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i

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO TRÓPICO ÚMIDO
PDTU

AGROEXTRATIVISMO E CAPITALISMO NA
AMAZÔNIA
AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO AGROEXTRATIVISMO DO SUL
DO AMAPÁ

BELÉM
2007
ii

ANTONIO SERGIO MONTEIRO FILOCREÃO

AGROEXTRATIVISMO E CAPITALISMO NA
AMAZÔNIA
AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO AGROEXTRATIVISMO DO SUL

DO AMAPÁ

Tese apresentada como requisito parcial


para a obtenção do titulo de Doutor em
Ciências: Desenvolvimento Sócio-
Ambiental, ao Núcleo de Altos Estudos da
Amazônia da Universidade Federal do
Pará.

Orientador: Prof. Dr. Índio Campos

Belém
2007
iii

Filocreão, Antonio Sergio Monteiro


Agroextrativismo e capitalismo na Amazônia : as transformações recentes
no agroextrativismo do sul do Amapá / Antonio Sergio Monteiro Filocreão;
Orientador Índio Campos. - 2007.

541 f.: il. ; 29 cm.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos


Amazônicos, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável
do Trópico Úmido, Belém, 2007.

1. Agricultura – Política governamental – Amapá. 2. Camponeses – Amapá.


3. Produtos florestais – Amapá. 4. Economia agrícola – Amapá. 5.
Desenvolvimento sustentável. I. Título.

CDD 338.17492098116
iv

ANTONIO SERGIO MONTEIRO FILOCREÃO

AGROEXTRATIVISMO E CAPITALISMO NA
AMAZÔNIA
AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES NO AGROEXTRATIVISMO DO SUL
DO AMAPÁ

Tese apresentada ao Núcleo de Altos


Estudos da Amazônia da Universidade
Federal do Pará, como requisito parcial
para a obtenção do titulo de Doutor em
Ciências: Desenvolvimento Sócio-
Ambiental.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________
Prof. Dr. Indio Campos - Orientador
Universidade Federal do Pará

______________________________________
Prof. Dr. Marcos Ximenes
Universidade Federal do Pará

______________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Costa
Universidade Federal do Pará

______________________________________
Prof. Dr. José Carlos Tavares
Universidade Federal do Amapá

______________________________________
Prof. Dr. Antonio Cordeiro de Santana
Universidade Federal Rural da Amazônia

Belém, 12 de dezembro de 2007.


v

Dedico este trabalho


Ao sindicalista Pedro Ramos pela grande contribuição na
luta dos camponeses agroextrativistas do Amapá.
Aos meus pais pela herança da persistência.
À Sandra Regina pelo grande afeto nessa caminhada.
Às minhas filhas Aline, Débora e Camila para não
desanimarem nas inevitáveis batalhas do dia a dia.
vi

AGRADECIMENTOS

Este trabalho, apesar da responsabilidade e redação individual, teve a


contribuição de algumas pessoas e instituições, merecedoras dos sinceros
reconhecimentos:
À Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela oportunidade
oferecida.
Aos colegas professores Luis Kansaki, Jadson Porto e José Carlos
Tavares, pela força dada nos momentos certos.
Aos professores do NAEA-UFPA, pelos ensinamentos partilhados, em
especial ao professor Francisco de Assis Costa pelo aprofundamento das teorias do
campesinato, e aos professores Marcos Ximenes e David McGrath pelas
importantes sugestões na qualificação.
Ao orientador, professor Índio Campos, pela paciência de procurar
entender as inquietações acadêmicas manifestadas a cada etapa do trabalho.
Aos colegas do doutorado, tais como José Bittencourt, Manoel Pinto, Raul
de Campos e Adalberto Ribeiro pelas partilhas da angústia acadêmica.
Ao grande amigo Aristóteles Viana pelas trocas de experiências sobre o
agroextrativismo no Amapá e pela divisão de esforços durante a pesquisa.
Aos diretores da SEMA e IEPA, em especial ao amigo Antonio Carlos
Farias por abrir as portas institucionais.
Ao companheiro Edvan Barros do IBAMA, por todo apoio recebido.
Ao Banco da Amazônia (BASA), por financiar o projeto de pesquisa
“Desenvolvimento Sustentável em Áreas de Extrativismo da Castanha-do-Brasil no
Sul do Amapá”, através do Fundo de Investimento da Amazônia (FINAM),
possibilitando recursos financeiros fundamentais na coleta dos dados finais que
muito contribuíram para a qualidade do trabalho.
À Secretaria de Ciência e Tecnologia do Amapá pela disponibilização das
bolsas de iniciação científica que foram fundamentais na coleta de dados.
Às famílias agroextrativistas, lideranças e dirigentes das Associaçôes,
Cooperativas e outras organizações que aceitaram cooperar com a pesquisa, como
entrevistadas. Aos extensionistas do RURAP em Maracá, Água Branca e Laranjal
do Jarí pelo grande apoio prestado.
vii

RESUMO

No Sul do Estado do Amapá, foram criados os Projetos de Assentamento


Extrativistas Maracá I, II e III em 1988, a Reserva Extrativista do rio Cajari em 1990,
e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru em 1997. Essas áreas
protegidas foram destinadas ao uso de populações tradicionais agroextrativistas que
sobrevivem da combinação da pequena agricultura de corte e queima, coleta de
produtos florestais (castanha do pará, seringa e açaí) com a caça e pesca. A criação
dessas áreas protegidas combinada com outros fatos como a transformação do
Território Federal do Amapá em Estado, a re-divisão municipal, a abertura da
estrada ligando Laranjal do Jarí a Macapá e a emergência de um movimento político
das populações agroextrativistas provocou uma série de transformações
sócioambientais que afetaram significativamente a vida das famílias agroextrativistas
locais. Este estudo mostra que a garantia jurídica da posse da terra e recursos
naturais foi conquistada, houve uma valorização da produção agroextrativista, as
famílias fortaleceram-se politicamente, ocorreram melhorias nos serviços públicos
oferecidos, e a população agroextrativista teve acesso à renda extras advindas das
políticas previdenciárias e de renda mínima. Isto significou uma estabilização da
forma camponesa de produzir na região, o que contribuiu para refrear o
desmatamento temido quando da abertura da estrada. Os agentes econômicos e
políticos que se relacionam com a população agroextrativista, a partir da
racionalidade capitalista ou preocupados com a crise ambiental, modificaram as
suas formas de interação para adequarem-se as mudanças ocorridas. As
transformações foram diferenciadas em cada espaço protegido, onde o arranjo
institucional e o papel do órgão público na co-gestão muito contribuíram para essas
diferenças.

Palavras-chave: Agroextravismo. Amazônia. Campesinato. Desenvolvimento


sustentável. Políticas públicas. Reserva Extrativista.
viii

ABSTRACT

In the south of the State of Amapa, were created Extractive Settlement Projects of
the Maraca I, II and III in 1988, the Extractive Reserve of the Cajari river in 1990, and
the Sustainable Development Reserve of the Iratapuru in 1997. These protected
areas have been destined to the use of traditional populations who survive from
combination of small agriculture of cut and burn, collection of forest products (Brazil
nuts, açai and rubber) and hunt and fishing. The creation of these protected areas
besides other facts as the transformation of Federal Territory of Amapa into a State,
the municipal redivision, the opening of a road that connects Laranjal do Jari with
Macapa City and the appearance of political movements of agroextractivist
populations resulted in a series of socio-environmental changes has affected the life
of a local agroextrativist populations significantly. This research shows that the legal
guarantee of possession of the land and natural resources was conquered; there was
a valuation of agroextractivist production; the families strengthened themselves
politically; it happened improvements in the offered public services; and
agroextrativist populations had access to extra income came from welfare politics
and minimum income. It meant a stabilization of peasant production in region that
contributed to contain feared deforestation related with the opening of a road. The
economical and social agents related with agroextrativist population, starting from the
capitalist rationality or worry about environmental crisis, modified their interaction
forms to adapt themselves to those changes. The transformations were differentiated
in each protected space, where the institutional arrangement and the function of the
public agency in the co-management contributed a lot to those differences.

KEYWORDS: Agroextractivism. Amazon. Peasantry. Sustentainable development.


Public politics. Extractive reserves.
ix

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fluxograma 1- Os três níveis da economia ecológica..............................................99

Foto 1 – RESEX Cajari: Fabrica para palmito de açaí gerenciada pela COOPERCA.
................................................................................................................................334
Foto 2 – RESEX Cajari: Fabrica de castanha dry gerenciada pela COOPERALCA.
................................................................................................................................334
Foto 3 – RDS Iratapuru: Fabrica para óleo de castanha gerenciada pela COMARU.
................................................................................................................................334
Foto 4 – RDS Iratapuru: mutirão para resolver problema de energia elétrica. ........334
Foto 5 – PAE Maracá: Sede da ATEXMA. ..............................................................334
Foto 6 – Laranjal do Jarí: agroextrativistas do Maracá no III Encontro de
Castanheiros. ..........................................................................................................334
Foto 7- RESEX Cajari: Os ônibus de linha que ligam diariamente Macapá a Laranjal
do Jarí. ....................................................................................................................405
Foto 8 - PAE Maracá: Caminhão de transporte da produção para feira em Macapá.
................................................................................................................................405
Foto 9 - PAE Maracá: Motores rabeta usado no transporte da produção de castanha
................................................................................................................................406
Foto 10- RESEX Cajari: Motor rabeta utilizado no transporte interno. ....................406
Foto 11-RDS Iratapuru: Voadeira, transporte muito utilizado internamente. ...........406
Foto 12-RDS Iratapuru: Batelão com motor de popa, utilizado no transporte de carga.
................................................................................................................................406
Foto 13-RESEX Cajari: A motocicleta, vem sendo utilizada no transporte interno..406
Foto 14-PAE Maracá: As vans, utilizadas no transporte escolar.............................406
Foto 15-RESEX Cajari: Casas construídas com recursos do PNRA em Água Branca.
................................................................................................................................407
Foto 16- PAE Maracá: Casas construídas com recursos do PNRA em Vila Maracá.
................................................................................................................................407
Foto 17-RDS Iratapuru: Casa típica de morador da comunidade de São Francisco.
................................................................................................................................407
Foto 18-RESEX Cajari: Casa construída com recursos do PNRA. .........................407
Foto 19-RDS Iratapuru: Residência provisória durante a coleta da castanha.........407
Foto 20-RESEX Cajari: Retiro provisório para a coleta da castanha. .....................407
Foto 21-RDS Iratapuru: Radiofonia no interior do castanhal para comunicar com a
vila. ..........................................................................................................................408
Foto 22-RDS Iratapuru: Módulo para acesso a Internet a energia solar doado a
COMARU pelo GREEN PEACE..............................................................................408
Foto 23-PAE Maracá: O telefone publico o meio de comunicação mais utilizado...408
Foto 24-RESEX Cajari: A televisão tornou-se uma fonte de informação e lazer das
famílias. ...................................................................................................................408
Foto 25-PAE Maracá: Na Vila Maracá, prédio escolar de qualidade.......................408
Foto 26-PAE Maracá: Na área ribeirinha, prédio escolar caindo aos pedaços. ......408
Foto 27-RESEX Cajari: Escola construída pela Prefeitura Municipal de Laranjal do
Jarí. .........................................................................................................................409
Foto 28-RDS Iratapuru: Prédio Escolar construído pela Fundação Orsa................409
Foto 29-RESEX Cajari: Escola muncipal construída na comunidade de Martins....409
Foto 30-PAE Maracá: Prédio da Escola Família Agroextrativista............................409
x

Foto 31-PAE Maracá: Posto de Saúde de Vila Maracá...........................................409


Foto 32-RESEX Cajari: Unidade de Saúde de Água Branca. .................................409
Foto 33-PAE Maracá: Serraria localizada de forma irregular no baixo Maracá.......438
Foto 34-PAE Maracá: Entrada do Projeto de Manejo Comunitário de Madeira. .....438
Foto 35-RESEX Cajari: Pastos naturais utilizados para criar búfalos. ....................439
Foto 36-PAE Maracá: Açaizais que sofreram a ação das palmiteiras no passado. 439
Foto 37-RDS Iratapuru: Ataque a um bando de porcos do mato que atravessavam o
rio. ...........................................................................................................................439
Foto 38-RESEX Cajari: Caça abatida para a alimentação dos castanheiros. .........439
Foto 39-RESEX Cajari: Ação de fiscalização do CNPT- IBAMA. ............................439
Foto 40-RDS Iratapuru: Ação de fiscalização da SEMA e Batalhão Ambiental. .....439
Foto 41-PAE Maracá: Fabricação de farinha e colheita da banana. .......................499
Foto 42-RESEX Cajari e PAE Maracá: agroextrativismo roça e castanha..............499
Foto 43-PAE Maracá: Nuances do extrativismo da castanha do pará. ...................499
Foto 44-RESEX Cajari: Nuances dos extrativismo da castanha do pará. ...............500
Foto 45-RDS Iratapuru: Nuances do extrativismo da castanha do pará. ................500
Foto 46-Processamento da castanha do pará na COMARU e COMAJA................500
Foto 47- As antenas parabólicas significam o acesso a televisão nas áreas
protegidas................................................................................................................500

Gráfico 1- Produção mundial da castanha do pará em toneladas...........................281


Gráfico 2-Participação das famílias nas organizações comunitárias.......................325
Gráfico 3-Evolução da participação em mutirão......................................................326
Gráfico 4 - Participação em mutirão por região (2006)............................................326
Gráfico 5-Evolução do conhecimento de termos institucionais chaves para gestão327
Gráfico 6-Principais problemas enfrentados pelas famílias.....................................329
Gráfico 7-Problemas com pessoas de fora .............................................................329
Gráfico 8-Problema com vizinhos............................................................................329
Gráfico 9-Variação nos tipos de transporte utilizado para sair da região(1993-2006)
................................................................................................................................344
Gráfico 10-Variação nos tipos de transporte utilizados na região e suficiência (1993-
2006) .......................................................................................................................345
Gráfico11-Outros tipos de transporte utilizados para sair da região(2006) .............345
Gráfico 12-Outros tipos de transporte utilizado nos interior da região(2006) ..........345
Gráfico 13-Propriedade do transporte para escoar a produção ............................346
Gráfico 14-Variação no destino da produção vendida diretamente pelas famílias
346
Gráfico 15-Principais dificuldades com o transporte ...............................................347
Gráfico 16-Evolução no número de cômodos das habitações(1993-2006).............357
Gráfico 17-Variação na área média das casas(1993-2006) ....................................357
Gráfico 18-Variação no tipo de parede das moradias(1993-2006)..........................358
Gráfico 19-Variação no tipo de piso das residências (1993-2006) ..........................358
Gráfico 20-Evolução no depósito de dejetos sanitários das famílias(1993-2006) ...358
Gráfico 21-Variação no destino do lixo domiciliar pelas famílias(1993-2006) .........358
Gráfico 22- Variação na origem da água consumida pelas famílias(1993-2006) ....359
Gráfico 23-Comparação entre as 3 áreas em destino dos dejetos sanitários(2006)
................................................................................................................................360
Gráfico 24-Origem da água consumida pelas famílias por área(2006) ...................360
Gráfico 25-Evolução dos meios de comunicação utilizados pelas famílias .............367
Gráfico 26-Novos meios de comunicação utilizados pelas famílias ........................368
xi

Gráfico 27-Utilização das outros meios de comunicação nas regiões ....................368


Gráfico 28-Evolução das fontes de informação e lazer das famílias .......................368
Gráfico 29-Novas fontes de lazer das famílias ........................................................369
Gráfico 30-Indices de analfabetismo(1993-2006) comparando com municípios (2000)
................................................................................................................................381
Gráfico 31-Alunos matriculados (1993-2006) comparando com municípios(2000) .382
Gráfico 32-Número de crianças por família na escola(1992-2006) .........................382
Gráfico 33- Alunos maiores de 10 anos com menos de 4 anos de escola(1993-2006)
................................................................................................................................382
Gráfico 34-Variação no tempo gasto para chegar a escola(1993-2006) .................383
Gráfico 35-Meio de transporte utilzado para ir a escola(1993-2006).......................383
Gráfico 36-Dificuldades para freqüentar a escola (1993-2006) ...............................384
Gráfico 37-Avaliação da escola pelas famílias (1993-2006) ...................................384
Gráfico 38- Média dos anos de escola dos chefes..................................................385
Gráfico 39-Chefes e esposas na escola.................................................................385
Gráfico 40-Evolução das doenças mais comuns na região.....................................391
Gráfico 41-Evolução nos agentes demandados nos casos de doença ...................392
Gráfico 42-Evolução nos locais procurados para tratamento de saúde ..................392
Gráfico 43-Evolução na distancia das famílias aos postos de saúde......................392
Gráfico 44-Meios de transporte utilizados para ir ao posto de saude......................393
Gráfico 45-Freqüência na utilização dos postos de saúde......................................393
Gráfico 46-Principais problemas no atendimento local de saúde............................393
Gráfico 47-Variação no número médio de pessoas por unidade familiar ................402
Gráfico 48-Evolução no estado civil dos chefes de família .....................................402
Gráfico 49-Variação na documentação civil dos chefes de famílias........................402
Gráfico 50- Variação no local de moradia das famílias ...........................................403
Gráfico 51- Evolução do tamanho médio das roças em tarefas por Unidade .........430
Gráfico 52 - Armas de fogo utilizadas para caçar....................................................430
Gráfico 53-Evolução das formas de caçar das famílias agroextrativistas ...............431
Gráfico 54- Quantos dias caça na semana .............................................................432
Gráfico 55- Existência de onça ou gato maracajá ..................................................432
Gráfico 56- Evolução das espécies caçadas próximo as casas ..............................432
Gráfico 57-Evolução das espécies caçadas em outro local ....................................433
Gráfico 58-A evolução da presença de caçadores de fora......................................433
Gráfico 59-A evolução nas formas de pescar das famílias .....................................434
Gráfico 60-Evolução da pesca próxima as casas....................................................434
Gráfico 61-Evolução do tempo utilizado na pesca pelas famílias............................435
Gráfico 62-Evolução na presença de geleiras na áreas de castanhais...................435
Gráfico 63-Evolução na extração de madeira pelas famílias agroextrativistas........435
Gráfico 64-Composição da renda agropecuária......................................................470
Gráfico 65-Evolução dos investimentos na infra-estrutura produtiva das unidades
agroextrativistas ......................................................................................................472
Gráfico 66-Variação nas espécies cultivadas pelas unidades familiares ................474
Gráfico 67-Variação nos produtos vendidos pelas unidades familiares ..................474
Gráfico 68-Variação na proporção de venda de farinha pelas unidades familiares.474
Gráfico 69 - Quantidade média de farinha vendida em 2006 ..................................474
Gráfico 70-Variação nas frutíferas cultivadas pelas famílias ...................................475
Gráfico 71-Variação nas frutas vendidas pelas famílias..........................................475
Gráfico 72-Evolução na coleta da produção extrativista das unidades produtivas..477
Gráfico 73-Evolução na venda da produção extrativista .........................................477
xii

Gráfico 74-Evolução na quantidade de açaí fruto coletado pelas famílias(latas) ....477


Gráfico 75-Evolução na quantidade castanha do pará coletada pelas
famílias(barricas).....................................................................................................477
Gráfico 76- Evolução na venda da produção agrícola.............................................481
Gráfico 77- Evolução da venda da produção extrativista ........................................485
Gráfico 78-Fonte de rendas familiares externa ao agroextrativismo .......................488
Gráfico 79-Renda média externa por região ...........................................................488
Gráfico 80-Evolução das famílias com membros recebendo salário.......................488
Gráfico 81-A relação entre a renda externa e a venda de farinha e coleta de
castanha em 2006...................................................................................................489
Gráfico 82-Relações entre a produção de castanha e venda de farinha.................490
Gráfico 83- Evolução na ajuda a pessoas que estão fora .......................................490
Gráfico 84-Evolução na ajuda externa recebida pela familia ..................................490
Gráfico 85-Evolução no acesso as despesas das familias......................................492
Gráfico 86-Evolução nas formas de compra das despesas das famílias ................493
Gráfico 87-Evolução dos gastos com as despesas das familias nas áreas protegidas
................................................................................................................................493
Gráfico 88-Evolução no acesso aos principais itens da despesa básica das famílias
................................................................................................................................493
Gráfico 89-Evolução na posse das famílias de bens duráveis ................................494
Gráfico 90-Evolução no número de Mercadorias Básicas pelas familias ...............494
Gráfico 91-Evolução do Número de Bens Duráveis de posse das familias.............494

Mapa 1 – Região Sul do Amapá................................................................................23


Mapa 2 - Áreas de extrativismo vegetal do Amapá ...................................................23
Mapa 3 - Áreas Ambientalmente Protegidas do Estado Amapá................................25
Mapa 4- Áreas Protegidas para o Agroextrativismo no Sul Amapá...........................26
Mapa 5 - Grupos Indígenas que ocuparam o Amapá.............................................232
Mapa 6 - Área de dispersão da castanha do pará(Brazil nut) ................................272
Mapa 7-Evolução do desmatamento no PAE Maracá............................................428
Mapa 8-Evolução do desmatamento na RESEX Cajari e Área Fundiária de Laranjal
do Jarí .....................................................................................................................429

Quadro 1 - Diferenças entre Economia Ecológica e Economia Ambiental.............102


Quadro 2- Gênese do Desenvolvimento Sustentável no discurso internacional oficial.
................................................................................................................................121
Quadro 3- Desenvolvimento Sustentável Conservador e Radical...........................134
Quadro 4-Tipologia do Pensamento Ambientalista .................................................138
Quadro 5- Tipologia dos movimentos ecologistas...................................................139
Quadro 6 - Fases arqueológicas do Estado do Amapá...........................................223
Quadro 7-A evolução da infraestrutura educacional do PAE Maracá .....................379
Quadro 8-A evolução da infraestrutura educacional da Reserva Extrativista do Rio
Cajari.......................................................................................................................380
Quadro 9- Evolução da infra-estrutura de atendimento a saúde no Projeto de
Assentamento Agroextrativista do rio Maracá .........................................................390
Quadro 10- Evolução da infra-estrutura de atendimento a saúde na Reserva
Extrativista do Rio Cajari .........................................................................................390
xiii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Produção de castanha do pará por estado no Brasil..............................277


Tabela 2 - Exportação de castanha do pará do Brasil entre 1990-2005 .................279
Tabela 3- Exportação de castanha do para da Bolívia e Brasil (1000 US$)............281
Tabela 4-Volume de recursos aplicados pelo INCRA no PAE Maracá (1994-20004)
................................................................................................................................307
Tabela 5- Evolução dos índices de escolaridade no Sul do Amapá........................371
Tabela 6-Evolução do analfabetismo no Sul do Amapá..........................................371
Tabela 7-Informações demográficas sobre o PAE Maracá .....................................397
Tabela 8- Evolução demográfica nas áreas protegidas do Sul do Amapá ..............401
Tabela 9-Desmatamentos ocorrido até 2004 no Sul do Amapá ..............................426
Tabela 10-Evolução no desmatamento no Sul do Amapá ......................................428
Tabela 11 - Composição da renda bruta familiar em Reais ....................................468
Tabela 12 - Participação dos produtos do extrativismo na formação da renda bruta e
monetária ................................................................................................................468
Tabela 13 - Participação dos produtos agrícolas na formação da renda bruta e
monetária ................................................................................................................469
Tabela 14- Formação da renda bruta familiar do PAE do Maracá ..........................469
Tabela 15-A influência do preço da castanha na renda monetária familiar.............486
xiv

LISTA DE ABREVIATURAS

AGARPE Associação dos Agricultores Agroextrativistas do Rio Preto.


AMAC Associação das Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari.
AMAERC Associação Mista dos Trabalhadores Extrativistas dos Rios
Muriaca e Cajari.
AMAEX-CA Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva do
Cajari.
AMAJA Associação dos Agricultores de Laranjal do Jari.
AMBAC Associação das Mulheres do Baixo Cajari.
AMC Associação das Mulheres do Cajari.
AMPEX Amapá Importação e Exportação Ltda.
ASSCAJARI Associação dos Produtores Agroextrativistas do Médio e Baixo
Rio Cajari.
ASTER-AP Associação de Assistência Técnica e Extensão Rural do Território
Federal do Amapá.
ASTEX-CA Associação dos Trabalhadores Extrativistas do Rio Cajari.
ATEXMA Associação dos Trabalhadores do Assentamento Agro-extrativista
do Maracá
ATPF Autorização de Transporte de Produtos Florestais.
BANAP Banco do Estado do Amapá.
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
CADAM Companhia Caulim da Amazônia.
CEMA Coordenadoria Estadual do Meio Ambiente.
CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais.
CMMAD Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
CNS Conselho Nacional dos Seringueiros.
CNS-RA Conselho Nacional dos Seringueiros- Representação do Amapá.
COMAJA Cooperativa Mista Extrativista Vegetal dos Agricultores do
Laranjal do Jari.
COMARU Cooperativa Mista dos Produtores e Extrativistas do Iratapuru.
COOPERCA Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas da Reserva do Rio
Cajari.
COOPERALCA Cooperativa Mista dos Extrativistas do Alto Cajari.
CUT Central Única dos Trabalhadores.
DATASUS Banco de Dados do Sistema Único de Saúde.
FAOSTAT FAO Statistical Database.
FRAP Fundo de Desenvolvimento Rural do Amapá.
FUNASA Fundação Nacional de Saúde.
FUNBIO Fundo Nacional para a Biodiversidade.
GEA Governo do Estado do Amapá.
GEBAM Grupo Executivo para a Região do Baixo-Amazonas.
GETAT Grupo Executivo de Terras do Araguaia–Tocantins.
GTA Grupo de Trabalho Amazônico.
xv

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais


Renováveis.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IEA Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais.
IEPA Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do
Amapá.
IESA Instituto de Estudos Sócio-Ambientais.
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
INEP Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
KAS Konrad Adenauer Stifttung.
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio.
MIRAD Ministério Extraordinário da Reforma Agrária.
MMA Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da
Amazônia Legal.
OCEAP Organização Central das Cooperativas do Estado do Amapá.
ONG Organização Não Governamental.
PAE Projeto de Assentamento Extrativista.
PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento.
PD/A Projeto Demonstrativo tipo A.
PDSA Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amapá.
PMLJ Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí.
PNRA Politica Nacional de Reforma Agrária.
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
POA Plano Operativo Anual.
PPG7 Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil.
PROBOR Programa de Incentivo à Borracha Vegetal.
PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo.
PRONAF Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar.
PROTERRA Programa Nacional de Acesso a Terra.
RB Relação de Beneficiários.
REBRAF Instituto Rede Brasileira Agroflorestal.
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável.
RESEX Reserva Extrativista.
RURAP Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá.
SEAF Secretaria de Estado da Agricultura, Pesca, Floresta e do
Abastecimento.
SEAG Secretaria de Estado da Agricultura.
SEICOM Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Mineração.
SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente.
SINTRA Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Amapá.
SIPRA Sistema de Informação de Projetos de Reforma Agrária.
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
STR Sindicato de Trabalhadores Rurais.
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.
SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus.
TODA Titulo ds Divida Agrária.
TERRAP Instituto de Terras do Amapá.
xvi

WWF World Wildlife Fund.


UC Unidade de Conservação.
USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional.
ZEE Zoneamento Ecológico Econômico.
xvii

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................20
2 CONTEXTO TEÓRICO GERAL .............................................................................35
2.1 A RACIONALIDADE, COMO CATEGORIA CENTRAL NA ECONOMIA
POLÍTICA ..............................................................................................................37
2.1.1 A racionalidade enquanto produto do comportamento egoísta do indivíduo
...........................................................................................................................39
2.1.2 A racionalidade enquanto produto do processo histórico..........................42
2.1.3 A racionalidade econômica no mundo rural ..............................................45
2.1.3.1 A racionalidade capitalista destrói o camponês ..................................46
2.1.3.2 A racionalidade capitalista recria o camponês....................................48
2.1.3.3 A racionalidade camponesa viabiliza o camponês .............................52
2.1.3.4 As tentativas de conciliação teórica....................................................55
2.1.4 As racionalidades econômicas e a limitação ambiental.........................59
2.2 CRISE AMBIENTAL E MUDANÇAS NA SOCIEDADE MODERNA................64
2.2.1 Evolução e controvérsias ..........................................................................64
2.2.2 A crise ambiental e a ciência econômica ..................................................71
2.2.2.1 A crise ambiental na economia marxista ............................................71
2.2.2.2 A crise ambiental e a economia neoclássica ......................................82
2.2.2.2.1 A economia ambiental neoclássica .............................................86
2.2.2.3 A economia ecológica.........................................................................97
2.2.2.4 A crise ambiental e a economia institucional .................................105
2.2.3 A crise ambiental e a idéia de desenvolvimento ....................................118
2.2.4 A crise ambiental e os novos movimentos sociais .................................134
2.2.5 A crise ambiental na agricultura e a Agroecologia ..............................151
2.3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLOGICAS GERAIS.......................159
3 CONTEXTO TEÓRICO ESPECÍFICO .................................................................162
3.1 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO AGROEXTRATIVISMO NA AMAZONIA......163
3.1.1 A pré-história da Amazônia .....................................................................163
3.1.2 Da agricultura indígena ao agroextrativismo na Amazônia .....................169
3.1.3 O agroextrativismo e a política ambiental ...............................................210
3.2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SUL DO AMAPÁ NO AGROEXTRATIVISMO
.............................................................................................................................220
3.2.1 A pré-história do sul do Amapá ...............................................................221
3.2.2 Ocupação das terras amapaense na Amazônia Colonial........................223
3.2.2.1 As políticas iluministas pombalinas na região...................................233
3.2.3 O Sul do Amapá no boom da borracha ...................................................239
3.2.3.1 Coronelismo e extrativismo no Sul do Amapá no boom da borracha
.....................................................................................................................242
3.2.4 O Sul do Amapá na integração nacional da Amazônia ...........................250
3.2.4.1 O agroextrativismo e as empresas estrangeiras no Sul do Amapá .256
3.2.4.2 O agroextrativismo sob o controle de um grande projeto .................263
3.2.4.3 O agroextrativismo em áreas protegidas no Sul do Amapá..............267
3.2.5 Considerações sobre a castanha do pará no agroextrativismo da região
.........................................................................................................................270
3.2.5.1 Considerações ambientais ..............................................................271
3.2.5.2 Considerações socioeconômicas .....................................................275
3.3 CONSIDERAÇÕES TEORICO-METODOLÓGICAS ESPECÍFICAS.............282
xviii

4 AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIOAMBIENTAIS NO SUL DO AMAPÁ ................285


4.1 A EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL ..................................................................285
4.1.1 A organização política dos agroextrativistas ...........................................286
4.1.1.1 PAE Maracá......................................................................................286
4.1.1.2 RESEX Cajari ...................................................................................291
4.1.1.3 RDS Iratapuru..................................................................................298
4.1.2 A relação das famílias agroextrativistas com os governos......................303
4.1.2.1 PAE Maracá......................................................................................303
4.1.2.2 RESEX Cajari ...................................................................................307
4.1.2.3 RDS Iratapuru...................................................................................311
4.1.3 Posse das terras e conflitos fundiários....................................................313
4.1.3.1 PAE Maracá......................................................................................313
4.1.3.2 RESEX Cajari ...................................................................................315
4.1.3.3 RDS Iratapuru...................................................................................318
4.1.4 A Gestão das Áreas Protegidas para o agroextrativismos ......................319
4.1.4.1 PAE Maracá......................................................................................319
4.1.4.2 RESEX Cajari ..................................................................................321
4.1.4.3 RDS Iratapuru...................................................................................323
4.1.5 As estatísticas da evolução institucional .................................................325
4.1.6 Síntese da evolução institucional ............................................................329
4.1.7 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução institucional .......334
4.2 A EVOLUÇÃO SOCIAL .................................................................................335
4.2.1 A evolução do transporte e acesso as áreas protegidas.........................335
4.2.1.1 PAE Maracá......................................................................................335
4.2.1.2 RESEX Cajari ...................................................................................337
4.2.1.3 RDS Iratapuru..................................................................................341
4.2.1.4 As estatísticas da evolução do transporte ........................................343
4.2.2 Evolução da infraestrutura habitacional ..................................................350
4.2.2.1 PAE Maracá......................................................................................350
4.2.2.2 RESEX Cajari ...................................................................................352
4.2.2.3 RDS Iratapuru...................................................................................355
4.2.2.4 As estatísticas da evolução na qualidade habitacional.....................357
4.2.2.5 Síntese da evolução nas condições habitacionais............................360
4.2.3 A evolução na infra-estrutura de comunicação .......................................361
4.2.3.1 PAE Maracá......................................................................................361
4.2.3.2 RESEX Cajari ...................................................................................362
4.2.3.3 RDS Iratapuru..................................................................................365
4.2.3.4 As estatísticas da evolução da estrutura de comunicação ...............367
4.2.3.5 Sintese na evolução da comunicação ..............................................369
4.2.4 A evolução da Infraestrutura Educacional...............................................370
4.2.4.1 PAE Maracá......................................................................................370
4.2.4.2 RESEX Cajari ...................................................................................373
4.2.4.3 RDS Iratapuru..................................................................................376
4.2.4.4 As estatísticas da evolução educacional na região dos castanhais..381
4.2.4.5 Síntese da evolução educacional ....................................................385
4.2.5 Evolução no atendimento a saúde ..........................................................386
4.2.5.1 PAE Maracá......................................................................................386
4.2.5.2 RESEX Cajari ...................................................................................387
4.2.5.3 RDS Iratapuru...................................................................................388
4.2.5.4 As estatísticas da evolução do atendimento a saúde nos castanhais
xix

.....................................................................................................................391
4.2.5.5 Síntese da evolução no atendimento de saúde................................394
4.2.6 Evolução demográfica nas áreas protegidas ..........................................395
4.2.6.1 PAE Maracá......................................................................................395
4.2.6.2 RESEX Cajari ...................................................................................398
4.2.6.3 RDS Iratapuru..................................................................................400
4.2.6.4 Estatísticas da evolução demográfica nos castanhais......................401
4.2.6.5 Síntese da evolução demográfica.....................................................403
4.2.7 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução social.................405
4.3 EVOLUÇÃO AMBIENTAL..............................................................................410
4.3.1 A espacialização do PAE Maracá ...........................................................410
4.3.2 A espacialização na RESEX Cajari .........................................................412
4.3.3 A espacialização na RDS Iratapuru.........................................................416
4.3.4 Problemas e conflitos ambientais no PAE Maracá..................................417
4.3.5 Problema e conflitos ambientais na RESEX Cajari .................................421
4.3.6 Problemas e conflitos ambientais na RDS Iratapuru ...............................425
4.3.7 As estatísticas da Evolução Ambiental....................................................427
4.3.8 Sintese da evolução ambiental nas áreas protegidas .............................435
4.3.9 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução ambiental ..........438
4.4 EVOLUÇÃO ECONÔMICA............................................................................440
4.4.1 A evolução econômica do PAE Maracá ..................................................442
4.4.2 A evolução econômica da RESEX Cajari................................................448
4.4.3 A evolução econômica da RDS Iratapuru ...............................................460
4.4.4 Composição da renda familiar nas áreas protegidas ..............................467
4.4.5 As estatísticas da evolução econômica das áreas protegidas ................471
4.4.5.1 A evolução da capacidade produtiva ................................................471
4.4.5.2 A evolução nas atividades produtivas...............................................472
4.4.5.3 A evolução nas relações com os agentes comerciais ......................480
4.4.5.4 A evolução na renda e consumo ......................................................486
4.4.5.5 Síntese da evolução econômica ......................................................494
4.4.6 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução econômica ........499
5 CONCLUSÃO.......................................................................................................501
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................521
20

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de uma proposta de investigação sistematizada da


realidade, nos limites de uma Tese de Doutorado, através da qual, procurou-se
aprofundar a reflexão de um processo de pesquisa sobre a economia extrativista
vegetal1 do Sul do Amapá, iniciado em 1990.
Naquele momento, para atender às exigências de uma dissertação de
mestrado, buscou-se compreender os mecanismos internos e externos que levavam
a manutenção, funcionamento e reprodução daquela atividade econômica na região
de entorno de um grande projeto agroindustrial: o Projeto Jarí. Hoje, neste novo
estudo, o esforço acadêmico foi centrado na compreensão das principais
transformações sócioambientais que estão ocorrendo na região, avaliando-as em
seus efeitos sobre as unidades de produção agroextrativistas.
O ponto referencial da análise situa-se no momento em que os principais
espaços extrativistas da região foram transformados em áreas de uso especial, com
o objetivo de garantir as populações agroextrativistas locais os seus direitos de
acesso a terra e aos recursos florestais e como forma de evitar o desmatamento
predatório da floresta amazônica.
A Amazônia, a partir da década de 80, passa por um processo significativo
de mudanças no que diz respeito à intervenção do Estado nos rumos do
desenvolvimento regional. Isso resulta da forte pressão política advinda dos
organismos internacionais, interessados na preservação da biodiversidade; das
populações extrativistas tradicionais, que precisam da floresta para sobreviver; e,
dos diversos movimentos ecológicos, preocupados com os efeitos dos
desmatamentos sobre as mudanças climáticas globais.
A pressão política desses diversos movimentos propiciou, durante a ECO-
92, um importante espaço de discussão sobre as alternativas econômicas
ecologicamente viáveis para o desenvolvimento da região, contrapondo-se e

1
Subsetor da economia rural que tem como atividade econômica o extrativismo vegetal. Este
consiste na extração ou coleta dos produtos florestais. Apesar desta definição englobar as diversas
formas de extração e coleta, neste estudo estamos considerando apenas as formas não
destruidoras das condições de reprodução dos produtos extrativos, como exemplo: a coleta da
castanha do Brasil, da borracha natural, das sementes oleaginosas e do açaí, e as possíveis formas
manejáveis de madeira e palmito.
21

freando o movimento de ocupação econômica via grandes projetos agroindustriais e


minerais, subsidiados pelo Estado, que caracterizou as décadas anteriores, com
forte impacto sobre a destruição da floresta.
A discussão de novas alternativas, o crescimento das pressões dos
diversos interesses para a manutenção da floresta em pé, e os compromissos
assumidos pelo governo brasileiro na ECO 92, aparentemente, têm modificado o
comportamento dos governos federal, estaduais e municipais, no que diz respeito
às políticas de desenvolvimento para a região, incorporando, nos seus discursos, o
conceito de desenvolvimento sustentável como uma possibilidade concreta de
garantir um equilíbrio entre os interesses de natureza econômica, social e
ambiental.
Neste sentido, as atividades econômicas que se desenvolvem sem a
derrubada de florestas, como o extrativismo vegetal, passam a ser consideradas de
forma mais enfática nos programas de desenvolvimento do governo federal no final
da década de 80 e nos governos estaduais na segunda metade da década de 90.
A estratégia inicial do governo federal foi a de transformar os principais
espaços extrativistas da Amazônia, como seringais e castanhais, em áreas de uso
especial para o usufruto das populações tradicionais. No final da década de 80, são
criados os primeiros Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEs) sob a
administração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e,
no início da década de 90, as primeiras Reservas Extrativistas (RESEXs) sob a
responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA). Alguns governos estaduais caminharam também nesta
direção criando as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDSs) sob a
responsabilidade dos seus órgãos ambientais.
No estado do Amapá, as ações do governo federal evidenciam-se já nos
finais da década de 80 e início dos anos 90 com a criação dos PAEs Maracá e da
Resex Cajari como conseqüência das lutas políticas das populações
agroextrativistas locais (castanheiros, seringueiros e ribeirinhos) e seus aliados
nacionais e internacionais. Como resultado desses embates, inicia-se, ainda de
forma tímida, os investimentos públicos de natureza federal e estadual no apoio ao
extrativismo vegetal no espaço de abrangência da reserva e dos assentamentos
extrativistas, porém, os investimentos federais tornam-se mais expressivos após a
Eco 92, com a criação do Centro Nacional do Desenvolvimento Sustentável das
22

Populações Tradicionais (CNPT) no IBAMA, que vai coordenar os investimentos de


recursos do Projeto Reserva Extrativista do Programa Piloto de Proteção das
Florestas Tropicais (PPG-7) na Reserva Extrativista do Rio Cajari.
As ações do governo estadual tornam-se mais significativas a partir de
1995, quando se implantou o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado
do Amapá (PDSA). Este programa trouxe nos seus pressupostos um compromisso
de investir no desenvolvimento de atividades econômicas de caráter sustentável
sob o ponto de vista ambiental, agregar valor aos produtos extrativistas através do
beneficiamento local e garantir espaço florestal para a população agroextrativista.
Um dos resultados do PDSA foi criação da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Uiratapuru na região Sul do Estado, em 1997.
Os principais investimentos públicos de apoio ao agroextrativismo
acontecem principalmente no âmbito dessas unidades de uso especial, significando
uma aposta na capacidade dessas áreas protegidas em produzir melhorias para a
sociedade, seja pelos serviços ambientais prestados pela floresta que a população
agroextrativista protege, seja pela possibilidade de geração de ocupação, emprego
e renda. Investigar e avaliar as formas e os resultados diretos dessa aposta junto à
população beneficiária parece ser, além de um fato motivador para a reflexão
acadêmica, uma possibilidade concreta de contribuição para um debate que se
coloca na ordem do dia: a busca de alternativas de desenvolvimento para o Amapá
e para Amazônia.
Formulação do Problema
No Amapá, os principais investimentos de fomento a economia
agroextrativista feitos pelo poder público concentraram-se na região Sul do Estado,
compreendida pelos municípios de Mazagão, Laranjal e Vitória do Jarí (Mapa1).
Nesta região, localizam-se espaços extrativistas vegetais relevantes como
seringais, castanhais e açaizais (Mapa 2), que foram responsáveis pela ocupação
econômica inicial e pela tradição histórica da atividade de coleta no território
amapaense.
23

Mapa 1 – Região Sul do Amapá


Fonte: elaborado a partir de AMAPÁ, 2005.
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d e ca p a cid a d e na tura l p a ra extra tivismo LEGENDA
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Fonte: Ma p a d e uso p otencia l d a terra - 1974
Goma s
Potencia l Ba ixo, Muito Ba ixo
ou nã o Sig nifica nte

Mapa 2 - Áreas de extrativismo vegetal do Amapá


24

A superfície territorial desses três municípios perfaz 46.787,90 Km2


representando 32,6 % do Estado do Amapá, encontrando-se atualmente com 85,3%
de seus espaços florestais (39.912,11 Km2) legalmente protegidos por unidades de
uso especial, conforme pode-se visualizar no Mapa 3. Algumas dessas unidades
foram criadas, como resultado da luta política das populações extrativistas, para
garantia de seus espaços de coleta, outras, em função do seu interesse ecológico.
Desses espaços protegidos, 18.296,00 Km2 (45,84%) foram destinados ao
uso direto das populações extrativistas locais, através de três Projetos de
Assentamento Extrativista no Rio Maracá (PAEs Maracá), criados em 1988; uma
Reserva Extrativista no Rio Cajari (RESEX Cajari), criada em 1990, e uma Reserva
do Desenvolvimento Sustentável no Rio Iratapuru (RDS Iratapuru), criada em 1997,
conforme pode-se visualizar no Mapa 4.
Os PAEs Maracá ficaram sobre a responsabilidade administrativa do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); a RESEX Cajari do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
e a RDS do Iratapuru por conta da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA).
No sul do Amapá, habita uma população de 49.061 habitantes, 10,28 % da
população estadual, segundo Censo 2000 (IBGE), sendo que deste contingente,
9.417 habitantes sobrevivem na zona rural através da combinação de atividades
extrativistas com a agricultura de corte e queima, organizados na forma de unidades
de produção familiar.
A maior parte dessa população agroextrativista ocupa os espaços
protegidos destinados ao seu uso direto como os assentamentos e reservas
extrativistas, organizando-se politicamente em associações locais e cooperativas de
trabalhadores extrativistas, sendo representada em nível regional e nacional pelo
Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS).
A população agroextrativista, que habita nas áreas destinadas ao uso
especial, em tese, terá sido a maior beneficiária direta dos investimentos públicos
ocorridos na região, tendo em vista, que existe uma responsabilidade legal do
governo em viabilizar suas áreas protegidas, para que atendam as finalidades para
as quais foram criadas.
25

Mapa 3 - Áreas Ambientalmente Protegidas do Estado Amapá


Fonte: Jorge, 2003.
26

Mapa 4- Áreas Protegidas para o Agroextrativismo no Sul Amapá


Fonte: elaborado a partir de Jorge, 2003.

Partindo da suposição que o poder público tem investido em políticas de


apoio ao extrativismo pela responsabilidade dos governos em viabilizarem suas
áreas protegidas como contribuição para melhorias nas condições de vida das
populações beneficiárias e na qualidade ambiental exigida por todos, procurou-se
neste estudo, desenvolver um processo investigativo que levasse a refletir e a
responder às seguintes questões norteadoras:
Quais as principais transformações ocorridas nas condições sociais,
econômicas, ambientais e políticas da população agroextrativista do Sul do
Amapá, a partir da criação e implementação das unidades de uso especial
para o agroextrativismo na região?
Como os principais agentes econômicos, sociais e políticos que se
relacionam historicamente com essa população vêm se comportando frente a
essas transformações?
Para o desenvolvimento local que tipo de sustentabilidade essas
transformações indicam?
Para responder a essas questões, o processo investigativo centrou esforços
no sentido de alcançar os seguintes objetivos:
27

.Analisar o processo de ocupação socioeconômica do Sul do Amapá,


buscando compreender, na história da Amazônia, os principais condicionantes da
ocupação do espaço; da formação da população agroextrativista; e do
agroextrativismo como atividade econômica na região;
.Analisar o processo de criação, regularização, e gestão dos Projetos de
Assentamento Extrativista do Rio Maracá I, II e III; Reserva Extrativista do Rio
Cajari; e Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, no Sul do
Amapá; buscando compreender o nível de envolvimento da população beneficiária
nas diversas fases desse processo;
.Analisar os principais investimentos, do poder público federal e estadual,
para viabilização dessas unidades de conservação e de uso especial,
principalmente nas formas em que esses recursos e seus benefícios atingem a
população local;
.Analisar as principais transformações que estão ocorrendo nas formas de
organizar a produção, na relação da população extrativista com os recursos
ambientais e com os agentes econômicos, a partir, da criação dessas áreas
protegidas;
.Analisar as mudanças que estão ocorrendo na qualidade da organização e
participação política da população agroextrativista na gestão dessas unidades, e na
sua relação com os demais agentes sociais e políticos envolvidos com a questão;
.Analisar as modificações que vêm ocorrendo no acesso da população
extrativista aos seus direitos sociais: educação, saúde, moradia, transporte,
comunicação, lazer e acesso à terra;
.Identificar e analisar as transformações que estão ocorrendo nas
estratégias dos principais agentes econômicos que se relacionam com a população
beneficiária dessas unidades, no processo de apropriação da produção local;
Este estudo partiu da premissa, construída na aparência dos fenômenos,
que as fortes pressões políticas advindas das populações locais e dos movimentos
ambientalistas nacionais e internacionais têm obrigado o poder público a realizar
investimentos para a viabilização das suas unidades de uso especial para o
agroextrativismo, existentes no Sul do Amapá. Entretanto, os benefícios desses
investimentos não têm atingido de forma significativa as famílias agroextrativistas
beneficiárias diretas das ações do governo, que não têm conseguido ganhos
concretos na valorização das suas produções, na melhoria de acesso aos
28

equipamentos sociais como: educação, saúde, moradia, transporte, comunicação e


acesso à terra, além de que, essa população não tem se fortalecido politicamente
através da participação nas suas instâncias de representação política e na gestão
dessas unidades. Por conseguinte, os serviços ambientais que esta população
presta à sociedade, mantendo a floresta em pé, através do seu uso sustentável, não
estão garantidos.
Em síntese, a estratégia adotada pelos governos de criar e implementar as
unidades de uso especial para o usufruto direto das populações locais
agroextrativistas, apesar de parecer acertada, não vem atingindo os seus objetivos
de contribuir para o desenvolvimento sustentável do Sul do Amapá, garantindo
melhorias econômicas, sociais e políticas para as populações locais com baixos
impactos sobre os recursos florestais.
Justificativa
Nos anos de 1989 e 1990, analisou-se pela primeira vez, sob o ponto de
vista do interesse acadêmico, a economia agroextrativista do Sul do Amapá, em um
projeto de pesquisa que buscava desvendar os mecanismos internos e externos
que garantiam a persistência deste tipo de economia no entorno de um grande
projeto agroindustrial: o Projeto Jarí. Os resultados dessa pesquisa materializaram-
se em uma dissertação de mestrado, defendida junto à Universidade Federal da
Paraíba.
Em 1993, desenvolveu-se, nessa região, um projeto de pesquisa sobre a
Sócioeconomia da Reserva Extrativista do Rio Cajari-AP, envolvendo a participação
de extrativistas e técnicos na coleta de informações. A experiência dessa pesquisa
foi replicada em sua metodologia nos Assentamentos Extrativistas do Maracá I, II,
III, entre os anos de 1993 a 1994. Esses estudos garantiram familiaridade com o
tema e acesso a um conjunto riquíssimo de informações empíricas sobre a
economia e a população agroextrativista da região. Isso tudo, além de motivar ao
aprofundamento da reflexão sobre a temática, contribuiu substancialmente com o
presente processo investigativo.
No ponto de vista profissional, um aspecto que estimulou e auxiliou no
processo de complementação de informações necessárias para a reflexão
acadêmica foi à relação de assessoramento técnico mantida com a representação
política das populações extrativistas no Amapá, o Conselho Nacional dos
Seringueiros. Isto possibilitou um acesso privilegiado às populações
29

agroextrativistas e ao conhecimento das políticas públicas que passam pela


discussão dessa entidade.
Sob o ponto de vista da relevância social do problema investigado, com a
criação do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque em 2002,
protegendo mais 16.474,04 Km2 da região Sul do Amapá, que somados às áreas
das Unidades de Conservação e de uso especial existentes, aumentou
consideravelmente o espaço regional de áreas protegidas ou com restrições de uso.
Com esse fato, aumentaram também as preocupações com as questões
econômicas e sócioambientais da região, já que esta abriga um contingente
populacional que precisa construir alternativas de desenvolvimento e utilização dos
recursos condizentes com os objetivos dos espaços protegidos.
Nesse contexto, a ação do poder público reveste-se de uma importância
capital, já que os seus esforços precisam atender às expectativas criadas junto a
essas populações, quando, da criação das áreas de uso especial. Portanto, um
trabalho que investigue como vem ocorrendo à ação pública e privada para
viabilização das áreas protegidas e os impactos que isso vem provocando nas
condições de vida da população agroextrativista diretamente beneficiada, poderá
contribuir para uma maior eficiência e eficácia nos esforços futuros. Além disso, a
investigação será capaz de gerar novas informações que poderão alimentar o
processo de construção de alternativas de desenvolvimento atualmente
demandadas, somando-se a outros estudos que acontecem e acontecerão com
mais freqüência na região, com o objetivo de suprir a carência existente de
conhecimentos científicos multidisciplinares necessários para subsidiar o
desenvolvimento sustentável local.

