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SAMUEL P. HUNTINGTON

D E D A L U S - Acervo - F F L C H - F I L
320
Ordem politica nas sociedades em mudança...
H9530
e.4

21000027784

A Ordem Política nas


Sociedades em Mudança
Escrito sob os auspícios do Centro de Assuntos
Internacionais da Universidade de Harvard
(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES D E LIVROS, RJ)
Proferido em parte no programa
de Conferências Henry L . Stimson
da Universidade de Y a l e
Huntington, Samuel P .
H924o A Ordem política nas sociedades em m u d a n ç a ; tradução dc
Pinheiro de Lemos, revisão técnica |de| Renato R a u l Boschi. R i o de
Janeiro, Forense-Universitária; S ã o Paulo, E d . da Universidade de
S ã o Paulo, 1975.
vi,496p. cm.

D o original em inglês: Politicai order in changing socicties. TOMBO:114695


"Institucionalização e participação" por Carlos Castello B r a n c o .
Bibliografia.

1 . Ciência política. 2 . Países em desenvolvimento — Insti-


tuições civis e p o l í t i c a s . 3. Países em desenvolvimento - Política SBD-FFLCH-USP
e governo. I . T í t u l o .
BIBLIOTECA DE FILOSOFIA^
C D D — .^20
E CIÊNCIAS SOCIAIS
301.592091724
C D U — 32
75-0599 32(1-77) E D I T O R A FORENSE-UNIVERSITÁRIA
E D I T O R A D A U N I V E R S I D A D E D E SÃO P A U L O
L ORDEM POLÍTICA E DECADÊNCIA
POLÍTICA

o HIATO POLÍTICO

A distinção política mais importante entre os países se refere


não à sua forma de governo mas ao seu grau de governo. A s
diferenças entre democracia e ditadura são menores que as existentes
entre os países cuja política compreende consenso, comunidade, legi-
timidade, organização, eficiência, estabilidade e os países cuja polí-
tica é deficiente nessas qualidades. Tanto os estados comunistas
' totalitários quanto os estados liberais do Ocidente se enquadram ge-
ralmente mais na categoria de sistemas políticos efetivos do que na
de sistemas políticos fracos. Os Estados Unidos, a G r ã - B r e t a n h a e a
U n i ã o Soviética têm formas de governo diferentes mas, nos três
sistemas, o governo governa. Cada país é uma comunidade política
apresentando um consenso surpreendente entre os indivíduos quanto
à legitimidade do sistema político. E m cada país, os cidadãos e os
seus dirigentes têm uma visão com.um do interesse público da so-
ciedade e das tradições e dos princípios em que se baseia a comu-
nidade política. Os três países têm instituições políticas fortes, adap-
táveis e coesas: burocracias eficientes, partidos políticos bem orga-
nizados, um grau elevado de participação popular nos assuntos pú-
blicos, sistemas viáveis de controle civil sobre os militares, extensa
atividade do governo na economia e procedimentos razoavelmente
eficazes para regular a sucessão e controlar o conflito político. Esses
governos dispõem da lealdade de seus cidadãos e, por isso, têm ca-
pacidade de decretar impostos, recrutar pessoal e inovar e executar
medidas. Quando o Politburo, o Gabinete ou o Presidente tomam
uma decisão, existe alta probabilidade de que a mesma será imple-
mentada por intermédio da máquina governamental.
E m todas essas características, os sistemas políticos dos Estados
Unidos, da Grã-Bretanha e da União Soviética diferem significati-
vamente dos governos que existem em muitos, ou quase todos os
países em processo de modernização da Ásia, da África e da A m é -
rica Latina. Nestes países existe carência de muitas coisas, tais como
carências reais de alimentos, alfabetização, educação, riqueza, renda,
saúde e produtividade. Mas, na sua maior parte, essas são reconhe-

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Com poucas notáveis exceções, a evolução política desses países
cidas e fazem-se alguns esforços para superá-las. Além dessas carên-
cias e por trás delas, entretanto, há outra maior: a carência de depois da Segunda Guerra Mundial se caracterizou por crescentes
comunidade política e de um governo com eficiência, autoridade conflitos étnicos e de classe, intermitentes motins e violência de
e legitimidade. "Estou certo", observou Walter Lippmann, "de que massa, frequentes golpes de estado militares, domínio de instáveis
não existe necessidade maior para homens que vivem em comuni- líderes personahstas que tomaram quase sempre medidas económi-
dades do que a de serem governados, autogovernados se possível, cas e sociais desastrosas, corrupção generalizada e clamorosa entre
bem governados se tiverem sorte, mas, de qualquer maneira, gover- os ministros e os funcionários públicos, violação arbitrária dos di-
nados" ( 1 ) . Lippmann escreveu essas palavras num momento de reitos e liberdades dos cidadãos, declínio dos padrões de eficiência
desespero em relação aos Estados Unidos. Mas elas se aplicam muito e desempenho da burocracia, profunda alienação de grupos políticos
mais aos países em vias de modernização da Ásia, da África e da urbanos, perda de autoridade de legislativos e tribunais, e fragmen-
América Latina, onde a comunidade política é fragmentada contra tação e às vezes desintegração completa de partidos políticos de am-
si mesma e onde as instituições políticas t ê m pouco poder, menos pla base. Nos vinte anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial,
majestade e n ã o apresentam flexibilidade — onde, em muitos casos, ocorreram golpes de estado com êxito em 17 dos 20 países latino-
o governo simplesmente n ã o governa. americanos (só o México, o Chile e o Uruguai mantiveram proces-
sos constitucionais), em meia dúzia de estados da África do Norte
E m meados da década de 1950, Gunnar Myrdal chamou a aten-
ção do mundo para o fato aparente de que as nações ricas do mun- e do Oriente Médio (Argélia, Egito, Sina, Sudão, Iraque, Turquia),
do estavam ficando mais ricas, absoluta e relativamente, num ritmo em n ú m e r o igual de países da África Ocidental e África Central
mais rápido que as nações mais pobres. "De modo geral", afirmou (Gana, Nigéria, Dahomey, Alto Volta, República Centro-Africana,
ele, "as desigualdades económicas entre países desenvolvidos e sub- Congo) e em várias sociedades asiáticas (Paquistão, Tailândia, Laos,
desenvolvidos têm aumentado nos liltimos decénios". De forma seme- Vietnã do Sul, Birmânia, Indonésia, Coreia do S u l ) . Violência revo-
lhante, em 1966 o presidente do Banco Mundial mostrou que, com lucionária, insurreição e guerrilhas abalaram Cuba, Bolívia, Peru,
os índices correntes de crescimento, o hiato na renda nacional per Venezuela, Colômbia, Guatemala e a República Dominicana na
capita entre os Estados Unidos e quarenta países subdesenvolvidos América Latina, a Argélia e o lêmen no Oriente Médio, e a Indoné-
aumentaria 50% no ano 2000 { ^ ) . Sem dúvida, uma questão central, sia, a Tailândia, o Vietnã, a China, as Filipinas, a Malásia e o
talvez a questão central, na economia internacional e do desenvol- Laos na Ásia. Violências ou tensões raciais, tribais ou comunais
vimento é a tendência aparentemente implacável da ampliação desse dilaceraram a Guiana, o Marrocos, o Iraque, a Nigéria, Uganda,
hiato económico. U m problema semelhante e igualmente urgente o Congo, Burundi, o Sudão, Ruanda, Chipre, a índia, o Ceilão, a
existe na política. E m política, como em economia, aumentou o Birmânia, o Laos e o Vietnã do Sul. N a América Latina, ditaduras
abismo entre sistemas políticos desenvolvidos e sistemas políticos sub- oligárquicas ao velho estilo em países como o Haiti, o Paraguai e a
desenvolvidos, entre política cívica e política corrupta. Esse hiato Nicarágua mantiveram um frágil domínio de base policial. No he-
político é semelhante e se relaciona com o hiato económico, mas misfério oriental, regimes tradicionais no I r ã , Líbia, Arábia, Etiópia
n ã o é idêntico a ele. Países de economia subdesenvolvida podem ter e Tailândia lutaram para reformar-se embora vacilantes à beira de
sistemas políticos altamente desenvolvidos e países que atingiram um derrubada revolucionária.
alto nível de bem-estar económico podem ter ainda uma política Durante as décadas de 1950 e 1960, a incidência numérica de
desorganizada e caótica. Entretanto, no século X X , o locus principal violência e desordem política aumentou dramaticamente na maioria
do subdesenvolvimento político, bem como do subdesenvolvimento dos países do mundo. O ano de 1958, de acordo com um cálculo
económico, tende a ser os países em modernização da Ásia, da feito, assistiu a cerca de 28 prolongadas insurreições de guerrilheiros,
África e da América Latina. quatro levantes militares e duas guerras convencionais. Sete anos
depois, em 1965, 42 prolongadas insurreições estavam em andamento,
(1) Walter Lippmann, New York Herald Tribune. 10/12/1963, pág. 24.
ocorreram dez revoUas militares e cinco conflitos convencionais esta-
(2) G u n n a r Myrdal, Rich Lands and Poor (Terras Ricas e Pobres) \'am sendo travados. A instabilidade política também aumentou
(Nova Y o r k , Evanston, Harper and R o w , 1957), pág. 6; George D . Woods, significativamente durante as décadas de 1950 e 1960. A violência
"The Development Decade in the Balance" ( A D é c a d a do Desenvolvimento
e outros fatos favoráveis à instabilidade foram cinco vezes mais
em B a l a n ç o ) , Foreign Affairs, 44 (Jan. 1966), 207.

