer os olhos”, conforme verbalizou. Atualmente,
Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Ross, 1989). Interessante realçar que os dois ISH’s, que no
(Supervisor), materna (Mariana) e filial (Caroline). Tal contexto relaciona-se com a história de
vida narrada por Ester cuja alegria familiar foi interrompida com o falecimento acidental de seus
pais quando contava apenas seis anos (veja Resultados, Capítulo III).
escore significativo para esta última característica se justifica pelas prolongadas frustrações
sofridas por ela durante toda a vida. Com isso, o orgulho de ter vencido e de ter sobrevivido,
tornou-se um traço marcante nela. Não tinha condições de tomar iniciativa, nem autonomia para
responder por seus atos. Era desprezada por seu companheiro. Atualmente, com suas resoluções
e novos horizontes, sendo sobrevivente desde quando nasceu, o sentimento de superioridade que
12
Os valores entre parênteses representam os escores obtidos por Caroline no TAT (veja terceiro capítulo).
188
Primitiva de Pedra), cujo estímulo frente ao desconhecido também revela atitudes do sujeito
diante de conteúdos inconscientes. Neste quadro, ela sofreu impacto significativo em termos
global das necessidades avaliadas nos protagonistas. Também sofreu impacto acentuado em
relação ao efeito conjunto de estados interiores e emoções apreciadas, e o nível mais elevado em
termos do impacto global das forças ambientais definidas para os protagonistas (veja Figuras 21,
23, 25 e 29). Destacamos que na história desta prancha, Caroline fez referência metafórica ao
Disse ela: “Um dia chegou um cientista [pesquisador] e fez dele [do doente mental que sobrevive
= projeção dela mesma] seu único paciente [Caroline é a nossa única paciente múltipla].
Melhorou seu estado mental [progresso do tratamento em si]. Esse distúrbio era apenas
controlado [situação atual]”. Salientamos ainda que a paciente escolheu dois títulos para a
obtemos “O doente mental sobrevivente”, fato que retrata o estado atual dela em termos de
melhora do quadro clínico, uma paciente com dificuldade psíquica complexa que sobreviveu
diante ocorrências traumáticas reais e severas, tais como: mau-acolhimento, rejeição, abandono,
desamparo e solidão.
de sua acentuada carência afetiva e necessidade de ternura. Terminou sua narrativa dizendo:
“Esse é o papel das mães, das avós, dos parentes que se amam terna e eternamente”.
história da prancha 6MF (Mulher Surpreendida). Nesta narrativa Caroline comentou: “Essa
sexualidade por lealdade ao genitor. Exemplificamos com trechos de fala da paciente: “Ela
[médica] foi trabalhar em uma casa de doentes mentais. A solidão que causava depressão foi
diagnosticando nos seus pacientes. Isso fez com que a vida dela se tornasse produtiva a tantas
pessoas mal compreendidas pelo mundo, que sofriam injustamente, abandonas”. [Além disso,]
“Ela pôde fazer o desejo do seu pai, de não se envolver com este rapaz. Ao mesmo tempo,
guardar dentro do seu coração, todo aquele encanto, todo aquele amor que era verdadeiro e que
ia permanecer com ela para sempre”. Tais fatos demonstram que Caroline está muito presa ao
Campo). São comuns respostas que tendem a associar o homem da gravura como um objeto de
desejo. Na percepção de Caroline o mesmo foi interpretado como sendo um pai de família.
Foram palavras dela: “Nós estamos falando de uma família rural onde a terra era lavrada,
plantada e colhida com as próprias mãos... No dia da despedida... ela ficou triste... a mãe triste,
o pai triste”.
O fator agressividade, demonstrado por Caroline, ocorre de forma indireta. Uma grande
quantidade de personagens são mortos em função de um ideal. Ela tende a compensar esse fator
Um outro ponto que merece destaque é o acréscimo de personagens nas histórias. Por
para estar sozinha e de uma pessoa que necessita de apoio, de não mais ser desamparada. Estas
informações corroboram os altos índices obtidos para afiliação emocional (62) e proteção (45)
em relação às forças ambientais que agem sobre Caroline (veja Figura 28).
abandono, pelo desamparo e por maus-tratos, à relação de Caroline com as figuras parentais.
& Fine, 1993; Loewenstein, 1991; Putnam, 1989; Rhoades & Sar, 2005; Ross, 1989).
E, lembrando Coons (1986) e Hacking (1995), quando enfatizaram que o abuso infantil
como: os toques provocados por sua madrinha quando se masturbava; os esbarrões do Sr. O
premeditando tocar em seus seios; os beijos na sua boca planejados pelo mesmo Sr. O; os atos
sexuais violentos por parte do companheiro; e as seduções recebidas quando se consultava com
profissionais da medicina.
191
abandono.
e fez menção à cor vermelha do violino dado pelo pai. Fez também referência à uma linguagem
diferente, de partituras. Disse ela: “Ele, [o menino protagonista], se interessou pela música.
Encantou-se ao ver um violino que tinha uma cor diferente. Ele era vermelho. O interesse maior
dele ficou sendo partituras. Partituras de violino. E isso o encantava, aquela nova linguagem
que as partituras estavam lhe dando. Por felicidade, esse violino que ele se interessou foi dado
pelo pai... Ele se tornou um grande compositor que fazia concertos em orquestras sinfônicas
famosas”. Acrescentar os pais na história desta prancha é fato comum, todavia mencionar cor é
fato raro, ou seja, com o acréscimo da cor vermelha ela trouxe o afeto ou a agressividade latente
para o contexto (Chabert & Brelet-Foulard, 2005). O vermelho faz apelo aos afetos fortes e por
vezes violento (Chabert, 2004). O que nos faz pensar em um afeto/agressividade direcionado
Caroline teve ainda alguns choques relacionados com a cor preta, ao escuro das gravuras.