Procedimentos Teórico-metodológicos

Este estudo foi desenvolvido em quatro etapas que se complementaram ao


longo do processo de construção: uma etapa de fundamentação teórica, uma etapa
de pesquisa de campo, uma de tratamento estatístico dos dados coletados, e uma
de análise teórica dos dados tratados.
A etapa de fundamentação teórica foi realizada no ano de 2005
prolongando-se até o início de 2007, na cidade de Belém-PA, através de uma
extenuante pesquisa bibliográfica nas bibliotecas da Universidade Federal do Pará,
30

do Museu Paraense Emilio Goeldi, do Arquivo Público do Pará, além da consulta na


Internet. Nessa revisão bibliográfica, munido de uma postura interdisciplinar e
multiparadigmática, trabalhou-se na busca das bases teóricas capazes de explicar
ou de contribuir para o entendimento do comportamento racional dos agentes
envolvidos com o agroextrativismo, a saber, a população agroextrativista, os
agentes comerciais e industriais envolvidos com a produção agroextrativista e os
agentes públicos e privados que se relacionam direta ou indiretamente com a
problemática, como as ONGs ambientalistas e os técnicos e burocratas que atuam
nos órgãos públicos responsáveis pela viabilização das unidades de uso especial
para o agroextrativismo.
Para entender o comportamento da população agroextrativista, buscou-se
na história, economia, sociologia e antropologia, principalmente nos aspectos
ligados as teorias do campesinato, as bases conceituais desse entendimento, tendo
como categoria chave a chamada racionalidade camponesa. Quanto ao
comportamento racional ou racionalidade dos agentes econômicos ligados à
problemática, os aspectos teóricos foram extraídos da economia política, ou mais
precisamente dos fundamentos econômicos da economia política marxista, no
diálogo com outras vertentes econômicas contemporâneas.
Para a análise do comportamento dos agentes públicos e movimentos
ambientalistas que interagem com o agroextrativismo na Amazônia utilizou-se de
bases conceituais em construção, tomando como referência os debates teóricos
recentes da ecologia política, nos seus aspectos ligado ao conceito de crise
ambiental e suas influências na ciência econômica, na sociologia (principalmente
nos aspectos ligados aos movimentos ambientalistas), e na agricultura, com ênfase,
na chamada agroecologia.
A pesquisa bibliográfica, também esmiuçou nos principais trabalhos de
história econômica, sociologia e antropologia da Amazônia, os fundamentos básicos
para a compreensão do processo de constituição do agroextrativismo, nos seus
condicionantes estruturais, na ocupação do espaço, e na formação de uma
população camponesa agroextrativista na região amazônica de forma geral e no Sul
do Amapá em particular.
A etapa de pesquisa de campo constou de duas fases, uma de coleta de
dados secundários, realizada em Macapá, durante o ano de 2006. Nesta fase,
buscaram-se os dados quantitativos e qualitativos existentes sobre as políticas de
31

fomento a economia agroextrativista no Sul do Amapá de responsabilidade dos


governos federal, estadual e municipais, e de organizações não governamentais.
Isto foi feito através de consulta a relatórios técnicos, resultados de pesquisas,
censos demográficos, levantamentos de produção, programas e projetos
governamentais, dissertações e teses. Esta fase foi realizada junto a técnicos,
pesquisadores e instituições públicas e privadas com atividades no Sul do Amapá.
A segunda fase da pesquisa de campo foi desenvolvida através de várias
viagens as unidades de uso especial do Sul do Amapá, durante o ano de 2006 e
meados de 2007, a saber: ao Projeto de Assentamento Agroextrativista do rio
Maracá; a Reserva Extrativista do Rio Cajari; e a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Iratapuru.
Esta fase foi de grande importância para o trabalho, dado a precariedade
dos dados secundários existentes sobre a evolução da economia agroextrativista na
região, e as transformações socioeconômicas e ambientais decorrentes desta.
Nesta ocasião, teve-se acesso aos dados primários que foram essenciais para os
objetivos do estudo. Foram utilizados os seguintes procedimentos de coleta de
dados junto aos atores sociais envolvidos:
.População agroextrativista: a pesquisa com este segmento foi feita
através de entrevistas abertas e estruturadas em questionário padrão, associadas à
observação direta. Procurou-se obter os dados necessários e complementares para
subsidiar o processo de análise das transformações que estão acontecendo na
caracterização dessa população, na organização da unidade de produção
agroextrativista, nos processos de trabalho, na utilização dos recursos ambientais,
nas relações da população com os agentes internos e externos, e no acesso desta
as políticas públicas.
O questionário padrão aplicado (em anexo) foi praticamente o mesmo
utilizado, de forma censitária, em 1993, na Reserva Extrativista do Rio Cajari e nos
Projetos de Assentamento Extrativista do Rio Maracá, gerando as bases de dados
disponíveis sobre a população agroextrativista da região. O questionário sofreu
pequenas modificações de forma a possibilitar a coleta de dados sobre rendas
extras recebidas pelas famílias. A opção pela sua escolha, deveu-se ao fato de
permitir as comparações necessárias entre dois momentos o ano de 1993 em que
foram criadas as bases de dados existentes e 2006, momento da atual pesquisa.
Para a aplicação e análise estatística dos questionários, utilizou-se do
32

seguinte plano de amostragem:


a) População alvo: definiu-se como estrato a ser pesquisado da população
agroextrativista local, as famílias que trabalham com a coleta da castanha
do pará (Bertholletia excelsa). A escolha justifica-se pelo fato da castanha
ser atualmente o produto extrativista não madeireiro com maior
expressão econômica na região, em termos de geração de renda para a
economia local, visto que, a coleta do látex foi abandonada e a
exploração comercial do açaí (Euterpe oleraceae) ainda se encontra em
estágio embrionário. Essa população é relativamente homogênea quanto
as suas principais características: organiza-se em unidades familiares
que praticam a agricultura de corte e queima combinada com a coleta da
castanha, caça e pesca, e habitam em áreas protegidas para o
agroextrativismo.
b) Tamanho da amostra: foi definido a partir das fórmulas sugeridas por
Barbetta(2006, p.58), levando em conta a predominância no questionário
padrão de variáveis do tipo dicotômicas e ordinais. Selecionou-se uma
amostra aleatória simples, composta de 80 unidades familiares
agroextrativistas de um universo de 365 famílias cadastradas em 1993 na
RESEX Cajari (235) e PAEs Maracá (96) e em 1997 na RDS
Iratapuru(27). Para efeitos de inferência estatística, baseada nas fórmulas
utilizadas, o tamanho da amostra tolera um erro amostral de até 9,8%
com probabilidade de 95%. A amostra representa 20,4% das unidades
familiares de castanheiros da RESEX Cajari, 25% do PAE Maracá
cadastradas em 1993, e 29,6% das famílias beneficiárias diretas da RDS
do Iratapuru em 1997.
c) Tratamento dos Dados: os questionários foram armazenados em um
banco de dado tipo Microsoft Access junto com os seus pares extraídos
das bases de dados de 1993 para posterior tratamento estatístico.
Para complementar as informações dos questionários realizaram-se
algumas entrevistas abertas (história oral) com moradores mais antigos da região,
visitou-se algumas roças, sítios e castanhais, utilizou-se da observação direta e do
registro fotográficos de alguns aspectos da realidade local.
.Representantes do Capital Industrial e Comercial: foram realizadas
entrevistas abertas, buscando identificar, como esses setores vêm se apropriando
33

da produção agroextrativista; como essa produção é distribuída entre esses setores;


quais as suas estratégias e propostas para a economia extrativista na região; e, as
suas relações com os governos e suas políticas públicas.
.Agentes lnstitucionais: através de contatos e entrevistas abertas, foram
coletadas informações sobre a problemática do agroextrativismo na visão de
técnicos de instituições não governamentais, extensionistas rurais, técnicos e
dirigentes de instituições dos governos federal como o INCRA e IBAMA, do
governo estadual, como a Secretaria do Estado do Meio Ambiente (SEMA), Instituto
de Desenvolvimento Rural do Amapá (RURAP), e Instituto de Pesquisa Científica e
Tecnológicas do Amapá (IEPA) envolvidos diretamente com o agroextrativismo,
para identificar quais os projetos e propostas que existem para esta economia no
Amapá e as ações que estão sendo realizadas.
.Representantes das Organizações Econômicas e Políticas dos
Extrativistas: através de entrevistas abertas, procurou-se identificar as mudanças
que vêm ocorrendo nas formas organizativas de luta econômica e política que os
agroextrativistas vêm desenvolvendo na região, quais as suas novas alianças e os
seus projetos para esta atividade. Nesse sentido, foram entrevistados lideranças e
representantes do CNS, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Associações e
Cooperativas de agroextrativistas, agentes comunitários, e técnicos que
assessoram essas organizações.
A terceira etapa do trabalho foi realizada em 2007 em Belém, que constou
do tratamento estatístico dos dados coletados. Nessa etapa, trabalhou-se com o
pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) e a planilha
eletrônica Excel da Microsoft.
A análise estatística foi feita através da comparação de médias e
proporções (percentagens) das variáveis existentes nos Bancos de Dado de 1993
do Maracá e Cajari, com as variáveis coletadas e armazenadas no Banco de Dados
de 2006, aplicando-se os testes estatísticos mais adequados a cada tipo de
variável. Utilizou-se do pareamento de amostras para a maioria das variáveis
relacionadas às unidades de produção, e o tratamento como amostra independente
para os dados demográficos dos indivíduos das unidades familiares. Foram
aplicados os testes estatísticos recomendados para cada tipo de variável de acordo
com Maroco (2003); Pereira (2004) e Pastana e Gageiro (2005), para um intervalo
de confiança de 95%. Utilizou-se o Teste t de Student para variáveis numéricas e os
34

testes não paramétricos (Wilcoxon, Sinais, Friedman e McNemar) para variáveis


categóricas. Os dados referentes a unidades da RDS de Iratapuru não passaram
por pareamento, por não haver bases de dados disponíveis do passado.
Após o tratamento estatístico, desenvolveu-se uma análise teórica dos
resultados encontrados nas etapas anteriores, procurando-se fazer a intermediação
entre o instrumental teórico e os dados empíricos coletados da realidade, iniciando-
se a partir de então, a redação do corpo final da tese, procurando-se trabalhar com
as categorias teóricas que apresentassem o poder explicativo necessário para cada
situação.
A exposição desse processo investigativo e analítico que forma o corpo de
uma tese de doutorado está estruturada além da introdução, em mais 4 seções. A
seção 2 trata da fundamentação teórica mais geral utilizada para analisar o
comportamento dos principais agentes sociais envolvidos com o agroextrativismo
enfatizando os conceitos de racionalidade econômica e o debate contemporâneo
sobre a chamada crise ambiental e seus impactos sobre a economia, movimentos
sociais, e agricultura. A seção 3 versa sobre uma fundamentação teórica mais
específica, destacando a formação histórica do agroextrativismo na Amazônia e a
construção social do Sul do Amapá, com ênfase nesta atividade. A seção 4
apresenta uma avaliação das transformações socioambientais ocorridas no Sul do
Amapá em seus impactos sobre a população agroextrativista das áreas protegidas
entre os anos de 1993 e 2006. Por fim, na seção 5 apresentam-se as conclusões e
considerações finais do processo investigativo.
35

2 CONTEXTO TEÓRICO GERAL

Neste trabalho, partiu-se da tese que as transformações que estão


ocorrendo no Sul do Amapá expressam as formas como os diferentes agentes
sociais e econômicos relacionam-se entre si e com a natureza, através da
apropriação dos recursos naturais existentes nas florestas, como as castanhas,
açaí, gomas, cipós, madeiras e caças; nos rios, como a pesca; e, na terra, através
da agricultura. Essa apropriação dá-se, a partir do comportamento racional desses
agentes, como expressão da tentativa de realização dos seus interesses mediatos
e imediatos. Nesse sentido, a natureza é vista e tratada diferentemente, em função
dos seus objetivos, que são diversos, embora possam ser, em determinados
momentos, complementares e, em outros, antagônicos.
Os principais agentes sociais e econômicos investigados neste estudo são:
as “populações agroextrativista”, que fazem a primeira apropriação dos recursos
naturais, incorporando trabalho nos frutos da natureza, transformando-os em
mercadorias, que, a partir de então, portadoras de valor econômico, são vendidas,
para garantir a sobrevivência das famílias; os “agentes capitalistas”, que se
apropriam, pela compra, dessas mercadorias, visando aumentar seus capitais; e,
“os agentes externos”, governamentais e não governamentais, que intermedeiam,
politicamente, os conflitos entre os agentes da apropriação, e, destes com a
natureza, em nome de um interesse social maior, de natureza desenvolvimentista
e/ou ambientalista.
Pelos seus diferentes objetivos, esses agentes sociais são portadores de
racionalidades próprias. O comportamento racional dos agentes capitalistas, que se
apropriam dos produtos da natureza oferecidos pela população extrativista, tem
como objetivo principal a acumulação capitalista, ou seja, a busca crescente da
maior taxa possível de lucro para os capitais investidos no comércio e
transformação desses produtos. Para tanto, fazem e refazem suas estratégias no
sentido de conseguir o maior lucro possível nas suas transações. A racionalidade
dos agentes capitalistas, ou seja, a racionalidade capitalista, pode ser
compreendida a partir da economia política, nos métodos e nas categorias teóricas
construídas para analisar a dinâmica econômica da sociedade capitalista.
Do lado das populações agroextrativistas, denominadas por alguns de
36

“populações tradicionais”, predomina uma racionalidade, em que, a apropriação dos


recursos naturais dá-se no sentido de garantir a sobrevivência das famílias, seja
através do autoconsumo, ou através da conversão dos recursos naturais
apropriados em dinheiro, que é utilizado para comprar os itens da subsistência que
a natureza não consegue oferecer de imediato. Essa racionalidade é explicada nas
teorias do campesinato, principalmente, por Chayanov, como um produto específico
das unidades produtivas tocadas pelo trabalho familiar, onde, o objetivo maior é a
reprodução da unidade familiar de produção e não a acumulação capitalista.
Entre essas duas racionalidades de natureza econômica, sobrepõe-se uma
racionalidade intermediadora, expressa na figura de agentes públicos e privados,
que procuram compatibilizar os choques de interesses existentes na apropriação
dos recursos naturais, a partir, de uma ação racional embasada por uma
fundamentação de natureza técnico-científica modernizante, alinhada aos
interesses mais globais da sociedade capitalista. Os agentes dessa racionalidade,
atuam algumas vezes como árbitros, outras como atores ativos, nos conflitos pela
apropriação dos recursos e pelo uso racional da natureza, em nome de toda
sociedade pela qual se pretendem legitimar ou representar. Entende-se, que uma
melhor compreensão do comportamento racional desses “agentes externos” sejam
públicos ou privados, pode ser encontrada nas vertentes teóricas contemporâneas,
que tentam fazer a aproximação das ciências humanas com as ciências da
natureza, a partir da premissa de uma crise ambiental.
Nesta análise, consideramos central o pressuposto de que a sociedade
contemporânea vivência, com certa preocupação, a existência de uma crise
ambiental, que, embora no meio acadêmico não exista consenso quanto a sua
dimensão, esta vem, aos poucos, transformando tanto as formas de relações
quanto as formas de análise e compreensão da relação existente entre os homens
e destes com a natureza. Percebe-se assim a existência de uma tendência a
ecologização das ciências humanas e de uma nova humanização das ciências da
natureza. Essa preocupação fundamenta e vai estar presente na ação das ONGs e
dos órgãos públicos ambientais envolvidos com o agroextrativismo.
As influências dessa preocupação com a crise ambiental são muito fortes
na Amazônia, pelo importante papel ecológico, que essa imensa região de floresta
tropical úmida representa para a vida ambiental do planeta no imaginário
contemporâneo. Isto, de certa forma, além de influenciar o comportamento dos
37

agentes locais, enriquece o cenário do confronto de racionalidades econômicas,


com a inclusão de novos agentes, preocupados de antemão com a preservação da
natureza e com as mudanças climáticas globais.

2.1 A RACIONALIDADE, COMO CATEGORIA CENTRAL NA ECONOMIA


POLÍTICA

O antropólogo francês Maurice Godelier[1969?] em sua exaustiva reflexão


sobre a racionalidade na economia política mostra a complexidade e o status
central desses conceitos a ponto de afirmar que “a questão da racionalidade
econômica é pois ao mesmo tempo a própria questão epistemológica da economia
política enquanto ciência” (GODELIER, [1969?] p.18). Isto se deve ao fato, de que
em torno desse termo, outras palavras se comprimem como que atraídas umas
pelas outras num campo semântico comum: eficiência, eficácia, rentabilidade,
rendimento, produtividade, minimização dos custos, lucro máximo, satisfação
máxima, decisão optimal, escolha, cálculo, previsão, gestão e organização do
trabalho, da empresa, do ramo, da economia nacional, desenvolvimento,
crescimento equilibrado, progresso, distribuição, justiça, etc. Percebendo-se
facilmente o elo entre esses termos, porém no centro dessa cadeia aparece uma
ruptura quando se coloca a pergunta “em benefício de quem” é procurada a
eficácia? Isso acaba na opinião de Godelier [1969?] a colocar em dúvida o caráter
científico da economia pelo peso ideológico da temática, dando a impressão da
existência de dois encaminhamentos: de um lado referente à escolha dos fins
permeado pelo peso ideológico e de outro pelos meios de atingir aos fins com o
peso científico.
Para Godelier ([1969?],p.19-20) na literatura contemporânea, o tema da
racionalidade econômica apresenta-se sob a forma de duas perguntas:

1) Como, num sistema econômico dado, devem se comportar os


agentes econômicos para atingir os objetivos que se propõem?
2) Qual é a racionalidade do sistema econômico em si mesmo e será
que podemos compará-la à de outros sistemas?
A primeira pergunta visa a explicação de uma racionalidade
intencional buscada pelos indivíduos, a segunda uma racionalidade
inintencional, a capacidade por exemplo, para diversos sistemas, de
assegurar o aumento dos meios de produção, a elevação do nível de
vida, etc.

A partir dessas perguntas confrontam-se, de um lado, os comportamentos


38

para estabelecer “estágios de desenvolvimento” (como o camponês francês com o


da Costa do Marfim) das estruturas econômicas e sociais e, de outro lado,
confrontam-se estruturas como a pequena propriedade e a grande exploração, e,
através delas o comportamento em face a técnica moderna (GODELIER,[1969?]).
A partir dessas perguntas centrais da ciência econômica, Godelier propõe-
se a mostrar como toda análise do comportamento econômico racional desemboca
na confrontação de sistemas econômicos diferentes e as diversas doutrinas que
pretendem explicar seus mecanismos e possibilidades. A maior confrontação na
época do seu estudo, era a dos sistemas capitalista e socialista e, no plano dou-
trinal, a da Economia política neoclássica e marginalista e da Economia política
marxista.
Max Weber (1992), nos seus estudos do comportamento social, vincula a
racionalidade ao conceito de ação social. Para tanto, distingue quatro tipos de ação
social: 1) a ação racional com relação a fins: determinada por expectativas no
comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e,
utilizando essas expectativas como condições ou meios para o alcance de fins
próprios racionalmente avaliados e perseguidos; 2) a ação racional com relação a
valores: determinada pela crença consciente no valor, seja este ético, estético,
religioso ou de qualquer outra forma, próprio e absoluto de um determinado
comportamento, considerado como tal, sem considerar as possibilidades de êxito;
3) a ação afetiva, especialmente emotiva, determinada por afetos e estados
sentimentais atuais; e, 4) a ação tradicional: determinada por costumes arraigados.
Tomando a racionalidade como expressão do comportamento racional,
Godelier [1969?], utiliza de Maurice Aliais2 a idéia de que um homem é reputado
como racional quando: busca fins coerentes consigo mesmo e emprega meios
apropriados aos fins buscados. Dessa forma para esse autor, a análise do
comportamento racional se apresenta, pois, como a procura teórica das condições
de possibilidade de atingir um objetivo qualquer, levando-se em conta um jogo
determinado de dificuldades.
Uma conclusão importante de Godelier é que:

A racionalidade econômica entrevista sobre o seu duplo conteúdo -


ao mesmo tempo racionalidade dos sistemas econômicos e
racionalidade do comportamento dos agentes econômicos dentro

2
ALLAIS, Maurice. Foudements d’une théorie des choix comportant um risque, 1955, p.31.
39

destes sistemas – não se mostra senão através do conhecimento


das leis de funcionamento e evolução destes sistemas e este
conhecimento é produto da pesquisa teórica não só dos
economistas, como dos especialistas das outras ciências sociais na
medida em que o econômico é determinado parcialmente, pelo
funcionamento das estruturas não econômicas da vida
social([1969?], p.36).

Na sociedade capitalista, entende-se que a racionalidade econômica


mostra-se “a priori” no comportamento dos agentes capitalistas que agem no
sentido de atingir seus objetivos vitais, resumidos na busca do lucro máximo para
os seus capitais aplicados nas diversas áreas da atividade econômica. O lucro
aparece para a sociedade como fruto das atividades de compra e venda, ou seja,
através dos preços, onde, os agentes agem no sentido de comprar mercadorias a
um preço mínimo e vender mercadorias a um preço máximo. Face a isso,
corroboramos com a citação:

A questão da racionalidade dos sistemas capitalistas e da prática


econômica dos indivíduos no interior desse sistema se acha,
portanto, inteiramente dependente da explicação pela ciência
econômica da natureza e da origem: do valor de troca de uma
mercadoria qualquer (produto ou força de trabalho), da moeda,
dos preços, dos lucros (lucro empresarial, renda imobiliária, juro,
lucro comercial, etc.. .) dos salários. Depende, portanto da validade
das definições das categorias fundamentais da teoria econômica, ela
nos remete ao conhecimento cientifico das condições históricas de
aparecimento e evolução desse sistema. (GODELIER,[1969?], p.37).

Nesse sentido, na economia, a racionalidade tem sido tratada sob duas


perspectivas teórico metodológica: uma enquanto manifestação do egoísmo,
característica natural e universal do ser humano que evolui em direção a sociedade
comercial ou capitalista enquanto campo fértil para a manifestação de toda a sua
plenitude, pensada como instrumento fundamental para o desenvolvimento e bem
estar social, e na outra, essa racionalidade é vista como produto histórico da
evolução dos sistemas de produção das condições de reprodução da vida material
da sociedade.

2.1.1 A racionalidade enquanto produto do comportamento egoísta do


indivíduo

A primeira perspectiva evolui teoricamente centrada no indivíduo egoísta


que busca o melhor para si contribuindo involuntariamente para o bem estar social.
40

Nasce nas idéias de Adam Smith, refina-se na figura do indivíduo maximizador de


utilidades de Bentham, ganhando notoriedade científica nos modelos marginalistas
de Menger, Walras e Jevons, na imagem do homem econômico racional que
sempre faz a melhor escolha para si e para a sociedade ao buscar a maximização
do lucro ou de utilidades e a minimização dos custos.
Segundo Leff(1993), citando Gil Vilegas3, Max Weber tipifica essa
racionalidade maximizadora e egoísta, oriunda da economia como “racionalidade
instrumental” que:

[...] implica a consecução metódica de determinado fim prático


através de um cálculo preciso de meios eficazes. Na esfera
econômica, se traduz na produção e uso de técnicas eficientes de
produção e em forma eficazes de controle e racionalização do
comportamento social para alcançar certos fins(econômicos,
políticos); na esfera do direito se reflete no ordenamento legal que
normalizam a conduta dos agentes sociais.(LEFT, 1993, p.100,
tradução do autor).

Essa “racionalidade instrumental” constitui o núcleo teórico central da


moderna economia neoclássica, ou,

[...] o que alguns consideram a característica mais importante da


economia neoclássica, ou seja, sua insistência no individualismo
metodológico: a tentativa de derivar todo o comportamento
econômico a partir da ação em busca da maximização de suas
vantagens, sujeitos aos obstáculos da tecnologia e das alocações
(BLAUG, 1993, p.315).

Para Blaug (1993), o postulado da racionalidade, na moderna economia,


tem sido tão forte e abrangente que alguns chegam a negar que seja possível se
construir qualquer teoria econômica que não seja baseada na maximização da
utilidade. O que, no seu entender é uma premissa falsa, pois a economia
keynesiana não derivou da maximização da utilidade, além de que, algumas
pesquisas de psicologia experimental mostram que a racionalidade no real
contradiz a teoria, ou dito de outra forma: o homem econômico real se comporta
diferentemente do homem econômico idealizado.

Uma importante crítica a racionalidade instrumental, no que diz respeito a


sua capacidade explicativa, vem do prêmio Nobel de Economia Herbert Simon.
Segundo Moretto(2002) e Barros(2004), essa crítica dar-se-á através do conceito

3
GIL VILEGAS, F. El concepto de Racionalidad em la obra de Max Weber. Revista Mexicana de
41

de “racionalidade limitada ou “racionalidade restrita”, presente em dois importantes


artigos sobre o tema de Simon4.
Para Barros:

Simon argumenta que o homem não se comporta de uma forma


objetivamente racional não porque não queira, mas porque não
consegue. Suas capacidades cognitivas e computacionais são
bastante limitadas quando comparadas com a complexidade do
mundo a sua volta. A partir desta percepção ele avança o “princípio
da racionalidade restrita”(BARROS, 2004, p.71).

A visão neoclássica de homem econômico racional portador de uma


racionalidade absoluta e onisciente, capaz de uma racionalização maximizadora,
só teria sentido em uma situação em que o indivíduo tivesse todas as informações
e a capacidade de processá-las para conseguir tomar a melhor decisão:

Por conseguinte, Simon sugere que os consumidores e as firmas não


estão maximizando e sim buscando a satisfação (satisficing), ou
simplesmente, tentando atingir um mínimo aceitável. A racionalidade
é limitada no sentido da existência de muita informação para ser
computada ou avaliada. Do mesmo modo Simon não se refere a
quantidade de informação disponível, mas a capacidade limitada da
mente humana de tratar com todos os dados acessíveis
(MORETTO,2002, p.79).

Para Fusfeld (2001), com a elaboração da teoria dos jogos na economia,


percebe-se que as decisões de uma pessoa tornam-se dependentes das escolhas
das outras, deixando de ser baseadas apenas nas suas preferências. A teoria dos
jogos também leva ao conceito de “racionalidade limitada”, à medida que, em
situações como o “dilema do prisioneiro”, ao indivíduo não basta ser “racional”, é
preciso ser tão racional quanto todos os outros. A partir de então, conclui este autor,
que o conceito de racionalidade tornou-se mais complexo e indeterminado que
antes.
Um aspecto interessante na história do comportamento racional do
indivíduo, é que essa racionalidade maximizadora de lucros era vista na Grécia
Antiga por Aristóteles na chamada Crematistica como um comportamento
“irracional”.

Ciências Políticas y Sociales, Anõ XXX, N. 117-1118, p.25-47.


4
SIMON, Herbert. A behavioral model of rational choice. The Quarterly Journal of Economics, vol.69,
n.1, february 1955, p. 99-118.
SIMON, Herbert. Rational Choice and Estructure of the environment. Psychological Review, vol. 63,
march 1956.
42

Por essa perspectiva centrada no individualismo metodológico as categorias


fundamentais da economia que podem explicar a questão da racionalidade são
definidas em um processo onde:

Parte-se da confrontação num mercado das preferências dos


indivíduos para explicar as taxas por eles aplicadas à troca de suas
mercadorias e trabalho. Essas taxas se exprimem através dos
preços e estes determinam o valor dos produtos e dos fatores
de produção. Parte-se, portanto, da utilidade subjetiva dos bens
para cada consumidor para explicar o funcionamento da economia
capitalista e determinar progressivamente o conteúdo das
categorias e leis dessa economia. Esta doutrina dominante dos dias
atuais herda parte das teorias clássicas e tem sua mais elaborada
expressão no marginalismo moderno. (GODELIER, [1969?], p.37)

Um dos pressupostos básicos dessa perspectiva foi a liberdade do


mercado, condição fundamental, para que o comportamento egoísta do indivíduo
tivesse a condição de livremente fazer a melhor escolha para si, sendo que essa
também seria a melhor escolha para sociedade, explicada na sua boa condução,
pela “mão invisível” de Adam Smith, ou pela lei do mercado autoregulado de Jean
Baptiste Say. A partir da crise econômica de 1930, no pós-guerra, a figura do
Estado é chamada para corrigir as falhas existentes no modelo neoclássico,
certamente, resultantes das “irracionalidades” no comportamento dos agentes
econômicos. A partir de então, emerge o paradigma e as políticas keynesianas, que
enfraquecem o ambiente teórico da maximização neoclássica.

2.1.2 A racionalidade enquanto produto do processo histórico

Em oposição, ao individualismo metodológico na economia, esta


perspectiva teórica,

[...] parte das condições técnicas e sociais da produção dos bens


material, na sociedade capitalista, para explicar a origem e a na-
tureza do valor das mercadorias, antes mesmo que elas sejam
oferecidas no mercado e depois analisa o mecanismo da formação
dos preços segundo as estruturas do mercado. Enfim, analisa o
lucro capitalista e, através dos lucros e dos salários, a estrutura da
procura solvável dos consumidores. (GODELIER, [1969?], p.37)

Essa abordagem foi construída a partir do profundo estudo que Karl Marx
desenvolveu sobre o capitalismo, utilizando o método dialético aperfeiçoado de
Hegel, e as teorias essenciais dos economistas clássicos sobre a origem e a
natureza do valor de troca das mercadorias.
43

Em “O Capital”, Marx ao estudar a sociedade capitalista, inicia a sua análise


a partir da mercadoria enquanto expressão da riqueza social, nas suas duas
dimensões: valor de uso e valor de troca. Centralizando o seu estudo no valor de
troca, Marx conclui que, o que determina o preço, enquanto expressão monetária do
valor de troca, é o tempo de trabalho social gasto na produção da mercadoria.
Diferentemente, da abordagem neoclássica, para Marx, a mercadoria chega ao
mercado com o seu valor já determinado. A oferta e a procura, enquanto expressão
das escolhas individuais, fazem apenas o preço gravitar em torno do seu valor.
Ao estudar, a gênese do dinheiro enquanto mercadoria, para a qual, a
sociedade confere o poder de refletir o valor das outras mercadorias e assim
facilitar as trocas, Marx vai perceber as diferentes fases da vida do dinheiro, onde,
este evolui da sua forma mais simples: a de meio de circulação, a sua forma mais
complexa: a de capital, no momento em que este se reproduz de forma ampliada,
reproduzindo também as suas condições de reprodução: a consolidação de uma
classe de proprietários dos meios de produção; e de um classe proletária, que para
sobreviver, precisa vender a única mercadoria, de que ela ainda é proprietária: a
sua força de trabalho.
Em seu estudo, Marx, mostra na história do dinheiro, o processo de
consolidação das relações capitalistas de produção, em três momentos:
1-O momento da circulação simples: quando, o dinheiro é utilizado para
facilitar a circulação de mercadorias na sociedade, onde, a mercadoria produzida
por um produtor é trocada por dinheiro, para que, esse produtor possa ter acesso
aos produtos de outros produtores, sendo que, nesse momento, o dinheiro expressa
apenas o tempo de trabalho social existente nas mercadorias.
2-O momento da reprodução simples: momento em que, alguns homens
percebem no dinheiro a possibilidade de acumular mais dinheiro. A partir de então,
o dinheiro passa a ser utilizado, também, para comprar mercadorias por um preço
abaixo dos seus valores em tempo de trabalho, para vendê-las por um preço
superior. Nesse momento se consolida uma classe que acumula dinheiro nas
atividades comerciais e, também, nas atividades financeiras, porém, sem
revolucionar o processo de reprodução da riqueza como na fase posterior. Nesse
momento o comportamento racional de busca do lucro ou do enriquecimento pela
acumulação de dinheiro começa a se difundir pela sociedade. Com isso a busca da
virtude, o domínio da explicação religiosa passa a ser substituído pela busca da
44

riqueza e pelo predomínio da razão.


3-O momento da reprodução ampliada: quando, os detentores de dinheiro
começam a perceber que podem acelerar o processo de acumulação de dinheiro,
na medida em que, eles empreguem o seu dinheiro, acumulado no comércio, para a
produção de mercadorias, através da contratação de trabalhadores e organização
do processo de trabalho, substituindo a produção artesanal incapaz de responder
ao crescimento do mercado, pela produção fabril, onde o processo de produção é
organizado dentro de uma racionalidade econômica constituída visando o lucro
máximo, antes condenável pela igreja, e hoje, endeusada pela sociedade.
Nesse momento, aparece a essência do lucro, que os economistas
clássicos não conseguiram explicar na teoria do valor trabalho, pois, consideravam
que o salário remunerava todo o trabalho do proletário. Marx mostra que o salário
remunera apenas o valor da força de trabalho, que é menor que o tempo que o
trabalhador é obrigado a trabalhar para o capitalista que lhe contrata. Nesse sentido
o capitalista por ser detentor dos meios de produção apropria-se do trabalho não
pago ao trabalhador. A esse trabalho não pago, Marx vai denominar de mais valia,
que é a explicação teórica do lucro capitalista.
Com a explicação do lucro capitalista, através da teoria da mais valia,
percebe-se que, na sua história, o dinheiro, passa a ocupar uma nova função na
sociedade capitalista: a função de capital, ou seja, de valor que se reproduz de
forma ampliada, a partir da extração e aplicação da mais valia nos processos de
produção subseqüentes. Alguns fatores inerentes a produção capitalista como a
concorrência intercapitalista fazem com que, o movimento do capital na busca
desenfreada do lucro imprima ao processo de reprodução ampliada uma espécie de
automaticidade, que caracteriza a lógica da acumulação capitalista, onde, os
capitalistas para sobreviverem, enquanto tal, são obrigados a ter um
comportamento racional, no sentido de maximizar o lucro e minimizar os seus
custos, revolucionando assim o processo de produção capitalista e,
conseqüentemente, fazendo aflorar as principais contradições do capitalismo,
principalmente, a de que: na mesma velocidade em que aumenta a riqueza e o
poder dos capitalistas, aumenta a pobreza e a degradação das condições de vida
dos proletários.
A automaticidade necessária da reprodução ampliada do capital, através da
acumulação capitalista, leva a um processo de concentração de capital na mão de
45

poucos e uma centralização do capital. Ou seja, a mudança do capital das mãos


dos capitalistas pouco eficientes para os mais eficientes sob o ponto de vista da
racionalidade capitalista, formando-se, no capitalismo urbano, uma paisagem
tendencial, onde, as pequenas empresas são substituídas pelas grandes empresas
organizadas de forma mais eficiente para a produção e apropriação do lucro
capitalista.
Como se pode perceber, em Marx, a racionalidade econômica capitalista,
que pensada na figura do homem econômico, racional, maximizador de utilidade e
de lucros, não é uma característica universal, ahistórica. É fruto de um processo
histórico, em que se consolidou um sistema de produção que revolucionou a
sociedade, ampliando a sua capacidade de acumulação de riquezas, movido pela
busca desenfreada do lucro, forma aparente da mais valia extraída dos proletários,
no processo de produção das mercadorias.

2.1.3 A racionalidade econômica no mundo rural

As formas e velocidade das transformações revolucionadas pelo


desenvolvimento do capitalismo na indústria urbana vão mostrar-se diferentes na
agricultura. O processo de concentração e centralização do capital não apresenta o
mesmo dinamismo verificado na indústria urbana, ou seja, o predomínio da grande
exploração agrícola, organizada conforme a racionalidade econômica capitalista
tem dificuldades de se estabelecer com a mesma pujança no campo. Ou seja, o
processo de concentração e centralização do capital ocorre de forma mais lenta,
comparado ao que acontece na indústria urbana.
Este problema vai ser colocado na agenda das discussões políticas que
iniciaram na segunda metade do século XIX e começo do século XX, com a
conhecida polarização entre os populistas russos e os teóricos marxistas. Pode-se,
atribuir como principais causas desse problema, dois determinantes principais: a
forte dependência da agricultura a fatores naturais; e, a persistência de uma
produção camponesa.
Marx, em “O capital”, mesmo partindo a sua análise do capitalismo sob o
ponto de vista global, tendo como objeto central o seu desenvolvimento na indústria
urbana, onde as relações capitalistas de produção encontram-se já amplamente
desenvolvida, no livro III, não deixa de perceber um problema de “irracionalidade”
46

na agricultura. Esta é tratada com um certo ceticismo expresso na clássica citação


referente ao camponês:

[...] Esta é uma das razões de o preço do trigo em países onde


domina a propriedade parcelaria estar mais baixo que nos países de
produção capitalista. Parte do trabalho excedente dos camponeses
que lidam com condições mais desfavoráveis é dada de graça a
sociedade e não contribui para regular os preços de produção nem
para formar o valor em geral. Esse preço mais baixo portanto
resulta da pobreza dos produtores e não da produtividade do
trabalho (MARX, p.923-924).

A irracionalidade, que essa citação expressa, está em um fenômeno


observado no comportamento do camponês, que aumentava a sua produção
quando ocorria uma queda de preços dos produtos agrícolas, contribuindo para
aumentar ainda mais essa queda, diferentemente, de uma empresa capitalista que
agiria de forma contrária.
As lacunas teóricas existente em “O Capital” para explicar a existência de
uma “questão agrária”, manifestada no lento processo de centralização e
concentração de capital na produção agrícola, leva os teóricos marxistas a
aprofundarem o estudo desse problema para contraporem-se as teses defendidas
pelo movimento político denominado de “populismo russo”. Este, vinha se
fortalecendo, defendendo a organização camponesa como o tipo de sociedade
ideal, alternativa à sociedade capitalista, enaltecendo assim, o caráter
revolucionário do camponês em contraposição ao pensamento marxista.
O esforço da análise teórica marxista vai resultar em dois importantes
trabalhos publicados em 1898, que tentam superar o vazio existente em “O Capital”,
os quais são: “A Questão Agrária” de Karl Kautsky e “O Desenvolvimento do
Capitalismo na Rússia” de Vladimir Ilitch Lênin. Tanto Kaustky como Lênin, partem
de uma abordagem unilinear do processo histórico tendo como referência o
desenvolvimento capitalista na indústria urbana onde predomina dominantemente
uma polarização entre capitalistas de um lado e trabalhadores de outro com a
desintegração da produção artesanal.

2.1.3.1 A racionalidade capitalista destrói o camponês

Em “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”, Lênin trabalha


inicialmente na refutação da hipótese populista de que a ruína do camponês
47

signifique uma redução do mercado interno na Rússia, e que a incipiência do


mercado externo russo seria um empecilho a realização da mais valia na
consolidação do capitalismo russo. Lênin, com referência aos fundamentos teóricos
de “O capital” de Marx, procura demonstrar que a desintegração do campesinato é
uma necessidade na formação do mercado interno e não a sua redução, e que o
fortalecimento do mercado externo é inerente ao próprio fortalecimento do
desenvolvimento capitalista, para o qual não é significativo o papel de fronteiras
(LÊNIN,1985). Desde aí, fica claro que o embate teórico entre Lênin e os Populistas
Russos é alimentado pelo embate político, no que diz respeito, ao papel do
camponês na construção do socialismo.
Tendo como material empírico, os dados estatísticos dos Zemstvos5, e
centrado nos estabelecimentos dos camponeses, Lênin analisa a situação da
agricultura russa do final do século XIX, e conclui, diferentemente do que os
populistas russos apregoavam, que o mir, “comunidade russa camponesa” em vez
de resistir ao capitalismo, ela se desintegra, diferenciando-se em três estratos
camponeses: o camponês rico, que se transforma em um produtor capitalista que
contrata assalariado e acumula riqueza; um estrato de camponeses médios
instáveis economicamente; e, os camponeses pobres que estão se constituindo em
proletariados rurais, vendendo a sua força de trabalho aos camponeses ricos.
Para Lênin:

O processo de desintegração é, simultaneamente, um processo de


substituição de uma economia natural por uma economia mercantil e
que, conseqüentemente, o mercado pode ser criado não pelo
crescimento do consumo, mas pela transformação do consumo
natural (embora maior) em consumo monetário ou de pagamento,
(embora menor) (LÊNIN, 1985, p.109).

Ou seja:

[...] o mercado interno cresce, de um lado, graças à transformação


em mercadorias do produto da agricultura mercantil empresarial, e,
de outro, graças à transformação em mercadoria da força de trabalho
vendida pelo campesinato pobre (LÊNIN, 1985, p.36).

Na conclusão da sua análise da desintegração do campesinato russo, Lênin


refuta totalmente as teses populistas de que a comunidade camponesa russa seria

5
Zemstvos: são os escritórios de representação da população rural, criados em 1864, em grande
parte para levar adiante as reformas decorrentes da abolição da servidão (1861), para recensear a
população, lançando um vasto programa de pesquisa econômica e estatística sobre os
camponeses(ABRANOVAY,1992).
48

uma formação particular devido aos sistemas de relações econômicas existentes na


comunidade rural, afirmando que:

Contrariamente ao apregoado pelas teorias dominantes entre nós no


último meio século, a comunidade camponesa russa não é
antagônica ao capitalismo, mas, ao contrário, é a sua base mais
profunda e sólida. A mais profunda porque é no seu interior mesmo,
sem nenhuma influência “artificial” e apesar das instituições que
entravam os progressos do capitalismo, que constatamos a formação
constante dos elementos capitalistas. A mais sólida porque é sobre a
agricultura em geral e o campesinato em particular que pesam mais
intensamente as tradições da Antigüidade, as tradições do regime
patriarcal e, conseqüentemente, é aí que a ação transformadora do
capitalismo (desenvolvimento das forças produtivas, transformações
das relações sociais etc.) se manifesta mais lenta e gradualmente.
(LÊNIN, 1985, p.113).

2.1.3.2 A racionalidade capitalista recria o camponês

Na “Questão Agrária”, Kautsky(1985), realça o caráter dominante do


movimento capitalista que vem da cidade ao campo, com exceção de algumas
colônias. Porém, percebe que a velocidade com que as transformações capitalistas
clássicas como a centralização e a concentração do capital que deveriam
expressar-se na superação do pequeno estabelecimento agrícola pelo grande, dá-
se de forma lenta, em comparação com o que acontece na indústria urbana. No
campo, observava-se a persistência de uma agricultura camponesa. Esse
fenômeno fomentava questionamentos sobre a eficiência do grande
estabelecimento sobre o pequeno estabelecimento agrícola, o que era
inquestionável na indústria urbana. Portanto, carecia construírem-se explicações
para tal fenômeno.
Analisando a relação do camponês com a indústria, Kautsky(1985), observa
a ocorrência de um processo de mudanças profundas no caráter da produção
agrícola, a partir, do desenvolvimento industrial. Ou seja, a família camponesa
medieval, completamente, ou quase totalmente auto-suficiente, que, não só
produzia seus próprios produtos de consumo pessoal; construía, também, a sua
própria casa; fabricava seus próprios móveis e utensílios domésticos, inclusive, a
maioria das ferramentas toscas que necessitava; curtia o couro; preparava o linho e
a lã; fazia as próprias roupas; e que pouco dependia do mercado, nas condições
atuais, estava sendo aniquilada pela indústria urbana e o comércio.
49

Para Kautsky (1985), o desenvolvimento da indústria urbana, expandindo a


demanda por produtos agrícolas; e, a expansão dos mercados, com a melhoria dos
meios de comunicação e transporte levam a família camponesa a uma dependência
crescente de dinheiro, na medida em que, a renda da terra passa de trabalho e
produto para dinheiro, tornando-se crescente, obriga a família camponesa a
produzir para o mercado, os produtos que a indústria urbana não consegue
produzir, e, a abandonar a produção dos produtos, que a indústria urbana produz
com mais eficiência. Isso, vai transformando o camponês auto-suficiente em apenas
agricultor, cada vez mais dependente do mercado, que se depara com a queda dos
preços, devido o aumento da produção, levando o camponês também a depender
do capital usurário que se forma para explorá-lo.
O caráter sazonal da demanda de força de trabalho na agricultura, e a
demanda crescente de dinheiro para atender necessidades vitais que passam a ser
supridas pelo mercado leva a família camponesa a um intenso processo de
proletarização, oferecendo o excedente de trabalhadores aos grandes
estabelecimentos e a contratação de trabalho adicionais nos momentos de
demanda do pequeno estabelecimento(KAUTSKY,1985)
Nesse sentido, Kautsky, mantendo-se na clássica tradição marxista,
reafirma a existência de um processo, mesmo que lento, de reprodução do
movimento capitalista industrial urbano na agricultura, ou seja, as formas de
produção camponesa auto-suficientes, especializam-se na produção agrícola
demandada pelo mercado e são levadas a um processo de polarização e
proletarização pelas forças desse mercado, concluindo que:

O antagonismo de classe existente entre explorador e explorado,


entre o proprietário e o proletário, penetra a aldeia e a própria casa
do camponês, destruindo a própria harmonia e a antiga comunidade
de interesses (KAUTSKY, 1985, p.22).

Para Kautsky, esse processo ocorre sem que haja a necessidade do capital
entrar diretamente na produção agrária, ou seja, antes mesmo de se formar
qualquer oposição entre o grande e pequeno estabelecimento agrícola, reafirmando
assim, a sua certeza que “a ação do capital não se restringe apenas à indústria.
Uma vez fortalecido o suficiente, irá apoderar-se também da agricultura”
(KAUTSKY, 1985, p.22).
Quanto, ao lento movimento de concentração capitalista no campo,
50

expresso na persistência de formas camponesas de produção, para Kautsky, nasce


da necessidade de força de trabalho para o grande estabelecimento em função da
migração de trabalhadores do campo para a cidade. Isto obriga os grandes
proprietários a fornecerem terra a trabalhadores rurais, recriando o campesinato
como um fornecedor da mão de obra necessária. Um outro fator que corrobora para
a manutenção e recriação do campesinato são as próprias formas democráticas do
Estado moderno, pois o Estado por razões políticas acaba amparando
determinados estratos sociais que perderam a sua estabilidade econômica
(KAUTSKY, 1985). O que, para Kautsky, não é nada de extraordinário:

Quanto mais à luta de classe se agrava, e quanto mais ameaçadora


tornar-se a social democracia, tanto mais os governos estarão
propensos a permitir que as custas da sociedade, os pequenos
estabelecimentos supérfluos levam em frente uma existência mais ou
menos parasitária. (KAUTSKY, 1985, p.128).

Na análise de Kautsky, não existe dúvidas quanto à supremacia da


eficiência técnica agronômica e econômica do grande estabelecimento agrícola, em
relação ao pequeno, na verdade, a única vantagem que Kautsky encontra no
pequeno estabelecimento em contraposição as vantagens do grande é:

Maior aplicação e cuidado por parte do trabalhador, do homem que


trabalha para si (ao contrário do assalariado) e a ausência de
necessidades, caracterizando uma sobriedade que ultrapassa a do
próprio trabalhador rural. (KAUTSKY, 1985, p.99).

Na sua análise, Kautsky acaba por concluir que:

Não se deve pensar, de forma alguma, que a pequena propriedade


fundiária se encontra em fase de desaparecimento na sociedade
atual, ou que será desalojada completamente pelo latifúndio. Nós
vimos, afinal, que, onde a concentração da terra se encontra por
demais avançada, logo começa a manifestar-se a tendência
contraria, a orientação no sentido de sua fragmentação, e que o
Estado, além do próprio latifundiário, ajudam a reforçar esse
processo quando o mesmo se depara com alguma dificuldade.
(KAUTSKY,1985, p.147).

Kautsky também argumenta que:

Esse empenho que existe por parte do latifúndio, de colaborar na


multiplicação do pequeno estabelecimento, nos mostra claramente o
quanto é errônea a explicação segundo a qual o pequeno
estabelecimento agrícola vem se mantendo graças a sua capacidade
competitiva em relação ao grande. Pelo contrario, ele subsiste,
precisamente porque já não é mais considerado um concorrente
deste último, vendendo os mesmos produtos agrícolas que este seu
vizinho, o grande estabelecimento também produz. É esse o papel
51

que o pequeno estabelecimento deixa de desempenhar sempre que,


ao seu lado, passa a desenvolver-se um grande estabelecimento de
cunho capitalista. O pequeno estabelecimento deixa de ser vendedor
e passa a condição de comprador do produto que o grande
estabelecimento “produz em excesso”. A mercadoria que ele mesmo
produz em abundância é precisamente o meio de produção que o
grande estabelecimento tanto necessita, ou seja, a mão de obra.
(KAUTSKY, 1985, p.147).

Kautsky na sua análise sobre a recriação do campesinato, transfere a


polarização capitalista clássica para um outro nível:

Quando a situação chega a esse ponto, o grande estabelecimento


deixa de excluir o pequeno, e vice-versa, passando um a condicionar
o outro reciprocamente como acontece com o capitalista e proletário;
vai acontecer ainda que o pequeno lavrador assumirá também, cada
vez mais, o caráter deste último em relação ao grande
estabelecimento agrícola. (KAUTSKY, 1985, p.147).

Ou seja, tanto burgueses rurais como proletários rurais se encontram como


proprietários fundiários, tornando a exploração capitalista independente da posse da
terra, nesse caso.
Tanto Lênin como Kautsky percebem e discutem a “questão agrária” como
uma “questão camponesa”, porém reforçam o ceticismo encontrado nos escritos de
Marx em “O Capital”, em relação ao camponês. Lênin apesar de ter no seu objeto
de estudo a sociedade agrária russa onde ainda é fortemente dominante os traços
camponeses na sua organização social, nega a viabilidade econômica dessa
organização mostrando que a racionalidade econômica capitalista já se manifesta
desintegrando o campesinato através da diferenciação social e proletarização dos
camponeses pobres.
No caso de Kautsky que analisa a agricultura alemã onde as relações
capitalistas de produção encontram-se mais desenvolvidas que na Rússia, e,
apesar de perceber que o movimento do capital manifesta-se diferente da indústria
urbana, a medida em que, convivem formas capitalista com formas camponesas, a
persistência das formas camponesas é dada pela própria racionalidade capitalista,
que cria mecanismos para superar os entraves que dificultam o movimento do
capital como a falta de mão de obra, os problemas jurídicos da propriedade da terra,
e as limitações naturais. Ou seja, o camponês é uma recria provisória, necessária e
passiva da racionalidade econômica capitalista na agricultura.
52

2.1.3.3 A racionalidade camponesa viabiliza o camponês

No esquema teórico de Lênin e Kautsky a utopia populista das


potencialidades camponesas não tem espaço no projeto de construção da
sociedade socialista. A existência do campesinato como resquício do feudalismo
teria um caráter provisório, persistindo até então, enquanto espaço da diferenciação
social e proletarização, inevitáveis e necessárias no capitalismo, ou
temporariamente, como fruto da fragilidade inicial da formação do mercado de
trabalho no campo, em algumas regiões.
Com as discussões sobre a modernização da agricultura na Rússia,
advinda com a revolução em 1818 prolongando-se até a coletivização forçada por
Stalin em 1930, passando pela NEP6. Momento em que estava em jogo o modelo
de desenvolvimento a ser implementado no campo, tanto, na sua capacidade de
responder as necessidades da revolução, quanto, no papel do campesinato nesse
modelo, as idéias populistas são reforçadas teoricamente pelos estudos da
chamada Escola da Organização da Produção.
Essa escola, uma corrente do pensamento econômico russo, congregava
funcionários agrícolas como agrônomos, economistas, estatísticos, especialistas em
cooperativas e extensionistas agrícolas que buscavam de forma pragmática,
conhecimentos que pudessem contribuir na melhoria da produção e da vida
camponesa. Constituiu-se na Rússia, antes da primeira guerra, sendo que, os seus
principais teóricos se conheceram pessoalmente no Congresso de Agricultura de
Oblast em Moscou, em 1911(CHAYANOV, 1985).
O principal expoente teórico da Escola da Organização da Produção é
Alexandre Chayanov, que com o seu esforço intelectual, utilizando uma arrojada
base empírica sobre a agricultura russa, envolvendo os dados estatísticos dos
Zemstvos, já utilizados por Lênin e os novos conhecimentos gerados pelos
estudiosos da escola, vai construir um esquema teórico, buscando explicar a
persistência da economia camponesa na Rússia. Tenta mostrar a capacidade
desta em se adaptar e contribuir com o projeto de modernização agrícola da

6
NEP( Nova Política Econômica): é a política implantada pelo governo soviético desde o fim da
Guerra Civil(1922) até 1928, onde se estimulava algo como economia mista, isto é, com forte peso
da iniciativa privada. No meio rural, a NEP cessou a forte perseguição que sofreram os kulaks
(camponeses ricos) no período da Guerra Civil e contava com eles para garantir o abastecimento
nacional com produtos agrícolas e matérias primas. Com o fim da NEP vem a catastrófica
53

revolução, contrapondo-se ao esquema marxista clássico de Lênin e Kautsky.


A análise de Chayanov, que se encontra esboçada no livro “A organização
da unidade econômica camponesa” publicado em alemão em 1922, parte do
princípio de que o campesinato configura-se em um sistema de produção portador
de uma racionalidade própria, diferente da racionalidade capitalista. É essa
racionalidade que tem lhe conferido uma estabilidade histórica que perpassa e pode
se estabelecer por diferentes modos de produção. A “racionalidade camponesa” é
conferida as unidades de produção agrícola que se organizam e sobrevivem da
utilização predominante do trabalho familiar.
A centralidade da importância do trabalho familiar na abordagem
Chayanoviana se expressa logo no primeiro capítulo, onde, o autor desenvolve uma
análise exaustiva sobre o desenvolvimento biológico das famílias camponesas na
Rússia, a partir, dos dados estatísticos dos Zemstvos, agrupando-as segundo a
relação do número de consumidores pelo número de trabalhadores e relacionando
esses agrupamentos familiares com a utilização dos meios de produção e com os
resultados em volume de trabalho nas unidades familiares (CHAYANOV,1985).
Esse procedimento apresentará um forte valor heurístico às conclusões teóricas
geradas.
Para Chayanov, a racionalidade da produção fundamentada no trabalho
familiar é o que garante a persistência das formas camponesas explorando a
agricultura, concorrendo com as formas capitalistas, baseadas no trabalho
assalariado, consideradas tecnicamente como mais eficientes. Isto, acontece em
função da capacidade de sobrevivência que a produção camponesa tem em
situações fatais para a produção capitalista, como situações de queda na taxa de
lucro, devido ao fato, de que o objetivo da economia camponesa é garantir a
reprodução da força de trabalho familiar e das condições de sua reprodução, e não
a reprodução de capital.
Segundo Chayanov(1985), a reprodução camponesa é garantida a partir de
uma lógica interna, cujo objetivo central do cálculo econômico camponês é atingir
um equilíbrio ótimo entre o atendimento das demandas da família e a penosidade
do trabalho necessário à satisfação dessas demandas. Sendo que em uma
situação adversa, o atendimento das necessidades ficaria abaixo do ótimo, mas a

coletivização forçada de Stalin.(Abramovay,1992).


54

unidade continuaria funcionando, num contexto, em que o empreendimento


capitalista não sobreviveria. Nas adversidades, se expressa um aumento na
capacidade de auto-exploração que o camponês desenvolve para atender as
necessidades da família, significando mais perda de energia dos trabalhadores, o
que não acontece em empreendimentos capitalistas.
Essa capacidade de auto-exploração do camponês explicaria, tanto,
fenômenos como o “irracional” aumento da produção camponesa em ocasião de
preços baixos, quanto, à capacidade adaptativa desse tipo de economia. Em
síntese, para a análise chayanoviana, “o volume da atividade da família depende
totalmente do número de consumidores e de nenhuma maneira do número de
trabalhadores”(CHAYANOV,1985, p.81), logo, tem como objetivo, a reprodução da
força de trabalho e não a obtenção do lucro capitalista.
Para Chayanov, o ponto de partida do cálculo econômico da unidade
camponesa é o montante de força de trabalho familiar, que terá a sua intensificação
determinada pela relação entre número de consumidor por trabalhador. Essa
relação, ao longo do ciclo biológico de uma família, apresentará diferenças no
volume das atividades produtivas. As diferenças encontradas por Chayanov entre
as famílias camponesas, serviram como refutação à tese de Lênin: que no próprio
mir, o germe da diferenciação social, desintegração e proletarização do
campesinato já estava presente. Para Chayanov, a diferenciação, que os dados
estatísticos da Comuna Russa apresentavam, não era social, mais sim biológica ou
demográfica, baseado na evolução do tamanho das famílias, ou seja, na relação do
número de consumidores por trabalhadores, expressão do volume de atividades
produtivas (CHAYANOV,1985).
Os princípios básicos aplicados na economia camponesa, segundo
Chayanov:

Estão presentes em toda unidade econômica de trabalho familiar, na


qual o trabalho se relaciona com o desgaste do esforço físico e os
ganhos são proporcionais a este desgaste, se trate de uma unidade
econômica artesanal, de indústria, de granja, ou simplesmente de
qualquer atividade econômica de trabalho familiar. (CHAYANOV,
1985, p. 96, tradução do autor).

Nesse sentido, a sua abordagem leva em consideração todo o conjunto de


atividades produtivas capazes de garantir o equilíbrio ótimo necessário na
reprodução da unidade de produção camponesa, como o artesanato, as atividades
55

comerciais e o trabalho assalariado de membros da família. Sendo que, das


possibilidades existentes, o camponês priorizará, aquelas que conseguem suprir em
melhores condições as necessidades da reprodução da unidade familiar,
considerando evidentemente a penosidade do trabalho.
Chayanov(1985) também discute as possibilidades da economia
camponesa no projeto de sociedade socialista, onde, ele trabalha com a idéia de
cooperação vertical contrapondo com a cooperação horizontal, representada como
a coletivização forçada que se tentou colocar em prática, logo no início da revolução
russa, mais que foi abandonada durante a NEP de 1923 a 1928, e foi retornada a
partir de Stalin em 1930.
Para Chayanov, a concentração vertical da produção, através da vinculação
das unidades campesinas a cooperativas, permitiria com o avanço das estruturas e
práticas cooperativistas, a organização planificada das unidades camponesas, de
acordo com os interesses das cooperativas, que representariam os interesses da
economia nacional planificada. Isto, levaria de forma mais lenta, porém, mais
segura, a modernização da agricultura russa, sem os traumas da coletivização
forçada (CHAYANOV, 1985). No seu entender, isto seria possível, devido a grande
capacidade de adaptação, que a lógica interna vinha garantindo, até então, as
formas camponesas, na sua persistência histórica, pelos outros modos de
produção.