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frequentes entre 1955 e 1962 que entre 1948 e 1954. Sessenta e qua- A instabilidade política na Ásia, África e América Latina decorre
tro entre 84 países apresentavam-se menos estáveis no último pe- precisamente do insucesso em preencher essa condição: a igualdade
ríodo que no período anterior e)r-Por toda a Ásia, África e A m é - de participação política está crescendo muito mais rapidamente do
rica Latina, houve um declínio da ordem pohtica, um solapamento que a arte da associação. A s mudanças social e económica — urbani-
da autoridade, da eficácia e da legitimidade do governo. Houve falta zação, aumento da alfabetização e da educação, industrialização e
de moral cívica, de espírito público e dc instituições políticas capazes expansão dos meios de massa — estendem a consciência política,
de dar sentido e orientação ao interesse público. O que dominou a
multiplicam as demandas políticas e ampliam a participação política.
cena n ã o foi o desenvolvimento político mas a decadência política.
Essas mudanças minam as fontes tradicionais de autoridade política
e as instituições políticas tradicionais; complicam imensamente os
T A B E L A 1 . 1 . Conflitos Militares 1958-1965 problemas de se criar novas bases de associação política e novas
instituições políticas que combinem legitimidade e eficiência. A s
195S 1US9 IhdO lOUl 1962 1903 1964. 1065 taxas de mobilização social e de expansão da participação política
Insurreição prolongada,
são altas; as laxas de organização política e institucionalização são
irregular ou dc guer- baixas. O resultado é instabilidade política e desordem. O problema
rilheiros 28 31 30 31 34 41 43 42 fundamental da política é o atraso no desenvolvimento de institui-
Breves revoltas, golpes ções políticas em relação às mudanças social e económica.
e levantes 4 4 11 6 9 15 9 10 Durante duas décadas depois da Segunda Guerra Mundial, a
Guerras abertas, mili- política externa americana não conseguiu enfrentar esse problema.
tarmente convencio- O hiato económico, em contraste com o hiato político, foi alvo de
nais 2 1 1 6 4 3 4 5 atenção, análise e ação constantes. Programas de ajuda e de em-
préstimo, o Banco Mundial e bancos regionais, a O N U e a Orga-
Total 34 36 42 43 47 59 56 57 nização de Cooperação e Desenvolvimento Económico ( O C D E ) , con-
sórcios e grupos, planejadores e poUticos, todos participaram de um
Fonte: Departamento de Defesa dos Estados Unidos.
esforço ingente para resolver o problema do desenvolvimento eco-
nómico. Quem se preocupou, porém, com o hiato político? A s auto-
Qual foi a causa dessa violência e dessa instabilidade? A tese ridades americanas reconheceram que os Estados Unidos tinham
fundamental deste livro é que tudo foi em grande parte produto de um interesse fundamental na criação de regimes políticos viáveis
rápida m u d a n ç a social e de rápida mobilização de novos grupos para nos países em modernização. Mas poucas ou nenhuma das ativida-
a política em conjunção com o lento desenvolvimento das institui- des do governo americano dirigidas a esses países se relacionaram
ções políticas. "Entre as leis que regem as sociedades humanas", diretamente com a promoção da estabilidade pohtica e a redução
observou Tocqueville, " h á uma que parece ser mais precisa e clara do hiato político. Como pode ser explicada essa espantosa lacuna?
que todas as outras. Para que os homens permaneçam ou se tornem Tudo pareço ter raízes em dois aspectos distintos da experiência
civilizados, é preciso que a arte de se associarem cresça e melhore histórica americana. No confronto com os países em modernização,
na mo;;ma proporção em que aumenta a igualdade de condições" ( ' ) . os Estados Unidos levaram a desvantagem de sua história feliz. No
seu desenvolvimento, os Estados Unidos foram abençoados com
(3) Wallace W . Conroc, " A Cross-Níitionn! Analysis of the Tmpact of abundância económica, bem-estar social e estabilidade pohtica de
Modernization Upon Politicai Stability" CAnálise A t r a v é s dos P í í s e s do
Impacto da M o d e r n i z a ç ã o Sobre a Estnbilid-ide Política) — CTese inédita
sobra. Essa agradável conjunção de bênçãos levou os americanos a
de Master of Arls no State College de San Diego, 1 9 6 5 ) . págs. 5 2 - 5 4 , 6 0 - 6 2 ; acreditar na unidade do bem, presumindo que todas as coisas boas
Ivo K . c Rosalind L . Feierabend, "Agressive Behaviors \ v i i h i n Politics, vão juntas e que a consecução de um objetivo social desejável ajuda
1 9 4 S - I 9 6 2 : A Cross-National Study" (Comportamentos Agr cssivos Dentro da
Política, 1 9 4 8 - 1 9 6 2 : Estudo A t r a v é s dos Países) Journa! of ConjUct Reso-
a consecução de outros. Nas políticas americanas relativas aos paí-
lution. 10 (set. 1966), 253-254. ses em modernização, essa experiência se refletiu na crença de que
(4) A l é x i s de Tocqueville, Democracy in America ( A Democracia na a estabilidade política seria o resultado natural e inevitável da efe-
A m é r i c a ) — (ed. Phillips Bradley, Nova Y o r k , Knopf, 1 9 5 5 ) , 2 , 1 1 8 . tivação, primeiro, do desenvolvimento económico e, depois, da re-

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forma social. Através da década de 1950, o pressuposto que preva- centivar uma m u d a n ç a pacífica ao invés de violenta. E m outras
leceu na orientação americana foi que o desenvolvimento económico circunstâncias, porém, a reforma pode na verdade exarcerbar as ten-
— a eliminação da pobreza, da doença e do analfabetismo — era sões, precipitar a violência e ser uma força catalítica da revolução
necessário ao desenvolvimento político e à estabilidade política. No c não um substituto da mesma.
pensamento americano, a cadeia causal era a seguinte: a assistência Outra razão para a indiferença americana ao desenvolvimento
económica gera o desenvolvimento económico, o desenvolvimento político foi a ausência, na experiência histórica dos Estados Unidos,
económico gera a estabilidade política. Esse dogma foi reconhecido da necessidade de fundar uma ordem política. Tocqueville disse que
na legislação e, de maneira ainda mais importante, foi incutido no os americanos tinham nascido iguais e daí não terem tido de se
espírito dos funcionários da A I D e de outras agências envolvidas preocupar com a criação da igualdade; gozavam os frutos de uma
nos programas de assistência externa. revolução democrática sem a haver sofrido. Do mesmo modo, os
Se a decadência e a instabilidade políticas foram mais intensas Estados Unidos nasceram com um governo e práticas e instituições
na Ásia, África e na América Latina em 1965 do que quinze anos políticas importadas da Inglaterra do século X V I I . E m vista disso,
antes, isso aconteceu em parte porque as políticas americanas refle- os americanos nunca tiveram de preocupar-se com a criação de um
tiram esse dogma erróneo. Pois, de fato, o desenvolvimento econó- governo. Esse hiato na experiência histórica tornou-os especialmente
mico e a estabilidade política são dois objetivos independentes e o cegos aos problemas da criação de autoridade efetiva nos países em
progresso em direção a um deles n ã o tem necessariamente ligação modernização. Quando um americano pensa no problema de cons-
com o progresso em direção ao outro. E m alguns casos, os progra- trução de governo, volta-se não para a criação de autoridade e o
mas de desenvolvimento económico podem promover a estabilidade acúmulo de poder mas de preferência para a limitação da autoridade
política; em outros casos, podem solapar gravemente essa estabili- e a divisão de poder. Se lhe pedirem que projete um governo, apre-
dade. Do mesmo modo, algumas formas de estabilidade política po- sentará uma constituição escrita, declaração de direitos, divisão de
dem incentivar o crescimento económico; outras formas podem de- poderes, formas de controle e verificação, federalismo, eleições re-
sestimulá-lo. A índia era um dos países mais pobres do mundo na gulares, partidos concorrentes — tudo isso dispositivos excelentes
década de 1950 e tinha apenas um índice modesto de crescimento
para limitar o governo. O americano lockeano é t ã o fundamental-
económico. Entretanto, gmças ao Partido do Congresso, ela alcan-
mente antigoverno que ele identifica o governo com restrições
çou um alto grau de estabilidade política. A renda per capita da
ao governo. Diante da necessidade de planejar um sistema político
Argentina e da Venezuela era talvez dez vezes maior que a da índia
que maximize o poder e a autoridade, ele não tem uma solução
e a Venezuela tinha um índice fenomenal de crescimento económico.
pronta. A sua fórmula geral é que os governos devem basear-se em
Entretanto, para ambos os países a estabilidade permaneceu um ob-
eleições livres e honestas.
jetivo esquivo.
E m muitas sociedades em modernização, essa fórmula não tem
Com a Aliança para o Progresso em 1961, a reforma social — valor. Para terem sentido, as eleições pressupõem um certo nível de
isto é, a distribuição mais eqiiitativa de recursos materiais e sim- organização política. O problema não é realizar eleições mas criar
bólicos — se uniu ao desenvolvimento económico na qualidade de organizações. E m muitos, talvez em quase todos os países em moder-
um objetivo consciente e explícito das políticas americanas em rela- nização, as eleições só servem para favorecer o poder das forças
ção aos países em modernização. Esse processo foi, em parte, uma sociais perturbadoras e muitas vezes reacionárias e para derrubar
reação à Revolução Cubana e refletiu a presunção entre os elabo- a estrutura da autoridade pública. " N a formação de um governo que
radores de políticas de que as reformas agrária e fiscal, os projetos deve ser administrado por homens sobre homens", advertiu Madison
habitacionais e os programas assistenciais reduziriam as tensões so- em The Federalist n.° 51, " a grande dificuldade consiste no seguinte:
ciais e apagariam o estopim do fidelismo. Mais uma vez, a estabili- deve-se, primeiro, habilitar o governo a controlar os governados e,
dade política deveria ser o subproduto da consecução de outro obje- em seguida, obrigá-lo a controlar-se". E m muitos países em mo-
tivo socialmente desejável. N a realidade, é claro que a relação entre dernização, os governos são ainda incapazes de exercer a primeira
a reforma social e a estabilidade política é semelhante à existente função e, muito menos, a segunda. O problema fundamental n ã o é
entre o desenvolvimento económico e a estabilidade política. E m a liberdade mas a criação de uma ordem pública legítima. Os homens
algumas circunstâncias, as reformas podem reduzir as tensões e in- podem, sem dúvida, ter ordem sem liberdade mas n ã o podem ter

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liberdade sem ordem. É preciso que a autoridade exista antes de ser autoridaac e assim promover a comunidade entre duas ou mais for-
possível limitá-la, e autoridade é o que falta nos países em moderni- ças sociais. U m a comunidade política simples pode ter uma base
zação onde o governo está à mercê de intelectuais alienados, coro- puramente étnica, religiosa ou ocupacional e não terá muita neces-
néis turbulentos e estudantes desordeiros. sidade de instituições políticas altamente desenvolvidas. Tem a uni-
É precisamente essa escassez de autoridade que os movimentos dade da solidariedade mecânica de Durkheim. Quanto mais comple-
comunistas e de tipo comunista conseguem quase sempre resolver. xa e heterogénea é, porém, a sociedade, mais a efetivação e manu-
A história mostra conclusivamente que os governos comunistas não tenção da comunidade política se torna dependente do funciona-
são melhores que os governos livres em atenuar a fome, melhorar mento das instituições políticas.
a saúde, expandir o produto nacional, criar uma base industrial e N ã o é muito clara na prática a distinção entre uma instituição
aumentar a assistência. Mas uma coisa que os governos comunistas política e uma força social. Muitos grupos podem combinar caracte-
sabem fazer é governar; eles realmente proporcionam uma autori- rísticas significativas de ambas. A distinção teórica entre elas, en-
dade efetiva. Sua ideologia fornece uma base de legitimidade e sua tretanto, é fácil. Todos os homens que se empenham cm atividade
organização partidária provê o mecanismo institucional para a mobi- política podem ser presumivelmente membros de vários ag-upamc"
lização de apoio e a execução de políticas. Derrubar o governo em tos sociais. O nível de desenvolvimento político de uma sociedade
muitos países em modernização é uma tarefa simples: um batalhão, depende em grande parte da extensão em que es;-,:;3 ativ:.stas políti-
dois tanques e meia dúzia de coronéis podem bastar. Mas nenhum cos pertencem também a uma variedade de instituições políticas c
governo comunista num país em modernização foi derrubado por cora elas se identificam. É claro que o poder e a influencia das for-
um golpe de estado militar. O verdadeiro desafio que os comunistas ças sociais variam consideravelmente. Numa sociedade em r a c todos
colocam para os países em modernização não é que eles sejam capa- pertencem à mesma força social, cs conflitos são limitados c se re-
zes de derrubar governos (o que é fácil) mas que sejam capazes de solvem através da c>;rutura da força social. N ã o são necessárias 'ns-
constituir governos (o que é uma tarefa muito mais difícil). Podem tituições políticas claramente distintas. Numa sociedade em que há
n ã o dar liberdade, mas exercem autoridade; criam governos que po- apenas poucas forças sociais, um grupo — guerreiros, sacerdotes, uma
dem governar. Enquanto os americanos se esforçam laboriosamente determinada fam.ília, um grupo racial ou étnico — pode dominar os
por diminuir o hiato económico, os comunistas oferecem aos países outros e efetivamente induzi-los a aquiescer ao seu domínio. A so-
em modernização um método testado e provado de preencher o ciedade pode existir com pouca ou nenhuma comunidade. Mas numa
vácuo político. E m meio ao conflito social e à violência que afligem sociedade em que haja maior heterogeneidade e complexidade, ne-
os países em modernização, eles fornecem algumia certeza de ordem nhuma força social pode dominar e muito menos criar uma comu-
política. nidade sem criar instituições políticas que tenham alguma existência
independente das forças sociais que lhe deram origem. " O mais for-
te", disse Rousseau numa frase muito citada, "nunca c suficiente-
INSTITUIÇÕES POLÍTICAS: mente forte para ser sempre o senhor, a menos que transforme a
C O M U N I D A D E E O R D E M POLÍTICA força em direito e a obediência em dever". Numa sociedade dc al-
guma complexidade, o poder relativo dos grupos muda, mas para
Forças Sociais e Instituições Politicas que a sociedade se torne uma comunidade, o poder de cada grupo
é exercido por intermédio de instituições políticas que refreiam, mo-
I O nível de comunidade política atingido por uma sociedade re- deram e dão novo rumo a esse poder a fim de tornar o domínio
fflete a relação entre as suas instituições políticas e as forças so- de uma força social compatível com a comunidade de muitas.
1 ciais que a compõem. ;Uma força social é um grupo étnico, religioso,
N a ausência total de conflito social, as instituições políticas
territorial, económico ou de status. A modernização implica, em
são desnecessárias; na ausência total de harmonia social, são impos-
grande parte, na multiplicação e diversificação das forças sociais na
síveis. Dois grupos que se vê.;:" apenas como arquiinimigos n ã o po-
sociedade. Os agrupamentos familiares, raciais c religiosos são suple-
dem formar a base de uma comunidade enquanto não mudar essa
mentados por agrupamentos ocupacionais de classe e técnicos. Por
m ú t u a percepção. De\ haver alguma compatibilidade de interesses
outro lado, uma organização ou procedimento poHtico é um disposi-
entre os grupos que compõem a sociedade. Além disso, uma socie-
tivo para manter a ordem, resolver disputas, sclecionar líderes com

