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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO EM
SAÚDE

MÁRCIA ROSANE BARRETO ALVES

PROCESSO DE TRABALHO DA PSICOLOGIA NO SUS: DESVELANDO A


PRÁTICA

FORTALEZA-CEARÁ
2017
1

MÁRCIA ROSANE BARRETO ALVES

PROCESSO DE TRABALHO DA PSICOLOGIA NO SUS: DESVELANDO A


PRÁTICA.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Especialização
em Gestão do Trabalho e Educação em
Saúde do Centro de Ciências da Saúde
da Universidade Estadual do Ceará,
como requisito parcial à obtenção da
certificação de especialista em Gestão -
do Trabalho e Educação em Saúde.

Orientadora: Profa. Ms. Ivina Maria


Siqueira Lima
Co-Orientadora: Profa. Ms. Antônia
Cristina Jorge

FORTALEZA – CEARÁ
2017
2
3

MÁRCIA ROSANE BARRETO ALVES

PROCESSO DE TRABALHO DA PSICOLOGIA NO SUS: DESVELANDO A


PRÁTICA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Especialização em Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde do Centro
de Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção da certificação de especialista em
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.

Aprovada em: 22 de novembro de 2017.

BANCA EXAMINADORA
4

Dedico este trabalho ao meu querido


Filho, Ravel Barreto Alves Oliveira Vieira
e à minha Neta, Chiara Pezzi Barreto
Vieira que foram minha fonte de
inspiração e realização.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por mais esta oportunidade dada


Ao meu pai, Joaquim Alves Neto, por ter aberto as portas do vasto conhecimento
humano e o ter colocado como um dos maiores valores da vida
À minha mãe, Rita Barreto, por ter me ensinado a nunca desistir de realizar um
sonho
À orientadora, Professora Ivina Siqueira, que com sua presteza, dedicação e
insistência, não permitiu que desistisse do curso, nesta etapa final da especialização
À minha querida co-orientadora, Professora Cristina Jorge, minha imensa gratidão,
“por ter me sustentado tal qual os braços de uma mãe”, fazendo uso de uma
metáfora winnicottiana
Ao querido coordenador do curso de Especialização, Professor Raimundo Augusto,
que com seu conhecimento, generosidade e amorosidade forneceu o melhor de si,
para a concretização deste curso
A amiga, Maria Neyde Gomes, minha eterna gratidão, por ter me incentivado a
participar da seleção desta especialização e apoiado em todos os momentos da
Especialização
À amiga Tarcisa Gomes, por ter me fornecido um vasto material de pesquisa
À amiga e colega de profissão, Neiara Parente, por ter tido a paciência, em muitas
etapas do trabalho, a fazer uma escuta qualificada e ter dialogado sobre a
psicanálise
Ao Grupo Infantil e ao Grupo de Orientação Familiar que me motivaram a
compartilhar esta experiência
À Ex-Coordenadora, do SOS-Criança/Família, Cláudia Soares, que com sua
dinamicidade me proporcionou muitos desafios no trabalho
À Coordenadora do CAPS, Rejane Teixeira Guerra, que sempre me deu autonomia
e, mais que isto, apoiou e forneceu algumas ideias para desenvolver melhor os
grupos Infantil e de Orientação Familiar
Ao coordenador do NASF de Itapipoca, Arthur Bernardo que com sua sensibilidade e
compreensão forneceu vários dias de licença do trabalho, para dedicar-me à
realização desta monografia
6

À banca examinadora formada pelas professoras Silvia Maria Negreiros Bonfim Silva
e Sebastian Shirley de Oliveira Lima que analisaram meu trabalho com olhos
benevolentes
Sou grata à 2ª turma da Especialização Gestão do trabalho e Educação em Saúde
pelo clima de alegria, boniteza e amorosidade que se estabeleceu em todo o curso,
tal qual preconiza nosso Grandioso Educador Paulo Freire.
7

RESUMO

A saúde, no Brasil, é direito de todos e dever do Estado e mais que isso, a saúde é item de
relevância pública, o que assegura a participação da sociedade no cumprimento de suas
prerrogativas legais. O SUS volta-se para as reais necessidades da população e para a
democratização do setor. O objetivo desse trabalho consiste em fomentar novas tecnologias
de trabalho a partir das que já foram criadas e implementadas, pelo Setor de Psicologia, no
seio da atenção primária de saúde, com o propósito de incentivar outros profissionais para
que, também, possam se aventurar nesta fascinante viagem que é a mente humana,
aprimorando cada vez mais o fazer psicológico. Trata-se de um estudo descritivo realizado a
partir do relato de experiência da aprendizagem vivencial da autora em seu campo de
atuação. Este tipo de pesquisa visa à descrição das características de determinada
população ou fenômeno, bem como tem a pretensão de estabelecer relações entre diversas
variáveis. A análise dos dados foi realizada utilizando os pressupostos da fenomenologia,
considerando a relação dos sujeitos pesquisados com o ambiente no qual estão inseridos,
incluindo, ainda, neste mesmo ambiente, a relação com outros profissionais, com os
usuários, os familiares destes e a relação da pesquisadora consigo mesma. No CAPS, o
Psicólogo se utilizava de vários recursos tais como: Entrevista
Psicológica/Anamnese/Avaliação, onde tinha contato com a história do paciente, ou seja,
com a subjetividade deste, contextualizando a queixa e o sofrimento, na dinâmica familiar
e/ou no meio social, avaliando os condicionantes e potencialidades do indivíduo, com o
propósito de propor um melhor plano terapêutico possível. A partir do momento que o
Psicólogo disponibilizava um espaço acolhedor para se discutir tais questões, o indivíduo
podia se reconhecer no outro e perceber que não estava sozinho e, desta forma, podia se
vincular às demais pessoas formando laços sociais. Esta vinculação genuína com o outro,
possibilitava o redimensionamento do problema enfrentado e a atenuação do sofrimento
psíquico, diminuindo a ansiedade e os sintomas da depressão. Promover saúde na esfera
psicossocial é fomentar debates que propiciem a compreensão de fenômenos psicológicos,
bem como a compreensão de fenômenos político-econômico-sociais, onde deve
preponderar o diálogo entre os diferentes atores sociais e a tolerância, como um ingrediente
a ser adotados por todos que se propõe a trabalhar com a saúde mental.

Palavras-chave: Gestão do Trabalho. Processo de trabalho. SUS. Psicologia.


8

ABSTRACT

Health, in Brazil, is the right of everyone and the duty of the State, and more than that, health
is an element of public relevance, which ensures the participation of society in the fulfillment
of its legal prerogatives. The SUS turns to the real needs of the population and for the
democratization of the sector. The objective of this work is to promote new work technologies
from those that were already created and implemented by the Psychology Sector within the
primary health care with the purpose of encouraging other professionals so that they can
also venture fascinating journey that is the human mind, improving more and more the
psychological doing. It is a descriptive study made from the experience story of the author's
experiential learning in her field of action. This type of research points to the description of
the characteristics of a given population or phenomenon, as well as the pretension to
establish relationships between several variables. The analysis of the data was made using
the budgets of the phenomenology, considering the relation of the subjects investigated with
the environment in which they are inserted, including, even in this same environment, the
relationship with other professionals, with the users, relatives of these and the relationship of
the researcher with herself. In the CAPS, the Psychologist used several resources such as:
Psychological Interview / Anamnesis / Evaluation, where he had contact with the patient's
history, that is, with the patient's subjectivity, contextualizing the complaint and suffering, in
the family dynamics and / or in the social environment, evaluating the conditions and
potentialities of the individual, with the purpose of proposing a better possible therapeutic
plan. From the moment in which the Psychologist offered a welcoming space to discuss such
issues, the individual could recognize himself in the other and perceive that he was not alone
and, in this way, could be linked to other people forming social bonds. This genuine
connection with the other, made possible the redimensioning of the problem faced and the
attenuation of the psychic suffering, decreasing the anxiety and the symptoms of the
depression. Promoting health in the psychosocial sphere is to encourage debates that favor
the understanding of psychological phenomena, as well as the understanding of political-
economic-social phenomena, where the dialogue between the different social actors and
tolerance must prevail, as an ingredient to be adopted by everyone who intends to work with
mental health.

Keywords: Labor Management. Work process. SUS. Psychology.


9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento


CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas
CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infantil
CEO Centro de Especialidades Odontológicas
CF Constituição Federal
CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CS Conferência de Saúde
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
eCR Equipes de Consultório de Rua
EI Equipe Interdisciplinar
ES Equipamento Substitutivo
ESF Equipe de Saúde da Família
GM Gabinete Ministerial
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
LOS Lei Orgânica de Saúde
MIS Método de Interpretação de Sentidos
MS Ministério da Saúde
NASF Núcleo de Saúde da Família
NAPS Núcleo de Atenção Psicossocial
ONG Organização Não Governamental
OMS Organização Mundial da Saúde
PROARES Programa de Apoio às Reformas Sociais para o
Desenvolvimento da Criança e Adolescente
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
PTM Portador de Transtorno Mental
PVC Programa De Volta para Casa
SRTs Serviços Residenciais Terapêuticos
SUDS Sistema Unificado de Saúde
10

SUS Sistema único de Saúde


UA Unidade de Acolhimento
UBS Unidade Básica de Saúde
UPA Unidade de Pronto Atendimento
11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................... 13
2 OBJETIVOS...................................................................................... 20
2.1 GERAL............................................................................................. 20
2.2 ESPECÍFICOS.................................................................................. 20
3 METODOLOGIA................................................................................ 21
4 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................ 23
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ITAPIPOCA.................. 28
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................ 31
5.1 BASES DO APRENDIZADO DA PESQUISADORA......................... 32
5.2 ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTAIS UTILIZADOS PELO
PSICÓLOGO NO CAPS................................................................. 34
5.3 DIFICULDADES E FACILIDADES NO ÂMBITO DA ATUAÇÃO DO
PSICÓLOGO NO NASF................................................................. 38
6 DEBATE TEÓRICO.......................................................................... 42
6.1 BREVE HISTÓRICO DA CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA ................. 42
6.2 A IMPORTÂNCIA DADA ÀS CRIANÇAS PELO ENFOQUE DO
ALEITAMENTO................................................................................. 43
6.3 A CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA HOJE E SUAS IMPLICAÇÕES..... 44
6.4 A CONSTRUÇÃO DA MORAL SEGUNDO O CONSTRUTIVISMO 46
6.5 DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA ABORDAGEM SÓCIO
INTERACIONISTA............................................................................ 47
6.6 APRENDIZADO X DESENVOLVIMENTO: A ZONA DE
DESENVOLVIMENTO PROXIMAL.................................................. 48
6.7 FUNÇÕES DA BRINCADEIRA NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL SEGUNDO A CONCEPÇÃO SÓCIO INTERACIONISTA 48
6.8 IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA VIDA HUMANA SEGUNDO O
PSICANALISTA BRUNO BETTELHEIM........................................ 50
6.9 COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL SEGUNDO O
PSICANALISTA BRITÂNICO DONALD WINNICOTT................... 50
6.10 A FUNÇÃO DOS FENÔMENOS E OBJETOS TRANSICIONAIS
PARA WINNICOTT............................................................................ 54
12

6.11 A FUNÇÃO DO BRINCAR SEGUNDO DONALD WINNICOTT.... 55


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 57
REFERÊNCIAS................................................................................. 69
ANEXOS............................................................................................ 72
ANEXO A - FILMES E DOCUMENTÁRIOS..................................... 73
ANEXO B – EVENTOS..................................................................... 74
13

1 INTRODUÇÃO

A saúde, no Brasil, é direito de todos e dever do Estado e-mais que isso, a


saúde é item de relevância pública, o que assegura a participação da sociedade no
cumprimento de suas prerrogativas legais. É importante colocar que toda essa
evolução da proposta de saúde - “direito de todos e dever do Estado” e “participação
popular” - deu-se pela vontade política de diversos atores. A exemplo desta luta,
temos o Movimento Sanitário que foi decisivo na democratização da política de
saúde, bem como seu derivado mais direto - as Conferências.
Dentre elas, destaca-se a VIII Conferência de Saúde, que ocorreu em março
de 1986, considerado um evento inédito na história das políticas de saúde visto que,
pela primeira vez, a sociedade civil organizada se fez presente nos debates e
discussões... De caráter democrático, a VIII Conferência influenciou dois grandes
processos: o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde-SUDS e a Constituição
Federal de 1988. Sendo assim, a partir de 1988 é fixada, na Constituição Federal, a
nova configuração do sistema de saúde que coloca a saúde como um direito de
cidadania e dever do Estado. Assim, no âmbito legal, a saúde dá um salto
significativo para a estruturação do novo modelo sanitário, a partir de três diretrizes
básicas: descentralização, integralidade e participação da comunidade (art. 198, inc.
III).
Tem-se, a partir da nova legislação, também formalizada pela Lei Orgânica da
Saúde - LOS (Lei nº 8080/90 e nº 8142/90), o Sistema Único de Saúde (SUS), que
se difere consideravelmente dos sistemas passados, visto que assegura uma
política com base nas necessidades coletivas e não de grupos privilegiados.
Baseando-se nessas prerrogativas, é inegável que o SUS, estruturado na sua
forma legal, consubstancia-se numa conquista de relevância absoluta. O SUS é um
sistema público de saúde que acolhe os direitos dos cidadãos no campo sanitário.
Saúde passa a ser visto como direito de todos e dever do Estado, portanto uma
conquista de cidadania. Todos, indistintamente, ricos, pobres, negros, brancos e/ou
de diversas orientações sexuais, enfim, o cidadão brasileiro, tem o direito de receber
serviços de saúde igualitariamente, sem contribuições econômicas.
O SUS volta-se para as reais necessidades da população e para a
democratização do setor. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, quebrando com a herança conservadora de focalização
14

apenas no aspecto curativo. A saúde, a partir do SUS, tem como fatores


determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte,
o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais atribuindo, assim, à saúde um
conceito ampliado. Saúde deixa de ser ausência de doença, para assumir o status
de qualidade de vida.
O SUS é um sistema porque é formado por várias instituições dos três níveis
de governo (União, estados e municípios) e pelo setor privado, com os quais são
feitos contratos e convênios para a realização de serviços e ações, como se fosse
um mesmo corpo. Assim, o serviço privado (um hospital, por exemplo), quando é
contratado pelo SUS, deve atuar como se fosse público.
O SUS é único, porque tem a mesma filosofia de atuação em todo o território
nacional e é organizado de acordo com uma mesma lógica. Além disso, o SUS é
universal porque deve atender a todos, sem distinções, de acordo com as suas
necessidades e sem cobrar nada; não leva em conta o poder aquisitivo da
população ou mesmo se esta contribui ou não com a Previdência Social. É integral,
pois a saúde da pessoa não pode ser dividida e, sim, deve ser tratada globalmente;
isto quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao mesmo tempo, para
o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o tratamento, para o
corpo e para a mente, de forma geral e não compartimentalizada. Garante equidade,
pois deve oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada
um; dar mais para quem mais precisa. Também deve ser descentralizado, pois quem
está próximo dos cidadãos têm mais chances de acertar na solução dos problemas
de saúde. Assim, todas as ações e serviços que atendem à população de uma
cidade devem ser municipais, as que alcançam vários municípios devem ser
estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o território nacional devem ser federais.
O SUS tem um gestor único em cada esfera de governo. A Secretaria Municipal de
Saúde, por exemplo, tem que ser responsável por todos os serviços localizados na
cidade.
Deve ser ainda regionalizado e hierarquizado; os serviços de saúde devem
estar dispostos de maneira regionalizada, pois nem todos os municípios conseguem
atender todas as demandas e todos os tipos de problemas de saúde. Os serviços de
saúde devem se organizar regionalmente e também obedecer a uma hierarquia
entre eles. As questões menos complexas devem ser atendidas nas unidades
15

básicas de saúde, passando pelas unidades especializadas, pelo hospital geral, até
chegar ao hospital especializado.
Ele prevê a participação do setor privado, quer dizer, as ações serão feitas
pelos serviços públicos e, de forma complementar, pelo setor privado;
preferencialmente pelo setor filantrópico e sem fins lucrativos e por meio de contrato
administrativo ou convênio, o que não descaracteriza a natureza pública dos
serviços.
Por fim, deve promover a participação popular. O SUS é democrático porque
tem mecanismos de assegurar o direito de participação de todos os segmentos
envolvidos com o sistema: governos, prestadores de serviços, trabalhadores de
saúde e, principalmente, os usuários dos serviços, as comunidades e a população.
Os principais instrumentos para exercer esse controle social são os conselhos e as
conferências de saúde, que devem respeitar o critério de composição paritária
(participação igual entre usuários e os demais segmentos). Estes instrumentos têm
um caráter deliberativo, ou seja, tem poder de decisão.
Vale ressaltar que o SUS é consequência de muita luta e mobilização da
sociedade. A Constituição Brasileira reconheceu a saúde como um direito de
cidadania e instituiu um sistema que precisa ser implementado com base na
Constituição Federal e na regulamentação da LOS que, por sua vez, trata tanto da
participação da sociedade, como do financiamento da saúde (Lei nº 8080/90 e Lei nº
8142), bem como nas demais leis que de alguma forma se relacionam com o tema.
A saúde hoje passou a ser vista no seu sentido mais amplo, conquistando o status
de direito social.
Infelizmente, o SUS enfrenta muitos desafios à sua consolidação plena.
Incluindo a dificuldade de acesso, pois, em algumas cidades, principalmente nos
grandes centros, é longa a fila de espera para consultas, exames e cirurgias.
Dependendo do local, é comum não haver vagas para internação; faltam médicos,
pessoal para fazer o atendimento básico, medicamentos e até insumos primários.
Também é grande a demora nos encaminhamentos e na marcação para serviços
mais especializados. Muitas vezes os profissionais não estão preparados para
atender bem à população; sem contar que as condições de trabalho e de
remuneração que são geralmente muito ruins. Isso também acontece nos planos de
saúde que remuneram mal os profissionais credenciados.
16

