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(P-525)

A GRANDE MATANÇA
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZ

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Na Terra e nos outros mundos da Humanidade os
calendários registram meados de fevereiro do ano de 3.442.
Desde o dia em que a catástrofe atingiu quase todas as
criaturas inteligentes da galáxia, portanto, passaram-se 15
meses. Porém até agora ainda não há uma perspectiva
legítima de como impedir o misterioso “Enxame” no seu voo
através da galáxia, ou de anular a manipulação da constante
de quinta dimensão, criada por ele, e que provoca um
retardamento da inteligência na maioria dos seres viventes.
Perry Rhodan e seus companheiros imunes, porém, não
deixam de experimentar qualquer coisa, para descobrirem
uma pista que os leve ao segredo do “Enxame”. Com exceção
de algumas excursões, o Administrador-Geral com a Good
Hope II, mantém-se quase constantemente nas proximidade
do “Enxame”, para colher informações e efetuar
investigações.
Especialmente o rato-castor, ultimamente tem-se
destacado bastante neste trabalho. Ele meteu-se num
arriscado experimento parapsíquico, e junto com alguns
companheiros penetrou no “Enxame”, por caminhos tortos,
para salvar seu velho amigo Ha mo.
Entrementes Gucky e os membros de sua expedição
abandonaram o “Enxame” sem sofrerem danos, alcançando
a nave de Perry Rhodan, que logo partirá outra vez em nova
missão.
Antes porém de o seguirmos neste seu novo caminho,
vamos jogar um novo foco sobre a Terra. Ali começa a
consumar-se um acontecimento sinistro — A Grande
Matança.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Roi Danton e Galbraith Deighton — Comandantes do
Império-Alfa.
Edmond Pontonac — Chefe de um “Comitê de Salvação”.
Sogmonth — Um homem que odeia os “Novos Homens”.
Mon Armig — Amigo e confidente de Loga.
Vanieoh — Um servidor do Homo superior.
1

As fogueiras, que tinham queimado a noite toda, estavam apagadas. O cheiro de


fumaça estava pendurado no ar, e os imunes, que faziam parte do Comitê de Salvação,
movimentavam-se como figuras fantasmagóricas, através da neblina que se desfazia
hesitantemente. O tinir de peças de metal que se entrechocavam pôde ser ouvido, senhas
foram gritadas, sapatos rangiam na areia da praia. O constante bater das ondas
acompanhava estes ruídos.
Pontonac tentou penetrar na neblina com seu olhar. Ele estava parado na praia, bem
perto do barco rápido, esperando que os preparativos para a missão planejada fossem
terminados.
Estava frio nesta manhã, mas ninguém parecia pensar nisso. Os imunes que faziam
parte do Comitê de Salvação concentravam-se, como sempre, na sua tarefa.
O Coronel Edmond Pontonac tinha criado o Comitê de Salvação há quatro meses
atrás, depois de ter alcançado o Sistema Solar com a multinave refundida. Ninguém tinha
apoiado Pontonac nas suas ações, o coronel até temia que, mais tarde, quando ele se
apresentasse, podiam até convocar um debate contra ele. Porém Pontonac tinha a
sensação de que Galbraith Deighton e Roi Danton sabiam exatamente quais os objetivos
do Comitê de Salvação, pois até agora não havia sido tomada nenhuma medida contra o
grupo de Pontonac, de parte do Império-Alfa.
Talvez Deighton e Danton, tivessem esperanças de que Pontonac alcançasse aquilo
que lhes era proibido: quebrar o poder do Homo superior na Terra.
Mas Pontonac sabia que não conseguiria alcançar isso tão depressa. Com seu
Comitê de Salvação ele sempre intervinha, onde o Homo superior tentava levar suas
próprias ideias às últimas consequências, tornando-as realidade.
O Comitê de Salvação até agora tinha preservado dezessete indústrias e estações
energéticas, de uma completa desmontagem. Nestas ações, chegara-se a incidentes nada
amistosos. Houvera um total de três mortos e mais de uma dúzia de feridos. Pontonac não
se entregava a quaisquer ilusões. Ele sabia que Perry Rhodan mais cedo ou mais tarde lhe
pediria contas. Pontonac estava preparado para este encontro. Ao contrário de Rhodan,
ele não era de opinião que deveriam deixar o Homo superior fazer o que quisesse. O
Homo superior era um adversário da Humanidade — não importava por que motivos ele
agia.
Pontonac foi interrompido em seus pensamentos, quando alguém se aproximou,
vindo pelo pontilhão de embarque do barco rápido.
Uma figura destacou-se da neblina. Era o troncudo Sogmonth, há quatro semanas
membro do Comitê de Salvação, um homem fechado, que nunca ria. Pontonac o nomeara
seu lugar-tenente, pois Sogmonth antigamente fora major da Contra-Espionagem Solar.
Entrementes Pontonac tinha se arrependido desta decisão, pois Sogmonth conhecia
apenas um objetivo: destruir o Homo superior. Apesar de nunca falar no assunto,
Sogmonth devia ter vivenciado algo terrível. Alguma coisa na qual o Homo superior
estava envolvido.
Sogmonth veio diretamente na direção de Pontonac. Evidentemente ele tinha um
senso de orientação especial, para achar tão facilmente o seu objetivo, naquela neblina
espessa.
Uma onda de ódio e amargura bateu ao encontro de Pontonac, que neste momento
desejava não possuir parainstinto de vigilância.
— Eu sou o último — disse Sogmonth, no seu modo curto de falar. — O barco pode
ser lacrado.
Pontonac olhou para o outro.
Depois sacou do seu comutador de multiuso e ligou o escudo protetor em volta do
barco. A baía que eles tinham escolhido ficava escondida, mas não era de se excluir que
um grupo de saqueadores se perdesse por aqui.
Sogmonth já tinha se retirado rapidamente outra vez, e seu espírito eternamente
inquieto evidentemente não permitia que ele ficasse por muito tempo num mesmo lugar.
Talvez ele estivesse a caminho dos robôs que precisava inspecionar.
Pontonac censurava-se por ter confiado esta tarefa a Sogmonth, e estava decidido,
mais cedo ou mais tarde, a mudar isso. Ele receava algo de ruim.
— Tudo pronto! — veio uma voz através da neblina.
Pontonac fechou os olhos instintivamente. Antes de toda entrada em ação ele ficava
nervoso. Ele gostaria de estar de volta na sua base de apoio principal no Oceano Índico.
Perto dele rangeu alguma coisa na areia.
Alfer Creek estava parado do seu lado. O médico baixinho, sempre parecendo
solícito, estava manuseando o cinturão do seu uniforme.
— Como se chama a cidade, sir? — perguntou ele.
— Poupe-me deste “sir”! — recebeu-o Pontonac, um pouco rudemente. — A cidade
chama-se Gerona.
— Cinquenta milhas?
— Cinquenta milhas! — confirmou Pontonac. — Pelas nossas informações, alguns
membros do Homo superior começaram a mandar plantar batatas nas áreas periféricas da
cidade. Todas as instalações industriais da cidade foram desmontadas. Os homens, dos
quais o Homo superior aparentemente está se servindo, estão sendo tratados como
escravos.
Creek suspirou.
— O senhor entrementes entrou em contato com o Império-Alfa?
— Não — disse Pontonac, hesitante. — Eu não vejo razão para uma medida dessas.
Danton e Deighton imediatamente nos assobiaram de volta, ainda que no seu íntimo eles
talvez nos dêem razão.
— Eu não creio que, por muito tempo, temos uma chance — opinou o médico. —
Somos muito poucos imunes. O Homo superior precisa apenas ignorar-nos.
Pontonac também já pensara nisso. Até agora eles praticamente não tinham topado
com resistência. Nos ataques do Comitê de Salvação o Homo superior quase sempre
recuava.
Deste modo, todos os ataques tinham sido mais ou menos no vazio, tendo
unicamente servido para evitar abusos do Homo superior e destruição de importantes
instalações industriais.
O Nos últimos tempos, os homens de Pontonac também tinham se dedicado a
destroçar ligações entre Homo superior e os grupos de homens imbecilizados, pois era
evidente que os Novos Homens tentavam explorar seus concidadãos retardados para
diversos fins. Incontestavelmente o Homo superior tentava restabelecer a paz e a ordem
sobre a Terra.
Porém, a que preço!
Milhões de pessoas estavam condenadas à morte, se o Homo superior conseguisse
impor os seus planos. Os milhões de pessoas que viviam sobre a Terra não poderiam
alimentar-se unicamente com os produtos da agricultura e da criação de gado. E este era o
sonho ideal do Homo superior.
Pontonac livrou-se à força, destes pensamentos.
— Vamos tentar criar, em Gerona, um quartel-general para a Europa do Sul e
central — declarou ele. — Depois então operaremos, a partir dessa base de apoio.
Alfer Creek, que sabia muito bem que Pontonac só se sentia muito bem na velha
base de apoio da frota no Oceano Indico, olhou ceticamente para o seu interlocutor.
— Por quanto tempo?
Pontonac ergueu os ombros.
— Que sei eu! Até que a situação na Europa tenha sido normalizada.
Para Creek isso era uma resposta muito vaga.
— Depois que chegarmos nas cidades grandes, vamos verificar que ainda há muito
que fazer ainda — profetizou ele. — Muito mais que o comitê realmente pode assumir.
Nós não vamos ter que nos ocupar apenas com o Homo superior, mas também com os
bandos criminosos, indivíduos assassinos e imbecilizados famintos. E isso é um pouco
demais para cento e cinquenta imunes.
— A nós interessa apenas o Homo superior! — gritou Sogmonth, que se
aproximara silenciosamente.
Creek estremeceu.
— Nós temos que olhar o problema como um complexo.
— Não! — Sogmonth estava parado, de pernas muito abertas, lembrando Creek, de
algum modo, de uma máquina que a qualquer momento sairia rolando, esmagando tudo à
sua frente. — O objetivo do comitê é a liquidação desses utopistas!
— Essa é a sua interpretação! — interveio Pontonac. — Eu o formulei de maneira
diferente. Nós simplesmente queremos reprimir a influência crescente do Homo superior.
Sogmonth rangeu audivelmente os dentes.
— E qual é a diferença?
Ele saiu, batendo os pés fortemente na areia, constantemente inquieto,
aparentemente sem objetivo.
— Espero que não lhe aconteça nada, coronel! — observou Creek.
Pontonac olhou para ele.
— O que quer dizer com isso?
— Sogmonth seria o seu sucessor.
Pontonac sorriu, apesar de ter restrições acerca de Sogmonth. Ele decidiu não
perder seu lugar-tenente de vista.
— Agora vamos dar partida! — ordenou ele.
Creek seguiu-o para o lugar de reunião. As fogueiras que tinham queimado a noite
inteira agora estavam apagadas. Os homens vestiam seus uniformes de combate, capazes
de voar.
Pontonac determinou que quatro homens deviam ficar para trás na baía.
Originalmente ele quisera levar todos os membros do comitê para Gerona, porém sua
inata cautela fez com que ele voltasse atrás.
— Vamos ficar em contato pelo rádio, para que possam comunicar-nos, caso aqui
haja alguma dificuldade — disse o coronel. Ele vestiu seu traje de proteção, e enganchou
o cinturão. — Todos os outros me seguem para Gerona. Não sabemos o que está
acontecendo por lá, pois os relatórios que temos não são confiáveis. Por isso somente
vamos intervir, quando soubermos exatamente o que se passa por lá.
Ele ergueu o braço.
— Eu não preciso repetir que qualquer um de nós, que levianamente faça uso de sua
arma, será colocado diante de um tribunal do comitê. Na falta de uma lei para o comitê,
são válidas as leis da Frota Solar. Eu espero que, mais cedo ou mais tarde, nós sejamos
incorporados subalternamente ao comando-geral da Frota.
Terlam Pappon deu um passo à frente. O negro tinha cento e cinquenta anos de
idade, e antigamente trabalhara para a USO. Dentro do comitê ele tinha uma certa
popularidade, porque afirmava ser descendente do lendário comandante de espaçonave
Nome Tschato. Pappon tinha uma aparência jovem, e uma admirável vitalidade.
— Não devíamos mandar um comando avançado, para dar primeiramente uma
olhada em Gerona, sir?
— Não! — disse Pontonac. — Isso apenas custaria tempo. Nós não corremos risco
algum, se sairmos voando todos ao mesmo tempo.
Pappon empurrou o capacete chato para a nuca, de modo que seu cabelo
encaracolado grisalho apareceu.
— O senhor é o chefe!
— Sim — disse Pontonac. — É isso aí. Mais perguntas?
— Eu ainda gostaria de saber de uma coisa! — disse um rapaz ainda bastante
jovem. Era Keilchen Marous, radioperador e repórter.
Antigamente ele escrevera reportagens sobre voos das naves Explorer. O motivo de
sua imunidade não era conhecido, mas Pontonac desconfiava que Marous fora imunizado
em um dos inúmeros mundos, que ele visitara. Infelizmente não era mais possível saber
em que circunstâncias isso acontecera, caso contrário teria sido possível salvar inúmeras
pessoas da imbecilização.
— Fale! — Pontonac pediu ao jovem.
Keilchen Marous parecia agastado.
— Eu tenho parentes em Barcelona — disse ele. — Talvez... talvez nesta
oportunidade... eu poderia...
— Barcelona foi totalmente incendiada! — interrompeu-o Pontonac, asperamente.
— Dificilmente o senhor ainda encontrará alguém de sua família.
Marous parecia desesperado.
— Eu pensei que...
A visão daquela jovem amoleceu Pontonac.
— Muito bem! O senhor tem dois dias de licença. Apresente-se de volta, quando
terminarem estes dois dias.
Marous agradeceu efusivamente e ergueu-se do solo.
— Hei! — Gritou-lhe Pontonac atrás. — O senhor sabe mesmo para onde deve
voar?
— Sempre ao longo da costa — retrucou Marous rindo, depois ele sumiu na
neblina.
— Eu acho que isso seria tudo! — disse Pontonac. — Vamos partir!
Eles ligaram suas aparelhagens de voo e se ergueram do chão.
— Não se dispersem demais! — gritou o coronel.
Ele se deu conta de que seus olhares procuravam por Sogmonth. Com raiva de si
mesmo, mordeu o lábio inferior. Ainda não havia motivo para desconfiar desse homem.
Mas em Gerona ele teria que prestar atenção.
Talvez, nas circunstâncias dadas, teria sido melhor entrar em contato com Império-
Alfa.
Mas Pontonac ainda hesitava.
2