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dade complexa exige também alguma definição em termos de prm- fossem reduzidos à família e ao povoado. Nas sociedades simples,
cípios cerais ou obrigações éticas do laço que une os grupos e que a comunidade pode existir sem a política, ou, pelo menos, sem ins-
distingue a sua comunidade das outras. Numa sociedade simples, a r- tituições políticas altamente diferenciadas. Numa sociedade comple-
comunidade é encontrada na relação imediata entre duas pessoas: xa, a comunidade é produzida pela ação pohtica e mantida por
marido e mulher, irmão e irmão, vizinho e vizinho. A obrigação instituições políticas.
e a comunidade são diretas; n ã o h á interferência externa. Mas numa Historicamente, as instituições políticas surgiram da interação
sociedade mais complexa, a comunidade implica a relação de indi- e do desacordo entre as forças sociais e do desenvolvimento gra-/
víduos ou de grupos com algo exterior a eles. A obrigação é para dativo de procedimentos e dispositivos organizacionais para resolver
com algum princípio, tradição, mito, objetivo ou código de com- esses desacordos. A desintegração de uma pequena classe dirigente
portamento que as pessoas e os grupos têm em comum. Esses ele- homogénea, a diversificação de forças sociais e a interação cres-
mentos combinados constituem a definição de Cícero da comunidade k oente entre essas forças são requisitos para a emergência de orga-
ou "a associação de um n ú m e r o considerável de homens unidos por nizações e procedimentos políticos e para a eventual criação das
um comum acordo em torno de lei e direitos e pelo desejo dc par- instituições políticas. " A elaboração consciente de constituições pa-
ticipar de vantagens m ú t u a s " . Conscnsus júris e udlitatis communio rece ter entrado no mundo mediterrâneo quando a organização dos
são dois lados da comunidade política. Mas há também um terceiro clãs se enfraqueceu e a disputa entre ricos e pobres se tornou um
lado. Pois as atitudes devem refletir-se no comportamento e a co- fator importante na política" (•''). Os atenienses pediram uma consti-
munidade implica n ã o apenas uma "associação" qualquer, mas uma tuição a Sólon quando viram a sua polis ameaçada de dissolução
associação regularizada, estável e sustentada. E m suma, a associa- porque havia "tantos partidos diferentes quantas eram as diversida-
ção deve ser institucionalizada. E a criação de instituições políticas des da região" e " a disparidade de fortuna entre os ricos e os pobres
que compreendam e traduzam o consenso moral e o interesse mú- chegou também ao máximo naquele tempo" C^). Foram necessárias
tuo é, por conseguinte, o terceiro elemento necessário à m a n u t e n ç ã o instituições políticas mais altamente desenvolvidas para manter a co-
da comunidade numa sociedade complexa. Essas instituições dão, munidade política ateniense à medida que a sociedade de Atenas se
per sua vez, um sentido novo ao objetivo comum e criam novos tornou mais complexa. A s reformas de Sólon e Clístenes foram rea-
laços entre os interesses particulares de indivíduos e grupos. ções à m u d a n ç a sócio-económica que ameaçava minar a base anterior
Desse modo, o grau de comunidade numa sociedade complexa da comunidade. Quando as forças sociais se tornaram mais variegadas,
depende, grosso modo, da força e do alcance de suas instituições as instituições políticas tinham de tornar-se mais complexas e com
políticas. A s instituições são a manifestação ao nível de comporta- mais autoridade. F o i precisamente esse desenvolvimento, porém, que
mento do consenso moral e do interesse m ú t u o . A famíha, o clã, deixou de ocorrer em muitas sociedades em modernização no século
a tribo ou a aldeia em isolamento podem realizar a comunidade X X . A s forças sociais eram fortes e as instituições políticas fracas.
com um esforço consciente relativamente pequeno. São, em certo O legislativo e o executivo, as autoridades públicas e os partidos
sentido, comunidades naturais. À medida que as sociedades se tor- políticos permaneceram frágeis e desorganizados. O desenvolvimento
nam numericamente maiores, de estrutura mais complexa e de ati- do estado ficou atrás da evolução da sociedade.
vidadss mais diversificadas, a consecução ou a m a n u t e n ç ã o de um
alto nível de comunidade se torna cada vez mais dependente das
Critérios de Institucionalização Política
instituições políticas. Os homens relutam, porém, em desistir da
imagem da harmonia social sem ação política. E r a esse o sonho de
A comunidade política numa sociedade complexa depende assim
Rousseau. Continua a ser o sonho de estadistas e soldados que ima-
da força das organizações e dos procedimentos políticos na socie-
ginam que podem induzir a comunidade em suas sociedades sem
se empenharem no trabalho da política. É o objetivo escatológico
* ( 5 ) Francis D . Wormuth, The Origins of Modem Constitutionalism
dos marxistas que visam a criar de novo, ao fim da história, uma ( A s Origens do Constitucionalismo Moderno) — (Nova Y o r k , Harper 1941),
comunidade perfeita onde a política seja supérflua. N a realidade, pág. 4.
essa noção atávica só poderia ter êxito se a história voltasse atrás, (6) Plutarco, The Lives of the Noble Grecians and Romans ( A s Vidas
dos Nobres Gregos e Romanos) — (trad. John Dryden, Nova Y o r k , M o d e m
as civilizações se desfizessem e os níveis de organização humana L i b r a r y , n.d.), p á g . 104.

22 23
cimos na institucionalização de organizações e procedimentos partK
dade. Por sua vez, essa força depende da extensão do apoio dado às
organizações e aos procedimentos e ao seu nível de institucionaliza- caiares dentro de um sistema pohtico.
ção. A extensão se refere simplesmente ao ponto em que as orga- Adaptabilidade-Rigidez. Quanto mais adaptável tanto mais al-
nizações e procedimentos políticos abrangem a atividade da socie- tamente institucionalizada é uma organização ou procedimento,'
quanto menos adaptável e mais rígida, mais baixo é o seu nível
dade. Se apenas um pequeno grupo da classe alta pertence às or-
de institucionalização. A adaptabilidade é uma característica orga-
ganizações políticas e se comporta em termos de um conjunto de
nizacional adquirida. De modo geral, é uma função dos desafios do
procedimentos, a extensão é limitada. Se, ao contrário, um grande
ambiente e da iclade. Quanto mais desafios tiverem surgido em seu
segmento da população é politicamente organizado e adota os pro-
ambiente e quanto maior for a sua idade, mais adaptável ela será.
cedimentos políticos, a extensão c ampla. A s instituições são padrões A rigidez é mais característica das organizações novas do que das
de comportamento estáveis, válidos e recorrentes. A s organizações velhas. Entretanto, organizações e procedimentos velhos n ã o são ne-
e os procedimentos variam quanto ao seu grau de institucionaliza- cessariamente adaptáveis se existiram num meio estático. Além
ção. A Universidade de Harvard e uma recém-inaugurada escola disso, se durante certo período de tempo uma organização desen-
secundária suburbana são ambas organizações, mas Harvard tem volveu um conjunto de respostas para lidar efetivamente com um
muito mais as características de uma instituição do que a escola tipo de problema, e se vê então diante de um tipo inteiramente
secundária. O sistema de antiguidade no Congresso dos Estados diferente de problema que exige uma resposta diferente, a organi-
Unidos e a seleção nas entrevistas coletivas do Presidente Johnson zação pode muito bem ser uma vítima de seus sucessos anteriores
à imprensa eram ambos procedimentos, mas a antiguidade era mui- e mostrar-se incapaz de se ajustar ao novo desafio. E m geral, po-
to mais institucionalizada do que os métodos do Presidente Johnson rém, o primeiro obstáculo é o mais difícil. O êxito na a d a p t a ç ã o
de tratar com a imprensa. a um desafio do meio abre cam.inho para adaptações bem sucedidas
A institucionalização é o processo através do qual as organiza- aos desafios ambientais subseqiientes. Se, por exemplo, a probabi-
ções e os processos adquirem valor e estabilidade ( ' ) . O nível de ins- lidade de ajustamento bem sucedido ao primeiro desafio é de 50%,
titucionalização de qualquer sistema político pode ser definido pela a probabilidade de ajustamento bem sucedido ao segundo desafio
adaptabilidade, complexidade, autonomia e coesão de suas organiza- deve ser de 75%, ao terceiro desafio de 87,5%, ao quarto de 93,75%
ções e procedimentos. D a mesma forma, o nível de institucionali- e assim por diante. Além disso, algumas mudanças no ambiente,
zação de qualquer organização ou procedimento particular pode ser tais como mudanças de pessoal, são inevitáveis em todas as orga-
medido por sua adaptabilidade, complexidade, autonomia, e coesão. nizações. Outras mudanças do meio podem ser produzidas pela p r ó -
Se esses critérios podem ser identificados e medidos, os sistemas pria organização — por exemplo, quando executa com sucesso a
tarefa para a qual foi criada. Conquanto se reconheça que os meios
políticos podem ser comparados em termos de seus níveis de insti-
podem diferir quanto aos desafios que colocam para as organiza-
tucionalização. Será tamtjém possível medir os acréscimos e decrés-
ções, a adaptabilidade de uma organização pode, de modo geral,
ser medida pela sua idade (»). A idade, por sua vez, pode ser medida
(7) Para importantes definições e discussões de instituições e institu- de três maneiras.
cionalização, ver Talcott Parsons, Es.^iays in Sociological Theory (Ensaios de
Teoria S o c i o l ó g i c a ) — (ed. rev. Glencoe, 111., Free Press, 1954), págs. 143, U m a delas é simplesmente cronológica: quanto maior for o tem-
239; Charles P. Loomis, "Social Chango and Social Systems" ( M u d a n ç a Social po de existência de uma organização ou procedimento, mais alto
e Sistemas Sociais), em Edward A . Tiryakian, ed.. Sociológica! Theory, Values.
and Sociocultural Change (Teoria Sociológica, Valores e M u d a n ç a Sócio-
será o seii nível de institucionalização. Quanto mais velha for uma
Cultural) — (Nova Y o r k , Free Press, 1963), págs. 185 scg. Para um uso organização, mais provável será que continue a existir através de
paralelo mais diferente do conceito de institucionalização em relação u mo-
dernização, ver a obra de S. N . Eisenstadt, em particular "Initial Institu-
tional Pattems of Politicai Modemisation" (Padrões Institucionais Iniciais (8) V e r William H . Starbuck, "Organizational Growth and Development"
de M o d e r n i z a ç ã o P o l í t i c a ) , Civilisations, 12 (1962), 461-72 e li (1963), 15-26; (Crescimento e Desenvolvimento Organizacional) em James G . March, ed.,
"Institutionalization and Change" (Institucionalização e M u d a n ç a ) , American M M n ^' o/ Organizations (Manual de Organizações) — (Chicago, R a n d
Sociological Review, 24 (abril de 1964), 235-47; "Social Change, Differentiatiop McNally, 1965), pág. 453: "a natureza básica da adptação é tal que, quanto
and Evolution" ( M u d a n ç a Social, D i f e r e n c i a ç ã o e E v o l u ç ã o ) , ibid., 24 (junho mais uma o r g a n i z a ç ã o sobrevive, mais preparada fica para continuar a sobrc-
1964), 375-86.