O atendimento nas emergências está longe de ser o adequado,


principalmente os referentes às vítimas da violência e dos acidentes de trânsito; são
precários os serviços de reabilitação, o atendimento aos idosos, a assistência em
saúde mental e os serviços odontológicos. Nos planos de saúde, a situação não é
muito diferente; são comuns a restrição aos serviços de reabilitação, bem como à
saúde mental e, também, aos serviços odontológicos que, normalmente, são
excluídos do plano. Os idosos, por sua vez, sofrem com os altos preços das
mensalidades.
Em relação ao financiamento, parte considerável dos recursos vem de
contribuições sociais de patrões e empregados. Outra parte vem do pagamento de
impostos embutidos no preço de produtos e serviços: Imposto sobre Circulação de
Mercadorias-ICMS e também os impostos sobre o lucro-cofins e imposto sobre os
automóveis-IPVA.
No entanto, a saúde da população não depende só do SUS, mas também de
investimentos de recursos, de políticas econômicas e sociais. A garantia de
emprego, salário, casa, comida, educação, lazer e transporte interferem nas
condições de saúde e de vida. Saúde não é só atendimento médico, mas também
prevenção, educação, recuperação e reabilitação.
A origem das dificuldades do SUS revela que o orçamento público destinado
ao mesmo é insuficiente. A política econômica do Governo fica pior ainda, porque
estados e municípios descumprem a Constituição e não destinam adequadamente
os recursos previstos para a saúde. Parte do dinheiro que já é pouco está sendo
desviada, para pagamento de salários de aposentados, pagamento de dívidas, obra
de outros setores e, até mesmo, para pagamento de planos privados de saúde de
funcionários públicos.
A implantação do SUS esbarra na falta de vontade política de muitos
governantes e na falta de organização da sociedade, especialmente aqueles mais
pobres e marginalizados, que têm dificuldades de mobilização para pressionar as
autoridades. Para mudar esse quadro é preciso que os Conselhos Nacionais,
Estaduais, Municipais e Locais façam valer suas atribuições, que consistem na
proposição e deliberação de estratégias para uma política sanitária de qualidade,
bem como fiscalizar e controlar a aplicação dos recursos destinados à saúde.
As dificuldades do SUS já são bem conhecidas e discutidas, mas não
podemos invalidar seus avanços; estes problemas não podem ser generalizados.
17

Muitos municípios, que assumiram a saúde de seus cidadãos, que respeitam a lei e
investem recursos próprios, estão conseguindo prestar atendimento com qualidade e
dignidade a toda população.
Todos nós podemos dar alguma contribuição. Precisamos participar
diretamente nessa luta, não apenas através de nossos representantes nos
Conselhos, mas por intermédios de fóruns sociais, de reivindicações e pressões
junto às autoridades, no sentido de que o conteúdo legal dos SUS seja
implementado na prática. Somente com o envolvimento de todos é possível
transformar a saúde ideal numa prática real.
A Atenção Primária à Saúde tem papel fundamental na efetivação do SUS,
pois ela representa o primeiro contato da população com a rede de assistência
dentro do sistema de saúde. Tem a função de atender a população de um território,
numa perspectiva integral e de continuidade da atenção, coordenação da Rede de
Atenção à Saúde, no SUS, com foco na família, servindo-se da competência dos
profissionais de saúde e contando com a ampla participação comunitária.
A Estratégia de Saúde da Família (ESF) vem se consolidando como uma
verdadeira estratégia de reorientação do modelo de atenção à Saúde em nosso
país, expandindo e qualificando suas ações, de acordo com o trabalho e levando-se
em conta a questão de custo-benefício, com o objetivo de aumentar a resolubilidade
e competência de suas ações (BRASIL, 2014; BRASIL, 2016).
Os Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) foram criados a partir da
Portaria GM- 154 de 24 de janeiro de 2008 e sua implementação se deu, no ano
seguinte, em 2009. Sua politica está voltada para nove áreas estratégicas: Saúde
Mental, Saúde da Criança/do Adolescente, Reabilitação/ Saúde Integral da Pessoa
Idosa, Alimentação e Nutrição, Saúde da Mulher e do Jovem, Assistência
Farmacêutica, Atividades Físicas e Práticas Corporais, Praticas Integrativas e
Complementares e Serviço Social. Por sua vez, não constituem porta de entrada nos
sistema de saúde, mas sim de apoio às equipes de Saúde da Família e devem atuar
de acordo com algumas diretrizes: Interdisciplinaridade e Intersetorialidade,
Educação Permanente em Saúde, Desenvolvimento da Noção de Território,
Integralidade, Participação Social, Educação Popular, Promoção da Saúde e
Humanização em Saúde.
No âmbito da saúde mental, as doenças mentais e comportamentais têm
grande impacto sobre os indivíduos, as famílias e a sociedade (OMS, 2016). A OMS
18

estima que a prevalência instantânea global de doenças mentais na população


adulta seja de 10% e que mais de 25% da população mundial será afetada por uma
patologia em algum momento da sua vida (prevalência ao longo da vida) (OMS,
2016).Estima-se que uma em cada quatro famílias terá pelo menos um membro com
distúrbio mental ou comportamental, com maior ou menor severidade (OMS, 2016).
Segundo a Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, a Saúde Mental é
uma das nove áreas estratégicas que devem ser contempladas pelas ações do
NASF e faz parte da agenda programática anual. O modo de atuação do psicólogo
na Atenção Primária é apontado como ineficaz, do ponto de vista de um trabalho
contínuo, considerando o elevado número de equipes de Saúde da Família a serem
atendidas pelo psicólogo da equipe NASF, o que finda por torná-lo um profissional
de referência (ZURBA, 2011). Nessa condição, o psicólogo se distancia cada vez
mais da possibilidade de inserção efetiva nas equipes mínimas de saúde (ZURBA,
2011).
Após a caracterização do problema vivenciado no ambiente de trabalho do
NASF, resultando na fragmentação do processo de trabalho do psicólogo,
questiona-se: como ocorre o processo de trabalho do psicólogo no NASF e quais os
principais desafios a serem superados para a efetivação do SUS?
No município de Itapipoca, médicos e enfermeiros das equipes de Saúde da
Família têm solicitado, aos profissionais do NASF, apoio na área de saúde mental
tais como: prevenção às drogas lícitas e ilícitas, reorientação no uso dos
benzodiazepínicos, numa perspectiva de redução de danos e abordagem dos
transtornos mentais prevalentes, tais como, a ansiedade e depressão. Têm
solicitado ainda o acompanhamento psicoterápico de indivíduos acometidos de
algum sofrimento psíquico ou alteração comportamental. Vieira e Oliveira (2012)
defendem a necessidade de serem publicadas experiências de trabalhos da atuação
do psicólogo no NASF, por considerarem o compartilhamento de tais experiências,
enquanto estímulo à reflexão de profissionais já atuantes, como também aos que
pretendem atuar nesse campo (WHO, 2012; CORREIO BRASILIENSE, 2011).
A decisão de compartilhar uma experiência exitosa desenvolvida na Atenção
Básica, especificamente, no Núcleo de Apoio de Saúde da Família, no Município de
Itapipoca, surgiu a partir do amadurecimento teórico, estimulado, através das aulas
ministradas por nossos competentes Docentes, do Curso de Especialização
19

oferecido pela Universidade Estadual do Ceará, em parceria com a FIOCRUZ do Rio


de Janeiro e Secretaria de Saúde do Estado do Ceará.
Nosso objetivo consiste em fomentar novas tecnologias de trabalho a partir
das que já foram criadas e implementadas, pelo Setor de Psicologia, no seio da
atenção primária de saúde, com o propósito de incentivar outros profissionais para
que, também, possam se aventurar nesta fascinante viagem que é a mente humana,
aprimorando cada vez mais o fazer psicológico.
20

2 OBJETIVOS

2.1 GERAL

Descrever o processo de trabalho do psicólogo no SUS, de acordo com a


perspectiva fenomenológica.

2.2 ESPECÍFICOS

a) Apresentar as estratégias e instrumentais utilizados pelo psicólogo no CAPS;


b) Apontar as dificuldades e facilidades no âmbito da atuação do psicólogo no
NASF.
21

3 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo realizado a partir do relato de experiência da


aprendizagem vivencial da autora em seu campo de atuação. Este tipo de pesquisa
visa à descrição das características de determinada população ou fenômeno, bem
como tem a pretensão de estabelecer relações entre diversas variáveis. Variados
estudos utilizam esse tipo de pesquisa, pois uma de suas características está na
utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário e a
observação sistemática (GIL, 2008).
A pesquisa foi realizada no município de Itapipoca, entre os meses de maio a
outubro de 2017, tendo como cenário o próprio ambiente de trabalho da
pesquisadora. As informações foram coletadas através da observação participante e
da análise de dados secundários públicos, sendo organizados por categorias, de
acordo com os objetivos específicos.
A análise dos dados foi realizada utilizando os pressupostos da fenomenologia,
considerando a relação dos sujeitos pesquisados com o ambiente no qual estão
inseridos, incluindo, ainda, neste mesmo ambiente, a relação com outros
profissionais, com os usuários, os familiares destes e a relação da pesquisadora
consigo mesma. Visando sistematizar as informações e realizar a interpretação das
falas, optou-se pelo Método de Interpretação de Sentidos (MIS), que trata de uma
perspectiva das correntes compreensivas das ciências sociais, considerando os
pressupostos da cultura sistematizada por Clifford Geertz e o diálogo entre a
Hermenêutica e a Dialética (GEERTZ, 1989; MINAYO, 2011).

Segundo Geertz (1989), é a cultura que tem papel decisivo nas relações
sociais e compreende um sistema de símbolos que interage com os sistemas de
símbolos de cada indivíduo, numa interação recíproca. Nessa perspectiva, símbolo
abrange qualquer ato, objeto, acontecimento ou relação que representa um
significado. Compreender o homem a partir da cultura, permite a interpretação dessa
teia de significados (MINAYO, 2011).

A pesquisa respeitou os princípios éticos da autonomia, não maleficência,


beneficência, justiça e equidade, dentre outros previstos na Resolução Nº466/2012,
que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo
seres humanos, onde visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos
22

participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado. Inicialmente foi


apresentado à Instituição os objetivos da pesquisa, sua relevância e contribuição à
implantação de políticas públicas no âmbito da saúde mental, para em seguida
iniciar a coleta dos dados secundários e organizar o relato de experiência.
23

4 REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência de


transtornos mentais no mundo tem aumentado consideravelmente, fazendo-se
necessário implementar políticas públicas que contemplem esta realidade. Os
transtornos mentais afetam 700 milhões de pessoas em todo o mundo e
corresponde a 13% do total de todas as doenças. Por sua vez, a maior incidência de
todos os transtornos é a depressão, correspondendo cerca de 350 milhões de
pessoas, ou seja, cerca de 5% da população mundial.
Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e do Conselho
Federal de Medicina (CFM), no ano de 2012, foram oficiados 11.821 suicídios, ou
seja, uma média de 32 mortes por dia, sendo que 96,8% dos casos têm relação com
o histórico de doença mental. Neste mesmo ano, o suicídio foi a segunda maior
causa entre a população de 15 a 29 anos de idade.
Esta realidade está tão alarmante que o Ministério da Saúde, no ano de 2006,
publicou uma Portaria que orientou o Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio
elaborado pelo governo e a sociedade civil, onde tem como pontos estratégicos: a
promoção da qualidade de vida, informação e sensibilização da sociedade para o
problema, a organização de uma rede de atenção e intervenção e educação
permanente dos profissionais de saúde da atenção básica.
Segundo uma entrevista cedida pelo Psiquiatra Dr. Fábio Gomes de Matos à
Rádio Universitária, no ano de 2014, morrem por ano, no Brasil, 12.000 pessoas e
1000 por mês, devido ao suicídio e a faixa etária deste índice, situa-se entre 15 e 34
anos, onde o Estado do Ceará está em 4º lugar, neste triste ranking. Por isto sugere
que devemos criar uma Política de Prevenção ao Suicídio e um Protocolo Nacional,
para fazer o registro de pessoas que atentam contra a própria vida. Sugere, ainda,
espaços públicos, tais como: associações de bairro, igrejas, instituições
filantrópicas... Para debaterem abertamente esta temática. O Psiquiatra supracitado
sugere, por exemplo, dificultar o acesso aos chumbinhos e/ou armas de fogo e
instalar grades de proteção em shoppings centers e pontes, como umas das várias
medidas preventivas, para modificar esta triste estatística.
A Reforma Psiquiátrica teve início, na década de 40 e 50, nos países da
Europa e Estados Unidos. No Brasil, esta reforma teve início, no final dos anos 70 e
início dos anos 80, onde o marco maior foi a transformação do Hospital Luiz
24

Cerqueira em um 1º NASP, na cidade de Santos (São Paulo), no ano de 1987.


Entretanto, esta luta veio a ser consolidada, no ano de 1987, na cidade de Bauru
(Rio de Janeiro), que teve como tema emblemático o lema: “Por uma sociedade sem
manicômios”. Por sua vez, a cidade de Iguatu, no Centro-sul do Ceará, foi a primeira
cidade do Nordeste a criar um CAPS, no ano de 1991.
O Dia 18 de maio foi consagrado como o Dia Nacional da Luta
Antimanicomial, porque nesta data foi fundado o maior hospital Psiquiátrico da
América Latina, o Hospital Psiquiátrico Juqueri Franco da Rocha, inaugurado em
1898, localizado no Estado de São Paulo. Este hospital foi considerado o maior
símbolo do processo de isolamento social, porque era o maior da América Latina e
os pacientes, por sua vez, viviam em situações inimagináveis de degradação
humana e sem um mínimo de dignidade. É importante frisar que foi escolhida a
palavra manicômio, para aludir ao Manicômio Judiciário, símbolo maior de reclusão
social.
Até a pouco tempo, o modelo adotado era o hospitalocêntrico, onde as
pessoas eram compulsoriamente internadas em um hospital psiquiátrico, ficando
sem contato social e isoladas da comunidade. Também se respaldava no modelo
biomédico, onde a figura do médico era preponderante e o tratamento ficava restrito
a medicamentos e a métodos nada humanizados tais como: camisas de força,
imersão em água fria ou quente, choques elétricos, lobotomias... O foco da atenção
era a doença e estes métodos e concepção levava à cronificação dos pacientes
piorando, ainda mais, o quadro psicopatológico. Com a Reforma Psiquiátrica, este
modelo foi sendo criticado e passou-se a adotar novas concepções e práticas.
Progressivamente foi sendo feita a desinstitucionalização, através de vários
Equipamentos Substitutivos e passou-se a adotar um tratamento humanizado,
baseado na inclusão social, no seio da família e da comunidade; o acompanhamento
do paciente não se centraria mais, na figura do médico, mas por uma Equipe
Interdisciplinar, onde o importante era o resgaste da cidadania destes pacientes;
estes não seriam mais assujeitados, mas teriam voz e vez dentro da sociedade.
Segundo os dados da Coordenação Geral de Saúde Mental do Ministério da
Saúde e Data SUS (Dados de novembro de 2008), contamos atualmente com uma
população em torno de 189 milhões de habitantes, em todo o país e uma
prevalência de 12% de transtornos mentais em toda a população.
25

Atualmente contamos com novos Equipamentos e Dispositivos de Saúde


Mental tais como: aumento do nº de leitos em hospitais gerais; centros de
convivência; residências terapêuticas; aumento do número de beneficiários, através
do programa de Volta para Casa; programa de Redução de Danos voltados para
dependentes químicos de álcool e outras drogas; hospitais dia, etc.
De acordo com os dados do Data SUS (Julho de 2007), em 2002, a cobertura
de CAPS, em todo território nacional, estava em torno de 21%, já no final de 2008,
subiu para 53%. Atualmente contamos com 2885 CAPS em todo o país e 155
unidades no Ceará. Em relação aos hospitais psiquiátricos, em todo o país,
tínhamos 214 hospitais e 36.797 leitos e o número total de hospitais gerais com
leitos psiquiátricos era em torno de 415, totalizando 2.568 leitos disponíveis.
Um dado curioso se refere à diminuição de leitos em hospitais psiquiátricos.
No ano de 2002, por exemplo, tínhamos 51. 393 leitos; já no ano de 2008, diminuiu
para 36.797 leitos e atualmente temos 35.392 leitos em solo brasileiro. É importante
frisar que a redução de leitos em hospitais psiquiátricos tem de ser acompanhada
pela expansão da saúde mental. Já o número de leitos psiquiátricos, em hospitais
gerais, no ano de 2017, em todo o país, está em torno de 2.409 e, no Estado do
Ceará, está em torno de 43, o que ainda é considerado inexpressivo, diante da
dimensão territorial. Com relação aos leitos em Hospitais-Dia, na área de saúde
mental, em todo o Brasil, temos 2885 e, no Ceará, 225. Avançamos, mas
necessitamos ampliar a rede de assistência.
Segundo dados do Data SUS (2007), existem 51 Centros de Convivência, em
todo o país, o que ainda é considerado inexpressivo, diante da imensidade do
território nacional. Nestes centros, contamos com músicas, artes plásticas, cinema,
teatro, recreação, cerâmica, bordado, modelagem, culinária, esporte, expressão
corporal, letras... Com relação às residências Terapêuticas, segundo dados de
outubro de 2008, tínhamos 502 residências e 636 em condição de implantação,
totalizando 2.594 pessoas abrigadas. Faz mister esclarecer que estas residências
são disponibilizadas para as pessoas que passaram vários anos de suas existências
segregadas em hospitais psiquiátricos e que, por isto, cronificaram-se e perderam os
vínculos familiares. O Programa de Volta para Casa (dados novembro de 2008), por
sua vez, beneficiou 3.104 pessoas e o valor do auxílio-reabilitação ficou em torno de
R$ 320,00. O objetivo profícuo deste programa era reinserir os pacientes, no seio de
seus respectivos familiares e na comunidade, resgatando-lhes a cidadania.
26