Quando Holtogan Loga acordou, estava banhado de suor. O Mestre dos Cinquenta
Primeiros Vogais sentiu imediatamente que alguma coisa não estava bem com ele. Ele
tinha dores, mas era-lhe difícil pensar ordenadamente.
O chefe do Homo superior ergueu-se na sua cama. No quarto estava quieto. A
janela estava entreaberta, a cortina esvoaçava ao vento.
Holtogan Loga escutou a si mesmo, interiormente. Ele aprendera a mergulhar em si
mesmo, para investigar reações do seu próprio corpo. Lentamente levantou-se e foi até
junto da janela. O parque para o qual ele olhava estava sem modificações — mas, mesmo
assim, alguma coisa acontecera durante a noite. Holtogan Loga tinha a sensação de haver
sofrido uma perda terrível.
Ele estava com medo!
Abruptamente ele voltou-se para dentro do quarto, um homem de membros finos,
com cabelos brancos, que caminhava levemente curvado e arrastando os pés no chão.
Os seus pensamentos novamente ficaram confusos.
Ele voltou para a cama e sentou-se na borda. Por algum tempo ele ficou sentado ali,
de olhos fechados. Era possível que ele estivesse adoecendo, apesar de não poder
encontrar, em parte alguma do seu corpo, indícios de uma doença orgânica?
E psiquicamente?
Psiquicamente tudo estava em ordem com ele? Ele voltou-se e foi até a porta.
Depois de curta hesitação ele abriu e colocou a cabeça para fora, para o corredor.
— Kartisch! — chamou ele, baixinho.
Um rapaz veio correndo. Holtogan Loga apertou os olhos.
— Onde está o meu chá? — quis ele saber.
Kartisch parou e olhou em volta, sem saber o que fazer.
— O senhor o esqueceu?
Aquilo trespassou Holtogan como um choque elétrico. Ali estava novamente aquela
sensação de que alguma coisa teria acontecido.
— Eu não sei o que está acontecendo comigo — gaguejou Kartisch. — Eu receio
estar ficando doente.
Holtogan Loga fez um gesto que parecia forte.
— Agora, por favor, vá buscar o chá.
Ele ficou olhando atrás do rapaz. Era um acaso que também Kartisch estava
confuso? Ou então o estado em que ambos evidentemente se encontravam era o
prenuncio de alguma doença?
Inquieto, Loga voltou para o quarto. Ele puxou a cortina para o lado e curvou-se
para fora da janela. O ar fresco fez-lhe bem. Lá embaixo, dois homens que tinham
acordado cedo passavam por um dos caminhos de saibro, discutindo entre si. Tudo
parecia perfeitamente normal.
Holtogan Loga passou a mão pelos cabelos. Ele ficaria sabendo da verdade mais
rapidamente se conversasse com os outros. Se eles demonstrassem sintomas semelhantes
aos dele e de Kartisch, a coisa teria que ser examinada.
Uma terrível suspeita despertou nele. Seria possível que os inimigos do Homo
superior tivessem espalhando micróbios patogênicos nesta área residencial? Holtogan
Loga pensou em primeira linha nesse misterioso Comitê de Salvação, que ultimamente
lhes preparava cada vez mais dificuldades. Mas também havia bandos organizados, que
faziam um verdadeira guerra contra o Homo superior.
Kartisch veio ainda mais nervoso que antes.
— Na cozinha! — disse ele, confuso. — Mantran e Orbi Nashcon não tinham nada
preparado. Eles estão brigando.
“Então ali também!”, pensou Holtogan Loga.
Ele jogou uma capa nos ombros e abandonou o quarto. Kartisch o seguiu.
— O seu chá, Mestre!
— Não preciso dele agora! — Loga correu escada abaixo.
O elevador neste prédio já tinha sido desligado há muito tempo. Para os membros
do Homo superior ele fazia parte das conquistas técnicas nocivas.
O birô, que ficava um andar abaixo, ainda não estava ocupado.
Holtogan Loga viu que Kartisch ainda se encontrava a seu lado.
— Chame todos os Vogais, para uma reunião — todos os que se encontrarem em
casa! — ordenou ele. — Os outros, eu já vou informar pelo rádio.
— Pelo rádio? — repetiu Kartisch, tremendamente espantado.
— Problemas especiais exigem medidas especiais — retrucou Holtogan Loga. —
Isso não significa que vamos ser infiéis aos nossos princípios.
Kartisch saiu. Poucos minutos depois Mon Armig apareceu no birô. Ele fazia parte
dos Cinquenta Primeiros Vogais.
— O que está acontecendo? — quis ele saber. — O seu assistente dava a impressão
de estar bastante agitado, mas não quis me dizer do que se trata.
Holtogan Loga observou o outro.
— Como é que você está se sentindo?
— O que? — Armig estava confuso. — Por que essa pergunta? Naturalmente estou
me sentindo bem.
Holtogan Loga respirou fundo, involuntariamente.
“Portanto não são todos!”, pensou ele, aliviado.
Porém o mal-estar rapidamente voltou outra vez. Talvez aquilo só atacasse os outros
mais tarde.
Armig notou agora que alguma coisa não estava em ordem com o Mestre dos
Cinquenta Primeiros Vogais.
— Você não parece estar bem! — verificou ele. — Você fica pensando demais!
— Não é isso! Eu estou doente!
— Doente? — Armig sorriu. — Não posso acreditar nisso.
Loga fez um gesto que tudo abarcava.
— Isso não ataca somente a mim. Também Kartisch, meu assistente, mostra os
mesmos sintomas da doença. E dois homens na cozinha. Certamente ainda há outros que
foram atacados. É possível que estejamos ameaçados por uma epidemia.
Agora também Armig perdeu a compostura.
— Isso não é verdade!
— Vamos ver! — Holtogan Loga olhou para a porta, onde justamente apareceram
dois outros Vogais.
Tarvus e Mandragan.
Tarvus parecia normal, mas o rosto de Mandragan estava coberto de suor e
avermelhado. Ele respirava depressa.
Loga baixou os olhos.
— Precisamos de um conselho — declarou ele para os outros. — Alguma coisa não
está certa conosco.
— Nós tínhamos outros planos para hoje — retrucou Tarvus, impaciente. Para um
membro do Homo superior ele era excepcionalmente largo nos ombros e musculoso. Ele
fazia parte dos Vogais, que não viam nada de mal em regularmente usar um planador. —
Nós queríamos organizar os grupos para a Austrália. Por lá, até agora, praticamente não
se fez nada. Sobretudo as usinas atômicas, ainda intactas, de Sydney, precisam ser
desmontadas.
— Receio que a Austrália vai ter que esperar — disse Loga, enquanto outros Vogais
entravam. — Armig vai dirigir a conferência, enquanto eu vou tentar entrar em contato
com todos os Vogais pelo rádio. Eu preciso saber se este fenômeno ficou limitado ao
nosso território, ou se apareceu por toda parte.
Ele saiu, sem dar importância aos Vogais que se entreolhavam sem nada terem
entendido.
A grande instalação de radiocomunicações encontrava-se no primeiro andar do
prédio. Antigamente, ao que se lembrava Holtogan Loga, funcionários da General
Cosmic Company tinham ocupado o edifício. Ele ficava nas proximidades de Puppet,
uma pequena cidade na costa oeste dos Estados Unidos da América. Para os membros do
Homo superior este era um alojamento ideal, porque as instalações técnicas praticamente
não existiam. Os funcionários que tinham trabalhado aqui, em primeira linha tinham
estado ocupados com serviços externos, e só em intervalos irregulares tinham vindo para
os seus birôs.
Loga entrou na sala de rádio.
Vanieoh estava como que dependurado na poltrona, e mal virou a cabeça. Loga
pigarreou.
— Como vai?
Vanieoh não pertencia ao Homo superior, ele era um imbecilizado, que ainda tinha
inteligência suficiente para executar alguns serviços simples para o Homo superior.
Ele esperava diante da instalação de rádio. Quando chegavam mensagens, Vanieoh
tinha que informar a um dos Cinquenta Primeiros Vogais.
— Como vai? — perguntou Holtogan Loga outra vez.
O imbecilizado bocejou e sorriu. Com isso pôs à mostra alguns dentes cariados. Ele
vestia um traje de pano de saco, amarrado com cordões. Loga admirou-se de que somente
agora isso chamava sua atenção. Antes ele mal olhava Vanieoh.
— Eu vou bem — declarou Vanieoh.
— Preciso usar a instalação de rádio — declarou Holtogan Loga. — Libere-me o
lugar diante dos controles.
Vanieoh não se levantou imediatamente, mas curvou-se para a frente. Parecia que
ele estava olhando os quadros de controle de comutações, atentamente.
Holtogan Loga disse, impacientemente:
— Dê-me o seu lugar!
Depois ele viu, como o imbecilizado estendeu um braço, deslizando com as mãos
por cima dos controles. Suas mãos só pararam em cima do comutador geral. Depois ele
olhou, interrogativamente, para Loga.
Loga parecia estarrecido.
O imbecilizado sabia como a instalação era ligada? Ou seus movimentos haviam
sido acidentais?
— Ligue o senhor! — disse ele, ordenando-o com voz insegura.
Vanieoh ergueu os ombros, como quem não sabe o que fazer. Levantou-se.
— Não sei fazê-lo — disse ele.
“Essa maneira de falar claramente!”, pensou Loga.
Até agora o imbecilizado sempre falara como criança.
O homem dos cabelos brancos controlou-se.
Isso era ridículo Ele não devia perder a calma, diante de alguns acontecimentos sem
maior importância.
— Eu agora quero ficar sozinho! — disse ele. — O senhor pode ir!
Ele observou como Vanieoh foi até a porta, puxando para baixo, sem hesitação, a
alavanca que abria a mesma. Também fechar a porta não foi nenhum mistério para ele.
Não era de admirar, pensou Holtogan Loga. Vanieoh afinal usava esta porta o suficiente
para conhecer o seu mecanismo. Até um animal podia ser adestrado para abrir e fechar
esta porta.
Mas ele parecia lembrar-se que Vanieoh, há apenas alguns dias atrás tivera
dificuldades, quando Loga o mandara sair.
“Estou sendo hipersensível!”, pensou Loga.
Ele sentou-se diante da aparelhagem de rádio. Antes que ele pudesse ligá-la, ouviu
um zumbido. Alguém estava tentando entrar em contato com esta estação.
Uma ruga vertical apareceu na testa do Mestre. Ele ligou para a recepção e esperou.
A tela de vídeo iluminou-se. Holtogan Loga reconheceu o rosto de Allichyn Tankmeder,
que também fazia parte dos Primeiros Vogais e que trabalhava em Bombaim.
— Holtogan Loga! — gritou Tankmeder, aliviado. — Fico feliz em poder falar com
você.
— O que há? — perguntou Loga.
— Meu grupo está me causando dificuldades! — relatou Tankmeder,
apressadamente. — Nós tínhamos atacado a usina atômica de Olgan. Porém a maioria só
trabalha hesitantemente. E alguns deixaram de trabalhar inteiramente.
Holtogan Loga fechou os olhos. Isso evidentemente era pior do que ele receara. A
doença surgia por toda a parte, em outras cidades até pior do que em Puppet. Pelas
informações que se tinha até agora, somente membros do Homo superior eram atacados
por ela.
— Tente, mesmo assim, continuar o trabalho! — ordenou Loga. — Eu gostaria de
marcar uma reunião de todos os Vogais. Isso é importante. Evidentemente estamos sendo
ameaçados por uma doença desconhecida.
Tankmeder sacudiu a cabeça violentamente.
— Eu mandei examinar alguns dos meus colaboradores. Eles estão em perfeitas
condições de saúde.
— Sim, sim! — Loga anuiu. — É melhor que você nomeie um lugar-tenente, para
que possa imediatamente vir para cá. Então continuamos esta conversa. Eu agora preciso
informar os outros.
Ele interrompeu a ligação apesar de parecer que Tankmeder ainda queria dizer
alguma coisa.
Por algum tempo ele ficou sentado ali, como que atordoado, mal podendo coordenar
um pensamento sensato na sua cabeça. Todas as reflexões que fazia acabavam se
confundindo, transformavam-se em noções pouco claras e ideias irreais.
Só de uma coisa ele tinha dolorosamente consciência nítida: Os Novos Homens
repentinamente se encontravam numa crise totalmente inesperada. Alguma coisa
ameaçava a hegemonia do Homo superior.
Holtogan Loga não podia acreditar que o Comitê de Salvação fosse responsável por
isso. A organização dirigida por um certo Coronel Edmond Pontonac possuía, no
máximo, 200 membros. Ela não podia trabalhar, em todas as partes do mundo, contra os
dois milhões de membros do Homo superior.
No seu subconsciente Loga escutou o chiado do aparelho de rádio.
Ele ligou para a recepção.
Desta vez o monitor de vídeo ficou escuro, mas Loga ouviu uma voz agitada.
— Aqui fala Parvantlin! Quem está na escuta?
— Holtogan Loga!
— O Mestre! Que sorte. Nós estamos em dificuldades!
— Eu sei! — Loga interrompeu o outro. — Eu agora vou fazer um chamado
circular, pedindo que todos os Primeiros Vogais venham para Puppet. Será melhor você
vir também, Parvantlin.
— O que, afinal, aconteceu? — perguntou Parvantlin.
— Isso ninguém sabe exatamente! — Em pensamento Holtogan Loga já estava nas
próximas medidas que teria que tomar. Ele ficou contente que Parvantlin interrompeu a
conversa por si mesmo. Loga irradiou uma curta mensagem circular, na qual pedia a
todos os Vogais que viessem imediatamente para Puppet, para uma reunião importante.
Ele notou, como lhe estava sendo difícil formular corretamente aquelas poucas frases.
Quando ele abandonou a sala de radiocomunicações para mandar um assistente
fazer uma coisa, os seus joelhos falharam. Ele teve que segurar-se na porta. O seu
coração batia fortemente. Sem dúvida aquilo era consequência da agitação, mas Loga não
entendia por que não conseguia manter o seu corpo sob controle.
No fim do corredor estava Vanieoh, olhando para fora da janela.
Loga hesitou.
Ele deveria mandar fazer um minucioso exame no imbecilizado, para verificar o que
estava acontecendo com este homem? Existia uma conexão entre o estranho
comportamento de Vanieoh, e a misteriosa doença que atacara inúmeros membros do
Homo superior?
Loga pôs-se em movimento, ficando sempre próximo da parede, para poder apoiar-
se em caso de um novo ataque de fraqueza.
Dois rapazes saíram de um dos birôs. Eles discutiam violentamente um com o outro.
Era a primeira vez que Holtogan Loga observava uma coisas dessas. O seu espanto
cresceu.
O que estava acontecendo com eles?
O Mestre dos Primeiros Cinquenta Vogais alcançou a escada, e puxou-se para cima
pelo corrimão. Rapidamente ficou cansado e sem ar. Mas ele venceu suas dificuldades.
Lentamente sentiu-se melhor novamente. Ele respirou fundo. Talvez tudo não passava de
uma coisa passageira.
Quando Loga pôs os pés no recinto onde os outros entrementes haviam se reunido,
imediatamente sentiu a inquietação que reinava ali. Vários homens e mulheres tentavam
falar ao mesmo tempo. Mon Armig tinha trepado em cima de uma mesa, de onde tentava,
inutilmente, acalmar as pessoas reunidas ali.
Ele viu Holtogan Loga e olhou-o, em busca de ajuda.
Holtogan Loga viu que alguns dos presentes estavam em condições piores que os
outros. Eles tinham entrado numa agitação nada natural, invectivando-se mutuamente.
O surgimento do Mestre, entretanto, fê-los caírem em si.
Holtogan Loga entrou para o centro da pequena roda, ele somente se mantinha de pé
a muito custo.
— Eu estou perplexo! — gritou ele. — Perplexo e indignado, em ver como alguns
aqui se comportam. Não existe absolutamente motivo para uma agitação tão pouco digna.
Todos olharam para ele. A autoridade que ele possuía estava intacta. Imediatamente
fez-se um silêncio total. Uma mulher de quarenta anos, que tinha olheiras escuras sob os
olhos, deu um passo à frente e disse com um tremor na voz:
— Diga-nos o que aconteceu, Mestre Holtogan Loga. Por que muitos de nós,
repentinamente, adoeceram?
Armig desceu da mesa e colocou-se do lado do homem grisalho.
— Eles estavam como loucos! — relatou ele em voz baixa. — Eu gostaria de saber
o que deu neles. Nossos projetos estarão em perigo, se isso continuar assim.
— Estes sintomas, — Informou Loga, também baixinho, — apareceram em
membros do Homo superior em todo o mundo. Do cosmo ainda não chegaram relatos,
mas podemos ter quase certeza de que nossos amigos em outros mundos também foram
atacados por esta misteriosa doença.
Armig ficara pálido, ao ouvir estas palavras.
— O que significa isso?
Holtogan Loga não respondeu, mas voltou-se para os outros.
— Não há razão para inquietação. E convoquei os Cinquenta Primeiros Vogais para
uma reunião aqui. Vamos conversar e ver o que é possível fazer. Até agora apenas
sabemos que alguns de nós se encontram em um estado inexplicável. Talvez seja o
começo de uma doença — ou talvez seja uma outra coisa. Ele sentiu repentinamente que
não conseguia continuar falando. Não que suas cordas vocais tivessem falhando — era o
seu cérebro que parara de produzir outros pensamentos.
Depois de algum tempo, Holtogan Loga se controlara novamente e observou os
rostos sérios dos seus amigos.
— Uma crise se esboça — disse ele. — Agora temos de tentar nos manter unidos
mais firmemente do que nunca.
3

Uma atmosfera de grande atividade reinava dentro do Império-Alfa, de dia e de


noite. A guarnição do quartel-general terrano em Terrânia City só raramente descansava.
Através da chegada de inúmeras pessoas imunes nos meses passados, o número da
guarnição imune tinha crescido para mil mulheres e homens. Os responsáveis não tinham
mãos a medir, para manter funcionando o aprovisionamento de víveres para a população
terrana. Para isso era necessário que a Estrada de Containers de Olimpo, sobretudo,
funcionasse sem problemas. Além disso, tinha que ser combatida a desordem provocada
pelos bandos criminosos, para que o saque aos armazéns de víveres fosse evitado.
Partindo de Império-Alfa, inúmeros imunes haviam viajado para todas as partes do
mundo, para formar novos grupos, pois as dificuldades às vezes eram grandes demais.
Era uma luta feroz contra o caos constante. Entre o Império-Alfa e a Homo superior
reinava uma espécie de armistício. Ambos os grupos sabiam que eles mal tinham tempo
para se ocuparem com o partido contrário. Naturalmente alguns imunes do Império-Alfa
frequentemente tentavam impedir a destruição de instalações técnicas pelo Homo
superior, porém esta resistência se limitava às instalações mais importantes. Os terranos
de Império-Alfa não tinham outra opção, que não a de deixarem o Homo superior fazer,
uma vez que os Novos Homens jamais empregavam a força das armas. Além disso, ainda
havia as ordens de Perry Rhodan, que não deixavam qualquer dúvida de como os imunes
da Terra deviam se comportar em relação ao Homo superior.
Também em suas últimas mensagens de rádio, Rhodan mais urna vez mencionara
que ele não concordava com uma solução de força, na solução do conflito com os Novos
Homens.
Roi Danton teve que pensar em todas estas coisas, ao abandonar o seu birô, para
participar de uma conferência com o comandante do Império-Alfa.
Quinze meses já tinham passado, desde o começo da catástrofe. No decorrer deste
tempo, a aparência de Danton se modificara. O viço da juventude fugira-lhe do rosto.
Linhas fortes se haviam formado em torno de sua boca e do nariz, os olhos estavam
avermelhados e fundos nas suas órbitas. Este era o preço dos esforços, os traços deixados
por uma vida em constante concentração.
A figura antes delgada de Danton agora parecia ossuda, ele tinha diminuído doze
quilos.
No corredor, que levava para a central, o filho de Rhodan embarcou num pequeno
carro. Membros da guarnição que passavam, mal lhe davam atenção, no Império-Alfa
ninguém tinha tempo para conversas supérfluas.
Danton entrou num corredor maior. Era estranhamente quieto aqui embaixo, quase
sufocante.
“Um mundo fechado.”, pensou Danton.
Às vezes parecia-lhe injusto, que milhares de pessoas podiam viver nesta estação
segura, enquanto bilhões de terranos tinham que lutar pelas suas vidas na superfície do
seu planeta pátrio.
Danton foi alcançado por um outro carro. O motorista era o Major Stableen.
Stableen usava um boné, puxado fundo na testa. Sua boca ficava escondida por um
enorme bigode. Junto com três outros oficiais, Stableen comandava as células de imunes,
que estavam ativas em todas as partes do mundo.
— Bom dia! — gritou Stableen.
Danton sorriu.
— E é de manhã?
O major disse, também sorrindo:
— Que sei eu! Em algum lugar no mundo é de manhã. E eu dormi um par de horas,
por isso, para mim, agora é de manhã.
Eles pararam perto da central, logo diante da sala de conferências. Dois robôs
armados estavam parados diante da porta, mas eles não estavam ativados. Um homem
com o uniforme da Frota Solar saiu de dentro da sala de conferências. Stableen anuiu
para Danton.
— Veja só! Ainda existem algumas pessoas que cuidam de sua aparência exterior.
Esse sujeito está usando até pregas nas calças passadas.
Na entrada eles estavam sendo esperados por um assistente de Deighton.
— A conferência já teve início — informou ele aos dois homens. — O senhor e o
Major Stableen são os últimos.
Danton apenas anuiu.
Junto com Stableen ele entrou no grande salão, em que duzentas pessoas facilmente
poderiam encontrar lugar. Agora aqui estavam somente dezessete homens e quatro
mulheres.
Deighton, que estava sentado à cabeceira da mesa comprida, mexendo em papéis,
parecia perdido. Os monitores de vídeo, bem como a instalação de rádio, nas paredes,
estavam ligados. O teto consistia de um material transparente, de modo que era possível
olhar-se para a casa de máquinas que ficava por cima do salão. Os arquitetos desta
estação não tinham pensado apenas na funcionalidade, mas também quiseram atingir
certos efeitos, na construção da mesma.
De todas as pessoas reunidas no salão de conferências, entretanto, nem uma olhou
para o teto, para observar as placas-bases, bizarramente formadas, das máquinas. Elas já
estavam acostumadas há muito tempo a esta visão, pois quase diariamente havia uma
conferência.
As paredes tinham sido pintadas em um marrom claro, de modo que parecia que as
mesmas eram forradas de madeira. Quadros embutidos coloridos interrompiam os
espaços lisos.
Cada assento era equipado com um quadro de comutação, no qual também havia
um intercomunicador.
Deighton ergueu os olhos. O primeiro senso-mecânico, como Roi Danton, também
praticamente não encontrava mais descanso. Também o seu rosto mostrava os traços das
constantes canseiras.
— Collins apresentou um requerimento — anunciou Deighton, sem qualquer
prólogo. — Em sua opinião devíamos entrar em ligações com o chamado Comitê de
Salvação. Talvez o senhor nos explique antes, o que está nos propondo, Collins.
Todos os olhares se voltaram para Storman Collins, um homem de estatura média,
com mãos elegantes e um rosto redondo. Como muitos, Collins não fazia parte da
guarnição permanente de Império-Alfa, mas tinha vindo do espaçoporto de Terrânia City.
Collins levantou-se.
— Nestes últimos tempos — disse ele — recebemos cada vez mais notícias sobre a
intervenção do Comitê de Salvação. Nós sabemos entrementes que esta organização
opera a partir de uma base de apoio da Frota, no Oceano Índico. Isso pode significar
apenas que pelo menos os chefes deste grupo são oficiais da frota.
— O que está querendo dizer com isso? — gritou alguém, impaciente. — O que o
senhor está contando, todos nós já sabemos.
— Os objetivos do Comitê de Salvação também parecem ser claros — continuou
Collins, sem deixar-se perturbar. — Em todos os lugares onde esta organização aparece,
ela procura impedir as ações do Homo superior. Já algumas vezes ela teve êxito nisso.
Nós sabemos que o Comitê de Salvação está equipado militarmente, e evidentemente está
agindo contrariamente às ordens de Perry Rhodan. Até agora, entretanto, não nos
interessamos por este grupo. Nós os toleramos em silêncio, porque sabemos que eles
tiram muita pressão de cima de nós. Eu pessoalmente sou contra este acordo silencioso.
— Eu preciso interrompê-lo — disse Deighton. Não existe nem um acordo aberto
nem silencioso. O problema do chamado Comitê de Salvação ainda não se impôs ainda
tanto, que nós tivéssemos que buscar uma solução para ele.
Collins sorriu, nervoso.
— Isso o senhor parafraseou maravilhosamente bem! — Ele pegou uma folha de
papel da mesa. — Eu me dei ao trabalho de anotar todos os casos em que o Comitê de
Salvação interveio. E nisto ainda existe uma cifra apagada que merece atenção. Afinal de
contas, nós do Império-Alfa lutamos contra todos os bandos criminosos. Com a
tolerância do Comitê de Salvação, entretanto, nós legitimamos uma espécie de
empreendimento concorrente, que mais tarde poderá nos reivindicar o seu direito à
chefia.
— Maybelle! — disse Deighton. — A senhora quer dizer alguma coisa.
Uma mulher negra, que estava sentada diante de Danton, curvou-se para frente. Ela
era uma ex-especialista da USO e agora trabalhava no setor de fornecimento da Ásia. Em
relação com os comandantes dos outros setores, ela tinha um trabalho mais fácil, mas a
sua tarefa ainda assim era difícil, quando não, às vezes, insolúvel.
— Eu queria perguntar a Storman, o que ele acha ser mais importante: dar caça a
alguns rebeldes avulsos, ou cuidar da alimentação dos imbecilizados?
Collins bateu com o punho fechado na mesa.
— Chama a eles de rebeldes avulsos? Eu afirmo que se trata de um grupo muito
bem equipado. Minhas investigações comprovam que pelo menos cento e cinquenta
imunes pertencem a esse grupo, gente, portanto, que trabalharia melhor se servissem ao
Império-Alfa. Isso me prova que os chefes do Comitê de Salvação trabalham com
palavras atraentes. Talvez eles até prometam mais, que dadas as circunstâncias, eles
poderiam prometer.
— Tudo isso são apenas suposições! — gritou um homem mais velho, intervindo.
Collins jogou seus documentos em cima da mesa.
— Por que não dão uma olhada nisso? Então verificarão que não se trata de simples
suposições.
— O meu setor de fornecimento não dispensará ninguém, para se interessar pelo
Comitê de Salvação — declarou Maybelle decidida.
Deighton olhou, interrogativamente, para Danton.
— Ao que parece nós vamos ter que nos ocupar realmente com este Comitê de
Salvação.
— Sim — disse Danton, contra sua vontade.
Ele sempre se desviara deste problema até agora, porque sabia que sua solução
significava chateações adicionais. Danton disse a si mesmo que muitas vezes simpatizara
bastante com as ações e as medidas do Comitê de Salvação. Alguém, afinal de contas,
tinha que mostrar ao Homo superior que eles não podiam simplesmente destruir tudo que
a Humanidade havia criado a muito custo, sem serem impedidos.
— Vamos resolver este problema de maneira habitual — disse Deighton. — Vamos
votar. Quem estiver de acordo que devemos nos interessar pelo Comitê de Salvação, peço
que vote no painel eletrônico.
No monitor diante do lugar de Deighton apareceu o número quatorze. Espantado,
ele disse:
— A maioria!
Danton abafou um palavrão.
Era só isso que ainda lhe faltava.
Storman Collins sentou-se na sua cadeira. Ele parecia satisfeito.
Maybelle abandonou, demonstrativamente, o salão de conferências.
“Todos nós ficamos facilmente irritados e agressivos!”, pensou Danton, lastimando.
— Muito bem! — Deighton empurrou alguns papéis para longe de si. — Roi e eu
vamos tomar as primeiras providências, para mais tarde oferecer-lhes os primeiros
resultados. E agora vamos ao...
— Pare! — interrompeu-o Collins. — Eu não concordo com isso. O que afinal, quer
dizer com “mais tarde”?
— Quer dizer, “o mais depressa possível!” — explicou Deighton, chateado.
— Isso não basta, é vago demais. Eu proponho que dentro de seis dias o senhor nos
apresente o primeiro relatório.
— Está bem — disse Deighton, contrariado. — Dentro de seis dias.
Novamente ele olhou para Danton.
— E agora vamos continuar — disse ele então. — Vou ler os relatórios chegados de
diversas células de imunes.
Antes que ele pudesse começar com isso, o seu intercomunicador tocou.
— O que é que há outra vez? — disse ele, furioso. — Eu disse que não queria ser
incomodado!
— A central de rastreamento chamou, Deighton! — disse uma voz, que parecia
impessoal. — Três figuras misteriosas movimentam-se nas bordas do escudo protetor de
Império-Alfa.
— Três! — repetiu Deighton, não querendo acreditar. — E por isso o senhor
resolve interromper a conferência?
— Seria melhor se o senhor e Danton subissem até aqui, para dar uma olhada nisso
— veio a voz pelo alto-falante.
Deighton ficou impaciente.
— Diga-me, de uma vez por todas, o que se passa aí em cima!
— Trata-se evidentemente de três imbecilizados. Eles se comportam de maneira
estranha.
— Estranha? — agora Danton tinha interligado seu aparelho e falou com a central
de rastreamento de Império-Alfa. — Explique isso.
— Eles não se comportam como seria de esperar de imbecilizados.
O locutor evidentemente estava procurando as palavras certas. Parecia-lhe difícil
explicar o comportamento dos desconhecidos.
— Já estamos indo! — Decidiu Danton.
— Está bem! — O primeiro senso-mecânico do Império Solar ajeitou os papéis
diante dele, numa pilha. — Knanmahl, o senhor, entrementes, continua dirigindo a
conferência. Por favor leia os relatórios dos imunes.
Danton e Deighton, os dois homens cuja tarefa era a de salvar a população
imbecilizada da Terra, abandonaram o salão de conferências. Lá fora, no corredor,
Deighton parou e tirou uma mecha de cabelos da testa.
— Às vezes — disse ele — eu gostaria de jogar tudo para o alto, e me recolher a um
planeta solitário.
— Ora, isso o senhor nunca conseguirá fazer.
— Infelizmente tem razão. Venha, Roi. Vamos ver o que se passa, lá em cima.
Eles entraram no elevador antigravitacional mais próximo e pairaram para o
primeiro plano, onde estava a central de rastreamento. Geralmente muito poucos
imbecilizados vinham até o território de Império-Alfa. De há muito todos os escudos
protetores tinham sido consertados, escudando todo o setor perfeitamente. Os
imbecilizados tinham medo das cúpulas irradiantes e se mantinham longe delas. De vez
em quando apareciam alguns bandidos por perto, mas eles eram suficientemente espertos
para não se arriscarem num ataque.
O território de Império-Alfa parecia morto, apesar de bairros isolados da cidade de
Terrânia City novamente terem sido habitados.
Danton entrou na central de rastreamentos sem um interesse especial. Ele não
acreditava em novidades sensacionais.
Eles foram saudados pelo Major Abraham.
— Sinto muito por ter mandado interromper a conferência, mas o assunto me
pareceu suficientemente importante. — Ele conduziu Danton e Deighton, por entre
instalações de comutações e positrônicas, para os monitores de vídeo da observação
externa. — Ali! — disse ele, e apontou para uma tela de vídeo. — Lá estão os três!
Danton viu três homens pobremente vestidos, parados diante do escudo protetor do
oeste de Império-Alfa. Eles pareciam refletir. Era evidente que estavam com medo.
Eles se movimentaram novamente. Numa distância segura de muitos metros, eles
andaram ao longo do escudo.
— Talvez não sejam imbecilizados — refletiu Danton.
— São sim! — disse Abraham, com certeza. Ele acendeu um cigarro e sorriu,
desculpando-se. — Vício idiota! Eu comecei com isso, há apenas dois dias. O senhor já
sabe...
Novamente os três estranhos ficaram parados.
— Eles estão discutindo! — verificou Deighton.
— Sua indecisão demonstra que não são imunes — disse Abraham. Ele apontou
para a comprida fileira de poltronas de controle, todas elas ocupadas. — Nós já estamos
observando-os há uma hora. Ah!
Sua última interjeição era outra vez para os três homens que agora estavam parados
diante de uma coluna que saía do solo.
— Uma coluna de chamada! — verificou Danton. — Antigamente era possível ser
utilizada por qualquer pessoa.
— Eles estão mexendo nas comutações! — disse alguém.
Do outro lado da sala veio um homem alto, esguio. Danton o conhecia. Era
Pellayron, o único galactopsicólogo imune em Império-Alfa.
— Eu chamei Don Pellayron, porque achei que isso poderia interessá-lo — explicou
Abraham, agitado.
— Sim — confirmou Pellayron.
Ele encostou-se no revestimento de um banco de dados. Suas sobrancelhas espessas
faziam com que parecesse sombrio, mas ele tinha rugas de riso em tomo dos olhos e uma
voz muito suave. Ao falar fazia gestos quase imperceptíveis com a mão direita.
— O que acha disso, doc? — quis saber Danton.
— São indubitavelmente três imbecilizados — disse Pellayron. — Eu já estou
observando-os há uns vinte minutos. Mas alguma coisa chama atenção neles — eles
perderam a estupidez típica dos imbecilizados. Isso já fica provado pelo fato deles se
interessarem pela coluna de chamadas. Ainda que não possam servir-se dela.
Deighton tomou uma decisão.
— Vamos trazer estes três homens aqui para dentro, para verificarmos o que se
passa com eles.
— Isso quer dizer que os fazemos prisioneiros — corrigiu-o Abraham.
Deighton fez um gesto defensivo.
— Chame-o como quiser.
Abraham sorriu e ligou um intercomunicador, para dar as ordens correspondentes.
Alguns instantes mais tarde os observadores na central de rastreamento viram que na
superfície terrestre uma cúpula chata se dividiu. Três robôs capazes de voar e um homem
equipado com um traje de proteção se tornaram visíveis. Eles voaram através de uma
eclusa estrutural do escudo de proteção e aproximaram-se dos três homens, que quando
viram os três robôs quiseram pôr-se em fuga.
Os robôs fizeram uso de suas armas paralisadoras.
Danton viu como os três homens foram para o chão, sendo erguidos pelos robôs. O
homem no traje de proteção deu algumas ordens. Poucos minutos mais tarde os robôs
com os três prisioneiros voaram de volta, na direção de Império-Alfa.
O imune os seguiu.
Abraham desligou a tela de vídeo e olhou o relógio. — Cuide deste assunto,
Pellayron! — ordenou Deighton. — Nós vamos voltar à sala de conferências. Chame-
nos, quando tiver os primeiros resultados.
Pellayron saiu apressadamente.
— Realmente eu sinto muito se os incomodei — garantiu Abraham, mais uma vez.
Deighton acenou para Danton.
— Imagine se todos os imbecilizados perdessem a sua estupidez — disse ele, do
lado de fora, no corredor.
— Nisto eu não acredito — retrucou o filho de Rhodan.
***
Os rostos pálidos dos três prisioneiros formavam um contraste forte com as paredes
forradas de veludo da sala de exames médicos. Luz indireta fornecia claridade suficiente
para deixar que Danton visse que os três homens estavam emagrecidos e sujos. Os seus
olhos eram irrequietos. Eles estavam com medo.
Pellayron estava encostado num armário de medicamentos. Inconscientemente
Danton pensou em que o galactopsicólogo sempre se encostava em algum lugar, quando
não estava em movimento.
— Deighton ficou lá em cima — declarou Danton. — Ele ainda está falando com o
comandante sobre a escala três do programa de aprovisionamento.
Os três prisioneiros estavam sentados em poltronas confortáveis, mas não pareciam
absolutamente relaxados. A sala de exames clínicos ficava no plano mais inferior de
Império-Alfa. Bem por perto ficavam as enfermarias, onde ficavam os médicos imunes e
os medo-robôs.
Pellayron enfiou suas duas mãos tão profundamente nos bolsos do seu jaleco, como
se quisesse perfurá-los.
— Estes são Necsmith, Fargoner e Chil-Anjon — ele apresentou os prisioneiros a
Danton. — Eles estão sob os efeitos de um leve choque mas podem falar com o senhor.
Danton não sabia o que fazer. Finalmente ele deu um passo na direção dos três
homens nas poltronas.
— Como estão?
Eles olharam. De algum modo eles lembravam animais aprisionados a Danton. Eles
realmente entendiam o que se passava aqui?
— Ninguém pretende fazer-lhes mal — Danton procurou tranquilizar os
prisioneiros. — Queremos apenas saber sobre o que estavam fazendo lá em cima.
— Nós... nós apenas estávamos dando uma olhada — declarou o homem que
Danton achou ser Fargoner.
— Esse é Fargoner — explicou Pellayron, que pareceu adivinhar os pensamentos de
Danton. — Ele é escultor e indubitavelmente o mais inteligente dos nossos amigos. Mas
uma coisa estes três homens têm em comum: Eles não são tão estúpidos como os
imbecilizados com os quais tivemos contato até agora. Isso não significa que eles
conseguiram de volta sua inteligência original. Mas o véu de esquecimento abriu-se um
pouco neles.
— De que modo? — perguntou Roi, espontâneo.
Pellayron retrucou, sorrindo:
— Se eu conseguisse descobrir isso, nós nos livraríamos de muitas de nossas
preocupações. Talvez seja um fenômeno geral.
Danton segurou a respiração.
— O senhor acha isso possível?
— Sim — disse o galactopsicólogo. — Eu conversei com os três homens. Eles
relataram em conjunto, que perceberam que alguma coisa não estava em ordem. Por isso
vieram para cá, porque aqui evidentemente esperavam encontrar um esclarecimento e
ajuda. Isto é... — Ele foi interrompido pelo chamado do intercomunicador e desapareceu
no recinto anexo.
Danton foi atrás dele e o viu, encostado à parede, falar ao microfone do
intercomunicador.
— Sim — dizia ele justamente. — O filho de Rhodan está aqui.
Ele virou-se.
— Deighton! Ele quer falar com o senhor.
— Roi! — gritou Deighton. — Dê uma olhada para ver se não está numa sala de
teto baixo, pois logo vai dar um pulo enorme! Eu acabo de receber uma notícia, e fiquei
sabendo quem é o chefe do Comitê de Salvação.
— Pare de me atormentar.
— O Coronel Edmond Pontonac.
Danton deu um assobio.
— Mais uma coisa — continuou Deighton. — Lá em cima surgiam imbecilizados
outra vez. Desta vez mais de sessenta. O comportamento deles, pelo que diz Abraham,
não diverge muito daquele dos nossos três prisioneiros.
Neste momento Pellayron, o galactopsicólogo, que estava acostumado a erupções
de espontaneidade e de alegria, teve uma surpresa. Danton pulou para ele e abraçou-o.
— O senhor ouviu isso? Todos foram atingidos! Todos os imbecilizados perderam a
sua estupidez!
Pellayron olhou em volta, procurando alguma coisa, depois deu dois passos até a
porta, onde podia encostar-se.
— Não se esqueça do que eu lhe disse. Isso não significa que a sua imbecilização
foi totalmente suprimida.
Porém Danton já não o ouviu mais. Ele já estava do lado de fora. Finalmente eles
tinham no Império-Alfa aquilo de que precisavam, para poderem continuar a lutar pela
salvação da Humanidade: Esperança!
4

