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2017
Resumo Resumen
A máquina é social antes de uma configuração La maquina es social ante de una configuración
técnica, ela é produção antes de reprodução. técnica ella es producción ante de reproducción. La
A máquina se opõe à estrutura, ao mecanicismo maquina se opone a la estructura, al mecanismo
e implica finitude, destruição e criação. O texto e implica finitud, destruición y creación. El texto
aborda a partir do pensamento de Deleuze- aborda el pensamiento de Deleuze- Guattari la
Guattari a ideia de rostidade, passando pelas idea de rostidad pasando a las configuraciones
configurações de subjetivação, bem como seus de subjetivación, bien como sus posibles
possíveis atravessamentos pelas dobras da pasajes por las doblas de la educación .¿Cómo
educação. Como a educação pode fomentar o la educación puede fomentar el rosto? ¿Qué
rosto? Que agenciamentos atravessam nessa agenciamientos atraviesan en esta producción
produção maquínica de subjetivação? Como maquinica de subjetivación? ¿Cómo Deleuze-
Deleuze-Guattari compreendem a produção da Guattari comprende la producción de la rostidad?
rostidade? Um rosto não é encontrar ou procurar, Un rosto no es encuentra o procurar, ni equivale
nem equivale a fomentar um conceito, mas ele en formentar un concepto más el pasa por
passa por maquinismo e por um conjunto de maquinismo y por un conjunto de vigilancia.
vigilância. Ele também fomenta resistência, cava Él también fomenta resistencia, cava espacio
espaço de invenção, produz seus desdobramentos, de invención, produce sus desdoblamientos,
configurando um verdadeiro criacionismo. Sobre configurando su verdadera creación. Sobre él
ele, há uma guerra, uma labuta diária que leva hay una guerra, una labuta diaria que lleva a
a educação e seus processos a se arrastarem la educación y sus procesos a arrastraren por
por dobras (im)possíveis. Não se chega em um doblas (im)posibles. No llega en rosto acabado,
rosto acabado, finalizado, sendo, portanto, uma finalizado, siendo, por lo tanto, una batalla de
batalha, uma guerra diária para a criação do rosto. día, guerra diaria para la creación del rosto. A lo
Do mesmo modo que não há um solo unificado, mismo modo que no hay un piso unificado, mismo
mesmo na luta permanente para compor um rosto en una luta permanente para construir un rosto
universalizante. Pela superfície do rosto navega a universalizante. Por la superficie del rosto navega
multiplicidade, permitindo embaralhar a máquina la multiplicidad permitiendo misturar la máquina
de codificação. Nesse cenário, o território da de codificación. En este escenario, el territorio de
educação é fissurado por linhas de fuga, como la educación fijo por líneas de fuga, como forma
forma de resistir ao padrão unificador. de resistir al padrón unificado.
Visuais 143
Résumé produz essa maquinaria e como ela pode ser
vista por outras linhas? O esforço do argumento
La machine est sociale avant d’être une
considera essas questões.
configuration technique, elle est une production
avant d’être une reproduction. La machine est II
opposée à la structure, elle implique la finitude, la
A máquina1 não pode ser entendida a partir do
destruction et la création. Ce texte aborde, à partir
mecanicismo e ou estruturalismo, ela se opõe a
de Deleuze et Guattari, l´idée de visage – à trarvers
qualquer tipo de estrutura fechada, pois a “máquina
les configurations de subjectivité –, aussi bien que
implica uma relação de emergência, de finitude, de
les possibles passages de cette idée par les plis de
destruição e de morte” (GUATTARI, 1992, p. 71).
l’éducation. Comment l’éducation peut favoriser
Deleuze-Guattari discutem as máquinas técnicas,
le visage? Quels assemblages passent par cette
sociais, desejantes e abstratas, esta última é uma
production machinique de subjectivité? Comment
indomável máquina de produção de objetividade-
Deleuze-Guattari comprennent la production
sujeitidade, emergente de um tempo atravessado
du visage? Un visage n’est pas “trouver” ou
pela heterogeneidade (GUATTARI, 1992). Cada
“chercher”, ni équivaut à “favoriser” un concept,
máquina fomenta seus processos de ligações,
mais il passe par une machinerie et par un ensemble
de variações e de agenciamentos, porém, é
de surveillance. Sur lui, il y a une guerre, il y a un
importante notar que nas obras em conjunto, tais
labeur quotidien qui conduit l’éducation et ses
como O anti-édipo e Mil Platôs, Deleuze e Guattari
processus à se glisser par des plis (im) possibles.