Há de se frisar que, atualmente, temos dois grandes desafios, ou seja,


expandir o nº de leitos, mas com uma atenção integral e sensível à saúde mental,
nos hospitais gerais, garantindo acessibilidade e resolutividade e intensificar as
Ações de Saúde Mental, na Atenção Básica, através dos matriciamentos, junto às
Equipes de ESF.
Em 2009, foram implantados os NASFs, como política de complementação da
ESF, onde a Saúde Mental foi incluída como área estratégica.
Segundo Lúcia Santos, no período pós-guerra, os países de primeiro mundo,
passa do estágio do capitalismo concorrencial, para o do capitalismo imperialista,
onde a expansão econômica é acompanhada de um visível crescimento, também,
na esfera social; os direitos civis e sociais são alargados e as ideias de “justiça
social”, “solidariedade” e “universalismo” se fazem notar. É a época do Welfare State
baseados nas formulações keynesianas, onde predomina a ideia de “reconstrução
nacional” com a “democracia liberal”. Já nos países de economia periférica, como o
Brasil, impera a ideia de “consolidação do Estado de colaboração nacional”, onde
tenta conciliar a modernização do país com a instituição dos serviços sociais; é uma
“cidadania regulada e seletiva”, ou seja, controlada (ROSA: 2003, p. 54).
Rosa, mencionando Vasconcelos (1992),enumera várias transformações
históricas que propiciaram a mudança da concepção da loucura na sociedade:
Escassez de mão de obra e reaproveitamento para o trabalho produtivo;
predominância do sentimento de solidariedade, para a reconstrução da Nação e
amparo dos soldados traumatizados pós-guerra; democratização dos países seja de
cunho revolucionário ou reformista, onde se dá importância aos direitos civis, sociais
e políticos; implementação do Estado de Bem-estar Social, em suas diversas
modalidades, onde se concilia direitos civis e sociais com políticas públicas; políticas
novas de desospitalização, através de novas formas de financiamento;
transformação demográfica, onde se verifica o envelhecimento da população e
novas formas de organização familiar, dificultando ou mesmo impossibilitando este
cuidado ao dependente, São adotadas novas concepções e práticas, para lidar com
a loucura que contestam o modelo tradicional; adoção de teorias psicológicas e
serviços de base comunitária; modernização na psiquiatria, para integrá-la à
medicina e ampliar seu campo de trabalho a uma clientela de maior poder aquisitivo;
surgimento da psicofarmacologia que possibilitou novas formas de controle.
27

Num período pós-guerra, segundo esta autora, observa-se uma mudança no campo
da psiquiatria: de uma profissão liberal, torna-se submissa às corporações médico-
empresariais; da atenção focada na doença, transfere-se, agora, para a saúde; do
modelo fechado, autoritário, para um discurso mais humanizado e democrático.
Rosa, citando Birman & Costa (1994), afirma que os supracitados autores
distinguem dois períodos distintos na reforma psiquiátrica. No primeiro período,
apesar de reconhecer que o hospital é um ambiente neurotizante, adoecedor,
acredita-se que se fazendo a reforma por dentro, ou seja, humanizando-o e o
redemocratizando, este poderá cumprir seu objetivo inicial da época de sua criação,
ou seja, tratar e curar a doença. São depositárias desta concepção, a comunidade
terapêutica inglesa e a psicoterapia institucional francesa. O segundo período é
marcado pela transferência do tratamento que era direcionado aos pacientes, dentro
do hospital, para uma abordagem extramuros direcionada à comunidade ou
coletividades que, apesar de ter uma visão preventiva, ainda se centra numa
concepção de “medicalização social”. Representa este período, as psiquiatrias de
setor francesas e a comunitária/preventiva norte-americana. Na década de 60
surgem a antipsiquiatria inglesa, onde seus maiores expoentes eram David Cooper e
Ronald Laing e a psiquiatria basagliana.
As duas abordagens criticam radicalmente, tanto as instituições, como seus
dispositivos asilares e, inclusive, defendiam a derrubada dos muros asilares, ou seja,
o seu fechamento; o que as diferenciavam é que a primeira culpabilizava a família
pelo adoecimento do PTM (Portador de Transtorno Mental) e a segunda
responsabilizava a sociedade; enfim, o hospital psiquiátrico reproduzia as
instituições referidas acima.
Segundo Rosa, o “capitalismo keynesiano” muda o objeto, as práticas e as
concepções da psiquiatria tradicional, de acordo com os diferentes contextos
histórico-sociais; enfim, adota-se novos procedimentos terapêuticos e as relações
dos familiares com seus PTM ganham também ganham novos contornos.
Entretanto, a mesma autora, faz-nos um alerta quanto ao grande risco de as famílias
ficarem desassistidas, pelo poder público, com relação aos cuidados que o Estado
deve prestar ao doente, pois com a adoção do Estado Mínimo - enxugamento de
gastos com as políticas públicas, a partir da Reestruturação Produtiva, os governos
se sentem desobrigados de investirem nas políticas sociais. Esta responsabilidade
poderá recair nos familiares dos PTM, fragilizando-os ainda mais, nesta situação tão
28

complexa, pois ao mesmo tempo que as famílias se veem obrigadas a adentrarem e


competirem, no mercado, por um posto de trabalho, com o objetivo de sustentarem
economicamente seus dependentes, ainda têm de se responsabilizar pelo cuidado
de seus parentes em sofrimento psíquico. Estas famílias poderão ficar numa
situação de extrema vulnerabilidade, pois os governos, em vez de enxugarem seus
gastos, com os serviços públicos, deveriam ampliá-los e melhorarem a qualidade do
atendimento. Enfim, para Rosa, este cuidado, com o PTM atribuído à família deveria
ser compartilhado com o poder público.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ITAPIPOCA

O município de Itapipoca se encontra a uma distância de 136 km da capital


cearense e há cerca de 53 km do litoral. Suas origens remontam à nação Tapuia, da
tribo Anacés e vem do dialeto Tupinambá que significa cascalho, pedra de pele
estalada, pedra lascada ou pedra de pele arrebentada, porque os nativos utilizavam
esta “lasca de pedra”, como faca, para esfolar animais mortos nas caçadas.
Tem o codinome de Terra dos Três Climas, porque sua área territorial é
composta do sertão, da serra e do mar. O sertão cobre 2∕3 do território e sua
vegetação é formada por arbusto e caatinga. Seu clima, nesta faixa de terra, é
tropical semiárido, quente e seco, porém salubre. As temperaturas médias elevadas
são de 27ºC e amplitude térmica de 5ºC. As chuvas são irregulares e dificilmente
ultrapassam os 900mm∕ano o que leva a longos períodos de estiagem. Tem um
patrimônio arqueológico e paleontológico de fósseis de animais da megafauna, tais
como: a preguiça gigante, mastodonte e tigre dente de sabre que viveu há mais de
10 mil anos. As serras compõem 1∕3 do território e são montanhosas. É coberto de
bananeiras, canaviais e um pouco do que restou da mata atlântica. Seu clima é
tropical úmido. Possui riachos, bicas, cachoeiras e penhascos que podem ser
exploradas, futuramente, para a prática de esportes radicais, como o rapel e voos
livres. Existem dois distritos na serra: Arapari, por onde iniciou o 1º povoado de
Itapipoca, bem como o distrito de Assunção. Nesta mesma faixa de terra, tem a
Pedra Ferrada, onde podem ser vistos inscrições de homens pré-históricos. Já
próximo ao litoral, o solo é formado por tabuleiros costeiros e o clima é tropical
semiárido brando, com pluviometria média anual de 1130 mm com chuvas
concentradas de janeiro a maio. O litoral é composto de uma pequena faixa, onde é
29

coberta por coqueirais nativos e mangues que margeiam o Rio Mundaú. Seu solo é
composto de dunas, falésias, cascudos, salinas e restingas. O clima é tropical
úmido.
A última divisão territorial de Itapipoca data de 2005 e é dividida em 12
distritos: Itapipoca, Arapari, Assunção, Baleia, Barrento, Bela Vista, Calugi, Cruxati,
Deserto, Ipu Mazagão, Lagoa das Mercês e Marinheiros.
Sua área territorial, segundo dados de 2015, é de 1.614,159 km² e, segundo
os dados do último senso (2010) do IBGE, a densidade estava em torno de
71,90hab∕km². Foi estimado que sua população ficaria em torno de 126.234
habitantes, em 2016. Ainda, segundo este mesmo senso, o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal foi de 0,640.
O esgotamento sanitário adequado (2010) é de 32,9% e a arborização das
vias públicas (2010) é de 85,5%.
O PIB Per Capita (2014) é de R$ 9.620,49 e o percentual das receitas
externas (2015) é 85,4%. O salário médio mensal dos trabalhadores formais (2014)
é de 1,6 salários mínimos e a população ocupada (2014) é de 12.186 pessoas
(9,9%). O percentual da população com rendimento nominal mensal per capita é de
até1∕2salário mínimo (2010), ou seja, 53%. A economia é baseada na agricultura de
família e num pequeno parque industrial e de serviços. Tem um comércio bastante
diversificado o que o torna um centro regional de compras e negócios.
A taxa de escolarização de 6 a 14 anos de idade (2010) é de 97,9%. O IDEB-
Anos Iniciais de Ensino Fundamental (2015) é de 5,6% e o IDEB- Anos Finais de
Ensino Fundamental é de 4,6%. As matrículas, no Ensino Fundamental (2015) ficou
em torno de 20.612 alunos.
Na saúde, o índice de mortalidade infantil (2014) ficou em torno de 10,58 e de
internações por diarreia por mil habitantes girou em torno de um caso somente.
Na Atenção Primária, o município de Itapipoca conta com 45 Unidades de
Saúde (40 Unidades Básicas de Saúde da Família, 1 Indígena, 3 Núcleos de Apoio à
Saúde da Família e 1 Centro de Especialidades Odontológicas). Na Atenção
Secundária, possui 3 Unidades (CAPS II, SAMU e UPA). Só tem 1 Hospital
Filantrópico (Hospital São Camilo). Provavelmente, no 2º semestre, será inaugurado
um Hospital Regional de Câncer, visto que no mês de maio houve um processo
seletivo, para compor o quadro de profissionais que nele irão atuar. Pode-se
acrescentar, ainda, ao território itapipoquense, um Consórcio composto de vários
30

municípios da região que é a Policlínica que, por sua vez, oferece várias
especialidades médicas e demais áreas da saúde.
Os NASF começaram a funcionar, em Itapipoca, no ano de 2009, com três
Núcleos (Fazendinha, Violete e Boa Vista). A Equipe é composta de Profissionais da
área de Fisioterapia, Nutrição, Assistência Social, Psicologia, Fonoaudiologia,
Terapia Ocupacional e Educação Física.
Atualmente, cada NASF acompanha entre 11 a 14 Unidades de Saúde da
Família, onde o Ministério da Saúde preconiza entre 5 a 8 Unidades apenas. Mas já
existe um Projeto, por parte de nossa Coordenação, para implantar mais 5Nasf, visto
que atualmente contamos com 41 UBS.
O NASF-Fazendinha, atualmente, faz cobertura de 14 Unidades a saber:
Taboca, Livramento, Encruzilhada, Lagoa da Cruz, Cacimbas, Mourão (onde fica
nossa sede), Estação, Centro I e Centro II, Salgado dos Pires, Calugi, Bela Vista,
Betânia I e II. Até a pouco tempo atendíamos o Posto da Lagoa das Mercês.
31

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nossa trajetória incursionará, primeiramente, pela breve história da conquista


do Sistema Único de Saúde; depois exploraremos sucintamente a Reforma
Psiquiátrica em nível mundial e local; logo em seguida, explicitaremos a função da
Estratégia de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio da Família, como política de
efetivação de prevenção e promoção da saúde; após, descreveremos a
caracterização político-econômico-social, onde se deu a experiência exitosa, no
caso no município de Itapipoca e a respectiva organização da saúde na Atenção
Básica. Também explanaremos como se deu a evolução da atuação profissional, no
campo da psicologia, em diversas áreas: assistência, saúde secundária e,
finalmente, objeto e clímax do amadurecimento teórico e prático de nosso trabalho,
nossa experiência, na atenção primária (NASF).
Consideramos também importante abordarmos, brevemente, a concepção da
infância ao logo da história, bem como atermos ao modelo de família vigente na
atualidade, a partir da ascensão da burguesia, de acordo com a análise da autora do
livro “O Mito do Amor Materno” de Elisabeth Badinter.
Tivemos o devido cuidado de nos debruçarmos a uma ampla revisão
bibliográfica, com o propósito definido de atingirmos dois objetivos: abalizarmos
nossa prática numa teoria consistente, para não incorrermos num puro tecnicismo
esvaziado de uma necessária e fundamental reflexão, bem como evitarmos uma
visão psicologizante, restringindo o saber somente à área psi.
Para fins deste trabalho, fizemos uso de diversas fontes e referenciais
teóricos de consagrados pesquisadores (Bruno Bettelheim, Françoise Dolto, Donald
Winnicott, Piaget e Vygotsky, dentre outros) do comportamento e desenvolvimento
humano, com o propósito de fundamentar teoricamente nossa atuação prática e
oferecer um melhor serviço aos usuários das Unidades de Saúde que atendemos.
Também consideramos que seria deveras apropriado, levantar alguns
questionamentos junto aos nossos leitores, através de uma maior criticidade, com o
propósito de aprimorarmos nossas ações. Para a consecução deste segundo
objetivo, utilizamos a tese de Lúcia Cristina dos Santos Rosa intitulada “Transtorno
Mental e o cuidado na Família”, com o objetivo de fazer um contraponto com a
psicanálise winnicottiana. Expomos somente alguns pontos de vista da douta autora,
no que se refere à teoria psicanalítica.
32

A supracitada autora afirma que a teoria das pulsões instintuais, reproduz o


modelo burguês de família, quando faz uso do complexo edipiano e também reforça
e restringe o papel da mulher ao seio desta família burguesa, sem levar em conta
seus desejos e anseios. Teceremos nosso ponto de vista, quanto a estes
questionamentos.
Quando nos dispusemos a estudar e pesquisar o tema da Reestruturação
Capitalista, neste mesmo trabalho, tínhamos em mente explicar os micros
fenômenos, a partir de uma macroestrutura, ou seja, levando-se em conta o contexto
sócio-político-econômico, no qual estamos inseridos. A intenção era evitar que não
caíssemos, no lugar comum de explicar tudo pelo viés psicologizante.
Consideramos importante relatar as experiências da inserção da psicologia,
num órgão denominado SOS-Criança/Família, perpassando pelo CAPS, na Atenção
Secundária de Saúde, até culminar na experiência de criar dois grupos: o Infantil e
de Orientação Familiar, no NASF, na Atenção Básica de Saúde, que realmente é o
propósito deste trabalho, com o fim específico de demonstrar de que forma se deu
esta evolução e aprimoramento.
Tínhamos a clareza de trabalharmos preventivamente, quando decidimos
criar dois grupos, para contemplarmos nossa demanda. Desejávamos dar uma
resolutividade em relação às dificuldades apresentadas pelas crianças e respectivos
familiares e queríamos evitar que os problemas não se agravassem e/ou surgissem
outros distúrbios mais graves. Para este propósito, utilizamos várias tecnologias e
tivemos um cuidadoso trabalho de escolhermos autores já consagrados que
contribuíram com seus preciosos constructos teóricos.