Num carro estavam sentados quatro representantes do Homo superior observando


cem imbecilizados, que estavam ocupados, limpando um campo de milho de ervas
daninhas. Diante do carro havia um cavalo. Ele mexia o rabo para espantar as moscas que
o atormentavam. Os trabalhadores, os homens sobre a carroça e o cavalo não eram as
únicas criaturas, que se encontravam no milharal.
A cerca de dez metros de distância da carroça, dez homens armados estavam
agachados dentro de uma depressão do terreno, observando o que acontecia nas
proximidades. Um dos homens era Edmond Pontonac; um outro, Sogmonth. Também os
outros quatro faziam parte do Comitê de Salvação. Mais para trás estavam quatro grandes
robôs de combate.
Sogmonth ergueu a cabeça e espiou por cima da borda da depressão.
— Lá estão eles! — disse ele, com a voz cheia de ódio. — Vamos atacar para
liberar as pessoas escravizadas.
Pontonac colocou uma de suas mãos nas costas do homem atarracado.
— Sou eu quem dá as ordens. Vamos esperar, para ainda ficar observando. Eu
quero ter certeza de que não vamos cometer erros. Além disso, vamos nos limitar a fazer
os quatro membros do Homo superior prisioneiros, para interrogá-los. Mais tarde os
libertaremos novamente.
— E o que vai acontecer com os escravos? — perguntou Sogmonth.
Pontonac sacudiu a cabeça, furioso.
— Eles não são escravos, Sogmonth. São imbecilizados que são explorados pelo
Homo superior. Com certeza o Homo superior pode até estar pensando que faz um favor
a essa gente.
— Pessoas que têm que trabalhar em campos de milho e de batatas, praticamente só
com suas mãos, não são outra coisa senão escravos.
A selvagem decisão de Sogmonth tomava Pontonac inseguro. Ele queria regular
essa coisa à sua maneira, porém Sogmonth era um fator imprevisível demais, de modo
que Pontonac podia ter certeza de que tudo certamente não transcorreria como ele o
imaginara.
Eles continuaram vigiando. De vez em quando um dos Homo superior erguia-se na
carroça e gritava uma ordem.
Pontonac virou-se e olhou em direção à cidade ao longe. Também Gerona não tinha
saído ilesa da catástrofe, apesar da maioria dos cidadãos terem abandonado a cidade pelo
campo, logo depois da onda de imbecilização. Em Gerona tinham havido incêndios e
pilhagens, e uma das maiores usinas de força ao sul da cidade tinha explodido. E agora
chegara o Homo superior para desmontar as últimas instalações e máquinas ainda
capazes de funcionar e para induzir os imbecilizados para o plantio de batatas e de milho.
Pontonac sabia que em Gerona havia uma central do Homo superior. Ali se
encontravam cerca de sessenta Novos Homens. Sogmonth sugerira que se atacasse a
central, para destruí-la, porém o coronel não tinha aceitado a sugestão.
— Nenhum dos quatro homens, ali na carroça, deve escapar! — disse Pontonac aos
seus acompanhantes. — Eles advertiriam os seus amigos. Precisamos liquidar tudo aqui
rapidamente, para podermos prosseguir.
Ele ergueu o braço.
— Vamos sair voando! Os robôs de combate ficarão para trás, para o caso de
sermos atacados.
Os homens de Pontonac tinham cercado todo o campo. Uma fuga dos quatro
membros do Homo superior, deste modo era quase impossível.
Pontonac ergueu o braço.
— Vamos! — ordenou ele.
Quando os seis homens saíram voando de dentro da depressão de terreno, aconteceu
uma coisa curiosa no milharal. Como a um comando secreto, os imbecilizados
repentinamente pararam de trabalhar.
— Parem! — ordenou Pontonac imediatamente. — De volta para a cobertura!
— Por que isso? — protestou Sogmonth.
— Volte aqui! — gritou Pontonac, cortante.
O outro obedeceu de má vontade.
— Vamos esperar, para ver o que vai acontecer agora — disse Pontonac, quando
eles estavam novamente deitados na depressão de terreno. — Alguma coisa não está em
ordem.
Eles viram como um dos Novos Homens saltou da carroça e se aproximou dos
imbecilizados, que tinham interrompido o trabalho.
— O que está acontecendo? — gritou o Homo superior.— Por que não continuam?
O que quer dizer essa conversa durante o trabalho? O campo precisa estar limpo antes da
chegada da noite!
Os imbecilizados formaram pequenos grupos, e começaram a discutir
violentamente. Pontonac não queria acreditar no que estava vendo. Ele jamais vivenciara
uma coisa dessas com os retardados. O que significava isso?
Agora também os quatro membros do Homo superior abandonaram seus lugares na
carroça, para tratar dos trabalhadores do campo. Mas todas as suas ordens foram
menosprezadas.
— Até parece que os retardados de repente recuperaram sua inteligência —
observou Alfer Creek, que também estava agachado na depressão do terreno.
— Bobagem! — disse Sogmonth. — Nós devíamos atacar imediatamente.
Pontonac não reagiu a nada disso. Cheio de interesse, ele observou como seis dos
imbecilizados se afastaram dos outros, dirigindo-se para a beira do milharal.
Como podia ter certeza de que nem os imbecilizados nem os Novos Homens
traziam aparelhos de rastreamento consigo, Pontonac ligou seu aparelho de
radiotransmissão de pulso.
— Aqui fala Pontonac! — disse ele. — Carpino, está me escutando?
— Aqui fala Carpino!
Pontonac sabia que o ex-tenente da Druupboiden estava escondido com cinco
homens, no lugar para o qual os seis imbecilizados se dirigiam.
— Seis imbecilizados estão se dirigindo para o seu esconderijo! — explicou
Pontonac. — Eu preciso saber exatamente o que eles pretendem fazer.
— O que aconteceu, afinal de contas? — quis saber Carpino. — O que aconteceu
com os imbecilizados, para que eles se comportem desse modo estranho?
— Isso ainda não sabemos — respondeu Pontonac. — Mas esperamos poder
descobri-lo.
Ele perdeu os seis retardados de vista. Os quatro membros do Homo superior
continuavam se esforçando para fazer com que os outros homens e mulheres retomassem
o trabalho outra vez. Mas não tiveram êxito. Os imbecilizados empurravam os seus
guardas para trás, quando estes se aproximavam demais. Finalmente os quatro Homo
superior viram que não conseguiriam fazer nada e voltaram para a carroça.
Os imbecilizados conversavam. Alguns gesticulavam violentamente com os braços.
Jamais Pontonac pudera observar uma discussão tão agitada entre os imbecilizados.
— Aqui na beira do campo três tratores atômicos estão parados, e parece que já não
foram usados há mais de um ano — avisou Carpino. — Ao que parece os imbecilizados
estão interessados neles.
Esta foi uma nova surpresa para Pontonac.
— Fique aqui com os outros! — ordenou ele para Alfer Creek. — Sogmonth e eu
vamos ver o que está acontecendo do lado de lá.
Sogmonth o seguiu, de má vontade, mas não retrucou.
Os dois homens voaram bem próximos ao solo, de modo que não podiam ser vistos
do milharal. À sua esquerda havia algumas edificações redondas, silos dos tempos antes
da catástrofe. Ali também se encontrava a central de irrigação para estes terrenos. Ela não
fora destruída pelo Homo superior.
Pontonac e Sogmonth alcançaram o esconderijo onde Carpino e seus
acompanhantes se mantinham emboscados.
O jovem tenente era um homem alto, muito forte, de cabelos louros e um rosto
bronzeado. Há alguns anos ele sofrera da doença espacial de Moiwpersche, e
evidentemente não se deixara tratar em tempo, pois sua pele mostrava profundas
cicatrizes.
Carpino acenou ao coronel.
— Lá do outro lado! — disse ele e apontou para uma clareira entre sobreiros.
Pontonac sentiu-se acometido de uma estranha agitação. Ele parecia saber que
coisas decisivas estavam acontecendo.
Os três tratores, dos quais Carpino falara, estavam parados entre as árvores.
Provavelmente tinham ficado intocados desde os tempos da imbecilização. Os temporais
que tinham caído sobre a Terra nos primeiros meses eram responsáveis pelo aspecto
maltratado das três máquinas.
Porém isso agora era menos interessante.
O que impressionava Pontonac era o fato de que os seis imbecilizados rodeavam os
três tratores, aparentemente deliberando o que poderiam fazer com eles.
Finalmente um dos homens aproximou-se e tocou o revestimento do motor de uma
das máquinas. Isso foi como um sinal para os cinco outros. Eles subiram nos tratores e
examinaram as peças salientes. Mesmo nas ligações eles mexeram. Apesar de não
pareceram capazes de pôr uma máquina em movimento, eles o tentavam.
— Isso não são mais pessoas retardadas! — verificou Carpino. — Eles se
interessam por estas máquinas, que nos quinze meses passados mal tinham olhado.
— Mesmo assim os imbecilizados não ganharam sua inteligência original de volta!
— objetou Sogmonth. — De outro modo, seria fácil para eles entenderem as ligações das
máquinas.
— Tem razão! — concordou Pontonac.
Ele segurava-se com uma de suas mãos num galho e continuou observando, o que
estava acontecendo na clareira.
— Temos que saber se este fenômeno está limitado a este território, ou se aparece
em toda parte do mundo — declarou ele. — Por isso vamos interromper nossa operação e
voltar para nossa base de apoio.
Sogmonth rangeu os dentes audivelmente.
— Eu não concordo com isso! Nós partimos para sabotar os projetos do Homo
superior na Europa. Não existe nenhuma razão para interromper esta operação.
Novamente Pontonac ouviu na voz do ex-major um ódio sem limites. O coronel
forçou-se à calma. Ele não devia discutir com Sogmonth.
— Estamos diante de uma nova situação — declarou ele, calmamente. — Antes de
não sabermos o que está acontecendo, uma intervenção do Comitê de Salvação não tem
sentido.
— Sou completamente de outra opinião! — protestou Sogmonth. — Mas estou
curioso em saber o que pretende fazer agora.
— Vamos levar dois ou três imbecilizados juntos conosco, para nossa base de apoio
submarina — anunciou Pontonac. — Ali vamos examiná-los, para ficarmos sabendo o
que aconteceu.
— E o Homo superior?
Pontonac fez um gesto defensivo.
— Ele agora não tem tanta importância.
No rosto de Sogmonth houve uma modificação. Pontonac viu nitidamente o que
acontecia dentro desse homem.
— Deixe-me aqui, com a metade dos homens, para que eu possa terminar nossa
missão.
— Não — Pontonac não concordou.
Sogmonth fechou as mãos em punhos.
— O senhor não é responsável sozinho, coronel! Nós trabalhamos em conjunto
nesse projeto. Eu vou perguntar aos membros do comitê, quem, de futuro, quer ficar
comigo.
Pontonac era impotente contra isso. Assim como ele criara o Comitê de Salvação,
Sogmonth podia tentar formar o seu próprio grupo. Pontonac pensou, amargurado, em
como Sogmonth trabalharia. O homem movido por um ódio incompreensível iria
proceder com a força de armas contra os Novos Homens e os mataria a todos, sempre que
os encontrasse.
Isso teria que ser evitado, em qualquer circunstância. Não apenas porque Sogmonth
cometeria o seu crime em nome do Comitê de Salvação, mas também porque ele era sem
consideração e brutal.
— Sim — Sogmonth reforçou sua decisão. — Eu não trabalho mais em conjunto
com o senhor, coronel.
Pontonac tomou uma decisão rápida. Ele puxou o seu desintegrador e apontou-o
para o homem atarracado.
— Sogmonth, o senhor está preso.
Sogmonth empalideceu,
— O senhor não pode me prender. Para isso não tem o direito.
— Isso me é indiferente. Carpino, desarme-o.
O ex-tenente da Druupboiden tirou as armas de mão do cinturão do traje de
Sogmonth. Sogmonth ficou parado, de cabeça baixa. No momento ele não estava em
situação de fazer qualquer coisa, mas Pontonac sabia que tinha arranjado um inimigo
irreconciliável, que lhe pagaria isso de volta, na primeira oportunidade.
— O senhor é responsável por ele, Carpino! — disse Pontonac ao jovem astronauta.
— Vigie-o. O senhor tem que contar com o fato de que ele vai tentar a fuga.
— Ele não me escapará — reforçou o tenente.
Antes que Pontonac pudesse tomar novas decisões, Alfer Creek chamou pelo rádio.
— Volte imediatamente, Pontonac! — gritou o médico —Com os quatro Novos
Homens na carroça, estão acontecendo coisas estranhas.
Pontonac acenou para Carpino e voou de volta para a depressão de terreno, onde
Creek e os outros esperavam. Ele olhou para a carroça. Os quatro membros do Homo
superior estavam sentados na grade de madeira e olhavam para o chão. Eles não se
mexiam.
— Eles já se encontram nesta posição há alguns minutos. — Ele olhou, inquieto,
para os sobreiros, do outro lado. — Onde é que ficou Sogmonth?
— Eu o prendi — declarou Pontonac, decidido.
O médico não fez outras perguntas, mas parecia aliviado.
Pontonac olhou para a carroça. Ele já ouvira dizer que um Homo superior era capaz
de meditar horas, mas não acreditava que os quatro homens na carroça iam começar com
isso justamente agora. O seu comportamento devia ter que ser explicado de modo
diferente.
— Parece que eles perderam todo o interesse nos imbecilizados — observou
Pappon, que também estava deitado na depressão do terreno.
— Hum! — fez Pontonac, apenas.
Ele tinha a sensação de que as suas próteses estavam comichando, mas isso
naturalmente era apenas imaginação. Sempre que ele refletia intensamente, ele acreditava
novamente estar de posse de suas pernas. Ele sabia que isso era uma reação dos nervos.
Depois de meia hora os Novos Homens se mexeram novamente. Complicadamente,
como se estivessem completamente distraídos, eles desceram da carroça. Eles não
falaram entre si, mas pareciam ter objetivo comum.
— Eles abandonam o milharal! — verificou Creek.
— Vamos segui-los! — determinou Pontonac. — Creek, o senhor fica para trás, e
reúne um grupo que deverá aprisionar dois ou três imbecilizados.
— O que pretende fazer? — perguntou Alfer Creek.
Pontonac explicou, depois abandonou a depressão do terreno com quatro homens,
para seguir os quatro Novos Homens. Os homens, nas suas longas túnicas, que tinham
vigiado os trabalhadores de campo retardados, somente se movimentavam lentamente.
Eles caminhavam em direção à cidade. Pontonac achou que eles queriam voltar para sua
base de apoio.
Depois de algum tempo os dois grupos alcançaram uma estrada revestida de
plástico, que atravessava os campos em diagonal.
Pappon chamou a atenção de Pontonac para um grupo de trabalhadores que estavam
parados na beira da estrada, discutindo violentamente.
— Em toda parte o mesmo fenômeno! — disse Pontonac. — Eu gostaria de saber o
que aconteceu.
— Talvez encontremos uma resposta na cidade — foi a esperança do velho negro.
Desta distância, Gerona parecia intocada, mas Pontonac sabia que esta impressão
enganava. Como em toda parte do mundo, também em Gerona havia edifícios destruídos,
pavilhões e viadutos ruídos. De acordo com relatos recebidos, Pontonac avaliou que em
Gerona, no momento, não viviam mais de dez mil pessoas. Todos os outros tinham
fugido para as pequenas aldeias da antiga Catalunha, onde tinham chances de
sobrevivência bem maiores. Na ex-Espanha havia somente uma única célula de imunes
do Império-Alfa. Ela encontrava-se em Madri e os seus membros lutavam com muitas
dificuldades. Era indispensável que eles pudessem se preocupar com os destinos dos
últimos habitantes de Gerona.
A estrada descreveu uma curva. Entre os sobreiros Pontonac viu um pequeno campo
de pouso, no qual havia dois planadores. Antigamente aqui tinham pousado aparelhos de
transporte. Pontonac suspeitou que os dois planadores eram pilotados por membros do
Homo superior. Quando se tratava de amealhar algumas vantagens, os Novos Homens
frequentemente faziam uso dos produtos da técnica que eles amaldiçoavam.
Os quatro homens, aos quais o grupo de Pontonac seguia, dirigiram-se para o
pequeno campo de pouso.
— Esses planadores são deles! — verificou Wybpon, um dos acompanhantes de
Pontonac, com firmeza. — Se eles saírem voando com os mesmos, não vamos poder
mais acompanhá-los.
— Eu estou admirado que eles ainda não nos descobriram — observou um outro
homem do comitê.
Pontonac riu, nervoso.
— Eles nos viram há muito tempo. Mas eles nos ignoram.
Pelos seus anteriores entrechoques com o Homo superior, Pontonac sabia que seus
adversários, por questões de princípios, nunca se colocavam em posição de luta. Até
agora eles tinham recuado, diante dos imunes do comitê. Essa tática tinha sido vantajosa
para o Homo superior, pois a gente do comitê não podia estar em todos os lugares ao
mesmo tempo. O Homo superior recuava e esperava, até que o Comitê de Salvação se
dedicava a uma nova tarefa. Então os Novos Homens voltavam ao lugar original, e
terminavam a sua missão, que na maioria dos casos consistia na desmontagem de
importantes estações e instalações.
Pontonac foi interrompido nos seus pensamentos, pois os quatro Homo superior
tinham alcançado os planadores Cada planador foi ocupado por dois homens.
— Eles vão voar embora! — disse Pontonac, decepcionado — Provavelmente para
o quartel-general da cidade.
— Eles se movimentam de modo tão estranho — verificou Pappon. — Tenho a
impressão de que estão com os braços e as pernas paralisados.
— Alguma coisa não está em ordem com eles — disse Pontonac.
Os propulsores dos planadores uivaram. Pontonac estremeceu.
— Eles estão malucos? — gritou ele, agitado. — Por que não usam os projetores
antigravitacionais?
Sem entender direito, ele ficou olhando, enquanto um dos planadores ergueu-se do
chão aos solavancos, e saiu em velocidade alta demais, acelerando loucamente.
— Eles não conseguem controlá-lo! — gritou Wybpon, agitado.
O planador voou em diagonal por cima da estrada, ganhou altura e depois voou para
os campos. Depois descreveu algumas curvas fechadas e novamente perdeu altura.
— Eles estão malucos! — disse Pappon, quase sem ar.
Entrementes também o segundo planador dera partida. Ele voara mais devagar, mas
em loucos movimentos de ziguezague, no que tocava as copas de algumas árvores.
Pontonac olhou aquilo, fascinado. Ele imaginou que seria testemunha visual de uma
catástrofe.
— Entende isso? — perguntou Pappon, surdamente.
Pontonac sacudiu a cabeça. Ele procurava inutilmente reconhecer uma conexão
entre a estupidez decrescente dos imbecilizados e a confusão cada vez maior nas mentes
do Homo superior. Mas tinha certeza de que não estava vivenciando apenas um
acontecimento local. Do jeito que as coisas estavam acontecendo agora na antiga
Espanha, elas deviam estar acontecendo por toda a parte do mundo.
Talvez até em todos os planetas habitados por seres humanos.
Estes acontecimentos davam motivo para esperanças, ou eles eram os precursores
de uma catástrofe ainda maior?
A explosão do primeiro planador arrancou Pontonac violentamente de suas
reflexões. Seguindo impulsos de pilotagem incompreensíveis, o aparelho tinha caído
repentinamente ao solo, arrebentando-se. Uma nuvem de fumaça marcava o lugar da
explosão.
Pontonac sentiu que começava a tremer,
— Loucura! — disse Pappon, nervoso. Ele estava parado no meio da estrada,
olhando para o local do desastre.
— O senhor acha que se trata de suicídio? — perguntou um membro do comitê, de
nome Tuun Ancor.
Pontonac não tinha resposta para esta pergunta.
Ele observou o segundo planador, que rodopiava pelo ar, como uma folha murcha.
Pontonac tomou uma decisão. Ele ligou seu transmissor de pulso e tentou alcançar a
tripulação do segundo planador pelo rádio. Talvez ele pudesse fazer com que os dois
Novos Homens voltassem à razão.
Mas os seus esforços foram inúteis. Ele não conseguiu nenhuma ligação.
— Pappon! — ordenou ele. — Voe até o local do desastre, talvez alguém precise de
ajuda.
— Ali? — perguntou o negro, duvidando. — Ali não vive mais ninguém.
— É possível — retrucou Pontonac. — Mesmo assim, precisamos ter certeza.
Enquanto Pappon saiu voando, o segundo planador voava velozmente logo acima
das copas de uma floresta de sobreiros, prendeu-se nos galhos e foi arrancado
lateralmente para baixo. Uma labareda de fogo subiu por entre as árvores, que se
incendiaram.
— O segundo! — disse Wybpon, estarrecido.
Pontonac precisou de algum tempo até ter-se controlado. Parecia-lhe estar
acordando de um pesadelo, mas as duas colunas de fumaça lhe comprovavam que ele não
estivera sonhando. Os Novos Homens evidentemente não tinham estado em condições de
pilotar os aparelhos.
Mas eles tinham vindo para cá nestes mesmos planadores, tendo pousado sem
problemas. Eles tinham dominado o mecanismo dos planadores. Eles teriam perdido esta
capacidade em curto espaço de tempo? Ou eles realmente quiseram cometer suicídio?
Seria possível que os membros do Homo superior perdiam inteligência na mesma
medida em que os homens normais recuperavam a sua inteligência?
“Loucura!”, pensou o coronel.
O que é que ele deveria fazer agora?
— Venham! — disse ele para os outros. — Vamos examinar o outro local do
acidente.
Os homens saíram voando na direção do bosque.
Por baixo deles ficou para trás a estrada abandonada.
5