fazem esforços de amplitude e entendimento do
que seja a máquina2, dando conta de ampliar e
Mots-clés: de produzir outros conceitos. Para os autores, há
máquinas por todos os lados, em todas as partes,
La machine; Visage; L’éducation; La subjectivité;
sendo essas conectáveis e acopláveis, emitindo
Deleuze; Guattari.
fluxos e cortes.
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Há operações diversas que oferecem diferentes um universo de referência; elas são como a “máquina
transplantes que não procedem e por meio da ideia abstrata, no entanto real e individual, cujas peças
de uma subjetividade arcaica, criam-se “novas são os agenciamentos ou os indivíduos diversos que
modalidades de subjetivação do mesmo modo que agrupam, cada um, uma infinidade de partículas
um artista plástico cria novas formas a partir da sob uma infinidade de relações mais ou menos
palheta que dispõe” (GUATTARI, 1992, p. 17). compostas” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 39).
dos signos e das redundâncias, assim como a Os rostos são montados, ao mesmo tempo em que
subjetividade não existe sem um buraco negro no são dobrados, desfeitos. Há todo um mecanismo
qual se aloja a consciência e suas redundâncias abstrato que passa e que não se sabe efetivamente
(DELEUZE; GUATTARI, 1996, p 31). O “rosto onde passa a concretude ou seu estado de coisa.
não é um invólucro exterior àquele que fala, que
pensa ou que sente” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, A máquina abstrata de rostidade assume um papel
de resposta seletiva ou de escolha: dado um rosto
p.32). O rosto carrega a significância, zonas de concreto, a máquina julga se ele passa ou não passa,
frequência, delimitam um campo que neutraliza a se vai ou não vai, segundo as unidades de rostos
rebeldia ou melhor... elementares [...] cada instante a máquina rejeita
rostos não-conformes ou com ares suspeitos.
Os rostos não são primeiramente individuais, eles Mas somente em certo nível de escolha. Pois será
definem zonas de frequência ou de probabilidade, necessário produzir sucessivamente desvios padrão
delimitam um campo que neutraliza antecipadamente de desviança para tudo aquilo que escapa às
as conexões rebeldes às significações conformes. Do correlações biunívocas, e instalar relações binárias
mesmo modo, a forma da subjetividade (DELEUZE; entre o que é aceito em uma primeira escolha e
GUATTARI, 1996, p. 32). o que não é tolerado em uma segunda, em uma
terceira (DELEUZE;GUATTARI, 1996, p. 44-45).
As subjetivações se tornam vazias se não possuem
rosto, e seus lugares produzem ressonâncias. Ela se movimenta e vai distribuindo a rostidade
O rosto é o produtor de uma redundância, ele é em todo o sistema e, assim, a rostidade vai se
a moldura, a tela, o quadro no qual os desenhos organizando, tomando determinados contornos
significantes são postos que neutralizam e determinadas expressões, bem como certas
comunicações violentas, rebeldes. Por isso, ele coordenadas binárias por meio do “é assim” ou “não
“escava o buraco de que a subjetivação necessita é assim”, “sim” ou “não”, que demarca categorias
para atravessar” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, que entram ou não em um certo campo de
p.32). Nesse sentido, os autores alertam que: tolerância. Do mesmo modo, essas categorizações
podem indicar um inimigo que pode ou não ser
O rosto é mesmo redundância. E faz ele mesmo
redundância com as redundâncias de significância
banido. Logo, a máquina abstrata de rostidade
ou frequência, e também com as de ressonâncias encontra, esquadrinha, faz sua inscrição, mesmo
ou de subjetividade. O rosto constitui o muro do que em certas situações possa ser provisória.