5.1 BASES DO APRENDIZADO DA PESQUISADORA

O presente trabalho foi fruto de um longo amadurecimento teórico e


profissional, onde as raízes foram cravadas, na Assistência, por ocasião em que
iniciei minha vida profissional, no ano de 2001, no Município de Itapipoca, num órgão
denominado SOS-Criança/Família. Esta Instituição surgiu como consequência de
uma parceria entre o Governo do Estado do Ceará, através de sua Secretaria do
Trabalho e Ação Social, por meio do Programa de Apoio às Reformas Sociais para o
Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (PROARES), subsidiado pelo BID e a
Prefeitura Municipal de Itapipoca. Enquanto o PROARES se responsabilizava pela
33

infraestrutura e o material para realização do trabalho, a Administração Municipal


arcava com a remuneração do seu quadro de funcionários.
O SOS-Criança/Família era um serviço de pronto atendimento à comunidade,
para garantir os direitos fundamentais do público infanto-juvenil, de acordo com o
que preconizava o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), dando-lhes a
devida proteção, quando os direitos destes estavam em risco de serem violados, ou
mesmo, quando já se caracterizava a violação. A abrangência dos casos
acompanhados era bem ampla, pois ia desde situações de negligência, por parte de
familiares ou instituições, violência física, psicológica e sexual, infligidas por
familiares e/ou terceiros, trabalho infantil, casos de desaparecimento e desnutrição,
até adolescentes envolvidos com drogas e implicados com a lei. Também procurava
orientar as famílias sobre a importância de matricular e acompanhar os filhos, na
escola, garantindo o acesso deste público aos estabelecimentos de ensino do
município.
O SOS-Criança/Família trabalhava em parceria com diversos Órgãos e
Instituições tais como: o Conselho Tutelar, o Ministério Público, a Vara de Justiça da
Infância e Juventude, a Delegacia de Polícia, as demais Secretarias Municipais,
ONGs, Escolas... Sempre com o objetivo de proteger e garantir os direitos do público
infanto-juvenil. O supracitado órgão era composto por uma coordenadora, uma
psicóloga, uma assistente social, sete educadores sociais, um agente administrativo,
dois motoristas, uma cozinheira e duas auxiliares de serviços gerais. Trabalhávamos
em cima das ocorrências que eram flagradas ou mediante denúncias pessoais e/ou
anônimas. Cada profissional desempenhava sua função, mas trabalhávamos de
forma interdisciplinar e, porque não dizer transdisciplinaramente, visto que, muitas
vezes, tínhamos que implementar novas tecnologias. O Setor de Psicologia ficava
responsável em atender as ocorrências encaminhadas pelas Educadoras Sociais e
demais órgãos com quem mantínhamos parcerias. Realizávamos atendimentos
individualizados ou de orientação à família e expedíamos pareceres psicossociais,
sempre que eram solicitados, pelo Ministério Público, pela Vara da Infância e
Juventude e, até mesmo, pela Delegacia, com o objetivo de avaliar melhor a
situação, para garantir o bem-estar psíquico e social de nossa demanda. No entanto,
nosso foco era um trabalho preventivo, evitando que se instalassem novas violações
de direitos.
34

O êxito obtido deu-se por conta do compromisso da Equipe, pela


característica da Coordenadora que, na época, imprimiu sua dinamicidade ao
trabalho e à Intersetorialidade que, também, foi de fundamental importância, para
assegurar os direitos das crianças e adolescentes.

5.2 ESTRATÉGIAS E INSTRUMENTAIS UTILIZADOS PELO PSICÓLOGO NO


CAPS

Passados os quatro anos na Assistência, solicitei junto à Administração


Municipal minha transferência para a área de saúde, com o propósito de adquirir
experiência na atenção secundária mas, especificamente, na área de saúde mental.
Escolhi trabalhar no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), porque necessitava ter
um contato com a clínica e, também, porque desde a vida acadêmica, quando tive
contato pela primeira vez com a leitura de dois grandes representantes do
movimento da antipsiquiatria - David Cooper, e Ronald Laing – estes suscitaram, em
mim, um tal fascínio e interesse crescentes pela temática dos transtornos mentais.
Este impacto fez-me recordar e refletir sobre uma intrigante citação de um grande
epistemólogo e psicólogo reconhecido, no meio acadêmico, em todo território
brasileiro que é o Luís Cláudio M. Figueiredo: “Na verdade, depois de muita
observação de mim mesmo, de colegas e alunos, eu me permito duvidar de que os
psicólogos possam realmente escolher suas teorias, métodos e técnicas.
Creio que é totalmente ilusório imaginar que em algum momento tenhamos a
isenção, o conhecimento e a liberdade para efetuar este tipo de opção. Ao contrário,
o que percebo é que somos escolhidos: somos como que fisgados, atraídos por uma
trama complexa de anzóis e iscas, nas quais algumas nunca serão completamente
identificadas” e ainda: “De qualquer forma, muito antes de nos darmos conta de que
escolhemos já fomos escolhidos, e, embora estas opções possam ser refeitas,
haverá sempre algo que nos antecede e nos chama”. Tais citações conseguiram
captar, exatamente, aquele sentimento e o magnetismo que estes dois Autores
provocaram em mim, no início da vida acadêmica. Tais psiquiatras criticavam, de
forma contundente, o modelo psiquiátrico vigente, onde a loucura era vista como
doença e o tratamento dispensado aos pacientes se baseava num antigo modelo
assistencial de internação e isolamento. Enfim, neste novo locus de trabalho, CAPS,
35

adquiri novas e variadas experiências que enriqueceram sobremaneira minha vida


profissional.
Todos os dias fazíamos a Sala de Espera (Acolhimento), onde
recepcionávamos os Usuários explicando sobre os serviços oferecidos pela Unidade
de Saúde e sobre temáticas de Saúde Mental ou afins, conforme às necessidades
que iam surgindo. Logo após, fazíamos a Triagem, para os devidos atendimentos;
usuários novatos eram triados, para se submeter à uma Avaliação que era realizada
pelos profissionais de nível superior, já os antigos eram encaminhados aos demais
serviços, de acordo com o Projeto Terapêutico de cada um. Realizávamos Visitas
Domiciliares aos pacientes que estavam impossibilitados de se deslocarem até o
Serviço (acamados) ou àqueles que, devido o comprometimento psíquico,
recusavam-se a receber o acompanhamento terapêutico; era o momento de
sensibilização. Muitas vezes eram pacientes que faziam uso do HD injetável
(Aldoldecanoato).
Também desenvolvíamos diversos Grupos Terapêuticos tais como: Grupo de
Queixas Difusas, Benzodiazepínicos, de Fobia/Pânico, de Família, Psicodrama,
Infantil e de Orientação Familiar e de Adolescentes...).Já as Oficinas Terapêuticas
ficavam sob a responsabilidade das Terapeutas Ocupacionais e também da
Monitora que dava todo o suporte. A Visita Institucional visava o contato com as
demais instituições, para obter informações, trocar experiências, conhecer os
serviços oferecidos, no município, pelos demais órgãos, divulgar o trabalho
desenvolvido pelo CAPS e finalmente, estabelecer parcerias, para melhor suprir as
necessidades de nossos usuários.
A Reunião de Equipe era semanal, cujo objetivo era refletir sobre o
andamento do serviço e o estudo de um caso clínico mais complexo e urgente.
Também tínhamos a Supervisão, onde os Encontros eram mensais, com a finalidade
de se dar o suporte técnico à toda a equipe do CAPS, desde o Coordenador,
Técnicos, Agentes Administrativos, pessoal de Serviços Gerais, Cozinheira,
Motorista e Segurança do Serviço.
Ao profissional de psicologia do CAPS, caberia acrescentar seu saber e
experiência sobre conteúdos psíquicos, valorizando a subjetividade de cada
indivíduo, sem perder a dimensão integral do ser humano, ou seja, na sua dimensão
biopsíquicossocial. Para este propósito, deveria trabalhar de forma
interdisciplinarmente, em consonância com os demais técnicos da Equipe.
36

Dispúnhamos, também, de Atividades Recreativas e Comemorativas frequentes,


sempre com o objetivo firme de fortalecer os laços sociais.
No CAPS, o Psicólogo se utilizava de vários recursos tais como: Entrevista
Psicológica/Anamnese/Avaliação, onde tinha contato com a história do paciente, ou
seja, com a subjetividade deste, contextualizando a queixa e o sofrimento, na
dinâmica familiar e/ou no meio social, avaliando os condicionantes e potencialidades
do indivíduo, com o propósito de propor um melhor plano terapêutico possível.
Também dispúnhamos de duas modalidades de Psicoterapia: a Individual ou de
Grupo.
A Psicoterapia Individual consistia em um diálogo, onde devia preponderar
uma relação de confiança, visando proporcionar ao indivíduo condições para que
avaliasse os próprios riscos e tomasse decisões, para encontrar maneiras mais
realistas de enfrentar os próprios problemas. Fundamentava-se no
autoconhecimento, ou seja, conhecer a si próprio (emoções, motivações, anseios,
potencialidades, temores, frustrações, sonhos, possibilidades, limites...). Com
relação ao Grupo, trabalhava-se com o Grupo Psicoterápico propriamente dito e os
Grupos Temáticos, onde eram compartilha das experiências e vivências dos
usuários que estavam enfrentando dificuldades semelhantes, seja no âmbito físico,
emocional e social.
A partir do momento que o Psicólogo disponibilizava um espaço acolhedor
para se discutir tais questões, o indivíduo podia se reconhecer no outro e perceber
que não estava sozinho e, desta forma, podia se vincular às demais pessoas
formando laços sociais. Esta vinculação genuína com o outro, possibilitava o
redimensionamento do problema enfrentado e a atenuação do sofrimento psíquico,
diminuindo a ansiedade e os sintomas da depressão. O Aconselhamento/Orientação
eram atendimentos breves e focais, com a finalidade tácita de esclarecer, orientar,
aconselhar (Técnica de Aconselhamento Psicológico) sobre o transtorno mental ou
estado psicológico em que a pessoa se encontrava; estes aconselhamentos podiam
ser individualizados, voltado para um casal, família do paciente ou, mesmo, para um
grupo. A Ludoterapia era outro recurso utilizado pelo Psicólogo, no qual utilizava
variadas técnicas tais como: contos, desenhos, pinturas, jogos, brincadeiras, etc.
com a finalidade de suprir as necessidades das crianças, de acordo com a etapa de
seu desenvolvimento motor, emocional e cognitivo.
37

No ano de 2005, existia uma enorme demanda reprimida, para o Setor de


Psicologia, onde a recém-chegada Psicóloga, por sua vez, abraçou. A demanda
maior correspondia ao público infantil, onde a maioria nem passava pelo Psiquiatra
ficando, portanto, sem o devido diagnóstico. Como não dispúnhamos, na época e
até hoje de um CAPSi, estas crianças vinham para o CAPS II, para que não
ficassem sem atendimento. O público era bem variado, pois ia desde casos
neurológicos, até problemas de aprendizagem. Como a Equipe de profissionais
havia aumentado, consequentemente aumentou o número de beneficiários que
recorreram à nossa Unidade de Saúde. Diante deste quadro que se apresentava,
resolvemos atender as crianças coletivamente, o que foi de bom proveito, visto que,
melhorava a autoestima, a socialização e a cognição destas.
Entretanto, o espaço se tornou inadequado, devido ao tamanho da sala que
não comportava o aumento do número de crianças, bem como os equipamentos e
materiais de trabalho. Então nossa Coordenadora, na época, com sua dinamicidade
e inteligência, sugeriu que fizéssemos nossos encontros, na sala das Oficinas
Terapêuticas. Com o apoio de nossa sensível e competente monitora, que era
Pedagoga e tinha uma Especialização em Educação Especial, criamos e
desenvolvemos nosso trabalho, onde nossos Encontros eram quinzenais e
participavam deles, tantos as crianças, como os respectivos familiares: mãe, pai,
avós, tios... Enquanto a Monitora propunha um trabalho manual, para as crianças, a
Psicóloga ficava orientando a família dos infantes, com relação ao trato com os
mesmos. A proposta era melhorar a autoestima, o comportamento, o
desenvolvimento cognitivo, a socialização destas crianças. A Monitora sempre
propunha trabalhos manuais que abordassem uma determinada temática: Dia do
Conto Infantil, Dia do Livro, Dia do Índio, Dia da Criança, Carnaval, Natal...
Aproveitávamos para trabalhar crenças e valores e também melhorar as relações
intergeracionais.
Nestes encontros que eram quinzenais, havia uma participação massiva das
crianças e de seus respectivos familiares, em nossas Oficinas que podia ser
constatada pela assiduidade e pontualidade dos membros dos grupos. Também
pudemos averiguar, pelos relatos dos próprios familiares, que os sintomas
apresentados pelas crianças estavam diminuindo sensivelmente. Foram Três anos
de Grupo que, infelizmente, foi interrompido, porque a Psicóloga teve de trabalhar
em outro munícipio, no CAPS de Acaraú, em dezembro de 2007.
38

5.3 DIFICULDADES E FACILIDADES NO ÂMBITO DA ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO


NO NASF

Devido à crescente demanda de familiares solicitando o serviço de psicologia,


para atender suas respectivas crianças, fez-se necessário criar grupos que
suprissem as necessidades deste público infantil e também contemplassem a
angústia destas famílias que demonstravam uma enorme dificuldade de lidar com as
reações destes infantes. A demanda era bem diversificada; ia desde crianças com
alteração comportamental, dificuldade de aprendizagem, até problemas de ordem
afetiva. Entrevistando os familiares destes infantes, pudemos observar um enorme
leque de problemas apresentados pelos mesmos: suspeita de autismo, déficit de
atenção e hiperatividade, deficiência intelectual, transtorno desafiador de oposição,
angústia de separação em relação às figuras parentais, diversas fobias, baixa
autoestima, humor deprimido, intensa ansiedade, decorrente de situações
traumáticas... Diante deste complexo quadro, resolvemos criar um Grupo infantil que
contemplasse este público, bem como um Grupo de Orientação Familiar, para
acolher esta angústia, por parte dos adultos.
O Grupo Infantil era composto por crianças de uma faixa etária de 3 a 12
anos, uma vez que não disponibilizávamos de vagas suficientes para esta crescente
demanda, para separar por faixa etária. Os encontros eram quinzenais e
desenvolvíamos diversas metodologias de trabalho, para desenvolver o potencial de
cada uma delas. O objetivo era propiciar o desenvolvimento afetivo, social e
cognitivo destes infantes. Com relação ao aspecto cognitivo, procuramos despertar a
curiosidade das crianças, para facilitar a aquisição do conhecimento, utilizando para
isto diversos recursos pedagógicos: desenhos, quebras- cabeças, jogos de
perguntas e respostas sobre o conhecimento formal e cotidiano...Com relação ao
aspecto afetivo e social utilizamos, também, o desenho, a narração de contos
infantis, folclóricos e fábulas, discussão de diversos assuntos, como os direitos e
deveres das crianças e adolescentes, conforme o Estatuto(ECA), importância de
organizar o tempo, durante a vida diária, dentre outros temas.
Dentro da ótica preconizada pela a ONU, onde a saúde não é só ausência de
doença, mas pleno bem-estar físico mental e social e atendendo a um dos princípios
do SUS, no que diz respeito à integralidade na saúde, procuramos propor um leque
de ações para contemplar estes diversos aspectos do ser humano.
39

Abordamos variados temas como Alimentação Saudável onde, por diversas


vezes, requisitamos a presença de nossa Nutricionista, para compartilhar seus
conhecimentos com as crianças e os familiares destas. Já com relação ao Grupo de
Orientação Familiar procurávamos abordar temáticas que iam surgindo das
dificuldades dos próprios adultos, tais como lidar com a birra da criança, a falta de
interesse destas pelas atividades escolares, teimosia em acatar limites e regras de
convivência social, conflitos intrafamiliares, questões alimentares, apego exagerado
em relação às figuras parentais, enurese noturna, ecoprese, mentiras, furtos,
agressividade, ansiedade ocasionada pela separação dos pais e ou falecimento de
uma das figuras parentais, apatia, revolta, tristeza, desânimo, curiosidade em
relação às questões de sexualidade...
Com a finalidade de melhorar a qualidade das relações interpessoais, entre
os membros das famílias, providenciávamos confraternizações, por ocasião do
Carnaval, Dia das Crianças e Festas Natalinas, nos meses de fevereiro, outubro e
dezembro, respectivamente.
Nossos Grupos tiveram início, no final de 2012, mas o auge dos mesmos se deu no
ano de 2014. Como o absenteísmo foi baixo, leva-nos a crer que estes encontros
eram considerados importantes, pelos familiares das crianças.
Devido à crescente procura destes atendimentos por parte dos familiares,
tivemos que procurar outro local, para garantir nossos encontros, pois o posto de
saúde não dispunha de espaço adequado para desenvolver nossas atividades.
Fomos à procura da Direção de uma ONG que trabalhava com crianças, jovens e
famílias da comunidade do bairro das Cacimbas. A escolha de tal Instituição se deu
devido proximidade de nossa sede. Também procuramos a Secretaria Municipal de
Educação do Município, onde foi marcada uma audiência, com a Secretária. Na
ocasião, foi solicitada a concessão de uma monitora, quinzenalmente, durante cerca
de 2 horas. Porém, a supracitada profissional, não pôde atender nossa solicitação,
alegando que não poderia disponibilizar uma funcionária da área da educação, visto
que incorreria no ato de desvio de função. Saímos desapontados, uma vez que já
estava ficando inviável atender esta demanda crescente, sem um auxílio de outro
profissional.
Enfrentamos outras dificuldades, pois o espaço disponibilizado, pela ONG,
não era propriamente adequado, pois as crianças tinham que fazer suas atividades,
ao chão, uma vez, que todas as salas eram ocupadas pelas crianças e jovens
40

