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 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…

C O M P O R TA M E N TO

A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre


como a interação nas redes deforma a noção do 'eu'
"Aprendemos que sentir pode ser perigoso e que reduzir o atrito com
a realidade é um caminho sempre disponível."
By Ana Beatriz Rosa

07/07/2018 19:58 -03 | Atualizado 07/07/2018 19:58 -03

Estamos cada vez menos dispostos a demonstrar nossas vulnerabilidades. A não ser que
elas sejam calculadamente expostas de forma que nos rendam louros à nossa nova forma
de sociabilidade: redes de exposição em que a vigilância é exercida de forma voluntária,
e não por um "ser" que tudo controla.

Ao mesmo tempo, formatamos o nosso ego sem uma verdadeira referência do "outro".
Perdemos a noção de que o mundo é maior do que o que representa os nossos filtros-
bolhas. Nos tornamos pequenos e, ao mesmo tempo, egocêntricos. Criamos esse fetiche
que nos faz pensar o quanto nosso clique, like ou unfollow é importante.

O que significará, então, amar? Para Christian Dunker, psicanalista e autor do livro
Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano, o amor será uma substância
cada vez mais rara e por isso mesmo cada vez mais preciosa.

"Sua ocorrência se torna mais improvável. Estamos intoxicados com formas pré-fabricadas
de amar e ser amado, formas institucionalizadas e garantistas de nos prevenir contra as
decepções e dores, que são horríveis mesmo", comenta em entrevista ao HuffPost Brasil.
 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…

CHRISTIAN DUNKER/DIVULGAÇÃO

O psicanalista e professor Christian Dunker.

A convite do HuffPost Brasil, o psicanalista refletiu sobre temas como relacionamentos,


redes sociais, monogamia e narcisismo. Leia os melhores trechos da conversa:

HuffPost Brasil: As tecnologias têm afetado a forma como nós nos relacionamos. Em
tempos de aplicativos e redes sociais, a mediação da tela dificulta a exposição de
nossas fraquezas e vulnerabilidades?

Christian Dunker: É possível que se dê exatamente o contrário, ou seja, nossas


fraquezas, como sinal de humanidade, compaixão ou solidariedade passaram a fazer
cada vez mais parte do registro ético de nós mesmos. Passamos a suspeitar da ideia de
que devemos compartilhar nossa vulnerabilidade, todos da mesma maneira, segundo
narrativas como as do pecado e do vício ou do desamor e do abandono. Estar vulnerável
tornou-se índice de nossa capacidade de ser afetado pelo mundo, pelo outro e por nós
mesmos. E a intensificação da capacidade de ser receptivo a isso é um fator importante
para definir uma vida intensa.

O que estou tentando dizer é que, assim como a vulnerabilidade se tornou mais aceita,
ela se torna também mais codificada em sua expressão. Isso é um grande problema
porque uma das características da verdadeira vulnerabilidade é que ela não encontra
muito bem as palavras, as narrativas e as gramáticas de reconhecimento para se
manifestar. Por isso as pessoas sentem vergonha, acham que os outros não vão entender,
 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…
acham que só elas sentem e sofrem daquela maneira e que a forma como elas
conseguem expressar isso "não cabe no mundo" e tem que ser vivida solitariamente.
Assim, acabamos construindo um terreno fértil para tornar uma determinada forma de
sofrimento fonte permanente para a causação de sintomas.

“Até os anos 1980, fazer psicoterapia podia ser


considerado uma coisa para fracos, pessoas que
não sabem resolver seus problemas sozinhos e
que potencialmente põe em dúvida a educação
familiar recebida. Hoje, a vulnerabilidade é
também ocasião para transformação, cuidado e
busca de superação.
Por outro lado, fazer-se vulnerável tornou-se parte de nossa nova sociabilidade, o que
traz traz novos problemas em torno de como nos tornamos "singularmente" vulneráveis,

ou seja, o que nos oferece um caráter distintivo, pensado e administrado de nossas
limitações e dificuldades, em contraste com a vulnerabilidade comum, baseada em

condições de déficit, exclusão ou segregação.