Embora inconscientemente, não deixou de criticar o teste em termos da nitidez das cores ao dizer
192
durante a aplicação da 1ª série: “Essas pranchas são muito apagadas. Elas tinham que ser mais
heterossexuais gratificantes, é exemplo de choque cromático à cor preta. Neste quadro, Caroline
sofreu forte impacto de estímulos globais em relação aos estados interiores e emocionais (veja
Figura 25). Ela, na história, retratou confusão mental, inclusive não sabendo distinguir se o
inspiração para a narrativa, além da própria gravura, respondeu: “Estão envoltos em negro, um
foi surpreendida com a informação sobre a sua ascendência por meio de uma senhora de cor que
achava sua criação inadequada. O sentimento dela, traduzido em palavras quando recebeu a
informação, foi externado da seguinte forma em ab-reação clínica: “foi como se me tivessem
quebrado em mil pedaços e depois soprado”. Equivale dizer, foi como se fragmentassem, como
Muito provavelmente, o surgimento de Jennifer, a alter que realça a sua tez negra e cujo nome
próprio, originário do galês, significa “de face branca” (Leite, 1992), venha desta época. Assim,
sempre emerge em estados oníricos. A sua emersão somente em sonho é uma forma de defesa,
de dissociação, para esquecer a realidade traumática exposta pela tal senhora de cor.
apresenta choque cromático à cor preta e vinculações com um “navio de gerações” mencionado
193
por Caroline, também passível de conexões com a história de vida relatada por Jennifer – que faz
parte de uma família de cantores negros contratada pelo almirante de um navio. Em sua
cultivador de terras produtivas – do escuro, colocando-o num lugar colorido. Questões maternas
algumas dificuldades de Caroline. Ela falou em “Cidade de Pedras”, local onde residia um rapaz
solitário – “de vinte e poucos anos, que veio de longe e passou por muitas decepções, inclusive
amorosas” –, prestes a cometer suicídio. A paciente falou ainda, enfaticamente: “Só tem essa
janela para a liberdade dele [do rapaz]... A vida dele até hoje é vazia, escura, sem graça, sem
paz e sem felicidade. E agora, sem objetivo porque tentou todas a portas e elas se fecharam...
Mas, um pedacinho do céu, todo azul, o conteve do suicídio”. A cor azul é reveladora de
introversão e deixa entrever, em geral, esfera interior sombria de conflitos não solucionados
(Justo & Kolck, 1976). É exatamente o estado do rapaz-protagonista da narrativa. Por outro lado,
a tentativa do ato extremado (suicídio) foi revertida pelo desfecho favorável de Caroline ao dizer
que o rapaz “saiu daquela janela na certeza de que ia abrir uma porta e que essa porta o
livraria desse vazio, dessa solidão, dessa depressão. Ele continuaria a lutar até que suas forças
acabassem porque na atualidade ele ainda era jovem e não merecia acabar a sua vida desta
estava no escuro, a vida dele era vazia e sem graça, sem paz e sem felicidade. Nas palavras de
nossa paciente, era uma vida “escura, vazia, sombria, negra”. Ela retirou-o de lá, da “escuridão
interna”, conforme salientou. Ou seja, ao finalizar dizendo que “aquele pedacinho de céu todo
194
azul o conteve do suicídio”, ela levou luz ao contexto obscuro dela própria. O céu azul associa-se
à sua questão paterna (Furth, 2004) que, projetivamente, foi responsável pela mudança abrupta
conhecida pelo genitor, de viver com ele, de ser protegida, cuidada, amparada e amada por ele,
ou o afeto direcionado aos pais, a depressão e o desejo de ser protegida e amparada, representam
paciente por meio de suas projeções cromáticas associadas à sua história de vida, que estão em
consonância com os sintomas da afetividade descritos por Loewenstein (1991), proeminentes nos
pacientes múltiplos.
A narrativa da prancha 8MF – história imaginada para este quadro – é um bom exemplo
crescendo. Cada um mostrando as suas vontades. O primeiro disse que queria ser o carteiro da
cidade. O segundo, o garoto que toca o sino da igreja. O terceiro, o dono da sorveteria. O
quarto, o pintor da cidade. O quinto, o delegado”. Ao ser questionada com qual dos
protagonistas (filhos) mais se identificou, Caroline respondeu: “Com nenhum deles. Identifico-
me com a mãe... que sonha futuros bons para os filhos”. Ou seja, identifica-se positivamente
com ela mesma. Como se dissesse não mais estar se identificando com as outras mães
195
progressivo da atualidade.
Ponte) é modelar para elucidar este processo. Na história, há a presença de uma parte boa que
não conhece a parte ruim e vice-versa. Ou seja, um indivíduo, de atitude agressiva, que ficava
debaixo de uma grande ponte (no submundo) e uma moça, “a moça da lua” nos dizeres da
paciente, que ficava sobre a mesma ponte. Caroline finalizou o enredo dizendo: “Essa história
termina pelo hábito desta moça sempre vir, como se fosse uma atração, ver essas águas, e para
ela, despercebido esse submundo que existia logo abaixo a seus pés”.
bem como a incapacidade para lembrar contextos de vida e situações diversas (amnésia) é
1970; Flournoy, 1899/1994; Hacking, 1995; Keyes, 1981; Kluft & Fine, 1993; Loewenstein,
dissociativos, refere-se à narrativa da prancha 9MF (Duas Mulheres na Praia). Nesta narrativa há
Exemplificamos com alguns trechos retirados da história contada: “O seu coração vivia sempre
angustiado... Às vezes, ela nem sabia como tinha chegado ali... Nem sabia que horas tinha
voltado para casa, o que tinha feito, o que tinha deixado de fazer... Temia ficar louca... Como se
alguém tivesse a ponto de tomar a sua vida, guiar a sua vida, os seus atos... Nessa confusão
mental que não podia dizer aos outros... Tinha certeza que um grande amor viria buscá-la”. O
196
grande amor referenciado ao final é temática constante na vida das alters de Caroline,
Ester em relação ao seu noivo, de Alter X em relação ao seu amado quando se expressa em
inglês, e de Jane em relação ao “Senhor do seu destino”, termo usado por ela. Enquanto Caroline
A história da prancha 18MF (Mulher que Estrangula) tem no seu conteúdo elementos que
fazem supor, de forma inconsciente, a quantidade de alters que compõe o psiquismo de Caroline.