filiados ao Projeto da referida ONG; estes dispunham de um único espaço livre que
era o auditório. O material trabalhado nas oficinas também era limitado, pois a
própria psicoterapeuta tinha de adquiri-los, comprando-os. Outra dificuldade que
surgiu, na ocasião foi devido ao tempo disponível da Psicoterapeuta, onde teve de
adiar a data de alguns encontros, porque foi solicitada, pela Prefeitura Municipal de
Itapipoca, juntamente com outras profissionais da área da saúde do NASF, para
levantar dados sobre problemas enfrentados pelos alunos da educação
fundamental, no que diz respeito às situações que poderiam estar interferindo na
aprendizagem dos mesmos.
Os aspectos que foram investigados foram de ordem nutricional, psicológica e
fonoaudiológica. Estes dados requisitados pelo Ministério da Saúde iriam preencher
o sistema do SUS. Levamos, exatamente, dois meses, para realizamos o
supracitado trabalho, ocasionando a quebra de alguns encontros e,
consequentemente, interferindo sobremaneira no andamento dos grupos.
Mesmo diante de inúmeras dificuldades, estes encontros eram lotados e
tiveram uma duração de quase três anos; final do ano de 2012 até quase o final do
ano de 2015. O objetivo da criação destes grupos era atender o maior número de
pessoas que solicitavam o Setor de Psicologia, contemplando as demandas dos
infantes e também a angústia dos respectivos familiares que demonstravam muita
dificuldade, para lidar com os problemas apresentados por suas crianças. Enfim,
estes encontros visavam desenvolver o potencial cognitivo, trabalhar a autoestima
das crianças, melhorar as relações interpessoais entre seus pares, bem como as
relações intergeracionais, no seio da família.
Enquanto o Grupo Infantil tinha como objetivo facilitar a socialização das
crianças, desenvolver seu potencial cognitivo, trabalhar a afetividade e melhorar a
relação intrafamiliar, por sua vez, o Grupo de Orientação Familiar tinha como
propósito, apoiar, ou utilizando um conceito winnicottiano, “sustentar” esta família
que vinha com uma imensa angústia, para o atendimento clínico. As dificuldades
eram bastante variadas, pois iam desde as questões de aprendizagem da criança,
perpassando por questões de ordem afetiva e comportamental.
A ênfase maior era dada ao Grupo de Orientação Familiar, visto que,
compreendíamos que a inabilidade dos responsáveis pelas crianças ocasionava e
ou acirrava os problemas apresentados por estas. Nossa concepção consistia em
41

não culpabilizar a família pelas dificuldades apresentadas pelas crianças, mas apoiá-
las, para que conseguissem lidar de forma mais competente com seus infantes.
Como pode se depreender do relato exposto acima, houve muitas
dificuldades para implementarmos e darmos continuidade às nossas atividades,
tanto devido falta de aparato por parte da Coordenação de nossa Instituição, bem
como por parte da Secretaria de Saúde. Ficávamos tal qual na condição de órfãos,
ou seja, um pouco desamparados. Acredito que isto se deva por ser a inserção da
psicologia, na atenção básica, uma experiência nova em solo brasileiro, bem como à
dificuldade de se trabalhar interdisciplinarmente. Enquanto no SOS-Criança/Família,
todos os Educadores Sociais, Assistente Social e Psicóloga faziam seus registros,
em um único documento do Usuário, bem como no CAPS, todos os Técnicos e
Profissionais faziam seus registros num único Prontuário do Paciente, facilitando o
contato entre os Profissionais, no NASF, por outro lado, cada Técnico tinha seu
próprio Prontuário, onde se registrava o histórico de cada paciente, o que dificultava
muito a interdiscipliraridade entre os Técnicos.
Outro fator, e que talvez seja de maior relevância, diz respeito à questão do
desvio de nossa função, pois devíamos está mais voltados para situações de cunho
preventivo, através de ações coletivas; função própria da atenção básica. Entretanto,
na maioria das vezes, deparamo-nos com atendimentos clínicos, individualizados,
num típico atendimento que é próprio da atenção secundária. Outro fator que pode
ser apontado para tal dificuldade, diz respeito à enorme quantidade de UBS que os
NASF têm de acompanhar. Atualmente estamos fazendo a cobertura de 14 UBS; o
Ministério da Saúde preconiza, no máximo 8, mas o ideal é o acompanhamento de 5
UBS.
42

6 DEBATE TEÓRICO

6.1 BREVE HISTÓRICO DA CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA

A concepção da Infância ao longo da história tem-se modificado e está


intrinsecamente relacionada com os aspectos econômicos, políticos, socioculturais e
religiosos de cada época.
Na Idade Antiga, para Aristóteles e tantos outros filósofos de sua época, o
comportamento das crianças era equiparado aos estados próximos da loucura, ou
seja, era como se andassem tateando pelo mundo como “seres desnorteados”, sem
consciência e direção, por isso se fazia necessária a intervenção de educadores que
apontassem o caminho da razão, tirando-os de um estado de “confusão”.
No Início da Idade Média, como a criança era considerada um “adulto em
miniatura” sua socialização se dava no convívio com os adultos. As condições de
sobrevivência, nessa época, eram mínimas e os infantes que conseguiam sobreviver
às condições inóspitas, muito cedo, aprendiam um ofício, o que garantia o status de
produtoras, ainda numa tenra idade.
Por volta do séc. XVII, ainda na Idade Média, a criança era concebida como
passível de pecado e, por isso mesmo, precisava ser vigiada. Santo Agostinho,
teólogo da época, chegava a afirmar a criança como um ser maligno que tinha a
tendência natural à corrupção. É por isto que pregava com tanta veemência que se
devia lutar contra essas primeiras experiências negativas da infância.
No final da Idade Média e início da Moderna, caracterizado por uma etapa na
qual se denominou pré-capitalismo, a criança era percebida como um ser guiado
pelas sensações, onde as experiências sensíveis eram os parâmetros que
norteavam sua exploração pelo mundo. Essas experiências eram consideradas
enganadoras e era preciso combatê-las a vida toda para livrar-se delas.
Segundo Descartes, era na infância que o homem se impregnava de falsas
ideias e preconceitos porque tinha uma propensão natural para o erro. Já no final do
Século XVIII, Rousseau lança as primeiras ideias a respeito de família moderna, o
que muda sensivelmente a visão de infância. Para ele, a família tinha que ser
fundamentada no amor. Sua obra “Emile”, datada de 1782, foi um marco de uma
nova concepção de infância e, especialmente, em direção à família.
43

A visão de família que temos hoje se fundamenta nos princípios de intimidade


entre pais e filhos e no amor, mais especificamente, o amor materno, fruto da
disseminação e propagação das ideias de Rousseau.

6.2 A IMPORTÂNCIA DADA ÀS CRIANÇAS PELO ENFOQUE DO ALEITAMENTO

Durante o Século XIII e fins do Século XVI, a Aristocracia confiava a


amamentação das crianças às amas-de-leite. A partir do Século XVII e por todo o
Século XVIII, esta prática se generalizou a todos os seguimentos sociais pelos mais
diversos motivos.
Esta prática, que também se disseminou nas classes com menor poder
aquisitivo, pode ser explicada quando se leva em conta os valores instituídos na
época, bem como os fatores econômicos. Estes últimos são considerados o
empecilho maior, para que as mães amamentassem seus filhos, visto que elas
deveriam ajudar seus maridos em seus respectivos trabalhos. Já as mulheres de
biscateiros teriam que cuidar de seus próprios filhos, uma vez que os esposos não
tinham uma renda regular, o que os impedia de enviar seus filhos às amas-de-leite.
Os filhos da pequena burguesia, também, eram entregues às amas-de-leite,
pois os valores tradicionais ficaram mais arraigados nesta classe. Ao que se sabe,
tais mulheres teriam antes que satisfazer todas as necessidades de seus maridos,
relegando as necessidades dos filhos a segundo plano.
Em relação à alta burguesia e à nobreza, podemos aludir a adoção da prática
do aleitamento, confiada às amas mercenárias, ao fato de as mulheres desta classe
não quererem abdicar da intensa vida social que usufruíam. Elas não encontravam
nenhuma restrição para amamentarem seus filhos, visto que não pesavam em suas
cabeças quaisquer dificuldades econômicas ou qualquer força tradicional que as
submetessem, visto serem mais livres e desobrigadas que as demais.
A adoção maciça desta prática, em diferentes segmentos sociais, propiciou
inúmeras mortes, caracterizando-se como um verdadeiro genocídio, já que a maioria
dessas crianças eram entregues às casas de amas-de-leite de baixíssima qualidade,
pois o fator econômico se tornava um grande empecilho para as famílias de baixo
poder aquisitivo. Muitas delas chegavam mesmo a abandonar seus filhos, devido a
grandes dificuldades econômicas. Mas a mortalidade elevadíssima dessas crianças
não cabia somente às famílias mais pobres, estendendo-se, também, aos filhos de
44

famílias mais abastadas. Tal fato só pode ser atribuído às péssimas condições
oferecidas pelas casas de amas-de-leite, além do que essas amas eram bastante
sobrecarregadas, visto que tinham de amamentar inúmeras crianças.
Essas famílias, pouca ou quase nenhuma importância davam aos cuidados
que deveriam empreender na infância, tanto devido aos costumes da época, como
também pela falta de conhecimento dos cuidados específicos que se deveria ter em
cada etapa do desenvolvimento do indivíduo.
Isto pode ser verificado pela visão geral que se tinha a respeito da infância.
Essa visão generalizada não era só disseminada pelos teólogos, filósofos e
pedagogos, mas incluía, também, a classe médica.
Nos meados do Século XVIII, por exemplo, os médicos concebiam as
crianças como detentora de uma “estrutura equiparada a uma máquina” (concepção
cartesiana), pois, segundo esta visão, aquelas possuíam mecanismos e princípios
que precisavam ser conhecidos, para se moldarem à vontade do adulto. Conhecer
estas leis que governavam a criança era da máxima importância.
.

6.3 A CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA HOJE E SUAS IMPLICAÇÕES

A criança, que era considerada um adulto em miniatura nos séculos IV até


XV, passa a ser observada por um prisma mais amplo e profundo. Isto se deve às
transformações político-socioculturais e econômicas do cenário histórico da época,
bem como do volume de descobertas científicas. A obra “Emile” (1782) de Rousseau
inaugura e retrata esta visão mais humanizante da criança e preconiza quais os
cuidados que a família deveria adotar, nesta etapa específica da vida.
Na Idade Moderna, com a ascensão da burguesia, ocorrem inúmeras
transformações institucionais. Segundo, Elisabeth Badinter, a Instituição Família, por
exemplo, adotou novos padrões de comportamento. Observe que de uma estrutura
extensa (senhores feudais, filhos, parentes e agregados), como na Idade Média,
passa para uma estrutura menor, nuclear, composta pelo pai, mãe e filhos. A família,
dentro desta concepção, passa a ser o núcleo celular da sociedade e todas as
atenções se voltam a ela. A família burguesa passa a dar importância à privacidade,
ao relacionamento íntimo entre seus membros e a pregar o amor como um
componente indispensável à felicidade e prosperidade de seus membros. Aos pais
45

cabe o dever de dar proteção e afeto aos seus filhos, e a estes cabem a obediência
total e irrestrita para que ganhem afeição por parte daqueles.
A criança passa a ser excluída do convívio social dos adultos e deixa de
aprender um ofício, deixa de ser produtora para ser consumidora, perdendo, dessa
forma, o direito de opinar. Tal situação coloca a criança à margem da vida adulta.
Ela será, portanto, tudo aquilo que a sociedade deseja, pois passa a internalizar os
valores e normas ditadas pelos adultos. Tal situação poderá desencadear nos filhos
um sentimento de ambiguidade, ou seja, amor e ódio, simultaneamente.
Evidentemente, este estado de coisas ou poderá formar indivíduos conformados,
submissos e ao mesmo tempo infelizes, ou formará indivíduos revoltados e
desajustados ao meio em que vivem.
Esse novo padrão de comportamento, que teve início no final do século XVIII,
é o modelo burguês de família que se estendeu aos mais variados segmentos
sociais. Além de ser caracterizado pelas intensas relações de seus membros,
também se caracterizava pela aquisição dos mais altos hábitos de higiene. Nesta
época, a classe médica recomendava e utilizava as mães como instrumentos, para
repassarem estas ideias aos seus respectivos filhos. Estas exageradas medidas
disciplinares de higiene podem ser tomadas como uma restrição à liberdade da
criança, que, por sua vez, devia obediência incondicional e irrestrita aos seus pais. A
repressão sexual também se fez sentir nesta época e poderia constituir, como na
maioria das vezes acontece, em um empecilho ao desenvolvimento psíquico do
indivíduo.
Tal importância atribuída à educação infantil, também, acarretou inúmeras
restrições às vidas das mulheres. Estas teriam que, primeiramente, primar pela
educação dos filhos, o que as colocaria presas ao próprio lar. Tal situação
desencadeou, segundo Elisabeth Badinter, o pensamento reinante do“mito do amor
materno”, colocando as mães em uma posição ainda mais delicada, pois as que não
se sentiam realizadas e, consequentemente, que não se dedicavam à sua prole
(família) eram estigmatizadas como desnaturadas e/ou, mesmo, monstruosas e
corporificavam o próprio mal. Essa situação provocava tanto uma insatisfação pelo
lado das mães que se sentiam pouco realizadas, bem como pelo lado dos filhos que
se julgavam pouco amados.
Segundo a autora supracitada, a ascensão da burguesia foi marcada por uma
época de grandes transformações político-econômico-sociais, bem como de grandes
46

descobertas científicas, porém, foram permeados de muitos preconceitos e tabus


contribuindo, dessa forma, para se construir instituições neurotizantes como, por
exemplo, a instituição família, ou seja, um foco propiciador de conflitos e
ressentimentos.
Ter conhecido as necessidades específicas dos indivíduos, em cada etapa do
desenvolvimento, especialmente em relação à infância, foi muito importante para a
humanidade, pois é justamente na tenra idade que se forma a personalidade de
cada um e que são estimuladas, de forma indelével, todas as outras etapas do
desenvolvimento. Mas não devemos desconsiderar que as instituições são formadas
e implementadas dentro de um contexto sócio histórico bem definido. Portanto, faz-
se necessário agregar novos saberes, para propiciar às famílias conhecimentos a
respeito desta etapa tão importante da vida de um ser humano - que é a infância – e
ao mesmo tempo permitir que os todos os membros dos diferentes modelos de
família sejam mais realizados e felizes.

6.4 A CONSTRUÇÃO DA MORAL SEGUNDO O CONSTRUTIVISMO

Segundo o psicólogo e epistemólogo suíço Jean Piaget, a construção da


moral autônoma, ou seja, a moral sem intervenção de um adulto, em oposição à
moral heterônoma, subserviente ao adulto, dá-se na infância, por volta dos sete
anos de idade. Para que as regras de convivência social (valores e princípios da
sociedade) sejam internalizadas, a criança precisa de experiências que permitam
esse aprendizado. O castigo, porém, invalida qualquer aprendizado pedagógico,
pois a relação entre o ato de transgressão a uma norma estabelecida socialmente e
a punição deste ato é totalmente arbitrária. Por outro lado, se for aplicada a sanção
por reciprocidade, ou seja, se for dada à criança a chance de intercambiar seu ponto
de vista com o ponto de vista de um adulto de moral autônoma, fazendo-a refletir
sobre seu ato e, consequentemente, permitindo-lhe reparar sua transgressão,
estaremos contribuindo, de forma decisiva, para formar pessoas com uma moral
mais evoluída (autônoma) (KAMII, 1990) e uma sociedade com valores éticos mais
coesos e, portanto, mais justa.
A punição, por outro lado, desencadeiam, segundo Kamii, 1990, três tipos de
comportamento: o cálculo de riscos, ou seja, a criança calcula o risco de ser pega
em flagrante e apenas evitará, da próxima vez, ser descoberta; conformidade cega
47

(a criança se torna altamente subserviente ao adulto, sem capacidade de tomar


decisões) e revolta (as crianças são obedientes até uma determinada época da vida,
às vezes durante anos, mas chega um momento em que se rebelam podendo até
desenvolver comportamentos antissociais). Estes três tipos de comportamento
caracterizam uma moral heterônoma (KAMII,1990) e aí se estagna, ficando
condicionada a uma moral arcaica.
Kamii (1990) se referindo a Jean Piaget ressalta que recompensas e castigos
reforçam a heteronomia das crianças, pois impedem que elas intercambiem pontos
de vista com os adultos, ficando aprisionada ao seu próprio ponto de vista. É por isto
que defende a sanção por reciprocidade, pois a sanção tem de estar em relação
com o ato de transgressão e com os valores e princípios de um adulto com moral
mais evoluída dando à criança, por sua vez, a oportunidade de sair de seu
egocentrismo e construir as regras de convivência social, a partir das considerações
de outras pessoas.
A criança encontrando, qualquer uma destas saídas (cálculo de riscos,
conformidade cega e revolta), para enfrentar os conflitos, poderá se tornar,
futuramente, um adulto dissimulado (hipócrita): na frente de terceiros faz o que se
espera dela, mas às ocultas, realiza, realmente, o que deseja; ou um adulto
dependente, sem iniciativa e/ou mesmo, enveredar-se pelo caminho dos
comportamentos antissociais.