Na praça grande, diante do imenso parque, duzentos membros do Homo superior


estavam reunidos. Trinta e dois deles pertenciam aos Cinquenta Primeiros Vogais. Era de
noite, mas um holofote que pairava por cima da praça fornecia claridade. No centro da
praça um pequeno templo construído em pedra natural. Em poucas semanas ele fora
construído depois da catástrofe, por chefes imunes de uma das seitas que naquela ocasião
haviam se formado em grande número.
Os membros desta seita já tinham fugido para todas as partes da Terra, os chefes
tinham reconhecido a falta de senso de seus esforços e agora se interessavam por outras
ocupações.
O templo consistia de quatro colunas erguidas exatamente num quadrado, por cima
das quais se estendia um telhado semi-redondo. Também o chão do templo consistia de
pedras juntadas aleatoriamente.
Das alturas de onde se encontrava o templo, Holtogan Loga tinha uma visão livre de
toda a praça. Ele estava decepcionado, que não havia um maior número de pessoas do seu
povo reunido ali, mas talvez não se pudesse esperar mais, nas circunstâncias atuais. Loga
também abandonara a esperança de que os dezoito Primeiros Vogais faltantes ainda
pudessem vir até Puppet. Alguns deles tinham partido, sem entretanto chegarem ao
destino.
O estranho processo que começara há dias atrás ainda não estacionara. Por toda a
parte no mundo, membros do Homo superior decaíam em letargia e na estupidez. Erros
pesados eram cometidos, e a organização se encontrava em desagregação.
O próprio Holtogan Loga tinha que se forçar a cada movimento. Uma voz interior
tentava constantemente persuadi-lo à inércia. A falta de sentido de qualquer atividade era
claramente sentida por Loga. Tudo era irrevogável.
Loga observou a reunião, as pessoas reunidas.
Todas elas davam impressão de que estavam mais ou menos indiferentes.
Praticamente ninguém falava. Homens e mulheres estavam parados como estátuas no
parque, parecendo esperar por alguma coisa.
Uma grande amargura tomou conta de Loga e o acordou de sua letargia. Ele
lembrou-se de que durante aquele dia não se alimentara. Comer e beber pareciam-lhe
supérfluos.
E isso se passava com todos os Novos Homens. Por toda a parte no mundo havia
membros do Homo superior que esperavam, inativos, pelo que iria acontecer. Os que
tinham sido atacados pela estranha doença eram a grande maioria — parecia não haver
imunes. Alguns homens e mulheres tinham sido atacados mais tarde — mas neles a
mudança de atividade para letargia, ainda fora mais rápida.
O Mestre dos Primeiros Cinquenta Vogais sabia entrementes que nos imbecilizados
tinha ocorrido um processo inverso. O Homo superior acordava de sua rigidez e
começava novamente a se interessar pelo seu meio ambiente.
Nenhum Homo superior sabia como este desenvolvimento fora deflagrado, mas
parecia irresistível.
Mon Armig, que ainda se sentia relativamente bem, acercou-se de Loga.
— Parece que outros não virão — verificou ele. — Você agora pode falar com eles.
Loga não preparara nenhum discurso. Ele não estava mais em condições de fazê-lo,
e além do mais era questionável que os outros o teriam.
— Os mais fortes de nós — disse ele na voz entrecortada com a qual já se
acostumara a falar nestes últimos dois dias — precisam tentar empreender alguma coisa.
Armig irá chefiá-los. Precisamos reunir os mais saudáveis. Eles terão que continuar se
impondo ao Homo sapiens. A civilização dos normais não deve ser reconstruída
novamente, para que tudo não tenha sido em vão.
Loga continuou falando. Ele dizia aquilo de que se lembrava no momento. O frio
vento da noite penetrava através de sua toga fina, e ele tremia de frio. Mas mesmo isso
não o incomodava. Ele se conformava com tudo.
Os seus ouvintes mal demonstravam uma reação. Na realidade não era seguro de
que eles realmente o estavam ouvindo.
Finalmente Mon Armig, que tinha ainda conseguido desenvolver uma certa
iniciativa, ergueu o braço.
— Uma terrível catástrofe ameaça o nosso povo! — gritou ele. — Está na hora de
empreendermos alguma coisa. Tudo foi tão rápido que mal tivemos tempo de agir. Mas
não devemos ficar olhando, inativos, enquanto o nosso povo entra em um estado que se
assemelha ao do Homo sapiens. Nós somos os herdeiros da Humanidade, nós temos que
dar cumprimento à nossa tarefa.
Loga ficou escutando, confuso. Enquanto Mon Armig falava, Loga entendia o
sentido das palavras, porém este entendimento não persistia por muito tempo.
Armig repentinamente colocou as mãos espalmadas no rosto e começou a soluçar.
Este gesto desesperado tocou Holtogan Loga estranhamente e fez com que o seu interesse
pelo seu velho amigo se acendesse.
— O que é que você tem?
Armig disse, deprimido:
— Você não entenderia.
Loga já estava novamente seguindo outro pensamento.
— Nós temos que escolher outros membros para substituir os Primeiros Vogais
desaparecidos.
— Isso agora é importante? — perguntou Armig, triste.
— Eu não sei! — Loga olhou para o brilho da luz do holofote e baixou a cabeça.
Por alguns segundos ele ficou tão ofuscado, que não via mais nada.
Os duzentos Novos Homens reunidos no parque rodeavam o templo e esperavam.
Alguns tinham se deitado no chão frio. Ninguém tomou a iniciativa.
— Nada tem mais sentido — declarou Armig, cheio de amargura. — Se não vier
ajuda de fora, estaremos perdidos.
Vagamente Holtogan Loga lembrou-se do aparelho transmissor de rádio no edifício
da GCC. Talvez, por esse caminho, ele poderia pedir socorro. Em algum lugar ainda
deveria haver membros do seu povo que não tinham sido tão afetados.
Porém nas últimas horas não tinha mais chegado quaisquer mensagens pelo rádio.
Armig, que se esforçara em conseguir ligações com as diversas estações exteriores, não
recebera nenhuma resposta. A rede de comunicação do Homo superior que não existiria
apenas na Terra mas também em toda a galáxia, não funcionava mais. Parecia que não
havia mais membros do Homo superior, interessados na troca de informações.
Estes acontecimentos tinham estreita conexão com aqueles pressentimentos que
Holtogon Loga já tinha tido antes, com certa frequência? Em sonhos terríveis, Loga tinha
vivenciado coisas, que ele desterrara para o reino da fantasia, mas que agora ameaçavam
tomar-se terríveis verdades.
Novamente os pensamentos do homem grisalho se confundiram.
Sem refletir sobre o que estava fazendo, ele deitou-se do lado de Armig, no chão de
pedra.
— Levante-se! — gritou-lhe Mon Armig. — Você agora não pode desistir.
Ele agarrou Loga pelo braço e puxou-o novamente, para que ficasse de pé. Loga
não ofereceu resistência. Armig olhou para o parque. Ninguém parecia interessado no que
se passava no interior do pequeno templo.
Neste momento apagou-se o grande holofote. Ou tinha ocorrido uma falha na
instalação, ou então alguém tinha desligado a instalação geral de energia do prédio da
GCC. Estava tudo tão quieto que Armig conseguia ouvir a respiração de Loga. Ninguém
no parque tomou a escuridão como motivo para abandonar a praça e voltar para o prédio.
Armig estava convencido de que os reunidos ficariam no parque se ninguém se
incomodasse com eles. Eles não comeriam nem beberiam, mas ficariam ali, de pé, ou
deitados, muito quietos.
Como isso poderia terminar?
O Homo superior esperava pelo seu fim?
Esta perspectiva terrível roubou a respiração de Armig.
Em algum lugar na borda do parque acendeu-se uma lanterna manual. Aliviado,
Mon Armig olhou na direção do clarão da luz. Ali estava alguém que desenvolvia uma
iniciativa.
Armig deixou Loga deslizar para o chão.
— Eu voltarei imediatamente!
Estas palavras lhe pareceram sem sentido, pois ele sabia que era indiferente a Loga
se Armig se interessasse por ele ou não.
Armig correu a encosta abaixo. Havia um céu claro, cheio de estrelas, de modo que
Armig podia ver onde havia homens ou mulheres parados. A luz na borda do parque
movimentou-se, alguém caminhava ali com uma lanterna manual.
O coração de Armig batia forte. Finalmente ele encontraria alguém não acometido
por essa terrível letargia. Em sua agitação Armig chocou-se com um homem,
derrubando-o no chão. Na escuridão pareceu-lhe reconhecer Tankmedes, que tinha
chegado ontem. O homem ficou caído ao chão.
Armig hesitou um instante, depois continuou correndo. Tudo que ele fizesse agora
seria inútil. Somente uma ajuda organizada poderia socorrer o Homo superior. Talvez ele
encontrasse homens e mulheres que, como ele, ainda estavam relativamente saudáveis.
Ele ainda estava afastado da claridade da luz apenas poucos passos.
— Espere! — Gritou ele. — Sou eu — Mon Armig!
O feixe de luz girou e ofuscou Armig. Ele não conseguiu ver quem segurava a
lanterna.
— Eu estou contente por ter encontrado alguém que ainda está em ordem —
continuou Armig. — Vamos nos aconselhar, para ver o que podemos fazer para a
salvação de nosso povo.
Ele saiu do círculo luminoso, de modo que não ficou mais ofuscado.
Quando ele viu o rosto do homem, que estava de pé, com a lanterna no meio das
árvores, o choque quase o fez gritar.
O homem era Vanieoh.
6