E, desta forma, faz sobressair ainda mais o contexto dissociativo da paciente. Disse ela: “Em um
grande casarão existiam moradores que às vezes entravam em conflito. Existia uma senhora...
várias irmãs. Várias eu falo seis... Uma delas bastante diferente ficava trancada em seu quarto...
Estranha no ninho. Fazia tratamentos diversos. Os distúrbios nunca serenaram nela”. Caroline
possui exatamente seis alters em seu psiquismo (Dalva, Jennifer, Jane, Mayara Sandes, Ester e
X).
evidenciado na história da prancha 16, “Em Branco”, e conectado diretamente com a alter Ester,
que elaborou a narrativa quando Caroline entrou em processo dissociativo espontâneo. Este foi o
único contexto de dissociação ocorrido durante as duas aplicações do TAT. Nesta história há
uma mãe que cuida dos filhos (três crianças) e, novamente, uma referência à cor vermelha do
com alguns trechos retirados da história contada: “... seus cabelos lisinhos... compridos, presos
por uma fita vermelha... Esta história termina quando eles ouvem uma voz que eles conhecem
muito bem, que é a da mamãe deles... ‘filhinhos, está na hora do almoço... a mamãe fez tudo que
vocês gostam de comer... venham logo’”. Em verdade, a narrativa se trata de um reviver infantil.
197
A agressividade latente pode ser interpretada como sendo a raiva de Caroline em relação ao
abandono dos seus genitores que a rejeitaram e não assumiram o ato compartilhado, deixando-a
desprotegida e desamparada.
Numa articulação sintética do TAT com o Teste das Pirâmides de Cores, realçamos que a
dissociação foi demonstrada exemplarmente nos dois instrumentos. Enquanto no Pfister Caroline
construiu bases ocas nas duas pirâmides interpostas e mutiladas, no teste e no re-teste,
selecionando a cor branca para os alicerces, e fazendo emergir a alter Dalva na primeira
aplicação, no TAT Caroline sofreu um processo dissociativo espontâneo fazendo emergir Ester,
única dissociação durante todo o teste, exatamente quando diante da prancha universal 16, “Em
2005).
dissociativos, tais como: distração, imaginação e ausências. Apresenta ainda assuntos de natureza
trechos de fala da paciente: “Ela ficava se imaginando naquelas histórias que tinham pela
Bíblia... Ela era muito pensativa e, às vezes, distraída... Vivia no mundo da lua... Sua mãe tinha
o hábito de ler a Bíblia... Sua mãe sempre religiosa”. Vale lembrar que as mães receptoras de
Além disso, suas mães seguiam metodicamente os rituais religiosos da igreja (veja Elementos
são desencadeados por fatores traumáticos severos, reincidentes e intermitentes (Braun, 1986;
198
Haddock, 2001; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Rhoades & Sar, 2005; Ross, 1989).
Evidências de amnésia – conforme registrado em todos os casos clássicos (veja Capítulo I), não
pacientes múltiplos. Lembramos que Caroline recebia castigos pelo aparecimento de objetos
estranhos junto aos seus pertences sem saber da procedência deles; vestidos que ela não ganhava
apareciam no seu guarda-roupa; deparava-se vestida com vestidos sem a lembrança de tê-los
seu; em muitas ocasiões acordava com a impressão de não ter ido dormir; deparava-se com as
unhas pintadas de vermelho sem se lembrar de tê-las pintado; programava alguma coisa para
sábado e domingo e, quando via, era segunda-feira (veja Elementos Anamnésicos e Entrevista
inconformismo com as atitudes do cônjuge ao dizer: “Por que você fez isso comigo? Eu procurei
tanto ser uma boa esposa para você”. Esta prancha teve impacto global significativo sobre os
estados interiores, emoções e dimensões psíquicas de Caroline (veja Figura 25). Na história
narrada, a resolução das dificuldades foi feita pela sublimação, pelo cuidar dos outros (crianças).
Disse ela: “Ela [a esposa] se enriqueceu de amor porque dava amor a todas as crianças e
recebia de todas as crianças o amor que supriu o coração dela pela ausência do companheiro,
Caroline através do trabalho, do intelecto e do estudo. Foram elas: 8MF (Mulher Pensativa) e
199
13HF (Mulher na Cama). Na primeira, 8MF, Caroline finalizou a sua história da seguinte forma:
“Eu desejava outro destino para os meus filhos... Eles resolveram fundar a Associação dos
Jovens Estudantis objetivando reivindicar uma universidade para a cidade”, uma forma de lidar
com a agressividade por meio de uma contribuição social. Na segunda, 13HF, onde encontramos
conseguiu conter suas lágrimas [diante da morte da esposa]. Isso fez com que ele continuasse os
seus estudos na esperança de um dia poder descobrir como salvar as pessoas dessa doença tão
séria que é a Doença de Chagas”. Certamente Caroline ainda se vê um pouco doente. A Doença
de Chagas pode ser um indicador das feridas traumáticas adquiridas, que ainda necessitam
cicatrização adequada.
