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Essa rua não é minha

Por Henrique Mendes


Natal, 08/03/2017
Sou um pouco aficcionado por saber as histórias das pessoas que dão nome aos logradouros, jardins, praças.
Muitos lugares homenageiam famosos muito célebres e você pode dizer que realmente conhece aquele que
nomeou o local que você está. Quem, ao ir ao Rio de Janeiro, passando pela rua do Catete não se sente um
pouco satisfeito ao pisar na rua do grande Machado de Assis em direção ao Flamengo? Eu me sinto.
Em São Paulo morei na José Alves da Silva, batizada pelo padre, historiador e jornalista açoriano; habitei a
avenida João Dias, intitulada pelo cupincha de Floriano Peixoto (que tem sua própria cidade, Florianópolis, a
propósito), metido com a indústria de pólvora e fundador da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro,
hospital onde nasci. Morei, ainda, na Estrada do M'Boi Mirim, extremo sul da pauliceia, onde a toponímia tupi
para “ cobra pequena” não impede a cobra de fumar por aquelas bandas. Morei em muitas casas, minha mãe
nunca teve casa própria, morei até em ruas sem nome, nos tempos de menino na pequena Alto Rio Doce,
sudeste de Minas Gerias, cidade com pouco mais de 13 mil habitantes, essas de CEP único.
Quando vim de São Paulo para morar e estudar em Natal, numa dessas aventuras que a gente vive pra ter
mais o que contar depois, se chegarmos lá, não sabia o nome de nenhuma rua, muito menos que eu iria morar
numa cujo falecido viria a se chamar Durval, de alcunha desconhecida pelo Google a não ser pelo sobrenome,
Porpino, que se for o mesmo do ex-deputado estadual Cláudio, mantém intrínsecas relações com os Alves,
bacurais da política potiguar, desde priscas eras.
Mas não se sabe da culpa nem da impenitência de nosso patrono. O que se pode saber dessa rua é que ela é
pequena, espremida no quarteirão onde a Avenida das Alagoas cruza com a Ayrton Senna, é completamente
deserta depois da 9 da noite e tem um condomínio chamado Colinas de Neópolis, embora fique no bairro do
Capim Macio e não tenha sido construído sobre nehuma montanha. Creio que arquitetos, engenheiros,
empreiteiros realmente visualizem colinas de lego nos blocos quadriculados que projetam e constroem. Só
assim a associação faz sentido.
Mas as pessoas, estas associam e fazem jus ao nome no modo provinciano como se dá o trato de uns com os
outros. Há, certamente, os que são rancorosos por existir e batem a porta sem ao menos acenar, manias
privadas da vida moderna, todavia é sempre possível sair pra arejar e ver Seu Jóia desfrutando de seu diskman
no banquinho da portaria, falante, sempre disposto a consertar minha bike e contar suas histórias de como uma
vez ganhou um circuito de ciclismo com uma magrela costumizada por ele e equipada com pneus de carrinho
de mão, ou ainda apreciar dona Tereza se esmeirando em deixar suas plantas confortáveis com esse calorão
todo.
É a minha primeira experiência de morar em condomínio: sempre vi com muita fobia a ideia de um
conglomerado de casas e famílias dentro da mesma construção. Não que a periferia de São Paulo, no Jardim
Ângela, de onde eu venho, seja exatamente um lugar espaçoso e demograficamente equilibrado, mas a noção
de morar fica completamente distinta quando se mora em casa. Muda o próprio senso de coletividade, sendo
que a concepção pós-moderna de condomínio põe no micro as relações sociais sociais de segurança, civilidade
e limpeza do espaço público que no macro não funcionam.
Como muitas ruas de Natal, a Durval Porpino, então, é calçada de paralelepípedos que não são ladrilhos
brilhantes mas me agradam muito por trazerem ainda a nostalgia das cidades pequenas que não foram
cobertas de piche no tapete da onda do progresso chamado pavimentação.
Vejo com muita tristeza o fato de cada vez mais a rua vir deixando de ser um espaço público em detrimento de
ruas privativas, comunidades muradas e munidas de um aparato de segurança quase militar, mas eu, em um
ato de claustrofobia, resisto em ocupar esse espaço essencial. Sou fumante e saio para rua, para fora dos muros
do condomínio, cada vez que o vício aperta, e não são poucas, em respeito à boa saúde ds meus vizinhos não-
fumantes, claro, mas principalmente por tentar não renunciar a oportunidade de sempre ver a vida a
acontecer, observá-la no seu espaço mais genuíno de interação. O que me permitiu descobrir que lá nos dois
cajueiros do final da rua onde não dá saída é possível improvisar uma espécie de pracinha que dá pra bater um
papo sentado nos banquinhos que são os próprios troncos das árvores parecendo nos convidar a prosear.
Ali, do outro lado da “ pracinha” tem uma concessionária de carros, cujo dono visionário, aproveitando-se do
acaso de seu estabelecimento ladear para a avenida que leva o nome do ídolo das pistas, nomeou Senna Car o
seu negócio. Negócio este que a mim soa suspeito, preciso confessar, porque não tem sequer um carro
exposto, apenas alguns de pessoas aparentemente chegadas ao dono que não parecem ter intenção nenhuma de
vender seus veículos, e a hora de maior movimento no ponto é a noite.Uma concessionária. Mas de pessoas
sem carro. Muitas, que riem e conversam como se jogassem e bebessem até altas horas da madrugada, de
rostos que nunca vi, a não ser pelo rapaz que dirige um Gol com logo de hamburgueria. Por motivos óbvios
creio que o lugar merece toda minha atenção, paranoia de jornalista talvez, mas é sempre melhor apurar.
Mas sei que minha estadia nesta rua é passageira, na minha saga pela vida me mudei muito para lugares
muito distintos e aprendi que passar por uma rua todos os dias por um tempo não significa necessariamente
morar nela.Essa rua rua não é minha. Nela habitam pessoas não conheço, muitas casas que nunca adentrei.

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