25
24
difere de outra no que diz respeito a suas experiências de formação.
qualquer período de tempo futuro especificado. A probabilidade de A simples substituição de um grupo de dirigentes por outro, supe-
que uma organização com cem anos de idade sobreviva mais um rando, por exemplo, uma crise de sucessão, representa alguma coisa
ano é, por hipótese, cem vezes maior do que a probabilidade de que em termos de adaptabilidade institucional, mas não é t ã o importante
uma organização de um ano de idade sobreviva mais um ano. A s quanto a m u d a n ç a de gerações de dirigentes, isto é, a substituição
instituições políticas não são, pois, criadas da noite para o dia. O de um grupo de dirigentes por outro com experiências organizacio-
desenvolvimento político, neste particular, é lento, especialmente nais significativamente diferentes. A mudança de Lenine para Stalin
quando comparado com o ritmo aparentemente muito mais rápido foi uma sucessão intrageração, a mudança de Stalin para Khru&h-
do desenvolvimento económico. E m alguns casos, tipos especiais de chev foi uma sucessão intergerações.
experiência podem substituir o tempo: conflitos renhidos ou outros A adaptabilidade da organização pode ser medida também em
desafios graves podem transformar as organizações em instituições termos funcionais. É claro que as funções de uma organização po-
com muito maior rapidez do que as circunstâncias normais. Tais dem ser definidas em n ú m e r o quase infinito de maneiras. (Isto é,
experiências intensivas são raras e, ainda com elas, h á necessidade ao mesmo tempo, uma grande atração e uma grande limitação do
de tempo. " U m grande partido", observou Ashoka Mehta, ^comen- enfoque funcional às organizações.) Normalmente, uma organização
tando por que o comunismo não tinha chance na índia, " n ã o pode é criada para desempenhar uma função determinada. Quando essa
ser criado num dia. N a China, um grande partido foi forjado pela função n ã o mais se torna necessária, a organização enfrenta uma
revolução. Outros grandes partidos podem nascer ou nascem de re- crise primordial: ou encontra uma nova função ou se conforma com
voluções em outros países. Mas é simplesmente impossível forjar, uma morte lenta. U m a organização que se tenha adaptado às mu-
pelos canais normais, um grande partido e atingir e galvanizar mi- danças em seu meio e sobrevivido a uma ou mais mudanças em suas
lhões de homens em meio milhão de aldeias" Q>). funções principais é mais altamente institucionalizada que outra
A segunda medida de adaptabilidade é a idade da geração. E n - que não o tenha feito. A adaptabilidade funcional, e não a especifi-
quanto uma organização tem ainda o seu primeiro grupo de diri- cidade funcional, é a verdadeira medida de uma organização alta-
gentes, enquanto um procedimento é ainda executado por aqueles mente desenvolvida. A institucionalização torna a organização algo
que primeiro o executaram, sua adaptabilidade ainda está em dú- mais que um simples instrumento para a consecução de objetivos ( ' " ) •
vida. Quanto mais frequentemente a organização superou o proble- Seus líderes e membros passam então a valorizá-la em si mesma e
m a da sucessão pacífica e substituiu um grupo de dirigentes por ela desenvolve uma existência própria, à parte das fun':ões especí-
outro, mais altamente institucionalizada ela é. É claro que, de for- ficas que pode desempenhar num determinado momento. A orga-
ma considerável, a idade da geração é uma função da idade crono- nização triunfa sobre a sua função.
lógica. Mas os partidos políticos e os governos podem permanecer
durante décadas sob a liderança de uma mesma geração. Os fun- A s organizações e os indivíduos diferem assim, significativamen-
dadores de organizações — partidos, governos ou corporações em- te, quanto à sua capacidade cumulativa de se adaptarem às mudan-
presariais — são frequentemente jovens. Daí, o hiato entre a idade ças. Os indivíduos normalmente passam a infância e a adolescência
cronológica e a idade da geração tender a ser maior nos primeiros sem se comprometerem muito com funções altamente específicas.
momentos da história de uma organização do que posteriormente O processo de compromisso começa no fim da adolescência. A me-
em sua existência. Esse hiato gera tensões entre os primeiros diri- dida que o indivíduo se torna cada vez mais comprometido com o
gentes da organização e a geração imediatamente posterior, que desem.penho de funções específicas, aumenta sua dificuldade em
pode encarar a perspectiva de uma vida inteira à sombra da primei- alterar essas funções e abandonar as respostas adquiridas para fazer
ra geração. E m meados da década de 1960, o Partido Comunista face às mudanças do meio. Sua personalidade está formada, seus
Chinês tinha 45 anos, mas era ainda dirigido, em grande parte, pela hábitos profundamente arraigados. A s organizações, por outro lado,
primeira geração de líderes. É claro que uma organização pode mu- são usualmente criadas para desempenhar funções muito específicas!
dar sua liderança sem mudar as gerações da liderança. U m a geração Quando a organização se depara com um ambiente em mudança,

. (10) V e r a utilíssima discussão no pequeno livro clássico de Philip Selz-


(9) A s h o k a Mehta em R a y m o n d A r o n , ed., World Technology and nick Leadership in Administralion (Liderança em A d m i n i s t r a ç ã o ) (Nova
Human Destiny (Tecnologia Mundial e Destino Humano) — ( A n n Arbor, Jtork, Harper and R o w , 1957), pág. 5 seg.
University of Michigan Press, 1963), p á g . 133.

27
26
deve abrir m ã o dos compromissos com as funções originais, se de-
íura organizacional pura e simples, mesmo com o abandono da
seja sobreviver. Assim, à medida que vai amadurecendo, a organi-
missão central da organização" ('*). A vitória sobre a poliomielite
zação se torna cada vez menos "arraigada" ( " ) .
apresentou uma crise aguda semelhante para a F u n d a ç ã o Nacional
N a prática, as organizações variam muito em sua adaptabilida-
contra a Paralisia Infantil. Seus objetivos originais eram altamente
de funcional. A Y M C A (Young Men's Christian Association —
específicos. A organização deveria dissolver-se no momento em que
Associação Cristã de M o ç o s ) , por exemplo, foi criada em meados
estes objetivos foram atingidos? A opinião dominante dos voluntá-
do século X T X como uma organização evangélica para converter os
rios que dela narticiparam era de que a organização deveria_ conti-
jovens solteiros que, nos primeiros estágios da industrialização, emi-
nuar. "Podemos combater a poliomielite", disse um dos presidentes
gravam para as cidades. Com o declínio da necessidade dessa função,
municipais da organização, "se conseguirmos organizar as pessoas. Se
a Y M C A adaptou-se com sucesso ao desempenho de muitas outras
pudermos organizar pessoas como estas, poderemos combater qual-
funções do tipo "serviços gerais", funções essas amplamente relacio-
quer coisa". Outro apresentou a seguinte pergunta: " N ã o seria ma-
nadas com o objetivo legitimador do "desenvolvimento do caráter".
ravilhoso, depois de erradicarmos a paralisia infantil, nos dedicarmos
A o mesmo tempo, ampliou suas bases de associação, incluindo pri-
a combater outro mal e também vencê-lo, partindo então para mais
meiro protestantes não-evangclicos e depois católicos e judeus, acei-
outro? Seria um desafio para todos nós, algo a que nos dedicar-
tando não apenas jovens mas também homens mais velhos, não ape-
mos" ( 1 = ) .
nas homens mas também mulheres! Q-) E m conseqiiência. a orga-
Os problemas de adaptabilidade funcional das organizações polí-
nização prosperou, embora as suas funções originais tivessem desa-
ticas não são muito diferentes. U m partido político amadurece fun-
parecido com as fábricas sombrias e satânicas do início da era
cionalmente quando desloca sua função da representação de um
industrial. Outras organizações, como a "Woman's Christian T e m -
eleitorado para a representação de outro; amadurece funcionalmen-
perance U n i c n " (União Cristã Feminina de Temperança) e o
te também quando passa da oposição para o governo. U m partido
Movimento Townsend, encontraram uma dificuldade maior em se
que é incapaz de mudar de eleitorado ou de conquistar o poder tem
adaptarem às mudanças do meio. A W C T U "é uma organização
menos as características de uma instituição que outro que o conse-
em declínio: contrariando as formulações das teorias de institucio-
gue. U m partido nacionalista, cuja função tenha sido a conqu'sía
nalização, n ã o procurou preservar os valores organizacionais mesmo
da independência do domínio colonial, enfrenta uma grande crise
às custas das doutrinas passadas" ('^). O Movimento Townsend está
quando atinge seu objetivo e lhe é preciso adaptar-se à função bem
sendo dilacerado pelas disputas entre os que desejam permanecer
diferente de governar um país. Pode achar que esta transição fun-
leais à função original e os que põem em primeiro lugar os impera-
cional é tão difícil que, mesmo depois da independência, continuará
tivos de sobrevivência da organização. Se os últimos tiverem sucesso,
a dedicar uma parcela considerável dos seus esforços à luta contra
"a orientação dominante dos dirigentes e associados se deslocará do
o colonialismo. U m partido que age dessa maneira tem menos as
ciimprimenio dos valores que a organização deve representar (para
características de uma instituição que outro, como o Partido do
os seus líderes, associados e público) para a manutenção da estru-
Congresso, que abandona o anticolonialismo assim que a indepen-
dência é conquistada e rapidamente se adapta às tarefas de gover-
(11) Starbuck, nas págs. 473-75 do seu livro, diz que as organizações nar. A industralização tem sido o principal objetivo do Partido Co-
mais antigas s ã o menos suscetíveis que as mais novas a resistir às muilanças munista da U n i ã o Soviética. O grande teste da institucionalização
de objetivos, embora se mostrem mais dispostas a resistir às mudanças na do Partido Comunista será seu sucesso em desenvolver novas fun-
estrutura social e na estrutura da tarefa em que se empenham.
(12) V e r Mayer N . Zald e Patrícia Denton, " F r o m Evangelism to
General Service: T h e Transformation of the Y M C A . " ( D o Evangciismo ao
Serviço G e r a l : A T r a n s f o r m a ç ã o da A C M ) , Administrative Science Qnar- (14) Sheldon L . Mcssingcr, "Organizational Transformation: a Case
terly. 8 (Set. 1963), pág. 214 seg. Study of a Declining Social Movement" (Tran3rc:mação Organizacional:
um E.xemplo de Movimento Social cm D e c l í n i o ) , American Sociological
(13) Joseph R . Gusfield, "Social Structure and Moral Rcform: A Sludy
RevicM-, 20 (fevereiro de 1955), 10; os grifos s ã o do original.
of Woman's Christian Temperance Union" (Estrutura Social e Reforma
Moral: U m Estudo Sobre a U n i ã o Cristã Feminina de T e m p e r a n ç a ) , American (15) David L . Sills, Tlie Volunteers (Os V o l u n t á r i o s ) — (Glencoe,
111., Free Press, 1957), pág. 266. O capítulo 9 deste livro é uma excelente
Journal of Sociology, 61 (novembro de 1955), 232; o Gusfield, "The Problcm
oiscussao sobre a substituição do objetivo organizacional c o m - r e f e r ê n c i a à
of Generations in an Organizational Structure" (O Problema das G e r a ç õ e s í M C A , W C T U , Movimento Townsend, Cruz Vermelha e outros estudos
numa Estrutura Organizacional), Social Forces, 35 (maio de 1957), 323 seg. de caso.