2.1.3.4 As tentativas de conciliação teórica

Ao considerarem-se aspectos como: qualidade e a exaustão da análise, o


espaço de interlocução, o enfoque teórico metodológico, e a quantidade de
informações trabalhadas, pode-se afirmar, que tanto os marxistas como os
populistas tinham razão nas tendências que percebiam em relação ao campesinato.
Enquanto Lênin e Kautsky estabeleciam uma interlocução com os militantes
dos partidos revolucionários que desenvolviam suas teses a partir de um projeto
cujo ator político é o proletário, evidentemente, que a centralidade da atenção
analítica vai estar sobre os aspectos que potencializam esse projeto, ou seja, na
diferenciação social e proletarização, induzidas por mecanismos externos ao
campesinato. Por outro lado, Chayanov, que mantém interlocução com técnicos e
cientistas que desenvolvem suas atividades na viabilização camponesa, vai
56

privilegiar, analiticamente, os aspectos relacionados ou específicos à sobrevida


desse setor, ganhando importância os potenciais internos do campesinato, como a
organização familiar, a racionalidade econômica própria e as suas estratégias
produtivas.
Partindo-se do princípio que tanto os populistas como os marxistas agrários
tinham razão, ou seja, no desenvolvimento capitalista agrário manifestam-se
tendências tanto para o desaparecimento como para a persistência do campesinato,
é que vão surgir tentativas de conciliação entre os fundamentos marxistas e
chayanovianos no estudo do campesinato. Pode-se perceber essa tentativa nos
estudos sobre o campesinato polonês, desenvolvido pelo economista agrícola
Jerzey Tepicht, publicados em língua francesa, em 1973, no livro “Marxismo e
Agricultura: o camponês polonês”, e também nos trabalhos do sociólogo lituano
Theodor Shanin.
Tepicht (1973) utiliza em seu estudo da produção familiar, de forma
complementar, as concepções marxistas e chayanoviana. Alguns pressupostos do
seu pensamento parecem pertinentes de consideração nesta análise, dentre os
quais pode-se exemplificar:
1- O ponto de equilíbrio entre a produção/consumo, resultante da relação
número de braços/número de bocas, é determinado por condições objetivas e
exteriores à Unidade de Produção Familiar e não subjetivas como observadas em
Chayanov;
2- O desenvolvimento da simbiose entre a exploração agrícola-instituição
familiar é o que constitui o elemento mais durável das relações internas da
economia camponesa, enquanto suas relações externas com a economia
englobante dão prova de uma grande subserviência;
3- A dupla marca que esta economia familiar traz, é de um forte
individualismo com respeito ao exterior e, um coletivismo interno rigoroso. Este
coletivismo cria uma delimitação muito estreita no patrimônio familiar em relação
aos outros, ao mesmo tempo em que subordina a trajetória de cada membro da
família ao interesse da empresa familiar, em termos da economia, do prestígio, etc.
Sendo a manifestação mais característica desse estado de coisas, o caráter
impessoal do trabalho e, sobretudo da renda de todos, com exceção ao chefe da
família;
4- A relação entre o trabalho e a renda familiar neste tipo de economia será
57

sempre a valorização das forças que, não tendo acesso direto ao mercado de
trabalho pela sua fraca mobilidade profissional, oferecem-se à sociedade sob forma
de produtos a preço especial;
5-Um dos aspectos econômicos favoráveis à persistência da economia
camponesa é a possibilidade que ela tem de utilizar o trabalho em tempo parcial
das mulheres, velhos e crianças, além das margens de tempo disponível pelo chefe
da família, em atividades ligadas a criação de pequenos animais. Para o qual
Tepicht denomina de “forças marginais não transferíveis”, pela razão de que, se a
família abandonar a exploração agrícola não poderá mais recorrer a estas forças
para garantir a sua subsistência;
Para Tepicht, é pertinente considerar-se o campesinato como um modo
produção a parte, que subsistiu historicamente aos modos de produção passados,
devido a sua capacidade de submissão:

[...] sem, portanto lhe prever uma existência eterna, como se faz
ainda algumas vezes; sem também pretender que a sua própria
evolução seja independente das ditas formações que, de volta,
sofrem também sua marca. (TEPICHT, 1973, p.41, tradução do
autor).

Na análise de Tepicht(1973), fica explícito que a fragilidade camponesa


acaba se dando pelo caráter estático do traço mais antigo e durável da economia
camponesa que é o “coletivismo interno rigoroso”, pois este, aliado a um forte
individualismo com respeito ao exterior, imobiliza o campesinato no enfrentamento
das novas exigências do tempo.
Uma outra tentativa de conciliação das teses populistas e marxistas
encontra-se nos trabalhos de Teodor Shanin. Este autor delimita o campesinato
como:

Uma entidade social com quatro facetas essenciais e


interrelacionadas; a exploração agrícola familiar como unidade
básica multifuncional de organização social, o cultivo da terra e a
criação de gado como o principal meio de vida, uma cultura
tradicional específica intimamente ligada à forma de vida de
pequenas comunidades rurais e a subordinação à direção de
poderosos agentes externos (SHANIN, 1973, p.8, tradução do autor).

Para Shanin, a tipologia analítica pode utilizar-se como pauta para definir o
campesinato como:

Um processo, como uma entidade histórica dentro do marco mais


amplo da sociedade, ainda que com estrutura, consistência, e
58

momentos próprios: emergindo, representando um certo estágio ao


modo predominante de organização social, desintegrando-se e
voltando a emergir em alguns momentos. (SHANIN,1973, p.8,
tradução do autor).

Enquanto entidade histórica, com o avanço da urbanização e


industrialização, o campesinato perde a sua posição como principal produtor na
economia nacional e se transforma em um fator postergado da ação econômica.
Mesmo assim, a submissão política e econômica a uma exploração por parte de
pessoas de fora, “segue sendo a essência da economia política camponesa na
maioria dos países em que o campesinato representa uma grande parte da
população” (SHANIN, 1973, p.36, tradução do autor).
A heterogeneidade de formas camponesas diz respeito aos diferentes
níveis de desenvolvimento das estruturas capitalistas que submetem o
campesinato, dos produtos produzidos e do nível de integração com o mercado. Um
dos fatores importantes na análise de Shanin tem sido

[...]as políticas dos Estados modernos e os principais movimentos


políticos que conduzem a poderosas intervenções, transformando o
Estado moderno em um decisivo determinante do presente e do
futuro da economia camponesa (SHANIN, 1973, p.52, tradução do
autor).

Quanto à estabilidade do campesinato, para Shanin, parecem existir dois


pontos de coincidência nos estudiosos das sociedades camponesas. Sendo que o
primeiro, consiste em que as mudanças estruturais são geradas ou alavancadas por
forças externas ao campesinato, e o segundo é que tanto as mudanças na
organização econômica, como o aumento da produção na agricultura camponesa
tem sido muito mais lento do que os planejadores e eruditos previram. Isto denota
uma notável estabilidade, pois com muito poucas mudanças, o campesinato tem
perdurado de maneira surpreendente durante milênios, e, “tem sobrevivido à maioria
da formas sociais não camponesas e segue representando um mal estar tanto para
os políticos como para os eruditos” (SHANIN, 1973, p.53, tradução do autor).
Existem razões de estabilidade, como a inércia da vida camponesa, as
características da agricultura camponesa, e a vontade respaldada pelo poder dos
grandes fazendeiros em manter as coisas como estão. As economias camponesas
para Shanin, apresentam uma variedade de mecanismos de nivelação que lhes são
específicos e que evitam a polarização social, como exemplo: “o caráter seletivo da
migração rural separa da comunidade camponesa os seus membros mais ricos e
59

mais pobres, subtraindo-lhe ao mesmo tempo seus membros mais agressivos


inclinados a mudanças.” (SHANIN, 1973, p. 55, tradução do autor). Para Shanin, a
existência de tão poderosas forças sociais obstruindo e dificultando a polarização
das sociedades camponesas, não significa necessariamente que a mesma não
tenha lugar. Em síntese, a sociedade camponesa e a economia são alteradas pela
interação da mudança espontânea e direta e pelos impactos externos e as reações
internas.
Os exaustivos estudos de Shanin sobre a diferenciação do campesinato na
Rússia, analisando dados de 1884 a 1910, publicados em 1972, mostram uma
complexa mobilidade multidirecional nas famílias camponesas, com tendências
tanto polarizadoras como niveladoras. A isso ele chama de “mobilidade cíclica”, e
que não pode ser considerada apenas como resultado do ciclo biológico das
famílias segundo o modelo de Chayanov, mas também, como efeitos de forças
poderosas como flutuações naturais, os termos de troca entre os setores rural e
urbano e a intervenção do estado (SHANIN, 1972).
Tanto Tepicht quanto Shanin exemplificam a possibilidade e necessidade
de uma conciliação analítica entre a análise dos fatores externos da análise
marxista e dos fatores internos herdados do marco teórico Chayanoviano, numa
abordagem dialética para uma compreensão mais clara do papel histórico do
campesinato no desenvolvimento agrário.

2.1.4 As racionalidades econômicas e a limitação ambiental

O esforço teórico de entender o desenvolvimento do capitalismo no campo,


mostrou, que diferentemente, do que acontece na indústria, a tendência
homogeinezante, concentradora e centralizadora não é dominante, não é única ou
pelo menos é muito lenta, pois a organização da produção sob a forma de unidade
familiar é observada em quase todos os espaços da produção rural no mundo. Em
alguns espaços, integrada, subordinadamente, a indústria de transformação; em
outros, organizada em torno de cooperativas que comercializam e/ou transformam
industrialmente a produção; complementando a produção organizada em grande
explorações capitalistas; nos espaços mais distantes de grandes mercados,
subordinadas ao capital comercial usurário; quando próxima das grandes cidades,
articuladas diretamente as feiras e mercados locais; e em algumas regiões, sendo
60

destruídas por empreendimentos capitalistas e grandes obras estatais. Neste


sentido, pode-se dizer que tanto Lênin, como Kaustsky, como Chayanov tinham
razão, devido, as diferentes tendências que se observa no desenvolvimento
capitalista no campo. Manifestam-se, tanto tendências a proletarização,
desintegração, recriação e estabilização da produção camponesa, conforme os
estudos mais recentes têm mostrado.
Inicialmente, partimos do princípio que dois fatores são responsáveis pelas
dificuldades: a forte dependência da produção no campo a fatores de natureza
ambientais (edafoclimáticos e biológicos) e a persistência de uma produção
camponesa. O centro da discussão no debate clássico acabou sendo a “questão
camponesa”, apesar de Kaustsky ter discutido, mesmo que superficialmente,
limitações de ordem natural, referentes ao solo, e a sanzonalidade da mão de obra,
que têm ligações com os fatores de natureza ambiental.
Pode-se agora inferir, após uma análise exaustiva da “questão camponesa”,
que esta em si, não é ao todo um problema, mais é uma manifestação clara das
dificuldades que a racionalidade capitalista encontra para revolucionar a produção
rural na sua forma clássica realizada na indústria urbana. Dito de outra forma, as
limitações de natureza ambientais tornam o espaço da produção rural, um espaço
propício para a manifestação, complementaridade e disputa de racionalidades.
Existem locais, ou atividades rurais, onde as condições ambientais podem ser
superadas facilmente, o capital consegue reproduzir-se ampliadamente,
organizando a produção na sua forma clássica, através do trabalho assalariado; em
outros, as dificuldades do ambiente levam a uma complementaridade produtiva
entre formas capitalistas e formas camponesas; e, em outras a produção direta só
se torna possível a partir da racionalidade camponesa. Nesse último caso, a
apropriação capitalista dar-se-á no espaço da circulação, subtendendo-se que a
maior eficiência produtiva nas situações de forte limitação ambiental é camponesa.
Pode-se inferir que nessa situação, o espaço para disputa pela riqueza produzida,
também, é transferida para a esfera da circulação, na forma do preço.
Para autores como Goodman, Sorj e Wilkinson (1990), as análises
contemporâneas da agricultura e da mudança social rural alcançaram um impasse
tanto na tradição marxista como na neoclássica, ou seja, na linguagem da
“penetração” ou da “modernização capitalista”, pelo fato de terem tratado “do
problema da agricultura tal como ele é condicionado, pela peculiaridade das
61

relações sociais, por um lado, e pelas proporções entre os fatores, por


outro”(GOODMAN;SORJ;WILKINSON, 1990, p.1). Para esses autores, a chave
para compreender o caráter único da agricultura não está nem na sua estrutura
social nem na dotação dos fatores.

Ao contrário, a agricultura confronta o capitalismo com um processo


de produção natural. Diferentemente dos setores da atividade
artesanal, a agricultura não poderia ser diretamente transformada
num ramo da produção industrial. Não havia alternativa industrial a à
transformação biológica da energia solar em alimento. A agricultura,
portanto tomou um caminho decididamente diferente.(GOODMAN;
SORJ; WILKINSON, 1990, p.1).

Mesmo, que as preocupações com as influências das forças da natureza no


desenvolvimento capitalista da agricultura não estivessem fortemente presentes nos
debates entre populistas e marxistas, percebe-se, que essas já estavam
prematuramente discutidas na economia clássica.Tanto Malthus nos “Princípios de
População” em 1798 como David Ricardo em “Princípios de Economia Política e
Tributação” elaboram suas análises, em um quadro de percepção do problema que
as forças da natureza impõe ao desenvolvimento capitalista, em um contexto de
grandes conflitos sociais, como entre ricos e pobres pelas leis de apoio a pobreza e
entre proprietários fundiários e capitalistas na disputa pelos excedentes econômicos
através das leis dos cereais.
Nas suas argumentações contra as leis de apoio e ajuda do governo aos
pobres, Malthus mostra que a velocidade do crescimento demográfico é geométrica
enquanto a capacidade de produção de alimentos é aritmética. No seu raciocínio, a
cada 25 anos a população duplicaria enquanto a produção dos meios de
subsistência não conseguiria acompanhar esse crescimento devido as limitações
impostas pela natureza dos solos. Nesse sentido, qualquer forma de combate a
pobreza e apoio aos pobres “preguiçosos e indolentes”, na visão de Malthus seria ir
de encontro as leis naturais, evitando que a população se adequasse a quantidade
de alimentos que a sociedade poderia produzir, colocando em risco a sobrevivência
dos “ricos e virtuosos”.
Contemporâneo de Malthus, David Ricardo para contrapor-se as leis dos
cereais, que proibia a importação de alimentos pela Inglaterra, para favorecer os
proprietários fundiários, através do aumento da demanda por terras, elevando os
preços dos arrendamentos, elabora uma teoria da distribuição da riqueza entre
renda e lucro. Nessa teoria, Ricardo argumenta que com o crescimento
62

demográfico, a demanda por alimento obriga a sociedade a cultivar os solos menos


férteis determinando uma queda na taxa de lucro na agricultura concomitante ao
aumento da renda das terras mais férteis. A longo prazo, a queda na taxa de lucro
acabaria por prejudicar a indústria levando a estagnação do crescimento
econômico. Nesse sentido, Ricardo vai ser contra a lei dos cereais pois esta
obrigava a Inglaterra a cultivar seus solos marginais.
Na economia clássica, prevalece a idéia malthusiana de que o crescimento
populacional é naturalmente limitado pela capacidade de produção dos meios de
substência da sociedade, o que os ecologistas chamam hoje de “capacidade
suporte”. Esta tese vai ser refutada por Boserup(1965) que argumenta o contrário,
ou seja, que o crescimento populacional é que determina a capacidade de produção
dos meios de subsistência, a medida em que o aumento da demanda por alimentos
provoca transformações na forma de produção agrícola, passando de pousio
florestal (longo) a pousio arbustivo (curto) até chegar a cultivos múltiplos,
demandante do uso de tecnologias de cultivo intensivo já existentes e que não
tinham estímulos a sua utilização pela intensificação do trabalho agrícola.
As previsões sombrias dos economistas clássicos não se materializaram,
ou seja, a população cresceu em uma velocidade inferior a prevista por Malthus e
a produção agrícola tem crescido em velocidade muito superior a esperada devido a
incorporação de inovações tecnológicas na agricultura, que atenuaram as barreiras
impostas pela natureza a acumulação capitalista no campo.
Para Goodman, Sorj e Wilkinson(1990), as limitações estruturais do
processo de produção agrícola, representada pela natureza enquanto conversão
biológica de energia, enquanto tempo biológico no crescimento das plantas e na
gestação animal, e enquanto espaço nas atividades rurais baseadas na terra,
determinaram um caminho diferente para a industrialização da agricultura. A
incapacidade de remover essas limitações através da criação de um processo de
produção unificado levou os capitalistas industriais a adaptarem-se as
especificidades da natureza na produção agrícola.
Para esses autores a estratégia capitalista de transformação industrial da
agricultura dá-se através de dois movimentos que se desenvolvem de forma
descontínua e paralela. De um lado, historicamente cria-se uma série de
apropriações parciais, descontínuas e discretas do trabalho rural e dos processos
biológicos de produção através do uso de máquinas, fertilizantes, sementes
63

híbridas, produtos químicos e biotecnologias e do outro lado, processa-se a


produção de substitutos industriais para os produtos rurais. Esses movimentos são
denominados de “apropriacionismo” e “substitucionismo” e materializam-se na
constituição dos chamados “complexos agroindustriais” visto como uma fase
dinâmica e transitória da industrialização da agricultura(GOODMAN; SORJ;
WILKINSON, 1990).
O apropriacionismo e o substitucionismo apesar de desenvolverem-se,
historicamente, de forma paralela e combinada, na visão de Goodman, Sorj e
Wilkinson (1990), eles têm comportamentos diferentes quanto a manutenção da
produção rural. Para os capitais apropriacionistas, que produzem inputs ou meios
de produção para a agricultura, e também os capitais que fazem o processamento
primário, a premissa é pela manutenção da produção rural, “onde a natureza é o
agente responsável pelo processamento e a terra sua máquina principal”(
GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p.8), ou seja, “As mesmas limitações que
inibiram a transformação capitalista unificada da produção rural, simultaneamente
ditaram e consolidaram as estratégias de apropriação industrial parcial”
(GOODMAN; SORJ; WILKINSON,1990, p.8). No entanto para os capitais
substitucionistas, a premissa é “reduzir o produto rural a um simples insumo
industrial, abrindo caminho para a eliminação do processo rural de produção, seja
pela utilização de matérias-primas não agrícolas ou seja pela criação de substitutos
industriais dos alimentos e fibras”(GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990, p.52).
Partindo do determinismo tecnológico dessas argumentações, infere-se
que, a acumulação capitalista na produção rural acontece cada vez mais na cidade,
onde estruturam-se as indústrias a jusante e a montante da agricultura, que
sofreram um crescente processo de capitalização a partir da chamada “revolução
verde”, transformando a agricultura em um espaço meramente residual dessa
acumulação, e que cada vez mais, vai se reduzindo, a medida em que, a ciência
continua criando novos produtos e processos redutores das influências naturais ao
desenvolvimento capitalista. Discutindo sobre o fracasso da Rodada Uruguai do
GATT, Veiga(1991), argumenta que a agropecuária nos países ricos não representa
sequer 3% do PIB desses países, enquanto que o conjunto das atividades
industriais, comerciais e financeiras vinculadas a agropecuária – o agronegócio -
representa na realidade, metade do produto e metade dos empregos atuais, o que
dá uma idéia do caráter residual da produção rural e da capacidade produtiva dos
64

capitais que se valorizam na sua relação com essa atividade(VEIGA, 1991).


A grande capacidade produtiva dos capitais que se valorizam no entorno da
agricultura, ao estabelecerem uma tendência de artificialização descontínua e
progressiva das atividades agrícolas conseguiram garantir o atendimento da
demanda de meios de subsistência requisitada pelo crescimento demográfico,
afastando o fantasma maltusiano. Porém, na mesma velocidade, criaram novos
problemas que ressuscitam esse fantasma através dos fortes impactos ambientais
da agricultura moderna: como a erosão e degradação dos solos, contaminação dos
recursos hídricos, destruição das florestas, perda da biodiversidade.
Os fortes impactos ecológicos da agricultura moderna associados aos
problemas ambientais de natureza urbana trazem ao mundo a percepção de uma
profunda crise ambiental que a partir das décadas de 60 e 70 do século passado
vem provocando no seio da sociedade mundial diferentes tipos de reação as
tendências dominantes no modelo de desenvolvimento capitalista.

2.2 CRISE AMBIENTAL E MUDANÇAS NA SOCIEDADE MODERNA

2.2.1 Evolução e controvérsias

Na história ecológica da humanidade, as décadas de 60 e 70 do século


passado são emblemáticas, ao trazer para o debate internacional, uma nova
percepção da crise capitalista, expressa na sua dimensão ambiental. Inicialmente,
questiona-se os impactos ambientais da chamada agricultura moderna nas “Silent
spring” de Rachel Carson(1962), posteriormente os reclames neomalthusianos do
crescimento populacional no “The Population Boom” de Paul Herlich(1968) e as
previsões de esgotamento dos recursos naturais nos relatórios do Clube de Roma
sintetizados nos “Limites do Crescimento” de Meadow(1972). Esses reclames e
preocupações vão estar presente na Conferência de Estocolmo de 1972 e a partir
de então na agenda da ONU desaguando no Relatório Brutland (1987), alimentando
a ECO-92 com a Agenda 21 e seus desdobramentos até a Rio + 10.
No primeiro momento, as preocupações centrais são o esgotamento dos
recursos naturais, pela má utilização e pela pressão do crescimento populacional.
Essas preocupações vão ser tratadas sob o ponto de vista acadêmico por duas
65

abordagens principais: uma pessimista baseada nos princípios malthusianos,


considerando como chave o conceito de “capacidade suporte”, e uma outra
bastante otimista, que vê na capacidade humana um potencial ilimitado de superar
as dificuldades encontradas a partir da tecnologia. No momento seguinte, muda-se
o enfoque central da crise ambiental, para o que tem prevalecido nos debates
atuais, que é a crescente preocupação com as mudanças climáticas globais, devido
a forte emissões de poluentes para atmosfera e a perda da biodiversidade pela
desflorestamento das florestas tropicais.
Na sociedade capitalista, a emergência de crises de diversas naturezas tem
sido uma constante ao longo da sua história. Para a economia, as crises
econômicas têm sido determinantes para a sobrevida do capitalismo, à medida que
elas permitem a racionalidade capitalista reformular suas concepções, formas e
processos vigentes, na superação dos obstáculos que se interpõem a acumulação
de capital. Um exemplo clássico, pode ser visto nas reformulações ocorridas a partir
da profunda crise econômica de 1930, onde, quebra-se o dogma da capacidade
autoreguladora do mercado, chamando-se o Estado para intervir na economia,
amplificando assim a capacidade de demanda da sociedade, de acordo, com os
postulados da “Teoria Geral” de Keynes, salvando-se o capitalismo de um
derradeiro colapso.
Semelhante ao que acontece na economia percebe-se também na história
ambiental. As crises ecológicas são utilizadas para explicar as transformações
profundas que modificam o destino da sociedade. Para Wilkinson (1974), existem
as raízes ecológicas da revolução industrial inglesa que não são difíceis de
identificar, pois, o fator ecológico que antecedeu a revolução industrial foi a
escassez de terra, ou seja, o estímulo inicial para que houvesse mudanças derivou
diretamente da escassez de recursos e de outros efeitos ecológicos, inerentes a um
sistema econômico que se expandia para atender uma população crescente,
dentro de uma área limitada.
Na argumentação desse autor, nos séculos anteriores a industrialização, a
população inglesa dependia da terra para quase tudo. O fornecimento de alimentos
e de bebidas dependia do cultivo da terra; as roupas eram feitas com a lã que vinha
das ovelhas alimentadas com a pastagem; a energia de uso doméstico e industrial
era provida com lenha; e, os principais artefatos, barcos, moinhos, implementos
agrícolas eram construídos com madeira, exigindo grandes áreas de florestas
66

extensivas. O sistema de transporte daquela época, dependente dos cavalos, exigia


grande extensões de terras para pastagens e produção de ração; a própria
iluminação residencial era feita com velas de sebo animal, dependente também da
provisão de terras(Wilkinson,1974).
Nesse argumento, o crescimento acelerado da população pressionando a
provisão dos bens necessários a sua sobrevivência fatalmente levaria ao colapso
daquele sistema, induzindo a Revolução Industrial, que conseguiu superar a crise
ecológica daquela época através de todo um processo de inovações tecnológicas,
que mudaram profundamente a forma e o modo de provimento dos bens
necessários ao homem. Dessa forma, substituiu-se a dependência humana de uma
economia de fluxos naturais, totalmente dependente da terra, para uma economia
dependente de estoques, mudando radicalmente a configuração da paisagem.
Para Wilkinson (1974), a Revolução Industrial não iniciou pelo aumento no
número de indústrias, mas, através de mudanças tecnológicas nas indústrias já
existentes, estimuladas pela escassez de matérias primas vindas da terra, impondo
a necessidade de encontrarem-se substitutos. Assim, ocorreu uma série de
substituições: onde, o carro chefe foi a substituição da lenha pelo carvão nos
processo energéticos, provocando modificações nas estruturas industriais, que
utilizavam madeira como principal fonte de energia.
Para Wilkinson (1974), uma das principais inovações da Revolução
Industrial foi a “máquina à vapor”. Esta, também, foi desenvolvida e teve a sua
difusão impulsionada por fatores ecológicos, pois, o crescimento populacional
tornou escassa as áreas possuidoras de correntes de água e a falta de área com
pasto para manter a tração animal, criando as condições necessárias para uma
inovação que pudesse aproveitar um recurso energético abundante: o carvão. A
máquina a vapor foi inventada para bombear as águas das minas de carvão, ao
esgotarem-se as fontes superficiais desse minério, tornando-se necessária, a sua
extração de minas profundas. Posteriormente, essa tecnologia foi aperfeiçoada por
James Watt para ser usada em outros processos industriais, e também, nos novos
sistemas de transporte: as locomotivas criadas para substituírem os cavalos,
dependentes de terras já tão escassas, aproveitando a energia do vapor.
Na indústria têxtil inglesa, a substituição da lã pelo algodão, representou
também uma saída para a superação da crise de escassez de terras, pois, as
ovelhas laníferas competiam com a produção de alimento. Apesar do algodão ser
67

um produto dependente de terras agrícolas, a substituição foi possível, tendo em


vista, que este era importado da Índia e da América onde a escassez de terra não
era problema. Em síntese, na argumentação de Wilkinson, a sociedade inglesa foi
forçada a modificar a sua matriz tecnologia, devido a escassez de recursos para
mantê-la, portanto, as principais mudanças ocorridas foram, ou uma resposta direta
à escassez de um determinado recurso, ou uma resposta a mudanças causadas
por escassez de recursos em outro ponto da economia.
Na história ambiental, a crise ecológica contemporânea mostra-se
radicalmente diferente da crise que induziu a revolução industrial inglesa. Naquele
momento, o núcleo central da crise relacionava-se a escassez de recursos,
principalmente a terra, em função da explosão demográfica, enquanto que, a crise
atual está relacionada aos problemas da poluição. Além de que, essa nova crise
apresenta um caráter planetário, estruturado em duas conseqüências principais que
são: o aquecimento global e a perda da biodiversidade.
Para McNeil (2000), são problemas qualitativamente novos, mas oriúndos
do acúmulo de velhos problemas, como a poluição do ar nas cidades; a escassez
de água potável pela poluição dos recursos hídricos; as chuvas ácidas; o
esgotamento de estoques pesqueiros pela sobrepesca; a poluição oriúnda da
agricultura, como emissão de nitrogênio, agrotóxicos, poluição do lençol freático; o
problema dos resíduos sólidos; a poluição do ar pela indústria química; o
desmatamento das florestas tropicais; e etc. Esses problemas que são acumulados
desde a Revolução Industrial acabam gerando, pela velocidade como acontecem,
novos problemas com dimensões planetárias.
Para McNeil (2000), por muito tempo na história, a poluição do ar era
localizada e com modestas conseqüências, porém, no século XX ela cresceu em
escala exponencial, afetando o ar de regiões inteiras, manifestando-se nas chuvas
ácidas e alcançando escala global com a depleção da camada de ozônio, levando
ao problema das mudanças climáticas globais. Para esse autor, a história da
poluição seguiu a história da industrialização e motorização. Até 1960, a poluição do
ar deriva da queima de carvão das indústrias e residências, a partir daí muda para
as descargas dos automóveis. Sendo que, partir de 1990, a maior fonte de poluição
passa a ser o trânsito.
Atualmente, o problema das mudanças climáticas parece ser o mais
preocupante problema ambiental do planeta, tendo em vista, que tem sido
68

crescente a emissão de gases, que Leggett(1992) chama de “gases estufa”, que


provocam a retenção da radiação infravermelha na atmosfera, aquecendo a
superfície da terra e a camada atmosférica inferior.
Dos “gases estufa”, tem sido preocupante, principalmente, a crescente
emissão de dióxido de carbono, oriúndo da queima dos combustíveis fósseis e dos
desmatamentos, que vem contribuindo para um aumento da temperatura da terra,
o que poderá trazer problemas gravíssimos para o planeta, como o derretimento
das calotas polares, inundações, vendavais, secas, irregularidades climáticas
severas, com prejuízo para a produção de alimentos, além de outras conseqüências
imprevisíveis(LEGGETT, 1992).
Segundo Leggett (1992), a emissão dos chamados gases-estufa para
atmosfera de forma natural, formando uma capa envolvente que provoca a retenção
da radiação infravermelha é benéfica, na medida em que, mantém estável a
temperatura do planeta, favorecendo a vida. Sem este fenômeno, conhecido como
“efeito estufa” a terra seria 33o C mais fria que hoje. O problema ambiental
relacionado ao efeito estufa é que a ação do homem tem aumentado,
crescentemente, a emissão dos gases-estufa, provocando a elevação da
temperatura média do planeta, que hoje, encontra-se cerca de 0,3 à 0,6o C maior
ao que foi na era pré-industrial, e, os modelos científicos de previsão mostram que
a continuidade do crescente nível de emissão poderá provocar desequilíbrios
climáticos, gerando temperaturas que ultrapassarão as experimentadas por
qualquer animal que já tenha vivido no planeta.
Nos anos 80, de acordo com Leggett (1992), o principal gás-estufa de
natureza antropogênica lançado na atmosfera foi o dióxido de carbono, que
representou 55% da emissão total, sendo que cerca de 77% foi originado da
queima de combustíveis fósseis e o restante das atividades de desmatamento,
seguido dos Clorofluorcarbonos (CFC), originários de atividades industriais,
principalmente ligada a refrigeração que contribuíram com 24% das emissões. O
metano, liberado pela fermentação entérica, escapamento de gás e arrozais
contribuiu com 15% e por último o óxido nitroso emitido pelo uso de fertilizantes,
queima de biomassa e combustíveis fósseis com 6% das emissões.
Apesar das muitas controvérsias sobre este tema e da incerteza existente, é
o problema ambiental contemporâneo que mais tem preocupado os estudiosos do
assunto.
69

No início da década de 90 do século que passou, quando emergiram mais


claramente as preocupações com as mudanças climáticas, as informações
científicas sobre o problema ainda eram poucas. Hoje o quadro é outro, as
incertezas que havia quanto aos efeitos antropogênicos no aquecimento global
estão sendo superadas através dos vários relatórios do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC), porém, mesmo assim, se assistiu o governo
dos EUA recusar-se a ratificar o Protocolo de Kyoto, alegando prejuízos para a
indústria americana. O que levou a essa situação?
Existe uma espécie de consenso, que o aumento crescente da temperatura
da terra provocará no futuro, o derretimento das calotas polares; inundações;
vendavais; secas; irregularidades climáticas severas, com prejuízo para a produção
de alimentos; perda da biodiversidade através do desaparecimento de espécies
mais sensíveis; além de outras conseqüências ainda não previsíveis.
Em seu livro intitulado “The Heat is On”, Ross Glebspan (1997) mostra que
os efeitos do aquecimento global já estão acontecendo, através do degelo de
regiões polares, aumento de vendavais, enchentes, descontrole climático em
algumas regiões. O problema é que estas informações não chegam a sociedade,
porque existe uma feroz campanha de desinformação como nunca houve na
história, financiada pelos altos interesses das indústrias de combustíveis fósseis,
atingindo tanto a mídia como também a Academia, onde, cientistas são financiados
para contestar os dados que indicam preocupações com o aquecimento global. Este
procedimento coloca em cena uma batalha entre informações controversas no
campo científico, deixando a sociedade em dúvida, dividida e desinformada, em
relação ao problema.
Neste cenário, construído de aparentes incertezas e desinformação, surgem
os oportunismos, como o do governo dos Estados Unidos, país responsável pela
maior emissão de “gases estufa”, ou seja, 25 % do total, ao se negar a ratificar o
Protocolo de Kyoto, para redução dessa emissão, inclusive, questionando a
validade das afirmações colocadas pelo IPCC, que é um órgão das ONU, criado
para estudar o problema.
Com relação a outra manifestação da crise ambiental: a perda da
biodiversidade, Mcgrath(1997) mostra que o paradigma utilizado para definir as
soluções e estratégias para enfrentar o problema é inadequado. A sua
argumentação, parte do princípio, que esse paradigma originado da ecologia
70

evolutiva, centra a sua preocupação no indivíduo em detrimento do sistema, suas


funções, seus fluxos de energia e materiais inerente a ecologia sistêmica.
Neste paradigma, a crise da biodiversidade que o mundo enfrenta é a
crescente taxa de perda de espécie, cuja causa principal é a destruição sem
precedente do habitat natural. Para tanto a solução proposta para superar a crise,
seria a diminuição da perda de espécie através da redução da taxa de destruição
do habitat natural. Para Mcgrath, o conceito de biodiversidade subjacente a este
paradigma é deficiente na medida em que trata a biodiversidade como fim, e para
este autor a biodiversidade não é importante por si só, mas pelo que ela representa
para o ecossistema e biosfera no primeiro caso, e para a população humana no
segundo.(McGRATH, 1997).
Ainda na visão de Mcgrath(1997), o paradigma da biodiversidade exagera
a urgência da atual crise da biodiversidade, ao subestimar a resiliência das
espécies, não fornece critérios adequados para avaliar o funcionamento sistêmico
na elaboração de políticas e programas para o desenvolvimento sustentável do
planeta e em alguns casos leva a prioridades erradas, com conseqüências
desastrosas não apenas para a biosfera e recursos naturais renováveis, mas
também para a própria preservação da biodiversidade global.
As duas principais propostas para a biodiversidade global apresentada
pelos partidários desse paradigma é a preservação dos locais críticos (hot spots),
que são as áreas de alta diversidade e um levantamento global da biodiversidade.
Para McGrath, essas duas soluções pouco contribuem para o desenvolvimento do
planeta e nem garante proteção para a biodiversidade global, os hot spots, não são
necessariamente importantes para a manutenção dos processos geoquímicos que
mantém a biosfera ou os recursos naturais que sustentam população humana,
enquanto o levantamento não se sabe claramente em que contribuirá para a
conservação da biodiversidade.(McGRATH,1997).
Em vez de enfocar diretamente na biodiversidade, McGrath (1997) propõe
que se dê prioridade a políticas desenhadas para assegurar a integridade dos
sistemas ecológicos que mantém processos biosféricos e na produtividade de
recursos naturais que sustentam a população humana. Neste sentido a
preocupação com a poluição passa a ser central tendo em vista o aquecimento
global e o envenenamento da terra.
Na verdade, a priorização da conservação da biodiversidade através de
71

proteção de espécies parece ser um paliativo a crise ambiental atual e uma forma
de desviar a atenção do núcleo central da crise que está relacionada a grande
emissão de gases-estufa para a atmosfera.

2.2.2 A crise ambiental e a ciência econômica

A percepção mundial da existência de uma crise ambiental nas décadas de


60 e 70 vai provocar tentativas de reformulação no instrumental analítico existente
nas grandes correntes do pensamento econômico, no sentido, de dar conta das
transformações, que a visão da crise provoca na forma de pensar e agir da
sociedade. No corpo teórico, das duas principais matrizes das ciências econômicas
(a economia marxista e a economia neoclássica) não havia, até então, espaço
aberto para formulações teóricas que considerassem a perspectiva de uma crise de
natureza ecológica vir a ser capaz de exigir novos instrumentos explicativos da
realidade econômica. A partir de então, conforme se pretende mostrar, as
transformações no real criam a necessidade de reformulações, que aos poucos,
consolidam-se nas tentativas de elaboração de novos “paradigmas científicos”7,
alimentados pelas necessidades de abertura da economia, para um dialogo mais
interativo com as outras ciências humanas e naturais.

2.2.2.1 A crise ambiental na economia marxista

Para Benton(1997), o ensaio “The second contradiction of capitalism” de


James O’Connor publicado em 1988 como Introdução do primeiro número do
periódico “Capitalism, Nature, Socialism” representa a tentativa mais promissora de
reformulação da teoria marxista no caminho para uma melhor compreensão da crise
ambiental:

O’Connor oferece o que talvez constitua o desenvolvimento mais


minuciosamente elaborado e sistemático de um marxismo ecológico
que se tem feito até agora. Na realidade nos proporciona uma teoria
geral do desenvolvimento capitalista e seu potencial para a
transcendência socialista que incorpora plenamente as crises
ecológicas e os movimentos sociais. O argumento tem um grande
nível de abstração, uma vez que reconhece o significado dos
contextos e imprevistos locais da elaboração das tendências e

7
Paradigma científico: constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de
uma determinada comunidade científica por um determinado tempo(KUHN, 2003)
72

contradições abstratas esboçadas na teoria, e exige que um trabalho


empírico verifique e desenvolva estas idéias.(Benton,1997, p.151,
tradução do autor).

Nesse ensaio, O’Connor(1997) considera, que no pensamento ocidental, as


discussões sobre os limites ecológicos ao crescimento econômico e as inter-
relações entre desenvolvimento e natureza, apesar de terem sido reintroduzidas na
década de 1960 e inícios de 70, seus resultados são confusos e altamente
duvidosos. Nesse sentido, para ele, as discussões de Karl Polanyi8 de 1944, sobre
as formas em que o crescimento do mercado capitalista deteriorava e destruía suas
próprias condições sociais e ambientais,

[...]tem sido uma luz no firmamento cheio de estrelas moribundas e


buracos negros do naturalismo burguês, o neomalthusianismo, o
tecnocratismo do Clube de Roma, o ecologismo profundo romântico
e o globalismo das Nações Unidas.(O’CONNOR,1997, p. 160,
tradução do autor).

Para O’Connor (1977), nessas abordagens contemporâneas não aparece a


exploração de classe, a crise capitalista, o desenvolvimento capitalista desigual e
combinado, as lutas de independências nacionais, etc. Nesse sentido os resultados
“apodrecem na mata” porque não se concentram na natureza da escassez
especificamente capitalista, no processo pelo qual o capital constitui a sua própria
barreira ou limite devido as suas formas autodestruidoras de proletarização da
natureza humana, a apropriação do trabalho e a capitalização da natureza externa.
Os enfoques usuais da questão – a identificação dos limites ao crescimento em
termos da escassez de recursos, a fragilidade ecológica, a prejudicial tecnologia
industrial, os valores culturais destrutivos, a tragédia dos comuns, a
superpopulação, o consumismo esbanjador, o ciclo da produção etc.- ou ignoram ou
deformam as teorias de Marx sobre as formas da natureza produzidas pela história,
a acumulação e o desenvolvimento capitalista.
Para O’Connor (1977), isto não chega a surpreender, pois, Marx pouco
escreveu sobre as formas que o capital se autolimita, mediante a deterioração de
suas próprias condições sociais e ambientais, ao aumentar, portanto, os custos e os
gastos do capital, ameaçando assim, a sua capacidade de produzir lucros, o que
implica em ameaça de crise econômica. Marx, também, escreveu pouco ou nada
sobre os efeitos das lutas sociais organizadas em torno da provisão da condições

8
POLANYI, Karl. The great transformation. Boston, Beacon Press, 1957.
73

de produção sobre os custos e gastos e a variabilidade do capital. Além de que,


pouco teorizou sobre a relação existente entre as dimensões sociais e materiais das
condições de produção, com exceção da extensa discussão sobre a renda da terra.
Porém Marx estava convencido de três coisas:
.A primeira, era que as deficiências das condições de produção ou “as
condições naturais” (as más colheitas) podem adotar a forma de crise econômica;
.A segunda, é que algumas barreiras a produção são alheias ao modo de
produção (a produtividade do trabalho é obstaculizadas pelas condições físicas),
porém no capitalismo essas barreiras assumem a forma de crise econômica;
.A terceira, é que Marx acreditava que a agricultura e a silvicultura
capitalista são prejudiciais a natureza, não só que a exploração capitalista é
daninha para a força de trabalho do homem.
Apesar disso, porém, Marx não considerou a possibilidade de que métodos
ecologicamente destrutivos da agricultura poderiam aumentar os custos dos
elementos do capital, o qual, a sua vez poderia ameaçar com a crise econômica de
um tipo particular a saber, a subprodução de capital:

Pensado de outra maneira, Marx nunca reuniu dados para


argumentar que as “barreiras naturais” podem ser barreiras
produzidas pelo capitalismo, é dizer, uma segunda natureza
capitalizada.Em outras palavras, Marx insinuou porém não
desenvolveu a idéia de que pode existir uma contradição do
capitalismo que conduz a uma teoria ecológica da crise e a
transformação social. (O’CONNOR,1997, p. 161, tradução do autor)

A partir dessas considerações, na sua análise, O’Connor(1997) trabalha


com a possibilidade política da existência na sociedade capitalista tardia de dois
caminhos para o socialismo em detrimento da visão marxista tradicional que
considera apenas um: a partir do proletariado. Para O’Connor, da mesma forma que
o movimento operário empurrou o capitalismo para formas mais sociais das forças
produtivas e relações de produção como exemplo “os acordos coletivos”, pode-se
também conjecturar que o feminismo, os movimentos ambientalistas e outros
novos movimentos sociais estão empurrando o capital e o Estado para formas mais
sociais da reprodução das condições produção.
A argumentação de O’Connor(1997) parte de uma análise da teoria
marxista tradicional da contradição entre as forças produtivas e as relações de
produção, a superprodução do capital e a crise econômica, o processo de
reestruturação das forças produtivas e as relações de produção induzida pelas
74

crises para formas sociais mais transparentes e portanto potencialmente socialistas,


buscando a partir desses fundamentos a construção de uma teoria marxista
ecológica.
Para O’Connor(1997), a maioria dos marxistas, senão todos, aceitam a
premissa baseada nas condições reais da exploração capitalista, que o capitalismo
é um sistema governado pelas crises. Na teoria marxista tradicional, o ponto de
partida da crise econômica e a transição ao socialismo é a contradição entre as
forças produtivas e as relações de produção capitalistas. A forma específica desta
contradição é entre a produção e a realização do valor e da mais valia, ou entre a
produção e circulação do capital. Ou seja, num processo de valorização, no qual, os
capitalistas extraem não só o trabalho socialmente necessário (o trabalho
necessário para reproduzir o capital constante e variável) mais também a mais valia
do trabalhador. Considerando que tudo o mais seja igual, qualquer quantidade dada
de mais valia produzida e/ou qualquer taxa dada de exploração terão o efeito de
criar um déficit particular de demanda de mercadorias a preço de mercado, ou seja,
uma crise de superprodução, a medida que, a maior quantidade de mais valia
produzida e a maior taxa de exploração maior será a dificuldade de materializar o
valor e a mais valia no mercado.
Assim, o problema básico do capitalismo é onde se origina a demanda
adicional de mercadorias que se requer para comprar o produto do trabalho
adicional? As respostas incluem o consumo da classe capitalista; a inversão de
capital que se faz sem mudanças no aumento de salário e a demanda dos
consumidores; os mercados criados por essas novas inversões, o consumo e
gastos governamentais financiado pelos negócios em expansão; o crédito de
consumidores ou governamental; o roubo de mercado de outros capitais em outros
países, etc. Essas soluções acabam se transformando em outros tipos de
problemas:

Em resumo, a crise econômica pode assumir formas variadas, além


da “crise de realização” tradicional, incluída a crise de liquidez, a
crise ou o desmoronamento financeiro, a crise fiscal do Estado e as
tendências de crises sociais e políticas (O’CONNOR,1997, p.64,
tradução do autor).

Como ponto de partida para construção de uma “teoria marxista ecológica”


das crises econômicas, O’Connor(1997) apresenta, em uma abordagem analítica
similar a do marxismo tradicional, uma outra teoria da crise econômica. Esta, como
75

resultado de uma segunda contradição que não esteve presente até então nas
análises marxistas: a contradição entre as relações de produção capitalistas (e as
forças produtivas ) e as condições de produção capitalista, ou “as relações
capitalistas e as forças da reprodução social”. Na sua abordagem, os elementos
geradores das contradições capitalistas passam a ser três: capital, trabalho e
natureza.
Para O’Connor (1977), Marx definiu três tipos de condições de produção: a
primeira são as “condições físicas externas” , ou os elementos naturais que entram
dentro do capital constante e variável. A segunda, a “força de trabalho” dos
trabalhadores foi definida como “as condições pessoais da produção” e em terceiro,
“as condições gerais e comunais da produção social”, por exemplo, os meios de
comunicação.
Para O’Connor:

Hoje, as “condições físicas externas” se discutem em termos de


viabilidade dos ecossistemas; a adequação dos níveis de ozônio na
atmosfera; a estabilidade das costas e das águas; a qualidade do
solo, do ar, água, etc..A força de trabalho se discute em termos de
bem estar físico e mental dos trabalhadores, o tipo e grau de
socialização, a toxidade das relações de trabalho e a capacidade dos
trabalhadores de sobreviver, e os seres humanos como força
produtiva social e organismos biológicos em geral.As “condições
comunais” se discute em termos de “capital social”, “infraestrutura”,
etc. Implícitos nos conceitos de “condições físicas externas”, “força
de trabalho” e “condições comunais” estão os conceitos de espaço e
entorno social. Para tanto nos incluímos como uma condição de
produção o espaço urbano( a “natureza urbana capitalizada”) assim
como outras formas de espaços que estruturam as relações
existentes entre as pessoas e o” ambiente”, o qual é estruturado por
elas e por sua vez ajuda a produzir os entornos sociais”
(O’CONNOR, 1997, p. 161-162, tradução do autor).

Nas observações de O’Connor(1997), nem a força de trabalho humana,


nem a natureza externa, nem as infraestruturas, incluídas suas dimensões de
tempo e espaço se produzem de modo capitalista, ainda, que o capital trate essas
condições de produção como se fossem mercadorias ou capital mercantil. Devido a
isso, as condições do abastecimento (quantidade e qualidade, tempo e lugar), têm
que ser reguladas pelo Estado, ou capitais atuando como se fossem o Estado.
Ainda que. a capitalização da natureza implique uma crescente penetração do
capital nas condições de produção, (por exemplo: árvores produzidas em
plantações, as espécies alteradas geneticamente, os serviços postais privados, a
76

educação subvencionada por um fiador, etc.) o Estado mesmo se coloca entre o


capital e a natureza, ou na mediação entre ambos, com o resultado imediato da
politização das condições de produção capitalista. Isto significa que o fato de ser ou
não as matérias primas, a força de trabalho e as configurações espaciais e
infraestruturais úteis a disposição do capital, nas quantidades e qualidades
necessárias e no tempo e lugar exatos, depende do poder político do capital, a força
dos movimentos sociais que desafiam as formas capitalistas particulares das
condições de produção (por exemplo, as lutas em torno da terra considerada como
meio de produção e como meio de consumo), as estruturas estatais que mediam ou
protegem as lutas pela definição de uso das condições de produção( exemplo, os
conselhos de zoneamento), etc.
Segundo esse raciocínio, o enfrentamento pelo capital das barreiras
externas contra a acumulação, incluídas as barreiras externas na forma de novas
lutas sociais pela definição e o uso das condições de produção, (ou seja, as
barreiras sociais que mediam entre as barreiras internas ou específicas e as
externas ou gerais), se essas barreiras adotam ou não a forma de crise econômica,
e se a crise econômica se resolve ou não a favor do capital ou contra este, são
questões políticas e ideológicas primeiro que tudo, e questões econômicas
secundariamente.
Isto é assim, porque as condições de produção são politizadas por definição
(a diferença da própria produção), o acesso a natureza está mediado pelas lutas,
embora a natureza externa não tenha identidade e subjetividades políticas próprias.
A força de trabalho, por si, só luta em torno das condições de seu próprio bem estar
social e entorno social ampliadamente definido (O’CONNOR,1997).
Uma explicação marxista ecológica do capitalismo como sistema governado
pelas crises, concentra-se na maneira em que a força combinada das relações de
produção e as forças produtivas capitalistas se autodestroem, deteriorando ou
destruindo mais que reproduzindo suas próprias condições (condições definidas em
função tanto de suas dimensões sociais como materiais). Esta explicação acentua o
processo de exploração do trabalho e o capital em expansão, a regulação estatal da
provisão das condições de produção e as lutas sociais organizadas em torno do
uso e abuso destas condições pelo capital(O’CONNOR,1997).
Três questões básicas surgem nessa teoria, para as quais O’Connor(1977)
indica as possíveis respostas:
77

.A primeira, é se o capital cria suas próprias barreiras ou restrições ao


destruir suas próprias condições de produção? Para O’Connor, tem-se que pensar
em função de valores de uso específicos, assim como do valor de troca. Isto é
assim, porque as condições de produção não se produzem como mercadorias e,
portanto os problemas intrínsecos delas são específicos do lugar, incluindo o corpo
da pessoa como sítio único;
.A segunda, é porque o capital deteriora suas próprias condições? Para
O’Connor, tem-se que pensar em termos da teoria do capital em expansão, de suas
tendências de universalização que se inclinam a negar os princípios das
especificidades do lugar, de sua falta de propriedade sobre a força de trabalho, a
natureza externa e o espaço, e, portanto, (sem planejamento estatal ou capitalista
monopolista) da incapacidade do capital para evitar deteriorar ele mesmo suas
próprias condições;
.A terceira questão, é porque as lutas sociais contra a destruição das
condições de produção (que se resistem a capitalização da natureza como
exemplo, os movimentos ambientais, de saúde pública,sanidade e seguridade do
trabalho, movimentos urbanos e outros) deterioram potencialmente a flexibilidade e
variabilidade do capital? Para O’Connor, necessita-se pensar em função dos
conflitos acerca das condições definidas como valores de uso, como em quanto
valores de troca.
Em resumo, as questões levantadas e as indicações de respostas
direcionam a pensar a crise ambiental como resultado da politização dos conflitos
entre valor de uso e valor de troca que se dão em torno das condições da produção
capitalista.
Para O’Connor, são muitos e variados os exemplos de acumulação de
capital que ou destroem as próprias condições do capital e, portanto ameaçam seus
próprios lucros e capacidade de produzir e acumular mais capital:

O aquecimento atmosférico destruirá inevitavelmente pessoas,


lugares e lucros, sem mencionar a vida de outras espécies. A chuva
ácida destrói bosques e lagos, edifícios e lucros por igual. A
salinização do lençol freático os dejetos tóxicos, e a erosão dos solos
deterioram a natureza e a rentabilidade. O ciclo dos pesticidas
destrói os lucros e a natureza . O capital urbano que corre sobre a
roda da renovação urbana deteriora suas próprias condições e
portanto lucros, através dos gastos de superpopulação e os altos
aluguéis.(O’Connor, 1997, p.168, tradução do autor).
78

O mesmo movimento danoso do capital acontece na educação, na


seguridade social, na tecnologia, na saúde e muito mais. Este modo de pensar
também se ajusta as condições pessoais da produção, a força de trabalho em
relação com a destruição da vida familiar tradicional pelo capital, assim como a
introdução de relações de trabalho que deterioram as habilidades para enfrentar as
dificuldades e o entorno social atualmente tóxico em geral.
Com estes precedentes, O’Connor(1997) entende que se pode incorporar
sem riscos a escassez dentro da teoria da crise econômica de uma forma marxista
e não malthusiana. E, que também se pode incorporar a possibilidade da
subprodução do capital uma vez que somamos os crescentes custos que ocasiona
reproduzir as condições de produção. Os exemplos incluem os gastos de saúde
necessitados pelas relações capitalistas de trabalho e a família; o custo da
drogalização e rehabilitação; as vastas somas gastas como resultado da
deterioração do entorno social (por exemplo, os custos de polícia e divórcios), os
enormes gastos dedicados a evitar maior destruição ambiental e limpar ou reparar o
legado da destruição econômica do passado; o dinheiro necessário para inventar,
desenvolver e produzir produtos sintéticos e substitutos naturais como meios e
objeto da produção e consumo; as imensas quantidades requeridas para
reembolsar os xeques do petróleo e as companhias produtoras de energia(por
exemplo a renda da terra e o lucro dos monopólios); os custos da evacuação dos
dejetos; os gastos adicionais da superpopulação do espaço urbano; os custos que
caem sobre as costas do governo, trabalhadores e camponeses do Terceiro Mundo
como conseqüência da dupla crise da ecologia e desenvolvimento, etc.
Apesar, de nada se ter calculado sobre os custos totais necessários para
compensar as condições de produção deterioradas ou perdidas, ou para
restabelecer estas condições e criarem substitutos. Para O’Connor(1997), é
concebível que as rendas totais destinadas a proteção ou ao restabelecimento das
condições de produção podem ascender a metade ou mais do produto social total:
todos são gastos improdutivos sob o ponto de vista do capital em
expansão.Também, questiona, se é possível conectar estes gastos improdutivos (
e os previstos para o futuro ) ao amplo sistema de crédito e débito do mundo de
hoje? Ao crescimento do capital fictício? A crise fiscal do Estado? A
internacionalização da produção?
Nesses aspectos:
79

A teoria marxista tradicional da crise interpreta a estrutura de crédito


e débito como o resultado da superprodução do capital. Um enfoque
marxista ecológico poderá interpretar o mesmo fenômeno como o
resultado da superprodução de capital e do uso improdutivo do
capital produtivo. Essas tendências se reforçam ou se compensam
mutuamente? Sem prejulgar a resposta, a pergunta necessita estar
na ordem do dia da teoria marxista (O’CONNOR, 1997, p. 169,
tradução do autor).

