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VOCÊ É CRIATIVO, SIM SENHOR!


Outras obras do autor:

Só porque criou o mundo pensa que é Deus


Só porque criou o mundo pensa que é Deus – 2ª. tentativa
Prosaico
A dieta do son of a bitch (como Doutor Carneiro)
Minutos de estupidez (como Doutor Carneiro)
Blônicas (com outros autores)
Mi Xing (como Doutor Carneiro)
O Grande Milk-shake e os Canudinhos Mentais
VOCÊ É CRIATIVO,
SIM SENHOR!
Henrique Szklo
Copyright © 2013 by Henrique Szklo

Projeto gráfico: Henrique Szklo


Capa: Tiago Ishibashi e Lee Swain
Diagramação e editoração: Henrique Szklo
Preparação de texto: Alessandra Blocker
Revisão: Maria Claudia Carvalho Mattos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Szklo, Henrique, 1962 -
Você é criativo, sim senhor! / Henrique Szklo. -- São Paulo: Editora
Jaboticaba, 2013.
320 p.

Inclui glossário.
ISBN 978-85-89894-98-2

1. Criatividade - Psicologia. 2. Comportamento humano. 3. Pensamento


criativo. 4. Filosofia. I. Título.
CDD - 153.35

Direitos em língua portuguesa para o Brasil,


EDITORA BLOCKER COMERCIAL LTDA.
Alameda Barão de Limeira, 1003, conjunto 9
01202-002 – São Paulo – SP
Tel: (11) 3064-2935
www.editorajaboticaba.com.br
Apoio Cultural

Nós, da Tônica MIX acreditamos que a Criatividade é a


combustão para transformar as coisas. É fonte de inspiração
para vida. É a chave para sair da rotina, para mudar, inovar e
fazer diferente. É a nossa ferramenta de todos os dias. Também
acreditamos que a Criatividade deve ser compartilhada. Repar-
tida. Repassada. Apoiamos a publicação deste livro porque ele
pode ajudar a quebrar e redefinir muitos dos seus padrões e a
liberar o seu lado criativo. Porque você é criativo, sim senhor.
Agradecimentos especiais
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos os alunos e pro-
fissionais que ao longo desses anos me proporcionaram a oportunidade
e o prazer de poder falar sobre o assunto que eu mais gosto e ainda
ganhar para isso.

Ao meu mestre e mentor Massimo Picchi, por sua amizade e


orientação, ambas valiosíssimas e insubstituíveis.

E aos inestimáveis Lee Swain, Cibar Ruiz, Fabio Flandoli e toda a


equipe da Tônica Mix pelo apoio irrestrito e fundamental para a viabili-
zação desta obra.

Apoio Cultural

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www.henriqueszklo.org
À Lena, por ser quem é
e por me fazer ser quem sou.

“A vida é uma ópera maravilhosa, só que dói.”


Joseph Campbell
SUMÁRIO
11 Prefácios e edifícios
31 Introdução à Inteligência Criativa
39 Começando do começo
49 O Padrão
67 Castelo de Legos
73 O Pedrão
103 O “certo” e o “errado”
123 Zona de conforto X zona de desconforto
135 Hormônios Disciplinares
147 A Opinião dos Outros
173 Gangorra Vital
179 A Biblioteca do Pedrão
193 Listas Mentais
205 Quebrando padrões
231 Economizando energia
241 Criatividade, finalmente
253 Medo do escuro
259 São Magaiver
273 A importância do ambiente
281 Reflexões flexíveis
291 Um pouco mais de Criatividade
311 Conclusão
313 Dicionário Szkloniano
PREFÁCIOS E
EDIFÍCIOS
Ai, que medo!
Escrever um livro sobre Criatividade é um imenso desafio.
O que mais me apavora (ou estimula, depende do dia) neste mo-
mento é o compromisso. Criatividade é um tema tão complexo,
tão abrangente e misterioso que chego a acreditar que jamais al-
guém tomará para si todos os seus tentáculos. Mas ao mesmo
tempo, esse é o motivo por eu ser tão hipnoticamente seduzido
por ele. Minha paixão pelo assunto tem proporção direta com a
total impossibilidade de que eu o domine um dia. Eu tenho um
sério problema, convém agora admitir: eu enjoo muito rápido de
tudo: ideias, conceitos, pessoas, casas, situações, de mim mesmo.
E o cerne deste enjoo está na sensação (real ou imaginária) de
que eu finalmente as dominei, que eu já sei o suficiente sobre
elas a ponto de eu saber que elas não me desafiam mais e que,
consequentemente, não mais me surpreenderão. E este é o início
de seu triste fim.
Já a Criatividade, para mim, é como Deus: existindo ou não,
não há como defini-la objetivamente. E sempre haverá uma nova
faceta a ser desvendada, sempre haverá uma surpresa à espreita,
sempre haverá uma zona escura, envolta em insondáveis misté-
rios, sempre haverá o prazer das pequenas descobertas diárias.
É por isso que eu amo a Criatividade. Jamais serei capaz de do-
miná-la, ao contrário, eu é que sou seu servo complacente, seu
pupilo obediente e eternamente interessado. Dizendo isso, fico
até pensando que o mais provável que aconteça é que a Criativi-
dade um dia desses vai se encher de mim e me dar um doloroso
e definitivo pé na bunda. E eu terei de, humildemente, concordar
com ela e partir conformado rumo à mesmice.

Experiência própria
Ao longo dos anos em que desenvolvi esta teoria que você
vai conhecer, vivi intensas experiências emocionais que fizeram
com que eu fosse a minha própria cobaia com relação ao com-

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portamento humano. Contrariando os preceitos científicos que
exigem estudos estatísticos para se fazer afirmações, encontrei
as respostas que procurava dentro de mim mesmo, já que as per-
guntas sempre estiveram lá. Um exercício certamente arriscado
e impreciso, mas as teorias expostas nesta obra partem de uma
premissa que para mim é mais do que suficiente para publicá-
las: elas fazem sentido. Podem não corresponder à realidade, o
que quer que isso signifique, mas fazem sentido. Têm lógica, têm
fundamentos na vida prática. Aí você pode perguntar: mas não
é muita pretensão usar apenas suas próprias experiências para
definir todo o comportamento do ser humano? Não é uma baita
de uma egotrip? E eu respondo: ao contrário. Na minha opi-
nião, seria uma aventura do ego se eu encontrasse em mim as
diferenças e não as similaridades. Parti do princípio de que eu
sou igual a todo mundo e que, portanto, todo mundo sente mais
ou menos o que eu sinto e funciona mais ou menos do mesmo
jeito que eu. Não na forma de pensamentos e raciocínios, mas
no funcionamento mecânico de nosso cérebro. As diferenças a
partir de um certo nível, podem ser gigantescas. Mas na matriz,
na origem de todo o funcionamento da máquina cérebro, somos
rigorosamente iguais. Da mesma forma que o corpo humano é
idêntico em todos aqueles que nasceram sem alguma deficiência,
com dois braços, duas pernas, tronco, cabeça, nariz, olhos, boc
etc., mas que a partir daí permite milhões de combinações sutis
que diferenciam cada um de nós. Eu não me interessei neste livro
com o que nos diferencia, mas com o que nos une, o que nos
transforma em espécie, em raça.
Mas vou confessar uma particularidade que me fez mais ca-
paz de observar os fenômenos cerebrais num nível tão apurado.
Para o bem e para o mal, tenho um sistema emocional muito
volátil e intenso, que provoca grandes alterações de humor. Sou
sensível demais às ocorrências internas e externas à minha pes-
soa. Às vezes, uma simples palavra é capaz de alterar o meu esta-
do anímico. E justamente esta sensibilidade me faz sentir, o tem-
po todo, as influências que acredito que as pessoas “normais”

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sintam nos mais diversos eventos que preenchem suas vidas, mas
que não percebem por serem muito sutis, por funcionarem mais
no nível do inconsciente. Como disse, minha bênção e minha
maldição é sentir tudo, sem sutilezas, viver uma aventura emocio-
nal cotidiana, com intensidades muitas vezes injustificadas e que
a maioria das pessoas à minha volta não entende. Se por um lado
estou sempre nesta gangorra emocional difícil de se administrar,
por outro me vejo capaz de entender e perceber sutilezas que me
ajudam em meu trabalho e em minha compreensão do mundo e
da vida. Espero que você, no mínimo, se divirta com as informa-
ções contidas aqui e que, se possível, reflita sobre elas. É o má-
ximo que posso desejar. O que você vai fazer com tudo isso não
tenho como prever. Nem quero. Minha missão, se é que existe
tal coisa, é provocar, estimular, tentar transformar. Se vou con-
seguir ou não atingir meus objetivos vai depender da capacidade
de cada um de ruminar novas teorias, novos paradigmas, novas
visões de mundo e de nosso papel no universo. Resumidamente
posso dizer: use o que ler aqui para construir a sua própria visão,
não aquela que se espera de você, nem a que você adquiriu dos
outros sem saber por quê. Garanto que a sua própria visão será a
melhor que você vai encontrar em sua vida.

Uma enxurrada de
informações
Ao contrário do que muitos dizem, a vida não é nada sim-
ples. Mas, por isso mesmo, ela é extraordinária. A exuberância do
“ser” está justamente em sua complexidade, em uma maravilhosa
infinidade de possibilidades. Por isso, não poderia, de maneira
nenhuma, me propor a escrever um livro sobre um assunto tão
desafiadoramente amplo, tentando resumi-lo a uma receita de
bolo ou a alguns pares de frases de efeito. Este livro é resulta-
do de um acúmulo de observações despretensiosas, experiências
vividas e posteriormente ruminadas e ideias que brotaram nos
últimos cinco ou seis anos, matriz de minha palestra, suportado

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logicamente por todos os outros anos que vieram antes destes.
Já escrevi um livro sobre Criatividade, O grande milk-shake e os
canudinhos mentais, que considero bem honesto. Mas sem querer
menosprezar o trabalho anterior, este aqui é muito mais estimu-
lante e com conteúdo muito mais profundo e vasto. Talvez vasto
demais. Em minha ânsia de tentar trocar tudo em miúdos, de
tentar facilitar o infacilitável, criei um sem-número de conceitos
e expressões que talvez acabem por confundir a cabeça do leitor
menos dedicado. Paciência. Seguindo meu raciocínio, não acredi-
to, honestamente, que as coisas na natureza funcionem de forma
tão objetiva e facilmente interpretável. Não acredito que existam
botões que apertemos que provoquem respostas definitivas so-
bre qualquer coisa. Acredito, sim, que tudo está ligado a tudo, e
que esse tal de “tudo” nem eu nem ninguém jamais conhecerá.
Só para dar um exemplo do que estou dizendo, você já repa-
rou na quantidade exames que podem ser realizados utilizando
nosso sangue? E a cada ano descobrem mais e mais elementos
que antes eram desconhecidos. Então multiplique isso pelo seu
corpo, pela quantidade de sistemas e processos que são necessá-
rios para fazer essa máquina biológica funcionar, aí você chegará
próximo do infinito. Agora saia de seu corpo e tente imaginar os
sistemas e processos de toda a natureza, no universo. Existem
milhões de coisas dentro de cada coisa. Ora, é óbvio que a vida
não é simples. Quem acha isso está querendo fugir da aventura,
escapar da ampliação de seus horizontes, negar a Deus, qualquer
que seja o significado desta palavra. E é por essas e por outras
que esse assunto me atrai tanto. Meus neurônios acendem e se
iluminam que nem uma árvore de Natal quando penso nisso. E
espero, do fundo do meu coração, que ao ler este livro, os seus
também se divirtam a valer.

Inteligência Criativa
Há muito que eu descobri que a Criatividade em si é uma
coisinha pequenininha em nossas vidas e que apesar da imen-

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sidão e complexidade de sua existência, ocupa um lugar mui-
to afastado do centro de nossas atividades cotidianas. Mas foi
ministrando cursos, treinamentos e workshops que entendi que
não é possível separar a Criatividade do resto de nossas vidas. O
emocional, o racional, nossas crenças, doutrinas e padrões estão
tão simbioticamente relacionados, que acabei misturando tudo
numa salada só e nasceu a Inteligência Criativa. Uma teoria filo-
sófica que surgiu do estudo e da aplicação da Criatividade, quer
dizer, acho que na verdade é uma teoria que surgiu do estudo
e da aplicação da natureza humana, seu comportamento e sua
evolução. Descobri na minha rotina de professor de Criatividade
que inadvertidamente eu estava tocando as pessoas em outros
pontos de suas vidas além de seu desenvolvimento criativo. Fui
surpreendido com comentários de alunos relatando a melhora
de sua autoestima, a ampliação de seus horizontes pessoais e
profissionais, a consciência de que seu potencial era maior do
que imaginava, o descobrimento de que era possível (e bem mais
interessante) pensar com a própria cabeça. Descobri, então, que
as ferramentas que uso para desbloqueio criativo atingem outros
departamentos de nosso cérebro. Departamentos que são estra-
tégicos e fundamentais para a nossa vida. Descobri que desen-
volvendo a capacidade criativa, o ser humano cresce em muitas
outras frentes. Descobri que a Criatividade não era de fato o meu
foco e, sim, a minha ferramenta de trabalho. A partir daí comecei
a flertar com comportamento humano e adaptação a mudanças,
utilizando a Criatividade como ferramenta de transformação pes-
soal. Coisa que tem funcionado de forma surpreendente e muito
satisfatória para mim e para as pessoas que entram em contato
com ela. Este livro, portanto, a partir de um certo momento, ul-
trapassou seu propósito inicial que era o estudo da Criatividade
e seus desdobramentos. Hoje, posso afirmar sem medo de errar
que este é um livro de filosofia, que fala da existência humana, de
nosso comportamento, de nosso funcionamento. Uma nova ma-
neira de enxergar a vida. Nem certa, nem errada. Apenas nova.

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A fórmula da Criatividade
Sinto muito, mas não existe. Eu sei que talvez fosse isso que
você estivesse procurando quando comprou este livro. Por isso
resolvi alertá-lo logo de cara, pra depois você não dizer que foi
enganado. Mesmo assim, posso garantir que muita gente vai ter-
minar de ler este livro decepcionada. A despeito deste alerta tão
direto que faço agora, é inevitável que algumas pessoas esperem
que eu esteja brincando ou apenas tentando diminuir as expecta-
tivas para valorizar a mensagem do livro. Mas, repito: não existe
fórmula. E, acredite, mesmo se existisse eu não contaria para
você. Estaria ganhando fortunas vendendo apenas a quem es-
tivesse disposto a pagar somas consideráveis. Enfim, desista de
procurar a fórmula de tudo nesta vida. Mais pra frente você vai
entender que esta busca por certezas e esquemas definidos faz
parte de nossa necessidade de controlar o mundo a nossa volta.
A Criatividade, na verdade, é um mecanismo extremamente di-
nâmico e impalpável que todos nós temos em nossa cabeça mas
que muito poucos ousam utilizá-lo, e quando o fazem o fazem
de forma empírica e intuitiva, até o limite de sua própria sanidade
mental.

O que é criativo X o que é bom


Outra coisa que gosto de deixar claro antes de começar:
quando falo de Criatividade, não quero de maneira nenhuma di-
zer que se não for criativo não é bom, não é eficiente, não presta.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa... você sabe. Este livro se pro-
põe a refletir sobre o que é Criatividade e como ela se manifesta
em nossos cérebros. Uma ideia não criativa pode ser espetacular
para resolver algum problema, para ganhar dinheiro etc. Então,
por favor, não confundamos: estarei aqui sempre me referindo
à Criatividade como ferramenta e nunca como “a melhor ferra-
menta”.

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O humor e a credibilidade
Não se engane, os conceitos que você vai conhecer aqui
são resultado da mais pura, honesta e seriíssima observação do
comportamento humano. E, por favor, acredite: eu não estou
brincando! Me considero um apaixonado pelo tema que acaba
por juntar uma coisinha aqui e outra ali para tentar entender o
emaranhado complexo que é a nossa existência. E minha forma
de ver o mundo está inevitavelmente impressa nas palavras e nos
temas que uso para tentar dar estas pretensas explicações. E já
que o humor é a mola mestra da minha existência como indi-
víduo, acabo por observar tudo a minha volta com estas lentes
por vezes subversivas, sempre provocativas e extremamente crí-
ticas da graça. As metáforas que uso à exaustão em minha teoria
estão a serviço da compreensão e nem tanto da credibilidade.
Sim, porque as pessoas às vezes confundem humor com falta
de seriedade. Mas para mim é o oposto absoluto. O humor bem
colocado é a seriedade em pessoa. O senso de humor para mim é
uma virtude insubstituível e obrigatória. Sendo assim, minha for-
ma de transmitir os conceitos que desenvolvi se faz de maneira
não apenas informativa, mas tentando ser marcante, facilmente
compreendida, lembrada e, principalmente, absorvida.

O poder da metáfora
Em breve você vai perceber que eu adoro metáforas. Do
ponto de vista estritamente didático, se elas forem bem feitas
ajudarão muito na compreensão de um conceito, bem como na
lembrança do mesmo. Professores de cursinho sabem disso há
muito tempo. E, para facilitar um pouco a vida de quem está
achando que eu só quero complicar, no final do livro você vai en-
contrar um glossário com os significados de todas as metáforas
e expressões que criei.

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Créditos e descréditos
A construção de toda a minha teoria não foi fruto de pes-
quisa organizada nem de um elaborado e disciplinado processo
de acumulação de informações e conceitos. A vida está passa e
eu tento montar o quebra-cabeças com as peças que encontro
aleatoriamente no meio do caminho. Nosso cérebro possui uma
espécie de radar para os assuntos que nos interessam. Tudo o que
acontece à nossa volta, ele tenta associar aos temas em questão.
E é exatamente o que acontece comigo. Leio coisas na internet,
jornais e revistas, assisto a documentários, converso com pesso-
as, tenho insights constantes nas horas e locais mais prosaicos,
faço ginástica mental para tentar explicar tudo aos meus alunos,
enfim, o tema Criatividade é vivo dentro de mim e absorve toda
e qualquer energia que se aproxima dele. É quase um buraco
negro. Então, peço desculpas antecipadas àqueles que forem ci-
tados sem os devidos créditos, e saibam que isso ocorreu apenas
por eu não fazer a mínima ideia de quem são. Saberei provavel-
mente se estas pessoas por acaso vierem a me processar, mas,
honestamente, não vejo motivo para tanto. Uma solicitação de
inclusão na próxima edição é bem mais apropriado. E barato.

A estupidez de
escrever este livro
Ao longo da leitura você vai perceber que acredito que as
coisas são muito mais complexas no universo do que podemos
avaliar e que por isso, temos intransponíveis dificuldades de com-
preender. Os rótulos, as explicações, as versões, as verdades e
mentiras, são apenas referências. Nada é “certo”. Nada é “erra-
do”. Ao tentar definir o funcionamento do nosso cérebro, acabo
caindo na minha própria armadilha. Defino coisas, rotulo, crio
modelos e sistemas, encaixoto o inincaixotável. Mas, paciência,
não tem jeito. Pelo menos não por enquanto. Talvez um dia o ser

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humano se liberte dessa prisão de necessidades que o controlam
e passe a ver a vida como ela realmente é: indefinível, imprevisí-
vel, impalpável.

Sair com mais dúvidas


do que entrou
Direi aqui a mesma coisa que digo aos meus alunos na pri-
meira aula: você provavelmente terminará de ler este livro com
mais dúvidas do que quando começou. E isso se dá por uma
questão bem simples: a velha e boa filosofia sempre preconizou
que quanto mais sabemos, menos sabemos. Eu também entendo
assim. Para mim o conhecimento está contido em uma parede
repleta de portas. Você escolhe uma e entra. Atrás desta porta
existe outra parede com mais umas tantas portas. Você escolhe
outra e entra. E atrás desta porta, mais uma fileira de portas e
assim por diante. Imagine, então, se é possível voltar ao começo
e abrir todas as portas existentes. Claro que não. E, ao mesmo
tempo, quanto mais portas abrirmos, mais portas fechadas nos
serão apresentadas, confirmando a teoria de que quanto mais
você conhecer a vida, maior será a sua sensação de pouco (ou
nada) conhecer.

A natureza das coisas


Gosto de pensar que tudo o que existe à nossa volta faz
parte de uma coisa só. E a Natureza é quem controla as regras
que controlam todo o sistema. Tudo o que acontece, absoluta-
mente tudo, está configurado pela mesma lógica, pelos mesmos
padrões, pelas mesmas rotinas. Por isso a Natureza é, para mim,
quase que um oráculo. Ao observá-la atentamente acredito que
consigo encontrar a lógica de nosso comportamento, de nossa
forma de pensar, de nossas atitudes, enfim, de nosso jeito de ser.
Sou fã de carteirinha do canal Nat Geo Wild. Fiquei meio
viciado, confesso. Sempre gostei de programas sobre a vida sel-
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vagem, mas de uns tempos para cá virei telespectador cativo. As-
sisto ao mesmo programa várias vezes, já que canal fechado tem
esta política de repetir sua programação à exaustão. Mas o que eu
quero dizer é que observando a lógica e o comportamento dos
animais podemos aprender muito sobre nós mesmos. Desculpe,
mas não há como negar que continuamos tão animais quanto
uma baleia, um crocodilo ou um búfalo africano. A nossa diferen-
ça – grande, claro – é o nosso poderoso cérebro. Os mecanismos
de aprendizado e subsistência são os mesmos. Nossos impulsos
vitais também. O salto do homem está justamente na capacidade
de lutar contra a natureza e realizar tarefas para as quais ele não
foi projetado para realizar. Sem contar que algumas leis sagradas
da natureza são totalmente subvertidas pelo homem. Por exem-
plo, a lei do mais forte. Não, não sou ingênuo. Não estou dizendo
que os poderosos historicamente não oprimam os mais fracos,
hoje em dia do ponto de vista econômico. A força que eu me
referi é aquela que promove a seleção natural de uma espécie.
Os animais mais fracos, doentes, deficientes, descuidados, enfim,
menos adaptáveis, não sobrevivem na selva. Viram comida de
predador e ajudam a fazer com que a sua espécie progrida utili-
zando apenas os indivíduos mais preparados e adaptáveis.
Como dizia Darwin, “Não é o mais forte da espécie que
sobrevive, nem o mais inteligente; mas sim, o que melhor se
adapta às mudanças”. A natureza trabalha com estatística, um
laboratório de testes na base da tentativa e erro, começando pela
concepção de qualquer espécie: milhões de espermatozoides são
lançados para apenas um deles cumprir a missão de fecundar
um óvulo. O mais forte, o mais rápido, o mais esperto, o me-
lhor de todos, o mais charmoso, não importa. Algum nível de
seleção já se manifesta ali. Depois, cada espécie nasce com uma
série de variações de indivíduo para indivíduo, com o mesmo
propósito: oferecer à espécie em questão uma tal variedade de
opções – químicas, físicas e psicológicas – para que possam, na
prática, descobrir qual é a mais adaptável, ou a mais adequada às
condições de vida daquele tempo/espaço. A natureza promove a

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multiplicidade de opções para evoluir sempre, espécie por espécie.
E nós, seres humanos, estamos no mesmo barco, por isso somos
diferentes uns dos outros, fisicamente, quimicamente, psicologi-
camente. Da mesma forma que uma ratazana somos concebidos
diferentes para que nossa espécie tenha várias opções a fim de
encontrar seres mais adaptáveis, mais aptos a sobreviver neste
mundo cruel. Isso em tese, já que a natureza claramente beneficia
os que têm mais chance de fazer a sua raça se aprimorar, física e
socialmente. Porém, o homem, na sua caminhada pela busca da
longevidade, e auxiliado pelos mecanismos democráticos, aban-
donou esta prática quase que totalmente. Todo mundo tem direito
à vida. Ao passo que um leão, por exemplo, quando vence uma
disputa com outro macho, mata todos os filhotes que encontrar.
Não é crueldade. É aprimoramento da raça (ele era o mais forte,
por isso venceu), portanto, os melhores filhotes nascerão de seu
sêmen e não do outro. É o seu gene, mestre e senhor de todas as
espécies, que o orienta a tomar esta atitude, para nós, radical. Além
disso, imediatamente após perder seus filhotes, as leoas passam a
ovular, tornando-se receptivas para o cruzamento com o novo
líder de seu bando. Quero dizer com tudo isso que a missão do
ser humano, se é que existe uma, está se tornando cada vez mais
enigmática e complexa, pois estamos cada vez mais subvertendo o
que a natureza determina com tintas tão fortes e precisas. E tudo
isso acontece graças ao nosso cérebro que evoluiu demais. E é ele
o objeto de meu estudo. Está exatamente no centro de tudo e é
dele que vamos falar mais. Vamos dissecar nosso aparelho mais
importante para ver se conseguimos entender um pouco melhor a
nossa função em todo este processo infinito chamado vida.
A pergunta que fica é: nosso cérebro ter evoluído tanto é jus-
tamente um sinal claro de evolução ou apenas uma disfunção que
provocou um extraordinário desequilíbrio de forças da natureza e
tem, portanto, uma característica nefasta e destrutiva? Desculpe
por já colocar assim uma questão tão complexa e provocativa no
comecinho do livro, mas, não posso evitar: é a minha natureza.

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Analisando friamente...
Esta é uma expressão que você vai encontrar com uma certa
frequência neste livro. Explico porque: todo o nosso sistema
de crenças está baseado em uma resposta emocional que nosso
cérebro associa a cada informação. Pois bem, a melhor maneira
de analisar o nosso comportamento é tentando se desconectar
desta carga emocional e enxergando os processos de forma dis-
tanciada e fria. É público e notório que quanto mais distantes
emocionalmente de uma questão, mais facilidade teremos para
analisá-la.
Todo este processo ocorre justamente porque a resposta
emocional é atávica, ou seja, não passa pela razão, pelo racio-
cínio. Reagimos impensadamente, instantaneamente, instinti-
vamente. Depois, ao analisarmos friamente, muitas vezes não
encontramos justificativas plausíveis para a reação que tivemos.
Então a minha proposta é que utilizemos o máximo possível da
nossa razão para entendermos a nós mesmos. Não vamos dei-
xar de reagir emocionalmente só porque compreendemos nosso
funcionamento. Mas certamente teremos mais ferramentas para
administrar as nossas dificuldades e as nossas idiossincrasias.

Você não vai gostar


deste livro
Seus padrões serão quebrados, por isso pode ser que esse
livro incomode você. Pode ser que você fique com raiva de mim.
Pode ser que você amaldiçoe o dia em que foi na livraria. Mas
devo dizer que esta será uma reação absolutamente natural e até
esperada. E no próprio livro você encontrará a resposta para este
desconforto. A compreensão do fenômeno não irá, entretanto,
diminuir o desconforto como se fosse uma poção mágica. A
consciência é que, pouco a pouco, dirá a você se valeu a pena
ou não tomar contato com esta teoria. E como eu acredito que

23
a consciência é o caminho para o equilíbrio, mesmo que você
continue rejeitando o que ler aqui já vai ter valido a pena, pelo
simples exercício da reflexão.

La isla
Uma vez me disseram que o melhor jeito de você conhe-
cer alguma coisa de verdade é conhecendo tudo o que envolve
essa coisa, ou seja: entendendo simultaneamente o que ela é e o
que ela não é. Definir o espaço que essa tal coisa ocupa no uni-
verso, obtendo assim uma análise comparativa que irá resultar
num conhecimento muito mais profundo, abrangente e sólido.
Não se limitar a tentar decorar o que ela é e sim entender as
circunstâncias que a cercam e conhecer o ambiente em que ela
se estabelece. Por exemplo: como criatividade é uma ferramenta
de sobrevivência de nosso cérebro, vamos supor que ela fosse
um martelo na marcenaria que é a nossa mente. Se você quiser
ser um bom marceneiro, não adianta conhecer apenas o martelo,
pois você não saberá o que fazer com ele, conhecerá apenas sua
forma, o material de que é feito e algumas possibilidades de uso.
E só. É muito limitado. Para usar o martelo com mais proprieda-
de, competência e abrangência você precisa conhecer o todo, ou
seja, madeira, serra, cola, régua, parafuso, chave de fenda, nível,
lixadeira, furadeira, plaina, prego.
Comecei dizendo isso porque toda a filosofia contida neste
livro pretende oferecer uma visão macro. Quer dizer, para falar
de Criatividade, preciso antes estabelecer o contexto onde ela
está inserida. Na verdade, a Criatividade é apenas uma peque-
na parte de nossa vida. Muito, mas muito maior do que ela, é
o Padrão. O Padrão toma conta de nossas vidas em quase sua
totalidade. Mesmo para aquelas pessoas consideradas criativas. A
Criatividade em nossas vidas é uma ilha: um pedacinho bem pe-
quenininho de novidades cercado de padrões por todos os lados.
Acredito, portanto, que conhecendo o Padrão em profundidade,
a compreensão da Criatividade vai se dar de uma maneira mais

24
rápida e simplificada, como um mero desdobramento natural, ou
seja, em poucas marteladas.

Minha fé
Eu acredito em algumas coisas e desacredito de outras. Aqui
você vai encontrar um pequeno resumo das primeiras. Antes de
mais nada, o caminho que acredito ser importante para o auto-
desenvolvimento:

Descubra-se, desvende-se, encontre-se.


Descubra-se. Não se ofenda, mas creio que a imensa maioria da
humanidade se comporta como gado. Sem vontade própria, sem
iniciativa, sem reflexão. O gado corre para a direita, e ela corre
para a direita. A manada corre para a esquerda e lá está a maioria
correndo para a esquerda. A boiada para e quase todo mundo
para. Vai tentar correr na direção oposta e você será devidamente
atropelado. Bem, nestas condições é importante que, como um
primeiro passo, você se descubra, ou seja, localize-se no meio da
manada, em que local do curral você se encontra. Onde você está
em relação aos seus iguais? Quem está a sua volta? Quem é você
na ordem do dia?
Desvende-se. Depois de utilizar o GPS para definir sua locali-
zação no meio da manada, agora você precisa passar um scanner
em você mesmo para averiguar que tipo de gado é você. Apesar
de fazer parte de uma espécie numerosa, você tem, e certamente
tem, algumas particularidades que não compartilha com a gran-
de maioria. Então, quais são estas particularidades? O que você
quer, de verdade? O que você gosta, do fundo da alma? Para
onde quer ir, independente do resto da manada, independente
do que aprendeu desde pequeno ser o “certo” e o “errado”? Ao
responder estas perguntas com sinceridade, você estará muito
próximo de atingir o item final deste processo.
Encontre-se. Ao tomar consciência de onde você está em rela-
ção aos iguais e compreender quais são as suas verdadeiras moti-

25
vações e objetivos, você estará de posse de boa parte do material
necessário para administrar melhor essas mesmas motivações e
objetivos. “Conhece-te a ti mesmo”, frase celebrizada pelo filó-
sofo grego Sócrates, exprime este conceito que compactuo de
forma profunda e abrangente. Vivemos boa parte de nossa vida
no piloto-automático. Quase não pensamos, apenas reagimos
conforme nossa programação mental. Nossa visão de mundo é
limitada e nossas escolhas pasteurizadas. Quando você amplia
sua consciência a vida se transforma. Fica mais rica, mais interes-
sante, mais desafiadora.
Maior consciência significa mais cores para se pintar os qua-
dros de nossas vidas, ou seja, mais ferramentas para trabalhar.
É como você estar passando roupa e o ferro elétrico quebrar.
Se você sabe como o ferro funciona, pode ser que você consiga
consertá-lo e voltar a trabalhar normalmente. Mas se você não
faz a menor ideia do funcionamento do aparelho, vai perder um
tempo precioso mandando consertar, ou vai ter de gastar dinhei-
ro comprando um novo. E com a gente é a mesma coisa. Na ver-
dade, o nosso cérebro é o ferro elétrico. Se soubermos como ele
funciona, ou pelo menos tivermos uma vaga ideia, teremos mais
chances de corrigir os problemas que surgirem em nossa vida.
Não é garantido, porque nada é, mas as chances de administrar
melhor sua vida crescerão de forma inequívoca.

Criatividade como ferramenta


de transformação pessoal
Criatividade não é dom. E muito menos coisa de artista. É
coisa de quem quer uma vida melhor, com mais escolhas, com
mais possibilidades, mais perspectivas. Todo mundo é criativo.
Todo mundo pode e deve ser mais criativo. Foi a Criatividade
quem impulsionou a evolução humana. Quem trabalha a própria
Criatividade amplia horizontes, melhora a autoestima e descobre
um potencial que não imaginava possuir.

26
Tudo é relativo para o nosso cérebro
Nada é definitivo, nada é absoluto. Nossa visão de mundo e
da vida é afetada inexoravelmente pelos padrões, portanto, não
temos como solidificar pensamentos e conceitos de forma in-
questionável. O que é “certo” hoje, poderá não ser amanhã e
vice-versa. O que é criativo para mim pode não ser para você e,
mais uma vez, vice-versa. E por aí vai numa progressão infini-
ta. Apesar de nossa verdadeira compulsão em definir as coisas e
tentar congelar seus significados e avaliações, a vida mostra que
tudo se movimenta e não existe a consagração definitiva de nada.
Como antigos filósofos defensores do Relativismo, acredito pia-
mente que nada é de fato definitivo, e que as coisas que rotula-
mos estão apenas vivendo um momento de consenso provisório,
que mudará, ou poderá mudar, a qualquer momento, a despeito
de nosso desejo, a despeito de nossos esforços. Acredito total-
mente neste conceito. Mas um dia, poderei não acreditar mais.
Quem sabe?

Presente Absoluto
Presente absoluto é a mistura de quality time com carpe diem.
É a consciência de que, acima de tudo, a vida tem de ser boa,
aqui e agora. Em geral o ser humano rejeita veementemente as
situações inesperadas. Só acreditamos que seremos felizes se
o destino concordar com nossos desejos, ou seja, se acontecer
aquilo que programamos. Porém, a lógica contraria esta visão.
Basta observar para concluir que o equilíbrio está em viver o que
a vida nos oferece e não o que a gente quer a todo custo fazer
dela. E como fazer isso? Viva cada momento como único sem a
interferência de crenças, desejos e obrigações, do passado ou do
futuro. É fácil? Não, nem um pouco. Mas quem disse que a vida
tem de ser fácil para ser boa?
Na estrada da vida carregamos duas mochilas: uma nas costas
e outra na frente. Na mochila de trás guardamos todos os nossos
padrões, tudo o que acreditamos, tudo o que vivemos até então.
Na mochila da frente levamos os desejos, as expectativas, tudo o
27
que queremos para nós e uma certa condicional de que apenas
seremos felizes se o que projetamos para nós mesmos acontecer
de forma incontestável. Bem, imagine-se caminhando por um lu-
gar belíssimo carregando estas duas pesadas mochilas. É possível
que você sequer perceba que está em um lugar extraordinário,
tamanho o desconforto provocado por sua bagagem desnecessá-
ria. Não acho que devamos nos livrar das mochilas, mas sim do
excesso de peso. Tentar diminuir a pressão do que acreditamos e
daquilo que desejamos. A caminhada será mais leve e prazerosa.
Para mim, este é o sentido da palavra “liberdade”.

Follow Your Bliss


Comungo da opinião do grande mitólogo – Joseph Camp-
bell – que acreditava que precisamos descobrir qual é a nossa
verdadeira vocação, nossa felicidade, nossa bem-aventurança, e
segui-la a todo custo. Só assim seremos capazes de atingir o equi-
líbrio e a plenitude como indivíduos. Não “comprar pronta” a
solução de nossas vidas e sim descobrir qual é a nossa própria.
Pessoal e intransferível. Nosso destino é como uma impressão
digital: parece com todos os outros, mas em alguns detalhes é
único, exclusivo, incomparável. Só nosso, ou seja, o melhor jeito
de você ser é ser do jeito que você de fato é.

Honesting
O marketing atual é uma instituição falida. O conceito origi-
nal foi totalmente subvertido e hoje, ao invés de as pessoas, ins-
tituições e empresas enaltecerem suas reais qualidades, preferem
dizer o que elas acreditam que o público quer ouvir, sem nenhum
compromisso com a sinceridade, com a transparência e a decla-
ração real de suas intenções. Por isso criei este novo conceito,
chamado Honesting, que prega uma relação sincera entre insti-
tuições e pessoas. Somos todos adultos e, portanto, saberemos
entender as reais motivações de uma empresa, de uma entidade
ou personalidade e certamente valorizaremos sua honestidade de
propósitos. Será?

28
Relevância
Uma ideia não se mede por sua qualidade e sim pela sua
capacidade de mobilização. Uma ideia não precisa ser genial. Pre-
cisa funcionar. Precisa transformar o estado de coisas. Transfor-
mar realidades. E isso só acontece se ela for relevante. Não ne-
cessariamente inteligente, não necessariamente qualificada, não
necessariamente criativa. Criatividade também não está restrita
apenas às grandes revoluções, aos movimentos de grande re-
percussão, aos gênios extraordinários. Criatividade não é apenas
“Steve Jobs”. Um operário que tem uma ideia para melhorar o
processo de fabricação de um produto pode igualmente ser con-
siderado como um indivíduo de grande criatividade.

Ungebunden
Ungebunden é a Shangrilá do Homo criativus. É o espaço
sagrado onde o mundo das ideias encontra seu equilíbrio, sua
força. Simboliza a extrema importância do ambiente no desen-
volvimento do pensamento criativo. Só os gênios criam em qual-
quer circunstância. Nós, os simples mortais, precisamos de um
ambiente favorável e estimulante. Precisamos de Ungebunden.

29
INTRODUÇÃO À
INTELIGÊNCIA
CRIATIVA
Neste capítulo você vai entrar em contato pela primeira vez
com a minha teoria filosófica de forma bem resumida, só para ir
se acostumando.

O Tudo
Nossa história começa há aproximadamente 14 bilhões de
anos quando ocorreu, segundo os cientistas, o famoso Big Bang.
Se bem que já existem suposições que afetam a credibilidade do
grande estouro, mas para efeito da nossa teoria não muda ab-
solutamente nada. Então, falando em nada, antes era o Nada.
E com o Big Bang surgiu o Tudo. Você pode chamar o Tudo de
Universo, de Deus, como achar melhor. O importante é que o
Tudo é formado por energia e movimento. Os átomos, mesmo
os de uma pedra esquecida no fundo do mar há milhões de anos,
estão em constante movimento, num paralelo curioso em relação
ao movimento de estrelas e planetas. O Tudo contempla uma di-
nâmica furiosa onde forças são incansavelmente colocadas frente
a frente, provocando mudanças constantes e inevitáveis.

A vida como ela é


Um dos principais componentes do Tudo é a Vida, ou seja,
onde a energia e o movimento se unem à uma espécie de cons-
ciência que encontramos naqueles a quem chamamos de seres
vivos: animais e plantas. A esta consciência podemos dar o nome
de genes. E o conjunto de regras que regulam a convivência en-
tre todos os genes podemos chamar de Natureza. E até onde se
sabe, a vida só é possível com a presença de água. Podemos então
dizer que a água é o veículo dos genes.
Os genes são plataformas biológicas que sustentarão a exis-
tência de um indivíduo e de sua espécie: carregam os chamados
códigos genéticos, ou seja, as características gerais da espécie e as
particulares do indivíduo, alguns programas básicos de funciona-
mento que chamamos de instinto e gatilhos futuros como nas-

32
cimento de dentes, troca de dentição, puberdade, uma eventual
calvície e/ou doença genética a se desenvolver no futuro.

A Diretiva Primária
Todo gene carrega em sua programação o que eu chamo de
Diretiva Primária:

SOBREVIVER, a qualquer custo.


Percebemos isso no dia-a-dia, nas situações em que nos de-
paramos com algum tipo de risco de nossa integridade física ou
psicológica. Se estivéssemos no Costa Concórdia, um navio à de-
riva com apenas uma pequena porta servindo de saída de emer-
gência, certamente teríamos pisado na cabeça da senhora que
estivesse a nossa frente para podermos escapar. Depois poderí-
amos até ficar com remorso, mas o instinto, a reação automática
e independente de nossa vontade será sempre sobreviver a
qualquer custo. E o gene determina a hierarquia das decisões
relacionadas à sobrevivência:
1º. Primeiro eu!;
2º. Herdeiros e mais jovens, pois são eles que carregam os
genes adiante. Por esta mesma razão, é possível que esta ordem
seja invertida, dando preferência à sobrevivência dos filhos;
3º. A espécie como um todo (no caso exclusivo da raça hu-
mana, já que possui consciência do que representaria o fim da
própria espécie).
Para que os genes consigam atingir com sucesso a Diretiva
Primária seguimos rigorosamente os comandos de uma progra-
mação que já vem de fábrica no nosso sistema operacional:
- PROLIFERE para aumentar as probabilidades do gene de
sobreviver. Pura questão estatística.
- COMPITA para depurar o gene. Só os melhores sobrevi-
vem. E quanto mais evoluído for um gene, mais possibilidade de
adaptação ele terá.

33
- ALIMENTE-SE para gerar a energia necessária para se
manter vivo e cumprir a Diretiva Primária. Desdobrando este
comando temos outro: GERENCIE A ENERGIA CORPO-
RAL. Na Natureza não existe hora do café, do almoço e da janta.
Nunca se sabe quando será a próxima refeição. Por isso, a energia
adquirida de várias fontes precisa ser muito bem administrada,
sob o risco de comprometer a Diretiva Primária.
- ADAPTE-SE, pois sem esta capacidade a mudança de am-
bientes e circunstâncias seria inevitavelmente fatal. A evolução
das espécies é resultado desta premissa.
- APRENDA com a vida pois, como diria o Rei, é preciso
saber viver. Quanto mais você souber, mais ferramentas terá para
enfrentar as dificuldades e, consequentemente, maiores chances
de sobreviver.
- Em várias espécies, dentre elas o Homo sapiens, encontra-se
o comando VIVA EM GRUPO para ampliar a capacidade de
proteção, alimentação e adaptação.

O processo
Em todas as espécies o cérebro é o Poder Executivo. É ele
que faz acontecer, na prática, o que está programado pelos ge-
nes. É sua responsabilidade cuidar da Diretiva Primária e da pro-
gramação, mas não tem autonomia para alterar nenhum código
genético. Acredito, inclusive, que o cérebro somos nós. Ou nós
somos o cérebro. O resto do corpo é apenas um veículo para ele:
um fusquinha que o cérebro usa para se locomover em busca de
alimento, para se defender dos predadores e para reproduzir-se.
O cérebro, porém, necessita de muita energia para funcionar.
Dizem os especialistas que ele consome cerca de 25% da ener-
gia corporal apenas para funcionar. E cada esforço extra que faz
(para lidar com alguma novidade, por exemplo) aumenta consi-
deravelmente esta quota. Por isso foi necessário criar mecanis-
mos que evitassem um dispêndio excessivo de energia corporal,
seguindo o comando de Gestão de Energia.

34
Assim, o cérebro desenvolveu a capacidade de aprender, ou
seja, captar informações, decodificá-las, armazená-las de forma
organizada e servir-se delas quando necessário, aumentando suas
possibilidades de adaptação. Aprender significa criar padrões de
forma automática e inconsciente, visando economizar energia
mental e fornecer espaço para o cérebro se ocupar de outras
questões.
Os padrões são gravados em nosso cérebro para que as in-
formações não se percam. Cada nova informação é gravada em
uma mídia virgem, um tipo de pen drive em forma de uma peça
de lego transparente, a que eu chamo de Neurônio Virgem.
Ao preencher-se com informações, o neurônio deixa de ser
virgem e ganha uma cor. Após este processo ele será enviado
para ser armazenado numa biblioteca com a forma de um Cas-
telo de Legos, a nossa estrutura mental, ininterruptamente cons-
truída e reformada ao longo de nossa existência.
O Castelo de Legos possui um sofisticado e poderoso siste-
ma de proteção, comandado por um sujeito muito forte e teimo-
so chamado de Pedrão. Ele é o responsável por manter intacto e
imutável todo o nosso conjunto de crenças.
Mas como o Pedrão exerce o controle na vida de seu hos-
pedeiro? Ele é o responsável por avisar o pobre diabo se ele está
dentro dos padrões ou fora deles.
Segundo o Pedrão, o que está dentro do Padrão é “certo” e
o que está fora, é “errado”. Simples assim. Desta forma ele tenta
preservar seus padrões e evitar alterações importantes de cren-
ças. Sem isso, a vida dos animais seria impossível, porque não
teriam capacidade de criar repertório, compreender o mundo à
sua volta (mesmo que de forma limitada) e, portanto, seriam in-
capazes de interagir com ele.
O controle é exercido pelo Pedrão, que utiliza os dois mais
poderosos instrumentos de persuasão que existem na natureza:
dor e prazer. A dor nos informa de que estamos “errados” e o
prazer, de que estamos “certos”. Somos binários e passamos a
vida toda nos equilibrando entre dois polos.

35
Estes instrumentos se materializam no corpo dos animais
com o que chamo de Hormônios Disciplinares. Quando os pa-
drões são seguidos, o Pedrão nos oferece prazer instantâneo, uti-
lizando o hormônio chamado “Parabéns a você!”.
Quando, por outro lado, algum padrão é quebrado, somos
avisados pelo Pedrão que estamos “errados” por intermédio de
um hormônio que causa nosso desconforto, chamado de “Você
é um idiota!”.
Como somos programados para viver em grupo, nosso Pe-
drão sofre uma influência extraordinária da Opinião dos Outros,
ou seja, o que pensamos que os outros pensam de nós (ou o que
eles de fato pensam) é capaz de ativar maciças doses de Hormô-
nios Disciplinares.
Não será nenhum exagero afirmar que: o comportamento
humano é a somatória de nosso código genético, nossos padrões
e a Opinião dos Outros.
O sistema de proteção do Castelo de Legos é poderoso,
mas não pode ser inexpugnável. É preciso ter a capacidade de
se adaptar às novas circunstâncias com as quais a vida sempre
nos desafia. Por isso todos os animais possuem a capacidade de
improvisar em momentos de necessidade.
Mas o que nos diferencia dos outros animais? O que eu cha-
mo de Sétimo Sentido: a Razão, que nos capacita a questionar
todos os outros seis, mas não obrigatoriamente. E digo seis por
acreditar que a intuição é uma ferramenta real e poderosa, que
nos conecta ao inconsciente coletivo. Todos os outros animais
seguem seus instintos e padrões cega e automaticamente. Nós
temos a alternativa de não seguir, graças ao sétimo sentido.
Entre outras características, a Razão turbinou nossa capa-
cidade de improvisação e transformou-a no que comumente
chamamos de Criatividade, o que aumentou exponencialmente a
nossa capacidade de adaptação e, por consequência, da Diretiva
Primária. Na prática, não foi por causa da inteligência que o ho-
mem evoluiu e sim pela Criatividade fomentada por essa inteli-
gência. E quanto mais criativos nos tornamos, mais ferramentas

36
de adaptação incorporamos à nossa vida. A evolução humana se
manifesta, desde sempre, pelas coisas criadas pelo homem. Por
essas e por outras acredito que a Criatividade é a mola mestra da
evolução humana.
Criatividade é a evolução da capacidade de improvisar, por-
tanto, está claro e evidente que não é dom, e sim uma ferramenta
biológica de adaptação.
Criatividade não é fruto de aprendizado e sim de permissão.
As ideias estão todas em nossa cabeça. Mas o bloqueio criativo
impetrado por todo o nosso sistema genético-psicológico-social
nos impede de pensar livremente, sem a influência de padrões.
E para combater o Pedrão dentro de nós, ou seja, o bloqueio
criativo, podemos contar com o santo protetor da Criatividade e
dos Neurônios Virgens: São Magaiver.
Segundo Joseph Campbell, “A vida é uma ópera maravilho-
sa, só que dói”. Mas não adianta lamentar a dura realidade. Deve-
mos, sim, descobrir formas de remediar o inevitável. Este analgé-
sico psicológico é a consciência de como funcionamos, que pode
ser adquirida de diversas formas. A minha preferida é a Inteligên-
cia Criativa, pois ao exercitar e conviver com o desbloqueio cria-
tivo ampliamos a nossa capacidade de adaptação. Administramos
melhor nossos sentimentos, diminuindo o desconforto inerente
à existência. E pode ter certeza de uma coisa:

VOCÊ É CRIATIVO, SIM SENHOR!

37
COMEÇANDO
DO COMEÇO
Metabolismo energético
Como todos os animais, nós temos uma programação gené-
tica extremamente focada na sobrevivência, preservação e multi-
plicação da espécie. O nosso gene, é o cabeça de tudo. É ele que
movimenta todo o resto. Foi ele quem deu poderes extraordiná-
rios ao nosso cérebro para que ele pudesse cumprir de maneira
exemplar a sua nobre e delicada missão, a nossa Diretiva Pri-
mária: sobreviver, a qualquer custo. E um dos principais
pilares deste ambicioso projeto é um sofisticadíssimo sistema de
gestão energética, responsável por racionalizar a nossa energia
corporal e conseguir tirar o máximo dela. Quer dizer, a Natu-
reza pensou em sustentabilidade muito, mas muito tempo antes
de nós. Temos uma bem-sucedida estrutura ecológica em nosso
interior. Somos verdes por dentro. Esse sistema de gestão define
a distribuição da energia gerada pelos alimentos por todos os
órgãos do corpo. Um sistema extremamente rígido e que não ad-
mite desperdícios. Não importa o quanto você tenha de reservas
energéticas, ele dificultará ao máximo o consumo desnecessário.
E mais: não é dirigido por políticos e sim por técnicos, ou seja:
não tem lobby, não tem influências pessoais, não tem propina.
Ele funciona geralmente com bom senso e com prioridades mui-
to definidas. Por incrível que pareça, existe isso dentro de você,
ainda como resquício de nossos ancestrais que viviam pulando
de árvore em árvore, curvados sobre quatro patas.
Por exemplo, se por acaso quebramos a nossa perna e a en-
gessamos, imediatamente o sistema percebe que este órgão não
está necessitando da energia e dos nutrientes que geralmente con-
some para o exercício de suas atividades normais e que, portanto,
pode prescindir deles, ou pelo menos diminuir sua quantidade.
A partir daí, a perna passa a receber um salário suficiente apenas
para manter-se viva. Ao retirarmos o gesso, ela estará atrofiada
em função dessa política de distribuição de renda apertada, mas
após algumas semanas de atividades normais recuperaremos sua
forma. Isto quer dizer que ao gerar movimento, avisamos ao sis-

40
tema de gestão que a perna precisa novamente da energia e dos
nutrientes tradicionais. E, assim, ele os entrega.

Eu, robô
O cérebro é uma máquina biológica e, como tal, funciona
por meio de rotinas muito precisas e lógicas. Nada do que acon-
tece em nosso cérebro – nossas atitudes, pensamentos, senti-
mentos, falas – é minimamente aleatório. Nada é por acaso, nada
é metafísico. São inputs e outputs funcionando o tempo todo,
como num computador. Só acontece o que foi programado. Ele
reage apenas utilizando sua configuração. O único momento em
que ele trabalha sem a sua programação é quando precisa resol-
ver uma situação que não conhece, que não tem referência, que
não encontra em seus arquivos de memória. Aí ele se diferencia
dos computadores. Numa situação de crise e desconhecimento a
máquina de chips trava e os animais improvisam.

Cérebro egoísta
Você sabia que o nosso cérebro dispende aproximadamente
de 20% a 25% de nossa energia corporal para manter-se ativo?
Pois é, tão pequeno e tão exigente. Apesar de ocupar somente
2% de nossa massa corporal total, ele é o maior consumidor.
Parece injusto do ponto de vista social, mas não chega a ser no-
vidade uma minoria elitista ficar com o maior quinhão da riqueza
de um país, portanto, esta informação, em particular, não deve
surpreender ninguém.

O cérebro somos nós


Digo isso por uma questão de lógica cartesiana: é certamente
o órgão mais importante de nosso organismo. Basta observar
que ele é o órgão mais protegido de todos. Uma caixa craniana
o envolve quase que completamente para tentar evitar qualquer
41
dano em caso de acidentes. Todos os outros órgãos estão a seu
serviço. Só existem para mantê-lo vivo e ativo, firme em sua mis-
são divina, definida pelo seu gene: a Diretiva Primária. Nosso
corpo nada mais é do que um veículo que serve apenas para dar
mobilidade ao cérebro. E como estamos cada vez mais crian-
do maneiras de diminuir os nossos movimentos, provavelmente
um dia nos tornaremos cérebros vivendo em redomas de vidro,
vivendo apenas o mundo interior e não mais o exterior. Quem
sabe? E é por ser o cérebro o órgão central e fundamental de
nossa existência que daremos a ele a condição de protagonista
desta teoria.

O gestor do sistema
Mais uma vez voltando ao paralelo com as oligarquias con-
troladoras da sociedade, é o próprio cérebro quem controla esse
sistema de gestão de energia corporal. Ou seja, é como deixar os
deputados decidirem o seu próprio salário. E, como na vida real,
eles decidem ganhar muito. E o cérebro faz isso sem dó nem
piedade. Mas ele tem muitas justificativas para se comportar des-
ta maneira, alegando que é o controlador do corpo físico e que
graças a ele tudo funciona. É claro que se entrarmos numa dis-
cussão filosófica podemos alegar que outros órgãos deveriam ter
o direito de tomar o poder de vez em quando, como o intestino
grosso, o pâncreas ou o dedo mindinho. Seria muito interessante
ter nossas ações coordenadas inteiramente por nossa bexiga, já
que todos sabemos que o rodízio no poder é extremamente fun-
damental para a democracia. Dizem que nos homens, às vezes,
o pinto é quem toma as decisões, mas, devo dizer que isso só
acontece com a total anuência do cérebro, que tem em suas prio-
ridades a multiplicação da espécie, portanto, não se iluda: é sem-
pre o cérebro que está por trás de todas as nossas decisões ( e,
por trás dele, o gene). Pois é, na natureza não existe democracia.
Desde que o cérebro tomou o poder, nunca mais largou o osso.
E não irá largar. E tem mais: ele é absolutamente obsessivo na

42
questão “economia”. Ele não admite nenhum tipo de desperdí-
cio e detesta ter de consumir mais energia do que aquela que ele
utiliza para manter todas as funções corporais em pleno funcio-
namento. Toda vez que precisamos incrementar o consumo, ele
reclama. É por isso que a maioria das pessoas não gosta de fazer
exercício, nem gosta de pensar demais em um assunto, duas das
atividades humanas das mais dispendiosas em relação à energia
metabólica. Economizar, economizar, economizar. Parece que é
só nisso que o cérebro pensa. Diante de um quadro tão evidente,
cheguei a uma conclusão que me parece absolutamente óbvia:

Todo cérebro é judeu!

Não importa a sua orientação religiosa, você pode até ser


ateu, mas com certeza o seu cérebro tem o sangue judeu corren-
do por seus vasos. Totalmente focado na economia de patrimô-
nio energético. Um mão-fechada que guarda escorpiões veneno-
sos em seu bolso virtual.

Profundamente rasos
A questão da economia de energia corporal interfere tam-
bém em nosso dia-a-dia como seres pensantes que somos. Bem,
nem tão pensantes. Raciocinar, refletir, pensar profundamente
em algum assunto, por incrível que pareça, é a coisa que menos
fazemos em nossa vida. Exige um dispêndio de energia que não
é compatível com nossa matriz energética. É como deixarmos
um chuveiro elétrico, um ferro de passar e um aquecedor de
ambientes ligados o dia inteiro. Isso significa que a nossa conta
de energia corporal chegaria às alturas e o nosso cérebro ficaria
muito insatisfeito. Os apagões seriam recorrentes. Você já deve
ter passado pela experiência de ter de pensar muito detidamen-
te em um assunto e no final do dia perceber que estava mais
cansado do que se tivesse participado de uma maratona. Pois
é, a maratona mental também cansa. E muito. É por isso que
passamos a maior parte do nosso tempo no automático, fazendo
43
as coisas sem pensar. E quando digo sem pensar, não quer dizer
sem ocupar nossa cabeça com pensamentos, pois, que eu saiba,
apenas monges têm a capacidade de limpar totalmente suas men-
tes. Quando digo “sem pensar”, quero dizer sem refletir, sem
raciocinar, sem criar novos pensamentos, sem lutar contra nosso
piloto automático, sem mudar nossas rotinas, sem quebrar nos-
sos padrões, sem confrontar nossas crenças, sem oferecer foco
absoluto em apenas um evento.
Essa capacidade de viver no piloto automático nada mais é
do que mais uma característica de nosso sistema de autoprote-
ção porque, além do gasto energético, pensar demais também
pode ser nocivo para nosso emocional, nosso psicológico. Isso
porque, se passássemos cada minuto de nosso tempo pensando
em tudo o que é possível acontecer conosco e com quem a gente
gosta nos próximos minutos, dias, meses e anos, iríamos certa-
mente entrar em um parafuso que nos levaria irremediavelmente
ao suicídio. Confesso que às vezes isso acontece comigo e posso
dizer que não é nada agradável. Li certa vez que em nosso lobo
frontal ocorre algum processo que ralenta nosso pensamento e
nos faz acalmar intelectualmente e que quem tem alguma disfun-
ção nesta área desenvolve doenças do tipo DDA. Mas desviei
do assunto; deixe-me retornar à questão do pensamento super-
ficial. Então, por uma questão de sobrevivência, vivemos 99%
do nosso tempo no modo “superfície” e apenas 1% do tempo
no modo “profundo”. E isso não é uma estatística, apenas uma
figura de linguagem. O que eu quero dizer com esta afirmação é
que devemos, para a nossa própria sanidade, passar boa parte do
nosso tempo com pensamentos de profundidade que, como diria
Nelson Rodrigues, uma formiga atravessaria com a água pelas ca-
nelas. Não estou aqui vendendo o conceito de que é melhor não
pensar, claro que não. O que eu quero dizer é que o sistema que
cuida de nossa sobrevivência também atua evitando que gaste-
mos mais energia do que a necessária para nos manter vivos pelo
maior tempo possível.

44
De volta para o passado
Gosto de achar que nosso cérebro vive em uma era entre o
pós-macaco e o pré-robô. E mesmo assim, mudou muito pou-
co desde que olhamos no espelho pela primeira vez e nos re-
conhecemos. Na verdade, acredito que nosso cérebro evoluiu
muito pouco desde os primeiros Homo sapiens e digo por quê.
Quando falamos em evolução das espécies, estamos falando de
centenas de milhares de anos para ocorrer algumas mudanças.
Ora, a primeira civilização humana conhecida, os Sumérios, da-
tam de 4.000 a.C.. Pois então, seis mil anos não foram nem de
perto suficientes para evoluir tanto quanto a tecnologia e a nos-
sa estrutura social. É claro que tivemos mudanças físicas, mas
acredito que sejam mais fruto da alimentação/modo de vida do
que propriamente da evolução natural. Uma das provas de que
não mudamos nada, ou quase nada, está em nossa história. Ao
ler a Bíblia nos deparamos, entre outros aspectos, com violência,
inveja, egoísmo, injustiça, traição etc. Avançamos até 1590 e nos
deparamos com a obra de Shakespeare: violência, inveja, egoís-
mo, injustiça, traição etc. Avançamos mais uma vez para 2012 e
podemos mais uma vez conferir: violência, inveja, egoísmo, in-
justiça, traição etc. Ou seja, a despeito de toda evolução social e
tecnológica, o ser humano continua sendo o mesmo animal es-
timulado por seus apetites. O que mudou foi nosso filtro, nosso
controle intensivo sobre nosso instinto, sobre nossas vontades
inconfessáveis, sobre o que somos de fato: animais. Não somos
civilizados, somos envernizados. Basta se extinguirem as institui-
ções para, no instante seguinte, começar o caos, e com ele a bar-
bárie. No Brasil, na Suíça, na Alemanha, na Dinamarca. Por quê?
Ora, porque sem a segurança das instituições quem vai falar mais
alto é o gene e sua Diretiva Primária: sobreviver a qualquer
custo. E qualquer custo significa que não haverá limites. As pes-
soas vão matar as outras para proteger suas famílias. Além disso,
os desejos estarão liberados, os sonhos de consumo serão alvo de
invasões e roubos, mulheres serão estupradas sem dó, não haverá

45
convivência pacífica. Mas se, por outro lado, conseguirmos man-
ter a civilização intacta nos próximos anos, provavelmente nos
transformaremos numa espécie de híbridos: ao nosso organismo
finito serão acoplados equipamentos tecnológicos e aí sim, pode-
remos nos considerar “evoluídos”.

Razão, o sétimo sentido


Realidade é um padrão criado pelo homem. Nosso cérebro
não reconhece a diferença entre realidade e fantasia. Não temos
nenhum sentido que detecte o que é real e o que é imaginário.
O que é verdadeiro e o que é falso. Ao assistirmos a filmes ou
novelas e etc., sabemos que é ficção, que são atores a frente de
uma câmera e um monte de gente que não aparece. Mesmo assim
sofremos, nos emocionamos, nos assustamos, rimos, como se
aquilo tudo fosse verdade. Você já deve ter ouvido falar de gen-
te que agride atores que fazem papel de vilões em novelas, não
ouviu? Pois então, estas pessoas sabem que são atores, mas seu
cérebro, ingênuo que só ele, acredita na história que está sendo
contada. Resquício de nosso passado longínquo. Como em todos
os animais, nosso cérebro foi programado para acreditar nos sen-
tidos, sem discussão, sem reflexão. Porém, o nosso possui uma
característica diferenciada que faz com que tenhamos a capaci-
dade de questionar os sentidos: a Razão, nosso sétimo sentido.
A Razão, que eu ainda não cheguei à conclusão se é nossa
bênção ou nossa maldição, é quem nos tirou da condição em
que vivem todos os outros animais. Em seus cérebros primitivos,
eles reagem apenas intuitivamente ao que enfrentam. Nenhum
animal reflete, para para pensar, tem dilemas filosóficos. Eles ou
reagem pela programação mental, ou improvisam, caso seja um
fato novo. Apenas isso. O cérebro, em sua origem, foi progra-
mado para avaliar as situações levando-se em conta apenas os
nossos sentidos. Se estou vendo uma coisa, ela está lá. Não im-
porta se estiver mesmo ou não, porque o cérebro jamais saberá
a diferença. É a Razão que avalia a situação e coloca (ou pelo

46
menos tenta) colocar tudo em seu lugar. É a Razão que tem o
poder de negar e enfrentar nossos sentidos. Negar que estamos
vendo algo, ouvindo algo, sentindo algo. Não que ela tenha razão
sempre. Aliás, muitas vezes a Razão nos impele ao erro, mas é ela
que tem o poder de enfrentar nossos sentidos e contradizê-los. É
olhar uma novela e saber que tudo ali é ilusão, apesar de nossos
sentimentos estarem reagindo ao que aparece na TV. E isso é o
que faz de nós seres diferentes de todos os outros que habitam
nosso planeta.

A pergunta que não cala


Junto com a Razão surgiu uma pergunta que fez e continua
fazendo toda a diferença em nossas vidas: “Por quê?”. Os ani-
mais não querem saber o porquê das coisas, nós queremos. Aliás
o saber, a partir do surgimento da Razão, passou a ser uma obri-
gação e, por vezes, um fardo. Mais do que querer, precisamos de-
sesperadamente saber. Meu cachorro olha para o sol e não acha
nada, penso eu. O macaco, quando passou a ser equipado com a
Razão, reparou no Sol e por não saber o que era, se desesperou.
Até que alguém disse que era uma divindade e isso acalmou a
macacada. Isso passou a ser uma constante na vida do homem:
buscar uma explicação para tudo. É por isso que aquelas pergun-
tas existenciais “De onde viemos?” e “Para onde vamos?” conti-
nuam e continuarão nos aporrinhando até que alguém descubra
ou invente uma boa justificativa que convença o gado.

A razão nos tirou


das regras da natureza
Bom ou mal, o homem não cumpre muitas das regras im-
postas pela natureza. Muitas imposições da vida moderna fazem
com que quase ninguém se sinta “feliz”. Todos os outros animais
reagem conforme seu instinto. Eles não racionalizam, não ten-
tam e nem sabem como interferir nos processos naturais. Eles

47
simplesmente vivem. Simplesmente são. Por isso não vemos
muitos animais “felizes” ou “infelizes”. A não ser que eles sejam
vítimas de maus tratos ou vivam em situações extremas. Mas no
geral, o equilíbrio é a tônica da vida de um animal quando está
em seu habitat natural. Já o homem está subvertendo várias leis
da natureza em função da sua capacidade de racionalização e es-
colha de caminhos a despeito de seus instintos. O instinto, no
sentido de intuição (o sexto sentido), virou virtude na sociedade
moderna. O empresário que tem instinto, o artista, o esportista,
enfim, aquele que tem a capacidade de agir conforme seus ins-
tintos adquiriu um status elevado e admirado. A não ser que suas
ações provoquem algum fracasso, aí então o termo “instintivo”
passa a ser um defeito. Coisas de gado.
Uma das leis que o ser humano claramente subverte é a da
seleção natural. Na vida selvagem as espécies evoluem como raça
a partir de conceitos como força, inteligência, saúde, vitalidade,
adaptação etc. O ser humano não. Em princípio, todas as pessoas
têm condições de viver e vencer na vida. Com isso, não estamos
mais evoluindo como raça, já que não ocorre a depuração natural
proposta pela natureza. As doenças e defeitos genéticos não são
mais descartados, como a Natureza preconiza, mas, ao contrário,
são eternizados e miscigenados ao clado genético da raça huma-
na. No que isso vai dar, não sei. Pode ser até que o resultado seja
favorável.
Talvez esse desenvolvimento exagerado de nosso cérebro
tenha sido resultado de uma falha genética. Um acidente, uma
aberração que se desenvolveu demais. A Natureza não privilegia
o desequilíbrio, nunca, e a nossa existência “inteligente” está cla-
ramente subvertendo seus conceitos mais básicos. Nós somos o
próprio desequilíbrio encarnado. Somos predadores implacáveis
e exagerados e, por isso mesmo, destruidores do meio ambiente.
Mas não se sinta tão mal assim. Qualquer animal que ocupasse
nossa privilegiada posição certamente faria o mesmo. Por instin-
to, todos animais ocupam espaços, preocupados com a sobrevi-
vência e a manutenção da espécie.