O planador voava cem metros de altura pela costa. Do seu lugar nos controles, Roi
Danton podia observar a praia.
Lá estavam eles!
Milhares de Novos Homens.
Eles estavam parados, sem se mexer, o rosto para o mar aberto, os olhos
esbugalhados. Eles se encontravam até no alto de Irpsala-Moni, onde rochedos muitos
íngremes não lhes ofereciam mais lugar.
As notícias que haviam chegado a Império-Alfa, portanto estavam corretas.
Danton anuiu para o piloto.
— Desça mais, Armouac!
Depois ele virou-se para Don Pellayron, que viera para bordo junto com o Dr.
Webber.
— O que acha disso?
O galactopsicólogo tinha se afundado bastante na poltrona, esticando as pernas para
longe de si. Ele mantinha os olhos semicerrados.
— É inexplicável. Eles me lembram os lemingues, apesar de não terem vindo,
evidentemente, para se lançarem ao mar, como fazem estes roedores em época de crise
ambiental. Eles apenas ficam parados ali, olhando para as águas. Os seus olhos estão
rígidos. Parece até que estão em transe.
— E são mais de trezentos mil! — acrescentou o Dr. Webber.
Danton abandonara Império-Alfa para obter uma imagem pessoal dos
acontecimentos na Terra. Os relatos que tinham chegado à central pareciam corresponder
exatamente com os fatos. Os homens imbecilizados tinham reconquistado uma parte de
sua inteligência. Naturalmente, como antes, eles continuavam a não compreenderem
processos complicados, ou a proceder a comutações técnicas, mas eles novamente
estavam se interessando pelo seu meio ambiente. Este interesse felizmente não se
limitava apenas à tomada de alimentos e segurança.
Totalmente contrário, porém, tinha transcorrido o desenvolvimento do Homo
superior. Nestes últimos dias ele perdera toda a iniciativa. Os Novos Homens, em todos
os lugares da Terra, estavam deitados nos seus antigos territórios de missões, como se
tivessem perdido toda a vontade de viver. Eles estavam ainda mais letárgicos que os
antigos imbecilizados. Entretanto ninguém podia dizer alguma coisa certa sobre o
desenvolvimento psíquico dos Novos Homens. O Dr. Webber afirmava que no Homo
superior também se sentia uma crescente imbecilização, enquanto Pellayron achava que
era apenas uma mudança de vontade.
Totalmente sem clareza, continuava sendo através do que esta nova situação tinha
sido criada. Teoricamente somente novas manipulações dos habitantes do “Enxame”
podiam ser responsáveis por isso. Ninguém entretanto sabia exatamente o que estes seres
misteriosos tinham feito.
As notícias vindas do espaço, especialmente da Good Hope II e da Intersolar, eram
raras.
O planador pairava lentamente por cima da praia. As pessoas, que banhavam os pés
nus nas ondas, não prestavam atenção no planador.
Armouac, o piloto de cabelos pretos, baixinho, tinha apertado os maxilares de tal
modo que estes sobressaíam visivelmente no rosto. Ele não conseguia entender o que se
passava lá embaixo. Para ele, os membros do Homo superior eram gente. Ele ficava
aflito, em ver pessoas num estado destes.
Danton tomou uma decisão repentina.
— Pouse! — ordenou ele Pellayron ergueu a cabeça.
— Nós devíamos deixá-los em paz — opinou ele.
— Sim — disse também o Dr. Webber. — Não é assunto nosso. Quem sabe o que
realmente está por trás disso. Talvez seja uma espécie de transição para um estágio
seguinte. Eu acho que não é impossível que ainda venhamos a ter dificuldades ainda
maiores, por causa do Homo superior.
Danton apontou para baixo e riu, amargamente.
— Através desses pobres-diabos? Acho que nem mesmo o senhor acredita mais
nisso, doc!
Armouac pousou o planador em formato de disco, numa praça livre, que antes já
servira como parque infantil. Agora não havia mais crianças brincando ali. Crianças
brincando tinham se tornando coisa rara, desde que, há quinze meses atrás, viera a
catástrofe da imbecilização.
“As crianças”, pensou Danton, “sempre são uma escala para medir-se a posição
civilizadora de um povo.”
Danton abriu a eclusa. Um ar fresco do mar entrou. O filho de Rhodan saltou para
fora e olhou em torno. Pellayron o seguiu. O galactopsicólogo olhou em volta, como
procurando alguma coisa, depois aproximou-se de um balanço elétrico, onde ele podia
encostar-se no andaime. O parque de brinquedos ficava cerca de dez metros mais alto que
a praia, e estava sessenta metros afastado dela. Terra a dentro havia alguns hotéis, cujas
persianas estavam fechadas. Somente em um balcão Danton viu dois homens, que
também pareciam estar observando a praia.
— Uma região solitária! — observou o Dr. Webber, que agora também veio para
fora.
— Antigamente isso era diferente — retrucou Danton. — Nos meses de verão era
difícil encontrar um lugar nos hotéis.
Pellayron puxou um banquinho do balanço para baixo e o empurrou lentamente
para o lado. O balanço começou a zunir, oscilando de um lado para o outro.
— Eu acho que estes tempos passaram definitivamente.
Ele falara baixo, de modo que Danton, que já descia para a praia, não mais pôde
ouvi-lo.
O Dr. Webber olhou, interrogativamente, atrás do filho de Rhodan.
— O que é que ele pretende fazer?
— Venham! — gritou Roi, impaciente. — Vamos ver se conseguimos estabelecer
contato.
Os três homens escorregaram pela areia fina na direção da margem do mar. Danton
parou diante do primeiro Novo Homem que ele alcançou.
O estranho era de altura média e parecia ter sessenta anos. Danton sabia, por
experiência, que os membros do Homo superior em regra pareciam dez ou vinte anos
mais velhos do que eram na realidade.
O homem não deu atenção a Danton. Ele tinha olhos azul-claros, e um rosto de
asceta. As mãos que ele conservava firmemente apertadas ao corpo, eram recobertas de
veias grossas.
— Eu não sou um Homo superior! — Disse Danton para o estranho. — Mas nós
nos interessamos pelo seu destino. O senhor pode dar-nos algumas informações?
Suas palavras lhe pareceram pesadas, mas o que mais ele poderia ter dito?
O homem não reagiu. Ele respirava regularmente, mas tudo que parecia interessá-lo
eram as ondas que rolavam pela praia branca.
Danton colocou-se diante do homem, e obstruiu-lhe a vista para o mar. Os olhos do
Homo superior continuaram muito abertos e fixos, como se conseguisse ver, através de
Danton, para o mar.
— Eu sou Roi Danton! — continuou ele, insistente. — Meus dois acompanhantes e
eu queremos falar com o senhor.
Quando mesmo assim não conseguiu uma resposta, ele agarrou o homem pelo braço
e sacudiu-o.
— Seria melhor o senhor não fazer isso — disse Pellayron, incomodado. — Nunca
se sabe como gente neste estado pode reagir.
O estranho pareceu acordar de rua rigidez. Ele girou a cabeça e olhou para os três
homens. No seu rosto não se via nem inimizade nem espanto.
— Finalmente! — gritou Danton. — O senhor me entende?
— Sim — disse o Homo superior, baixinho.
Sua voz parecia indiferente, este homem parecia estar num mundo inteiramente
diferente, com seus pensamentos.
— Nós temos que tentar saber de alguma coisa, através dele! — disse Danton,
decidido. — Em caso de necessidade o levamos conosco para Império-Alfa, e o
interrogamos lá.
***
Edmond Pontonac estava de pé junto da balaustrada do barco rápido esperando pela
chegada dos grupos isolados do comando de salvação. O barco levaria o equipamento
para a ilha, onde se encontravam os planadores da organização. Os homens que não
podiam ser tomados a bordo, alcançariam a ilha com seus trajes de proteção capazes de
voar.
As ondas batiam contra o barco, fazendo-o balançar um pouco.
Creek aproximou-se da balaustrada.
— Marous ainda não voltou!
— Não podemos esperar por ele — respondeu Pontonac. — Vamos partir logo que
o último grupo entregar seu equipamento.
Quatro pesados robôs de combate vieram para bordo pela escada de portaló. Um
dos homens levou-os para baixo do convés, onde os desativou.
O aparelho de rádio de pulso de Pontonac deu um sinal. Ele ligou para a recepção.
— Aqui fala Carpino! — disse uma voz, difícil de ser entendida.
— Carpino! — gritou Pontonac. — Onde, com todos os diabos, o senhor está?
Houve uma ligeira pausa, enquanto somente se ouvia o rumor das ondas. Depois:
— Ele sumiu, sir! Ele burlou nossa vigilância.
A expressão do rosto de Pontonac mudou. Na sua testa apareceram algumas rugas.
— Do que, afinal, está falando?
— Sogmonth! — gritou Carpino, agitado. — Ele nos escapou.
Creek, que estava na escuta, praguejou. Ele curvou-se bastante por cima da
balaustrada e cuspiu no mar.
— Era só o que ainda nos faltava.
Pontonac estava aturdido. Ele não conseguia entender que Carpino tivesse cometido
um erro tão grave. Mas Sogmonth era esperto, ele conhecia todos os truques da Contra-
Espionagem Solar.
— Eu... eu sinto muito! — balbuciou Carpino.
Pontonac não respondeu, mas desligou seu aparelho de rádio de pulso. Por um
momento ele fechou os olhos, e procurou imaginar o que Sogmonth, sozinho e sem
armas, poderia empreender. Porém um homem como Sogmonth não ficaria muito tempo
desarmado, nem sozinho. O ex-major tentaria reunir um bando. E não lhe seria difícil,
encontrar partidários.
E depois disso...
Era de se temer que Sogmonth provocaria um banho de sangue entre os membros
do Homo superior.
— O que vamos fazer agora? — a voz de Alfer Creek penetrou nos seus
pensamentos.
— O que é que o senhor sugere? — perguntou Pontonac, por sua vez.
— Alguém deveria ficar para trás, para dar um jeito em Sogmonth.
Pontonac também já pensara nisso. Mas quem ele deveria deixar para trás? Quem
dos seus homens estava à altura de enfrentar Sogmonth?
Da margem vinham algumas pessoas.
— Aí vêm Elschkin e seus homens! — disse Creek. — Agora só falta o grupo de
Carpino.
Sem responder, Pontonac retirou-se. Ele desceu para baixo do convés e entrou na
pequena cantina perto da casa de máquinas. Conforme esperara, aqui encontrou Pappon,
preparando alguns sanduíches. O velho sorriu.
— Eu achei que alguns homens estão saturados de concentrados alimentícios, sir.
— Pappon — disse Pontonac. — O senhor sabe que eu confio no senhor.
O velho pôs a faca de lado. Seu rosto ficou sério. Ele apoiou-se com ambos os
braços sobre a mesa e olhou, interrogativamente, para Pontonac.
— Sogmonth fugiu — explicou Pontonac. — Se não prestarmos atenção, ele vai
cometer coisas terríveis em nome do Comitê de Salvação. Eu queria pedir-lhe para que
ficasse na Catalunha, para cuidar dele.
O negro limpou as mãos nas calças e rodeou a mesa.
— Eu compreendo!
Ele tirou seu traje de proteção de um armário e começou a vesti-lo. Enquanto atava
os cordões de suas botas, ele perguntou:
— O senhor sabe que ele odeia todos os Novos Homens?
— Não — disse Pontonac.
— Sua mulher e seus dois filhos viviam nas proximidades de uma usina atômica
que foi mandada pelos ares pelo Homo superior — informou Pappon. — Como todos os
três estavam imbecilizados, não se deram conta do perigo, e morreram queimados.
Sogmonth chegou uma hora mais tarde e encontrou os cadáveres.
— Como sabe disso?
— Eu certa vez estive com ele, quando se embebedou. Foi quando ele falou. Ele
falou tudo que lhe afligia a alma. — Pappon pegou o capacete chato e enfiou-o na cabeça.
— Nós todos sabemos muito pouco, uns dos outros, coronel.
Quando Pappon quis abandonar a cantina, Pontonac segurou-o pelo braço.
— Mesmo assim temos que eliminar Sogmonth — disse ele. — Não se pode
permitir que ele faça uma campanha de vingança.
Pappon mostrou seus dentes brancos, mas não sorria.
— Eu vou encontrá-lo — disse ele, convencido. — Ele vai deixar um rastro atrás de
si, que ninguém poderá deixar de encontrar. Um rastro de violência e destruição.
Ele enfiou sua arma no cinturão e subiu para o convés. Pontonac olhou atrás dele.
Na margem Pappon ergueu-se para os ares e saiu voando. Ele não olhou mais para trás.
Creek, que ainda estava encostado na balaustrada, ergueu-se e olhou para Pontonac.
— O senhor escolheu Pappon?
Pontonac não respondeu. De repente ele tinha a sensação de que não tinha mais os
acontecimentos sob controle. Aconteciam coisas demais, que ele não previra. Pela
primeira vez ele reconheceu que seu Comitê de Salvação não tinha mais futuro. Agora
que estavam acontecendo mudanças entre os Novos Homens e os imbecilizados, o comitê
tinha se tornado praticamente inútil.
Pontonac olhou para os homens, que tinham se reunido no convés. Ele pensou nas
palavras de Pappon.
Eles realmente não sabiam nada uns dos outros. Um confuso grupo de homens, cujo
único objetivo era de impedir ao máximo a atividade destruidora do Homo superior.
Ninguém era perguntado pelo seu passado.
— Eu acho, — disse Pontonac, devagar, — que vou voar para Terrânia City, para
entrar em contato com Deighton e Danton.
Creek viu a sombra de parte de seu rosto na superfície da água.
— Isso seria o fim do Comitê de Salvação.
— Sogmonth abriu-me os olhos. Ninguém tem o direito de determinar por si só, o
que é bom e o que é mau. Também nós precisamos agir de acordo com as leis.
— Isso eu já conheço — retrucou o médico. — Mas as leis antigas não têm mais
sentido. Não em nossa situação. Trata-se da conservação da Humanidade.
Pontonac mal o ouvia. Em pensamento ele já estava no seu próximo
empreendimento. Ele interrogaria os imbecilizados que eles tinham trazido para bordo, na
base de apoio, e depois voaria, com os resultados, para Terrânia City.
Ele precisava contar com o fato de que em Império-Alfa seria preciso. Como oficial
da Frota Solar ele nunca deveria ter agido por conta própria.
Pontonac não tinha a intenção de se justificar, de alguma maneira. Ele fizera o que
achara certo. Talvez o Comitê de Salvação, fundado por ele, não tinha alcançado muita
coisa, mas Pontonac poderia comprovar que, pelo menos, impedira a desmontagem de
algumas estações energéticas.
Pontonac ainda estava encostado na balaustrada, quando o Tenente Carpino com o
seu grupo chegou meia hora mais tarde. Carpino esquivou-se dos olhos do coronel. Ele
sentia-se culpado.
Pontonac foi até ele.
— Isso são coisas que acontecem — disse ele. — Pappon vai atrás do fugitivo.
O corpo do jovem empertigou-se.
— Deixe-me participar também da perseguição. Eu gostaria de reparar o meu erro.
— Eu tinha certeza de que o senhor me pediria isso. — Pontonac sacudiu a cabeça.
— Basta que Pappon fique atrás dele.
— Mas Pappon é um homem velho!
Pontonac olhou para o tenente. Carpino baixou a cabeça e se afastou.
— Recolher a escada de portaló! — ordenou Pontonac. — Vamos nos fazer ao mar.
***
As ondas tinham ficado mais fortes. Danton viu que um dos Novos Homens, que
estava com a água pelos joelhos, perdeu o equilíbrio. Ele não fez qualquer esforço para
sair da água. Os outros ficaram olhando, indiferentes, enquanto ele foi agarrado por outra
onda e puxado mar a dentro, afundando.
O Dr. Webber saiu correndo para ajudá-lo.
— O senhor viu isso? — Danton virou-se para o homem dos olhos azuis. — Por que
o senhor não ajuda esse homem? Ele é um dos seus?
— Ajudar? — repetiu o Homo superior, sem entender. — Para quê?
— O senhor não quer viver? — gritou Danton. — Pretende esperar pela ressaca
para puxar um depois do outro mar adentro?
Ele não recebeu resposta. Decidido, ele puxou o seu paralisador e imobilizou o
homem diante dele com dois tiros certeiros. Pellayron aparou o homem para que não
caísse ao chão.
— Em ordem, Don! — disse Danton, baixinho. — Carregue-o para o planador.
Vamos levá-lo junto conosco para Império-Alfa. Talvez no hipnointerrogatório vamos
poder extrair mais alguma coisa dele.
Pellayron fez um gesto abrangente.
— E o que vai acontecer com todos os outros? Vamos abandoná-los à sua sorte?
Danton teve dificuldade de responder. O que eles deveriam fazer — ou melhor — o
que eles podiam fazer?
Eles já tinham bastante dificuldades próprias. Alguns bilhões de imbecilizados
tinham que ser aprovisionados. Saqueadores e bandidos tinham que ser combatidos. Os
responsáveis no Império-Alfa não tinham tempo para os problemas do Homo superior.
Por outro lado...
Danton sacudiu a cabeça. Ele não sabia o que fazer. Nesta situação, estavam
exigindo demais dele.
— São criatura humanas — observou Pellayron. — Homens como eu e o senhor.
— Muito bem, e daí? — gritou Danton, furioso. — O que está querendo insinuar
com isso? Que sou responsável por eles?
— Cada ser humano é responsável pelo seu semelhante — respondeu o psicólogo,
comprido como uma árvore.
Ele colocou o Homo superior por cima do ombro, como se fosse uma criança, e
saiu. Neste momento o Dr. Webber voltou. Ele estava totalmente molhado e sem fôlego.
— O senhor viu isso, sir? — perguntou ele, incrédulo. — Esse sujeito teria morrido
afogado, se eu não o puxasse para fora. Ele não fez o menor esforço para sair do mar
outra vez.
Danton sentiu-se tão impotente como nunca em toda sua vida. O Dr. Webber
parecia sentir o que se passava com o filho de Rhodan, pois rapidamente afastou-se na
direção do planador. Um golpe de vento vindo do mar fez Danton voltar à sua
consciência.
Danton saiu dali.
Quando alcançou o planador, viu Don Pellayron encostado na escada da entrada.
O psicólogo apontou com o polegar para a câmara da eclusa.
— Deighton está nos chamando! — informou ele. — Um correio do Mundo dos
Cem Sóis encontra-se no Império-Alfa.
Satisfeito com a distração, Danton subiu ao planador. Armouac fez lugar para ele
diante dos controles.
— Galbraith Deighton está esperando, sir!
Danton agradeceu e sentou-se. Na tela oval ele viu o rosto de Deighton.
— Hum! — fez Deighton, ao ver Danton. — Parece que o senhor encontrou seu
próprio fantasma!
— Pior! — disse Danton, mudando de assunto. — O que foi que aconteceu?
— O Dr. Ortschnyk, do Mundo dos Cem Sóis, chegou aqui há uma hora atrás.
Waringer entregou-lhe, para trazer, uma espécie de lista de necessidades.
— Lista de necessidades? — perguntou Danton, com dificuldade de entender.
— Waringer e o seu grupo estão desenvolvendo um aparelho, que deverá servir para
dar imunidade contra radiações de imbecilização. Mas para isso ele ainda está precisando
de colaboradores. Cem mil mulheres e homens, que ele inscreveu em sua lista, nomeando
um por um. Eles estão em algum lugar na galáxia, e todos são imbecilizados. Nós
devemos enviá-los ao Mundo dos Cem Sóis onde a imbecilização foi suprimida.
Danton fez um gesto impaciente com a mão.
— Nós não podemos nos ocupar disso. Para que Perry fundou a CBI?
— Quer dizer que o senhor também é de opinião que eu devo mandar o Dr.
Ortschnyk para Quinto Center, para que ele se reúna com os responsáveis pelo Comando
de Busca e Investigações?
Danton fez que sim.
O seu interlocutor, de quem no momento se via apenas a parte superior do corpo no
vídeo, acenou-lhe e interrompeu a conversa.
Pellayron meteu a cabeça para dentro da central e perguntou:
— Foi ruim?
Danton não lhe deu importância, mas foi para os fundos, onde o Homo superior,
paralisado, estava agachado em cima de um sofá-cama.
— Vamos voar de volta! — ordenou Danton.
Ele ouviu alguém respirar fundo, aliviado. Era Armouac. O piloto parecia contente
em não precisar mais olhar para a praia. Entretanto, pensou Danton, aquela era uma vista
tranquila. Trezentas mil pessoas, paradas na praia, e olhando para o mar imenso. Mas de
algum modo tinha uma sensação estranha, ao caminhar-se ao longo do mar.
Como num cemitério.
***
A base de apoio do Comitê de Salvação encontrava-se no fundo do Oceano Índico,
por baixo de três cúpulas grandes de tamanhos diferentes, interligadas por largos canais.
Dois membros do Comitê de Salvação que tinham trabalhado aqui antigamente cuidavam
para que a estação continuasse funcionando sem problemas Eles tinham dado a ideia a
Pontonac, de estabelecer o seu quartel-general aqui. Aqui o Comitê de Salvação estava
seguro contra todos os ataques. Nenhum dos bandos, que faziam das suas na superfície da
Terra, estava suficientemente equipado para poder arriscar-se a um ataque à estação
submarina. O Homo superior por enquanto se concentrara em objetivos na superfície
terrestre.
Aqui, bem abaixo do nível do mar, Pontonac e seus colaboradores podiam preparar
cuidadosamente todas as suas operações. Para isso tinham à sua disposição todo o
potencial técnico da antiga base de apoio da Frota Solar.
Pontonac teve que pensar em que ele, no que se referia ao quartel-general do
Comitê de Salvação, tivera muita sorte. O homem de quase dois metros de altura
abandonou o hangar submarino, no qual os dois planadores tinham sido ancorados, junto
com Alfer Creek e Tom-Tom Aymel, um pequeno imune de lábios grossos. Eles
utilizaram um elevador antigravitacional para chegar aos recintos superiores.
Entrementes os imbecilizados prisioneiros já tinham sido levados para a sala de
interrogatórios.
Walscynik e Van Moisen, que gerenciavam a estação, anunciaram-se pelo rádio e
saudaram os recém-chegados.
— Eu posso imaginar que os senhores estejam curiosos — disse Pontonac, por um
intercomunicador. — Mas eu agora ainda tenho coisas importantes para fazer.
— Não banque o sapo, Ponty! — gritou Walscynik, que já conhecia Pontonac há
muito tempo e por isso empregava esse tratamento familiar. — Mande-nos Creek, para
que eles nos conte o que está se passando lá em cima!
Pontonac olhou interrogativamente para Alfer Creek. O médico sorriu,
compreensivo, e desapareceu por um corredor rolante. Pontonac e Aymel dirigiram-se
para a sala de investigações. Os prisioneiros estavam conscientes. Eles olhavam em torno
da sala, amedrontados. Dois médicos e um psicólogo estavam presentes.
Tom-Tom Aymel olhou Pontonac, examinando-o bem.
— O senhor agora já está quase trinta e seis horas de pé, sir. Eu acho que devia dar-
se ao luxo de uma pequena pausa para descansar, antes do interrogatório.
— Sim — confirmou Brundner, um dos médicos. — Deite-se um pouco, nós
entrementes nos ocupamos com os homens.
Pontonac sentia que estava exausto. Entretanto duvidava que iria conseguir
descansar. Havia muita coisa pendente na sua cabeça. Não apenas a mudança das pessoas
na superfície, mas também seu planejado encontro com Danton e Deighton.
Tudo teria que ser refletido e preparado, planejado.
— Vou tomar uns comprimidos — anunciou ele. — Então ainda sou capaz de me
sentir bem durante um dia.
O médico objetou.
— Ultimamente o senhor vem exagerando no uso de estimulantes. Eu preciso
chamar sua atenção para as consequências.
Pontonac fez um gesto de desprezo. Ele achava apenas ridículo que o médico, na
presente situação, chamasse sua atenção para o seu estado de saúde. Afinal de contas, ele
possuía uma constituição muito robusta.
Ele puxou uma cadeira mais para perto e acenou, impaciente.
— Vamos começar de uma vez!
7