Para O’Connor (1997,2000), cada vez mais o capitalismo é governado e


dependente das crises econômicas, sejam elas de superprodução do capital ou “de
realização da mais valia” ou ainda “crise de demanda”, inerente a primeira
contradição ou de subprodução de capital , “de liquidez” ou ainda como “crise de
custos” como resultado do que ele denomina de segunda contradição:

O capital se acumula através da crise, a qual funciona como um


mecanismo de disciplina econômica. A crise é a ocasião que o
capital aproveita para reestruturar-se e racionalizar-se com vista a
restabelecer sua capacidade de explorar a mão de obra e
acumular(O’CONNOR, 1997, p. 164, tradução do autor).

No marxismo tradicional, existem duas formas gerais e interdependentes


nas quais, o capital se transforma para enfrentar a crise e resolvê-la em seu favor:
mudando as forças produtivas ou mudando as relações de produção. Qualquer que
sejam as mudanças, pressupõem ou requerem novas formas de cooperação direta
e indireta dentro e entre capitais individuais e/ou dentro do Estado e/ou entre o
capital e o Estado. Mais cooperação ou planejamento tem o efeito de fazer a
produção mais transparentemente social enquanto derruba o fetichismo da
mercadoria e do capital, ou a aparente naturalidade da economia capitalista, criando
a possibilidade de imaginar-se uma transição para o socialismo. Essas mudanças
são determinadas pela necessidade de reduzir os custos, intensificar o trabalho,
reestruturar o capital, etc. No marxismo ecológico, as transformações nas condições
de produção induzida pelas crises (origine-se estas de superprodução ou
subprodução do capital) também são determinadas pela necessidade de reduzir os
custos, diminuir a renda da terra, incrementar a flexibilidade, etc. e de reestruturar
as próprias condições, por exemplo, expandir as medidas preventivas de saúde, o
reflorestamento, a reorganização do espaço urbano e coisas parecidas(
O’CONNOR, 1997).
Para O’Connor(1997), também, existem duas formas gerais e
interdependentes, pelas quais, o capital com a ajuda do Estado muda suas próprias
80

condições para captar as crise e resolvê-las em seu favor. Uma é nas mudanças
das condições definidas como forças produtivas e a outra é nas mudanças nas
relações sociais de reprodução das condições. As transformações em qualquer dos
aspectos pressupõem ou requerem novas formas de cooperação entre e dentro dos
capitais e/ou entre o capital e o Estado, ou formas mais sociais de regulação do
metabolismo entre a humanidade e a natureza , assim como do metabolismo entre
o indivíduo e o entorno social e físico. Nesse sentido, mais cooperação tem o efeito
de fazer com que as condições de produção já politizadas se façam mais
transparentemente políticas, derrubando com elas ainda mais a aparente
naturalidade da existência do capital. O objetivo definitivo das crises é, portanto
criar a possibilidade de imaginar mais claramente uma transição ao
socialismo(O’CONNOR, 1997).
Essas mudanças pressupõe formas mais sociais de condições de produção
definidas como força produtivas. Um exemplo dessas mudanças na atualidade, é o
planejamento para fazer frente a contaminação das cidades, o qual pressupõe
união de associações e agrupamentos, ou seja de cooperação política com vista a
legitimar medidas severas, porém cooperativas de diminuição da contaminação
(smog). Em resumo:

[...]as crises ocasionam forçosamente que o capital e o Estado


exerçam um maior controle ou planejamento das condições de
produção (assim como da produção e circulação do próprio
capital)(O’CONNOR, 1997, p.170, tradução do autor)

A crise gera novas formas de planejamento flexível e flexibilidade planejada


o que aumenta as tensões entre um capitalismo mais flexível e um capitalismo mais
planejado, mais que na explicação marxista tradicional da reestruturação da
produção e circulação, devido, ao papel decisivo do Estado (e cada vez mais das
burocracias internacionais) na provisão das condições de produção. A crise obriga
ao capital e ao Estado a enfrentarem suas próprias contradições fundamentais, que
logo se deslocam às esferas políticas, ideológica e ambientais (duplamente
apartadas da produção e circulação direta) de onde há produzidas formas mais
sociais de condições de produção definidas material e socialmente(O’CONNOR,
1997).
A questão chave, no marxismo ecológico, é se o capitalismo tende a
autodestruir-se ou autoderrubar-se quando muda para formas mais sociais de
81

provisão das condições de produção por meio da política e da ideologia, nesse


sentido, O’Connor considera que:

De qualquer modo, as mudanças nas condições de produção


induzidas pelas crises, conduzem necessariamente a mais controle
estatal, mais planejamento dentro do bloco de capital de grande
escala, um capitalismo mais administrado ou regulado social e
politicamente, e portanto um capitalismo menos espontâneo, um em
que as mudanças nas condições de produção requeiram legitimação
porque seriam mais politizados, e um em que a coisificação
capitalista seria menos opaca. A combinação dos capitais afetados
pelas crises que exterioriza mais custos, o uso imprudente da
tecnologia e da natureza para a realização do valor na esfera da
circulação e coisas parecidas tem que conduzir cedo ou tarde a uma
rebelião da natureza , é dizer, a movimentos sociais poderosos que
demandem o fim exploração ecológica(O’CONNOR, 1997, p.173,
tradução do autor).

Na conclusão de seu trabalho, O’Connor(1997) faz uma crítica ao


pensamento pós-marxistas que tem monopolizado as discussões sobre as
chamadas “condições de produção” ao procurar negar o caráter classista nas lutas
pela provisão das condições de produção, ao privilegiar as diferenças, as
especificidades do local, fundamentadas no individualismo metodológico da
“escolha racional” e “escolha social” em detrimento a unidade e as demandas
universais. Sua argumentação sobre o caráter classista das lutas pelas condições
de produção é demonstrada nas respostas as questões formuladas:

Quando perguntamos quem se opõe as lutas populares em torno das


condições? A resposta é tipicamente o capital, o qual luta contra
programas massivos de saúde pública, a educação emancipadora,
os controles das inversões para proteger a natureza, os gastos
adequados para cuidar da infância e as exigências de autonomia ou
participação substantiva no planejamento e organização da vida
social. Que novos movimentos sociais e suas demandas apóia o
capital? Poucos, se é que apóia algum. Que novos movimentos
sociais rechaçam os trabalhadores? Certamente aqueles que
ameaçam as ideologias da supremacia do homem sobre a mulher
e/ou a supremacia da raça branca, em muitos casos, assim como
aqueles que ameaçam os salários e empregos, incluindo alguns que
beneficiam os trabalhadores, por exemplo, o ar limpo. Daqui que a
luta pelas condições não seja só uma luta de classe, sim uma luta
contra essas ideologias e suas práticas. É por isto que pode se dizer
que as lutas pelas condições de produção (condições de vida e a
própria vida) não são menos, e sim mais que questões
classistas(O’CONNOR, 1997, p. 176, tradução do autor).

A construção teórica de O’Connor recebeu algumas críticas como a de


Toledo (1997), que vê nesta, um forte determinismo econômico ao considerar a
82

crise ambiental como resultado de uma simples contradição econômica do


capitalismo, mostrando que outras sociedade não capitalistas tiveram problemas
ecológicos e os antigos países socialistas também criaram problemas ambientais,
enquanto existem experiências capitalistas exitosas no trato da crise ambiental.
Para este crítico, a crise ecológica emerge de um conjunto de causas altamente
complexas: a tecnologia, demografia, geografia, cultura, ideologia e as formas de
propriedade, sendo mais uma crise da civilização, de modo de vida, do que de
racionalidade econômica. Para Lebowitz(1997), não existem duas contradições,
mais apenas uma: a existente entre as necessidades do capital e as necessidades
dos seres humanos.
Dois aspectos importantes de consideração são: o caráter transformador
dos movimentos ambientalistas para uma proposta socialista parece ser precária,
tendo em vista a diversidade ideológica dos novos movimentos, onde parece ser
muito forte o reformismo nesses movimentos. Um outro aspecto a considerar é que
os custos de recuperação das condições de produção por capitais individuais,
representa lucro e oportunidade de valorização para novos capitais também
individuais contrarestando sobre o ponto de vista do capital geral a tendência
autodestrutiva das condições de produção capitalistas.
Apesar da forte consistência teórica das idéias de O’Connor, não se
constituíram importantes programas de pesquisas que consolidassem suas
hipóteses, devido talvez, ao impacto desestimulador decorrente da derrocada do
socialismo real.

2.2.2.2 A crise ambiental e a economia neoclássica

Na história das idéias econômicas, apesar da constituição de diversas


correntes de pensamento adotando instrumentais teóricos metodológicos próprios
como: a economia clássica, a economia marxista, a economia keynesiana, a
economia institucionalista, a economia do bem estar como exemplos, a economia
neoclássica acabou tornando-se o padrão dominante nos programas de pesquisas
científicas e no ensino de economia nas universidades por todo o mundo, chegando
ao ponto de aparecer como se fora a própria ciência econômica. As outras
abordagens ficaram relegadas a meras especulações, importantes, enquanto
desvios históricos que refutando ou corroborando, serviram, apenas, para
83

consolidação dessa corrente que alguns crêem como a verdadeira ciência


econômica.
O predomínio, ou a hegemonia, da economia neoclássica dando corpo a
ciência econômica convencional, pode, ser imputado a dois fatores: um de natureza
política ideológica e outro de natureza acadêmica ou epistemológica. A economia,
por ser uma ciência que trata diretamente da riqueza social, foi fortemente, e como
não poderia deixar de ser, impregnada pela ideologia. Na economia clássica, pode-
se lembrar o embate teórico de Ricardo e Malthus construindo suas argumentações
na defesa dos interesses dos donos de terra ou dos capitalistas, quando estava em
jogo a Lei dos Cereais; posteriormente, vamos observar a polarização entre as
abordagens marxistas e neoclássicas, com suas argumentações construídas a
partir da legitimação de interesses dos proletários e capitalistas. Nessas disputas
ideológicas, o sucesso da abordagem neoclássica prevaleceu por legitimar melhor
os valores de uma sociedade capitalista em expansão, dominada por uma
racionalidade econômica sustentada no egoísmo e no individualismo metodológico,
que expressava melhor os interesses dominantes na sociedade capitalista.
O segundo fator, de natureza epistemológica, pode ser creditado ao
prestígio que a economia alcançou no status de ciências em relação a outras
disciplinas do campo social. Para Daly e Cobb Jr (1989) a economia, vista por eles,
na sua abordagem neoclássica, foi a disciplina acadêmica que alcançou mais êxito
das ciências sociais. O motivo é que ela se aproximou muito da física, vista no
mundo acadêmico como o ideal de ciência, considerando-se, nos seus
procedimentos metodológicos dedutivos, permitindo um procedimento instrumental
de elaboração de hipóteses que submetem-se a experimentação, podendo
transformar-se em leis, portanto, capazes de repetição, permitindo-se a
prognósticos. Dessa forma, a economia, na sua abordagem dominante, afastou-se
tanto da história quanto da biologia evolutiva, o que lhe permitiu triunfar muito mais
que qualquer ciência social no caminho da ciência dedutiva. Ainda, inspirada na
física, essa abordagem tomou um caminho extremamente matematizado na
apresentação dos seus resultados experimentais. Se de um lado, a economia, na
sua vertente neoclássica ao tentar se colocar no mesmo nível da física obteve o
prestígio do reconhecimento acadêmico, como a mais refinada disciplina científica
do campo das ciências sociais, herdou também um aspecto que hoje se mostra
negativo: o elevado nível de abstração para poder deduzir os fatos reais, ao que
84

Daly e Cobb Jr. (1989) denominam nos seus estudos de “falácia da concreção
injustificada”, termo utilizado de Whitehead9, que significa: “a omissão do grau de
abstração envolvido quando se considera uma entidade real somente na medida em
que exemplifica certas categorias do pensamento”, ou seja, a teorização a partir
de uma realidade fictícia.
Para Magalhães (1996), a tentativa dos economistas de igualar a sua
disciplina com a física, chegou a posições extremas como a de Robbins(1962)10:

Robbins afirma que as leis econômicas são tão corretas como de


qualquer outra ciência. Se respeitados os “ceteris paribus”, nelas
contidos suas previsões seriam tão seguras como as da Física. O
que ocorre, freqüentemente, é que tal requisito não é respeitado
(MAGALHÃES, 1996, p.15).

Nesse sentido, quando o resultado previsto não acontece, é porque algum


pressuposto implícito no experimento não foi atendido. Uma outra abordagem nesta
mesma direção, citada por Magalhães, é a de Friedman (1971)11, para o qual a
economia é ou pode ser uma ciência objetiva em precisamente no mesmo sentido
das ciências físicas, sendo que em relação a estas, o economista tem a vantagem
do conhecimento intuitivo e a desvantagem da perda da objetividade decorrente do
seu envolvimento nos fatos que examina, isto contudo não determina uma diferença
fundamental nos dois tipos de ciências, se o economista não tem a vantagem da
experimentação, deve aceitar os experimento tais como acontecem
espontaneamente, como o que acontece na Astronomia, que não pode recorrer a
experimentação(MAGALHÃES,1996, p.15).
Como os fenômenos econômicos são mais complexos e menos uniformes
que os tratados nas ciências naturais, as suas conclusões carecem de certeza e
universalidade, que caracterizam as leis da física, portanto apenas em um nível
extremamente elevado de abstração é que se pode levar a aproximação das duas
ciências. O problema do alto nível de abstração envolvido, é que a economia se
afasta do real ou considera apenas aspectos da realidade, que possam legitimar as
suas leis eternas e universais. Dito de outra forma, o distanciamento do concreto
através da abstração e a concepção de certeza existentes nos seus axiomas, cria

9
WHITEHEAD, A. N. Process and reality. Nova York: 1929. p.11.
10
ROBBINS, L. An essay on the nature and significance of economics science. London: Macmillan,
1962.
11
FIEDMAN, M. The methodology of positive economics. In: MCKEAN, J.R. e WYKSTRA, R.A.(orgs)-
Readings in introductory economics. New York: Harper and Row, 1971.
85

dificuldade da ciência econômica de interpretar a tempo, as mudanças que


acontecem na realidade, fazendo com que as transformações nos seus paradigmas
aconteçam a partir das crises profundas que surgem na sociedade.
Nesse sentido, a crise econômica de 1930, mesmo significando uma crise
do axioma do mercado auto-regulado do arcabouço teórico neoclássico,
possibilidade que já havia sido discutida por Malthus e Marx, teve por parte dos
economistas partidários dessa corrente, dificuldades em aceitar o fato, como uma
deficiência da sua teoria, e acatar a necessidade do envolvimento do Estado para
corrigir as deficiências do mercado, proposto por Keynes. Pode-se conjecturar, que,
da mesma forma, que a crise de 1930 obrigou a economia neoclássica a reformular,
tardiamente, os seus pressupostos, a partir da vertente keynesiana, a crise
ambiental dos anos 60 e 70 vai levar, também tardiamente, a necessidade de
novas reformulações no escopo neoclássico, de uma forma menos crítica na
chamada economia ambiental e mais crítica na economia ecológica dos anos 80.
Para Naredo e Valero (1999), a idéia de sistema econômico foi uma
herança dos fisiocratas, que deram uma importância muito grande ao sistema
natural, ou seja, à mãe terra na produção da riqueza. Os economistas neoclássicos
do final do século XIX fizeram o corte do cordão umbilical que unia a idéia de
sistema econômico ao mundo físico circundante através da noção ricardiana de
terra e seu incômodo horizonte de estado estacionário. Esses neoclássicos
estimaram que a terra (com todos os seus recursos), e mesmo o trabalho, eram
substituíveis por capital. E sendo este, o fator limitativo último, o raciocínio
econômico pode fechar-se sobre si mesmo sem problemas no campo isolado do
valor.
As recentes preocupações pela saúde do planeta terra têm levado os
economistas a interessarem-se pelo lado mais obscuro e pernicioso do processo
econômico, que ficara a margem de suas práticas analíticas e contábeis habituais.
Enquanto essas práticas, mostravam saldos positivos na versão monetária, a física
através da termodinâmica e a ecologia advertiam sobre as perdas e
irreversibilidades nos processos físicos e a instabilidade dos sistemas orgânicos
ligados a fotossíntese. Para Naredo e Valero, existem duas possibilidades para
fazer com que a gestão econômica considere essa parte obscura dos processos:

Uma tratando de iluminar os elementos que a compões mediante


práticas de valoração que permitam aplicar sobre eles o instrumental
86

analítico habitual dos economistas que raciocina em termos de


preços, custos, e benefícios monetários efetivos ou simulados.
Outra, adotando às exigências da gestão o aparato analítico de
disciplinas que, como a ecologia ou a termodinâmica se preocupam
em clarear o ocorrido nessa parte obscura do processo econômico.
O primeiro caminho é o adotado pela comumente chamada
economia ambiental (environmental economics). O segundo é o que
segue a chamada economia ecológica (ecologicals economics).
(Naredo e Valero, 1999, p.43, tradução do autor).

2.2.2.2.1 A economia ambiental neoclássica

No prefácio de um manual de economia ambiental, Turner, Pearce e


Bateman(1993), afirmam que a economia ambiental veio finalmente uns vinte anos
talvez, desde os principais escritos que serviram como sua fundação. Sua essência,
segue uma seqüência de passos lógicos: avaliando a importância econômica da
degradação ambiental, procurando a causa econômica de degradação, e projetando
incentivos econômicos para reduzir a velocidade, parada e reversão desta
degradação. A principal presunção agora quase universalmente aceita, é que o
ambiente não é uma entidade separada da economia. Mudanças em um afeta o
outro, e que nenhuma decisão econômica pode ser feita sem afetar o seu ambiente
natural e construído. Nenhuma mudança ambiental, também, pode ocorrer sem um
impacto econômico.
Para Turner, Pearce e Bateman(1993), as origens da economia ambiental
remontam aos anos 60 na mesma época das primeiras ondas do moderno
pensamento verde e percepções políticas dentro dos países desenvolvidos,
conhecido como ambientalismo, embora como uma filial da economia, partilha com
as suas disciplinas pais de uma história comum com suas idéias fundamentais
vinda de no mínimo do século XVIII. Nas suas visões, para a economia ambiental,
é de crucial importância o reconhecimento, que o sistema econômico tem como
base, e não pode operar sem o suporte do sistema ecológico de plantas e animais e
suas inter-relações (conhecida coletivamente como biosfera) e não vice versa,
vendo a economia real em que todos vivem e trabalham como um sistema aberto.
Dito de outra forma, a economia para prover bens e riquezas para os homens, deve
extrair recursos (matérias primas e combustível) do ambiente, processar esses
recursos em produtos para o consumo final, e retornando uma grande quantia de
87

dissipado e/ou recursos quimicamente transformados(lixo) para o ambiente. Como


muitos recursos são sugados do ambiente para a economia, então mais lixos são
empurrados de volta para o ambiente, pressionando o ambiente para os limites da
sua capacidade de manejar o lixo sem danos para homens, animais e plantas.
Para a economia ambiental, segundo Turner, Pearce e Bateman(1993), a
degradação ambiental acontece devido a falhas tanto no mercado quanto na
intervenção do Estado. Em um livre mercado, o preço do recurso determina a
quantidade deste recurso a ser utilizada na produção de bens. Quando os preços
de mercado refletem o verdadeiro valor do recurso, o livre mercado encoraja a
conservação. As falhas do mercado acontecem devido ao fato de que os preços de
mercado sempre não refletem o custo total envolvido no uso de muitos recursos (
exemplo, o preço da eletricidade não reflete o dano ambiental causado na sua
geração), da mesma forma que muitos recursos ambientais pensados como
extremamente disponível não tem preço ligado ao seu uso (exemplo: a capacidade
de assimilação de lixo do ambiente). As firmas contabilizam incorretamente o uso e
poluição dos recursos ambientais, impondo custos crescentes para o resto da
sociedade:

Conseqüentemente, mercados falham em situações onde surja uma


firma que produz unidades de produção criando lucros privado mas
também impondo longos custos externos para a sociedade.
Somente quando esses custos externos são levados em
consideração (por exemplo, forçando a firma a pagar pelo custo
externo que ela causa, de acordo com o princípio de poluidor
pagador) as firmas agirão tanto para prevenir a ocorrência de falhas
do mercado e mudar de um mercado ótimo para um socialmente
ótimo nível de produção.(TURNER; PEARCE; BATEMAN, 1993, p.
77).

Em tese, a racionalidade maximizadora do lucro inibirá o uso destrutivo de


recursos ambientais quando eles forem corretamente valorados.
Quanto as falhas nas intervenções do Estado no problema da degradação
ambiental, para Turner, Pearce e Bateman (1993), embora exista sempre boas
razões para que os governos intervenham, infelizmente eles não são melhores no
manejo dos recursos naturais que o livre mercado, e entre as muitas razões para
isso, eles indicam três:
.Primeiro, é que se tende a pensar, como cidadãos que a obrigação e
propósito do governo é agir nos interesses como comunidade e não como
indivíduos. Isto é porque se têm leis, polícia, justiça, regulação da saúde pública e
88

assim por diante, mas esta imagem de governo benigno pode ser falsa. Nos
extremos, governos podem ser despóticos e interessados somente em favorecer o
interesse de alguma parte da comunidade em vez da comunidade como um todo.
Até mesmo em países democráticos, governos podem agir para favorecer um grupo
de pressão particular em vez da comunidade como um todo. Isto significa que o
governo pode muito bem não agir para proteger o ambiente, especialmente se eles
pensam que a proteção ambiental imporá custos sobre membros de poderosos
grupos de pressão. Desde que a legislação ambiental tende a impor custos sobre a
indústria e agricultura bem como sobre cidadãos comuns, ela é freqüentemente
resistida por muitos grupos interessados.
.Segundo, os governos podem não ser muito bons em adquirir a informação
certa que os permita a localizar pelas conseqüências totais de uma ação particular.
Até mesmo onde um governo é bem intencionado, o que atualmente acontece pode
não ser o que se pretendeu, simplesmente porque o processo sendo informado
torna-se muito complicado. Para os autores, isto é importante no contexto ambiental
porque os políticos freqüentemente não vêem que ações, que são ostensivas, não
sobre o ambiente, vão ter um efeito no ambiente. Os políticos também tendem a
compartimentar os assuntos inter-relacionados. Não se pode ter uma política
ambiental distinta de uma política energética ou uma política de desenvolvimento
regional e assim por diante, enquanto todas elas se interagem.
.Terceiro, governo, na forma de políticos, pode ter boas intenções e moldar
uma lei ambiental boa, em princípio. Entretanto, isso tem que ser traduzido para
prática e isto envolve o uso de peritos que são parte de uma burocracia de
governo. Os burocratas tornam-se muito importantes e podem facilmente influenciar
a natureza da regulação na prática. Já que os burocratas muito freqüentemente não
são eleitos e iguais a muitos trabalhadores eles tendem a não serem pagos por
resultados, eles então têm pouco incentivos explícitos para comportar-se no melhor
interesse da comunidade. Ao menos que fossem examinados de perto pelos
políticos, o que é muito difícil.
Pode-se perceber, que a época de seu surgimento e pelos seus
fundamentos, que a chamada economia ambiental representa uma reciclagem da
economia neoclássica para incorporar na sua agenda analítica a percepção social
de uma crise ambiental, incorporando as duas grandes preocupações da época o
esgotamento (escassez) dos recursos e a poluição (externalidades). Pela tendência
89

a departamentalização das disciplinas, percebe-se na bibliografia existente, que no


interior da chamada economia ambiental existem duas subdisciplinas: a economia
dos recursos naturais que vai lidar diretamente com o uso econômico dos recursos
naturais e a economia do meio ambiente que vai tratar do problema da poluição.

a) A economia dos recursos naturais


Os teóricos neoclássicos do final do século XIX e início do século XX ao
fazerem uma ruptura epistemológica com os fisiocratas no conceito de riqueza, de
uma visão diversificada relacionada na sua origem a mãe natureza, para uma visão
unificada no conceito de Leon Walras12: ”Há que se designar com o nome de
riqueza social toda coisa material e imaterial que vale e se intercambia”(WALRAS
apud NAREDO,2003, p.249), vão relegar o papel da natureza a um nível de
importância secundário, ou seja, os recursos naturais passam a ter importância,
apenas, quando tornam-se bens econômicos, ou seja, quando possam ser
valorados e intercambiados, para tanto, devem ser apropriados e se possível
reproduzidos.
Nesse raciocínio, Naredo(2003) cita que a ciência econômica só se ocupa
dos recursos naturais incidentalmente, quando foram objeto de comercio, e por ele
valorado e intercambiado, sendo que, para os pais da economia (neoclássica),
particularmente Jevons, os recursos naturais não podem ser considerado como
riqueza em si, apenas como condições necessárias da riqueza, a menos que,
sejam diretamente aplicados para satisfazer necessidades dos homens. Mesmo,
aos recursos naturais que se encontravam no mercado, eram tratados de forma
indiferenciada, ignorando a sua capacidade de reprodução, e a sua qualidade como
fluxo ou estoque.Isto tem a ver com a impossibilidade de utilizar o valor de troca
como um padrão de medida dinâmica da riqueza ou escassez objetiva dos
recursos, sem incorrer em arbitrariedades, tais que, dão ao traste, com a pretendida
objetividade da ciência econômica. Arbitrariedades, que culminam com a pretensão
de dar um valor atual as demandas futuras dos sujeitos que por definição estão
excluídos do mercado.
Na economia clássica, a questão da escassez objetiva, derivada dos limites
dos recursos naturais, estava presente na importância, que a sua forma

12
WALRAS, L. Elements d’économie politique pure. Paris: 1950, p.388.
90

generalizada, expressa na abordagem ricardiana pelo fator terra de natureza


imutável é limitada, impondo limites ao crescimento da produção (estado
estacionário) e ao crescimento populacional e de seus consumos, na preocupação
malthusiana, dando uma visão lúgubre a esta economia.
A ruptura epistemológica, do sistema econômico com o sistema natural,
desenvolvida pelos neoclássicos tradicionais, vai colocar em importância secundária
os fatores que são fundamentais nas abordagens clássicas e marxistas (terra e
trabalho) para o capital, antes um simples derivado da terra e do trabalho, que
passa ser o fator determinante do sistema econômico, na medida em que, através
deste pode-se substituir e tornar produtível a terra e substituir o trabalho quando
tornam-se escassos. Assim, a escassez objetiva dos recursos naturais é substituída
em ultima instância pela idéia de escassez subjetiva, ou seja reduz-se o problema
da escassez a escassez de capital “considerado como uma categoria abstrata
expressável em unidades monetárias homogêneas”(NAREDO,2003, p.250).
O pressuposto da ausência da escassez objetiva leva a economia
neoclássica a fazer abstrações de aspectos que são essenciais a gestão dos
recursos naturais, como manter a hipótese que os recursos são inesgotáveis ou ao
menos afirmar uma crença em uma tecnologia tão onipotente que se suponha
capaz de assegurar sempre, uma substituição tão perfeita que não se faria
economicamente lamentável, o esgotamento de nenhum recurso( NAREDO, 2003).
Prevaleceu, dominante na economia neoclássica convencional um princípio
econômico que Georgescu-Roegen (1975, p.3, tradução do autor)13 denomina de
“falácia da substituição sem fim”. Esta falácia considera desnecessária qualquer
preocupação com o esgotamento dos recursos, tomando corpo a crença
caprichosa, de qualquer que seja o problema, inventar-se-á sempre algo, e que
encontrar-se-á sempre novas fontes de energia ou novos materiais para substituir
os que estão se esgotando. A explicação deste princípio, está na suposição de
que o aumento de preço de um recurso devido a escassez, estimulará o surgimento
de substitutos. Esta forma de pensar foi fortalecida pelos avanços tecnológicos do
pós-guerra aplicados na indústria e agricultura que a partir do real, concretizou a
visão da forte crença do poder da tecnologia para atender a “falácia da substituição
sem fim” (NAREDO, 2003).

13
http://dieoff.org/page148.htm
91

As transformações ocorridas no pós-guerra, que elevaram a capacidade


produtiva da agricultura, através, do uso das tecnologias da chamada “revolução
verde”, o avanço das técnicas de extração, transporte ou de substituição de
matérias primas agrícolas e minerais tradicionais por outras de origem industrial,
deram-se as custas do aumento dos combustíveis fósseis, que ofereciam um uso
mais eficiente e são os mais escassos na crosta terrestre, como o petróleo e gás
natural. Esses avanços tecnológicos exigiram grande aplicação de capitais para
garantir a produção de alimentos e matérias primas, deslocando o problema da
escassez objetiva dos recursos para a escassez dos combustíveis fósseis em geral
e o petróleo em particular, emergindo a crise energética de 1973, com o aumento
de preços do petróleo, desfazendo a ilusão da abundância e mostrando que a era
dos combustíveis fósseis poderá ser mais um episódio da história da humanidade.
Isto vai exigir um manejo mais eficiente desse combustível até surgir um substituto
a sua altura. O que exigirá dos economistas neoclássicos a expansão dos seus
aparatos conceituais ao problema do esgotamento dos recursos, buscando otimizar
sua alocação ao longo do tempo.
De acordo com a sua capacidade de reposição no tempo os recursos
naturais são classificados em duas categorias: 1- os renováveis ou reprodutíveis,
que são o solo, o ar, a água a fauna e a flora cujos ciclos de recomposição são
compatíveis com o tempo de vida humana; 2- os não renováveis ou exauríveis ou
não reprodutíveis, nesse caso se enquadram os minerais, os combustíveis fósseis
que demandam eras geológicas para a sua recomposição. Considerados sob essa
classificação, as teorias para alocação ótima desses recursos visando evitar a sua
escassez apresentam diferenças qualitativas.
A base teórica da alocação temporal ótima dos recursos exauríveis é
centrada em um seminal artigo elaborado por Harold Hotelling (1931)14, “A
economia dos recursos esgotáveis”, onde, através de modelagem matemática,
oferece uma possibilidade teórica de analisar, sob a ótica da economia neoclássica,
a alocação ótima dos recursos naturais levando em conta decisões intertemporais,
que “...implicam opções feitas no presente, mas que apresentam conseqüências no
futuro”(SILVA, 2003, p.37), considerando as condições de livre concorrência,
propriedade privada do recurso, a taxa de desconto, volume do estoque, valor

14
http://eumed.net/cursecon/textos/hotelling-agotables.pdf
92

presente, valor futuro, período de tempo, etc.


Para os recursos renováveis os modelos econométricos que são
desenvolvidos para alocação ótima intertemporal, além de utilizarem a base
conceitual do modelo de Hotelling (1931), procuram incorporar variáveis biológicas
inerentes ao recurso analisado, como no caso dos recursos florestais, pesqueiros e
da biodiversidade.
Na economia dos recursos naturais, um aspecto crucial tem sido o
relacionado ao direito de propriedade, visto que, este é fundamental para a
determinação do preço de mercado, que é uma variável central na formulação dos
diferentes modelos, que partem do pressuposto da privatização dos recursos, em
contraste com uma realidade que apresenta diversas formas de acesso e
apropriação destes. Nesse sentido os modelos da economia ambiental acabam
quase sempre adotando e simulando preços arbitrários dos recursos naturais,
reduzindo sua pretensa capacidade preditiva.

b) A economia do meio ambiente


Enquanto economia do meio ambiente, a economia ambiental tenta, com o
instrumental analítico neoclássico, enfrentar os efeitos não desejáveis ou
inconsciente das ações humanas sobre o entorno físico. Esses impactos, por não
terem valor de troca, ficaram fora da análise econômica tradicional, até o momento,
em que começa a colocar em risco o processo de produção dos efeitos desejados,
ameaçando o fluxo contínuo de geração do lucro. A saída para resolver esse
problema e minimizar os riscos consiste em imputar valor de troca aos efeitos não
desejáveis para poder compará-los entre si e com os efeitos desejáveis e assim
poder incorporá-los nos custos de produção dos bens econômicos desejáveis.
Apesar, de terem tomado corpo, as tentativas de incorporação dos efeitos
não desejáveis da produção na análise econômica a partir da percepção da crise
ambiental nos anos 60-70, segundo a bibliografia especializada, o conceito central
foi idealizado em 1920 por Cecil Pigou em seu trabalho “A economia do bem
estar”, denominando-os como “custos sociais externos” ou externalidades.
Segundo Turner, Pearce e Bateman(1993) :

Externalidades são geralmente definidas como efeitos colaterais


inintencionais da produção e consumo que afetam uma terceira parte
seja positivamente ou negativamente. Por exemplo, o fator que poluí
a envolvente atmosfera local para uma extensão de incidência local
93

de alguns aumento de doenças respiratórias criou uma


externalidade negativa (custo externo). Uma atividade de um agente
(a fábrica) causou a perda de bem estar para outro agente( a pessoa
doente) e a perda do bem estar é involuntária e não
compensada(TURNER; PEARCE; BATEMAN,1993:25).

Da mesma forma, pode-se considerar uma externalidade positiva, o


reflorestamento de uma grande área quando melhora de forma involuntária o clima
de uma região, melhorando o bem estar de moradores locais.
O termo custo externo, ou externalidade, representa uma situação, que
como a própria etimologia já indica, “encontra-se fora” do sistema econômico da
economia neoclássica, pelas dificuldades de serem enquadradas nas categorias
ditas “econômicas” que no raciocínio neoclássico significa poder ser valorado,
apropriado, intercambiável e reprodutível, ou seja, ter preço de mercado.
Para Turner, Pearce e Bateman(1993), identificar e avaliar o significado das
externalidades da poluição, na prática, é sempre uma tarefa muito difícil. É um tema
particularmente problemático em situações, onde as pessoas têm sido expostas em
pequenas doses de poluição em períodos prolongados de tempo. Identificar e medir
os riscos envolvidos está longe de fácil e muitas decisões são sempre tomadas na
melhor evidência disponível que pode não ser a mais substancial.
Ainda para Turner, Pearce e Bateman(1993), a crucial característica das
externalidades é que são bens que as pessoas se preocupam (água e ar limpo,
paisagens) e que não são vendidos nos mercados. Ou seja, a maioria dos bens
ambientais cai para a categoria em que valor de mercado não são disponíveis (bens
públicos). Bens públicos geralmente têm as características de “consumo conjunto”
e “não exclusão”, o que significa que quando uma pessoa consome não diminui a
quantidade consumida por outra e uma pessoa não pode excluir o consumo de
outra. Isso faz com que o verdadeiro valor (valor econômico total) tenha sido
subestimado ou ignorado, fazendo com que sejam ineficientemente explorado.
Ressaltam também que muitos bens ambientais são também de
propriedade comum e/ ou de acesso aberto. A combinação do fraco direito de
propriedade contra sobre uso, com livre e barato uso desses recursos têm
inevitavelmente levado para a sobre exploração, algumas vezes ao ponto de
destruição de estoques, como o que acontece com as florestas tropicais, pesca
marinha e a capacidade do mar para assimilar o lixo, que são exemplos da sobre
exploração dos recursos (Turner, Pearce e Bateman,1993).
94

Para Daly e Cobb Jr. (1989), “externalidades” é um termo tão geral que se
deve fazer algumas distinções, como distingui-las em localizadas e generalizadas.
As primeiras podem corrigir-se pelo menos em uma medida razoável, ajustando os
preços ou mediantes outros caminhos que não são radicais enquanto as
generalizadas que tem um alcance mais amplo e não podem corrigir-se
efetivamente mediante mudanças nos preços relativos, requerem limites
quantitativos ou profundas mudanças institucionais. Existem também alguns casos
intermediários.
Apesar de reconhecer as dificuldades de valorização das externalidades, a
grande preocupação da economia do meio ambiente tem sido com a internalização
desses custos externos, como forma de tornar a utilização dos recursos naturais
mais eficiente procurando reduzir ou afastar os riscos das crises ambientais que
podem afetar com mais profundidade ou até comprometerem o sistema econômico.
As formas encontradas de internalização das externalidades gravitam entre os
extremos de duas abordagens teóricas opostas, desenvolvidas por Cecil Pigou
em 1920 e por Ronald Coase em 1960.
A bibliografia especializada reconhece que Pigou foi o primeiro a ocupar-se
“in extenso”com os impactos negativos sobre o meio ambiente, que originados no
curso das atividades econômicas, prejudicavam a empresas ou pessoas.
Naredo(2003), cita que:

Pigou lamenta que não tenham valor de troca toda uma série de
serviços mais ou menos filantrópicos ou desinteressados que
prestam as pessoas, assim como aqueles outros facilitados pelo
meio natural que transcorrem a margem do mercado: se estes
últimos se cobrarem e contabilizarem no fluxo da renda nacional este
fluxo se veria diminuído no caso em que os serviços prestados pelo
meio ambiente desaparecerem ou se virem reduzidos por algum
impacto desfavorável.(NAREDO, 2003,p.266).

Como isto muitas vezes não acontece, Naredo afirma que:

Pigou considera que o Estado deve intervir para corrigir “estas falhas
ou imperfeições[...] que impedem que os recursos da comunidade se
distribuam de modo mais eficiente”( é dizer, aquela que resulte mais
favorável para “a produção de um grande dividendo nacional” em que
se recolheram todos esses aspectos não contabilizados. Também
estima que “é um dever evidente do governo, como depositário dos
interesses da gerações a vir e mesmo das atuais, vigiar e se for
necessário defender por lei os recursos naturais esgotáveis do país
contra uma exploração brutal e imprevisível(NAREDO,2003, p.266).

Dessa forma a intervenção do Estado é chamada para frear aquelas


95

atividades empresariais cujos custos sociais excediam ostensivamente os custos


privados dando lugar a fortes externalidades negativas (ou para incentivar aquelas
atividades em que ocorria o contrário). A partir daí, o problema técnico consiste em
conseguir uma estimação aceitável do custo social e externalidades para fazer com
que o imposto (ou o subsídio) estivesse em consonância.Isto criou a necessidade
de realizar em colaboração com outros especialistas, estudos de impacto ambiental
que serviriam de base as estimações pecuniárias desejadas.

Esforços estes encomendados ainda quando a obrigada parcialidade


e arbitrariedade de tais valoração tem servido a maioria das vezes
para oferecer estimativas benignas dos custos sociais que
justificaram a autorização estatal dos danos(NAREDO, 2003, p.266-
267, tradução do autor).

A abordagem de Pigou chamando o Estado para promover a internalização


das externalidades, através do seu poder regulador, lançando mão de diferentes
tipos de impostos, taxas, subsídios, normas de qualidades que em tese
penalizariam ou premiariam os responsáveis pelas externalidades, generalizaram-
se nas chamadas políticas ambientais. Porém, se de um lado as idéias piguvianas
contentavam os defensores do intervencionismo estatal de outro lado irritava os
economistas liberais que procuravam uma saída de natureza tipicamente
“econômica” de internalização dos custos externos. Esta saída vai surgir em um
artigo seminal de Ronald Coase(1960)15 intitulado “O problema dos custos sociais”,
que teve uma aceitação muito grande entre os economistas, garantindo ao seu
autor o prêmio Nobel de Economia de 1991.
As idéias de Coase divergem totalmente e são uma crítica tanto aos
fundamentos da “tradição de Pigou”, quanto aos economistas que crêem nas
possibilidades de internalização dos custos sociais através do Estado:

É estranho que uma doutrina tão defeituosa como a desenvolvida por


Pigou tenha tido tanta influência, ainda que parte de seu sucesso foi
devido provavelmente a falta de claridade na exposição. Não sendo
muito clara nunca foi muito errônea. Curiosamente esta obscuridade
da fonte não impediu o surgimento de uma tradição oral bastante
bem definida. Os que os economistas pensam que aprendem de
Pigou e o que dizem aos seus alunos, que é o que eu denomino de
tradição de Pigou, é razoavelmente claro. Eu pretendo provar a
insuficiência desta tradição de Pigou demonstrando que tanto as
análises como as conclusões de política que sustenta são
incorretas(COASE, 1992, p. 128, tradução do autor).

15
http://eumed.net/cursecon/textos/coase-costo.pdf
96

Quando Coase questiona os economistas que consideram o Estado como a


instituição privilegiada para a defesa do meio ambiente, alega que este é quem
normalmente tem legitimado as agressões ambientais. Faz crítica aos exemplos de
intervenções privadas utilizadas por Pigou e que geram externalidades negativas,
as quais o Estado é chamado para resolvê-las, pois muitas dessas atividades foram
autorizadas pelo Estado como as ferrovias que são eximidas do pagamento de
idenizações pelos danos ou acabam pagando preços irrisórios por estas. Esta
citação representa o espírito da crítica coasiana:

A maioria dos economistas parece ignorar tudo isso. Quando eles


não podem dormir à noite pelo barulho dos aviões sobre suas
cabeças (autorizados e talvez operados publicamente), eles não são
capazes de pensar (ou de descansar) durante o dia pelo barulho e
vibração dos trens que passam (autorizados e talvez operados
publicamente), eles acham difícil poder respirar devido ao cheiro que
vem de um esgoto (autorizado e talvez operado publicamente) e eles
não podem escapar porque as estradas estão bloqueadas por uma
obstrução (sem dúvida, causada por alguma autoridade pública),seus
nervos estão quebrados e os seus equilíbrios mentais estão
perturbados e eles procedem a reclamar das desvantagens da
empresa privada e a necessidade de regulação governamental.
(COASE,1992, p.112, tradução do autor).

O que Coase propõe é deixar as mãos do mercado o processo de


internalização das externalidade. Ou seja, deixar os que produzem e os que são
afetados pelas externalidades negociarem o valor das indenizações até alcançar o
nível e o preço ótimo da externalidade em discussão. Dessa forma, os custos
externos são valorados e internalizados mais eficientemente sobre o ponto de vista
econômico que a partir do “imposto pigouviano”.
Para Naredo(2003), a solução coasiana nada mais é que uma tautologia ao
que já foi expressado pelos pais da economia neoclássica como Walras, que
considera como bem econômico as coisas que podem ser apropriada, valoradas,
intercambiadas e reproduzidas. Uma das condições fundamentais para que o
denominado “Teorema de Coase” funcione é a exigência que os direitos de
propriedade estejam bem definidos. Na prática significa que a solução coasiana,
exige a primeira condição de Walras que é a apropriação, isto conseqüentemente
vai permitir a valoração das externalidades, que assim deixam de existir para
tornarem-se bens econômicos, o que não acrescenta nada de novo no universo
neoclássico, conforme se pode inferir nesse questionamento:

Como é possível que o obscuro artigo de Coase desse muito que


97

falar entre os economistas e que sua argumentação fora glorificada


como ‘teorema’, quando não fazia mais que insistir na condição de
apropriabilidade já enunciada nos autores clássicos e neoclássicos
para que uma coisa perdesse a sua condição de externalidade e
passasse a formar parte do econômico, podendo aplicar-se sobre ela
as conclusões já estabelecidas pelas teorias do equilíbrio sobre as
vantagens da livre concorrência?(NAREDO,2003, p.269, tradução do
autor).

A resposta deve-se por uma parte a perda de rigor teórico que se observa
nos economistas que seguem dando volta a esse mundo estabelecido no
econômico, desde enfoques parciais que lhes fazem esquecer o que já havia sido
dito e tomá-lo como esplêndidos descobrimentos pelo fato de aparecer sob
roupagem nova. Por outra parte reflete o ambiente receptivo que existe entre os
economistas para tudo que contribua para reduzir a brecha aberta no universo
econômico pela noção de externalidade e o reconhecimento das possíveis
divergências entre os custos sociais e os privados (NAREDO,2003).
Uma questão de natureza política sobre o movimento de internalização de
externalidades pelo Estado para o mercado, pode ser visto também como resposta
a crescente pressão política sobre o Estado, da população, para fazer cumprir
normas mais rígidas de controle dos problemas ambientais, diferentemente do
início da intervenção estatal, que tinha mais um papel de legitimar esses danos
pelas empresas.

2.2.2.3 A economia ecológica

Como uma crítica ao tratamento dado a questão ambiental pela economia


neoclássica e pela economia marxista surge a partir da década de 1980 uma
corrente de pensamento econômico que se denomina de economia ecológica.
Segundo seus principais divulgadores contemporâneos:

Economia ecológica é um novo campo transdisciplinar de estudo


endereçado as relações entre ecossistemas e sistemas econômicos
no senso mais amplo. Estas relações são centrais a muitos dos
problemas atuais da humanidade e para construir um futuro
sustentável, mas não podem ser bem cobertas por qualquer
disciplina científica existente (COSTANZA; DALY; BARTHOLOMEW,
1991, p.3, tradução do autor).

Na mesma direção, para Martínez-Alier(1998),

[...]a atual economia ecológica (diferentemente da economia


98

neoclássica) vê a economia humana imersa em um ecossistema


mais amplo, estudando (de um enfoque reprodutivo) as condições
(sociais ou de distribuição dos patrimônios e rendas temporais,
espaciais) para que a economia (que absorve recursos e expele
resíduos) se encaixe nos ecossistemas, estudando também (de um
enfoque alocativo) a valoração dos serviços prestados pelo
ecossistema ao subsistema econômico(MARTINEZ-ALIER,1998,
p.54).

Ainda, para Martínez-Alier(2001), a economia ecológica contabiliza os


fluxos de energia e os ciclos de materiais na economia humana, analisa a
discrepância entre o tempo econômico e o tempo biogeoquimico, e estuda também
a coevolução das espécies (e das variedades agrícolas) com os seres humanos.
Neste sentido:

O objeto básico de estudo é a (in)sustentabilidade ecológica da


economia , sem recorrer a um só tipo de valor expresso em um único
numerário. Pelo contrário, a economia ecológica abarca a economia
neoclássica ambiental e a transcende ao incluir também a avaliação
física dos impactos ambientais na economia humana.(MARTINEZ-
ALIER,2001, p.14).

Para Martínez-Alier, na economia ecológica o ecossistema físico global


em que se insere a economia é finito e os economistas ecológicos questionam a
sustentabilidade da economia devido aos seus impactos ambientais e as suas
demandas energéticas e de materiais e também devido ao crescimento da
população:

As intenções de destinar valores monetários aos serviços e as


perdas ambientais e as intenções de corrigir a contabilidade
macroeconômica, forma parte da Economia Ecológica, porém sua
contribuição e o eixo principal é mas corretamente o
desenvolvimento de indicadores de (in)sustentabilidade, examinando
a economia em termos de “metabolismo social”. Os economistas
ecológicos também trabalham sobre a relação entre os direitos de
propriedade e a gestão dos recursos naturais, modelam as
interações entre a economia e o meio ambiente, utilizam ferramentas
de gestão como a avaliação ambiental integrada e as avaliações
multicriteriais para a tomada de decisão e propõem novos
instrumento de política ambiental(MARTINEZ-ALIER, 2004, p.37,
tradução do autor).

Para analisar a economia enquanto subsistema de um ecossistema global


físico e finito, a economia ecológica trabalha com três níveis de análise: a biosfera,
enquanto fornecedora de energia e matéria, a sociedade, onde se estabelece os
direitos de propriedades, a estrutura de poder e a distribuição da renda, e a
economia onde se dá a produção dos bens e serviços demandados pela sociedade.
99

O Fluxograma 1 ilustra muito bem essa idéia.

Fluxograma 1- Os três níveis da economia ecológica


Fonte:Martínez-Alier,(2004).

Esses três níveis de análise da realidade colocam muito forte a necessidade


de interação da ciência econômica com diversas disciplinas do campo social e do
campo natural, tornando caro para a economia ecológica um conceito até então
difícil de aplicar que é o da transdisciplinaridade:

Através da transdisciplinaridade queremos dizer que a economia


ecológica vai além de nossas concepções normais de disciplinas
científicas e tenta integrar e sintetizar muitas perspectivas disciplinar
diferentes(COSTANZA;DALY;BARTHOLOMEW, 1991, p.3, tradução
do autor ).

Na visão de seus divulgadores, essa transdisciplinaridade é possível


quando se focaliza mais diretamente no problema, em vez de, em particulares
ferramentas e modelos intelectuais usados para resolvê-los. Nesse sentido, a
economia ecológica propõe-se a usar tanto instrumentos convencionais da
economia quanto da ecologia quando forem apropriados, estando aberta para
novas ferramentas e modelos intelectuais que podem emergir onde as ferramentas
da economia e ecologia não forem suficientes (COSTANZA;DALY e
BARTHOLOMEW, 1991).
Para Martinez-Alier(2004), apesar de a economia ecológica ter se
organizado como campo de estudo nos finais da década de 80 do século passado,
sendo definida por Costanza(1991), no livro que saiu da primeira conferência
100

mundial de economistas ecológicos de 1990, em Washington DC, como “a ciência e


gestão da sustentabilidade”, tem a sua origem remontada ao final do século XIX e
início do século XX nas idéias do biólogo e planificador urbano Patrick Geddes, do
revolucionário narodnik e médico Sergei Podolinsky e do engenheiro e reformista
social Josef Popper-Lynkeus que tentaram sem êxito promover uma visão biofísica
da economia como um subsistema envolvido em um sistema maior sujeitos a leis
da termodinâmica.
Também tiveram contribuições importantes para a economia ecológica as
idéias do biólogo e ecólogo de sistemas Alfredo Lotka, que entre 1910 e início de
1920, introduziu a distinção fundamental entre o uso endosomático
(biometabolismo) e exosomático (tecnometabolismo) da energia por parte dos
humanos, e ainda, do Prêmio Nobel de Química Frederick Soddy que também
escreveu sobre energia e economia comparando a riqueza real que cresce ao ritmo
da natureza e é escoado sem se transformar em capital manufaturado com a
“riqueza virtual” em forma de dívidas que aparentemente podiam crescer
exponencialmente a taxas de juro composto(MARTÍNEZ-ALIER, 2004).
Essas idéias precursoras da economia ecológica são mais profundamente
discutidas por Martinez-Alier e Schlüpmann(1993), sendo que os importantes textos
de Geddes, Podolinsky e Soddy foram divulgados para a língua espanhola por
Martinez-Alier(1995). Posteriormente, segundo Martínez-Alier(2004), quatro
economistas reconhecidos que não formavam uma escola serão vistos como
economistas ecológicos: Kenneth Boulding, trabalhando principalmente com
análise de sistemas, K.W. Kapp e S. von Ciriacy-Wantrup que eram economistas
institucionalistas e Nicholas Georgescu-Roegen autor da “Lei da Entropia e o
processo econômico”(1971). Também foi importante nesse processo o ecólogo
sistêmico H.T. Odum que estudou o uso de energia na economia, sendo que alguns
de seus ex-alunos foram fundadores da Sociedade Internacional de Economia
Ecológica. Outras fontes da economia ecológica são oriundas da economia
ambiental e dos recursos naturais, da ecologia humana, da antropologia ecológica,
da ecologia urbana e também no estudo do metabolismo industrial (ecologia
industrial) desenvolvido por Roberto Ayres(MARTINEZ-ALIER,2004).
Berg (2000)16, considera também como intelectuais fundadores da

16
http://www.timbergen.nl/discussionpapers/00080.pdf
101

economia ecológica, o economista Herman Daly e o ecólogo C.S. Holling. Herman


Daly, nos fins dos anos 60 propôs a idéia de “economia do estado estacionário”
associado ao objetivo de minimizar o uso de materiais e energia na economia, que
foi uma essencial contribuição para o debate do crescimento "existente há muito".
Daly também escreveu extensivamente sobre a escala física máxima da economia,
comércio internacional, e indicadores sustentáveis de bem-estar. Na opinião de
Berg(2000), C.S. Holling foi talvez o ecólogo que teve a maior influência direta na
economia ecológica. As suas idéias sobre a estabilidade e resiliência dos
ecossistemas são as mais recorridas para a noções em ecologia teórica que têm
sido utilizadas por economistas. Estas noções também foram traduzidas ao
contexto de biodiversidade. Holling também desenvolveu a idéia que ecossistemas
(terrestres) necessariamente não seguem um padrão de sucessão para um clímax,
mas ao invés, pode passar por um ciclo repetido. Além disso, ele influenciou
abordagens para modelagens integradas e manejo adaptativo.
Na década de 80 do século passado desenvolveu-se um bem sucedido
processo de institucionalização da economia ecológica. Segundo Martinez-
Alier(2004), depois de uma influente reunião organizada na Suécia em 1982 pela
ecóloga Ann Mari Jansson sobre a economia e a ecologia, tomou-se a decisão de
lançar a revista “Economia Ecológica” e fundar a Sociedade Internacional de
Economia Ecológica, que aconteceu em 1987, em Barcelona, no mesmo ano da
publicação do Relatório Brundtland. Em 1987 é publicado o primeiro livro intitulado
Economia Ecológica (Martinez-Alier e Schlüpmann) e sob o mesmo título se
publicou a cargo de Herman Daly e Robert Costanza um número monográfico de
Modelagem Ecológica. Em 1989, publicou-se o primeiro número da exitosa revista
acadêmica “Ecological Economics” que foi dirigida desde então pelo ecólogo Robert
Costanza, que foi o primeiro presidente da Sociedade Internacional de Economia
Ecológica, que, atualmente conta com sociedades afiliadas na Argentina, Uruguai,
Austrália, Nova Zelândia, Brasil, Canadá, União Européia, Índia e Rússia
(MARTINEZ-ALIER, 2004).
A institucionalização da economia ecológica atraiu um grande número de
investigadores de vários campos disciplinar envolvidos no estudo de tema
ambientais. Isto levou a economia ecológica a se desenvolver de forma rápida e
com êxito em vários aspectos: muitas publicações e citações para teses;
conferências regulares e seminários; e comunicação entre disciplinas e países,
102

como também entre universidades e outras organizações(Bergh, 2000). O que tem


levado a esse sucesso, pode ser creditado, ao seu caráter multidisciplinar e
integrador de disciplinas na pesquisa ambiental, aliado a uma visão alternativa e
próxima à economia ambiental neoclássica. Dessa forma, ao se aproximar
criticamente da economia ambiental e ao mesmo tempo tentar desenvolver e aplicar
métodos e abordagens alternativas consegue atrair economistas, ecologistas e
outros pesquisadores ambientais descontentes com a abordagem econômica
neoclássica na análise das questões ambientais, além do seu forte incentivo a
promoção de pesquisas multidisciplinares onde os cientistas naturais e sociais
podem trabalhar juntos.
Em que pese, a aparente sensação, da economia ecológica abarcar a
economia ambiental ou utilizar instrumentos analíticos desta, pode-se perceber
diferenças qualitativas fundamentais entre estes dois campos do pensamento
econômico, conforme foi sintetizado no Quadro 1, organizado por Bergh(2000).