6.5 DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA ABORDAGEM SÓCIO-INTERACIONISTA

Vygotsky (1984) apud Rego (1995) se debruçou sobre o estudo do


desenvolvimento infantil, porque entendia que o desenvolvimento das funções
superiores psicológicas se dava na infância, desde muito cedo. Este
desenvolvimento das funções superiores só foi possível, devido a evolução da
espécie (aspecto filogenético) que através da linguagem conquistou neoestruturas
especificamente humanas e possibilitou o desenvolvimento individual (aspecto
ontogenético) que foram mediatizadas pela interação da espécie indivíduo no
contexto sócio histórico, no qual estavam inseridos. Assim cada indivíduo refaz a
trajetória da hominização da sua espécie.
O autor supracitado, segundo Rego (1995) faz uma distinção entre os
processos elementares, presentes no início da vida da criança e os processos
48

psicológicos superiores que, apesar de estarem ligados ao suporte biológico,


origina-se a partir do contexto social. ”A história do comportamento humano da
criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas”. (VYGOTSKY, 1984 apud
Rego, 1995, p.59).

6.6 APRENDIZADO X DESENVOLVIMENTO: A ZONA DE DESENVOLVIMENTO


PROXIMAL

Vygotsky (1884), apud Rego (1995) faz uma distinção entre Aprendizado e
Desenvolvimento. Na concepção sócio-histórica é o aprendizado que impulsiona o
desenvolvimento (se não existir o aprendizado, o desenvolvimento não ocorre). O
aprendizado é viabilizado pelo legado das experiências humanas transmitidas ao
longo da história.
Esta concepção também estabelece dois níveis de Desenvolvimento:
Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Potencial. Desenvolvimento Real: são
aquelas funções e capacidades já alcançadas pelas crianças sem a necessidade de
um auxílio de um adulto. Desenvolvimento Potencial: são capacidades em potencial,
em vias de maturação, existentes nas crianças, mas que necessitam da intervenção
de uma pessoa mais experiente, para que possam ser desenvolvidas.
Vygostsky (1984) apud Rego (1995) criou um terceiro conceito que é a Zona
de Desenvolvimento Proximal ou Potencial, para explicar a distância entre aquilo
que a criança é capaz de fazer sozinha (nível de desenvolvimento real) e aquilo que
ela realiza em colaboração com outros elementos de seu grupo social (nível de
desenvolvimento potencial).

6.7 FUNÇÕES DA BRINCADEIRA NO DESEMVOLVIMENTO INFANTIL SEGUNDO


A
CONCEPÇÃO SÓCIO-INTERACIONISTA

A brincadeira é uma realidade tão fundamental na vida humana que, desde os


tempos remotos, o homem tem a necessidade de se debruçar em atividades lúdicas,
usando seu tempo livre para se descontrair e brincar. Este comportamento pode ser
verificado tanto em sociedades tradicionais (comunidades indígenas, por exemplo),
como em sociedades modernas.
49

Podemos perceber até mesmo que o lúdico faz parte da evolução natural dos
espécimes superiores, pois ao observarmos um felino, por exemplo, notamos que
este, quando pequenino, brinca de caçar, através de ensaios, com o objetivo de
estar apto, mais tarde, para a “grande caçada”. É uma forma de treino para a
maturidade.
A brincadeira para o ser humano tem a mesma função, ou seja, preparar para
a maturidade. Entretanto tem características próprias, visto que o homem se utiliza
do instrumental simbólico. Essa característica acompanha a evolução humana ,
tanto em seu aspecto filogenético como ontológico, pois podemos atestar, a partir de
uma atenção mais acurada que, desde muito cedo, a criança tem a necessidade de
brincar e, através de jogos simbólicos, adentra num “mundo de faz de conta”, mundo
de fantasia, onde o real é tomado como modelo, adquirindo pouco a pouco,
mecanismos mais sofisticados, instrumentalizando-se, para manipular a realidade de
forma mais concreta uma vez que, na tenra infância, a sua capacidade física ainda
é limitada (REGO, 1995).
A criança projeta suas dificuldades de resolver determinados problemas ou
desafios, em uma brincadeira. Através dela, é capaz de imaginar uma ficção como
se fosse real. Dada a sua impossibilidade de lidar com um fato real, devido a uma
falta de conhecimento e de instrumentalização, imagina, projeta uma situação fictícia
em uma brincadeira, através da qual é capaz de solucionar um problema. É por isto
que Vygotsky, coloca o brinquedo como um instrumento importante para criar “uma
zona de desenvolvimento proximal, na medida em que impulsiona conceitos e
processos em desenvolvimento” (REGO, 1995, P. 83). Portanto, na brincadeira, a
criança sempre está à frente de seu desenvolvimento real, possibilitando e
impulsionando, desta forma, seu desenvolvimento potencial.
Essas atividades lúdicas são de suma importância, porque irão
instrumentalizar, cada vez mais, o infante a lidar de forma mais competente, com o
mundo que o cerca, além de poderem proporcionar um bom desenvolvimento
cognitivo, afetivo e social.
50

6.8 IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA VIDA HUMANA SEGUNDO O PSICANALISTA


BRUNO BETTELHEIM

O Conto Infantil, por sua vez, tem sua especificidade, porque auxilia a criança
a lidar com os conflitos intrapsíquicos inerentes ao seu próprio desenvolvimento
(BETTELHEIM: 1983), além de cumprir uma função educativa, visto que todos eles,
de forma implícita ou explícita, contêm uma mensagem instrutiva ao abordar uma
determinada temática. Por exemplo,a estória do Chapeuzinho Vermelho, dentro da
concepção psicanalítica, aborda a temática da sexualidade chamando atenção, para
esta fase particular na vida de uma menina, quando surge seus primeiros raios de
mulher, menarca (BETTELHEIM, 1983).
Como função educativa, este conto recomenda a garota não se iludir com as
aparências e se precaver diante de estranhos. Já a estória de João e Maria, dentro
da visão psicanalítica, aborda a questão da ansiedade da criança e de sua
incapacidade de adiar a satisfação de seus desejos, simbolizada pela voracidade
das crianças, diante da escassez do alimento. Portanto, este conto recomenda que
se deva adiar a satisfação dos apetites (impulsos) mais primitivos, sob o risco de
incorrer em perigosas armadilhas. Dentro desta mesma visão, Cinderela e Branca de
Neve abordam a temática da rivalidade fraterna e o complexo de Édipo,
respectivamente (BETTELHEIM, 1983).
Outros contos, de forma mais explícita, têm uma função mais educativa. Por
exemplo, os Três Porquinhos recomendam prudência; o Gato de Botas aborda a
importância da perspicácia para a sobrevivência, bem como temas mais universais
como a fidelidade, a esperança e a perseverança; já o conto “A Cigarra e a
Formiga”, em sua segunda versão, apregoa a compaixão e a solidariedade.

6.9 COMPORTAMENTO ANTISOCIAL SEGUNDO O PSICANALISTA BRITÂNICO


DONALD WINNICOTT

Donald Winnicott foi solicitado para atender diversas crianças, de um


determinado condado da Inglaterra, por ocasião da 2ª Grande Guerra Mundial
(1939). A Equipe Psiquiátrica ficou sob sua responsabilidade e era composta por um
Psiquiatra (ele mesmo) e uma Assistente Social. Estas crianças tiveram que ser
51

evacuadas de Londres e de outras grandes cidades, para o interior, com o objetivo


de serem protegidas de possíveis ataques aéreos.
Estas crianças eram enviadas para residências de outras famílias ou para
alojamentos, situados no interior, ficando sob os cuidados de pessoas contratadas
pelo Ministério da Saúde. Estes infantes chegavam nestes ambientes com idades
variadas e sem tempo determinado para retornarem aos seus lares; muitos voltavam
para casa, depois de 3 a 6 anos distantes de seus respectivos familiares.
Winnicott, com sua elevada sensibilidade e perspicácia, pôde observar que
muitos destes lares e abrigos fracassaram, porque estes infantes já sofriam uma
privação afetiva, precocemente, advinda dos seus lares de origem. Dentre todos os
problemas encontrados, a maioria das crianças apresentava uma tendência
antissocial.
Segundo Winnicott, o ser humano tem uma agressividade nata que, desde
muito cedo, podemos observá-la nos bebês, quando estes arranham, mordem...
Estes necessitam de alguém que supra suas necessidades básicas de existência
tais como: alimentação, higienização, bem como que sejam capazes de se
adaptarem às suas pulsões instintuais.
Para compreender o desenvolvimento emocional, Winnicott criou dois
conceitos tais como Mãe-Objeto que ampara as pulsões instintuais e Mãe-Ambiente
que dá sustentação ao bebê em relação à agressividade. É vital que o bebê,
primeiramente, construa o objeto “Mãe”, mas, para que isto seja possível, tem de
haver constância desta presença. Até então, a criança não consegue diferenciar
ente o interno e o externo, o subjetivo e o objetivo; o outro existe, enquanto extensão
do próprio corpo; não existe um limite corpóreo entre o EU e o OUTRO; tudo faz
parte de um mesmo invólucro.
É por isso que Winnicott defende que é o “bebê que cria a Mãe e não a Mãe
que inventa a Mãe”. É interessante esta elaboração teórica, por parte do Autor,
porque pode explicar a importância da criação, deste objeto “Mãe”, por parte do
bebê, para se desenvolver e evoluir emocionalmente. Para isto, esta Mãe, ou quem
se coloque no lugar da Função Materna, deve ser assídua, ou seja, tem de se
mostrar frequente e sensível às necessidades e anseios de seu bebê. Havendo uma
falha na adaptabilidade desta mãe às reais necessidades de seu bebê, poderá
ocasionar uma falha na construção deste objeto, e, numa perspectiva mais grave,
existindo esta impossibilidade, por parte da criança, de construir o objeto total,
52

poderá formar uma estrutura psicótica. Menos grave, mas um resultado também
ruim e não preferível, é numa situação em que o bebê já foi capaz de construir este
objeto, graças à capacidade de adaptabilidade desta Mãe.
No entanto, este foi desapossado, ou seja, tinha este objeto, mas o perdeu;
foi privado, em certa intensidade, da presença deste, o que poderá ocasionar a
construção de uma personalidade com tendência antissocial que podemos observar,
desde uma simples enurese noturna, até comportamentos mais ousados tais como
furtos, mentiras e manifestações altamente destrutivas em crianças e adolescentes.
Segundo o Autor, a Mãe-Objeto é o “alvo para as pulsões excitadas, apoiada
pela rudimentar tensão do instinto” e a Mãe-Ambiente é “quem recebe tudo que
pode ser chamado de afeição e coexistência sensual” (WINNICOTT, 1987). A Mãe-
Objeto tem de ser capaz de sobreviver aos ataques das pulsões instintuais
amorosas e agressivas; já a Mãe- Ambiente “tem de ser empática em relação ao seu
bebê e presente para receber o gesto espontâneo dele e ser agradada”
(WINNICOTT, 1987, P. 108). Portanto, para o Autor, só será possível um
desenvolvimento emocional, por parte do bebê, se houver uma integração da mãe-
objeto com a mãe-ambiente. Enfim, a Mãe-Objeto tem de resistir às pulsões que
vem do id sob a forma de “fantasia de sadismo oral” que ao mesmo tempo quer
comer o objeto e destruí-lo; e é por isto que Winnicott se utiliza de uma frase
impactante de Oscar Wild: “Todo homem mata aquilo que ama” (WILDE apud
Winnicott). Desde muito cedo, podemos atestar que o bebê machuca aquilo que
ama, ou seja, mordendo, arranhando.... É esta agressividade nata, instintual, que
permitirá que a criança ame, brinque, crie e, mais tarde, trabalhe. E mais ainda: é
esta Mãe-Objeto que poderá satisfazer as necessidades prementes do bebê. Por
outro lado, a Mãe-Ambiente é aquela que representa o ambiente total e tem a função
de cuidar, amparar e proteger a criança. É bom que tenhamos clareza que o Autor
faz esta separação dos conceitos, apenas para fins didáticos, com a intenção de
facilitar a compreensão do fenômeno.
O Autor faz uso do conceito de posição depressiva de Melanie Klein, para
explicar como surge e se desenvolve a capacidade desenvolvimento que é de vital
importância, para o desenvolvimento emocional normal do bebê que, por sua vez,
permitir-lhe-á um trabalho construtivo, posteriormente. Fazendo uso da fantasia, o
bebê, imaginariamente, devora e destrói este objeto, porque o ama. Mas esta
destrutividade nata direcionada para o objeto, incitará um sentimento de culpa,
53

decorrente de um sentimento de ambivalência, porque ao mesmo tempo que o bebê


ama, deseja devorar o objeto, também deseja preservá-lo, protegê-lo; daí o
surgimento do sentimento de culpa. Porém este ambiente tem de ser
suficientemente bom, para resistir às pulsões instituais, por parte do bebê.
Tendo esta oportunidade de externar esta agressividade, a criança poderá
criar esta capacidade de envolvimento que lhe possibilitará desenvolver um trabalho
construtivo. O seguinte esquema pode elucidar o fenômeno que desejamos
elucidar. Bebê - Integração (Construção do Objeto) – Destrutividade (Voracidade) –
Ambivalência (Amor-Ódio) - Posição Depressiva (Sentimento de Culpa) –
Capacidade de Envolvimento (Proteção do Objeto)– Trabalho Construtivo.
Na Obra “Privação e Delinquência”, Winnicott defende que a privação afetiva,
em tenra infância (antes dos cinco anos de idade), gera uma tendência antissocial.
Fez esta afirmação a partir da observação do comportamento de crianças
evacuadas, por ocasião da 2ª Grande Guerra. Não é que defendesse um diagnóstico
à parte, visto que observou, também, esta tendência na estrutura de personalidade
normal, neurótica e psicótica.
O Autor supracitado pôde observar este fenômeno, devido o episódio trágico
de separar estas crianças de suas respectivas famílias, durante a fatídica 2ª Grande
Guerra Mundial. Percebeu que este afastamento tanto era mais prejudicial à
criança, quanto menos idade tinha, ou tempo que permanecia longe de seus
parentes. E ainda que esta tendência surgia, porque estes garotos e garotas, em
certo grau, já sofriam uma certa privação afetiva, no seio da família, anteriormente à
evacuação das grandes cidades, para o interior.
Segundo Winnicott, surge, na criança, esta tendência antissocial, em vez de
uma estrutura psicótica, porque a mesma já havia sido capaz de construir um objeto
bom. Como já foi mencionado acima, este processo só foi possível, porque esta mãe
estava sensível eacessível às necessidades do bebê. Entretanto, este desenvolveu
uma tendência antissocial, porque tinha posse deste objeto bom, mas o perdeu; foi
desapossado, o que obstruiu o seu desenvolvimento emocional normal.
Winnicott ressaltava a importância de se compreender este fenômeno com o
propósito de proporcionar à criança um ambiente terapêutico, ou seja, um ambiente
suficientemente bom, o qual fosse reparador, para que a mesma pudesse externar
esta agressividade e, por sua vez, pudesse retomar o desenvolvimento emocional
normal que fora obstruído. Por sua vez, acreditava que esta tendência antissocial
54

deveria ser tratada, antes que estes comportamentos tivessem um ganho


secundário. Poderia ser feito individualmente, através de uma psicoterapia, ou
através de um ambiente terapêutico; este último seria mais viável, por ser mais
econômico e proporcionar melhores resultados. Este ambiente teria que ser
amoroso, forte e tolerante, para que a criança pudesse confiar e externar estas
pulsões instintuais intoleráveis para si mesma. O importante é que esta relação
construa um vínculo que proporcione segurança à criança.
O Autor compreendia ainda que estes comportamentos antissociais eram um
pedido de socorro (SOS) e um indício de esperança, visto que a criança, por não
confiar mais em seu lar, direcionava estes impulsos incontroláveis, para outro
ambiente, atuando nele, com o propósito de testá-lo, de certificar-se se, realmente, o
mesmo era digno de sua confiança.

6.10 A FUNÇÃO DOS FENÔMENOS E OBJETOS TRANSICIONAIS PARA


WINNICOTT

Segundo Winnicott, fenômenos e objetos transicionais são responsáveis, para


a criança desenvolver, posteriormente, a capacidade de criar, brincar, sonhar,
trabalhar...E esta capacidade pode ser visualizada, em atividades futuras tais como:
apreciação artística, sentimento religioso... (Winnicott, 1975, P.19). Auxilia a criança
a criar a realidade externa, a partir da realidade interna, a conciliar as pulsões
instintuais, anseios, desejos com o princípio da realidade.
O Autor defende que, em tenra infância, entre os 6 e 12 meses, o bebê cria
um objeto transicional, a partir da capacidade de adaptabilidade da Mãe que, com
sua frequente presença, permite que o infante crie objetos, a partir do empréstimo
de partes dela(seio, olhos, braços...). Esta consegue, através de sua constante
presença, suprir, no início, as necessidades do bebê, quase que totalmente.
Entretanto, pouco a pouco vai frustrando-o, porque é real e tem suas próprias
necessidades e demandas que também devem ser supridas, parcialmente, pela
realidade.
O bebê, para lidar com sua intensa ansiedade, cria um objeto que substitua
este intervalo de ausência da Mãe; primeiramente, através de fenômenos
transicionais como balbucios, entonações, carícias... E, depois, através da criação
de objetos transicionais primários, tais como: seio, punhos, mão, polegar... E,
55

posteriormente, objetos transicionais secundários como: bonecas, lençóis, ursos,


objetos duros... Estes objetos têm a função de substituir temporariamente esta
ausência e aplacar a intensa ansiedade do bebê. Não se trata de um objeto interno,
introjetado, ou “objeto subjetivo”, criado alucinatoriamente e nem se trata de um
objeto externo, apesar de ser reconhecido pelo ambiente, ou seja, por um
observador. Mas trata-se de um objeto criado pela criança, não de forma
alucinatória, visto que existe na realidade exterior; é um objeto que é criado num
espaço fronteiriço, ou seja, entre o interno e o externo, entre as necessidades da
criança e o que o ambiente oferece.
Mas esta escolha é feita belo bebê; o objeto existe na realidade externa, mas
é a criança que o elege, que o cria, a partir de suas necessidades. Segundo
Winnicott, este objeto não tem a função de ser um consolador, mas, sim, um
tranquilizador da ansiedade implacável da criança. Um tipo de ansiedade, onde o
bebê experimenta uma sensação de uma desintegração. São os fenômenos e
objetos transicionais que vão permitir um desenvolvimento emocional normal; enfim,
vai permitir um trabalho construtivo, a capacidade da pessoa se envolver, criar,
brincar, sonhar...