48
O PADRÃO
O milagre da Criação
Uma das maneiras mais engenhosas que o cérebro descobriu
para economizar a energia que ele tanto valoriza foi criar um
complexo sistema de captação, classificação, estocagem e busca
de informações chamado Padrão. Mas o que é Padrão? Em pri-
meiro lugar, gostaria de salientar que o Padrão, apesar de às vezes
ser um pouco demonizado pela sociedade moderna, é uma ne-
cessidade biológica para a nossa espécie. Na verdade, para todas
as espécies. Acredito que todos os animais possuam esse sistema,
já que está diretamente relacionado à sobrevivência. Por quê?
Ora, graças ao Padrão nós temos a capacidade de aprender, or-
ganizar o que foi aprendido, guardar e, quando necessário, lançar
mão deste conhecimento em nosso favor. Imagine-se acordando
todos os dias e se fazendo sempre as mesmas perguntas: “Onde
estou?”, “Quem sou eu?”, “Quem é esta pessoa do meu lado?”,
“Como é que eu faço para me movimentar?”, “O que devo fazer
agora?”. Na verdade, você não seria capaz nem de formular essas
perguntas já que não conheceria nenhuma língua. Quem bebe
sabe muito bem o que eu estou querendo dizer. Mas todos os
dias? Francamente! Seria virtualmente impossível viver se a gente
precisasse aprender tudo de novo todos os dias.
Vamos imaginar, então, que temos a capacidade de aprender
as coisas, mas sem transformá-las em atos automáticos. A difi-
culdade seria imensa. Você, por acaso, pensa para andar, para se
vestir, para abrir a geladeira? Pois é. Você já reparou a quantidade
de coisas que faz automaticamente? Sem pensar, ou seja, sem dis-
pender energia desnecessária? Isso é Padrão. Escovar os dentes,
escrever, falar, realizar as tarefas de seu trabalho diário etc. Tudo
começa com uma grande dificuldade de aprendizado, não é mes-
mo? Parece que jamais conseguiremos. Aí, de repente, após um
certo tempo de repetição e perseverança a coisa fica fácil e leve.
Parece que sempre soubemos fazer aquilo. Isso é Padrão. Nosso
próprio comportamento é resultado de um conjunto enorme,
complexo e integrado de Padrões. Nossa cultura, nosso jeito de

50
ser, enfim, tudo o que fazemos no piloto automático é definido
pelo Padrão.
E o funcionamento do Padrão não se resume a fatos iso-
lados. O Padrão constrói rotinas e modus operandi que transfor-
mam alguns de nossos hábitos (que, na verdade, são sinônimos
de Padrão) mais prosaicos em um verdadeiro processo que nos
lembra o funcionamento dos robôs que fabricam automóveis.
Preste atenção no jeito que você toma banho. Existe uma roti-
na rígida e imutável que você nem percebe. Por exemplo: você
ensaboa primeiro o braço esquerdo, depois o direito, depois o
peito, a barriga e por aí vai. Sempre, sempre, sempre da mesma
forma, sem pensar e sem fazer escolhas. Por quê? Ora, para que
o cérebro vai desperdiçar energia tendo de raciocinar cada vez
que você resolve fazer sua higiene pessoal? E quando sofremos
algum acidente que nos impossibilita de realizar a velha e boa
rotina? Um braço direito quebrado, no caso de sermos destros,
nos faz pensar que é praticamente impossível tomar um banho
decente. Até que a gente tenha repetido tantas vezes a situação
que ela se torna também um Padrão e nós finalmente deixamos
de sofrer. Basicamente o que ocorre é que o cérebro percisa de
foco absoluto quando está aprendendo alguma coisa. Sua aten-
ção precisa ser total e isso consome muita energia. A partir do
desenvolvimento do aprendizado o consumo vai caindo até que
ele seja insignificante. E não precisamos mais nos concentrar.
Virou automático. O cérebro só consegue manter seu foco em
apenas um evento por vez. Se precisarmos dividir a atenção, o
aprendizado será prejudicado de forma evidente.
Podemos dizer que existem vários tipos e tamanhos de Pa-
drão. Desde a perna que usamos primeiro ao vestir uma calça,
passando pelo jeito que encaramos nossos problemas, até a ma-
neira como vemos o mundo. Tudo é Padrão.
Veja esse texto que encontrei na internet:
De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae
ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma
plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e

51
útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma
ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea.
Conseguiu ler? Foi fácil, não é? Por que será que isso acon-
tece? Bem, na verdade, depois que somos alfabetizados nós dei-
xamos de ler as letras e passamos a reconhecer as palavras como
imagens. O bê-á-bá só acontece novamente quando nos depa-
ramos com uma palavra nova em um texto, palavra que nun-
ca havíamos lido antes. Aí sim passamos a juntar letra por letra
até que a palavra finalmente seja decifrada, como, por exemplo,
ecopotliscraioptelicirmia. No fundo, nosso cérebro reconhece
cada palavra lida e relida milhares de vezes como um ideograma.
É a sua imagem que conta e não mais a sua construção ortográ-
fica. No texto acima as modificações de cada palavra obrigam o
cérebro a encontrar similaridades com palavras ou imagens que
ele já conheça, fenômeno que eu chamo de Comparômetro, que
vou explicar mais à frente. E é por isso que fica fácil de ler. Por-
que a moldura é a mesma. O conteúdo é o mesmo, mas geogra-
ficamente modificado. O cérebro consulta o banco de padrões
e imediatamente faz comparações. O contexto da utilização da
palavra também colabora na compreensão. Porque o chamado
contexto também é um padrão. Por mais criativos que sejamos
escrevendo um texto, a maior parte das construções que fazemos
são padrões. Óbvio, já que a gramática não passa de um padrão
linguístico, e, sem ela, não conseguiríamos nos comunicar com a
facilidade que temos hoje.
Este texto me fez lembrar que a língua hebraica tem uma
característica curiosa: algumas vogais são representadas por tra-
cinhos e pontinhos localizados abaixo dos caracteres. Mas isso,
só quando você é criança e está sendo alfabetizado. Se você for
a Israel, não encontrará em praticamente nenhum texto os tais
tracinhos e pontinhos. Como eu disse, nosso cérebro decora a
imagem das palavras e não sua ortografia. Então, se você conse-
guiu ler o texto misturado acima, o israelense também consegue
ler abdicando das vogais a, e, em alguns casos do i, e sem fazer
distinção entre o o e o u. Parece difícil, mas não é. Eles só pre-

52
cisam utilizar essas vogais quando a palavra é nova, portanto,
desconhecida.
Veja o outro texto que achei na internet que explica o mes-
mo fenômeno:
3M UM D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 PR414,
0853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314.
3L45 7R484LH4V4M MU170 C0N57RU1ND0 UM C4573L0
D3 4R314, 70RR35, P4554R3L45 3 P4554G3NS 1N73RN45.
QU4ND0 3575V4M QU453 4C484ND0, V310 UM4 0ND4 3
D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0N73 D3
4R314 3 35PUM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 74N70 35F0RC0
3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0, 0RR3R4M
P3L4 PR414, FUG1ND0 D4 4GU4, R1ND0 D3 M405 D4D45
3 C0M3C4R4M 4 C0N57RU1R 0U7R0 C4573L0. C0M-
PR33ND1 QU3 H4V14 4PR3ND1D0 UM4 GR4ND3 L1C40;
G4574M05 MU170 73MP0 D4 N0554 V1D4 C0N57RU1ND0
4LGUM4 C0154 3 M415 C3D0 0U M415 74RD3, UM4 0ND4
P0D3R4 V1R 3 D357RU1R 7UD0 0 QU3 L3V4M05 74N70
73MP0 P4R4 C0N57RU1R. M45 QU4ND0 1550 4C0N73C3R
50M3N73 4QU3L3 QU3 73M 45 M405 D3 4LGU3M P4R4
53GUR4R, 53R4 C4P42 D3 50RR1R !!
Uau! Você acaba de ter uma experiência profunda de Com-
parômetro. Parabéns.

Acredite nos padrões


Os padrões também estão presentes em nossas crenças, ou
seja, nas coisas em que acreditamos. Não importa se são reais ou
não aos olhos dos outros. Acreditamos e pronto. As coisas que
achamos que são certas e erradas, bonitas e feias, modernas ou
cafonas. Não estamos em geral abertos a discutir estes temas e
costumamos não gostar de quem discorda de nós. As crenças
alheias, quando não estão em conformidade com as nossas, ba-
tem em nosso cérebro como ameaças a nossa integridade.

53
Não existe padrão bom
nem mau. Apenas padrões
As dificuldades que enfrentamos ao mudarmos de rumo em
nossas vidas não têm nada a ver com o melhor ou o pior, ou seja,
não basta reconhecermos que uma coisa nos faz mal para mu-
darmos de atitude. É um começo, claro, mas definitivamente não
é suficiente para que as mudanças ocorram. O fato é que cons-
truímos estruturas neurais que aprendem a viver no ambiente
em que foram formadas. E quando percebemos que precisamos
mudar, a reação não acontece de uma hora para outra. Estas es-
truturas são sólidas e resistentes. É claro, foram feitas para nos
proteger de instabilidades. Não dá para ficar mudando de opi-
nião como se muda de camisa. A vida seria inviável. Por isso,
nos acostumamos com a forma com a qual aprendemos a vi-
ver. Com a nossa visão de mundo. Acostumamos com a tristeza,
acostumamos com a miséria, acostumamos com tudo. Não quer
dizer que gostemos do que estamos vivendo, mas por estarmos
acostumados teremos grande dificuldade em alterar o estado de
coisas. É o que acontece em geral com os vícios de qualquer tipo.
Sabemos que fazem mal, sabemos que não devíamos percorrer
este caminho, mas muitas vezes não conseguimos largar. Nossa
estrutura de padrões luta bravamente para manter o estado de
coisas. Os padrões não têm consciência. Eles são o que são e
não aceitam o que não conhecem. Daí a nossa dificuldade. A
pessoa melancólica provavelmente vai viver sempre com esta vi-
são de mundo, mesmo que ela perceba que poderia ser diferente.
A pessoa que acumula derrotas em sua vida por vezes acaba se
acostumando com elas. Não sabe lidar com vitórias (porque nun-
ca as experimentou, portanto, são imprevisíveis e assustadoras),
por isso, inconscientemente está sempre atraindo o insucesso e
as frustrações. São sentimentos conhecidos, familiares, que ape-
sar de incomodarem, não apresentam ameaça para os padrões.
Isso me faz lembrar uma frase que uma vez me disseram sobre

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o fracasso: a merda é fedida mas é quentinha. Podemos dizer
que os padrões fazem parte de nosso sistema de aprendizado.
Nascemos apenas com algumas informações básicas necessárias
à nossa sobrevivência no preâmbulo de nossas vidas (instinto).
Todo o resto temos de aprender na marra, ali, no batente, na
experiência, na própria vida. É a tal da escola da vida que nos
ensina (por causa dos padrões) que tudo o que se repete é
verdade. Uma lógica primária, associada à nossa necessidade
de economizar energia, nos faz evitar ao máximo a constante
avaliação de eventos que parecem ser similares, mesmo que de
fato não sejam.

Uma escola sem


professores
Nossa vida não passa de um tipo excêntrico de experiên-
cia estudantil. Ao nascermos, somos inscritos na escola da vida,
onde aprenderemos como viver das mais diversas maneiras, mas
prioritariamente pela transferência de conhecimento, ou seja, al-
guém vai lhe dizer o que é “certo” e o que é “errado”. O que é
“verdade” e o que é “mentira”. Em geral, sem se dar ao traba-
lho de explicar o porquê de o “certo” ser “certo” e o “errado”
ser “errado”. Decore aí e pronto! Simultaneamente a isso, pas-
saremos por uma série de sabatinas, onde teremos de enfrentar
milhões de situações, ou seja, provas com milhões de perguntas
cujas respostas em geral alguém nos ensinou. Porém, sempre ha-
verá perguntas para as quais não saberemos a resposta pois ja-
mais passamos por esta matéria e, mesmo assim, teremos de res-
ponder ali, na lata. E o pior: as respostas nunca serão definitivas.
Você nunca saberá de verdade se acertou ou errou. As respostas
serão dinâmicas, como a vida. Até você morrer a vida estará sem-
pre lhe perguntando qual será a resposta certa para as perguntas
que ela lhe formular. Não haverá como escapar dessa sabatina
interminável. Quer dizer, passaremos a vida inteira sob pressão,
com necessidade de definir para nós mesmos e para os outros o

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que é “certo” e o que é “errado”. O tempo inteiro. E como es-
tes conceitos são absolutamente relativos, a nossa missão como
alunos estudiosos e aplicados será tentar manter o nosso equilí-
brio emocional administrando da melhor forma que podemos
as certezas e incertezas da vida. E o mais curioso dessa história
é que essa escola da vida não tem professores formais, apenas
outros alunos, tão perdidos e desconcertados quanto nós. Senta-
mos todos em nossas carteiras a espera de um mestre que nunca
aparece para nos dar aula. E essa estranha sociedade escolar aca-
ba por se organizar de forma a tentar suportar da melhor forma
possível essa incômoda ausência de orientadores. Naturalmente
vamos tentando nos adaptar. Alguns acabam escolhendo outros
alunos para cumprir o papel de preceptores, outros preferem
se juntar e chegar a consensos e outros ainda resolvem apelar
para o metafísico, passando a prestar atenção em um professor
que não podem ver, mas que por razões de conforto emocional,
acreditam que esteja lá ministrando aulas e compartilhando seu
conhecimento infinito.
Os alunos mais dedicados e interessados na matéria passam
a não se preocupar apenas com as respostas e sim com as per-
guntas, ampliando seu espectro de conhecimento e de ferramen-
tas de sobrevivência. Os alunos mais ousados, os criativos, por
vezes se rebelam contra as respostas consideradas “certas” pela
sua classe e passam a buscar novas alternativas que lhes deem
mais explicações e conforto emocional. Até porque as respostas
de cada classe dessa escola são escolhidas pelos próprios alunos
e não por um professor ou um conselho escolar. Portanto são
tão discutíveis quanto opressivas. Na falta do professor formal, a
classe decide o que é “certo” e o que é “errado”. Até que alguém
consiga provar que aquele conceito não tem validade, todos o
assumirão como verdade absoluta e inquestionável.
Ninguém nunca se formará nessa escola. Você entrará nela
quando nascer e só a abandonará quando a vida o abandonar.
Portanto, na minha opinião, a melhor maneira de cumprir com
nossas obrigações escolares é manter a mente aberta e preparada

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para enfrentar as duras provas da vida não só com conhecimento
decorado, mas com a capacidade de responder as perguntas com
bom senso, encontrando as respostas mais adequadas a você
como indivíduo e não à sua classe como um todo.

O que o Padrão
nos oferece?
Passaporte para a zona de conforto – Quando estamos no
Padrão, estamos confortáveis. Toda vez que fazemos, pensamos
ou vivemos algo que foge do nosso padrão, sentimos um des-
conforto de intensidade correspondente à distância entre esta
“coisa” e as nossas crenças. Se você resolver ficar pelado na praia
de Copacabana, vai sentir um grande desconforto, seja vindo de
você mesmo, seja pela reação das pessoas à sua volta. Se, por
outro lado você resolver ficar pelado em uma praia de nudismo,
o conforto será quase que garantido. Em Roma, faça como os
romanos. Uma garantia de que não será criticado por suas ações.
E você, consequentemente, se sentirá mais confortável.
Segurança – Não existe maneira de se sentir mais seguro do que
fazendo o que você já conhece e domina, o que já está consagra-
do, o que todo mundo aceita.
Equilíbrio – A sensação de equilíbrio pessoal de um indivíduo
está diretamente relacionada à quantidade de padrões que ele
respeita e segue. Uma pessoa que quebra muitos padrões está
sempre colocando seu prestígio, sua dignidade, seu nome, sua
integridade em risco.
Sensação de estar fazendo “a coisa certa” – Se todo mundo
faz uma coisa, é porque esta coisa é certa. Isso não é exatamente
uma verdade, mas é assim que nosso cérebro funciona. Como
uma das maneiras de aprendermos é a imitação, temos a tendên-
cia – forte – de acreditar que a maioria tem razão. Então, se você
está dentro do Padrão, está fazendo o que a maioria faz, portan-
to, você está “certo”. Parabéns a você!

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Sensação de aceitação social – Uma pessoa que se comporta
como todo mundo, tem a tendência de ser aceita pelo grupo. Já a
pessoa que se comporta de maneira diferente do grupo, é muito
provável que ela será expurgada de seu convívio. Por vontade
própria ou por ação específica do grupo. Por exemplo: um grupo
de amigos que se encontra sempre para conversar sobre seu tema
predileto: o comunismo. Num determinado momento um deles
começa a se desinteressar pelo assunto. Pior, começa a questio-
nar a validade e as qualidades desse sistema político. A amizade
pode não acabar por causa disso, mas esta pessoa terá uma forte
probabilidade de deixar o grupo. Ou por achar que aquelas pes-
soas não compartilham mais de suas crenças ou porque o grupo
passará a isolá-la e excluí-la de seu convívio. Os padrões ficaram
diferentes, portanto não há mais razão para compartilhar a sua
companhia. Tendência, não garantia. É por isso que ao respeitar-
mos todas, ou quase todas, as regras de um grupo, ficamos com
a sensação de sermos aceitos por este grupo.

Um sólido castelo construído


ao longo do tempo
Nosso conforto emocional está diretamente relacionado ao
conjunto de padrões que vamos acumulando ao longo de nossa
vida. São como uma construção que começa assim que nascemos
e só termina quando damos adeus a este mundo. Tijolinhos que
vamos empilhando com todo cuidado. Conforme vamos viven-
do, vamos ampliando nossa humilde morada. É puxadinho pra
cá, puxadinho pra lá, e logo estamos montados em um castelo
cheio de quartos, corredores, cômodos inabitados, um verdadei-
ro labirinto. Cada cômodo é uma crença que vamos erguendo em
nossa vida. Quanto mais velhos vamos ficando, maior é o nosso
castelo e, portanto, maior a dificuldade de rever posições, de que-
brar algumas paredes. Porque cada padrão que quebramos é uma
parede que se vai. E se você já reformou sua casa sabe que não

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existe reforma simples. Por abaixo uma simples parede pode dar
uma dor de cabeça inacreditável, porque ela sempre estará conec-
tada a uma estrutura, a uma outra parede, a um encanamento ou
instalação elétrica importantes. E é isso que acontece em nosso
cérebro. Cada vez que a construção que temos em nossa men-
te se mostra ultrapassada, equivocada, contraditória, temos de
botá-la abaixo, mas, antes disso, em geral negamos que isso seja
necessário. Em geral criticamos a informação nova como per-
niciosa, ultrajante, subversiva. É uma tentativa louca do cérebro
de não precisar quebrar um padrão, de não mudar uma ideia que
já está consagrada em nossas mentes, de não ter que reformar o
castelinho mais uma vez.
É claro que existem diferenças de importância. Paredes que
já estão caindo aos pedaços são mais fáceis de derrubar. Paredes
de madeira, de gesso, ou seja, padrões que ainda não estão arrai-
gados ou que se referem a um assunto que não interessa muito ao
indivíduo. Quanto mais importante é o assunto, mais relacionado
à estrutura do castelo ele estará. Imagine ter que por abaixo o
piso térreo de um prédio de vários andares. Não há como fazer
isso sem derrubar o prédio inteiro. E é por isso que negamos
até a morte a necessidade de mudança. Principalmente daquelas
crenças que estão na base de todo um pensamento construído
ao longo de anos e anos de sangue, suor e lágrimas. Estes são os
padrões que, ao serem quebrados, provocam grandes traumas, já
que o estrago é grande. Pior que isso só quando os padrões são
tão fundamentais que são relacionados às fundações do próprio
castelo, ou seja, toda a visão de vida de um indivíduo está cons-
truída sobre certos conceitos e filosofias que por alguma razão
são atingidas, provocando um grande trauma. Dificilmente uma
pessoa se recupera de um trauma desta monta. É como ter que
morrer e nascer de novo. Jogar fora tudo no que se acredita e
começar de novo, do zero, como se criança fosse novamente.
De fato, é muito difícil resolver este problema. A pessoa já viveu
muito, já construiu conexões neurais, já construiu uma forma de
ver o mundo, já tem um sem número de crenças e descrenças,

59
enfim, as chances de a pessoa ter condições psicológicas para se
recuperar se tornam muito pequenas.
Uma vez assisti um documentário que mostrava um homem
que ficou cego aos quatro anos de idade e que voltou a enxer-
gar aos quarenta e poucos graças a uma experiência tecnológica
bem-sucedida. Num primeiro momento, pensei: uau, que alegria
este homem deve estar sentindo. Enxergar é uma das coisas mais
importantes, na minha opinião. Porém, o que testemunhei a se-
guir me deixou consternado: após quarenta anos de cegueira, o
tal sujeito havia construído todo o seu castelo com base nas per-
cepções que ele desenvolveu sendo cego. Deu nome e forma às
coisas. Criou seus padrões, fortaleceu suas crenças. Mas quando
voltou a enxergar, praticamente nada daquilo que ele conhecia
batia com o que ele agora vislumbrava. Se bobear, nem a própria
mulher ele reconheceu. E, mesmo reconhecendo, a imagem que
ele fazia dela não era a mesma que ele agora se deparava. Que
horror! Imagine-se abrindo os olhos e não sabendo reconhecer
nada do que estiver diante deles. Ou seja, aos quarenta e tantos
anos, o pobre homem teve de aprender tudo de novo. E com um
agravante: sua capacidade de aprendizado, em função da idade, já
não era mais a mesma da infância. E outra: ele continua usando
bengala para caminhar, pois uma das coisas que seu cérebro não
reconhece é a profundidade, a imagem em três dimensões. Ele
caminha pela rua e não sabe quando a calçada termina, não sabe
quando uma escada é uma escada, não percebe ondulações no
solo. Realmente, uma experiência dolorosa e extremamente difí-
cil de passar. Um verdadeiro massacre psicológico.
Os padrões são fundamentais para a nossa existência. Mas,
ao mesmo tempo, podem ser a nossa derrocada, em função da
espécie de prisão que eles nos colocam. A dependência que te-
mos deles para viver. É, meu amigo, liberdade é uma coisa que
não existe. Os padrões controlam totalmente nossa vida.

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Os tipos de padrões
1) Padrões Variáveis – Pensamentos e comportamento em ge-
ral. São nossos padrões variáveis, que vamos acumulando du-
rante a vida e que, de alguma forma, temos acesso para realizar
mudanças. Fáceis ou difíceis, dependendo da importância que o
assunto tem para nós. Por exemplo, aprender a dirigir. Você não
nasce sabendo, mas consegue aprender. E depois que aprende,
precisa fazer apenas pequenos ajustes em função dos carros que
dirige. E se por acaso comprar um carro com câmbio automático
este ajuste será um pouco mais radical, mas nada que você não
consiga dar conta. Outro exemplo: você, durante muito tempo,
assiste a um programa de TV estrangeiro. De repente, o progra-
ma que era dublado, passou a ser transmitido com o som origi-
nal, ou vice-versa. Você inicialmente não vai gostar das vozes
novas, vai achar que não combinam com os personagens. Mas
na verdade será apenas um padrão quebrado. Em pouco tempo,
nada disso o incomodará mais.
Mas, temos também os padrões que não percebemos. Faça
uma experiência simples e você vai notar claramente. Escute a
mesma música gravada em estéreo várias vezes com um bom
fone de ouvido. Depois inverta os fones. Você vai sentir um des-
conforto, às vezes não reconhecível. Na verdade vai ser a mudan-
ça de padrão. O que tocava no ouvido direito foi para o ouvido
esquerdo e vice-versa.
2) Padrões Inefáveis – São os padrões que não dependem ne-
cessariamente de pensamento para a sua construção. Determi-
nam nosso “jeito”. Jeito de andar, de comer, de falar, de nos
comportar, enfim, nossa postura física. Também podem ser alte-
rados, mas estão mais associados ao movimento do que a algum
tipo de raciocínio. É o atleta que repete um movimento à exaus-
tão para poder aprimorá-lo. É um fisioterapeuta que corrige a
postura de um cliente. É a menina que faz curso de modelo para
aprender como andar, desfilar etc.
3) Padrões Sistêmicos – Sistema operacional da máquina, total-

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mente independente. Não temos nenhum controle. São aqueles
padrões que já vêm embutidos em nosso DNA e que se ma-
nifestam independente de nossa vontade e não estão sujeitos à
mudanças. Podemos incluir nesta categoria, em primeiro lugar, o
funcionamento de nossos órgãos. Basicamente, estamos falando
da Diretiva Primária e seus comandos. Nosso instinto de sobre-
vivência. Nossa necessidade de pertencer a grupos. Nossa ne-
cessidade de preservar a espécie e de procriar. E uma infinidade
de outros padrões que até podemos tentar controlar de vez em
quando, inutilmente, já que são mais fortes do que a gente, pois,
no final das contas, eles são a gente.

Existem também subdivisões dentro dos Padrões Variáveis e


dos Padrões Inefáveis:
1) Padrão Post-it – São padrões que se alteram sem muito sa-
crifício, como, por exemplo, a rua que você passa todos os dias
para chegar ao trabalho está interditada. Você se incomoda, mas
a solução é simples e sem grandes traumas.
2) Padrão Esparadrapo – Padrões que você consegue quebrar,
mas dá um certo trabalho, que incomodam mais. Por exemplo,
desilusão amorosa. Até um certo momento aquela pessoa era a
ideal e seu cérebro tinha certeza disso. Quando esta certeza se
desfaz, o choque é grande. Provoca muita dor. Mas com o tempo
e às vezes com algum tipo de trabalho psicológico, a dor vai se
dissipando e conseguimos esquecer aquelas certezas e partir para
outros relacionamentos.
3) Padrão Superbonder – Padrões muito arraigados em nosso
cérebro. Cristalizados. Muito difíceis de se quebrar. Em geral são
os padrões criados em nossa infância. Esses, realmente são jogo
duro. Você até consegue quebrar, mas o processo exige muito sa-
crifício e não há garantias de sucesso. Simplificando ao extremo,
imaginemos uma pessoa que foi rejeitada pelos pais. Em geral
esta pessoa vai desenvolver uma baixa autoestima e passará sua
vida com uma necessidade incontrolável de provar o seu valor
aos outros. Esse padrão, como disse, pode até ser modificado,

62
mas não há como prever as consequências. Toda a sua estrutura
neural foi construída em cima delas. Dificilmente você conse-
guirá alterá-la.

Criando padrões
Criar padrões, no frigir dos ovos é aprender algo. É quando
introjetamos uma informação e ela começa a fazer parte de nos-
so repertório. E como seres autogeríveis que somos, possuímos a
capacidade de aprender, que se manifesta de várias formas:
Imitação – Talvez o mais importante e eficiente de todos. Desde
que nascemos nos utilizamos desta ferramenta, que nos faz, de
maneira prática e objetiva, aprender o que é “certo” e o que é
“errado” para aquele grupo a que por ventura pertençamos. É
graças à imitação que boa parte de nosso aprendizado não de-
pende de alguém nos ensinando. Basta estarmos próximos e ob-
servarmos atentamente. E muitas vezes, nem precisamos prestar
atenção, já que a imitação é tão arraigada em nós que ela ocorre
também de forma inconsciente. O sotaque, por exemplo, é uma
demonstração de que imitamos as pessoas à nossa volta, mesmo
sem querer, pois em geral absorvemos o sotaque do grupo social
que frequentamos, independente de nossa vontade. Aprender
por imitação é processar uma informação por observação e não
por experiência.
Aprendizado Passivo – É a didática propriamente dita. Alguém,
conscientemente ou não, nos ensina sobre algum assunto. Esco-
las são os locais onde o Aprendizado Passivo ocorre com mais
frequência. Neste caso, você aprende que fogo queima porque
alguém insistentemente lhe alerta do perigo.
Aprendizado Ativo – É a maneira mais estimulante e ao mesmo
tempo dramática de se aprender, de se criar padrões. Você vive
uma situação em que, em função do resultado de suas ações, con-
clui o que é “certo” e o que é “errado”. É por a mão no fogo e
descobrir que queima. Não porque alguém lhe disse que queima,
nem porque você viu alguém pondo a mão no fogo e sofren-
do queimaduras, mas pela experiência pessoal e intransferível de

63
viver o aprendizado. O padrão fica mais sólido, mais difícil de
se quebrar, pois possui argumentação incontestável e não ape-
nas uma base teórica e empírica. Quando você imita ou tem um
Aprendizado Passivo, você confia na informação, mas não tem
provas que calam fundo ao seu coração. Quando você aprende
por experiência, as provas ficam marcadas indelevelmente em
sua lembrança fazendo com que sua crença naquele padrão seja
mais sólida e resiliente. Em geral, o que aprendemos com experi-
ência pessoal não esquecemos. Você já viu que a melhor maneira
de conhecer um lugar é se perdendo por suas ruas? E que depois
você nunca mais esquece? Pois é, a experiência própria resulta
nas estruturas neurais que temos de criar sem ter nenhuma refe-
rência, sem ter de quem imitar ou aprender. É pegar as peças e ir
montando para ver que bicho vai dar. E é por isso que acredito
na vivência e na experimentação como ferramentas fundamen-
tais de aprendizado.

As formas de se criar
e/ou quebrar padrões
A grosso modo, existem apenas duas maneiras:
a) Em conta-gotas – a repetição exaustiva de um pensamen-
to, uma situação, um sentimento, gerando uma (re)programação
mental.
b) Dose única – um evento dramático e marcante gerando pro-
gramação ou alterando drasticamente uma já existente.
Quantas vezes precisamos dizer para uma criança que uma
tomada dá choque até ela aprender? E se ela puser de fato o dedo
na tomada, quanto tempo ela vai demorar para aprender a lição?
Independente de qualquer coisa, parece que quanto mais
quebramos padrões, mais precisamos deles. Ou seja, não há nin-
guém, por mais libertário e independente que seja seu espírito,
que não necessite em seu íntimo de um porto seguro para os
momentos de tormenta.

64
Tudo é Padrão
Tudo o que pensamos, acreditamos, gostamos ou não, en-
fim, tudo o que nosso cérebro comanda está sob o manto dos
padrões. Não existe não-Padrão. Não existe um purgatório, uma
antessala. Quando saímos de um padrão, imediatamente entra-
mos em outro. É sempre ligação direta entre o padrão anterior e
o próximo. O cérebro aprende com a vida e ele precisa de ordem
e lógica para se manter equilibrado e funcional. E o que é ordem
ou lógica senão um conjunto de padrões? O aleatório provo-
ca um tremendo desconforto e o cérebro o evita a todo custo.
Quando um evento ocorre uma vez o cérebro parte do princípio
de que aquilo é o correto. Se o evento se repete a certeza vai fi-
cando maior. E quanto maior a repetição, mais certeza o cérebro
vai adquirindo. Mais sólido e profundo vai se desenvolvendo um
padrão.
O cérebro não pode, ou não quer, se dar ao luxo de adquirir
qualquer tipo de conhecimento que necessite de foco e atenção
constante. É desperdício de energia termos de raciocinar toda
vez que, por exemplo, formos operar uma máquina. Aprendemos
a usá-la e a partir daí ficamos no automático. Ao criar padrões
eliminamos a necessidade de avaliações e dissertações sobre as-
suntos que acreditamos já conhecer. O não estabelecimento de
padrões põe em risco este conceito, pois exigiria que o cérebro
mantivesse foco sobre vários assuntos ao mesmo tempo, o que é
fisicamente impossível.

O que nós comumente classificamos de caos,


não existe na irrepreensível lógica matemática
da Natureza. Na verdade, usamos a palavra caos
para definir tudo aquilo que não compreendemos.

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Aspas em tudo
Todos os nossos pensamentos, todas as nossas crenças, tudo
o que imaginamos saber, a nossa visão de mundo, enfim, todo o
nosso repertório está enquadrado na categoria Padrão. Acharmos
que uma coisa é “bonita” ou “feia”, “boa” ou “ruim”, “certa” ou
“errada”, tudo é Padrão. Tudo está relacionado à forma como
fomos educados, como aprendemos cada pequeno conceito,
como o ambiente nos influenciou, como nosso grupo social nos
influenciou. Não existe não-Padrão. Analisando friamente, todos
os conceitos que carregamos em nosso sistema de crenças, todas
as nossas opiniões e todos os adjetivos que usamos em qualquer
circunstância deveriam sempre estar assinalado com aspas. Por-
que, por serem padrões, serão sempre subjetivos, sempre sujeitos
à interpretação frente a referências específicas, serão sempre ape-
nas visões e nunca, nunca mesmo, a “verdade”, a “realidade” ou
qualquer que seja o termo que você escolha usar. Mas qualquer
que seja ele, não tem escapatória, será sempre, inexoravelmente,
apenas um padrão.

66
CASTELO DE
LEGOS
Juntando as pecinhas
Quando eu usei a metáfora do castelo para explicar nossa
estrutura neural, estava pensando não num castelo de tijolos, mas
num Castelo de Legos. A plataforma, aquela placa que geralmente
é da cor verde, é o que eu chamo de Sistema Operacional com o
qual nascemos. Nosso instinto, nossa capacidade de fazer coisas
que não foram aprendidas, ou seja, que nascemos sabendo: ma-
mar, chorar, respirar, fazer xixi, coco etc. Nossas características
físicas, biológicas e psicológicas também estarão ali. E mais: os
gatilhos futuros, ou seja, tudo aquilo que deverá acontecer em al-
guma época específica de sua vida: as trocas de dentição, a puber-
dade, as eventuais doenças genéticas, tudo estará ali, na plaquinha
verde. A partir daí, cada pequena coisa que vamos aprendendo,
cada padrão, cada crença definida é uma pecinha do lego que será
encaixada nesta estrutura. Vamos construindo nosso castelo aos
poucos. Castelo este que só deixará de crescer quando formos
desta para melhor. Todas as peças se encaixam e são conectadas a
várias outras. São, ao mesmo tempo, sustentação e sustentáculos,
tamanha é a simbiose. Ao encaixar uma peça de lego na estrutura
do castelo, estaremos encaixando ao mesmo tempo pequenas pe-
cinhas em várias outras torres, criando essa conexão poderosa. É
como um software ao ser instalado no sistema operacional Win-
dows. Vários arquivos são instalados em várias pastas espalhadas
pelo HD do computador. É por isso que para tirarmos um pro-
grama de circulação não basta apagá-lo, é preciso desinstalá-lo,
ou seja, apagar todos os arquivos espalhados por uma infinidade
de pastas. O que eu quero dizer é que cada informação que ab-
sorvemos vem acompanhada de várias sub-informações que são
guardadas em diversos pontos de nosso Castelo de Legos. E é
este fenômeno que cria a interdependência entre informações,
às nossas redes neurais. Por exemplo, se sofrermos um acidente
e nosso cérebro for atingido, danificando a peça de lego onde
está registrada a cor azul. A partir deste momento, tudo o que
for azul nos provocará algum tipo de desconforto em função de

68
nossa incapacidade de reconhecer a cor azul. Em nosso cérebro,
o azul não é somente a cor azul, mas todas as coisas às quais esta
cor se conecta.
Com a imagem do Castelo de Legos na cabeça vai ficar mais
fácil de você entender porque as pessoas têm tanta dificuldade
de mudar, de se transformar, de alterar seu comportamento, de
repensar questões fundamentais de sua vida. Imagine que seu
castelo já possui várias torres bem sólidas e você descobre que
uma peça colocada lá embaixo não é compatível com uma de-
terminada realidade com a qual você se defrontou. Aliás, muitas
peças encaixadas acima e ao lado dela só estão lá porque com-
binavam entre si. Ao desejar retirar a peça indesejada, você terá
de se livrar de um bom pedaço de sua torre e começar tudo de
novo. Como fazer? Você tem coragem de desmontar boa parte
desta torre que demorou tanto e que custou tanto a construir?
E depois, o que vai acontecer? Será que conseguirá erguer ou-
tra estrutura? Sem contar o desânimo e a preguiça de começar
um processo que achávamos resolvido. Fora a sensação de vazio
que certamente tomará conta de você após a derrubada da torre.
Pronto. Está deflagrada uma crise. É por isso que as pessoas têm
esta imensa dificuldade de mudar. E quanto mais o tempo passa,
mais peças são colocadas sobre a construção e mais difícil fica
mudar as coisas fundamentais que formam a sua estrutura.
A estrutura de lego também explica porque as pessoas têm
opiniões diferentes e entendem as coisas que acontecem à sua
volta de maneira tão variada e às vezes conflitantes. Cada um
constrói seu castelo de um jeito. A plataforma é a mesma, mas o
jeito que as pessoas vão encaixando suas peças muda de indiví-
duo para indivíduo. Em função de suas experiências pessoais, das
coisas que vive, das influências de outras pessoas e do ambien-
te. Até porque não são construções perfeitinhas. Peças escapam
para os lados, às vezes sem sustentação, sem um propósito. As
torres são irregulares e quase caóticas. Como nós. Então, como
cada um constrói seu castelo do jeito que pode, as variações são
imensas. Por isso as opiniões e visões de mundo são tão diversas.

69
Todos sabem que aquilo que aprendemos na infância pra-
ticamente é esculpido em nossa mente. Não tem muito como
mudar. Até os sete anos, diz o senso comum, estamos formando
a nossa estrutura emocional. A partir daí, tudo é consequência.
Pois bem, voltemos ao nosso Castelo de Legos. Temos a plata-
forma que serve como base, nosso Sistema Operacional. Nasce-
mos com ele e tudo é construído a partir dele. Depois começa-
mos a encaixar as peças que vão servir como sustentação para
todo o resto. Esta sustentação está relacionada às questões mais
básicas da vida de uma pessoa. Como seu cérebro funcionará,
como será seu caráter, seu comportamento, seu modus operandi
etc. E a partir daí nosso castelo seguirá para as alturas, sempre na
sequência desta sustentação. Tudo estará montado a partir dessas
peças que são a premissa de vida do indivíduo. Não vejo mesmo
como mudar depois de definido o caminho. As peças lá de baixo,
que formam a sustentação, não serão modificadas a menos que
a torre inteira venha abaixo. E isso jamais ocorrerá sem a con-
sequência trágica de um colapso psicológico, já que um adulto
dificilmente conseguirá começar a vida do zero como se fosse
uma criança novamente.
Vamos pegar como exemplo a recente Reforma Ortográfi-
ca da Língua Portuguesa. Você provavelmente foi alfabetizado
utilizando com regra o código anterior. E como a alfabetização
ocorre justamente até os sete anos de idade, estes padrões se
encontram hoje na base de seu Castelo de Legos. Por isso, la-
mento dizer, você vai passar o resto de sua vida se incomodando
com as novas regras. Seremos todos viúvos do antigo código.
Cada vez que escrevo “ideia”, por exemplo, me dá muita raiva,
porque sempre acentuei esta palavra e mesmo sabendo que não
existe mais este acento, a lembrança de sua existência me exaspe-
ra. Tenho amigos que foram alfabetizados utilizando um código
ainda anterior ao meu e até hoje escrevem, por exemplo, “ele”
com acento, ou seja, “êle”. É possível se reprogramar a ponto de
não percebermos mais o padrão anterior? Claro que sim, tudo é
possível. Porém, a informação está guardada em um local muito

70
profundo em sua mente e isso geralmente dificulta demais qual-
quer tipo de interferência.

O cérebro detesta refação


Para se ter uma ideia de nosso comportamento em relação
ao Castelo de Legos, imagine-se na seguinte situação: alguém lhe
pede para montar um pequeno castelo feito justamente com pe-
ças de lego e lhe dá meia hora para realizar esta tarefa. Trinta mi-
nutos depois, missão cumprida. Porém, a mesma pessoa que lhe
solicitou a montagem reprova o resultado. Então ela lhe mostra
outro castelo e diz que aquele é o “certo” e o seu é “errado”. E
pede para você desmontar o seu e montar novamente usando
o exemplo dele como referência. Qual seria sua reação? Oba,
vou desmontar meu castelo e montar novamente! Claro que não.
Você vai ficar incomodado, pra dizer o mínimo. Vai reclamar,
perguntando por que não havia sido avisado antes que existia
um modelo “certo”, dizendo que perdeu meia hora de sua vida,
enfim, você não vai gostar nada da situação. Pois bem, pense
que isso vai acontecer por causa de meia hora. Trinta insignifi-
cantes minutos. Então pense o que significariam anos. Pois é o
que acontece quando somos defrontados com crenças e padrões
que demoramos anos para construir. É óbvio que não vamos
aceitar a sua derrocada. Não sem lutar. O cérebro considera que
o que está feito, está feito. Apesar de ele entender a necessidade
de adaptação à novas realidades, ele sempre irá lutar bravamente
para manter intactos os conceitos que desenvolveu ao longo de
muito tempo. Porque, afinal de contas, lhe custaram muita ener-
gia. E você sabe que para ele, economizar energia é uma priorida-
de absoluta. É por isso que geralmente nos incomodamos mais
refazendo algo do que fazendo. E desmontar torres do nosso
Castelo de Legos não faz parte dos planos de ninguém. E mais:
quando tentamos convencer alguém que não concorda conosco,
estamos, na verdade, tentando preservar nosso castelo, pois se o
outro tiver razão, teremos de reformar o nosso. Que horror!

71
Castelo de Legos
e as torres gêmeas
Acredito que uma boa forma de explicar a quebra de padrões
é imaginar o inesquecível evento ocorrido em 11 de setembro de
2001. A queda daquelas imensas estruturas de concreto e ferro
significaram muito mais do que uma simples demolição de um
par de prédios. O World Trade Center representava a pujança e
o poder econômico estadunidense. A potência mundial em toda
a sua plenitude. Demorou anos para ser construído a um custo
de milhões e milhões de dólares. É como em nossa cabeça. Um
conceito importante que vai sendo construído aos poucos com
peças de lego até atingir uma estatura monumental e significar al-
guma coisa muito importante para nós. Ao serem atingidas e des-
truídas, as torres gêmeas causaram pânico, dor e um sentimento
de impotência em todos nós. Ali, um conceito ruiu junto com os
arranha-céus: o de que alguém pode ser inatingível. Aquele even-
to em particular mostrou ao mundo que qualquer um pode ser
derrotado, a despeito de sua força e poder. A Al Qaeda usou de
muita criatividade para perpetrar seu plano. Inteligente, surpre-
endente e inovador, como uma ideia poderosa deve ser. E a partir
dali tivemos todos que reconstruir vários conceitos em nossas
cabeças. Os Estados Unidos não são imbatíveis, portanto, nin-
guém é imbatível. Os fracos podem enfrentar os mais fortes sem
medo. O mundo ocidental não é mais tão seguro como costuma-
va ser. E por aí vai. Ainda na metáfora do Castelo de Legos, o
processo de reconstrução das torres é bem parecido com o real.
Em primeiro lugar, o choque. Em segundo a necessidade de lim-
par o terreno dos escombros. E, em terceiro, a reconstrução. E
como em nossas cabeças, todos esses processos são demorados
e dolorosos. Tanto que demoraram uns dez anos para começar
a construção das novas torres que tomarão o lugar das antigas.
A quebra de padrões para o nosso cérebro é coisa de terroristas.
Mas quem lidera nossas forças nessa guerra ao terror?

72
O PEDRÃO
Quem é o Pedrão?
O cérebro, como todos os poderosos que conhecemos,
adora ficar dando ordens sem precisar por a mão na massa cin-
zenta. E não satisfeito em ser o manda-chuva-todo-poderoso,
também quer ser a Rainha da Inglaterra. E, por isso, nomeou
um premier, ou um Primeiro-Ministro, um Chefe de Gabinete
para cuidar do dia-a-dia, para dirigir seu império resolvendo os
problemas que insistem em surgir em nossas vidas. Para tanto,
contratou um autêntico Funcionário-Padrão. Esse capataz dedi-
cado e exigente atende pelo nome de Pedrão. Nada mais óbvio.
E, como todo capataz, quer ser mais real do que o rei. Não tem
bom senso nem flexibilidade. Para ele tudo é preto ou branco.
Não existe cinza. Pedrão é aquela voz interior que diz pra gente
o que é “certo” ou “errado”. Como veremos ao longo deste
livro, ele é quem controla a gente de uma maneira avassaladora.
Quase tudo o que pensamos, fazemos e sentimos é controlado
pelo Pedrão. Servidor fiel do cérebro e seus desígnios, ele faz
de tudo para que a gente reaja conforme nossa programação
mental. E devo dizer que ele é bem-sucedido em uma grandíssi-
ma escala. Ele tem a responsabilidade de fazer com que nossos
padrões mentais sejam respeitados e seguidos, não importam as
consequências.
É claro que o cérebro é mais inteligente e flexível que o Pe-
drão, mas, por comodismo, prefere deixar o cotidiano chato nas
mãos deste dedicado subalterno. Porém, em certos momentos
resolve intervir e abrir exceções às rígidas regras seguidas pelo
brutamontes. Sim, o Pedrão é um brutamontes, daqueles que
participam de concurso de fisiculturismo. Um amontoado de
músculos a serviço dos padrões. Um gigante de poucos amigos
e nenhuma flexibilidade. Aliás, suspeito que o Pedrão não seja
brasileiro, já que com ele não tem jeitinho, não tem “quebra
essa, amigão”, não tem papo furado. O Pedrão é assim: preto
no branco, pão-pão, queijo-queijo e mais quantas frases feitas
você conhecer para definir alguém incapaz de mudar, de relaxar,

74
de aceitar novidades. O cérebro, como regente supremo, tem a
prerrogativa de contrariar as leis e as regras estabelecidas por ele
mesmo, quando assim julgar necessário. Se não fosse assim, não
teríamos a capacidade de aprender nada, de lidar com novidades
e surpresas, o que faria nossa vida ser impossível. A começar por
falar, andar, ir ao banheiro e todo o resto de atividades que de-
senvolvemos como indivíduos autônomos. A função do Pedrão
é uma e apenas uma: nos controlar. Nos avisar o que é “certo” e
o que é “errado”. Existe trabalho mais simples?
O Pedrão é um sujeito muito tenaz e trabalhador. Ele tem
muita responsabilidade em suas mãos e não foge dela. Se neces-
sário for ele briga com você para manter as coisas como elas es-
tão. Afinal, em time que está ganhando, chega a ser elementar a
incoerência de se alterar sua escalação, diria o poderoso Pedrão.

O Pedrão, o
piloto automático
Enquanto o Pedrão está trabalhando nosso cérebro está
descansando. As atividades, pensamentos e procedimentos vão
sendo realizados sem nenhuma interferência da área responsável
pelo raciocínio. As coisas acontecem por inércia, sem desgaste
de energia cinética, sem perdas de tempo, sem dúvidas. É como
o piloto automático de um avião: quando ele é acionado o avião
realiza todas as suas manobras dentro de uma lógica pré-progra-
mada que leva em consideração as condições naturais de um voo.
Porém, se algum novo evento surge no meio do caminho, o pilo-
to humano – o elemento pensante no cockpit do avião – toma o
manche para si e passa a tomar as decisões que julgar necessárias
para a transposição daquele eventual problema. E na nossa vida
também é assim. Quer dizer, quase assim. O cérebro, diferente
do comandante do avião, é um pouco negligente com a máquina
que pilota. Liga o piloto automático, ou seja, o Pedrão, em grande
parte de nosso dia e deixa que ele resolva todos os problemas,

75
mesmo os mais complexos. Ele só toma o controle se não tiver
mesmo outro jeito.

Pedrão, o ventríloquo
Esta é outra imagem que eu adoro para explicar o Pedrão.
Nós somos apenas títeres em suas poderosas mãos. Praticamente
não fazemos nada sem sua autorização. Pior, a imensa maioria
das coisas que fazemos, dizemos e pensamos é de sua autoria.
Você acredita mesmo que pensa livremente, que ninguém o con-
trola, que você é uma alma livre, leve e desprendida de amarras?
Desculpe, mas você está enganado. Você é apenas um boneco
sentado no colo do Pedrão. Ele controla seus movimentos e sua
fala. Toda vez que você gira a cabeça é porque o Pedrão assim
o quis. E tudo, absolutamente tudo o que você fala (pelo menos
enquanto está mentalmente são) sai da boca do Pedrão e não da
sua. Mas como todo bom ventríloquo, ele não mexe a própria
boca, dando a impressão de que quem fala é você, encantando e
divertindo a plateia.

Pedrão e o
Homer Simpson
A sociedade regida por padrões é muito importante para a
organização e convivência, mas existem vários efeitos colaterais
para tudo na natureza. Nada é 100% bom, nem 100% mau. Na
verdade, os conceitos “bom” e “mau” sequer existem na Nature-
za. São invenções humanas. O leão não é malvado porque come
a gazela. Ele apenas a mata para comer. E sem os predadores, as
populações de certos animais explodiriam, prejudicando todo o
ecossistema. As gazelas comeriam todo o pasto e toda a sua espé-
cie morreria de fome. Essa é a lógica, incontestável, da natureza
e seus códigos. Mas enfim, voltando ao assunto deste capítulo,
nosso modo de convivência é regido por padrões. E os padrões
são criados não só pela experiência de cada indivíduo, mas tam-

76
bém, e, principalmente, por fatores externos. Quando você vive
em algum tipo de grupo, as regras e crenças geralmente são claras
e definidas. Se eu sou punk, tenho de me vestir, usar cabelos e
falar como punk, se quiser ser aceito num grupo punk. Se eu sou
médico, além de estudar e tirar o diploma, claro, eu preciso me
comportar como médico para ser aceito num grupo de médicos.
E por aí vai. Mas como você já deve ter percebido, ninguém é
igual a ninguém. Para se viver em harmonia dentro de qualquer
grupo você tem de, necessariamente, fazer uma série de conces-
sões. Não existe nenhum grupo que represente o pensamento
integral de seus membros. Isso é impossível. Você pode pensar
que talvez os fanáticos religiosos consigam, mas mesmo eles têm
suas diferenças, mesmo que mínimas.
Nosso pensamento é caótico, muitas ideias, conceitos e ima-
gens estão o tempo todo se entrelaçando em nossas cabeças. Só
elaboramos de fato um pensamento linear quando escrevemos
ou quando falamos. Fora isso, nosso pensamento corre livre e
solto. Nossas emoções são rebeldes e por vezes incontroláveis.
Não raro temos pensamentos que nós mesmos reprovamos, que
achamos repugnantes e imperdoáveis. O que nos provoca um
desconforto considerável, por não sermos seres “perfeitos”. Isso
acontece porque estes pensamentos ditos reprováveis não estão
em conformidade com os padrões estabelecidos pelo nosso Pe-
drão ou pelo grupo ao qual nós pertencemos. E o tal de Pe-
drão chia uma barbaridade. Nos sentimos culpados, inferiores,
indignos etc. É outra de nossas curiosas contradições. Não nos
damos direito a pensar como queremos apenas porque queremos
respeitar e seguir todas as regras e crenças de nosso grupo. Não
tem nada a ver com moral, ética, dignidade, caráter. São pensa-
mentos que temos. Não precisamos concordar necessariamente
com eles, mas também não precisamos sofrer por produzi-los.
Esse massacre psicológico certamente provoca várias doenças e
distúrbios psicológicos. E o que o Homer Simpson tem a ver
com isso? Tudo. Para mim, o segredo do estrondoso e prolon-
gado sucesso deste seriado se deve a este personagem em parti-

77
cular. Os mais velhos deverão se lembrar que o protagonista da
série em seus primórdios era o Bart, filho do Homer. Mas logo
este pai de família mostrou todo o seu potencial e sua capacidade
inesgotável de fazer as pessoas rirem e se deliciarem com sua
personalidade equivocada. E por que é que nós rimos tanto com
ele? Por que ele representa a classe média americana, idiotizada?
Talvez. Mas o fato é que rimos do Homer porque ele representa
a nós mesmos! Eu explico. O Homer não tem vergonha de botar
pra fora este monte de pensamentos que nós morremos de ver-
gonha apenas por produzi-los. E o sujeito fala todas aquelas bar-
baridades com a maior naturalidade do mundo. Pode ter certeza,
se nós não nos identificássemos de alguma forma com o que ele
diz, não acharíamos graça nenhuma em suas falas. Sinto dizer,
mas você não está rindo da classe média americana idiotizada.
Está rindo de si mesmo. Da natureza humana. “Nossa, como é
que pode este imbecil falar com tanta tranquilidade aquilo que eu
tenho vergonha até de pensar?”. Homer é um ser humano nor-
mal, sem filtro. Sem superego. Sem Pedrão. Ou com um Pedrão
com um parafuso a menos, tanto faz. E nós somos, por dentro,
iguaizinhos a ele. Só não verbalizamos. Por medo ou vergonha.
De qualquer forma, acredito que devamos dar um voto de
confiança a nós mesmos. Não há razão para nos culparmos por
termos pensado X ou Y. Os pensamentos são caóticos e incon-
troláveis. Na grande maioria das vezes não são produzidos por
nós por vontade própria. Simplesmente surgem. Portanto não
somos diretamente responsáveis por sua existência. Então por
que nos sentirmos culpados por um pensamento condenável? É
o mesmo que nos sentirmos culpados, por exemplo, pela invasão
do Iraque. Ora, não temos nada que ver com isso. Da mesma
forma, nossos pensamentos. Não precisamos concordar neces-
sariamente com eles, mas a sua simples produção não é em si um
ato minimamente condenável, ou seja, você não deve se culpar
por aquilo que você não controla.

78
Em busca do
Padrão Perfeito
Ao aprender alguma coisa, passamos a operá-la automatica-
mente, ou seja, à medida em que repetimos uma ação ela passa a
fazer parte de nossa programação mental. Cada vez que neces-
sitamos daquela informação, a reproduzimos quase que exata-
mente do jeito para o qual fomos programados. Relembrando:
falar, caminhar, dirigir etc. Lembre-se que tudo isso dependeu
de muita concentração, muito foco, muita perseverança e muita
repetição. A partir de um certo momento, nosso consciente foi
dispensado e passamos a ser controlados pelo subconsciente, ou
seja, o cérebro passou o bastão para o seu fiel pupilo, o Pedrão.
Isso posto, imagine que você precisa aprimorar o desempe-
nho de alguma ação que você já realiza com certa regularidade
e, além disso, quer que ela aconteça sempre da mesma maneira,
exatamente da mesma maneira. Você já sabe do que se trata, já
realiza aquilo no automático, mas quer aprimorar seu desempe-
nho e conquistar melhores resultados. O que é que você faz?
Treina. Repetição à exaustão. Talvez quem mais se utilize des-
te expediente sejam os atletas de alta performance. O jogador
de tênis precisa treinar muito para manter um alto nível. Precisa
deixar cada vez mais automática qualquer situação que ele venha
a enfrentar em uma competição oficial. Ele precisa diminuir ao
máximo o dispêndio de energia cerebral durante o evento. Suas
energias precisam ser guardadas para garantir sua resistência fí-
sica. Precisa estar cada vez mais no automático para não preci-
sar pensar. Uma fração de segundos de dúvida pode significar a
diferença entre vitória e derrota. E como é que ele atinge este
estágio? Repetindo as situações de jogo à exaustão. No fundo
o que ele está fazendo? Alimentando o Pedrão. Dando um belo
prato de comida para o Pedrão ficar mais forte e mais eficiente
nas atividades que lhe interessa desenvolver. É o que eu chamo
de Padrão Inefável. Não tem a ver com pensamentos, conceitos,
ideias. Tem a ver com movimento corporal, com comportamen-
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to. As pessoas têm um jeito de andar, de falar usando as mãos, de
sentar, de correr, enfim, seu jeito característico. Eu sempre digo
que é melhor a gente prestar atenção nos outros porque a gente
mesmo não consegue perceber o próprio comportamento. Mas
nos outros é fácil. Principalmente os defeitos, pobre raça huma-
na. Pois bem, os Padrões Inefáveis são aqueles que controlam
nosso jeito de ser e de estar.
Oscar Schmidt, o Mão Santa, foi o maior cestinha do bas-
quete de todos os tempos, reconhecido até pelos próprios es-
tadunidenses, reis e donos do basquete mundial. E qual era o
segredo do Oscar? O treino acabava para os simples mortais,
que iam para o chuveiro. E ele começava um treino solitário de
arremessos. Dizem que ele fazia mil arremessos por dia. Todos
os dias! Mil! Já imaginou? E o que ele pretendia com isso? Che-
gar em qualquer momento de uma partida, em qualquer lugar
da quadra e ter a programação mental adequada para acertar a
bola na cesta. Um complexo sistema de padronização mental que
incluía noção de distância, de ângulo em relação à cesta do adver-
sário, movimento necessário para a bola fazer a viagem correta e
a força adequada para tudo isso resultar em um chuá. Ora, nada
disso é racional. Nada disso é alcançado através do raciocínio
lógico. O que o Oscar estava fazendo era alimentar seu Pedrão
no departamento cognitivo.
Mas mesmo o Pedrão, com toda a sua força e influência so-
bre nós, tem suas limitações. Ao diminuir ou interromper qual-
quer tipo de treinamento, o desempenho cognitivo também so-
fre diminuição. A despeito de sua experiência e talento, o Oscar
sabia que precisava treinar todo dia para manter o alto nível de
acerto. Hoje em dia, provavelmente ele ainda consegue bons ar-
remessos, mas nada comparado aos seus dias na ativa.

O trauma e o Pedrão
O trauma psicológico nada mais é do que uma quebra, ou
criação de um padrão constituido de forma agressiva, intensa e

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profunda. Mexe com a concepção de vida da pessoa, altera sua
cadeia de crenças e modifica suas verdades pessoais. Não que
ela faça isso de forma consciente, de caso pensado. O trauma
é um Super Padrão: forte e difícil de se vencer. Por exemplo,
mordida de cachorro. Se você nunca foi mordido, é provável que
a periculosidade dos cães não seja um assunto que esteja em evi-
dência em sua cabeça todos os dias. Mas, se por essas coisas da
vida, um dia você for atacado por esse tipo de animal, qualquer
que seja a circunstância, a tendência é de que você crie um pa-
drão específico para este tema, ou seja: “cachorro morde”. Uma
verdade absoluta, uma crença inabalável para você, não importa
seu histórico com relação ao assunto. A partir daí você passará a
se preocupar excessivamente com os cachorros que estão à sua
volta e até aqueles que não estão. Enxergará cachorros onde eles
não existem e só se sentirá seguro à quilômetros de distância
de qualquer raça. Ouvirá latidos e, mesmo que venham da TV,
sentirá um frio na espinha. Não acontece com todo mundo, mas
é uma forte tendência. Por ter provocado um susto, uma dor e
uma apreensão muito grande, este Super Padrão ficará marcado
em brasa em seu cérebro. Uma estrutura de legos – superrefor-
çada e encaixada num local de seu castelo – que você terá imensa
dificuldade em acessar.
É importante verificar a diferença entre o estado anterior e
o posterior do trauma para se compreender o processo de cria-
ção de um padrão. Num outro exemplo muito evidente, está
o sequestro, principalmente aqueles de média e longa duração.
Uma vez li um estudo (perdão, mais uma vez, pela falta de biblio-
grafia) que mostrava o grau de recuperação de traumas. Perder
um filho, que todo mundo acredita ser o maior e mais incurável
trauma para um ser humano normal, segundo esse estudo sur-
preendente, é mais passível de recuperação do que o sequestro.
Não lembro os números exatos, mas parece que de dez pessoas
que enfrentaram a morte de seus filhos, três não conseguiram
se recuperar psicologicamente. Inversamente, de cada dez pes-
soas que foram sequestradas por um longo tempo, apenas três

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conseguiram superar o trauma. Ou seja, por mais que se ame
os filhos, a violência dirigida diretamente a você parece ser mais
marcante e transformadora do que qualquer outra. Isso se expli-
ca pela Diretiva Primária do nosso código genético: sobreviva
a qualquer custo. E por mais civilizado, amoroso, despojado
e protetor que sejamos, essa voz interna sempre será mais forte.
Não é questão de egoísmo, mas de uma programação mental
imutável. Por mais que amemos nossos filhos, a nossa própria
vida sempre será mais importante. Entenda, não é racional, não é
fruto de uma reflexão ou decisão pessoal. É genético.
Pois bem, a dificuldade de superação de uma violência ex-
trema dirigida a um indivíduo provoca traumas severos. Veja o
exemplo de pessoas que já atingiram uma certa realização pro-
fissional ou financeira (alvos obviamente preferidos em caso de
sequestro). Neste caso, me parece que a construção deste padrão
funciona da seguinte maneira: antes do evento, você tem, hipote-
ticamente, em seu Castelo de Legos um cômodo montado num
local muito importante de sua construção, ou seja, uma forte e
importante crença pessoal: “Minha vida é boa, sou muito seguro
graças ao meu patrimônio, meu futuro e o de minha família está
garantido, graças ao meu desempenho profissional sou muito
respeitado na sociedade, o que me confere mais poder e liberda-
de do que uma pessoa menos favorecida”. Realidade ou fantasia,
acreditar nessas verdades é muito importante para o equilíbrio
emocional de muita gente. Ao sofrer a violência do sequestro,
esta pessoa coloca, de forma traumática, todas as suas verdades
em cheque. Uma outra estrutura de legos é apresentada, muito
diferente daquela que a pessoa tinha em sua mente: “A minha
vida não é tão boa quanto eu pensava, não sou nada seguro, pois
qualquer pessoa pode me atingir a qualquer momento, meu patri-
mônio não significa nada em termos de garantias, não há garan-
tias na vida, meu futuro é incerto, meu desempenho profissional
não vale nada onde estou. Minha dignidade, meus amigos, meu
caráter, minha ética, o respeito que as pessoas têm por mim não
vão me tirar daqui e não valem absolutamente nada neste mo-

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mento. Não tenho o poder e a liberdade que acreditava ter. Pior:
foi justamente o patrimônio e o prestígio que me trouxeram até
esta situação traumática, ou seja, o responsável pelo meu céu,
também foi responsável pelo meu inferno. Diferente daquilo que
sempre acreditei, o dinheiro e o poder não são garantia de feli-
cidade e equilíbrio”. Todos os pilares emocionais que sustenta-
vam esse sujeito até então, ou seja, boa parte de seu Castelo de
Legos, desmoronam no cativeiro. Como eu disse, são padrões
muito fortes e importantes para a sustentabilidade de sua psi-
que. Quanto mais tempo ele ficar nesta situação, mais tempo ele
terá de pensar nesses assuntos e, portanto, mais intenso será seu
trauma. Mesmo se for libertado, o estrago já terá sido feito. A
quebra de seus padrões fundamentais irá provocar um tsunami
emocional. Ele não terá mais onde se agarrar. Seu castelo sofrerá
uma demolição importante. Tudo o que foi construído acima das
crenças que agora foram invalidadas desapareceu, foi pro beleléu.
Tudo o que ele acreditava antes não terá mais valor. Ficará difícil
viver. A não ser que ele consiga, com muito esforço, reconstruir
sua base de padrões. Não digo que seja impossível, mas certa-
mente será muito difícil.
O trauma de guerra também é um exemplo bem marcante
deste fenômeno. O sujeito vê e vivencia tantas barbaridades, tan-
tas coisas impensáveis numa vida pacata e normal, tão violenta-
mente contraditórias com a vida que ele sempre sonhou, que fica
realmente muito complicado ter uma vida normal depois disso.
Quanto mais ele acreditava numa vida feliz e abundante antes da
guerra, maior vai ser o seu trauma ao constatar que a vida não é
nada daquilo que ele imaginava. Você já deve ter ouvido falar de
pessoas com trauma de guerra que não podem ouvir um estouro
de escapamento de moto que, instintivamente, sem pensar, se
jogam para baixo da mesa para se proteger do tiro.
Traumas podem ocorrer de forma explícita, como esses
exemplos aqui citados, ou de forma velada, imperceptível. Uma
criança tratada de uma certa forma por seus pais ao longo de sua
vida poderá ter algum tipo de trauma. Um relacionamento mal

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resolvido provoca traumas, fatos corriqueiros que se repetem de
forma constante podem provocar traumas também, como um
funcionário que é tratado com desrespeito por seu patrão. Ao
longo de anos, isso pode se configurar em um trauma também.
O trauma é resultado de uma quebra de Padrão importante.
Quanto mais você acredite em alguma coisa, quanto mais esta
coisa faça parte de sua estrutura emocional, quanto maior for a
estrutura de legos associada ao tema, maior será o trauma caso
esta tal coisa se mostre diferente daquilo que você acreditava.
A gente passa a vida toda tendo que administrar as quebras
de padrões. E a dor de cada uma é absorvida de forma quase
inconsciente, ou seja, sofremos pequenos traumas todos os dias
de nossas vidas e não percebemos.
Em resumo, a criação ou a quebra de um padrão depende
de muita repetição até que elas se estabeleçam. E o trauma é um
atalho. A ação é tão dramática que basta acontecer uma vez para
se transformar num novo padrão.

Reflexo condicionado
Você provavelmente já ouviu falar em Ivan Petrovitch Pav-
lov, um fisiólogo russo que viveu entre o século retrasado e o
passado e que chegou a receber um Nobel por suas descobertas
relativas ao processo digestivo de animais. Mas, provavelmente
você nunca teria ouvido falar nele se ele não tivesse feito uma
descoberta ao acaso (muitas coisas são criadas assim) que fez
com que ele ficasse famoso mundialmente. Resumidamente, ele
estava estudando a salivação de cachorros quando descobriu o
que hoje se chama de reflexo condicionado ou condicionamento
pavloviano. A experiência consistia no seguinte: num primeiro
estágio, ficavam segurando um prato de comida na frente de um
cachorro por alguns segundos antes de entregá-lo ao animal. E
ele salivava, e produzia suco gástrico em seu estômago só de ver
e sentir o cheiro do alimento. No segundo estágio, tocavam uma
campainha sem a presença da comida e isso não provocava ne-

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nhuma reação no cachorro. No estágio seguinte começaram a
tocar a campainha sempre segundos antes de levar a comida para
o bicho. E o cachorro salivava e produzia suco gástrico. Depois
de várias vezes repetindo o estágio anterior, Pavlov tocava a cam-
painha sem levar a comida. O cachorro mesmo assim salivava e
produzia suco gástrico. Isso provou que os animais (nós incluí-
dos) somos passíveis de condicionamento. E que muito mais do
que o pensamento, o nosso próprio funcionamento biomecânico
pode ser condicionado. Muito, ou quase tudo, do nosso compor-
tamento é resultado dessa nossa característica peculiar. A gente
pensa que está no controle de nossas vidas, de nosso pensamen-
to, de nossas reações, mas não é bem assim. O condicionamento
pavloviano é um dos muitos nomes que se dão ao Padrão. Não
é à toa que o sujeito se chamava Petrovich, que provavelmente
quer dizer Pedrão em russo.

Detalhes tão pequenos


A frequência com que lidamos com algum tipo de repertório
faz com que aprimoremos a nossa capacidade de percebermos
as mínimas nuances. Você já parou para pensar quantas pesso-
as você consegue reconhecer? Rostos de humanos são muito
parecidos uns com os outros. Dois olhos, nariz, boca. Se não
tivéssemos que lidar com milhares, talvez milhões de rostos o
tempo todo em nossa vida, não seríamos capazes de reconhecer
a diferença entre eles. Para os ocidentais, por exemplo, fica muito
difícil, ou até impossível, reconhecer as diferenças étnicas entre
os diversos povos orientais, notadamente os de olhos puxados.
Eles conseguem, mas não é por um dom especial ou consequ-
ência de seu DNA. Conheci uma vez uma aeromoça, portugue-
sa, diga-se, que disse ter adquirido esta capacidade conforme foi
convivendo com vários tipos de orientais, graças à sua profissão.
Hoje ela é capaz de saber a diferença entre japoneses, chineses,
coreanos etc.
O mesmo fenômeno acontece com sons. Você não é capaz
de reconhecer o toque de seu celular, mesmo que ele esteja em

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um cômodo distante? Toque que sequer você ouviria se não fos-
se o seu?
O aprimoramento dos padrões aumenta a nossa sensibilida-
de com relação a eles e nos faz capaz de perceber a menor das
alterações.

A Cultura e os Pedrões
Segundo o dicionário Houaiss, “cultura é o conjunto de pa-
drões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc.
que distinguem um grupo social”. Ou seja, cultura é um bando
de Pedrões. E quando eu falo cultura não estou me referindo
somente à cultura no sentido de país, mas também quando re-
lacionada a qualquer tipo de grupo: cultura de uma empresa, de
uma associação, de uma escola, de um círculo de amizades, de
uma torcida, de uma família etc. O ser humano foi projetado
para viver em sociedade, em função de seu gene. Isso nos equi-
pou com um desejo irrefreável de fazer parte, de pertencer. Mas
só podemos fazer parte de grupos que dividam conosco alguns
requisitos básicos de comportamento, filosofia, visão de mundo,
jeito de falar, de se vestir, tipos de comida etc. Basicamente, cul-
tura é um manual de comportamento e pensamento que define
tudo o que é “certo” e tudo o que é “errado” em um grupo
social. Se, por acaso, somos recebidos em um grupo já formado,
existem algumas alternativas de comportamento: uma é a identi-
ficação automática, ou seja, não precisamos fazer muito esforço
para adaptarmo-nos pois já pensamos de forma muito parecida
com o grupo. Mas e se nós pensamos diferente do grupo? Bem,
aí é preciso escolher. Se quisermos fazer parte deste grupo ou
nós nos adaptamos, reconstruindo nosso sistema de padrões, ou
simplesmente aceitamos o que está estabelecido para podermos
ser aceitos. Os mais ousados podem tentar modificar a estrutura
de pensamento e comportamento de grupos formados, o que é
trabalhoso e muitas vezes infrutífero. E, finalmente, podemos
não fazer nenhuma concessão. O problema é que nossas dife-

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renças tornarão a convivência intolerável e, portanto, seremos
repelidos pelo grupo. Qualquer que seja ele.
Como o ser humano aprende eminentemente por imitação
(consciente ou inconsciente), a cultura dos grupos aos quais ele
faz parte opera uma grande influência em sua vida. É claro que
quanto mais fortes e sedimentados os padrões, mais influência
eles terão sobre os membros do grupo. Quanto mais definidos e
palpáveis, mais fácil será a adaptação dos membros que se agre-
garem posteriormente. Essas são as chamadas culturas fortes.
Por exemplo, em caso de países, a língua, a música, suas tradi-
ções, seu comportamento, sua filosofia de vida, seu jeito de lidar
com as diversas situações da vida, tudo isso faz parte dos padrões
de uma cultura. Não é qualquer um que chega e muda a opinião
do restante. Até porque existem muitos protetores das culturas.
Guardiões do patrimônio cultural.
É preciso haver um grande e demorado movimento para se
alterar uma cultura construída sobre fortes padrões. Ao mesmo
tempo, uma cultura bem definida promove muito mais conforto
para quem está sob suas asas. Menos dúvidas para o ser humano
é o paraíso em terra. É muito melhor você trabalhar em uma
empresa onde as funções são definidas, o objetivo da empresa é
claro, os contratos são cumpridos, o salário é pago em dia, enfim,
padrões respeitados à risca promovem mais conforto. Mas tudo
tem o seu outro lado, claro. Quanto mais forte uma cultura, mais
fortes e sedimentados são os padrões, portanto, menos flexibi-
lidade e espaço de manobra para seus membros, ou seja, maior
dificuldade de adaptação às mudanças. Uma cultura muito rígida,
de certa forma, aprisiona seus seguidores, podendo ocorrer in-
clusive até uma certa opressão.
Quem trabalha em grandes empresas multinacionais sabe
como é difícil inovar. Empresas excelentes, lucrativas e com bom
ambiente, mas muito rígidas em seus padrões. Existe nestes lu-
gares uma dificuldade extraordinária de sair dos trilhos e tentar
uma coisa nova. Não é impossível, mas exige grande habilidade,
dedicação e paciência.

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Em termos de cultura, o ideal – se é que podemos chamar
assim – é tentar encontrar o equilíbrio entre a força dos padrões
e a liberdade de se fazer novas escolhas. Como tudo na Natureza
é sempre o equilíbrio que promove melhores resultados.