Economia Ecológica Economia Ambiental Tradicional

1. Escala ótima 1. Alocação ótima e externalidade


2. Prioridade para a sustentabilidade 2. Prioridade para a eficiência
3.Atendimento das necessidades e 3. Bem estar ótimo ou eficiência de Pareto
distribuição eqüitativa 4. Crescimento sustentável em modelos
4.Desenvolvimento sustentável, abstratos
globalmente e Norte/Sul 5. Otimismo de crescimento e opções
5. Pessimismo de crescimento e escolhas “ganha-ganha”.
difíceis 6. Determinística otimização e bem estar
6. Co-evolução imprevisível intertemporal
7. Foco no longo prazo 7. Foco no curto e médio prazo
8. Completa integrativa e descritiva 8. Parcial, monodisciplinar e analítica
9. Concreta e especifica 9. Abstrata e geral
10. Indicadores físicos e biológicos 10. Indicadores monetários
11. Análise sistêmica 11. Custos externos e valoração
12. Avaliação multidimensional econômica
13. Modelos integrados de causa e efeito 12. Análise custo - beneficio
14. Racionalidade individual amarrada e 13. Equilíbrio geral aplicado com custos
incerteza externos
15. Comunidades locais 14. Maximização da utilidade ou lucro
16. Éticas ambientais 15. Mercado global e indivíduos isolados
16. Utilitarismo e funcionalismo

Quadro 1 - Diferenças entre Economia Ecológica e Economia Ambiental


Fonte: Bergh (2000).

Enquanto, na economia ambiental os problemas ambientais são resultados


103

de interações entre os homens, através do mercado e/ou através do Estado, para a


economia ecológica os problemas ambientais são decorrentes das interações entre
homem e ambiente. Logo, a correção desses problemas não se resolve, apenas
melhorando a capacidade do mercado para absorver o custo das externalidades ou
melhorando a capacidade do estado para obrigar através das suas políticas os
agentes econômicos a absorverem esses custos externos, o que em tese parece
uma coisa simples. Na visão da economia ecológica, a coisa é muito mais
complexa, pois exige uma melhoria nas formas de interação entre o homem e a
natureza, o que certamente significará mudanças profundas no comportamento
humano.
Pela sua natureza pluralista, no interior da economia ecológica existe uma
ampla possibilidades de posturas intelectuais no aprofundamento da relação entre a
ecologia e a economia, entre os extremos das tentativas de monetarização da
natureza a naturalização do capitalismo. Isto faz com que possa existir diferentes
abordagens em numa questão chave para a economia que é a “valoração das
externalidades”. Para tanto, os economistas ecológicos têm recuperado a distinção
entre conceitos econômicos vindos dos filósofos gregos(Aristóteles), dando uma
importância maior ao conceito de Oikonomia (a arte do aprovisionamento da
unidade familiar) em detrimento da Crematistica (o estudo da formação dos preços
de mercado para ganhar dinheiro) que representa em síntese também uma
distinção entre valores de uso e valores de troca(MARTINEZ-ALIER, 2004; DALY et
COBB, 1991).
Segundo Martinez-Alier (2004), na economia ecológica a economia é vista
num sentido mais Oikonomia que Crematística, não se comprometendo com um
valor único, abarcando a valoração monetária, mas também avaliações físicas e
sociais das contribuições da natureza e dos impactos ambientais da economia
humana, medidos em seus próprios sistemas de contabilidade, ou seja: “Os
economistas ecológicos ‘tomam em conta a natureza’ não tanto em termos
crematisticos como mediante indicadores físicos e sociais”(Martinez-Alier, 2004,
p.45).
Por tentar utilizar parâmetros multicriteriais na avaliação da relação homem
natureza, a economia ecológica sente de perto o problema da incomensurabilidade
na valorização, ou de comparabilidade fraca de valores, ou seja a dificuldade de
estabelecer comparações entre coisas qualitativamente diferentes nas tomadas de
104

decisões, por exemplo como comparar valor de habitat com valor de paisagem e
valor econômico.
Esta incomensurabilidade, está presente no cerne dos conflitos distributivos
de natureza ecológica e na tomada de decisão sobre o melhor uso de um
determinado recurso, visto que seria necessário colocar numa mesma natureza de
medida de diferentes valores. Isto é o que os economistas ambientais tentam fazer
através do mecanismo de preço, o que se processa de um forma extremamente
arbitrária. A economia ecológica tem discutido este problema buscando a
construção e aplicação de métodos multicriteriais para tomada de decisão.
Nos poucos anos, desde a sua configuração enquanto campo do
conhecimento, a economia ecológica tem criticado, discutido e avançado na
construção de indicadores de (in)sustentabilidade. Martinez-Alier(2004) faz uma
discussão crítica sobre alguns desses indicadores como a HANPP, que é “a
apropriação humana da produção primária líquida”, que mede o nível de utilização
pela espécie humana da energia solar armazenada pela plantas na biomassa, e
que mostra quanto mais aumenta essa apropriação menos fica para as outras
espécies, a “pegada ecológica”, ou ecoespaço que mede a carga ambiental da
economia em termos de espaço; o EROI, “o custo energético de conseguir
energia” que tem mostrado uma tendência a diminuição da eficiência energética na
agricultura pelo intensivo uso de insumos energéticos proveniente do petróleo; o
MIPS, o “insumo material por unidade de serviço”, que soma todos os materiais e
compara com os serviços proporcionados por todos os setores e na economia toda;
a “Taxa de Desconto”, que tem dado um valor menor ao futuro que ao presente; a
“Capacidade de Suporte”, que procura determinar a quantidade de pessoas que
podem sobreviver de forma sustentável em um determinado espaço, como exemplo
entre outros.
Na bibliografia disponível, verifica-se um crescimento exitoso no volume de
programas de pesquisa em economia ecológica, o que pode ser creditado a sua
pluralidade e forte interação com outras disciplinas que se preocupam com os
estudos dos problemas ambientais.
105

2.2.2.4 A crise ambiental e a economia institucional

Um dos problemas centrais da questão ambiental é o que diz respeito aos


chamados bens comuns, que engloba os bens de uso coletivo como água, o ar, as
florestas, os mares, etc. O seu caráter de uso comum, determinado pela ausência
de propriedade privada, tem trazido dificuldades para as análises econômicas
tradicionais, pela sua incapacidade de estabelecer preços a esses bens e aos seus
serviços. O que gera problemas sérios para uma gestão sustentável desses
recursos, tanto através dos mecanismos de mercado quanto estatais. Isto tem
desafiado a economia a estudar os diferentes arranjos institucionais e a qualidade
da governança que tem se estabelecido na gestão dos bens comuns. Nesse sentido
verifica-se na bibliografia contemporânea uma grande quantidade de pesquisas
modeladas a partir dos pressupostos da chamada Economia Institucional
(OSTROM;SCHROEDER;WYNNE,1993; OSTROM; GARDNER; WALKER, 1994;
DOLSAK; OSTROM,2003; COSTANZA et al., 2000).
A Economia Institucional, é uma contribuição americana ao pensamento
econômico que surge a partir de 1900, com a publicação das idéias de Thorstein
Veblen no livro “A teoria da classe ociosa”. Considerado o seu fundador.Veblen,
dissecou de forma critica a ortodoxia neoclássica, fornecendo os métodos teóricos
sobre a economia institucionalista, Wesley C. Mitchel, estimulou a pesquisa
empírica com seus estudos estatísticos e J. K. Galbraith, popularizou os diversos
temas institucionalistas. Na fase fundacional do institucionalismo econômico,
também são também consideradas importantes as contribuições dos economistas
John R. Commons(1862-1945) que ajudou a persuadir a nação sobre a
necessidade de reformas através de leis federais e Clarence E. Ayres(1892-1972),
que realçou o importante papel da tecnologia e das mudanças tecnológicas para se
determinar a direção da economia e da sociedade.(BRUE, 2005).
Para Brue(2005), a economia institucional surge como uma critica a escola
neoclássica, dentro de uma visão de reforma social, com o objetivo de preservar o
capitalismo e melhorar as condições das massas, através da intervenção do
governo na economia, tendo dessa forma influenciado nas mudanças que a New
Deal em 1930 trouxe para a sociedade americana. As principais características e
idéias originais da Economia Institucional segundo Brue, são:
.Perspectiva holística ampla: a economia deve ser examinada como um
106

todo e não como pequenas partes ou entidades separadas, isoladas do todo, pois
um organismo complexo não pode ser compreendido se cada segmento é tratado
como se não estivesse relacionado à entidade maior. A atividade econômica não é
simplesmente a soma das atividades de pessoas motivadas individual e
mecanicamente pelo desejo de ganho monetário máximo. Na atividade econômica
há também padrões de ação coletiva que são maiores que a soma das partes. Um
sindicato, por exemplo, desenvolve um caráter, uma ideologia e um método de
operação próprios. Suas características não podem ser deduzidas do estudo dos
membros individuais pertencentes a ele;
.Ênfase nas instituições: essa escola enfatizava o papel das instituições na
vida econômica. Uma instituição não é simplesmente uma organização ou um
estabelecimento para a promoção de um objetivo especifico como, por exemplo,
uma escola, um presidido, um sindicato e um banco federal. É também um padrão
organizado de comportamento grupal, bem-estabelecido e aceito como parte
fundamental da cultura. Ela inclui costumes, hábitos sociais, leis, modos de pensar
e modos de vida. A escravidão e a crença na escravidão foram instituições. Outros
exemplos são as crenças no laissez-faire, no sindicalismo ou em um sistema federal
de seguridade social. Sair na véspera do Ano Novo para soltar um rojão é uma
instituição. Da mesma forma o foram a ideologia comunista na União soviética e o
anticomunismo nos Estados Unidos. A vida econômica, diziam os institucionalistas,
é controlada pelas instituições econômicas, não pelas leis econômicas. O
comportamento social do grupo e os padrões de pensamento que o influenciam
estão mais ligados à análise econômica do que o individualismo enfatizado na teoria
marginalista. Os Institucionalistas estavam especialmente interessados em analisar
e reformar as instituições de crédito, monopólio, ausência de propriedades, relações
de gerenciamento do trabalho, seguro de renda. Eles defendiam o planejamento
econômico e a mitigação das atividades do ciclo comercial;
.Abordagem evolutiva de Darwin: o método evolutivo deve ser usado na
análise econômica, porque a sociedade e suas Instituições estão em constante
mudança. Em vez de perguntar O que é isso? Os Institucionalistas perguntavam
como chegamos aqui e para onde estamos indo? A evolução e o funcionamento
das instituições econômicas deveriam ser o tema central da economia. Essa
abordagem exige conhecimento não só de economia, mas também de história,
antropologia cultural, ciência política, sociologia, filosofia e psicologia;
107

.Rejeição da idéia de equilíbrio normal: em vez da idéia de equilíbrio, os


institucionalistas enfatizavam o principio de causalidade circular ou mudanças
cumulativas que podem ser salutares ou prejudiciais para a busca das metas
econômicas e sociais. Os desajustes da vida econômica não representam o
abandono do equilíbrio normal, mas são normais;
.Choque de interesses: em vez da harmonia de interesses que a maioria de
seus contemporâneos e predecessores deduziu de suas teorias, os
institucionalistas reconheceram sérias diferenças de interesses. Eles diziam que as
pessoas colaboram, são criaturas cooperativas. Elas se organizam em grupos em
nome ao interesse individual dos membros, que se torna o interesse comum do
grupo. No entanto, existem choques de interesses entre grupos, por exemplo,
grandes empresas contra pequenas empresas, consumidores contra produtores
fazendeiros contra moradores da cidade, patrões contra empregados, importadores
contra produtores domésticos e fabricantes contra aqueles que lhes emprestam
dinheiro. Aqui, novamente, um governo imparcial e representativo deve reconciliar
ou sobrepujar os interesses conflitantes para o bem comum e para que o sistema
econômico funcione de maneira eficiente;
.Reforma democrática e liberal: os institucionalistas aderiram aos princípios
reformistas a fim de realizar a distribuição mais equilibrada de bens e de renda. Eles
negavam que os preços de mercado eram índices adequados do bem-estar social e
individual e que os mercados não-regulados levam á alocação eficiente de recursos
e a uma justa distribuição de renda. Os institucionalistas condenavam
invariavelmente o laissez-faire e eram a favor de uma participação maior do
governo nos assuntos econômicos e sociais;
.Rejeição da psicologia do prazer-esforço:os institucionalistas repudiavam
as bases de Bentham Eles buscavam uma melhor psicologia, e alguns deles
incorporaram as idéias de Freud e as comportamentais em seus pensamentos.
Se a economia institucional nasce enquanto uma abordagem critica a
economia neoclássica, defendendo a intervenção do governo na economia, a partir
dos anos 70 vai desenvolver-se um novo institucionalismo, que se denomina da
Nova Economia Institucional (NEI), que considera o institucionalismo deficiente do
rigor cientifico existente no “mainstream econômico”, através do formalismo
matemático. Nesse sentido os novos institucionalistas ou vão trabalhar no sentido
de aperfeiçoar a economia neoclássica incorporando nesta o conceito de instituição,
108

ou aperfeiçoando o institucionalismo, incorporando neste, os instrumentais


analíticos neoclássicos, como o individualismo metodológico e o anti-
intervencionismo estatal. O processo de construção dos pressupostos teóricos da
NEI, vão originar nas idéias de Ronald Coase, Willianson, incorporando importantes
insignth como de Marcus Olson e se consolidando nas idéias de Douglas North.
A principal contribuição de Coase é a incorporação no institucionalismo do
conceito de Custo de Transação. Esse conceito surge em 1937 no trabalho “The
nature of the firm”, sendo porém popularizado no artigo seminal de 1960 que
garantiu a esse autor o premio Nobel de Economia em 1991. Para Coase é irreal
considerar que não existem custos para levar adiante as transações de mercado:

Levar a cabo transações de mercado é necessário, entre outras


coisas, descobrir com quem nós queremos comerciar, informar as
pessoas com quem nós queremos trocar e em que condições, dirigir
negociações que levam a um acordo, editar o contrato, levar a cabo
a inspeção, necessária para ter certeza que são observadas as
condições do contrato. Freqüentemente, estas operações são muito
caras; suficientemente caras para evitar muitas transações que
seriam levadas a cabo em um mundo em que o sistema de preços
funcionasse sem custo.(COASE, 1992, p.98, tradução do autor).

Para reduzir esses custos é que se criam formas alternativas de


organização econômica a um custo menor que ao que se incorreria usando o
mercado, Coase(1992) reforça essa argumentação:

Como expliquei a muitos anos, a empresa representa uma


alternativa a organização da produção através das transações de
mercado. Dentro da empresa individual eliminam-se os convênios os
contratos entre os distintos fatores cooperantes na produção e nas
transações de mercado, se substituindo por uma decisão
administrativa (COASE, 1960, p.99, tradução do autor).

A partir dessas observações, incorpora-se ao institucionalismo a visão de


que as instituições são criadas racionalmente por indivíduos com o objetivo de
reduzir os custos de transação. A NEI considera o fato de que os indivíduos
buscando atender os seus objetivos podem-se comportar de forma oportunista
fazendo com que as transações sejam permeadas pelos riscos e incertezas.
Procurando minimizar essas incertezas e riscos e diminuir os custos de transação,
os agentes econômicos lançam mão de diferentes estruturas de governança, que
são os mecanismos apropriados para regular uma determinada transação. O
conceito de estrutura de governança vem de Oliver C.Willianson(1932-), que junto
com Coase, é considerado também responsável na NEI, pela ênfase “sobre os
109

custos de transação na explicação da organização e do comportamento das


empresas”(Brue, 2005, p.389).
Enquanto a abordagem institucional adotada por Coase e Willianson
apresenta um caráter institucional micro, centrado no comportamento das firmas,
Douglas North vai desenvolver sua abordagem numa perspectiva macroeconômica
relacionando desenvolvimento institucional com desenvolvimento econômico.
Segundo Robles(1998, p.21)17, Douglas North refinou e consolidou as suas idéias
no marco analítico institucional, tornando-as publicas no livro “Institutions,
Institutional Change and economic perfomance”(1990) que lhe garantiu o prêmio
Nobel de Economia em 1993 e na conferência proferida em dezembro de 1993
quando faz uma síntese da sua teoria, intitulada “Economic Perfomance Through
Time”. Para Robles:

North esboça uma teoria das instituições e a mudança institucional


com o ânimo de integrar as instituições, a teoria econômica e a
história econômica. Explica, com maior rigor e detalhe que nos
estudos anteriores, três aspectos fundamentais de seu marco
analítico: a) que são as instituições; b) como se diferenciam as
instituições das organizações; e c) como influem as instituições nos
custos de transação e produção. A discussão em torno da discussão
humana ocupa um lugar sobressalente na sua analise, posto que
está convencido que o crescimento econômico sustentado só pode
atingir-se em um ambiente institucional propício para que surjam
soluções cooperativas – i.e., socialmente produtivas- aos problemas
que leva a um intercambio comercial cada vez mais complexo.
(ROBLES,1998, p.22, tradução do autor).

Na sua conferência North (1993)18 faz a critica a economia neoclássica por


nos seus pressupostos não contemplarem as instituições e o tempo nas suas
análises, isto torna essa teoria econômica incapaz de prescrever política que
induzam o desenvolvimento. Apesar da critica, North desenvolve a sua teoria no
marco analítico neoclássico, conservando o principio da escassez, a concorrência e
as ferramentas analíticas da microeconomia. Também modifica a concepção de
racionalidade, acrescenta a dimensão do tempo e considera as instituições que
formam as estruturas de incentivos de uma sociedade. Portanto, acrescenta a idéia
das instituições políticas e econômicas como as determinantes fundamentais do
desempenho econômico (NORTH,1993).
O tempo para North, negado pelos neoclássicos é uma categoria

17
http://www.eumed.net/cursecon/textos/prado_north.pdf
110

fundamental que se relaciona com as mudanças econômicas e sociais,

[...]é a dimensão na qual o processo da aprendizagem dos humanos


conforma o modo como se desenvolvem as instituições. Isto é, as
crenças que mantêm os indivíduos, os grupos e as sociedades e que
determinam suas preferências, são conseqüência das suas
aprendizagem ao longo do tempo, e não só do lapso da vida de um
indivíduo ou de uma geração; elas são a aprendizagem incorporada
nos indivíduos, grupos e sociedades, acumulativo pelo tempo e
transmitida de uma geração a outra pela cultura de cada
sociedade(NORTH, 1993, p.2, tradução do autor).

Também, para o marco analítico de North, a concepção de racionalidade


tem um papel central. A racionalidade instrumental do “homos economicus”,
maximizador de utilidade e minimizador de custos da economia neoclássica na
opinião de North não funciona no mundo real: “a informação incompleta e a
capacidade mental limitada para processar informações determinam custos
transacionais que estão por baixo da formação das instituições”(North, 1992, p.2).
Se a racionalidade instrumental funcionasse tal qual a teoria, os custos de
transação não existiriam e nem haveria necessidade das instituições. Neste sentido,
no seu marco analítico, North utiliza a concepção de “racionalidade limitada” criada
por Hebert Simon.
As instituições para North(1993) são imposições criadas pelos humanos
que estruturam e limitam as suas interações. Compõem-se de imposições formais
(regras, leis, constituições) e informais (normas de comportamento, convenções,
códigos de condutas auto-impostos) e suas características impositivas. As
instituições e a tecnologia utilizada determinam os custos das transações e as
transformações que se somam aos custos de produção. Para mostrar a importância
dos custos de transação, North cita um estudo empírico de 1970 da economia dos
Estados Unidos, onde 45% do PIB é dedicada ao setor de transações. O que
reforça no seu argumento a necessidade analítica das instituições e seus papeis na
economia contemporânea (NORTH, 1993).
Para North (1993), enquanto as instituições são as regras do jogo, as
organizações e seus empresários são os jogadores. Segundo North, as
organizações são grupos de indivíduos unidos por um propósito comum com o fim
de atingir certos objetivos. Entre estas se incluem as organizações políticas(partidos
políticos, senado, conselhos municipais, corpos reguladores, como exemplos); as

18
http://www.eumed.net/cursecon/textos/north-nobel.htm
111

econômicas (empresas, sindicatos, granjas familiares, cooperativas, como


exemplos); as sociais (igrejas, clubes, associações desportivas, como exemplos); e
as educativas( escolas, universidades, centros vocacionais, etc). Existe na sua
analise uma interação forte entre instituições e organizações:

Se criam organizações que refletem as oportunidades oferecidas


pela matriz institucional. Isto é, se o marco institucional premia a
pirataria, surgirão então organizações piratas; e se o marco
institucional premia as atividades produtivas, surgirão organizações –
empresas – que se dedicam as atividades produtivas(NORTH, 1993,
p.4, tradução do autor)

A interação entre instituições e organização é o que da forma as mudanças


institucionais de uma economia. Essas mudanças surgem segundo North, porque
os indivíduos percebem que lhe poderia ser melhor se reestruturar os intercâmbios
(políticos e econômicos). As fontes da mudança de percepção podem ser exógena
a economia, porém para North, “a fonte de mudança mais fundamental no longo
prazo é a aprendizagem dos indivíduos e dos empresários de
organizações”(North,1993, p.4). O aprendizado tem a ver também com a
compreensão do passado econômico, tal qual visto na teoria dos jogos, onde a
cooperação entre os indivíduos tende a acontecer quando as experiências se
repetem e se tem as informações dos jogadores, logo experiência passada
enquanto aprendizagem mostra se vale a pena cooperar quando o jogo se
repete(NORTH,1993).
Uma contribuição teórica importante ao escopo analítico da Nova Economia
Institucional, no que diz respeito ao estudo das organizações vem de Mancur
Olson, que em seu livro de 1971 “A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos
e uma teoria dos grupos sociais”, em que desenvolve um estudo analítico sobre o
comportamento de indivíduos racionais que tem interesses comuns na formação de
grupos(organizações) para a obtenção de um beneficio coletivo.
Para Olson(1999), é falsa a premissa comum nas teorias sobre grupos, que:

Em outras palavras, geralmente se deduz que se os membros de um


determinado grupo têm um interesse ou objetivo comum, e se todos
eles ficariam em melhor situação se esse objetivo fosse atingido,
logicamente os indivíduos desse grupo irão, se forem pessoas
racionais e centradas nos seus próprios interesses, agir para atingir
esse objetivo(OLSON,1999, p.14).

Em sua opinião, isso não é não é um fato lógico, a menos que o número de
indivíduos do grupo seja realmente pequeno, ou a menos que haja coerção ou
112

algum outro dispositivo especial que façam os indivíduos agirem em interesse


próprio, os indivíduos racionais e centrados nos próprios interesses não agirão
voluntariamente para promover seus interesses comuns ou grupais. Embora, para
esse autor:

Há, paradoxalmente, a possibilidade lógica de que grupos


compostos ou de indivíduos altruístas ou de indivíduos irracionais
possam por vezes agir em prol de interesses comuns ou grupais.
Mas, como seções empíricas deste estudo tentarão demonstrar mais
adiante, essa possibilidade lógica geralmente não tem a menor
importância prática(OLSON,1999, p.15).

Para Olson, a maioria das ações praticadas por um grupo de indivíduos ou


em nome dele dá-se através de uma organização, nesse sentido existem
organizações de todos os tipos, formas e tamanhos. O que é característico de
praticamente todas as organizações, como um aspecto econômico, é a promoção
dos interesses comuns de seus membros. O que atrai os indivíduos a se afiliarem a
um grupo ou organização, não é a sensação de pertencer, mas a possibilidade de
conseguir algo pelo fato de pertencer. No seu raciocínio, não há obviamente
nenhum sentido em formar uma organização quando uma ação individual
independente pode servir aos interesses do individuo tão bem, ou melhor, do que
uma organização. (OLSON,1999).
Na analise olsoniana, o balanço entre os interesses individuais e grupais
numa análise de custo beneficio é o que determina ao individuo racional a cooperar
ou não para se conseguir o provimento de um bem coletivo, através de uma
organização. Sobre o ponto de vista do comportamento racional, todo individuo
gostaria de usufruir dos ganhos com o bem coletivo, porém sem participar do custo
de produzir esse bem. Nesse sentido, a ação voluntária para produzir bens coletivos
só teria chances de se concretizar em grupos pequenos, onde tanto a contribuição
quanto os ganhos individuais tem maior significância para o individuo e para o grupo
e em situações em que o individuo sozinho poderia assumir os custos e ter ainda
ganhos. Nos grupos grandes, devido a contribuição individual ser diluída e de pouca
significância quando comparada aos grupos pequenos, os indivíduos tendem a ter
um comportamento oportunista de não cooperar voluntariamente para a produção
dos bens coletivos, e sim através de algum tipo de “incentivos seletivos” tipo coação
ou recompensa além do usufruto do bem coletivo produzido.
Um exemplo citado por Olson (1999), para corroborar com as suas idéias é
113

a figura do Estado enquanto uma grande organização supridora de bens coletivos


reconhecida por todos na sua importância, mas que mesmo assim não recebe a
contribuição voluntária dos indivíduos beneficiários, mas sim de uma forma
compulsória através de impostos. Além da importância do tamanho do grupo na
qualidade da ação coletiva, um aspecto discutido por Olson é a relação do bem
provido com o mercado, o que confere um caráter excludente de novos membros,
para os grupos produtores de bens coletivos relacionados com mercados, e de
inclusão facilitada, nos grupos produtores de bens coletivos fora da estrutura de
mercado.
Além da contribuição de Olson, o marco teórico da Nova Economia
Institucional vai ser enriquecido com um importante suporte analítico vindo da
sociologia econômica, através da categoria teórica denominada de capital social.
A idéia de capital social enquanto categoria teórica com presença crescente
nas ciências sociais contemporâneas tem sido utilizada em diversas situações para
explicar os mecanismos que as sociedades utilizam para superar dilemas sociais
inerentes a ação coletiva. Segundo Birner e Wittmer(2003) existem três importantes
abordagens deste conceito: a abordagem de Bourdieu, que centra o capital social
como um bem individual e excludente aos outros do acesso a esses recursos, a
abordagem de Colemam, que como Bourdieu considera o capital social como um
recurso para indivíduos, porém nota que pode ser um recurso tanto a nível de
atores individuais como a nível de sistema e a abordagem de Putnam que considera
o capital social com o atributo de um bem público em oposição ao capital
convencional que é um bem privado.
Em que pese a origem do conceito vir da abordagem de Bourdieu, com as
importantes contribuições de Colemam, a idéia de capital social na bibliografia
contemporânea vai estar emblematicamente associada e presente a um trabalho
de Robert Putnam, de 1993, que ao estudar comparativamente o desenvolvimento
sócio-econômico e institucional entre regiões da Itália, ele percebeu que as
diferenças existentes entre essas regiões, estão correlacionadas aos seus níveis
de organização cívica. Ou seja, o Sul da Itália, onde as relações políticas e sociais
estruturaram-se verticalmente, com pouca participação cívica, os resultados
econômicos e institucionais foram os piores. Por outro lado, a região Norte alcançou
um nível de desempenho mais elevado adotando vínculos cívicos horizontais para
lidar com os dilemas da ação coletiva que afligem todas as sociedades, onde as
114

regras de reciprocidade e os sistemas de participação cívica corporificaram-se em


confrarias, guildas, sociedades de mútua assistência, cooperativas, sindicatos e até
clube de futebol e grêmios literários. (PUTNAM, 2002)
O capital social para Putnam(2002) está relacionado a esse espírito cívico
que foi capaz de alavancar o desenvolvimento da região mais próspera da Itália, e
diz respeito a características de organização social, como confiança, normas e
sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as
ações coordenadas, o que facilita a cooperação voluntária espontânea.
Ao facilitar a cooperação voluntária espontânea, o capital social favorece a
formação de sistemas horizontais de participação cívica que ajudam os
participantes a solucionar os dilemas da ação coletiva. Para Putnam, quanto mais
horizontalizada for a estrutura de uma organização, mais ela favorecerá o
desempenho institucional na comunidade em geral. No mais, a afiliação a grupos
horizontalmente organizados (como clubes esportivos, cooperativas, sociedades de
mutua assistência, associações culturais e sindicatos) deve estar positivamente
relacionada com o bom desempenho governamental (PUTNAM,2002).
A confiança para Putnam (2002), é um fator imprescindível para a
existência do capital social, pois ela promove a cooperação e quanto mais elevado
o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de haver
cooperação, sendo que a própria cooperação gera confiança formando-se um
circulo vicioso. Em Putnam, a confiança que fomenta a cooperação não é uma
confiança cega, ela implica em uma previsão do comportamento de um ator
independente, na medida em que você conhecendo a disposição da pessoa
cooperante, as alternativas de que dispõe e suas conseqüências, a capacidade dela
e tudo o mais, apostar-se-á que ele prefira agir da forma esperada.
Uma questão importante, para Putnam, é que a confiança está intimamente
relacionada à reputação do cooperante em cumprir os compromissos assumidos, e
esta é reforçada pela prática da cooperação. Para Putnam (2002), a confiança
torna-se mais fácil em comunidades pequenas e coesas resultante do convívio
intimo com a pessoa. Já nas sociedades maiores e mais complexas, a confiança
precisa ser mais impessoal e indireta, ou seja, é necessária uma confiança social. A
confiança social pode surgir de duas fontes: as regras de reciprocidade e os
sistemas de participação cívica.
Na argumentação de Putnam (2002), as regras sociais transferem de um
115

ator para outrem o direito de controlar uma ação, normalmente porque tal ação tem
“externalidades”, isto é, conseqüências positivas ou negativas para outrem. As
regras são sustentadas tanto por meio de condicionamentos (exemplo: educação
cívica), quanto por meio de sanções. Mesmo que essas normas não tenham força
legal, elas acabam sendo cumpridas. Elas fortalecem a confiança social e vingam
porque reduzem o custo de transação e facilitam a cooperação.
Na visão de Putnam (2002), a mais importante dessas regras, é a da
reciprocidade. Para ele, existem dois tipos de reciprocidade, a balanceada e a
generalizada. A primeira diz respeito à permuta simultânea de itens de igual valor, a
segunda, diz respeito a continua relação de troca, que apesar de desequilíbrios ou
falta de correspondência momentânea, pressupõe expectativas mútuas de que um
favor concedido hoje venha a ser retribuído no futuro. A regra de reciprocidade
generalizada, para o autor é um componente altamente produtivo do capital social,
pois as comunidades em que essa regra é obedecida têm melhores condições de
coibir o oportunismo e solucionar os problemas da ação coletiva.
Um dos exemplos concretos de como o capital social reduz o custo das
transações pode ser extraído da citação utilizada por Putnam:

Assim como outras formas de capital, o capital social é produtivo,


possibilitando a realização de certos objetivos que seriam
inalcançáveis se ele não existisse (...). Por exemplo, um grupo cujos
membros demonstrem confiabilidade e que depositem ampla
confiança uns nos outros é capaz de realizar muito mais do que outro
grupo que careça de confiabilidade e de confiança(...)Numa
comunidade rural (...)onde um agricultor ajuda o outro a enfardar o
seu feno e onde os implementos agrícolas são reciprocamente
emprestados. O capital social permite a cada agricultor realizar o seu
trabalho com menos capital físico sob a forma de utensílios e
equipamentos (COLEMAN apud PUTNAM, 2002, p. 177).

Por conseguinte, reduções desse tipo, nos custos de transação onde o


capital social está desenvolvido foi o que garantiu um maior desenvolvimento
econômico e institucional nas regiões mais cívicas da Itália, foi a conclusão
apresentada no estudo de Putnam.
Sob o ponto de vista metodológico, para Birner e Wittmer (2003), da
perspectiva econômica, capital social tem duas distintas vantagens que tem
contribuído para o aumento da sua utilização: 1- Como o capital social é
essencialmente um conceito econômico, a noção de capital social possibilita aos
cientistas sociais incorporarem os fatores sociais em um coerente quadro analítico
116

baseado sobre capital econômico, humano, natural e físico; 2-O conceito de capital
social permite aos estudiosos de analisarem temas sociais de uma forma
quantitativa e incorporando-os em modelos econômicos quantitativos. Além de que
o conceito de capital social tem sido reconhecido como um conceito útil para o
estudo de bens comuns e manejo de recursos naturais baseado nas comunidades.
Como resposta a crise ambiental, no marco analítico do “novo
institucionalismo” tem se desenvolvido importantes trabalhos de pesquisa no
sentido de analisar as diferentes alternativas e mudanças institucionais na gestão
dos chamados “bens comuns”, nas suas formas de superação dos dilemas sociais
envolvidos com esses tipos de recursos. Em 1989 foi criada a Associação
Internacional para o Estudo de Propriedade Comum(IASCP) que congrega
estudiosos dos “bens comuns” incluindo cientistas políticos, antropólogos,
economistas, historiadores, e gerentes de recurso natural, que vinham discutindo
esse problema na Rede de Propriedade Comum criada em 1984. A IASCP tem
patrocinado conferências internacionais onde são divulgados e discutidos os
resultados das pesquisas desenvolvidas sobre o tema.
Entre as principais referências acadêmicas nesse campo, utilizando os
fundamentos analíticos da Nova Economia Institucional, associado ao conceito de
capital social, no estudo dos modelos de governança dos bens comuns, tem se
destacado os trabalhos desenvolvidos por Elinor Ostrom e colaboradores
(1993,1994,2000,2003). Ostrom tem liderado importantes trabalhos de pesquisa
que partem de uma critica as saídas propostas ao dilema social ligado aos bens
comuns, conhecido como “a tragédia dos bens comuns”.
A denominação de “Tragédia dos Bens Comuns” surge em um pequeno
artigo publicado em 1968. Ao citar a refutação de William Forster Lloyd à mão
invisível no controle demográfico em um folheto de 1883, Hardin(1968), cria esse
termo, que representará a sua visão sobre o manejo dos recursos comuns,
exemplificado no caso do uso de pastagens comuns, onde cada pastor agindo
racionalmente na busca do seu próprio interesse vai tentar elevar ao máximo a sua
utilidade, colocando o maior número possível de animais para pastar, até que vai
chegar um dia em que se abaterá a tragédia sobre os pastores e os animais pela
falta de pasto. Ou seja, cada homem está preso a um sistema que o obriga a
aumentar o seu rebanho ilimitadamente em um mundo limitado, levando-o a ruína.
Para Hardin, esse princípio se aplica a todos os recursos comuns, seja através da
117

extração ou da contaminação, e o crescimento demográfico precipita a tragédia.


A saída para evitar a tragédia na visão de HARDIN (1968), é privatizar os
recursos comuns que são possíveis como às fontes de alimento e os que não são
possíveis pode se prevenir através de leis coercitivas ou com impostos que tornem
mais barato ao poluidor tratar de seus contaminantes que deixá-los como tal.
Na visão de Ostrom e Dolsak (2003), os bens comuns, de acordo com
essa visão ou foram privatizados ou apropriados por governos nacionais e
administrado por agencias governamentais. Após décadas de pobre manejo e
deterioração de bens comuns, regimes desenvolvidos de acordo com este
pensamento dicotômico estão mudando. “A mudança agora é para criar instituições
que realocam os bens comuns na presença de ações políticas para aqueles que
poderiam perder no processo de realocação”(OSTROM; DOLSAK,2003, p.6,
tradução do autor).
Para proteger recursos comuns de sobreuso, requer que usuários ou
autoridades criem regras que regulem esse uso. Criar regras exige um esforço
conjunto de uma grande proporção de usuários, o que é custoso e que todo usuário
do recurso deverá se beneficiar das novas regras, a criação dessas regras pelos
usuários exige que eles superem os dilemas da ação coletiva (OSTROM;
DOLSAK,2003 ).
Segundo Ostrom e Dolsak (2003), existe uma incompreensão quando se
discute o estudo dos bens comuns. O entendimento de muitos, é que isto é um
tema sem muita importância e em extinção nos tempos modernos, e que não vale a
pena estudar as instituições de propriedade comum, porque elas não sobreviverão.
Argumentos que Ostrom e Dolsak discordam, mostrando que ao contrario, os bens
comuns não são apenas recursos de escala local, de uso tradicional e em
desaparecimento. Argumentam que enquanto o homem contar com a água, o ar e a
atmosfera os bens comuns serão importantes, e que, os bens comuns não são
apenas recursos locais pois os oceanos, os recursos genéticos e a atmosfera são
também considerados bens comuns. Além de que, na sociedade moderna, novas
formas de propriedades comuns são frequentemente criadas, como exemplo: as
modernas corporações de hoje, vistas mais propriamente como propriedades
comuns do que propriedades estritamente privadas, devido a grande partilha do seu
direito de propriedade. Os condomínios residenciais combinam propriedade comum
e privada, a Internet pode ser visto como um exemplo de criação moderna de um
118

novo bem comum. Esses modernos bens comuns trazem grandes dificuldades e
não-resolvidas estruturas de governanças. Nesse sentido: “estudar as instituições
que regulam os bens comuns existentes há muito tempo em varias escalas pode
prover importantes lições para governar esses novos bens comuns”(OSTROM;
DOLSAK,2003, p.4).

2.2.3 A crise ambiental e a idéia de desenvolvimento

A idéia de desenvolvimento passa a ter uma importância fundamental na


preocupação das ciências econômicas a partir do pós-guerra, quando se aceleram
os processos de descolonização por todo o mundo e tornam-se claramente
perceptíveis às dificuldades de crescimento econômico dos países mais pobres,
comparados com o nível de crescimento e/ou de retomada do crescimento dos
países integrantes do hoje conhecido primeiro mundo. Naquele momento, além de
uma preocupação de natureza ética ou acadêmica, havia uma preocupação de
natureza política inerente a escolha de caminhos pelos países pobres entre as
possibilidades capitalista ou socialista. Aos países, com dificuldades de
desenvolvimento é dada, pela primeira vez, a alcunha de ”subdesenvolvidos” pelo
presidente Harry Trumam, em 1949, no seu discurso de posse, cabendo ajuda a
eles, para que superassem as suas dificuldades (BANERJEE,2003).
Desde a economia clássica, o desenvolvimento econômico era visto como
um processo natural e linear. Na visão otimista de Adam Smith, as sociedades
caminham da sua fase mais atrasada que era a da caça, passando pelo pastoreio,
agricultura até na sua fase comercial (capitalista) que é a mais avançada. Se as
sociedades copiassem o exemplo da Inglaterra teriam o mesmo sucesso que
aquele país estava obtendo. David Ricardo foi mais pessimista ao analisar o
problema da renda da terra que poderia levar a sociedade ao crescimento
estacionário, necessitando que o livre comércio se desenvolvesse entre os países.
Por outro lado, Marx mostrava que, se o crescimento econômico através da
acumulação capitalista levava ao desenvolvimento das forças produtivas do capital
e o aumento vertiginoso da riqueza, contraditoriamente, e na mesma velocidade, o
aumento da miséria e degradação das classes trabalhadoras também se
desenvolvia. No “mainstream econômico”, de inspiração neoclássica, a
preocupação com o desenvolvimento não teria sentido em uma economia
119

funcionando de acordo com os ditames do livre mercado.


Com a crise de 1929, e a emergência do paradigma keneysiano, adota-se a
visão, que o desenvolvimento econômico capitalista pode ser planejado através da
intervenção do Estado, e sob esta visão, dá-se a reconstrução da Europa e Japão
dos efeitos da guerra, e a recuperação do crescimento econômico americano. Para
explicar as dificuldades de desenvolvimento econômico dos países
subdesenvolvidos, segundo Hunt(1989) e Larrain(1989), vão ser gestadas, no pós-
guerra, diversas teorias para explicar essas dificuldades e por fim, tentar superá-
las.
Para Larrain(1989), a primeira corrente principal da teoria do
desenvolvimento no capitalismo pós-guerra, nasceu como teoria da modernização,
ou seja da teoria dos processos e estágios, que tentam explicar a transição das
sociedades tradicionais (atrasadas, rurais, ou subdesenvolvidas) para sociedades
modernas(urbanas, desenvolvidas, industriais) sendo que esses processos e
estágios são copiados da história das sociedades desenvolvidas, assumindo-se que
as sociedades atrasadas repetirão a mesma experiência. Na sociologia, a
modernização estará fortemente vinculada a uma abordagem que Talcon Parsons
difunde com base no pensamento de Max Weber.
Na economia, esta visão de linearidade do desenvolvimento ganha
importância nas idéias de W. W. Rostow(1960), que discute a possibilidade de
enquadrar a transição de todas sociedades tradicionais para sociedades
desenvolvidas em cinco etapas: a sociedade tradicional; as precondições para o
arranco; o arranco; a marcha para a maturidade e a era do consumo de massa,
sendo, que esse processo exigiria algumas pré-condições: um governo estável,
melhorias na educação, um grupo de inovadores e empresários que utilizará a
poupança e incrementará o comércio, sendo necessário um nível de poupança de
10% da renda nacional.
A bibliografia especializada, de forma geral, mostra que a evolução do
debate e a construção teórica de interpretações do problema do desenvolvimento
e subdesenvolvimento, com base na crítica ou aceitação da teoria da modernização
toma dois caminhos. O primeiro a partir dos intelectuais da Europa Ocidental e
América do Norte, utilizando as ferramentas econômicas e sociológicas tradicionais,
e o segundo nasce nos países da América Latina sendo capitaneada pela CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina), que foi criada em 1948 para
120

entender e atuar no sentido de superar o atraso econômico dos países


subdesenvolvidos.
Enquanto, as idéias gestadas nos países ricos tentam explicar,
preferencialmente, o subdesenvolvimento como um problema endógeno dos países
atrasados, que precisam ser ajudados pelos países desenvolvidos na superação de
seus problemas, o pensamento desenvolvimentista latino americano, nasce com
Raul Prebisch, numa visão que tenta inovar teoricamente, vendo as causas do
subdesenvolvimento também como fruto das relações entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, inicialmente com a deterioração das relações de
troca(BOILLOT,1988; HUNT,1989; LARRAIN,1989; PEET E HARTWICK,1999).
Com a crise ambiental dos anos 70, a discussão sobre o desenvolvimento e
subdesenvolvimento vai tomar uma nova direção, ou seja o foco central vai se
deslocar da relação países pobres versus países ricos, para a relação homem
versus natureza, ou seja crescimento econômico e preocupação ambiental, onde a
questão da pobreza passa a ser discutida sob o ponto de vista de degradação
ambiental e o risco para a vida do planeta, ou como denomina Martinez-
Alier(1998): ”a biologização da desigualdade social”.
O conceito chave, do debate teórico sobre desenvolvimento, sai da esfera
do subdesenvolvimento caminhando para a esfera da sustentabilidade nos seus
diversos aspectos, através da idéia de desenvolvimento sustentável.
Apesar surgirem vários conceitos sobre desenvolvimento sustentável, o que
se popularizou é o da Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMMAD), este se encontra, na abertura da homepage da Divisão de
Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas: “O
Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende as necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas
próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p.46).
Para chegar a universalização deste conceito, houve um processo longo de
discussões, divulgado nos principais textos das ciências ambientais, que Sevilla-
Guzmán e Woodgate sintetizam com muita propriedade, conforme pode-se
observar no Quadro 2.
121

Evento Descobrimento/produto Caráter


Conferência de As sociedades industriais Primeiro reconhecimento
Estocolmo (1972) modernas percebem que só há oficial da degradação
um mundo ambiental

Trabalho do Clube de Conscientização da Primeiros estudos oficiais


Roma (1972-4): “Os impossibilidade de um da deterioração global
limites do crescimento” crescimento infinito com
recursos finitos.

“Global 2000” Conscientização de que os Primeiro diagnóstico das


encomendado pelo estilos de vida do norte não se causas da deterioração
presidente Carter, podem reproduzir em escala ambiental global
publicado em 1980, global.
ignorado pelo presidente
Reagan

“Estratégia para a A conservação da natureza Primeira estratégia global


Conservação do Mundo” deve conseguir-se a margem do para a conservação da
(WCS) publicada por bem estar humano no meio natureza e introdução do
UICN/UNEP/WWF (1981) ambiente imediato. conceito de
desenvolvimento
sustentável

A Comissão Mundial do Primeira definição oficial do Primeira sugestão de uma


Meio Ambiente e conceito de desenvolvimento estratégia internacional
Desenvolvimento publica sustentável. para enfrentar a crise da
“Nosso futuro comum” modernidade
(1987)

Segunda WCS “Cuidar da A conservação da natureza Revisão da estratégia


Terra: estratégia para requer a participação das global para a conservação
uma existência populações locais. da natureza
sustentável”,
UICN/UNEP/WWF (1991)

Conferência das Nações Carta da Terra (Agenda 21) Código de conduta humana
Unidas para o Meio para o século XXI
Ambiente e Convenção do Clima Convenção para controlar
Desenvolvimento: Cúpula as mudanças climáticas
da Terra (1992) devido à poluição da
atmosfera
Convenção da Biodiversidade Convenção para promover
a conservação da
Biodiversidade
Quadro 2- Gênese do Desenvolvimento Sustentável no discurso internacional oficial.
Fonte: SEVILLA-GUZMÁN e WOODGATE (2002).

Para Sachs(2002), a conversão do conceito de desenvolvimento


sustentável em uma idéia chave da política internacional reflete a crescente
consciência que os dois supostos em que se basearam o desenvolvimento do pós-
guerra: 1-O desenvolvimento podia universarlizar-se no espaço; e que, 2-Poderia
122

perdurar no tempo; têm perdido a sua validez. Isto é evidente, na medida em que,
tem agudizado a crise de injustiça entre Norte e Sul e tem provocado uma crise de
caráter múltiplo da natureza, que frustra suas perspectivas futuras. Essas duas
crises mantêm uma relação inversa nas suas resoluções, ou seja, os que defendem
a garantia dos direitos aos pobres entram em contradição com os que defendem a
natureza. Neste sentido a superação dessa contradição exige a busca de modelos
alternativos de desenvolvimento. Essa busca está na gênese do desenvolvimento
sustentável, que junta desenvolvimentismo com ambientalismo, campos mentais,
outrora em oposição, que se estabilizavam na crença da invariabilidade de ambos.
Para que isso prosperasse, era necessário:

Por um lado que, o desenvolvimento econômico começasse a


considerar-se variável em sua estrutura e por outro, a natureza devia
considerar-se manejável. Enquanto o desenvolvimento da “era
dourada” pós-bélica parecia um processo unilinear de acumulação
que podia continuar ou parar, nos anos setenta se descobriu que
havia mais de uma via possível para o crescimento. No norte a época
da economia das chaminés havia aproximado do seu fim e uma nova
geração de tecnologias pós-industriais sugeriam que se podia
alcançar crescimento sem desperdiçar mais recursos...Em poucas
palavras, durante os anos setenta, o desenvolvimento econômico
parecia ser mais maleável e aberto a uma opção consciente(SACHS,
2002, p.64, tradução do autor).

Da mesma forma, a mudança também se deu na compreensão da natureza,


antes preservada pelos seus direitos próprios, era vista como a antítese do
desenvolvimento, deixa de ser considerada um tesouro a ser preservado e passa a
ser um recurso a ser sustentado, muda-se do conceito de preservação para
conservação, entendida como gestão eficaz dos recursos naturais para otimizar os
rendimentos dos recursos vitais, como os bosques, ou os bancos de pesca: recolher
uma quantidade que não prejudique a taxa de regeneração(SACHS, 2002).
Para Sachs (2002), a junção do conceito de desenvolvimento com
sustentabilidade criou um terreno de ambivalências semânticas, que mais tarde cria
acomodação para um monte de significados diferentes. Sendo que, nesse novo
conceito, sutilmente, a sustentabilidade desloca-se da natureza para o
desenvolvimento, ou seja, enquanto antes sustentável referia-se aos rendimentos
naturais, agora se refere ao desenvolvimento. Assim, o marco da percepção
também muda, em vez da natureza, o desenvolvimento passa a ser o objeto da
preocupação, e em vez do desenvolvimento, a natureza passa a ser o fator crítico
123

que precisa de vigília, ou dito de outra forma, a sustentabilidade refere-se à


conservação do desenvolvimento em lugar da conservação da natureza. A esse
respeito, Sachs conclui:

E mais, como desenvolvimento é um envoltório conceitualmente


vazio, que pode incluir de tudo, desde a taxa de acumulação de
capital ao número de latrinas, sempre seguirá sendo confuso e
questionável o que deve sustentar-se exatamente. Esta é a razão
que explica porque todos os tipos de atores políticos, inclusive os
protagonistas entusiastas do crescimento econômico, podem hoje
em dia expressar suas intenções em termos de desenvolvimento
sustentável (SACHS, 2002, p. 65-66, tradução do autor).

As ambigüidades do conceito de “desenvolvimento sustentável” atenuam


também, os efeitos da percepção de desenvolvimento e meio ambiente existente
entre norte e sul, já que todas as restrições ambientais impostas ao sul eram
entendidas como um obstáculo a luta desses países para superar a pobreza,
através do desenvolvimento econômico. A partir desse conceito, a crise ambiental
passa a ser tanto um problema dos ricos quanto dos pobres, já que é tratada
genericamente como resultado das atividades humanas:

A partir desta transição, pode-se formar uma coalizão entre os


ambientalistas que ajudavam aos pobres, salvaguardando a natureza
e os desenvolvimentistas, que agora podiam lutar contra a pobreza
mediante a proteção do meio ambiente (Sachs, 2002, p.66, tradução
do autor).

Isso permite aos países do sul o poder de invocar os seus direitos ao


desenvolvimento nos fóruns ambientais, sem deixarem de considerar o padrão do
norte como sua utopia implícita.
Uma outra ambigüidade presente no conceito oficial de desenvolvimento
sustentável diz respeito aos termos “necessidades” e “temporalidade”. As perguntas
emergentes na crítica ao conceito são: que necessidade? as necessidades de
subsistência ou de luxo? necessidades de quem? das classes consumidoras
globais ou da enorme quantidade de pessoas que não possuem nada? Quanto a
temporalidade, expressa no termo gerações futuras, as perguntas são: quem são
seus porta-vozes? que mecanismos políticos dispõem para garantir os seus direitos,
quando os excluídos da geração atual que têm voz e voto não conseguem garantir?
Enfim, o conceito oficial de desenvolvimento sustentável com suas imprecisões,
atenua as fortes oposições dos anos setenta entre justiça e natureza, na opinião de
Sachs(2002), em favor da natureza. Evidentemente que isso se deve a sua
124

capacidade de incorporação dos mais díspares interesses, como resultado das suas
ambigüidades.
A multiplicidade de argumentações críticas, tanto ao conceito de
desenvolvimento sustentável considerado por Carvalho (2003) como um conceito
sem teoria e sem método, quanto a sua operacionalização foi agrupada por
Souza(2002) em três referenciais temáticos principais:
a) Relações Norte-Sul: nesse grupo se encontram as argumentações
críticas à proposta de reestruturação da distribuição do poder no nível mundial, na
busca de uma nova ordem internacional contida no relatório Brundtland,
considerada por Souza(2002) como talvez uma das mais difíceis de ser alcançada,
por envolver interesses seculares dos países industrializados, relativos a
manutenção da hegemonia no cenário mundial. Essa proposta ignora e não
questiona na relação Norte-Sul, a forma como ocorre a apropriação dos frutos do
crescimento econômico; as imposições de condicionantes aos países do Sul para
coibir o uso de tecnologias danosas ao meio ambiente, que significa imposição de
novos custos e barreiras comerciais; o problema da dívida externa dos países do
Sul para com o Norte além de outros mecanismos de natureza econômica e política,
inerentes a essa relação que tem historicamente aumentado o fosso econômico
entre Norte e o Sul.
b) Estilos de desenvolvimento e padrão de consumo: nesse grupo
encontram-se as argumentações críticas, ao fato, do relatório Brundtland esconder
uma contradição do imperativo de crescimento econômico proposto, que diz
respeito, ao fato da apropriação dos frutos do crescimento econômico ter ocorrido
de forma distorcida, gerando padrões de consumo bastante diferenciado entre
centro e periferia. O dilema atual é que o atual padrão de consumo dos países
industrializados baseado na utilização maciça de combustível fóssil não pode ser
generalizado, em função de limites impostos tanto pela natureza, como pelas
próprias características das relações internacionais inerentes ao desenvolvimento
capitalista. Nesse sentido, a busca de eqüidade entre nações e entre gerações do
conceito de desenvolvimento sustentável, tendo como referência estilo de
desenvolvimento e o padrão insustentável de consumo dos países desenvolvidos é
praticamente impossível de se atingir.
c) Pobreza e meio ambiente: engloba-se nesse grupo os enfoques sobre o
ciclo de causação cumulativa entre subdesenvolvimento, condições de pobreza e
125

problemas ambientais. A pobreza é uma categoria relativa construída


historicamente no processo de geração e apropriação da riqueza em nível local e
global, fruto de distorções que em vez de anacrônicas são funcionais a própria
lógica da acumulação capitalista. Nesse sentido, a busca da eqüidade social
presente no conceito de desenvolvimento sustentável, apresenta-se como uma
dificuldade inerente ao próprio desenvolvimento capitalista como produtor de
desigualdade, já que, ao produzir riqueza gera como subproduto a pobreza. Dessa
forma, a proposta de satisfação das necessidades atuais sem comprometer as
possibilidades de satisfação das necessidades das gerações futuras parece cada
vez mais difícil de ser alcançada, já que não se conseguiu até agora atender as
necessidades básicas de aproximadamente um bilhão de pessoas das gerações
atuais. Além do que, tem sido enfatizado, a existência de um ciclo de causação
cumulativa entre o subdesenvolvimento, as condições de pobreza e os problemas
ambientais: a luta pela sobrevivência leva as populações pobres a utilizar de forma
irracional e em bases insustentáveis (sobreuso), os recursos naturais e o meio
ambiente. Um ponto crucial é que o desenvolvimento sustentável tem como pré-
requisito a erradicação da pobreza, o que implica em maior pressão sobre os
recursos ambientais.
Para Sach(2002), na multiplicidade de discursos sobre o desenvolvimento
sustentável, que situam-se entre a crise da justiça e a crise da natureza, existe um
suposto comum sobre a sustentabilidade:

[...]o pressentimento de que os tempos das esperanças no


desenvolvimento infinito passou dando passagem a uma era em que
a finitude do desenvolvimento se converte em uma verdade
aceita.Porém esses discursos diferem notadamente no modo em que
entendem essa finitude: interpretam os limites do desenvolvimento
em termos de espaço ou em termos de tempo.”(Sachs, 2002, p.68,
tradução do autor).