Tomemos como exemplo as celebridades que calculadamente vem a público declarar os

infortúnios de suas vidas íntimas, vejamos como isso contrasta com as pessoas comuns
para as quais a vulnerabilidade torna-se fonte de vergonha e invisibilidade social, em vez

de integrar-se a este tipo de neo-narcisismo.

A existência de códigos mais locais e mais exclusivos para expressar vulnerabilidade,
como os ajustamentos de conduta, as normas corporativas e o "compliance"
comportamental e discursivo criam esta sensação de que estamos presos em uma
máscara de ferro social, cujo personagem é tão inautêntico que não deve revelar nada
estranho ao que dele se espera. De fato, aqui surge uma crescente disposição para dirigir
nossa agressividade e violência suprimida contra aqueles que se insurgem contra tais
códigos não alternativos de expressão de vulnerabilidade.

O que significa ter "responsabilidade emocional" em uma relação? Como delinear um


limite para entender o que é meu e o que é do outro? Seja quando falamos de
expectativas, responsabilidades, medos, etc...
Esse é um tema importante. Nossas aspirações de equidade e justiça, tão importantes
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para diminuir o potencial de degradação e violência intersubjetiva, dependem deste
elemento crucial que é a responsabilidade, mas nós nos acostumamos a reduzir a
responsabilidade a uma função contratual.

Desta forma, nomeamos direitos e deveres, encargos e preferências de tal forma que
muitas vezes isso transforma uma relação em um empreendimento mútuo para a gerência
da casa, dos filhos, dos projetos de sociabilidade ou de aquisição. A expressão
"responsabilidade emocional" tenta dar conta do caráter não contratual e não "troquista"
pelo qual aqueles que se amam criam-se e recriam-se uma espécie de implicação mútua
com o cuidado de algo que não é propriedade (logo, responsabilidade). Algo que não é
nem de um, nem do outro, mas de ambos e que em alguma medida suspende,
voluntariamente, a individualidade de cada um.

"Responsabilidade", vem do termo "respondere", ou seja, tem que ver com a palavra e tem
que ver com "prometer em troca". Nos acostumamos a associar esse termo com a lei. Se
cruzamos a lei, somos chamados à responder com nossa reponsabilidade. Vem da
palavra "sponsor" que em latim refere-se a "promessa solene" tendo a conotação de
apoio, incentivo ou aposta. Por isso, creio que o ponto chave aqui é a ultrapassagem do
plano da responsabilidade civil ou social, das obrigações, direitos e deveres, para o que
poderíamos chamar de implicação com a relação.

Digo isso porque vejo muitas relações nas quais a obsessão com as reponsabilidades de
cada um cria uma "irresponsabilidade" geral com a relação, cada qual culpa o outro,
ninguém cuida. Passar da responsabilidade para a implicação envolve um arco
permanente entre o passado e o futuro. O mais comum é que aqui se interponha um
terceiro termo que é a própria patologia da implicação, a saber: a culpa.

Muito frequentemente brigamos para saber de quem é a culpa simplesmente para


suspender nossa responsabilidade e para destituir nossa implicação. Por exemplo, diante
de um ato que ofende o "comum" de uma relação, o culpado "se" penitencia (para si), o
responsável "promete" (para o outro), o implicado "repara" (para o comum).

Implicar-se não é apenas se fazer proprietário do que se tem, mas criador do que não se
possui e do que ainda não está ali. Por isso nos responsabilizamos por atos e objetivos,
mas nos implicamos em sonhos e desejos. Implicar-se é assumir e interiorizar uma regra
de outro tipo, pois envolve assumir riscos e perdas imponderáveis de antemão. Este salto
no abismo, como falava Kierkegaard, este desejo decidido como dizia Lacan, é o que o
neurótico recusa até onde ele pode. Este é o ponto onde nossa dependência, que marca
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o início e o fim de nossa vida, se concilia misteriosamente com nossa autonomia.