Personal-Pedrão X
Pedrão-Rei
Nem tudo são flores na vida do Pedrão. Existe um siste-
ma hierárquico na vida social que todos os nossos Pedrões são
impelidos a respeitar. Todos nós temos um forte e resiliente
Pedrão dentro de nossas cabeças. Esse seu Personal-Pedrão
nasceu e foi criado em função das coisas que aconteceram com
você ao longo de sua vida. E garanto que a minha vida foi di-
ferente da sua e a sua foi diferente de todas as outras. Por isso,
cada Pedrão dentro de nós tem características muito particu-
lares. Crenças, dogmas e doutrinas que se relacionam segundo
uma lógica absolutamente única, ou seja, construímos Castelos
de Lego com a nossa impressão digital: única e intransferível.
Mesmo que vivamos em uma sociedade com normas bem de-
finidas, às vezes o nosso Personal-Pedrão discorda delas e age
diferente, acredita em caminhos distintos e vive em constante
conflito com elas. Estas normas da sociedade, ou de qualquer
grupo ao qual você pertença, possui um Pedrão muito pode-
roso que as controla: é o Pedrão-Rei. Este poderoso Pedrão
também tem o seu próprio banco de dados e está sempre obri-
gando nosso Personal-Pedrão a obedecê-lo. Por exemplo: as
pessoas sabem o que é “certo” e o que é “errado”, segundo os
padrões sociais, mas mesmo assim os quebramos de vez em
quando. Eu tenho vontade de xingar todas as pessoas que me
irritam. O meu meu Personal-Pedrão, tem uma forte tendência
a reagir com palavrões às situações em que sou contrariado.
Mas o Pedrão-Rei avisa que ele não pode fazer isso. É feio. É
antissocial. É a coisa “errada” a se fazer.

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Existem vários Pedrões-Rei, pois todo mundo trafega por
vários grupos diferentes. Dependendo do lugar e circunstância
que a pessoa estiver, existe um Pedrão-Rei correspondente. Este
fenômeno promove uma situação curiosa: nós temos um padrão
mental, uma crença, mas o Pedrão-Rei, ou seja o “senso comum”
vai para uma direção diferente. Este conflito vai gerar desconfor-
to e o nosso Personal-Pedrão irá nos punir por não estarmos de
acordo com o seu líder supremo. Estou trabalhando há muito
tempo em uma empresa em que os homens e as mulheres se
cumprimentam com beijos no rosto. Norma, portanto, aprovada
pelo Pedrão-Rei do local. Aí eu mudo de emprego e vou para
uma empresa em que o beijo não é um costume. Às vezes que
tento beijar, as pessoas se afastam, se assustam e olham para mim
com cara de espanto. “O que você está tentando fazer?” Isso
quer dizer que o Pedrão-Rei desta empresa governa com outras
leis. E o seu Personal-Pedrão terá de se adaptar. Ou tentar impor
ao ambiente um novo modelo de comportamento. O que garan-
to que lhe custará tempo, paciência e talvez até o próprio em-
prego. Mas, a tentativa poderá ser válida e resultar em sucesso. A
escolha, neste caso, depende de raciocínio e discernimento para
escolhermos se nos adaptamos ou mantemos nossos padrões.
O Pedrão-Rei também é conhecido pela alcunha de Opinião
dos Outros, assunto que irei abordar mais a frente.

O Pedrão é nosso amigo


Por tudo o que estou relatando aqui, pode parecer que o Pe-
drão é uma espécie de inimigo que devemos combater. Bem, sim
e não. Mais não do que sim, na verdade. Ele é nosso amigo na
maior parte do tempo. Ajudando a gente a aprender as coisas e a
não nos desesperarmos por qualquer bobagem. Nos dá seguran-
ça e tranquilidade para podermos realizar todas aquelas tarefas
corriqueiras que devemos e queremos realizar na maior parte do
nosso dia. Tudo isso sem desperdiçar um segundo de pensamen-
to ou raciocínio lógico, ou seja, o Pedrão é aquele amigo que

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faz tudo à nossa volta funcionar para que a gente possa pensar
apenas naquilo que for interessante e/ou importante para nós.
Você pode resolver muitos problemas dirigindo, tomando ba-
nho, caminhando, comendo etc. Isso só é possível porque os atos
de dirigir, tomar banho, caminhar, comer etc. são automáticos e
você não precisa dividir sua atenção com nada e pode garantir
foco total no assunto que está ocupando sua cabeça. É claro que
o nosso cérebro tem um sistema de alerta que está sempre ligado
para o caso de alguma coisa diferente acontecer enquanto você
está divagando.
O Pedrão é nosso amigo porque se não fosse por ele nós
não conseguiríamos desenvolver nenhum tipo de conceito, filo-
sofia ou comportamento, já que estaríamos mudando de opinião
o tempo todo. O universo é muito complexo e multifacetado.
Acontecem milhões de coisas ao mesmo tempo. Se não tivermos
uma linha de raciocínio lógico, acabaríamos mudando de opinião
sobre tudo a cada segundo. Seria o caos. Não haveria aprendiza-
do, não haveria evolução. Não que eu acredite que consigamos
ter algum tipo de domínio sobre o conhecimento universal, lon-
ge disso. É que, apesar de muito evoluído, nosso cérebro ainda
trabalha com o freio de mão puxado, muito aquém do que po-
deria. Mas é o que temos para o momento. Então, é assim que
as coisas funcionam hoje. De fato, dá muito trabalho mudar as
regras no meio do jogo. E o Pedrão é o encarregado de manter
esta situação.
O Pedrão é como um guarda-costas: ele muitas vezes impe-
de que você se divirta, mas a preocupação dele é uma só: prote-
ger você, para que você possa cumprir com a Diretiva Primária.
O problema é que às vezes ele exagera. Precisamos, portanto,
aprender a administrar a nossa relação com ele. Deixar que ele
nos proteja, mas impondo limites. Limites racionais. Refletindo
sobre nossas ações e não tomando apenas decisões baseadas
no emocional. Procurar refletir sobre o assunto antes de dar o
veredito final. Entender que tudo o que não conhecemos será
inevitavelmente rejeitado pelo Pedrão. Não porque ele fez uma

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análise qualitativa da questão. Ele não gosta do que não conhece,
por isso rejeita qualquer novidade. E isso pode ser prejudicial a
você. Pense nisso.

Quando o Pedrão
vira o Podrão
Como tudo na Natureza, mesmo as coisas mais importan-
tes e benéficas têm seus efeitos colaterais. No caso do Pedrão, é
quando, na sanha de manter todas as coisas dentro de seus crité-
rios, ele acaba nos prejudicando. Por exemplo: a criança que foi
educada sem carinho e amor acaba, quase que sempre, sendo um
adulto com dificuldade de expressar amor e carinho, mesmo para
seus eventuais filhos. Isso acontece porque o Pedrão “ensinou”
esta pessoa como é que as pessoas se relacionam. São milhares,
milhões de exemplos que demonstram que um padrão inadequa-
do pode e vai interferir em toda a sua vida. Você certamente co-
nhece pessoas que se notabilizam por uma espécie de comporta-
mento repetitivo, de uma atitude reincidente, de um destino que
às vezes parece imutável. Por alguma razão, elas estão sempre
repetindo padrões de comportamento, mesmo que isso as preju-
dique. A pessoa que não consegue se estabilizar financeiramente,
ou que sempre acaba dando um tiro no pé quando parece que
vai decolar, aquela que não consegue levar um relacionamento
adiante, ou que tem dificuldade de se libertar de relacionamentos
antigos, enfim, repetições de comportamento, às vezes invisíveis
a olho nu, mas que certamente promovem prejuízo ao indivíduo.
O culpado desse comportamento é o Pedrão.
No caso da Criatividade, o Pedrão assume um papel bas-
tante perverso com relação ao desempenho do indivíduo. Se de-
pendesse única e exclusivamente do Pedrão, nós não seríamos
capazes de criar. Mas, mesmo assim, ele prejudica bastante, já
que o ato criativo é uma verdadeira afronta para ele. Uma ofensa
pessoal. Ele não quer saber de novidade. Não importa se é para o

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bem ou para o mal (aliás, ele sequer faz esse tipo de distinção). O
único critério que ele usa e aceita é: conheço ou não conheço. E
se eu não conheço, eu não quero nem saber. Sou contra e acabou.
O Pedrão também é o principal responsável pelo bloqueio
criativo, título que ostenta com orgulho indisfarçável. Portanto
não se culpe quando você se sentir bloqueado, porque a culpa
não é sua. É toda do Pedrão. Sempre.
Resumindo: o Pedrão é nosso amigo, um amigo fundamen-
tal para nossa sobrevivência. Só não devemos virar seus escravos,
porque aí ele passará a ser nosso carrasco também.

Pedrão, o esquizofrênico
Ninguém é perfeito. Nem mesmo o Pedrão. Por uma ques-
tão de necessidade e sobrevivência ele acabou por desenvolver
personalidade dupla: uma ortodoxa e outra liberal. Doutor Jeckyl
e Mister Hyde. De vez em quando, quando é necessário ou con-
veniente, o Pedrão está a serviço do inconsciente. Mas em outras
circunstâncias ele vira a casaca e resolve servir à Razão. Quando
ele serve o inconsciente são aqueles momentos em que reagimos
a um determinado fato sem saber por que o fizemos. E nos cul-
pamos, nos sentimos mal e prometemos a nós mesmos que não
repetiremos aquilo em hipótese alguma. Mas basta surgir uma
situação semelhante e lá vamos nós novamente reagir de forma
intempestiva e geralmente condenável. Esse é o Pedrão traba-
lhando de mãos dadas com o inconsciente. Mas existem aque-
las outras situações em que o Pedrão se torna aliado da Razão.
Quando, por exemplo, a pessoa não realiza mudanças por achar
que a vida “é assim mesmo”, mesmo que inconscientemente
exista um desejo de que as coisas mudem.

Pedrão e a Razão
O Pedrão e a Razão são como irmãos. Vivem às turras. Mas
às vezes, quando é conveniente, eles somam esforços e de mãos
dadas enfrentam algum desafio.

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Vamos recapitular: Padrões são crenças, ou seja, certezas que
passamos a confiar e muitas vezes a concordar incondicional-
mente depois que são aceitas por nosso cérebro.
A Razão não tem poder de decisão mas influencia muito o
cérebro em suas atitudes. Não chega a ser uma inimiga declarada
do Pedrão, mas sempre que pode, ou que acha adequado, desau-
toriza suas orientações. A Razão nos tira do piloto automático.
O Pedrão nos controla, controla nossos impulsos e nossas
atitudes. Mas não controla o pensamento. Este é livre. Na verda-
de a sua função é dar o veredito sobre cada pensamento que te-
mos, se estão dentro do nosso Padrão ou não. É o censor, o filtro
de nossos pensamentos. Ele julga o tempo todo. O que é “certo”
e o que é “errado”. O pensamento, por sua vez, se mantem livre e
independente. E o Pedrão, para poder controlar quem os produz,
provoca sensações de desconforto a cada pensamento “inade-
quado” que temos. Da mesma forma que provoca sensações de
conforto toda vez que temos um pensamento “correto”.
Se por um lado o Pedrão não permite que digamos o que
pensamos, ou seja, não nos deixa ser o que realmente somos, ele
nos protege socialmente. Porque na maioria das vezes, no atual
sistema de funcionamento da sociedade, reagir no automático
nos prejudicará. E é por isso mesmo que, às vezes, a Razão dá
as mãos ao Pedrão e concorda com ele. É quando reagimos con-
forme a sociedade nos moldou. Não foi uma reação natural. Foi
manipulada e orientada pelo Pedrão. É nosso Personal-Pedrão se
curvando ao Pedrão-Rei graças à Razão. Uma situação que expli-
ca bem este fenômeno é uma peça do Dias Gomes que virou um
especial na TV chamado O Fim do Mundo. Numa cidade qualquer,
existia um vidente que previu o fim do mundo para um determi-
nado dia. E as pessoas da cidade, por algum motivo que não me
lembro agora, acreditaram nele. A partir daí, quanto mais perto
da data fatal eles chegavam, mais eles se liberavam do compor-
tamento considerado correto, do Pedrão-Rei, e passavam a rea-
gir conforme sua própria vontade. Homens atacavam mulheres,
contas não eram pagas, verdades incômodas eram explicitadas

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em público, enfim, as pessoas faziam o que tinham vontade. A
Razão estava sem a menor credibilidade. Quem estava dando as
cartas era a Vontade. O engraçado da história é que, obviamente,
o mundo não acabou na data marcada e as pessoas tiveram que,
vergonhosamente, lidar com seus desvios de comportamento.
Por um lado concluímos mais uma vez que o ser humano não
é de fato evoluído, apenas envernizado. E por outro, quando a
sociedade moderna funciona de forma normal significa que a
Razão tem uma grande influência em nosso comportamento.

O Pedrão e o inconsciente
Quando a gente pensa em padrões, logo associa a pensamen-
tos e comportamentos facilmente detectáveis. Mas, na verdade, o
Pedrão atua em níveis muito mais profundos de consciência. Não
são apenas coisas que conseguimos descrever. Muitos são os pa-
drões que não conseguimos perceber, mesmo quando tentamos
encontrá-los. Muitas vezes consideramos que uma opinião sobre
um assunto qualquer é uma avaliação isenta de nosso intelecto,
que não sofreu – nem sofre – algum tipo de influência. Por algum
motivo, ligado inexoravelmente a algum tipo de experiência pes-
soal, nós criamos os padrões e os embutimos em algum lugar es-
condido de nossa consciência. Quando aquele assunto vem à bai-
la, o Pedrão busca e o apresenta ao nosso cérebro uma solução,
como se aquilo fosse a mais pura e cristalina verdade. Em geral,
aceitamos de bom grado e consideramos que tivemos um mo-
mento de reflexão e chegamos a uma conclusão eminentemente
lógica. Mas no fundo, bem lá no fundo mesmo, estamos apenas
cumprindo nosso papel biológico de porta-vozes do Pedrão.
Acreditamos piamente que a vida é do jeito que nós a enxer-
gamos. Mas você já parou para pensar que cada pessoa tem uma
opinião diferente sobre como é a vida, mesmo aquelas pessoas
que compartilham com você a maior parte dos seus dias? Pois
então, tudo o que registramos, pensamos e até o que enxergamos,
o fazemos utilizando o Pedrão, não só como filtro, mas também
como modelo.

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O Pedrão são óculos
invisíveis através dos quais
enxergamos a vida
A vida acontece lá fora, mas nós só conseguimos enxergá-la
através destes óculos. E cada um usa óculos diferente. Nossa vi-
são de mundo é “distorcida” pelo nosso Pedrão, ou seja, usamos
aquilo que conhecemos para avaliar e decodificar o que não co-
nhecemos. Usamos nosso banco de dados como referência para
avaliar tudo. Portanto se por alguma razão eu tenho um Padrão
me dizendo que a minha vida é difícil, eu vou sempre acreditar
nisso. Usando Luigi Pirandello como referência, imagine você
testemunhando uma cena em que dois homens estão correndo
na rua. Você acredita que a vida está muito perigosa e violenta
hoje em dia, por isso pensa que é alguém tentando pegar outra
pessoa para agredi-la. Uma pessoa do seu lado, assistindo à mes-
ma cena, acredita que a vida é diversão, por isso pensa que são
dois amigos disputando para ver quem chega primeiro a algum
lugar. Se outra pessoa testemunhar esta cena e tiver uma visão
de que a vida é um mar de coincidências, vai achar que eles estão
correndo por motivos diferentes e, na verdade, nem se conhe-
cem. E por aí vai. Cada um vai olhar para aquilo utilizando a
sua visão de mundo para chegar a conclusões. E esta visão de
mundo é gerada pelo Pedrão. E que Pedrão está certo? O seu, o
da pessoa ao lado ou o outro? Nenhum deles. Os dois rapazes
estavam correndo porque iriam prestar o vestibular e o horário
de fechamento do portão estava chegando. Não se conheciam,
mas corriam para o mesmo destino. Viu?
Não existe padrão “certo” ou “errado”. O padrão apenas
é. Cada um constrói o seu Castelo de Legos com experiências
próprias, por imitação ou por aprendizado. Os padrões são nos-
sa referência para julgar o que acontece à nossa volta. Nossa lei.
Nossa constituição. Não existe discussão se ela é boa ou má, jus-
ta ou injusta, inteligente ou burra. O Pedrão vai querer cumprí-la

95
à risca. E, convenhamos, ele faz este trabalho de forma bastante
séria e competente. Por isso, podemos concluir que nós assis-
timos ao milagre da vida sentados confortavelmente na sala de
estar de nosso Castelo de Legos, ou seja, enxergamos o mun-
do do ponto de vista de nosso repertório pessoal. E o mundo,
convenhamos, é vastíssimo e multifacetado; portanto, seria muita
pretensão nossa acreditar que temos a visão total do Tudo. E,
mesmo assim, acreditamos.
Concluindo, padrões não são apenas reflexos condicionados
detectáveis, mas toda a nossa estrutura de pensamento, nossa
visão de mundo. Acreditamos que a vida de fato é do jeito que a
enxergamos, e mais: colaboramos com essa premissa. Para quê?
Para ter razão.

O Pedrão é a favor
dos sistemas
Não existe maneira de fugirmos do Pedrão. Não existe não-
Pedrão. Nossa estrutura psicológica e mental é toda suportada
por uma necessidade inconsciente de nos apegarmos aos nossos
padrões. O desconforto e a insegurança que sentimos quando
nos vemos em meio a dúvidas e contradições fazem com que
nosso cérebro faça escolhas pragmáticas e lógicas, tentando de-
sesperadamente cessar o ciclo de desconforto e eliminar a inse-
gurança. E isso só acontece quando nos rendemos finalmente
a algum padrão encontrado em nosso banco de dados mental
ou criado em decorrência de alguma necessidade. O organismo,
neste exato momento, trata de nos compensar quimicamente, fa-
zendo-nos sentir bem por termos tomado a decisão “correta”. E
não há como fugir deste ciclo, desta rotina. De alguma forma, es-
tamos sempre nos rendendo ao Pedrão. Mesmo aquelas pessoas
que estão sempre fugindo de seus padrões, estão, na verdade, se
enganando, porque estar sempre fazendo a mesma coisa, mesmo
que seja fugir dos padrões, também é um padrão.

96
Se você já ouviu falar na teoria do caos, vai se dar conta de
como as peças se encaixam perfeitamente.
A lógica deste sistema de padrões é muito clara: se não tivés-
semos esta rigidez de aprendizado mental, seria realmente muito
difícil sobrevivermos. Cada hora acreditando numa coisa diferen-
te, negando nosso aprendizado, não nos dedicando a nada, não
focando em nenhuma direção, seríamos seres inviáveis.

Pedrão, nossa
eterna companhia
Nosso Pedrão nasce junto com a gente. No princípio ele é
um bebê fofinho e inocente. Sabe tanto quanto a gente, ou seja,
quase nada. Apenas aquelas coisas fundamentais para preservar a
nossa vida tão frágil. E conforme vamos crescendo, vamos acu-
mulando conhecimento e experiência, nosso Pedrão cresce junto
e vai se fortalecendo cada vez mais. Crianças não têm freios, não
têm padrões, não estão preocupadas em serem diplomáticas e so-
cialmente adequadas. Dizemos até que as crianças são cruéis. Na
verdade, as crianças são autênticas. São honestas. Curiosamente,
duas coisas que a sociedade vive enaltecendo, mas ao mesmo
tempo condena de forma enfática. Uma das milhares de con-
tradições do nosso atual modo de vida. O que as crianças mais
ouvem de seus pais é que elas não podem falar o que pensam,
porque é falta de educação. A criança cresce com essa crença e
depois que vira adulta a sociedade começa a cobrar dela que ela
seja sincera, autêntica, honesta. Assim fica difícil.
Mas continuando com o Pedrão, quando chegamos à adoles-
cência, o nosso Personal-Pedrão dá seu grito de liberdade. Ele,
que até então estava sob forte influência dos Pedrões de nossos
pais, resolve descobrir a vida por conta própria. É a época clás-
sica em que negamos nossos progenitores e atingimos uma certa
autossuficiência injustificada. Mas a vida vai seguindo e o indiví-
duo vai crescendo, vai ficando mais velho e mais enquadrado, ou

97
seja, seu Personal-Pedrão vai ganhando músculos e certezas. A
cada dia ele se acha mais inatingível e poderoso. E o pior é que a
gente também acredita nisso. Viramos seguidores conformados
e dificilmente nos rebelamos. Quanto mais o tempo passa, mais
ficamos amigos do Pedrão. Ou, na melhor das hipóteses, mais
nos conformamos com seu poder sobre nós. Na verdade, é por
puro conforto. Quanto mais padrões criamos e seguimos, mais
confortáveis nos sentimos. O problema é que a vida e sua dinâ-
mica feroz não colabora muito e sempre nos apresenta novos
conceitos, novas necessidades, novos qualquer coisa. E quanto
mais e mais fortes padrões tivermos, maior será nossa dificuldade
de nos adaptarmos a essas novidades.
A partir de um determinado momento, nossa curva de vida
se destaca da do nosso Pedrão. Em uma certa idade, chegamos
ao nosso ápice, e a partir daí começamos a declinar, física e men-
talmente. Ao contrário de nós, o Pedrão continua em sua esca-
lada rumo ao topo, continua crescendo e se fortalecendo. Nossa
decadência, na verdade, apenas o fortalece mais. Deixamos de
apresentar resistência, deixamos de promover nossos breves mo-
mentos de rebeldia e questionamento e passamos a funcionar
como verdadeiros escravos do Pedrão. Servos passivos e fiéis.

Pedrão e o passado
O Pedrão tem uma relação visceral com o passado, o nosso
passado. E é fácil de se entender porque: tudo o que já aconteceu
já foi de certa forma testado. Tudo o que já aconteceu funciona
como uma espécie de tratado das verdades incontestes. Tudo o
que já aconteceu serve de referendo para o Pedrão tomar as suas
decisões para o presente e o futuro. Ao mesmo tempo, o Pedrão
faz uma analise qualitativa do passado de seu hospedeiro, avalian-
do e conferindo as metas alcançadas e não alcançadas. E é por
isso que, em geral, as pessoas são tão presas ao seu passado. Lá
elas têm a confirmação de “verdades” e sentem-se muito à von-
tade para julgar assuntos que já passaram pelo crivo da sociedade.

98
É muito comum você ouvir comentaristas políticos, econômicos
ou esportivos dando suas opiniões sobre fatos que já aconte-
ceram de uma maneira até arrogante e com ares de donos da
verdade. É muito fácil fazer isso. O que já passou tem bula, tem
manual de instruções. Então fica muito fácil discorrer sobre o
assunto, dedicando boa parte de nosso discurso a criticar ou elo-
giar o que foi feito como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Podemos entender de uma forma simplista que, já que aqui-
lo que conhecemos são crenças, já que tudo aquilo que temos
em nosso banco de dados são “verdades”, então podemos dizer
que o passado é uma espécie de verdade comprovada utilizada
à exaustão pelo Pedrão que existe em cada um de nós. Quando
alguém cria alguma coisa diferente, em geral sofre uma tremen-
da resistência de todos, até de seus próprios pares. Mas se esse
alguém persevera e faz a sua ideia dar certo, todo mundo passa a
apoiá-lo, elogiá-lo, copiá-lo. Por isso considero que o passado é
um atestado de bons antecedentes para o Pedrão.

Pedrão e o presente
O Pedrão é mestre em tentar controlar o nosso presente.
Criamos uma série de rotinas que tentamos seguir todos os dias
para tentar evitar surpresas. Mas é uma missão fadada ao fracas-
so. O mundo e o universo são, por definição, dinâmicos, estão em
constante movimento, portanto, são incontroláveis. O esforço de
nosso Pedrão em manter as coisas como estão, dentro de nosso
ciclo de compreensão e aceitação, é só um simulacro. Ingenua-
mente acreditamos que ele seja capaz de realizar tal tarefa. Bem,
nós acreditamos porque é melhor mesmo acreditar. Se tivésse-
mos que lidar diariamente com a consciência plena da imprevi-
sibilidade da vida, acreditem, seria um verdadeiro inferno. Por
isso damos ouvido ao nosso Pedrão e acabamos por acreditar, a
despeito das provas constantes e inquestionáveis que negam esta
possibilidade, que nossa vida e a vida de todo mundo estão sob
controle. Dentro dos trilhos. Palpavelmente administráveis.

99
Pedrão e o futuro
O futuro significa não-saber, significa ignorância. Significa
insegurança. Significa medo. Significa fora de padrão.
Por isso, o futuro é o calcanhar de Aquiles de todo Pedrão.
A insegurança do não-acontecido é quase que insuportável para
quem quer, e precisa, ter certeza de tudo. Mas a sábia natureza
sempre cria uma maneira de resolver dilemas deste tipo. E não
foi diferente com o Pedrão. A solução para o problema da inse-
gurança com relação ao futuro foi parcialmente resolvido com a
criação de desejos, projeções e planejamentos. Todos sabemos
que não podemos controlar o presente, quiçá o futuro. Mas por
uma simples questão de sobrevivência, e de sanidade mental,
nosso cérebro é capaz de aplacar sua insegurança com relação ao
não-ocorrido, acreditando que o futuro de certa forma está “ga-
rantido” criando realidades e cenários considerados aceitáveis. E
é por isso que a gente sonha, deseja, planeja, projeta e cria ex-
pectativas com relação ao futuro. Tudo o que for necessário para
acalmar o nosso Pedrão que fica todo desesperado com a inse-
gurança de não ter certeza do que vai acontecer amanhã, daqui a
um minuto, daqui a um ano, daqui por diante. É por isso também
que muitas pessoas acreditam em destino, em profecias, em pre-
visões, em “está escrito”. Isso acalma, tranquiliza, aquieta os âni-
mos e os nervos. Aliás, as previsões são algo, em minha opinião,
totalmente inadequado de se apostar. Pelo simples fato de que
só podemos fazer previsões baseados naquilo que conhecemos,
ou seja, de todos os nossos padrões. Partindo-se do princípio de
que podem ocorrer situações, conjunturas e fatos dos quais não
temos a menor ideia ou conhecimento, a previsão do futuro está
fadada ao fracasso retumbante.

Lemas do Pedrão
Pedrão adora frase feita, já que as frases ainda por fazer são
o verdadeiro pavor deste capataz do nosso cérebro. Por isso re-

100
solvi listar alguns de seus ditados favoritos, pois fica mais fácil de
você reconhecer a personalidade de uma figura tão controversa e
especial que habita o seu cérebro.
- Em time que está ganhando não se mexe.
- Vai no certo, não inventa.
- Só abro a boca quando tenho certeza.
- Se todo mundo faz de um mesmo jeito, por que você quer
fazer de outro?
- Eu sei o que é melhor pra você.
- Eu trabalho nisso há 30 anos, portanto sei mais que você.
- Eu sei o que é certo e o que é errado.

O Hímen do Pedrão
Meu maior laboratório é a sala de aula. É lá que descubro
e desenvolvo a maior parte da Inteligência Criativa, teoria que
você está conhecendo por meio deste livro. São meus Lifeshops,
como chamo meus cursos. Lá, não proponho exercícios, pro-
ponho desafios. Na minha opinião, exercícios estão associados
à obrigação, a tirar da frente, a resolver o mais rápido possível
e com o menor esforço possível. E não é isso que eu quero dos
meus alunos. A pessoa desafiada geralmente acaba por dar o seu
melhor para superá-lo. Em tese. Mas é uma boa tese, por isso eu
a aplico. Bem, durante meus Lifeshops comecei a perceber um
fenômeno curioso. Ao solicitar um desafio em que a quebra do
Padrão se mostra iminente, as pessoas reagem com suspiros, ex-
clamações e “ohs!” (Você verá este desafio na página 107).
Ao percebermos que estamos quebrando um padrão muito
arraigado, a reação instantânea, automática, emocional é pensar
que é impossível fazer isso. Mas basta nos concentrarmos por al-
guns segundos e encontramos a solução sem muitos problemas.
Sempre pergunto ao final: “Foi difícil?” E a resposta inexorável
da maioria é “não”. O que aconteceu então? Por que aquilo que
parecia impossível num primeiro momento revelou-se tranquilo
e sem traumas? É o que eu chamo de Hímen do Pedrão. Um

101
sistema de proteção de nossos Padrões, de nosso conhecimen-
to. Uma resistência que não é intransponível. Serve apenas para
criar uma tênue barreira, fazendo com que desistamos de seguir
em frente caso não consideremos aquilo importante o suficiente.
Como seria se tudo o que ouvíssemos ou que nos contassem
fosse imediatamente absorvido por nosso sistema de crenças? Se
mesmo com o Hímen do Pedrão estamos suscetíveis à Opinião
dos Outros ou aos fatos que se nos revelam diariamente, imagine
se não houvesse nenhum tipo de proteção, nenhuma resistência.
Não conseguiríamos formar padrões, portanto, não conseguirí-
amos sobreviver. É mais uma de nossas ferramentas de sobrevi-
vência. Mais uma maneira que o cérebro encontrou de proteger
nosso conhecimento, nosso Castelo de Legos.

Não existe nada mais ofensivo para uma pessoa do


que alguém questionar suas crenças.

102
O “CERTO” E
O “ERRADO”
Código Binário de
Axiomas Pessoais
O Pedrão dentro de nós tem em mãos uma ferramenta mui-
to poderosa que o ajuda a cumprir suas funções de maneira efi-
ciente e pragmática: é o CoBAP, ou, Código Binário de Axiomas
Pessoais. Basta prestar atenção em si mesmo, na forma como
você pensa e reage a cada pequeno fato ou momento de sua
vida e você poderá experimentar a consciência do seu próprio
CoBAP.
Ficamos confortáveis e seguros quando percebemos que
estamos dentro do Padrão, ou seja, quando estamos “certos”.
E, como confirmação, teremos conforto físico e psicológico. Ao
contrário, quando estamos “errados”, sofremos uma espécie de
alerta químico que faz com que nos sintamos desconfortáveis.
Como o cérebro aprende pela experiência própria e repetição,
à medida que experimentamos estar “certos” e conhecemos o
desprazer de estarmos “errados”, passamos a buscar a certeza e
fugir do erro em cada pequeno passo de nossa vida. Inconscien-
temente, mas agimos desta forma.
Preste atenção em você mesmo e tente perceber a diferença
de sentimento quando você diz, faz ou pensa em alguma coisa
que é considerada certa e, inversamente, a sensação de produ-
zir uma coisa considerada errada. A diferença é brutal. Mas está
algumas camadas abaixo da consciência rasa em que vivemos a
maior parte de nosso tempo. Quando prestamos atenção e nos
aprofundamos, começa a ficar mais claro todo o sistema e o seu
funcionamento. E mais: ele é binário. É “certo” ou “errado”.
Não existe o meio termo. A dúvida e o não-saber podem se en-
quadrar perfeitamente na categoria “errado”, porque duvidar e
não saber não são comportamentos desejados. Precisamos ter
certeza. Precisamos ter a segurança de saber e nos defender da
insegurança que a ignorância nos provoca.
E esta necessidade vital de estarmos “certos” faz com que
precisemos definir tudo a nossa volta. Tudo precisa entrar na

104
categoria “certo”: objetos, sentimentos, sensações, a existência
em si, Deus etc. Criamos rótulos para tudo. O homem não su-
porta ver um produto na prateleira mental sem nem um rótulo.
É um incômodo insuportável. Imagine-se em um supermercado
onde não haja nenhum tipo de rótulo. Todos os produtos estão
em embalagens neutras. Seria impossível você fazer a compra do
mês já que teria de abrir embalagem por embalagem, cheirar, ex-
perimentar. Por esta mesma razão o nosso cérebro rotula tudo o
que pode, e às vezes até o que não pode, simplesmente para faci-
litar o trabalho de reconhecimento e utilização. Precisamos saber,
precisamos definir, precisamos estar “certos” de alguma maneira,
de qualquer maneira. A própria invenção da linguagem foi uma
maneira de o homem tentar definir as coisas. Bem a propósito,
escrevi há alguns anos uma crônica a respeito da capacidade das
palavras de definirem com exatidão o mundo à nossa volta.

...
As palavras são uma invenção do homem. Não existem na
natureza. A linguagem da natureza é muito mais sutil, ampla, di-
fusa e, por isso mesmo, poderosa. O homem criou a linguagem
para facilitar a sua vida – a mesma razão pela qual inventou todo
o resto – mas como em todas as invenções, naturais e antina-
turais, esta possui um perverso efeito colateral. Como a função
primária da palavra é justamente definir as coisas de forma clara,
objetiva e inconteste, já vai aí uma falha intransponível. Nada
na Natureza é totalmente claro, objetivo e inconteste, portanto,
as palavras definem apenas uma pequena e insignificante fração
das coisas. A fração mais superficial e óbvia. Seu real e complexo
significado fica fora da zona da linguagem criada pelo homem.
A palavra não traz em si atestado de idoneidade. Como se diz,
o papel aceita tudo e, digamos que isto possa se estender pela
linguagem falada como um todo, ou seja: uma boca aceita tudo.
A palavra não possui mecanismos de comprovação de sua au-
tenticidade. Já a Natureza quando se comunica, apesar de nos

105
faltar clareza em muitos momentos – mais por nossa limitação
do que por qualquer outra causa – o faz de forma inconteste,
contundente e plenamente comprovável. A Natureza não se co-
munica com palavras. Se comunica com sinais. Sinais mínimos
e complexos, que exigem de seus interlocutores um pouco mais
do que um raciocínio lógico. Uma pupila tem muito mais a dizer
sobre o verdadeiro pensamento de alguém do que uma língua.
A língua mesmo pode trazer informações valiosas. Não pelo seu
movimento em busca da construção de sons, mas em sua textu-
ra, umidade, rigidez e tamanho. A palavra, portanto, é limitada,
limitadíssima. Não carrega em seu bojo todo o espectro de sig-
nificados que aquele objeto, ato, conceito ou ideia têm. Se con-
forma em definições leigas e preguiçosas e mesmo assim temos a
sensação de que “entendemos o mundo”, porque eventualmente
conhecemos muitas palavras e milhares de suas combinações ilu-
sórias.

O CoBAP e os desejos
Desejar alguma coisa, qualquer coisa, também faz parte des-
te código. Acreditamos que se conquistarmos aquilo que deseja-
mos estaremos mais “certos” com relação aos nossos padrões,
portanto, seremos premiados com uma carga reforçada do hor-
mônio responsável pelo nosso prazer. “Um dia vou viajar para
Paris”, por exemplo. Somos movidos, portanto, por desejos ou
apenas, aprisionados por eles. Sim, porque tem muita gente que
deseja muitas coisas, mas não corre atrás, não faz nada para reali-
zá-los. Aí a probabilidade deste desejo não ser realizado é grande.
E vem a frustração. Que nada mais é do que a sensação de que o
nosso desejo de estarmos “certos” não se concretizará. E, como
é um código binário, quem não está “certo”, consequentemente
está “errado”. A pessoa que sonha a vida toda em ir para Paris
e nunca vê este sonho se aproximando de se realizar, vai estar
sempre incomodada com o assunto. Mas se um dia, finalmente,
o realiza, a sensação será muito boa. Mas não há como ter cer-

106
teza. Ela pode até se decepcionar por causa da expectativa que
ela tinha antes de viajar. Achava que iria encontrar algo que não
encontrou. Achava que iria conhecer sentimentos que não co-
nheceu. Enfim, depende da personalidade de cada um. Mas, em
geral, a realização de um sonho funciona como uma “certidão”,
no sentido mais amplo da palavra. Comprova que você está “cer-
to”. Porque um desejo nada mais é do que uma vontade de estar
mais “certo” do que você está no momento. Está sempre rela-
cionado com um modelo que a pessoa tem do que é bom ou do
que é ruim. Eu posso ter o sonho de ter o corpo todo tatuado de
verde. E isso me fará bem se eu realizá-lo. Porque no meu banco
de dados mental as pessoas tatuadas de verde são mais legais,
portanto, mais “certas”.
É claro que as sensações não são todas iguais e nem todos
os assuntos provocam o mesmo prazer de estar “certo” ou o
desprazer de estar “errado”. Depende justamente da importância
que aquele assunto específico tem para o indivíduo. Estar “erra-
do” sobre os ingredientes de uma receita obviamente não vai ter
o mesmo peso de estar “errado” em relação a um projeto de vida.
Basicamente o que acontece é que o cérebro não quer alte-
rar em nada a construção de nosso Castelo de Legos. Se esta-
mos “certos” nosso castelo permanecerá intacto e com aval para
continuar em sua jornada. Por outro lado, se estamos “errados”
teremos que sacar algumas peças de nossa estrutura, coisa que
o cérebro abomina. Tudo, portanto, não passa de uma questão
de conforto emocional. Quanto maior a sensação de estarmos
“certos”, maior será nosso conforto.

A vida é um processo
Proponho um desafio: escreva em um papel uma coisa ótima
que aconteceu em sua vida. Agora escreva uma coisa péssima.
Por exemplo: o nascimento dos meus filhos foi uma coisa ótima.
E a morte do meu pai foi uma coisa péssima. Agora escreva um
pequeno texto contando como foi cada uma destas situações. Po-

107
rém, com uma pequena alteração: escreva a coisa péssima como
ótima e a coisa ótima como se fosse péssima. Sei que num pri-
meiro momento a reação de seu cérebro será instantânea: “Isso é
impossível!”. Normal. Bastará você raciocinar por alguns segun-
dos para perceber que não há nenhum problema. Existem várias
maneiras de se enfrentar este desafio. Você pode simplesmente
inventar, pode ironizar, brincar com o assunto ou, como a maio-
ria das pessoas faz, encontrar o lado bom na coisa ruim e o lado
ruim na coisa boa. Por exemplo, quando nasceram meus filhos,
perdi minha liberdade. E quando meu pai morreu, acabou seu
sofrimento. Não importa. Qualquer que seja a maneira que você
encontrou para solucionar a questão vai perceber que a experi-
ência foi bem mais fácil do que pareceu no momento em que
você soube o que era para fazer. Essa rejeição automática e dra-
mática acontece para proteger nossos padrões, mas falarei sobre
isso mais a frente. O assunto que eu quero tratar neste capítulo
é outro. Quando você é solicitado a escolher uma coisa boa e
uma coisa ruim que aconteceu na sua vida, você irá buscar es-
tes elementos dentro de seu cérebro em locais muito específicos.
Como se fossem em escaninhos classificados por tema: no esca-
ninho “coisas ótimas” vai estar o nascimento de seus filhos. E
no escaninho “coisas péssimas” vai estar a morte do seu pai. Em
nenhuma destas alternativas há qualquer possibilidade de enga-
no. Portanto ao ser convidado a trocar os conceitos de lugar em
seus escaninhos os cérebro naturalmente reclama. Mas depois
percebe que não é bem assim. Que existem, sim, possibilidades
de enxergar as coisas de formas diferentes.
Nossa vida não é estanque, não é dividida como nos filmes,
nas novelas e nos livros com começo, meio e fim. É um proces-
so que começa quando nascemos e termina quando morremos.
E tudo é desdobramento dos fatos anteriores. Uma coisa leva
à outra, que leva à outra, que leva à outra e assim por diante.
Jamais poderemos saber de fato o que foi bom ou foi ruim em
nossas vidas. Não há como encerrar os assuntos, pois estão to-
dos conectados a outros assuntos indefinidamente. Pense que

108
você recebeu um convite para ocupar o cargo que você sempre
sonhou, ganhando muito bem e tendo carta branca para ocupá-
lo. Você precisará pegar um avião no dia seguinte de manhã e
fazer uma entrevista, mas amigos lhe garantem que a vaga já é
sua. Basta estar lá pontualmente às 8 horas da manhã. Se atrasar,
porém, perderá a chance. Pois bem, você acorda no dia seguinte
bem cedo, só que acontece o que não esperava. O trânsito está
tão caótico que você acaba perdendo o seu voo, e, consequen-
temente, o emprego dos seus sonhos. Isso foi bom ou foi ruim?
Antes de responder, imagine que você estaria voltando do aero-
porto cabisbaixo e o rádio informa que o avião que você acaba
de perder caiu. Foi bom você chegar atrasado ou foi ruim? Antes
de responder essa, também imagine que o rádio continua infor-
mando sobre o acidente e constata que todo mundo sobreviveu
à queda e, meses depois, recebeu gordas indenizações em razão
do acidente. Foi bom ou foi ruim ter perdido o avião? Espere
mais um pouco para responder. Porque os anos se passaram e
você leu em alguma revista que todos os sobreviventes daque-
le desastre tiveram sérios problemas psicológicos por causa do
evento e a despeito de terem ficado milionários, tiveram uma
vida de depressão profunda. Então, foi bom ou foi ruim perder
o avião? Bem, não se preocupe em responder. Até porque você
jamais saberá a resposta.

Moralmente flexíveis
Uma fábula pode nos ajudar a entender uma outra caracte-
rística do CoBAP: é a famosa “A Raposa e as Uvas”, atribuída a
Esopo mas que foi reescrita por Jean de La Fontaine.
Só para lembrar, é a história de uma raposa que tenta, sem
sucesso, comer as uvas, maduras, penduradas em uma videira
muito alta, fora de seu alcance. Como ela não consegue apanhá-
las, acaba desistindo, dizendo para si mesma que “Não tem pro-
blema. Elas estavam verdes mesmo”.
Mas o que esta fábula tem a ver com o CoBAP? Tudo. Nós
precisamos estar “certos”. Não importa o que tenhamos que fa-

109
zer ou pensar. A prioridade zero é estar “certo”. Ora, não alcan-
çar as uvas, nem encontrar uma maneira de conseguí-las podem
ser considerada uma derrota, uma falha, uma incompetência, ou
seja, estamos ou somos “errados”. Isso não é admissível para
nosso exigente cérebro. Portanto fazemos uma manobra mental
para nos colocar novamente numa situação confortável. Se as
uvas estão verdes, nossa incapacidade de alcançá-las perde em
importância e valor, por isso saímos da situação como entramos.
Não importa se a conclusão é obviamente parcial e inexata, o que
importa é que acreditemos nela. E se ela nos favorecer, iremos
acreditar sem o menor esforço. E o mais curioso dessa história:
fazemos esta ginástica mental o tempo todo em nossas vidas.
Subvertendo valores, alterando resultados, modificando o ponto
de vista, escolhendo critérios diferentes, enfim, tudo para estar-
mos sempre mais confortáveis, mais equilibrados, mais “certos”.
Quem está “certo”? Quem tem um raciocício político de direita
ou quem é de esquerda? Os dois e nenhum dos dois. Cada um
vai encontrar uma porção de razões para estar “certo” na mesma
proporção em que irá procurar razões para seu antagonista estar
“errado”. E cada um acredita no que quiser. E, em geral, vamos
preferir acreditar naquilo que nos faz sentir melhor. Nos sentir-
mos “certos”.

Esfarrapadium
Estar “errado” é um estado mental massacrante e não há ser
humano no mundo que suporte. É por isso que quando fazemos
uma coisa considerada “errada” inventamos rapidamente uma
desculpa, geralmente esfarrapada, que justifique a ação. Sem esta
desculpa, não suportaríamos o peso do erro. Pense nas coisas
condenáveis que certamente você já fez e analise uma por uma,
se você não tem uma boa justificativa para cada uma delas. O nos-
so cérebro não suporta estar “errado”. Mesmo quem comete as
maiores barbaridades, como assassinatos, roubo, corrupção, tem
na ponta da língua as justificativas mais diversas para seus atos. E

110
não é só da boca pra fora, não. Estas justificativas servem, princi-
palmente, para o conforto do próprio “pecador”. A não ser que
estejamos falando de um psicopata, que não sente a pressão de
estar “certo” ou errado”, todos os outros funcionam de forma a
se colocar na situação mais confortável possível, chegando às ve-
zes a criar justificativas das mais estapafúrdias. E como o cérebro
quer e precisa sempre estar “certo”, aceita essas desculpas sem
fazer muitos questionamentos. Para o seu próprio bem. É por
isso que na justiça vence o processo quem souber contar a me-
lhor história. Porque do ponto de vista prático, sempre pode ser
justificável qualquer coisa que façamos ou deixemos de fazer. O
bom advogado é aquele que descobre uma justificativa inteligente
e aceitável para se cometer um ato criminoso.
O bandido, o corrupto, o injusto, o ditador, os criminosos
em geral nunca acham que estão “errados”. Eles sabem que não
estão respeitando as normas e os códigos da sociedade, mas eles
acreditam que não precisam respeitar. Ou porque se consideram
mais inteligentes e espertos, ou porque se consideram injusti-
çados por essa mesma sociedade, ou porque simplesmente têm
prazer em remar contra a maré. Mas se você perguntar para eles
se eles estão “errados”, eles negarão até a morte. E eles, de fato,
acreditam que não estão “errados”. Do fundo do coração. Até se-
rem pegos. Aí, às vezes, vem o arrependimento. Isso significa que
ninguém em seu estado mental perfeito suportaria a dor de estar
“errado”. Quando isso acontece, nos deparamos com a famosa
crise de consciência. E a pessoa sofre um massacre emocional,
porque ela concluiu, por alguma razão, que está “errada” e não
consegue (ou não quer) criar uma justificativa aceitável para apla-
car sua culpa. Então, como todos os humanos, quando fazemos
deliberadamente algo que é considerado “errado” criamos as jus-
tificativas que nos façam sentir que não somos tão maus assim,
afinal de contas, “eu fiz aquilo por uma justa razão”. E o pior:
acreditamos nisso como se fosse uma realidade incontestável
Já me deparei com várias pessoas que são, obviamente, con-
tra a corrupção e seus desdobramentos. Mas, de vez em quando

111
pego alguém assumindo algum tipo de desvio nesta área. Como,
por exemplo, pagar propina para tirar a carteira de motorista, coi-
sa claramente condenável e indesculpável. Porém, a explicação
começa sempre assim: “Mas no meu caso...” e lá vem uma boa
desculpa para se cometer um delito. Como os políticos corruptos
que conhecemos, os empresários mal-intencionados, os ladrões
e assassinos, garanto que sempre começarão a sua explicação do
porquê fazerem o que fazem com “No meu caso...”.

Amigos, amigos...
Amigos verdadeiros e familiares próximos em geral são
aqueles que num momento de crise, estarão sempre ao seu lado,
não importa o que você tenha feito. Neste aspecto, o papel de-
les é forçar o seu cérebro a abandonar a culpa e justificar o que
às vezes é injustificável. “Você tem razão”, geralmente é o que
eles dizem. “Você não tinha outra alternativa”. Intuitivamente
o que os amigos e familiares estão dizendo é que você não está
“errado”. Você está “certo”. “Ela mereceu ser morta e cortada
em pedaços, afinal de contas sua voz era irritante”. Amigo é pra
essas coisas mesmo.

Desmontando o CoBAP
O Código Binário de Axiomas Pessoais tem este nome por
razões simples e lógicas:
1) Código, porque funciona regularmente com uma rotina e um
processo bastante definido e incansavelmente repetitivo. Uma
espécie de lei, de norma, de regra básica de conduta. Uma receita
de bolo. Um manual de instruções para o perfeito funcionamen-
to da máquina biológica.
2) Binário, porque só existem duas alternativas para escolher,
“certo” ou “errado”. O que não é verdade é mentira e vice-versa.
Observando o nosso comportamento e o de outras pessoas a
nossa volta podemos perceber como isso funciona. A dúvida e

112
o não-saber são uma espécie de maldição para o nosso cérebro,
tanto quanto o erro. É por isso que a maioria das pessoas adota
posições maniqueístas a respeito de praticamente tudo. Em ge-
ral, se você não gosta de alguém, esta pessoa é 100% idiota, sem
a mínima possibilidade de compartilhar alguma qualidade com
você ou com pessoas que você admira. E se isso vier a ocorrer,
vai certamente causar um certo desconforto. “Como é que pode,
este idiota também ser contra a poluição do ar?” Chegamos até
a aliviar as críticas ou mesmo perdoar alguém de quem não gos-
tamos, apenas porque torce pelo mesmo time que nós, tem o
nosso signo, admira o mesmo artista ou gosta da mesma comida.
Por quê? Bem, se ele faz alguma coisa que nos coloca de algu-
ma forma num mesmo patamar, ele não pode ser de todo mal,
ou então, nós também seremos. Em função disso, posso afirmar
com convicção que todo mundo, absolutamente todo mundo, é
parcial com relação a julgamentos e pontos de vista. Imparciali-
dade como conceito absoluto não existe. Você sempre interpre-
tará um fenômeno qualquer, uma pessoa, uma situação, um as-
sunto utilizando critérios que façam com que você esteja o mais
certo possível. E se precisar modificar estes critérios ao longo do
tempo, você o fará sem hesitar, sempre em seu próprio benefício.
3) Axiomas, vamos ao significado da palavra no Dicionário
Houaiss: “Premissa considerada necessariamente evidente e ver-
dadeira, fundamento de uma demonstração, porém ela mesma
indemonstrável, originada, segundo a tradição racionalista, de
princípios inatos da consciência ou, segundo os empiristas, de
generalizações da observação empírica [O princípio aristotélico
da contradição (“nada pode ser e não ser simultaneamente”) foi
considerado desde a Antiguidade um axioma fundamental da
filosofia.” Ou seja, são as “verdades” que todos nós acumula-
mos em nosso banco de dados, nossa biblioteca mental. Não
precisam de provas, de testemunhas, de jurisprudência. Basta que
acreditemos nelas.
4) Pessoais, justamente porque utilizamos o nosso Pedrão como
referência para avaliação dos acontecimentos. É claro que muitos

113
(a maioria, na verdade) de nossos axiomas são compartilhados
com nossos grupos sociais, sendo adquiridos por simples imita-
ção ou aprendizado.
Comece a reparar em certos conceitos desejados e consagra-
dos pela humanidade e perceba como o CoBAP controla tudo.
Tá tudo dominado! O que vem a ser o conceito de “conhecimen-
to”, senão um conjunto de várias certezas? O que é “maturida-
de”? Não mais questionar, enfrentar ou ridicularizar as certezas
consagradas pela sociedade. O que é “Inteligência”? Certezas
sobre vários assuntos difíceis de dominar por pessoas ditas nor-
mais. Por que as pessoas seguem a moda e dificilmente criam a
sua própria? Porque a moda consagrada pela sociedade é uma
“certeza” de que está se vestindo da forma “certa”.
Por que uma das ferramentas de aprendizado mais utilizadas
pelos seres vivos é a imitação? Porque imitando os outros você
garante que está fazendo “a coisa certa”. E a criança faz isso com
muita competência.
Fazer sucesso é estar “certo”. Todo mundo admira e muitos
tentam copiar. Antes de dar “certo”, porém, aquela pessoa pas-
sou por momentos em que o sucesso não estava tão evidente,
por isso muita gente o censurava, dizia que era uma bobagem e
que não chegaria a lugar nenhum, ou seja, esta pessoa não estava
fazendo as coisas conforme a cartilha do Pedrão, portanto, esta-
va “errada” e jamais seria bem-sucedida. Quando os fatos des-
montam esta visão, tudo muda. O céu cinzento fica azul e todo
mundo parece admirar aquele que lutou contra as forças do mal
e venceu. Mas aí ele criou outro padrão. A partir deste momen-
to, aquilo que ele fez passa a ser o “certo” ou um dos “certos”
disponíveis. E se alguém tentar fazer aquilo de maneira diferente,
será igualmente execrado até que prove o contrário e de alguma
forma vença. E assim caminha a humanidade. Dá a impressão
de que não aprendemos com a experiência. Neste caso, de fato
não aprendemos nada. Enquanto alguma coisa não nos prove
cabalmente que é a opção “certa”, não a aceitaremos. Não im-
porta quantas vezes esta situação se repita em nossas vidas. Está

114
profundamente introjetada em nossa mente a necessidade vital
de estarmos “certos” e não há nada que possamos fazer para
mudar este quadro. Inversamente, mesmo aquele que seguiu a
cartilha do Pedrão pode falhar. E ao fazê-lo será criticado por
não ter inovado, por não ter percebido que aquele modelo era
fracassado. Como eu disse, a dúvida e o erro são as maiores mal-
dições do ser humano.
Por isso, a grande maioria das pessoas compra suas certe-
zas prontas, ou seja, absorve como suas as verdades que veem
nos outros. É mais prático, mais rápido, não há desconforto, não
há dúvidas massacrantes e não gasta um neurônio sequer. Além
disso, comprando verdades e mentiras alheias, ela acredita estar
diminuindo o risco de cometer erros. Se os outros fazem assim e
estão bem, o que eles pensam, dizem ou fazem deve ser o “cer-
to”. Estou “certo” ou não estou?

Somos naturalmente
maniqueístas
A luta do bem contra o mal. Racismo, preconceito, violência
entre grupos, xenofobia, tudo é explicável. “Narciso acha feio o
que não é espelho”. Precisamos estar sempre “certos”. Portanto
quem é parecido comigo tem de, necessariamente, estar “certo”
para eu me sentir participante de um grupo social “certo”. Como
eu já disse, não existe imparcialidade absoluta, portanto, você
sempre achará razões muito óbvias de que o seu grupo é melhor
do que o outro. E mais: se não conseguir achar, vai encontrar
muitos defeitos nos outros grupos para poder se equiparar e não
se sentir tão inferiorizado. É claro que esta questão poderia se
estabelecer apenas no terreno mental, sem transposição para as
relações sociais. Mas o animal humano ainda é muito motivado
por seus instintos e muitas vezes estes instintos transformam di-
ferenças em ameaças, daí a violência com que ela se manifesta em
tantas situações conhecidas.

115
Não gostamos de
quem coloca nossas
crenças em cheque
O diferente sempre estará ameaçando meu status quo. O di-
ferente sempre será uma demonstração de que estou “errado”.
O diferente fará com que as torres de meu Castelo de Legos
estejam constantemente sofrendo o risco de desabamento. O di-
ferente, então está inexoravelmente “errado”. E precisamos do
sentimento negativo e muitas vezes agressivo justamente porque
nossos padrões nem sempre são resistentes e fortes. Quanto mais
limitado é o nosso controle sobre aquilo que acreditamos, maior
é a nossa tendência a hostilizar aqueles que nos negam, nos in-
validam, nos expõem aos nossos potenciais “erros”. É como o
cachorrinho pequeno que late muito quando se sente ameaçado.
Não porque ele está seguro, mas, ao contrário, porque ele está
se borrando de medo e quer afastar a pretensa ameaça com um
comportamento agressivo e aparentemente superior.

Fanatismo e radicalismo
Não existem pessoas mais felizes e resolvidas do que os fa-
náticos. Sejam eles religiosos, políticos, esportivos, não importa.
Eles sim são pessoas equilibradas. Sabem o que querem e o que
são. Exatamente. Nem um milímetro para lá, nem um milímetro
para cá. Esta certeza inabalável faz com que eles sofram muito
menos do que as pessoas normais que estão sempre cheias de
dúvidas. Se eu não permito que nenhuma dúvida ameace meus
padrões, eles não serão quebrados, sequer arranhados. É por isso
que os fanáticos em geral são seguros e agressivos, já que quanto
mais acreditamos em alguma coisa, mais ameaçados nos senti-
mos quando confrontados. Quem questiona a minha crença é
um inimigo a ser abatido. Se eu não destruí-lo logo, corro o risco
de ser eu o prejudicado. Daí a violência dos fanáticos.

116
Reconheço que é mais fácil viver assim, cheio de certezas.
A pessoa que se permite mais flexibilidade no pensamento cer-
tamente sofrerá mais com as surpresas e fatos inesperados da
vida. Refletirá, mudará de opinião, saberá que a vida tem uma
dinâmica furiosa e por mais que queiramos manter as coisas do
jeito que estão elas estarão em eterno movimento. Analise bem
o mundo e a Natureza e veja se é possível, mesmo, ter certeza
de alguma coisa nesta vida. O universo vive em constante movi-
mento e evolução. O que era ontem pode não ser hoje e poderá
voltar a ser amanhã. É tudo uma questão de opção de vida. Dá
mais trabalho ser livre, aceitar as diferenças, questionar. Mas é
muito mais rico em experiências e, no meu modo de ver, mais
compatível com a dinâmica do mundo à nossa volta. “Eu pre-
firo ser esta metamorfose ambulante, do que ter aquela velha
opinião formada sobre tudo”. Se reduzirmos nossa observação
aos átomos, comprovaremos que nada é estático. No microcos-
mo atômico tudo está em constante movimento, mesmo aquela
pedra escondida embaixo da terra há milênios. Seus átomos per-
manecem em sua incansável corrida. Então por que nós temos a
petulância de acreditar por um segundo que as nossas vidas não
podem ser mudadas?

Tentando explicar
o indesculpável
Como é que um povo inteiro se transforma em um bando
de facínoras incontroláveis, capazes das maiores atrocidades sem
nenhum remorso? Bem, não tem muito segredo. O ser humano
não gosta do diferente. Quando civilizado, aprende a conviver
com este diferente, mas continua não gostando. A civilidade é só
um verniz, facilmente descartável, como podemos observar em
vários momentos da nossa história. Hitler foi muito habilidoso
e transformou um grupo de “diferentes” em responsáveis por
todos os problemas da Alemanha. E as pessoas, desesperadas

117
por estarem “certas” aceitaram que os “errados” eram os outros.
A Alemanha vinha de uma crise muito aguda após a Primeira
Guerra e o povo se sentia humilhado pela comunidade inter-
nacional, ou seja, estavam “errados” demais. A melhor solução
para isso sempre foi achar alguém mais “errado” que a gente e
transferir todo o saldo negativo. A violência foi inevitável a partir
desta conclusão. Mas e os direitos humanos, a bondade, o respei-
to pelo outro? Bem, não eram temas ainda muito desenvolvidos
no mundo, e também não era conveniente encontrar obstáculos
para punir quem estava “errado” e era culpado de tudo. Por isso,
toda aquela violência e insanidade era o “certo”, aprovado pelo
governo e pela sociedade. É claro que teve gente que não parti-
cipou da carnificina, mas as bestas foram soltas e tomaram conta
do exército e da polícia. Era “certo” maltratar judeus, ciganos,
gays etc. Tão “certo” naquele ponto que chegava a ser até uma
regra social, portanto, obrigatória. Naquele momento histórico,
como em todos os outros, a maioria dos indivíduos não parou
para analisar se as regras eram justificadas ou não. Nós, animais
que somos, gado em seu curral, não opomos muita resistência
para externar nossos impulsos selvagens. Eliminar o diferente é,
para nós, ainda uma questão importante. Mesmo que a tenhamos
escamoteado nos profundos e complexos meandros da raciona-
lidade e civilidade. Se for liberada a barbárie, nós a abraçaremos
com prazer e tranquilidade. Se você leu o livro Ensaio sobre a ce-
gueira, de José Saramago, ou viu o filme homônimo, teve um bom
exemplo do que estou falando.

Respeitar o outro, verdadeiramente, é aceitar aquele que é ou


faz ou diz coisas diferentes daquelas que você acredita. Exige
de você um esforço verdadeiro e profundo na tentativa de
compreender que existem outras formas de ver o mundo além
da sua. Nem certas nem erradas, apenas diferentes. Respeitar
o igual é tão fácil que me arrisco a dizer que não deveríamos
considerar uma virtude, mas apenas uma reação natural de
uma espécie programada para viver em grupo.

118
Deuses, mitos e
fábulas, frutos da
Criatividade humana
Continuando na ideia de que o ser humano precisa de cer-
tezas para evitar a dor, podemos fazer uma viagem aos primór-
dios da humanidade e perceber que desde sempre foi assim. O
homem primitivo não sabia obviamente quase nada sobre nada
(não que hoje se saiba muita coisa, mas há uma clara diferença).
Tinha medo de tudo o que não entendia, como hoje. Para apla-
car esse sofrimento atroz, passou a criar explicações para as suas
“ignorâncias”. O sol virou um deus, a lua virou outro e milhares
de outros fenômenos naturais tiveram suas explicações facilita-
das pela simples transformação em fenômenos transcendentais,
digamos assim. A mágica entrou na vida do homem para confor-
tá-lo diante do desconhecido e inexplicável. O homem daquela
época, como o de hoje, adora explicações simplificadas de tudo.
Dá menos trabalho e cumpre a função emocional de amenizar o
sofrimento. Não saber o que é o sol é “errado”. Portanto ao criar
uma explicação, comprovável ou não, o homem passou a estar
“certo” e com isso conquistou um pouco mais de conforto.
Da mesma forma que os deuses, o homem criou histórias
que explicassem de alguma maneira o que havia à sua volta que
ele não compreendesse. Daí surgiram as fábulas, os mitos, as re-
ligiões. E agora me diga: qual religião é a “certa”? Não há, claro.
Todas foram criadas a partir de histórias, reais ou não, e a esco-
lha de uma orientação religiosa é uma coisa muito particular e
individual. Depende muito também da capacidade da pessoa de
abstrair e aceitar aquelas características que não são provadas.
Acredita quem quer. Como é mais fácil acreditar naquilo que já
está pronto e que conta com a crença de milhares ou milhões
de outras pessoas, o trabalho dos líderes religiosos acaba muito
facilitado nos dias de hoje.

119
A religião e a violência
O que eu vou dizer aqui não é nada pessoal, apenas resultado
de observação e análise fria e sem emoções. Em primeiro lugar,
saiba que eu fui criado e educado segundo a tradição da religião
judaica e eu sei muito bem do que estou falando quando me
refiro aos padrões criados e aos amores e ódios envolvidos no
assunto. Bem, dito isto, tentarei explicar porque a religião, que
teoricamente deveria ser responsável pela paz, pelo amor, pela
tolerância e pela união dos povos, acaba, ironicamente, atuando
numa posição diametralmente oposta.
Recapitulando, o ser humano, ou melhor, nosso cérebro, tem
uma necessidade inadiável de “saber”, ou seja, de estar “certo”
sobre tudo. E os saberes mais importantes, porque dizem respei-
to à nossa própria existência, são aqueles que a filosofia estuda
desde sempre: quem somos? De onde viemos? Para onde va-
mos? E muita gente, mas muita gente mesmo, resolveu este pro-
blema de uma forma simples e indolor: acreditando em alguma
religião. Isso porque são justamente as religiões que propuseram
as respostas a essas perguntas. Nenhuma provada, mas todas car-
regadas de significados, metáforas, mitos etc. Essas ferramentas
têm uma grande força em nosso imaginário.
A grande virtude das religiões é contarem boas histórias. E
o ser humano adora uma boa história. A religião, portanto, qual-
quer que seja ela, traz para o ser humano explicações para todas
as grandes dúvidas que carregamos. E se acreditamos nos pre-
ceitos da religião, aquelas dúvidas são sanadas, deixando de ser
dúvidas e passam a ser certezas, padrões, peças de lego encaixa-
das em uma torre muito importante para nossa estrutura emo-
cional. Isso traz equilíbrio, paz, sensação de conforto. Num nível
bastante profundo. Então passa a ser óbvio porque as pessoas
ficam perturbadas quando alguém coloca sua religião sob ques-
tionamento. Indiretamente está colocando sob questionamento
as explicações que esta pessoa tem para sua vida, seu destino, sua
origem, seu papel no universo etc. Questões realmente relevan-

120
tes para qualquer um. Essa perturbação e esse desconforto são,
sem dúvida, elevados. Portanto, inconscientemente, o cérebro se
sente ameaçado em suas mais profundas crenças e na sua própria
sobrevivência. É óbvio que isso causa, na melhor das hipóteses,
um desprezo profundo pelo responsável por estes sentimentos
desagradáveis. E, numa escalada de sentimentos, provoca o ódio
cego e pode muito bem levar pessoas a cometerem atos de ex-
trema violência que, curiosamente, são condenados pela própria
religião que foi “atacada”. Enfim, mais uma das contradições hu-
manas. É a velha história: eu sei que a religião prega a paz e a
tolerância “mas no meu caso...”.
Imagine que seu Castelo de Legos está todo sustentado pelas
crenças que norteiam sua religião. Se alguém falar qualquer coisa
contra elas, seu cérebro interpretará como uma séria ameaça a
toda a sua estrutura mental. E, de fato, será mesmo uma ameaça.
Imagine ter de desmanchar todo o seu castelo e construir outro,
tendo de passar todas as agruras e dificuldades inerentes a essa
reconstrução. Não é à toa que qualquer um que pense diferente
de mim no quesito “origem da vida” estará indiretamente amea-
çando a minha sanidade, o meu equilíbrio, a minha vida como
um todo, portanto, eis aí um inimigo a se combater com todas
as forças.
Mal, ou bem, comparando, temos os torcedores de futebol,
que funcionam exatamente como as religiões, posicionando o
indivíduo, colocando-o entre iguais, fazendo com que pertença
a algum grupo, definindo o indivíduo como um tipo específico,
dando-lhe uma missão, um compromisso, uma finalidade. E o
questionamento de tudo isso por torcedores de times adversários
provoca aquelas reações de violência inacreditáveis que testemu-
nhamos de tempos em tempos no futebol mundial.

121
Não existe crítica
construtiva
Todo mundo diz que os outros devem aceitar críticas. Mas
quando chega a hora de aceitá-la, enfrentamos a mesma dificul-
dade. A crítica, no frigir dos ovos, é a constatação de que a outra
pessoa acha que você está “errado”. Independente da intenção
do crítico, essa circunstância provoca a quebra de contrato com
o Pedrão e, consequentemente, como pena, uma descarga de um
hormônio punitivo. Nós queremos estar “certos” sempre. E, ob-
viamente, “errados” nunca. Por isso, para o nosso cérebro não
existe diferença entre crítica construtiva e destrutiva. A crítica
em si é uma ameaça às nossa integridade, à nossa capacidade, à
nossas “certezas”. Por isso, se você achar que precisa aprender
a receber críticas, saiba que não é mesmo fácil. Diria até que é
impossível. Ninguém quer tirar uma peça do Castelo de Legos,
qualquer que seja a razão ou justificativa.

Pra quem?
Sugestão para desarmar os donos da verdade que infestam a
nossa existência. Quando alguém chegar para você e descarregar
uma verdade absoluta e incontestável, você simplesmente olha
para ele, abre um sorriso e diz com a maior tranquilidade: “pra
quem?” A resposta seguinte será quase que certamente “pra todo
mundo, oras!”. Replique: “não pode ser pra todo mundo, já que
para mim não é. E como acredito fazer parte do mundo, isso
significa que não existem verdades absolutas”.

122
ZONA DE
CONFORTO
X
ZONA DE
DESCONFORTO
Casa de cego
A casa de um cego é uma maneira interessante de se explicar
o Padrão e ao mesmo tempo as zonas de conforto e de des-
conforto. Em primeiro lugar, o Padrão. Você sabe que um cego,
quando mora sozinho e está em sua própria casa, caminha como
se enxergasse, não é mesmo? Pois então, ele tem uma capacidade
apurada de criar um mapa mental e uma noção incrivelmente
desenvolvida de percepção geográfica, que permitem a ele saber
exatamente onde estão os objetos à sua volta. Quem observa um
cego andando em sua casa acha que ele está enxergando tudo
pois ele entra, deixa a bengala de lado e passa a se movimentar
com muita desenvoltura pelo seu espaço: desvia da mesa, abre a
porta do armário e pega um copo, abre a geladeira e coloca água
no copo. Bebe e deixa o copo na pia. Este mapa mental super-
detalhado nada mais é que um padrão. Ele não precisa pensar,
pois já é tudo automático. Ele está totalmente integrado ao es-
paço, fazendo tudo com tranquilidade, sem estresse e sem preo-
cupações sobre como se movimentar. Ele, portanto, está em sua
zona de conforto. Aí ele resolve contratar uma nova faxineira e,
por alguma razão, esquece de lhe passar as informações necessá-
rias para que tudo fique exatamente no mesmo lugar. (Pensando
bem, nem se ele tivesse avisado a faxineira, as coisas ficariam no
lugar.) Vamos seguir no raciocínio: a faxineira faz o seu trabalho
durante o dia e vai embora. O cego então, chega em casa, de
volta do trabalho e deixa a sua bengala num canto. Ele pensa que
vai desviar da mesa, mas como ela está em um lugar diferente,
acaba por esbarrar nela, machucando a perna. Recuperado, abre
a porta do armário e tenta pegar um copo, mas ele não está lá.
Resolve então beber água direto da garrafa. Abre a geladeira e a
garrafa d’água não está onde costumava estar. Próximo passo é
xingar até a quinta geração da faxineira, pobre mulher. A partir
daí, ele precisa pegar a sua bengala e analisar todo o seu aparta-
mento novamente para traçar um novo mapa mental. Isso cansa,
exige raciocínio, cuidado, atenção, foco. Quer dizer: ele está na

124
sua zona de desconforto. Quando tiver feito o trabalho, um novo
mapa estará criado e ele poderá novamente caminhar com de-
senvoltura por sua casa. E não esquecerá de avisar à faxineira de
suas necessidades. Ou vai desistir de ter uma faxineira. No final
das contas, o desconforto do cego ao entrar numa casa diferente
daquela que ele guardou em sua mente, nada mais é do que o des-
conforto que sentimos quando as coisas com as quais estamos
acostumados mudam. Não fica nem pior nem melhor. Mas o
simples fato de mudar nos provoca o desconforto da adaptação
à nova realidade.