Para alguns, o desenvolvimento é infinito no tempo e seguirá produzindo-


se só no hemisfério norte, para outros, o desenvolvimento carece de futuro e
afirmam que essa limitação oferece mais espaço a eqüidade no mundo. Os
discursos diferem na sua valoração do desenvolvimento e na maneira em que
relacionam a ecologia com a justiça.
Para Sachs(2002), sob o ponto de vista dos atores e seus discursos o
desenvolvimento sustentável pode ser visto sobre três perspectivas:
a) A perspectiva da competência: com as últimas ondas de
126

transnacionalização econômica, a competitividade se converteu no maior imperativo


para os atores políticos e econômicos de todo o mundo. As políticas públicas cada
vez mais estão condicionadas por este. Sob esta perspectiva, a preocupação
ambiental surge como uma força propulsora do crescimento econômico, já que a
mutante demanda do consumidor estimula a inovação, a redução do uso de
recursos abaixa o custo de produção e a tecnologia ambiental abre novos
mercados. A ecologia e a economia parecem compatíveis; perseguir ambas as
promessas parece como em uma fórmula mágica, um jogo de soma positiva.
Considera-se, o crescimento como parte da solução e deixa-se de considerar como
parte do problema. Esta inovação conceitual tem contribuído para impulsionar o
ambientalismo no pensamento da corrente econômica principal. Desde os
princípios de 80, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) criara a perspectiva de uma modernização ecológica das
economias industriais, declarando-se por uma nova mistura de recursos, uma
estrutura alterada de crescimento, e uma ênfase sobre a prevenção; estava se
desenvolvendo uma linguagem que vinculava as preocupações empresariais e
ambientais. Esta linguagem centra-se na redefinição da difícil situação ambiental
como um problema de distribuição eficiente dos recursos. Considera que os
recursos naturais estão infravalorados, e por tanto mal distribuídos, enquanto os
recursos humanos e a tecnologia são infrautilizados: corrigir o equilíbrio fixaria isto.
Assim propõe buscar a ecoeficiência como estratégia chave para os negócios, uma
estratégia de considerável poder inovador. Porém, a perspectiva da competência
vai além: transfere os seus princípios, desde o nível microeconômico ao
macropolitico, considera a sociedade como se fosse uma corporação e considera
de errônea ou mal dirigidas as regulações políticas que não perseguem a eficiência.
Questões como a legislação que controla as multinacionais, a avaliação das
tecnologias no interesse público e um GATT sustentável foram excluídas da
agenda. Assim como a autoridade pública, dentro dos preceitos neoliberais.
Depois de tudo, as economias ricas requerem mais recursos naturais do
que dispõem seus territórios. Como são escassos, estabelece-se um mecanismo
de preços e acordos políticos, com o fim de reduzir a exploração e manter um nível
ótimo. O acesso à energia garante-se pela ocupação e comércio, e a descarga das
emissões, por acordos multilaterais (política internacional e convenções para conter
as demandas na biosfera).
127

A busca de força competitiva pode conviver com a finitude do


desenvolvimento em termos de espaço, porém não com a noção de tempo.
Portanto não se questiona o crescimento da civilização através do livre comércio
através do tempo, enquanto se aceita secretamente a limitação no espaço
geográfico. Ainda que os efeitos ambientais do norte afetem locais distantes do
globo, a responsabilidade continua limitada. O sul é que se revela como o cenário
principal do ajuste ambiental. O objetivo estratégico é minimizar a carga do norte e
transferir ao sul o custo do ajuste ambiental tanto que possível.
A tendência é definir os problemas ambientais do terceiro mundo de
maneira que sua solução só possa proceder do Norte, é uma variância benigna da
tendência a projetar a responsabilidade para o sul. A agenda 21 foi elaborada com
esse espírito, divide o mundo em países ecologicamente com déficit e países de
alto rendimento. Os problemas ambientais do Sul consideram-se como resultado
de um capital insuficiente e uma tecnologia obsoleta, da falta de experiência e de
um débil crescimento econômico. E a definição do problema já implica uma solução:
o norte tem que aumentar as suas inversões no sul, proporcionar transferência
tecnológica, introduzir competência na ecoengenharia e atuar como locomotora do
crescimento do sul. É fácil compreender como as convenções do pensamento
desenvolvimentista modelam essa perspectiva: de novo o sul se descreve como o
lugar da incompetência enquanto o norte a fortaleza da excelência.
b) A perspectiva do astronauta: essa perspectiva é oriunda dos meios
científicos de todo globo, com um discurso que constrói o planeta como um objeto
político e científico. Esta comunidade pensa em termos planetários e molda o
desenvolvimento sustentável na perspectiva do astronauta, vendo a terra como um
corpo físico que se mantém mediante vários processos biogeoquimicos, mais que,
como um conjunto de países e culturas.
Nessa concepção biofísica do planeta como sistema, projeta-se também um
espaço transnacional em que a existência das nações, as aspirações das
comunidades ou outras realidades humanas se desvanecem quando se compara
com a angustiante presença da natureza da terra. A tecnologia hoje existente
permite calibrar a biosfera e expressá-la em modelos, sendo que a investigação
sobre a biosfera está se convertendo rapidamente em uma grande ciência,
estimulada por uma série de programas internacionais, se institucionalizando em
muitos países como “ciências do planeta” com atividades como: observações de
128

satélites, expedições ao fundo do mar, e processamento de dados em escala


mundial.
Nessa tendência, a sustentabilidade concebe-se, cada vez mais, como
desafio para a gestão global, onde os cientistas através de traçados de mapas, a
observação, a medição e o cálculo dos fluxos de recursos e os ciclos
biogeoquimicos do globo permitem aos especialistas se propor a identificar na
escala planetária o equilíbrio entre as extrações e as emissões humanas e por
outro, a capacidade de regeneração da natureza. Isto significa a percepção de uma
nova geociência que observa sofisticadamente o planeta como se tratasse de um
paciente em uma unidade de cuidados intensivos.
Nessa perspectiva, os efeitos da civilização industrial se propagam
globalmente, o raio de responsabilidade do norte, deve estender-se por todo o
globo, e o cenário do ajuste ambiental é todo o planeta e não o Sul como visto na
perspectiva da competência. A seguridade frente às ameaças globais é o que se
persegue com a planificação racional das condições planetárias, e não a defesa dos
impérios da riqueza. Reconhece o desenvolvimento econômico como uma ameaça
na dimensão do tempo. Como o desenho racional das condições globais não pode
atingir-se sem a cooperação de muitos atores políticos, deve-se encontrar um novo
equilíbrio entre norte-sul, satisfazendo algumas expectativas dos setores menos
privilegiados da classe média global, ou seja, o compromisso de enfrentar a crise da
natureza não permite ignorar a crise da justiça. Nessa perspectiva, as regulações
internacionais, o sistema de informações globais, as obrigações multilaterais e os
diversos Conselhos da Terra são fundamentais, discutindo-se novos esquemas de
governabilidade global e um tipo de governo mundial.
Como a inclusão do Sul, é um imperativo para essa estratégia, surgem
propostas de um “Plano Marshall Global” com esforços para estabilizar a população
mundial; desenvolver tecnologias ambientais comprometidas; modificar o jogo
econômico; firmar tratados coletivos e lançar uma campanha de informação para os
cidadãos do globo, convertendo a ecologia em peça central de uma política mundial
interna, que poderia encarregar-se da organização racional dos assuntos globais.
c) A perspectiva doméstica: nesta perspectiva o desenvolvimento
sustentável não se refere nem a excelência econômica nem a estabilidade da
biosfera, e sim aos meios de subsistência das comunidades locais. Considera a
principal causa da degradação ambiental o superdesenvolvimento e não uma
129

distribuição ineficiente dos recursos nem a proliferação da espécie humana. O


objetivo aqui são os fins e a estrutura do desenvolvimento, considerados como uma
força de descapacitação das comunidades do sul, e redutora do bem estar do norte,
e um elemento ambiental prejudicial em ambos os casos. Os esforços teóricos e
práticos são na busca de alternativas ao desenvolvimento econômico. Só nessa
perspectiva, a crise de justiça figura destacadamente no debate. Espera-se, em
termos internacionais que as sociedades conservadoras do norte estendam o
espaço, para que as sociedades do sul floresçam, enquanto os estilos de vida
nacionalmente sustentável para as classes médias urbanas, deixem mais controle
sobre os seus recursos para os camponeses e sociedades tribais.
Apesar das suas diferenças as populações autóctones no interior das
classes médias globais geralmente compartilham o destino de estarem ameaçadas
pelas demandas dos promotores urbanos industriais de seus recursos. Porque,
quando secam os aqüíferos, perdem-se os campos, desaparecem os animais,
reduzem-se os bosques e decrescem as colheitas, solapa-se a verdadeira base de
sustento da população rural que se vê obrigada a orientar-se ao mercado, para o
que, carece de poder aquisitivo.
A miséria costuma ser o resultado freqüente da destruição ou cercamento
dos bens comuns. Ali, onde as comunidades fundam sua subsistência em fontes
renováveis de solo, água, fauna e flora, o crescimento econômico, a natureza e a
justiça ao mesmo tempo, o meio ambiente e o sustento vital da gente degradam-se
por igual. Nesse contexto, sustentabilidade só significa resistência ao
desenvolvimento. Para proteger os direitos da natureza e os da população declara-
se por limitar o desenvolvimento baseado na extração, defende-se um estado
federal com democracia local e reivindicam-se as economias moral dos povos.
Neste sentido, a busca dos meios de vida sustentáveis significa a busca de formas
descentralizadas de sociedade, não orientadas a acumulação. As ONGs menores,
os movimentos sociais e os intelectuais dissidentes formam a maior parte da base
social da perspectiva doméstica. O que vincula os esforços dos grupos do sul com
os grupos dos países ricos, é que ambos esperam que o norte deixe de utilizar a
natureza dos outros povos e reduza a quantidade de espaço ambiental global que
ocupa na atualidade. Faz-se, nessa perspectiva também um apelo para que o norte
reduza a carga ambiental que endossa aos outros países, e, para que pague sua
dívida ecológica acumulada pelo uso excessivo da biosfera durantes décadas e
130

séculos. Assim, o cenário para o ajuste ambiental não é o sul nem o globo, mais
exclusivamente o norte. Essa perspectiva considera o fato de que em algumas
sociedades industriais o aumento do PNB deixou de corresponder com o aumento
da qualidade de vida, podendo com isso argumentar que uma redução do volume
de produção não significa necessariamente redução do bem estar, pelo contrário,
poderia fazer os meios de vida florescerem ao aumentar a riqueza comum. Porém
esta transição civilizatória, implica novos modelos de prosperidade que não se
baseiem em última instância em crescimento permanente.
Nessa perspectiva, uma sociedade sustentável representaria uma
sociedade sem pressa, um encurtamento das distâncias que reforça as economias
regionais, a criação de serviços inteligentes que substituam os bens desejáveis e
um consumo seletivo que reduza o volume de mercadorias. Ainda assim, o grande
enigma dessa perspectiva continua sendo se o princípio da acumulação de capital
pode ser compatível com uma sociedade conservacionista. É induvidavel, que uma
política de autolimitação implica sempre em perda de poder, inclusive se,
persegue-se em nome de uma nova prosperidade.
As ambigüidades existentes no conceito de desenvolvimento sustentável,
se de um lado agrega os diferentes atores nas suas diversas perspectivas, do outro
lado permite os mais diversos tipos de críticas quanto as suas aplicabilidades
práticas, principalmente, quando se considera a superação da “crise de justiça”
inerente ao próprio conceito de desenvolvimento capitalista. As mesmas
dificuldades são percebidas quando se reduz ao campo prático da aplicabilidade do
conceito de sustentabilidade enquanto superação da crise da natureza no debate
econômico.
A bibliografia que tem discutido a sustentabilidade na sua aplicabilidade,
mostra que existem duas grandes correntes paradigmáticas, uma denominada de
“sustentabilidade fraca” e a outra de “sustentabilidade forte”(MARTINEZ
ALIER,2001; NAREDO;VALERO,1999; TURNER; PEARCE ; BATEMAN, 1993;
ROMEIRO,2003).
A posição identificada como “sustentabilidade fraca”, segundo Martinez
Alier(2001), tem as suas raízes na economia neoclássica e tem duas características
básicas: a complexidade de funções que tem o patrimônio natural tende a diluir-se
em um agregado que é o capital natural e se supõe enormes possibilidades de
substituir capital natural por capital fabricado. A segunda corrente, a
131

“sustentabilidade forte”, destaca as funções diversas e em muitos aspectos


insubstituíveis do patrimônio natural. Sendo que a partir dessa posição é que
geralmente se discute os indicadores físicos de sustentabilidade.
Para os partidários da sustentabilidade fraca, o esgotamento do capital
natural não representa nenhum problema para a possibilidade de um consumo
sustentável, e de um crescimento exponencial do consumo (identificado como
maior utilidade ou bem estar). Sempre que se suponha um grau suficientemente
elevado de substituição de capital natural por capital manufaturado, e sempre que
se confie que continuará havendo progresso técnico, o que é aceito pela maioria
dos economistas. O fundamental não seria conservar o capital natural e sim manter
um estoque de capital total que permitiria que não decaísse o consumo
(MARTINEZ-ALIER,2001). Sob esse ponto de vista, a substituição cria uma
tendência para um crescimento infinito no uso do capital manufaturado e enquanto
tende a zero ao uso do capital natural. Nessa perspectiva Turner, Pearce e
Bateman(1993), apresentam um indicador simples e único de medir a
sustentabilidade, que seria o de avaliar se a poupança de um país é maior que a
deterioração do capital total (capital manufaturado somado com o capital natural),
se essa relação for positiva, igual ou maior que zero, considera-se essa economia
sustentável.
As principais críticas de Martinez Alier(2001), a essa posição são: ao
considerar a substituição do capital natural por capital manufaturado, ela não leva
em conta que o papel da natureza é mais amplo que o mero aporte de inputs para
produzir bens e serviços, assim sendo, existe um capital natural crítico que é
insubstituível; ela apóia sutilmente a tese que a riqueza é boa para o meio ambiente
porque proporciona dinheiro para corrigir a deterioração ambiental, ou seja, os
pobres são demasiados pobres para ser verdes, ou dito de outra forma, a pobreza é
a maior inimiga do meio ambiente, mais que a riqueza, tese que não tem apoio nos
fatos, apesar das tentativas numéricas de Pearce19 e seus colegas. Essas críticas
são corroboradas nas impossibilidades práticas da produção econômica prescindir
de matérias e energia, e ao fato de que, os países ricos ao importarem matéria e
energia dos países pobres, estão exportando deterioração ambiental,
inegavelmente, um fato histórico.

19
PEARCE, D.; ATKINSON, G. Capital theory and the measurement of sustainable development, an
indicator of “weak” sustainability. In: Ecological Economics, n. 8, 1993.
132

Os partidários da sustentabilidade forte, representantes principalmente da


economia ecológica, vêem o sistema econômico como subsistema de um todo
maior que o contém, impondo uma restrição absoluta a sua expansão. Capital
construído e capital natural são essencialmente complementares. Nessa corrente,
segundo Romeiro(2003), o progresso cientÍfico e tecnológico é visto como
fundamental para aumentar a eficiência na utilização dos recursos
naturais(renováveis e não renováveis), porém discorda da outra posição, quanto a
capacidade de superação indefinida dos limites ambientais globais. Considera que a
longo prazo a sustentabilidade do sistema econômico não é possível sem a
estabilização dos níveis de consumo per-capita, de acordo com a capacidade de
carga do planeta, nesse sentido, caberia ao estado ou outra forma de organização
coletiva, decidir sobre o uso desses recursos para evitar perdas irreversíveis
potencialmente catastróficas. Quanto a mensuração da sustentabilidade, o capital
natural crÍtico seria avaliado pelo trabalho cientÍfico interdisciplinar, considerando
tanto os aspectos ecológicos(capacidade de carga), como também os
socioeconômicos (como, a definição de padrões mínimos de segurança). Nessa
posição analítica, a questão central é como fazer com que a economia funcione
considerando a existência desses limites.
Para medir a sustentabilidade, segundo Martinez Alier(2001), não se pode
apoiar em estimações caprichosa do desgaste do capital natural. Deve-se recorrer a
indicadores físicos, químicos e biológicos e levar em conta que não existe um único
indicador biofísico de sustentabilidade que possa englobar a todos. Martinez Alier
argumenta sobre as dificuldades de se estabelecer um único indicador físico do
impacto humano sobre o ambiente como no caso da capacidade de suporte da
ecologia, que define a população máxima de uma espécie que pode viver
sustentavelmente em um território sem deteriorar suas bases de recursos, pelas
seguintes razões: 1-A aptidão humana de estabelecer grandes diferenças no uso
exosomático de energia e materiais o que levaria a formular a pergunta: máxima
população com que consumo? Apresentando diferenças nessa quantidade,
considerando o consumo dos países ricos ou o consumo de subsistência; 2-As
tecnologias mudam a um ritmo maior que nas outras espécies, permitindo
constantes aumentos dessa capacidade de carga, conforme se verificou no trabalho
de Boserup, analisando as mudanças tecnológicas na agricultura; 3-Os territórios
ocupados por humanos não estão dados, são construídos social e politicamente e
133

portanto são abertos a migração em alguns lugares e fechados em outros. Além de


que, no comércio internacional ocorre de fato, uma apropriação da capacidade de
carga de outros territórios, o que se vê, nos debates sobre intercâmbio desigual,
pegada ecológica e o ecoespaço (MARTINEZ-ALIER, 2001).
Tratando sobre a busca de estabelecimento de indicadores de
sustentabilidade, Redclift (2002), discute as tentativas da Fundação para a Nova
Economia (FNE) e o Fundo Mundial para a Natureza, além de um importante
precedente dessa atividade, o trabalho empreendido pela OCDE para desenvolver
um conjunto de indicadores chaves de atuação ambiental, sendo que esses
indicadores chaves estão sendo utilizados em uma série de estudos em diferentes
países. Esses indicadores essencialmente tentam medir três coisas: as pressões
sobre o meio ambiente (como a emissão de contaminantes), a condição presente
do meio ambiente (como as concentrações de gases estufa na atmosfera) e as
respostas da sociedade a esses problemas (como os gastos com a redução da
contaminação do ar). Esses esforços que têm sido feito, embora, ainda seja rara a
sua utilização no planejamento da sustentabilidade, trazem as vantagens de que já
há dados disponíveis sobre muitos desses indicadores e existem um alto grau de
consenso sobre sua utilidade e limitações.
Também sobre a questão dos indicadores de sustentabilidade, Redclift
(2002), alerta para o fato de geralmente ignorar-se que a utilidade desses
indicadores está diretamente relacionado ao contexto político ao que se dirigem, ou
seja, o estabelecimento de objetivos nas políticas implica mudanças não só no que
se mede, ou em como se mede, e sim também em o que se busca conseguir.
Querendo dizer, que o uso de indicadores chaves não proporciona em si mesmo
uma base para inventar novas políticas, porém pode proporcionar uma base para
fazer escolhas políticas, o que é diferente, já que o estabelecimento de objetivos de
sustentabilidade é inevitavelmente um exercício político. Esse autor assegura que
no mundo real, quando se pressionam os governos para que considerem as
políticas ambientais, estes tendem a adotar versões modificadas das alternativas
radicais mais extremas existentes. Assim, essas políticas modificadas representam
as dimensões “fracas” das políticas de sustentabilidade frente às dimensões
“fortes”, pelas quais lutam os defensores do meio ambiente e os grupos ativistas. O
Quadro 3, mostra as diferenças e compara ambos enfoques do desenvolvimento
sustentável na percepção de Redclift.
134

Dimensões Conservador Radical


Proteção ambiental Fraca Forte
Futuro presente/futuro futuro/presente
Eqüidade não-igualitária Igualitária
Participação de cima para baixo de baixo para cima
Alcance estreito Amplo
Divisão Pragmática primeiros princípios
Quadro 3- Desenvolvimento Sustentável Conservador e Radical
Fonte: Redclift, (2002).

2.2.4 A crise ambiental e os novos movimentos sociais

A percepção da sociedade sobre a existência e/ou risco de uma crise


ambiental coloca na cena política, novos atores, que em diferentes formas
organizativas; com diferentes compreensões sobre a crise e suas formas de
superação; e, com diferentes tipos de intervenção conseguem colocar na agenda
pública local e global uma forte preocupação política com o meio ambiente do
planeta terra.
Enquanto, até a metade do século passado, as ações coletivas tinham um
caráter classista, com a bandeira de derrubar ou reformar o capitalismo, através de
organizações sindicais e partidos políticos classistas, tendo na greve e ocupação
das fábricas, suas principais formas de luta; os novos movimentos, de natureza
ambientalista, não se identificam, “a priori”, como classistas e sim representantes da
sociedade civil, adotando variados tipos de ação coletiva, que vão das formas de
ação direta: como ocupações, sabotagens, boicotes, empates, à formas de ação
indireta: como lobbies para aprovação de leis e normas ambientais, ocupação dos
espaços da participação política local e global, campanhas educativas de massa,
apoio e alianças com os diversos atores locais e globais em questões de interesse
comum, enfim, utilizando todo o potencial interativo e comunicativo disponível, no
que Castels(2002) chama da “sociedade em rede”.
O ambientalismo20 torna-se pouco a pouco um elemento fortemente
presente na paisagem social, econômica e política contemporânea. Segundo Leis e
D’Amato (1995), pode-se dizer, que se nos anos 50 emergiu o ambientalismo dos
cientistas, nos anos 60 o das ONGs e nos anos 70 o dos atores políticos estatais

20
Entendido como “todas as formas de comportamento coletivo que, tanto em seus discursos como
em sua prática, visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o homem e seu ambiente
natural, contrariando a lógica estrutural e institucional atualmente predominante”(Castels,2002,
p.143-144).
135

com o seu apogeu nos anos 80, nos anos 90, as empresas começam rapidamente
recuperar os anos perdidos, abandonando de forma gradual as atitudes negativas
em relação a questões ambientais. Sendo que, no contexto dessa expansão por
ondas sucessivas e convergentes, vamos encontrar nos anos 90 um ambientalismo
projetado sobre as realidade locais e globais, abrangendo os principais espaços da
sociedade civil, do Estado e do mercado, adotando um perfil complexo e
multidimensional, de grande iniciativa e capacidade de ação ética e comunicativa
que o habilita para se constituir num eixo civilizatório fundamental, na direção de
uma maior cooperação e solidariedade entre nações, povos, culturas, espécies e
indivíduos.
A literatura sobre ambientalismo e desenvolvimento sustentável tem
apresentado algumas tipologias desses movimentos. Essas tentativas de
estabelecer tipos, se de um lado, podem apresentar algum reducionismo, por outro
lado, como recurso didático, ajuda a compreender suas principais semelhanças e
diferenças. Vamos apresentar neste tópico três formas de tipificações encontradas
na bibliografia: uma primeira criada por Turner, Pearce e Bateman(1993) que é
complementada por Foladori(2001)21, privilegiando a dimensão econômica, uma de
natureza preferencialmente sociológica, elaborada por Castels(2002) e uma terceira
discutida por Martinez-Alier(2005). No seu conjunto, essas três formas ajudam a
compreender melhor esse novo fenômeno político que tem contribuído
consubstancialmente para mudanças comportamentais em todos os setores da
sociedade, no que tange a sua relação com a natureza, e no enfrentamento da crise
ambiental, tanto nos seus aspectos ecológicos como nos aspectos da justiça.
A tipificação desenvolvida por Turner, Pearce e Bateman (1993), com
referência particular nas suas dimensões econômicas, agrupa os movimentos
ambientalistas em dois grandes campos ideológicos ambientais, com duas
categorias em cada campo, organizadas segundo os aspectos éticos, tipo de
economia, estratégias de gestão e nível de sustentabilidade que são:
a) Tecnocentrismo: os partidários desse campo têm em comum uma
grande fé no poder da tecnologia para resolver os problemas humanos. Segundo
Foladori(2001), essa corrente de pensamento também é antropocêntrica, ou seja,
na medida em que aceita que o comportamento com o meio está determinado pelas

21
http://www.doctoradoendesarrollo.net/planta/tipologia.pdf
136

próprias necessidades e interesses humanos. Turner, Pearce e Bateman (1993)


agrupam neste campo duas categorias de movimentos ambientalistas:
.O Tecnocentrismo Cornucopiano: representam a posição extremada do
tecnocentrismo, não vêem constrangimentos ambientais sobre consumidores
individuais ou sobre o mercado, defendem a filosofia do livre mercado que
associada a fé no poder da tecnologia, garantem ao homem a capacidade de
superar qualquer problema de limites ambientais, através da substituição infinita de
recursos, portanto, são contrário a economia verde, consideram o crescimento
orientado para a exploração dos recursos, são porta-vozes da sustentabilidade
muito fraca.
.O Tecnocentrismo Moderado: nessa categoria encontram-se defensores
de uma posição tecnocêntrica menos extremada. Aceitam que o livre mercado tem
efeitos benéficos para o meio ambiente, mas somente se os indivíduos pensam e
agem verde. O consumidor verde, o investidor verde, o cidadão verde, são
poderosos agentes para uma economia verde. Acreditam no mercado verde,
dirigido por instrumentos de incentivo econômico como taxas de poluição, etc.;
defendem o crescimento econômico modificado, com ajustes verdes na medida do
Produto Nacional Bruto. Rejeitam a substituição infinita de recursos, ou seja, alguns
recursos ambientais conhecidos como “capital natural crítico” terão que ser
estritamente conservados, considerando as futuras gerações, enquanto outros
recursos naturais podem ser explorados, devido a sua possibilidade de substituição.
Portanto, o “capital constante” tem um importante papel no desenvolvimento
econômico sustentável, na visão dos partidários desta posição. O nível de
sustentabilidade dessa categoria e a denominada sustentabilidade fraca.
b) Ecocentrismo: segundo Foladori(2001), comungam desse campo
ideológico os que aceitam que a natureza deve impor critérios de comportamento a
parte social, ou seja, existe um critério de valor fora da sociedade humana que deve
determinar a própria organização humana, esse critério é ético e vem da natureza e
suas leis. Na tipologia de Turner, Pearce e Bateman(1993), duas categorias
compartilham desse campo:
.Os ecocentristas comunalistas: os partidários dessa categoria defendem
uma posição preservacionista dos recursos, em uma economia profundamente
verde, em estado estacionário, regulada por padrões macroambientais e
suplementada por instrumentos de incentivos econômicos. Defendem crescimento
137

econômico e populacional zero. São partidários dos interesses coletivos


sobrepondo-se ao individual, consideram em primeiro lugar o valor do ecossistema
e em segundo o valor dos componentes, funções e serviços. São expressões da
denominada sustentabilidade forte.
.Os ecocentristas da “ecologia profunda”: são considerados nessa
categoria, os partidários do extremo ecocentrismo, defensores de uma economia
muito profundamente verde, ou seja, o sistema econômico deve ser transformado o
mais rapidamente possível para sistemas que usem menos recursos com mínimo
impacto ambiental sobre fontes e sumidouros. Isso só será possível, pela redução
absoluta do nível da atividade econômica, mudanças negativas na produção
econômica e nível de população reduzido. São considerados por Turner, Pearce e
Bateman(1993), como defensores da sustentabilidade muito forte.
Essa tipologia é aperfeiçoada por Foladori(2001), partindo de princípios
éticos como ecocêntricos e antropocêntricos, incorporando assim, uma nova
categoria, de influência marxista, que esse autor apesar de considerá-la sob o ponto
de vista ético como antropocêntrica, sem contudo inscrevê-la no campo
tecnocentrista. A categoria marxista, na visão de Foladori, vê a crise ambiental
como resultado das relações capitalistas de produção, e a sua proposta para
sustentabilidade, passa pelas mudanças nessas relações, com o controle dos meios
de produção nas mãos dos trabalhadores.
Quanto a categoria “ecocêntrica comunalista” de Turner, Pearce e
Bateman(1993), em seu lugar, Foladori(2001) apresenta uma categoria
denominada de “Verdes” que são consideradas sob duas vertentes: a corrente
principal (mainstream), representada pelos partidos verdes da Inglaterra e
Alemanha, a revista The Ecologist e pelos movimentos ecologistas Greenpace e os
“Amigos da Terra”, e os neo-malthusianos, considerado como uma vertente
particular do pensamento ecocentrista, que considera como causa da crise
ambiental o aumento incontrolado da população mundial, representada por
Erlich(1971) e Hardin(1968), propondo políticas conservadoras dirigidas ao controle
de natalidade e expansão da propriedade privada.
O Quadro 4, elaborado por Foladori(2001), permite aprofundar a tipologia
de Turner, Pearce e Bateman(1993), com as ressalvas do autor, de que esse
quadro recupera só os principais elementos de cada célula, já que várias correntes
compartilham dessas características, e que dada a grande quantidade de
138

bibliografia, o autor optou por incluir as mais antigas com destaque, exceto para o
“ambientalismo moderado” que o autor preferiu um manual muito utilizado.

Ética Tipo Autores Causas da crise Alternativas para


ambiental sustentabilidade
Ecologia Naess, N. 1973 “The Ética Igualitarismo
profunda shallow and the antropocentrica e biosférico Freiar
Ecocentirista

deep, long-range desenvolvimento o crescimento


ecology industrial material e
movement”Inquiry. populacional
Vol.16 Tecnologias de
pequena escala

Verdes 1-Neomalthusianos: Crescimento Frear o


Ehrlich, P. Holdren, populacional e crescimento
J., 1971 “Impact of produção ilimitada populacional
population growth” e orientada a bens Contra artigos
Ecocentrista

Science, vol. 171. supérfluos suntuosos


Uso de recursos Tecnologias
2-“mainstream”: não renováveis limpas, controle
Porrit, J. 1986 estatal
“Seeing Green. Orientação
Blackwell. Oxford. energética para
recursos
renováveis

Ambientalismo Pearce, D. y Turner, Políticas erradas, Políticas


Antropocentrista
Tecnocentrista

moderado R., 1995 “Economia desconhecimento, econômicas e


de los recursos falta de instrumentos
naturales y del medio participação para corrigir o
ambiente. Celeste estatal mercado
Ediciones. Madrid. Tecnologias
limpas ou verdes

Cornucopianos Simon, Julian; Kahn, Não há crise Mercado livre,


Antropocentrista

Herman(ed.), 1984 ambiental sem participação


Tecnocentrista

“The Resourceful estatal


Earth. A Reponse to Não há
Global 2000. Basil restrições a
Blackwell. New York. tecnologias “o
mercado se
encarrega”
Marxistas Enzenberg, Hans M., Da crise Mudanças das
1974 “A Critique of contemporanea: relações
Political Ecology”. as relações capitalistas de
Antropocentrista

New Left Review No. sociais capitalistas produção.


84. (existem causas Meios de
genéricas a produção
sociedade controlados
humana) pelos
trabalhadores.
Quadro 4-Tipologia do Pensamento Ambientalista
Fonte: Foladori(2001).
139

O sociólogo Manuel Castels discute os movimentos ambientalistas


utilizando a tipologia resumida no Quadro 5. A metodologia de classificação
utilizada por Castels(2002) é baseada em categorias nos marcos da tipologia
clássica de Alain Touraine, que define movimento social de acordo com três
princípios:
a) A identidade do movimento: refere-se a autodefinição do movimento,
sobre o que ele é e em nome de quem se pronuncia;
b) O adversário do movimento: refere-se ao principal inimigo do movimento,
conforme expressamente declarado pelo movimento;
c) A visão ou modelo social do movimento: denominado também por
Castels de meta societal, refere-se à visão do movimento sobre o tipo de ordem ou
organização societal que almeja no horizonte histórico da ação coletiva que
promove.

Tipo (exemplo) Identidade Adversário Objetivo


Preservação da Amantes da Desenvolvimento Natureza original
natureza (Grupo natureza não controlado
dos Dez, EEUU)
Defesa do próprio Comunidade local Agentes poluidores Qualidade de vida e
espaço (Não no saúde
meu quintal)
Contracultura, O ser “verde” Industrialismo, Ecotopia
ecologia tecnocracia,
profunda(Earth patriarcado
First !,
ecofeminismo)
Salvar o planeta Internacionalistas na Desenvolvimento Sustentabilidade
(Greenpeace) luta pela causa global desenfreado
ecológica
Política verde (Die Cidadãos Estabelecimento Oposição ao poder
Grünen) preocupados com a político
proteção do meio
ambiente.
Quadro 5- Tipologia dos movimentos ecologistas
Fonte: Castells(2002).

Para Castels(2002), o movimento ambientalista multifacetado que surge ao


final dos anos 60 na maior parte do mundo, principalmente nos Estados Unidos e no
norte da Europa, encontra-se em grande medida, no cerne de uma reversão
drástica das formas pelas quais pensamos na relação economia, sociedade e
natureza, propiciando dessa forma o desenvolvimento de uma nova cultura. Na
opinião desse sociólogo, parece arbitrário falar sobre o movimento ambientalista,
140

tendo em vista a diversidade de sua composição e forma de manifestação em cada


país e cultura. Na sua tipologia, Castells (2002) apresenta exemplos para cada
grupo de ambientalismo, de forma a tornar a sua discussão mais palpável, conforme
tentamos resumi-la:
a) Movimentos de Preservação da natureza: o ponto comum entre as
diversas organizações enquadradas nesse grupo é a defesa pragmática das causas
voltadas à preservação da natureza mediante o sistema institucional. A preservação
da natureza sob as suas mais diversas formas remonta desde a origem do
movimento ambientalista nos Estados Unidos, marcando presença por
organizações como o Sierra Club, que foi fundado em 1891, em San Francisco por
John Muir; a Andubon Society (Sociedade Andubon); ou ainda, a Wilderness
Society (Sociedade dos Amigos da Vida Selvagem). No início dos anos 80, as
principais organizações ambientalistas novas e tradicionais formaram uma aliança
conhecida como o “Grupo dos Dez” que incluía além das três acima, a National
Parks and Conservation Association (Associação para a Preservação do Meio
Ambiente e dos Parques Nacionais), a National Wildlife Federation (Fundação
Nacional dos Defesores da Vida Selvagem), o Natural Resource Defense (Conselho
de Defesa dos Recursos Naturais), a Izaak Walton League (Associação Izaak
Walton), os Defenders of Wildilife (Defensores da Vida Selvagem), o Enviromental
Defense Found (Fundo de Defesa Ambiental) e o Enviromental Policy Institute
(Instituto de Política Ambiental).
O objetivo desses movimentos é a preservação da vida selvagem sob suas
mais diversas formas, dentro de parâmetros razoáveis sobre o que pode ser
conquistado no atual sistema econômico e institucional. Seus adversários são: o
desenvolvimento não controlado e os órgãos ambientais ineficientes, que não têm
tomado as devidas providências para proteger a natureza. Autodefinem-se
“amantes da natureza”, apelando para esse sentimento presente em cada um de
nós, independentemente de quaisquer diferenças sociais. Atuam em nome das
instituições e por meio delas, formando lobbies, normalmente com muita habilidade
e força política. Contam grande apoio popular, bem como, com doações das elites
abastadas e bem intencionadas, e das corporações.
b) Mobilização das comunidades locais em defesa do seu espaço:
constituem a forma de ação ambiental que mais rapidamente vem se
desenvolvendo nos últimos tempos, e, talvez sejam capazes de estabelecer a
141

relação mais direta entre as preocupações imediatas das pessoas à questão mais
ampla da degradação ambiental. Rotulada freqüentemente com certa malícia como
movimento “Não no meu quintal”, organização criada nos Estados unidos em 1978,
em princípio sob a forma de um movimento contra substâncias tóxicas, quando do
acidente de Love Canal, em que toneladas de lixo industrial tóxico foram
despejadas nas Cataratas do Niágara, no estado de Nova York, Lois Gibbs, a
proprietária que ganhou notoriedade em decorrência da luta pela saúde de seu filho,
e contra a desvalorização da sua casa por causa da contaminação na área, acabou
fundando em 1981, a Citizen’s Clearinghouse for Hazard Waste, uma organização
de combate ao lixo tóxico.
Esse tipo de organização proliferou rapidamente nos Estados Unidos
passando de 600 grupos locais contra o despejo de lixo tóxico, em 1984, para 4687
em 1988. Ao longo dos anos, a bandeira de luta desses grupos tem se ampliando
para oposição ao grau excessivo de desenvolvimento, a construção de auto-
estradas e contra instalações que processam e manipulam substâncias tóxicas nas
proximidades de suas residências. Em síntese, esses movimentos questionam a
tendência de escolha de áreas habitadas por minorias e populações de baixa renda
para o despejo de resíduos e a práticas ambientais indesejáveis, e também a falta
de transparência e de participação no processo decisório sobre a utilização do
espaço, cobrando participação local e justiça ambiental. Apesar de representar um
caráter localista, usam todas as formas de protesto, independente de seu conteúdo
de classe, voltam-se ao estabelecimento de controle sobre o meio ambiente em prol
da comunidade local. Para Castells(2002), isso torna essas mobilizações defensivas
locais em um dos principais componentes do movimento ambientalista em um
contexto mais amplo.
c)Movimentos da Contracultura e Ecologia Profunda: alguns
movimentos das contraculturas (tentativa deliberada de viver segundo normas
diversas e, até certo ponto, contraditórias em relação ao institucionalmente
reconhecidas pela sociedade, e de se opor a essas instituições com base em
princípios e crenças alternativos) dos anos 60 e 70, também tiveram no
ambientalismo sua fonte de inspiração, manifestando-se por meio de obediência
única e exclusiva às leis da natureza, afirmando assim a prioridade ao respeito a
natureza acima de qualquer instituição criada pelo homem. Castells(2002)
considera apropriado incorporar na noção de “ambientalismo contracultural”
142

expressões tão distintas quanto as dos ambientalistas radicais (o Earth First ! ou o


Sea Shepherds), o movimento de libertação dos animais e o ecofeminismo. Esses
movimentos apesar de sua diversidade e falta de orientação, na sua maioria
compartilham das idéias dos pensadores da “ecologia profunda” representada pelo
escritor norueguês Arne Naess. Os oitos princípios da “ecologia profunda”, citado
por Castells são:

(1)O bem-estar e o desenvolvimento da vida humana e não-humana na


Terra têm valor em si mesmos. Estes valores independem da
utilidade do mundo não-humano para servir aos propósitos do homem.
(2) A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para a
percepção desses valores e também constituem valores em si mesmos.
(3) Os seres humanos não têm direito de reduzir essa riqueza e
diversidade, salvo se o fizerem para satisfazer suas necessidades
vitais. (4) O desenvolvimento da vida e cultura humanas é compatível
com uma redução substancial da população-humana. O desenvolvi-
mento da vida humana necessita dessa redução. (5) Atualmente o
grau de interferência humana no mundo não-humano é excessivo, e
essa situação vem se agravando rapidamente. (6) Por essa razão as
políticas devem ser modificadas. Tais políticas produzirão efeito nas
estruturas econômicas, tecnológicas e ideológicas básicas. As
condições resultantes desse processo serão profundamente
diferentes das presentes nos dias de hoje. (7) A principal mudança
ideológica consiste na valorização da qualidade de vida (moradia em
condições de valor inerente) em vez da crença em um padrão de vida
cada vez mais elevado. Haverá uma profunda conscientização da
diferença entre grande e excelente. (8) Todos aqueles que aderirem
aos pontos acima mencionados estarão comprometidos a tentar, direta
ou indiretamente, implementar as mudanças necessárias(CASTELLS,
2002, p.148).

Com base nesses princípios, diversos ecologistas radicais liderados por


David Foreman, um ex-fuzileiro naval americano fundaram nos fins da década de
70, nos estados do Novo México e Arizona a organização Earth First!, um
movimento extremista, partidário da insubordinação civil e até mesmo de
“ecosabotagem” (sabotagem ecológica) contra a construção de barragens, extração
de madeira e outras formas de agressão a natureza, que levou a processos e
prisões de membros do movimento. Esse movimento, juntamente com uma série de
outras organizações similares, era completamente descentralizado, formado por
“tribos” independentes que costumavam a reunir-se periodicamente de acordo com
os rituais e calendários dos índios norte-americanos e tomar as suas próprias
decisões sobre como agir em defesa dos valores ecológicos. Nos anos 90, o
movimento de libertação dos animais, opositora de experiências que utilizam
animais como cobaia, parece ser, segundo Castells a ala mais militante do
143

fundamentalismo ecológico. Os movimentos ecofeministas também defendem os


princípios da ecologia profunda, defendendo o respeito absoluto pela natureza
como fundamento da libertação tanto do patriarcalismo como o industrialismo,
vendo as mulheres como vítimas da mesma violência patriarcal infligida a natureza.
Sobre este tipo, conclui Castels:

Assim, por diversas formas, de tática de ecoguerrilha até o


espiritualismo, passando pela ecologia profunda e o ecofeminismo,
os ecologistas radicais estabelecem um elo de ligação entre ação
ambiental e revolução cultural, ampliando ainda mais o escopo de
um movimento ambientalista abrangente e visando a construção da
ecotopia.(CASTELLS, 2002, p.149).

d) Movimentos para Salvar o Planeta: o Greenpeace como maior


organização ambiental do mundo (com 6 milhões de sócios em 1994), na visão de
Castells(2002), talvez seja a principal responsável pela popularização de questões
ambientais globais, por meio de ações diretas, sem uso de violência e orientada à
mídia. Criada em 1971 em Vancouver, em meio a uma manifestação antinuclear na
costa do Alaska, transformou-se em uma organização transnacional
internacionalista altamente articulada, funcionando como uma organização
altamente centralizada e uma rede mundialmente descentralizada, controlada por
um conselho de representantes do país, um pequeno conselho executivo, e
responsáveis regionais para a América do Norte, América Latina, Europa e Região
do Pacífico. Os seus recursos são organizados sob forma de campanhas,
subdivididas por tipo de questão ambiental abordada. Tem escritórios em 30 países
que são encarregados da coordenação de campanhas globais, angariando fundos e
apoios em nível local/nacional. Considerando que os principais problemas
ambientais são mundiais, a maioria das suas ações visa causar um impacto global,
através de ações espetaculares com o objetivo de atrair a atenção da mídia,
levando ao conhecimento do grande público uma determinada questão, forçando
empresas, governos, e instituições internacionais a tomarem medidas cabíveis ou
enfrentarem futuras publicidades negativas.
O perfil do Greenpeace difere dos demais movimentos em três aspectos:
1-Uma noção de premência em relação ao iminente desaparecimento da
vida no planeta, inspirada por uma lenda dos índios norte-americanos: “Quando a
terra cair doente e os animais tiverem desaparecidos, surgirá uma tribo de pessoas
de todos os credos, raças e culturas que acreditará em ações e não em palavras e
144

devolverá a terra sua beleza perdida. A tribo será chamada de Guerreiros do arco-
íris”;
2-Uma atitude inspirada nos Quakers, de serem testemunhas dos fatos,
tanto como princípio para a ação quanto como estratégia de comunicação;
3-Uma atitude pragmática, do tipo empresarial, influenciada pelo líder
histórico e presidente do conselho adminstrativo do Greenpeace, David McTaggart
“de fazer as coisas acontecerem”,não há tempo para discussões filosóficas.
Para Castells (2002), o adversário declarado do Greenpeace é o modelo
de desenvolvimento caracterizado pela falta de interesse pelos efeitos sobre a vida
no planeta. Assim, o movimento mobiliza-se em torno do princípio da
sustentabilidade ambiental como preceito fundamental ao qual devem estar
subordinadas todas as demais políticas e atividades. São internacionalistas e
consideram, o estado-nação como o maior obstáculo ao controle do
desenvolvimento atualmente desenfreado e destrutivo.
e) Movimentos da Política Verde: embora a “política verde” não pareça
ser um tipo de movimento, e sim uma estratégia específica, isto é, o ingresso no
universo da política em prol do ambientalismo, para Castells(2002), um exame
detalhado do exemplo de maior destaque nesse tipo de política o Die Grünen,
demonstra com clareza que, originalmente “os verdes” não se enquadravam nos
modelos da política tradicional. O Partido Verde alemão fundado em 1980 com base
em uma coalizão de movimentos populares, a rigor não é um movimento
ambientalista, embora tenha sido mais eficaz na propagação da causa ambientalista
na Alemanha de que qualquer outro movimento europeu em seu próprio país de
origem. A força motriz da formação do partido foram as chamadas Iniciativas dos
cidadãos do final dos anos 70, organizados principalmente em torno de
mobilizações pela paz e contra o uso de armas nucleares, unindo veteranos dos
movimentos dos anos 60 e feministas espelhando-se na revolução sexual
promovida pelos revolucionários dos anos 60, a juventude e a classe média de
formação superior preocupada com a questão da paz, da energia nuclear e do meio
ambiente ( a destruição das florestas, waldsterben), as condições atuais do planeta,
a liberdade individual e a democracia de base popular.
A criação e ascensão dos verdes foi rápida, ingressando no Parlamento
Nacional em 1983, em uma conjuntura favorável, devido a inexistência de formas de
expressão política que dessem voz ativa aos processos sociais na Alemanha, além
145

dos três principais partidos que se alternavam no poder, havendo um potencial “voto
insatisfeito” principalmente entre os jovens, aguardando o momento de se
manifestar; havia um desgaste na reputação dos partidos políticos devido a
escândalos financeiros e dependência desses a contribuição da indústria. Um outro
fator que ajudou a juntar os verdes sob uma única bandeira era a legislação eleitoral
que exigia no mínimo 5% dos votos nacionais para o ingresso no Parlamento. O
programa partidário tratava de temas como ecologia, paz, defesa das liberdades,
proteção às minorias e aos imigrantes, feminismo e democracia participativa. Dois
terços dos líderes do Partido Verde eram membros ativos dos diversos movimentos
sociais da década de 80. O Die Grünen apresentava-se como um “partido
antipartido” voltado a política como uma nova concepção de poder, um
“contrapoder” que seria “natural e comum a todos, compartilhado por todos, e usado
para o bem de todos”. Os verdes faziam uma espécie de rodízio entre seus
representantes eleitos, tomando a maioria das decisões em assembléias, seguindo
as tradições anarquistas inspiradoras do partido.
Para Castells (2002), as provas de fogo impostas pela política na sua forma
real puseram abaixo essas experiências dos verdes após alguns anos,
principalmente, após o fiasco nas urnas em 1990. Os conflitos latentes entre os
realos(líderes pragmáticos que tentavam difundir as idéias de partido por meio de
instituições) e os fundis (fiéis aos princípios básicos da democracia popular e da
ecologia) eclodiram em 1991, resultando em uma aliança entre centrista e
pragmáticos que assumiu o controle do partido, restruturando-lhe sob uma nova
orientação, o que lhe permitiu retornar ao parlamento, ocupando importantes
postos nos governos regionais e locais, por vezes governando em alianças com os
sociais democratas. Para Castells, a partir de então o Partido Verde não era mais o
mesmo partido, havia de fato se transformado efetivamente em um partido político.
Além de que, o partido perde o monopólio de defensor da causa ambiental, pois os
outros partidos passam a ser mais receptivos às novas idéias apresentadas pelos
movimentos sociais. Apesar de tudo, mediante a política verde, o Die Günen
consolidou-se como a esquerda coerente na Alemanha do final do século, e assim,
a geração rebelde dos anos 70 conseguiu preservar a maioria dos seus valores,
transmitindo aos filhos pelas maneiras de viverem as próprias vidas, ajudando a
construir uma Alemanha bastante diferente tanto do ponto de vista cultural quanto
político.
146

Uma outra forma de caracterizar o ambientalismo é a partir da tipologia


desenhada por Martinez-Alier (2005), que organiza os movimentos ambientalistas
em três grupos, enfatizando as suas relações com as diferentes ciências
ambientais, considerando também o relacionamento dessas correntes com o
feminismo, o poder do estado ou a religião, os interesses empresariais ou com
outros movimentos sociais. Esses grupos são denominados e discutidos pelo autor
como:
a) O culto da vida silvestre: a primeira corrente de defesa da natureza
imaculada, o amor aos bosques primários e aos rios primitivos, “o culto ao silvestre”
foi representado há mais de cem anos por John Muir e o Sierra Club dos Estados
Unidos. Porém há uns cinqüenta anos atrás, “A Ética da Terra” do engenheiro
florestal Aldo Leopoldo chamou a atenção não só para a beleza do meio ambiente,
mas também para a ciência da ecologia, que este utilizou junto com a biogeografia
e com sua aguda observação da vida silvestre para mostrar que os bosques tinham
várias funções: o uso econômico e a preservação da natureza, ou dito de outra
forma, a produção de madeira e da vida silvestre.
Para Martinez-Alier(2005), essa corrente não ataca o crescimento
econômico como tal, admite a derrota na maioria do mundo industrializado, porém
põe em jogo uma ação de retaguarda, para preservar e manter o que resta dos
espaços naturais primitivos fora do mercado ou dos países industrializados. Suas
propostas surgem do amor às belas paisagens e aos valores profundos, e não de
interesses materiais, sua retórica apela a valores utilitaristas, porém, claramente
prioriza a preservação ao uso mercantil. A sua base científica é sustentada na
biologia da conservação que se desenvolveu a partir de 1960. Suas principais
vitórias foram a Convenção da Biodiversidade em 1992 e a lei das espécies em
perigo de extinção nos Estados Unidos, sendo que a sua grande preocupação é
com a perda da biodiversidade nos países como Brasil, México, Colômbia,
Madagascar, Nova Guiné, Índias, Filipinas, enfim aonde ainda existem grandes
espaços naturais primitivos.
Se não existirem razões científicas para a preservação, existem motivos
estéticos e até utilitaristas (espécies comestíveis e medicina do futuro). Apelam aos
direitos de sobrevivência das espécies e às vezes utilizam à religião, como o
exemplo bíblico da arca de Noé como forma de preservação “ex-situ” e São
Francisco de Assis como santo dos pobres e alguns animais, além da apelação ao
147

valor sagrado da natureza nas crenças dos povos indígenas que sobreviveram a
conquista européia.
Os biólogos e filósofos ambientais são atuantes nessa corrente, irradiando
as suas doutrinas desde as capitais do Norte como Washington, Genebra, para
África, Ásia e América Latina através de estruturas bem organizadas como a
International Union for The Conservation of Nature (IUCN), a Worldwide Fundo for
Nature (WWF) e Nature Conservancy. A organização Amigos da Terra nasceu em
1969, quando o diretor do Sierra Clube, David Brower aborreceu-se pela falta de
oposição do Sierra Club a energia nuclear, sendo hoje uma confederação de
diversos grupos de diferentes países, sendo que alguns se orientam a vida silvestre,
outros se preocupam com a ecologia industrial e outros com os conflitos ambientais
e os direitos humanos provocados pelas empresas transnacionais no terceiro
mundo. Os Amigos da Terra da Holanda obteve um forte reconhecimento no início
dos anos noventa, devido aos seus cálculos sobre o “espaço ambiental”
demonstrando que esse país estava utilizando recursos ambientais e serviços muito
além de seu próprio território e incorporando o conceito da “dívida ecológica” nos
programas e campanhas internacionais dos Amigos da Terra.
b) O evangelho da ecoeficiência : esta corrente preocupa-se com os
efeitos do crescimento econômico não só nas áreas primitivas, mas também na
economia industrial, agrícola e urbana, centrando a sua atenção aos impactos
ambientais e aos riscos para a saúde das atividades industriais, a urbanização e a
agricultura moderna, enfim preocupando-se com a economia na sua totalidade.
Muitas vezes defende o crescimento econômico, ainda que não a qualquer custo.
Acredita no “desenvolvimento sustentável” , na “modernização ecológica” e no “bom
uso” dos recursos. As suas preocupações são com os impactos da produção de
bens e o manejo sustentável dos recursos naturais, e nem tanto pela perda do
atrativo da natureza e seus valores intrínsecos. Seus discursos utilizam a palavra
natureza como recursos naturais, capital natural ou serviços ambientais. A perda de
espécies “bioindica” algum problema, não no sentido do direito indiscutível de viver.
É hoje um movimento de engenheiros e economistas, uma religião da utilidade e da
eficiência técnica sem uma noção de sagrado, seu templo mais importante na
Europa tem sido o Instituto Wuppertal, localizado no meio de uma feia paisagem
industrial.
Para Martinez-Alier(2005), a denominação utilizada de “evangelho da
148

ecoeficiencia” é uma homenagem a descrição de Samuel Hays do “Movimento


Progressista pela Conservação”, nos Estados Unidos, entre os anos de 1890 à
1920 como o “evangelho da eficiência”. No passado, faz um século, o personagem
mais conhecido desse movimento nos Estados Unidos foi Gifford Pinchot, formado
nos métodos europeus de manejo científico florestal. Esta corrente, tem, também,
fortes raízes fora do florestal, nos muitos estudos realizados na Europa na metade
do século XIX sobre o uso eficiente da energia e sobre a química agrícola (ciclo de
nutrientes), e nos numerosos debates do século XIX entre engenheiros e
especialistas em saúde pública em torno da contaminação industrial e urbana. Hoje,
nos Estados Unidos e mais ainda na Europa, onde resta pouca natureza primitiva, o
credo da ecoeficiência domina os debates ambientais tanto sociais quanto políticos.
Os conceitos chaves são as “Curvas Ambientais de Kuznets” (o aumento da renda
leva em primeiro lugar a um aumento da contaminação, porém ao final conduz a
sua redução), o “desenvolvimento sustentável” como crescimento econômico
sustentável, a busca de soluções ganhos econômicos e ganhos ecológicos (win-
win) e a “modernização ecológica”, que descansa sobre duas pernas: uma
econômica (ecoimpostos e mercado de permissão de emissões) e uma tecnológica
(apoio a mudanças que levem a economizar energia e materiais).
Cientificamente, essa corrente, sustenta-se na economia ambiental (atingir
preços corretos através da internalização das externalidades) e, em nova disciplina,
a ecologia industrial, que estuda o metabolismo industrial, que se desenvolveu na
Europa e Estado Unidos (precisamente na Escola Florestal e de Estudos
Ambientais da Universidade de Yale, fundada sob o auspício de Gifford Pinchot, e
edita o Journal of Industrial Ecology). Dessa forma, a ecologia se converte em uma
ciência gerencial para limpar ou remediar a degradação causada pela
industrialização. Os engenheiros químicos são particularmente ativos nessa
corrente e os biotecnologos tentaram entrar nela com as suas promessas de
sementes desenhadas para prescindir de pesticidas e melhor síntese de nitrogênio
da atmosfera. Efetivamente, a ecoeficiência tem sido descrita como “o vínculo
empresarial como o desenvolvimento sustentável”.
c) O ecologismo dos pobres: também denominada de ecologismo
popular, movimento da justiça ambiental, ecologismo da livelihood, do sustento e
sobrevivência humana e até de ecologia da libertação. Esta corrente assinala que,
desgraçadamente, o crescimento econômico implica maiores impactos no meio
149

ambiente e chama a atenção ao deslocamento geográfico de fontes de recursos e


sumidouros de resíduos, onde os países industrializados dependem das
importações provenientes do Sul para uma parte crescente de suas demandas cada
vez maiores de matérias primas ou de bens de consumo. O resultado disso em
nível global, é que a fronteira do petróleo e gás, a fronteira do alumínio, a fronteira
do cobre, as fronteiras do eucalipto e das palmas de azeite, a fronteira do ouro, a
fronteira do camarão, a fronteira da soja transgênica, etc., avançam para novos
territórios. Isto cria impactos que não são resolvidos pelas políticas econômicas ou
mudanças tecnológicas, atingindo desproporcionalmente alguns grupos sociais que
muitas vezes protestam e resistem (embora não sejam chamados de ecologistas).
Alguns desses grupos apelam para os direitos territoriais indígenas e também a
sacralidade da natureza para defender e assegurar o seu sustento. O eixo principal
dessa terceira corrente não é uma reverência sagrada a natureza e sim um
interesse material pelo meio ambiente como fonte para o sustento, não tanto uma
preocupação com os direitos das demais espécies e as gerações futuras humanas,
e sim pelos humanos pobres de hoje. Não contam com os mesmos fundamentos
éticos nem estéticos do culto ao silvestre, sua ética nasce de uma demanda de
justiça social contemporânea entre os humanos.
Esta terceira corrente assinala que muitas vezes os grupos indígenas e
camponeses têm coevoluido sustentavelmente com a natureza e têm assegurado a
conservação da biodiversidade, seus grupos têm mostrado um crescente orgulho
agroecológico por seus complexos sistemas agrícolas e variedades de sementes, o
que tem sido corroborado pela Honey Bee Network na Índia. Os debates da FAO
sobre os chamados “direitos dos agricultores” tem esta tendência como defesa dos
agricultores hoje organizados na Via Campesina que é apoiada por ONGs globais
como o ETCgroup(antigo RAFI) e GRAIN(Genetic Resources Action International).
Um dos focos de conflito, é que, enquanto as empresas químicas e de sementes
exigem pagamento por suas sementes melhoradas e seus praguicidas,
demandando os seus direitos intelectuais de propriedade através de acordos
comerciais, o conhecimento tradicional sobre sementes, praguicidas e ervas
medicinais tem sido explorado de graça e sem reconhecimento (biopirataria).
Nessa corrente, Martinez-Allier(2005), considera o movimento nos Estados
Unidos por Justiça Ambiental que é organizado contra casos locais de “racismo
ambiental”, tendo forte vínculos com os movimentos cíveis de Martin Luther King
150

dos anos sessenta. Esse autor também considera que mais que o culto a vida
silvestre, o movimento pela justiça ambiental é um produto da mentalidade norte
americana obcecada pelo racismo e anti-racismo. Muitos projetos sociais nos
centros das cidades e áreas industriais em várias partes do país têm chamado a
atenção sobre a contaminação do ar, a pintura com chumbo, as estações de
tratamento de lixo municipais, os dejetos tóxicos e outros perigos ambientais que se
concentram bairros pobres e de minorias raciais. Até recentemente, a Justiça
Ambiental como movimento organizado tem se limitado ao seu país de origem,
enquanto o ecologismo dos pobres são nomes aplicados aos movimentos do
Terceiro Mundo que lutam contra os impactos ambientais que ameaçam aos pobres
como: movimentos de camponeses cujas terras têm sido destruídas por minas e
pedreiras, movimentos de pescadores artesanais contra a pesca industrial que
destrói seu sustento esgotando seus recursos, movimentos contra minas ou
fábricas por comunidades afetadas pela contaminação do ar ou que vivem rio
abaixo.
Sob o ponto de vista científico, essa corrente recebe o apoio da
Agroecologia, da Etnoecologia, e de alguma forma da Ecologia Urbana e da
Economia Ecológica e, também tem o apoio de alguns sociólogos ambientais. A
justiça ambiental tem dado exemplos de ciência participativa, sob o nome de
“epidemiologia popular”. No Terceiro Mundo tem-se utilizado a combinação da
ciência formal e informal, a idéia da “ciência com a gente” ante a “ciência sem a
gente” ou inclusive “a ciência para a gente”, caracteriza a defesa da agroecologia
tradicional dos grupos campesinos e indígenas, dos quais, há muito o que aprender
em um verdadeiro diálogo de saberes. Essa corrente tem crescido em nível
mundial pelos inevitáveis conflitos ecológicos distributivos.
A análise dessas tipologias mostra o nível da complexidade existente no
fenômeno ambientalismo, que inegavelmente, na sua forma singular, é um corpo
presente no cotidiano das lutas políticas da sociedade contemporânea, em qualquer
parte do globo, adquirindo nas suas manifestações locais a sua expressão plural,
nas diferentes estratégias de atuação que parecem às vezes contraditórias com os
seus objetivos originais. Isto representa a sua capacidade de adaptação para a
transformação da realidade, deslocando-se entre um eixo de “mais justiça” a “mais
natureza”, esverdeando cada vez mais os velhos movimentos sociais e
humanizando cada vez mais o ambientalismo original do século XIX, dos setores
151

letrados e desiludidos pela industrialização, atingindo hoje, praticamente todo o


corpo social.
O principal fator que permitiu que o movimento ambientalista alcançasse o
seu grande sucesso na cena política atual foi e é para Castells (2002), a sua
capacidade de adaptação as condições de comunicação e mobilização
apresentadas pelo novo paradigma tecnológico: a utilização competente da mídia, o
uso das novas tecnologias informacionais e de comunicação como ferramenta de
organização e mobilização, principalmente a Internet. Sem desconsiderarmos a
capacidade desses movimentos em desenvolver ações pragmáticas na pressão aos
governos e empresas e na construção de lobbies e alianças políticas capazes de
influenciar nos desenhos das novas regras institucionais em escala local e global.