É comum ouvir da geração mais jovem que essa é uma geração em que vigora a
competição de "quem se importa menos". Como perceber quando o meu ego está
falando mais alto? As pessoas se auto-boicotam por medo de "sentir"? É uma geração
que não está preparada para lidar com a frustração e, por isso, constrói muros de
autoproteção?

Sim, é uma geração que cresceu sob o grande projeto do muro protetor, que aprendeu
que diante da diversidade e do conflito é possível, antes de tudo, esquivar-se e modificar
a realidade em vez de modificar-se a si mesmo e aos seus pontos de vista.

Junto com esta estratégia, que é social e política, mas também intersubjetiva e moral,
aprendemos que sentir pode ser perigoso e que reduzir o atrito com a realidade é um
caminho sempre disponível.

Lembremos que foi a geração na qual as medicações psicoativas e o discurso das


neurociências aplicadas floresceram como grande expectativa para o tratamento de
conflitos. Mas como age "subjetivamente" um anti-depressivo?

Pergunte para alguém que vem tomando isso há algum tempo. Ele cria uma espécie de
colchão de ar entre você e a realidade, é um alívio, as coisas ficam mais leves, surge um
conforto com seu próprio corpo e aquele sistema de coerções mentais que você aplicava
a sua vida continua lá, mas parece muito menos "pesado". Paralelamente, como uma
espécie de bônus secundário, muitas das dificuldades ligadas à insatisfação ou a
dificuldade de satisfação sexual ficam mitigadas, pois há um rebaixamento da libido.

Então o que temos: condomínios que nos afastam do outro, mas também aliviam o
trabalho de negociação com a diferença que mora do outro lado, táticas de evitação do
confronto e de repressão da diferença por meio de evitação calculada e redução do
desprazer por meio de substâncias químicas (aqui vou colocar as legais e as ilegais no
mesmo pacote).

“Aprendemos que sentir pode ser perigoso e que


reduzir o atrito com a realidade é um caminho
sempre disponível.
Isso tudoAé reflexão
 do psicanalista
ruim e deveríamos Christian
enfrentar a realidade Dunker
como sobre
ela é? Acho como
que não, a interação…
as táticas
de evitação e os sistemas protetivos são muito importantes, particularmente quando
pensamos nas populações que sofrem os efeitos deste processo sem dispor dos mesmo
meios e sem contar com os recursos para manipular a realidade, os que estão do outro
lado do muro, por assim dizer.

O que é problemático é a redução artificial do tamanho do mundo, a expansão,


igualmente ilusória do tamanho do eu, por exemplo, por meio de modos de criação e de
discursos que nos fazem crer que somos realmente "especiais", "únicos" e "naturalmente
singulares".

Cedo ou tarde o choque com um mundo muito maior ou com um ego, proporcionalmente
muito menor, virá, e aí teremos um longo e penoso trabalho de readaptação.

A dieta do ego, que ainda não consegui emplacar na mídia (risos!), é necessária quando
começam os sinais de que seu narcisismo está entrando em obesidade mórbida:

- surtos recorrentes de cólera (este afeto dos que acham que tem mais poder do que
realmente tem, como diziam os estóicos)
- disposição emulatória (fazer o outro pensar ou sentir que ele é muito mais do que ele é
de fato e do que você realmente pensa que ele é)
- ressentimento reativo (diante de um choque de realidade, como por exemplo, fui
demitido, orientar-se para a forma, a maneira e os modos como isso foi feito em vez de
para o fato ele mesmo)
- muro da indiferença (crer que quanto mais indiferente alguém se mostra, mais
independente e autônomo esta pessoa é)
- atitude de síndico (também conhecida popularmente como "mimimi", ou seja, colocar-se
como árbitro do mundo, dos discursos e das atitudes)
- e a bela alma (atitude descrita por Hegel daquele que observa o mundo do alto de uma
montanha, descreve como ele está caótico e inabitável, mas não percebe que sua própria
atitude concorre para manter o mundo e a si mesmo, tal como ele está).