Eis a questão
Assinale a alternativa correta para qualquer situação que
você se encontrar em sua vida, mas qualquer mesmo:

( ) Zona de conforto (segurança)


( ) Zona de desconforto (insegurança)

Mesmo que você seja um sadomasoquista, vai acabar assina-


lando a primeira opção pois de alguma forma meio estranha, a
dor lhe causa conforto; portanto, esta é uma questão que consi-
dero desnecessária. Todos nós, o tempo todo em nossas vidas, a
cada segundo, mesmo que inconscientemente, procuramos por
conforto. Pense nisso.

Uma fábula interessante


Certa vez um homem foi visto procurando alguma coisa no
chão de uma floresta. Um amigo seu, ao passar, perguntou o que
fazia ali e ele respondeu: “estou procurando a chave da minha
casa”. O amigo, prestativo, juntou-se a ele na procura. Passaram-
se alguns minutos e outras pessoas curiosas com aquela cena
perguntaram o que estava acontecendo. Informados, passaram
também a ajudar na busca pela chave perdida. Não muito tempo

125
depois já havia uma verdadeira multidão rastreando a floresta e
nada de encontrar a tal chave. Até que alguém resolveu fazer a
pergunta que ninguém havia feito até então: “mas onde foi que
você viu esta chave pela última vez?”. E o dono dela respondeu:
“Foi numa caverna escura que visitei hoje de manhã. Mas como
fiquei com medo de procurar lá, resolvi fazê-lo aqui mesmo.”
Esta história demonstra a tendência do ser humano a procu-
rar as coisas não onde elas de fato estão, mas onde é mais fácil de
procurar, onde é mais confortável, mais conveniente, onde está
iluminado. A maioria das pessoas não tem estrutura emocional
para ficar entrando o tempo todo em cavernas escuras e prefere
procurar as soluções onde elas não estão, ou seja, repetindo fór-
mulas antigas ou até mesmo atirando na direção errada. Como
uma amiga minha diz, “plantando laranjas e esperando colher
maçãs”.

Freud X Szklo
Apesar do fato de sermos ambos judeus e, portanto, amar-
mos as nossas mães mais que tudo, eu e Sigmund discordamos
em um ponto de vista fundamental de nossas obras: na opinião
do pai da psicanálise, que eu respeito muito, o que movimenta e
motiva o homem em sua jornada pela vida é uma certa energia
sexual presente desde o seu nascimento. Como não sou versa-
do em psicologia, vou tomar emprestado uma explicação deste
assunto do Antonio Carlos Olivieri, da Página 3 Pedagogia &
Comunicação:
“Freud buscou explicar a vida humana (pessoal e individu-
al, mas também pública e social) recorrendo a essas tendências
sexuais a que chamou de libido. Com esse termo, o pai da psica-
nálise designou a energia sexual de maneira mais geral e indeter-
minada. Assim, por exemplo, em suas primeiras manifestações,
a libido liga-se a outras funções vitais: no bebê que mama, o
ato de sugar o seio materno provoca outro prazer além do de
obter alimento, e esse prazer passa a ser buscado por si mesmo.

126
Por isso, Freud afirma que a boca é uma ‘zona erógena’ e consi-
dera que o prazer provocado pelo ato de sugar é sexual. Portan-
to, repare bem, a libido pode nada ter em comum com as áreas
genitais.
Posto isso, a psicanálise compreende as grandes manifesta-
ções da psique como um conflito entre as tendências sexuais,
ou libido, e as fórmulas morais e limitações sociais impostas ao
indivíduo...
Outro conceito agregado à teoria por seu próprio criador foi
o de sublimação, que compreende a transferência da libido para
outros objetos de natureza não sexual...”

Pois bem, resumidamente, é esta energia sexual que, segundo


Freud, move o ser humano. É esta energia que faz com que ele
adote modelos de comportamento, mesmo nada tendo a ver com
o ato sexual e a libido em si.
Bem, esta é a opinião de Freud. A minha é um pouco dife-
rente, mais simples de explicar e, acredito, de entender. Para mim
a energia que move o ser humano é nada mais nada menos do
que uma incessante e permanente busca pelo conforto.

O conforto é
nosso propósito
Tudo o que o homem criou e que deu certo desde o tempo
em que vivíamos em cima das árvores, ou seja, desde os primór-
dios de nossa existência, está relacionado ao desejo de conquistar
mais conforto. Pode pensar no que quiser que você vai chegar à
mesma conclusão. Vamos começar lá atrás, na invenção da roda.
A roda facilita o transporte de objetos pesados, o que é inega-
velmente confortável. O fogo, que não é uma invenção, mas um
descoberta, ilumina, aquece o ambiente no frio, espanta os ani-
mais e deixa a comida mais saborosa: conforto. Ferramentas em
geral facilitam a agilizam o trabalho manual, que é conforto. Até

127
as armas são conforto: matam a caça com maior facilidade e pro-
tegem os grupos de seus inimigos. Pulando para os dias de hoje,
você acha sinceramente que nós precisamos de vidros elétricos
em nossos carros para viver? De ar-condicionado, de câmbio au-
tomático, de GPS? É fundamental para a nossa existência ter um
ipod ou é apenas um desejo desenfreado por mais e mais con-
forto? Até o salto alto da mulher é uma espécie de conforto, pois
a deixa mais elegante e com o corpo mais atraente. Apesar das
consequências nem sempre positivas para as suas articulações, a
sensação de estar com boa aparência provoca a tal sensação de
conforto. Senão, o salto alto já teria sido abandonado há muito
tempo. É o propósito que trará conforto. Porque nem sempre
o ato em si é confortável, mas o que desejamos que ele provo-
que certamente está relacionado com a busca por mais conforto.
Construção civil, roupas, óculos, celular, internet, avião, compu-
tador, móveis, caneta, tesoura, papel higiênico, energia elétrica,
fósforo, cartão de crédito, máquina fotográfica, régua, chave,
guarda-chuva. Até as leis podem ser consideradas um desejo de
conforto, pois, em tese, elas são criadas para melhorar a vida das
pessoas, deixá-las mais tranquilas, mais seguras, mais protegidas,
portanto, mais confortáveis. Nem sempre ocorre desta maneira,
mas o princípio básico da criação de leis é o aumento de confor-
to do cidadão e da sociedade.
Agora, o ser humano é um contraditório ambulante, por isso
até mesmo essa busca incessante pelo conforto passa por um
conflito curioso e, por que não dizer, tragicômico: todos nós es-
tamos o tempo todo buscando e desejando mais conforto para
nossas vidas. E o que é que fazemos para conquistar isso? Nos
matamos de trabalhar. Trabalhamos que nem animais, nos estres-
samos, suportamos situações desagradáveis e por vezes dramá-
ticas, enfrentamos um dia-a-dia muitas vezes massacrante, nos
frustramos, nos deprimimos pois não atingimos nossos objetivos
e pra quê? Para conseguir mais conforto. O pensamento comum
e pouco reflexivo que geralmente se faz é “Vou me matar a vida
toda para ter conforto na velhice”, ou “vou trabalhar bastante

128
agora para um dia não precisar mais trabalhar”. Sinceramente, é
deprimente. Eu prefiro o conforto agora. Por isso conclui que:

O que move o ser humano é o desejo


de não se mover um dia.

Minha conclusão neste caso é de que o conceito “evolução”


está diretamente relacionado ao crescimento do conforto da so-
ciedade. Nossa sociedade evoluiu em que critério? Podemos estar
todos enlouquecidos pelo ritmo e pelas exigências atuais, mas
não podemos negar que a nossa vida é muito mais confortável
do que há 10, 20, 30, 50, 100 anos. Na verdade, estamos sempre
falando de conforto físico, porque a nossa mente está cada vez
mais oprimida, mais estressada, mais enlouquecida. Veja se, de
fato, o ser humano mudou nos últimos 2000 anos. Os costumes
certamente mudaram, mas o ser humano continua o mesmo. Os
sete pecados capitais continuam aí, intactos, mesmo após tanto
desenvolvimento tecnológico.
E depois de conquistarmos todos estes confortos físicos,
fica difícil de entender como é que conseguíamos viver sem eles
em tempos anteriores. Você consegue hoje se imaginar sem te-
lefone celular? Sem internet? Sem sistema bancário online. Sim,
porque os mais jovens não devem saber, mas antigamente você
só podia sacar algum dinheiro do banco na agência em que você
tinha conta. Entrar na fila, fazer um cheque, ter sua assinatura
conferida, ter seu saldo conferido e só assim fazer o saque. Hoje,
podemos estar no Cazaquistão, no domingo à noite e consegui-
mos sacar dinheiro de nossa conta aqui no Brasil.
Pois então, somem-se a isso as outras milhares de facilidades
e confortos que adquirimos nos últimos anos e veremos como a
nossa vida realmente é uma maravilha, se comparada ao passado.
E, a não ser que venhamos a sofrer uma hecatombe nuclear, no
futuro também não conseguiremos entender como é que con-
seguíamos viver em 2011 com tantas limitações. Provavelmente
os nossos descendentes pensarão: “Que nojo. Naquela época as

129
pessoas iam ao banheiro, sentavam num sofá de porcelana com
um buraco no lugar da bunda e com água dentro e faziam suas
necessidades, uhhh!” Isso porque em 2110 provavelmente tere-
mos um aparelho que desintegrará nossas necessidades antes que
possam abandonar nosso corpo.

Contrassenso
Tenho um carro muito, muito moderno. Me oferece todo
o conforto que o dinheiro pode comprar. Acordo de manhã e,
ainda na copa, tomando café, dou a ignição por controle remoto.
Quando chego à garagem, sua porta se abre automaticamente.
Sento e a porta se fecha sem que eu tenha de fazer nenhum mo-
vimento. O mesmo acontece com o cinto de segurança, que me
abraça sem que eu precise mexer um músculo. O câmbio é auto-
mático, portanto, não preciso me preocupar com ele. A direção é
tão leve e macia que posso usar o dedo mindinho para controlá-
la. Na rua, pingos caem no parabrisa inteligente e, automatica-
mente, o limpador é acionado. O mesmo acontece com o farol,
pois os sistemas do carro detectaram que o dia está meio escuro.
Ligo o rádio, troco as estações e falo no celular sem tirar as mãos
do volante. Chego ao meu destino. Controlado pelo computador
de bordo, meu carro estaciona sozinho. Desço, ele tranca a porta
e liga o alarme sem que eu tenha de fazer nada para isso. Onde
estou? Na academia de ginástica. E o que vou fazer lá? Muita
força. Vou gastar minha energia até o limite do meu corpo. Vou
suar, vou sofrer, vou ficar esgotado. Depois, tomo um banho e
volto ao meu veículo maravilhoso onde os únicos músculos que
utilizarei serão os do rosto, gerando um sorriso orgulhoso por ter
um carro tão bacana. É por isso que hoje existe academia de gi-
nástica. Antes não precisava, porque antes existia a Brasília. Cada
conversão era um esforço fenomenal. O câmbio era duro e im-
preciso. As janelas estavam sempre emperradas. Uma autêntica
academia ambulante. A sanha desenfreada do homem em busca
do conforto está criando estas situações bizarras. Nosso corpo

130
não foi feito para ser tão poupado de esforços. E quanto mais
conforto adquirimos mais problemas ele terá para se adaptar.

O conforto e a felicidade
Por alguma razão o ser humano geralmente acaba por con-
fundir os conceitos de conforto com felicidade. Parece que existe
em nossa cabeça a ideia de que quanto mais conforto eu adquirir,
mais feliz eu vou ser. Esse equívoco de julgamento fez com que
a sociedade tenha desenvolvesse tanto tecnologicamente e tão
pouco no sentido humanístico. Os indivíduos hoje têm vidro elé-
trico, ar-condicionado e direção hidráulica, mas por detrás do vo-
lante são estressados, inseguros, angustiados e deprimidos, como
nunca talvez em toda a nossa história. O conforto é muito bom,
claro, mas apenas se o desdobrarmos para todos os departamen-
tos de nossas vidas. Aí, sim, teremos conquistado a tão esperada
e praticamente improvável felicidade.

A felicidade não existe. Apenas sensações


momentâneas e passageiras de que as coisas estão
melhores do que num momento anterior.

O conforto e o prazer
Também costumamos confundir prazer com conforto. No
fundo, os dois são farinha do mesmo saco. Ter conforto dá pra-
zer ou ter prazer dá conforto? Mais um ovo e uma galinha para
nos atormentar a lógica cartesiana. O prazer para mim não passa
de um excesso de conforto. Um confortão. São aquelas situa-
ções em que as coisas acontecem de uma forma que nos deixa
a certeza de que estamos “certos”. “Certíssimos”, no caso. E
o prazer só acontece quando estamos na zona de conforto. Aí
alguém pode perguntar: “mas e esse pessoal que pratica esportes
radicais? Pular de paraquedas não é exatamente estar na zona
de conforto”. Para mim, essas pessoas sentem, sim, prazer em
se desafiar, em produzir adrenalina, em enfrentar o perigo e, às
131
vezes, a morte. Essas pessoas têm um Castelo de Legos construí-
do de forma a favorecer esse sentimento radical como forma de
prazer. Provavelmente o prazer delas está em superar o perigo e
voltar para contar. Uma espécie de competição consigo mesmas
onde a coragem e a ousadia sejam percebidas por seus Pedrões
como coisas “certas”. Aliás, não convém sermos muito críticos
com relação às formas de prazer. Até porque cada um tem sua
própria definição. O que para mim é prazer pode não ser para
você e vice-versa. O que importa é que o prazer é provocado
por hormônios produzidos em nosso corpo para nos informar
que estamos nos comportando bem, por sermos bons meninos e
meninas, por estarmos respeitando à risca a nossa programação
mental, o nosso contrato com o Pedrão.

A fonte do prazer
Mais do que a fonte da juventude, o homem está sempre
em busca da fonte do prazer. Do seu prazer pessoal. Por isso
nos dedicamos a uma coisa ou outra em nossas vidas. Quando
identificamos, mesmo que inconscientemente, a nossa fonte de
prazer, não queremos nos desfazer dela. Vide a dependência às
drogas. A nossa fonte de prazer pode ser uma pessoa, uma ativi-
dade, um objeto, um comportamento. Quando perdemos o con-
trole passamos a consumir esse objeto de desejo obsessivamente,
deixando o resto da vida de lado. E se ficamos por alguma razão
afastados desse objeto do desejo sentimos a mesma crise de abs-
tinência que sente um viciado sem sua droga.
Buscamos o prazer nas coisas que fazemos e, quando o
atingimos, queremos mantê-lo a todo custo (e para sempre, se
possível). Mas, lamentavelmente a vida não é assim. A gente se
acostuma com tudo, até com o prazer. Aí, como as drogas, ele
deixa de fazer efeito e precisamos de doses maiores para sentir-
mos a mesma coisa que sentíamos antes. E deixa de fazer efeito
por uma razão muito simples: vira padrão. E se vira padrão, passa
a ser automático. E o automático nunca é excitante, estimulante,

132
motivador. Como eu disse acima, o prazer é resultado de uma
boa descarga de um hormônio específico em nosso organismo.
E passa o resto da vida tentando conseguir outras doses dessa
droga sedutora. Aliás, por sermos animaizinhos indolentes e re-
beldes, todas as nossas necessidades biológicas funcionam à base
de prazer, para evitar que nos rebelemos e desistamos de fazer
alguma coisa que seja fundamental para a nossa sobrevivência.
É prazeroso dormir quando estamos com sono. É prazeroso
comer quando estamos com fome. É prazeroso fazer sexo, e,
porque não, é prazeroso fazer nossas necessidades fisiológicas.
Aliás, esse prazer todo só está aí para nos impelir a realizar o
objetivo primário para o qual fomos programados: sobreviver
a qualquer custo.

Resumindo:
Partindo-se do princípio de que o homem deseja o conforto
acima de tudo, vamos fazer o raciocínio lógico. Quando nos sen-
timos confortáveis é sinal de que nos consideramos adequados,
ou seja, “certos” em alguma medida. Esta certeza nos faz acredi-
tar que somos aprovados, que estamos 100% ok no CoBAP. Isso
nos leva a pensar que, graçasadeus, fazemos parte de um grupo
e somos totalmente aceitos por ele, ou seja, experimentamos a
sensação agradabilíssima ao ser humano que é “pertencer”. E
esta sensação nos promove um esperado e santificado conforto.
E se estamos confortáveis é porque estamos “certos”. E assim
caminha a humanidade...

Conforto> Certeza > Aprovação > Pertencimento > Conforto

Se pudéssemos escolher
Esse impulso por adquirir conforto a qualquer custo começa
desde quando estamos sendo germinados. Quem em sã cons-
ciência pode acreditar que o bebê queira de fato sair da barriga

133
da mãe ao final dos nove meses? É claro que não, ele quer ficar,
custe o que custar. A natureza, essa velha sábia, consciente disso
cria uma série de circunstâncias que literalmente expulsam a po-
bre criança do seu mais confortável e aquecido lar. O parto nada
mais é do que uma expulsão. Uma ação de despejo sendo impe-
trada pela justiça divina. Não tem choro nem vela. Tem que sair
e ponto final. Nunca mais ele viverá uma situação tão tranquila
e agradável em sua vida. Talvez seja por isso que os homens,
inconformados, passem a vida inteira tentando retornar ao seu
marco zero. Você também já deve ter notado que muita gente
quando está em uma situação difícil se deita e fica em posição
fetal, uma viva memória dos bons tempos em que ela não tinha
de enfrentar as pedreiras que estão sempre nos perturbando aqui
fora. Portanto se pudéssemos escolher, passaríamos toda a nos-
sa existência dentro da barriga de nossa querida mãe. Imagine a
cena e se convença mais uma vez da sabedoria da Mãe Natureza.

Nós escolhemos
Mesmo aqui fora, neste ambiente inóspito e agressivo, nosso
instinto de proteção e busca do conforto permanece francamen-
te ativo. E é por isso que todas as vezes que precisamos tomar
uma decisão, um dos critérios que mais levamos em considera-
ção, mesmo que inconscientemente, é “qual opção me deixará
mais confortável?”. É o que eu chamo de Critério Invisível. O
cérebro encontra outros para justificar a decisão, mas no final das
contas o que vale mesmo é o nosso desejo profundo e arraigado
de conquistar o máximo de conforto possível em cada minuto de
nossas vidas. E é utilizando esta nossa característica que o Pedrão
exerce o controle total sobre nossas vidas. E que arma ele usa?
Os Hormônios Disciplinares.

134
HORMÔNIOS
DISCIPLINARES
Prazer e dor, instrumentos
de comunicação
A Natureza tem um sistema de comunicação muito simples
e objetivo. Já que ela não tem como controlar cada indivíduo se-
paradamente, criou um código que deixa muito claro para o ani-
malzinho se ele está “certo” ou “errado”. Dois componentes são
usados neste sistema: o prazer e a dor. E estes dois estados an-
tagônicos existem por uma simples razão: são avisos, conselhos
que a Natureza dá ao animal para informá-lo de que sua atitude
possa estar eventualmente equivocada ou eminentemente cor-
reta. Segundo os padrões, claro, como sempre. E como já disse
anteriormente o prazer nada mais é do que um excesso de con-
forto e a dor, um excesso de desconforto. Senão vejamos: tudo o
que é estritamente necessário para a nossa sobrevivência, ou seja,
comportamentos e atitudes que se relacionam diretamente com a
Diretiva Primária, são acompanhados de um aviso inconfundível
de prazer. Comer dá prazer, pois é impossível sobreviver sem co-
mer. Beber a mesma coisa. Dormir também dá prazer, pois apro-
ximadamente oito dias sem dormir podem matar uma pessoa.
Fazer xixi ou coco também oferecem sua dose de prazer. E tem
o maior prazer de todos, o sexo, que está relacionado a uma coi-
sa muito maior: a sobrevivência da espécie. Ou seja, a Natureza
está nos informando gentilmente o que devemos fazer em bases
regulares. Não posso de maneira nenhuma ficar sem fazer coco,
mesmo que eu só o faça no meu banheiro e ele estiver passando
por uma reforma e ficará um mês interditado. Não depende de
nós, não temos escolha. E ainda ganhamos uma pitada de prazer
de bônus. Pra incentivar. E a dor, da mesma forma, nos avisa que
alguma coisa não está certa. Se você colocar um pouco este livro
de lado, chegar perto de uma parede e der o chute mais forte que
consiga, vai entender perfeitamente o que estou dizendo. A Na-
tureza vai dizer em letras garrafais e cheias de estrelinhas girando
em volta da sua cabeça: “por favor, não faça isso pois isso pre-

136
judica a sua sobrevivência. Você está errado”. Mas não precisa
nem abandonar o livro nem chutar a parede. Você é inteligente
e sabe que funciona assim. Porque provavelmente a Natureza já
lhe explicou algumas vezes que funciona desta forma. E você,
inteligente que é, entendeu perfeitamente. Então que fique claro:
a dor não é uma punição, é um alerta. Dor como punição foi o
homem que inventou, este criativo inveterado, ao descobrir que
a tortura opera milagres no trato com inimigos e desafetos em
geral.

Dor não é punição. Dor é um alerta.

Como o Pedrão exerce


seu poder sobre nós
O prazer e a dor fazem parte do sistema de controle de
comportamento que eu chamo de Hormônios Disciplinares. Se-
guindo a natureza binária do nosso funcionamento, possuímos
um mecanismo que dispara em nosso organismo, conforme a
circunstância, dois tipos dos tais Hormônios Disciplinares aos
quais dei nomes bastante sugestivos: o “Parabéns a você!” e o
“Você é um idiota!”.
Isso posto, passemos ao seu funcionamento. O Pedrão, res-
ponsável pela administração dos hormônios, se utiliza da quími-
ca para confirmar ou negar suas crenças, ou seja, para informar
ao pobre cidadão se o que ele está fazendo e pensando é “certo”
ou “errado”. Tente analisar esta situação com seus próprios sen-
timentos. Como você sabe que está “certo”? Ora, quando você
sente que está certo, não é verdade? E o que é essa sensação,
senão um prazer? Prazer este provocado e promovido por uma
descarga do hormônio “Parabéns a você!”. Não tem nada de
subjetivo nisso. Não é metafísico, psicológico. É um prazer real,
promovido por uma descarga de hormônios reais. E quando es-
tamos “errados”? Inversamente, ficamos sabendo disso pelo des-

137
conforto físico e mental que sofremos provocado pela presença
em nosso sistema nervoso do hormônio “Você é um idiota!”.
O Pedrão usa esses hormônios como forma de nos indicar
qual é a nossa programação mental. Porque se ele não se uti-
lizasse destas ferramentas de coerção, provavelmente seríamos
incontroláveis. Já somos um pouco mesmo com este mecanismo,
mas sem ele, certamente nos tornaríamos inviáveis. O Pedrão
sabe que a melhor maneira de incentivar um comportamento é
com estímulos positivos ou negativos. Simplificando, o Pedrão
nos avisa da seguinte forma:

Dor = errado
Prazer = certo

Somos cãezinhos adestrados. Se formos comportados, ga-


nhamos biscoitinhos. Se não obedecermos, levamos uma panca-
da de jornal na bunda. Simples assim. Reforço positivo ou refor-
ço negativo.
Provavelmente não daríamos a menor bola para o Pedrão se
ele não se utilizasse dessas poderosas drogas para nos controlar
e inibir nossa vontade. Quanto mais “certos” nós estivermos,
maior será o nosso prazer físico e mental. E quanto mais “er-
rados”, maior será o desconforto. No fundo, não fazemos, de
fato, uma análise ética de nosso comportamento. É o Pedrão que
define a atitude que vamos tomar. Sinto dizer, mas não somos
santos, muito ao contrário, continuamos sendo apenas animais
orientados pelo instinto e pela vontade, tendo a razão como o
fiel da balança. No final das contas, somos apenas crianças mi-
madas querendo agradar o Pedrão para receber um doce a cada
demonstração de bom comportamento. Somos escoteiros enrus-
tidos.
E mais: se existe de fato o que chamamos de livre-arbítrio,
ele se manifesta apenas quando negamos a pressão do Pedrão
– seja ele o Personal-Pedrão ou o Pedrão-Rei – fazendo ou pen-
sando algo que eles eventualmente não aprovem. E levamos esse

138
comportamento adiante mesmo sob forte pressão mental. Este
sistema foi criado apenas para manter os indivíduos dentro de
uma lógica comportamental necessária para a sua sobrevivência
e para a vida em sociedade. Mas, como tudo na Natureza, tem
efeitos colaterais. Quando nosso cérebro evoluiu e começamos
a funcionar para além do instinto, descobrimos que era possível
“fabricar” o prazer. Como? Fazendo a coisa “certa”.
O desejo de felicidade na verdade é um conceito novo para
a nossa espécie. Um conceito que certamente os outros animais
não compartilham conosco. E o que é o desejo de felicidade,
além de uma vontade louca de repetir a dose de “Parabéns a
você!” com a maior frequência e intensidade possíveis? E a gen-
te acaba ficando escravo deste desejo. Nossa vida se transforma
num jogo, onde o vencedor é aquele que conseguir mais “Para-
béns a você!” que os outros, ou seja, que esteja mais “certo” que
os outros. Criamos, planejamos e fantasiamos o que seria a nossa
felicidade e corremos atrás do devaneio com a ilusão de que aqui-
lo nos fará sentir mais prazer.

Painel de controle
do Pedrão
O sistema de aplicação dos Hormônios Disciplinares é feito
através de um painel de controle que fica na sala do Pedrão. Um
painel bem simples, na verdade, com apenas dois botões. Um
para o “Parabéns a Você” e outro para o “Você é um Idiota”. O
Pedrão fica ali, analisando seu comportamento, seus pensamen-
tos, seus atos, suas vontades e definindo as dosagens. Às vezes
ele quer dar uma lição de moral em seu hospedeiro que está mui-
to saidinho e quebrando muitas regras, e ele se diverte meio que
esquecendo o dedo apertado no botão do “Você é um Idiota”. A
depressão nada mais é do que um defeito no painel, justamente
neste mesmo botão, que fica acionado em tempo integral. E a
ansiedade é quando os dois botões são pressionados ao mesmo
tempo, provocando uma sensação dúbia de prazer e dor.

139
Indicando o caminho
Quando acontece uma situação em que estamos claramente
fadados ao fracasso ou ao acidente, recebemos uma dose maci-
ça do “Você é um idiota!”, como, por exemplo, quando quase
atropelamos alguém por estarmos falando no celular. É um aviso
muito poderoso, sem dúvida.
É claro que os hormônios não aparecem um de cada vez.
É possível o surgimento dos dois ao mesmo tempo em deter-
minadas situações. Por exemplo: na expectativa de um grande
momento futuro, como a estreia de uma peça de teatro ou qual-
quer tipo de evento em que você tenha papel preponderante,
que o sucesso ou o fracasso da empreitada dependa direta ou
indiretamente de você, é normal que os dois hormônios atuem
em conjunto, proporcionando o que conhecemos vulgarmente
como “frio na espinha”. É aquela situação em que ficamos na
corda bamba hormonal. Ora recebemos um “Parabéns a você!”
e segundos depois um incômodo “Você é um idiota!”. E ficamos
nesta gangorra emocional, indo e vindo sem parar, até que o
evento aconteça e um deles, em função do resultado percebido,
tome conta do território. Nenhum dos dois jamais trabalha so-
zinho. Como somos muito críticos e exigentes, recebemos sem-
pre uma pequena descarga do hormônio menos cotado naquele
momento.
Os Hormônios Disciplinares funcionam em nossa mente da
mesma forma que aquela brincadeira de criança chamada “Frio
ou quente”, lembra? Conforme vamos recebendo os estímulos
hormonais positivos ou negativos, reagimos de forma a “corri-
gir” nossos passos.

Psicopatas e sociopatas
Os psicopatas e sociopatas provavelmente são pessoas que
por alguma razão têm problemas nesse processo e seus hor-
mônios disciplinares não funcionam. O painel de controle do

140
Pedrão está quebrado e ele não consegue aplicar os hormônios
disciplinares em seus hospedeiros. Resultado: eles não sabem o
que é estar “certo” nem “errado”. Fazem o que der na telha.
Não sentem empatia, nem remorso. Seu sistema de controle não
funciona e eles, portanto, não têm o menor respeito e interesse
pelas normas vigentes.
E os Hormônios Disciplinares não funcionam com base na
“realidade”, conceito que mais à frente explicarei que não existe
de fato. Os hormônios funcionam única e exclusivamente com
base na percepção. Se você acredita de fato que o que está fa-
zendo é “certo”, independente do senso comum, o “Parabéns a
você!” será produzido. E, claro, o inverso funciona exatamente
da mesma forma. E quando a mesma situação provoca a produ-
ção dos dois hormônios em momentos distintos? Isso acontece
justamente para provar que seu funcionamento está diretamente
associado à percepção. Você escreveu um texto, por exemplo,
que considerou muito ruim. Aquilo deixou você desconfortável,
porque seu cérebro registrou que você está “errado”, pois so-
mente quem produz bons textos está “certo”. Maciças doses de
“Você é um idiota!” são despejadas em seu organismo. Pois bem,
depois de sofrer um bocado com sua pretensa incompetência,
você expõe o texto ao público e a resposta é surpreendente. A
maioria adora e faz elogios rasgados ao seu talento literário. Ao
ouvir estas manifestações, sua percepção da situação tem a ten-
dência de mudar. Você passa a produzir o “Parabéns a você!” e
seus dias de autoflagelo chegam ao fim. Bem, pelo menos até
você escrever outro texto.

Miquinhos de circo
Desde pequenos somos impelidos a funcionar desta manei-
ra. A criança adora repetir aquilo que provoca riso e comentários
carinhosos dos adultos. Somos na verdade miquinhos de circo
que passam a vida esperando o aplauso. Mas não é o aplauso
em si que desejamos. É o que ele provoca em nosso organismo.

141
“Parabéns a você!”, significa o aplauso. Da mesma forma que
as broncas e castigos servem para dizer que você está “errado”,
portanto, merece uma dose de “Você é um idiotinha!”. Como já
disse, esse sistema, aparentemente perfeito de controle compor-
tamental, produz efeitos colaterais. Acostumados a perceber o
que causa a produção de cada hormônio disciplinar, passamos o
resto de nossas vidas, mesmo que inconscientemente, buscando
aplauso, reconhecimento, elogios etc. Tudo por mais uma dose
de “Parabéns a você!”. Somos adictos. Igualmente viciadas são
aquelas pessoas que por alguma razão desenvolveram o dese-
jo de autopunição. Então, consciente ou inconscientemente, se
comportam de maneira a favorecer a descarga de “Você é um
idiota!” o máximo de vezes possível. Na verdade o vício é sempre
o mesmo. A droga que é diferente.

Neurolinguística e os
Hormônios Disciplinares
Não sou especialista em neurolinguística, mas desenvolvi há
alguns anos um método que parece ser muito parecido com aque-
le consagrado pelos estudiosos. Enfim, mas o que isso tem a ver
com os Hormônios Disciplinares? Tudo. Nas minhas experiên-
cias, percebi que acreditar de forma inabalável que um desejo
meu será realizado, me provocava um estranho prazer. Como
assim, se ainda não aconteceu o que eu gostaria? Pois bem, esse
é o segredo. Você tem tanta certeza de que, por exemplo, vai
conseguir um emprego numa empresa bacana, que mesmo an-
tes de acontecer você já sente que conseguiu; portanto o “Pa-
rabéns a você!” é produzido em seu organismo. Mas, e se você
não conseguir este emprego? Pois é, este é o ponto fundamental
do método: você acredita que mais cedo ou mais tarde vai acon-
tecer. Só não aconteceu ainda porque não era para acontecer. A
crença tem de ser inabalável. Porque se você desiste de acreditar
diante das primeiras dificuldades, dos primeiros obstáculos, isso

142
significa que sua crença naquilo não era exatamente sólida. Aliás,
nosso sistema de controle disciplinar funciona exclusivamente
por meio de crenças. Não existe percepção de realidade ou fan-
tasia. Até porque nosso cérebro não sabe a diferença entre real e
imaginário, lembra?

Em busca do
analgésico definitivo
Os Hormônios Disciplinares me fazem pensar em uma certa
fantasia que nos move ao longo de nossas vidas. Uma fábula, um
conto de fadas que nos faz acreditar que um dia iremos final-
mente ficar livres da dor. De que um dia realizaremos os nossos
sonhos e que neste exato momento deixaremos de sofrer e nossas
vidas se transformarão em uma história da carochinha, tipo “fe-
lizes para sempre”. O simples pensamento de que a vida é isso
que vivemos agora e que nada muito diferente acontecerá é muito
desanimador. Principalmente para quem está acostumado desde
pequeno a apostar todas as suas fichas na possibilidade da felici-
dade futura. E esse desejo infantil, devo dizer, nos faz imaginar
que a vida pode um dia não ser alimentada por desafios, obstá-
culos, escolhas, perdas e ganhos. Observe a Natureza. Não existe
isso em nenhuma circunstância. Por que então acreditamos nisso?
Ora, porque é mais fácil, mais confortável acreditar nisso do que
batalhar pela vida sabendo que ela será desafiadora sempre, até o
fim de nossos dias.
Felicidade é apenas um padrão. Um conjunto de realizações
que botamos em nossa cabeça que serão as responsáveis pelo
nosso Nirvana pessoal, ou seja, a vida com ausência absoluta de
dor. É por isso que digo que procuramos o analgésico definitivo,
que, na minha opinião, só encontraremos quando partimos desta
para melhor. Joseph Campbell, meu ídolo, dizia: “A vida é uma
ópera maravilhosa. Só que dói.” Não há como escapar da dor.
Mas há como compreendê-la e aprender a administrá-la.

143
Ainda observando a Natureza, podemos notar que não exis-
te a inação. Tudo está em movimento constante. Como já disse
anteriormente, a pedra, ali estática há milhões de anos é formada
por moléculas em constante movimento. Portanto o nosso dese-
jo de manter um estado de coisas, qualquer que seja ele, é, antes
de tudo, impossível. A dinâmica feroz da Natureza, – e eu insisto
em dizer que fazemos parte dela, querendo ou não – impossi-
bilita qualquer negação de movimento que desejemos impor às
nossas vidas e às vidas dos outros. Só nos cabe, portanto, aceitar
que a vida é um eterno movimento. O melhor é acompanhá-lo e
não tentar aprisioná-lo.

Os vícios
Uma forma de entender o que são os vícios é analisar pelo
seguinte prisma: nosso cérebro possui uma programação que o
faz compreender que toda dor sinaliza que estamos no caminho
“errado” e, opostamente, todo prazer nos informa que estamos
“certos”. Não há um julgamento objetivo neste processo. É uma
reação inconsciente e espontânea. Quando estamos tomados por
algum tipo de vício, o que está ocorrendo é que, a despeito de
nossa consciência de que aquilo nos prejudica, emocionalmente
não conseguimos nos livrar do desejo de continuar pelo caminho
que nos proporciona prazer. É um contrassenso para o cérebro,
ele não entende que o prazer pode nos fazer mal, por isso para
largar um vício é necessário, antes de tudo, um movimento ra-
cional. Seu ou de alguém próximo a você. Jamais será “natural”.
Envolverá sempre um esforço mental.
Todo mundo sabe que fumar faz mal, mas a maioria não
consegue largar o vício. É o cérebro não entendendo porque uma
coisa que lhe dá prazer pode estar “errada”. Na lógica do cérebro
isso não é possível. Por isso, para largar o cigarro é preciso, antes
de tudo, desejar largar. Mas este desejo só virá da consciência
de que aquilo está fazendo mal, à custa de um esforço mental
tremendo, enfrentando o cérebro que deseja mais prazer. Mui-

144
tos precisarão de alguma outra droga para ajudar no processo.
E mesmo que consigam, dificilmente deixarão de ter vontade de
fumar. O cérebro sempre terá a memória de que existe uma fonte
de prazer ali e fará questão de informá-lo sempre que puder.
Resumindo, um vício é quando, em função de um mesmo
assunto, recebemos pela via emocional um “Parabéns a você!”
e ao mesmo tempo pela via racional recebemos um “Você é um
idiota!”. O cérebro fica confuso com este paradoxo, dificultando
muito sua solução.

145
A OPINIÃO
DOS OUTROS
O Pedrão-Rei
Nosso Personal-Pedrão tem poder limitado. Ele dita as re-
gras em sua vida, mas só até a página 2. Muito mais poderoso e
influente que ele é o Pedrão-Rei, ou seja, os padrões do grupo ou
grupos a que você pertence. Por isso fica claro que existe mais de
um gatilho para os Hormônios Disciplinares. Se nosso Personal-
Pedrão nos alerta positiva ou negativamente em função de sua
programação, ele também é obrigado a fazer o mesmo com a
programação do Pedrão-Rei.
Como tenho dito desde o começo do livro, tudo o que so-
mos, nosso comportamento, nossos pensamentos, enfim, nossa
existência como indivíduo e espécie está diretamente relaciona-
da à Diretiva Primária do nosso gene: sobreviva a qualquer
custo. Num determinado momento de nossa evolução nosso
gene concluiu que seria fundamental para nossa sobrevivência
que vivêssemos em grupo. A partir deste momento, passamos a
sentir essa necessidade de maneira atávica e incontrolável. Basta
observar como nós damos importância à Opinião dos Outros,
mesmo que não saibamos exatamente qual é. E essa suposta
Opinião dos Outros é tão poderosa em nossa psique que ela
desencadeia a produção de Hormônios Disciplinares com mais
força e energia que nosso próprio Pedrão.
Trocando em miúdos, a Opinião dos Outros é tão ou mais
importante para nosso Pedrão que a sua própria. A Opinião dos
Outros, na verdade, é o que define um grupo social, o que o nor-
teia. Não existe nada mais controlador e apavorante para o nosso
cérebro que ser objeto de reprovação dos outros. Afinal, quan-
do os outros nos reprovam recebemos um “Você é um Idiota!”.
E a opinião dos outros trabalha com estatística. É todo mundo
contra um, no caso, você. E como temos a tendência a acreditar
inconscientemente que a maioria tem sempre razão, estará feito
o estrago.
No filme Apocalipse Now do diretor Francis Ford Coppola,
o personagem principal, Coronel Kurtz, interpretado com ma-

148
estria por Marlon Brando, em uma determinada cena pergunta
ao personagem de Martin Sheen se ele já havia pensado o que
era a verdadeira liberdade. Ou seja, estar livre da Opinião dos
Outros e da sua própria. Nesta fala, o Coronel Kurtz toca num
ponto crucial da natureza humana e de nossa capacidade de viver
em sociedade. O excesso de preocupação com a opinião alheia
forma, mas também deforma os indivíduos. Ao invés de ser-
vir apenas como referência, acaba por se transformar também
em escravidão, em obrigação. Pessoas com personalidade fraca
sequer questionam o porquê de pensar e agir de determinada
maneira. Apenas acreditam que estão fazendo o que é “certo”,
protegidos pela Opinião dos Outros. O mais incrível disso tudo é
que na maioria das vezes sequer tomamos conhecimento do que
os outros estão pensando. É nosso próprio cérebro, por causa do
Efeito Supositório (que veremos mais à frente), que pressupõe
o que os outros pensam e acaba agindo em conformidade com
o que ele acredita que fará as pessoas apreciarem seu comporta-
mento. Por que fazemos isso?

Opinião dos outros? Qual?


Não precisamos saber. A simples possibilidade de alguém
pensar qualquer coisa sobre nós, já nos apavora. Por isso grande
parte do que fazemos ou deixamos de fazer está relacionada com
a pergunta fatal: o que os outros vão pensar? E o mais curioso
de tudo é que, analisando friamente, de fato não faz a menor
diferença o que os outros pensam de nós. Mas, por um comando
genético em nosso cérebro, somos obrigados a considerar essa
possibilidade com grande relevância, mesmo que racionalmente
não estejamos nem aí.

O único lugar onde


você é você de verdade
Só existe um lugar no mundo inteiro onde o ser humano
pode considerar que está se comportando de maneira absoluta-
149
mente natural e autêntica, sem fingimentos, sem mentiras sociais,
sem preocupação com a Opinião dos Outros: o banheiro. E com
a porta trancada, por favor. Senão toda privacidade estará com-
prometida. É dentro do banheiro trancado que nos permitimos
ser quem realmente somos. Que nos expressamos de forma livre
e sem culpas. Eu, por exemplo, um professor emérito, escritor
de talento e filósofo de sete costados, me revelo totalmente após
o banho quando vestindo apenas uma cueca e um turbante feito
com a toalha, seguro uma escova de cabelos como se um micro-
fone fosse e imito, com muita propriedade, devo dizer, a incom-
parável Barbra Streisand. Ao abandonar o recinto, já recomposto
como professor, escritor e filósofo, me dirijo às pessoas que en-
contro com respeitosos “satisfação em revê-lo”, “sempre às or-
dens” e “passar bem”. Tudo isso porque sabemos que no nosso
sagrado recinto privado estamos completamente livres do olhar
alheio, do julgamento sumário, da possibilidade sempre presente
de sermos considerados idiotas, inadequados, indesejados, não-
amados, “errados”.

Sou um homem civilizado na acepção da palavra: tenho um


comportamento exemplar quando tem alguém olhando.

Quando a Opinião dos


Outros perde importância
Somos impelidos pelo nosso inconsciente a nos preocupar
constantemente com o que os outros pensam ou podem estar
pensando sobre nós. Porém, existe um caso específico onde esta
premissa é totalmente descartada: quando ela entra em conflito
com a Diretiva Primária, ou seja, quando a nossa sobrevivência
está em jogo. Por exemplo, ninguém sai pelado na rua porque
além de ilegal e imoral, nos preocupamos com o que as pessoas
vão pensar de nós. Porém, se a nossa casa está pegando fogo,
não pensamos duas vezes em abandoná-la, não importa se esti-

150
vermos vestidos ou não. Mais uma vez podemos comprovar que
o nosso gene dá prioridade absoluta à máxima sobreviver, a
qualquer custo.

Estatuto Instintivo de
Aprovação Mutual
No meu entender, nosso comportamento sofre uma grande
influência de um processo que eu chamo de Estatuto Instintivo
de Aprovação Mutual, que, no final das contas, rege a Opinião
dos Outros. Nascemos, crescemos, vivemos e morremos dese-
jando praticamente uma coisa: sermos aprovados como indiví-
duos, ou, o que se costumou dizer por aí, sermos amados. Está
em nosso sistema operacional, portanto, vem de fábrica. Está
diretamente relacionado ao comando VIVA EM GRUPO defi-
nido por nosso gene. Tente prestar atenção. Quando passamos
por uma situação em que as pessoas à nossa volta nos criticam ou
demonstram insatisfação conosco ou com o que dizemos e faze-
mos, sentimos um desconforto físico claramente perceptível, ou
seja, uma descarga de “Você é um idiota!”. O oposto também se
manifesta. Todas as nossas escolhas de vida, das importantes às
prosaicas, têm como objetivo final o máximo de aprovação dos
outros para que assim consigamos ampliar nossa possibilidade
de nos sentirmos bem, recebendo constantes doses de “Para-
béns a você!”. Tem tudo a ver com o amor. Mas o que é o amor,
além de uma imensa aprovação? E o que é o ódio, além de uma
reprovação exagerada? É claro que geralmente nós buscamos a
aprovação de quem nós admiramos de alguma forma. Claro, esta
pessoa, ao nosso ver, possui credibilidade para definir quem é
legal e quem não é. Daí a nossa admiração por ela. Se ela gostar
da gente, ou seja, se formos aprovados por ela, significa que esta-
mos no caminho “certo” em nossa vida. A satisfação que senti-
mos neste momento é fruto do “Parabéns a você!” que confirma
quimicamente a nossa assertividade. Inversamente, o incômodo

151
que sentimos quando não recebemos estas aprovações é fruto de
uma descarga de “Você é um idiota!” que nos pune por ter feito
alguma coisa de errado, razão pela qual não fomos devidamente
aprovados. A aprovação em massa também é um desejo corren-
te nos seres humanos. Pessoas que você nem conhece aprovam
você. Em geral, isso traz um sentimento de satisfação e regozijo.
Uma verdadeira enxurrada de “Parabéns a você!”.
O Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual está diretamen-
te ligado ao CoBAP, Código Binário de Axiomas Pessoais. Por
quê? Ora, é simples. Para sermos aprovados pelo maior número
de pessoas possível, precisamos, em nossa lógica cerebral, estar
“certos” o maior número de vezes possível. Sim, acreditamos
que o nosso índice de aprovação está diretamente ligado ao nos-
so desempenho com relação ao “certo” e ao “errado”.
Moda é um jeito de conquistarmos aprovação sem preci-
sar batalhar por ela. Quem está na moda está instantaneamente
aprovado, pelo menos para o grupo de pessoas que dá impor-
tância àquela moda específica. Ser fã de algum artista também.
Muitas vezes nos sentimos envergonhados por gostar de alguma
música ou artista apenas porque não sentimos que nosso grupo
compartilha desta admiração. E, inversamente, às vezes dizemos
que gostamos de alguém que não aprovamos simplesmente para
não provocar uma crítica de nosso grupo social. E, você sabe:
crítica é igual a “Você é um idiota!”.

Sucesso, poder e dinheiro:


aprovação instantânea
As pessoas tentam ficar famosas, ricas e poderosas também
para garantir um nível maior de aprovação instantânea, sem ava-
liações detalhadas. Por alguma razão, enxergamos as pessoas
“bem-sucedidas” como “certas”. Elas, sim, fazem as coisas como
devem ser feitas, por isso estão onde estão. Daí vem o interesse
da maioria das pessoas na vida dos ricos e famosos.

152
As revistas de fofocas são uma espécie de manual de como
estar “certo” que as pessoas consomem no afã de aprender algu-
ma coisa com elas. É por isso também que a maioria das pesso-
as quer ser rica, poderosa ou famosa, já que isso aparentemente
lhes conferiria uma situação muito confortável na sociedade, mas
principalmente, internamente. Suas opiniões são menos contes-
tadas, suas posições tem mais valor e peso, portanto, elas ficam
mais “certas” que os pobres mortais. Pelo menos é isso o que diz
a nossa fantasia. Mas como tudo na Natureza tem efeito colate-
ral, as pessoas muito famosas também são muito criticadas, ou
seja, não aprovadas, e isso acaba sendo uma faca de dois gumes.
Muita gente não suporta o nível de desaprovação que desperta
nos outros e acaba sucumbindo, desequilibrando suas vidas.
De qualquer maneira, os ricos, poderosos e famosos, por
atingirem esta espécie de iluminação, também adquirem a capaci-
dade e o direito de definir quem é aprovável ou não. Então, se eu
sou amigo de alguém assim, ou sou elogiado por ele, o meu passe
naturalmente passa a valer mais. E dá-lhe “Parabéns a você!”.
O mais louco de tudo isso, é que, no fundo, não faz diferença
nenhuma o que as pessoas pensam sobre a gente. O mecanismo
que regula se nós vamos ser aprovados ou não, ou seja, se nós
vamos sofrer ou sentir prazer, é absolutamente individual. E não
é objetivo, sendo controlado pura e simplesmente pela percep-
ção. Nós mesmos é que provocamos estas reações com nossos
sentimentos, nossa observação e modo de ver a vida. Mas certa-
mente existe para que sejamos capazes de viver em grupos. Sem
este sentimento, não veríamos necessidade de suportar os outros
e as suas vicissitudes. A necessidade de sermos aprovados pelos
outros nos faz mais tolerantes. A solidão e seu desconforto é o
aviso que nós recebemos de nosso inconsciente de que precisa-
mos encontrar outras pessoas para nos relacionarmos. A solidão
é como fome, sono, vontade de ir ao banheiro etc., todos avisos
de que precisamos tomar alguma atitude para sanar alguma ne-
cessidade de nosso corpo.

153
Quantas vezes você nutriu um prolongado sentimento ne-
gativo com relação a alguém e bastou esta pessoa lhe dirigir
um sorriso ou uma palavra simpática para que ela se tornasse
sua amiga de infância? E o inverso também, alguém que você
admira muito e, por alguma razão, não lhe dá a atenção que
você gostaria, acaba virando a pior pessoa do mundo. Isso é
muito comum no mundo das celebridades. Os fãs exagerados,
a quem considero inadequados, quando se veem diante de seu
ídolo, esperam que este ser supremo interaja de forma bastante
positiva, ou seja, os aprove. Quando isso não acontece, é pro-
vável que o sujeito que até aquele momento viveria e morreria
pelo ídolo, passe a odiá-lo com todas as suas forças, como
se ele fosse o anticristo, responsável por todas as mazelas do
mundo.
A inveja também está diretamente ligada ao Estatuto Ins-
tintivo de Aprovação Mutual. É uma forma que encontramos
de promover uma reciprocidade diante de um indivíduo que
aparentemente não nos aprova e sobre o qual não temos ne-
nhuma ascendência. Não gostar desta pessoa é a nossa vin-
gança. É o nosso poder. Não aprovar é uma arma poderosa
do ser humano. É uma forma de diminuir nossos detratores,
tentando induzir o Pedrão alheio a apertar o botão do “Você é
um idiota!”. É a velha história de ao invés de crescer, tentamos
provocar a diminuição do outro.
A pessoa que trabalha com Criatividade, na verdade, está
tentando atingir o máximo de aprovação possível, sem precisar
se atentar a um relacionamento individual. Dá muito trabalho
conseguir aprovação individual. Você escreve um livro, cria
uma música, dirige um filme, enfim, realiza uma obra que atin-
girá milhares, milhões de pessoas e aquilo funcionará como um
tiro de canhão em busca de aprovações instantâneas e maciças.
É claro que às vezes o tiro sai pela culatra, mas isso faz parte
do jogo. O importante é que o artista em geral pretende es-
tar “certo” para muita gente ao mesmo tempo, economizando
energia e tempo no trato social.

154
É claro que as pessoas são diferentes e necessitam de níveis
diferentes de aprovação. Quem, por alguma razão, não se sentiu
aprovado na infância por seus pais, provavelmente vai desenvol-
ver uma necessidade muito maior de aprovação do que aquele
que se sentiu aprovado. Mas, como tudo na natureza, o ideal está
no equilíbrio. Aquela pessoa que desde pequena recebeu um ní-
vel elevado demais de aprovação dos seus pais, talvez também
desenvolva um comportamento inadequado, já que irá transferir
a obrigação de ser aceito a todas as suas relações por ser uma
pessoa eternamente mimada.
O chefe que ninguém contesta vai cometer mais erros que o
chefe que dá abertura para críticas. Por quê? Ora, se todo mundo
concorda sempre com ele, por que cargas d’água ele vai achar que
está “errado” alguma vez na vida? Um índice de aprovação tão
alto dará à pessoa a ilusão de que ela está em uma situação su-
perior às outras. E, consequentemente, acabará cometendo mais
erros.
O Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual mantém a pos-
sibilidade do homem viver em sociedade. Sem este impulso pri-
mal nós seríamos incapazes de desenvolver regras e costumes
suficientes para acolher em um local uma quantidade grande de
indivíduos. Até porque nós somos justamente isso: indivíduos.
Com desejos e necessidades próprias. Por isso, sem o troca-troca
do Estatuto nos mataríamos de forma mais flagrante do que fa-
zemos hoje.
A competitividade, um dos mais importantes comandos de
nosso código genético, também é estimulado pelo Estatuto Ins-
tintivo de Aprovação Mutual. Se eu vencer ou for melhor do
que os outros em qualquer disputa, vou estar “certo”, vou ser
mais aprovado do que eles, portanto, meu organismo me dará a
premiação hormonal correspondente: “Parabéns a você!”. Todo
mundo celebra os vencedores. Nunca ligamos para natação, mas
se um brasileiro é campeão mundial, passamos a admirá-lo e a
prestar atenção em sua vida. Portanto competir é uma forma de
adquirir mais aprovação do que no sistema de aprovação indivi-

155
dual. Para a grande maioria das pessoas, vencer um campeonato
de futebol é infinitamente mais importante e relevante que ven-
cer um campeonato de xadrez. Por causa do evento em si? Claro
que não. O índice de aprovação está na razão direta da quantida-
de de pessoas que se interessam por um evento ou por outro. Se
um dia o jogo de bolinha de gude for mais popular que futebol,
fazer um gol não vai mais ser tão importante quanto acertar as
bolinhas do adversário.
Torcer por um time, ou por um país, também tem a ver com
o Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual. Na medida em que
um membro do meu grupo vence alguma competição, a reação
instantânea é a de que sou aprovado por todos aqueles que ad-
miram esta competição. Ou seja, o cara que ganha uma Copa do
Mundo, faz com que “eu” seja aprovado por bilhões de pessoas
sem ter feito nada para que isso acontecesse. Não é à toa que eu
vou amar este cara a minha vida inteira. E vou odiar aquele que
perdeu o pênalti na final e me fez perder os bilhões de aprovado-
res aos quais eu tinha todo o direito. É muito comum as pessoas
se incluírem no grupo que de certa forma as representa. “Nós
não podíamos ter perdido aquele gol”, “nós ganhamos mais cam-
peonatos que vocês”, “nós temos a melhor média de gols”, fra-
ses comumente ditas por torcedores que nunca entraram em um
campo de futebol.
Como a aprovação e a desaprovação vêm sempre acompa-
nhadas de prazer ou dor, respectivamente, o Estatuto Instinti-
vo de Aprovação Mutual acaba sendo sempre muito eficiente na
construção da personalidade do indivíduo. Queremos ter certeza
das coisas. Só assim acreditamos que estaremos “certos” e, con-
sequentemente, aprovados.
A vida não nos oferece muitas certezas (ou nenhuma), por
isso muitos acreditam que é tão difícil viver. E é por isso também
que existe muita gente que não muda de ideia nem por um decreto.
A segurança oferecida pelas coisas as quais acreditam faz com que
sejam totalmente refratárias às novidades, que são, a grosso modo,
ameaças ao seu estado emocional, ameaça ao seu Castelo de Legos.

156
O Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual explica tam-
bém porque o ser humano aprende tanto por imitação. A gente
pressupõe que se fizermos igual aos outros, seremos aprovados
como eles, ou, por eles.
Por experiência própria, posso dizer que tomar consciência
da existência do Estatuto não nos faz prescindir dele, já que é
como um software que temos instalado em nosso hardware e
que é responsável por nosso funcionamento independente. Mas
é claro que me ajuda muito a entender o mundo e a mim mesmo
e, por isso mesmo, sofro menos e aprendo a lidar melhor com
minha própria necessidade de aprovação. Uma coisa é você ser
manipulado por barbantes invisíveis. Outra totalmente diferente
é você enxergar estes barbantes. Você continua manipulado, mas
aprende a lidar com isso. Até porque libertar-se do Estatuto não
me parece ser um objetivo coerente. Pessoas que não estão su-
jeitas a esse sistema são totalmente desequilibradas e incapazes
de viver em sociedade. São os psicopatas. Não têm empatia com
os outros, por alguma razão eles não estão preocupados com
a aprovação alheia e por isso desenvolvem uma personalidade
inadequada e, por vezes, violenta. Nelson Rodrigues dizia que
se pudéssemos ler os pensamentos uns dos outros, ninguém se
daria nem bom dia. E ele tinha razão. Se nossos pensamentos
fossem expressados livremente, jamais conseguiríamos manter
nenhum tipo de relação com outra pessoa. O que nos faz reali-
zar esta proeza é justamente o Estatuto Instintivo de Aprovação
Mutual que, de certa forma, nos prende às pessoas à nossa volta
com cordões invisíveis.
Projetos também fazem parte do Estatuto Instintivo de
Aprovação Mutual. Ninguém sabe o que os outros vão aprovar
ou não antes de ser lançado para conhecimento público. Você
acha por acaso que uma empresa como o Google, por exemplo,
teria o preço de mercado que tem hoje quando ela era apenas um
projeto em algumas folhas de papel? Claro que não. Mas é uma
ideia boa ou não é? Claro que é. Mas antes de saber se vai haver
aprovação maciça do público, nenhuma ideia vale muito. As pes-

157
soas que compram coisas querem ter certeza de que estão com-
prando coisas “certas”. Por quê? Porque se elas assim o fizerem,
serão reconhecidas como pessoas que sabem o que compram, ou
seja, serão mais aprovadas.
Marketing: as empresas tentam desesperadamente associar
seus produtos e serviços a signos e símbolos de grande aprova-
ção popular. Quanto mais aquela marca ou aquele produto sig-
nificar “certeza”, mais ela será desejada. A consequência disso é
vender mais e aumentar a margem de lucro.
Nossos sonhos pessoais e profissionais são meras fantasias
que criamos para conseguirmos suportar a dor de não sermos
100% aprovados. Supomos, ingenuamente, que se atingirmos os
objetivos a que nos propomos, vamos ficar finalmente livres da
necessidade de sermos aprovados. Que essa realização será nossa
redenção e que jamais retornaremos à condição de simples indi-
víduos irrelevantes em busca de aprovação. Fantasia pura.
Por que será que quando um time de futebol vai jogar na casa
do adversário ele sente muito mais dificuldade? Ora, além de es-
tar em um ambiente estranho, fora de sua familiaridade, existirão
milhares de pessoas desaprovando cada um dos jogadores. Isso
tem um efeito devastador no ser humano despreparado. Saber
que uma pessoa não nos aprova já incomoda. Milhares, então, é
teste pra cardíaco, como diria Galvão Bueno.
Dentro deste mesmo contexto, podemos pensar também na
dificuldade com que uma pessoa vive num país que não é o de
sua origem. A palavra estrangeiro carrega um preconceito em
seu significado e, salvo raras exceções, a pessoa será eternamente
marcada como não pertencendo ao grupo social original. Mas
que diferença faz onde a pessoa nasceu? Não tem nada a ver com
raça, DNA, orientação política ou sexual. Estas pessoas jamais
serão aprovadas como são os nativos daquele país. E isso provo-
cará um incômodo constante, fazendo com que, muitas vezes, a
despeito de uma eventual prosperidade alcançada, a pessoa volte
à sua terra natal, em busca de mais conforto, mais aprovação.
Aliás, a melhor maneira de sermos aprovados é sendo igual às

158
pessoas das quais necessitamos de aprovação. Quando somos di-
ferentes delas, o preconceito surge quase que instantaneamente.
Me parece que existe um estudo que mostra que se você copiar
os gestos de seu interlocutor (sem ele perceber, claro) o seu nível
de aprovação será altíssimo. Faz sentido.
E é por isso que as pessoas estão sempre em busca de per-
tencer a algum grupo. O grupo nos dá o conforto de estarmos
“certos”. Pode até ser que existam outros grupos que nos con-
siderem “errados”, mas como se costuma dizer, a união faz a
força. Nos unimos contra o inimigo comum, para tentar provar
que nós estamos “certos” e eles estão “errados”. Esforço que
certamente todos os grupos envolvidos farão no afã de serem
recompensados por seus Pedrões com doses constantes de “Pa-
rabéns a você!”. Está explicado porque cada um quer defender
suas próprias torres em seu Castelo de Legos. Você que destrua
a sua. A minha quero manter intacta. Assim surgem conflitos in-
termináveis e discussões que parecem não ter fim. Estas discus-
sões, pensando friamente, seriam desnecessárias, não é mesmo?
E daí que o seu castelo é diferente do meu? O que isso muda a
minha vida e a sua? Porém, não fomos programados para pensar
friamente. Nossas reações são emocionais, incontroláveis e ins-
tantâneas. E, em função do comando genético COMPITA, nos
vemos em constantes e intermináveis discussões, sempre tentan-
do convencer ao outro de que ele está “errado” e nós, conse-
quentemente, estamos absolutamente “certos”.
As pessoas bonitas, no Padrão de cada cultura, também são
amplamente favorecidas pelo Estatuto. Por isso é que suas vidas
não são das mais equilibradas. Por um lado, tendem a receber
aprovação fácil para qualquer coisa que fizerem, o que não de-
senvolve nelas o desafio de construir uma vida com bases mais
sólidas. Por outro, recebem uma imensa pressão, já que tendem
a receber atenção demais, ficando tempo demasiado sob holo-
fotes, um pouco massacradas por um certo compromisso vela-
do de sucesso. Além da inveja, claro. Ficam escravas da beleza
e quando ela se vai ficam sem pai nem mãe. A tentativa de ficar

159
bonito se deve à facilidade com que a beleza recebe aprovação.
Quem nunca ficou extasiado diante de uma pessoa muito bonita?
E quem não tem beleza, como eu, tenta caçar com outra coisa.
Pode ser humor, inteligência, simpatia, ou qualquer outra ferra-
menta que se tenha disponível para ampliar seu índice de apro-
vação. Nota-se, entretanto, que qualquer outra, além da beleza, é
menos eficiente, já que demanda um certo tempo de convivência
para ser percebida pelos outros. A beleza tem impacto e aprova-
ção instantâneos.
O desejo por poder – inerente ao ser humano – também é
explicado pelo Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual. O que
é o poder além da busca por uma aceitação maior, espontânea ou
forçada, das pessoas que nos cercam? Teoricamente, quanto mais
poder uma pessoa tiver, menos preocupada com a aprovação dos
outros ela vai estar, o que, em tese, vai gerar mais segurança, mais
conforto, maior autoestima e doses maiores e mais frequentes de
“Parabéns a você!”. Num movimento de retroalimentação, o po-
der aumenta estes itens e estes itens aumentam o poder. A busca
desenfreada pelo dinheiro está diretamente ligada a esta questão.
Quanto mais dinheiro, mais poder. Quanto mais poder, menos
influência do Estatuto. De certa forma, somos meros escravos
deste nosso desejo de sermos aprovados pelos outros, mesmo
sem perceber.
Não consigo evitar o sentimento de felicidade por acreditar
que estou “certo” com relação ao Estatuto Instintivo de Aprova-
ção Mutual. Sei que muita gente não concordará com esta minha
teoria, o que certamente me causará um grande incômodo, afinal,
escrevo este livro, entre outras razões, para ampliar meu Índice
de Aprovação Individual, para que eu possa receber o meu qui-
nhão de “Parabéns a você!”.

APROVAÇÃO = ESTAR CERTO = PARABÉNS A VOCÊ!

REPROVAÇÃO = ESTAR ERRADO = VOCÊ É UM IDIOTA!

160
O Estatuto
Artigo 1º. Somos interdependentes. Precisamos dos outros para
sobreviver. Para nossa proteção física e emocional.
Artigo 2º. A Opinião dos Outros é fundamental para sabermos
quem somos e o que somos.
Artigo 3º. A Opinião dos Outros nos orienta se estamos “cer-
tos” ou “errados” a respeito de tudo e ativa nossos Hormônios
Disciplinares com mais força e eficiência que a nossa própria
opinião sobre nós mesmos.
Artigo 4º. Apesar de, na prática, a Opinião dos Outros sobre nós
não ter nenhum efeito concreto, do ponto de vista psicológico
age como se de fato tivesse.
Artigo 5º. Mesmo as pessoas muito seguras de si irão em de-
terminados momentos sentirem-se atingidas pela Opinião dos
Outros. Ninguém escapa deste destino.
Artigo 6º. Este Estatuto funciona sem o nosso conhecimento e
percepção.
Artigo 7º. A solidão não livra o indivíduo da influência deste
Estatuto. Ao contrário: o recrudesce.

Só conhecemos uma pessoa de verdade quando


vemos sua reação ao discordarmos dela.

Realidade X percepção
Nosso sistema emocional não é baseado na “realidade”, mas
na percepção individual. Percepção esta, objetiva ou imaginária.
Podemos ser amados de fato por milhões, mas, se por alguma ra-
zão, não acreditamos ou não percebemos isso, poderemos sofrer
as dores da desaprovação. Inversamente, uma pessoa odiada, mas
que não sabe ou não percebe que o é, não sofrerá nem por um
segundo. Pense na seguinte situação. Você é um homem e conhe-

161
ce uma mulher em uma festa. Conversam muito e ela demonstra
estar bem interessada em você. Você vai pra casa feliz da vida,
sentindo-se o Aprovado do Ano. Mas, na verdade, aquela mulher
detestou você, só que, por alguma razão, resolveu esconder isso.
Mas como você achou que ela tinha gostado, ficou todo pimpão.
“Parabéns a você!”.
E a situação inversa? A mulher fez questão de mostrar desa-
grado com a sua figura, mas na verdade estava bem a fim. Você
vai para casa arrasado pelo sentimento de que foi desaprovado.
“Você é um idiota!”.
Percebe que não faz diferença nenhuma? Se a pessoa de fato
o aprova ou o desaprova? Que é tudo questão de percepção?
De você “achar” que é uma coisa ou outra? E se é apenas uma
questão de percepção, não seria mais inteligente se nós não nos
preocupássemos com isso? Se a pessoa gostou, ok, se não gostou
ok do mesmo jeito? Seria, mas não é assim que funcionamos.
A coisa fica mais curiosa quando nos damos conta de que as
opiniões que temos sobre as pessoas são muitas vezes voláteis.
Adoro meu amigo, mas numa determinada conversa ele expressa
uma opinião que me desagrada profundamente. Por instantes,
passo a não gostar tanto dele. Reprovo seu pensamento. Minutos
mais tarde, ele diz outra coisa, mas desta vez aprovo totalmente.
A partir daí minha opinião sobre ele volta a ser totalmente posi-
tiva. Isso seria mais uma razão para não levarmos tanto a ferro
e fogo a nossa preocupação com a Opinião dos Outros, mas,
como sempre, nosso código genético fala mais alto.
Costumo usar um exemplo que a alguns chega a chocar,
mas acredito que ilustre bem o que eu quero dizer. Imagine que
uma pessoa não é uma pessoa e sim apenas um pedaço de car-
ne ambulante. Eu sei, eu sei, é estranho, mas tente pensar isso
por alguns minutos. Não vai doer nada, prometo. Então, qual a
importância da opinião de um pedaço de carne sobre seus atos?
Nenhuma. Não vai mudar a sua vida, a não ser que ela tenha
alguma influência direta em suas atividades, como por exemplo,
um cliente que deixa de comprar um produto seu. Mas fora essas

162
situações específicas, que diferença faz o que o pedaço de carne
da direita e aquele outro lá atrás está pensando de mim? Ne-
nhuma. De fato, nenhuma. Os de coração mais sensível, pensem
em seus animais de estimação. Você já se preocupou com o que
seu cachorro vai pensar diante de um ato reprovável seu? Ima-
gino que nossos amigos irracionais são as maiores testemunhas
de barbaridades que executamos inadvertidamente em bases diá-
rias, porém, amigos fiéis que são, mantém total pusilanimidade.
O Max, meu bull terrier, se quisesse acabar com minha carreira,
teria muito material a utilizar.
A diferença entre um pedaço de carne ou um cachorro ou
um gato, uma barata de estimação ou o que quer que seja, é que
por alguma razão, quando o outro é um ser humano vivo, alerta
e mais velho que uma criança, ficamos realmente preocupados
com suas opiniões sobre nós, mesmo que ele sequer nos tenha
notado. Quando há seres humanos à nossa volta, nos preocupa-
mos (uns mais, outros menos) com o que eles pensam de nós.
Acho, sinceramente, que seríamos mais felizes se pudéssemos
controlar melhor nossa ansiedade em função da opinião alheia.
É, eu sei, é fácil falar. Mas como o Estatuto Instintivo de Apro-
vação Mutual está arraigado em nosso processo mental e emo-
cional, o trabalho para diminuir sua influência sobre nós é nada
menos que hercúleo.

O Espírito Social
O Espírito Social é um certo sentimento que une os seres
humanos sem que percebamos. Somos compelidos a desejar a
aprovação do outro. Somos, consciente e inconscientemente,
obrigados a aceitar a maioria das convenções sociais necessárias
para uma vida em sociedade, mas também, sob o ângulo inverso
esse fenômeno provoca uma certa acomodação e falta de opinião
própria à maioria das pessoas, criando o que chamo de gado.