2S
29
ções, agora que a parcela maior do esforço de industrialização já
ficou para trás. U m órgão governamental que consegue com sucesso Quando a autoridade do xogunato decaiu, outra instituição tradicio-
adaptar-se à mudança de funções, como a Coroa Britânica nos sé- nal, o imperador, se mostrou disponível para tornar-se o instrumento
culos X V I I I c X I X , tem mais as características de uma instituição de modernização dos samurais. A derrubada do xogum implicou n ã o
que outro que n ã o o consegue, como a monarquia francesa nos o colapso da ordem política mas a " r e s t a u r a ç ã o " do imperador.
séculos X V I I I e X I X . O sistema político mais simples é aquele que depende de um
Complexidade-Simplicidade. Quanto mais complexa é uma or- único indivíduo. É t a m b é m o menos estável. Todas as tiranias, res-
ganização, mais institucionalizada se torna. A complexidade pode saltou Aristóteles, possuem virtualmente "vida curta" ( " ) . A o con-
envolver tanto a multiplicação de subunidades organizacionais em trário, um sistema político com diferentes instituições políticas tem
bases hierárquicas e funcionais, como a diferenciação entre os di- maiores possibilidades de adaptar-se. A s necessidades de uma era
versos tipos de subunidades. Quanto maior o mímero e a variedade podem ser enfrentadas por um grupo de instituições; as necessida-
de subunidades, maior a capacidade da organização de assegurar e des de outra por outro,grupo. O sistema possui dentro de si mesmo
manter a lealdade dos seus membros. Além do mais, uma organiza- os meios necessários para sua própria renovação e adaptação. No
ção que possui muitos objetivos pode adaptar-se melhor à perda de sistema americano, por exemplo, o Presidente, o Senado, a C â m a r a
um deles do que uma organização que possui apenas um objetivo. de Representantes, a Corte Suprema e os governos estaduais têm
A corporação que diversificou suas operações é evidentemente me- desempenhado diferentes papéis em diferentes épocas da história.
nos vulnerável do que a que produz apenas determinado produto Quando sur.gem problemas novos, a iniciativa de enfrentá-los pode
para determinado mercado. A diferenciação das subunidades dentro caber primeiro a uma das instituições e depois a outra. E m con-
de uma organização pode ou não desenvolver-se ao longo de linhas traste, o sistema francês das Terceira e Quarta Repúblicas centra-
funcionais. Se o caráter é essencialmente funcional, então as pró- lizava toda a autoridade na Assembleia Nacional e na burocracia
prias subunidades são menos altamente institucionalizadas do que nacional. Se a Assembleia estava por demais dividida para agir e
o todo do qual fazem parte. M u d a n ç a s nas funções do todo, no à burocracia faltava a autoridade para agir, como acontecia fre-
entanto, se refletem facilmente em mudanças no poder e papel de quentemente, o sistema era incapaz de adaptar-se às mudanças do
suas subunidades. Se as subunidades são multifuncionais, possuem meio e enfrentar os novos problemas de resoluções políticas que
maior força institucional, mas podem também contribuir, por isso surgiam. Quando, na década de 1950, a Assembleia mostrou-se inca-
mesmo, para que a organização como um todo tenha menos flexi- paz de resolver o problema decorrente da dissolução do Império
bilidade. Daí porque um sistema político com partidos de "integra- francês, n ã o havia nenhuma outra instituição, como um poder exe-
ção social", nas palavras de Sigm.und Neumann, possui menos fle- cutivo independente, para preencher o vácuo que então se formou.
xibilidade institucional que outro com partidos de "representação E m consequência, uma força extraconstitucional, os militares, inter-
individual" C » ) . vieram na política, e a consequência natural foi a criação de uma
nova instituição, a Presidência de De Gaulle, que pôde então en-
Sistemas políticos tradicionais relativamente primitivos e sim- frentar o problema. " U m estado que não possui os meios de mudar",
ples são geralmente superados e destruídos no processo de moder- observou Burke a respeito de uma crise francesa anterior, " n ã o tem
nização. Os sistemas tradicionais mais complexos têm maior proba- as armas necessárias para a sua própria conservação" Q^).
bilidade de se adaptarem às novas exigências. O Japão, por exem-
Os teóricos políticos clássicos, preocupados como eram com o
plo, conseguiu ajustar suas instituições políticas tradicionais ao
problema da estabilidade, chegaram a conclusões semelhantes. A s
mundo moderno graças à sua relativa complexidade. Durante dois
formas sirpples de governo eram as que tinham maiores probabili-
séculos e meio, antes de 1868, o imperador tinha reinado e o xogum
dades de degenerar; o "estado misto" tinha maiores possibilidades
de Tokugawa tinha governado. A estabilidade da ordem política, no
de ser estável. Tanto Platão quanto Aristóteles sugeriram que o
entanto, não dependia exclusivamente da estabilidade do xogunato.
estado mais prático era a Polis que combinasse as instituições da

(16) Sigmund Neumann, "Touard a Comparative Study of Politicai


Parties" (Para um Estudo Comparati\ dos Partidos P o l í t i c o s ) , cni Neumann, (17) Aristóteles, Polilics (Política) — (trad. de Ernest Barkcr, Oxford,
ed., Modern Politicai Parties (Partidos Políticos Modernos) — (Chicago, Clarendon Press, 1946), pág. 254.
University of Chicago Press, 1956), págs. 403-5. (18) Edmund Burke, Refleclions on the Revolution in France (Reflexões
Sobre a R e v o l u ç ã o na F r a n ç a ) — (Chicago, Regnery, 1955), pág. 37.
30
31
democracia e da oligarquia. U m "sistema constitucional baseado valores, distinguíveis dos das outras instituições e forças sociais. E
absolutamente e cm todos os pontos na concepção oligárquica ou também como o judiciário, a autonomia das instituições políticas
na democrática de igualdade é uma péssima coisa", argumentava é provavelmente o resultado da competição entre forças sociais. U m
Aristóteles. "Os fatos estão aí para provar: uma constituição desse partido político, por exemplo, que expresse os interesses de um
tipo nunca dura muito". U m a "constituição é sempre melhor quan- único grupo da sociedade — quer seja de operários, de empresários
do é composta de elementos mais numerosos" ( ' " ) . T a l constituição ou fazendeiros — é menos a u t ó n o m o do que outro que articula e
pode mais facilmente impedir a sedição e a revolução. Políbio e Cí- agrega os interesses de diversos grupos sociais. O último tipo de
cero desenvolveram esta ideia de forma mais explícita. Cada uma partido possui uma existência claramente definida, acima de forças
das "boas" formas simples de governo — o sistema monárquico, a sociais determinadas. O mesmo ocorre com o legislativo, o executivo
aristocracia e a democracia — pode degenerar em suas respectivas e a burocracia.
formas deturpadas — tirania, oligarquia e oclocracia. Só se pode Os procedimentos políticos, da mesma forma que as organiza-
evitar a instabilidade e a degeneração combinando-se elementos de ções políticas, possuem t a m b é m diversos graus de autonom-a. U m
todas as formas boas de governo num estado misto. A complexidade sistema político altamente desenvolvido tem procedimentos para
gera a estabilidade. "Os governos simples", repetiu Burke dois mJl reduzir, quando não para eliminar, o papel da violência no sistema
anos depois, "são fundamentalmente defeituosos, para não dizer e para limitar a influência do dinheiro no sistema a canais explici-
pior-e"). tamente definidos. N a medida em que as autoridades políticas po-
Aiitonoinia-Subordinação. U m a terceira medida da institucio- dem ser derrubadas por alguns poucos soldados ou influenciadas por
nalização é a extensão em que as organizações e os procedimentos alguns poucos dólares, é que falta autonomia às organizações e pro-
políticos existem independentemente de outros agrupam.entos sociais cedimentos. N a linguagem comum, diz-se que as organizações e
e métodos de comportamento. Até que ponto a esfera política se procedimentos políticos a que faltam autonomia são corruptos.
diferencia das demais? Num sistema político altamente desenvolvido, A s organizações e procedimentos políticos que são vulneráveis
as organizações políticas possuem uma integridade que falta nos sis- a influências não-políticas de dentro da sociedade, normalmente são
temas menos desenvolvidos. De certa forma e até determinado pon- também vulneráveis a influências de fora da sociedade. São facil-
to, estão a salvo de impacto de grupos e procedimentos não-polííi- mente infiltradas por agentes, grupos e ideias de outros sistemas po-
cos. Nos sistemas políticos menos desenvolvidos, são altamente líticos. Assim, um golpe de estado num determinado sistema político
vulneráveis às influências externas. pode acionar golpes de estado por grupos similares em outros siste-
E m seu nível mais concreto, a autonomia envolve as relações mas políticos menos desenvolvidos ( - ' ) . E m alguns casos, aparen-
entre forças sociais, por um lado, e organizações políticas, por ou- temente, um regime pode ser derrubado com a introdução clandes-
tro. A institucionalização política, no sentido de autonomia, signi- tina no país de alguns agentes e um punhado de armas. E m outros
fica o desenvolvimento de organizações e procedimentos políticos casos, um regime pode ser derrubado com uma conversa rápida e
que n ã o sejam apenas expressões dos interesses de grupos sociais alguns milhares de dólares, num acerto entre um embaixador estran-
determinados. A uma organização política que é o instrumento de geiro e alguns coronéis descontentes. O governo soviético e o ame-
um grupo social — família, clã, classe — falta autonomia e insti- ricano gastam presumivelmente somas substanciais tentando subor-
tucionalização. Se o estado, na tradicional afirmativa marxista, é nar altas autoridades de sistemas políticos menos resguardados,
realmente o "comité executivo da burguesia", então não é muita somas essas que nem sequer pensariam desperdiçar procurando in-
coisa como instituição. U m poder judiciário é independente na me- fluenciar ahas autoridades do sistema político um do outro.
dida em que se apoia em normas jurídicas distintas e na medida E m toda a sociedade onde há mudanças sociais, surgem no^os
em que suas perspectivas e comportamento são independentes dos grupos para participar da política. Quando falta autonomia ao sis-
das outras instituições políticas e agrupamentos sociais. Como acon- tema político, esses grupos entram na política sem .se identificar com
tece com o poder judiciário, a autonomia das instituições políticas
se mede pela extensão em que possuem seus próprios interesses e
(21) V e r Samuel P. Huntington, "Patterns of Violcnce in World Po-
litics" ( P a d r õ e s de V i o l ê n c i a na Política Mundial), em Huntington, ed.,
(19) Politics, págs. 60, 206. Changing Patterns of Military Politics (Padrões em M u d a n ç a na Política M i -
(20) Burke, Reflections on the Revolution in France, pág. 92. litar) — (Nova Y o r k , Free Press, 1962), págs. 44-47.