Consulte sempre a balança de sua alma, verifique se você está fazendo exercícios na
direção de deflacioná-la ou de inflá-la, analise que alimento você está fornecendo para
sua alma: Conceição Evaristo e Paul Auster ou Facebook e Instagram?

Em certos casos o que pode estar faltando na sua vida é um regime.


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DIVULGAÇÃO

No filme "Her", Theodore se apaixona por Samantha, um sistema operacional de computador.

Você chamou a atenção para a capacidade das redes sociais em "deformar o tamanho
do eu". Como se manter atento à isso? Podemos evitá-lo?

A palavra deformação é empregada aqui em sentido não inteiramente metafórico, pois o


eu é algo que se "forma" (no sentido de que ele é produzido no interior de certas
experiências de reconhecimento) e também que possui uma "forma", uma vez que, como
afirmou Freud, "o ego é antes de tudo a projeção de uma superfície (forma) corporal".

Isso não quer dizer que o eu é uma forma, mas que ele se reconhece e se inscreve como
uma imagem que o representa simbolicamente. A formação da imagem requer certas
propriedades óticas: distância, proporção, volumes, cor e unidade.

O ambiente discursivo e relacional da vida digital define-se por padrões mais ou menos
regulares que condicionam a nossa inscrição em imagens. As páginas das redes sociais
pré-definem certos formatos e não outros, as mensagens são distribuídas por meio de
regras opacas, como os algoritmos, e os efeitos do uso de uma palavra são relativamente
imprevisíveis do ponto de vista do espaço-tempo na qual ela será lida e interpretada.

Isso explica, em grande medida, a prevalência dos dois afetos imaginários fundamentais
descritos por Lacan: a paixão e a agressividade. O narcisismo é o nome conceitual para
este sistema de formação e reconhecimento de formas que envolve também um tipo de
satisfação que ocorre quando somos reconhecidos na imagem na qual nós mesmos nos
reconhecemos.

 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…
A linguagem digital e as redes sociais em
particular nos "viciam" tão facilmente porque nos
oferecem meios para reduzir o tamanho do
mundo, criar muros de invisibilidade, agregar
massas de identidades semelhantes, projetar
inimigos de ocasião.
Portanto, o tamanho do eu é uma função envolvendo três termos: alguém (x) se
representa na imagem (y) para um terceiro (z). Este terceiro pode ser outro alguém (x) mas
também o conjunto, o grupo e, no limite, o mundo humano como sistema simbólico
organizado.

Percebe-se, assim, que quando o mundo é pequeno, o tamanho do eu se expande


trazendo a satisfação de sermos amados simplesmente por existir nesta forma específica.

Ora, a graça de crescer é descobrir que há outras "interessâncias" no mundo e outras


satisfações que vão além de reencontrar o nosso lugar especial no olhar do outro. Mas
quando não conseguimos manter este trabalho de fazer reconhecer e realizar nosso
desejo no mundo, frequentemente realizamos uma estratégia corretiva: diminuímos o
tamanho do mundo.

Esta deformação de perspectivas emprega táticas como: tornar irrelevantes aqueles que
nos contrariam, fazer de conta que aqueles a quem não damos importância na verdade
não existem (simbólica ou materialmente), destituir o outros de dignidade, razão ou valor.

Ora, a linguagem digital e as redes sociais em particular nos "viciam" tão facilmente
porque nos oferecem meios para reduzir o tamanho do mundo, criar muros de
invisibilidade, agregar massas de identidades semelhantes, projetar inimigos de ocasião
(só para gozarmos entre nós do fato de que não somos como eles), criar idealizações
massivas sobre como são as vidas alheias (que primeiro nos fazem sentirmos maiores do
que somos só porque pertencemos só clube A ou B) e último,mas não pior, o sentimento
de que o outro (a rede) está sempre lá, esperando por nós, pronto para nos dizer: "você
existe e é importante para nós apenas porque nos dá a sua maravilhosa presença".