163
Avaliando o que
não conhecemos
O ser humano sempre se deu o direito e a razão de avaliar
e julgar as coisas das quais não tem o menor conhecimento de
causa. Não se faz de rogado e desfila seu rosário de obviedades
e lugares-comuns. Alguns são clássicos, como os comentaristas
de futebol que nunca foram apresentados pessoalmente a uma
bola. Outro clássico, este bem brasileiro, é a execração pública e
impiedosa ao nosso querido filho da terra, o escritor Paulo Coe-
lho. Considero equivocados aqueles que dizem de boca cheia e
peito estufado “Não li e não gostei”. Desculpe se você é um de-
les. A boa consciência manda que só emitamos nossas opiniões
sobre assuntos aos quais tenhamos algum tipo de conhecimento
ou experiência. Eu posso falar que não gosto do Paulo Coelho
porque li alguns de seus livros. Mas não chego a tanto. Não me
incomoda o fato de ele fazer sucesso estrondoso a despeito de
não ser um Guimarães Rosa. Dos livros que eu li, considerei bom
entretenimento, sessão da tarde, eu diria. E como tal, um bom
produto de consumo. Quem diz que não gosta sem ter lido está
apenas sendo uma ovelhinha, uma vaquinha de presépio, gado
seguindo a opinião de alguém, não tomando para si a prerroga-
tiva de julgar por conta própria, comprando um padrão pronto
sem abrir a embalagem. Enfim, fazendo papel de bobo.
Outros exemplos clássicos são aquelas pessoas que projetam
seu próprio futuro sem conhecer os elementos necessários para
tanto, como, por exemplo, desejar ardentemente morar em um
país que nunca visitou. Ora, se nunca visitou e só conhece por
ouvir dizer, por filme ou foto, pelamordedeus, você é um perigo
para si mesmo. Seu sonho dourado, na verdade, é uma tremenda
temeridade. Tenho conhecidos que fizeram isso e quebraram a
cara. Não me entenda mal, por favor, não sou contra sonhos,
apenas acho que não podemos apostar todas as fichas em cartas
que ainda não foram vistas. Eu posso querer morar na Itália, mas,

164
na minha opinião, preciso primeiro ir até lá tentar conhecer um
pouco como as coisas são e funcionam, para aí, sim, fazer a apos-
ta de morar por lá. Até porque eu posso chegar lá e descobrir que
não gosto da Itália, o que é uma possibilidade.
Escolher a profissão, obrigação de todo jovem saindo da
adolescência, também é uma temeridade. Como saber o que eu
quero ser, se eu não sei como as profissões são verdadeiramente?
A gente tem o costume de levar em consideração apenas o lado
bom das coisas. Aquilo que a gente vê em filmes ou novelas.
Mas toda profissão tem suas mazelas, suas idiossincrasias, seu
lado chato. E às vezes é esse lado chato que pode definir se você
quer seguir determinada carreira ou não. Os estadunidenses têm
um costume que ajuda um pouco nesta decisão que é o de pais
visitarem a classe dos filhos e falar um pouco sobre sua profissão
aos alunos. Não acho que resolva o problema, mas deve ajudar
bastante nas escolhas.
O ser humano, de uma maneira geral, define durante a sua
vida o que é necessário acontecer para que ele seja feliz e reali-
zado. E, como já disse, ele não sabe se, de fato, aquelas situações
e circunstâncias que tanto almeja são verdadeiramente realizado-
ras e geradoras de felicidade. Em geral precisamos definir para
nós mesmos os nossos objetivos, como dizem todos os livros
de autoajuda. Ok, acho mesmo que devemos fazer isso. Acredi-
to apenas que devamos refletir um pouco mais profundamente
antes de tomarmos nossas decisões. E, mesmo assim, acredito
que deveríamos ser bem mais flexíveis durante a nossa jornada,
revendo, repensando e redirecionando nossas metas conforme o
tempo for nos mostrando novas perspectivas. Não precisamos
ser como uma bala de calibre 22, que muda de direção toda vez
que encontra resistência, mas também não precisamos ser como
uma bala de fuzil, que atravessa tudo e não desvia de sua trajetória
primária. Não devemos e não podemos nos tornar escravos de
nossos projetos, sonhos e decisões. Precisamos de flexibilidade
para chegar ao equilíbrio. Mas vai pedir flexibilidade ao Pedrão!

165
Pressão de grupo
(real ou imaginária)
Muitas vezes, ou melhor seria dizer quase sempre, nossas
atitudes são orientadas pela pressão de grupo, ou seja, ficamos
preocupados com a reação que nosso grupo social (seja ele do
trabalho, de casa, dos amigos, da escola, não importa) terá em
resposta ao nosso comportamento. É a já famosa Opinião dos
Outros, que, curiosamente, nem sempre é real. Muitas vezes ape-
nas imaginamos que seremos julgados por aquilo que estamos
pensando em fazer, e, por medo, deixamos de fazer. De qualquer
maneira, é uma pressão. “Eu queria tanto levar uns doces aos
meus colegas no trabalho, mas acho que se fizer isso vão me
achar idiota, puxa-saco, sei lá. Melhor não levar”. O que acon-
teceu aqui? Você ainda não sabe, de fato, a reação das pessoas,
mas já sofre por antecipar um estado de coisas que não há como
ter certeza sem que o fato se materialize. E seu comportamento
é alterado em função disso. Ou seja, você sofreu uma pressão de
grupo imaginária. Aí, um belo dia, você resolve controlar o medo
e leva os doces no trabalho. Resultado: todo mundo estranhou
sua atitude e ficou olhando você de soslaio, fazendo comentários
às suas costas, ou seja, você sofreu uma pressão de grupo real.
Só que no frigir dos ovos para nosso cérebro, não faz diferença
nenhuma se a pressão é real ou se é imaginária. Ele acata como
pressão e ponto final. O cérebro não sabe a diferença entre o que
é real e o que é imaginário. Por princípio ele acredita em tudo o
que vê. O que dá a conotação de real ou imaginário é a Razão. Ela
é quem analisa a situação e vê se aquilo é possível ou se é apenas
uma viagem. Lembre-se daquela passagem em que eu disse que
reagimos emocionalmente a filmes e novelas mesmo sabendo
que são atores representando papéis. É nosso cérebro que não
tem como averiguar (e não foi feito para isso) a autenticidade
ou não de um evento. Ele foi feito para acreditar. Acreditar no
que seus sentidos informam, mas principalmente em acreditar

166
na necessidade de aceitar a Opinião dos Outros como verdade
inconteste.

Conformismo
A pressão de grupo é tão forte em nossa psique, seja real ou
imaginária, que acaba por promover um fenômeno no ser huma-
no chamado conformismo, ou seja, nós preferimos não arriscar
um enfrentamento social. E para provar este fenômeno, um cara
chamado Solomon Asch fez uma experiência sensacional cha-
mada Estudo da Conformidade que eu vou relatar a seguir. Você
vai ficar besta de ver como é que o ser humano se comporta.
No caso, você, eu e todo o resto da humanidade. É o Paradigma
Asch.

Quem foi Solomon Asch


Solomon Asch nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 14 de
setembro de 1907 e mudou-se para os EUA com sua família em
1920. Completou seu Doutorado em 1932 na Universidade de
Colúmbia e na década de 1950 começou a elaborar suas pesqui-
sas acerca da pressão social exercida pelos grupos. A pergunta
que ele pretendia responder era: como e até que ponto as forças
sociais moldam as opiniões e atitudes das pessoas?

O Estatuto entra em cena


Asch colocava várias pessoas em uma sala e fazia perguntas
simples, muito óbvias. Apenas uma pessoa ali estava sendo testa-
da, as outras estavam combinadas com o pesquisador. Para ficar
mais claro, vamos chamar as pessoas que estavam combinadas
com Asch de Assistentes e a pobre solitária cobaia de Trouxa,
quer dizer, acho melhor chamar de Voluntário.
As questões apresentadas eram do tipo: numa extremidade
de um cartaz mostramos três colunas de tamanhos diferentes. Na
outra extremidade, uma coluna que possui o mesmo tamanho

167
de uma das outras três. A pergunta era simples: qual destas três
colunas tem o mesmo tamanho que aquela coluna solitária?
Numa primeira rodada todo mundo respondia a pergunta
corretamente. Mas a partir de um determinado momento, os As-
sistentes passavam a escolher deliberadamente a coluna errada,
obviamente errada. E todos os assistente escolhiam a mesma, ou
sejam eram unânimes, para deixar claro ao Voluntário a opinião
do grupo. O Voluntário, ao chegar sua vez de dizer o número
correto, em geral vacilava, mas mantinha sua opinião. Porém, de
um determinado momento para frente, o Voluntário não supor-
tava mais a pressão e passava a concordar com o grupo, por mais
óbvio que fosse o engano.
Uma outra curiosidade é que o tamanho do grupo influiu no
comportamento dos voluntários. Mas de forma diretamente pro-
porcional e até um certo limite. Quando confrontado com ape-
nas um Assistente, o Voluntário dificilmente mudava de opinião.
Contra dois assistentes, o Voluntário aceitava a resposta errada
em 13,6% das vezes. Se fossem três Assistentes, o erro subia para
31,8% e permanecia estável. Isto é: a partir de três oponentes o
tamanho da unanimidade já não fazia mais tanta diferença.
Após várias experiências, Asch chegou à conclusão de que
isoladamente interrogados, ou seja, sem a presença dos Assisten-
tes, os Voluntários responderam corretamente 99% das vezes.
Contudo, em grupo, nas condições descritas acima, 37% revela-
ram conformismo e seguiram a opinião errada dos outros mem-
bros do grupo. De qualquer modo, 25% dos voluntários não se
conformaram em nenhuma rodada de perguntas, mantendo-se
fiéis às suas opiniões. 75% se conformaram pelo menos uma vez.
E 5% se conformaram todas as vezes.
O fato de 63% terem revelado independência não impediu
que Asch chegasse à uma conclusão: “Este resultado levanta
questões sobre o modo como somos educados e sobre os valores
que guiam a nossa conduta”. E completou: “O desejo de fazer
parte do grupo é maior do que a vontade de dizer a verdade”.

168
Uma das formas mais importantes de aprendizado que
utilizamos é a imitação. Por isso essa característica nossa é tão
marcante. Quando nossa capacidade de aprendizado através da
imitação está desregulada, esta nossa inegável qualidade faz com
que mudemos de opinião para acompanhar o grupo. Na verdade
podemos nem estar mudando de opinião de fato, apenas expres-
sando a mudança da boca pra fora para não enfrentar o grupo e
não sofrer uma eventual pressão: real ou imaginária. É o medo da
Opinião dos Outros. O medo do “Você é um idiota!”.
Mas, para mim, o mais importante deste estudo é a compro-
vação que não existe “certo” e “errado”. Tudo é uma questão
de referência. E o ser humano se associa a grupos que, para se
considerarem grupos e fortalecerem seus laços, precisam com-
partilhar dos mesmos códigos, das mesmas ideias, das mesmas
crenças, dos mesmos padrões. E o ser humano se adapta, como
já disse. Se ele sentir que o “certo” é seguir um caminho diferen-
te daquele que ele mesmo acredita, sofrerá uma pressão interna
para mudar. Pode ser que mude ou não, depende da personalida-
de de cada um. Mas a pressão vai estar lá, presente e incômoda.
Queremos estar sempre “certos”, na nossa própria opinião mas
principalmente na dos outros, por isso nos adaptamos quando
necessário. Na experiência de Asch, os Voluntários acabavam se
curvando à opinião dos Assistentes, ou seja, à Opinião dos Ou-
tros, para não se sentirem “errados” e receberem uma dose de
“você é um idiota!”. Simples assim. O mais curioso é que aquele
era um grupo muito frágil. Pessoas que nunca se viram e jamais
se verão novamente. Qual o problema de discordar de pessoas
assim? Pois é, nosso inconsciente vê problemas reais nisso. Para
ele, grupo é grupo, não importa a qualidade ou longevidade. A
partir do momento em que um grupo é detectado, nosso cére-
bro se posiciona para acompanhá-lo, ou, caso nos sintamos to-
talmente incompatíveis, abandoná-lo. Isso prova, mais uma vez,
que a Opinião dos Outros tem um poder extraordinário sobre
os nossos Hormônios Disciplinares, quer dizer, o Pedrão-Rei é
realmente soberano com relação ao nosso Personal-Pedrão.

169
O riso, as palmas,
as vaias
Quando algumas pessoas riem ao seu lado, a tendência é
você rir também. Estudos mostram que quando uma pessoa está
sozinha, a possibilidade de ela rir é muito menor do que se ela
estiver acompanhada. Por isso dizemos que o riso é contagioso.
E é por isso que a TV criou a clac, para você, mesmo sozinho,
se sentir confortável em rir. O ser humano que ri sozinho pode
acabar se achando um idiota. E o aplauso e as vaias entram na
mesma categoria de avaliação.
Outro fenômeno que a experiência de Solomon Asch des-
cortina pode ser visto nos movimentos populares. Num local
com grande concentração de pessoas, se alguém decide começar
um quebra-quebra, é bem provável que esta situação vá se alas-
trando até ficar incontrolável. Porque será o “certo” quebrar as
coisas. As brigas de torcidas de futebol também podem ser ana-
lisadas sob este prisma. O torcedor solitário é pacato e amistoso
com torcedores adversários. Quando se junta a um grupo, pode
ficar agressivo e violento, acabando por absorver este espírito do
grupo, sendo capaz de matar outra pessoa apenas por não torcer
pelo mesmo time que ele.
Pesquisas de opinião, em caso de eleições, também podem
ser observadas sob a ótica de Solomon Asch. Muitos dos indeci-
sos acabam votando naquele que tem mais votos, ou seja, aquele
que tem maior aprovação do grupo.
Muita gente deixa de comprar um produto, admitir que gosta
de uma música ou banda, vestir um certo tipo de roupa apenas
porque não sente que exista uma aprovação social. À medida
que ela percebe que cada vez mais pessoas compartilham de seu
gosto, ela vai se sentindo mais à vontade e passa a consumir o
que antes resistia. O contrário também acontece, ou seja, pes-
soas passam a consumir produtos e conceitos mesmo sem es-
tarem alinhadas com sua filosofia. O fazem apenas para estar

170
“na moda”, apenas porque, se compartilharem as mesmas coisas
com um determinado grupo, se sentirão fazendo parte dele. Al-
guns heróis começam a usar uma roupa muito diferente, sendo
até apontados na rua, ridicularizados. Mas depois que vira moda,
grande parte das pessoas passa a achar aquela peça muito bonita
e também acaba por comprar a sua. Esses fenômenos também
dizem respeito à influência do ambiente no comportamento e
pensamento do ser humano.

A solidão
Pense comigo. Se não fosse a solidão, este sentimento mas-
sacrante e insuportável, provavelmente nós não faríamos grandes
esforços para conviver com os outros, que, via de regra, não são
exatamente como gostaríamos que fossem, ou seja, se não fôsse-
mos atacados por este imenso vazio quando estamos sozinhos,
esta vontade inexplicável de compartilhar sentimentos e pensa-
mentos, não conseguiríamos viver em sociedade. Como nossa es-
pécie foi programada para viver em grupos, a solidão nada mais
é do que um aviso do nosso DNA. Lembre-se que a dor significa
que estamos “errados”. E o sentimento de solidão é um alerta da
Natureza pedindo que sejamos um pouco mais pacientes, flexí-
veis e menos exigentes com relação aos outros.
A solidão também pode ser massacrante pois perdemos
qualquer perspectiva de referência. Precisamos da Opinião dos
Outros para saber se estamos “certos” ou “errados”. Precisamos
de alguma referência para aplicar o Estatuto Instintivo de Apro-
vação Mutual, mas a imagem do espelho não serve de consolo.
Ficamos meio que perdidos em nossos pensamentos e confusos
com relação ao que devemos ou não pensar ou ao que devemos
ou não fazer. A solidão por longos períodos pode realmente dei-
xar uma pessoa verdadeiramente perturbada. Em geral, começa
a falar sozinha, ou seja, seu cérebro cria a ilusão de estar acompa-
nhada e com isso, ameniza seu sofrimento.

171
Nascemos para viver em grupo. A dor da solidão
nada mais é do que um aviso da natureza dizendo:
deixa de ser besta e vá lá fazer amigos.

A matemática do
comportamento
Apesar de acreditar que a Natureza tem uma complexidade
próxima do indecifrável, em outros momentos me vejo encon-
trando em simples fórmulas matemáticas o que me parecem ser
as mais cândidas e prosaicas explicações de alguns dos mistérios
da vida. Como este a seguir, por exemplo:

CÓDIGO GENÉTICO
+
PEDRÃO
+
OPINIÃO DOS OUTROS
=
COMPORTAMENTO HUMANO

172
GANGORRA
VITAL
O que é?
Você já deve ter ouvido falar que a diferença entre o remédio
e veneno é a dose. Pois é, este é o ponto de partida desta ideia
sobre todos os processos, ferramentas e conceitos utilizados pela
natureza para nos manter vivos e proliferarmos. Como eu dis-
se anteriormente, a natureza oferece várias opções de tudo para
que, na prática, se teste qual é a fórmula mais adequada e qual
aquela que vai equipar melhor aquela espécie em particular na-
quele espaço/tempo. Muitas de nossas características são resul-
tado de uma série de componentes químicos e físicos que fazem
com que sejamos mais ou menos agressivos, mais ou menos an-
siosos, mais ou menos corajosos, mais ou menos sensíveis e por
aí vai. Milhares, milhões, infinitos elementos que, combinados,
promovem diferentes resultados. É claro que o ambiente atual
e a vida pregressa da pessoa vai ajudar a determinar seu caráter,
mas tudo começa com sua estrutura inata. Por exemplo: o nível
de agressividade de um indivíduo pode favorecer ou prejudicar
sua trajetória na vida. Depende do que o ambiente exige. Não
existe “certo” ou “errado”, apenas o que é mais adequado no
momento específico.
Resumidamente, podemos dizer que cada característica bio-
lógica de nosso comportamento, em função de sua intensidade,
promove diferentes resultados, geralmente antagônicos. O im-
portante é dizer que não importa a posição da Gangorra Vital,
você terá sempre vantagens e desvantagens relacionadas àquela
determinada ferramenta. Mais uma vez: remédio e veneno são a
mesma fórmula, a diferença é a dose. Portanto o indivíduo mais
adaptável para sobreviver num determinado ambiente é aquele
que, em razão de sua configuração da Gangorra Vital, se apre-
senta com um maior índice de vantagens do que de desvantagens.
Nada é bom ou ruim por definição. Acredito que o grande
problema é ficar escravo de um sentimento, de um pensamento,
de um Padrão. Veja ao lado alguns exemplos de como funciona
a Gangorra Vital.

174
APRENDIZADO IMPULSO
FERRAMENTA PADRÃO MEDO CURIOSIDADE FOME AGRESSIVIDADE CRIATIVIDADE
POR IMITAÇÃO SEXUAL

Aumento de
Aprendizado e Estímulo à pro- Aumento das Capacidade de
FUNÇÃO Transmissão de repertório e Proliferação do
economia de Proteção. dução de energia chances de adaptação a
BÁSICA conhecimento. ferramentas de gene.
energia. corporal sobrevivência. mudanças.
sobrevivência.

Maior capacida- Maior conforto


Facilidade de de de encontrar Bravura, des- Maior satisfação Tranquilidade, Facilidade de psicológico em
Alimentação mais
adaptação à no- suas próprias temor, arrojo, com o status placidez, sereni- interação com relação aos
saudável.
vas realidades. respostas para coragem. atual. dade. outros indivíduos. padrões estabe-

VANTAGEM
os problemas. lecidos.

Satisfeitos com o Dificuldade em


que sabemos, nos Passívidade que

175
Dificuldade em tornamos limita- Baixa possibili- lidar com as
Maior dispêndio Passar por riscos dos e refratários pode prejudicar constantes e ine-
estruturar-se à novidades, dade de sucesso Anorexia.
vitáveis mudan-

DOSE MUITO PEQUENA


de energia. desnecessários. a capacidade de
emocionalmente. dificultando nossa do gene. ças que a vida
adaptação a autodefesa
nos apresenta.

DESVANTAGEM
mudanças.

Maior possi-
bilidade de Maior capa- Maiores possibili-
Segurança Aprendizado Diminuição dos Ampliação do Maior produção
proliferação e cidade de dades de adapta-
emocional. rápido. riscos. repertório. de energia.
fortalecimento do autodefesa. ção e evolução.

VANTAGEM
gene.

Promoção
Imitação de Subjulgação do Dificuldade na
Insegurança, de injustiças,
Dificuldade em comportamento medo, colocando Obsessão, vio- manutenção de
dificuldade prejudicando
aceitar mudanças sem reflexão. em risco a nossa lência, descon- Obesidade. padrões neces-

DOSE MUITO GRANDE


de avançar, outras pessoas e
e evoluir. Vaquinha de integridade física trole emocional. sários para uma
covardia. contradizendo o
presépio. ou psicológica. vida equilibrada.

DESVANTAGEM
bom senso.
A Gangorra Vital serve não apenas para observar os fenô-
menos biológicos mas também os filosóficos. Por exemplo: a
liberdade. Liberdade demais se transforma em caos, liberdade
de menos em repressão. O Brasil é um país que promove uma
grande liberdade aos seus cidadãos. Mas, ironicamente, esta liber-
dade dá margem à corrupção, falta de compromisso do Estado,
falta de compromisso das pessoas. Um país mais civilizado, ou
seja, mais rígido em seus padrões, vai promover mais conforto
aos seus cidadãos, mas vai lhe fornecer menos espaço para criar.
Vantagens e desvantagens em cada cenário.

Para que serve entender


a Gangorra Vital?
Seguindo o pensamento do mestre Joseph Campbell e seu
“follow your bliss”, podemos considerar que um dos primeiros
passos para seguir a sua felicidade é, justamente, descobrir qual é
a sua felicidade. Parece óbvio, mas não é tanto. Nossa estrutura
de crenças é formada basicamente por influência do ambiente, ou
seja, absorvemos padrões que nos são de certa forma impostos
pelo convívio com diversos grupos distintos. Desejamos, pen-
samos e agimos conforme estes padrões, mas nem sempre eles
são totalmente adequados e compatíveis com o que poderemos
chamar de alma, de nossa essência, ou aquilo guardado em nosso
código genético que, a despeito de pertencermos à uma mesma
espécie, nos diferencia como indivíduos. Maior ou menor facili-
dade para exercer alguma atividade, maior ou menor capacidade
física, mental ou psicológica, enfim, somos, sim, indivíduos dife-
rentes, justamente por causa de um princípio básico da Natureza
que produz indivíduos de uma mesma espécie com características
diversas justamente para ampliar a capacidade desta espécie em
adaptar-se ao ambiente. Se todos fossemos idênticos, bastaria um
obstáculo intransponível para que toda a humanidade perecesse.
O que eu proponho com a observação da Gangorra Vital é
que cada indivíduo possa perceber que o conjunto de padrões
176
que determina a sua personalidade nem sempre é reflexo de sua
essência. Num segundo momento, ao tentarmos definir mais
precisamente quais são os padrões que verdadeiramente nos
pertencem e quais foram contrabandeados, poderemos exercer
a nossa capacidade de reflexão racional e concluir, sem prejuízo
da natureza que nos controla, que não somos nem “certos”, nem
“errados”, que não podemos ser considerados nem heróis nem
párias. Somos o que somos. E a partir desta conclusão tentar ad-
ministrar a pouquíssima parcela de nossas vidas que se permite
ser administrada. É como um anão perceber, a despeito de seu
admirável desejo de ser jogador de basquete, que isso não será
possível, a menos que ele desenvolva condições para tal, como,
por exemplo, criar uma liga de times de basquete exclusivamente
de anões, com quadras menores e tabelas mais baixas.

177
A BIBLIOTECA
DO PEDRÃO
Biblioteca - “Edifício ou recinto onde ficam depositadas, ordenadas e
catalogadas diversas coleções de livros, periódicos e outros documentos,
que o público, sob certas condições, pode consultar no local ou levar de
empréstimo para devolução posterior”, Dicionário Houaiss.

Nossa estrutura de crenças


Tudo, absolutamente tudo o que vivemos, experimentamos,
sentimos, aprendemos está guardado em nosso cérebro, num
gigantesco e poderosíssimo banco de dados, capaz de guardar
zilhões de informações de forma organizada e interligada. A for-
ma como a gente pensa, nossa visão de mundo, nossas crenças,
nada mais são do que reflexo da estrutura – ou Castelo de Legos
– construída ao longo dos anos pela nossa mente. Nós vemos
e “entendemos” o mundo através das nossas crenças. E todas
essas informações estão organizadas de forma a facilitar a adição
de novas informações assim como fazer a busca por informações
já adquiridas. Essa é a Biblioteca do Pedrão.

Como funciona?
Como vimos no começo do livro, o Padrão é um sistema
de captação, classificação, estocagem e busca de informações. E
a Biblioteca do Pedrão tem papel preponderante nesse sistema.
Veremos agora como funciona e quais são os passos que levam
uma informação para dentro de nosso cérebro e de nossas vidas.

Nossos sentidos,
nossas antenas
O cérebro somos nós. Todo o resto do nosso corpo é veí-culo
para que ele busque alimento, se proteja de intempéries e preda-
dores e para reprodução. Onipresente, poderoso e independente,
nosso cérebro vive dentro de uma redoma de ossos que o protege
de ataques externos. Porém, isso promove um certo isolamento,
uma certa solidão. Mas ele deseja se comunicar com o mundo ex-

180
terior. E é por isso que nós somos equipados com nossos sentidos.
Sem eles, o cérebro ficaria isolado dentro de nossa cabeça e não
poderia exercer suas funções na plenitude de suas capacidades. O
cérebro, para se comunicar com o mundo exterior pode contar
com os seis sentidos. Como já disse, acredito que o sexto é nossa
comunicação com o inconsciente coletivo, como nossa intuição.
Uma pessoa que não ouve, não enxerga, não sente o toque, não
intui etc, mantém seu cérebro em uma espécie de cadeia solitária
onde ele só faz companhia aos próprios pensamentos. E é por isso
que eu digo que nossos sentidos nada mais são do que antenas de
captação de informações. Resumindo: nós, humanos, somos pro-
vidos de seis tipos de antenas que captam tudo o que podem à nos-
sa volta. Cada um dos sentidos funciona independente dos outros,
mas sempre quando trabalham em conjunto, a percepção do que
está acontecendo é mais marcante, mais clara e facilmente com-
preendida. É claro que nós não possuímos antenas ou sentidos es-
pecíficos para tudo o que acontece à nossa volta. Basta pensar nas
ondas de rádio, TV, ou celular. Sabemos que existem apenas por-
que possuímos aparelhos capazes de identificá-las e decodificá-las.
O crocodilo, por exemplo, tem a capacidade de perceber vibrações
na água a muitos metros de distância. Assim ele pode perceber a
proximidade de várias presas. Já o tubarão é capaz de sentir o chei-
ro de sangue dentro da água a grandes distâncias. Já experimentou
tentar sentir cheiro dentro da água? Por favor não tente. Ora, esses
são sentidos importantes para a sobrevivência destes dois magní-
ficos animais, que nós, obviamente, não temos. Ou seja, devem
mesmo existir muitas coisas com as quais não temos contato ou
conhecimento apenas porque não temos capacidade de percebê-
las. Não temos um sentido que as torne perceptíveis. Não temos
antenas para captá-las.

Arquivo vivo
Pois bem, utilizando nossos seis sentidos, nossas seis ante-
nas, captamos milhões de informações desde a hora que acorda-

181
mos até a hora que vamos dormir. Pessoalmente acredito até que
fazemos o mesmo enquanto dormimos, mas isso não chega a ser
relevante. Enfim, desde que somos concebidos até a nossa mor-
te, captamos bilhões e bilhões (ou sei lá que número dar a esse
fenômeno) de informações absolutamente neutras e pragmáti-
cas. “E o que fazer com todas elas?”, você me perguntaria. Bem,
primeiro elas devem passar por algum local do nosso cérebro que
fará a decodificação e a análise de cada uma delas, uma espécie de
triagem preliminar. Precisamos, em primeiro lugar, identificá-las,
ou seja, saber o que elas são.

As “coisas”, “troços”
ou “trecos”
Antes de o nosso cérebro ser capaz de captar, identificar
e decodificar uma informação, ela não tem nome, sobrenome,
definição, nada. É apenas uma informação vazia. Quando essa
informação vazia chegar ao decodificador cerebral, ela será iden-
tificada e devidamente cadastrada. Antes disso, porém, ela é ape-
nas uma “coisa”, um “troço” ou um “treco”. Você escolhe o
nome que quiser dar.

Uma biblioteca em
forma de castelo
As informações com as quais lidamos todos os dias preci-
sam ser estocadas para que não se percam. Lembre-se que nos-
so cérebro judeu não tolera desperdícios e gastos indevidos e,
muito menos, prejuízo. Custa tanto manter um organismo vivo
e dinâmico, capaz de absorver esse quinzilhão de informações,
não é mesmo? Portanto não faz sentido nenhum jogar tudo fora
depois de tanto trabalho e energia despendidos. Então, vamos
estocar. Nunca se sabe quando precisaremos novamente daquela
informação. Aliás, puxei um costume de meu avô paterno que

182
não tinha apenas o cérebro, mas todo o restante do corpo ju-
deu: ele desembrulhava qualquer coisa com o maior cuidado do
mundo para poder guardar o papel, o barbante e até pedacinhos
de durex. Já no meu caso, tenho tremenda dificuldade de jogar
fora papéis de embrulho, sacolas (mesmo as plásticas) e caixas
em geral. E o nosso cérebro, bom judeu que é, faz o mesmo com
aquilo que vai encontrando em seu caminho. Bota para dentro
e guarda para o dia (que talvez nunca chegue) que precisaremos
daquilo novamente.
Como já disse, ao longo de nossa vida vamos colecionando
um formidável acúmulo de experiências, informações, imagens,
sons, cheiros, sensações etc. Um inigualável acervo ao qual dei o
nome de Biblioteca do Pedrão, biblioteca esta que tem a forma
de um Castelo de Legos. E, como em todo e qualquer acervo
que se preste, precisamos organizá-lo de forma a encontrar a
informação desejada o mais fácil e rapidamente possível. E é exa-
tamente isso que o nosso cérebro faz. O funcionamento da Bi-
blioteca do Pedrão se assemelha em muito a um banco de dados
de computador.

Banco de dados orgânico


Quando eu penso em banco de dados, me ocorre a orga-
nização dos bancos de imagens como o Image Bank, Corbis,
Keystone. Se você não estiver familiarizado, eu vou explicar. São
empresas especializadas em vender imagens (fotos, ilustrações,
vídeos, filmes etc.) prontas para quem não quer contratar um
fotógrafo e fazer a foto por conta própria. Estes bancos de ima-
gem têm acervos gigantescos e precisam, obviamente, ser muito
organizados para poder atender com rapidez e eficiência aos seus
clientes. E como isso é feito? Quando eles recebem uma foto de
um fornecedor, imediatamente a cadastram no sistema. E este
cadastramento é muito detalhado. Eles fazem uma dissecação
da imagem, separando-a nos mínimos detalhes. Por exemplo: a
foto de uma criança cantando parabéns à frente de um bolo. No

183
banco de dados esta foto vai ser cadastrada com as seguintes
características: festa, comemoração, criança, sorriso, bolo, velas,
uma pessoa, cabelos loiros, olhos azuis, close, foto realizada fora
de estúdio, alegria, e todos os outros mínimos detalhes que fo-
rem representadas na foto: visíveis ou conceituais. O consumi-
dor, quando for procurar uma imagem de seu interesse, poderá
utilizar qualquer uma dessas palavras e acabará chegando nesta
foto específica. Faça uma experiência. Entre na internet, procure
um desses bancos de imagens e veja que prático. E é exatamente
assim que funciona a Biblioteca do Pedrão. É claro que as carac-
terísticas são muito mais abrangentes, já que uma foto é apenas
uma imagem e não conta com cheiro, tridimensionalidade, tem-
peratura, emoções etc.
No caso dos bancos de imagens, o cadastramento é feito por
um profissional que tem a percepção dos mínimos detalhes para
a criação do banco de dados. E o mesmo papel que este profis-
sional do banco de imagens representa ao cadastrar uma foto é
realizado por alguém muito competente e organizado dentro de
nosso cérebro.

Sr. Takatudo Nakacha


Esse é o responsável por decodificar e cadastrar todas as
“coisas”, “trecos” e “troços” com os quais tomamos contato por
meio de nossos sentidos. O cadastrador-mor de nosso cérebro.
Como o Pedrão, o Sr. Takatudo é muito responsável, eficiente,
detalhista ao extremo e muito caxias. Ele analisa e anota todas as
características e circunstâncias relacionadas àquela “coisa”. Por
exemplo, quando comemos um alimento que experimentamos
pela primeira vez. O Sr. Takatudo vai primeiro começar com o
nome da comida. Depois ele vai anotar as características físicas:
tamanho, cor, textura, similaridade com o formato de outro ob-
jeto conhecido, o cheiro, o gosto, a sensação, o dia em que acon-
teceu, onde a pessoa estava, com quem estava, o que estava acon-
tecendo naquele dia etc. É claro que cada pessoa tem um tipo de

184
Sr. Takatudo Nakacha. Uns são mais detalhistas e outros menos.
Uns reparam mais em uma determinada característica, outros em
outra. Mas, seguramente, todo mundo tem um japonês dentro de
si responsável pela alimentação de nosso banco de dados. Uma
maneira de você confirmar esse processo é pensando onde você
estava no dia 11 de setembro de 2001. Provavelmente a resposta
vem imediatamente à sua lembrança. O curioso é que se você
tentar fazer a mesma coisa com uma data qualquer, mesmo que
seja próxima, um mês atrás, por exemplo, provavelmente você
não vai ter a informação imediata. Isso significa que quando
um evento é dramático, o processo de cadastro do Sr. Takatudo
Nakacha fica bem mais evidente.

Mídia virgem
Depois que o senhor Takatudo termina de fazer o seu ca-
dastramento ele solicita ao cérebro uma mídia virgem para que
possa gravar as informações ali contidas. Essa mídia tem o for-
mato de uma peça de lego transparente. Mas quando ela grava a
informação, a peça ganha uma cor e será imediatamente anexada
ao Castelo de Legos, na torre a que ela pertencer.
Voltando ao exemplo da comida, não há nenhuma dúvida de
que aquilo é um alimento e qual seu nome, cheiro e gosto. Por-
tanto, a próxima vez que o indivíduo tomar contato com aquele
prato saberá exatamente do que se trata. É claro que se o tempo
passar e a pessoa não tiver mais contato com a comida, poderá se
esquecer e perder as referências. Isso acontece porque na Biblio-
teca do Pedrão, a frequência com a qual você retorna a uma peça
de lego específica, ou a intensidade da emoção anexada a ela, fará
dela mais ou menos lembrada.

Peças avulsas de lego


Essas são as nossas desgraças, ou melhor dizendo, as desgra-
ças de nosso cérebro. As peças avulsas de lego são informações

185
que, mesmo depois de passar pelas mãos cuidadosas e detalhistas
do Senhor Takatudo Nakacha, possuem um grande número de
espaços em branco em suas fichas cadastrais. São “troços” que o
Sr. Takatudo, a despeito de seus esforços, não foi capaz de definir
com precisão e que, portanto, não possuem uma torre específica
em nosso Castelo de Legos para ser anexada. Ficam numa es-
pécie de limbo, de purgatório, numa gaveta bagunçada à espera
de mais informações que sejam capazes de definir o local em
que elas finalmente serão guardadas. E isso provoca um intenso
desconforto.
Pense na sua casa. Quase tudo o que você traz para dentro
dela tem um lugar apropriado para ser acondicionado. Você paga
uma conta e guarda o comprovante em uma pasta específica para
este fim. Você compra leite e coloca na geladeira. Compra uma
roupa e coloca no armário. Se é uma blusa, pendura no cabide. Se
é uma peça íntima, coloca em uma gaveta. Tudo tem o seu lugar
e isso conforta você. Mas, de repente, você traz um elemento
novo para a sua casa. Uma “coisa”. Você não sabe onde guardar.
Deixa, então, em cima da mesa da sala. Mas toda vez que olha
para a mesa da sala aquele “treco” incomoda você. Enquanto
você não achar um lugar apropriado para guardar aquele “troço”
ele irá lhe atormentar. Imagine, então, que acontece o mesmo
em nossa cabeça. Tudo aquilo que não conseguimos classificar
adequadamente fica em cima de uma mesa no meio da nossa sala
mental. E é impossível não notar sua presença. Isso, obviamente,
provoca constante desconforto e ansiedade.
Lembre-se que eu já disse aqui que o ser humano precisa
saber tudo, senão vai ser considerado “errado”. E você já sabe
as consequências disso. Por isso criamos explicações para tudo,
mesmo que estapafúrdias. A função é única e exclusiva para apla-
car nosso desconforto e arrumar uma torre para encaixar aquela
peça de lego até então perdida no mundo.

186
Conexões neurais
e a impressão digital
Cada pessoa tem uma estrutura totalmente particular de
conexões neurais, pois cada uma passou por coisas diferentes e
aprendeu o que aprendeu de formas diversas. A minha lógica não
é a sua lógica. O que para mim é fácil, é óbvio, é claro e transpa-
rente, pode não ser para você e vice-versa. Cada Castelo de Le-
gos tem uma planta muito própria, pois foi construída a partir de
experiências diferentes, de tempos diferentes, de referências di-
ferentes. Mesmo pessoas que têm um pensamento muito similar
possuem castelos com características próprias. E não tem nada
a ver com QI. Cada um enxerga as coisas a partir de sua própria
lógica. O Pedrão é um óculos pelo qual enxergamos o mundo. Se
você perguntar para mil pessoas o que é a vida para elas, prova-
velmente você vai ouvir mais ou menos a mesma resposta, mas
com diferentes pontos de vista.
Pense na pizza, talvez a comida mais popular do mundo.
Ainda não fui em um país onde não se fizesse pizza. Mas apesar
do nome e da identificação do alimento, cada lugar do mundo
faz a pizza de um jeito diferente. Cada povo tem a sua crença do
que é uma pizza. Uns usam mais farinha, outros usam mais água,
outros usam quantidades diferentes de fermento, e podemos lis-
tar uma lista imensa de diferenças entre todas as pizzas feitas no
mundo. Mas todas elas são pizzas. Ou seja, a construção da rede
neural do indivíduo (a receita da pizza) é feita de forma diferente.
Mas todas chegam mais ou menos à mesma forma final (a pizza
em si).
Cada um aprende como as coisas são ou funcionam do seu
jeito, bem particular, e é desta forma que ele continuará funcio-
nando e é muito difícil mudar. É como você aprender um jeito de
ir de casa ao escritório e alguém um dia lhe mostrar um caminho
muito mais curto, mas que exija várias conversões e uma boa me-
mória. Em muitos casos as pessoas preferem continuar fazendo

187
o caminho mais longo e mais conhecido, que um caminho novo,
mesmo que mais curto. Toda vez que aprendemos alguma coisa,
vários neurônios (ou peças de lego) formam uma rede de rela-
cionamento e começam a trabalhar juntos. Se por alguma razão
aquele assunto se mostra inútil, ultrapassado ou inadequado, eles
têm de se separar para construir uma rede mais adequada. Mas
este processo pode ser doloroso e demorado, dependendo do ní-
vel de importância que aquele assunto, em particular, tem para o
indivíduo. No Castelo de Legos, imagine que você tem uma torre
que representa a sua crença em relação a uma pessoa querida, por
exemplo. Se um dia você descobre que ela, na verdade, não era
quem dizia ser, a decepção é grande, não? Isso acontece porque
a estrutura de legos dedicada à sua opinião sobre aquela pessoa
específica demonstrou ser inadequada. Você tem de desmontá-
la e montar de novo utilizando as novas informações coletadas.
Mas deu muito trabalho você construir a primeira estrutura. E o
cérebro detesta refação. Detesta ter de desmontar uma pedaço
do castelo, mínimo que seja, para montar outra. Não tem nada
a ver com moral, ética, “certo” e “errado”. Tem a ver com eco-
nomia de energia. E é por isso que nos relacionamentos, demora
um pouco para esquecer a pessoa que um dia amamos, mas que
nos decepcionou. É o tempo que demora para descontruir a tor-
re de legos correspondente a “meu amor” em nosso castelo. Mas
depois que a estrutura foi desmontada, você nem entende por-
que um dia gostou daquela pessoa, pois a rede neural que dava
subsídios aquele sentimento não existe mais.

Bem-vindo ao
mundo das certezas
Bem-vindo à Biblioteca do Pedrão. É aqui que o Pedrão
se refestela, que ele nada de braçadas, manda prender e manda
soltar. É o lugar que o Pedrão pediu a Deus. Nenhuma dúvida,
nenhuma insegurança, nenhum desconforto. Tudo o que ele pre-

188
cisa para viver está aqui. Nada do que está do lado de fora dos
muros do castelo é desejado ou aceito. O Pedrão acredita seria-
mente que tudo o que ele e seu hospedeiro precisam para viver
está estocado aqui. Nem mais um grão de areia.

Contrato com o Pedrão


Cada “coisa” que o Senhor Takatudo Nakacha cadastra e se
transforma em peça de lego tem a força de um contrato, ou seja,
cada vez que uma informação é processada e arquivada em nosso
banco de dados, é como se tivéssemos assinado um contrato com
o Pedrão. Neste contrato, leonino, diga-se, nos comprometemos
a seguir, custe o que custar, o que foi acordado entre as partes
e a rejeitar veementemente qualquer informação que contradiga
algum termo acertado neste instrumento legal. Respeitar ou que-
brar este contrato provoca reações do Pedrão, que faz questão de
que seu hospedeiro siga suas regras ao pé da letra. Mas quem de-
fine se o contrato foi respeitado ou quebrado? Com que critérios
este julgamento é realizado? Esta é a parte mais complicada deste
processo. Quem manda prender e manda soltar, como sempre,
é o senhor do nosso Castelo de Legos, sua excelência, o Pedrão.

Tribunal do Pedrão
Toda vez que uma peça de lego é colocada à prova, entra
em cena o tribunal do Pedrão. O Meritíssimo Pedrão dá início
ao julgamento. Ele não avalia as provas, não compara versões,
não ouve testemunhas e, sem jurados, define, arbitrariamente, o
resultado do julgamento. Ele só está interessado em uma coisa:
você respeitou o Padrão estabelecido? Esta é a única evidência
utilizada para se definir o resultado do julgamento. Culpado ou
inocente, nós receberemos nossas penas ali mesmo, em pleno
tribunal. E posso dizer que o Pedrão não é político, nem tem
o rabo preso com ninguém. Ele julga a fria letra da lei. Doa a
quem doer. Mas, diferente de um tribunal tradicional, além de

189
sofrer punições quando quebramos contratos, somos premiados
ao respeitá-los. Os tais dos Hormônios Disciplinares. Quando o
Pedrão dá o seu veredicto, define o nosso destino. Se ele achar
que estamos “certos”, ele mesmo aperta o botão “Parabéns a
você!”. Mas se por acaso o Pedrão decidir que estamos “erra-
dos” pois não respeitamos suas determinações, ou seja, agimos
contrariamente às informações contidas na Biblioteca do Pedrão,
seremos severamente punidos. O magistrado supremo irá apertar
sem dó o botão “Você é um idiota!” em seu painel de controle. E
o tempo que ele manterá o botão premido será correspondente
ao nível de importância que aquele assunto em particular repre-
senta para o nosso sistema de crenças.

Como o Pedrão
classifica as informações?
O sistema de estocagem do Pedrão engloba um sofisticado
programa de banco de dados. As peças de lego são classifica-
das por uma quantidade imensa de variáveis. As torres de lego
possuem interligações entre si que fazem com que uma mesma
informação seja classificada por quantidades ilimitadas de variá-
veis. Essa estrutura é exatamente a mesma da ligação entre os
neurônios em nosso cérebro. Cada neurônio recebe 20 mil cone-
xões e envia 20 mil conexões. Ou seja, além de uma capacidade
extraordinária de arquivar informações, temos uma igualmente
assombrosa capacidade de associar ideias, que é o que, aliás, nos
faz diferentes dos computadores. Por enquanto. Os computado-
res acumulam informações e oferecem acesso a elas numa veloci-
dade inimaginável para nós, pobre seres biológicos. A velocidade
de cruzamento de informações, bem como a de cálculos, faz com
que nos sintamos pequenos, desprezíveis e ignorantes animaizi-
nhos. Porém, pelo menos por enquanto, os computadores não
têm capacidade de olhar além. De enxergar coisas onde elas não
estão. Não têm capacidade de fazer associações de ideias, de abs-

190
trair, de entender ironias, de desvendar entrelinhas, de intuir, de
criar. Quem sabe um dia eles atingirão este estágio. Aí, é claro,
como os filmes de ficção científica têm nos alertado nas últimas
décadas, seremos uma raça em extinção. Eu, pelo menos, se fosse
um computador, trataria de me livrar logo da raça humana. Mas
isso é outra história.
Para encontrar algum item específico na Biblioteca do Pe-
drão, a gente pensa nas Palavras-chave e assim, dependendo da
complexidade, idade, interesse ou diversas outras variáveis, nosso
cérebro nos apresenta o resultado da pesquisa.

NeuroGúgou
Toda vez que precisamos de uma informação qualquer nos-
so cérebro faz uma busca instantânea em nossa Biblioteca do
Pedrão. Relembrando: ele não quer ter de aprender tudo de novo
sobre algum assunto se ele já tem alguma informação arquivada,
por isso procura em seu banco de dados. Como disse há pou-
co, as informações são arquivadas de forma muito organizada e
profissional. Mas de nada adiantaria toda esta organização se o
processo de consulta fosse muito lento. Imagine ter de esperar o
cérebro encontrar em uma biblioteca gigantesca o modo de usar
um talher para suas refeições. A comida esfriaria e você ainda
estaria vacilando a cada garfada. É claro que ajudaria a manter a
forma, mas poderia também nos matar de fome.
Então, para tornar a busca no banco de dados rápida e
eficiente, o Pedrão se utiliza de um programa muito poderoso
chamado NeuroGúgou. A interface é parecida com o site do
programa do qual emprestamos o nome. E seu funcionamento
idem. Você pensa, por exemplo, em uma cadeira. Imediatamente
o NeuroGúgou abre centenas, milhares de páginas com todos
os tipos de cadeira que você algum dia viu ou imaginou. E não
só as cadeiras tradicionais, feitas para sentar, mas todos os ele-
mentos que de alguma forma são despertados em sua memória
na simples menção da palavra “cadeira”. Nas páginas do Neu-

191
roGúgou aparecem também os outros usos da palavra cadeiras,
como chá de cadeira, as cadeiras da mulata, cadeira da universida-
de, e palavras que têm o mesmo som ou parecido como cadeias,
madeiras, ladeiras etc. Um pouco diferente do site da internet é
a multiplicidade de conceitos que se entrelaçam à palavra “cadei-
ra”, fazendo surgir outras páginas, como por exemplo, vermelho,
pano, madeira, bunda, costas, almofada etc. A estas páginas do
NeuroGúgou dou o nome de Listas Mentais, que veremos no
próximo capítulo.

192
LISTAS
MENTAIS
Bota na lista
Listas Mentais são as relações de elementos que nosso cére-
bro associa a qualquer informação com a qual ele toma contato.
O nosso cérebro está o tempo todo fazendo associação de ideias
para tentar encurtar caminhos tentando desesperadamente eco-
nomizar energia enquanto tenta compreender as coisas à nos-
sa volta. Quanto mais associações fazemos, mais compreensão
adquirimos. Listas Mentais são nada mais do que as páginas do
nosso NeuroGúgou.
Mas ao contrário dos buscadores da internet, o NeuroGúgou
não necessita ser acionado pelo usuário. Seu funcionamento é
instantâneo. Bastou tomar contato com alguma informação e ele
imediatamente fará sua busca e apresentará os resultados, criando
uma Lista Mental. Portanto, nós vivemos o dia inteiro, qualquer
que seja nossa atividade (ou ausência dela) com uma infinidade
de páginas de NeuroGúgou abertas em nossa mente, ou seja, a
nossa cabeça promove um constante e ininterrupto festival de
Listas Mentais.
Estamos o tempo todo carregando estas Listas Mentais e
tentando fazer cruzamentos para aumentar a nossa rede de co-
nhecimentos. Cada vez que uma informação se conecta com ou-
tra (que até então não acontecia) nosso cérebro é estimulado e
aumenta sua capacidade. O que nos diferencia dos computadores
não é exatamente a capacidade de armazenar informações e bus-
cá-las em tempo mínimo. Ok, isso é uma boa diferença, mas não
a fundamental. A grande vantagem que temos sobre nossos brin-
quedos tecnológicos é a nossa capacidade de associar conceitos
que até então não eram possíveis. Quando dizemos que alguém
é um avião, podemos estar dizendo que é um profissional de alto
nível, podemos estar dizendo que é uma mulher extremamente
atraente, ou qualquer outra associação que conseguirmos fazer e
for pertinente à circunstância em que a frase é dita. Agora, diga
a um computador, o mais poderoso e sofisticado do mundo, que
uma pessoa é um avião e irá sair fumacinha de sua CPU. Ele pas-

194
sará a eternidade fazendo contas e cálculos e provavelmente en-
trará em colapso. Para ele não há nenhum ponto de convergên-
cia entre uma pessoa e um avião, a não ser que alguém o tenha
informado de antemão, ou seja, ele só reconhecerá metáforas
se for programado para isso. Mas mesmo assim ele reconhecerá
somente as metáforas que forem alimentadas em sua memória.
Alguém cria uma nova e ele ficará boiando novamente. Bem, isso
até hoje. Quem sabe um dia eles não serão capazes de realizar
esta tarefa? (Eu falo muito sobre isso, não? Acho que é uma es-
pécie de neurose. Coisa, aliás, que os computadores também não
têm. Ainda.)
O ser humano é diferente. Quando uma metáfora é proferi-
da ele aciona suas Listas Mentais e começa a fazer os cruzamen-
tos. Conforme seu repertório, sua inteligência e/ou rapidez de
raciocínio encontrará a resposta mais lógica para aquela charada
e poderemos dizer que ele entendeu a mensagem e criou mais
uma conexão neural. Provavelmente esta pessoa se sentirá bem,
pois, mesmo que inconscientemente, terá demonstrado a si mes-
ma sua capacidade e inteligência. Resultado: “Parabéns a você!”.

Garimpando
Vivemos 99% do nosso tempo no modo “superfície” e ape-
nas 1% do tempo no modo “profundo”, em relação ao nosso
pensamento (Não é uma estatística, apenas uma figura de lin-
guagem). Isso significa que a nossa tendência natural é consultar
apenas a primeira página que aparece em nosso NeuroGúgou.
Ali estão as coisas mais óbvias, mais flagrantes, mais consultadas
por você e por todos à sua volta, portanto, não há nada de muito
novo ou elucidativo. Mas garanto para você que as coisas mais
interessantes aparecem nas páginas seguintes. Quanto mais nos
aprofundamos nas páginas de nosso NeuroGúgou, nas nossas
Listas Mentais, mais surpresas encontramos, melhores respostas
às nossas perguntas, mais e melhores matérias-primas para o de-
senvolvimento do pensamento criativo. Apesar de que, quanto

195
mais nos afastamos da primeira página, menos óbvias vão fican-
do as relações entre o assunto buscado e a lógica. Quanto mais
nos aprofundamos no NeuroGúgou, maior é a nossa ginástica
para compreendermos e fazermos associações com nossos pa-
drões. E isso provoca muita insegurança. O que explica porque
a maioria das pessoas evita se aprofundar demais nas páginas de
seu NeuroGúgou.

Listas Mentais e o critério


As Listas Mentais são nossas guias. É através delas que nos
orientamos e fazemos nossas checagens sobre o que fazer ou dei-
xar de fazer. Nelas encontramos subsídios para nosso comporta-
mento, nossa personalidade, nosso caráter. As Listas Mentais são
o memorial descritivo de nosso Castelo de Legos. Descrevem
e decodificam cada pecinha para que a gente consiga utilizar as
informações acumuladas em nosso benefício.
Listas Mentais são responsáveis também pelo desenvol-
vimento de nosso critério. Quando vamos avaliar qualquer si-
tuação, buscamos em nossa cabeça imediatamente um critério
adequado para realizar esta avaliação e chegar a uma conclusão
satisfatória. Por exemplo: sou apresentado para uma pessoa em
um evento social. Naturalmente, farei uma análise rápida para sa-
ber que opinião eu terei sobre esta pessoa. Várias Listas Mentais
pulularão em minha cabeça neste momento tentando chamar a
minha atenção. “Me escolhe!, Me escolhe!”. Apenas a título de
explicação, veja as Listas que poderão estar brigando pela sua
atenção:
1) Que tipo de pessoa admiro?
2) Que tipo de pessoa não admiro?
3) Como uma pessoa pode me ajudar?
4) Como uma pessoa pode me prejudicar?
Partamos do princípio que você gosta de fazer amizades e
que, portanto, escolhe a lista número 1. Neste momento, cada
item desta lista fará o check list para saber se aquela pessoa à sua

196
frente é digna o suficiente para ser sua amiga. Se você dá impor-
tância para elegância, beleza física, simpatia, olhar etc., é isso que
você vai usar como critério para avaliar a pessoa. Mas se, por
outro lado, você for uma pessoa meio que interesseira, vai usar a
lista número 3 e fazer o check list: ela é poderosa, que cargo tem,
em que nível ela poderá me ajudar a crescer, ficar rico etc. É claro
que as coisas na vida não são estanques assim. Muito provavel-
mente você acabará por utilizar todas as listas que aparecerem
em sua cabeça, fazendo uma mistura, um blend para produzir
uma avaliação mais ampla e mais conveniente para o seu Padrão
mental.
De qualquer maneira, é importante saber que em qualquer
lista que você se baseie, haverá sempre uma perda em outra lista
que você deixou de lado. Ou seja, todas as decisões que a gen-
te toma provocam a perda de algo. Se queremos alguma coisa,
temos necessariamente de abrir mão de outra coisa. São as leis
da vida. Por isso, o desenvolvimento de critério é uma forma de
amenizar as perdas, já que a nossa tendência é escolher a lista
mental que mais nos favoreça em qualquer circunstância.
E quando não encontramos critério adequado para resolver
uma questão? É o que chamamos de dilema. Temos um proble-
ma e de repente não aparece nenhuma lista querendo ser escolhi-
da, ou, mais provável, aparecem várias, mas nenhuma com algum
diferencial importante ou que forneça uma solução. Ficamos
perdidos. Começamos a fazer o check list mas não conseguimos
chegar a nenhuma conclusão, não conseguimos perceber clara-
mente onde é que ganharemos mais ou onde perderemos menos.
Onde está o “Parabéns a você!” e onde está o “Você é um idio-
ta!”. Por exemplo: estou há 20 anos numa empresa muito sólida e
respeitada. Minha posição é igualmente sólida e, se quiser, ficarei
aqui até a minha aposentadoria. Mas aí eu recebo uma proposta
de uma empresa nova, que chegou agora ao mercado, mas está
ancorada em conceitos promissores e investidores sérios. Mas é
apenas uma aposta. Que critério você usará para resolver? Prova-
velmente você não conseguirá encontrar um critério satisfatório

197
para fazer uma escolha minimamente segura. E aí você empaca.
Ou usa outra ferramenta humana: a intuição. Mas isso fica para
um outro capítulo.

Listas Mentais Primárias


Acredito seriamente que os nossos sentimentos e emoções
não são frutos de fatores subjetivos e inalcançáveis e sim resulta-
do de uma série de componentes lógicos e objetivos. E as Listas
Mentais têm peso preponderante, especialmente neste caso. Me
explico: na verdade, sentir-se feliz ou não está diretamente ligado
a um check list que fazemos inconscientemente em nossas Listas
Mentais relacionadas com nossas expectativas na vida. Se você
parar por alguns minutos e tentar preencher as seguintes listas:
- O que eu preciso ser?
- O que eu preciso ter?
- O que eu preciso saber?
Quanto mais você se aprofundar no preenchimento destas
listas, melhor vai ser a sua visão da expectativa que você tem de
si mesmo e do seu desempenho nesta vida. Preencha com itens
que você ainda não atingiu e com outros que já. Seja honesto e
assertivo.
Ao terminar as listas, arrume quatro canetas marca-texto
de cores diferentes: azul, verde, amarelo e vermelho. Comece a
analisar item por item para averiguar em que nível de realização
você se encontra em cada um deles. E passe a caneta corres-
pondente. Mais ou menos assim: realizado (azul), a caminho de
realizar (verde), deixando de realizar (amarelo) e difícil de realizar
(vermelho). Ao terminar de fazer esse check list em todas as listas
você terá uma visão bastante objetiva e pragmática do nível de
felicidade em que você se encontra. Isso acontece porque, como
dissemos anteriormente, o Pedrão nos avisa quando estamos
“certos” ou “errados”. Estas listas que você preencheu são as
listas mais importantes de nossas vidas, nosso mapa do tesouro,
o que eu chamo de Listas Mentais Primárias. Mesmo que incons-
cientemente, nosso cérebro está o tempo todo fazendo o check

198
list delas para saber em que pé estão. É claro que alguns itens
têm mais peso que outros e as circunstâncias externas também
contam, mas acredito que este mapa está diretamente ligado ao
nosso conceito (inventado por nós, humanos) de felicidade ou
infelicidade.

A sensação de felicidade é apenas um momento com


grande incidência de ‘Parabéns a você!’.

Se eu posso dar uma sugestão neste caso, acredito que se ti-


vermos muitos problemas de realização de nossas Listas Mentais
Primárias, poderemos fazer algumas reflexões para concluir se os
itens ali declarados são todos necessariamente seus ou “compra-
dos”, ou seja, se você decidiu por sua validade ou se aceitou o
Padrão imposto pelo grupo a que você pertence. Garanto que a
maioria dos itens se encaixam nesta segunda categoria. Por todas
as razões que já explicamos aqui, preferimos aceitar os padrões
e conceitos vindos de nosso grupo social do que criar nossos
próprios, já que dão muito mais trabalho e envolvem muito mais
risco para a nossa posição nos referidos grupos. Acontece que
quando o item da Lista Mental Primária não faz parte da sua
essência ele só estará ali para massacrá-lo e para mostrar como
você é incompetente para realizá-lo, atribuição dos Hormônios
Disciplinares. Mas não vamos, por favor, confundir dificuldade
com incompatibilidade. Muitos itens são legitimamente seus, mas
exigirão de você muito esforço e sacrifício. Só que por estes vale
a pena lutar.
E não se engane: aqueles itens que você já conquistou tam-
bém são potenciais dores de cabeça. Pelo simples fato de estarem
em sua lista, ou seja, você achar importante para a sua vida, sig-
nifica que caso a vida promova um revertério e você perca aquilo
que já conquistou, de fontes de “Parabéns a você!” se transfor-
marão rapidamente em produtores de “Você é um idiota!”. Não
estou dizendo que devemos abandonar todos os desejos, longe
disso. Minha sugestão é que tiremos a importância excessiva de

199
qualquer coisa em nossas vidas. Seja dos padrões que carrega-
mos, seja dos desejos que alimentamos. Mais uma vez, o pro-
blema não é utilizar padrões e desejos e sim ser utilizado por
eles, ser escravo deles. Como eu disse no resumo no início do
livro, caminhamos pela vida com duas mochilas: uma nas costas
e outra na frente. A das costas carrega nossos padrões, nosso
passado, nossas crenças. Na mochila da frente carregamos nos-
sos desejos, nossa perspectiva de futuro, nossos sonhos. Quanto
mais carregadas as mochilas, mais penosa e cansativa será nos-
sa jornada. Se conseguirmos nos livrar de boa parte deste peso
que carregamos sem precisar, transformaremos nossa caminhada
numa experiência mais leve e agradável. Para mim, liberdade é
isso: caminhar pela vida com pouco peso nas mochilas.
O conceito “Follow your bliss”, de Joseph Campbell, é uma
demonstração clara de que vivemos fazendo escolhas baseados
em fatores relacionados aos nossos padrões e, não necessaria-
mente, em nossas necessidades atávicas. O mitólogo estadu-
nidense pregava que o ideal é você descobrir onde está a sua
felicidade e segui-la a despeito de tudo e de todos. A grande di-
ficuldade neste caso é exatamente abrir mão das necessidades
criadas pelo Pedrão e sair em busca de outras mais identificáveis
com a nossa própria natureza, com a nossa essência. Isso em si
é uma quebra de padrões, portanto, um processo doloroso, do
qual muita gente desiste no primeiro obstáculo. Seguir a própria
felicidade não é fácil, mas também não é impossível.
De qualquer maneira, a análise das Listas Mentais Primárias
de tempos em tempos pode trazer grandes progressos para a sua
vida. Não existe regra, mas acredito que o que importa na, verda-
de, é a quantidade de itens que estão nas Listas Mentais Primárias.

Roberto Carlos
está “errado”
Quando o Rei diz “são tantas emoções”, ele comete um des-
lize comum entre as pessoas. Digo isso porque não acredito que

200
tenhamos uma grande variedade de emoções como muitos pen-
sam e sim apenas uma simples e solitária emoção (relacionada às
Listas Mentais Primárias) que se comporta de forma diferente
conforme a circunstância. Daí a sensação de que são várias. É
como a água que endurece no frio, fica líquida na temperatura
média e evapora no calor. É tudo H2O. Pra mim é uma questão
lógica. E vou tentar explicar a minha teoria utilizando algumas
das emoções mais tradicionais que conhecemos.
Alegria – “Nossa, um item da minha Lista Mental Primária
subiu de categoria neste exato momento!”
Tristeza – “Pelo jeito, minha Lista Mental Primária não está
num bom dia!”
Raiva – “Alguém ousou negar algum item da minha Lista
Mental Primária e essa desfaçatez acionou em mim um mecanis-
mo de defesa. Me sinto ameaçado. Ao ataque!”
Orgulho – “Puxa vida, como é bom ter certos itens em mi-
nha Lista Mental Primária, coisas que eu acredito e, apesar das
dificuldades, continuo acreditando.”
Excitação – “Existe uma grande possibilidade de um item da
minha Lista Mental Primária ser realizado.”
Inveja – “Aquele ali realizou um item da minha Lista Mental
que eu não realizei. Que droga!”
Desespero – “Meudeus, estou prestes a perder um item da
minha Lista Mental Primária!”
Medo – “Eu não sei o que vai acontecer! Será que um item
da minha Lista Mental Primária vai ser prejudicado?”
Coragem – “Sei que vou conseguir ultrapassar as dificulda-
des e realizar mais um item da minha Lista Mental Primária.”

O tempo passa...
Em geral, em função da estrutura de nossa sociedade, preci-
samos definir o que queremos ser e fazer muito cedo em nossas
vidas. Mesmo sem conhecer as variáveis, acabamos fazendo es-
colhas. Baseados apenas na observação superficial ou, por sor-

201
te, de uma vivência positiva, escolhemos a nossa profissão e os
desejos que tentaremos realizar pelo resto de nossas vidas. Ora,
a vida tem uma dinâmica feroz e as coisas mudam sempre. E
isso nos inclui. Inclui nossas experiências, inclui nossas necessi-
dades. Inclui nossos desejos. Mas, em geral, não aceitamos mu-
danças de rumo. E quanto mais o tempo passa, menos mudanças
aceitamos. Queremos porque queremos realizar aqueles desejos
cultivados desde a juventude, mesmo que não fossem desejos
reais, individuais, nossos. Mesmo que fossem desejos copiados
de nosso grupo, sem nenhuma identificação real com nossa
verdade interior. Isso, obviamente, cria uma pressão psicológi-
ca desnecessária nas pessoas. É por isso que a humanidade vive
um momento esquizofrênico. O ser humano é um animal que se
adapta ao ambiente. Acredito, portanto, que deveríamos utilizar
este nosso talento para irmos nos adaptando às mudanças que a
vida nos impõe. Não por frustração, não por derrota, não por de-
sistência, não por incompetência. Mas pela simples pergunta que
devemos nos fazer cotidianamente: “Isso é bom para mim, para a
minha alma, para o meu coração, ou é apenas mais um padrão?”

As Listas Mentais, o
poder e a agressividade
As Listas Mentais também são responsáveis pela agressivi-
dade desmedida das pessoas. Quando alguém está “de bem com
a vida”, ou seja, suas Listas Mentais Primárias (LMPs) estão em
sua maioria sendo realizadas, dificilmente perderá a paciência e
o equilíbrio diante de uma negativa. Já a pessoa que está em dé-
bito com suas LMPs, tem uma tendência natural a descontar no
mundo a sua frustração. As torcidas violentas no futebol podem
ser colocadas neste critério. Se analisarmos individualmente os
membros destas torcidas, veremos pessoas que estão muito lon-
ge de seu próprio ideal de vida. E o poder que adquirem ao se
tornarem um grupo coeso, faz com que suas frustrações se dis-
sipem parcialmente. Todo mundo quer estar “certo” o máximo

202
de ocasiões possíveis. Uma pessoa que tem um emprego que não
gosta, que ganha muito menos do que acredita ser justo, que gos-
taria de ter ascendência sobre muita gente, mas não tem sobre
praticamente ninguém, cuja voz (que ela acredita ser importan-
te) não tem nenhum valor para nenhum grupo, é uma pessoa
potencialmente agressiva e violenta. E isso não tem nada a ver
com classe social, raça, credo, orientação sexual. A pessoa que é
massacrada constantemente por estar “errada” tem seu índice de
inconformismo cada vez mais alto e isso claramente aumenta a
possibilidade de ela querer extravasar quando surgir uma opor-
tunidade. Tudo depende, é claro, de como a pessoa analisa suas
próprias Listas Mentais. Tem gente que consegue administrar
melhor as LMPs, não levando a ferro e fogo a realização de seus
itens. E tem gente que acredita que só se os itens de suas listas
forem realizados ela será feliz. Isso é praticamente uma bomba
relógio, pois a vida nunca será como queremos, nunca será como
está em nossas Listas Mentais, já que as listas foram criadas em
nosso cérebro de forma individual e em função de nossas expe-
riências. São apenas padrões. Não são “certos” nem “errados”,
só padrões. E se são padrões podem ser mudados. Além disso,
o mundo é muito maior e repleto de oportunidades e variáveis
para satisfazer uma pequena e modesta lista mental de indivíduos
insignificantes como nós. Acontecer ou não o que está em nos-
sas listas é apenas circunstancial. O que é bom e o que é ruim, o
que é “certo” e o que é “errado”, o que é feio e o que é bonito,
não passam de referências, opções pessoais, definições geradas
pelo Pedrão, portanto totalmente parciais e subjetivas, formata-
das apenas para fortalecer nossas crenças em busca de segurança
e equilíbrio pessoal.

Ganhando na loteria
Um equívoco que todos nós cometemos inadvertidamen-
te é considerar que somente aquilo que queremos que aconteça
pode nos fazer felizes. Bem, o problema já começa por aí. Quem
foi que disse que aquilo que você quer é o melhor que pode

203
lhe acontecer? E se uma coisa que você não quer que aconteça
provocar algum desdobramento extraordinário? O que nós de-
sejamos é apenas uma projeção de nossos padrões. Analisando
friamente, não é bom nem ruim. Os adjetivos só aparecem pela
necessidade de nosso cérebro de classificar tudo. Não é porque
um projeto, um sonho, um desejo seu não se realizou que você
tem azar ou é infeliz. Apenas não acertou suas previsões. Porque
são apenas isso: previsões. Portanto não há porque sofrer por
não realizar o planejado. Você tentou adivinhar e não conseguiu.
Só isso. Talvez o que aconteceu de verdade seja muito melhor do
que o que você planejava. Ou não. Não dá pra saber. É por isso
que a maioria das pessoas não se sente feliz. Porque bota expec-
tativa demais em desejos e não se dá conta que são só padrões.
Eles não acontecem e o que resta ao Pedrão fazer nestes casos:
despejar uma boa dose de “Você é um idiota!”. Mas pense bem.
A vida tem possibilidades infinitas. Pode acontecer praticamente
qualquer coisa com você. Pode até cair um avião em cima de
sua casa neste exato momento. Como você poderia prever isso?
Não dá. E a vida continua a despeito de nossos desejos e proje-
tos. Acontece o que acontece. E pronto. A possibilidade de você
acertar o que vai acontecer na sua vida é a mesma de ganhar na
megasena acumulada. Ou seja, é possível, mas pouco provável.
Acredite, a frustração só cresce nessas horas, porque você vai
errar as previsões na maioria das vezes. E, diferente de ganhar na
loteria, mesmo quando você acerta, ou seja, o seu sonho se reali-
za, nem sempre isso lhe provoca uma sensação de prazer. Às ve-
zes a gente conquista o topo da montanha e não sabe bem o que
isso trouxe de positivo. “Era só isso?”, pensamos. São as leis da
vida. Mas como não dá muito para evitar as expectativas, sejam
elas em qualquer âmbito da vida, acredito que o melhor a fazer é
tentar compreender o funcionamento do processo e assim aliviar
o sofrimento de não acontecer tudo o que você gostaria. Até
porque, por mais sorte, dinheiro, saúde e poder que você tenha,
não pode evitar de um dia, por azar, um avião cair em cima de sua
casa enquanto você lê um livro de filosofia.

204
QUEBRANDO
PADRÕES
Novidades Inofensivas
ou O mundo perfeito
Você gosta de olhar as ondas do mar? Eu gosto, muito. Sou
capaz de ficar o dia inteiro sentado em frente ao mar, só pen-
sando na vida, utilizando as ondas em meu campo visual como
elemento quase que hipnótico. Pelo que eu posso notar nas pa-
lestras que dou pelo Brasil, a grande maioria das pessoas tem este
mesmo comportamento. E o mais curioso é que isso só acontece
quando o mar não está tranquilo demais, sem nenhuma onda.
Você já parou para se perguntar por que isso acontece? Qual é
o fenômeno por trás desta sensação tão agradável? Bem, vamos
por eliminação. A água não é. Você por acaso já encheu a ba-
nheira na sua casa, colocou uma cadeira de praia em frente, ligou
a hidromassagem e ficou horas olhando para o movimento da
água? Se você é uma pessoa normal, não. Alguém pode dizer:
“Ah, mas no mar a água é salgada e o sal é um grande catalisador
de energia...”. Se fosse assim era só jogar sal de banho na banhei-
ra e o assunto estaria resolvido. Mas não é.
O que acontece é que ao olharmos para as ondas, nosso cé-
rebro busca aquela imagem na Biblioteca do Pedrão e a reconhe-
ce: onda é igual a uma quantidade de água que se eleva e desaba
em movimentos repetidos e constantes e ocorre geralmente a
beira-mar. Mais ou menos isso, não é? Pois então, as ondas fa-
zem parte do nosso repertório, é um fenômeno conhecido e não
oferece nenhum perigo à nossa integridade física. É claro que se
for um tsunami, tudo muda de figura, mas estamos aqui falando
de um dia normal em uma praia aprazível da costa brasileira. Pois
bem, o cérebro reconhece as ondas como um padrão, mas como
todos sabem, cada onda é diferente da outra. Nenhuma onda é
exatamente igual. E é isso que encanta nosso cérebro. A possibi-
lidade de se relacionar com uma novidade, sem colocar em risco
a segurança de seus tão preciosos padrões. É o que eu chamo de
Novidades Inofensivas.