6.11 A FUNÇÃO DO BRINCAR SEGUNDO DONALD WINNICOTT

Segundo Winnicott, existe uma área intermediária entre o interno e o externo,


entre o subjetivo e a realidade externa, entre o “Eu” e o “Não eu” e esta zona
intermediária tem as mesmas características dos fenômenos e objetos transicionais;
esta área é o brincar e depende para ser formado da relação objetal entre a mãe e a
criança. Numa época muito primitiva, quando ainda não existem limites definidos
entre o corpo do bebê e sua mãe esta, com sua capacidade adaptativa, cede seu
tempo e partes de si mesma (seios, olhos, braços...), para que pouco a pouco, a
criança seja capaz de construir o objeto total - mãe, pois, inicialmente, esta existe,
do ponto de vista do bebê, enquanto extensão de si.
Por esta época, no início da vida, há uma fusão total entre ambos, mas,
paulatinamente, o bebê vai introjetando estes objetos parciais (seios, olhos,
braços)até conseguir integrá-los. Esta integração só é possível, graças à capacidade
de adaptabilidade desta mãe que consegue amparar as pulsões instituais (amorosas
e agressivas), através da constância de sua presença. Esta zona de transição entre
56

o “eu” e a “realidade externa” é, segundo Winnicott, essencial para que a criança


seja capaz de brincar criativamente e, futuramente, poder ligar-se à cultura. Este
brincar tem as mesmas características dos fenômenos e objetos transicionais. É um
local que nem se situa dentro da psique e nem fora, no mundo exterior.
É como se o Winnicott fizesse a seguinte indagação: “onde se situa esta zona
de transição, este brincar, a experiência cultural”? E ele mesmo responde: se situa
num outro espaço e tempo; numa “zona intermediária” e num tempo de relaxamento,
onde o bebê, a partir do seu estágio muito primitivo, no caminho do amadurecimento
emocional, já conseguiu estabelecer a integração, ultrapassando o estágio da fusão
total; agora, este bebê que se encontrava na fase de dependência total, caminhar-
se-á para fase da dependência relativa, pois, paulatinamente, já está conseguindo
diferenciar-se da mãe, porque esta foi sensível às necessidades deste. Está
conseguindo sair da fase de “Sou”(Fusão Total), Fase do Espelho, onde se identifica
com a Mãe, para “Eu Sou”, ficando independente desta Mãe; constituindo-se em
algo diferente desta mãe; sendo capaz de ser ele mesmo.
Para Winnicott, o ser humano só poderá alcançar seu “self verdadeiro”, se for
capaz de atravessar, satisfatoriamente, a fase dos fenômenos e objetos
transicionais, bem como for capaz de atingir esta zona intermediária de relaxamento,
onde poderá brincar criativamente e devolver, mais tarde, para e na cultura, o
trabalho construtivo, onde possa se sentir integrado, real, enfim, ser uma pessoa
autêntica; seja ela mesma. A criatividade será possível, segundo o autor se, e
somente se, a criança ou o adulto tiver a capacidade de brincar, quando for capaz
de utilizar sua personalidade integral (Winnicott, 1975, p. 80).
57

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cônscios da vital importância de nos respaldarmos em conceitos e teorias


elaboradas, por autores e pesquisadores do comportamento humano já consagrados
na grande literatura psicológica, seguimos em nossa empreitada, para oferecermos
um serviço de melhor qualidade, para os nossos Usuários. Por isto foi fundamental
recorrermos às diversas teorias que abordassem os fenômenos psíquicos e
comportamentais, em seus diversos aspectos.
Compreendendo que o conceito de comportamento utilizado, aqui, não está
de conformidade com a visão do senso comum, ou seja, restrito apenas aos
fenômenos observáveis, mas está plenamente de acordo com a concepção de
Elaine Maria Braghiroll, onde este conceito deve alcançar uma maior amplitude e
abranger aqueles fenômenos menos perceptíveis como os sentimentos,
pensamentos, vivências, valores, crenças, atitudes, cognição, inteligência, afetos,
emoções... É que resolvemos fazer uso de diversos referenciais teóricos, mesmo
tendo a compreensão que estes partem de pressupostos teóricos e metodológicos
diferentes, assim como têm diversificados objetos de pesquisa.
Tendo em mente o que é o fascínio e a complexidade da psique humana,
cada um dos autores escolhidos, teve um propósito bem definido, para a realização
do presente trabalho. Tendo esta clareza, utilizamos vários referenciais como a
abordagem construtivista de Jean Piaget e Kamii, a sociointeracionista de Vygotsky
e Teresa Cristina Rego, a psicanálise freudiana, sob a perspectiva de Bruno
Bettelheim, Donald Winnicott e Françoise Dolto que puderam nos auxiliar e nos
proporcionar melhores elucidações, no campo do entendimento do desenvolvimento
da criança, seja em seu aspecto cognitivo, afetivo e/ou social.
Para respaldar a nossa prática, fizemos a escolha da leitura de Jean Piaget,
porque este epistemólogo e psicólogo suíço estudou criteriosamente o
desenvolvimento humano a partir da observação pormenorizada do desenvolvimento
de seus próprios filhos, onde pôde acompanhá-los do nascimento à puberdade.
Explicou e descreveu como se dá a evolução do pensamento na criança e
pesquisou o entrelaçamento dos aspectos cognitivo, afetivo e social do
comportamento humano.
Quando criou, por exemplo, os conceitos como: Moral Autônoma, Moral
Heterônoma e Sanção por Reciprocidade contribuiu para explicar o amadurecimento
58

cognitivo e, consequentemente, afetivo da criança. Tais construtos teóricos nos


fazem compreender o quanto é importante abordar nossas crianças de forma mais
competente, onde não devemos puni-las e /ou recompensá-las, mas, ao contrário,
devemos intercambiar pontos de vista, para que descentrem e saiam de seu
egocentrismo e possam analisar as situações, de acordo com o ponto de vista do
outro. Enfim, devemos fazê-las refletir e, também, disponibilizar boas oportunidades,
para que possam reparar as próprias transgressões. Orientando os familiares sob
esta perspectiva, estes propiciarão um ambiente mais dialógico com os próprios
filhos, para que os mesmos possam desenvolver sua afetividade, de forma, mais
competente e madura.
Foi fundamental a escolha do referencial teórico sociointeracionista de
Vygotsky, porque este autor enalteceu a importância do contexto sócio histórico,
para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, desde muito cedo, em
tenra infância. Defendia que o desenvolvimento das funções superiores só era
possível, graças à evolução da espécie (aspecto filogenético) que, pela linguagem,
mediatizadas pela cultura (contexto sócio histórico), formou neoestruturas
especificamente humanas, possibilitando o desenvolvimento do indivíduo (aspecto
ontogenético). Enfim, a concepção-sócio-histórica de Vygotsky contribuiu, para
compreendermos que é o aprendizado que impulsiona o desenvolvimento humano,
pois se não existir o aprendizado, o desenvolvimento não ocorre. É a aprendizagem
que força o desenvolvimento de neoestruturas psíquicas.
Os conceitos de Desenvolvimento Real, Desenvolvimento Potencial e Zona
de Desenvolvimento Proximal, criados por Vygotsky, por exemplo, abriram uma
perspectiva nova para educadores e orientadores. Trabalhando-se em cima do
conceito de Zona do Desenvolvimento Proximal, tendo uma visão prospectiva em
relação ao desenvolvimento do indivíduo, o papel dos profissionais ganha uma
dimensão mais ampliada, pois propondo atividades psicopedagógicas, pode se
antecipar ao desenvolvimento da criança, para além do desenvolvimento real (ciclos
já completados), favorecendo a estimulação da zona do desenvolvimento proximal
conseguindo, desta forma, que os indivíduos atinjam ciclos incompletos,
competências que existiam em potencial, mas que ainda não haviam sido
maturadas.
A escolha da leitura de Bruno Bettelheim deu-se, porque este psicanalista
descortina algumas das motivações inconscientes que estão subjacentes às ações
59

humanas. Estes contos, segundo o autor, fascinam as crianças, até hoje, apesar de
serem muitos antigos, porque as permitem realizarem uma catarse (segundo a
filosofia grega antiga, catarse significa libertação, expulsão ou purgação do que é
estranho à essência ou à natureza de um ser). Estes contos, além de povoar de
fantasias o mundo dos infantes, aumentando-lhes sua capacidade de imaginação,
também os auxiliam a lidar com os conflitos intrapsíquicos que são inerentes à
existência humana. Abordando temas universais, os contos infantis também auxiliam
as crianças a terem iniciativa e fazerem escolhas, na busca de melhores soluções,
diante dos dilemas vividos.
O Conto Infantil é um modelo, com o qual a criança pode se espelhar, visto
que o protagonista da estória é um herói em busca de sua bem-aventurança e
redenção. Diferentemente da tragédia, os contos infantis têm sempre um final feliz,
pois garantem ao público infantil que, mesmo incorrendo em algumas transgressões
e ou mesmo sofrendo injustiças podem, através da perseverança, dar outro
encaminhamento aos problemas e dilemas, com os quais se deparam
(BETTELHEIM, 1983).
A escolha da psicanálise francesa doltiniana, deu-nos um alicerce, uma maior
segurança, enfim, uma desenvoltura para desenvolvermos nossas atividades em
grupo. Foi à autora que mais recorremos, por ter um conhecimento profundo da
psique humana, uma larga experiência clínica e uma leveza para lidar com os
problemas e dificuldades apresentadas pelas crianças e seus respectivos familiares.
Também nos chamou particular atenção, porque que foi bem-sucedida, no campo
profissional e afetivo; uniu a teoria à prática.
Françoise Dolto era médica pediatra e desenvolveu a psicanálise infantil, na
França, onde era bastante admirada por Jacques Lacan, famoso psicanalista de
adultos. Trabalhava atendendo crianças psicóticas e com outros distúrbios
emocionais, bem como orientava os pais, em Programas de Rádio em Paris, na
década de 70, o que ensejou a criação de sua obra: “Quando os filhos precisam dos
pais”.
Esta psicanalista era muito requisitada por estes pais que eram ávidos por
informações e desejavam tirar suas dúvidas. Estes temiam falharem e queriam
empreender melhores cuidados à sua prole, para proporcionar um ambiente mais
adequado, com o propósito de propiciar um bom desenvolvimento afetivo e, por sua
60

vez, obter êxito na educação dos filhos. Em sua concepção, pais competentes eram
aqueles que proporcionavam uma vida feliz para os filhos.
A escolha de Donald Winnicott deu-se, porque este estudou o
desenvolvimento humano, desde a concepção, passando pela fase intrauterina,
infância, puberdade, fase adulta e velhice, ou seja, toda a evolução humana ao
longo da vida. A escolha deu-se, ainda, porque priorizou o desenvolvimento afetivo
infantil, dando ênfase à relação inicial entre a Mãe e seu bebê ou quem se coloca
sendo papel da função materna. Mas o critério que mais consideramos, dentre todos
apontados acima, diz respeito à sua dedicação em elucidar o fenômeno dos
comportamentos antissociais que pôde verificar, na ocasião que foi conclamado a
atender crianças evacuadas das grandes cidades, por ocasião da 2ª Grande Guerra,
no ano de 1939.
Em nossa prática clínica é bastante comum deparamo-nos, com muitos
problemas comportamentais tais como teimosia, desobediência e utilizando um
termo do Manual de Doenças Mentais XI, o transtorno opositivo-desafiador, onde
tais crianças apresentam uma agressividade elevada, um comportamento
intempestivo, descontrole emocional e um baixo limiar à frustração, justamente pela
incapacidade de avaliar a situação em que se encontra, apresentando raiva e
ressentimento.
Geralmente tais crianças não são toleradas em seu meio familiar e social, o
que intensifica mais ainda os problemas e dificuldades destas. Devido à rejeição
destes infantes em seu meio familiar e seu entorno, é que os parentes, não
conseguindo lidar com tais comportamentos, vêm à consulta psicológica, para lidar
mais competentemente com esta situação. Portanto, existe por parte dos familiares,
o desejo de cuidar destes garotos e garotas que em nossa compreensão é muito
positivo, porque quanto mais cedo fizermos esta reparação, em relação a esta falha
e/ou aos cuidados que os familiares devem auferir a estes infantes, mais êxito
obteremos. Utilizando uma linguagem winnicottiana, é uma “tendência antissocial”
que surge muito precocemente, na relação Mãe-bebê, devido a uma falha neste
suprimento, no qual o infante requisita de sua família e meio social, aquilo que por
bem acredita que seja seu direito; reivindica de seus parentes e, posteriormente, de
seu meio social, tais como escola e comunidade, este suprimento que lhe foi
precocemente negado.
61

Para Winnicott, esta tendência antissocial é muito salutar, pois sinaliza que a
criança ainda tem esperança de restituir o que foi perdido. Em suas próprias
palavras, a criança tinha o objeto mãe e foi despossada; entretanto, não o perdeu
definitivamente e, por isto, provoca seu meio familiar e social, para que lhe restituam
tal objeto, ou o suprimento cultural, do qual necessita. Do ponto de vista do autor,
isto é muito positivo, visto que quanto mais cedo for feita esta reparação em relação
a esta falha no cuidado, melhor. E ainda, estes acontecimentos têm de se dá, antes
que a criança obtenha ganhos secundários. Portanto, o interessante é trabalharmos
preventivamente.
Para Winnicott, existe uma agressividade nata fruto das pulsões instituais
amorosas e agressivas que aparece, muito cedo na vida do bebê; entretanto, este
ainda não é capaz de efetivar uma destruição real, no campo externo (só
imaginariamente), devido sua limitação física. Esta agressividade vai aos poucos
sendo externalizada e é muito importante que assim seja, para que, posteriormente,
o ser humano possa ser capaz de executar um trabalho construtivo. Para isto é
fundamental que familiares e a sociedade, sejam capazes de conter esta
agressividade.
Este Autor, também, ressaltou a importância do “suprimento cultural”, para
que o ser humano possa desenvolver-se emocionalmente. Acredito que, nos
pressupostos teóricos de Winnicott, fica subentendido que a sociedade é capaz de
fornecer este suprimento mínimo aos indivíduos. Entretanto não é exatamente o que
podemos entrever examinando mais acuradamente a organização atual da
sociedade, em todo o planeta; principalmente depois do fenômeno da reestruturação
capitalista, onde grandes contingentes humanos ficam excluídos dos bens sociais.
Também podemos entrever esta situação, a partir do atendimento clínico,
onde podemos atestar que muitas pessoas ficam numa situação de extrema
vulnerabilidade social, porque o mínimo não lhes é fornecido pelo Estado como
alimentação, saúde, educação, moradia e lazer...Fica muito difícil para nós,
psicólogos, lidar com a subjetividade de nossos usuários, quando a maioria não
pode nem garantir a própria sobrevivência. Estas pessoas têm de ficar atentas e
alertas, quase que exclusivamente, para a questão da manutenção do próprio corpo.
Refletindo sobre todas estas questões é que, também, fez-se necessário
recorrermos ao epistemólogo Luís Cláudio M. Figueiredo, para fazermos um recorte,
e tentar compreenderesta complexa realidade. Tal Autor nos chama a atenção e
62