Ressalto que não há nenhuma necessidade de usar a rede e de fruir da experiência digital
cedendo a tais tentações narcísicas, mas é possível que a nossa experiência ainda esteja
muito desprevenida de como funcionam tais deformações.
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Depois que elas se instalam, nós temos os efeitos terríveis gerados pela descompressão
narcísica, que é quando saímos da bolha e damos de cara contra o muro, quando nos
sentimos infinitamente pequenos, diante de um mundo infinitamente maior (cheio de
perigos invisíveis) e diante dos quais nos sentimos mais e mais irrelevantes, frente a
ideais mais e mais superficiais e empobrecedores.

A tecnologia potencializa o paradoxo da escolha por meio dos aplicativos de namoro:


quanto mais opções eu tenho, mais dfícil é escolher. A impressão que se passa nesses
apps é a de que o "custo de oportunidade" para estar com alguém é muito alto. Se eu
posso viver mil sensações com mil pessoas, por que escolher viver apenas com uma?

Sou completamente a favor e defensor ferrenho de aplicativos. É um dos bons


experimentos sociais que vi aparecer em minha geração. Mas como qualquer nova
tecnologia ela destruiu muitos incautos e criou também novos problemas.

Se você usa um destes aplicativos como um self-service de sexo ou relacionamento fácil,


o que você vai receber em troca é exatamente isso: ser usado como um pedaço de
picanha. Mas não venha culpar o aplicativo, mas sim o uso débil e pouco criativo que se
faz dele.

Considere o problema: 5 milhões de pessoas que precisam encontrar para si ... uma outra
pessoa. A tarefa é incrivelmente complexa.

Quando estava na faculdade, discutíamos uma destas pesquisas que provava como a
maior parte das pessoas se casam com outras que moram no máximo a cinco quarteirões
da sua casa. Tínhamos os dados antropológicos que as comunidades humanas não
suportam mais de 150 pessoas, depois disso elas "naturalmente" se dividem e se afastam
colocando a convivência novamente em um nível de complexidade suportável. Depois
descobriu-se que as redes sociais também respeitavam este número mágico (chamado
de Dunbar).

Ora, ter 5 milhões de pessoas pela frente é uma tarefa sem precedentes, incomparável
com o tempo em que se colocava anúncio no jornal para achar uma noiva ou, até mesmo,
à época de Freud, em que a função de casamenteiro era muito respeitada.


A graça dos aplicativos é que eles propõem que
A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…
você se apresente de forma singular, que você
diga a algum outro do que é feita a sua diferença
e seja, consequentemente, capaz de reconhecer
a diferença que faz diferença.
Se você diz que gosta de cerveja e assiste Faustão, é isso que você vai criar do outro
lado. Se você acha que sua photoshop bonitinha é suficiente, então é isso que você terá
do outro lado. Isso vale para papo mole, para os encontros pré-formatados, para o sexo
regular.

Mas aí entra a conversa que fizemos acima, na hora de "forçar" a diferença, onde estão os
recursos para isso? Não estão, em vez disso só vem comunidade de gosto e identificação:
você gosta de séries eu de futebol, tu curte samba eu tecno, etc. Isso é baixa qualidade
de conversa.

Lembro de uma paciente que descobriu esta regra do jogo e começou a fazer a sua
apresentação em canto gregoriano. Quantos entenderam? Dois ou três ... os que
realmente importavam. Mas veja, isso dá trabalho, muito trabalho, de procurar, de falar, de
escolher, de tatear, de experimentar. É esse trabalho que faz o amor valer a pena e cria
qualidade para a experiência.