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as organizações políticas já estabelecidas e sem aquiescer aos pro- Teoricamente, uma organização pode ser a u t ó n o m a sem ser
cedimentos políticos já estabelecidos. A s organizações e os procedi- coesa e pode ser coesa sem ser autónoma. N a prática, contudo, as
mentos políticos são incapazes de resistir então ao impacto de uma duas coisas estão estreitamente ligadas. A autonomia torna-se um
nova força social. N u m sistema político desenvolvido, ao contrário, meio de alcançar a coesão, permitindo que a organização desen-
a autonomia do sistema é resguardada por mecanismos que restrin- volva um estilo e um espírito que se tornam as marcas distintas de
gem e atenuam o impacto dos novos grupos. Esses mecanismos tor- seu comportamento. A autonomia impede também a intrusão de
nam mais lento o ingresso dos novos grupos na política ou, através forças externas desagregadoras, embora, é claro, n ã o proteja contra
de um processo de socialização política, estimulam as mudanças nas a desagregação originária de fontes internas. Expansões rápidas ou
atitudes e comportamento dos membros politicamente mais ativos substanciais no mímero de membros de uma organização ou nos
do novo grupo. Num sistema político altamente institucionalizado, participantes de um sistema tendem a diminuir a sua coesão. A Ins-
as posições mais importantes de liderança normalmente só podem tituição Governante Otomana, por exemplo, manteve a sua vitali-
ser alcançadas pelos que passaram por um estágio de aprendizado dade e coesão enquanto a admissão aos seus quadros era restrita
em posições menos importantes. A complexidade de um sistema e os recrutas eram "submetidos a uma educação intensiva, com se-
político contribui para a sua autonomia, proporcionando uma diver- leção e especialização em cada estágio". A Instituição pereceu quan-
sidade de organizações e posições em que os indivíduos são prepa- do "todos insistiram em partilhar seus p r i v i l é g i o s . . . O m í m e r o de
rados para os postos mais altos. De certa forma, as posições mais membros foi aumentado e a disciplina e eficiência declinaram" (--0.
elevadas de liderança constituem a própria essência do sistema polí- A unidade, o espírito, a moral e a disciplina são necessários
tico; as posições menos importantes, as organizações periféricas e aos governos assim como aos regimentos. Os efetivos, as armas e
as organizações semipolíticas são os filtros pelos qua^s devem pas- a estratégia são elementos importantes numa guerra, mas uma defi-
sar os que desejam ter acesso ao cerne do sistema. Assim, o sistema ciência maior em qualquer desses fatores pode ainda ser contraba-
político assimila novas forças sociais e novos membros, sem sacri- lançada por uma coesão e disciplina superiores. O mesmo ocorre
na política. Os problemas concernentes à criação de organizações
ficar sua integridade institucional. N u m sistema político a que fal-
políticas coesas são mais difíceis mas não fundamentalmente dife-
tem tais defesas, novos membros, novos pontos de vista e novos
rentes dos inerentes à criação de organizações militares coesas. " O
grupos sociais podem substituir-se uns aos outros, no cerne do sis-
sentimento de apoio de uma força militar", ressaltou David Rapo-
tema, com desconcertante rapidez.
port,
Coesão-Desunião. Quanto mais coesa e unida é uma organiza-
ção, mais altamente institucionalizada se torna; quanto maior é a "tem muita coisa em comum com o que une qualquer grupo
desunião da organização, menos institucionalizada ela é. É claro que de homens empenhados na política — a disposição da maioria
um pré-requisito para a existência de qualquer grupo social é um dos indivíduos a refrear os impulsos particulares ou pessoais
mínimo de consenso. U m a organização efetiva requer pelo menos pelos objetivos sociais gerais. Os camaradas devem confiar na
o consenso substancial sobre os limites funcionais do grupo e sobre habilidade de cada um para resistir às inumeráveis tentações
os procedimentos para dirimir as disputas que surgem dentro deles. que ameaçam a solidariedade do grupo; de outra forma, em
O consenso deve estender-se aos que têm participação ativa no sis- situações de teste, o desejo de se defender a si próprio torna-se
tema. Os não-participantes ou os que participam no sistema apenas irresistível" (2<).
esporádica e marginalmente não têm de partilhar o consenso; de
fato, geralmente n ã o o fazem, pelo menos na mesma extensão em A capacidade de coordenação e disciplina é crucial tanto para
que os participantes ( ~ ) . a guerra quanto para a política. Historicamente, as sociedades que

(23) Arnold J . Toynbee, A Sludy of History ( U m Estudo da História)


(22) V e r , p. ex., Herbert McCIoskey, "Consensus and Ideology in — (resumo dos Vols. I - V I , por D . C . Somervell, Nova Y o r k , Oxford U n i -
American Politics" (Consenso e Ideologia na Política A m e r i c a n a ) , American versity Press, 1947), págs. 176-77.
Politicai Science Review, 18 (junho de 1964), 361 seg.; Samuel Stouffe
(24) David C . Rapoport, " A Comparative Theory of Military and Po-
Ccmmunism, Conformity, and CivH Liberties (Comunismo, Conformidade e
liticai Types" ( U m a Teoria Comparativa das Classes Militar e Política) —
Liberdades Civis) — (Garden City, N . Y . , Doubleday, 1955) passim.
em Huntington, ed., Changing Patterns of Military Poltics, pág. 79.

34 3S
se mostraram hábeis na organização de uma, também se mostraram duo ("L'état c'est moi"), grupo, classe (marxismo) ou maioria;
capazes na outra. " A relação da organização social eficiente nas ar- quer com o resultado de um processo competitivo entre indivíduos
tes da paz e nas artes do conflito grupai", observou um antropó- (liberalismo clássico) ou grupos (bentlcyismo). O problema de to-
logo, "é quase absoluta, quer tratemos de civilizações ou subcivili- das essas abordagens é chegar a uma definição que seja concreta
zações. A guerra bem sucedida depende do trabalho de equipe e do em vez de nebulosa, geral em vez de particular. Infelizmente, porém,
consenso, duas coisas que exigem comando e disciplina. Além disso, na maioria dos casos, o que é concreto carece de generalidade, e
comando e disciplina podem eventualmente ser meros símbolos de o que é geral carece de concretude. U m a solução parcial para
algo mais profundo e mais real do que eles próprios" (-'•). Sociedades o problema é definir o interesse v público em termos dos interesses
tais como Esparta, Roma e Inglaterra, admiradas pelos seus contem- concretos das instituições de governo. U m a sociedade com organi-
porâneos pela autoridade e justiça de suas leis, também foram admi- zações e procedimentos de governo altamente institucionalizados é
radas pela coesão e disciplina de seus exércitos. A disciplina e oj] mais capaz de articular c promover os seus interesses públicos. "Co-
íicsenvolvimento andam sempre de mãos dadas. munidades políticas organizadas (institucionalizadas)", afirma Frie-
drich, "estão mais bem adaptadas para tomar decisões e desenvolver
Instituições Políticas e Interesses Públicos políticas que as comunidades não-organizadas" ( - ' ) . O interesse pú-
blico, neste sentido, não é algo que exista a priori na lei natural ou
A s instituições políticas possuem dimensões morais e estrutu- na vontade dc povo. T a m b é m não é simplesmente o que quer que
rais. U m a sociedade com instituições políticas débeis n ã o tem capa- resulte do processo político. A o contrário, é tudo aquilo que forta-
cidade para dominar os excessos de desejos pessoais e paroquiais. lece as instituições governamentais. O interesse público é o interesse
A pohtica é um mundo hobbesiano de implacável competição entre das instituições públicas. É algo criado e trazido à luz pela institu-
forças sociais — homem contra homem, família contra família, clã cionalização das organizações governamentais. N u m sistema político
contra clã, região contra região, classe contra classe — uma com- complexo, muitas organizações e procedimentos governamentais re-
petição n ã o mediada por organizações políticas mais amplas. O "fa- presentam muitos aspectos diversos do interesse público. O interesse
milismo amoral" da sociedade retrógrada de Banfield tem sua con- público de uma sociedade com.plexa é um assunto complexo.
trapartida no clanismo amoral, no grupismo amoral, no classismo Os democratas estão acostumados a pensar nas instituições go-
amoral. A moralidade requer confiança; a confiança envolve previ- vernamentais como dotadas de funções representativas, isto é, ex-
sibilidade; e a previsibilidade requer padrões de comportamento re- pressando os interesses de alguns outros conjuntos de grupos (o seu
gularizados e institucionalizados. Sem instituições políticas fortes, a eleitorado). Esse é o motivo pelo qual têm a tendência de esquecer
sociedade carece dos meios para definir e realizar seus interesses que as instituições governamentais possuem interesses próprios. E s -
comuns. A capacidade de criar instituições políticas é a capacidade ses interesses não apenas existem mas são também razoavelmente
de promover os interesses públicos. concretos. É difícil, porém n ã o inteiramente impossível, responder
Tradicionalmente, o interesse público tem sido abordado de três a perguntas como: "Qual o interesse da Presidência? Qual o inte-
maneiras (-«). T e m sido identificado quer com valores e normas abs- resse do_ Senado? Qual o interesse da C â m a r a dos Representantes?
tratos, substantivos ou ideais, tais como a lei natural, a justiça, ou Qual o interesse da Corte Suprema?" A s respostas podem fornecer
reta razão; quer com o interesse específico de determinado indiví- iim quadro bem aproximado do "interesse público" dos Estados U n i -
dos. D a mesma forma, o interesse público da Grã-Bretanha pode
ser avaliado pelos interesses institucionais específicos da Coroa, do
(25) Harry Holbert Turney-High, Primitive War (Guerra Primitiva) —
(Columbia, S. C , University of South Carolina Press, 1949), págs. 235-36.
Gabinete e do Pariamento. Na U n i ã o Soviética, a resposta envol-
(26) V e r , de um modo geral, Glendon Schubert, Tlie Public liuerest veria os interesses institucionais específicos do Presidium, do Secre-
( O Interesse Público) - (Glencoe, 111., Free Press, 1960); C a r l J . Friedrich, tariado e do Comité Central do Partido Comunista.
ed., Nomos V: The Public Interest (Nova Y o r k , A m e r i c a n Society of Poli-
ticai and Legal Philosophy, 1962); Douglas Price, "Theories of the Public
Os juieresses iuotitucionais diferem dos interesses dos indivíduos
Interest" (Teorias do Interesse P ú b l i c o ) — em Lynton K . CaldwcU, ed., que estão nas instituições. A observação arguta de Keynes de que,
Polilics and Public Affairs (Política e Assuntos Públicos) — (Bloomington,
Indiana University Press, 1962), págs. 141-60; Richard E . Flathman, The
(27) C a r l J . Friedrich, Man and His Government ( O Homem e Seu
Public Interest ( O Interesse P ú b l i c o ) — (Nova Y o r k , Wiley, 1966).
Ooverno) — (Nova Y o r k , M c G r a w - H i l l , 1963), pág. 150, grifo no original.