2.2.5 A crise ambiental na agricultura e a Agroecologia

Desde o debate teórico clássico entre Malthus e Ricardo, a agricultura


passa a ser uma preocupação humana, considerando-se principalmente o
rendimento decrescente dos solos o que acarretaria dificuldades para a produção
de alimento acompanhar o nível de crescimento populacional, podendo levar a
economia a um estado estacionário. Essa preocupação encaminha um processo de
aproximação entre a ciência moderna e a agricultura, onde, busca-se a geração de
tecnologias capazes de garantir com que essa atividade passe a atender as funções
que lhe são atribuídas pelo crescimento econômico: o fornecimento crescente de
alimentos, transferência de mão de obra para a indústria, geração de recursos para
o desenvolvimento industrial, criação de mercados, geração de receitas por
exportação e cooperação internacional, segundo a visão de vários
economistas(GONZÁLEZ DE MOLINA,1992).
Para atender essas funções necessárias ao processo de acumulação
capitalista na indústria, era imprescindível um crescimento, quanto mais rápido
melhor da produtividade agrícola. Para González de Molina:

A superação dos condicionantes físicos e institucionais da terra foi


entendida em termos de industrialização da agricultura, tendo em
conta a superioridade da indústria no manejo eficiente e racional dos
recursos (1992, p.1, tradução do autor).

Sob esses pressupostos, impulsionou-se a transformação da agricultura


tradicional em um setor econômico moderno, apoiando-se segundo González de
152

Molina (1992) em duas concepções básicas: 1-que os processos produtivos


agrários podiam ser manipulados mediante a aplicação de conhecimentos físico-
químicos e que a substituição progressiva de trabalho por capital, a semelhança dos
processos industriais, constituía a maneira mais adequada de incrementar a
produtividade do trabalho; 2-a intensificação produtiva, o aumento dos insumos
externos, o aumento da escala de exploração, a especialização e a mecanização
tornariam-se possível. Ou seja, o crescimento agrícola foi considerado como uma
função do desenvolvimento tecnológico.
O processo de modernização tecnológica da agricultura, como não poderia
deixar de ser, deu-se a partir das premissas da chamada “ciência moderna” que
oferece sustentáculo epistemológico para as ciências agrárias tradicionais, que
Guzmán-Casado, González de Molina e Sevilla-Guzmán(2000) resumem em cinco:
a) Atomismo: os sistemas agrários são compreendidos de forma
fragmentária, estanque, parcelada, em cada uma de suas partes de forma
independente, não existindo relação entre elas. Na realidade, não é considerada a
noção de sistema.
b) Mecanicismo: a crença que a ciência explica o funcionamento do mundo
natural por meios de leis que descrevem comportamentos regulares. Os sistemas
agrários se comportam de forma previsível em todo o tempo ou lugar.
c) Universalismo: há um grupo de princípios universais que podem ser
aplicados em qualquer espaço e tempo, independentemente das condições
agroecológicas regional e da heterogeneidade de unidades produtivas.
d) Objetividade: supõe que a realidade agrária é algo objetivo que pode ser
conhecida e pode ser modificada através do uso de regras racionais e empíricas de
apreensão, independentemente de valores e intenções.
e) Monismo: há um único modo para entender os sistemas naturais e
sociais e se existir outro, algum deles está enganado (ignorância do não
conhecimento "científico").
O rápido desenvolvimento da agricultura sob os fundamentos
epistemológicos da ciência moderna, conhecido como “modernização” aconteceu
vigorosamente após a segunda guerra mundial, concomitante com o êxito de
programas de melhoramento genético de plantas em cultivos como milho e trigo nos
países subdesenvolvidos que ofereceram a base biológica para o desenvolvimento
da modernização e sua difusão pelo mundo na denominada Revolução
153

Verde(TRUJILLO, 2004).
Para Goodman, Sorj e Wilkinsonl(1989), a realização científica decisiva da
revolução verde foi a difusão de técnicas de criação de plantas desenvolvidas na
agricultura de clima temperado para o meio ambiente das regiões tropicais e
subtropicais. Para esses autores, a força que impulsionou esse processo manteve-
se inalterada: controlar e modificar os elementos do processo biológico de produção
que determinam o rendimento, a estrutura da planta, a maturação, a absorção de
nutrientes e a compatibilidade com os insumos produzidos industrialmente. Nesse
sentido, a Revolução Verde, em grande medida, através da difusão internacional
das técnicas da pesquisa agrícola, marca uma maior homogeneização do processo
de produção agrícola em torno de um conjunto compartilhado de práticas
agronômicas e de insumos industriais genéricos.
Os resultados da Revolução Verde e modernização da agricultura, se de um
lado, afasta a preocupação da incapacidade de se produzir o alimento demandado
pelo crescimento demográfico, aumentando a produção de grãos, quando os
cultivos eram adequadamente irrigados, fertilizados e tratados contra pragas e
doenças; por outro lado, são gerados graves problemas de natureza ambiental e
social. Trujillo(2004) discute alguns desses problemas: em primeiro lugar, as
variedades liberadas nos trópicos perdem rapidamente sua competitividade,
necessitando que se forneçam novas variedades no dobro da velocidade dos
países temperados; o alto custo da produção da novas variedade não estão ao
alcance dos camponeses mais pobres, beneficiando apenas os grandes
proprietários, além de que, o uso excessivo de fertilizantes, pesticidas, herbicidas,
maquinaria agrícola pesada, o monocultivo e o desflorestamento induzido pela
modernização aceleraram os processos de erosão, desertificação, contaminação
ambiental, redução da biodiversidade e o aumento de pragas e doenças.
Também, ressalta Trujillo(2004), o aumento de produção dos países em
desenvolvimento destinam-se a exportação, utilizando uma grande quantidade de
insumos em detrimento aos produtos agrícolas para consumo local, o que aumenta
os custos de produção e produz uma dupla dependência externa desses (insumos
e alimentos para o consumo). Nesses países, a modernização da agricultura
também tem impactado fortemente a população rural, já que as tecnologias
aplicadas e as fórmulas econômicas favoreceram a concentração das terras e o
deslocamento das massas camponesas para as cidades, convertendo-se em
154

subproletários; ou para os altos das montanhas, onde, para subsistir tem que
derrubar as florestas, contribuindo mais ainda com a erosão e desertificação.
Nos países desenvolvidos, a modernização da agricultura tem provocado
importantes impactos sociais e ambientais. No próprio Estados Unidos, onde se
desenvolveu essa filosofia de agricultura devido as suas necessidades internas e
seus grandes recursos em capital, energia e tecnologia, mais de três milhões de
granjeiros perderam suas propriedades pelo endividamento de suas explorações,
reduzindo-se o número de agricultores para cerca de 1% da população, processo
que tem ocorrido na Europa, mesmo que em menor magnitude, sobretudo nas
áreas rurais menos favorecidas. Não só o custo de produção tem levado a quebra
de numerosos agricultores, mas também as políticas de baixos preços impostas aos
produtos agrícolas têm provocado uma forte transferência de riqueza do setor
produtor primário para os setores de transformação e serviços. Um exemplo disso,
é que nos Estados Unidos nos anos 80, os produtores só ficavam com quatro
centavos de dólares para cada dólar que um americano médio convertia em
alimentos. Isso faz com que a sobrevivência de pequenos e médios produtores
aconteça pelos subsídios que recebem (TRUJILLO,2004).
Os problemas ambientais provocados pela modernização da agricultura
começam a ser discutidos pela sociedade a partir de 1962, quando:

Rachel Carson, considerada pela revista Time uma das 100 pessoas
mais influentes do século XX, deu o pontapé inicial na consciência
ambiental popular em1962 com o livro “Silent Spring”. No livro,
Rachel nos dizia que pesticidas como DDT estavam estragando a
terra, deixando-nos de herança uma primavera silenciosa, sem o
canto dos pássaros(LOMBORG, 2002,p.257).

Além, da chamada de atenção do efeito secundário dos inseticidas no meio


ambiente, feita por Rachel Carson, o movimento ambientalista chamou também a
atenção para:

[...]o caráter ineficiente da agricultura no ponto de vista do uso de


energia (Pimentel y Pimentel,1979)22 ou sobre os efeitos não
desejados deste modelo de agricultura para os países
subdesenvolvidos(Crouch et De Janvry, 1980; Grahan, 1984; Dewey,
1981)23, mostrando os impactos negativos sobre os ecossistemas do

22
PIMENTEL, D.; PIMENTEL, M. Food energy and society. London: Edwards Arnold, 1979.
23
CROUCH, L.; DE JANVRI, A. The class bias of agricultural growth. Food Policy, n. 3, 1980.
GRAHAN, D. Undermining rural development with cheap credit.Bvoulder: Westview Press, 1984.
DEWEY, K. Nutritional consecuences of the transformation from subsistence for comercial
agriculture. Humam Ecology, n. 9, 1981, p. 151-187.
155

Terceiro Mundo causados pelos projetos de desenvolvimento e


transferência de tecnologias próprias das zonas
temperadas.(Gonzáles de Molina, 1992, p.3, tradução do autor).

A crítica aos problemas produzidos pela agricultura moderna vai induzir à


alguns setores da sociedade a buscar uma nova concepção de agricultura. Uma
forma de produção no campo que considere os princípios da sustentabilidade e que
contribua com a construção de um desenvolvimento rural sustentável. A essa
alternativa a agricultura convencional vai sendo denominada de Agroecologia.
Segundo Guzmán-Casado, González de Molina e Sevilla-Guzmán(2000), a
Agroecologia apesar de surgir nos finais dos anos 70 como resposta as primeiras
manifestações da crise ecológica no campo, esse surgimento, para ser exato é um
redescobrimento. Ou seja, a Agroecologia é redescoberta pela formulação letrada
(com a linguagem científica tradicional) de muitos dos conhecimentos que se
entesouravam as culturas camponesas [e indígenas], de transmissão e
conservação oral, sobre as interações que se produziam nas práticas agrícolas.
Esses saberes e técnicas que haviam sido experimentados e praticados com êxito
por muitas culturas tradicionais foram marginalizados pelas formas em que foram
formulados e codificados para a sua conservação.
Para Hecth(1988), muito contribuíram para obscurecer e denegrir os
conhecimentos agronômicos por povos e suas culturas locais e sociedade não
ocidentais: 1-A destruição dos meios populares de codificação, desregulando a
transformação das práticas agrícolas; 2-As transformações dramáticas de muitas
sociedades nativas não ocidentais e dos sistemas de produção nos quais eram
baseados, como resultado de um colapso demográfico, escravidão, e processos
coloniais e de mercado; 3-A ascensão da ciência positivista. Para essa autora, isso
tudo, conseqüentemente, permitiu poucas oportunidades para que as idéias
percebidas e desenvolvidas em uma agricultura mais holística pudessem se infiltrar
na comunidade científica formal, sendo que essa dificuldade ainda é acirrada por
preconceitos não reconhecidos de pesquisadores da área de agronomia com
relação a fatores sociais, tais como classes, etnicidade, cultura e gênero.
Hoje, muitas experiências úteis das culturas camponesas e indígenas,
marginalizadas pela civilização industrial constituem uma das bases profundas da
emergência, dentro das ciências estabelecidas, de um enfoque mais integral dos
processos agrários que é a Agroecologia.
156

No prefácio de um dos primeiros e mais difundidos trabalhos sobre a


Agroecologia, Altieri(1988), demarca o seu perfil científico:

A disciplina científica que se aproxima do estudo da agricultura numa


perspectiva ecológica é aqui denominada “agroecologia” ou “ecologia
agrícola” e é definida como uma estrutura teórica destinada a
compreender os processos agrícolas da mais ampla maneira. A
tendência agroecológica encara os sistemas produtivos como uma
unidade fundamental de estudo, onde os ciclos minerais, as
transformações energéticas são investigadas e analisadas como um
todo. Então, a pesquisa agroecológica preocupa-se não em
maximizar a produção de uma atividade em particular, mas sim com
a otimização do agrossistema como um todo. Essa tendência troca a
ênfase de uma pesquisa agropecuária direcionada a disciplinas e
atividades para tratar de interações complexas entre pessoas,
culturas, solos e animais(ALTIERI, 1988, p. 18).

O caráter holístico e integrado da Agroecologia pressupõe um suporte


multidisciplinar interagindo com diversas disciplinas dos campos naturais e sociais,
nesse sentido além da aproximação da Agronomia com a Ecologia, os aportes da
Antropologia, da Economia, da Sociologia, da Geografia são fundamentais para a
consolidação desse novo paradigma. Sevilla-Guzmám e Woodgate(2002),
consideram a Agroecologia como uma nova “orientação teórica” que se desenvolve
nas décadas de 80 e 90 nos mundo de língua espanhola, e que tem recebido
importantes contribuições do marco teórico da economia ecológica e ecologia
política através dos trabalhos de J. Martinez-Alier e J.M. Naredo considerando os
“fluxos de matéria e energia” e o “ecologismo do pobre” na agricultura; no marco
teórico da ecologia e agronomia com os trabalhos de M. A. Altieri e S.R.
Gliessman, enfatizando a análise de “agroecossistema”; da “coevolução
etnoecológica” de V.M. Toledo e R.B. Nogaard e do neo-narodnikis ecológicos nos
trabalhos de E. Sevilla-Guzmán e M. González-Molina.
A noção de coevolução vindo da ecologia é utilizada para explicar o
desenvolvimento paralelo das características fisiológicas e morfológicas de duas
espécies de tal modo que cada uma depende da outra para a sua reprodução
contínua. Esta noção vem sendo utilizada na sociologia ambiental por Richard
Norgaard, para definir o desenvolvimento paralelo e interativo entre a sociedade e
natureza. Algumas das suas principais vantagens são: a de oferecer uma nova
maneira de compreender como se influenciam no transcurso do tempo, sistemas
diferentes, entre eles o natural, o organizativo, o tecnológico e o de valores; e de
compreender como e porque são improdutivos as discussões sobre o
157

determinismo ambiental e o determinismo cultural( Norgaard, 2003).


Para Guzmán-Casado, González de Molina e Sevilla-Guzmán(2000), a
estratégia teórico metodológica da Agroecologia desenvolve-se nos marcos sociais
do campesinato: a exploração agrícola familiar e a comunidade local. No marco da
exploração agrícola familiar tem lugar o desenvolvimento das tecnologias
camponesas de uso múltiplo dos recursos naturais cuja lógica ecológica pretende-
se aplicar a Agroecologia para o desenho de modelos de agricultura alternativa,
aproveitando aquelas tecnologias modernas que comprovaram sua competência
ambiental. No marco da comunidade local é onde se mantém as bases da
renovação sócio-cultural do conhecimento camponês, gerado nas explorações
camponesas, já que cada unidade camponesa compartilha sua identidade, ao
estarem unidas por um sistema de laços e relações sociais; por interesses comuns,
pautas compartilhadas de normas e valores aceitos e pela consciência de ser
diferente dos demais. Essa forma de abordagem representa também uma forte
contribuição dos neo-narodnikis ecológicos de influência chayanoviana.
Muitos trabalhos publicados corroboram a tese da maior eficiência
econômica e ecológica da agricultura camponesa, reforçando o seu papel como
modelo básico de organização da produção na Agroecologia. O ecólogo mexicano
Vitor Toledo (2003) considera três trabalhos fundamentais nessa direção,
mostrando a eficiência econômica:
.O primeiro é o livro Peasant Economics do economista inglês Frank Ellis
(1988). Segundo Toledo:

Ellis estabelece que existe um aparente descenso da produtividade


conforme se aumenta o tamanho de uma parcela. Este padrão é
explicado pelo uso cada vez menos intensivo que fazem os
produtores conforme sua propriedade vai aumentando, e a certos
fatores ligados ao estabelecimento dos preços(TOLEDO, 2003, p.
121, tradução do autor);

.O segundo são os resultados similares dos estudos de R.M. Netting,


reconhecido antropólogo norte-americano de temas rurais, em seu livro
Smallholders, householders (1993), dedicado a revisar o tema da agricultura familiar
ou minifundista a nível mundial, que confirma no seu capítulo cinco, com base nos
estudos empíricos realizados na Índia, Bangladesh e Costa Rica, a maior eficiência
econômica da pequena exploração, demonstrando que a eficiência na agricultura é
resultado do tipo de tecnologia, da valoração que se faz da terra, do capital e do
158

trabalho, em vez do tamanho da exploração.


.O terceiro exemplo, para Toledo, mais contundente é o trabalho de três
economistas norte-americanos: Biswanger, H.P., K. Deininger e G. Feder com o
relatório “Power, distortions, revolt and reform in agricultural land relations”
publicado em 1993 pelo Banco Mundial. Segundo Toledo, esses autores através de
uma análise detalhada da evolução histórica dos direitos agrários concluem que a
maioria dos estudos sobre a relação entre produtividade e tamanho da propriedade
sugere maiores níveis de produtividades nas unidades familiares que em grandes
explorações operadas com base no trabalho assalariado. Conclui Toledo que:

Os autores mostram então que as supostas vantagens da grande


propriedade tem sido um mito, utilizado ao longo da história para
justificar a exploração do trabalho assalariado e dos camponeses,
mediante o trabalho escravo, cobrança de tributos, rendas (em
dinheiro, espécie ou trabalho) e outros mecanismos(TOLEDO, 2003,
p.122, tradução do autor).

Quanto a eficiência ou produtividade ecológica, segundo Toledo(2003),


depois de três décadas de investigações agroecológicas e etnoecológica, existe já
um respeitável repertório de exemplos mostrando como o minifúndio familiar
campesino ou indígena é muito mais eficiente desde o ponto de vista do uso e
conservação dos recursos naturais(solo, água, biodiversidade, energia,
ecossistemas). A explicação é bastante simples e pode seguir vários caminhos:

Uma propriedade grande não permite de início, o manejo meticuloso


e astuto que requer um uso ecologicamente apropriado(por exemplo,
a delicada variações dos solos fica suprimida grandes extensões, ou
a manipulação de cultivos múltiplos, ou o controle biológico de
pragas). Por outro lado, uma grande propriedade requer quase
obrigatoriamente o uso de insumos químicos para manter a
fertilidade do solo e/ou evitar a entrada de pragas e doenças, pois
quase sem exceção as explorações latifundiárias se baseiam em
extensos monocultivos, sejam agrícolas, para o gado(pastagem) ou
florestais(plantios)(TOLEDO,2003, p.123).

Toledo, utiliza de um exemplo quantitativo para mostrar a eficiência


ecológica da pequena propriedade sobre a grande, através do uso da energia.
Citando trabalhos do pesquisador norte-americano D. Pimentel (Pimentel y
Pimentel 1979) e do próprio autor com colaboradores no México (Toledo et all,
1989). Nesses trabalhos em que se compara o gasto de energia para produzir e a
energia produzida em kcalorias, em plantios de milhos em situações com alto
consumo de insumos modernos e combustíveis fósseis comparados com sistemas
159

camponeses com baixo consumo de insumos externos. Os resultados mostram que


em termos estritamente energético, que é a forma que como os investigadores
calculam a eficiência ecológica de um sistema produtivo, os produtores
camponeses são mais eficientes que os produtores modernos. A explicação se
encontra no fato em que enquanto a produção camponesa investe 200.000 à
1.500.000 kcal por hectare, os sistemas modernos investem de 15 a 20 milhões kcal
para realizar o mesmo processo. A energia total produzida pelos sistemas
modernos pesquisado é apenas equivalente a 3 a 5 vezes mais que o sistema
camponês. E como essas, diversas outras pesquisas que são desenvolvidas pelo
mundo têm comprovada a eficiência ecológica da produção
camponesa(TOLEDO,2003).
Quanto a produção científica, percebe-se que algumas instituições têm
avançado nas pesquisas sobre Agroecologia. Na Espanha, os estudos do Instituto
de Sociologia y Estúdios Campesinos da Universidade de Córdoba, no Chile, o
Consórcio Latino Americano para a Agroecologia e o Desenvolvimento (CLADES) e
a Universidade Agroecológica de Cochabamba na Bolívia(AGRUCO). Segundo
Sevilla Guzmán e Woodgate(2002), nessas instituições, as pesquisas orientam-se
para a construção de opções de desenvolvimento rural sustentável para os pobres,
a diferença das organizações internacionais cujas preocupações parecem centrar-
se no desenvolvimento sustentável dos ricos.

2.3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLOGICAS GERAIS

A fundamentação teórica, de natureza geral, esboçada nesta seção reforça


a tese, inicialmente levantada, que os fatos sociais que acontecem e transformam a
região, expressam a correlação de forças resultante do confronto nos
comportamentos dos agentes sociais, econômicos e políticos, determinados pelas
racionalidades que eles são portadores.
Nesse sentido existe certa predominância da racionalidade capitalista por
ser hegemônica na sociedade global. Por essa racionalidade, no mais curto espaço
de tempo, os recursos naturais seriam convertidos em mercadorias, para valorizar
capitais, sem uma trégua para a natureza. Apesar de hegemônica na sociedade
global, essa racionalidade econômica defronta-se com a das populações
agroextrativistas locais, que vão buscar na figura do Estado e na capacidade
160

mobilizadora das ONGs ambientalistas, as forças políticas capazes de evitar que a


racionalidade capitalista destrua as suas condições de sobrevivência enquanto
populações camponesas agroextrativistas.
.Hipótese 1 : como este estudo partiu da premissa que, apesar de parecer
acertada, a estratégia de criação de áreas protegidas para o agroextrativismo não
atingiu seus objetivos, a fundamentação teórica geral permite levantar a hipótese,
“que os insucessos na viabilização das áreas protegidas no Sul do Amapá
derivam dos choques das racionalidades econômicas existentes no
agroextrativismo, que criam dificuldades diretas na implementação de
mecanismos apropriados de gestão dessas unidades de uso especial e
indiretas na construção do desenvolvimento sustentável da região ”.
Para averiguar a procedência dessa hipótese fez-se a opção teórica de
considerar a idéia de racionalidade econômica a partir de um enfoque similar ao
utilizado por Godelier, onde existe uma racionalidade não intencional que é
resultante do sistema e uma racionalidade intencional que é decorrente do
individuo.
Considerar-se-á a racionalidade econômica inerente ao sistema a partir dos
fundamentos teóricos marxistas construídos em “ O Capital” que permitem uma
compreensão do comportamento dos agentes econômicos capitalistas. Quanto ao
comportamento racional das famílias agroextrativistas, utilizar-se-á de um
procedimento teórico-metodológico inspirado nas abordagens de Shanin e Tepicht
que tentam complementar a visão marxista com a chayanoviana na interpretação
do campesinato, ou seja, considerando tanto os condicionantes da racionalidade
capitalista quanto os da racionalidade camponesa na trajetória das unidades
produtivas tocadas com o trabalho familiar na produção agropecuária.
Na análise do comportamento dos agentes externos que atuam no
agroextrativismo preocupados com a crise ambiental ou com o desenvolvimento
econômico, utilizar-se-á conceitos ligados a sociologia e economia institucional,
que aborda a realidade a partir do conceito de instituição como criação de regras e
o comportamento dos agentes a partir de um campo do fazer valer as regras que
são criadas, e a idéia de criação e fortalecimento do capital social, como um
importante mecanismo de catalisação do desenvolvimento sustentável local. Nesse
sentido privilegiar-se-á os enfoques institucionalistas que consideram o papel
central do Estado na viabilização das áreas protegidas, em modelos de co-gestão
161

que estimulam a formação de capital social.


162

3 CONTEXTO TEÓRICO ESPECÍFICO

Uma análise cientifica das transformações recentes que vem acontecendo


no agroextrativismo da Amazônia, tendo como referência o Sul do Amapá, exige
um esforço de compreensão mais precisa do processo de ocupação humana da
região. Na leitura histórica desse processo, poder-se-á observar e discutir, o papel
da agricultura e das atividades de coleta na reprodução da vida material, em
diferentes momentos da história econômica da região. Isto, certamente ajudará a
entender como se constituíram as bases estruturais e institucionais que sustentam
essa atividade econômica na sua forma atual.
Conforme já enunciado, partiu-se da tese, que as transformações que
acontecem nessas atividades (agricultura e coleta) e em seu papel provedor da vida
social, representam, em última instância, os interesses econômicos dominantes,
que sofrem as influências do choque entre a racionalidade capitalista embutida no
projeto civilizatório de origem européia e a racionalidade econômica existente nas
sociedades nativas indígenas ou caboclas.
Nesse longo processo histórico, em que, as atividades agrícolas e de coleta
oriundas das sociedades indígenas vão se transformando na atual configuração do
agroextrativismo amazônico, constituíram-se os fundamentos institucionais que
atualmente balizam a relação homem natureza, em diversos espaços da Amazônia.
Portanto, nessa seção, far-se-á um desenho teórico da construção social do
agroextrativismo enquanto atividade econômica na Amazônia.
A ocupação humana do Sul do Amapá acompanha a dinâmica verificada
em toda a Amazônia com a chegada do colonizador europeu, que a partir de seus
interesses econômicos e geopolíticos submete as populações indígenas locais, de
forma geralmente caracterizada pela violência, aos ditames de uma cultura
radicalmente diferente, direcionada a produção de excedentes econômicos
demandados pelo mercado capitalista mundial em expansão.
Refletir, teoricamente, sobre essa ocupação, relacionando-a a um contexto
mais geral, que envolva as principais fases que marcaram a formação sócio-
econômica da Amazônia usando o agroextrativismo como pano de fundo, parece
ser um importante exercício para uma compreensão mais aprofundada do quadro
socioeconômico cultural e político que a realidade atual do Sul do Amapá
apresenta. Essa reflexão, também, será desenvolvida nessa seção, esperando-se
163

obter como produto teórico, um quadro contextual em que se possa compreender


os principais condicionantes da formação e consolidação na Amazônia, de uma
região econômica a partir do agroextrativsmo.

3.1 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO AGROEXTRATIVISMO NA AMAZONIA

O agroextrativismo, na sua configuração atual, consolida-se à partir da


hegemonia da colonização européia, que vai provocar transformações profundas
sobre a paisagem e o modo de vida dos humanos que já habitavam a região. Nesse
sentido, entende-se, que discutir a chamada pré-história da Amazônia, à luz das
novas percepções que são construídas a partir das recentes descobertas
arqueológicas, ajudará a ter uma noção mais precisa do impacto da colonização
européia na região e de sua importância na consolidação das fases seguintes, que
entre seus vários resultados, constituiu uma população local que sobrevive de
atividades econômicas herdadas dos antepassados pré-históricos: a utilização de
uma agricultura de baixo impacto sobre a floresta, complementada com atividades
de coleta, caça e pesca.

3.1.1 A pré-história da Amazônia

Os primeiros europeus que chegaram a Amazônia ficaram maravilhados


com o que encontraram: uma grande riqueza em recursos naturais e uma grande
população distribuída ao longo do grande rio e seus tributários. Nos primeiros
relatos de cronistas como frei Gaspar de Carvajal em 1542, ou Cristobal de Acuña
em 1639, percebe-se que, além do que viram acrescentaram algumas fantasias
ouvida dos indígenas como a existência de uma tribo de índias guerreiras, as
Amazonas(Carvajal), e tribos de índios gigantes e índios com pés para trás(Acuna),
além da existência de locais com muito ouro. Esses acréscimos, se de um lado
estimulou o interesse dos europeus pela região, de outro, desacreditou as verdades
relatadas, principalmente a da existência de grandes aglomerações indígenas
organizadas na região. Hoje, após as descobertas arqueológicas, e os estudos
desenvolvidos após a década de 1970, parece ser necessário uma releitura dessas
crônicas, pois se chega a conclusões que havia muito de verdades nelas,
subtraindo-se alguns exageros, geralmente vindo dos índios informantes.
164

As ambigüidades existentes nos relatos quinhentistas e seiscentistas, têm


sido importantes nos estudos das populações pré-históricas da Amazônia, pois vão
influenciar as duas grandes correntes teóricas que estudam a origem, distribuição, o
tamanho, cultura e nível de organização social da população indígena encontrada
pelo europeu na região. A primeira abordagem teórica que influenciou os estudos
arqueológicos iniciais, baseado no determinismo ecológico, parece ter
desconsiderado esses relatos. Já a segunda abordagem teórica que influenciou a
arqueologia amazônica nas pesquisas realizadas a partir das décadas de 1970,
reconsidera e válida muitas informações dessas crônicas.
Com referência a origem da população pré-histórica da Amazônia, segundo
Porro(1996), todos os povos indígenas da América, desde os esquimós até os
patagônicos, passando pelos “peles vermelha”, Astecas, Maias, Incas e todos os
índios do Brasil, são originários da Ásia e possivelmente da Oceania. As migrações
para a América ocorreram há mais de quarenta mil ou cinqüenta mil anos, no
paleolítico, quando a agricultura, a cerâmica e a tecelagem ainda não haviam sido
inventadas. O ponto de entrada dessas migrações da Ásia Oriental para a América
do Norte deu-se pelo estreito de Behring, na época uma ponte de terra firme e gelo.
Grupos de caçadores nômades atravessaram essa região, perseguindo as
manadas de grandes mamíferos e foram se espalhando pelo continente americano,
descendo a América Central, América do Sul, povoando o Brasil, em época ainda
incerta, provavelmente anterior a 30 mil anos. Esses grupos, além da caça e pesca,
alimentavam da coleta de crustáceos, de sementes, raízes e frutas.
A invenção da agricultura dos povos pré-históricos da América vai ocorrer
segundo Porro (1996), muito mais tarde, por volta de 7000 anos a.C., nas
montanhas do México Central, onde grupos de recoletores, movidos pelo acaso ou
pela necessidade, descobriram a capacidade germinativa das sementes.Assim,
diversas plantas silvestres, antepassadas do milho, da abóbora, do feijão e de muito
outros legumes foram aos poucos domesticadas e selecionadas, num processo
análogo, mais que tudo indica, independente daquele que ocorrera no Velho Mundo
alguns milênios antes. Neves(2006), considera como a maior contribuição dos
índios americanos para a humanidade, essa domesticação de uma série de plantas
que hoje são consumidas de diferentes modos por todo o planeta, como abacate,
abacaxi, abóbora, amendoim, batata, caju, feijão, mamão, mandioca, maracujá,
milho, pimenta vermelha, pupunha, tabaco e tomate entre outras, que foram
165

domesticadas em diferentes partes do continente americano, muito antes da


chegada do europeu.
Segundo Meggers(1987), embora haja desacordo entre alguns botânicos e
arqueólogos, a maioria aceita a evidência de que a domesticação do milho teve
início no México antes de 5000 aC. E, no milênio seguinte, o seu cultivo espalhou-
se em direção norte e sul, atingindo o planalto peruano por volta de 3000 aC., e
pode ter entrado o seu plantio na Amazônia pelo final do segundo milênio aC.
Miranda(2007), com base em estudos mais recentes, cita que o milho mais antigo
encontrado no Brasil foi datado de 4000 anos e foi encontrado em Minas Gerais; e
que os estudos genéticos de milhos arqueológicos do México, Andes e Brasil
indicam que há cerca de 5000 anos, um grupo migratório levou o milho do México
para o Andes, e outro grupo, há 3000 anos pelo menos, trouxe do México ao baixo
Amazonas, um milho similar ao encontrado em Minas Gerais. Não há similaridade
genética entre o milho arqueológico do Brasil com o do Andes.
Quanto a mandioca, os estudos indicam que ela teria sido domesticada a
4000 anos na parte mais ocidental da Amazônia, no atual estado de
Rondônia(NEVES, 2006; MIRANDA, 2007). Embora, espécies silvestres de
mandioca ocorram em habitats onde não há geadas, estendendo-se do México
setentrional ao norte da Argentina, havendo evidências indiretas do uso da
mandioca no litoral colombiano do Caribe, um pouco antes do ano 1000 aC., na
forma de grandes assadeiras de cerâmica do tipo que é ainda usada pelos índios da
floresta tropical. A batata doce estava sendo cultivada no planalto do Peru
meridional por volta de 4000 aC(MEGGERS,1987). Outras culturas também foram
domesticadas na Amazônia, como o mamão, o guaraná, a pupunha, o abacaxi, e o
amendoim, como exemplos.
O desenvolvimento da agricultura levou a constituição de aldeias
permanentes ou semi-permanentes. Para Porro:

A vida sedentária trouxe uma maior elaboração das condições


materiais de existência (arquitetura doméstica, cerâmica, fiação e
tecelagem, produção de excedentes comercializáveis) e das
correspondentes formações sócio-politicas e ideológicas
(territorialidade dos grupos sócias, divisão social do trabalho, formas
emergentes de chefia política e da estratificação social, crenças e
práticas religiosas ligadas a fertilidade da terra). Essa revolução
agrícola difundiu-se do México para a América Central e para a
região andina; é a chamada região nuclear ou das altas culturas
americanas, pois foi nela que, a partir do primeiro milênio aC.,
166

floresceram as civilizações urbanas pré-colombianas(PORRO, 1996,


p.15).

Quanto ao tamanho da população encontrada na Amazônia pelos europeus,


para Porro(1996), tudo que se sabe ao seu respeito – e que não é muito-, é fruto de
pesquisas e reflexões dos últimos vinte anos, revendo os conceitos errôneos do
passado (até a década de 1960), onde partia-se sempre da premissa de que as
estimativas dos primeiros cronistas eram sempre exageradas e, portanto, deviam
ser descartadas. Nesse sentido, partindo-se da escassez da população indígena
atual, e da facilidade como os índios foram submetidos, projetava-se para a
América de forma geral, uma população reduzida. Hoje, com os estudos mais
recentes que consideram a importância histórica do processo de despovoamento
ocorrido, as diferenças de densidades demográficas associadas aos dois diferentes
ecossistemas naturais: várzeas e terra firme e as evidências arqueológicas, estima-
se uma população indígena na Amazônia Brasileira de dois milhões de índios, no
século XVI. Sobre esse tema Moran(1990), trabalha com estimativas mais elevadas,
ou seja de cinco milhões para a bacia amazônica à época dos primeiros contatos ou
seis milhões e oitocentos mil índios se considerarmos as áreas periféricas.
Quanto aos estudos da organização social e do nível de complexidade
cultural, estes são influenciados pelas duas grandes teorias que se opõem. A
primeira denominada de determinismo ecológico, tem como origem os trabalhos de
Meggers e Evans, que segundo Porro(1996), descobriram a partir de 1948, na foz
do Amazonas(Ilha do Marajó e Amapá), uma sucessão de cinco fases cerâmicas
correspondentes a outras tantas culturas arqueológicas, desde pelo menos o século
X aC., até a chegada dos europeus. Os fabricantes dessas cerâmicas viviam em
aldeias constituídas inicialmente de uma, mais tarde de várias casas comunitárias
feitas de material perecível, as mais antigas construídas sob palafitas, e a partir da
terceira fase, sobre plataformas e montículos de terra. A quarta fase, denominada
de marajoara, constituiu o apogeu do desenvolvimento cultural da região, com seu
início provável no século V dC., e trouxe a sofisticada cerâmica pintada com
motivos geométricos, grandes plataformas de terra destinadas a manter as aldeias
e os cemitérios ao abrigo das inundações anuais, objeto de adornos e ídolos.
Segundo Porro (1996), esses autores sugeriram que o povo de cultura
marajoara originou-se no noroeste da América do Sul, e, descendo os grandes
afluentes da margem esquerda do Solimões, tivessem alcançado a foz do
167

Amazonas, com essa cultura plenamente desenvolvida. Para esse autor:

A sucessiva decadência da cultura marajoara, que desapareceu


numa época que desconhecemos, mas que pode situar-se entre os
séculos XI e XII e foi sucedida pela fase aruã, técnica e
artisticamente mais pobre, levou Meggers a formular a tese de que a
floresta tropical é um ambiente inadequado ao sustento de
sociedades mais complexas do que as do tipo tribal(Meggers,
1954)24. Essa tese, além de muito combatida pelas generalizações
que trazia implícitas quanto à evolução das sociedades humanas em
geral, perdeu também parte de sua fundamentação a partir das
pesquisas arqueológicas feitas nos decênios de 1960 e 1970 em
outras área da Amazônia(PORRO, 1996, p.18-19).

A segunda grande teoria que tem influenciado os estudos sobre a pré-


história da Amazônia nasce a partir da crítica ao determinismo ecológico, e está
muito presente nos estudos desenvolvidos pela pesquisadora Ana Roosevelt.
Essa pesquisadora não concorda com a tese, que :

[...]a pobreza de recursos ambientais na Amazônia limitou o


desenvolvimento das sociedades indígenas, impedindo, assim, a
concentração e o crescimento populacional e a intensificação
econômica, fatores esses considerados pré-requisitos para a
complexidade cultural(ROOSEVELT, 1991, p. 103).

Para Roosevelt(1991), os estudos dos partidários do determinismo


ecológico cometeram um grande equívoco metodológico, que acabou por levá-los a
conclusões também equivocadas. Este equívoco foi o de considerar como ponto de
partida para a evolução indígena da Amazônia os índios vivos e seus habitats atuais
que são as florestas interfluviais de solos pobres, sendo a maioria dessas terras
inadequadas para o estabelecimento de populações densas e para o uso intensivo
da terra. Ou seja, o fato dos índios atuais da Amazônia terem sido deslocados por
colonos brancos para as florestas pobres de terra firme da bacia, levou os
antropólogos a concluírem, erroneamente, que aquele habitat foi o lócus de
adaptação primária, e constituiu-se uma limitação para a evolução social. Assim,
cometeu-se uma injustiça contra essa população ao tratá-la como selvagens
afortunados adaptados à floresta tropical, ao invés de um povo ecologicamente,
economicamente e politicamente marginal que vem perdendo controle sobre seus
habitats e modos de vida.
Para Roosevelt, um dos pressupostos equivocados foi o de desconsiderar a

24
MEGGRS, Betty, J. Environmental limitations on the development of culture. American
Anthropologist, 1954, 55(5), p. 801-824.
168

diversidade de solos existentes na Amazônia, onde existem nas áreas de várzeas,


que são muito extensas, solos férteis, excelentes para agricultura intensiva e as
águas ricas em nutrientes que os renovam suportam uma pesca muito produtiva,
“Ainda que esses solos exijam trabalhos intensivos para o seu manejo, nunca houve
falta de gente na Amazônia para suprir tal força de trabalho”(ROOSEVELT, 1991,
p.111). Nesse sentido:

Os recursos das várzeas produtivas da Amazônia encorajaram o


desenvolvimento precoce de forrageio intensivo, de estabelecimento
sedentário, de fabricação de cerâmica e de horticultura. No entanto,
o fato de que as áreas ricas eram bastante substanciais e
circundadas mais por florestas habitáveis extensas do que por
terrenos desérticos, implicou em que a bacia pôde absorver
crescimento populacional humano por longo tempo(ROOSEVELT,
1991,p.112).

Quanto a organização social, Roosevelt sugere que uma ocupação tribal


estável baseada em uma horticultura eficiente de tubérculos tropicais e na
fabricação de cerâmica espalhou-se no início do terceiro milênio aC. na região e
durou até o início da era cristã, quando pareceram os primeiros cacicados. A
formação dos cacicados é explicada de acordo com a teoria da evolução social da
circunscrição de Carneiro(1970), que sustenta que sociedades estratificadas e
centralizadas só desenvolvem-se em áreas de terras produtivas, quando as
pessoas não podem mais fugir dos conflitos, sendo obrigadas a ficar e lutar. Sendo
que os perdedores vão formar as classes dominadas e os vencedores a elite.
Segundo essa teoria, levou muito tempo na Amazônia para a população humana
preencher os habitats disponíveis, fazendo com que a complexidade social tardasse
mais, comparando com os Andes Centrais, onde havia limitações severas na
extensão das terras produtivas com água adequada para irrigação.
Para Roosevelt(1991), existem evidências arqueológicas que sugerem a
possibilidade dos povos da Amazônia terem enviado para fora, aspectos inerentes a
sua complexidade cultural, e da sua capacidade adaptativa ao ambiente, em vez de
tê-los recebido de fora, como tem-se tradicionalmente aprendido com os partidários
do determinismo ecológico.
Segundo Roosevelt(1991), as pesquisas etnohistoricas e arqueológica
revelam rápida mudança cultural, perda populacional severa e movimentos de longa
distâncias de grupos étnicos em muitas áreas das várzeas e dos interflúvios depois
da chegada do europeu. Em muitas áreas houve mudanças dramáticas na
169

localização e características dos grupos étnicos, sendo que, doenças, guerras em


larga escala, escravidão e missionarização dizimaram as populações das várzeas e
destruíram a integridade das sociedades complexas. Para Roosevelt, no Médio
Amazonas e no Baixo Amazonas, as sociedades indígenas ou cacicados já haviam
sido totalmente exterminadas das várzeas principais no século XVII, no século
XVIII, as missões já haviam conseguido a redução e desculturação dos grupos
nativos da várzea, e suas populações já estavam submergidas biologicamente no
século XIX.

3.1.2 Da agricultura indígena ao agroextrativismo na Amazônia

A relação agricultura versus extrativismo25 tem sido tratada nas visões


teóricas evolucionistas passadas e presentes, em uma hierarquia favorável a
agricultura no processo civilizador da sociedade humana.
Na economia clássica, pode-se observar na teoria da história de Adam
Smith na Riqueza das Nações, uma visão evolutiva da sociedade em quatro fases
que se sucedem: a caça, o pastoreio, a agricultura e a comercial, sendo que a fase
da caça e coleta é a fase mais atrasada do processo evolutivo enquanto que a
agricultura é a fase que cria as condições para que se atinja o ápice da evolução
que é a fase comercial.
Na literatura contemporânea, encontramos trabalhos importantes, de
autores como Jared(2005), que em uma perspectiva evolucionista tenta explicar o
sucesso e insucesso das sociedades, a partir das condições que tiveram em
desenvolver a agricultura, ou seja, as sociedade que tiveram sucesso foram as que
primeiro conseguiram domesticar plantas e animais, e assim, desenvolver uma
agricultura produtora de excedentes alimentares, o que lhes possibilitou uma divisão
social do trabalho, que permitiu a liberação de homens do trabalho físico para o
trabalho intelectual, desenvolvendo-se assim a capacidade criativa da espécie
humana, que foi aplicada na evolução dessas sociedades.
Essa visão da superioridade da agricultura em detrimento as atividades de

25
O termo extrativismo designa os sistemas de exploração de produtos florestais(fauna, flora)
destinados ao comercio regional, nacional e internacional. Diferencia-se portanto das atividades de
coleta cujos produtos estejam limitados ao consumo familiar ou a um escambo local. Extrativismo e
coleta dependem de duas lógicas econômicas diferentes, uma regulada por um mercado externo,
outra pelas necessidades da unidade doméstica(EMPERAIRE; LESCURE,2000, p.15).
170

coleta, já está presente nos primeiros colonizadores europeus que chegaram ao


novo mundo. Ao depararem-se com uma outra cultura, com uma racionalidade
diferente no trato da produção agrícola, estabelecem, de imediato, uma nova visão
hierarquia. Desta vez, nos limites da própria agricultura, exaltando-se a
superioridade do modelo agrícola europeu, produtor de excedentes comercializáveis
em escala, em comparação com a agricultura indígena, até então destinada a
produção para o autoconsumo das tribos, com algumas trocas referenciadas,
preferencialmente, no valor de uso.
Encontra-se na história da Amazônia, discursos, de diversas épocas,
opondo a agricultura ao extrativismo, ou seja, culpando o extrativismo pelo fraco
desempenho da agricultura na região, ou ainda, culpando a agricultura de origem
indígena, pelo atraso e dificuldades regionais. Essas polarizações parecem falsas,
construídas por interesses imediatos, dos portadores desses discursos. Essa
mesma história mostra, apesar dos preconceitos, que o colonizador acaba por se
adequar ao modelo de produção do colonizado.
Na realidade, percebe-se na cultura nativa, uma unidade entre as diferentes
atividades de coleta e a agricultura, onde o predomínio momentâneo de uma
atividade sobre a outra era determinado, principalmente, por fatores de natureza
ambiental. Essa unidade possibilitava uma flexibilidade no uso de diferentes
recursos ao longo do tempo, o que gerava uma diversidade de produtos. Isto pode
ser considerado, um importante fator na adaptação e sobrevivência do homem a
natureza amazônica.
Os sistemas de produção indígenas encontrados ao longo do Rio
Amazonas e tributários, enquanto um conjunto unitário de atividades, de natureza
agrícola como o cultivo de plantas já domesticadas e à criação de animais,
complementadas pela coleta ou extração de produtos vegetais oriundos da floresta,
associadas a caça e pesca, era a forma dominante de reprodução da vida social
dos povos existentes na Amazônia, quando da chegada do europeu. Eles
garantiam uma relação de equilíbrio entre o homem e a natureza, produzindo além
da diversidade, uma abundância de produtos necessários a sobrevivência humana
na região.
Essa diversidade e abundância de produtos foram observadas e registradas
pelos primeiros cronistas, que adentraram a Amazônia no período quinhentista,
como Diogo Nunes em 1538:
171

Os mantimentos é o mais, que aqui se chama milho, e caçabe


(acaçaby, beiju), que serve de pão, e disto há muita quantidade. Há
neste rio muito pescado de toda sorte como em Espanha, (por)que
em cada povo que chegam acham muitas casas cheias de pescado
seco que eles levam a vender pelo sertão e tem suas contratações
com outros índios.[..] Há carnes montesas nesta terra: veados, antas,
porcos monteses, patos e outras castas muitas. Tive notícias que até
o rio da Prata, nesta mesma terra, havia ovelhas como as do Peru,
que é o melhor sinal que nestas partes pode haver, porque onde há
ovelhas há todo o mais em abastança(NUNES, p.12-13).

Nos relatos de Carvajal, de 1542, observa-se, que em todas as tribos


encontradas, das que lhe forneceram alimentos ou foram saqueadas, uma
diversidade de comidas como perdizes, perus, peixes-boi, gatos, macacos, antas,
em grande quantidade: “[..]desse modo tartarugas em currais e alojamentos de
água e muita carne, peixe e bolo, isto em uma abundância que havia para comer,
o efetivo de mil homens em um ano” (CARVAJAL, 2002, p.28, tradução do autor).
Baseado em depoimentos de índios, Carvajal cita:

Nesta terra um senhor tem muitas ovelhas das do Peru, e, é muito


rico em prata, segundo todos os índios nos diziam, e a terra é muito
alegre e vistosa e tem muita abundância de frutas, como sejam
abacaxis e pêras, que na língua da Nova Espanha se chamam
abacates, e ameixas, e guanas[?] e outras muitas e boas
frutas(CARVAJAL, 2002, p.31, tradução do autor).

Registra sobre o que viu em uma tribo:

Aqui encontrou-se muito milho(e assim mesmo encontrou-se muita


aveia), de que os índios fazem pão e muito bom vinho a maneira de
cerveja, e isto há em muita abundância [...] e encontrou-se muita boa
roupa de algodão(CARVAJAL, 2002, p.34, tradução do autor).

Essa abundância também é registrada pelos cronistas seiscentistas como


Claude d’ Abbeville, em 1614; Cristóvão de Acuna em 1639; Padre Figueroa em
1659; e, Maurício Heriarte em 1662. Nas observações desses cronistas, a
mandioca, o milho, a banana, e outros tubérculos formavam a base alimentar
produzida na agricultura, que se complementava com outros produtos da floresta,
como cacau, abacates, abacaxis, castanhas, cocos, palmitos, e com muito peixes,
caças, sendo que, as tartarugas com seus ovos e os peixes-bois destacam-se
nesses relatos como grandes fornecedores de alimentos. Os recursos dos rios e da
floresta eram manejados de acordo com as necessidades alimentares. Outros
produtos importantes citados são: o urucum, o algodão, este usado para fabricação
de tecidos. Da floresta e dos rios também retiravam os remédios para a cura das
172

suas doenças.
A abundância e diversidade de bens produzidos na combinação agricultura,
caça, pesca e coleta garantia a sobrevivência de um grande contingente
populacional distribuído nas margens dos rios da Amazônia do Quito ao Maranhão.
O predomínio de uma atividade sobre a outra, assim como a utilização diferenciada
dos produtos encontrados, parece decorrentes da grande diversidade cultural
encontrada e das condições impostas pelo ambiente, considerando-se a grande
extensão espacial relatada.
A tecnologia da produção agrícola indígena, pelo não domínio dos metais
nos seus instrumentos de trabalho, parecia ser muito simples aos cronistas,
causando surpresas nos seus resultado:

Para semear o que acima disse, que lhes serve de pão, que é a
mandioca, banana, milho, raízes e algumas frutas que não são
silvestres, fazem suas roças e chácaras nestas matas.O modo de
fazê-las é: limpam primeiro e cortam o mato e árvores pequenas que
estão nas raízes e entre as árvores grandes com facas, e os que não
as têm, com madeiras de chonta e outras madeiras fortes, feito ao
modo de espadas com quatro dedos de largura e cinco palmos de
comprimento. Depois de limpo e triturado os debaixo, derrubam as
árvores grandes com machados, que podem ser de pedra ou ossos
de animais, nos povos que ainda não dispõem dos de ferro. Feito o
desmate, deixam secar por muito tempo, e seco, lhe tocam fogo. Não
fazem outro beneficio, nem cavam a terra para a sua semeadura,
apenas fazem a capina da mandioca quando necessário
(FIGUEIROA,1986, p.266-267, tradução do autor).