Por toda parte na Terra e nos planetas do Império Solar, nestes dias, as pessoas
acordavam de sua total imbecilização. Naturalmente elas não ganhavam de volta sua
inteligência original, mas perdiam a sua estupidez e começavam a se interessar pelo seu
meio ambiente. Como antes, os imbecilizados não estavam em situação de entender
complicadas conexões técnicas, ou de fazer ligações em instalações técnicas, mas elas
começavam a tentá-lo.
Isso, por outro lado, teve por consequência que na Terra novamente ocorreram
grandes acidentes, nos quais também alguns representantes do Homo superior perderam
suas vidas. As pessoas continuavam experimentando com uma coragem ilimitada.
Entretanto verificou-se logo que a diminuição do retardamento não continuava, as
pessoas acometidas por ele ficavam na posição que tinham atingido depois de dois dias.
Mesmo assim a mudança significou um grande alívio para as células de imunes do
Império-Alfa. Dificuldades de aprovisionamento puderam ser remediadas, porque as
pessoas libertadas da letargia puderam ser convencidas a executar uma colaboração,
podendo também ser treinadas em todos os tipos de trabalhos simples.
O desenvolvimento misterioso limitava-se aos homens e ao Homo superior.
Em outros povos galácticos, que também tinham sido atingidos pela imbecilização
em escala total, não houve qualquer modificação. Os cientistas imunes teorizavam, como
esta mudança poderia ter ocorrido, mas ninguém sabia dar uma resposta que fizesse
sentido.
Enquanto os homens imbecilizados se desfaziam dos véus do esquecimento, o
Homo superior decaía para um estado semelhante ao sono. Em todos os lugares onde
havia Novos Homens acabava toda atividade. Já depois de poucos dias, tinha-se como
certo que o Homo superior estaria irremediavelmente perdido, se não conseguisse livrar-
se deste estado. Na Terra, os bandos de criminosos rapidamente se deram conta do que
estava acontecendo com os Novos Homens. Os criminosos atacavam os bairros do Homo
superior, pilhavam e roubaram. Ninguém lhes oferecia resistência. Para o Homo superior
parecia indiferente, perder todas as provisões.
Sinais exteriores de decadência psíquica da nova espécie eram a imobilidade e um
olhar fixo. Com exceção de poucos, que não tinham sido atingidos tão fortemente, os
membros do Homo superior se encontravam num estado de transe. Eles perderam todo o
interesse no seu meio ambiente, eles não bebiam nem comiam mais.
Também aqui os cientistas imunes discutiam inutilmente a respeito da significação
desse fenômeno.
Alguns afirmavam tratar-se de uma passagem para uma nova fase de
desenvolvimento, do modo que o Homo superior ainda ficaria mais inteligente e muito
mais superior, logo que o estado atual tivesse terminado, enquanto outros, ao contrário,
achavam que este era o começo do fim.
A situação na Terra e em todos os planetas habitados pelos homens mudou dentro
de poucos dias. Ninguém podia dizer o que ainda iria acontecer. Os observadores, em
primeira linha os poucos imunes, não podiam fazer muita coisa.
Eles esperavam.
Todos eles imaginavam que alguma coisa iria acontecer.
***
Holtogan Loga acordou e abriu os olhos. O teto claro por cima dele esboroou-se
diante dos seus olhos. Ele ficou deitado, quieto, respirando com dificuldade. Inutilmente
ele tentou concentrar seus pensamentos em alguma coisa. Ele sentia-se apático.
Um pensamento que o torturava, sempre voltava-lhe, impregnando-se na sua mente.
O que estava acontecendo com seu povo?
Loga estava consciente do fato de que todos os membros do Homo superior se
encontrava num estado que se assemelhava ao dele. As poucas exceções, que até agora
tinham sido poupadas, mais cedo ou mais tarde seriam acometidas. Era um processo
irresistível, cujo fim não era possível visualizar.
Loga ficou imaginando quem o teria carregado até seu quarto, colocando-o na
cama. Na casa tudo estava inteiramente quieto. Através da janela aberta ouviam-se os
trinados dos passarinhos do parque.
Um medo horrível acometeu o Mestre dos Primeiros Cinquenta Vogais. Ele
começou a recear que pudesse estar sozinho no gigantesco edifício da GCC. Todos os
outros tinham ido embora, deixando-o para trás.
Mesmo assim, ele ficou calmamente deitado. Ele sentia-se mole demais para fazer
qualquer coisa.
Ele não sentiu nem fome nem sede, todas as necessidades do seu corpo pareciam ter
sido apagadas de um só golpe. Loga não possuía a possibilidade de refletir sobre este
fenômeno, pois seu cérebro também fora acometido pelo desenvolvimento negativo.
Quando ele pensava nos seus amigos, vinha-lhe uma tristeza sem limites.
Vagamente ele lembrou-se de suas grandes metas: uma terra pacificada, livre de toda a
técnica destrutiva. Um planeta paradisíaco, em cujos jardins passeavam os membros do
Homo superior, elaborando e perseguindo novas ideias.
Um mundo sem preocupações e sem miséria.
Esta meta poderia tornar-se realidade?
Na porta ouviu-se um barulho.
Holtogan Loga nem sequer virou a cabeça para verificar quem entrara. Isso não o
interessava.
Uma sombra caiu sobre a sua cama.
— Mon Armig — murmurou Loga, quando reconheceu o homem que tinha entrado
no quarto.
— Eu fico contente em ver que você ainda me reconhece — disse Armig. — Na
noite passada, isso foi diferente. Você estava totalmente apático.
— Sim — disse Loga.
Ele não sabia o que deveria responder, não se lembrava de nada. Ele deu-se conta de
que Armig e ele já pertenciam a mundos diferentes. Loga já se encontrava no Mundo dos
Mortos, num corredor, que somente podia ser trilhado numa direção.
— Está ficando cada vez pior — relatou Armig. — Muitos dos nossos já
adoeceram. Os órgãos estão começando com um desenvolvimento ao contrário. Ao que
parece o processo de divisão celular no corpo dos acometidos chegou a uma parada total.
Inutilmente Loga tentou entender os detalhes que Armig lhe relatava. Ele sentia-se
muito mal. De repente ele desejou que Armig tivesse ido embora. Ele não queria mais
ficar escutando, pois sentia inconscientemente que Mon Armig falava de uma catástrofe.
— A decadência física, antes de mais nada, toma-se visível no ressecamento da pele
— continuou Armig, como se sentisse uma alegria cruel em descrever esses detalhes. —
Eu agora estou certo de que se trata de uma peste, de uma epidemia.
A palavra “peste” provocou uma série de associações no cérebro do Mestre, mas ele
não estava em situação de entender as conexões.
Armig sentou-se na borda da cama, e olhou para a janela aberta.
— O Homo superior está condenado a desaparecer!
Aquilo soava como uma sentença de morte.
Loga sentiu como seu coração se confrangia. Os últimos restos de sua vontade de
viver, escondidos na regiões mais profundas do seu consciente, vinham à superfície.
Com um arranco, Loga ergueu-se. Ele sofreu um ataque de tosse. O seu corpo foi
sacudido, seus olhos ficaram esbugalhados. Com uma de suas mãos ele agarrou o braço
de Armig.
— O que você está dizendo? — perguntou ele, muito baixo.
— O fim! — disse Armig, também baixo. — Não há mais futuro para nosso povo.
Loga caiu de volta na cama. Ele respirava com dificuldade.
— Somente temos uma chance — continuou Armig. — Precisamos pedir a ajuda do
Homo sapiens.
Os olhos do cinquentenário sobre a cama se toldaram.
— Você precisa controlar-se, Holtogan Loga! — gritou Armig. — É importante que
você entre em contato com o Império-Alfa. Você é conhecido ali. Eles nos ajudarão, se
você falar com os homens.
Loga parecia ter certeza de que Armig havia dito alguma coisa maluca.
Armig tirou uma coisa do bolso e a colocou diante dos olhos do Mestre.
— Eu redigi um texto. Nós agora iremos até a estação de rádio, onde vamos tentar
entrar em contato com o Império-Alfa. Você precisa apenas ler o texto, só isso.
— Ler — repetiu Loga, cansado.
— Você ainda consegue ler?
— Eu não sei — disse Loga.
Ele olhou para o papel. As letras dançavam diante dos seus olhos. Ele leu palavras
isoladas, que entretanto não davam um sentido concatenado.
Armig agarrou o homem de cabelos grisalhos e puxou-o para cima.
— Isso tem que acontecer agora, antes que seja tarde. Nestas últimas horas milhares
de Novos Homens morreram.
Loga fez um gesto vago.
— Um sonho... — balbuciou ele, pesadamente.
Apoiado em Mon Armig, ele saiu cambaleando do quarto. O corredor pareceu-lhe
comprido. Eles passaram por portas abertas. Num dos quartos, algumas mulheres e
homens estavam deitados no chão, de olhos abertos, nos quais não havia mais nenhum
brilho.
Loga sentiu um pouco da aflição que se espalhava por toda a parte.
Êxodo...
Êxodo de um paraíso planejado.
— Por toda parte no mundo os membros do Homo sapiens começam a livrar-se da
imbecilização — disse Armig, desesperado. — Quanto mais nos aprofundamos na
letargia, mais firmemente o nosso adversário se solta das amarras da estupidez.
Para Loga estas palavras eram apenas um subir e descer de sons, cuja significação
ele não conseguia reconhecer.
De alguma maneira, alguns minutos mais tarde eles chegaram à sala de rádio.
— Eu receio — disse Armig, enquanto ele deixava escorregar Holtogan Loga para
dentro da poltrona diante da instalação de rádio — que isso também está começando
comigo.
Ele limpou a testa banhada de suor.
— Eu vou efetuar a ligação, depois nós vamos falar. Você vai ler o texto, de todo o
resto eu me encarrego.
Ele segurou Loga pelos ombros e o sacudiu.
— Ouça-me!
Loga soluçou como uma criança.
— Você vai ler esse texto! — gritou Mon Armig. — Você vai lê-lo, por você e pelo
seu povo!
A cabeça de Loga caiu sobre os controles. O seu corpo estava sendo sacudido.
Armig puxou-o para trás e meteu-lhe uma folha de papel nas mãos.
— Tome! — disse ele, duramente. — Leia!
***
Um bando de perdizes ergueu-se voando, por entre os arbustos, por cima dos
campos.
Sogmonth ficou parado, olhando para a casa de campo, baixa, que ele vinha
observando há duas horas. Sua mão envolveu um pouco mais forte o cabo da espada
enferrujada que ele encontrara em uma casa em Gerona.
Lá do outro lado, — isso ele sabia pelos relatórios do Comitê de Salvação —
encontrava-se um quartel do Homo superior Sogmonth tinha esperanças de que os
habitantes do prédio não tivessem sido assustados pelo bando de pássaros em fuga.
Sogmonth esperou atrás de alguns arbustos, nas proximidades de um poço, pois ele
esperava que, mais cedo ou mais tarde, alguém sairia da casa para vir buscar água. A rede
de fornecimento de água em Gerona e nos seus arredores tinha sido destruída por
explosões logo depois da catástrofe. Deste modo, poços que antes serviam apenas de
embelezamento de jardins voltaram a ter utilidade.
O céu estava encoberto, nuvens cinzentas, cor-de-chumbo, passavam
preguiçosamente. Sogmonth sentiu frio. De tinha passado estes últimos dois dias quase
que exclusivamente ao ar livre. Os seus olhos estavam fundos, nas órbitas. O rosto do
homem atarracado estava coberto de barba rala.
Sogmonth não tirou os olhos das saídas do edifício. Até agora ele não notara nem
ruídos nem movimentos. Lentamente ele começou a recear que a casa já não estava mais
habitada. O seu plano de matar cada Homo superior que viesse até o poço, com a espada,
parecia não ser mais realizável.
Depois de algum tempo Sogmonth decidiu aproximar-se mais do edifício. Talvez
todos os membros do Homo superior tivessem abandonado este setor.
Agachado, Sogmonth esgueirou-se por entre os arbustos. De vez em quando ele
ficava parado, para observar o edifício. Não aconteceu nada, mas ele queria evitar, de
qualquer jeito, que alguém o descobrisse prematuramente, advertindo todos os outros.
Ninguém o deteria na execução de sua vingança.
Sogmonth alcançou um estábulo atrás do prédio. O mesmo só tinha sido construído
nestes últimos meses, feito com tábuas não aplainadas. Sogmonth achou que ali
guardariam forragem para os animais. Em toda a parte onde o Homo superior trabalhava
na agricultura, bois e cavalos eram reunidos. Os Novos Homens se recusavam a arar suas
terras com aparelhos técnicos, que estariam à sua disposição.
Sogmonth descobriu uma escada e carregou-a até a parede exterior do estábulo.
Pelo telhado do estábulo ele pretendia chegar à casa de campo. Todas estas casas
possuíam um pátio interno um solário. Ele esperava que do telhado pudesse olhar para
dentro de um deles Talvez os adversários estivessem ali.
Sogmonth sabia por experiência que os membros do Homo superior não possuíam
grandes qualidades de luta. Se não fossem muitos, ele podia assaltá-los e matá-los.
As tábuas do estábulo rangiam enquanto Sogmonth cuidadosamente se esgueirava
por cima delas. Ele estremeceu e estancou. Tudo continuou quieto. Sua decepção
aumentou. Realmente parecia não haver ninguém por aqui.
Com um pulo, ele alcançou o telhado chato da casa de campo. O prédio consistia de
quatro torres de canto, e quatro alas de resistência, construídas num quadrado. Elas
cercavam o solário, do qual algumas árvores sobressaíam por cima do teto baixo.
Sogmonth esgueirou-se até a borda interna do telhado e olhou para dentro do
solário. Por toda parte havia lixo. O poço não funcionava. Do outro lado Sogmonth
descobriu um colchão inflável. O mesmo estava arrebentado, e seu recheio saíra para
fora.
As janelas, em sua maior parte, estavam destruídas, algumas persianas tinham sido
arrancadas dos seus gonzos e pendiam, soltas, para baixo. Parecia que a casa de campo
tinha sido assaltada por um bando de saqueadores.
Sogmonth ficou inseguro.
Ele tinha se enganado?
O quartel-general do Homo superior estaria numa outra região?
Ele precisava esclarecer isto.
Sem hesitar, ele deslizou por cima da beira do telhado, trepando para baixo,
segurando-se numa coluna recoberta de hera. Silenciosamente ele colocou os pés no chão
de pedra polida. Um ruído de batidas o fez estremecer. Ele agarrou o sabre mais
firmemente e olhou em volta. Novamente soou aquele ruído. Sogmonth respirou fundo,
aliviado. Em algum lugar o vento batia uma janela aberta contra o seu caixilho.
Sogmonth recuou até a parede da casa e esgueirou-se ao longo da mesma, até
alcançar a primeira janela. Cautelosamente ele espiou para dentro do recinto quase
escuro. Tudo que ele pôde ver foram alguns móveis virados e um tapete enrolado, no qual
alguém enfiara um girassol ressecado. Nas paredes, Sogmonth viu lugares claros, onde
antes estiveram dependurados quadros.
Sempre agachado, Sogmonth esgueirou-se até a janela seguinte. Ele conseguiu olhar
para dentro da cozinha abandonada. Ela tinha uma decoração antiquada, mas um grande
forno positrônico comprovava que os ex-habitantes sabiam dar valor às vantagens da
técnica. O quadro de programação do forno fora destruído. Isso fez com que ele
concluísse que aquilo fora obra do Homo superior. No meio da cozinha, um saco
arrebentado estava no chão. Dele saíam grãos de milho. Sogmonth achou que o saco
somente fora trazido para cá há pouco tempo.
A janela seguinte, pela qual ele olhou, estava com a vidraça quebrada. Sogmonth
aproveitou para entrar na sala. Na semi-escuridão o ex-oficial da Contra-Espionagem
Solar viu algumas estantes nas paredes. Diante delas estavam espalhados livros e bobinas
de música. A porta para o recinto seguinte ou para um corredor estava semi-aberta.
Sogmonth parou e ficou escutando. Tudo continuava quieto. Cautelosamente
Sogmonth passou por cima dos objetos espalhados no chão. Ele chegou a uma galeria
atapetada que dividia o prédio em duas fileiras de salas.
Daqui ele conseguiria chegar a todos os recintos. Ele continuou andando
lentamente. Sua concentração diminuiu, pois ele achava que agora podia estar seguro de
que ele era o único ser vivo dentro da casa de campo.
De repente escutou um gemido.
Ele empertigou-se todo e ficou escutando. O ruído saíra de um dos quartos à sua
frente. Alguém gemera.
Ou teria sido o vento que passava através das janelas quebradas?
“Não!”, pensou Sogmonth. Ele podia confiar na sua audição. Talvez em alguma
parte um doente estava acamado, deixado para trás pelos outros. Ou então alguém dava
estes ruídos de si, dormindo. A velha decisão de Sogmonth retornou. Ele segurou o sabre
estendido bem longe de si e continuou andando. O grosso tapete evitava que se escutasse
os seus passos.
Novamente ele ouviu o gemido. Ele vinha do quarto cuja porta se encontrava em
diagonal, à sua frente. A porta estava apenas encostada.
Sogmonth esgueirou-se para mais perto. Agora ele conseguia ouvir alguém
respirando irregularmente. Pelo menos uma pessoa estava naquele quarto.
Sogmonth parou, de pernas muito abertas, diante da porta. Quem quer que estivesse
nesse quarto, não sabia nada a respeito da presença de um invasor. Sogmonth estava
decidido a aproveitar a vantagem da surpresa.
Com a ponta da espada ele abriu a porta e saltou, com um só pulo, para dentro do
quarto em semi-escuridão.
***
Galbraith Deighton precisou de algum tempo, até dar-se conta de que o homem,
cujo rosto encorcovado se desenhava na tela de vídeo, era Holtogan Loga. Abalado virou-
se para Collins, que tinha vindo com ele para a central de rádio.
— Este é o Mestre dos Primeiros Cinquenta Vogais! Informe Roi, sobre este
chamado. Ele que venha, logo que possível, para a central de rádio.
Collins curvou-se para o intercomunicador mais próximo, para avisar Danton.
Deighton olhou para o monitor.
O rosto de Loga parecia uma máscara de cera. Os olhos estavam fundos nas suas
órbitas e brilhavam, febris. O cabelo estava desgrenhado. Os lábios repuxados.
Deighton sabia que tinha um destroço humano diante de si.
Provavelmente Loga também poderia vê-lo, mas ele não falava, nem dava a
entender por um aceno, que a ligação se completara.
— Loga! — chamou Deighton, compassivo. — O que aconteceu com o senhor?
Esquecido estava e conflito com o Homo superior. No momento o primeiro senso-
mecânico via em Loga um doente que precisava de ajuda. Entretanto fora sobretudo Loga
que falara de um claro limite sobre o Homo sapiens e o Homo superior. As ordens de
Loga tiveram por consequência que dúzias de estações vitais em toda a parte na Terra,
tinham sido desmontadas. Loga era o homem, que os responsáveis de Império-Alfa
suspeitavam que, em segredo, queria alcançar o desaparecimento do Homo sapiens.
Loga abaixou a cabeça. Os seus lábios começaram a mexer.
— O apelo, que dirijo ao senhor, deve evitar que nosso povo desapareça! — disse
Loga, com voz monótona.
Deighton suspeitou que o homem, que parecia senil, estava lendo um papel. Parecia
mesmo que Loga nem estava entendendo o sentido de suas palavras.
— O senhor ficará surpreso de que justamente nós nos dirigimos ao senhor —
continuou Loga. — Mas nós não temos outra escolha. Nós lhe suplicamos. Evite o
desaparecimento do Homo superior que não está em situação de ajudar a si mesmo. Nós
precisamos... — A voz falhou. Sem forças.
Loga caiu para a frente. Um outro homem apareceu, para sustentar Loga.
Ele olhou diretamente para Deighton, e dava a impressão de estar relativamente
bem conservado.
— Eu sou Mon Armig! — disse ele.
— O senhor faz parte dos Primeiros Cinquenta Vogais! — lembrou-se Deighton.
Sua atenção foi desviada da tela de vídeo, pois Danton entrou e veio colocar-se ao
seu lado.
— Roi Danton! — gritou Armig. — Informe-lhe o que Loga falou.
Pensativo, Deighton olhou para a tela de imagem. Armig estava por trás de Loga,
que tinha arriado completamente, e evidentemente não percebia o que se passava à sua
volta.
Ou, perguntou-se Deighton, constantemente vigilante e desconfiado, aquilo tudo
não passava de um bem organizado blefe?
Inconscientemente ele sacudiu a cabeça. Ninguém conseguiria fingir desse jeito.
Loga não passava de um destroço, disso não podia haver nenhuma dúvida. Deighton
informou a Danton o que ouvira.
— Entrementes tentamos interrogar o Homo superior aprisionado. Não ficamos
sabendo de muita coisa. A aparência do prisioneiro, entretanto, confirma as palavras de
Loga. Quase se pode ver como ele está se desintegrando fisicamente.
— Eu sou um dos poucos que ainda estão ativos — declarou Armig, na voz de
quem agora podia-se ouvir desespero. — Mas não estou feliz com isso. Eu tenho que
vivenciar, conscientemente a decadência do meu povo.
Danton e Deighton se entreolharam. Ambos não sabiam o que fazer.
— Existe dois milhões da espécie Homo superior — disse Collins, finalmente. —
Eu não consigo imaginar como nós podemos ajudá-los, uma vez que nem sequer
conseguimos liquidar todas as tarefas que nos propusemos. Toda retirada de
colaboradores a favor do Homo superior poderia piorar novamente a situação dos
imbecilizados na Terra, de forma radical. Além do mais — acrescentou ele, amargo —
até agora nenhum Homo superior lembrou-se de nos ajudar. Ao contrário, somente nos
preparam dificuldades, fazendo tudo para sabotar o nosso trabalho de reconstrução.
Danton olhou para a tela de vídeo.
— O senhor ouviu Collins. Assim como ele, provavelmente pensam todos os
imunes de Império-Alfa. Eles se recusariam a ajudar o Homo superior.
O rosto de Armig continuou inexpressivo, mas Danton podia imaginar muito bem
os sentimentos que varriam a cabeça desse homem.
— O senhor nos entendeu mal — retrucou Armig. — Nós não estamos procurando
os senhores como pecadores penitentes. Nós continuamos acreditando que agimos certo.
A Terra e a Humanidade poderão continuar existindo, caso se livrar de toda técnica, e o
homem voltar para uma vida natural.
— O senhor não precisa repetir isso — achou Deighton. — Nós já o ouvimos o
suficiente.
— Nós procuramos os senhores porque não temos mais qualquer outra chance —
disse Armig, depressa. — Não queremos deixar de experimentar qualquer coisa, para
impedir o nosso desaparecimento.
Danton apoiou-se no encosto de uma poltrona.
— Isso tudo é ideia sua! — adivinhou ele.
— Qualquer um de nós teria agido do mesmo modo se estivesse em meu lugar —
afirmou Mon Armig. — Loga infelizmente não está mais em condições para dirigir
negociações.
— Eu preciso me aconselhar com meus amigos — disse Danton.
Armig sacudiu a cabeça.
— Qualquer demora significaria nosso fim. Os senhores precisam ajudar-nos agora.
— Armig hesitou, depois acrescentou, baixinho: — Eu sei perfeitamente que esta ajuda
tem seu preço. Os senhores podem determinar este preço.
Para Danton estava seguro o que Armig oferecia. A total submissão do Homo
superior. A suspensão de todas as desmontagens, o regresso ao isolamento original.
Danton também sabia que podia confiar nas palavras de Armig.
Mas mesmo assim Danton não via nenhuma possibilidade de ajudar os Novos
Homens. Isso não era possível tecnicamente. O que poderia dizer? Dissolver as células
imunes, trabalhosamente construídas? Enviar os imunes ativados ao Império-Alfa?
Como é que se poderia ajudar, na situação existente no momento, e dentro do menor
tempo possível, a dois milhões de mulheres e homens?
— Precisamos discutir sobre isso! — decidiu Danton.
Com um movimento ágil ele desligou o aparelho. Antes da imagem de Armig
empalidecer, Danton ainda pôde ver a enorme decepção, a total falta de esperança, que se
desenhou no rosto do Homo superior.
Danton virou-se. Novamente ele olhou para o rosto de um homem.
Para o rosto de um Homo sapiens. Para o rosto de Collins. Ele estava frio e duro.
— Eu quero ser amaldiçoado, se mexer apenas um dedo, a favor dessa gente. —
disse o Comandante Collins.
***
Mon Armig carregou Loga de volta para o quarto do Mestre, e deitou-o na cama.
Em toda a casa estava quieto. Armig sabia que seus amigos estavam deitados nos seus
quartos, esperando pelo fim. Provavelmente alguns já tinham até morrido.
Armig forçou-se a desligar todos os seus sentimentos. No momento esta era sua
única proteção contra a loucura total.
Mais uma vez ele olhou para Holtogan Loga, que estava deitado, como que
anestesiado.
Depois dirigiu-se na direção da saída. Quando ele quase alcançara a porta, escutou
Loga chamar.
— Armig!
O Primeiro Vogal parou e olhou de volta para o Mestre do seu povo.
Loga ergueu um braço. Parecia que ele estava totalmente consciente.
— Venha cá.
Armig foi até a cama. Do rosto de Loga irradiava-se alguma coisa, uma força
reprimida e a crença inabalável naquilo que ele fizera durante sua vida. Talvez, pensou
Armig, fora preciso vir esta catástrofe, para que ele compreendesse Loga corretamente.
Neste instante ele deu-se conta realmente da verdadeira personalidade deste homem.
— Eles negaram ajuda, não é?
Era uma constatação, feita sem tristeza.
— Eles querem discutir o assunto — disse Armig, desviando-se.
O homem deitado na cama sorriu, compreensivo. Ele não parecia nem raivoso nem
decepcionado.
— Neste momento estou completamente consciente, Armig. — disse ele. Ele foi
constantemente interrompido por ataques de tosse. — Talvez estes sejam os últimos
minutos de minha vida, nos quais posso pensar sensatamente.
— Você não deve falar desse modo — disse Armig, baixinho.
Os olhos de Loga se abriram mais.
— Nosso povo vai desaparecer — profetizou ele. — Eu agora sei que sentimento
incômodo me acompanhava desde minha juventude. Era uma premonição, e eu não fui
suficientemente valente, para olhar a verdade de frente, nos olhos.
— Verdade! — Armig cuspiu essa sentença. — Quem é que, neste mundo, pergunta
pela verdade?
— É lastimável que você esteja tão amargurado — retrucou Holtogan Loga. Ele
ergueu-se na cama, apertou as mãos no peito. — Eu nos vejo agora, como nós somos
verdadeiramente. Meu caro amigo, isso poderá parecer-lhe horrível, mas eu acho que nós
somos apenas uma experiência da natureza caprichosa, uma experiência, para salvar a
Humanidade do “Enxame”.
— O que é que você está falando? — perguntou Armig, perturbado. — Isso
simplesmente é loucura.
— É a verdade, e eu espero que cada um de nós, antes do seu fim, a reconheça.
— Isso significa que este “Enxame” é um fenômeno da natureza. Um mistério
sempre recorrente, ao qual a evolução procuraria se adaptar.
— É isso mesmo — concordou Loga. — Talvez, da próxima vez, quando o
“Enxame”, daqui a milênios, novamente atravessar nossa galáxia, o experimento vingará.
Armig escondeu o rosto nas mãos. O Mestre tinha enlouquecido, pois o que ele
dizia era loucura. Era inconcebível.
— Eu não sou um nihilista — disse Armig. — Eu vou lutar. Ninguém deve desistir.
Se os normais nos ajudam, talvez tenhamos uma chance. Naturalmente não podemos ser
salvos todos, mas se alguns milhares dos nossos sobreviverem, ou até mesmo apenas
algumas centenas, então a nossa espécie poderá ser salva.
Loga caiu de volta, nos travesseiros. Ele agora estava completamente sem forças.
— Não somos nós que determinamos se continuaremos a existir. — Sua voz se
tornara tão fraca que Armig mal podia ouvi-lo.
Depois Loga fechou os olhos. O seu peito subia irregularmente. Armig precipitou-se
para fora do quarto. No corredor ele parou. Ele sentia-se apertado no interior do prédio,
as paredes pareciam aproximar-se, como se quisessem esmagá-lo. Apesar dessa carga que
pesava em todo o seu corpo, ele parou.
— Ouçam-me todos! — gritou ele para fora. — Ouçam-me todos! Saiam dos seus
quartos e lutem. Defendam-se contra o fim.
Sua voz encontrou um eco nos inúmeros corredores e quartos do edifício onde se
encontravam.
Armig ficou parado ali, esperando.
Depois de algum tempo veio Vanieoh e olhou em volta, interessado.
Dos Novos Homens não veio ninguém.
***
Era um homem e uma mulher. Eles estavam deitados no chão, os rostos para cima.
Os seus olhos não olhavam para Sogmonth nem com surpresa nem com medo. Eles
estavam de mãos dadas.
“Um casal”, pensou Sogmonth. “Uma fêmea Homo superior e um macho Homo
superior.”
— Eu sabia que iria encontrar alguns de vocês! — Sogmonth assustou-se com o
som da própria voz.
Ele levantou a espada e aproximou-se com a mesma dos dois Novos Homens. Eles
não reagiram, nem fizeram qualquer tentativa de se salvar de algum modo, ou de se
defender. Também não pensavam em fugir.
— Isso não vai adiantar nada a vocês! — gritou Sogmonth.
Ele levantou a espada.
Um choro penetrou nos seus ouvidos.
Ele virou-se rapidamente. Num dos cantos do quarto estavam acocoradas três
crianças, duas meninas e um menino. Eles davam a mesma impressão dos dois adultos.
— Ah! — fez Sogmonth. — Isso é ótimo! Toda uma família. Uma família! E ele
continuou gritando: — Uma família! — até que sua voz falhou, estridente.
Então jogou o sabre no chão, e começou a soluçar incontrolavelmente.
Ele não sabia quanto tempo se passara, quando escutou um ruído no corredor. Logo
em seguida apareceu um homem na porta. Pappon, o negro velho.
Pappon reconheceu a cena com um só olhar.
— Venha! — disse ele, calmamente. — Eu vou levá-lo de volta.
Sem opor resistência, Sogmonth deixou-se conduzir para fora.
— Eu não pude fazê-lo — disse ele, quando já estavam do lado de fora. — Talvez
os dois velhos. Mas depois, as crianças. Foi impossível.
O velho Pappon coçou a parte de trás da cabeça.
— São apenas criaturas humanas, Sogmonth. O senhor está pronto?
O major fez que sim.
“Foi muito fácil!”, pensou Pappon. “Mais fácil do que eu imaginara.”
Pontonac ficaria contente em ver Sogmonth voltar para o comitê. Um Sogmonth
cujas ações não eram determinadas por um ódio irreconciliável, era insubstituível para o
Comitê de Salvação.
8