36 37
O interesse público da União Soviética pode ser compreendido
"a longo prazo, todos estaremos mortos", aplica-se aos indivíduos através dos interesses institucionais dos órgãos mais altos do Partido
e n ã o às instituições. Os interesses individuais são necessariamente Comunista: " O que é bom para o Presidium, é bom para a União
interesses a curto prazo. Os interesses institucionais, no entanto, pro- Soviética". Sob esse aspecto, o stalinismo pode ser definido como
loncam-se através dos tempos; o proponente da instituição tem de uma situação em que os interesses pessoais do governante têm pre-
pensar no bem-estar da mesma por um futuro indefinido. Essa con- cedência sobre os interesses institucionalizados do partido. A partir
sideração frequentemente implica uma limitação dos objetivos ime- do final da década de 1930, Stalin enfraqueceu consistentemente o
diatos. A "verdadeira política tanto para a democracia quanto para partido. Entre 1939 e 1952 não foi realizado nenhum congresso do
a oligarquia", observou Aristóteles, " n ã o é a que assegure a maior partido. Durante e depois da Segunda Guerra Mundial, o Comité
força possível de uma ou de outra, mas a que assegure a vida mais Central raramente se reuniu. O secretariado do partido e a hierar-
longa possível para ambas" P ) . O dirigente que tenta maximizar o quia do partido foram enfraquecidos pela criação de órgãos con-
poder ou outros valores a curto prazo, quase sempre enfraquece correntes. Esse processo, concebivelmente, poderia ter resultado na
a sua instituição a longo prazo. Os ministros da Corte Suprema po- substituição de um conjunto de instituições governamentais por ou-
d.^m, em termos de seus desejos individuais imediatos, querer decla- tro. Aliás, alguns estudiosos americanos e alguns dirigentes soviéti-
rar inconstitucional um ato do Congresso. Mas ao decidirem se isso cos lealmente achavam que as organizações governamentais e não
c ou não do interesse público, provavelmente devem perguntar-se as organizações partidárias é que acabariam como as instituições do-
se. a longo prazo, fazer isso é também do interesse institucional da minantes na sociedade soviética. Mas a ação de Stalin não tinha essa
Corte Suprema. Os estadistas do Poder Judiciário são os que, como intenção nem produziu esse efeito. E l e aumentou o seu poder pes-
John Marshall na questão Marbury vs. Madison, maximizam o poder soal e n ã o o poder governamental. Quando morreu, seu poder pes-
institucional da Corte de tal forma, que se torna impossível ao Pre- soal também morreu. A luta para preencher o vácuo resultante foi
sidente ou ao Congresso ameaçá-lo. E m contraste, os ministros da ganha por Khrushchev, que identificou seus interesses com os in-
Corte Suprema na década de 1930 chegaram muito perto da expan- teresses da organização do partido, e não por Malenkov, que iden-
são de sua influência imediata, em detrimento dos interesses a longo tificou-se com a burocracia governamental. A consolidação do poder
prazo da Corte como instituição. de Khrushchev marcou o reaparecimento e revitalização dos prin-
"O que é bom para a General Motors é bom para o país" — cipais órgãos do partido. Embora agissem de maneiras bem diferen-
eis uma frase que contém pelo menos uma verdade parcial. " O que tes e por motivos diversos, Stalin enfraqueceu o partido da mesma
c bom para a Presidência é bom para o país", contém, no entanto, forma que Grant enfraqueceu a Presidência. Assim como uma Pre-
uma verdade maior. Basta pedir a qualquer grupo razoavelmente sidência forte atende ao interesse público americano, um partido
bem informado de americanos que enumere os cinco melhores pre- forte atende ao interesse público soviético.
sidentes e os cinco piores. Peça-se depois que identifiquem os cinco Pela teoria da lei natural, as ações governamentais são legítimas
presidentes mais fortes e os cinco mais fracos. Se a identil'icação de na medida em que estão de acordo com a "filosofia pública" ( - " ) •
força com excelência e de fraqueza com deficiência não for 100%, Segundo a teoria democrática, derivam sua legitimidade da extensão
será pelo menos de 80%. Os presidentes que expandiram os poderes em que incorporam a vontade do povo. De acordo com o conceito
de suas funções, como Jefferson, Lincoln, os Roosevelts, Wilson, processual, as ações são legítimas quando representam o resultado
são saudados como os promotores pródigos do bem-estar público de um processo de conflito e compromisso dos quais participaram
e do interesse nacional. J á os presidentes que — como Buchanan, todos os grupos interessados. Por outro lado, no entanto, a legiti-
Grant e Harding — falharam na defesa do poder de sua instituição midade das ações governamentais pode ser procurada na medida em
contra outros grupos, são considerados como os que também fizeram que refletem os interesses das instituições governamentais. E m con-
menos pelo país. O interesse institucional coincide com o interesse
público. O poder da Presidência é identificado com o bem da co- (29) V e r Walter Lippmann, The Public Pliilosopliy ( A Filosofia P ú -
munidade política. blica) — (Boston, Little Brown, 1955), esp. pág. 42, para a sua definição
o interesse público como "o que os homens escolheriam se vissem com
volêndà"''^"^^^^^'" racionalmente e agissem desinteressadamente e com bene-
(28) Politica, pág. 267.

39
38
dãos, de lealdades nacional c pública, e de habilidade e capacidade
traste com a teoria do governo representativo, por esse conceito as
de organização. A s suas culturas políticas são frequentemente assi-
instituições governamentais derivam sua legitimidade e autoridade
naladas pela suspeita, inveja e hostilidade latente ou manifesta em
n ã o do grau em que representam os interesses do povo ou de qual-
relação a todos os que não sejam membros da família, da aldeia,
quer outro grupo, mas do grau em que possuem interesses próprios
ou talvez da tribo. Essas características encontram-se em muitas
distintos dos de quaisquer outros grupos. Os políticos frequentemen-
cuhuras, mas talvez sejam mais patentes nb mundo árabe e na A m é -
te observam que'depois que assumem o cargo, as coisas "parecem
rica Latina. " A desconfiança entre os árabes", comentou um obser-
diferentes" do que pareciam quando a ele estavam concorrendo.
vador sagaz, "é internalizada desde cedo no sistema de valores da
Essa diferença é a medida das demandas institucionais do cargo. E
criança... Organização, solidariedade e coesão são coisas que fal-
é precisamente essa diferença nas perspectivas que legitima as de-
tam. . . A mentalidade pública não está desenvolvida e a consciência
mandas que o ocupante do cargo faz a seu concidadãos. Os inte-
social praticamente não existe. A submissão ao estado é débil e a
resses do'presidente, por exemplo, podem coincidir parcial e tempo-
identificação com os líderes é fraca. Além disso, predomina uma
rariamente primeiro com os interesses de um grupo e depois com
desconfiança geral em relação aos que governam, nos quais ninguém
os de outro. Mas o interesse da Presidência, como Neusíadt ressal-
tem fé C ^ ) .
tou P ) , n ã o coincide com o de nenhum outro grupo. O poder do
Na América Latina têm prevalecido também tradições similares
presidente deriva não do fato de representar os interesses de uma
de individualismo egocêntr"co. c de desconfiança e ódio por outros
classe, de um grupo, interesses regionais ou populares, mas exata-
grupos da sociedade. " N ã o há boa fá na América, nem entre os
mente do fato de n ã o representar nenhum deles. A perspectiva pre-
homens nem entre as nações", lamentou certa vez Bolívar. "Os tra-
sidencial é singular à Presidência. Precisamente por isso é que é
tados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições
um cargo ao mesmo tempo solitário e poderoso. A sua autoridade
são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento. A única
está enraizada na solidão.
coisa que se pode fazer na América é emigrar." Cerca de um século
A existência de instituições políticas (como a Presidência ou o depois a mesma queixa fez-se de novo ouvir: "Com uma política
Comité Central) capazes de darem substância aos interesses públicos de emboscada e desconfiança permanente um do outro", argum.entou
distingue as sociedades politicamente desenvolvidas das subdesenvol- um jornal equatoriano, " n ã o podemos fazer outra coisa senão criar
vidas. Distingue também as comunidades morais das sociedades amo- a ruína e provocar a destruição da alma nacional; esse tipo de polí-
rais. U m governo com um baixo nível de institucionalização não é tica tem desperdiçado nossas energias e nos enfraquecido" {^^).
apenas um governo fraco, é também um mau governo. A função do
Além dos países de cultura árabe ou ibérica, outros países têm
governo c governar. U m governo fraco, um governo que carece de
demonstrado características semelhantes. Na Etiópia, a "desconfian-
autoridade, deixa de cumprir a sua função e é tão imoral quanto
ça m ú t u a e a falta de cooperação que animam o clima político do
um juiz corrupto, um soldado covarde, ou um professor ignorante.
país estão diretamente relacionados com a quase inexistente consi-
A bnss mioral das instituições políticas está enraizada nas necessi-
deração pela capacidade alheia, pela solidariedade e pelo consenso...
dades dos homens em sociedades complexas.
A ideia de que é possível transcender a atmosfera predominante de
A relação entre a cultura da sociedade e as instituições da po- an.siedade e suspeita através da confiança m ú t u a . . . tem demorado
lítica é dialética. A comunidade, observa Jouvenel, significa "a ins- a aparecer e é extremamente rara". A política iraniana já foi clas-
titucionalização da confiança"; e a "função essencial das autorida- sificada como "a política da desconfiança". Afirma-se que os irania-
des públicas" é "ampliar a confiança mútua predominante no âma- nos consideram "extremam.ente difícil confiar um no outro ou traba-
go do lodo social" (•'•^). A o contrário, a ausência de confiança na
cultura da sociedade acarreta obstáculos formidáveis à criação de
<'"2) Sania Hamadv, Temperament and Character of tlie Arch<: ( T e m -
instituições públicas. A s sociedades carentes de governos estáveis e
I26^"230° ^ Árabes) ~ (Nova v/ork, Twayne, 1960), págs. 101,
eficientes são também carentes de confiança m ú t u a entre seus cida-
/>^onP^^ ,-D^™°" Bolívar, citado por K a l m a n H . Silvert, ed., Espectant
P á s 347 p / n ^"^ Expectativa) — (Nova Y o r k , Random House, 1963),
(30) V e r Ricliard E . Neustadt, Presideiuial Pom-r (Pcdcr Presidencial)
The M l- ' ^'^ ''^ novembro de 1943, citado por Brvce Wood,
— (Nova Y o r k , John Wiley, 1960), pa-.sim, mas esp. págs. 33-37, 150-51.
VizinhanrL"/ °^ '^""'^ Neighhor Policy ( A Criação da Política de B o a
(31) Bertrand de Jouvenel, Sovercimily (Soberania) — (Chicago, U n i -
ç a ; — (Nova Y o r k , Columbia University Press, 1961), pág. 318.
versity of Chicago Press, 1963), pág. 123.