habilidades, dos talentos adquiridos e dos contextos já sublimados por todas as alters, de forma
que a personalidade integrada esteja disponível para responder, reagir e lembrar, representa um
É certo que existem vários quadros clínicos com uma psicodinâmica similar ao que aqui
apresentamos para a personalidade múltipla (Bergeret, 1998; Putnam, 1989; Ross, 1989). Apesar
disso, além dos critérios sintomatológicos específicos deste transtorno – veja Tabela 1 –, há dois
fatores psicodinâmicos interligados que o distingue dos demais. São eles: 1) A presença de
Concluindo, com o TAT verificamos uma psicodinâmica com fixações nas fases da
infantil-adolescente, mais enfaticamente nas figuras femininas (veja Figura 19) –, dissociações,
fortemente para a família. Há uma busca incessante para a integração das personalidades por
Além disso, do ponto de vista teórico, constatamos por meio dos instrumentos projetivos
história de vida, tanto remota quanto recente. Ou seja, neste caso há correlação significativa para
alguns autores (Ellenberger, 1970; Hacking, 1995; Haddock, 2001; Kluft & Fine, 1993;
Loewenstein, 1991; Putnam, 1989; Rhoades & Sar, 2005; Ross, 1989). O número de
personalidades verificado para o transtorno, embora variável de caso para caso, foi identificado
ou seja, entre processos traumáticos e tendências à perda de contato com a realidade. Assim, não
traumáticos geradores de dissociações patológicas (Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Ross,
foram averiguados nos elementos anamésicos, nos relatos clínicos, nas produções das
quando apresentamos parte do histórico de vida da paciente. Adicionalmente, eles foram também
Caroline, atuaram durante todo o processo. Equivale dizer que os dois ISH’s – assim como nos
casos clássicos de Estelle L’Hardy e Hélène Smith, descritos por Ellenberger (1970) e Flournoy
traumáticos e dissociativos (Allison, 1980; Kluft & Fine, 1993; Putnam, 1989; Ross, 1989;
202
Steinberg, 1994). Desta forma, com o auxílio dos ISH’s, a medida que processos traumáticos são
Por fim, conforme demonstrado nesta pesquisa, há uma grande gama de informações
diferentes sem que a personalidade original tenha tido contato consciente com a língua
–, e de alters que apresentam dotes poéticos, não é fato raro em pacientes múltiplos (Allison,
1980; Braun, 1986; DSM-IV-TR, 2003; Ellenberger, 1970; Flournoy, 1899/1994; Kluft & Fine,
1993; Loewenstein, 1991; Prince, 1905/1957; Putnam, 1989; Ross, 1989). Já a emersão e
e imergindo somente em contextos de sonho, é fato pouco vulgar. Por fim, fazemos sobressair
que, diferentemente dos casos clássicos mencionados, Caroline apresenta características distintas
enfocando as respostas dos problemas com base nos objetivos propostos, bem como em toda a
CONCLUSÃO
aspectos pessoais relevantes, sendo que tais perturbações não estão vinculadas a efeitos
reais do passado – de natureza psíquica, emocional, física ou sexual – que causaram impactos
traumáticas reais e distintas ocorridas em diferentes contextos de vida, a partir de uma origem
insuportável.
205
saber identificar as personalidades reveladas, sem distinção e sem privilégios de uma em relação
a outra; ouvir e compreender as suas histórias e os seus dramas; saber lidar com os contextos
os aspectos dissociados.
diminuição da dissociação. Isso acontece à medida que os aspectos traumáticos reais vão sendo
liberados por meio dos processos de ab-reação e elaboração. Tal fato vem acontecendo com
Caroline, visto que de todas as personalidades até hoje identificadas, somente a metade delas
fixações nas fases da infância e da adolescência, recalque da sexualidade deslocada pelas vias da
sublimação.
A dinâmica mental está ancorada em uma base de conflitos e traumas reais da paciente.
Há clivagem do ego com atitudes psíquicas diferenciadas para a realidade distinta de cada alter.
206
com a realidade.
ou seja, quando processos dissociativos estão ativados. Equivale dizer que quando as
sentimentos peculiares. Em Caroline, quando ausente de contextos dissociativos, sua relação com
processo dissociativo. Pode haver sintomas de conversão pelo emprego anormal dos afetos e
investigada em Caroline, indicando forte vínculo que ainda precisa ser pesquisado em outros
Caroline, bem como identificados nos instrumentos psicológicos utilizados; dentre outros fatores,
Como perspectivas futuras, esperamos que este trabalho abra campo para novos estudos e
também convide outros pesquisadores para investigações mais aprofundadas sobre a origem do
ISH, sobre o complexo mecanismo de reversão dos processos dissociativos e de integração plena
quadros clínicos, dentre outros assuntos fascinantes relacionados com a personalidade múltipla.
múltipla. Enfim, o projeto de vida na vida do autor começou. A gota d’água caiu e se misturou
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ANEXOS
214
ANEXO 1
Termo de Consentimento
Informado Livre e
Esclarecido
215
ANEXO 2
Produções
das
Personalidades
217
PRODUÇÕES DE DALVA
PERDÃO PROTEÇÃO
VENCER AFINAL
SAUDADE
MORTE AMOR
PRIMAVERA
FILHO
“Prezado Senhor
Parece-me que nossas curiosidades são do mesmo tamanho, Grande. Dizem ser um sinal
de quem quer amadurecer logo, se obedientes, conseguiremos.
Acho-o bastante interessado em nossos costumes, que é diferenciado das outras famílias,
porque temos uma tradição e um comportamento até certo ponto avançado em termos sociais.
Fomos criados reconhecendo a bondade que a vida nos agraciou, colocados em situações
privilegiadas, em regiões em que os pobres não têm outras perspectivas de melhora, nascem
pobres e morrem pobres e seus destinos são os mesmos... serem escravos dos que têm mais. É
claro que cuidamos dos nossos haveres, é responsabilidade nossa conservar e até multiplicá-los,
mas sem a exploração dos inferiores. Usando das suas habilidades e dando a eles direitos por
outros negados. Isto nos leva algumas vezes sermos olhados com reservas por outros feudais. É
nisto que se baseia a discrição, e até certo ponto, a reclusão da vida social na corte, que não nos
faz falta. Os interesses que nos envolvem são diferentes. Mas também... Com o que conhecemos
não dá mesmo para ser diferente, quero dizer, iguais a eles, sem menosprezá-los.
Estou com 16 anos. Gostei da sua permissão de chamá-lo de você. Fomos criados
sabendo que todos os seres são irmãos e que idade, posição social ou financeira, não são motivos
de diferenciação. Todos merecem respeito como iguais. Mas chamá-lo de você, nos torna mais
íntimos e isto não nos faz menos respeitosos.
As pessoas trazidas para trocarem conhecimentos são escolhidas, em princípio, por nosso
avô, e depois são acrescentadas outras por sugestões dos meus pais. Eles vêm de diversos locais,
do oriente, ocidente, não têm privilégios por isso ou aquilo. Não sei ao certo. Viajam como
podem. Mas até chegarem aqui, uma certeza eu tenho, viajam de navio, depois que chegam, vêm
de carroça para as nossas propriedades.