qual o significante necessita para ricochetear,
constitui o muro do significante, o quadro ou a tela Pode-se dizer, segundo Deleuze e Guattari, que
(1996, p. 32).
essa máquina não se contenta em traçar a rostidade
Contudo, é possível dizer que o significante e o e nem tem preocupação com os casos singulares;
significado não se movimentam sozinhos e nem ela procede ao modo de fomentar a normalidade
mesmo a subjetividade cava só o buraco pelo e a universalidade. Um exemplo pode ser dado a
qual atravessa o rosto. Os rostos também não se partir dos autores, que esclarecem que o racismo
constituem sozinhos; suas concretudes nascem não procede por exclusão, mas...
de uma máquina abstrata da rostidade [máquina por determinações das variações de desvianças,
abstrata de codificação]. Sem dúvida, essa em função do rosto Homem branco que pretende
Visuais 147
integrar em ondas cada vez mais excêntricas e A máquina abstrata de rostidade tem como objetivo
retardadas os traços que não são conformes, entrar na ordem molar e bloquear os fluxos; assim,
ora para tolerá-los em determinado lugar e em
determinadas condições, em certos guetos, ora nenhuma perspectiva de uma máquina nômade que
para apagá-los no muro que jamais suporta a esteja além do significado e do significante, que vá
alteridade [...]. Do ponto de vista do racismo, não para além das representações, não é bem vista. O fora
existe exterior, não existem as pessoas de fora. Só
efetivamente deve ser protegido, enclausurado, na
existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo
crime é não o serem. (DELEUZE; GUATTARI, 1996, perspectiva da máquina de rostidade. Ela diz não
p. 45, grifo meu). a qualquer tipo de tempestade exterior e tende a
arrastar os “sujeitos” para um olho central, mesmo
Se não há um foro “de”, mas um como “nós”, é
havendo fugas por todos os lados.
devido à produção padrão do rosto que não visa
às individuações. Sendo assim, sobre essa questão Essa superfície que serve como plano de montagem
se pode desenvolver uma escala de variações que sempre percorre uma clandestinidade, pois os traços
não suportam o exterior, a diferença, gerando da rostidade não se deixam subsumir por completo;
todas as formas de intolerância, de horror e então, pode-se dizer que no rosto há sempre um
pavor frente à alteridade, em que a diferença é por vir, uma abertura à possibilidade de ser desfeito,
subjugada à semelhança e a generalidade. Então, desarranjado. O rosto também atravessa uma
pode-se notar que são agenciamentos de poder paisagem, que não pode ser entendida apenas
bem particulares que qualificam determinados como um meio, mas como desterritorialidade.
protótipos de significâncias e de subjetividades. Há várias ligações sobre essa ideia de rosto-
Nessa relação, há sempre um agenciamento paisagem. A educação cristã traça um rosto,
déspota e autoritário. governa paisagem, faz toda uma manobra com
o corpo, com os sentidos, fomenta uma rigorosa
A máquina abstrata de rostidade escreve cada um
disciplina, configura toda uma paisagem que faz do
em um quadriculado e o muro branco não para
rosto uma pedagogia.
de crescer; portanto, ela produz a ordenação, as
vizinhanças, e procura detectar desvios, violações O close do rosto no cinema também imprime certa
e não tende a se preocupar com a singularização, pedagogia, traçando uma paisagem que define tela
mas busca promover os universais. E a rostidade câmera, luz, composição, foco. Até nos romance o
escreve-se no muro, desenha o organismo, faz a rosto dos personagens traçam planos-paisagens.
escrita, tende a promover o significado, pois: Não há rosto que “não envolva uma paisagem
desconhecida, inexplorada, não há paisagem que não
A máquina abstrata que irá produzir rosto. Mas a
operação não pára ai: a cabeça e seus elementos se povoe de um rosto amado ou sonhado, que não
não serão rostificados sem que o corpo inteiro não o desenvolva um rosto por vir” (DELEUZE; GUATTARI,
possa ser, não seja levado a sê-lo, em um processo 1996, p. 38). Essa parece ser a linha em que o rosto
inevitável. A boca e o nariz, e antes de tudo os olhos,
não se tornam uma superfície esburacada sem
permanece incompleto, aberto a outras vias que
convocar todos os outros volumes e todas as outras não sejam ordinárias. Isso que dizer que ele passa
cavidades do corpo [...]. O rosto não tem o papel de por uma maquinaria, autoritária ou não autoritária,
modelo ou de imagem, mas de sobrecodificação negadora do outrem, ou não, ou quem sabe esteja
para todas as partes descodificadas. (DELEUZE;
GUATTARI, 1996, p. 35, grifo meu) em um entre-paisagem, no meio em que possa se
expor como resistência à identidade fixa.