206
O mesmo acontece com as fogueiras. A gente também adora
ficar observando uma fogueira ou uma lareira acesa, não é ver-
dade? É relaxante e muito prazeroso. E mais uma vez não é o
objeto em si que provoca esta sensação. O fogo como conceito
não tem esse componente hipnótico. Você consegue se imaginar
acendendo uma boca de fogão e chamando sua namorada para
tomar um vinho enquanto observam aquelas românticas chamas
azuis saindo do eletrodoméstico? Claro que não. O fogo do fo-
gão é muito previsível, linear, pasteurizado, padrão. Já na fogueira
a situação é bem diferente. Em função do formato das madei-
ras e de estarem umas sobre as outras, a chama cria desenhos
inéditos a cada segundo, deixando mais uma vez nosso cérebro
extasiado. Novidade sem ameaça, que delícia! Porque ele sabe o
que é fogo, pois consultou a Biblioteca do Pedrão e lá estava a
definição deste fenômeno da Natureza. Sob controle, não apre-
senta nenhuma ameaça à nossa integridade física e/ou mental. Já
se o fogo sair de controle e a casa começar a arder em chamas o
cérebro deixa de se deliciar com a situação e passa a se preocupar
com o perigo iminente que o ameaça.
Acredito que com aquários ocorre o mesmo fenômeno, mas
com menor intensidade do que os dois exemplos anteriores.
Outra forma de Novidade Inofensiva acontece quando alte-
ramos o tamanho dos elementos conhecidos. Todo mundo gosta
de ver um objeto em tamanho diferente daquele ao qual estamos
acostumados. Os estadunidenses sabem disso e se utilizam muito
bem, principalmente na área de marketing. Lá o sujeito tem uma
empresa de dedetização e coloca uma barata gigante em cima do
furgão. Não há quem não perceba. Chama muita atenção. Nosso
cérebro vê aquela imagem, busca na Biblioteca do Pedrão e re-
conhece como uma barata, mas em um tamanho que ele nunca
havia visto. E é por isso que chama tanto a atenção. No Brasil
temos um lugar onde podemos conferir de perto este fenômeno.
A cidade de Itu, no interior de São Paulo, famosa por sua ma-
nia de gigantismo. Um de seus principais pontos turísticos é um
orelhão gigante instalado na praça central. Não há quem não vá

207
a Itu e deixe de visitar esta curiosidade. E ainda por cima, ao se
defrontar com ele, se anima e lança a expressão de encanto: olha,
o orelhão! Gente, é só um orelhão grande. Nem bonito é. Mas
não importa, nós, humanos, somos fascinados com esses obje-
tos exageradamente ampliados. O contrário também se aplica.
Miniaturas. Quem não é curioso em vê-las? Quantas pessoas já
tiveram algum tipo de coleção de miniaturas? De garrafinhas de
Coca-Cola, de jogadores da seleção, de carrinhos, de bonecas, de
tudo. E só não colecionamos as coisas muito grandes por causa
da óbvia implicação espacial, senão muita gente teria orelhões
gigantes em seus quintais.
Mas não acontece só com objetos. As Novidades Inofensi-
vas acontecem também com os sons.

Por que gostamos


de ouvir rimas?
O fenômeno é o mesmo: Novidades Inofensivas. Quando
estamos ouvindo uma música, por exemplo, nosso cérebro sabe
que em algum momento, o som de alguma palavra irá se repetir,
pois este é um padrão consagrado. A não ser que você esteja ou-
vindo uma música do Jorge Benjor que não tem nenhuma rima.
Enfim, é claro que a qualidade do que está sendo dito também
conta, mas existe um grande prazer nisso. O melhor dos mundos
para nosso cérebro é quando a rima acontece de forma surpre-
endente e inteligente, a chamada rima rica. Você sabia que acon-
teceria alguma rima em algum momento mas não imaginava que
seria da maneira como foi. Entenda que qualidade e inteligência
são apenas padrões, então quando digo isso quero me referir à
qualidade e inteligência na visão de quem está ouvindo a música.
Só como curiosidade, a rima foi criada nos primórdios da hu-
manidade como forma de facilitar a memorização dos contado-
res de história. A rima e a métrica nasceram com este importante
e curioso papel. Mas acredito que o sucesso foi surpreendente até
mesmo para seus criadores. Eles queriam apenas facilitar o seu
208
trabalho. E, sem querer, imagino, descobriram uma forma de ex-
pressão que exerce uma grande fascinação aos ouvidos humanos,
ou, mais precisamente, aos nossos cérebros.
Houve uma época em que eu fazia muitos roteiros de vídeos
institucionais. Sabe aqueles vídeos chatérrimos que as empresas
produzem para mostrar toda a sua pujança, vitalidade e força?
Que depois de 15 segundos você já não aguenta mais ver? Pois
é, esses mesmos. Por isso um dia eu resolvi arriscar uma inova-
ção. Comecei a fazer roteiros com a locução rimada. Não dizia
nada de especial, poético ou artístico. Era o briefing do cliente,
simplesmente, só que rimando. Eu mesmo me espantei com o
sucesso do modelo. Nenhum roteiro foi reprovado desde então.
Sabe o que é isso? Quem trabalha com Criatividade sabe, você
cria dez para aprovar um, e ainda tem de remendá-lo todo para
atender às exigências do cliente. No caso dos roteiros rimados,
nem alterações eram solicitadas. Eram aprovados na íntegra. Na
época achei divertido.

Massagem na alma
Todos estes exemplos acima se encaixam na categoria Mun-
do Perfeito, pelo menos para o nosso cérebro. Ele não é amea-
çado em sua integridade, nem nós, seus hospedeiros. Mas ao
mesmo tempo, tomamos contato com uma novidade, com um
novo elemento, com uma nova forma de se enxergar aquilo que
já conhecemos. Isso oxigena nosso cérebro e melhora seu de-
sempenho. Movimenta sem incomodar, sem provocar sobressal-
tos ou angústias. É seguro, tranquilo, equilibrado. Para o nosso
cérebro certamente esse é o ideal. Uma massagem na alma. Uma
Novidade Inofensiva acontece quando acrescentamos uma peça
de lego em nosso castelo sem precisar prescindir de outra. Não
há troca, não há rompimento, não há quebras. Apenas acréscimo.
E isso deixa o cérebro extasiado. Não há desperdício de energia.
Não vai precisar jogar fora alguma peça que, boa ou má, custou
energia para ser produzida. Tudo em razão da sobrevivência.

209
Ideologia cerebral
Se o cérebro fosse politizado, certamente a ideologia que ele
defenderia com unhas e dentes, mesmo não tendo nem unhas e
muito menos dentes, não seria a REVOLUÇÃO. Não, revolução
é uma palavra non grata para o cérebro. Causa muita dor de cabe-
ça. Se o cérebro já se incomoda com uma solitária e sutil quebra
de Padrão, o que dirá de quebras radicais, profundas e abrangen-
tes? Não! Isso é inaceitável! Destruir o Castelo de Legos não é
uma opção! É melhor a morte! Abaixo a revolução!
O que o cérebro simplesmente, de fato, aprecia é quase a
revolução, mas sem o seu R inicial, ou seja, EVOLUÇÃO. O cé-
rebro gosta sim de Criatividade, de mudanças, de novidades, mas
dentro de um limite bem superficial. E a pessoa considerada cria-
tiva é aquela que consegue passear por este limite, que consegue
transformar um padrão de forma a que pareça diferente, inventa
novas formas de se fazer coisas que já estamos carecas de fazer,
enfim, quem consegue dominar esta arte acaba por conquistar
corações e mentes.
Você acha que a indústria automobilística não é capaz de
criar carros completamente diferentes e muito mais modernos
de um ano para o outro? E ao invés disso eles vão mexendo aos
poucos, um para-choque aqui, um tecido de estofamento ali, um
friso acolá e você (ou seu cérebro) não se sente ameaçado por es-
sas mudanças. Ao longo de anos, essas diferenças ficam patentes.
Por que eles fazem isso? Simples, porque se fizerem carros muito
diferentes de um ano para outro, as pessoas podem até admirar,
mas não irão comprar. A maioria das pessoas não tem estrutura
emocional para bancar serem diferentes de uma forma tão explí-
cita. É por isso que a indústria automobilística utiliza os famosos
carros-conceito. Para mostrar que, se eles quisessem, poderiam
fazer carros bem mais modernos que aquelas carroças que você
dirige. A indústria de prèt-à-porter também faz isso. Você já viu
alguém na rua vestindo aquelas roupas que desfilam nas passa-
relas mais famosas do mundo? Claro que não. Quem vai sair por

210
aí com uma roupa que parece mais uma fantasia de carnaval de
gente chic? Mas por que eles fazem isso então? É para criar uma
imagem de marca. Você olha aquilo e pensa: nossa como eles são
modernos, criativos, ousados. Depois vai lá na loja deles, compra
uma calça jeans e uma camiseta branca básica e se sente a pessoa
mais fashion do mundo. Viu? A estratégia deles funciona.

Quebra de Padrão dói


Eu sei que já disse isso, mas preciso dizer de novo: se existe
uma coisa que incomoda a gente é a quebra de um padrão. Desde
aqueles desimportantes até os fundamentais. Quanto mais im-
portante e arraigado for um padrão, mais desconforto irá causar
a sua quebra. Quanto maior e mais estruturada a torre de um
Castelo de Legos, mais dolorosa e trabalhosa será a sua demo-
lição. Por exemplo: basta que o caminho que fazemos para o
trabalho esteja interditado por algum motivo para que sintamos
um desconforto. Não mudou nada a sua vida, mas aquela quebra
de Padrão mexeu com seu humor. Minimamente, mas mexeu.
Já num caso mais agudo, você trabalha há muito tempo em uma
empresa e gosta muito de lá. Um belo dia é mandado embora, as-
sim, de repente. O incômodo é grande. Sensação de desconforto
porque você percebe que não era tão querido como imaginava.
Porque perdeu o status que tinha até então. Porque vai ter de
encontrar outra forma de ganhar o seu sustento. Porque “Você
é um idiota!”. Seu cotidiano vai mudar radicalmente, qualquer
que seja seu destino a partir dali. Esses e vários outros motivos
fazem com que uma demissão desse tipo se configure em uma
sucessão de quebras de padrão. E provocam, é claro, um tremen-
do desconforto.

Quebras de padrões
são terremotos
Na verdade, as quebras de padrões são como verdadeiros
terremotos para nossos Castelos de Lego. Dependendo de sua
211
magnitude, toda a nossa estrutura mental é colocada a prova.
Muitas vezes depois do tremor, a estrutura permanece intacta,
porém uma ou duas pecinhas caem, nada sério, mas isso já bas-
ta para nos causar desconforto. Pense em seu Castelo de Legos
como em sua casa. Se o teto da sala cair, você certamente ficará
aborrecido com o prejuízo, com o desconforto que aquela situ-
ação o colocou, com o tempo e o dinheiro que vai precisar para
arrumar, enfim, quebra de Padrão é um saco!
Estou escrevendo este capítulo na mesma época em que
ocorreu o terremoto associado a um tsunami que devastou o
Japão e as imagens impressionantes que vi na internet me inspi-
raram a desenvolver esta metáfora que, para mim, exemplificam
perfeitamente o abalo causado por qualquer quebra de Padrão. O
Japão; é sabidamente um país muito suscetível a terremotos e tre-
mores de baixa intensidade chegam a ser até comuns por ali. Por
isso me veio imediatamente a imagem de nosso Castelo de Legos
construído em uma fenda tectônica, como o Japão, e da mesma
forma que o país oriental, uma eterna vítima de seus movimentos
e por vezes de sua ação devastadora.

A dor é um aviso do Pedrão


Já disse aqui que a dor é um sinal que o nosso organismo
dispara quando quer nos avisar que alguma coisa está “errada”.
A dor não foi criada para nos punir, mas para nos alertar. Mas
é claro que o ser humano e sua Criatividade infinita acabaram
transformando a dor em um instrumento de coerção, de con-
vencimento e de punição, mas isso é outra história. O fato é que
a dor, no frigir dos ovos, é positiva. Se quebrássemos a perna e
não sentíssemos nada, a situação se agravaria a ponto de perder-
mos a própria vida em função de uma gangrena ou coisa que o
valha. E quando falamos em quebra de Padrão, também estamos
nos referindo a um aviso de nosso organismo de que estamos
caminhando na direção “errada”. Lembre-se que o “certo” e o
“errado” são apenas referências à nossa Biblioteca do Pedrão, ao

212
nosso Castelo de Legos. Mas de qualquer maneira, a dor emocio-
nal é utilizada pelo Pedrão e seus Hormônios Disciplinares para
nos alertar de que estamos fora do Padrão, portanto “errados”.
Da mesma forma o prazer que nada mais é do que um prêmio
aos meninos bem comportados que seguem o Padrão e mantém
o conhecimento de nosso cérebro sem ameaças e nosso Castelo
de Legos protegido do perigo estrangeiro.

A matemática da
quebra de Padrão
Uma quebra de Padrão é muito mais séria do que a gente
imagina. A revolução que ela provoca em nossa mente, as trans-
formações que ela obriga nosso cérebro a fazer, a realocação de
conceitos, verdades, dogmas, doutrinas, enfim, causa um ver-
dadeiro pandemônio cerebral. Tudo isso justifica plenamente o
desconforto proporcional ao tamanho que a quebra nos provo-
ca. Na verdade são dois movimentos que acontecem simultane-
amente e que geram esse estado de calamidade pessoal. Em pri-
meiro lugar, uma descarga razoável de “Você é um idiota!”, pois
se a nova situação coloca em cheque suas verdades, consequen-
temente seu cérebro constata que você está “errado”. E se você
está “errado”... já sabe. Somado a isso teremos a necessidade do
cérebro de dispender uma energia extra para assimilar a nova
informação e reconstruir a torre do castelo. E já sabemos que o
cérebro fica louco da vida quando tem de gastar mais do que o
combinado. E quanto mais torres precisarem ser reconstruídas,
maior o gasto de energia e maior o desconforto.
Isso tem a ver também com as conexões neurais. Os neurô-
nios estão conectados a muitos outros, formando uma espécie de
rede, de malha de pensamento. Quando um padrão é quebrado, é
necessário desmontar a estrutura, desconectar alguns neurônios,
e providenciar uma nova instalação, novas conexões. Então, além
da descarga de “Você é um idiota!”, da energia cerebral para re-

213
construir seus conceitos, ainda há este fator físico de desconstru-
ção da rede neural para a construção de outra.

Como reagimos
diante do novo
Temos um comportamento muito parecido com o dos ca-
chorros quando se trata de um contato com o novo, com o des-
conhecido, com o fora de padrão.
Num primeiro momento, a gente estranha e rejeita o novo.
Não temos, neste instante, capacidade de avaliar objetivamente o
assunto. Por isso não gostamos e ponto final. É o Hímen do Pe-
drão em ação. Se a pessoa é muito presa aos seus padrões, a sua
relação com o “troço” que se lhe apresenta termina ali mesmo.
Fim da linha e não se fala mais nisso.
No caso dos espíritos mais curiosos, existe uma volta, um
olhar de soslaio, uma curiosidade que faz a pessoa revisitar o
“treco” que tanto a assustou anteriormente. Neste momento, a
nossa capacidade de avaliar já retorna e, com a ajuda do Senhor
Takatudo Nakacha, fazemos um exame do objeto em questão
para avaliar cada pedacinho dele em busca de alguma familiari-
dade. O próprio fato de se estar revisitando o objeto, faz com
que, aos poucos, comecemos a nos acostumar com ele. Aquele
estranhamento inicial vai desaparecendo aos poucos e vivemos
um momento de transmutação: do absolutamente novo e inédi-
to, para o novo, para o relativamente novo, para o não tão novo
assim e, finalmente, para o conhecido, ou seja, para o Padrão.
Feito esse reconhecimento, tomamos uma decisão: aceito ou
não aceito. Gosto ou não gosto. Compro ou não compro, e as-
sim por diante. Decidimos então nos aproximar ou nos afastar
daquilo.
E, independentemente da decisão, mandamos, com a anuên-
cia do Senhor Takatudo Nakacha, o veredito para a Biblioteca
do Pedrão e encaixamos mais uma pecinha de lego em nosso
castelo.

214
Choque de Existência
O que não conhecemos não existe para nós. Isso é fato. En-
quanto não tomamos contato com uma nova informação, seja
em que formato for, ela será apenas uma “coisa”, pois ainda não
fará parte de nosso repertório. E o que não existe, não ocupa es-
paço, certo? Por exemplo, posso provar para você que eu existo
há, pelo menos, cinquenta anos. Você tem a impressão de me
conhecer apenas na ocasião em que comprou este livro. Mas eu
existia antes disso. Juro. Tenho documentos para provar. Pense
no que estava fazendo há dez anos. Pois é, eu estava em algum
lugar fazendo alguma coisa também. Pense em 20 anos. A mes-
ma coisa. 30, 40... Mas tudo bem, eu entendo. Sei que nosso cé-
rebro funciona assim: o que não conhecemos não existe para
nós. Mas basta termos um primeiro contato para essa “coisa”
passar a existir em nossas vidas. O senhor Takatudo Nakacha
vai precisar cadastrar e a partir daí o “treco” será decodificado,
transformado em mais uma peça de lego e encaminhado para a
Biblioteca do Pedrão. Um espaço que estava livre até então, passa
a ser ocupado.
Esta lacuna mental, este espaço que estava vazio, quando é
preenchido, provoca um choque, ou seja, quando alguma “coisa”
vira um elemento definido e identificado, ganha um rótulo e vira
uma peça de lego, isso gera um incômodo que eu chamo de Cho-
que de Existência. E a nossa vida é um eterno choque de existên-
cia já que tudo à nossa volta vai se modificando a cada minuto,
a cada segundo. Mesmo se a gente quiser preservar os padrões,
não seremos capazes de evitar que surpresas e fatos inesperados
aconteçam em nossas vidas, a cada instante. Dos mais insignifi-
cantes até os mais importantes.
A gente nunca tinha estado em contato com aquele “treco”.
Aí ele aparece em nossa frente. Então, numa fração de segundos
um neurônio virgem perde a virgindade, nosso cérebro engravi-
da e nasce uma linda criancinha. Num átimo. E a esse fenômeno
dou o nome de Parto Cerebral. Imagine a cena: um bebê saindo
de dentro de um cérebro. O seu cérebro.
215
Partos Cerebrais, ou
como as coisas nascem
dentro de nós
Como vimos acima, todo “troço” que aparece em nossas
vidas provoca um desconforto grande ou pequeno, depende de
sua capacidade de afetar as nossas vidas, nossos padrões, a paz e
a tranquilidade do nosso Pedrão. A imagem que me veio à mente
quando percebi este fenômeno, imediatamente, foi a de um par-
to. O que é um parto? Alguma coisa que aparece que não estava
aí antes e que vai mudar as nossas vidas. Dói, mas é um sacrifício
necessário.
É como se um bebê de repente surgisse do nada e saísse de
nosso cérebro. As dores do parto, são as dores de um “troço”
nascendo em nossas vidas e virando uma peça de lego. A Natu-
reza em toda a sua exuberância, promove o início de uma vida
sempre como um desafio, um romper de caminhos, um Choque
de Existência. Com os padrões não é diferente. Para que eles
possam nascer, algo terá que ser rompido, como num parto. É
claro que existem bebês com cabeça pequena, que a gente nem
sente; bebês cabeçudos, que provocam alguns estragos pelo ca-
minho; bebês que não querem nascer e ficam empatando a nossa
vida e bebês que só saem a fórceps. Temos milhões e milhões de
Partos Cerebrais em nossas vidas. É só imaginar: cada mínima
novidade que acontece, provoca um desses partos. Com o tem-
po a pele do cérebro vai ficando mais elástica e passamos a não
sofrer mais com um tipo de parto que estamos acostumados. É
a tal da maturidade.
Um Parto Cerebral é uma clássica quebra de contrato com
o Pedrão. Por isso, ao entrar em contato com ela, sofremos as
consequências de nosso ato: “Você é um idiota!”.

Maturidade é a compreensão de que a vida não é


exatamente aquilo que gostaríamos que ela fosse.

216
Susto é um parto
de trigêmeos
Uma forma muito simples de entender e, principalmente, re-
conhecer a dor, ou o incômodo, que o parto cerebral provoca é
fazer um paralelo com o susto. O susto nada mais é do que um
parto complicadíssimo que acontece numa fração de segundos.
O susto é uma quebra de Padrão em alta frequência e veloci-
dade. Por exemplo: você está entrando em sua casa e as luzes
estão todas apagadas. Você mora com outra pessoa, mas, apa-
rentemente, ela não está em casa. Você entra e vai caminhando
pelo corredor. De repente, um corpo vindo de um dos cômodos
desaba bem à sua frente e permanece imóvel. Você, se for uma
pessoa normal, fica perto de um ataque cardíaco. Esse exemplo
foi um fato verídico que chegou ao meu conhecimento. A pessoa
que entrou na casa, e tomou o susto, era a mãe. O engraçadi-
nho que provocou o susto era o filho adolescente. E eu sei que
esta história é verdadeira porque esta foi a última vez que resolvi
assustar a minha mãe. Quase matei a velha nessa. O fato é que
o susto da minha pobre mãe nada mais foi do que uma quebra
violenta e fulminante de um padrão. Ela entrou em casa e as lu-
zes estavam todas apagadas. Portanto seu cérebro entendeu que
não havia ninguém lá. Em não havendo ninguém, não há porque
se esperar que alguém vá aparecer do nada. Portanto o cérebro
relaxa suas defesas e conclui que pode sossegar. Quando ela es-
tava passando pelo corredor e viu um vulto caindo à sua frente e
permanecendo imóvel foi como dizer ao cérebro: caramba, tem
uma “coisa” aqui e você não estava preparado para recebê-la. Foi
um Parto Cerebral e tanto. De fato, a sensação da minha mãe foi
exatamente o que a gente sente em cada mínimo e despretensio-
so Parto Cerebral que temos na vida. Só que numa intensidade
muito maior. O sentimento é exatamente o mesmo, a diferença
está apenas na sua intensidade.

217
Susto e trauma.
Qual a diferença?
Se susto é uma quebra de Padrão de alta intensidade e trau-
ma também, qual a diferença entre os dois? Na verdade, nenhu-
ma. Um susto é uma quebra de Padrão de uma situação isolada,
fechada em si mesma, de efeitos passageiros. Já o trauma é um
susto que não passa. Ambos podem provocar sequelas, mas de-
vido à importância do tema ao qual está relacionado, o trauma
causa sequelas mais profundas. E a quebra de Padrão, neste caso,
atinge territórios estratégicos em nossa visão de mundo e, con-
sequentemente, provoca muitos estragos. De qualquer maneira,
todo trauma começa com um susto.
Por exemplo, você está com seu filho pequeno num parque
de diversões lotado. De repente você se dá conta de que ele su-
miu. Susto. Quebra de Padrão forte. Meu filho estava aqui até
segundos atrás e agora não está mais. Se você achar logo o seu
filho porque ele, na verdade, foi ver um patinho na lagoa, o susto
se dilui rapidamente e logo você nem pensa mais no assunto.
O Padrão é restabelecido, por isso você sente um grande alívio,
e logo tudo volta ao normal. Mas se você não achar seu filho
ou achar e ele estiver com sérios problemas, então a situação
se transforma imediatamente em um trauma. Porque um padrão
muito importante da sua vida (meu filho está seguro e nada de
mal vai acontecer a ele) é quebrado. De qualquer maneira você
criou um padrão. Mesmo que não tenha acontecido nada de gra-
ve, você jamais vai esquecer o dia em que perdeu seu filho no
parque de diversões. E como a experiência é uma das formas de
criarmos padrões, de aprendermos, das próximas vezes que você
for ao parque vai tomar um cuidado redobrado. Confirmando
também a teoria de que nada mais eficiente que uma quebra de
Padrão agressiva para uma rápida mudança na forma de pensar
e de agir.

218
Os Partos Cerebrais
em nossa vida
Existem, a grosso modo, quatro fases com as quais lidamos
com os Partos Cerebrais de formas diferentes: infância, juventu-
de, maturidade e velhice.
É claro que mesmo dentro de cada fase existem diversas di-
ferenças e variações, mas vamos analisar o fenômeno de uma
forma mais genérica, apenas para compreendermos os seus me-
canismos e seu funcionamento básico.

A infância e o Feriado Interno – Você já reparou que as crian-


ças pequenas assistem aos vídeos que elas gostam aproximada-
mente um milhão setecentas e quarenta e cinco mil trezentas e
dezenove vezes e meia? E já parou para pensar por que é que isso
acontece? É muito simples: quando uma criança nasce ela não
sabe quase nada. Não tem experiência de vida nenhuma e quase
nenhum padrão de pensamento. Portanto, tudo, absolutamente
tudo o que acontece com ela durante todo o tempo que ela está
acordada é Parto Cerebral. Praticamente tudo o que ela vê, sen-
te, cheira, engole, toca, ouve é novidade, é uma “coisa”, portan-
to, exige reflexão, processamento, ou seja, dispêndio excessivo
de energia corporal, insegurança, medo etc., etc., etc. O senhor
Takatudinho Nakachinha sente que vai enlouquecer com tanto
trabalho. Esse incrível gasto de energia explica também porque
uma criança dorme tanto em seus primeiros anos de vida. Ela
precisa recompor sua energia corporal com muito mais urgência
do que um adulto, tamanha é a sua revolução diária. Por isso,
quando a criança passa a assistir ao mesmo filme ou desenho e
começa a se acostumar com ele, vive uma experiência que ela não
está acostumada a viver no resto do seu dia: estar em uma zona
de segurança, numa zona de conforto, onde ela sabe tudo o que
vai acontecer. Não existe surpresa, não existe quebra de padrões,
não existem Partos Cerebrais. Mesmo que aconteça alguma coisa

219
de ruim no meio da história, ela sabe que ao final tudo se resolve-
rá. Então, ela não sofre. A despeito da tremenda curiosidade na-
tural das crianças, a preferência pela zona de conforto já dá sinais
claros de sua importância na construção de nossa personalidade.
A este fenômeno eu dou o nome de Feriado Interno. Quando a
gente, por escolha própria, decide não correr o risco de enfrentar
Partos Cerebrais.

A juventude e a curiosidade – Quando deixamos a infância


para trás a curiosidade continua forte em nossas vidas. Porém,
sofremos menos com os Partos Cerebrais, já que temos conheci-
mento dos aspectos mais básicos da vida: andar, comer, falar, ir
ao banheiro etc. A partir daí estamos mais abertos às novidades
e os “trecos” não nos atormentam mais com a mesma facilida-
de que antes. Na verdade essa é uma época em que nada assus-
ta muito. Nosso Pedrão ainda é fraco e não nos impõe muitos
conceitos. Ele não tem muito conhecimento e, portanto, ainda
permite que a curiosidade faça o seu trabalho. A despeito disso,
ele já bota suas garrinhas à mostra fornecendo ao seu hospedei-
ro todas as certezas do mundo. Não é novidade para ninguém
que os adolescentes e pós-adolescentes “sabem tudo”. De fato,
apenas uma defesa de quem “não sabe nada” e quer se proteger.
Porque nesta fase que o “certo” e o “errado” ganham uma di-
mensão fundamental na vida da pessoa pois é quando ela vai se
definir, quando ela vai se transformar em um adulto, portanto
ela precisa estar muito segura daquilo que é “certo” e do que é
“errado”. Nessa fase em particular, não somos tão ávidos de Fe-
riados Internos, já que nossa curiosidade nos impulsiona ao novo
a cada momento de nossas vidas. Precisamos de alguma forma
experimentar o máximo possível para podermos comprovar e
validar as nossas crenças com mais firmeza e segurança. Até este
momento, somos praticamente programados pelos nossos pais.
Nossos conceitos, nossa visão de mundo, nossos padrões rece-
beram uma influência extraordinária e por isso sentimos que é
chegada a hora de confrontá-las com outras realidades e ver qual

220
será a nossa escolha. E para isso precisamos testar, precisamos
sair por aí em busca de experiências e novos horizontes. Precisa-
mos negar o que fizeram de nós e encontrar o que somos. Nem
sempre esta viagem é bem-sucedida. E mesmo sendo, podemos
perfeitamente concluir que a melhor opção é mesmo aquela que
carregávamos antes de começar a contestar. Enfim, a experimen-
tação é parte fundamental do processo de amadurecimento do
ser humano.

Muitas vezes precisamos viver intensamente o não


para descobrirmos o sim.

A maturidade e a experiência – Na maturidade nosso Pedrão


já está devidamente formado, é forte, é poderoso, é mandão. Não
estamos mais tão suscetíveis à nossa curiosidade. Quanto mais
achamos que sabemos, menos curiosidade temos. O Pedrão fi-
nalmente conseguiu nos convencer de que aquilo que sabemos é
o “certo”. Tantos anos se passaram e não há quase nada que nos
faça mudar de ideia. E mais: nossas peças de lego estão cristali-
zadas, assentadas, confortáveis em nosso castelo. Começa uma
grande dificuldade em questioná-las. Em tirá-las dos locais onde
estão acondicionadas para reavaliação e recolocação. Estão pra-
ticamente incrustradas umas nas outras, dificultando ao extremo
a sua remoção. Cada vez menos temos disposição para alterar
o estado de coisas que depois de tanto sacrifício conseguimos
construir. Imagine ter de reavaliar um conhecimento adquirido
ao longo de 20, 30 anos. Será que uma pessoa comum vai colocar
tudo isso em dúvida e começar tudo de novo, do zero? Acho que
não. Os Feriados Internos já estão voltando a se fortalecer e a
definir o que nossa curiosidade pode ou não investigar.

A velhice e os Feriados Internos – Ao atingirmos a velhice,


nosso Pedrão está na plenitude de sua forma física. Muito forte
e imponente. Na contramão, estamos cansados e desinteressados
em enfrentá-lo. De certa forma decidimos finalmente desistir,

221
entregar os pontos e dar total razão e poder ao Pedrão. Você
conhece alguma pessoa de idade que é muito curiosa, que gosta
de novidade, que está sempre em busca de novas experiências e
aventuras? Até existe, mas são exceções. A imensa maioria das
pessoas que atinge a velhice é totalmente refratária a “coisas”,
“troços” e “trecos”. Em primeiro lugar, e eu posso dizer isso
por mim, a gente começa a perceber que não faz muita diferença
se uma coisa é feita de um jeito ou de outro. Na verdade, tanto
faz. Portanto, se eu já estou acostumado a fazer uma coisa de um
jeito, pra quê vou passar pelo sacrifício de aprender de novo e
sofrer mais um inútil Parto Cerebral? Em segundo lugar, a pessoa
mais velha está tão cansada de sofrer com Partos Cerebrais que
simplesmente desiste. É de fato muito desgastante e cansativo.
Imagine passar uma vida inteira sofrendo as dores do parto de
padrões, tendo de administrar a aparição de “trecos” o tempo
todo. O desgaste que isso provoca é tremendo. Chega uma hora
que, de fato, desistimos e nos entregamos. Por isso os mais ve-
lhos são tão fanáticos por Feriados Internos. Eles não sabem,
não querem saber e têm raiva de quem sabe. Ou você acredita
sinceramente que uma pessoa de idade esquece de como se diri-
ge? Esquece do pisca-pisca, esquece de que tem de olhar para o
lado antes de mudar de pista ou de entrar em uma rua movimen-
tada? Não esquece nada. Ele apenas desiste de se preocupar com
os outros, com as convenções, com os padrões. Ele não está nem
aí. Isso, curiosamente, confirma aquela teoria de que, de certa
maneira, a velhice é o retorno à infância. A curva de Feriados In-
ternos volta a subir para quase os mesmos níveis de necessidade
que a pessoa tinha quando era criança.

Crianças criativas X
adultos programados
Costumo dizer que as crianças não precisam de curso de
Criatividade. Precisam, isso sim, de curso de boas maneiras.
Crianças nascem praticamente sem nenhum padrão. Só padrões

222
de fábrica, ou os Padrões Sistêmicos. Portanto não têm barrei-
ras, não têm censura, não têm o que chamamos de educação... E
educação é apenas um conjunto de padrões. Por isso seus dias
são um eterno aprendizado e a maneira mais eficiente que elas
têm de aprender, além da imitação dos pais, é a tentativa e erro.
Quando educadores dizem que crianças precisam de limites,
estão dizendo que elas estão em pleno aprendizado do que é
“certo” e “errado” e que, portanto, precisam dos limites para
definir claramente os dois conceitos. Então as crianças vão sendo
moldadas conforme as regras que lhes vão sendo impostas. Elas
vão crescendo e adquirindo cada vez mais padrões. Não só os
impostos, mas também aqueles definidos pela experiência emi-
nentemente pessoal. A partir daí, os padrões que nos definem
têm a tendência de ir se solidificando e ganhando força dentro
de nós. A maturidade e a seriedade inerente à idade adulta vai
portanto minando a vontade de quebrar padrões, de questionar,
de buscar novos caminhos, ou seja, a nossa capacidade de criar,
de ser livre, de ser criança. Já ouvi muita gente dizer que a escola
como é formatada hoje é um grande destruidor de criatividade,
produzindo pessoas que se enquadrem nas regras da sociedade
sem questionamento. Bem, pode até ser verdade. Porém, acredi-
to que esse processo não é de todo mal. Penso que num primeiro
estágio de desenvolvimento é necessário sim, eu diria primordial
você ter consciência das regras de seu grupo social. Não consigo
imaginar indivíduos crescendo sem nenhum limite nem adapta-
ção, fazendo apenas o que desejam e completamente livres de
controle. Não dá para sobreviver se não construímos uma base
sólida de padrões. Porém, o que destrói a Criatividade, de fato, é
a falta de preparo para o seu desenvolvimento a partir da idade
adulta. As pessoas são educadas para construírem fortes padrões
e viver apenas dentro deles. Acredito que o ideal seria as pessoas
serem educadas para construírem fortes padrões, mas a partir
de uma certa idade, tomar consciência e o controle dos próprios
pensamentos e passar a utilizar os padrões e não serem utilizados
por eles.

223
Padrão Esquizofrênico
Entre as diversas contradições do ser humano, destaco esta
que me parece causar grandes estragos em nossa psique em fun-
ção de sua força em nossas vidas cotidianas. A criança pequena
não tem padrões, não tem crenças definidas, não tem medo e não
tem papas na língua. As crianças, em geral são muito autênticas e
falam o que pensam. Isso provoca, logicamente, uma infinidade
de saias-justas aos pais e constrangimentos aos alvos de sua de-
vastadora sinceridade. E o que acontece? Elas são repreendidas
e ensinadas a não dizer o que pensam em nome da educação.
Ou seja, são ensinadas a mentir. Desde a mais tenra idade esse
é um dos conceitos mais martelados na cabeça da criança: seja
educado, minta. Mas, ao mesmo tempo, enquanto cresce, recebe
outra mensagem, totalmente contraditória: diga a verdade. É feio
mentir. Opa! Como é que isso funciona então? É pra mentir ou
dizer a verdade? Ou seja, temos o que eu chamo de um Padrão
Esquizofrênico, porque ele possui duas versões conflitantes e
igualmente válidas. Isso, claro, provoca grandes estragos em nos-
sa psique e uma certa perturbação constante. Não é a única que
carregamos, mas é uma das mais importantes.
Como já disse, precisamos sempre estar “certos”. Mas, neste
caso, o “certo” e o “errado” se confundem, transformando esse
assunto em particular em um gerador de malucos, especialidade
de nossa sociedade moderna.

O mal que a
democracia nos faz
Esse título assustou você? Mexeu com seus Padrões? Claro,
está mais do que consagrado no mundo civilizado que a demo-
cracia é um bem da humanidade. Porém, devo dizer que demo-
cracia é um conceito ambíguo demais. É outro de nossos Padrões
Esquizofrênicos. Entre as tantas contradições do ser humano, o
conceito de democracia é uma das mais perturbadoras. Vamos

224
por partes. Se formos levar ao pé da letra o que o termo de-
mocracia significa, chegaremos à definição de que neste sistema
todos são iguais. Ninguém tem mais ou menos direitos e deveres
do que os outros. É uma poderosa e inconfundível peça de lego.
Só pessoas com limitado índice de evolução ainda duvidam que
as pessoas têm de ser consideradas iguais. Pois bem. Aí você liga
a televisão, ouve o rádio, navega na internet, conversa com pes-
soas, assiste palestras e lê livros que dizem que para ser feliz você
precisa se destacar na paisagem. Precisa ser diferente dos outros.
É estimulado a acreditar que é especial, que não pertence à vala
comum dos seres humanos.
Viu a contradição? Fortíssima, pois estamos falando de um
padrão fundamental da nossa vida, da nossa existência como in-
divíduos. E essa contradição tem um papel muito mais perturba-
dor do que podemos imaginar. São dois conceitos sólidos, aceitos
pela sociedade e por seus membros, mas que, desgraçadamente,
tratam do mesmo assunto, porém em direções diametralmente
opostas, contraditórias. Com estes conceitos, o ser humano está
“certo” e “’errado” ao mesmo tempo, simultaneamente. Como
isso é impossível de harmonizar, provoca em todos nós um ní-
vel elevadíssimo de estresse e ansiedade. Pare para pensar e veja
como essa contradição violenta interfere em sua vida de forma
intensa e constante. E como fugir disso? Na minha opinião, a so-
lução simplista: escolhendo uma das duas e abandonando com-
pletamente a outra. Do fundo da alma, do fundo do coração.
Talvez você não seja considerado uma pessoa evoluída, politica-
mente correta, mas pelo menos vai conseguir um pouco mais de
paz. Mas não precisa se preocupar: “evoluído” e “politicamente
correto” são apenas padrões.

Democracia é o sistema político que faz com


que as pessoas acreditem que ao eleger o carteiro terão
controle sobre os rumos do correio.

225
A mente parideira
Independente da vida que a gente escolhe viver, não conse-
guimos, por mais que tentemos, evitar os Partos Cerebrais. Mes-
mo aquelas pessoas completamente disciplinadas e organizadas,
que fazem questão de ter tudo muito bem planejado e progra-
mado, não conseguem viver uma existência indolor. Pelo simples
fato de que a vida acontece a despeito de nosso desejo, inde-
pendente de nossa vontade. O imprevisto é sempre inevitável.
Ter Partos Cerebrais é como respirar: é impossível viver sem. E
já que é inevitável, o ideal é aprender a conviver com eles e não
buscar freneticamente a sua extinção, que além de impossível, é
pouco inteligente. Na verdade temos esta fantasia, de que um dia
os Partos Cerebrais deixarão de nos atormentar e que finalmente
possamos viver em paz. Sinto muito destruir mais este castelo
dourado, mas isso não é possível. Como vimos acima, ao chegar
à velhice simplesmente decidimos ignorá-los. Não que eles não
existam mais. Simplesmente fechamos nossos olhos para eles e
passamos a viver numa espécie de vácuo de vida. Não lidar com
Partos Cerebrais, de certa forma, é um desperdício, já que sem os
desafios a nossa existência deixa de ter sentido. Bem, mas isso é
apenas a minha opinião. Talvez eu mesmo, ao chegar à velhice,
resolva eliminar os Partos Cerebrais por decreto e seja feliz as-
sim. Quem sabe?
Partindo-se desse pressuposto, de que mesmo aqueles que
tentam evitar ao máximo os Partos Cerebrais, não conseguem lo-
grar êxito, imagine então esses psicopatas que escolhem os Partos
Cerebrais como modo de vida: publicitários, escritores, arquite-
tos, roteiristas de rádio, TV e cinema, designers, artistas plásticos,
músicos e todos aqueles que utilizam a Criatividade como ferra-
menta de seu sustento. Esses pobres coitados ampliam de forma
expressiva a quantidade de Partos Cerebrais em suas vidas, o que,
obviamente, provoca um aumento considerável de estresse, an-
gústia, pressão, insegurança e medo. Mas eles acabam se acostu-
mando com isso e, de certa forma, ficam viciados na adrenalina

226
de criar. Estas pessoas possuem mentes parideiras, que fazem do
Parto Cerebral uma rotina, um fato corriqueiro da vida. Não é
mais fácil nem mais difícil, apenas diferente. E como todos eles
não passam de seres humanos, apesar de alguns acreditarem em
certo momento que são mais que isso, ao envelhecer vão perden-
do sua energia criativa, sua motivação para quebrar padrões, sua
disponibilidade de passar por incontáveis momentos obstétricos.
Como seres humanos eles também acabam cansando, se renden-
do à força da Natureza que de certa forma os obriga a percorrer
o mesmo caminho inexorável a todos nós, que é o cansaço, a de-
sistência, a conformidade, a perda de energia, o fim de um ciclo.

A curiosidade
A nossa curiosidade é mais uma de nossas ferramentas de
aprendizado. Nós temos este impulso genético de buscar mais
conhecimento do que já temos, uns com mais intensidade, ou-
tros com menos. Isso porque o aprendizado é uma forma de au-
mentar as nossas chances de realizar a Diretiva Primária. Quanto
mais conhecimento tivermos, mais ferramentas de adaptação po-
deremos desenvolver. Porém, os produtos de nossa curiosidade
naturalmente entram em conflito com as informações contidas
em nosso banco de dados mental, nosso Castelo de Legos. Tudo
o que é novo será devidamente rejeitado pelo Pedrão. Sofrere-
mos uma certa resistência em aceitar ou simplesmente entrar em
contato com a “nova realidade” que toda nova informação nos
proporciona. Cada vez que somos impactados por uma informa-
ção inédita colocamos em risco tudo aquilo que consideramos
“certo”. Uma simples informação pode provocar a derrocada de
conceitos muito importantes em nossas vidas, torres de legos
tremerão, pilares de existência serão abalados e uma crise psico-
lógica poderá ser a consequência nefasta deste evento. É por isso
que nós temos o costume de fechar os olhos para as coisas que
claramente contrariam as nossas crenças. Para evitar sofrimento,
preferimos ignorar sinais, muitas vezes claríssimos, de que esta-
mos enganados sobre algum assunto.

227
A curiosidade é um software que utilizamos para conseguir-
mos evoluir. E este software tem a capacidade de enfraquecer
por alguns momentos o poder do Pedrão. Porque se não fosse
assim, não conseguiríamos aprender nada. Se o Pedrão trabalhas-
se com força total o tempo todo, não deixaríamos de ter a mente
de um bebê, independente de nossa idade. Graças à curiosidade,
podemos evoluir e aumentar nossos conhecimentos. É claro que
isso também acontece independente da curiosidade, quando, por
exemplo, aprendemos com algum evento inesperado em nosso
dia-a-dia.
De qualquer maneira fica claro que a curiosidade também
pode ser considerada uma formadora de padrões. Quanto mais
jovem o indivíduo, mais curioso. E, inversamente, quanto mais
velho, menos interessado em coisas novas. A curiosidade é, por-
tanto, um estímulo à criação de padrões inexistentes ou transferi-
dor de padrões fracos ou insatisfatórios. Basta observar a média
das pessoas: como elas vão naturalmente perdendo a curiosidade
conforme vão envelhecendo, ou seja, conforme vão fortalecen-
do seus padrões e, por uma questão de lógica cartesiana, dimi-
nuindo seu interesse por coisas que não conhecem, preferindo a
segurança de saber, conhecer, estar “certo”.

Curiosidade sem
quebra de padrões
Você deve estar se perguntando agora, como é que a curio-
sidade pode ser responsável pela quebra de padrões, e, portanto,
por causar incômodos ao indivíduo, mas existem muitas situa-
ções onde o novo traz conforto, prazer e tranquilidade, como
uma boa música, um bom filme, uma notícia boa e inesperada em
sua vida etc. Muito bem, essas situações não passam de padrões
reafirmados. Quando ouvimos uma música nova ou assistimos a
um filme novo e gostamos muito, significa que de alguma forma,
essas obras de fato não estão quebrando nenhum padrão, ao con-

228
trário, estão reafirmando e fortalecendo os padrões já existen-
tes. Uma música ou um filme realmente inovadores e diferentes
vão provocar desconforto e rejeição. As pequenas diferenças, ou
evoluções, são perfeitamente aceitáveis pelo nosso cérebro. São
formas de enganar o Pedrão e permitir que elas sejam aceitas e
absorvidas sem problemas. São as Novidades Inofensivas. No
fundo, essas novidades estão apenas reafirmando o conhecimen-
to que já tínhamos. Quando elas vão na direção oposta, ou seja,
a sua aceitação representará a negação daquilo que sabemos, não
há como não rejeitá-las. O sistema de proteção de nossos Pa-
drões é poderoso e muito pouco maleável. É claro que as pessoas
são diferentes. Umas são mais permeáveis a mudanças do que
outras, mas, no geral, a proteção de nossos conhecimentos fun-
ciona com tremenda eficiência.

229
ECONOMIZANDO
ENERGIA
Cadastro do
Sr. Takatudo Nakacha
Nosso cérebro não é fraco não. Ele se utiliza de uma série
de técnicas e táticas para facilitar ao máximo o seu trabalho de
armazenamento de informações e assim economizar energia,
um de nossos comandos genéticos mais importantes. Por isso,
as informações que armazenamos na Biblioteca do Pedrão são
processadas simultaneamente e permanecem assim em nossa
memória.
O cadastramento realizado pelo Sr. Takatudo Nakacha faz
com que milhares de peças de lego vivam eternamente anexa-
das umas às outras em nossa Biblioteca. Por exemplo, ouvimos
uma música específica e nos lembramos de toda uma época, de
um sentimento ou de uma pessoa. Pode ter acontecido há mais
de 30 ou 40 anos e as sensações são vívidas e claras, como se
estivessem acontecendo agora mesmo. Graças a algumas músi-
cas somos capazes de lembrar de nossa mais longínqua infância
e como nos sentíamos naquela época. Quantos e quantos casais
não têm “a nossa música”, aquela canção que estava muito pre-
sente nos momentos iniciais de uma paixão?
Eu já perguntei em algum capítulo acima: quem não se lem-
bra onde estava e o que estava fazendo quando aconteceu uma
coisa muito importante, como, por exemplo, o ataque às Torres
Gêmeas? Ou quando morreu o Ayrton Senna? Ou quando o
Brasil foi campeão mundial?
O paladar também é um grande utilizador do cadastro do
Sr. Takatudo Nakacha. Aquele sanduiche que a sua vó fazia
quando você a visitava era tão especial que até hoje, quando
experimenta algum sabor parecido, lembra daquele sanduba e
os tempos de infância na casa da vovó.
Outro que usa o cadastro do Sr. Takatudo Nakacha de for-
ma muito eficiente é o olfato. É incrível como um cheiro espe-
cífico pode estar tão carregado de informações que achávamos

232
estar enterradas e esquecidas no fundo de nosso baú mental.
O poder do olfato é tão grande e inexplorado, que algumas em-
presas estão começando a trabalhar com o que já é chamado de
marketing olfativo. Os cheiros têm um poder tão surpreendente
em nosso inconsciente que, sem saber porque, gostamos muito
de entrar em uma determinada loja. Na verdade, este estabeleci-
mento possui um aroma espalhado no ar que provoca prazer nas
pessoas de forma inconsciente. Alguma coisa certamente asso-
ciada a conceitos de prazer relacionados à nossa vida.
Mas o que acontece de curioso é que o Pedrão está sempre
trabalhando. Então se você começar a acessar proposital e insis-
tentemente essas informações que lhe trazem agradáveis sensa-
ções de sua história pessoal, é bem provável que elas acabem se
diluindo e perdendo sua mágica. Por exemplo, se você começar
a ouvir muito aquela música que lembra um momento bom na
sua vida, aos poucos ela vai virando um padrão normal, se des-
conectando da peça de lego original, deixando de proporcionar a
emoção a ela antes associada e passando a ser apenas mais uma
música que você gosta. Que pena.

As metáforas
As metáforas são formas que o homem inventou para apren-
der a se comunicar com mais facilidade. Como eu disse anterior-
mente, cada um tem uma lógica diferente. Cada Pedrão é diferen-
te. Pedrão é como impressão digital: não existem dois iguais. As
visões de mundo são diversas e nem sempre conversam entre si.
As metáforas, na verdade, são formas de unificar conhecimentos.
De horizontalizar uma informação, usando conceitos consagra-
dos e conhecidos por todos. Quanto melhor for a metáfora, mais
fácil e rápido será para os outros compreenderem seu significa-
do sem grandes contorcionismos mentais. Eu mesmo, acho que
você já percebeu, tenho grande tendência a usar este expediente
para explicar as minhas ideias. Fica mais fácil para compreender
pois a pessoa associa a nova informação a uma outra informação

233
que ela conhece e rapidamente compreende seu significado. Você
junta a informação nova à essa velha amiga e instantaneamente
a pessoa faz as conexões neurais e tudo fica mais claro. Eureca!
Sem contar que cada vez que neurônios se interligam promovem
o desenvolvimento da capacidade cerebral do indivíduo, portan-
to, cada vez que você aprende algo, ou seja, liga alguns neurônios
que antes não tinham comunicação, seu cérebro agradece com
um “Parabéns a você!”.

Comparômetro
Uma das maiores virtudes de nosso cérebro superdesenvol-
vido é a capacidade de associar ideias. Conteúdos e informações
que jamais haviam sido colocados lado a lado e assim que os
associamos, passam a fazer todo o sentido. Mas eu chamo de
Comparômetro porque o cérebro tem uma forte tendência a unir
conceitos. Às vezes ele força um pouco a barra, o que não in-
valida de maneira nenhuma a intenção de criar novas conexões
neurais. Por exemplo, quando dizemos que um homem parece
uma bola, normalmente se entende que ele seja gordo, barrigudo,
ou coisa assim. Mas se você for parar para analisar friamente, a
semelhança entre uma barriga e uma bola é muito sutil, muito
mais conceitual do que visual. Mas o cérebro aceita isso. Se você
lembrar daqueles textos que eu coloquei no começo do livro,
com as letras trocadas, você poderá comprovar isso com mais
tranquilidade. A facilidade relativa com que lemos aqueles textos
também explica a capacidade de nosso cérebro de ampliar sua
percepção e ao se confrontar com novas informações, adaptá-las
ao conhecido, aos seus padrões.
Outro exemplo, que define também a nossa diferença dos
computadores, pelo menos até agora, são aqueles números que
aparecem quando a gente precisa confirmar alguma informação
na internet. Eles geralmente são confusos, têm traços atraves-
sando-os perpendicularmente, são tortos e encavalados. Tudo
isso para que robôs, ou seja, computadores que passeiam pela

234
internet, não sejam capazes de identificá-los, evitando assim spa-
ms, falsificações etc. Por enquanto, só seres humanos conseguem
identificar aqueles caracteres. Justamente por causa do nosso
Comparômetro.
Uma demonstração clara de nossa capacidade são os símbo-
los pictográficos. Vemos algumas poucas linhas e entendemos,
por exemplo, que ali é uma área reservada a pessoas que usam
cadeiras de rodas. Nós chegamos a enxergar naquelas poucas li-
nhas uma pessoa e uma cadeira de rodas.
Outro exemplo são os tipos de letras que somos capazes
de reconhecer e ler sem dificuldades. Milhares. A despeito das
pequenas diferenças de desenho, por causa do Comparômetro,
podemos instantaneamente identificar a letra correspondente
em nossa Biblioteca do Pedrão. Maiúscula, minúscula, cursiva, de
forma, futura, arial, verdana e milhares de outras.
Por esta razão estamos sempre tentando comparar as coisas,
buscar coincidências, identificar semelhanças. É o nosso cérebro
trabalhando intensamente com seu Comparômetro. E tudo isso
acontece pelo mesmo motivo de sempre: economia de energia.
O cérebro está constantemente procurando associar os novos
conteúdos com os quais se depara com os conteúdos que ele
acumula em sua Biblioteca do Pedrão. Para quê? Ora, se ele con-
seguir associar uma nova informação com uma velha, seu pro-
blema estará resolvido. Não precisará gerar novos raciocínios ou
fazer uma ginástica mental para compreender o novo conteúdo a
partir do zero, não precisará modificar a estrutura de seu Castelo
de Legos, coisas que obviamente causam desconforto e um dis-
pêndio de energia que o cérebro prefere evitar.

Efeito Supositório
O Efeito Supositório, ou a suposição, é uma outra ferra-
menta que nosso cérebro usa com uma frequência espantosa.
Na verdade, esta ferramenta está diretamente ligada ao Compa-
rômetro. Tudo para conseguir economizar mais um pouquinho.

235
Possuímos várias rotinas de padrões e nos baseamos nelas para
supor o que está acontecendo ou o que vai acontecer. Costumo
propor um desafio aos meus alunos que consiste em pedir para
eles criarem placas de trânsito com os conceitos que lhes passo.
São conceitos curiosos e inesperados, como “respeite os mais ve-
lhos”, “caia na real”, ou “antes só do que mal acompanhado”. E,
em muitos anos de experiências, jamais alguém simplesmente es-
creveu os conceitos em uma placa, ou seja, usou apenas palavras
para representá-los. Todos tentam encontrar uma imagem que
represente aquele conceito esdrúxulo. E ninguém conseguiu, cla-
ro. O fato é que eu não disse que queria uma representação pic-
tórica dos conceitos e sim placas de trânsito. Mas existem placas
de trânsito que são apenas texto, sem imagem, como a clássica
PARE. De qualquer maneira, a grande e esmagadora maioria das
placas de trânsito é de figuras, por isso nosso cérebro supõe que
ao falarmos de placa de trânsito estamos falando de ideogramas.
Supomos, porque não foi dito. E fazemos isso o tempo todo. É
o famoso “pra bom entendedor...”
Muitas situações e mal-entendidos acontecem justamente
por causa desta nossa característica. Ao invés de pensarmos com
atenção em cada detalhe de nossas vidas, supomos a maioria das
situações. Mas está certo. Seria um gasto extraordinário de ener-
gia termos que analisar cada circunstância, cada fato, cada in-
formação adquirida individualmente. Preferimos cortar caminho,
pressupor e, assim, economizar energia. Daí o Efeito Supositório.
Outra situação em que podemos notar claramente a presença
do Efeito Supositório é na linguagem cinematográfica. A edição,
ou os cortes entre as cenas, contam com essa nossa capacidade.
Vemos uma pessoa fazendo sinal para um táxi. Corta. Na cena
seguinte esta pessoa já está dentro do tal táxi. Não foi necessário
vermos o carro parando, o personagem entrando e falando ao
motorista o endereço desejado. Tudo isso ficou no Efeito Su-
positório. É claro, é óbvio, é evidente que isso tudo aconteceu,
por isso nosso cérebro pode abrir mão de testemunhar cada um
destes passos para compreender a lógica da situação. O resto do

236
quebra-cabeças foi devidamente montado por nosso cérebro
para poder enxergar a imagem como um todo. Esta suposição
que fazemos, inclusive, é utilizada por alguns cineastas para nos
“enganar” e nos fazer concluir situações que de fato não teste-
munhamos e que em algum momento do filme nos serão apre-
sentadas como surpreendentes acontecimentos. Aquela lacuna
não vista será preenchida de forma diferente de nossa conclusão
óbvia. Por exemplo, o personagem fez sinal para o táxi, mas este
não parou. O homem precisou ficar mais alguns minutos até que
passasse outro. Neste meio tempo, testemunhou um assassinato,
por exemplo.
É muito comum, por exemplo, alguém se ofender com um
e-mail recebido, interpretando o que não foi dito e o transfor-
mando em verdade absoluta. E ao reler tempos depois, estranha,
pois aquilo que ele tinha certeza de ter lido, não aparece em ne-
nhuma parte da mensagem. Efeito Supositório.
Nossa capacidade de enxergar em 3D também é baseada em
pressuposições. Quando vemos uma escada, sabemos que é uma
escada por termos visto milhares de escadas. Mas cuidado: você
pode estar vendo apenas uma foto em alta definição de uma es-
cada colada em uma parede. Como naqueles testes que mostram
algum grafismo estranho e de repente, você enxerga uma ima-
gem que não havia reparado inicialmente.

O cérebro e o
Manto da Invisibilidade
Outro método para evitar o desperdício de energia é o Man-
to da Invisibilidade. Você já reparou que quanto mais ficamos
em contato com algum tipo de informação, menos prestamos
atenção a ela, chegando em alguns momentos a parecer que ela
sequer exista? Por exemplo, o perfume. Ninguém que usa perfu-
me sente o seu próprio cheiro, a não ser nos primeiros segundos
em que ele é aplicado ao corpo, ou, no caso de um perfume

237
novo, nos primeiros dois ou três dias que o usamos. Então para
que usar perfume? Bem, provavelmente é um jeito de agradar às
outras pessoas com a nossa presença inesquecível. Mais uma vez,
a Opinião dos Outros adentra o recinto. Isso acontece porque o
cérebro precisa trabalhar a cada vez que sente o cheiro. A cada
vez que o nariz inspira. Todas as vezes o cérebro se pergunta do
que se trata. O perfume é um elemento tão evidente e chamativo,
que é impossível não prestar atenção nele. Mas o cérebro sabe
que não é necessário prestar tanta atenção em algo que já conhe-
ce demais, por isso acaba cortando a percepção do tal aroma. É
uma distração à qual ele não pode se dar ao luxo. Vai tirar seu
foco de questões mais importantes. O cheiro continua lá, para
os outros sentirem, mas o portador do perfume jamais sentirá o
mesmo prazer. Talvez seja por isso que as senhorinhas de idade
praticamente acabam com um frasco de perfume a cada dia. Elas
querem sentir o cheiro de seu perfume de qualquer maneira e não
é um cérebro teimoso que as impedirá de fazer isso.
Quando o cérebro joga o Manto da Invisibilidade sobre al-
guma informação, significa que esta informação está devidamen-
te alojada e arquivada na Biblioteca do Pedrão. Uma peça bem
encaixada no Castelo de Legos.
Por isso não precisamos ter pena do lixeiro, pois ele não sen-
te o olor que nós sentimos ao passar por um caminhão de lixo.
Da mesma forma que aquelas pobres pessoas que trabalham nes-
tas lojas de sabonetes descolados, que a mim particularmente en-
joam, também não fazem a mínima ideia do horror que é passar
a frente de seu estabelecimento.
O Manto da Invisibilidade também serve para objetos ou lo-
cais. O parisiense certamente não enxerga mais a Torre Eiffel ao
passar por ela todos os dias a caminho do trabalho. Não é que ela
não esteja lá, obviamente, mas o cérebro está mais preocupado
em prestar atenção nas coisas novas (estimulantes ou ameaçado-
ras) que possam aparecer do que em padrões que ele já conhece
de cor e salteado, de trás para frente e do avesso e do direito.

238
Pedrão, o maquinista
Nosso pensamento caminha sobre trilhos de trem, os Tri-
lhos Mentais. Ora, como só pensamos aquilo que conhecemos,
os trilhos são uma excelente metáfora para explicar a dinâmica
de nossa mente. Quando pensamos em trilhos, pensamos em
um caminho totalmente definido, sem nenhum tipo de altera-
ção. Nosso cérebro gosta de viajar neste trem porque ele imagina
que não haverá surpresas. Ele conhece o início, o meio e o fim
desta viagem. Não há necessidade de volante, nem de GPS, nem
de mapa. O trem desliza sozinho pelos trilhos e o cérebro não
despende um tostão de energia com isso. Só precisará trabalhar
se, por alguma razão, o trem descarrilar. Fora isso, é céu de bri-
gadeiro. Tranquilidade total. Só precisa se preocupar com a velo-
cidade. O caminho já está devidamente traçado e determinado.
Os trilhos são confortáveis, mas inflexíveis. Caso haja algum
tipo de barreira, o trem para e não tem como desviar, a não ser
que haja desvios já construídos nas proximidades do acidente.
Caso contrário o trem deverá parar e aguardar horas, talvez dias
para que seja construído um desvio. Repare que na vida é exa-
tamente assim que acontece. Em nosso dia-a-dia, estamos sem-
pre sobre trilhos, fazendo, pensando, falando sobre caminhos já
prontos.
Temos vários Trilhos Mentais, uma verdadeira malha ferro-
viária. Você já reparou que nos comportamos de maneiras dife-
rentes conforme o ambiente? E que não precisamos racionalizar
demais isso? Quando estamos no trabalho, em geral, tratamos
os outros com respeito, estamos usando uma roupa aceitável,
não usamos o banheiro com a porta aberta nem peidamos ou
arrotamos na frente de todo mundo, pelo menos não que eles
percebam. Este padrões de comportamento diferenciados den-
tro de uma mesma cabeça nada mais são do que Trilhos Mentais
diferentes. O cérebro sabe que usaremos cada um deles várias
vezes, por isso guarda na Biblioteca do Pedrão toda a sua progra-
mação. E mesmo quando estamos em um mesmo Trilho Mental,

239
poderemos escolher os vagões que carregaremos em uma deter-
minada situação. Eu, por exemplo, não falo palavrão na frente da
minha mãe. E olha que o palavrão é praticamente minha segunda
língua. Mas na frente da velha, nada, e não faço o menor esforço
para isso. Apenas abandono o vagão dos palavrões no pátio e
volto para buscá-lo quando me despeço da mamãe. Caraca!

Ticket to ride
Nosso cérebro tem tanta gana de economizar energia (e pen-
sar gasta muita energia) que em geral a gente prefere comprar as
viagens prontas pelos Trilhos Mentais. Vamos ao guichê e adqui-
rimos pensamentos, conceitos, padrões, o que tiver pra ser vendi-
do. É muito mais fácil e prático nos aproveitarmos de uma coisa
que já está pronta. Mesmo que não sirva especialmente para nós,
acabamos por tentar absorver estes itinerários como nossos. E
se por alguma razão do inconsciente, ficamos descontentes e não
conseguimos atingir a plenitude destes padrões, nossa tendência
é nos culparmos ao invés de fazer algum tipo de reflexão e perce-
ber que aquilo não nos pertence. Mas como refletir exige energia
do cérebro, ele acaba por bloquear nossa iniciativa e nos mantém
como carneirinhos no pasto, comendo o capim que nos é impos-
to socialmente. É por isso que eu digo que, ao invés de escolher-
mos a nossa rota, compramos passagens com rotas escolhidas e
desenhadas pelo grupo que você frequenta ou quer frequentar,
com desejos, vontades, objetivos, perspectivas e sonhos diferen-
tes dos nossos. E acabamos por sucumbir à facilidade do cami-
nho pronto, do trabalho já feito.
Na lógica do Castelo de Legos, o que costumamos fazer é
comprar conjuntos de peças prontas sem questionar. São na ver-
dade crenças prontas. Compramos, montamos e encaixamos em
nosso castelo. Não pesquisamos, não avaliamos a compatibilida-
de com nosso sistema, sequer nos damos ao trabalho de acom-
panhar seu desempenho. Encaixamos como dá e depois a gente
vê o que acontece.

240
CRIATIVIDADE,
FINALMENTE
Criatividade não
é um item isolado
Como você pode perceber ao longo deste livro, a Criativida-
de não pode ser tratada como matéria isolada no estudo do com-
portamento humano. Não há como seccionar o tema e esquecer
o funcionamento do cérebro como um todo, nosso emocional,
psicológico, sociológico, e qualquer outro lógico que você quei-
ra utilizar. Quando falamos de Criatividade estamos falando de
funcionamento da máquina biológica que chamamos de corpo,
comandada com mãos de ferro e rédeas curtas pelo nosso evo-
luído cérebro, tudo funcionando a serviço de nosso gene. No
fundo, Criatividade é apenas um pequeno e ínfimo detalhe neste
emaranhado de circuitos elétricos que passeiam por nossa cabe-
ça. É apenas uma das diversas ferramentas de que dispomos para
sobreviver e evoluir como espécie. Como já disse, o Pedrão ocu-
pa quase que todo o nosso pensamento e só de vez em quando,
muito de vez em quando mesmo, é que temos de usar a tal da
Criatividade em nosso atribulado dia-a-dia.

Não se ensina, se desperta


Não existe uma maneira objetiva de se ensinar Criativida-
de. Acho até que nem subjetiva. Na verdade eu apenas acredito
que seja possível despertar o espírito criativo nas pessoas. Porém,
cada indivíduo terá de encontrar o seu próprio caminho. E é por
isso que eu acredito que o segredo, se é que existe algum, não é
tentar aprender como se faz e sim tentar despertar em si mesmo
o gigante adormecido que inegavelmente todos possuímos.

Criatividade não é dom


Não sou apenas eu que estou dizendo. Os maiores estudio-
sos da matéria já chegaram a esta conclusão há muito tempo. E
para mim está mais do que óbvio que Criatividade não passa de

242
uma ferramenta a serviço da nossa sobrevivência e que a única
diferença entre aqueles considerados mais criativos e os consi-
derados menos criativos está na formatação de seu cérebro. Por
várias questões, como DNA, química corporal, experiências de
vida, ambiente onde cresceu e vive, cada um desenvolve uma
forma de pensar que lhe deixe mais confortável. Aquela que de
alguma maneira se adequa mais ao ambiente e ao seu espírito e
vontade. É o Castelo de Legos de novo. Cada um constrói seu
castelo, suas torres e anexos da forma como a vida permite que
o faça. Por isso, não existe nenhum castelo idêntico ao outro. E
cada um possui uma lógica de arquitetura, design, circulação, for-
ma, função etc. Os considerados mais criativos são aqueles que
por alguma razão têm mais facilidade em desafiar os próprios
Padrões. Sentem-se impelidos em correr riscos emocionais. Seu
Castelo de Legos é mais horizontal que vertical. As torres são
mais baixas e, portanto, mais fáceis de desmontar em caso de ne-
cessidade. Já os considerados menos criativos são extremamente
preocupados com segurança, estabilidade e manutenção de seu
status. Por isso constroem suas torres bem altas e imponentes.
Em alguns casos, insatisfeitos com o encaixe das peças, chegam
até a colocar uma colinha para ajudar na construção. Para estas
pessoas, qualquer mudança é mais difícil e dolorosa. Esses indi-
víduos têm, inclusive, muito mais apego e apreço por suas torres
e não gostam de abrir mão delas por nada. Por isso, pessoas que
apreciam demasiadamente a segurança e gostam de tudo muito
organizado e se sentem desconfortáveis com improvisos, tendem
a ser pessoas menos afeitas ao pensamento criativo. Não quer di-
zer, absolutamente, que elas não tenham esta capacidade escon-
dida em algum lugar de sua mente. Apenas não sabem, e muitas
vezes nem querem saber, como acessá-la. De qualquer maneira,
mesmo estas pessoas, em algum momento da vida, podem de-
cidir dar uma virada, uma guinada, e aprender a explorar este
potencial subutilizado. E é possível? Acredito que sim. É claro
que exige esforço e perseverança, pois o jeito de pensar como
um todo (mesmo o criativo) também é um padrão. E mudar pa-

243
drões, já sabemos que não é tarefa fácil. Quando envolve toda
a estrutura de pensamento, então, a coisa fica um pouco mais
complicada. Mas não impossível. As pessoas constroem suas tor-
res de legos com paciência e cuidado ao longo de anos. Não é
mesmo fácil começar tudo de novo. Porém, nosso cérebro, como
os computadores, é programável e reprogramável. Os padrões
nada mais são que um conjunto de rotinas que aprendemos e não
esquecemos mais. Está gravado lá em algum lugar. E como no
computador, podemos reprogramá-lo. Como disse, não é fácil
mas é possível.
De qualquer maneira é bom lembrar que a Criatividade é uma
característica dirigida, ou seja, ninguém é muito criativo ou pouco
criativo em todos os departamentos de sua vida. Parece que existe
um sistema de compensação que equilibra ou tenta equilibrar os
padrões sólidos com os padrões relaxados. Eu, por exemplo, me
considero uma pessoa criativa. Mas se for analisar friamente, sou
criativo em um tipo muito específico de atividade: artes, publici-
dade, marketing, design, ou seja, um nicho. Já em outros assuntos
sou completamente neurótico com a possibilidade de mudanças
não autorizadas. A pessoa quer arriscar sua vida? Então basta
tirar alguma coisa do lugar em meu escritório. Me deixa louco.
Isso significa que neste departamento a minha flexibilidade com
relação a padrões é mínima, tolerância zero. Imagino, então, que
nenhum Castelo de Legos seja apenas horizontalizado ou vertica-
lizado. Muito provavelmente é um misto dos dois, levando-se em
conta o assunto e a postura que temos diante dele.