41
40
lharem Juntos por algum tempo e num grupo considerável". N a Bir-
mânia, a criança é ensinada a sentir-se "segura apenas no seio de resse particular sempre precedeu o interesse público". H . A . R . Gibb
sua família, enquanto os estranhos e principalmente os estrangeiros abordou o mesmo tema, ao dizer que "o grande problema dos países
são fontes de perigos e devem ser tratados com cautela e suspeita". árabes é precisamente o fato de que, desde o colapso das velhas
E m conseqiiência, os birmaneses acham "difícil pensarem em se corporações, n ã o se desenvolveram instituições sociais através das
associar de qualquer forma que seja, em sistemas objetivos e regula- quais a vontade pública pudesse ser canalizada, interpretada, defini-
dos de relações humanas". Mesmo um país tão "ocidental" e econo- da e mobilizada... N ã o h á , em suma, qualquer órgão de democracia
micamente desenvolvido como a Itáha pode ter uma cultura política social em funcionamento" . D a mesma forma, os italianos prati-
cam no círculo da família "virtudes que outros homens normalmente
de "alienação política relativamente acentuada e de isolamento social
dedicam ao bem-estar do seu país como um todo; a lealdade dos
e desconfiança" (•''"').
itahanos à família é o seu verdadeiro patriotismo... Consideram
O predomínio da desconfiança nessas sociedades limita as leal-
toda a autoridade legal e constituída como hostil, até que prove que
dades individuais aos grupos íntimos e familiares. A s pessoas são e
é cordial e inofensiva" ( ^ ' ) . Assim, numa sociedade politicamente
podem ser leais a seus clãs, talvez a suas tribos, mas não a institui-
atrasada, carente do senso de comunidade política, cada dirigente,
ções políticas mais amplas. Nas sociedades politicamente adiantadas,
cada indivíduo, cada grupo busca atingir apenas os seus próprios
a lealdade a esses agrupamentos sociais mais imediatos fica subordi-
objetivos materiais imediatos e a curto prazo, sem qualquer consi-
nada e incluída na lealdade ao estado. "O amor ao todo", com.o disse
deração pelo interesse público num sentido mais amplo; e isso é o
Burke, " n ã o se extingue nessa parcialidade subordinada... Estar que se espera deles.
ligado à subdivisão, amar o pequeno pelotão a que pertencemos na A desconfiança m ú t u a e as lealdades truncadas redundam em
sociedade, é o primeiro princípio (o germe, por assim dizer") das pouca organização. E m termos de comportamento observável, a dis-
afeições públicas". Numa sociedade carente de comunidade política, tinção fundamental entre a sociedade politicamente desenvolvida e
no entanto, as lealdades aos agrupamentos sociais e económicos mais a subdesenvolvida é de quantidade, tamanho e eficiência de suas
elementares — família, clã, aldeia, tribo, religião, classe social — organizações. Se as mudanças sociais e económicas solapam ou des-
competem com e frequentemente superam a lealdade em relação às troem as bases tradicionais de associação, a conquista de um alio
insthuições mais amplas de autoridade pública. N a África de hoje. nível de desenvolvimento político depende da capacidade do povo
as lealdades tribais são fortes, as lealdades nacional e estatal são de desenvolver novas formas de associação. Nos países modernos,
fracas. N a América Latina, nas palavras de Kalman Silvert, "uma como diz Tocqueville, " a ciência da associação é a m ã e de todas as
desconfiança nata do estado, acrescida da representação direta dos ciências; o progresso de todo o resto depende do progresso que ela
interesses económicos e ocupacionais no governo, destrói a força dos fizer". O contraste mais óbvio e mais impressionante entre a aldeia
partidos, corrói o pluralismo e impede a abrangente grandeza possí- de Banfield e um.a pequena cidade americana do mesmo tamanho
vel a uma ação política esclarecida, em seu sentido mais lato" (•'•"')• é que, nesta última, sempre h á um "burburinho de atividade (em
" O estado, entre os árabes", comentou um estudioso, "sempre foi associação) visando, pelo menos em parte, ao desenvolvimento do
uma instituição frágil, mais frágil que outras instituições sociais tais bem-estar da comunidade" ('^s). A aldeia italiana, em contraste,
como a família, a comunidade religiosa e a classe dominante. O inte- possui uma única associação, a qual n ã o se empenha em qualquer
atividade de espírito público. A ausência de associações, esse baixo
(34) Donald N . L e v i n c , "Ethiopia: Identity, Authority and R c a l i s m "
(Etiópia: Identidade, Autoridade e R e a l i s m o ) , em L u c i a n W . Pye c Sidney
p*-'^^-* ^- J - Vaiikiotis, The Egypíian Army in Politics (O E x é r c i t o E a í p c i o
Verba, eds.. Politicai Culture and Politicai Development (Prineeton, Prin-
H A D''^^ ~ (Bloomington, Indiana University Press, 1961), págs. 2r3-14,
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de 1965), 123-36; L u c i a n W . Pye, Politics, Personality and Nalion-Building MíHi!;'^ Laqueur, ed., The Middle East in Transition ( O Oriente
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The Civic Culture ( A Cultura Cívica) — (Boston, Little Brown, 1965), (3S> n
pág. 308. aBac/Jrn-Jc 2, 118; Edward C . Banfield, The Moral Dasis of
(35) Silvert, págs. 358-59. 111., F r e P P ^"^'""y ( A Base Moral dc uma Sociedade Atrasada) — (Glencoe,
. r r e e Press, 1958), p á g . 15.

•42
43
nível de desenvolvimento organizacional, é característica de socie- nhado juntos de forma tão regular porque, em algum sentido histó-
dades cuja política é confusa e caótica. O grande problema da rico, tinham de fazê-lo" C^»). _
America Latina, como George Lodge ressaltou, é que " h á relativa- No nível psicológico, a modernização implica uma mudança fun-
mente pouca organização social no sentido em que a conhecemos nos damental de valores, atitudes e expectativas. O homem tradicional
Estados Unidos". O resultado c um "vácuo de motivação e organi- esperava a continuidade na natureza e na sociedade e n ã o acredita-
zação", que torna a democracia difícil e o desenvolvimento econó- va na capacidade humana de alterar ou controlar nenhuma das duas.
mico lento. A facilidade com que sociedades tradicionais têm adap- O homem moderno, ao contrário, aceita a possibilidade de mudança
tado seus sistemas políticos às exigências da modernização depende e acredita até que ela é desejável. T e m , no dizer de Lerner, uma
quase diretamente da habilidade e capacidade de organização de seu "personalidade móvel", que se ajusta às mudanças em seu meio.
po\o. E apenas os poucos povos que possuem bastante dessa capa- Essas mudanças exigem tipicamente a expansão de lealdades e iden-
cidade rara, com.o os japoneses, têm conseguido fazer uma transição tificações dos grupos mais concretos e imediatos (como a família,
relativamente fácil para uma economia desenvolvida e uma comu- o clã e a aldeia) para agrupamentos maiores e mais impessoais
nidade política moderna. Os "problemas de desenvolvimento e mo- (como a classe e a n a ç ã o ) . Com isso, surge lambem uma confiança
dernização", nas palavras de Lucien Pye, estão" vinculados à necessi- crescente em valores universalistas em vez de particularistas e em
dade de criar organizações mais eficientes, mais adaptáveis, mais padrões de desempenho em vez de padrões de adscrição ao se julgar
complexas e mais racionalizadas... O supremo teste de desenvolvi- os indivíduos.
mento é a capacidade de um povo de estabelecer e manter formas
No nível intelectual, a modernização implica a tremenda expan-
organizacionais de vulto, complexas mas flexíveis" ( " " ) . A capaci-
são do conhecimento humano sobre o meio em que vive e a difusão
dade de criar tais instituições, no entanto, tem um estoque raciona-
desse conhecimento através da sociedade, por meio da crescente alfa-
do no mundo de hoje. É precisamente a habilidade de fazer face a
betização, comunicação de massa e educação. Demograficamente, a
essa necessidade moral e de criar uma ordem ptíblica legítima que,
modernização implica mudanças nos padrões de vida, um aumento
acima de tudo o mais, os comunistas oferecem aos países em mo-
acentuado das condições de saúde e vida média, crescente mobili-
dernização.
dade ocupacional, vertical e geográfica e, em especial, o rápido
crescimento da população urbana, em contraste com a rural. Social-
mente, a modernização tende a suplementar a família e outros gru-
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:
pos primários de papéis difusos, com associações secundárias cons-
MODERNIZAÇÃO E DECADÊNCIA POLÍTICA
cientemente organizadas e de funções muito mais específicas. A dis-
tribuição tradicional de status ao longo de uma estrutura de bifur-
Modernização e Consciência Política cação simples, caracterizada por "desigualdades cumulativas", dá
lugar às estruturas pluralistas de status caracterizadas pelas "desi-
A modernização é um processo de facetas múltiplas, que en- gualdades dispersas" ( * i ) . Economicamente, há uma diversificação
volve mudanças cm todas as áreas do pensamento e da atividade de atividade, algumas ocupações simples dando lugar a muitas de
humana. Como Daniel Lerner disse, é "um processo que possui algu- grande complexidade; o nível de especialização ocupacional aumen-
ma qualidade distintiva própria, que explicaria porque a moderni- ta significativamente; a razão entre capital e trabalho aumenta: a
dade é sentida como um todo consistente pelas pessoas que vivem agricultura de subsistência é substituída pela agricultura de mercado;
de acordo com suas regras". Os principais aspectos da moderniza- e a própria agricuhura declina de importância, quando comparada
ção, "urbanização, industrialização, secularização, democratização, com as atividades comerciais, industriais e outras não-agrícolas. H á
educação e participação nos meios de comunicação não ocorrem ao uma tendência para a expansão do campo geográfico de atuação da
acaso e sem relação entre si". Historicamente, estão " t ã o associados atividade económica e para a centralização de tal atividade em nível
que se pode levantar a questão se são na verdade fatores genuina-
mente independentes — dando a ideia de que talvez hajam cami-
TII '"t^^ Daniel Lerner, The Passing of Traditional Society — (Glencoe,
V""^^' "^^S^' pág- 438; grifo no original.
(.39) George C . Lodge, "Revolution in L a t i n America" ( R e v o l u ç ã o na
A m é r i c a Latina, Foreign Affairs. 44 (Jan. 1966), 177; Pye, pág. 38, 51. Press, 1960 ^fy.^^gj^gg^'' ^^ew Haven, Y a l e University

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