A tela, o muro, anseiam por um buraco central pelo
qual deve ordenar e formatar outros rostos. Essa Um rosto é um corpo, mesmo sem estar
lógica da unidade tende a delinear as arborescências, efetivamente no corpo, pois comporta um entre,
as instalações binárias, dicotômicas, em que o “ele é um meio, o rosto é o ‘e’, numa superfície,
significado e a subjetividade podem realmente no ‘meio’, e estar no meio, não é estar nem acima
tornarem-se concebíveis em solo firme. Por isso, nem abaixo, nem dentro nem fora, como uma
o receio de cada ponto maquínico, discursivo, linha onde se cruzam ou encontram um mundo
linguístico, semiótico ou de subjetividade, abrir interior e um mundo exterior” (GIL GODINHO,
outras conexões nômades e resistentes ao padrão 2010, p.68). Sendo assim, ele exige certos estados
universal e de controle, mesmo estando sempre de alma. Ele também faz traçados que remetem a
submetido à mutação permanente. mundos que “singulares e únicos formam o rosto,
Com isso, um rosto que é também um corpo, ou Segundo Deleuze, quando “a professora explica
melhor, uma superfície não pode nunca encontrar uma operação às crianças, ou quando lhes ensina
uma forma efetiva, sendo aberto, esburacado, sintaxe, não lhes dá propriamente informações,
pode estar fechado, alegre, triste, cansado, comunica-lhes injunções, transmite-lhes palavras
revigorado, pode apresentar também um olhar de ordem” (2004, p. 34). Com isso, há toda
faminto, uma boca sem riso, uma pele enrugada. uma promoção à caça aos devires, pois o ideal
É possível entrar e sair do rosto ou mesmo fazer é o requerimento de corpos e subjetividades
dele uma zona de indiscernibilidade. Produzir uma disciplinados, para pensar a partir de Foucault
rostidade nunca é tranquilizador, pois há variações, (1987). Esse corpus autoritário determina a
experimentações, passagens, desmontes, produção do rosto em escala social, pois opera
violações, lamurias, guerras. Como diz Gil e por todo o corpo, não havendo, portanto, rosto e
Godinho (2010, p.69), “não é um encontro tranquilo, sujeitos prévios.
pode ser mesmo uma transgressão. O espaço pode
Até mesmo a infância é governabilizada em todos
ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens
os seus trajetos pela pedagogia escolar, pois não há
de qualquer natureza. ‘Abrimo-nos às coisas’,
espaço para que a criança se veja como não datada,
‘abrimos o coração ou a alma’, abrimos os olhos
esquadrinhada, mesmo sem saber o que seja tudo
que são as ‘janelas da alma’”. Tudo isso não deixa
isso. Para a criança, há todo um processo de rosto
de ser atravessado pelos devires, o rosto, com isso,
que deve ser definido dentro dos muros da escola.
é atravessado por lugares, meios que o conduzem a
Essa definição acompanha a forma de conduta que
certas territorialidades e desterritorialidades. O rosto
o professor deverá ter, a formação dentro da sala
é essa superfície sem pontos, mas apenas converge
de aula, o passo a passo nas leituras infantis, dos
em si traçados de toda ordem.
brinquedos, das brincadeiras etc. Há aí todo um
IV cuidado de formar valores, subjetividade, cofigurar
moralidade. Contudo, as crianças não deixam de ser
Com o que fora dito acima, indaga-se: o que a
os maiores cartógrafos, desfazedores de rostos.