Sinto o compromisso com Ronaldo em primeiro lugar no meu coração. Nossos olhos,
nossas falas são sempre interessantes. Não cansamos de ficar perto um do outro. Sei no fundo do
coração, que somos um do outro, ele só tem olhos para mim e eu da mesma forma. Somos ambos
lindos, dizem nossos pais. Explico que Rony é meu meio irmão. Somos primos, nascidos no
mesmo dia, nossos pais são irmãos. Ele foi criado por minha mãe, que o ama como se fosse seu
filho de coração.
Acho que respondi suas perguntas. Aqui vão as minhas: O que fazia quando tinha a
minha idade? Era obediente a seus pais? Empregava bem o seu tempo? Visitava doentes?
Gostava de ficar com os mais velhos? Prestava atenção na sabedoria que eles sempre têm? O que
lhe marcou mais quando tinha a minha idade? O de bom e o de mal.
Esperarei sua missiva com bastante curiosidade... Logo...
Respeitosamente,
Dalva”
224
PRODUÇÕES DE JENNIFER
A seguir, poesia não intitulada de Jennifer (transcrita) emergindo em estado onírico. Sua
percepção consciencial ou realidade psíquica é divergente da nossa. Sempre aflora em estados,
para ela de sonhos. Algumas vezes, solicita-nos que repasse suas mensagens ao seu amado,
Steve.
SONHOS INTERROMPIDOS
(2) “Deixei as meninas na cama e vim lhe dar boa noite. Tudo está correndo bem. Amanhã
vamos fazer um piquenique na Colina Azul. Vamos levar pão, mel, frutas e um lindo pato
defumado. Iremos caçar borboletas mortas para a coleção. Ver ninhos de passarinhos,
colher flores no campo, algumas ervas raras que só são possíveis nesta época da estação.
Temos muito como nos divertirmos. MS”
PRODUÇÃO DE JANE
A seguir, texto transcrito de Jane:
poucos pelas necessidades das atividades que aparecerão. Sobre a Dama de Companhia,
será bom quando nossos rebentos já estivessem conosco. Quero uma educação primorosa,
mas quero que eles não deixem de amar a terra e cuidar dela. Porque já é tradição em
nossa família. Quero vê-los fidalgos finos e trabalhadores, diferentes desses outros
fidalgos que estragam suas vidas, nomes e saúde com vícios. Quero que sejam como nós
dois. Você fidalgo e eu uma amante da terra. Acho que já me estendi muito, amado do
meu destino. Mas espero uma resposta minuciosa da sua parte, respondendo as minhas
sugestões e dando as suas.
Beijos de saudades, meu amor.
Jane”.
PRODUÇÕES DE ALTER X
A seguir, três textos de “Alter X”. Embora dialogue e demonstre características próprias,
nunca concordou em se identificar. Possui a peculiaridade de falar e escrever em língua
estrangeira (inglês) conforme o primeiro texto abaixo. No segundo (transcrição), ela verbaliza
em atitude agressiva. No terceiro, escreve utilizando certo linguajar filosófico.
(1) “Dear Love – star that sparkles in the same pulsation of my heart:
I’m sorry I haven’t written for so long but think deeply about the words that follow...
Your goodness, kindness and maturity, some qualities always present in your way of
being, have proved to me a true, faithful and special friendship. In any case you are very
precious to me. For this reason, I’d like to propose you a mysterious adventure. I am with
the possibility to travel to India, next summer vacation – for one month approximately –
to participate in a secret cult in the city of Bombay. Each participant can take a
companion. Spiritual masters will reveal events of our lives and foresee future
occurrences. I still can’t tell you how I acquired the participation right in this activity.
The total costs were won honestly. You will just toast me with your valuable company. I
believe that this will be a great opportunity for us to confirm the wealth of our ignored
feelings, as well as, to walk in the direction of the future dreams. I understand that, at
first, it seems to be an adventure that causes great fear. However, you shouldn’t forget
that you will be with me and that we will always be together. Then, the spell was cast…
We can be in paradise or delay the inevitable. What do you tell me?
In our secret language: Love.
PS: Give my regards to your parents.
Blessing. (Eternally in love with you)”.
(2) “Cuidado com sua prepotência. O dia em que se conscientizar que você ainda é tão
pequeno como qualquer um, aí sim, quem sabe um dia você será feliz. Andas achando
que é o dono da verdade e que todos são seus inferiores. Quer corrigir o comportamento
das pessoas e suas idéias, mas não se enxerga por dentro. Por dentro você é um lixo. Sabe
usar as pessoas e depois se vangloriar de ações quando boas, e que nunca são somente de
sua pequena mente. Você tem recebido muito mais do que merece. Mas tudo um dia tem
limites. As pessoas mais inteligentes que você já notam suas deficiências. Não se
considere importante. Você acabará em todos os lugares em que for, como você é uma
227
pessoa muito chata, convencida e burra. CUIDADO!... Quanto maior o salto, maior a
queda”.
(3) “A loucura é um surto que se dá no bom senso, que deixa de ser ativo e com isto a
lucidez se perde e quem toma conta das ações é sempre esse monstro que temos contido
dentro de cada um.
Um dia esse monstro cresce, cresce e na euforia de ser livre, faz atos contra a
natureza, em si próprio e de quem estiver na sua rota, por infelicidade. Mostra que todos
os valores que são impostos pela educação e pela civilização que molda o homem de
acordo com suas leis tão diversas nesta adversidade humana, não influem na sua maneira
de ser. Ele é livre.
Esse monstro de vez em quando foge do controle adotado pela conveniência do
medo e do castigo que são impostos. E assim, ambas as partes ficam castigadas e muitas
vezes detidas em ambientes tenebrosos de maus tratos, agonia e sem compreensão. A
ciência e as leis humanas não conseguem distinguir, infelizmente, esse desmembramento
do ser humano. Qualquer um está sujeito a este estado. O ser humano quando acontece
essa divisão, não percebe quando e porque acontece. Para dizer a verdade, nem percebe
essas mudanças. Só quando ele se esconde e a lucidez supera a sua força que se vê os
estragos causados sem a devida vontade.