ressalta a importância de nos atermos ao surgimento da ciência psicológica, numa


dada época histórica e social. Afirma que a clínica surgiu a partir de uma
necessidade cultural, onde a escuta se tornou um lugar privilegiado, para a “escuta
dos excluídos”.
Portanto, quando propusemos a formação dos Grupos - no NASF-
Fazendinha- tínhamos a plena consciência de que ninguém era detentor do saber ou
tinha a palavra final, apesar que, como bem reflete e esclarece nosso epistemólogo
brasileiro Luís Cláudio Figueiredo, a forma como a sociedade está organizada,
hodiernamente, requisita e exige do psicólogo este “saber clínico”, onde possa
fornecer às pessoas as devidas orientações e respostas das quais acreditam que
demandam e que nós, psicólogos, poderemos assertivamente responder. Segundo
Figueiredo, esta escuta é reivindicada, pela sociedade, aos profissionais da área
“psi, a partir de um dado contexto histórico-social bem definido. Estas
conjecturações nos fazem refletir qual a implicação da atuação profissional e
conduta ética do psicólogo em nossa sociedade. Por enquanto ficamos por aqui,
porque este não é o objetivo de nosso trabalho. Mas sempre é de bom tom refletir
sobre o que, como, por que e para quem destinamos o “fazer psicológico”.
A proposta de trabalho relatada, no NASF da Fazendinha, foi decorrente tanto
de um compromisso ético, no qual deveríamos contribuir com a sociedade, pelo
saber adquirido, gratuitamente, ao longo de muitos anos, numa Universidade
Pública, bem como de um amadurecimento teórico-prático conquistado ao longo dos
anos de atuação no campo psicológico.
A experiência desenvolvida, durante um período de quatro anos, com
crianças e adolescentes, no antigo órgão denominado SOS-Criança/Família de
Itapipoca, hoje, CREAS e, também, o trabalho psicossocial desenvolvido no CAPS,
do mesmo município, também durante outros quatro anos, permitiu-nos, através de
um compromisso político-ético-social, identificar as situações que demandavam o
saber da ciência psicológica, dentro de uma perspectiva preventiva, bem como
aprimorar nossos serviços.
Conscientes de fornecer um trabalho de melhor qualidade aos nossos
usuários, recorremos a diversos referenciais e conceitos, de consagrados
pesquisadores da psique humana. Tendo esta clareza de respaldar a nossa prática,
de forma mais consistente, propusemos diversas atividades lúdicas (narração de
histórias, variados jogos, desenhos, confecção de cartazes temáticos...), sempre
63

tentando proporcionar aos grupos um ambiente em que se almejava o diálogo, a


cooperação e o respeito à heterogeneidade, com o propósito de oferecer ao público
infantil um clima favorável para desenvolver o senso de responsabilidade e,
consequentemente, uma maior autonomia.
Estávamos interessados em contemplar tanto as crianças como seus
respectivos familiares. Por isto, trocamos vivências e experiências, discutimos
valores, procuramos melhores alternativas e estratégias para o enfrentamento das
dificuldades cotidianas... Estávamos sempre imbuídos de um espírito democrático e
com o firme propósito de se compreender e transformar comportamentos e atitudes,
mais competentes e maduros. Nossa intenção era proporcionar um ambiente
favorável à criança, para ensejar um espírito crítico e responsivo, propiciando o
desenvolvimento de sua independência e autonomia e, por sua vez, estimular um
maior protagonismo, por parte de seus respectivos familiares.
A que se frisar que, ao propormos e implementarmos nosso trabalho,
estávamos imbuídos do mesmo espírito de nosso Brilhante Educador Paulo Freire,
onde defende que para exercer bem a função de educador/orientador, as pessoas
deverão possuir qualidades tais como: competência científica e técnica, curiosidade
epistemológica, criticidade, compreensão da realidade, postura ética, abertura para
o novo, respeito ao conhecimento trazido pelos alunos, no caso, específico, nossa
clientela, comprometimento, convicção, rebeldia, coragem, luta, persistência,
congruência entre o pensamento e a ação, “corporificação das palavras pelo
exemplo”, como afirma o próprio Paulo Freire, coragem para correr riscos, postura
de ousadia, tolerância, humildade, alegria, esperança, generosidade, “boniteza” e,
acima de tudo, amorosidade! Foi com este espírito que o Grupo Infantil e de
Orientação Familiar foram criados!
Para fazer uma reflexão sobre o olhar e o fazer psicológicos utilizamos, ainda,
a tese de Lúcia Cristina dos Santos Rosa intitulada “Transtorno Mental e o cuidado
na Família”, para fazer uma devida contextualização histórico-cultural.
A supracitada autora -Assistente Social - foi recomendada por uma colega –
Tarcisa Bezerra Gomes - de mesma área que, também, fez uso desta tese, onde já
recebeu o título de Mestre com a dissertação: “A família em situação de
vulnerabilidade social no contexto hodierno da desinstitucionalização psiquiátrica”.
Este contraponto foi importante, para não cairmos no erro de explicar o
comportamento humano, pelo viés psicologizante.
64

Segundo Lúcia Rosa, a psicanálise reforça a visão de que a mãe, por ser a
cuidadora da criança é responsável pelo desenvolvimento afetivo desta e, se algo
falha, nesta relação dual, também é responsabilizada por tal falha! Comenta que a
psicanálise universaliza o modelo nuclear burguês de família, através do complexo
edipiano não fazendo a devida contextualização histórico-político-econômica. E,
ainda, ao incumbir o papel de cuidadora à mulher, restringe sua atuação ao lar,
ficando relegada a uma cidadania de 2ª categoria; enfim, reforça e reproduz a
organização do modelo capitalista.
Lúcia Rosa menciona o livro “Um Amor Conquistado - O Mito do Amor
Materno”, de Elisabeth Badinter, onde a supracitada autora critica esta concepção
naturalista do papel pré-definido à mulher, na sociedade burguesa. Acrescenta que
esta visão não dá importância aos desejos e anseios desta mulher, dentro deste
modelo pré-estabelecido.
Concordamos com Lúcia Rosa, sobre a importância da contextualização
histórico-político-econômica deste agrupamento primário denominado família e,
também, no que diz respeito à importância do movimento feminista, para se
considerar as necessidades e desejos da mulher, no seio da sociedade. Mas quando
Donald Winnicott dá ênfase ao vínculo Mãe-Filho, não restringe esse papel, de
cuidadora, somente à mulher, mas quem se coloca no lugar da Função Materna, ou
seja, quem se responsabiliza em prestar estes cuidados primários à criança. Este
psicanalista, além de ressaltar a importância do suprimento cultural que garantirá às
novas gerações os bens conquistados pela humanidade, também, empresta uma
enorme atenção e importância à questão ambiental. Se não for garantido este
suprimento cultural básico (alimentação, vestimenta, moradia, lazer...) à criança,
esta não poderá desenvolver-se normalmente.
Winnicott não desconsidera o ambiente externo, a realidade externa, a
cultura, ou como muitos queirama questão social; tanto é assim que faz uso de
vários conceitos como “Suprimento Cultural”e“Ambiente Sustentador”, ou seja, um
ambiente que envolve que abraça...E fazendo uso de sua própria metáfora, com
outras palavras: um suprimento cultural e/ou ambiente sustentador deve ser capaz
de“sustentar a criança, tal quais os braços da Mãe”! Portanto, sua concepção não
omite que o suprimento ambiental é deveras importante, para que o infante se
desenvolva emocionalmente, pois é através do “princípio da realidade” que a criança
65

deverá se amoldar e conciliar suas pulsões instintuais com as exigências da


realidade do mundo externo.
Resta ainda esclarecer que a psicanálise não é uma teoria cabal, pois, desde
sua criação pelo Pai da Psicanálise, em 1900, ela evoluiu bastante com as
contribuições de vários psicanalistas (Anna Freud, Klein, Winnicott, Betellheim,
Lacan, Dolto, Arminda Aberastury...) de diversas partes do mundo (Áustria,
Inglaterra, França, Argentina...). Enfim, está em constante transformação e atenta
aos novos fenômenos que vão surgindo e que necessitam serem elucidados.
Fez-se necessário fazer outro recorte, sob o viés da economia e política, para
compreendermos o fenômeno da Industrialização com sua consequente acumulação
de capital e também da Reestruturação Produtiva que impactou, por sua vez, nossa
atuação profissional, ocasionando a precarização do trabalho e refletindo,
diretamente, na qualidade dos serviços oferecidos aos nossos usuários.
Com a Modernidade, surgiu o modelo econômico do capitalismo que teve
como classe emergente a burguesia. Esta nova classe propôs a substituição de uma
sociedade com base no suposto direito natural defendido, anteriormente, pela
nobreza e o clero da Idade Média, por uma sociedade contratual; passa-se, portanto,
do trabalhador servo ligado a terra, para o trabalhador livre, que dispõe de sua força
de trabalho, onde pode ser vendida mediante contrato. Essa sociedade contratual
tem como princípio norteador o liberalismo: mão-de-obra livre e livre concorrência,
ou seja, o proprietário é livre para comprar a mão-de-obra que quiser e o trabalhador
também é livre para vendê-la a quem quiser no “livre mercado”. Este é o fundamento
jurídico-formalista da sociedade burguesa.
A hegemonia econômica, por parte dos países desenvolvidos, fruto do
processo histórico de acumulação de riquezas propiciado pela industrialização e
acirrado pelo atual fenômeno da globalização, permitiu as desigualdades sociais
entre as nações aumentando, ainda mais, os fossos existentes entre os países ditos
desenvolvidos e os considerados de economia periférica e/ou não industrializados,
bem como permitiu as desigualdades sociais dentro de um mesmo país.
Essa busca desenfreada pelo lucro, por grupos hegemônicos que detêm o
poder econômico, criou um desnivelamento social sem precedentes, na história da
humanidade, de difícil resolução. Esse estado de coisas implica em uma série de
problemas com os quais a humanidade tem de lidar atualmente. É de conhecimento
de todos, pelo menos no meio acadêmico, que enormes contingentes populacionais,
66

em escala mundial, vivem abaixo da linha de miséria, onde as condições de


sobrevivência, tais como: alimentação, moradia, educação e saúde, sequer são
minimamente garantidas.
A industrialização permitiu o enriquecimento de algumas nações e a
precarização das demais e, por sua vez, a globalização acirrou ainda mais este
processo. A lógica neoliberal trouxe várias consequências tais quais: devastação
ambiental, concentração de renda, acentuação das desigualdades sociais e a
consequente vulnerabilidade de grandes contingentes humanos que cada vez mais
ficam à margem dos benefícios sociais.
A implantação e consolidação de novas tecnologias, na área de computação
e de informática nas empresas, ocasionaram ainda mais uma maior produtividade e,
consequentemente, um maior acúmulo de capital. Esta expansão capitalista
provocou uma mudança radical nas relações de trabalho, onde várias
transformações puderam ser percebidas tais como diminuição nos ciclos de
produção, mudança na divisão do trabalho, polivalência e necessidade de
treinamento do trabalhador, diminuição drástica nos postos de trabalho... Levando
esta força produtiva à informalidade ou à submissão a trabalhos sem carteira
assinada ou de baixa remuneração.
Todo este cenário provocou uma grande reserva de mão de obra e uma
gigantesca instabilidade, para quem continuava com seus postos de trabalho, pois,
segundo a ideologia vigente, o trabalhador tem de se qualificar e requalificar-se
permanentemente, para reassegurar seu emprego. Esta ideologia apregoa que se a
pessoa se encontra fora do mercado de trabalho é porque não se qualificou
adequadamente. Esta visão responsabiliza o indivíduo e o culpabiliza por se
encontrar fora do mercado de trabalho e o que é pior retira-lhe qualquer
possibilidade de reflexão sobre sua real situação. Enfim, quem se encontra em seus
postos de trabalho, tenta a qualquer custo manter seu emprego, visto que teme
perdê-lo, uma vez que existe uma grande reserva de mão de obra à espreita de uma
possível vaga.
Nesta nova conjuntura, o papel do trabalhador passou a se restringir em
operar máquinas ou alimentar os computadores com dados. Com esta substituição
maciça do homem pela máquina, assistimos o índice de desemprego aumentar
vertiginosamente. Se antes os Sindicatos lutavam por melhores condições de
trabalho, atualmente luta pela manutenção e ampliação dos empregos.
67

O que presenciamos é o enfraquecimento do poder de barganha dos


Sindicatos porque, agora, a saída para o enfrentamento desta crise é pela via
individual e não mais coletiva. O trabalhador perde tanto em relação à questão de
mobilização sindical, quanto em relação aos direitos trabalhistas que lhe eram
assegurados anteriormente. Diante desta situação só resta a perplexidade!
As Empresas, por outro lado, para se manterem competitivas, adotam várias
medidas para conter gastos e evitar desperdícios. Por exemplo, empresas de grande
porte se fundem, transformando-se em megas empresas diminuindo, assim, custos
com edifícios, maquinários, equipamentos, material de expediente... Também
adotam o recurso da terceirização para diminuir, sensivelmente, custo com pessoal.
A lógica é aumentar a qualidade do produto, com um custo mínimo, tornando-o bem
competitivo, para um mercado consumidor cada vez mais exigente.
Este novo modelo denominado de Reestruturação Capitalista afetou, de forma
mais drástica, os países de industrialização tardia como, por exemplo, o Brasil. Nós
ainda nem havíamos conquistado efetivamente os benefícios do “Estado de Bem-
Estar Social” (welfarestate), quando veio a crise do capitalismo financeiro e com ele
uma nova forma de enfrentá-lo, com o intuito de perpetuar o sistema! Este desmonte
do Estado, no Brasil, onde as garantias sociais e trabalhistas ainda se mostravam
bastante fragilizadas, agravaram, consideravelmente, as relações produtivas. Este
modelo das relações trabalhistas foi transferido das fábricas, para o Setor de
Serviços, onde nem mesmo a saúde foi poupada! A saída para a crise do capital foi
a terceirização e com ela, a reboque, veio a precarização do trabalho!
Estas múltiplas formas de contratação, para o Setor da Saúde, que vai desde
a estabilidade no emprego até a uma situação de nenhuma proteção social, atestam
a fragilidade desta força produtiva que a cada dia vê seus direitos sociais,
trabalhistas e previdenciários encolhidos. Também acarreta achatamento de
salários, rotatividade, fragmentação e desmobilização destes trabalhadores. A saída
do trabalhador é pela via individual e não mais pela via coletiva e isto enfraquece os
Sindicatos que, em vez de lutar por melhores condições trabalhistas, têm de lutar
para ampliar a oferta de postos de trabalho. Fica, portanto, frente a um “bico de
sinuca”!
Tendo em vista a complexidade histórico-político-econômico-social das
populações, tanto em escala mundial, quanto a nível local, propusemos ações que
tinham como princípios norteadores os princípios básicos do SUS: universalidade,
68

equidade e integralidade, dentro de uma perspectiva preventiva. Queríamos


fomentar debates enriquecidos pela troca de conhecimentos e experiências, tendo a
devida clareza que o saber e a verdade não eram exclusividade de uma única
pessoa, ou de um determinado grupo social, mas poderiam ser apropriados por
todos, numa verdadeira cultura de empoderamento.
Promover saúde na esfera psicossocial é fomentar debates que propiciem a
compreensão de fenômenos psicológicos, bem como a compreensão de fenômenos
político-econômico-sociais, onde deve preponderar o diálogo entre os diferentes
atores sociais e a tolerância, como um ingrediente a ser adotado por todos que se
propõe a trabalhar com a saúde mental. Dessa forma, podemos garantir um
ambiente mental salubre que propicie uma melhor qualidade de vida para as
populações locais.
A Intervenção em Saúde, a partir do campo do saber psicológico, teve como
objetivo principal, dentro desta perspectiva preventiva, incentivar o espírito gregário
e coletivo, entre as pessoas de uma mesma localidade, tentando resgatar esse
sentimento de pertencimento a uma determinada comunidade, tão essencial para a
construção salutar de sua identidade cultural e, ao mesmo tempo, tão necessária
como estratégia de enfrentamento ao fenômeno da Globalização. Fenômeno este
que, no cerne de seu pensamento, subjaz a propagação da cultura consumista,
individualista, massificante e alienante que sufoca e obstaculiza uma reflexão mais
aguçada dos fenômenos políticos, econômicos e sociais de nossos tempos.
69

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72

ANEXOS
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ANEXO A - FILMES E DOCUMENTÁRIOS

http://cnes2.datasus.gov.br/Lista_Es_Municipio.asp?VEstado=23&VCodMunicipio=2
30640&NomeEstado=CEARA
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/itapipoca
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/itapipoca/panorama
www.mhinnovation.net/sites/.../Report_12-edicao-do-Saude-Mental-em-Dados.pdf
https//youtube/plEpBSQW0CQ
A Concepção da Natureza Humana de D.W. Winnicott (Parte 1):
https//youtube/QchPhiUzC9
A Evolução Histórica do Trabalho: https://www.youtube.com/watch?v=HdJ4Ni9UHug
Escritores da Liberdade: https://www.youtube.com/watch?v=Nt0Zfl6V9EM
Relações de Trabalho no Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=GeKs6rjffA0
Tempos modernos: https://www.youtube.com/watch¿v§
Winnicott 01 – Principais Conceitos: https//youtube/1CrEdo9Whu8
Winnicot 02 – Papel da Família e Ambiente: https//youtube/V53-ObJGg78
Winnicott 03 – Falso Self e Verdadeiro Self: https//youtube/Q1dNNf0Mkto
Winnicott 04 – Fenômeno Transicional e Objeto Transicional: Winnicott 05 – Manejo,
Ódio, Tipos de Pacientes: https//youtube/Od34SOffWxl
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ANEXO B - EVENTOS

I Fórum de Atenção Psicossocial de Itapipoca: Saúde Mental, Rede e Cuidado.


Urgência e Emergência Psiquiátrica por Dr. Caetano Frota (Médico do Samu e
Auditor do Município de Itapipoca). Suicídio C/O Emergência Psiquiátrico do CAPS
de Itapipoca por Dr. Luis André de Araújo (Médico Psiquiatra do Centro de Atenção
Psicossocial de Itapipoca). Transtornos Ansiosos por Dr. Almir Sabino Sousa Filho
(Médico Especialista em Saúde Mental do CAPS de Itapipoca e Horizonte).
Realizado em 18 de outubro de 2017. Coordenadora do Centro de Atenção
Psicossocial de Itapipoca: Dra. Rejane Teixeira Guerra.

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