Lavagem cerebral
A expressão é meio negativa, mas nada mais é do que repro-
gramação mental. Uma versão politicamente correta é a neuro-
linguística, que trata justamente de criação de novos padrões de
pensamento. A ideia é reproduzir artificialmente o processo na-
tural com o qual você adquiriu seus padrões. Repetição e alguns
eventos mais ou menos dramáticos para fixar melhor. À medida

244
em que as novas informações ganham mais espaço em seu cé-
rebro, a tendência é que elas passem a ser os novos padrões. Se
você lembrar, há alguns capítulos atrás eu falei do reflexo con-
dicionado de Pavlov, que é exatamente a mesma coisa. É claro
que quanto mais velha a pessoa, mais difícil alterar seus padrões,
já que eles vão se cristalizando e ficando cada vez mais duros
de quebrar, praticamente se incrustando em nossa Biblioteca do
Pedrão. Torres de lego muito antigas resistem mais à demolição.
Parece que as peças até derretem dentro das outras, tornando
quase impossível sua desconexão. Quem usou muito bem a re-
programação mental foi Hitler. Seu ministro das Comunicações,
Goebbels, chegou a dizer uma frase que entrou para os anais da
história: “Uma mentira dita mil vezes acaba virando verdade”.
Isso é reprogramação mental utilizada em comunicação de mas-
sa. Coisa que os políticos, publicitários e mídia em geral conhe-
cem muito bem.
Nosso cérebro trabalha sempre com o objetivo de criar pa-
drões. Cada vez que percebe que uma situação se repete, ele não
julga, não analisa se é bom ou ruim, nem faz qualquer tipo de
classificação. Apenas gera um padrão. O padrão pode ser criado
de várias formas e uma delas é por experiência, ou seja, o cérebro
“aprende” após a repetição de algum evento. Tenho aqui três
exemplos bem diferentes e que demonstram de forma simples e
direta o funcionamento deste processo.
Vestibular – O jovem tenta passar no vestibular uma pri-
meira vez e não consegue. Tenta a segunda e falha novamente.
Quando ele for tentar pela terceira vez qual você acha que vai
ser a sensação do pobre rapaz? Mesmo que ele seja uma pessoa
confiante e equilibrada, alguma coisa dentro dele vai dizer que ele
não vai conseguir. Por quê? Porque, sem que ele saiba, seu cére-
bro criou um padrão que diz que ele falhará sempre que tentar.
Mulheres – Outro rapaz está em uma balada e toda mulher
a qual ele se aproxima o recebe com desdém ou até mesmo com
agressividade. Ele se sente inadequado, repulsivo e desafortuna-
do. Nas primeiras tentativas ele ainda mantém a esperança, mas

245
a partir da oitava, décima, começa a perceber um padrão que
está sendo delineado: hoje eu estou sem sorte com as mulheres.
Talvez ele desista de ir a outra balada em busca de companhia
feminina. O fato de ele não saber que estava em uma balada lés-
bica, não muda nada.
Elefante – Esta história eu ouvi uma vez e servia de parábola
para a necessidade de perseverar na vida, mas também se encaixa
perfeitamente na explicação do padrão. Um menino foi visitar
um circo e percebeu um imenso elefante. Em sua pata, uma cor-
rente presa a um frágil graveto fincado displicentemente na areia.
Não havia ninguém por perto e mesmo assim o elefante ficava
ali, inerte. Curioso com o fato, o menino esperou até que apare-
cesse o tratador do animal. O garoto então perguntou ao homem
como é que ele fazia para manter aquele paquiderme, tão forte,
preso em um graveto tão frágil. E o tratador respondeu: “Quan-
do ele era pequeno, amarrei sua pata em uma grande árvore. Ele
tentou durante muitos dias se livrar das correntes. Até o dia em
que ele desistiu. Hoje eu prendo sua pata em qualquer coisa e
ele pensa que não será possível escapar”. Pois é. Isso não lembra
mais uma vez o capítulo do Pavlov? Reflexo condicionado? En-
tão, voltamos ao ponto principal que é a criação de padrões men-
tais por meio de uma repetição de eventos. O cérebro entende
que, pela lógica, aquilo deve ser verdade, já que está se repetindo
várias vezes. É o Efeito Supositório trabalhando na construção
de padrões. É por isso que eu digo que do mesmo jeito que cria-
mos padrões, podemos quebrá-los ou criar outros em seu lugar,
ou seja, podemos programar ou reprogramar nosso cérebro.
A programação mental ou a reprogramação mental pode
ser utilizada com vários propósitos. Aliás, existe uma organiza-
ção comum a quase todos os países do mundo que lança mão
deste expediente por uma questão de sobrevivência e eficiência
em seus serviços: o exército. Você já reparou que em todos os
filmes de treinamentos os recrutas chegam e um sargento bem
malvado trata a todos como lixo. Aí você pensa: poxa, o cara não
poderia ser um pouco mais legal com a turma? E a resposta é:

246
não! O sargento não é malvado, ele está apenas utilizando uma
técnica fundamental para o treinamento de soldados: a reprogra-
mação mental. Cada indivíduo que chega para um treinamento
militar tem um conjunto de experiências e conceitos diferentes e
o exército precisa fazer com que todos pensem e ajam da mesma
maneira quando sob extrema pressão. Ou seja, o exército pri-
meiro precisa destruir as personalidades originais de seus recru-
tas para depois construir uma nova que seja conveniente para
seus propósitos. O sujeito tem de chegar no campo de batalha
e matar os inimigos. Não pode parar e pensar se a guerra é boa,
justa, se faz sentido, que o camarada do outro lado também tem
família, tem amigos, pode até ser uma pessoa legal. Vai que ele
goste de cachorro e você se negue a matar alguém que goste de
cachorro! Estes pensamentos inviabilizariam qualquer estratégia
militar. Não vou entrar no mérito se isso é bom ou mal, só quero
dizer que é compreensível que os exércitos trabalhem desta ma-
neira porque senão sua função seria extremamente prejudicada.
Se já é difícil manter a disciplina e o moral elevado do jeito que é
feito, imagine sem a reprogramação mental. Um efeito colateral
é o número excessivo de suicídios em qualquer corporação mili-
tar, fato convenientemente abafado por questões óbvias. Acredito
que estas pessoas acabam por tirar suas próprias vidas porque, de
alguma forma, a nova programação mental a que foram expostas
conflita em algum ponto fundamental com sua essência e este
conflito indissolúvel acaba por gerar tamanho desconforto e de-
sequilíbrio que ele não vê outra alternativa a não ser liquidar com
o inimigo, ou seja, ele mesmo. Talvez seja porque a sua programa-
ção original não foi totalmente apagada e continua lá, dando seus
palpites sobre os assuntos. E, para azar do sujeito, essa progra-
mação original contrasta totalmente com a programação nova e o
sistema inteiro entra em colapso. O indivíduo simplesmente não
consegue decidir o que é “certo” e “errado”, porque em algumas
questões importantes, a mesma situação é “certa” e “errada”. É
o Padrão Esquizofrênico em potência máxima. Seu cérebro entra
em parafuso e daí para o colapso psicológico é um pulo.

247
Enfim, todo este capítulo foi escrito para deixar claro que é
possível, sim, a pessoa transformar sua forma de pensar, turbi-
nando a sua capacidade criativa.

Matriz da Criatividade?
Todos nós, animais, possuímos uma capacidade extraordinária
de improvisar. E por uma razão muito simples: o improviso é uma
ferramenta fundamental de sobrevivência. Como ninguém sabe
tudo, se não tivéssemos a capacidade de improvisar, as possibilida-
des de sobrevivência diante de eventos novos e não-identificáveis
seriam perigosamente reduzidas. É claro que esta capacidade evo-
luiu junto com o cérebro humano e hoje atingiu um patamar inve-
jável em nossa espécie. Vou tentar explicar melhor todo o processo
de uma maneira objetiva.
1) Animais são indivíduos autosuficientes, ou seja, não têm
ninguém controlando suas funções biológicas nem mentais. Nin-
guém tem um controle remoto ou cordinhas para manipular os
indivíduos. É claro que existem muitos sistemas de controle social,
mas como “máquinas biológicas” somos totalmente independen-
tes. Não dependemos de ninguém para existir e/ou funcionar.
2) Para tanto, possuímos um sofisticado sistema de autopre-
servação. Geramos nossa própria energia (comendo), nos movi-
mentamos e nos protegemos do mundo exterior com sistemas de
alerta (adrenalina) que fazem com que fiquemos “espertos” com
relação a qualquer tipo de ameaça que sintamos, real ou imaginária.
3) E para que o sistema de autogestão funcione a conten-
to, nós, animais, somos autoprogramáveis, ou seja, aprendemos
com a nossa própria experiência. Não poderíamos depender de
ninguém para desenvolver esta capacidade. Cada nova experiência
que temos, guardamos em nossa Biblioteca do Pedrão para que a
conheçamos e saibamos enfrentá-la se surgir novamente em nosso
caminho (teoricamente). É claro que o aprendizado também se
manifesta através da imitação e da transferência pura e simples de
conhecimento, que, no frigir dos ovos, também são fruto da expe-

248
riência, porque mesmo que alguém lhe ensine algo, você precisará
estar lá e prestar atenção, utilizar seu tempo, sua energia e seus
neurônios para conseguir introjetar o conhecimento, ou seja, viver
uma experiência pessoal. De qualquer maneira, a capacidade de
absorver e arquivar a informação nos faz autoprogramáveis. Não
temos uma entrada USB por onde poderíamos encaixar um pen
drive e transferir informações ao nosso cérebro instantaneamente.
Pelo menos ainda não.
4) A capacidade de analisar e interpretar o que acontece à nos-
sa volta também é uma característica que diferencia os animais dos
computadores. Utilizamos todos os nossos sentidos em conjunto
com as conexões neurais para avaliar um evento. Nosso cérebro
busca soluções na Biblioteca do Pedrão e tenta nos fornecer uma
infinidade de variáveis que ajudem no julgamento e na solução da
questão. Porém, às vezes a experiência é tão nova e inusitada, que
não encontramos uma maneira lógica e objetiva de enfrentá-la.
5) Quando nos vemos diante de um problema novo, algo que
nunca enfrentamos ou identificamos, nosso impulso inconsciente
é o de tentarmos resolvê-lo de alguma forma. É a Diretiva Primá-
ria em ação: sobreviver a qualquer custo. E como fazer isso
se não temos informações suficientes para tanto? Simples, impro-
visamos. E esta capacidade de improvisar todos têm, animais em
geral, senão não seríamos capazes de sobreviver. Não aprendería-
mos nada e nem teríamos condições de imaginar soluções nunca
dantes experimentadas por nós.

A capacidade de improvisar nada mais é que uma ferramenta


de sobrevivência e adaptação dos animais.

Capacidade de improvisar
Como vimos acima, a capacidade de improvisar é uma fer-
ramenta pontual, ou seja, existe para momentos específicos da
vida de um animal autossuficiente e autoprogramável, criada para
solucionar problemas não conhecidos. Mas esta ferramenta se

249
sofisticou nos seres humanos e nos fez evoluir. Essa evolução
cerebral fez com que o homem consiga improvisar não apenas
em uma situação de perigo ou ameaça à sua integridade física,
mas também improvisar sob demanda, improvisar com antecipa-
ção de demanda, improvisar por improvisar até. Antes o homem
só improvisava quando, por exemplo, se via diante de um perigo
iminente à sua integridade física. Depois, descobriu que pode-
ria improvisar armas, ambientes e atitudes que o prevenissem da
possibilidade de ter de enfrentar algo desconhecido novamente.
Essa capacidade de antecipar o perigo e de improvisar facilitado-
res para a nossa vida nos ajudou de uma maneira extraordinária
no processo de evolução de nossa espécie.
O ser humano desenvolveu tanto seu cérebro, e de uma ma-
neira tão extraordinária, que acabou transformando esta pequena
e sutil ferramenta em uma poderosa arma chamada Criatividade.
Uma arma que pode ostentar vários calibres, dependendo das
circunstâncias em que é usada e de quem a está portando. Bas-
ta ver os casos de profissionais como publicitários, arquitetos e
artistas em geral. Mas, certamente a matriz desta ferramenta im-
pressionante é a capacidade de improvisar.

Criatividade é a evolução da capacidade de improvisar.

Duas motivações
A gente cria, basicamente, por apenas duas razões: a primei-
ra e a mais tradicional é porque a gente precisa criar alguma saída
para resolver um problema urgente. Estamos em uma situação
de risco e se não criarmos nada estaremos em maus lençóis. Nes-
ta circunstância, as pessoas criam intuitivamente, sem nenhum
tipo de técnica ou conhecimento, e sim com a intuição, com a
capacidade de improvisar, tendo a necessidade e a urgência como
motivações principais.
A segunda forma de criar é porque você quer ou foi solici-
tado a você que resolva algum problema que não é exatamente

250
seu ou que não está colocando sua integridade em risco imediato,
como, por exemplo, um procedimento da empresa que você tra-
balha. Em geral, as pessoas só criam nessas circunstâncias se são
constantemente estimulados ou se são simplesmente obrigados
por seus superiores hierárquicos. Resumindo: ou criamos porque
nossa integridade depende disso ou porque queremos manter ou
elevar nosso status. De qualquer maneira, são ambas situações de
crise. A crise é a mãe da Criatividade.
Trocando em miúdos, ou reagimos automaticamente diante
de um problema ou temos de usar o raciocínio para que isso
aconteça. E essa é uma das nossas principais diferenças com o
que chamamos de animais irracionais. Eles reagem apenas usan-
do seus padrões. Nós conseguimos nos desenvolver a ponto de
podermos escolher se reagimos conforme nossa programação
mental ou se fazemos um esforço e paramos para pensar e ra-
ciocinar, tentando atingir o melhor resultado. É claro que nem
sempre conseguimos, nem sempre dá tempo de contar até 10,
afinal muitos padrões são tão fortes que são acionados instanta-
neamente, sem tempo do raciocínio chegar. É o que eu chamo de
“cair o disjuntor”, pois é como uma grande descarga no sistema
elétrico de uma casa. Se a alteração de energia é pequena, a luz só
diminui e aumenta e mais nada acontece. Mas quando a alteração
é grande, o disjuntor cai e não há nada que possamos fazer para
evitar isso. De qualquer maneira, criar é tão desconfortável que,
para a maioria das pessoas o pensamento criativo só se torna
possível quando obrigado pelas circunstâncias ou por alguém.
Porque do contrário, abraçaremos a nossa zona de conforto e
não a largaremos nem que a vaca tussa.

A guerra e a Criatividade
Uma prova incontestável de que a crise em geral e as difi-
culdades em particular alavancam a Criatividade são os imensos
avanços conquistados pelo homem em tempos de guerra, prin-
cipalmente nos campos da medicina, da tecnologia e logística.

251
O instinto de sobrevivência e a motivação para ganhar somada
à enorme quantidade de dinheiro disponível, turbina o pensa-
mento criativo e leva a humanidade a progressos extraordinários
que, do contrário, levariam muitos anos para serem alcançados.
Tudo numa guerra é urgente urgentíssimo e milhares de vidas
dependem de ações objetivas e rápidas. Muitas coisas que não
estavam previstas acontecem e é necessário encontrar soluções
rápidas e eficientes. O improviso é uma ferramenta fundamental
nessas circunstâncias. Sendo assim, encontramos um terreno ex-
tremamente fértil para o desenvolvimento de soluções criativas,
sendo que algumas acontecem por iniciativa de alguém e outras
ocorrem por simples acaso. Só a título de curiosidade, você sabia
que hoje em dia muitos médicos utilizam larvas vivas para tratar
ferimentos na pele? Descobriu-se que elas se alimentam apenas
do tecido morto, coisa que uma cirurgia não conseguiria reali-
zar. Essa técnica foi descoberta na guerra da Secessão Americana
e aconteceu totalmente ao acaso. Soldados com feridas abertas,
ainda sem tratamento, tinham larvas depositadas por moscas que,
surpreendentemente, colaboravam com a limpeza do ferimento.

ADAPTAÇÃO > SOBREVIVÊNCIA > IMPROVISO > CRIATIVIDADE

252
MEDO DO
ESCURO
Neurônios Virgens
Bem, como o próprio nome já diz, são aqueles neurônios
que ainda não descobriram os prazeres da vida. Que ainda estão
intactos, esperando por uma oportunidade de se apaixonar e co-
nhecer aquele que fará a sua felicidade. Sabemos que um neurô-
nio é virgem pelo sorriso nervoso que carrega.
São os artífices da adaptação dos animais, portanto respon-
sáveis pela nossa capacidade de aprender e de improvisar. Ou
seja, os Neurônios Virgens são os patronos da Criatividade.
Na verdade produzimos constantemente um batalhão de ex-
citados neurônios só à espera de uma novidade, de um inusitado,
de um desconhecido. Sim, porque os Neurônios Virgens, igno-
rando os conselhos que nossos pais sempre nos deram sobre este
assunto, só se relacionam com estranhos. O príncipe encantado
de um Neurônio Virgem é aquele que ele jamais imaginou, jamais
idealizou, jamais viu mais gordo. Porque tudo o que é conhecido,
familiar, confortável, não gera nenhum interesse nos Neurônios
Virgens. Eles querem é quebrar padrões, querem romper para-
digmas, desvirtuar rotinas. Os Neurônios Virgens foram criados
para serem uma espécie de hosts – ou recepcionistas – das no-
vidades. Eles é que recebem e ciceroneiam tudo o que é novo
através do nosso cérebro.
Os Neurônios Virgens são ansiosos e por isso mesmo tara-
dos por uma sinapse, aquele troca-troca que acontece entre os
neurônios experientes desde que o mundo é mundo. São total-
mente impulsivos, já que funcionam por impulsos elétricos.
Existia o mito de que nós nascíamos com a quantidade de-
finitiva de neurônios e que, ao longo do tempo, eles iam mor-
rendo e nós, seus hospedeiros, ficando viúvos de neurônios, sem
reposição. Mas isso já foi provado que não é o que acontece.
Existe um fenômeno chamado neurogênese que faz com que
nasçam novos neurônios o tempo todo. É claro que ao longo do
tempo, a produção vai diminuindo, como de resto acontece em
todo nosso organismo. De qualquer maneira é importante saber

254
que Neurônios Virgens são produzidos aos milhões e graças a
eles é que conseguimos de vez em quando escapar das garras do
Pedrão que nos habita.

Mídias vazias
Os Neurônios Virgens são pen drives sem conteúdo, vazios,
em forma de legos transparentes. Quando uma nova informação
chega ao nosso cérebro, os Neurônios Virgens são preenchidos
com o arquivo gerado pelo sr. Takatudo Nakacha e são envia-
dos ao Castelo de Legos. A partir daí, aquela informação estará
visceralmente anexada ao neurônio, que não será mais virgem,
claro, para todo o sempre. Na saúde e na doença, na riqueza e na
pobreza até que a morte os separe.
Neurônios Virgens são como caixas num dia de mudança.
Sem caixas vazias não teríamos onde guardar mais objetos, fican-
do restritos ao que já está empacotado. Porém, sempre aparecem
novos objetos para serem guardados e as caixas vazias são funda-
mentais para cumprir com esta sagrada missão.
Sem eles, não teríamos capacidade de aprender coisas novas,
nem pensar em coisas novas, já que eles são responsáveis pela
aprendizagem e pela memória. Sem Neurônios Virgens as infor-
mações chegariam em nosso cérebro e se perderiam no vazio.
Sem ninguém para levá-las pelos labirintos de nossa mente, seria
como a expressão diz: entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Graças a eles nós podemos ser curiosos, ávidos por aprendi-
zagem, capazes de improvisar e, portanto, criativos.

O medo
Partindo-se do princípio de que o medo é uma ferramenta
que o Pedrão usa para evitar situações desconhecidas e, portanto,
na visão dele, potencialmente perigosas, cheguei a uma conclu-
são: como vimos anteriormente, o ser humano, por sua progra-
mação mental, não se sente nada confortável com a dúvida nem
com o não-conhecimento, o não-saber. Em qualquer assunto,
precisamos desesperadamente de certezas, explicações, origens,

255
fórmulas, rótulos, enquadramentos, definições precisas etc. A dú-
vida e o não-conhecimento estimulam uma descarga de “Você é
um idiota!” para o seu organismo, por isso são fatores de estresse
que tentamos evitar ao máximo. Mesmo que inconscientemente,
reconhecemos que precisamos acumular o máximo de certezas
para diminuir nosso desconforto. Por isso, o medo faz com que
queiramos estar sempre “certos”. Do contrário, iremos sofrer
desagradáveis consequências hormonais. O medo nada mais é
do que uma reação do nosso cérebro aos riscos de não-saber. Ou
seja: Só a certeza elimina o medo.
E é por isso que eu acredito que o medo seja uma das mais
poderosas e eficientes ferramentas de sobrevivência de nosso
organismo. Graças a ele, e ao estado de alerta que ele provoca,
conseguimos nos proteger de ameaças, sejam elas reais ou imagi-
nárias. A Diretiva Primária nos equipou com o medo de morrer,
nosso sentimento mais comum e aterrador. Associado ao nosso
medo de sentir dor, ele faz com que não atravessemos uma rua
sem olhar para os lados nem nos joguemos do alto de um prédio
ao invés de pegarmos um elevador, ou enfrentemos animais sel-
vagens de mãos vazias. Graças ao medo e o sentimento desagra-
dável que ele nos oferece, nos comportamos de forma a tentar
evitá-lo ao máximo. Quanto mais envelhecemos, mais medo acu-
mulamos. Quando jovens, nossa pouca experiência e consciên-
cia das coisas que podem acontecer na vida de uma pessoa fazem
com que sejamos um pouco irresponsáveis com relação à nossa
integridade física. O uso de drogas ou de bebidas funciona exata-
mente para reprimir nossos medos e termos a sensação de que as
coisas são menos perigosas do que realmente são. Daí o sucesso
da química no mundo de hoje. O próprio estresse é um acúmulo
de medos não resolvidos. Ter medo, portanto, faz parte de nossa
estrutura emocional e nos auxilia a sermos quem somos. Todos
sentimos medo. Não existem super-heróis que não têm medo de
nada. Uma pessoa muito poderosa pode ter medo de ficar velha,
por exemplo, e a despeito de todo o seu poder, nada que ela faça
dissipará este sentimento. Um soldado bem treinado e frio, num

256
campo de batalha pode ter medo de ficar impotente ou um mon-
ge pode ter medo de perder a fé. Enfim, não há ser humano que
não sinta medo de alguma coisa, já que esta ferramenta nos foi
disponibilizada para que a usemos. Querendo ou não.

Você tem medo de quê?


Existe um medo que é bastante recorrente nos seres huma-
nos que é o medo do escuro, mesmo em adultos. Não é a toa que
as cidades, em sua grande maioria, são muito iluminadas durante
a noite. Não é apenas para as pessoas enxergarem, mas também
para aumentar a segurança e diminuir o medo. Podemos concluir,
então, que o escuro em si não é o problema. É o que ele esconde
em suas sombras que nos atormenta. É a ignorância ou o “não-
saber” provocado por ele que nos apavora. Se você, por exemplo,
estiver fazendo uma trilha na mata e de repente encontrar uma
caverna escura em seu caminho, vai fazer o quê? Chamar seus
amigos, empolgado, convidando-os a entrar? Claro que não, a
não ser que você seja algum tipo de estudioso ou de maluco.
Mas qual é o problema, então, de entrar em uma caverna escu-
ra? Como eu já disse, obviamente não é a escuridão em si, mas
a “ignorância” do que poderá encontrar lá. Pode haver animais
selvagens, insetos peçonhentos, um buraco perigoso, monstros
horrendos e sanguinários, vampiros (nossa imaginação vai longe
quando pensamos em lugares escuros), espíritos malignos etc.
Mas, pode não haver simplesmente nada ou, em casos raros, um
riquíssimo tesouro. Indiana Jones sabe muito bem do que estou
falando. E Platão também.

Amigo, tenho mais uma má notícia:


CRIAR É ENTRAR NA CAVERNA ESCURA!

Criar é enfrentar o medo de lidar com o desconhecido. É


tatear no escuro. É não saber o que está a um centímetro do seu
nariz e mesmo assim ir em frente. É correr riscos. E isso, obvia-
mente, provoca insegurança.

257
O leão-de-chácara de
caverna escura
O Pedrão está sempre postado à frente de todas as cavernas
escuras que você encontrar em seu caminho, pronto para tentar
evitar que você entre. Toda vez que você quiser se aventurar pelo
desconhecido, ele gritará em seu ouvido, esperneará, fará o maior
carnaval em sua cabeça: “Não entra lá não, chefia!”. E por que
ele faz isso? Ora, o desconhecimento e a ausência absoluta de pa-
drões. E o Pedrão não se conforma em lidar com isso. Além do
mais, ele é legitimamente preocupado com seu hospedeiro. Porque
se o hospedeiro morrer ele morre junto. É por isso ele faz com
que você sinta medo. O medo é um aviso do Pedrão para que você
evite encarar situações as quais não conhece. E criar é uma delas.

Pupila Cerebral
Mas engana-se quem pensa que quem está acostumado a tra-
balhar com Criatividade consegue enxergar na caverna escura,
entrando lá assobiando, despreocupadamente. Vamos acabar de
vez com aquele símbolo tão tradicional da Criatividade: a lâmpa-
da. A pessoa dita mais criativa não tem uma lâmpada embutida
que pode acender em sua cabeça ao entrar em cavernas escuras.
Na verdade, desenvolver sua capacidade criativa é acostumar-se
à escuridão. É como entrar em um lugar escuro e seu olho adap-
tar-se a ele, dilatando suas pupilas. Nosso cérebro, ao entrar na
caverna escura da incerteza e da dúvida e permanecendo por lá
durante algum tempo, inicia um processo que eu chamo de Dila-
tação da Pupila Cerebral. Não enxergamos perfeitamente, apenas
sombras, mas isso já nos é suficiente para caminharmos com um
pouco mais de segurança e desenvoltura. Não muito, mas ajuda.
Quem quer fazer um trabalho eminentemente criativo sempre
terá de entrar na caverna escura. Não importa a idade nem o tem-
po que você pratica, o processo criativo sempre exigirá de nossas
pupilas cerebrais. O medo de criar é o medo do escuro.

258
SÃO
MAGAIVER
O senhor do castelo
Como você pode notar ao longo do livro, o Pedrão é uma
entidade que praticamente nos transforma em verdadeiros robôs
da objetividade. No final das contas, quase tudo o que fazemos
ou pensamos é apenas reprodução de um padrão, de uma pro-
gramação prévia. Muito pouco ou quase nada de nosso dia-a-dia
é realmente novo, inusitado, resultado de um livre-pensar. Eu
mesmo demorei um pouco para me dar conta de como o Pe-
drão é grande. De como ele nos controla totalmente. Em cada
pequeno pensamento, cada pequeno gesto. Ele pode ser consi-
derado, de fato, como nosso dono, proprietário de nossa mente,
patrão de nossa alma. Nós não passamos de fiéis e obedientes
seguidores de nosso Pedrão. E ele toma conta de nossos padrões
com muita atenção, ficando de frente para o Castelo de Legos e
de costas para o resto do mundo, ou seja, ele não está nem um
pouco interessado no que acontece do lado de fora de seus mu-
ros. Não é problema dele. O Castelo de Legos é o único mundo
que ele conhece e quer continuar conhecendo. Excessão feita ao
Pedrão-Rei, ou seja, à Opinião dos Outros.
Mas, como tudo na Natureza, existe sempre algo para con-
trabalançar, ou pelo menos tentar, todo este poder concentrado
nas mãos de um brutamontes sem senso de humor e flexibili-
dade. E esta missão coube ao São Magaiver, o único que tem
coragem e a capacidade de enfrentar o Pedrão e tudo o que ele
representa.

O santo protetor
da Criatividade
São Magaiver é o santo da devoção dos Neurônios Virgens.
Ele é a única salvação para quem quer experimentar coisas novas,
testar novos modelos, aventurar-se por cavernas escuras. O Pe-
drão não gosta muito dele, mas no fundo sabe que precisa contar
com sua ajuda para administrar sua biblioteca. Um não vive sem

260
o outro. Os Neurônios Virgens são muito frágeis e ingênuos. São
presa fácil de um sujeito com a força e o conhecimento do Pe-
drão. Eles precisam de proteção ou não conseguirão dar cabo de
sua missão. E essa proteção quem oferece é o São Magaiver que
vive dentro de todos nós. Ele é livre, aberto, despojado, inovador,
criativo, enfim. Graças a ele conseguimos produzir pensamen-
tos fora de nosso Castelo de Legos. Graças ao São Magaiver, o
Pedrão não reina absoluto em nossa mente. Um adversário de
respeito, fundamental para o nosso desenvolvimento como seres
programados para sobreviver a qualquer custo.
O São Magaiver não tem uma forma definida. Na verdade
cada pessoa precisa buscar dentro de si quem é o seu protetor.
Que forma ele tem, como é a sua voz. Tudo isso é importante pois
ao chamá-lo ele estará a postos. Sempre que você precisar de uma
força, sempre que tiver de enfrentar o implacável Pedrão. Que,
nunca é demais repetir, não é nosso inimigo, absolutamente, mas
dependendo de sua influência sobre nós se torna excessivamente
nocivo. Precisamos muito do Pedrão. Só não podemos virar seus
escravos. E São Magaiver nos ajuda nessa missão. Basta você, sem-
pre que precisar de um lampejo criativo, orar, pedindo sua ajuda.

Oração para São Magaiver


São Magaiver que estás no cérebro
Estimulai os nossos neurônios
Tire a voz do meu Pedrão
Pra eu poder criar à vontade
Com os pés na terra e a mente no céu
O “Parabéns a você!” nos dai hoje
Perdoai-nos os nossos padrões
Assim como perdoamos os Castelos de Legos
diferentes do nosso
Não nos deixei preocupar com a Opinião dos Outros
Mas livrai-nos da dor

261
A luta do século
Todos os dias, em todas as horas, acontece uma luta feroz
dentro de nossa mente: no córner direito, o Pedrão e, no córner
esquerdo, São Magaiver. Soa o gongo e eles se enfrentam incan-
savelmente a cada vez que nos deparamos com alguma situação
que exija flexibilidade, inovação, novos ares, Criatividade.
É claro que o Pedrão – por ser maior, mais forte, mais pe-
sado e mais objetivo – vence em 99,99% das lutas. Por nocaute.
Mas é neste 0,01% que repousa nossa esperança. É nesta pro-
babilidade ínfima que está a nossa salvação. É aí, neste pequeno
espaço, que conseguimos criar algo de novo em nossas mentes.
É aí que encontramos soluções para problemas até então desco-
nhecidos para nós. Você acha pouco mas não é. O Pedrão não é
nosso inimigo, mas não podemos dar todo o poder a ele senão
a vantagem vira desvantagem. Nossa capacidade de adaptação
a novas realidades é que fez de nós o que somos hoje. E esta
capacidade está nos 0,01% dedicados ao bravo e heróico São
Magaiver.
Para ilustrar melhor este fenômeno, lembre-se que Davi ven-
ceu Golias e se transformou em rei. O baixinho usou a Criativi-
dade e surpreendeu o gigante. Por quê? Ora, o padrão de luta da
época era muito simples. Um homem ficava na frente do outro
e quem conseguisse enfiar a espada mais vezes na barriga do
adversário ganhava. O que fez Davi, então, imaginando que não
teria a menor chance contra Golias? Como todo covarde que se
preza, atirou uma coisa de longe, o mais longe possível. E como
ele tinha boa pontaria, acabou acertando a testa de seu inimigo,
matando-o e vencendo assim a luta. Golias foi surpreendido por-
que não esperava esta jogada. Em sua cabeça ele iria fazer uma
luta como todas as outras que havia participado, e vencido, até
então. Aí sua cabeça se partiu e ele dançou. Davi mudou o para-
digma, quebrou um padrão e venceu quem parecia ser invencível.
E Davi é o herói inspirador do São Magaiver, assim como Golias
é o ídolo ferido do Pedrão.

262
Dilema de Monkey
A gente não percebe, mas passa o dia inteiro tomando deci-
sões. Das mais simples às mais complexas, esse é o nosso meio
de vida. Boa parte de nossa energia cerebral é gasta nestas pe-
quenas, médias e grandes decisões que, querendo ou não, temos
que tomar todos os dias de nossa vida. Ponho a camisa azul ou
a branca? Entro à direita ou à esquerda? Ligo para o fulano ou
não ligo? Almoço na lanchonete ou no restaurante? Crédito ou
débito?
Aliás, a minha história preferida para explicar o Dilema de
Monkey acontece em um restaurante. Você decide almoçar na-
quele restaurante onde adora comer um delicioso filé à parmegia-
na. Mas, invariavelmente, você pede o cardápio e o lê de cabo a
rabo, de cima pra baixo, de trás pra frente e de frente pra trás, em
inglês, francês e italiano. Depois fecha o cardápio, bate na mesa,
enche o peito e diz orgulhoso e feliz para o garçom: “Por favor
amigo, um filé à parmegiana!” Mas o que é que aconteceu em sua
cabeça do momento em que abriu o cardápio até o momento em
que fez o pedido ao garçom? Como no desenho animado, onde
vemos um anjinho e um diabinho aconselhando o personagem
em seu dilema, você fica à mercê das opiniões do Pedrão e do
São Magaiver. Vamos aqui simular um diálogo que ocorre na ca-
beça de todo mundo numa situação como esta:

Pedrão:
– Pede o parmegiana, chefia, é claro!
São Magaiver:
– Que nada! Vamos ousar hoje, vamos pedir a lasanha.
Pedrão:
– Mas que lasanha, o quê? Tá louco! A gente nunca pediu lasa-
nha!
São Magaiver:
– Por isso mesmo, vamos inovar. Vamos experimentar. A vida é
uma aventura.

263
Pedrão:
– Chefia, não dá ouvidos pra esse débil mental. Não arrisca, vai
no certo. A gente veio aqui por causa do parmegiana, a gente vai
pedir o parmegiana. Não tem nem o que discutir.
São Magaiver:
– Claro que tem o que discutir. A lasanha tá com a cara ótima.
Eu vi o garçom passando aqui do lado, levando pra outra mesa.
Pede a lasanha, tio, pede, por favor. Você não vai se arrepender.
Pedrão:
– Ah, mas se tem uma coisa que você vai sentir é arrependimen-
to. Em time que está ganhando não se mexe. E se a lasanha for
ruim? A gente vai ter perdido nosso tempo e dinheiro. Não vale
a pena arriscar.
São Magaiver:
– Claro que vale a pena. Se a gente não arriscar, como vai saber
se a lasanha é boa ou não?
Pedrão:
– Sinceridade? Eu posso morrer sem saber se a lasanha é boa ou
não! Não tô nem aí com a lasanha! Quero que a lasanha se explo-
da! Vamos pedir o parmegiana e ponto final!
São Magaiver:
– Não, não, por favor, não pede, dá uma chance pra lasanha, não,
não... droga... pediu o parmegiana... seu banana.

E em 97,35% dos casos acontece exatamente isso. O Pedrão


leva a melhor e você acaba indo no certo, tomando a decisão
mais comum, que você está acostumado a tomar, que oferece
menos risco, que dá mais segurança, que você já conhece, seu
banana. Mas não se preocupe. Isso é absolutamente normal. Nós
fomos feitos para decidir desta forma e seguirmos a nossa rígida
programação mental. Portanto não se culpe, nem culpe o Pedrão.
É o trabalho dele. E ele o faz muito bem feito, realmente.
Mas vamos analisar a situação friamente e ver o que pode
acontecer se você acabar se rendendo aos apelos do São Magai-
ver e pedindo a lasanha:

264
A lasanha é uma porcaria – Você vai se arrepender amarga-
mente de ter dado ouvidos a quem não devia. E o Pedrão não vai
se fazer de rogado. Vai ficar duas semanas na sua orelha dizendo
“Bem feito. Eu bem que te avisei”. E dá-lhe “Você é um idiota!”.

A lasanha é tão boa quanto o parmegiana – É uma situação


difícil. Porque a partir daí, da próxima vez em que você for ao
restaurante vai ficar mais em dúvida ainda. Porque se tem uma
coisa que o Pedrão não tem é orgulho, ao contrário. Depois que
o “troço” vira peça de lego, ele nem se lembra de que resistiu
tanto. E passa a defender a nova peça de lego com a mesma
energia que a negava quando ela ainda era só um “treco”. E se
bobear, o São Magaiver, eternamente insatisfeito e curioso, vai
querer experimentar o canelone. Por isso, mais uma vez, eles irão
se estapear e você vai ficar no meio deles, perdidão da silva.

A lasanha é mais gostosa que o parmegiana – Neste caso


você vai se sentir o esperto. O cara. Arriscou, fez uma manobra
ousada, apostou suas fichas numa mão incerta e levou todo o
pote. O gostosão, o vencedor, o herói. O São Magaiver vai ga-
nhar pontos com você e o Pedrão vai ficar meio acabrunhado,
já que o que ele disse que ia acontecer não aconteceu. Foi, na
verdade, o oposto. Mas, como eu disse anteriormente, o Pedrão
não é de ficar chorando nos cantos, não tem mimimi com ele. Ele
se recupera rapidinho e se fortalece de novo. Além disso ele re-
conhece a derrota e lhe dá uma boa dose de “Parabéns a você!”.

Mas o mais curioso é que mesmo se você pedir o parmegia-


na, não está de forma alguma garantindo sua felicidade. O cozi-
nheiro pode ter brigado com a patroa antes de sair de casa ou o
curingão perdeu na noite anterior e o sujeito resolve descontar
toda sua raiva e frustração no seu pobre filezinho. Portanto, la-
mento dizer, mas não há escolhas garantidas. As decisões que to-
mamos todos os dias, todas as horas de nossas vidas são apenas
uma espécie de cara ou coroa. Se elas são “certas” ou “erradas”,

265
vai depender de uma infinidade de fatores sobre os quais não
temos a menor consciência nem controle. E não tem como ana-
lisar situações usando o “se” como alternativa. De fato, jamais
saberemos qual seria a melhor escolha.

Te vira, negão
Uma vez assisti a um documentário muito interessante sobre
a construção do hotel Burj El-Arab, em Dubai. Você provavel-
mente conhece este hotel, que parece uma vela de um barco, não
conhece? Pois bem. A construção deste ícone de Dubai foi um
desafio complexo que, para mim, simboliza a luta de todo criati-
vo para a realização de suas ideias. No caso, o criativo foi o arqui-
teto Tom Wright. Ele recebeu a missão de um sheik para projetar
um hotel que deveria se transformar no símbolo de Dubai. Veja
que responsabilidade.
Depois de muito refletir, Wright teve uma ideia brilhante:
Dubai é banhada pelo mar, portanto o hotel terá a silhueta de um
barco à vela. Até aí, nenhum problema, mas ele quis levar esse
conceito às últimas consequências. Resolveu construir o hotel
em uma ilha para reforçar o conceito de um barco navegando
pelo litoral de Dubai. Porém, após muita procura, descobriu-se
que não havia nenhuma ilha disponível para tal projeto. Mas ele
não desistiu, chamou os engenheiros e declarou: “Vamos cons-
truir uma ilha!”. Os engenheiros riram, achando que era uma pia-
da, mas não era. Tiveram que sair de lá e pensar em uma forma
de construir uma ilha artificial para o hotel de Wright. Ao inicia-
rem as obras, descobriram o primeiro obstáculo: a Natureza. As
ondas do mar castigavam o canteiro de obras. Não era possível
construir nada ali. E mesmo que conseguissem construir, quando
o hotel estivesse pronto ofereceria grande perigo às pessoas que
estivessem em seu entorno. Mas o arquiteto não se sensibilizou
com o desânimo dos engenheiros, e decretou: “Te vira, negão!”
Contrariados, os engenheiros saíram da reunião com a missão de
controlar o mar. Depois de muitas pesquisa e queimação de neu-

266
rônios, eles acharam a solução: blocos de concreto com grandes
buracos em todas as faces e nenhuma aresta na parte interna.
A água entra pelos buracos, gira dentro do bloco e perde sua
energia. Simples e eficiente, esses blocos foram produzidos aos
milhares e colocados em toda a base da ilha artificial. Os enge-
nheiros haviam criado um processo inédito, novo, que quebrou
padrões da engenharia civil e os colocou nos anais da história.
Mas os problemas estavam só começando. Após resolver a
questão das ondas, outro obstáculo surgiu imediatamente. Na
análise do solo, perceberam que só havia areia. Nada de rochas
para construir uma sólida fundação. E todos sabem que não é
possível construir um edifício daquele tamanho sobre areia. Quer
dizer, todos quem, cara pálida? O arquiteto, impávido colosso,
não moveu um centímetro em suas ideias. E repetiu: “Te vira,
negão”! Novamente contrariados, os engenheiros voltaram para
suas pranchetas e depois de muita pesquisa e mais alguns milha-
res de neurônios incinerados, eles vieram com a solução. Mas não
me pergunte para explicar porque não conseguiria. Só sei que é
parecido com o guarda-sol que a gente enterra na areia e quando
mais fundo ele vai, mais preso fica. Pois bem, os engenheiros
revolucionaram mais uma vez a engenharia civil e criaram uma
maneira eficiente e segura de se construir sobre areia como nun-
ca dantes. Vai contando. Até agora São Magaiver 2 X 0 Pedrão.
Outro problema que surgiu foi o tipo de estrutura escolhida
para sustentar o prédio. Em função dos fortes ventos da região,
a maneira com a qual o arquiteto imaginou, segundo os enge-
nheiros, seria impossível de realizar. O prédio balançaria para lá,
balançaria para cá até o inevitável desastre. E o que o arquiteto
disse quando ouviu isso? Ora, é claro: “Te vira, negão”! E lá se
foram os pobres engenheiros que acabaram criando um sistema
de amortecedores que resolveu totalmente o problema. Mas os
desafios eram cada vez maiores e os obstáculos também. Não foi
uma nem duas vezes que os engenheiros interpelaram o arquiteto
com expressões duras como “O senhor é mesmo um fanfarrão”!
Mas o fato é que o arquiteto tinha o controle criativo da obra,

267
portanto os engenheiros estavam à sua mercê e eram obrigados
a realizar suas fantasias, por mais loucas que parecessem. Pois
a cada “não é possível fazer isso”, eles recebiam de volta um
indefectível “Te vira, negão”! Não adiantava dizer que ninguém
nunca havia feito aquilo, que não havia referências em nenhum
livro de engenharia civil, que as leis da física não podem ser con-
trariadas, enfim, o arquiteto era irredutível em manter suas ideias
intactas. Afinal, era o traseiro dele que estava na reta.
E foram muitos, mas muitos outros desafios: o restaurante
que sai totalmente para fora da estrutura sem sustentação apa-
rente, o sistema elétrico, similar ao de uma cidade de mil habi-
tantes, os fortes ventos dificultando demais o trabalho diário dos
operários.
O prazo era apertado, por isso foi necessário produzir o in-
terior do prédio simultaneamente à sua construção. Mas como
a temperatura do local tornava essa tarefa impossível, cobriram
o hotel com uma parede de tecido de vela e com isso abaixaram
a temperatura 1 grau por dia. Isso tudo para evitar condensa-
ção. Aconteceram muitas outras coisas, mas acho que já deu para
você sentir o drama que foi esta construção.
Enfim, o resultado final todo mundo conhece: o arquiteto
cumpriu com o briefing. O hotel é hoje o símbolo de Dubai e
vice-versa. Você olha o hotel, imediatamente pensa em Dubai.
Ou quando pensa em Dubai, o Burj El Arab vem à sua mente.
Um feito verdadeiramente notável. E isso só foi possível porque
o senhor Wright bateu o pé e não desistiu de suas ideias, a des-
peito da pressão dos engenheiros, a despeito do “é impossível” e
do “nunca foi feito antes”. Isso é um excelente exemplo de como
o trabalho criativo funciona. Como nunca ninguém fez antes, é
claro que vão surgir obstáculos durante o processo. Mas faz parte
do show. Estas barreiras não podem ser impeditivas e sim estí-
mulos para avançar ainda mais. Não é fácil. Precisa ter estrutura
emocional. Precisa ser persistente. Precisa aguentar pressão. Pre-
cisa trabalhar sem se apegar à certezas, confiar na intuição. Mas
os resultados são compensadores.

268
Agora, o mais curioso de tudo é que hoje existem vários
engenheiros que vão ao bar, e chegam perto das moças e dizem:
“Sabe aquele hotel em Dubai? Pois então, eu criei uma série de
processos novos que revolucionaram a engenharia civil. Então,
posso te pagar um drink?”. E o pior é que ele está dizendo a
verdade. Criou mesmo. O único porém é que ele só criou porque
foi obrigado. Se dependesse dele o prédio seria um caixote que é
a forma mais fácil e padronizada de se construir. Você controla
todo o processo e não tem dor de cabeça. Se não fosse o arqui-
teto exigir que as coisas fossem feitas do jeito que ele queria, o
engenheiro não poderia estar tendo esse papo com a moça do
bar. Fora isso, o passe dele também deve ter valorizado muito
após a obra, além de ter entrado para os anais da engenharia e
feito história.
Conclusão: o arquiteto foi um legítimo representante do São
Magaiver e os engenheiros estavam incorporando totalmente o Pe-
drão. E São Magaiver, pelo menos desta vez, ganhou de goleada.

São Magaiver X Pedrão


SÃO MAGAIVER PEDRÃO

Novidade O de sempre

Avançar Continuar onde está

Inflamável Extintor de incêndio

Balada Em casa, vendo TV

Sexo, drogas e rock n’ roll Pijama e pantufas

269
O sono dos justos
Existe um momento, porém, em que São Magaiver nada de
braçada em nosso cérebro, sem a presença incômoda e persis-
tente do nosso amigo Pedrão: durante o sono. Aliás, essa é uma
hora do nosso dia em que as coisas se subvertem totalmente. O
Pedrão dorme junto com nosso corpo, já que ele é guardião de
nossa integridade física. E como trabalha muito, desde a hora
que a gente acorda até a hora em que vamos dormir, ele, como
nós, merece um descanso. Já o São Magaiver trabalha muito pou-
co. Fale a verdade: quantos minutos de um dia normal em sua
vida são dedicados exclusivamente à Criatividade, inovação, mu-
danças em geral? Muito pouco, não é? O próprio cérebro, que
passa a maior parte do dia apenas fazendo a máquina funcionar
no automático, quando chega à noite, se esbalda. Na verdade,
tanto o São Magaiver quanto o cérebro são notívagos, baladeiros.
Da noite, como se dizia antigamente. O cérebro aumenta incri-
velmente a sua atividade quando estamos dormindo. Na verdade,
ele jamais descansa. Quem descansa é o corpo e o seu guarda-
costas: o Pedrão. Quando estamos em sono REM ou rapid eye
movement (movimento rápido dos olhos), o cérebro está a milhão
e São Magaiver também. É por isso que nossos sonhos são com-
pletamente “malucos”, caóticos, livres. O sistema cerebral que
cuida de nossa razão, de nosso filtro e do “certo” e do “errado”
está desligado. Por isso nossa mente viaja para onde bem enten-
der. Estou voando tranquilamente pelos céus quando encontro o
rei Pelé, também voando. E naquele enredo ele é meu amigo de
infância. O incrível é que tudo faz sentido: eu voar, o Pelé voar
e sermos amigos de infância. Mas basta eu olhar para o lado e o
Pelé não é mais o Pelé e sim o síndico do meu prédio. E, incrível:
ainda assim faz todo o sentido. Ou seja, tudo ou quase tudo o
que aprendemos que é possível, é “certo”, é “lógico”, perdeu a
validade. Naquele momento mágico vale tudo. Tudo mesmo.
O corpo aproveita o descanso para regenerar tecidos e recar-
regar as baterias que serão muito necessárias para a sua sobrevi-

270
vência no dia seguinte. Sobreviver, aliás, consome muita energia.
Se vivêssemos ainda nas cavernas, independente do avanço da
medicina, provavelmente teríamos uma vida muito mais curta
por causa do estresse de viver sob constante ameaça de predado-
res e de falta de comida. Meu dentista, Samy Tunchel, inclusive,
sempre diz que ele acha que o corpo humano foi feito para viver
30 anos. Porque se não fosse assim, teríamos que ter outra mu-
dança de dentição, não apenas a primeira. Faz sentido.
Bem, voltando ao fenômeno do sono, que até hoje ninguém
conseguiu explicar com exatidão para que serve e porque acon-
tece, para mim é mais uma prova de que todo mundo é criativo.
O problema é a força que o Pedrão adquire dentro de cada in-
divíduo, fazendo assim a diferença entre pessoas ditas mais ou
menos criativas. De qualquer maneira acredito que os sonhos
servem como válvula de escape das frustrações do dia-a-dia.
Nossa mente viaja demais, o tempo todo. Se não fosse o Pedrão,
a vida seria impossível, tamanha é a viagem que nossa mente
tenta implementar em nossas vidas. Mas, graças ao Pedrão, ela é
pesadamente reprimida. A vida, sem dúvida, não é nada do que
a nossa mente gostaria que fosse. E essa repressão provoca uma
tensão muito grande em nosso sistema nervoso, mesmo que não
percebamos. Como tudo na Natureza, é um constante combate
entre forças opostas, visando a geração de equilíbrio. A mente,
com a ajuda de São Magaiver, puxa nosso pensamento para um
lado e o Pedrão, por sua vez, puxa para o outro. Se só o São Ma-
gaiver desse as cartas por aqui, nossa vida, de tão desregrada e
caótica, seria impossível. Mas se, ao contrário, o Pedrão reinasse
solitário, também não sobreviveríamos, pois não teríamos essa
extraordinária capacidade que temos de aprender, improvisar,
evoluir e nos adaptar. E é por isso que sonhamos. Se não fosse a
nossa capacidade de sonhar, a gente lembrando ou não, a panela
de pressão iria arrebentar. Nosso cérebro precisa se liberar do
Pedrão durante mais ou menos um terço de nossas vidas para
manter a sanidade. E, mesmo assim, a maioria das pessoas não
logra êxito, mas isso é outra história. O importante é a gente

271
compreender que o sonho nada mais é do que a total liberda-
de de pensamento. Sem preocupação com “realidade”, “lógica”,
“possibilidade”, “certo” ou “errado”. Ou seja, sem a interferên-
cia direta do Pedrão. É tão maravilhosamente sedutor que sonhar
é também a palavra utilizada para definir a realização de um dese-
jo extraordinário que queremos alcançar em nossas vidas.
De qualquer maneira, a experiência do sonho reflete exa-
tamente o processo criativo, ou seja: temos lá os padrões dos
quais não prescindimos (quando sonhamos sabemos uma língua,
reconhecemos os objetos e pessoas, lugares etc.), porém, a lógica
e as leis da física estão muito mais flexíveis e improváveis. E para
se criar é preciso exatamente isso: organizar os padrões de forma
diferente daquela que está consagrada, que todo mundo conhece
e aceita. Se você conseguir reproduzir esse estado de coisas en-
quanto está acordado, terá entendido o processo criativo.

Criar é sonhar acordado.

272
A IMPORTÂNCIA
DO AMBIENTE
O que é um ambiente
Concordo plenamente com a corrente filosófica do determi-
nismo geográfico que afirma que o homem é produto do meio. E
quando eu me refiro ao ambiente, estou querendo dizer a mistura
entre o local físico onde você se encontra e o espírito social pes-
quisado por Solomon Asch. Estes dois elementos transformam a
capacidade de qualquer pessoa, para mais ou para menos, depen-
dendo das circunstâncias. Acredito até que o ambiente é muito
mais importante do que qualquer outro influenciador descrito
aqui neste livro com relação ao desempenho criativo de indiví-
duos e grupos. Resultado, principalmente de nossa preocupação
excessiva com a Opinião do Outros. Mesmo que inconsciente.

Ambiente físico
O lugar onde você está pode ajudar, atrapalhar ou ser indife-
rente. Grande novidade, não? Pois é, mas é que muitas vezes não
nos damos conta de que uma coisa simples e óbvia como esta
pode fazer toda a diferença no resultado de um trabalho. É claro
que você consegue trabalhar em uma espelunca, mas garanto que
se estiver em lugar “criativo”, agradável, aconchegante, acolhe-
dor, estimulante e vibrante você vai render muito mais. Não só
com relação à Criatividade, mas no seu desempenho como um
todo. Você já deve ter visto uma fotos na internet mostrando
por exemplo o escritório central do Google. Locais incomuns,
diferentes, provocadores e estimulantes. E é claro que a empresa
consegue transmitir com mais facilidade o seu conceito, a sua
marca registrada, que é a inovação. Eu, quando entro num am-
biente desses, sinto um comichão, um desejo inesperado de criar,
de sentar em uma mesa qualquer e começar a trabalhar. Essa é a
influência do ambiente físico. O inverso também acontece: um
lugar feio, desagradável e opressor certamente vai nos influen-
ciar negativamente no que diz respeito ao desempenho criativo.
Imagine-se trabalhando em locais como aquelas repartições pú-

274
blicas que não reformam há pelo menos uns 30 anos. Meudeus!
Na minha opinião, só os gênios conseguem criar em qualquer
ambiente.

Ambiente social
Esse tem uma influência enorme. É o ambiente que interfere
diretamente não só no seu trabalho mas no seu próprio pensa-
mento. Aquilo que Solomon Asch pesquisou e desvendou com
tanta propriedade: a necessidade do ser humano de integrar os
grupos de interesse e que para isso é capaz de mentir (para os
outros e para si mesmo), de se enganar, de dissimular, de mudar
simplesmente de opinião. Tudo por causa da Opinião dos Ou-
tros. Se o ambiente social for favorável ao pensamento criativo,
qualquer pessoa que seja introduzida no grupo vai naturalmente
“ficar mais criativo”. Se o ambiente for favorável, a ca-
pacidade criativa geral é ampliada. E o inverso também
se aplica. Imitamos os grupos a que pertencemos, mesmo sem
perceber. E mesmo no quesito competência. Já reparou que
quando os times de futebol estão numa boa fase, a maioria de
seus jogadores está jogando bem? E que antes desta boa fase e
depois dela nunca mais rendem o mesmo? Pois é. É o ambiente
social. Trabalhei em muitas agências de propaganda, de todos
os tipos e tamanhos, e pude perceber que cada uma delas tinha
uma cultura diferente. Um ambiente, um clima. E é praticamente
impossível você alterar a cultura de uma empresa. É mais fácil e
provável que a empresa mude a sua. Mesmo que você não goste.
Mesmo que esperneie um pouco, vai acabar sucumbindo, se qui-
ser permanecer em seus quadros. Conheci também muitos pro-
fissionais que ganharam muitos prêmios quando trabalharam em
agências criativas e praticamente desapareceram depois, quando
trabalharam em agências não-criativas. Mesmo aqueles que tive-
ram carta branca para fazer o que quisessem nas novas agências
não conseguiram, em sua maioria, cumprir com suas missões.
A cultura de um grupo é um elemento poderoso. É preciso ter

275
muita força, muita capacidade, muita perseverança para conse-
guir mudar o Pedrão-Rei de um grupo consolidado. E é por isso
que o ambiente social tem tanta importância no resultado do
trabalho.

Ambiente propício
A Criatividade é como uma planta: cresce em ambientes fa-
voráveis. É claro que existem plantas que possuem maior resis-
tência às intempéries, que nascem no deserto, e assim também
são as ideias. Quem quer realizar um trabalho criativo precisa ter
isso em mente. O ambiente é fundamental. Seja ele o ambiente
físico ou o social. Não precisamos de muito para sofrermos um
bloqueio. Não precisamos de muito para desistir de criar. Não
precisamos de muito para decidir que não vale a pena quebrar
padrões. Por isso, bastam detalhes para derrubar um ambiente.
É preciso arar a terra, colocar a semente com cuidado, regar, co-
locar nutrientes, proteger das intempéries e colher no momento
certo. Sim, uma ideia tem tudo a ver com uma planta.
Mas aí você pergunta: não é verdade que muitas ideias im-
portantes surgiram em momentos desesperadores, estressantes,
desconfortáveis? E eu respondo: é verdade. Porém, é preciso
lembrar que existem dois momentos diferentes em que o pro-
cesso criativo se manifesta em nosso cérebro: quando estamos
em perigo e quando queremos. O primeiro associado à Direti-
va Primária, portanto, atávico. E o segundo, em função de sua
natureza, necessitando da força da razão e do raciocínio para
se estabelecer. E lembre-se que para nosso cérebro, criar sem
precisar, ou seja, sem estar solucionando um problema urgente
de sobrevivência, não é e nem nunca será uma prioridade. E é
sobre este cenário que me refiro quando falo da importância do
ambiente. Do estímulo constante e necessário para se manter o
espírito criativo. Porque se deixarmos no automático, o cérebro
certamente vai optar pela zona de conforto que é não criar nada,
apenas manter o estado das coisas como estão.

276
O Renascimento
Uma prova, na minha opinião, incontestável, de que o am-
biente é fundamental, encontra-se na nossa própria história. Um
momento marcante e determinante de mudança de vetor dos
destinos da humanidade foi a Renascença, ou o Renascimento. O
que aconteceu? Um mero acaso do destino? Uma sorte incrível
de nascerem milhares de pessoas criativas num mesmo espaço e
tempo? Claro que não. Tudo foi resultado de um processo his-
tórico, que proporcionou a criação de um ambiente fértil, muito
favorável às novas ideias, à arte, à Criatividade. A realeza, deten-
tora do poder econômico naquela época, começou a patrocinar
artistas para criarem obras sob encomenda, ou seja, criaram um
ambiente receptivo às novas ideias. E pagavam por elas. Resulta-
do: as pessoas que geralmente têm medo de se expor, de expor
suas ideias para um público desconhecido, prefere não arriscar
e procura outros caminhos para sua vida. Quando estas pessoas
percebem que a receptividade para o novo é grande, seu medo
diminui e elas começam a se sentir capazes de realizar obras cria-
tivas. Incentivadas, é claro, pela Opinião dos Outros. Isso é um
ambiente favorável, relacionado ao que dizemos o tempo todo
neste livro. Na época da Renascença era “certo” ser criativo. Era
“certo” ser artista. Isso fez com que todas as artes florescessem
na Europa e mudaram o rosto do mundo. Após uma época longa
de repressão e controle religioso, onde era “errado” criar, a Cria-
tividade explodiu no mundo, mesmo que ainda se utilizasse de
temas religiosos para seu desenvolvimento.

Ungebunden
Nem todos os ambientes são favoráveis para o pleno de-
senvolvimento da Criatividade. Na verdade, a maioria dos am-
bientes mais atrapalha do que ajuda. É claro que isso depende
de cada um, mas como regra geral podemos definir o ambiente
ideal como aquele onde a criatividade é estimulada. Existe uma

277
extensa variedade de componentes que podem favorecer o tra-
balho criativo e criar o que eu chamo de Ungebunden. Tem a ver
com a decoração, ou seja, com o espaço físico propriamente dito.
Tem a ver com a rotina de trabalho, quer dizer, com as regras
que definem a forma que as pessoas devem trabalhar naquele
local. Tem a ver com as relações humanas que se desenvolvem
no ambiente. Tem a ver com o conceito do local, com a filosofia,
a cultura e o jeito de pensar daquele grupo específico. É sempre
o resultado de um estímulo. Real ou simulado. Imediato ou de
longo prazo. Uma reação instantânea a uma necessidade ou uma
solução gerada sob demanda.
E isso tudo pode acontecer intuitivamente, ou seja, sem sa-
ber porque, as pessoas responsáveis pelo local criam um ambien-
te favorável. Mas este ambiente criativo também pode ser criado
sob demanda. Basta saber o que provoca o impulso criativo e o
que o prejudica. Saber como o cérebro das pessoas funciona e
como criar um ambiente que favoreça o trabalho criativo sem
prejudicar a vocação original do grupo que ali estiver instalado,
seja uma empresa, um grupo de artistas, de amigos, um clube,
uma escola, um grupo qualquer.
Falei em grupos, mas é claro que não há necessidade de ser
um grupo. Uma Ungebunden pode ser criada para ser utilizada
por um único indivíduo. É o que veremos a seguir.

Joseph Campbell
e Ungebunden
Joseph Campbell, o grande mitólogo estadunidense, que se
você não conhece, deveria conhecer, dizia muitas coisas que con-
vergem com o meu pensamento. Em primeiro lugar, ele cunhou
uma frase que admiro tanto que até a tatuei em meu braço e a uso
como inspiração para a minha empresa e minha vida: Follow your
bliss. Já falei sobre isso, mas não custa reforçar: numa tradução
não literal, ele quis dizer que as pessoas devem descobrir para o

278
que é que elas estão aqui. Qual é a sua verdadeira vocação. O que
vai fazer a sua vida valer a pena. Não apenas os padrões que você
adquiriu por imitação e aceitou como seus. Não. Campbell nos
convida a refletir sobre nossa verdadeira “felicidade”. E a partir
do momento em que você descobrir qual é a sua, qual é sua bliss,
é só botar sua energia e foco sobre ela e ir em frente. Mesmo que
seja uma coisa fora de padrão, que os outros não compreendam,
ou que você mesmo não compreenda direito, mas saiba no fundo
de sua alma que é aquilo que você quer de verdade. Isso vai fazer
de você uma pessoa mais realizada. Mais equilibrada. Vai pro-
mover harmonia, sucesso (qualquer que seja o significado desta
palavra para você). “Siga sua felicidade e portas se abrirão onde
você nem sabia que havia portas”, disse o mestre.
É como se todo mundo pegasse o mesmo trem sem nem
ao menos saber a razão. Simplesmente o trem passa, abre suas
portas e você entra. Mas por quê? Só porque todo mundo está
dentro do trem? E daí? Isso por si só significa que estão todos
“certos”? Fazendo o que é melhor para eles? Ou estão apenas se-
guindo seus instintos primários de seguir o rebanho? Eu mesmo,
ao longo de boa parte da minha vida, desejei estar no trem, na
cabine de primeira classe, sentado na janelinha. Mesmo sem sa-
ber qual era minha motivação, desejava ardentemente esse status
quo. Tanto que chegava a ter inveja de quem o alcançava. E nem
sabia porque eu queria aquilo. Só sabia que toda essa situação
me deixava muito infeliz. Hoje posso dizer que estou um pouco
mais consciente. Quando passa o trem quero saber para onde ele
vai, que paradas vai fazer, seus horários, ou seja, tento entender
se aquele trem específico me serve de fato ou é apenas mais um
comboio que devo deixar ir embora e esperar aquele que me le-
vará aonde eu quero de fato ir. Mesmo que eu não faça a menor
ideia de onde seja este lugar. Enfim, deixemos de filosofar tão
livremente e voltemos ao nossos trilhos.
Para que a gente possa follow our bliss, Campbell sugere que
seria importante criar o que ele chamou de lugar sagrado e que
eu chamo de Ungebunden, ou seja, aquele lugar especial em que

279
você possa ser você, onde você se sinta à vontade para realizar
seus desejos e sonhos, onde você não tenha medo de tentar, não
tenha medo de errar, não tenha vergonha. Onde você se sinta in-
teiro, confortável, confiante. É fundamental encontrar este lugar,
que pode ser físico (um quarto, um escritório, um banheiro) ou
conceitual (passeando com o cachorro, nadando, dirigindo numa
estrada).

Conflito de gerações
Para mim, a química ideal num ambiente que se proponha
criativo é a mistura de indivíduos jovens com outros mais expe-
rientes. Só experientes ou só jovens provavelmente irá compro-
meter o resultado do trabalho em função das competências e
deficiências de cada grupo.
Os jovens têm menos padrões e por isso mesmo têm mais
ideias inusitadas e não convencionais, mas esse cenário é preju-
dicado por seu repertório reduzido e uma falta de conhecimento
histórico.
Já os mais experientes têm mais e mais cristalizados padrões,
portanto sua capacidade de produzir ideias genuinamente novas
está prejudicada. Porém, seu extenso repertório o auxilia na so-
lução de problemas.
Unindo estes dois grupos, teremos o melhor do melhor. Pa-
drões, capacidade de criar e repertório em equilíbrio.

280
REFLEXÕES
FLEXÍVEIS
Cada decisão é um
desgaste psicológico
Como venho exaustivamente afirmando, nós temos uma
necessidade inadiável de estarmos “certos” em todos os nossos
atos, reações e pensamentos. Mas se você observar atentamente
o universo e, particularmente, a Natureza vai concluir que não
existe nada que seja 100%. Tudo tem dois ou mais lados. Tudo
pode ser visto de diversos pontos de vista sem que nenhum deles
seja necessariamente mais “certo” que os outros. E mais: tudo na
vida tem efeito colateral. Portanto, toda vez que temos de tomar
alguma decisão, mínima que seja, sofremos um desgaste psico-
lógico, pois estaremos inevitavelmente abrindo mão de alguma
coisa, não importa se escolhemos a, b, c ou x. E esta perda se re-
flete em alguma medida em nosso emocional. Não a esquecemos
nem a relevamos totalmente. Desde escolher entre tomar uma
água ou um suco, até decidir se vamos aceitar um novo emprego
ou continuar no atual. É a tal história de casar ou comprar uma
bicicleta. As duas opções apresentam vantagens e desvantagens.
Em geral pesamos na balança e colocamos em Listas Mentais o
que iremos ganhar ou perder com cada opção. O mundo é tão
cheio de possibilidades e alternativas que as escolhas que temos
de fazer durante toda a nossa vida vão irremediavelmente nos
desgastar. Porque se eu escolher o suco, estarei abrindo mão de
todas as vantagens que a água me oferece com exclusividade. E
isso vai pesar em minha consciência. Pouco, mas vai. Porque, em
alguma medida, estarei deixando de estar “certo” em alguns itens
da minha escolha. Acumule-se isso a todas as decisões (pequenas,
médias e grandes) que tomamos em nossas vidas e veja se não
ganhamos muitas rugas e cabelos brancos à toa. Imagine um ra-
paz que tem muitas pretendentes. Uma tem como característica
principal a inteligência, outra o senso de humor e uma outra a
esportividade. Num determinado momento, entretanto, o rapaz
decide que chegou a hora de se acalmar e casar. Ele se dá bem

282
com todas, pois cada uma tem características diferentes que lhe
agradam. De qualquer maneira, ele não tem nenhuma dúvida na
escolha. Desde sempre gostou mais daquela cuja principal ca-
racterística é a inteligência. Porém, ao escolhê-la ele terá de abrir
mão de um relacionamento com senso de humor e esportividade.
Perceba que mesmo sem hesitar na escolha, ele inevitavelmente
perderá alguma coisa. E isso acontece em todas as escolhas que
fazemos em nossas vidas.

Lidando com mudanças


Um dos maiores e mais complexos desafios dos animais, nós
humanos inclusive, é enfrentar as mudanças que a vida sempre
nos impõe. Se por um lado temos uma capacidade extraordinária
de adaptação às novas realidades, esta mesma adaptação se faz à
custa de muito sacrifício e sofrimento. Quanto maior a importân-
cia da mudança em nossas vidas, maior a quebra de Padrão que
teremos de enfrentar. Quanto maior a quebra de Padrão, maior
a dificuldade de absorção. Quanto maior a torre de legos, maior
a dificuldade em desmontá-la. Não sei como as coisas eram anti-
gamente por razões óbvias, mas tenho a impressão de que antes
da Revolução Industrial o estresse era menor de uma maneira
geral para a humanidade, já que as mudanças vitais no dia-a-dia
do ser humano ocorriam em espaços de tempo muito prolon-
gados e distantes entre si. É claro que o choque provocado com
cada mudança era maior e mais difícil de se digerir, mas estes
choques aconteciam com muito menos frequência e, portanto,
desafiavam menos as pessoas quando analisados sob a ótica de
uma vida inteira. Hoje estamos tendo de aprender (será?) a con-
viver com mudanças quase que diárias de assuntos extremamente
importantes para a nossa sobrevivência, saúde e inclusão social.
A sociedade moderna oferece mais conforto físico, tecnologia e
recursos médicos para prolongar nossa vida, mas ao mesmo tem-
po tira de nós a tranquilidade e o conforto emocional de manter
padrões por longos períodos de tempo. A dúvida é: será que nós

283
nos acostumaremos e nos adaptaremos a isso ou estamos numa
corrida rumo a um grande desmoronamento emocional de toda
a humanidade? Será que em nosso futuro haverá uma melhor
convivência com a quebra de padrões ou teremos de recuar em
algum momento para mantermos a nossa sanidade e equilíbrio?
Será que este, na verdade, é um processo de evolução e que daqui
a algumas gerações o homem será capaz de quebrar padrões sem
tanto sofrimento e que por isso mesmo atingirá um estado de paz
e consciência que irá nos transformar numa raça mais evoluída e
equilibrada? Quem sabe?

No meu tempo...
Uma coisa muito comum de se ouvir das pessoas mais ve-
lhas é, “no meu tempo era melhor”. Mas em geral não era nada
melhor. Isso é apenas a pessoa vivendo a nostalgia de um padrão
abandonado. Ela aprendeu daquele jeito. Acostumou-se com
aquele jeito. Mas naquela época todo mundo também dizia que
“antigamente era melhor” e sempre dirão. É apenas a manifes-
tação de um padrão. Pense bem. As pessoas não eram mais ou
menos honestas antigamente. Mais ou menos simpáticas. Mais
ou menos hipócritas. Era a mesmíssima coisa de hoje. Tem gente
de todos os jeitos, sempre. Meus filhos quando forem mais ve-
lhos também desfrutarão da sensação de que “no tempo deles”
era tudo melhor. Ou quem sabe o futuro da humanidade é criar
o padrão “estamos-sempre-quebrando-padrões”.