DIVULGAÇÃO

Cena do filme "Her" (2013).


A monogamia não é algo natural. Ela foi aprendida por nós como sociedade. Mas, se
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estamos sempre nos transformando, por que insistimos nessa ideia?

Penso que a monogamia hoje reformulou bastante sua gramática. Há expectativas e


tolerâncias que fazem a noção de fidelidade dilatar-se muito. Colocamos o desejo como
uma condição maior para a realização de uma vida em seus próprios termos. Mas
atenção, o desejo não é apenas a consecução erótica das pulsões, ele é também algo
que acontece no interior de uma história, a história dos desejos desejados.

Esta história cria "regras", "expectativas" e "limites" móveis como o litoral e não fixos como
uma fronteira. Esperamos que alguém mantenha-se fiel, portanto, ao seu próprio desejo.
Toleramos cada vez menos aqueles acordos nos quais um casal fica junto ou se
constrange a ficar junto por causas "externas".

Mas manter-se fiel ao próprio desejo é difícil e intricado quando percebemos que nosso
desejo é causado pelo desejo do outro. Se quero muito que você queira, às vezes isso
cria um efeito "milagroso" de que você passa a querer simplesmente porque percebe que
eu quero. Esse transitivismo do desejo é infernal pois ele leva a zonas cinzentas de
indiferenciação que valem para a causação e para a "descausação" do desejo. Ou seja, se
eu não quero, isso é um efeito despotencializador para o desejo do outro.

Mas atenção. Surge aqui a ilusão de que este efeito mágico do contágio desejante nos dá
poderes para "criar" e "controlar" desejos alheios, e pior, os desejos próprios. Isso não é
bem verdade. Como todos que enfrentaram a tarefa de criar filhos sabem, um dos
capítulos mais amargos do desejo é aquele da criança que faz birra e diz que justamente
algo se torna impossível de querer simplesmente porque os outros, neste caso, os pais,
querem.

Portanto, a monogamia se tornou mais complexa, há formas de traição sem amor, com
amor, com intimidade sem intimidade, envolvendo amigos próximos e frequência, ou até
lugares comuns, bem como quarentenas e regimes de vigilância consentida. Tudo isso
respeitando mais ou menos a regra geral de que o desejo é soberano, logo, se há
terceiros e quartos (geralmente os quartos são os piores), envolvidos a escolha pode ser
alterada sem grande consequência.

Mas na prática a teoria é outra. Não conseguimos nos separar tão fácil assim como um
delete ou um unfollow nos faz acreditar, nossa timeline insiste em guardar memórias
indesejáveis e somos surpreendidos por um ciúmes devastador quando encontramos x
com y.
Queremos uma vida com o desejo no timão e o gozo na popa, mas ela logo começa a
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fazer água e lembramos que uma vida de amores fugares é uma vida de cansaço e déficit
de intimidade.

Logo, acabamos colocando em cartaz ainda que seja no mais escondido de nosso cine
privê: Monogamia II, o Retorno ... desta vez com emoção. Isso torna o casamento
contemporâneo uma perversão consentida, um contrato impossível entre pessoas e
coisas.

Ao mesmo tempo, novos modelos de relacionamento estão cada vez mais sendo
discutidos, apesar de sempre terem existido, vide os trisais, amor livre, poliamor, etc...
É possível que, para cada indivíduo, passe a existir um tipo de "contrato" que funcione?
Como lidaremos com essa multiplicidade de acordos?

Não acredito em "contratos" que funcionem para esta matéria justamente porque a coisa
mais interessante no amor é que ele suspende ou mostra os paradoxos de nosso desejo
de contratualizar relações.

Certo que desde a marcha triunfante da modernidade nos tornamos cada vez mais
indivíduos, deixando para trás vínculos e formas de afeto mais coletivas, cuja matriz girava
sempre mais ou menos em torno do estado, da família e das formas religiosas.