Nem sempre a lucidez e nem sempre esse monstro. Às vezes os dois suavemente
convivem sem se maltratarem entre si. Quando se está lúcido, consegue fingir "estado
natural", mas não é feliz, pela máscara que cada um se esconde. Quando em crise, depois
de fazer suas "maldades" em atos ou palavras, que às vezes não são suficientes, não o
satisfaz. Está sempre à espreita esperando outra oportunidade para satisfazer seus desejos.
Esses desejos não são apenas para fazer o mal por si só, mas para punir aquilo que dentro
de si o faz amargo. São suas dores, recalques, mágoas que para se livrar ou adormecê-lo é
necessário devido tratamento. Por isto a sua tentativa de permanecer escondido para
assaltar a lucidez. Algumas características dele, do monstro, quando está tentando
submergir, são a euforia, as palavras ferinas, os ódios infundados e depois se caso ele for
realmente forte, os atos destrutivos, provocando dores e sofrimentos a quem estiver na
sua frente. Por isto aquele velho ditado: ‘Conheça-se a si mesmo’.
Ser moeda de dois lados são características do ser imperfeito e infeliz. Essa foi a
herança deixada para a humanidade inteira. Com superação constante desse lado, talvez a
sua extinção, os homens que se conhecerão mais humanos, serão aqueles que se amarem
e se respeitarem. Não acredito que aja semelhante assim. A grande maioria se esconde
atrás de uma máscara, na ilusão que nunca serão descobertos. Alguns não precisam lutar
com todas as armas possíveis. Outros, a sua lucidez é dominada por muito mais tempo,
por esse monstro que habita dentro de si como dois irmãos. Abel e Caim. Prontos para na
primeira oportunidade assaltar e permanecer inconseqüente na sua inconsciência de
vingança e dor.
A loucura pode ser uma fuga, pode ser uma deficiência mental e pode ser o
desamparo de si mesmo. Como controlar algo interno? Com que armas abater esse
monstro insatisfeito e infeliz que habita o ser? Como garantir a plena lucidez?
Deixo essas perguntas para serem respondidas pelo Doutor”.
228
PRODUÇÃO DE ESTER
NOITES TRISTES
PRODUÇÃO DE MARIANA
Pesquisador: Olá Sra. Mariana: Recentemente Ester emergiu. Teve reações extremadas. Ora
estava dócil, ora profundamente irritada. Poderia me explicar as razões?
Mariana: Meu jovem Doutor: Ester está com as emoções em tratamento. Essas alternâncias são
normais quando se está reorganizando um arquivo íntimo. Muitas vezes não são possíveis
controlá-las. Tenha paciência. É a necessidade de se sentir amada e aceita. Quando isto for
sanado, quem sabe, poderá se transformar em uma personalidade estável em seus sentimentos?
Mariana: Essas emersões são as oportunidades onde ela se sente livre para brincar. Mesmo
estando emocionalmente doente, inconscientemente, no fundo Ester deseja e sabe que irá
encontrar o grande amor da vida dela quando estiver equilibrada. É essa a esperança que mantém
sua vida, apesar de que é nessa idade (17 anos) que o vício do suicídio tem maior força contra a
sua vontade. É um tipo de diversão, mas não se preocupe. O maior perigo ela corre quando fica
sedada e indefesa.
229
Pesquisador: Em seguida Ester queixou-se de dores no coração. Disse-me achar ser devido aos
remédios e seus efeitos colaterais. Solicitei que deitasse no estrado. Concordou docilmente.
Percebi que o braço esquerdo dela tombou, parecendo estar à mercê de algum tipo de transfusão
ou medicamento intravenoso, o qual ela me confirmou. Principiou sentir sono. Adormeceu.
Mariana: Trata-se de um tratamento específico que preparamos para ela. Não se preocupe.
Depois falaremos mais...
Mariana: Tudo está correndo normalmente. Não se preocupe. Estamos na supervisão. Meus
cumprimentos pela conduta tomada. Nós estamos contentes com o seu progresso. Continue
estudando, mas tendo o bom senso de não exagerar. No momento tenho que ir...
Deus te abençoe. Mariana.
PRODUÇÃO DE SUPERVISOR
No contexto de Jennifer, procure observar em suas falas, a sua realidade. Ela se reporta
de maneira que só consegue se comunicar através do sonho. É a sua maneira de se colocar em
aberto. É como deve ser tratada. É a fuga que ela tem para se expressar livremente, consciente
que está em sonhos. Assim ela se sente protegida das pessoas que a têm como propriedade, como
objeto de desejos e até de admiração. Nestes momentos ela percebe que algo sério vai ocorrer no
seu destino. Tente acalmá-la e dizer que por muito que for doloroso, tudo no final vai acabar
bem. Mas tire a impressão do sofrimento futuro. Faça-a se sentir feliz porque tem os sonhos para
desabafar e que você estará sempre à sua disposição. A confiança em você é muito importante.
Não diga que não é verdade. O primeiro passo para ela se encontrar é pensar que está normal.
Que isto está acontecendo, que a verdade está em sua mente.
Sobre Dalva, é uma graciosa senhora quando aparece como uma senhora e uma linda
jovem quando aparece como jovem. Educação aprimorada, desenvolvida em sua psique, com
grande força mental. E outras qualidades que você irá descobrir com o tempo. Não se assuste.
Tem histórias interessantes, da época que se diz reportar. Converse com ela mostrando interesse
nos assuntos trazidos.
Jane. Uma alter agradável que tem seus conflitos sobre os desníveis sociais que enfrenta.
Mas é uma pessoa extremamente sonhadora e feliz. Sonha acordada embaixo das grandes árvores
que rodeiam sua aldeia. Geralmente são nestas condições que ela emerge. Envolvente e
carinhosa. Ama a vida e quer continuar a ser feliz com a sua própria família quando a formar.
Mayara. É uma menina grande com grandes responsabilidades, algumas boas e outras não
tanto. Não viveu a sua infância. Oscila sempre em ser mulher, jovem ou responsável. Atitudes
conflituosas que precisa da sua compreensão para não deixá-la pior. Tem temperamentos
diversificados, necessitando de compreensão nas suas emersões.