Por que o ser humano


gosta de histórias?
Você já parou para pensar porque nós gostamos tanto de ou-
vir, ler ou ver histórias? Quem não gosta de um bom livro, um
bom filme ou até de uma novelinha? O que será que é tão atraente
para nós que nos faz ter tanta curiosidade para assistir o novo fil-
me do Quentin Tarantino ou ler um livro do José Saramago? Que

284
diferença essas histórias podem fazer para as nossas vidas? Muitas
perguntas, não é? Bem, vou tentar responder de uma forma bem
objetiva.
Em primeiro lugar, apesar de todo este rígido e poderoso sis-
tema de padrões, nós todos somos equipados com uma imensa
curiosidade inata. E, graças a ela, não sucumbimos totalmente aos
desígnios do Pedrão. Sem a curiosidade não seríamos capazes de
aprender, de experimentar coisas novas, de buscar evolução pes-
soal e coletiva. Bem, até aí nenhuma novidade. O que eu acredito
que seja a grande razão para sermos tão interessados em histórias
é que elas, em sua imensa maioria, colocam a vida em uma caixa,
deixando tudo bem organizado para o nosso deleite. Tudo o que
não acontece na vida real e que nos oprime, nos é oferecido em
uma história: começo, meio e fim. Linha do tempo definida. Foco
nas situações-chave da trama. Em geral uma linha de narrativa e
de pensamentos bastante clara e objetiva. Se você for desmembrar
uma história, tentando avaliá-la na vida real, não conseguiria che-
gar nem perto destas características. Jamais saberá o que todos os
personagens estão fazendo ou pensando a cada segundo. Jamais
saberá todos os desdobramentos de todos os atos dos persona-
gens. A história jamais terá começo, meio e fim, porque o que
é o fim? O policial prende o bandido, que vai para a cadeia e o
mocinho resgata sua mulher e sua filha do perigo e saem todos
felizes e abraçados na direção do horizonte. E amanhã, o que vai
acontecer? Daqui a um ano, dois, dez, cinquenta? Pois é, na vida
real a gente não consegue empacotar uma história desta maneira.
Viveram felizes para sempre? Como assim? A gente percebe isso
quando a história termina com muitas indefinições, ou seja, pare-
ce que não acabou. E isso irrita um pouco a maioria das pessoas.
Novela que não termina com uma porção de casamentos e com fa-
miliares e amigos resolvendo todas as suas pendências emocionais
não é novela. Mas eu pergunto: isso é mesmo possível de aconte-
cer na vida real? E se for, quem disse que casar é necessariamente
um final feliz? E o que significa resolver pendências? Certamente
irão surgir outras, porque simplesmente a vida é assim.

285
Outro fator que acredito ser importante para nossa atrativi-
dade por histórias, é o fato de que ao nos depararmos com uma
história da qual não somos participantes, ficando a uma distância
segura e confortável, acabamos por sair um pouco da vida real,
descansando nosso emocional das agruras e dificuldades ineren-
tes à vida de qualquer um. Mesmo que nos identifiquemos com
situações ou personagens, estamos protegidos e somos meros es-
pectadores, não correndo o risco de sermos envolvidos na trama
nem arcarmos com suas consequências. É claro que a identifica-
ção é outro atrativo. Se aquilo que está sendo descrito na história
faz eco em sua mente, reflete de alguma maneira suas próprias
experiências, a sua atenção é redobrada. Principalmente se no
desenrolar da narrativa o final for favorável. Dá esperança e cria
a sensação de que aquilo também pode acontecer com você. Daí
a maioria das histórias terminarem com final feliz. O conforto
que isso provoca nas pessoas é flagrante. No mundo do entrete-
nimento, que está diretamente relacionado ao sucesso comercial,
todos os finais são felizes, sob risco de perderem-se admiradores,
ou seja, pagantes.
É claro que o inverso também é importante. Acontece tanta
desgraça na vida de algum personagem que você acaba dando
graçasadeus de que não é você e que a sua vida nem é tão ruim
se comparada à dele.
Então, diante destas circunstâncias todas, concluí que as his-
tórias têm a incrível capacidade de nos proporcionar conforto
emocional, por isso gostamos tanto delas.

O que é intuição?
Como tudo na Natureza, o inconsciente coletivo tem fun-
ções bastante práticas e objetivas: em primeiro lugar, ajudar a hu-
manidade a evoluir não só como indivíduos mas como espécie.
O cérebro gosta de aprender e, aparentemente, quando aprende-
mos uma coisa nova, a espécie humana aprende como um todo.
Fora isso, também serve para coisas mais domésticas, prosaicas:

286
nos ajudar na hora em que estamos diante de uma nova situa-
ção e não sabemos como resolver. Nosso Pedrão vasculha sua
biblioteca e não acha nada, ou seja, o nosso arquivo pessoal é
insuficiente para resolver aquele problema. Então a natureza nos
dotou de uma capacidade de consultar a Grande Biblioteca Hu-
mana, ou seja, nosso inconsciente coletivo. Mas como não temos
acesso irrestrito a este local e nem podemos nos aproximar mui-
to, a ajuda vem em forma de percepção, em forma de intuição,
sutilmente. É como o ar, que não enxergamos, mas sabemos que
ele está lá. E, como o ar, também é fundamental para nossa so-
brevivência. É o inconsciente coletivo que alimenta nossa intui-
ção, oferecendo um auxílio do tipo “peço a ajuda dos universitá-
rios”. Aquela sensação de que “eu acho que eu tenho que seguir
este caminho mas não sei explicar porque”.
Intuição também é uma ferramenta de proteção e sobrevi-
vência, já que os animais em geral a utilizam para escapar de
perigos não objetivos e de ameaças não detectadas pelas suas
outras antenas.

Criar passa pelo


inconsciente
Acredito plenamente que compartilhamos nosso pensamen-
to e nossos conhecimentos com toda a raça humana. E é de lá
que temos de tirar as novas ideias para desenvolver conceitos
criativos. Se usarmos apenas o nosso consciente estaremos re-
produzindo o nosso conhecimento já adquirido, ou seja, as pa-
lavras de nosso Pedrão, portanto não estaremos sendo criativos.
Ao passo que se abrirmos nossa mente, liberarmos o nosso in-
consciente, certamente receberemos bastante matéria-prima para
desenvolver um trabalho verdadeiramente criativo. Por isso eu
digo que criar não é um ato de aprendizado e sim de permissão.
Permita que a sua intuição trabalhe durante o processo criativo.
Mas saiba que a intuição jamais lhe dará certeza de nada. Vai

287
ser apenas um sutil apoio emocional para ter a sensação de que
está no caminho “certo”. Quem busca certeza absoluta não tem
capacidade de criar, absolutamente. Dizem que a melhor comu-
nicação é a feita boca a boca. Mas eu acho que a melhor mesmo
é a comunicação alma a alma. Você usa a sua intuição para criar,
expõe a sua essência, a sua alma e essa informação vai ecoar na
alma das outras pessoas. Essa certamente é a comunicação mais
poderosa que existe.

O imperfeccionismo
Uma das milhares de peças de lego que o homem criou para
seu conforto foi o conceito de “perfeição”. Fui procurar no di-
cionário e, pelo menos no Houaiss, o significado não atinge a
magnitude de conceito que costumamos utilizar no dia-a-dia. No
dicionário a ideia de perfeição está mais em conformidade com
o bom senso: coisas bem feitas, que buscam excelência, que pre-
tendem ser de alta qualidade etc. Ok, isso é bastante razoável. O
que não é nem um pouco razoável é a ideia que em geral desen-
volvemos em nossa mente: a de que a perfeição é a absoluta au-
sência de defeitos. A questão básica é: tanto as qualidades quanto
os defeitos são peças de lego, portanto subjetivas, dependendo
de quem as está avaliando. Se levarmos em conta a Natureza,
que produz tudo o que produz beirando a tal perfeição, veremos
que tudo possui variáveis importantes, que são responsáveis pela
riqueza das coisas. Me explico: na Natureza, a perfeição em si,
tem em seu bojo pequenas “imperfeições”. Exemplos existem
aos montes. Uma flor nunca é igual à outra, mas um campo de
flores possui uma beleza extraordinária. Se todas as flores fos-
sem idênticas, a estética do coletivo estaria prejudicada. Ficaria
estranho, pasteurizado. Outra coisa é que dizem que não existe a
linha reta absoluta na Natureza, só em nossas cabeças limitadas,
necessitadas de peças de lego para suportar a pressão de uma vida
tão cheia de incertezas. Conheço alguns exemplos curiosos para
explicar melhor esta teoria. Você sabia que existe um aparelho

288
eletrônico chamado sampler, que reproduz à perfeição o som de
todos os instrumentos musicais? Pois é justamente este o proble-
ma: ele reproduz à perfeição. Mas nenhum instrumento tocado
pelo homem produz um som perfeito, linear, sem variações pro-
vocadas por nossas limitações físicas. Os instrumentos de sopro
são os mais complicados de reproduzir, devido à imensa variação
de uma respiração humana, que é justamente o que confere ao
instrumento aquele som único, mágico, poderoso. Nos primór-
dios do sampler, o som dos instrumentos de sopro eram perfeitos,
lineares, portanto, péssimos. Hoje, com a evolução da tecnologia,
os “defeitos” humanos foram incorporados ao som, o que apro-
ximou muito a máquina do homem. Ainda não é a mesma coisa o
som de um saxofone tocado por um ser humano e um reprodu-
zido em sampler, mas já dá para enganar ouvidos menos atentos.
Ainda na parte sonora, você sabia que se você gravar a mes-
ma pessoa e dobrar sua voz milhares de vezes não vai ficar nada
parecido com o som de uma multidão? Exatamente pelo mesmo
motivo. A tal da perfeição. O som vai ficar bonito se forem gra-
vadas diversas pessoas cantando, porque as pessoas têm timbres
diferentes, respirações diferentes e, mesmo que sejam todas mui-
to afinadas e profissionais, vai haver diferenças de microssegun-
dos na pronúncia das palavras cantadas, gerando uma riqueza de
variáveis que vai promover a beleza do canto como um todo. É
a riqueza de detalhes diferentes que gera um melhor conjunto.
Só para ilustrar, imagine uma mulher assim: a boca da Ange-
lina Jolie, os olhos da Salma Hayek, o nariz da Gisele Bündchen,
o cabelo da Julia Roberts e o rosto no formato da Fernanda
Lima. Imaginou? Agora se você for bom de photoshop e criar
esta beldade, vai perceber que o resultado será pavoroso. Quase
um Frankenstein. E por que acontece isso? Porque por mais im-
portante que sejam os detalhes isoladamente, o que conta mais,
muito mais, é o conjunto. O mesmo acontece com times de es-
portes coletivos. Nem sempre adianta juntar os melhores de cada
posição se no conjunto o time não funciona. A harmonia está
no conjunto. E, portanto, a harmonia está na equalização entre

289
“qualidades” e “defeitos”. Parece que uma coisa compensa a ou-
tra. Então, quando vejo cliente pedindo para alterar partes de um
trabalho sem enxergar o todo, e vi isso muitas vezes em minha
vida, dá uma grande frustração, porque a gente sabe que não se
mexe num detalhe de um todo impunemente. Às vezes é um
castelo de cartas: você tira uma carta de baixo que está incomo-
dando e o castelo inteiro desmorona.
Existe uma história da Ford, fábrica de automóveis que tam-
bém funciona como bom exemplo da necessidade de harmonia.
Na década de 50, um executivo qualquer da montadora teve uma
ideia brilhante: fazer uma pesquisa com o consumidor estaduni-
dense para saber, em detalhes, quais eram as suas preferências no
que diz respeito a carros. Qual o tipo de volante que ele mais gos-
tava? O tipo de calota? O tipo de farol? O tipo de estofamento?
O tipo de acabamento? A potência de motor... e por aí foi. O que
esses gênios fizeram com o resultado da pesquisa? Pegaram os
itens mais votados em cada categoria e fizeram um monstrengo
chamado Edssel. Virou um clássico de colecionadores. Porque
foi um fracasso retumbante. O carro era horroroso. Um arreme-
do de qualidades mal combinadas. O carro perfeito.
Independente de ser criativo ou não, o valor está naquilo que
contém maior equilíbrio entre a perfeição e a imperfeição.

290
UM POUCO
MAIS DE
CRIATIVIDADE
Novas realidades
Quando uma pessoa entra em contato com um produto cria-
tivo (pelo menos que ela o considere assim) a sua vida mudará,
por pouco que seja, mas mudará. Antes de ser impactada por
essa novidade, a realidade dessa pessoa era uma. Após o evento,
sua realidade terá se transformado para sempre. Basta pensar nas
coisas que conhecemos e no modo como vivemos hoje. Volte no
tempo e pense em como era a vida há vinte, trinta anos. Não havia
internet, celular e outras maravilhas da tecnologia. A impressão é
a de que não conseguiríamos retornar àquele estágio tecnológico
sem uma sensação desagradável de desconforto e de perda. É isso
que acontece com o produto criativo. Ele transforma a vida das
pessoas, criando-lhes novas realidades. E isso não é pouco.

Definição de Criatividade
Até agora tenho falado de quebra de Padrões, de quebra de
contrato com o Pedrão, mas ainda não disse o que na minha
opinião pode ser considerado Criatividade. O simples fato de
não ser Padrão não quer dizer que seja um conceito criativo. A
Criatividade envolve uma quebra de Padrão, mas a recíproca nem
sempre é verdadeira. É a velha história da melancia pendurada
no pescoço. Existe, portanto, uma definição que diferencia uma
coisa da outra. Qual é então? Bem, eu costumo começar a expli-
cação desta teoria falando que Criatividade é olhar o mundo via
satélite. Você provavelmente conhece o site da internet Google
Earth. Bem, permita-me fazer aqui um número de prestidigita-
ção, de adivinhação que tenho feito ao longo de meus anos de
palestras. Deixa eu me concentrar que daqui a pouco eu vou di-
zer qual foi o primeiro lugar que você procurou ao entrar no
Google Earth. Muita calma, tranquilidade, concentração... sim,
estou sentindo, estou recebendo a mensagem, está ficando mais
clara, estou conseguindo compreender, calma, mais um pouco,
paciência, está chegando, está chegando, está quase lá, falta muito
pouco, é isso! Já sei! Foi a sua casa! Acertei? Acho que sim. Pelo

292
menos eu acerto em 99,62% das vezes. E por que eu acerto?
Por que sou um adivinho, um mago, um druida? Não, porque a
maioria esmagadora das pessoas procura sua própria casa. Mas
por que isso acontece? É simples. Se você espremer o Google
Earth, vai sobrar uma palavra: geografia. Então, qual é o espaço
geográfico mais importante para qualquer ser humano? A sua
toca, o seu lar, sua casa. Uma questão absolutamente emocional.
Existe algum lugar que eu conheça mais e que me apresente me-
nos novidade que a minha casa, onde moro a 5, 10, 20, 30 anos?
Provavelmente não. Então qual é o truque? Bem, justamente por
você ter esta relação tão profunda com a sua casa é que você
vai fazer questão de conhecê-la de um ponto de vista que você
ainda não conhecia. O cérebro se locupleta. Porque você procura
sua casa e quando encontra aquele telhado feio, sujo e sem gra-
ça nenhuma ainda solta um suspiro de felicidade “Ah, a minha
casa!”, como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Essa
sensação de prazer e realização é exatamente a mesma que você
sente quando se depara com algo que você considera criativo. É
o prazer do seu cérebro em desvendar mais uma faceta de algum
conhecimento que parecia não ter mais para onde ir, que parecia
ter chegado ao seu limite. Quando o cérebro percebe que mais
um passo foi dado, que seu conhecimento foi ampliado sem dor
e sem desconforto, ele nos premia com o velho e bom “Parabéns
a você”.
Mas como ele nunca está satisfeito e sempre quer mais, co-
meça a procurar outras fontes de prazer. O telhado de sua casa já
era. Depois da primeira visita você não vai mais sentir a mesma
emoção. Por isso o cérebro irá pesquisar em outras bandas se
existe a possibilidade de repetir, mesmo que numa intensidade
menor, a sensação de prazer provocada pelo nosso velho e sujo
telhado. Por isso o passo seguinte do Google Earth é começar a
visitar os outros locais com os quais você tem uma relação emo-
cional: casa de parentes, de amigos, o seu trabalho, lugares em
que você passou férias etc. Depois começa a passear por pontos
turísticos de todo o mundo. E por que você não se emociona

293
ao ver o telhado da casa de alguém que você não conhece? Por-
que não tem nenhuma relação emocional com essa pessoa nem
tem um grande conhecimento da construção em si, portanto,
não há elo de ligação entre vocês. Isso significa que o cérebro
adora novidades, contanto que não seja uma novidade absoluta.
Contanto que não seja uma “coisa”. Ou seja, ele conhece, tem
uma referência forte do assunto, não tem dúvidas sobre ele, é um
padrão. Não vai provocar Partos Cerebrais. É a curiosidade no-
vamente em ação. Sem efeito colateral. Se você assistiu ao filme
“Sociedade dos Poetas Mortos” vai se lembrar da cena em que o
professor pede aos alunos que subam na mesa para olhar a sala
sob outro ângulo, sob outro ponto de vista. Esta experiência é
absolutamente válida. De fato, ao olhar a sala que você frequenta
há meses de um ângulo diferente daquele com o qual você já se
acostumou, a sensação será de novidade. Criatividade é mudar a
posição da câmera. Não existem ameaças, não existe quebra de
contrato com o Pedrão, não existe Parto Cerebral. O Castelo de
Legos recebe uma peça nova sem precisar abrir mão de outra. É
uma Novidade Inofensiva, lembra? E ainda sim é uma novida-
de. Portanto, para mim, Criatividade é olhar para o velho e ver
o novo, ou seja, olhar para o que você conhece de um jeito que
você nunca viu. E quanto mais você conhecer a situação, quanto
mais forte for a referência, maior vai ser o prazer em observá-la
de um ângulo diferente, inusitado. Isso quer dizer que a referên-
cia forte é parte fundamental do produto criativo. Ou seja, sem
padrão não há criatividade. Pois sem ele, o observador não
vai se conectar emocionalmente com a questão, não vai compre-
endê-la nem vai considerá-la criativa.

Não existe
Criatividade absoluta
O conceito de Criatividade está diretamente relacionado
com a sua compreensão, ou seja, se a pessoa que eu tento atingir
não se sensibilizou, não entendeu, não considerou a ideia criati-

294
va, então a ideia não é criativa. Para aquela pessoa em particular.
Pode ser para mim e para outras pessoas, mas para aquela não.
E não é que ela seja idiota, mal informada ou invejosa de sua ge-
nialidade extrema. Simplesmente é porque os elementos da ideia
não fazem parte do repertório desta pessoa. Não pertencem ao
Castelo de Legos dela. Este conceito está diretamente relaciona-
do com a teoria de linguística de Jacobson, que provavelmente
você estudou em algum momento de sua vida escolar. Resumida-
mente, ele definiu o conceito de comunicação descrevendo seus
elementos fundamentais. O emissor, o receptor, a mensagem, o
canal, o meio etc. Na Criatividade acontece exatamente a mes-
ma coisa. Eu que desenvolvi uma ideia, posso considerá-la cria-
tiva. Mas vai depender da forma, do meio e da linguagem para
que outras pessoas também compartilhem da minha opinião. Só
porque eu e os membros de meu grupo acham que uma ideia é
criativa, não quer dizer que outros grupos tenham de concordar
com isso. E uma ideia pode mudar de status conforme o tempo
e o lugar. Artistas que fazem sucesso em uns países mas não fa-
zem em outros. Obras de arte que não são valorizadas em uma
época e viram estrelas em outras, enfim, a Criatividade, como
tudo na vida, não é absoluta, não é unânime e não é permanen-
te. Basta lembrar do telhado da sua casa, a emoção que isso lhe
provocou. É bem provável que apenas as pessoas que moram na
casa sintam a mesma coisa. O que não quer dizer que a opinião
e o sentimento de vocês seja inválido. Aliás, nenhum sentimento
é inválido. O fato é que o objeto criativo neste caso diz respeito
a um grupo muito reduzido, o que não tira absolutamente a sua
condição de “criativo”.

O cérebro e o salmão
Usar a Criatividade, em geral, é nadar contra a correnteza.
É sentir toda a força e energia da água seguindo na direção dia-
metralmente oposta à sua. É ficar o tempo todo pensando no
porquê de se estar nessa situação. É tentar se convencer o tempo
todo de que aquele é o caminho correto a seguir, mesmo que tudo

295
à sua volta esteja dizendo o contrário. Sem contar no dispêndio
alucinante de energia para conseguir vencer a força da Natureza.
Qualquer dúvida sobre isso, você pode tentar perguntar para um
salmão que, não satisfeito de nadar contra a correnteza, ainda
tem a capacidade de vencer quedas d’água apenas com a força de
seus músculos e de sua incrível tenacidade e resiliência extraor-
dinária. Duas conclusões eu tiro deste exemplo: primeiro, criar é
difícil mas não é impossível. E, segundo, todo criativo precisa ser
um pouco salmão. Mas cuidado com os ursos!

Por que as pessoas


consideram difícil criar?
Explico essa sensação de dificuldade em três tempos:

1) Identificar que uma ideia é uma ideia – A nossa ca-


beça vive um interminável emaranhado de pensamentos. Uma
parte nasce em nossos padrões, ou seja, são pensamentos recor-
rentes e baseados no conteúdo de nosso Castelo de Legos. E
outra parte nasce do inconsciente coletivo. São pensamentos não
relacionados ao nosso repertório pessoal. Nosso cérebro junta
os dois conteúdos e faz uma salada bem maluca. Nosso pensa-
mento parece caótico e desconectado de tudo. Mas de uma coi-
sa não conseguimos escapar: nosso pensamento é involuntário.
Não o controlamos, não temos este poder. O que o ser humano,
diferente dos outros animais, consegue fazer, é, por meio da ra-
zão, forçar pensamentos diferentes daqueles que nascem invo-
luntariamente. De qualquer maneira, só elaboramos de verdade
as ideias e os pensamentos quando temos de comunicá-las, fa-
lando ou escrevendo. Do contrário elas ficam se misturando em
nossa cabeça feito um samba-do-crioulo-doido. Esse verdadeiro
manancial de conteúdo que surge o tempo todo em nossa cabe-
ça, traz em seu bojo uma série de conceitos. Aí o Pedrão dá uma
olhada minuciosa em cada um deles e decreta qual é “certo” e

296
qual é “errado”. E o critério que ele usa é sempre o mesmo: se
está na Biblioteca do Pedrão está “certo”. Se não está, está “erra-
do”. Simples assim. Portanto, quando você tem uma ideia nova (e
pode ter certeza de que você tem muitas, a toda hora), o Pedrão
imediatamente a condena e você recebe uma dose de “Você é um
idiota!” e pensa: “Nossa, como eu penso bobagens”. Bobagem
na opinião de quem? Só se for do Pedrão. Portanto a primeira
dificuldade de criar é reconhecer que uma ideia seja uma ideia, ou
um projeto de ideia. Se você deixar nas mãos do Pedrão o veredi-
to, tudo de novo e diferente que você pensar vai ser considerado
por você mesmo uma idiotice, uma piada, uma coisa sem noção.
E mais: o que é bom hoje pode não ser bom amanhã e vice-versa,
portanto jamais podemos dar um veredito definitivo a uma ideia.
A vida em sua dinâmica feroz muda o tempo todo.

2) Apresentar às outras pessoas – Como é penoso con-


ceber uma ideia diferente, da qual você tem um milhão de dúvi-
das – pois o Pedrão inferniza sua cabeça solicitando certezas e
garantias – e expô-la às pessoas! Colocá-la sob a rígida e exigente
Opinião dos Outros. Essa é a parte que mais aterroriza um ser
humano. Às vezes a pessoa não tem dificuldade nenhuma em
pensar coisas diferentes, mas trava na hora em que precisa co-
locar suas ideias à apreciação pública. Da mãe e do amigo não
vale porque eles sempre vão gostar. Estou falando de ideias apre-
sentadas a pessoas que não são necessariamente suas amigas, no
trabalho, para clientes etc. Aí o bicho pega. O velho medo da
Opinião dos Outros, o pavor de ser execrado, na maioria das ve-
zes, impede uma pessoa de levar suas ideias adiante. Seu Pedrão
fica martelando o tempo todo em sua cabeça que vai dar tudo
errado, que as pessoas vão detestar, que você vai ser ridiculariza-
do. Mas isso é só uma tática de terror do Pedrão. Ele está só ten-
tando proteger seu castelo. Defender o conhecimento adquirido
em detrimento de um conhecimento ainda não comprovado. O
grande Steve Jobs uma vez disse: “As pessoas não sabem o que
elas querem até que mostremos a elas”.

297
3) Saber vender uma ideia é tão (ou mais) importante
quanto a própria ideia – A terceira grande dificuldade de
todas as pessoas é vender sua ideia. Criar para seu interlocutor
um ambiente favorável e vantajoso. Mostrar a ele que aquela ideia
é tudo o que ele precisa. Demonstrar quase que matematicamen-
te que aquela ideia específica é a melhor possível e que vai dar
muito “certo”. Bem, como a gente já viu, não existe maneira de
se garantir nada no mundo das ideias, inclusive sucesso e adequa-
ção. Portanto a dificuldade neste momento cresce de forma as-
sustadora. O sujeito precisa de argumentos racionais para vender
um item que não é racional. Não vou dar aqui a receita de como
vender uma ideia, até porque eu mesmo tenho sérias dúvidas de
como se faz isso, mas é importante saber que muito dos fracassos
criativos se deve mais ao método de apresentação do que à ideia
em si. É um momento delicado e crucial na vida de uma ideia. É
lá que se define se ela ganhará vida ou voltará para uma gaveta
onde permanecerá pelo resto de seus dias. Conheci muitas pes-
soas em publicidade que não tiveram uma ideia criativa ao longo
de toda a sua vida e mesmo assim foram profissionais de sucesso.
Por que? Ora, sabiam vender a porcaria que criavam como se
ouro fosse. Na mesma medida, conheço muita gente talentosa
que não conseguiu juntar dois tostões a despeito de sua extrema
criatividade. Entre os principais motivos: não sabiam vender.
É bom saber que existem muitos outros fatores que influen-
ciam a aprovação ou reprovação de uma ideia. Não podemos
nunca esquecer que a cabeça do ser humano é um ninho de ratos
onde o aparente caos reina soberano. Mesmo as pessoas mais
equilibradas e previsíveis têm um carnaval de ideias sambando
dentro de suas cabeças. Por isso, para as coisas acontecerem ou
não, depende do momento. Se você, por exemplo, for apresentar
sua ideia para uma pessoa que acaba de receber uma excelente
notícia, é muito provável que as chances de a ideia ser aprovada
aumentem sensivelmente, mesmo que não seja muito boa. Ao
contrário, se o interlocutor brigou com a mulher, bateu o carro e
pisou no cocô do cachorro, mesmo se sua ideia for excepcional-

298
mente boa e adequada terá sérias dificuldades em avançar neste
ambiente em particular.

Não existe democracia


em Criatividade
Se existe um conceito que não combina de maneira nenhu-
ma com a Criatividade é a democracia. Ok, tudo bem, no século
21 já não há mais o que discutir sobre o valor do pensamento
democrático, mas não tem jeito. Para um produto criativo seguir
adiante no árduo caminho da aceitação geral, vai precisar de al-
guém com mão de ferro e espírito inquebrantável no comando
das ações. Alguém, com poder, vai ter de bancar a ideia, senão
ela não vai vingar. Por quê? Ora, é simples. O produto criativo é
novo, nunca ninguém fez, portanto jamais foi testado. Na cabeça
das pessoas não existe referência desta ideia, portanto o Pedrão
vai bloquear, dizer que não presta, que é ruim, que não vai dar
certo, que em time que está ganhando... essas coisas do reper-
tório do Pedrão. Todo mundo pode opinar sobre uma ideia, o
que é muito bom, diga-se. Quanto mais opiniões, mais rico pode
ser um produto criativo. Só que a palavra final tem que ser obri-
gatoriamente de uma pessoa. Aquela pessoa que, a despeito de
não ter certeza nenhuma, vai usar seu instinto, sua intuição para
ancorar a sua coragem. Sem isso, não há ideia criativa que resista.
Se todo mundo for colocar seus medos, limitações, dúvidas e pa-
drões na mesa de decisões, nada que é diferente, novo, inusitado
vai conseguir resistir. Então, o ideal para o desenvolvimento de
ideias criativas em um grupo é: todo mundo palpita, mas só um
decide. É claro que existem pessoas que trabalham juntas que
conseguem compartilhar uma mesma linha de pensamento e que
portanto não necessitam de um único poder decisor. Mas isso é
raro. Na regra geral, as pessoas têm grande dificuldade em assu-
mir o mesmo risco. Uma prova disso que estou falando é aquela
histórias do “te vira, negão”, em que o arquiteto tinha o poder

299
criativo do hotel de Dubai e graças a isso conseguiu realizar uma
obra diferenciada e poderosa.
Essa história me fez lembrar de uma frase de um dos papas
do marketing de todos os tempos, Peter Drucker, que disse, há
muitos anos: “É absurdo falar-se no fim da hierarquia. Se o na-
vio estiver afundando, o capitão não convoca uma reunião, ele
dá uma ordem”. Com o produto criativo também: hierarquia é
condição sine qua non.
Neste contexto, existe um fenômeno curioso que aconte-
ce, por exemplo, com bandas de música de sucesso. E já que
estamos falando de bandas de música e de sucesso, vou usar a
que melhor uniu essas duas coisas: os Beatles. Sucesso estrondo-
so, extraordinário, mudaram inclusive os costumes, interferindo
na cultura contemporânea. Pois bem, era exatamente o conflito
entre mentes brilhantes e as concessões que cada um estava dis-
posto a oferecer, que resultava no som incomparável e clássico
produzido pelos Fab Four. Conforme o sucesso vai aumentando,
a vontade de conceder vai diminuindo de forma proporcional.
Quanto mais “certos” os membros do grupo se sentem como
indivíduos, em razão do sucesso, menos disposição em ceder eles
têm. É claro, se eu estou “certo”, porque vou aceitar fazer o “er-
rado” que o meu colega está propondo? Aí, quando todo mundo
está “certo”, todo mundo está também “errado” e a harmonia
do grupo se desfaz completamente. O único caminho a seguir
é a separação. Que foi o que os Beatles e tantos outros grupos,
fizeram. Mas o que aconteceu depois disso? Continuaram fazen-
do um relativo sucesso, mas nunca chegaram aos pés da força,
intensidade, repercussão e capacidade de mobilização das massas
que tinham quando estavam juntos. O que me faz concluir que o
grande talento dos quatro, na verdade, foi conseguir durante um
tempo mesclar os estilos, ideias e opiniões. Quando isso se tor-
nou impossível, eles acabaram de certa forma matando a galinha
dos ovos de ouro.

300
Criar é aprender.
Quem “sabe” não cria
A mente de um individuo criativo é uma janela necessaria-
mente aberta. Todos os seus conhecimentos estão o tempo todo
sob ameaça e portanto ele vive um estado de constantes ava-
liações e redirecionamentos. Porém, a tendência do ser huma-
no é preservar ao máximo o conhecimento adquirido, evitando
mudanças bruscas e reposicionamentos conceituais. Você já viu
que os sistemas de proteção aos nossos padrões são poderosos.
Isso posto, podemos concluir que a pessoa que preza demasia-
damente o conteúdo de sua Biblioteca do Pedrão, ou seja, aque-
la que se considera sábia o suficiente, terá naturalmente maior
dificuldade em aceitar novas aquisições, novos conceitos, novas
ideias. Por isso mesmo terá sérios obstáculos para desenvolver
um pensamento criativo. Já a mente do indivíduo criativo pre-
cisa ser ininterruptamente receptiva e ávida por novidades, por
descobertas, por aprendizado constante. O criativo deve a todo
custo preservar o interesse juvenil de ampliar conhecimento, a
despeito do tamanho, capacidade e poder de seu repertório pes-
soal. Essa curiosidade aliada à percepção de que ainda tem muito
o que aprender, abre espaço em seu cérebro para novas ideias,
nutrindo por elas um apreço tão grande ou maior do que aquele
que nutre pelo conhecimento anteriormente adquirido. Portanto
o criativo é aquele que consegue com mais facilidade e frequência
se desconectar de suas “verdades” e abrir caminho para o novo,
o desconhecido, o maravilhoso mundo das ideias.

Criatividade é...
Ferramenta de adaptação – Muita gente pensa que a Cria-
tividade é uma coisa mágica e extraordinária envolta em nuvens
de mistério que aproxima o homem do divino e o lança majesto-
samente ao panteão sagrado dos deuses. Menos, por favor, me-

301
nos. Criatividade é apenas uma ferramenta de sobrevivência, que
nos proporciona, primordialmente, a capacidade de nos adaptar
ao ambiente e às circunstâncias que nos rodeiam. Nada de má-
gico, místico ou sagrado. Apenas uma das diversas formas de
atingir a Diretiva Primária, ou seja, o objetivo principal de nosso
gene: sobreviver a qualquer custo.
Brincar – Criar é um ato lúdico. Exige liberdade de pensamento
e expressão, inexistência de barreiras e padrões, despojamento
de suas “verdades” e “certezas”, uma certa irresponsabilidade,
imaturidade e diversão. A pessoa que não se permite esses sen-
timentos realmente vai ter sérias dificuldades em desenvolver
pensamentos criativos. É uma espécie de volta à infância, já que
todas essas características necessárias para o pensamento criativo
são a pura expressão da nossa meninice.

Seja criança, só não seja pequeno.

A massagem da alma – Quando nos vemos diante de uma


ideia, objeto, conceito, produto que para nós é criativo, nosso
cérebro se sente acariciado, acarinhado, feliz, massageado. A rea-
ção à Criatividade é, em geral, positiva. Mas como eu já disse
várias vezes, Criatividade é um conceito individual. Cada pessoa
tem o seu próprio conceito do que é criativo e do que não é. De
qualquer maneira, podemos reconhecê-lo em nós mesmos ape-
nas pela nossa reação emocional a ele.
Pensamento lateral – Conceito criado por Edward De Bono.
É pensar de um jeito diferente daquele que estamos acostuma-
dos. É pensar sem ficar escravo da nossa Biblioteca do Pedrão, de
nosso repertório particular, usando apenas nossas peças de lego.
Você provavelmente já se utilizou do pensamento lateral de for-
ma intuitiva. Diante de um dilema você, sem alternativas, pensou:
“O que tal pessoa faria no meu lugar?”. Pensamento lateral, fora
de seu campo de visão, fora de sua forma tradicional de pensar.
Fora de seus padrões. E esta técnica funciona muito bem, diga-
se. As ideias surgem com mais facilidade e mesmo que a gente

302
não saiba como tal pessoa pensa, o simples fato de sairmos de
nossa redoma, de nosso próprio Castelo de Legos, faz com que
as ideias diferentes apareçam. É como se você dissesse ao seu
Pedrão que ele não precisa se preocupar. Aquilo que você está
pensando não é ideia sua, portanto não precisa ser julgada com
tanta severidade. E o Pedrão, tonto, acredita e permite que você
caminhe por trilhas que ele desconhece sem que isso o perturbe
e, consequentemente, desconte em você.
Associação de ideias – É utilizar a nossa extraordinária
capacidade de associar conceitos que antes pareciam não asso-
ciáveis. É gerar muitas Listas Mentais e fazer um exaustivo in-
tercâmbio entre elas, procurando lógicas novas, reescrevendo
padrões, reinventando crenças, criando pontes entre torres do
nosso castelo, encontrando soluções nunca dantes imaginadas,
mas que, ao primeiro contato, façam todo o sentido do mundo.
Patchwork de referências – Imagine aquela colcha de re-
talhos, resultado da mistura de vários pedaços de tecidos dife-
rentes. Criar é saber juntar vários pedaços de informações co-
nhecidas para formar uma nova. Nem todas as misturas ficam
boas. A pessoa dita mais criativa é aquela que, por alguma razão,
consegue fazer composições melhores, acarretando em melhores
resultados. A criação a partir “do nada” não é considerada criati-
va. Mesmo os grandes gênios criativos da humanidade juntaram
referências diversas para realizar suas obras. Nenhum “inventou”
nada, partindo do zero. Apenas soube misturar e criar composi-
ções harmoniosas e relevantes para sua época.

Criar é unir padrões de forma inusitada.

Ouvir a intuição – É não esperar que o seu Pedrão valide as


ideias que passam pela sua cabeça. É acreditar naquilo que não
se prova, naquilo que não encontra eco no seu Castelo de Legos,
naquilo que você não tem certeza mas alguma coisa lhe diz que
faz sentido. É saber que o impossível não existe, que tudo pode
ser enxergado de uma maneira diferente, nova, surpreendente.

303
É acreditar não no que se vê, mas que se sente. É ser validado
pelo inconsciente coletivo e não pelo Pedrão. O Pedrão é grande
mas é lento. Seja mais rápido que ele. Ao ter um pensamento
diferente, anote, grave, registre de alguma forma. Porque se você
demorar muito pensando, o Pedrão chega e acaba com a festa.
De onde veio esta ideia? – Eu ouço muito esta pergunta e
muito provavelmente você já tenha ouvido também. O fato é que
ideia não precisa de atestado de antecedentes. Não precisamos
saber de onde ela veio, por que ela apareceu em sua cabeça neste
momento, qual o seu propósito etc., etc., etc. Isso é uma obses-
são do ser humano que não ajuda em nada no desenvolvimento
de novas ideias. Uma vez assisti a um documentário na TV que
dizia que se um gato vê uma bolinha passar pela sua frente, corre
imediatamente atrás dela. Mas que se um ser humano vê uma
bolinha passar pela sua frente, ele olha para o sentido contrário.
Ele quer saber que bolinha é aquela, quem jogou, por que jogou,
e por aí vai. A bolinha já foi embora e a pessoa está ali a questio-
nar todas as coisas que no final das contas não têm importância
nenhuma. Ele deixou de aproveitar a bolinha para justificar a sua
existência. E isso é uma característica do ser humano: ele preci-
sa, desesperadamente, saber. O não-saber é o mesmo que estar
“errado”. E dá-lhe “Você é um idiota!”. Então, mais importante
do que viver, ele quer saber o por quê da vida, qual a função, qual
o motivo, qual razão. Por isso, historicamente, criou divindades
para justificar sua ignorância com relação aos fenômenos da Na-
tureza: o sol, a lua, a chuva, o fogo, a terra, a fecundação etc. O
homem quer saber as causas. Sem isso, ele não tem conforto, não
tem paz. Por isso, quando temos uma ideia verdadeiramente ori-
ginal nos vemos tentados a perscrutar em nossa mente qual foi
a razão que nos fez chegar a ela para que possamos justificá-la
racionalmente e conseguir, assim, a ilusória segurança de estar-
mos “certos”. Então o que eu sugiro é que sejamos mais gatos
e menos humanos na hora de trabalhar criativamente, porque se
nós soubermos de onde a ideia veio, com certeza foi o Pedrão
que nos assoprou no ouvido. Se, por outro lado, não tivermos a

304
menor pista do porquê da ideia, não quer dizer necessariamente
que seja uma ideia criativa, mas as possibilidades são boas.
Questionar o estabelecido – Graças ao Hímen do Pedrão,
nós temos a tendência de trabalhar o tempo todo no piloto auto-
mático. As coisas vão acontecendo e nós vamos reagindo confor-
me nossa programação mental. Porém, quando você se compro-
mete a adotar uma atitude criativa perante a vida, passa a ter de
administrar esta situação com muito cuidado. Prestar atenção em
tudo e avaliar se as suas reações, seus pensamentos, suas atitudes
são ideais para você e as circunstâncias que o cercam, ou se tudo
não passa de uma reprodução pura e simples de seu repertório
tradicional encontrado na sua Biblioteca do Pedrão. Por isso eu
digo que questionar o estabelecido enche o saco dos outros (que
não querem sair da zona de conforto nem por decreto), mas vai
fazer de você uma pessoa mais ligada e preparada para as coisas
da vida. Mas não tem jeito: o criativo é antes de tudo um chato.
Adaptação inconformada – Nem sempre temos as condi-
ções ideais, o ambiente favorável e recursos ilimitados para resol-
ver os problemas que surgem em nosso dia-a-dia. Na verdade,
acho que de fato nunca temos nenhuma dessas coisas e sempre
temos de lidar com o inesperado utilizando apenas aquilo que te-
mos à mão. Isso ficou bem claro para mim no episódio em que a
Apollo 13 teve problemas e quase causou a morte de seus astro-
nautas. No filme estrelado pelo Tom Hanks que conta esta histó-
ria, tem uma cena que mostra exatamente o que estou querendo
dizer. Num determinado momento da história, os astronautas
precisam sair de uma cápsula e passar para a outra, em função
de necessidades de sobrevivência que não me lembro agora, mas
também não vem ao caso. O único porém deste deslocamento é
que, para que a cápsula para onde eles estavam se deslocando se
tornasse habitável, eles precisavam transferir o oxigênio da outra
cápsula, mas não havia nenhum condutor a bordo que servisse
a este propósito. Então, a NASA convocou seus engenheiros,
levou todos a uma sala e jogou em cima de uma mesa todos os
objetos que os astronautas tinham disponíveis lá em cima. Não

305
dava para criar um aparelho totalmente novo e levar de motoboy
até a Lua. Eles precisavam trabalhar com aquilo que os astro-
nautas tinham à mão. E o resultado foi muito curioso. Não me
lembro de todo o processo, mas recordo que a primeira coisa que
eles fizeram foi arrancar a capa de um manual de voo, enrolar e
criar um tubo, colado com fita crepe. No final, eles construíram
um adaptador que acabou por salvar suas vidas. Já ouvi muita
gente reclamar que não estava sendo criativo por não trabalhar
nas condições ideais, mas o que elas não sabem ou talvez tenham
esquecido, é que ser criativo é justamente isso: improvisar na cri-
se, quando tudo parece que irá falhar. Como eu já disse ante-
riormente, a capacidade de improvisar é a raiz da Criatividade. E
salve São Magaiver!
Uma forma de nos relacionar – O ser humano é um ani-
mal empático. Por mais que pareça que não, temos uma forte ten-
dência a nos colocarmos no lugar do outro e sentirmos empatia
por ele e sua situação. É o lado positivo da Opinião dos Outros.
Isso faz com que seja possível convivermos em sociedade. Como
prova, imagine quando acontece um acidente muito grave, pes-
soas morrem, sofrem muito, deixam entes queridos etc. Mesmo
que não conheçamos ninguém envolvido, nem tenhamos uma
experiência correlata – o que nos provocaria identificação ime-
diata –, é provável que sofreremos por estas pessoas, pela sua dor
e pela sua experiência desconcertante.
Basicamente este sentimento de empatia serve também
para explicar outro sentimento muito forte que carregamos,
querendo ou não: queremos ser amados. Tem tudo a ver com
o Estatuto Instintivo de Aprovação Mutual. Sabemos que ser
amado significa estar “certo”, muito “certo”, pelo menos diante
da pessoa ou das pessoas que nos amam. O indivíduo em geral
usa a Criatividade para tentar fortalecer estes sentimentos. Mas
é um risco muito grande. A pessoa que cria está colocando os
padrões alheios em questionamento, por isso sofre o risco de
ser execrado, de ser rejeitado e criticado. Mas, se por outro lado,
o produto criativo for bem sucedido, o criativo se verá numa

306
situação muito agradável. Doses maciças do “Parabéns a você!”
fluirão por sua corrente sanguínea, aumentando seu prazer, sua
sensação de aceitação social, sua sensação de estar “certo”. Ser
reconhecido como uma pessoa criativa, portanto, é uma forma
de buscar relacionamento com os outros. Uma forma arriscada
e às vezes tensa, mas que pode trazer grandes alegrias e muito
prazer ao indivíduo. O que me lembra outra de nossas incríveis
contradições:

O indivíduo criativo utiliza a zona de


desconforto para chegar à zona de conforto.

Assumir riscos – O criativo é um jogador. Ele se arrisca o


tempo todo e nem sempre consegue atingir seus objetivos. Mas
não tem jeito: não existe Criatividade sem riscos. Não existe a
Criatividade segura. A Criatividade infalível. Portanto é preciso
aprender a conviver com todas as possibilidades que nos cer-
cam. Quem não se arrisca não cria. Pelo simples fato de que a
Criatividade pressupõe novidade, pressupõe quebra de padrões,
pressupõe Parto Cerebral. Por mais experiência que você tenha,
nunca vai conseguir saber o que vai atingir as pessoas ou não.
A vida e o mundo são elementos muito dinâmicos, mudam a
cada segundo e o que deu certo hoje não necessariamente vai dar
certo amanhã, nem pode ter dado certo ontem. Por isso a Criati-
vidade pode ser considerada um jogo de azar, como pôquer, por
exemplo. Nos Estados Unidos, jogar pôquer é considerado uma
profissão, ou seja, o sujeito garante seu sustento jogando. Ora,
ele não pode depender apenas da sorte, senão não seria possível
garantir o leite das crianças. O fato é que o jogador de pôquer
profissional conhece muito bem o jogo, mas não depende muito
da sorte. Ele sabe jogar. O que não quer dizer que ele não perca
muitas vezes. O fato de ele ter uma boa mão não garante que
ele puxe as fichas. Da mesma forma que uma mão ruim não o
condena inexoravelmente. Se ele souber jogar, vai saber poten-
cializar seu jogo, só isso. Não garante nada. Da mesma forma é o

307
trabalho criativo. Ele potencializa nossas possibilidades na vida,
mas não garante, absolutamente, o sucesso.
Insegurança democrática – E não se iluda: enquanto você
quiser produzir material criativo você vai ficar inseguro com rela-
ção ao seu resultado. Não importa sua experiência anterior, nem
o seu prestígio atual. Um exemplo magnífico para explicar este fe-
nômeno é falando daquele que considero um dos maiores gênios
criativos do século XX, o Charlie Chaplin. Não só como cômico,
mas como cineasta, pois ajudou, como ninguém, a criar uma lin-
guagem cinematográfica quando a sétima arte ainda estava enga-
tinhando e arriscando seus primeiros passos. Pois bem, Charlie
Chaplin ficava completamente transtornado antes da estreia de
seus filmes. Ansioso, inseguro, tenso. Ele só relaxava quando to-
mava conhecimento do sucesso de bilheteria e de crítica. Por que
acontecia isso, se ele já era considerado um gênio e seu sucesso
era incontestável no mundo inteiro? Bem, Chaplin tinha um es-
pírito indomável, questionador, insatisfeito. Todos os seus filmes,
com a exceção do último, já na velhice, foram quebra-padrões.
Eram diferentes, ousados, criativos, inovadores em um ou mais
aspectos. Não havia referências passadas para corroborar um
eventual sucesso. Era um tiro no escuro, podemos dizer. Mas um
tiro no escuro de um gênio tem sempre mais chances de acertar
um alvo que um tiro de um indivíduo mediano em plena luz do
dia. Ele sofria as mesmas angústias de qualquer pessoa criativa,
famosa ou não, reconhecida ou não. A insegurança no processo
criativo é, digamos, democrática. Se você não ficar em dúvida
sobre seu trabalho antes que ele seja apresentado ao seu público,
alguma coisa está errada. Ou você está requentando uma ideia
que já usou antes ou está simplesmente repetindo ideias alheias,
consciente ou inconscientemente. Ou seja, não há alvará para
insegurança no trabalho criativo. Não há como escapar da preo-
cupação com a Opinião dos Outros. Queremos ser aprovados.
Queremos estar “certos”. Mas vou repetir mais uma vez: não
ser eminentemente criativo, não quer dizer que o trabalho não
seja bom e que não agrade aos outros. Como já disse, estamos

308
neste livro tratando de compreender o processo criativo e é nele
que me baseio para exprimir estas opiniões. Aliás, a Criatividade
também não é garantia de sucesso. O sucesso é um conceito que
nada tem a ver com qualidade, com fazer bem ou mal feito, com
ser criativo ou não. É outro assunto completamente diferente.
Sucesso tem muito mais a ver com conseguir uma conexão com
o inconsciente coletivo. De alguma forma que ninguém ainda
desvendou, a ideia seduz uma quantidade muito grande de cére-
bros, trazendo algum tipo de prazer e conforto. O sucesso é ser
relevante. É claro que o sucesso também tem a ver com a nossa
necessidade de concordar com o grupo. Quando uma ideia, um
produto, um conceito começa a agradar muitas pessoas, aquelas
que vivem à sua volta passam a admirá-lo também, nem sempre
por vontade própria, mas simplesmente para seguir o grupo e ser
melhor e mais aceito nele. Conclusão: se o Chaplin que era um
gênio, sentia insegurança, o que diremos nós, pobres mortais?
Vomitar – O primeiro estágio do processo de criação é botar
pra fora tudo o que vier a cabeça, sem julgamento, sem bloqueios,
sem se preocupar se é bom ou ruim, “certo” ou “errado”. Porque
se você fizer estes julgamentos antes, é sinal de que o Pedrão está
participando de seu brainstorming, e isso não podemos admitir em
hipótese alguma se queremos realizar um trabalho verdadeira-
mente criativo. O “errado”, o ruim, o nada-a-ver, a idiotice, o
como-eu-penso-merda, e muitos outros são apenas sinais de que
o seu Pedrão está atento. Vou repetir mais uma vez: se é criativo
é novo. Se é novo, nunca foi pensado. Se nunca foi pensado,
não há registros na Biblioteca do Pedrão. Se não há registros na
Biblioteca do Pedrão então o botão vermelho do painel de con-
trole do Pedrão será ativado: “Você é um idiota!”. E isso espanta
e amedronta a maioria das pessoas. O fato é que são justamen-
te estas coisas que nos incomodam que devemos levar mais em
consideração na hora de criar. O incômodo não vai desaparecer
só porque temos consciência do que está acontecendo em nosso
cérebro. Vamos apenas tomar para nós o controle da situação e
não deixar que o Pedrão nos manipule de maneira tão intensiva.

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É como dizia o grande Einstein: “Se, a princípio, a ideia não é
absurda, então não há esperança para ela”. E é por isso que digo
que criar é como vomitar. O organismo, ao sentir que o tomate
que você comeu estava estragado, vai expulsá-lo de seu corpo.
Mas ele não tem capacidade de separar o tomate do macarrão, do
queijo e de tudo o mais que você comeu. Então ele bota tudo pra
fora. No processo criativo deve ocorrer o mesmo. Não se preo-
cupe em acertar. Se preocupe apenas em botar pra fora tudo o
que vier à cabeça. Só assim você permitirá que suas ideias surjam
de maneira espontânea e rica em possibilidades.
Não desistir jamais - Uma coisa eu percebi um dia em que
estava assistindo um documentário no canal de TV NatGeo
Wild. Na Natureza é assim: vence quem não desiste. Ou melhor,
é proibido desistir. Seja planta ou animal, só vence, só vinga, só
vai para frente quem insiste, quem não se abate, quem vai até o
fim. Quem não aceita a derrota como possibilidade. Veja a luta
entre machos para decidir quem vai ficar com as fêmeas. Ou a
presa que sabe que não pode desistir de fugir se quiser permane-
cer viva. E muitos são os exemplos que eu acredito que podem
ser aplicados à nossa vida moderna. E o criativo, em particular,
precisa ter isso bem claro em sua mente se quiser ser criativo
mesmo, de verdade. Vai ouvir muito mais “nãos” em sua vida do
que “sins”. Vai enfrentar muitos obstáculos até ver sua ideia de
pé. Talvez, nunca veja. Mas não pode parar de lutar nunca. Pelo
menos enquanto quiser ser criativo. É uma escolha. Diria até que
o ícone ideal para o indivíduo criativo é o joão-bobo. Não im-
porta as porradas que leve, ele sempre se levantará. Pense nisso,
porque eu tenho absoluta certeza do que eu estou dizendo. Ou
não. Afinal, “certeza” é apenas um padrão.

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CONCLUSÃO
Diante de um cenário como este pintado pela Inteligência
Criativa, não tenho como propor uma conclusão definitiva, até
porque “conclusão” é apenas um padrão, e, como tal, suscetível
de diferentes visões. Enfim, aqui vai a minha visão.
Em primeiro lugar, concluo que a Criatividade é fruto da
nossa necessidade imperiosa de sobrevivência, definida pela Di-
retiva Primária de nosso gene. A partir daí, fica claro para mim
que Criatividade não é coisa de artista e tem sido exageradamente
valorizada na sociedade moderna, visto que não é uma virtude
e, sim, uma ferramenta biológica de adaptação. Uma entre tan-
tas. No fundo, ela serve eminentemente para aumentar as nossas
possibilidades de resolver problemas, de nos adaptarmos. Ne-
cessidade que atinge a todos, democraticamente, não importa a
profissão, classe social, raça etc.
Criatividade não se aprende. A única coisa que dá para
aprender é a se desbloquear. Isso porque nosso cérebro é extre-
mamente fértil e cria sem parar, independente de nossa vontade.
É o Pedrão que não deixa que as ideias que estejam fora de seus
padrões sejam sequer consideradas como possibilidades de ideia,
definindo-as como loucuras, idiotices, bizarrices e afins. E nós,
em nossa ingenuidade, acreditamos que foi um pensamento nos-
so, fruto de um raciocínio pragmático que produziu uma conclu-
são isenta, baseada apenas em quesitos qualitativos, sem filtro.
Para criar, precisamos nos rebelar contra o Pedrão e o sen-
timento de culpa que sentimos a cada ideia original que produ-
zimos. Por isso, Criatividade é autopermissão, é liberdade de
pensamento, é deixar rolar. Independente do desconforto. É en-
tender o desconforto e relevá-lo. Criar é uma simples questão de
aprender a administrar nossos controles internos. É desenvolver
a Inteligência Criativa. Mas não se esqueça: nós precisamos dos
padrões para sobreviver. Até porque eles, além de nos fornecer
segurança emocional, são a matéria-prima da Criatividade. Por
isso, você pode ter certeza de uma coisa:

VOCÊ É CRIATIVO, SIM SENHOR!

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DICIONÁRIO
SZKLONIANO
Biblioteca do Pedrão – Local em nosso cérebro onde se arquiva todo
o acervo de informações que recebemos e construímos ao longo de
nossa vida, nosso sistema de crenças, nossos padrões mentais. Possui o
formato de um Castelo de Legos.
Castelo de Legos – Nossa estrutura de crenças. Cada nova infor-
mação que recebemos e decodificamos se transforma em uma peça
de lego que é conectada à estrutura. Ao longo dos anos vai ficando
mais difícil realocar peças localizadas nos níveis mais baixos de nossa
construção. Quando nos deparamos com uma informação criativa, a
tendência é rejeitá-la, já que não a encontramos em nosso castelo.
Código Binário de Axiomas Pessoais – A estrutura biológica de
nosso cérebro nos faz maniqueístas, ou seja, ou estamos “certos” ou
estamos “errados”. O meio termo é um conceito que exige raciocínio,
a razão, portanto, distante do controle de reações espontâneas.
Comparômetro – Ferramenta utilizada por nosso cérebro para auxi-
liar na associação de ideias, pois cria um paralelo entre algo desconhe-
cido e algo conhecido, facilitando sua compreensão e interpretação.
Criatividade – Todo animal é dotado da capacidade de improvisar
diante de situações inusitadas. O ser humano, em razão do extraordi-
nário aumento de sua potência cerebral, elevou esta faculdade a níveis
admiráveis. Improvisa quando quer, quando é contratado para impro-
visar, improvisa até sem querer. Criatividade, portanto, é a evolução
promovida pela espécie humana da inata capacidade animal de engen-
drar soluções para problemas inéditos. Não é dom, apenas uma ferra-
menta biológica de adaptação.
Critério Invisível – Durante uma tomada de decisões, nos curvamos a
uma necessidade inconsciente de escolher o que nos deixará mais con-
fortáveis. E para tanto, às vezes produzimos justificativas estapafúrdias
para avalizar o caminho escolhido, chegando, inclusive, a acreditar ne-
las como verdades incontestáveis.
Dilema de Monkey – A cada decisão, pequena ou grande, que temos
de tomar durante nossas vidas, sentimos o dilema entre fazer o que já
é conhecido (Padrão) e tentar uma coisa nova.
Diretiva Primária – Plantas e animais nascem, crescem e morrem
sob uma lei invisível e inquestionável estabelecida por seu gene: “So-
breviva a qualquer custo!”, ou seja, a Diretiva Primária. E para que ela
seja cumprida a contento, vários comandos são acionados: prolifere,
compita, alimente-se, adapte-se e, no caso de algumas espécies como o

314
Homo sapiens, viva em grupo. Mesmo sem percebermos, todo o nosso
comportamento é orientado para o cumprimento da Diretiva Primária
e seus comandos.
Efeito Supositório – Com o propósito de economizar energia, nosso
cérebro evita analisar detalhadamente cada nova situação que vivemos.
Tira conclusões a partir de suposições baseadas em nossas experiên-
cias anteriores, nem sempre levando em consideração uma eventual
diferença de cenários. Mesmo assim as consideramos como certezas
inquestionáveis. Temos convicção de que vimos o que nossos olhos
não viram ou que ouvimos o que não foi dito.
Esfarrapadium – Fenômeno muito comum em nossa espécie. Como
a sensação de estar “errado” é massacrante para o nosso sistema emo-
cional, temos a tendência de encontrar sempre uma desculpa, muitas
vezes esfarrapada, para justificar o ato, o pensamento, o sentimento.
E, em geral, acreditamos do fundo da nossa alma nesta justificativa,
tomando-a como uma verdade incontestável.
Estatuto de Aprovação Mutual – Nosso gene definiu há tempos que
nossa espécie precisa, obrigatoriamente, viver em grupo. E para que
esta diretriz seja devidamente seguida, somos dotados de uma neces-
sidade incontrolável de sermos aceitos, ou seja, de sermos aprovados
pelos outros de nossa espécie. Somos todos então, em tempo integral,
julgadores e julgados.
Feriado Interno – Toda nova informação que recebemos, para ser
absorvida pelo cérebro, precisa ser decodificada e processada. Uma
operação trabalhosa que mexe com nossa estrutura de crenças e pa-
drões, provocando desgaste de energia e um consequente desconforto.
Daí a tendência de preferirmos as situações onde, em razão de nossa
grande familiaridade, possamos oferecer uma folga ao nosso cérebro.
Gangorra Vital – Nosso comportamento é fruto de uma série de
componentes químicos e físicos que fazem com que sejamos mais ou
menos agressivos, mais ou menos ansiosos, mais ou menos corajosos
e etc. Não existe “certo” ou “errado”, apenas opções diferentes, ne-
cessárias para promover mais chances de sucesso ao nosso gene. Cada
ferramenta comportamental, em função de sua intensidade, promove
diferentes resultados, geralmente antagônicos. Daí a imagem da gan-
gorra. Mas não importa sua posição, você terá sempre vantagens e
desvantagens em relação ao ambiente. Remédio e veneno são a mesma
fórmula, a diferença está na dose.

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Hímem do Pedrão – Sistema de defesa de nossa estrutura de cren-
ças. De forma instantânea e automática negamos veementemente qual-
quer possibilidade de quebra de um padrão. Porém, alguns segundos
de raciocínio lógico podem nos fazer repensar o assunto e o que era
“impossível” pode passar a ser considerado viável. Não fosse assim,
não conseguiríamos criar nem manter nossos padrões, já que qualquer
interferência externa facilmente mudaria nossa opinião.
Honesting – O marketing atual é uma instituição falida. O concei-
to original foi totalmente subvertido e hoje, ao invés de as empresas
enaltecerem suas reais qualidades, preferem dizer o que elas acredi-
tam que o consumidor quer ouvir, sem nenhum compromisso com a
sinceridade e transparência. Honesting é um conceito que prega uma
relação sincera entre instituições e consumidores. Somos todos adultos
e portanto saberemos entender as reais motivações de uma empresa e
certamente valorizaremos sua honestidade de propósitos.
Hormônios Disciplinares – Hormônios responsáveis pelo controle
de nosso comportamento, utilizando como ferramentas o prazer e a
dor. Se estamos “certos”, ou seja, dentro dos padrões, recebemos uma
dose do hormônio “Parabéns a você”, que vai nos proporcionar prazer
e nos alertar de que estamos no caminho correto. Já, se estivermos “er-
rados”, ou seja, fora dos padrões, receberemos uma dose do hormônio
“Você é um idiota”, que nos deixará claro que o caminho escolhido é
equivocado. Mas “certo” ou “errado” para quem? Ora, para o nosso
Pedrão, que controla todo nosso sistema de crenças. Daí a dificuldade
de criar, já que uma nova visão sempre nos provocará desconforto.
Índice de Aprovação Individual – Valor abstrato que retrata nossa
percepção pessoal do quanto somos aceitos ou não pelos outros. Nas-
cemos, crescemos, vivemos e morremos desejando praticamente uma
coisa: sermos aprovados como indivíduos ou, o que se costumou dizer,
sermos amados. Está diretamente relacionado ao comando “Viva em
grupo” determinado por nosso código genético.
Inteligência Criativa – Teoria filosófica criada por Henrique Szklo
que busca compreender a nós mesmos e o mundo que nos cerca utili-
zando a Criatividade como ferramenta.
Listas Mentais – Cada neurônio é capaz de realizar milhares de cone-
xões com outros neurônios. Em nosso cérebro, cada palavra, conceito,
imagem, cheiro e sentimento possui uma lista imensa de conexões e
associações, muitas vezes inexplicáveis. Estas são as chamadas Listas

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Mentais. São parte fundamental do pensamento criativo, já que este é
resultado de novas e inéditas conexões, a que comumente chamamos
de “associação de ideias”.
Listas Mentais Primárias – Produzimos em nosso cérebro Listas
Mentais que organizam todo o nosso repertório. Destas, três são con-
sideradas Primárias por estarem relacionadas ao suporte emocional do
indivíduo, ou seja, o que ele acredita ser fundamental – TER, SER
e SABER – para uma completa realização como ser humano. Nosso
cérebro faz um check list constante, conferindo de forma persistente e
ininterrupta se aquilo que esperamos de nós mesmos e da vida está se
realizando ou não.
NeuroGúgou – Nosso repertório (Biblioteca do Pedrão) está guarda-
do em nosso cérebro no formato de um banco de dados. O Neuro-
gúgou é o sistema de busca que vai encontrar, assim que solicitado, to-
das as informações relativas a algum conceito. Ao pensarmos em uma
maçã, por exemplo, nosso cérebro faz uma busca e instantaneamente
temos acesso a uma série de informações relacionadas a ela, gerando
uma Lista Mental.
Neurônios Virgens – Neurônios ainda não utilizados, prontos para
serem conectados a alguma informação nova que o cérebro processar.
Responsáveis pela nossa capacidade de criar, de aprender e de memo-
rizar. Têm o formato de peças de lego transparentes. Ao receberem
algum conteúdo, perdem a virgindade, ganham uma cor e são enviados
ao nosso Castelo de Legos para serem devidamente encaixados em um
local apropriado de nosso sistema de crenças.
Novidades Inofensivas – Novas informações que, de tão parecidas
com as velhas, passam despercebidas por nosso sistema de proteção de
padrões. E mais: muitas vezes provocam até um pequeno prazer.
Opinião dos Outros – Nosso gene definiu há milhares de anos que
nossa espécie deveria obrigatoriamente viver em grupo. Isso gerou uma
série de comportamentos inconscientes, entre eles a extrema preocu-
pação com a opinião dos outros. Um elemento determinante de nosso
comportamento como indivíduo e como espécie. Conhecido também
como Pedrão-Rei. O fato de estarmos fora dos padrões quando uti-
lizamos a criatividade provoca uma natural sensação de que seremos
reprovados pelos outros. Daí a dificuldade de criar. E a Opinião dos
Outros só perde sua influência quando entra em confronto com a Dire-
tiva Primária, ou seja, quando a integridade do indivíduo está em jogo.

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Padrão Inefável – Padrão que não está relacionado a conceitos, ideias
e pensamentos. São padrões não-verbais, responsáveis pelo gestual,
pelo comportamento, pelas percepções e pelo conhecimento subjetivo.
Padrão Esquizofrênico – Quando dois lados de uma mesma questão
são considerados pelo nosso cérebro igualmente “certos” ou “erra-
dos”, provocando um imenso desconforto em função de nossa inca-
pacidade de definir um dilema conceitual.
Padrões – Uma das mais importantes maneiras de seguir a Diretiva
Primária (Sobreviva a qualquer custo), é a economia de energia corpo-
ral. E uma das mais importantes maneiras de se economizar energia
corporal é diminuindo o consumo de energia pelo cérebro. Por isso,
construímos padrões. Processos mentais adquiridos que se repetem
sem a utilização do raciocínio, ou seja, se manifestam de forma auto-
mática.
Parabéns a você! – Hormônio Disciplinar responsável por informar
ao indivíduo, através do prazer, que ele está “certo” em relação ao seu
conjunto de crenças, aos seus padrões, ao seu Castelo de Legos.
Partos Cerebrais – Cada nova informação que recebemos exige gran-
de dispêndio de energia em nosso cérebro para seu devido processa-
mento, ou seja, quando “nasce” alguma coisa dentro de nós, quando
temos de enfrentar o novo, sentimos uma verdadeira dor de parto.
Pedrão – Entidade responsável por controlar nosso comportamento.
O senhor do nosso Castelo de Legos. Nosso filtro social. Tudo o que
fazemos, pensamos e agimos passa por seu crivo. Para que estejamos
sempre de acordo com nossa programação mental ele nos alerta utili-
zando os Hormônios Disciplinares, que nos provocam prazer ou dor,
dependendo da circunstância.
Personal-Pedrão X Pedrão-Rei – Personal-Pedrão é aquele criado e
mantido por indivíduos e o Pedrão-Rei representa o conjunto de cren-
ças de um grupo, ou seja, a Opinião dos Outros.
Presente Absoluto – Uma tentativa de se livrar dos padrões adquiridos
e dos desejos como forma de diminuir as dores e as angústias ineren-
tes à vida. Em geral o ser humano rejeita veementemente as situações
inesperadas. Só acreditamos que seremos felizes se o destino concordar
com nossos desejos, ou seja, se acontecer aquilo que programamos.
Presente Absoluto é viver o que a vida nos oferece e não o que a gente
quer a todo custo fazer dela. É viver cada momento como único sem a
interferência de crenças, desejos e obrigações, do passado ou do futuro.

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Pupila Cerebral – O desconhecido é como uma caverna escura. E
Criatividade é o ato de visitar esta caverna. Mantendo-se por algum
tempo na escuridão conceitual o cérebro desenvolve a capacidade de
ampliar sua pupila (igualmente conceitual), o que lhe proporciona a ca-
pacidade não de enxergar perfeitamente, mas de reconhecer sombras,
o que diminui o desconforto do processo.
São Magaiver – Santo protetor da Criatividade, ou seja, da capacidade
de nos adaptarmos à novas situações de maneiras inusitadas. É dele a
voz que ouvimos ao tentar quebrar algum tipo de crença ou padrão. Por
motivos óbvios, não se dá nada bem com o Pedrão.
Sétimo sentido – A Razão. Até prova em contrário, só o ser humano
possui esta ferramenta que, entre outros atributos, é capaz de avaliar
as sensações captadas pelos outros sentidos e decidir se as aceitará ou
não. Além disso, nos capacitou a questionar, impulsionando de forma
extraordinária a nossa capacidade de adaptação e de sobrevivência.
Sistema Operacional – Nascemos sabendo sim. Mas muito pouca
coisa. Nosso código genético vem de fábrica com informações funda-
mentais para a sobrevivência em nossos primeiros instantes: mamar,
chorar, fazer xixi, coco, e todos os outros componentes instintivos ne-
cessários para um início de vida. A partir daí, todo o resto teremos de
aprender com as nossas experiências pessoais e intransferíveis.
Sr. Takatudo Nakacha – Responsável por fazer o cadastramento
completo de uma nova informação que recebemos por meio de nossos
sentidos. Ele é quem preenche os Neurônios Virgens com informa-
ções para depois serem enviados ao Castelo de Legos.
Trilhos Mentais – Nosso pensamento caminha sobre trilhos de trem.
Um caminho totalmente definido, sem nenhum tipo de alteração. Nos-
so cérebro gosta de viajar neste trilho porque imagina que não haverá
surpresas. Ele conhece o início, o meio e o fim desta viagem.
Ungebunden – Ungebunden é a Shangrilá do Homo criativus. É o espa-
ço sagrado onde o mundo das ideias encontra seu equilíbrio, sua força.
Ungebunden simboliza a extrema importância do ambiente no desen-
volvimento do pensamento criativo. Só os gênios criam em qualquer
circunstância. Nós, os simples mortais, precisamos de um ambiente
favorável e estimulante. Precisamos de Ungebunden.
Você é um Idiota! – Hormônio Disciplinar responsável por informar
ao indivíduo, através da dor, que ele está “errado” em relação ao seu
conjunto de crenças, aos seus padrões, ao seu Castelo de Legos.

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