educação tem a ver com essa poderosa máquina
abstrata de rostidade? A educação poderia ser Isso quer dizer que a educação não só produz
entendida como um campo de rostidade? Ora, é um rosto, como também faz esse processo com
sabido que a educação é uma questão cultural, o corpo inteiro; há toda uma operação que vai
política, ligada ao sócius e ao poder. Com isso, a produzindo outras cavidades do corpo. A cabeça,
educação não deixa de ricochetear o rosto, ela as mãos, os ouvidos, a boca, a linguagem, o seio,
mesma é um rosto com suas superfícies que não o ventre, as pernas, os braços, os pés, a roupa,
deixam de fomentar significações. Ela instala os cabelos: tudo isso vai sendo tomado pelos
comandos por todos os lados, disciplina corpos, processos de rostidade. Há todo um sistema de
fomenta normas, institui condutas, sempre operação eficaz da razão que desencadeia essa
cavando um buraco da subjetividade ou buscando montagem, passando por aparatos semióticos,
um muro, um buraco para que o eu seja instalado, discursivos e linguísticos poderosos.
esse eu que é tão caro para alguns.
O rosto sempre vai precisar dessa máquina
O muro educativo diz que: “você deve ser abstrata que não se contenta em codificar somente
ordenado, interpretado, subjulgado ou o seu a cabeça. Mas como a educação desencadeia essa
corpo deve ser articulado, caso não, pode ser um máquina de rostidade? Quando determinados
depravado ou anormal. Você é um significante para agenciamentos de poder entram em jogo, o poder
ser significado, portanto, você não é um desviante. tem necessidade de produção. Tal produção está
Você será um sujeito, sujeitado, para não ser um envolvida por uma série dispersa de movimentos
Visuais 149
que se operam, que se agitam, delineando linhas e com vazamentos que não se deixam aglomerar.
fissurando outras, ou todas ao mesmo tempo. “Há linhas, que não se reduzem ao trajeto de um
ponto, e que escapam à estrutura, linhas de fuga,
Agenciamento concreto de poder despótico
e autoritário – desencadeamento da máquina de devires” (DELEUZE, 2004, p. 38).
abstrata de rostidade, muro branco-buraco negro-
instalação de uma nova semiótica de significância e Por isso, para além dessa unidade despótica,
de subjetivação, nessa superfície esburacada. É por entende-se que o rosto é inumano, desde o início,
isso que não cessamos de considerar dois problemas ele é close, com suas superfícies brancas, com
exclusivamente: a relação do rosto com a máquina
abstrata que o produz; a relação do rosto com os seus buracos negros, com suas cavidades, com
agenciamentos de poder que necessitam dessa seu vazio, seu tédio, sua angústia, seus desejos,
produção social. O rosto é uma política (DELEUZE; suas ruínas, suas alegrias, seus desamparos, suas
GUATTARI, 1996, p. 50).
aberturas impossíveis. Se há um destino para o
A educação não deixa de estar presente no homem, esse será escapar do rosto universal para
interior dessa máquina quando entra no campo da tornar-se a si mesmo.
modelização, pois, politicamente, agencia o poder Para além da educação do rosto unívoco, se
padrão normativo, bem sucedido [uma máquina anseia por um modo de educação imperceptível
de controle da vida que busca sempre a correção, e clandestino, traçado pelas menoridades, por
a consciência, a razão, a moral]. De todos os campos de fendas de individuações. O muro
modos, busca a normalidade dos corpos, uma branco deve ser quebrado, pois no rosto há um
imagem comum a todos os rostos. É difícil sair do mundo inexplorado, mundo de futuros-presentes,
buraco negro da subjetividade, e se é tentado a instantes, velocidades vitais, que nenhuma lógica
permanecer todos os dias encerrado em um rosto linear poderá navegar.