Os dois homens foram receber Edmond Pontonac na eclusa estrutural e pareciam


muito amistosos. Eles não esconderam que simpatizavam com as ideias do Comitê de
Salvação e do seu chefe. Pontonac contava com isso, achando que em toda parte toparia
com essa simpatia, mas isso não o deixava exatamente feliz. Popularidade de modo
algum era prova de que se estava agindo corretamente.
Pontonac sabia que os homens com os quais ele se encontraria o julgariam de
acordo com o seu modo de agir. Com Danton ele encontraria justiça, mas não era
impossível que eles condenariam o seu trabalho com o Comitê de Salvação, e o
castigariam.
— Eu sou o Coronel Edmond Pontonac! — disse o chefe do Comitê de Salvação,
tirando sua antiga cédula de identidade do bolso. — Os senhores poderão comprová-lo,
se quiserem.
Os dois homens fizeram um gesto negativo.
— Nós sabemos exatamente quem é o senhor, sir. O senhor já está sendo esperado
na central de Império-Alfa. Meu acompanhante, Artus Omeniah, e eu vamos levá-lo até
lá. Eu sou Calliuck. Sargento Calliuck, sir.
— Hum! — fez Pontonac. — Títulos, no momento, são pouco populares. Nós todos
temos que nos conservar unidos.
Calliuck sorriu. Ele tinha uma cara larga, bonachona, e pequenos olhos pretos.
— Nós ouvimos muitas coisas a seu respeito — confessou ele.
— Sim — retrucou Pontonac, calmo. — Isso já era de se esperar.
Omeniah fez um gesto todo abrangente.
— O que, na realidade, os senhores fazem lá fora?
Lá fora — este era o mundo do lado de fora do Império-Alfa! — Pensou Pontonac.
A floresta de cimento e aço perigosa, nas qual penetrar ainda era perigoso. Mesmo agora,
quinze meses depois da catástrofe. Quem vinha do lado de fora, era um indivíduo
exótico, para a guarnição de Império-Alfa.
— Eu não gostaria de falar disso — disse Pontonac, que de repente não se sentia
mais à vontade. Ele já começava a lastimar sua decisão. Talvez ele não devesse ter vindo.
Calliuck e Omeniah pareciam sentir que o homem que eles tinham ido receber não
era exatamente muito falante. Os dois imunes também silenciaram.
Atrás da eclusa um carro os esperava. Pontonac tomou lugar no mesmo. Enquanto
eles se dirigiam para o centro por um viaduto, Calliuck perguntou;
— Certamente não é a primeira vez que o senhor está aqui?
— Não — retrucou Pontonac. — Antes eu já estive umas duas vezes na central.
“Antes!”, repetiu ele em pensamento. Esta era a palavra que se empregava para o
tempo antes da catástrofe.
Antes...
Porém só fazia quinze meses que a humanidade tinha sido acometida pela onda de
imbecilização.
O carro levou-os até um transmissor.
— Ele não está funcionando! — explicou Calliuck. — Mas lá do outro lado, sob
aquela cúpula, encontra-se um elevador antigravitacional. Ali embarcaremos.
Pontonac olhou em volta curioso, perguntando-se quando voltaria novamente para a
superfície.
Em um plano mais abaixo, Pontonac foi saudado por uma mulher negra, que
despediu, com um movimento de mão, os dois homens que tinham trazido Pontonac até
aqui.
— Eu sou Maybelle — disse ela. Ela olhou-o, examinando-o bem. — Geralmente
os homens sorriem ironicamente quando ouvem o meu nome.
— É possível — opinou Pontonac, indiferente. — Eu acho que este nome lhe serve
muito bem.
— Eu sou uma comandante — declarou ela. — Nós todos vamos nos reunir na sala
de conferências. Danton e Deighton também estarão presentes.
Pontonac estava admirado da forma pouco convencional como as coisas se
passavam aqui embaixo. Sem muitas circunstâncias ele era convidado para uma
conferência. Talvez inconscientemente ele esperara que lhe dessem mais atenção, apesar
de não ser o homem que gostaria de ficar no centro das atenções.
Será que a conferência fora convocada por causa dele?
Ele observou a mulher negra. Ela não era especialmente bonita, mas dava a
impressão de ser muito simpática.
— A senhora me revelará uma alguma coisa, se eu perguntar?
— Não! — Sua resposta soou decidida. — O senhor tem que esperar.
Eles entraram juntos no corredor rolante.
— A senhora me deixa curioso — confessou ele.
— Por quê?
— Por seu silêncio. E por seu rosto misterioso. Ela olhou para ele, fixamente.
— Será que lá em cima a gente perde o humor mais rapidamente que em Império-
Alfa?
Edmond esperou por uma explicação.
— O que quero dizer, — continuou ele, — é que aqui embaixo ninguém tem mais
tempo para piadas baratas.
No final do corredor eles toparam com um oficial nervoso, que praguejava sem
parar, puxando furiosamente o seu cigarro.
— Este é Abraham! — apresentou Maybelle. — O melhor é que o senhor o ignore,
caso contrário, dentro de alguns dias, acabará tão maluco quanto ele.
— Maybelle! — gritou Abraham, queixoso.
Ela acenou para um dos seus assistentes. Um planador veio pairando.
— Vamos para o local da conferência, voando — explicou Maybelle.
***
Antes da conferência dos comandantes dos setores começar, Pontonac foi levado
por Maybelle para uma sala anexa ao salão de conferências. Aqui Deighton e Danton
esperavam por ele. A saudação entre os três homens, que se conheciam de antigamente,
foi cordial. Depois Roi entrou diretamente no assunto.
— Concedo que com seu Comitê de Salvação, o senhor nos ajudou frequentemente,
Edmond. Mesmo assim, todas as suas ações sempre ficaram fora da lei.
O homem com duas próteses de pernas e uma de braço umedeceu nervosamente os
lábios com a ponta da língua.
— Eu estou consciente disso, e não fujo a essa responsabilidade.
— Não queremos ser juízes do senhor aqui — declarou Deighton. — Para isso nós
não temos nem tempo nem vontade.
— Ele olhou para Roi. — O pai dele, entretanto, dificilmente deixará esse caso sem
apreciação.
Pontonac anuiu, sombrio.
— O senhor conhece a situação atual — continuou Deighton.
— Outras ações do Comitê de Salvação contra o Homo superior não têm mais
sentido, pois os Novos Homens estão ameaçados de desaparecimento. Eles se tornaram
apáticos. Não existem mais membros do Homo superior, que se interessem, no sentido do
seu povo, pelos imbecilizados, ou que partam para a desmontagem de usinas.
— Tudo isto é bastante misterioso — acrescentou Danton. — Nós entretanto
estamos tentando nos ajustar a esta situação. O seu comitê, pelo que ficamos sabendo,
consiste de cento e cinquenta membros imunes.
Pontonac fez que sim.
— Eles agora estão mais ou menos desempregados.
Houve uma pausa. Finalmente Pontonac deu um assobio.
— Eu consigo imaginar que em Império-Alfa possam estar precisando de mais
cento e cinquenta imunes.
— Sim — confirmou Deighton. — Precisamos deles mais que de qualquer outra
coisa, pois não temos homens suficientes, que possam ajudar-nos em nossa tarefa.
— Meus homens estão esperando, em nosso quartel-general, por novas ordens.
Nenhum deles recusaria uma nova tarefa.
— Isso é bom assim — disse Danton. — Nós temos uma coisa especial em mente
para os senhores.
Deighton fez um gesto convidativo na direção da porta.
— Venha conosco para o salão ao lado. Os comandantes certamente já estão
curiosos para conhecê-lo.
***
Danton estava de pé, na cabeceira da mesa, e apontou para o lugar onde Edmond
Pontonac estava sentado.
— E então, Storman Jollins — disse ele, sem zombaria. — Espero que, deste modo,
atendamos às suas exigências. Diante de nós está Edmond Pontonac, chefe do Comitê de
Salvação, e seu fundador. De está pronto a responder a todas as nossas perguntas.
Alguns comandantes riram. Eles não invejavam a derrota do denunciante Collins.
Collins, entretanto, não se sentiu absolutamente atingido. Ele era suficientemente esperto
para agora transigir.
— O Comitê de Salvação não tem mais significação — disse ele com voz firme. —
Logo não haverá mais membros do Homo superior. Por isso mesmo também o Comitê de
Salvação deixará de existir.
Esta argumentação estava certa. Com o anuir das cabeças dos comandantes, Danton
reconheceu que concordavam com Collins. O assunto Comitê de Salvação estava
concluído para os imunes. Em Império-Alfa podia passar-se novamente a discussão da
ordem do dia.
Pontonac sentiu que o interesse por ele, forte a princípio, visivelmente diminuíra.
Os homens e as mulheres estavam tensos demais, para poderem concentrar-se
exclusivamente nele.
Porém para Danton e Deighton o assunto ainda não estava encerrado.
— Diante dos senhores se encontra um relato sobre uma conversa pelo rádio, que
Deighton e eu, com presença de Storman Collins, tivemos com os dois representantes
dirigentes do Homo superior. Entrementes os senhores já leram este relatório e sabem o
que os Novos Homens estão pedindo de nós.
Houve um pequeno tumulto.
— Eles têm coragem! — gritou Stableen, agitado. — Eles realmente acham que nós
vamos ajudá-los?
Danton ergueu ambos os braços, para acalmar o tumulto.
— Eu sei o que todos os senhores pensam a respeito. Mas nós não temos o direito
de deixar que o Homo superior desapareça.
Fez-se um silêncio agora.
— Nós refletimos muito bem — continuou Danton — sobre o que podemos fazer
pelo Homo superior.
Deighton levantou-se.
— Minhas senhoras e meus senhores, contrariando nossos hábitos, Roi Danton e eu
decidimos sozinhos, neste caso. Existe uma organização, que a partir deste momento será
encarregada da salvação do Homo superior.
Todos olharam para o primeiro senso-mecânico.
— Estamos falando do Comitê de Salvação de Edmond Pontonac.
***
“Estranho”, pensou Pontonac, enquanto pairava para o alto, pelo elevador
antigravitacional, muito silencioso. Ele viera para o Império-Alfa como o mais
encarniçado adversário do Homo superior. E agora ele abandonava a central dos imunes,
como salvador dos Novos Homens, quando, aliás, ainda não se podia estar certo de que
esta designação se tornaria realidade.
O nome “Comitê de Salvação”, a partir deste momento, tinha ganho outro sentido,
totalmente diferente. Não se tratava mais de salvar imbecilizados e estações técnicas dos
desmandos do Homo superior, mas sim, tratava-se agora de salvar o ex-adversário do seu
desaparecimento.
— O senhor acha que vai conseguir a aprovação disso, junto dos seus homens? —
quis saber Maybelle, que conduzia Pontonac para cima.
Para isso o coronel não tinha uma resposta. Certamente a maioria dos membros de
sua organização protestaria fortemente. Podia imaginar-se que muitos deixariam o
Comitê de Salvação. Pontonac, que tinha carta branca de Danton e Deighton, esperava ter
influência suficiente para poder fazer com que a maioria dos membros do comitê
permanecessem com ele. Ele tinha um argumento que era mais convincente que qualquer
outro: Com o trabalho de salvamento do Homo superior o comitê poderia, pelo menos em
parte, ressarcir-se legalmente. Num julgamento posterior, isso certamente pesaria
bastante.
— De qualquer modo, eu lhe desejo muita sorte — disse Maybelle, quando se
despediu dele nas proximidades de um campo de pouso na superfície. — O seu piloto já
está esperando. Ele o levará de volta para a sua base de apoio.
— Eu sei que a tarefa que me confiaram é praticamente irrealizável — disse
Pontonac. — Mesmo assim, eu vou tentar de tudo, para conseguir êxito na mesma.
— Eu receio — disse Maybelle — que isso não vai depender unicamente do senhor.
9

O depósito de medicamentos da Frota Solar em Detroit abriu suas portas, pela


primeira vez, depois de quinze meses.
Pontonac, que estava na torre de controle do pequeno campo de pouso, junto com
Alfer Creek, Sogmonth e Pappon, cuidando para que a ativação dos robôs transcorresse
sem problemas, tinha organizado um programa de ajuda imediata, dentro de poucas
horas. O estado dos Novos Homens piorara ainda mais, continuadamente. Os membros
do Homo superior recusavam-se a ingerir qualquer tipo de alimentação. Na maioria
deles, entrementes, tinham aparecido mudanças orgânicas. Os acometidos morriam aos
milhares.
Havia pérolas de suor na testa de Pontonac.
— Sua circulação está irregular — verificou Creek, pragmaticamente. — O senhor
está precisando dormir.
— Sim, está bem! — recusou-se Pontonac. — Primeiramente precisamos colocar
estes robôs em marcha.
Da torre de controle, os homens podiam ver como milhares dos robôs recém-
programados marchavam para fora dos pavilhões do depósito de medicamentos. Muitos
desses medo-robôs estavam equipados com aparelhagens pneumocoronárias.
Pontonac esperava uma ajuda decisiva desses autômatos. Todos os robôs estavam
esperando, e levados para todos os territórios da Terra.
A grande luta de Pontonac contra o desaparecimento do Homo superior tinha
começado. Depois do seu regresso à base de apoio do Comitê de Salvação, mais de
sessenta homens tinham abandonado a organização. Eles não se deixaram convencer, por
nada, para ajudar os Novos Homens. Pontonac não censurou os rebeldes. Ele não podia
pedir a ninguém para considerar os ex-inimigos como amigos.
No campo de pouso aterrissavam e partiam constantemente grandes planadores de
transporte. Pontonac sabia que não havia robôs suficientes para ajudar a todos os Novos
Homens, por isso queria empregar os autômatos em todos os lugares onde se
encontravam os grandes quartéis do Homo superior.
Danton e Deighton tinham dado ao coronel todas as procurações possíveis e
imagináveis. Os membros fiéis dedicados a Pontonac, do Comitê de Salvação, tinham
voado a todas as regiões da Terra, para dar apoio ao trabalho dos robôs. Pontonac
entretanto temia que quarenta e oito pessoas não estariam em condições de salvar a vida
de dois milhões de enfermos.
O homem alto suspirou ao pensar nesta tarefa quase sem solução.
Creek olhou o relógio.
— Aqui tudo corre conforme planejado — verificou ele. — Como ainda estaremos
aqui durante cinco horas, o senhor poderá descansar um pouco.
Pontonac sentiu-se tentado a aceitar essa sugestão, porém depois desistiu.
— Sogmonth, junto com os técnicos dos depósitos imunes, cuidará para que não
haja incidentes. Entrementes nós voamos para Puppet, onde se encontra a maioria dos
Primeiros Vogais do Homo superior.
Creek e Pappon, junto com Pontonac, abandonaram a torre de controle, e
embarcaram num planador, que se encontrava na beira do campo de pouso. Bem perto
dali um planador de transporte, carregado de robôs, estava de partida.
Pontonac olhou para a torre de controle. Atrás das paredes transparentes da cúpula
superior parecia-lhe ver uma figura solitária — Sogmonth, que agora vigiava a marcha
dos autômatos, sozinho.
Pappon notou o olhar do coronel.
— Ainda desconfiado?
— Não sei — confessou Pontonac. — Eu acho que jamais vou aprender a conhecê-
lo inteiramente. Apesar da mudança do seu modo de pensar ele ainda me é um tanto
sinistro.
— Ele está em ordem — disse Creek. — O senhor não deve começar a preocupar-se
com qualquer um. Afinal de contas o comitê não consiste de cabeças ocas.
— O senhor tem razão — disse Pontonac, envergonhado. — Eu começo a acreditar
que tenho que liquidar tudo sozinho. Talvez isso seja apenas um sinal de cansaço.
Entrementes Pappon tinha dado partida no planador. Eles pairaram logo acima da
cidade. Nas ruas não havia praticamente nenhum tráfego. Apesar dos imbecilizados terem
despido sua letargia, eles continuavam impossibilitados de controlar máquinas. Em
alguns lugares da cidade, entretanto, havia trabalhos de desentulho em andamento. Talvez
as cidades da Terra algum dia novamente ofereceriam a imagem antiga.
Pappon puxou o planador para cima. O aparelho voou velozmente para a costa.
Seu destino era Puppet.
***
Nas últimas horas tinham morrido três homens e uma mulher. Armig estava
contente que Vanieoh ainda não abandonara o ex-edifício da GCC. O imbecilizado
ajudou-o a transportar cadáveres até o parque onde eles os enterraram juntos. Armig
executou este trabalho com muito amargor. Ele receava que logo haveria tantos mortos
que Vanieoh e ele não conseguiriam mais cuidar do seu sepultamento. Além disso, Armig
sentia-se constantemente pior. A doença com ele transcorria de outro modo que nos
outros, mas o seu efeito final terminaria de modo semelhante como os Novos Homens,
que eles agora enterravam.
Loga ainda vivia, mas continuava deitado, apático, na sua cama, não comia nem
bebia mais nada, e já não reconhecia mais Armig.
Armig enfiou a pá no chão mole e apoiou-se no seu cabo.
— Você pode fazer ainda mais buracos — disse ele para Vanieoh. — Nós vamos
precisar deles.
O imbecilizado, que evidentemente estava feliz por executar trabalhos simples,
continuou trabalhando.
Armig caminhou até o prédio e deixou-se cair num banco junto da entrada.
Ele não sabia mais o que fazer. Nestas últimas horas ele já desejara muitas vezes
que o fim viesse mais depressa.
De repente ele ouviu um barulho no ar. Quando ergueu os olhos viu um grande
planador de transporte. Depois que o aparelho circulara por algum tempo por cima do
parque, ele pousou na clareira perto do templo.
Armig levantou-se para verificar o que isso significava.
No caminho para a clareira, seis pesados medo-robôs vieram ao seu encontro.
A antipatia de Armig contra a técnica cresceu. Ele escondeu-se atas de uma árvore,
apesar de saber muito bem que este modo de agir era ridículo.
Os robôs marcharam, certos do seu objetivo, na direção do prédio. Armig achou que
eles tinham vindo para tratar dos doentes no edifício da GCC. Portanto Danton e
Deighton tinham mesmo tomado a decisão de enviar ajuda.
Armig saiu de trás da árvore e seguiu os robôs a uma distância segura.
Ele viu que Vanieoh tinha jogado a pá no chão, e observava, fascinado, os seis
robôs. Provavelmente a visão dos autômatos despertara determinadas emoções em seu
cérebro.
Armig viu que os robôs entraram na casa. Depois de curta hesitação ele os seguiu.
As máquinas se distribuíram nos quartos onde havia doentes. Eles faziam diagnósticos, e
cuidavam dos homens e das mulheres que estavam em pior estado. Armig olhou pela
fresta de uma porta entreaberta, para dentro do quarto onde um dos robôs trabalhava. O
autômato começou com a respiração artificial do homem gravemente enfermo. Ele tinha
três contatos e podia cuidar de três pessoas com seu pulmão artificial. Ao mesmo tempo
ele começou a alimentação artificial do doente.
Armig sentiu que dentro dele subia um mal-estar. A visão daqueles robôs reluzentes
o enjoava. Para ele foi um choque ver as agulhas de injeção serem metidas nas veias dos
doentes, pelos medo-robôs.
Ele gemeu.
Até agora seus amigos e ele tinham feito de tudo para destruírem máquinas como
estas.
E agora ele tinha que presenciar como os membros do Homo superior eram tocados
e tratados por autômatos.
Armig fechou os olhos. Uma sensação de tontura tomou conta dele. Rapidamente
ele segurou-se na parede. Ele cambaleou alguns passos para o lado e depois bateu
pesadamente no chão.
Deste modo ele foi encontrado por Vanieoh, que mais tarde entrara na casa, curioso
em ver o que aquelas máquinas estranhas faziam.
O imbecilizado curvou-se por cima do homem inconsciente.
— Mon Armig! — gritou ele, sacudindo o homem pelos ombros. — Volte a si!
O Homo superior não reagiu.
Vanieoh escutou um tinir. Pela porta entreaberta ele olhou para o quarto ao lado,
onde os robôs estavam trabalhando.
— Venham para cá! — gritou ele. — Aqui se encontra mais um doente!
Um sensor de diagnósticos em forma de tentáculo serpenteou pelo corredor e tocou
Armig na cabeça e nas mãos. Imediatamente ele recuou outra vez. A máquina verificara
que nesta casa havia pessoas que precisavam de sua ajuda mais urgentemente que Armig.
Vanieoh refletiu o que poderia fazer por Armig. Talvez fosse melhor se ele saísse de
dentro de casa. Mas um sentimento de ligação para com Armig o deteve na execução do
plano.
Ele acocorou-se junto do Primeiro Vogal, no chão.
Ruídos não muito altos, que vinham dos quartos ao redor, demonstravam-lhe que os
robôs cuidavam dos doentes, a toda pressa. De vez em quando um autômato deixava um
quarto, para logo entrar em outro.
Os doentes se deixavam tratar de maneira apática. Não havia quaisquer êxitos
dignos de menção. Depois de algum tempo Armig voltou a si. Ele gemeu e esfregou a
cabeça. Vanieoh ajudou-o a pôr-se de pé.
— Os robôs estão curando — disse ele para Armig. — Eles estão por toda a parte
na casa.
Armig lembrou-se.
Ele apoiou-se na parede.
— É nojento — disse ele, pesadamente. — Eu não consigo ficar vendo como meus
amigos são tocados e manipulados por eles.
— Mas eles estão ajudando os doentes! — objetou Vanieoh, sem entender.
Armig sabia que não fazia sentido discutir com o imbecilizado. Vanieoh não
entenderia.
Do andar superior chegou um grito aos seus ouvidos.
— Holtogan Loga! — gritou Armig, alarmado. — Eu preciso ir ver o que
aconteceu.
Com grandes saltos ele subiu a escadaria. Vanieoh teve dificuldade em segui-lo.
Quando os dois homens tão diferentes entraram no quarto do Mestre, viram como
Loga lutava contra um medo-robô que queria tratá-lo. O robô conseguiu dominar Loga
sem esforços. Os olhos do homem de cabelos grisalhos pareciam sair das órbitas, pelo
esforço que fazia; ele tossia e lutava para respirar.
— Saia! — gritava ele, repetidas vezes. — Saia daqui!
O robô segurou-o na cama e começou a examiná-lo.
Como enlouquecido, Armig jogou-se em cima do autômato, querendo arrancá-lo
dali. Ele foi empurrado de volta. Seus olhares procuraram uma arma, com a qual ele
pudesse atacar o robô. Quando ele se deu conta do que estava fazendo, ficou parado.
— Vanieoh! — gritou ele. — A máquina precisa sair daqui. Ela não vai ajudar
Loga, apenas vai matá-lo. Loga não consegue suportar ser tratado por esta coisa.
— Quer que eu busque uma arma? — perguntou Vanieoh.
Armig pareceu surpreso.
— E você sabe onde encontrar uma arma?
— Naturalmente — declarou o imbecilizado, cheio de si.
Armig, que jamais se interessara por armas, anuiu. Quando Vanieoh desaparecera
do quarto, o Primeiro Vogal dirigiu sua atenção novamente para o mestre e para o robô.
Loga desistira de toda defesa. Ele estava deitado na cama, como morto. Nas suas narinas
tinham sido enfiados tubos transparentes, na cabeça eletrodos. Armig teve que vomitar
quando viu como uma agulha de injeção foi enterrada no antebraço magro de Loga.
Poucos minutos mais tarde Vanieoh voltou. Ele trazia uma arma pesada nas mãos.
— Você sabe manejar isso? — perguntou Vanieoh, hesitante.
Ele começou a brincar nos disparadores.
— Pare! — advertiu Armig. — Eu mostro a você como a arma funciona. Depois
você liquida o robô.
— O robô? — repetiu Vanieoh, incrédulo. — Por que deveria atirar nele? Afinal ele
está ajudando este velho.
Armig arrancou a arma das mãos do imbecilizado. Apesar de tudo dentro dele se
opor a isso, ele ergueu a arma e apertou-a para o robô.
— Eu não faria isso — disse neste instante uma voz calma, vinda da entrada. —
Não está vendo que o robô está ajudando este homem doente de morte?
10

