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A ontologia singularmente
humana do trabalho
(Entrevista de Ricardo Antunes, em fevereiro/2011)
Ricardo Antunes: Quero dizer o se- de direita, que era, em tese, aliado
guinte: nós criamos três ferramentas a ele, mas o elitismo não permitia
do trabalho muito importantes no ao PSDB dar espaço aos sindicatos.
Brasil nas últimas três décadas: o PT O Lula não. Ele, como eu disse há
em 80, a CUT em 83 e o MST em pouco, foi no passado o mais impor-
84. As duas primeiras foram com- tante sindicalista. Eu disse essa frase
pletamente destruídas no governo e já escrevi isso, o Lula foi o mais
Lula. O PT hoje é uma espécie de importante líder sindical da história
PMDB do século XXI. Isto é o que do século XX no Brasil. Não é uma
o Marx chamava de um partido frase pequena para quem conhece
da ordem que faz qualquer negó- movimento operário ou sindicalis-
cio, qualquer negócio e qualquer mo. É uma frase relevante, e ele foi!
negociata para ficar no poder. Isto dá ao Lula a capacidade que
Bastaria dizer, hoje, para não falar ele teve de revitalizar o getulismo.
de eleição retrasada, até a última Eu dou só um exemplo. O Getúlio
eleição e a eleição passada, que o tinha criado um imposto sindical
Sarney está do lado de Lula, que com o qual um sindicado pode
Jader Barbalho está do lado do Lula. existir sem base, porque dinheiro
Quer dizer, uma parte importante ele vai ter. Esse imposto sindical na
da velha e mais carcomida direita época do Getúlio ia para os sindi-
apoia o Lula. A outra parte apoia catos, para as federações e para as
o Serra ou apoia o Alckimim, quer confederações? O que o Lula fez há
dizer a direita está nos dois campos. dois anos atrás além dos sindicatos,
Um conhecido banqueiro disse na das federações e das confedera-
eleição passada que com o Lula ou ções, o imposto sindical passou a
com o Serra, está tudo garantido, ser recurso vital para as centrais
porque os interesses são os mesmos sindicais. Este foi o caminho da
a economia é a mesma. servidão drástica, esse foi o final
do caminho da servidão voluntária
Motrivivência: E os sindicatos tam- das centrais sindicais ao Estado. E o
bém... estatismo é o caminho da servidão.
Ricardo Antunes: Pois é, os sin- Quando uma central abandona a
dicatos também, porém com uma sua autonomia para ir atrás de verba
diferença. O PSDB, por nunca ter pública, está no colo do governo.
tido nenhuma relação com os sin- O Lula pôs duas centrais que não
dicatos, sempre tratou os sindicatos passavam na mesma rua, no mesmo
com desprezo, mesmo o sindicato ministério.
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solo para tirar minério, para acabar sindicato vertical, de uma empresa
com aqueles buracos. É uma luta vertical. A empresa modelo do
nossa ou não? A esquerda não pode século XX se horizontalizou, ela se
mais pensar somente que a nossa terceirizou, se externalizou, de tal
luta é a greve. E agora tem muitos modo que a Benetton, ou qualquer
dizendo, a greve acabou. Besteira. empresa hoje, a Nike, estão espar-
Basta olhar. O Brasil tem altas taxas ramadas. Qual a capacidade que
de greve ainda hoje. É que muitas os sindicatos terão desse horizon-
delas são por salários, por conquis- talizar, de compreender essa nova
tas econômicas, como no mundo classe trabalhadora e de aceitar os
hoje a Europa tem greve uma atrás desafios, de perceber quais são as
da outra. Nós temos que entender questões vitais? Eu nunca disse nos
essa nova morfologia do trabalho e meus estudos que o sindicato iria
perceber que elas são a temperatura desaparecer. Mas, eles podem ser
de lutas sociais. Último ponto: há como a CUT é hoje, uma central
quinze anos atrás se eu dissesse sindical burocrática e estatal ou
que o socialismo é uma alternati- como a Força Sindical que, aqui,
va, o pessoal dizia: ih, esse cara é não vamos perder tempo com ela.