comum ou em um asilo confortável para se dormir
e descansar. Não é tranquilizador escapar, porque a todo o
momento não se sabe para onde ir, por qual
A educação não mede esforços. Para isso, há linha escapar, em que meio entrar, qual fissura
todo um esquema arborescente instalado que atravessar, em que onda nadar. É algumas
esquematiza , separa, disciplina e organiza vidas, vezes um terror. Por isso, buscar um rosto não
sexo, costume, modo de ser e ver etc. Ela se é encontrar ou procurar, não é fomentar um
esforça para controlar até mesmo o aprender, com conceito, mas um conjunto de experimentações,
urgência de criar métodos, formas, maneiras de pois ao rosto não se chega, não se chegará,
conduzir a criança para um lugar seguro. Com isso, já que ele não para de deslizar. Há toda uma
a razão deve ser vigida, a inteligência corrigida, a vigilância, mas há também um processo viajante
memória reforçada. Toda uma aprendizagem da e sobre ele há uma guerra, uma labuta diária.
cognição é formada para que a criança exercite O que pode um rosto? Experimentações éticas,
seus processos inventivos em um padrão modelar. políticas... Ele atrai censura, mas também
Quando essa criança promove variações, uma desejo, liberdade.
equipe de pedagogos e de psicólogos se mantém Para um rosto, há todo tipo de corpus que não
à espreita, nada pode ficar fora do lugar, mesmo
deixa a experimentação sossegada. Assim, o
os processos inventivos, fabuladores que tanto
rosto está sempre no meio desde que ele se
fazem as crianças. Mapas são produzidos,
compreendeu como maquinação. Prudência, a
imaginação voa, mãos rabiscam muros, cadeiras,
regra da experimentação do rosto para comportar
portas; porém, dentro do espaço escolar tudo
os [im] possíveis. Sim, pois a máquina abstrata se
isso é imediatamente corrigido, medicalizado
perde dela mesma por suas multiplicidades de
ou patologizado, mas as variações continuam.
agenciamentos, fazendo conexões que percorrem
Contudo, segundo diz Deleuze (2004), o pior de
as individuações ao invés das subjetividades.
tudo isso não é a esterilização que atravessa a
Assim, o que pode a educação a favor dessas
educação, mas é o esmagamento de tudo aquilo
passagens? O que pode a educação quando não
que passa pelo meio, pelo entre. Ora, existe em
sustenta essa superfície, pois nela os buracos
toda parte multiplicidades que não se deixam
deixam vazar experimentos desviantes? O rosto,
binarizar, dicotomizar, paralisar. Existem centros
mesmo, é uma superfície esburacada, abrigando
Visuais 151
corpo. Outra é a multiplicidade de agenciamentos de Subjetividade. Publicação anual do Núcleo de
da subjetivação: a subjetividade é essencialmente Estudos e Pesquisas da Subjetividade, do Programa
modelada no registro do social. [...] Parece de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica
oportuno partir de uma definição ampla da da PUC-SP. p. 69-78.
subjetividade, como a que estou tentando, para,
NEGRI, A. (2010). Sobre Mil Platôs. In: Revista
em seguida, considerar como casos particulares os
Lugar Comum (p. 95-112). Rede Universidade
modos de individuação da subjetividade: momentos
Nômade.
em que a subjetividade diz eu [...], momentos
em que a subjetividade se reconhece num corpo
ou numa parte de um corpo, ou num sistema
de pertinência corporal coletiva (GUATTARI; SOBRE A AUTORA
ROLNIK, 2010, P. 40-41). Nessa perspectiva,
Maria dos Remédios de Brito é professora da
uma observação relevante, não se está falando
Universidade Federal do Pará. Graduada em
de uma subjetividade fincada na representação
Filosofia pela Universidade Federal do Pará;
Moderna, em que a ideia de sujeito remetia a
Mestre e Doutora em Filosofia da Educação
uma categoria fundadora, identitária. A ideia de
pela Universidade Metodista de Piracicaba;
subjetividade pressupõe uma maquinação, algo
Pós-Doutora em Filosofia da Educação pela
criado, produzido ou mesmo fabricado por várias
Universidade Estadual de Campinas.
determinações sociais, culturais, históricas,
econômicas, políticas e que também faz parte
de um campo de variação constante. Dessa
forma, para além da ideia de um sujeito centrado,
monolítico, produtor do conhecimento, Guattari
e Deleuze pensam a ideia de subjetividade sem
sujeito, fomentada por produção e modelada,
sendo a mesma, transformada e adaptada.
REFERÊNCIAS