Edmond Pontonac aproximou-se de Mon Armig e tirou-lhe a arma das mãos. O


Homo superior deixou-o fazer, sem opor resistência. Sem se interessar pelo que lhe ia ao
redor, o robô continuou o seu trabalho.
— O senhor é Mon Armig, não é verdade? — quis saber Pontonac. Quando Armig
anuiu, o coronel acrescentou: — Roi Danton e Galbraith Deighton me falaram sobre o
senhor. O senhor é uma exceção surpreendente entre os Novos Homens. Eu sugiro que o
senhor deixe-se examinar exaustivamente. Deste modo talvez possamos descobrir o
motivo para a sua imunidade e assim ajudar os outros.
— Eu devo decepcioná-lo — respondeu Armig, baixinho. — Comigo também
acontece a mesma coisa, só que mais devagar.
Pontonac anuiu para os dois homens, que estavam parados na entrada.
— Cuidem de Armig. Talvez um exame possa ajudar-nos mesmo assim.
— Eu sou médico — disse um dos acompanhantes de Pontonac. — Meu nome é
Alfer Creek. Este é Pappon, nosso criado para tudo.
Ele pegou Armig pelo braço e o conduziu para fora.
— Eu espero que o senhor não tenha nada a objetar, se eu o examinar?
— Por mim tudo bem — disse Armig, resignado. — Mas preste atenção para que
nenhum robô me toque.
— Isso não vai ser possível.
Armig se empertigou.
— Neste caso não deixo que me examine.
Calmamente Creek tirou seu paralisador e tolheu o Homo superior com um tiro no
ombro.
— Eu acho que nós sabemos melhor o que é bom para o senhor e para os seus
amigos — disse ele.
Junto com Pappon eles o carregaram para fora, paralisado.
Entrementes Pontonac constatara que o doente na cama era Holtogan Loga.
Perturbado ele viu como a doença tinha marcado este homem.
Este, portanto, era o seu grande adversário, o homem que ele sempre esperara
encontrar, quando ainda lutara contra as intenções e os feitos do Homo superior com o
Comitê de Salvação.
Pontonac desejou que eles pudessem ter-se encontrado em outras circunstâncias —
como adversários equivalentes.
Este homem semimorto provavelmente era incapaz mesmo de dizer uma só palavra.
Pontonac ficou olhando quando o robô executava o seu trabalho em silêncio.
Holtogan Loga não mostrava qualquer reação.
— Ele ficará bom? — perguntou Vanieoh, hesitante.
O imbecilizado somente entendia muito pouco do que se passava nestes últimos
minutos.
Pontonac virou-se rapidamente.
— Quem é o senhor?
— Vanieoh!
O coronel notou que tinha um imbecilizado diante de si. Como todos os não imunes,
nestes últimos dias, também este homem se livrara de sua apatia, mostrando interesse
pelo que lhe ia em volta.
— Por que todos estes doentes? — perguntou Vanieoh. — Eles sempre me deram
de comer e sempre foram amáveis comigo.
— Sim, como a um cachorro — respondeu Pontonac, amargamente.
Ele voltou-se novamente par Holtogan Loga, cujas faces encovadas lentamente
começavam a ruborizar-se.
— Evidentemente ele está voltando a si — disse Pontonac. — O tratamento parece
fazer efeito.
Ele mandou o robô sair, pois não queria que o velho na cama sofresse um choque
quando voltasse a si. O robô ficou parado no corredor, mas não desligou as conexões com
o corpo do Homo superior.
Depois de algum tempo, Loga abriu os olhos. Seus olhares procuraram o robô. Uma
expressão de alívio apareceu no seu rosto, quando não viu mais a máquina. Depois
descobriu as conexões e quis arrancá-las do seu corpo.
Pontonac impediu que ele o fizesse, segurando-lhe os braços.
— Mantenha-se quieto, Holtogan Loga — conjurou-o Pontonac. — Nós queremos
ajudá-lo.
Loga olhou para ele. Havia reconhecimento nos seus olhos brilhantes.
— Pontonac! — murmurou ele.
— O senhor me conhece? — Pontonac estava surpreso.
— O Comitê de Salvação! — A voz era apenas um fiapo ainda. — O que é que o
senhor quer?
— Nós mudamos nossos planos — declarou o coronel. — Nós ainda somos o
Comitê de Salvação, mas nossa atividade agora serve à salvação do Homo superior.
— O senhor mente!
Esta verificação calma acertou Pontonac pesadamente, mas ele não protestou contra
a mesma.
— Os senhores estão experimentando conosco — afirmou Loga, cuja mente parecia
novamente aguda. — Mas não ficarão sabendo nada através de nós.
— Pois nós já sabemos muito! — respondeu Pontonac.
Loga fechou os olhos, e indicou com isso que não estava disposto a continuar a
conversa com Pontonac.
— Ele vai morrer? — perguntou Vanieoh, ingênuo.
— Isso eu não sei! — Pontonac falou alto propositadamente, para que o homem
grisalho pudesse ouvi-lo. — Mas isso dependerá também dele e de sua vontade de viver.
Talvez os Novos Homens desistam de si mesmos.
O imbecilizado piscou os olhos, sem entender. Ele não compreendia estas palavras.
— Agora vamos deixar Holtogan Loga sozinho, para que ele possa descansar —
decidiu o ex-oficial da Frota.
Eles saíram. O robô ficou no corredor e observou o doente. Loga não fez mais
qualquer tentativa de arrancar as conexões com o autômato.
Dois andares abaixo, Pontonac e Vanieoh toparam com Pappon. O velho negro
parecia muito abatido.
— Eles estão morrendo, sir! Apesar do tratamento.
— Hum! — fez Pontonac. Ele já temia por este desenvolvimento.
— O que Alfer já conseguiu de Mon Armig?
— Eu não creio que saia muita coisa dali — respondeu Pappon. — Creek não
demonstra propriamente estar muito confiante. Ele está com dois robôs tratando de
Armig. Talvez ele encontre alguma coisa.
Pontonac entrou num quarto abandonado. Ele estava no fim de suas forças. Não
importava o que pudesse acontecer, ele precisava descansar por um par de horas.
— Isso é muito sensato — elogiou Pappon, quando ele viu que o chefe do Comitê
de Salvação se deitou numa cama.
Em poucos minutos Pontonac adormeceu.
— Fique junto dele! — Pappon ordenou ao imbecilizado. — E me chame se alguma
coisa não estiver em ordem.
Orgulhoso pela responsabilidade que lhe fora confiada, Vanieoh acocorou-se do
lado da cama no chão. Ele ficou escutando o respirar regular do homem adormecido.
De vez em quando Pontonac gemia no sono, ou batia com os braços à sua volta.
Vanieoh observava-o, preocupado.
O estranho devia estar muito exausto.
11

Já depois de dois dias, tinha-se determinado que a missão de Edmond Pontonac e


seu Comitê de Salvação era sem sentido. Por toda a parte na Terra os Novos Homens
morriam aos milhares. Nem os medo-robôs com sua aparelhagem de primeira linha nem
os médicos levados por Pontonac podiam modificar alguma coisa nisso.
O que tinha começado com uma letargia crescente, rapidamente transformou-se em
decadência física. Os órgãos dos doentes começaram a modificar-se, a divisão celular no
corpo acabara.
Apesar dos robôs passarem a alimentar os acometidos artificialmente, cada vez mais
membros do Homo superior morriam. Pessoas jovens dentro de poucos dias se
transformavam em anciões e morriam. Com pistolas de alta pressão os medo-robôs
injetavam medicamentos vitamínicos nos tecidos dos enfermos — inutilmente.
Os robôs empregavam os métodos mais modernos da ciência médica, sem poderem
modificar qualquer coisa na situação.
Os homens de Pontonac trabalhavam dia e noite com muda determinação. Os ex-
adversários figadais do Homo superior trabalhavam como mouros até a completa
exaustão.
Mesmo a alimentação direta do núcleo celular não mostrou êxito. Os Novos
Homens continuavam morrendo.
Em Puppet, onde Edmond Pontonac estabelecera transitoriamente o seu quartel-
general, chegou uma mensagem de Império-Alfa. Era uma teoria estabelecida por
cientistas, e que fora confirmada pelas seções ainda em funcionamento do cérebro
gigante Natã em Luna.
Os cientistas suspeitavam que o repentino surgimento do Homo superior (e também
o seu repentino desaparecimento) era um fenômeno da natureza, que se repetia em
intervalos de anos num número não estimável. (Alguns cientistas opinaram mais
concretamente, falando em milhões de anos.) Entre as naves manipuladoras do
“Enxame”, os chamados Manips, e isto existia uma estreita ligação, na opinião dos
cientistas. Assumia-se que os primeiros Manips tinham surgido pela primeira vez na
galáxia, já há cinquenta anos atrás. Como entrementes se constatara que nenhum dos
Novos Homens tinha mais de cinquenta anos de idade (apesar de seu aspecto de mais
velho), esta suposição parecia confirmada.
Com o surgimento da constante de gravitação de 852 megakalups, modificada, o
Homo superior experimentou o seu apogeu, que durou quinze meses.
E agora ele terminara.
Pontonac, que recebeu a mensagem, não sabia o que fazer com ela.
Teorias não tinham sentido. Elas não ajudavam aos infelizes de nenhuma maneira.
Por isso Pontonac enviou, de sua parte, uma mensagem de rádio para Império-Alfa.
O texto era o seguinte:
Eles logo deixarão de sofrer. A batalha está perdida.
***
Edmond Pontonac foi arrancado do seu leve sono por um ruído abafado. Ele
ergueu-se da cama e olhou em volta, irritado.
A alguns passos de distância dele, Pappon estava sentado numa poltrona,
completamente exausto, roncando.
Do lado de fora, no corredor, Pontonac ouviu passos e gritos. Ele afastou o cobertor
e foi até a porta. Quando abriu a mesma quase se chocou com Alfer Creek. O médico
estava tremendo no corpo todo.
Pontonac viu que alguma coisa terrível devia ter acontecido.
— Armig se soltou! — informou o médico, aos trancos. — Antes que pudéssemos
segurá-lo, ele pulou da janela. — Creek abaixou a cabeça. — Eu ainda não fui ver o que
aconteceu com ele. Eu não posso.
O coronel engoliu em seco, algumas vezes.
Justamente Armig, que devido ao seu estado fora o centro de suas tênues
esperanças.
Pontonac virou-se e foi até a janela. Ele olhou para fora, e viu lá embaixo, no pátio,
um corpo todo encurvado. O homem caído ali era Armig. Ele não se mexia. Um robô saiu
pelo portão principal e começou a examinar Armig.
— E então? — perguntou Creek, hesitante.
Pontonac sacudiu a cabeça.
— Isso é definitivamente o fim — verificou o médico, deprimido. — Como é que
podemos continuar agora?
Pappon acordou com o barulho, mas não fez perguntas. Ele parecia sentir que
acontecera um acidente.
Em silêncio Pontonac abandonou o recinto e desceu. Quando ele abandonou o
prédio, o robô terminava o seu exame. Mon Armig estava morto.
Vanieoh saiu e começou a lastimar-se em voz alta.
— Suma daqui! — ordenou Pontonac, rudemente. — Ninguém deve ouvir isso.
Creek saiu, depois veio Pappon. Os três ficaram em volta do cadáver.
Nenhum disse uma só palavra. Todos sabiam o que a morte de Armig significava.
De menos de duzentos Novos Homens que eles tinham encontrado em Puppet a sua
chegada, agora ainda viviam dezessete. Surpreendentemente Loga estava entre eles.
Apesar de sua decadência física já estar bem adiantada, ele continuava vivo.
Inconscientemente ele devia desenvolver uma vontade de viver inconcebível. Um medo-
robô estava constantemente do seu lado, para cuidar dele.
Pontonac controlou-se.
— Com isso o trabalho deste Comitê de Salvação terminou — disse ele. —
Qualquer um de nós agora poderá fazer o que quiser. Entretanto eu peço a todos que se
coloquem à disposição dos responsáveis de Império-Alfa.
— Provavelmente este deve ser o texto de uma mensagem de rádio, que deverá ser
transmitida a todos os membros do comitê — supôs Pappon.
— Sim, Pappon — confirmou Pontonac. — Por favor, cuide disso.
***
Deighton e Danton tinham reunido as mensagens e os vídeos recebidos dos
membros do Comitê de Salvação. Ambos ainda estavam mais silenciosos que antes. Por
maior que fosse o alívio pela melhoria do estado de saúde mental de todos os homens
imbecilizados, os membros da guarnição de Império-Alfa sofriam muito, com a catástrofe
que acometera agora o Homo superior.
Apesar dos contrastes, a maioria dos homens e das mulheres sentia que, afinal de
contas, os outros eram gente, enredados num acontecimento misterioso, que agora lhes
era fatal.
Deighton estava com as últimas mensagens de rádio de Pontonac nas mãos, quando
Roi Danton entrou na central.
— Está na hora de mandar o correio para a Good Hope e para a Intersolar — disse
ele. — Também Quinto-Center e as outras estações importantes deveriam ser avisadas.
Danton ergueu os olhos.
— Suponho que queira mandar também os relatórios do comitê, Roi?
Danton anuiu. O seu pai e Bell deviam ficar sabendo o que tinha se passado na
Terra e em muitos planetas dentro da galáxia. Talvez, em parte, eles já deviam estar
informados, através de mensagens de rádio, que recebiam de outros mundos.
Deighton dobrou os papéis com o texto das mensagens de rádio, e entregou-os a
Danton.
— Pontonac dissolveu o seu comitê e recomendou aos membros que trabalhem para
Império-Alfa.
— Isso não vai salvá-lo de um processo — achou Danton.
— Eu não creio que ele queira fugir da responsabilidade — retrucou o primeiro
senso-mecânico. — Mas no momento nós realmente temos outras coisas para fazer, que
submeter Edmond Pontonac a um processo.
Provavelmente, refletiu o filho de Rhodan, esse processo jamais aconteceria. Ainda
se passariam décadas até que todos os vestígios da catástrofe fossem apagados. E isto,
naturalmente, apenas se o “Enxame” não desenvolvesse mais novas atividades. Isso,
entretanto, Danton achava impossível. Ele previa ainda outras complicações.
— Com isso o capítulo Homo superior estaria concluído — disse Deighton.
— Certamente haverá muita gente que achará esta catástrofe uma solução feliz.
— Talvez não tenhamos mais uma medida para avaliarmos acontecimentos como
esse — respondeu Danton. — O horror ganhou uma nova dimensão, desde a entrada do
“Enxame” em nossa galáxia. Nós nos encapsulamos inconscientemente contra os
acontecimentos. Estamos ficando mais indiferentes.
— Como é que nós poderíamos continuar vivendo, de outro modo?
Danton olhou para a tela de vídeo, que mostrava a superfície de Império-Alfa.
Diante das cúpulas energéticas amontoavam-se imbecilizados que olhavam em volta,
interessados. Esta era uma visão comum, nestes últimos dias.
Talvez estas pessoas, que tinham descartado sua estupidez, fossem uma esperança.
Algum dia eles poderiam fazer ressurgir um Homo superior, um que não desapareceria
outra vez.
— Um par de centenas de Novos Homens ainda vive — disse Deighton, com um
otimismo na voz que não soava nada autêntico. — Talvez aconteça um milagre, e eles
sobreviverão.
Nenhum dos dois homens acreditava nisso.
O Major Stableen apareceu na central, para buscar os dois homens para uma
conferência.
“Sobre o que vamos discutir?”, perguntou-se Danton.
O que Storman Collins diria, ou Maybelle, ou Abraham?
Cada um vivenciara o desaparecimento do Homo superior à sua maneira.
Danton colocou uma de suas mãos no ombro de Deighton.
— Temos que ir.
No corredor um carro os esperava. Nos compridos corredores e nos recintos de
Império-Alfa tudo ficara mais quieto do que usualmente. Os três homens embarcaram no
carro. Stableen deu partida.
***
Edmond Pontonac estava parado entre as árvores do parque. Chovia
torrencialmente.
“O tempo certo, para os acontecimentos na Terra”, pensou o coronel. Ele não se
importava de lentamente ter ficado totalmente encharcado. A chuva fria o deixava mais
sóbrio, permitindo que ele pensasse mais claramente. Os outros estavam dentro do
edifício da GCC.
Há uma hora atrás três Homo superior tinham morrido. Agora só Holtogan Loga
ainda vivia. “O espírito desse homem ainda vivia!”, corrigiu-se Pontonac em
pensamento. Pois era impossível que o corpo de Loga ainda estivesse vivo. Num corpo
como esse não podia haver vida.
Pontonac entregou-se aos seus pensamentos.
Ele também pensava no futuro.
O que ele poderia empreender agora?
Voltar para a Frota, onde precisavam urgentemente de homens imunes?
Ele não sabia.
Uma figura aproximou-se dele, através da chuva. Era o velho Pappon. Nos seus
cabelos negros encarapinhados, as gotas de chuva brilhavam.
— Loga voltou a si, mais uma vez!
Pontonac anuiu. Ele quase esperava por isso.
Os dois homens entraram juntos no edifício. Na escada para o alto eles deixaram um
rastro molhado atrás de si. No corredor do primeiro andar encontravam-se os seis medo-
robôs.
Eles não tinham mais nada a fazer.
Quando Pontonac entrou no quarto de Loga, encontrou Creek e Vanieoh ali.
O médico olhou para Pontonac.
— Está chegando ao fim.
O coronel veio até junto da cama do Mestre. Loga ergueu os olhos para ele. O seu
olhar estava claro, sinal de que ele estava lúcido.
Pontonac ouviu os três outros saírem.
Ele estava sozinho com o Homo superior. Talvez com o último representante vivo
deste povo.
— O senhor pode compreender, que eu ainda acredito na correção daquilo que nós
fizemos? — perguntou Holtogan Loga, de repente.
A sua voz não tinha força, mas podia ser entendida nitidamente.
— Sim, naturalmente — disse Pontonac.
Ele se achava impotente. O que deveria responder a um homem como este?
— Nós desaparecemos — prosseguiu Loga. — Mas nossa ideia continuará vivendo,
enquanto os homens existirem.
Eles se entreolharam — há poucos dias atrás ainda amargos adversários, agora duas
criaturas humanas, que estavam acima de sentimentos como inimizade e ódio.
— Algum dia o Homo superior vivenciará o seu renascimento — disse Holtogan
Loga, convencido. — E então não desaparecerá mais.
Aquilo parecia tão firme, que Pontonac quase estava pronto a acreditar neste
homem.
De repente Holtogan Loga sorriu.
— Eu vou me despedir — murmurou ele. — Não para sempre, mas apenas por um
certo tempo.
Ele fechou os olhos e se espichou. Pontonac precisou de bastante tempo, até dar-se
conta de que o Mestre dos Cinquenta Primeiros Vogais não vivia mais.
Ele chamou os outros, pedindo que entrassem.
Creek comprovou a morte, mas isso era apenas ainda uma mera formalidade.
Vanieoh disse:
— Eu quero enterrá-lo no parque.
Pontonac anuiu aos dois outros membros do comitê.
— Vamos buscar os robôs e desaparecemos daqui.
Uma hora depois que os imunes tinham ido embora, Vanieoh apareceu no parque.
Ele carregava o Homo superior, que já não pesava mais que uma criança, nos ombros.
Nas proximidades da clareira, bem perto de uma árvore muito alta, Vanieoh cavou
um buraco. Ele colocou Holtogan Loga na vala e cobriu-o com terra. Com a pá ele alisou
a mesma.
Por duas horas Vanieoh ficou parado, na chuva, junto da sepultura.
Depois voltou para Puppet, onde os imbecilizados, sob a direção de um imune,
tinham começado a limpar as ruas da pequena cidade, dos destroços.

***
**
*

A “Grande Matança” não podia ser detida. O


Homo superior, uma espécie humana criada com o
surgimento do “Enxame”, já não existe mais.
O restante da Humanidade, entretanto, tem um
consolo — uma parte de sua inteligência perdida
retorna — porém para a tripulação de uma nave de
exploração este aumento de inteligência comprova ser
desastroso.
O seu destino é contado no próximo número da
série, cujo título é Mercenários da Galáxia.
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