antigo. Pois hoje a América Latina
ou a Bolívia fala em socialismo. E Motrivivência: Como você avalia
quando a Venezuela fala em socia- a relevância do tema “mundo do
lismo, países asiáticos? É evidente trabalho” para os intelectuais que
que não será o socialismo do século atuam na Educação Física, Esportes
XX. O socialismo de tipo soviético, e Lazer, quer seja nas universidades,
esse é parte do passado. O que é quer seja nas escolas, academias,
um sistema de novo tipo, porque a clubes, empresas etc.?
questão do trabalho, a questão am- Ricardo Antunes: Eu diria o seguin-
biental, a questão da propriedade a te: de algum modo, essas questões
questão da propriedade intelectual, que nós tratamos aqui estão visce-
a questão dos transgênicos, essas ralmente presentes em todas as ma-
são as questões vitais. Eu tenho dito, nifestações de vida, de produção e
nos meus trabalhos mais recentes, de reprodução no ser social. Então,
que a esquerda e as lutas sociais o que deveríamos fazer, por exem-
ou são capazes de descortinar as plo, em primeiro lugar é perguntar
questões vitais ou não são. Então, “que Educação Física nós quere-
você me perguntava do sindicato mos”? A do corpo sarado, do jovem
como exemplo, para finalizar. O que hoje está se qualificando para
sindicato fordista e taylorista era um amanhã eliminar um concorrente
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das escolas de Educação Física das mados. A nossa educação tem que
universidades que não aceitam essa ser omnilateral, multilateral. E aí o
subjugação à razão instrumental sentido humano-societal decisivo é
do “educador físico”, formado para definido pelo mercado ou fora dele?
atuar nas olimpíadas, nas empresas, É uma questão elementar. Vital,
enfim no mercado. Porque a velha decisiva e elementar. O mercado é
olimpíada, a das origens, dos gregos profundamente destrutivo porque
até aonde eu consigo acompanhar ele é excludente. Porque a maioria
não tinham um mercado, não tinha esmagadora da população não tem
Nike, não tinha Olimpikus, quer recursos para viver um vigésimo das
dizer, o esporte lá na sua concepção vantagens do mercado. Vive do seu
original era um momento catártico; fetiche que faz com que, em última
envolvia uma disputa que não era instância, porque os pobres na sua
fator de vida e de morte, nem de criminalidade, jovens dos nossos
dinheiro! Era uma disputa, diga- morros de Santa Catarina e de Flo-
mos assim, como um momento no rianópolis, do Rio, de São Paulo –
verdadeiro exercício de um tempo São Paulo não são os morros, não é
livre e não de um tempo que hoje uma cidade com muitas montanhas,
não é livre, porque ele é totalmen- são as nossas favelas. Por que os
te voltado mesmo para um tempo jovens quando roubam os filhos de
de não-trabalho, que é um tempo classe média, a primeira coisa que
subordinado a uma lógica que é o eles pegam são os seus tênis? Eles
consumo. Então, é evidente que, veem o fetiche da Nike, da Olim-
como tantas outras profissões, eu pikus, do que for na televisão, e só
penso, sem ter muitos elementos os meninos das classes médias altas,
para analisar, que não posso con- das classes ricas é que tem o tênis.
cordar que o privilegiamento seja Mas o pobre, por que não pode ter
da educação instrumental e que acesso aquilo? Se o pai do pobre já
seja secundarizada a educação morreu, porque foi executado na
essencial. Não posso aceitar isso, favela, se a mãe tem que vender o
nem nas ciências sociais, nem nas seu corpo fora para sobreviver e não
ciências médicas, nem nas ciências pode educar, como que um filho
biológicas e muito menos na Edu- de uma família pobre, destroçada
cação Física, nas escolas de Edu- vai poder fazer para ter um tênis
cação em geral. Por isso a idéia do iluminado? É esta tragédia que nós
Gramsci: nós não somos celeiros, temos que entender. Ela nos leva
incubadoras, ele usa essa expressão, em última instância ao papel crucial
de monstros uniliteralmente for- da educação. E a Educação Física é
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