Ester. Sofre a influência do suicídio desde pequena. Entra em crise de perturbação, e a
família a mantém reclusa e amarrada, com tratamentos rigorosos, como a sangria, escuridão e
solidão, amarrada e muitas vezes até tentativas de assassinatos, que são evitados pelo seu “anjo”,
Mariana, que fica visível à sua imaginação, sendo o seu Inner Self Helper (ISH) que deixamos ao
dispor da necessidade da menina solitária. A maior parte da sua condição é privada quase com a
totalidade da liberdade de andar pelos campos, cantar livremente as canções que ainda lembra da
sua infância, sentir o sol na sua pele clara, sem amizades verdadeiras, quase chegando à loucura
caso Mariana não administrasse seu sofrimento, salvando-a de suicídios reincidentes. Fica em
imenso aposento, com janelas altas e gradeadas. Algumas vezes ela escreve, com restos de
carvão da lareira pequena e resguardada, versos nas paredes sobre seu sofrimento. Às vezes com
algum pedaço de papel encontrado nas gavetas de antigos e pesados móveis. Ela é dona da
propriedade e isto faz com que a família se beneficie e prolongue seu estado para se beneficiar de
seus bens. Quando ela emerge, sente-se feliz, livre e risonha, sem entender o processo como se
dá. Resiste, querendo ficar. Luta para ficar e tomar o corpo de Caroline definitivamente. Essas
tentativas são constantes, às vezes imperceptíveis. Usa do meio do computador, sem que
nenhuma delas [das outras alters] perceba o processo. Tem vontade de viver, amar e sair pelo
mundo, às vezes estranhando a paisagem bem diferente da costumeira. É brincalhona quando
está feliz. Grita e chora muito quando se sente infeliz. Os cuidados sobre Caroline são de
observação constante, pois, muitas das vezes, Ester está querendo sobressair. Não se assuste. É
normal. Quem não gostaria de ser livre e feliz? Seu tratamento continuará por algum tempo, mais
que os outros. Ela está doente”.
231
ANEXO 3
Escala de Experiências
Dissociativas - DES
232
DES
(Dissociative Experiences Scale)
INSTRUÇÕES
Exemplo:
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
Nunca Sempre
1- Algumas pessoas têm a experiência de dirigir ou andar de carro, de ônibus, de metrô, etc. e, de
repente, percebem que não se lembram do que aconteceu durante toda ou parte da viagem (ou do
trajeto). Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso
ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
3- Algumas pessoas têm a experiência de se acharem em determinados lugares e não terem nenhuma
idéia de como lá chegaram. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de
vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
4- Algumas pessoas têm a experiência de se encontrarem vestidas com roupas que não se lembram
de tê-las vestido. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes)
que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
5- Algumas pessoas têm a experiência de acharem coisas ou objetos novos entre os seus pertences,
porém, não se recordam de tê-los comprado. Circule o número que melhor representa o
percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
6- Às vezes, alguns indivíduos são abordados por pessoas desconhecidas que os chamam por nomes
diferentes ou, que insistem em tê-los conhecido anteriormente. Circule o número que melhor
representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
7- Ocasionalmente, algumas pessoas têm a experiência de se sentirem paradas diante delas mesmas,
ou assistindo a elas mesmas fazendo alguma coisa e, em verdade, elas se vêem como se
estivessem olhando para outra pessoa. Circule o número que melhor representa o percentual de
tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
8- Às vezes, é dito para algumas pessoas que elas não reconhecem amigos ou membros de sua
família. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso
ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
234
9- Algumas pessoas acham que não possuem registros de memória (ou lembranças) de alguns
eventos importantes de suas vidas (por exemplo, um casamento, uma formatura, etc.). Circule o
número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
10- Algumas pessoas têm a experiência de serem acusadas de mentir quando não pensaram que
mentiram. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso
ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
11- Algumas pessoas têm a experiência de se olharem num espelho e não se reconhecerem ou se
verem com fisionomias diferentes. Circule o número que melhor representa o percentual de
tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
12- Algumas pessoas experienciam sentir que outras pessoas, objetos e o mundo ao seu redor não são
reais. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso
ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
13- Algumas pessoas experienciam sentir que o corpo delas parece não pertencer a elas mesmas.
Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com
você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
14- Ocasionalmente, algumas pessoas experienciam lembrar tão fortemente de um evento passado
que elas se sentem como se estivessem revivendo aquele evento. Circule o número que melhor
representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
15- Algumas pessoas experienciam não estar seguras se coisas que elas realmente se lembram
aconteceram ou se somente sonharam com elas acontecendo. Circule o número que melhor
representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
16- Algumas pessoas experienciam estar em um lugar familiar, porém, acham esse mesmo lugar
estranho e pouco familiar. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de
vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
17- Algumas pessoas, quando assistindo televisão, ou a um filme no cinema, ou quando lendo um
livro, tornam-se tão envolvidas com a história a ponto de ficarem completamente desligadas de
235
outros eventos que possam estar acontecendo ao seu redor. Circule o número que melhor
representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
18- Algumas pessoas se tornam tão envolvidas em fantasias ou imaginações a ponto de sentirem que
essas fantasias ou imaginações estão, realmente, acontecendo com elas. Circule o número que
melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
19- Ocasionalmente, algumas pessoas notam que são capazes de ignorar algum tipo de dor. Circule o
número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
20- Às vezes, algumas pessoas ficam a contemplar o céu, sem pensar em nada, não tendo consciência
do tempo ou não percebendo o transcorrer das horas. Circule o número que melhor representa o
percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
21- Ocasionalmente, algumas pessoas acham que, quando sozinhas, conversam com elas mesmas em
voz alta ou de maneira intensa, sendo tais conversas lindas ou horrorosas. Circule o número que
melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
22- Algumas pessoas acham que em determinada situação poderiam ter agido de forma tão diferente
quando em comparação a uma outra situação similar, a ponto de quase se sentirem como se
fossem duas pessoas diferentes. Circule o número que melhor representa o percentual de tempo
(ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
23- Às vezes, algumas pessoas acham que, em certas situações, são capazes de fazer coisas com
surpreendente facilidade e espontaneidade que normalmente seria difícil para elas fazerem (por
exemplo, esporte, trabalho, situações sociais, etc.). Circule o número que melhor representa o
percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
24- Às vezes, algumas pessoas acham que não conseguem lembrar se fizeram alguma coisa ou se
somente pensaram em fazer tal coisa (por exemplo, não sabem se enviaram uma carta no correio
ou se somente pensaram em enviá-la). Circule o número que melhor representa o percentual de
tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
236
25- Algumas pessoas encontram evidências de terem feito coisas que não se lembram de tê-las feito.