Nosso processo de individualização é também o processo de institucionalização das


relações e de consequente declínio das experiências em torno do comum. Assim, nos
tornamos nascidos e criados para nos entendermos cidadãos livres, capazes de
livremente efetuar contratos e livremente impor sistemas de responsabilidade e controle
garantido pela hierarquia de regras, regulamentos leis e normas.

Muito legal, né? Só que quando vamos aplicar a regra da livre associação às formas de
relação, ressurgem todos os problemas ligados às experiências comunitárias e que foram
suprimidos historicamente. Não quero sentir que serei substituído ou que posso substituir
o outro como uma peça contratual. Não quero sentir a solidão a dois que existe quando
as relações estão contratualizadas. Não quero ter que cumprir fidelidades por meio
coerções e compromissos.

O pacto de todos os pactos não vem de fora apenas, ele vem também da palavra das
pessoas, de sua potência de responsabilidade e criação, não apenas de obediência e
força. Os pactos são formados também na intimidade da indeterminação, onde nos
ligamos lá mesmo onde não somos perfeitos e acabados indivíduos. Os pactos, aliás, são
feitos para tratar nosso sofrimento por ter que viver uma vida inteira e totalmente no
 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…
formato "indivíduo".

O que pode estar atrelado à ideia de amor para as próximas gerações?

O amor será uma substância cada vez mais rara e por isso mesmo cada vez mais
preciosa, justamente porque sua ocorrência se torna mais improvável. Estamos
intoxicados com formas pré-fabricadas de amar e ser amado, formas institucionalizadas e
garantistas de nos prevenir contra as decepções e dores, que são horríveis mesmo.

A vida em estado de cansaço e precariedade, a vida em fluxos de despersonalização,


causadas pela intrusão do privado sobre o público e do público sobre o privado, sem a
criação correlata de efeitos de intimidade tende a ter seu valor reduzido.

Quando digo isso, penso na observação crítica de Freud contra as religiões, não contra o
sentimento comunitário as ilusões produtivas que elas podem criar, mas ao que ele
considerava o pior malefício que elas traziam para vida psíquica, que não era a repressão
sexual e a normatização dos costumes, mas o cultivo do baixo valor da vida.

Seja pela narrativa de que a boa vida começará depois desta, seja pela ideia de que a
vida na comunidade é soberana em relação a vida de cada um, seja ainda pela ideia de
que uma vida em pecado não vale a pena ser vivida, temos por todos os lados algo que
inusitadamente se casa com os apelos mais contemporâneos do capitalismo neoliberal
de última geração, ambos concordam no axioma de que "você é irrelevante".

“Estamos intoxicados com formas pré-fabricadas


de amar e ser amado, formas institucionalizadas
e garantistas de nos prevenir contra as
decepções e dores, que são horríveis mesmo.
E esta irrelevância é consumada em teorias de transformação muito empobrecidas. Esta
irrelevância é institucionalizada por meio de políticas de indiferença e da consagração da
cultura depressiva de que se você perdeu o emprego, se não tem um amor, se você se
sente irrelevante ao se medir com ideais plásticos ou operacionais, sem espessura ou
história, isso tudo acontece por culpa sua.
O amor é, por definição, uma pequena máquina que permite criar e manter relevâncias
 A reflexão do psicanalista Christian Dunker sobre como a interação…
para além disso. Ele é um antídoto para o vírus da indiferença, do tédio e do baixo valor
agregado de nossas vidas, que acaba autorizando nossa tolerância obscena para com
vidas que são desprezadas e exterminadas sem consequência.

Mas como tal, ele terá que sair do lugar de uma substância fácil e barata, que muda todas
as coisas por sua própria presença. O amor precisa ir para o lugar que lhe convém mais,
não sem desejo e gozo, mas como efeito de um trabalho de subjetivação que hoje ainda
desprezamos porque não são inteiramente institucionalizáveis.

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  Ana Beatriz Rosa Editora de Comportamento, HuffPost Brasil

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