Circule o número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com
você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
26- Ocasionalmente, algumas pessoas encontram escritos, anotações ou desenhos entre os seus
pertences, que deveriam ter sido feitos por elas, mas não se recordam de tê-los feito. Circule o
número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
27- Às vezes, algumas pessoas percebem ouvir vozes dentro da sua cabeça dizendo para fazerem
determinadas coisas ou recebendo comentários sobre coisas que elas estejam fazendo. Circule o
número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
28- Ocasionalmente, algumas pessoas sentem como se estivessem enxergando o mundo através de
uma névoa, de forma que as outras pessoas e os objetos aparecem distantes ou obscuros. Circule o
número que melhor representa o percentual de tempo (ou de vezes) que isso ocorre com você.
0% 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100%
237
ANEXO 4
Entrevista
Semi-Estruturada
(SCID-D Adaptada)
238
A) AMNÉSIA
1- Você alguma vez sentiu como se houvesse grandes “gaps” (intervalos) em sua memória?
a. Descreva como foi a experiência?
b. O que faz você ter consciência desses “gaps”?
c. Com que freqüência isso acontece?
2- Há horas ou dias que parecem perdidos ou que você parece não perceber?
a. Por exemplo, vai de 6ª feira para 2ª feira sem a lembrança do sábado e do
domingo?
b. Com que freqüência isso acontece?
c. Qual a periodicidade mais longa que você já esteve ausente?
3- Há períodos em sua vida em que você sente dificuldade de se lembrar de suas atividades
diárias?
a. Se sim, poderia descrever essa dificuldade?
b. Com que freqüência isso acontece?
5- Você já se viu, inesperadamente, longe de sua casa (por exemplo: viajando) e não
conseguiu se lembrar o que ocorreu antes disso?
a. Se sim, poderia descrever o que aconteceu? Onde você se encontrava?
b. Que aspecto pretérito você foi incapaz de se lembrar?
c. Com que freqüência isso acontece?
d. Você tinha consciência ou algum motivo para viajar?
6- Você alguma vez se achou longe de casa não podendo se lembrar quem era?
a. Se sim, poderia descrever o que aconteceu e onde você se encontrava?
b. Com que freqüência isso acontece?
7- Você alguma vez não conseguiu se lembrar seu nome, idade, endereço, ou qualquer outra
informação pessoal importante?
a. Qual informação você se esqueceu?
b. Durante esse período, você procurou um médico? O que ele disse?
c. Com que freqüência isso acontece?
B) DESPERSONALIZAÇÃO
8- Já se sentiu como se estivesse assistindo você mesma de fora de seu próprio corpo?
a. Como se estivesse se vendo de longe (ou assistindo a um filme sobre si mesma)?
b. Descreva como foi a experiência?
c. Com que freqüência isso acontece?
239
10- Você alguma vez se sentiu como se uma parte de seu corpo, ou o seu corpo inteiro, fosse
estrangeiro a você?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência acontece?
11- Você alguma vez sentiu que parte de seu corpo estava desconectada (separada) do
restante do seu corpo?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
12- Você alguma vez se sentiu como se parte de seu corpo, ou o seu corpo inteiro,
desaparecesse?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
13- Você alguma vez se sentiu como se partes de seu corpo ou o seu ser integral fossem
irreais?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
14- Você alguma vez se sentiu como se fosse duas pessoas diferentes?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
C) DESREALIZAÇÃO
15- Você alguma vez se sentiu como se ambientes familiares ou pessoas que você conhece
parecessem pouco conhecidas ou irreais?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
16- Você alguma vez se sentiu como se seus ambientes ou outras pessoas estivessem
diminuindo (ou desaparecendo)?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
17- Você alguma vez não pôde reconhecer amigos íntimos, parentes, ou sua própria casa?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
18- Você alguma vez se sentiu como se amigos íntimos, parentes ou a sua própria casa
parecessem estranhos?
240
D) CONFUSÃO DE IDENTIDADE
19- Você alguma vez se sentiu como se houvesse uma luta acontecendo dentro de você, sobre
quem você é?
a. Como foi a experiência? Poderia descrever essa luta?
b. Com que freqüência isso acontece?
E) ALTERAÇÃO DE IDENTIDADE
21- Você alguma vez se sentiu como se ainda fosse, ou se achou agindo como se ainda fosse,
uma criança?
a. Como foi a experiência?
b. Com que freqüência isso acontece?
22- Você alguma vez agiu como se fosse uma pessoa completamente diferente?
a. Como foi a experiência?
b. Quando isso ocorreu?
23- Você alguma vez se referiu a si mesma (ou outras pessoas lhe disseram que você se
referiu a si mesma) fazendo uso de nomes diferentes?
a. Quais eram e como você adquiriu esses nomes?
b. Quando tomou consciência que estava usando esses nomes?
c. Quando foi a primeira vez que isso aconteceu e como foi a experiência?
d. Com que freqüência isso acontece?
25- Você alguma vez achou pertences que pareciam ser seus, mas que, em verdade, não se
lembra como os adquiriu?
a. Que pertences eram esses?
b. Com que freqüência isso acontece?
26- Você alguma vez se sentiu como se estivesse possuída (comandada ou controlada)?
a. Possuída, comandada ou controlada por quem?
b. Como foi a experiência?
c. Quando isso aconteceu?
241
ANEXO 5