Relata Acuna(1994), que em alguns locais, os machados e enxós utilizados


na fabricação de canoas, casas e tudo que os índios precisam, eram feitos do peito
da tartaruga, que é parte mais resistente do casco; o cabo das enxós, era uma
queixada de peixe-boi, “que a natureza criou com uma curva apropriada para esse
fim”. Em outros locais, os machados eram feitos de pedra.
Como na visão dos cronistas, a tecnologia utilizada na agricultura era muito
simples, dava-se os méritos da grande produção a fertilidade da terra:

Regada a terra de todos os lados por boas águas, e


maravilhosamente temperada pela doçura do ar, não pode deixar de
ser muito fértil, como é, e muito fecunda, apesar de não ter sido
roteada nem ter tido descanso, nem amanho de qualquer espécie.
Não há necessidade de juntar gado para esquenta-la, pois está
sempre temperada pelas influência dos céus. E nem, para cultivá-la,
são necessários cavalos ou arreios, charruas ou relhos de arados
para lavrá-la, tanto mais quanto esta terra não deve ser muito
trabalhada. Cultivada pouco produz, e abandonada dá grande
colheita. Não posso explicar esse paradoxo senão porque estando a
173

terra lavrada entra nela o calor, aquece-a a ponto de queimar as


sementes; mas não sendo cultivada conserva-se a umidade
(D’ABBEVILLE, 1975, p.161) .

Tanto Acuna, como Heriarte registraram que em alguns locais onde


aconteciam enchentes, ou seja, nas várzeas, os índios cultivavam a mandioca na
época seca, aproveitando a fertilidade dessas áreas, e colhiam a roça antes de
chegarem as enchentes, enterrando as raízes colhidas nas partes altas, para serem
utilizadas de acordo com as suas necessidades, até a época de fazer novo plantio
(ACUNA,1994; HERIARTE, 2002).
Os cronistas seiscentistas, apesar de relatarem a abundância de produtos
gerados nos sistemas de produção indígena, manifestam uma visão preconceituosa
em relação aos mesmos. Descrevem a região, nas suas possibilidades para uma
agricultura comercial de larga escala, ou como fornecedora de grandes quantidades
de produtos da coleta para os mercados de suas nações, conforme se observa em
Acuna:

Há neste grande rio das Amazonas quatro coisas que se bem


cultivadas, serão sem dúvida suficientes para enriquecer não apenas
um, mas muitos reinos. Em primeiro lugar, as madeiras, que são
muito valiosas, como o melhor ébano. Existem tantas[...] por mais
que se tirem, não esgotarão nunca. Em segundo lugar, o cacau, de
que estão suas margens tão cheias[..]. Em terceiro o tabaco, que se
encontra em grande quantidade e bem desenvolvido nas plantações
dos habitantes ribeirinhos, e que, se o cultivassem com o cuidado
que merece, seria um dos melhores do mundo [...]. No entanto, o
maior cultivo que se deveria fazer nesse rio é, a meu ver, o da cana
de açúcar, que vem em quarto lugar, como a coisa mais nobre, mais
proveitosa, mais segura e de maior lucro para a Coroa Real(ACUNA,
1994, p.89-90).

Esta citação é emblemática, ao mostrar a manifestação discursiva da


racionalidade capitalista, já cristalizada na visão do colonizador da Amazônia, onde
noções de enriquecimento, lucro, produção de escala para atender mercados
mundiais já estão presentes, assim como a crença na inesgotabilidade de recursos
naturais, no caso, a madeira.
Na crônica setecentista sobre a Amazônia, em um dos seus principais
relatos, o trabalho do frei João Daniel, cujo título já indica a sua visão: “Tesouro
Descoberto no Máximo Rio Amazonas”; ainda, observa-se uma sensação de
abundância de produtos da agricultura e coleta que são, com muita competência,
inventariados. Apesar da riqueza de recursos arrolados, a abundância, já não se
174

encontra tão disponível nos principais povoamentos existentes. Isto deve-se,


principalmente, a falta de braços para transformar os recursos existentes em bens
de consumo.
Frei João Daniel, por um lado, considerava a falta da ambição e o desprezo
da riqueza pelo indígena como um dos responsáveis por essa falta:

O desprezo que têm às riquezas e bens do mundo é inimitável


porque em tendo comer já na caça do mato, e já na pesca dos rios,
andam tanto ou mais contentes que os ricaços do mundo com todos
os seus tesouros, galas e banquetes; não lhes dá cuidado como hão
de vestir, nem de onde hão de vir as alfaias da casa; porque de tudo
são despidos.[...] Deste seu incomparável desprezo dos bens
terrenos vem o perderem-se entre eles os estimados cacaus, cravos,
salsas, preciosos bálsamos, prata, ouro, diamantes, e todas as mais
riquezas de que abunda o Amazonas, e pelas quais navegam os
europeus tantos mares, e se expõem a tanto perigos(DANIEL, 2004,
v1,p.273-274).

Por outro lado, responsabiliza, também, a aversão ao trabalho do branco


colonizador: “Os brancos porém que são sós, ou com sua pequena família,
ordinariamente [ilegível] passam pobricíssimos, se não tem alguma outra agência,
pela razão de todos quererem ser fidalgos e terem por desonra trabalhar”(DANIEL,
2004, v2,p.30). Nesse sentido, considera que a posse de força de trabalho escrava,
seja indígena ou negra, como o determinante do tamanho da riqueza e da
qualidade de vida dos colonos na região.
João Daniel(2004) relata com minúcias o tipo de agricultura indígena, nos
chamados sítios, que se localizam geralmente nas margens de rios e lago. O
trabalho começa com a construção de uma palhoça para se defenderem de chuva,
sol e animais. Depois, iniciam o processo de feitura das roças, onde com as mãos e
com facas de pau, as árvores menores são arrancadas e quebradas, e com os
machados de pedras, as árvores maiores são aneladas e vão secando. Depois que
secam são queimadas e nos meios dos restos de troncos maiores, são plantados a
mandioca, o milho e outros produtos que vão servir de alimentos aos indígenas.
No seu relato, Daniel(2004), mostra que a agricultura dos colonos acaba
absorvendo o modelo indígena para plantar a mandioca, o milho e outras espécies
comerciais. O que considera uma acomodação do europeu, pois em sua opinião,
esse modelo é muito trabalhoso, gasta-se sete, oito ou mais meses por ano para
preparar a área, além de que, a terra utilizada tem que ficar muitos anos em
pousio, para recuperar a mata e sua fertilidade. Isto vai exigir ao colono, em poucos
175

anos, à buscar de nova propriedade para cultivar. Esse tempo vai depender da
quantidade de escravos do colono.
Registra que nessa época, o processo de distribuição de terra para os
colonos, dava-se através de Carta de Data, uma portaria, que concedia até três
léguas de terras, medida de frente, para serem cultivadas. Quando, a terra
cultivada no modelo indígena já havia perdido a fertilidade, devido a agricultura
rotativa, o colono solicitava uma outra terra, porém permanecia com as antigas,
tendo em vista o investimento em habitação feitos. Uma outra alternativa, era a
compra de áreas com roças já prontas pelos índios.
Mostra ainda, que a produção comercial de cacau, café, tabaco, algodão e
arroz pelos colonos, utilizava-se do preparo de área tipo indígena, utilizando o
trabalho escravo, que era estimulado através de um grande fornecimento de
aguardente.
Discute minuciosamente o cultivo da cana como a atividade mais lucrativa,
onde havia o engenho aonde se produzia o açúcar, o mel, a aguardente, e a
engenhoca, aonde se fabricava a aguardente. Mostra que havia uma preferência
para a produção de aguardente, por exigir menos força de trabalho e ser muito
demandada pelos indígenas que davam o que tivessem em troca desta bebida.
Apesar dos engenhos, havia falta de açúcar, pois, só se produzia este produto, em
função do apoio e pressão da coroa sobre os donos de engenhos. Ou seja, os
engenhos padeciam com a falta de mão de obra(DANIEL, 2004).
Daniel(2004), discorre sobre a importância das missões no abastecimento
de alimento. Trata de forma preconceituosa, da “domesticação das feras” que são
os índios, e o papel das missões no fornecimento de força de trabalho para atender
as necessidades dos colonos, do governo e das próprias missões. Relata as
dificuldades de circulação das mercadorias pela falta de transporte de natureza
pública. Apesar da grande quantidade de produtos existentes nos sítios e nas
missões, esses não chegam nas cidades, pela falta de transporte público, pois a
insuficiência de trabalhadores impedia aos colonos e missionários de enviar os
produtos para serem vendidos na cidade, resultando isso na falta de mercados na
Amazônia:

Semelhante a falta de providências, e economia, que acima


dissemos dos barcos comuns, e pescadores públicos, é a falta de
mercados no Rio Amazonas, porque em todo o seu distrito não há
feira alguma em forma, (te o meu tempo) nem praça alguma em que
176

se façam compras, e vendas, dos víveres, dos gêneros, ou dos


frutos, mais do que as lojas ordinárias dos mercadores, e nas
cidades alguns açougue público de vaca. Digo nas cidades, porque
nas vilas e povoações menores que têm esta providência há, e cada
um vive sobre si, e do que por si, os seus escravos, se os tem,
podem buscar ou na pesca, ou na caça; e quem não tem escravos,
nem por si pode buscar, só por intervenção de procuradores, ou de
3as pessoas pode haver o necessário para suas casas; e muitas
vezes, ainda que tenham dinheiro, não acham absolutamente[o] que
comprar. Por isso só são bem servidos os moradores que têm sítios,
e escravos, porque nos sítios, em que mais ordinariamente vivem,
fazem por ter o preciso para passarem, sem a precisão de o
buscarem; mas quem não tem sítios, nem escravos, sente muita
falta, nem acha onde a poder remediar ainda que ofereça preços
exorbitantes. São enfim terras, as do Amazonas, onde não basta ter
dinheiro para passar bem, é necessário ter quintas, e ter escravos
(DANIEL, 2004, v2,p.120).

Na crônica setecentista, percebe-se que o equilíbrio existente entre


atividades de coleta e agricultura que permitiu abundância de produtos necessários
a sobrevivência de um grande contingente demográfico as margens do Rio
Amazonas e seus tributários vai sendo quebrado, à medida que se intensificam os
contatos entre os europeus e os nativos, povos com culturas e lógicas econômicas
extremamente diferenciadas. Percebe-se da metade dos anos seiscentos aos finais
dos setecentos um despovoamento maciço da região, resultante desse contato e
das tentativas de imposição da lógica do colonizador sobre o nativo colonizado.
Os populosos povoados indígenas encontrados pelos primeiros
colonizadores, vão sendo destruídos e/ou transformados pela superioridade das
armas, germes e processos de aculturação dos europeus (colonos e religiosos),
modificando-se radicalmente a racionalidade econômica dominante até então. A
esse respeito, João Daniel, registra:

Estes, e muitos outros tiranos insultos motivaram a total proibição da


tropa de resgates, no dito ano de 1750, depois de terem saído só do
Rio Negro perto de 3 milhões de índios escravos, como consta dos
registros, os quais, vendidos em pública praça, se repartiam pelos
moradores. Basta dizer que havia particulares que tinha já para cima
de mil escravos; e outros tinham tantos, que não lhes sabiam os
nomes, além de muitos que se repartiam e distribuíam para a
comarca do Maranhão, e de lá talvez comprados pelos mineiros se
distribuíam por todo Brasil e Minas( DANIEL, 2004, v1,p.314).

Pode ser que exista exagero nas contas de João Daniel, mas havia uma
desestruturação dos povoados indígenas. La Condamine observando uma nação
indígena, na sua viagem em 1743 escreve:
177

O padre Samuel Fritz os tinhas convertido todos a religião cristã, pelo


fim do último século, e contavam-se então em suas terras, 30
aldeamentos, indicados pelos seus nomes na carta desse padre. Nós
não vimos deles senão ruínas, antes o lugar. Todos os habitantes,
atemorizados pelas incursões de alguns piratas do Pará, que vinham
buscar escravos, dispersaram-se pelos bosques, e pelas missões
espanholas e portuguesas(LA CONDAMINE, 2000, p.70).

Ou ainda, observa: “Não há hoje em dia nenhuma nação guerreira inimiga


dos europeus nas margens do Maranhão: todas foram submetidas, ou se retiraram
para longe” (LA CONDAMINE, 2000, p.76).
Os abundantes produtos coletados da fauna e flora que atendiam as
necessidades de consumo das populações indígenas tornam-se fruto da ambição
dos europeus, transformando-se assim em produtos para um mercado extrativista
que liga a Amazônia a Europa. A organização da produção indígena passa a ser
determinada pelos interesses dos colonizadores, que vão transformando também a
agricultura para atender as suas necessidades. Contudo, conseguem submetê-la
apenas parcialmente a esses interesses.
As limitações de natureza ambientais e de natureza culturais relacionadas
a força de trabalho indígena, obrigam aos portugueses a se adequarem e
reconhecerem, mesmo contra vontade, a funcionalidade do sistema de produção
agrícola indígena. Para Del Priore e Venâncio(2006, p.16) essa adequação não é
gratuita: “Sem o prévio acúmulo de informações sobre as espécies vegetais nativas,
dificilmente os portugueses teriam sobrevivido e implantado o sistema colonial no
atual território brasileiro”.
A submissão dos produtos coletados da fauna e flora as necessidades do
mercado europeu, transforma o trabalho ordinário de coleta dos indígenas, em
atividades extrativistas. Os produtos da coleta transformam-se em mercadorias,
transformando também a dinâmica e velocidade da sua produção, antes
determinadas apenas por forças biológicas: necessidade de subsistência dos índios
e capacidade de produção da natureza. Agora, também passam a ser determinadas
pelas forças vindas dos mercados, expressão concreta da racionalidade capitalista.
Enquanto extrativismo, ao longo da história, as atividades produtivas, vão
estar sujeitas a uma constante tensão entre as forças da demanda dos mercados e
a resiliência do ambiente. Nessa tensão, alguns produtos que foram mal manejados
esgotaram-se, outros permanecem aos dias atuais, gerando riqueza para alguns, e,
garantido algum sustento para populações rurais que habitam na região.
178

A adequação do português ao consumo dos produtos oriundos da


agricultura e coleta indígena faz com que o extrativismo não se desenvolva isolado,
mais sim em combinação com o padrão agrícola herdado dos indígenas, que ao
longo do tempo vem sofrendo algumas adequações para atender as novas
necessidades dos mercados. A unidade dessas duas atividades é o que
denominamos hoje de agroextrativismo.
O acesso do colonizador aos produtos do agroextrativismo: as chamadas
“drogas do sertão” e os produtos da agricultura, na Amazônia Colonial, dava-se por
três vias:
a) Através de mecanismos de troca, onde os colonizadores europeus,
sejam franceses, holandeses, ingleses ou portugueses, levavam aos índios, os
produtos manufaturados na Europa, como machados, facas, espelhos, panelas,
etc., e recebiam em troca as especiarias: óleos, resinas, breus, animais; alimentos
como farinha, milho, banana e frutos diversificados; e também os índios
escravizados.
b) Através das expedições de coletas, onde o trabalho escravo, compulsório
e/ou remunerados dos índios como remeiros, guias e guerreiros, era fundamental,
por serem os conhecedores dos locais de fornecimento dos produtos e especiarias.
Nessas viagens organizadas por colonos, missionários e governantes, além das
atividades de coleta, faziam-se os descimentos e as operações de resgate de mão
de obra indígena, promovendo-se guerras e saques aos povos ainda não
submissos aos portugueses.
c) E através das aldeias missionárias onde os índios que se submeteram,
foram aculturados, e nessas missões, além de receberem os conhecimentos
divinos, eles eram utilizados na produção de alimentos para abastecer as missões e
vilas, além da coleta e/ou produção dos outros produtos agroextrativistas
produzidos para o mercado, como o cacau, o tabaco, o algodão, as especiarias, etc.
Quando das expedições dos homens para a coleta das drogas do sertão, as
mulheres indígenas eram as responsáveis pelas atividades agrícolas nas missões.
Na crônica setecentista pode-se observar as causas, a gênese e a
estruturação de um eficientíssimo sistema de expropriação econômica das riquezas
agroextrativistas, adequado as peculiaridades da região: o aviamento, que foi
gestado na figura do regatão. As suas causas, podem ser compreendidas nos
relatos de João Daniel:
179

Mas o pior é a falta de mercado dos frutos e víveres, e nasce esta


falta de barqueiros comuns e públicos, como acima já falamos; e a
razão é porque, estando os sítios, quintas, e herdades tão distantes
umas das outras, e tão longe dos povoados, não podem os donos
transportá-los as cidades e povoações sem mais dispêndio do que
lucro, ocupando para isso os seus fâmulos, e canoas; e é também a
causa de não remeterem os missionários, e moradores dispersos
pelo Amazonas acima, os muitos frutos de suas matas, como já
acima dissemos, porque importa mais a despesa que a receita
(DANIEL, 2004, v2,p.122).

Percebe-se que essa falta de mercado local, está associada a insuficiência


de força de trabalho indígena para a atividade de transporte dos colonos e das
missões. A regra era: quem necessitar de algum produto para o sustento local, que
vá atrás:

[..] de sorte que só quem necessita faz diligências para comprar dos
particulares, mas estes nenhuma fazem para vender,e por isso, se
há quem os busque nos seus sítios, muito bem, fazem então seus
negócios; mas se os não vão buscar, lá consomem consigo os seus
frutos, exceto os transportáveis para Europa, porque esses
conduzem aos portos, e embarcam, ou contratam nas frotas; enfim,
só particularmente, e com muita diligência, se fazem as compras e
vendas nas casas particulares, mas não em feiras, ou em praças
publicas( DANIEL, 2004, v2,p.122).

Essas dificuldades de braços para transporte de produtos para o


abastecimento local vão criar as condições para que se institua uma figura típica do
capital comercial na Amazônia, que vai ser chamado mais tarde de regatão:

Desta falta se aproveitam muitos para fazerem pelo Amazonas acima


grandes negócios porque, havendo canoa, v.g. as que dissemos
acima que vão ao sertão, nelas fazem carregações de vinhos,
aguardentes, instrumentos de ferros, e muitas outras drogas, e as
vendem por altíssimo preço pelos sertões; vendem como querem,
porque não tem por lá os compradores outro modo de fazerem os
seus provimentos; os mesmos avanços tem estes negociantes nas
compras dos frutos da terra, porque os compram conforme querem,
porque os vendantes não têm outro modo de os passarem: tudo
nasce da falta de barcos comuns, e de mercados formais, em que
cada um apresentasse os seus frutos e haveres(DANIEL, 2004,
v2,p.122).

Essa atividade comercial típica da época era denominada de resgate, de


onde certamente origina-se o termo regatão:

Os maiores negócios que fazem os contratistas são com os tapuias


mansos das missões, os quais enganam com alguns bolórios, facas,
e cousas de pouco custo, e por eles lhes compram farinha, e
qualquer cousa que eles tenham; chamam-lhes a estas cousas
resgates, e não compras, e os contratam desta sorte: vai qualquer
180

destes contratistas pelos sítios dos índios dispersos por entre rios, e
ilhas,entram-lhes em casa; vêem algumas farinhas, ou qualquer
outra cousa que lhes agrada, e sem mais ajuste lhes metem na mão
umas facas, ou uns bolórios, ou os cariciam com alguma porrada de
aguardentes, e acrescentando: Eu quero tanta farinha, ou tantas
galinhas etc., e logo mandam carregar, porque os índios por mui
tímidos não se atrevem a repugnar-lhes; e se algum o faz, parece
retórica lhes basta para os enganar( DANIEL, 2004, v2,p.123).

Para garantir que terão a produção nas mãos, estabelecem a seguinte


estratégia:

E se não acham as farinhas que querem, lhes entregam alguns


resgates, v.g. machados, e outros instrumentos de ferro, que os
índios muito estimam, com a condição de que dali a tantos dias, ou
em tal tempo, lhes tenham prontas aquelas farinhas, ou o que
querem, porque então voltarão a buscá-las; e os índios
ordinariamente cumprem com a sua palavra enquanto podem;
porque
Se alguma vez faltam ao ajustado, quando os contratadores voltam
se pagam quanto e como querem, porque pegando em tudo o que
acham levam, e os índios não só não repugnam, mas ainda estão
receosos de que lhes moam o corpo com pancadas. Quantos
enganos, quantas desordens, e quantas avarias se comete nestas
compras? Basta dizer que ganham mais de 100 por um[...]e deste
modo fazem a maior parte dos contratos, que ao depois vão vender
às cidades a 100 por um( DANIEL, 2004, v2,p.123).

Sobre essa forma típica de capital comercial, nos finais do século XIX, José
Veríssimo escreveu:

O regatão é um produto original da Amazônia. É para ela o que o


mascate é para o Sul do império, o bufarinheiro para a Europa,
apenas com as diferenças de proporção dos negócios respectivos.
Como eles, é um negociante ambulante. Faz o seu negócio em
canoa, a conhecida “canoa do regatão”, em geral uma pequena
galeota de tolda de madeira, vistosamente pintada e movida a remos
de voga nos lugares que o permitem, ou com os remos indígenas,
elípticos e chatos nos mais estreitos e menos profundos. A canoa é a
sua loja e, muitíssima vezes, a sua casa. A palavra regatão, querem
alguns, senão todos que deste tipo tem tratado, que derive do verbo
resgatar, de resgate, aludindo aos antigos resgates ou compras de
índios em que naturalmente figuraram os primeiros destes negócios
ambulantes. Pendo a crer, sem por ora entrar em discussões, que
origina-se antes do verbo regatear e que é formação paralela a
regateira. Seja, porém, qual for a etimologia da palavra, o que é
certo é que se por um lado ao regatão se deve, mais talvez do que a
ninguém, o conhecimento da região amazônica, que levado pela
ambição, pela concorrência dos seus congêneres e necessidades de
seu comércio, ele tem varado em todos os sentidos, ensinando assim
o caminho e fazendo conhecer a importância dos sertões aos
verdadeiros exploradores, por outro, fôrça é convir que tem sido ele
um dos mais poderosos elementos de corrupção e desmoralização
181

dos mesmos sertões. Ao redor mesmo do seu nome criou-se uma


legenda, que nem em torno do beduíno, e, como acontece com todas
as legendas, é de crer tenha seu fundamento a que originou na
Amazônia a vida geralmente pouco escrupulosa do regatão. O
regatão é por via de regra, branco e quase sempre
português(VERISSIOMO,1970, p.23).

Nesse processo de resgate cria-se um mecanismo de adiantar as


mercadorias para gerar uma dívida a ser paga no futuro. Isso vai se entranhar nas
relações econômicas da Amazônia, permitindo que se expropriem os produtos
agroextrativistas:

E não só resgatam ou compram dos índios com estas miudezas,


farinha, e outras cousas de pouca monta, mas também cousas
preciosas,que alguns índios acham pelos matos, e pelas praias,
como são âmbar, tartaruga fina, pedras de bezoar, pedra de
camaleão, pedras-d'água, e muitas outras preciosidades. É lástima
ver como os contratistas resgatam dos índios ótimos cascos de
tartaruga cada libra por um frasco de aguardente de cana, ou por
menos! Que a aguardente é a maior e mais rica fazenda para tirar
dos índios qualquer cousa por mais preciosa que seja. Com um
frasco de aguardente, compram uma pedra de camaleão, que se não
paga com 100.mil réis; com um frasco de aguardente compram libras
inteiras de âmbar; e assim o demais, porque nem os brancos têm
escrúpulo de comprar com tanta barateza, nem os índios sabem o
que vendem tão barato( DANIEL, 2004, v2,p.124).

Essa prática vai se expandir para além das missões:

Desta mesma sorte contratam estes brancos com os índios do mato


salvagens, quando, com eles podendo haver comunicação, levam-
lhes instrumentos de ferro, que são o de que mais carecem, e mais
estimam, facas, machados, fouces,e cousas semelhantes; e por cada
machado lhes pedem um ou mais feixes de cravo, ou de salsa, ou
tantos cestos de cacau, e que lhe hão de ter tudo pronto para tal lua;
e ordinariamente cumprem a sua palavra, exceto quando se
persuadem que os enganam de propósito, porque então nada deles
se consegue, senão a seu modo (DANIEL, 2004, v2,p.124).

As missões tiveram um papel importante na consolidação da prática do


pagamento adiantado dos produtos e serviços, ao procurar garantir os direitos dos
indígenas: “A 2a cousa especial no contrato dos índios é que não vendem, nem
fazem serviço algum, sem o pagamento à vista, ainda que a compra ou o serviço se
haja de fazer para o futuro” (DANIEL, 2004, v2,p.125). Nas viagens para a coleta,
os índios só aceitavam viajar se recebessem previamente os pagamentos pelos
serviços:

[...]e a razão é porque os costumavam antes levá-los, e depois de se


servirem deles com trabalhos insanos sete, oito, ou mais meses, os
182

mandavam para as suas missões com as mãos vazias, sem


pagamento algum, e para evitar semelhantes injustiças se ordenou
lhe dessem antes o pagamento(DANIEL, 2004, v2,p.125).

Segundo João Daniel, essa prática tornou-se comum nas missões, se os


índios quisessem alguma ferramenta, os missionários adiantavam e depois eles
produziriam os produtos que os missionários queriam. Muitas vezes eles não
pagavam as dívidas:

De sorte que quando querem vender o que têm, deixam os


missionários, e vão ter com os brancos; quando porém querem tomar
fiado não vão aos brancos vão aos missionários, e a razão é porque
se faltam ao prometido sabem já que os missionários lhes hão de
perdoar, e os brancos não; porque chegado o prazo, se não
satisfazem, se pagam os brancos com muito avanço pegando, e
tomando-lhes tudo o que acham a torto e a direito(DANIEL, 2004,
v2,p.125).

Mesmo com o fim das missões, através da aplicação do item 69 do


Diretório pombalino, continua o pagamento antecipado do trabalho do índio,
através de salário, ficando sob a guarda dos Diretores dois terços desses salários
até a conclusão dos serviços, para evitar problemas de deserção durante as
viagens de coleta das drogas do sertão(MOREIRA NETO,1988).
Essa prática do pagamento antecipado pelos serviços e/ou produtos,
criando uma dívida que obrigará o índio a trabalhar para gerar excedente
comercializável, vai se entranhar na cultura econômica da Amazônia Rural,
evoluindo mais tarde para a figura do aviamento. A garantia do pagamento da
divida criada, dá-se inicialmente através da violência, e aos poucos institucionaliza-
se consensualmente na cultura econômica da região. Essa prática sob o nome de
aviamento será fundamental para que a Amazônia consiga atender a demanda
internacional de borracha nos séculos posteriores, garantindo não só o trabalho de
índios e nordestinos, mas também do seguimento camponês que se consolidou na
Amazônia com o fim das missões e da escravidão indígena.
Como se pode observar, na Amazônia Colonial são instituídos os
fundamentos econômicos do agroextrativismo: um sistema agrícola e de coleta
indígena que é direcionado para o mercado. O processo de apropriação, dá-se na
ausência de moeda, através do pagamento adiantado da produção com
mercadorias, criado nas relações diretas de troca com o capital comercial,
corporificado na figura dos chamados contratistas, que de posse de canoas vêm
183

resgatar a produção contratada, “os primeiros regatões”. Esses fundamentos são


gerados a partir do contato do europeu com o nativo, através do choque de
racionalidades econômicas, e consolidados entre os séculos XVII e XVIII, numa
condição onde a falta de moedas, força de trabalho e a forte raiz cultural indígena
obriga a racionalidade capitalista do europeu a readequar suas práticas, para
conseguir sobreviver a essa nova realidade.
Nesse quadro, as Missões tiveram um papel preponderante na formação do
agroextrativismo, em primeiro lugar, ao conseguir fazer dialogar as duas
racionalidades econômicas em choque na Amazônia Colonial, a do europeu e a
nativa, através da catequese.
Na sua fase inicial, que Moreira Neto(1992) chama de período profético da
Missão Jesuítica26, que vai de 1607 a 1686, as missões conseguem atenuar
parcialmente os conflitos de racionalidades, em nome da fé cristã, garantindo assim
as condições de sobrevivência do português na região, através da aculturação dos
índios, e controle de sua força de trabalho.
A fase seguinte é denominada por Moreira Neto (1992) de período
empresarial da Missão Jesuítica, que se estende de 1686 com a criação do
Regimento das Missões, à 1759 com a expulsão dos Jesuítas. Nesse período,
percebe-se uma mudança brusca de comportamento da atividade missionária:

O Regimento das Missões marca o momento da passagem dos


jesuítas, de uma posição de defesa das liberdades indígenas,
inspirada por Vieira, a uma política concessiva aos interesses
coloniais, favorável aos cativeiros (MOREIRA NETO,1992, p.86).

Com a submissão das aldeias missionárias a racionalidade econômica dos


colonizadores, cria-se um campo de disputa acirrada pela força de trabalho
indígena, envolvendo missionários, colonos e burocratas. Essa força de trabalho
passa a ser usada pelas Missões para acumulação de riqueza e poder, o que vai
contribuir para o confisco de bens e expulsão dos jesuítas da região na era
pombalina, com a conseqüente implantação do Diretório.
Em segundo lugar, as Missões contribuem na formação do
agroextrativismo, ao criarem na Amazônia um contingente indígena aculturado e

26
Apesar de existirem varias ordens missionárias na Amazônia trabalhando na catequese indígena,
os jesuítas receberam um tratamento privilegiado pela coroa na sua relação com os indígenas.
Pela lei de 21 de dezembro de 1686, chamada regimento das missões, “que lhes entregava o
governo espiritual das aldeias, senão também o temporal e político, objeto de suas antigas e
constantes diligências”(Azevedo, 1930: 187-188).
184

destribalizado, conhecido como tapuio pelos brancos, e carnicaru pelos índios


tribalizados, cuja população em toda Província, segundo Baena(2004), era de
54.216 habitantes em 1720,

[...]todos adquiridos pelos trabalhos de sessenta e três missões, a


saber: 19 dos padres jesuítas, 9 dos religiosos de Santo Antonio, 10
dos capuchos da Piedade, 15 dos religiosos carmelitas, sete dos
capuchos da Conceição da Beira e Minho, e três dos frades
mercenários(BAENA,2004,p. 28).

Esse contingente populacional vai se constituir na base étnica da formação


de um campesinato agroextrativista da Amazônia, ao absorver a cultura familiar
monogâmica individualizada pregada pela Igreja, através do sacramento do
matrimônio, em detrimento da cultura familiar tribal ampliada.
O processo de formação do tapuio, no interior das missões foi na verdade
um violento exemplo de destruição cultural:

Desde o século XVI, os missionários jesuítas e de outras ordens


haviam adotado o expediente de reunir grupos culturalmente
diversos e, não raro, inimigos tradicionais, nos mesmos aldeamentos,
com o propósito de destruir a autonomia e a funcionalidade das
várias tradições culturais específicas (MOREIRA NETO,1988, p.46-
47).

Através do deslocamento dos índios de suas áreas de ocupação para as


missões, geralmente um local mais exposto ao contato; juntam-se indivíduos de
grupos diversos; destruindo-se os modos tradicionais de organização e controle
social do grupo, e de sua herança cultural pelo combate e eventual eliminação de
seus mitos, pajés, tuxauas tradicionais; e ainda, de sua língua, substituídos por
rudimentos e valores e crenças cristãos, pela presença dos próprios missionários e
de seus prepostos indígenas, os “capitães”; pela introdução da língua geral e por
outros mecanismos diversificados de dominação colonial(MOREIRA NETO, 1988).
Para Moreira Neto:

O resultado final é um índio ainda geneticamente íntegro, mas já


profundamente conformado e deformado pelos padrões culturais que
lhe foram impostos, submissos aos desígnios do mundo colonial
como já se tornara claro para os missionários jesuítas do século
XVI(MOREIRA NETO, p.47).

Ou seja, um índio degradado, na visão de José Veríssimo:

O abatimento a que chegou entre os seus descendentes a arte


cerâmica tão florescente outrora, é uma prova eloqüente que as
perseguições, a falsa catequese, todos os crimes que a cobiça baixa
185

engendrava, fizeram de uma raça selvagem, mas talvez


aperfeiçoável, uma gente abastarda, dissimulada, odiando a
civilização ou amando unicamente os vícios que fatalmente ela
acarreta consigo, a bebedice, a rapina, e a hipocrisia(VERÍSSIMO,
1970, p.16).

Por essa análise, a base formadora do campesinato agroextrativista da


Amazônia traz na sua herança cultural, uma raça, “desmantelada pelas guerras,
sufocada pela força, explorada pela cobiça, perseguida, enganada, odienta, enfim,
que uma raça, a indígena, vai atirar-se nos braços da outra, a
conquistadora”(VERÍSSIMO,1970, p.18). Sendo que a outra raça:

[..]civilizada, superior, porém mal educada e representada talvez pelo


que tinha de pior, provieram o tapuio e o mameluco, um coagido a
viver uma vida artificialmente civilizada e cruzando-se, ou antes,
mestiçando-se, se assim posso dizer, pela ação dos meios, o outro,
seu filho verdadeiro, com todos os defeitos de ambas, e quiçá sem
algumas qualidades de nenhuma(VERÍSSIMO, 1970, p.20).

Em sintese, o processo formador do campesinato agroextrativista


amazônico e deformador da cultura indígena foi permeado pela violenta opressão,
marginalização e desconfiança, construtores de valores negativos para
emancipação do homem, que vão estar presente na cultura herdada do colonizador
misturada com a diversidade cultural dos grupos amazônicos colonizados.
Com o advento da era pombalina, consolida-se de fato o fim da escravidão
indígena (1757), a perda do poder e a expulsão dos missionários. As aldeias
missionárias são transformadas em vilas, o controle da produção agrícola e
extrativista passa as mãos do Estado através dos diretores de vila, enquanto aos
religiosos só é permitida a atividade religiosa. Nas vilas são estimulados os
casamentos entre os portugueses e índios, outrora uma infâmia, com o objetivo de
estimular a agricultura.
Os casais mistos recebem do estado como incentivos: terra e instrumentos
agrícolas, amparados pela lei de 4 de abril de 1755, fruto de um grande esforço
argumentativo de Mendonça Furtado, Governador da Província, conforme se
observa na carta enviada ao Rei, em 11 de abril de 1753(MENDONÇA, 2004). Essa
medida vai ser um fator importante para a consolidação de um campesinato
tipicamente amazônico, expresso culturalmente na figura do “caboclo”: mestiço do
branco com o índio destribalizado, o tapuio. Ressalte-se, um campesinato
agroextrativista.
186

Segundo Lima(1999), o termo caboclo padece de duas conotações:

No discurso coloquial, a definição da categoria social caboclo é


complexa, ambígua, e está associada a um estereótipo negativo. Na
Antropologia, a definição de caboclos como camponeses amazônicos
é objetiva e distingue os habitantes tradicionais dos imigrantes
recém-chegados. Ambas as acepções de caboclos, a coloquial e a
acadêmica, constituem categorias de classificação social
empregadas por pessoas que não se incluem na sua definição(LIMA,
1999,p.5).

Na visão de Cardoso(1984) a constituição do campesinato amazônico,


pode ser visto por três vias, ou, tipologias:1-A partir das missões, depois de 1757,
transformadas em “vilas” e “lugares” indígenas; 2-Dos pequenos produtores livres,
proprietários ou não da terra que cultivavam com graus muito diversos da
vinculação com o mercado: ex-soldados, degredados, mestiços, índios
“cafuzes”(forros), foram constituindo gradualmente esta categoria variada, mais
densa na embocadura do Amazonas e cada vez mais rala ao longo das margens do
grande rio e de seus afluentes adentro; 3-A partir de um “protocampesinato
escravo”, isto é, as atividades autônomas dos escravos -índios(até 1757) e negros-
nas parcelas cujo usufruto recebiam nas fazendas, bem como obtinham dos
senhores o tempo para cultivá-las, vendendo os excedentes eventuais.
Pode-se afirmar, sem cometer exageros, que essas vias ou tipologias
camponesas guardam em comum a herança indígena da produção agroextrativista,
considerando-se ainda, que o protocampesinato escravo possa ter uma relação
menor com o extrativismo que as outras formas.
Um aspecto importante a ser ressaltado, é que o processo de
transformações nas bases produtivas observado na Amazônia Colonial, não foi um
processo pacífico. A historiografia amazônica mostra diferentes tipos de conflitos,
com prejuízos brutais para a ocupação da região. Além do conflito principal entre
colonizador e colonizado, que significou na prática o extermínio das populações
nativas, no seio dos colonizadores os conflitos também foram diversos.
Houve o conflito entre os colonizadores de nacionalidades diferentes pela
posse da região, dando a Amazônia a sua feição militarizada; o conflito entre
colonos, jesuítas e burocratas pela força de trabalho indígena, que culminou com a
expulsão dos religiosos e confisco de suas missões; e ainda, o conflito entre os
interesses da metrópole e os da colônia, são exemplos da complexidade inerente a
colonização.
187

Um conflito muito presente nas crônicas e relatos da Amazônia Colonial


diz respeito a administração da força de trabalho entre as atividades agrícolas e
atividades extrativistas. Frequentes desequilíbrios acabavam levando a situações
de falta de abastecimento de produtos para o consumo interno.
Ravena(1994) mostra que o abastecimento no período colonial passou por
duas formas importantes:

O projeto missionário objetivou a instalação de unidades autônomas


e lucrativas.O lucro provinha da atividade de coleta e a autonomia da
organização do trabalho para produzir alimentos.Para assentar as
bases dessas unidades, os missionários absorveram e reformularam
vários elementos da cultura indígena, principalmente aquelas que
tornariam eficiente esse sistema social. Dessa reformulação surgiu o
amálgama entre produção e religião, base da dominação
missionária(RAVENA,1994, p.192).

Na verdade, os jesuítas, através da religião, conseguiram, pelo menos no


início, fazer dialogar as duas racionalidades econômicas, conseguindo atenuar ou
evitar crises decorrentes de falta de abastecimento interno de alimentos e força de
trabalho para as atividades de coleta das drogas sertão.
Com o projeto pombalino de transformação das aldeias missionárias em
vilas sob a direção de diretores estatais, o quadro sofre mudanças, principalmente
no abastecimento de alimentos, com as chamadas “falta de farinhas”, observadas
nos estudos de Ravena:

Não somente o Rio Negro experimentava a falta de farinhas. Em


1759, uma correspondência do comandante de Macapá, Tomas Róis
da Costa comenta a notícia da falta de farinha em todo o Grão-Pará
e diz ao Governador Bernardo de Mello de Castro, que estas faltas já
haviam atrasado o andamento das obras (RAVENA,1994, p.128).

Segundo Ravena(1994), alguns fatores contribuíram para uma situação de


“falta de farinha” no período inicial do Diretório, como fuga de índios descontente
com as mudanças implementadas; epidemias reduzindo a força de trabalho
indígena; a má administração dos diretores; a voracidade fiscal e o intenso controle
da produção; e a pressão com o aumento da demanda dos não produtores
envolvidos com as construções de obras públicas e defesa.
As crises de falta de alimentos no período do Diretório parecem também
expressão da tentativa grosseira de imposição abrupta da racionalidade econômica
do europeu sobre a do colonizado:

O diretor despreparado para a função de reger essa economia, a


188

nível das povoações, e certamente preocupado em angariar lucros


provenientes de sua posição, findava por intensificar a mobilização
da mão de obra na economia extrativa sem entretanto promover
uma correspondente produção de alimentos(RAVENA, 1994, p.144).

As missões conseguiram estabelecer um mecanismo mais eficiente de


administrar o conflito de racionalidades, na medida em que funcionavam como
unidades produtivas autônomas com um aparato mobilizador menos grosseiro,
utilizado pelos missionários, que foi o convencimento através da religião.
Quanto aos conflitos entre os interesses da metrópole com os da colônia,
percebe-se neles, a expressão etnocêntrica da comparação entre agricultura versus
extrativismo, ou ainda, agricultura européia versus agricultura indígena. João
Daniel(2004) expressa muito bem este sentimento. Após ter inventariarado, com
minuciosidade, a diversidade de recursos naturais existentes na Amazônia; o
modelo da agricultura; as práticas de coletas; enfim, as formas de produção local;
no segundo volume de seu livro, vai discutir de forma extremamente
preconceituosa, a inviabilidade e os inconvenientes do modelo agrícola indígena
para a Amazônia, propondo uma série de medidas para desenvolver a economia da
região.
Entre essas medidas, a principal, foi banir a cultura da mandioca da
agricultura amazônica, pois ele considerava essa cultura como a causa da pobreza
e desabastecimento da região. Considerava que o modelo de agricultura, onde
todos os anos têm que derrubar florestas para plantar mandioca, é muito exigente
em trabalho, e não estabiliza a terra. Em contrapartida, se cultivassem grãos, não
precisaria derrubar novas matas, poder-se-ia cultivar várias safras durante o ano e
aproveitar campinas, terras alagadas e outros tipos de solo que não servem a
maniva. Para esse novo padrão de agricultura, espelhada no modelo europeu, ele
sugere o cultivo do trigo, na sua impossibilidade, o milho e o arroz.
Aos que quiserem permanecer com a mandioca, ele sugere o modelo de
desmatamento feito pelos índios, onde não se derrubam as árvores maiores,
apenas fazem o anelamento, para secarem, depois tocam fogo e elas permanecem
no roçado queimadas e em pé, podendo ser aproveitadas como madeira,
posteriormente. Isso reduziria muito o trabalho que se tem todos os anos, de
derrubar as árvores grandes.
João Daniel discute, também, os inconvenientes das atividades de coleta
que se desenvolvem através das “canoas do sertão”, como outro fator responsável
189

pelo empobrecimento dos moradores da região. As atividades de coleta das


especiarias, cujo modelo vigente consistia na organização de viagens demoradas
aos sertões, eram muito caras, exigentes em muito trabalho indígena, e
deslocavam trabalhadores das atividades para o abastecimento interno,
desorganizando a economia local, provocando falta de produtos básicos. Frei João
Daniel sugere aos colonos que façam o cultivo dessas espécies como cacau,
baunilha, salsaparrilha, algodão, etc., nas suas propriedade, reduzindo assim os
problemas de desabastecimento, diminuindo a necessidade de muito trabalho
escravo, e também diminuindo as incertezas das viagens de coleta (DANIEL,
2004,v2).
Em síntese, para João Daniel, se os colonos da Amazônia seguissem as
suas prescrições, não haveria a necessidade de escravos. Haveria abundância de
produtos e aumento da riqueza na região, melhorando a vida de todos. Suas
prescrições refletiam, em parte, os planos da coroa, onde existia a vontade de
implantar uma agricultura produtora de bens exportáveis e fixadora do homem a
terra. Isto ia de encontro às condições locais, onde os produtos das atividades
extrativistas pareciam ser mais lucrativos para os colonos que os da atividade
agrícola. Nesse sentido, a agricultura indígena, mostrava-se mais promissora ao
abastecimento local que a implantação de uma produção agrícola nos padrões
europeu.
Segundo um estudo de Gross(1969), no século XVIII, o baixo Amazonas
era uma área estagnada do império português, cujo produtos produzidos não
conseguia pagar os funcionários da coroa. Mesmo assim, a Coroa nunca perdera a
esperança de melhorar a economia da colônia, através da promoção da agricultura.
Neste sentido, a Coroa, através de leis, procurava aumentar a produção dos
produtos já cultivados ou estimular cultivo dos coletados. Tentou-se assim,
reproduzir a prosperidade do açúcar do Pernambuco e Bahia, mas não conseguiam
pois os colonos preferiam transformar o açúcar produzido em aguardente, que era
mais rentável e exigia menos trabalho.
A coroa, através de leis proibitivas, promessas de benefícios, processos de
qualificação técnica, tentava obrigá-los a fabricar açúcar, porém a resistência era
grande, pois alegavam que sem aguardente não poderiam dispor do trabalho
indígena na coleta das drogas do sertão. Além disso, havia falta de caldeiras e
ferreiros para atender os engenhos existentes.
190

Uma outra cultura introduzida com sucesso na região foi o café que logo
teve problemas de preço em função da concorrência com o café estrangeiro.
Segundo Gross, o governo colonial sempre enviava produtos possíveis de ser
cultivados para avaliação da metrópole. Da mesma forma, a Coroa enviava mudas
de produtos de outros domínios portugueses, para ser estimulado o plantio na
Amazônia, como o cinamomo, a pimenta (piper langun) e o índigo. Esses produtos
não deram certo na região, mesmo com medidas da Coroa para estimulá-los, como
isenção de impostos e fornecimento de índios para os colonos que introduzissem
novos produtos agrícolas (GROSS, 1969).
Além de isenção de impostos e fornecimento de índios aos colonos, a
Coroa estimulou outras medidas como: unidades de demonstração do cultivo de
cacau para os colonos verem as vantagens do cultivo; isentou-se de proibição ao
comércio dos oficiais da Coroa para se engajarem na agricultura; inventariou-se o
número de pés de cacau plantado por colonos para premiá-los de acordo com seus
esforços. Essas táticas, com relação ao cacau parecem ter dado certo, pois os
colonos adotaram o plantio de cacau nos anos setecentistas(GROSS, 1969).
Apesar do grande esforço da Coroa em promover a agricultura, Gross
concluiu no seu trabalho, que:

A inabilidade da Coroa para pensar de forma flexível sobre a política


colonial e fazendo cumprir leis que o colonos repugnaram significou
que Portugal teve pouco sucesso em promover a agricultura por
legislação entre 1700 e 1750(GROSS, 276, tradução do autor.).

Os relatos de João Daniel(2004) e os estudos de Gross(1969) indicam a


existência por parte da Coroa, de um grande preconceito com a forma de produção
agrícola indígena e com a atividade de coleta. Na verdade, o projeto civilizador
português idealizava uma agricultura estável na Amazônia, dentro dos padrões
europeus, capaz de produzir excedentes exportáveis, introduzindo espécies
cultivadas com sucesso na Europa como o trigo, ou em outras colônias como a
cana de açúcar principalmente, e ainda, através do cultivo das espécies nativas do
novo mundo, com forte apelo comercial, como o cacau, o algodão, a baunilha, o
arroz, etc...Nesse sentido, seus discursos vão encontrar nas atividades
agroextrativistas de origem indígena, a responsabilidades pelas mazelas do
desenvolvimento agrícola da região.
Ainda no período pombalino, um outro fato que vai ser importante na
191

formação do campesinato agroextrativista na Amazônia é a introdução regular do


negro na Amazônia, através da Companhia Geral do Comércio. Segundo
Hoonaert(1992) os empreendimentos agrícolas sempre tiveram alguns negros,
chamados “peças de Guiné” trabalhando junto com índios domésticos.

Embora a primeira leva regular de negro só chegasse em Belém no


ano de 1692 (145 escravos), todas as feitorias desde o início da
colonização sempre tiveram alguns poucos negros. Só que o preço
do negro era muito alto e o tráfico era desorganizado(HOONAERT,
1992, p. 60).

Segundo Dias(1970) foi introduzido regularmente no Grão Pará, pela


Companhia do Comércio, no período 1757 à 1777, um montante de 14.749
escravos africanos. Estes escravos destinaram-se a lavoura de gêneros
exportáveis: cana de açúcar, arroz, tabaco, algodão e cacau, localizadas em torno
da cidade de Belém, conforme Salles(1988). Para Barata(1973), muitos desse
escravos foram desviados para os garimpos de Mato Grosso.
Salles(1988) considera nos seus cálculos, a introdução de um número de
53.217 escravos africanos no Pará, durante o período da escravidão negra, o que
vai ser um contingente importante na formação étnica da população Amazônica. As
estatísticas trabalhadas por Salles(1988), mostram uma concentração dos negros
nas cidades maiores, como Belém, diferente dos tapuios, que se encontram, em
proporção maior, distribuídos no ambiente rural amazônico. O negro por
desenvolver seu trabalho, principalmente na agricultura de exportação, vai ter uma
participação menor na formação étnica do camponês agroextrativista, o caboclo.
Mesmo assim, vai estar presente, mesmo que de forma secundária, nessa
formação, reforçando mais ainda os aspectos inerentes a opressão, marginalização,
desconfiança e resistência ao branco, na formação cultural do caboclo.
Com o final da política pombalina, e do monopólio e extinção da Companhia
do Comércio, os colonos com escravo ou sem escravos vão conquistando a sua
autonomia produtiva, característica necessária nas formações camponesas. A
produção agroextrativista mantém-se, organizada em formas de produção
sustentadas no trabalho escravo dos negros nas fazendas e engenhos, e no
trabalho familiar em estruturas camponesas dos tapuios e caboclos. Mantém-se
uma produção agrícola para o autoconsumo e venda do excedente para o
abastecimento das cidades que vão crescendo, tendo como carro chefe a
mandioca, associada a uma produção para exportação, cujos produtos principais
192

são: o cacau extrativo e cultivado, o algodão, o café, a cana de açúcar.


A política pombalina contribuiu para melhorias na produção econômica da
Amazônica através do aumento das exportações. No entanto houve uma redução
da população indígena aldeada, certamente, devido a fugas e doenças.
Baena(2004) mostra que em 1833 haviam apenas 32.751 índios (tapuios), dos
54.216 índios existentes em 1720. Este despovoamento também se processara nas
vizinhanças de Belém:

Nas vizinhanças da capital existiram no primeiro dos dois apontados


anos [1720] 12.680; e em 1800 havia nas mesmas vizinhanças
5.000, e destes, mais de 2.000 estavam ocupados no corte,
conduções e embarque de madeiras, na construção de navios, nas
disposições da defesa da cidade, nas embarcações armadas e nas
empregadas em diversas diligências. Neste ano de 1833 só existiam
3.491 de ambos os sexos(BAENA,2004, p. 28).

Ressalte-se que a população total em 1833, segundo Baena(2004), era de


119.877 moradores livres (incluindo os índios aldeados), 29.997 escravos em um
total de 149.854 habitantes.
Para Moreira Neto:

O século que transcorre entre o início do período pombalino e a


decretação da autonomia da província do Amazonas(1750-1850)
representa fase particularmente funesta na história das populações
indígenas da Amazônia. Vários eventos com capacidade diversa de
determinação, que contribuem para o agravamento da situação dos
grupos indígenas regionais, ocorrem nesses cem anos: a epidemia
de sarampo; a reforma pombalina que expulsa os jesuítas e remove
em caráter perpétuo os frades de Conceição e Piedade (Carta Régia
de 11 de junho de 1761); a falência do indigenismo pombalino, a
escravização e as guerras ofensivas do governo de João VI; as
promessas da independência e a continuidade das formas de
opressão colonial; a Cabanagem, seguida da repressão e do
extermínio dos tapuios, índios e mestiços que dela participaram; a
decadência das vilas e lugares tradicionais, as expedições punitivas
e os descimentos de índios para as frentes de trabalho nos principais
centros da região; o abandono dos territórios tradicionais e a fuga
para as áreas de difícil acesso, impenetráveis, ou para territórios
estrangeiros; a ineficácia da nova política indigenista de 1845 e o
desastre da missão missionária oficial, a cargo dos capuchinhos
italianos; finalmente a autonomia da antiga comarca do Alto
Amazonas, com inevitável aumento de pressão sobre as áreas e
grupos indígenas e, como documento final do período, a aprovação
da Lei das Terras de 1850, que institucionaliza o regime da grande
propriedade privada à custa dos territórios ocupados
tradicionalmente por índios e caboclos(MOREIRA NETO, 1988,
p.21).

Em síntese, o processo de formação de uma estrutura camponesa na


193

Amazônia foi caracterizado pela opressão, marginalização e destruição de


identidade cultural dos índios e negros. O processo de mestiçagem foi composto
majoritariamente pelo tapuia ou índio aculturado juntando-os aos colonos
portugueses e minoritariamente com o negro.
Os religiosos, nas aldeias missionárias, desejando inicialmente a alma do
indígena, destruíram a diversidade cultural existente, buscando enquadrar o índio
ao moldes da família monogâmica cristã, produtora de força de trabalho
compulsória para o projeto econômico dos portugueses, segregada dos brancos,
de acordo com o Regimento das Missões de 1686. O Diretório pombalino
institucionaliza de fato a liberdade do tapuio, enquanto segmento reprodutor de
força de trabalho “livre”, estimulando a sua mestiçagem com o branco, dando-lhes
nome e sobrenome, enquanto vassalo do rei. Transformando, também, as aldeias
em vilas, segundo modelo português, e estimulando na vila as moradias para uma
única família no modelo europeu, em detrimento as moradias comunitárias (várias
famílias), do modelo indígena.
Observa-se em Moreira Neto(1988), que com o fim do período pombalino e
a extinção do Diretório, as estruturas comunitárias existentes nas aldeias e vilas
são abandonadas ou destruídas. Após a Cabanagem, os índios puros, os tapuias e
os seus mestiços são duramente perseguidos e reprimidos pelo governo, pela sua
participação nesse evento, repetindo-se mais uma vez na história, o uso da
opressão, marginalização e violência contra o que restava da população indígena.
Apesar da existência de sua liberdade jurídica. Evidentemente, esses
condicionantes históricos vão estar presentes na resistência silenciosa, para
alguns, ou submissa, para outros, da cultura cabocla.
A Cabanagem, revolta popular, que desintegrou a vida econômica e social
de toda Amazônia de 1835-1839, provocando graves prejuízos econômicos para a
elite rural amazônica, pode ter contribuído, junto com uma série de surtos de
varíolas para um despovoamento estimado de 30.000 habitantes numa população
de 130.000, com efeitos diretos no estoque de força de trabalho. Na visão de
Weinstein(1993), foi também um fator importante na consolidação do campesinato
agroextrativista:

“O afrouxamento dos controles sociais e políticos que caracterizou os


anos de guerra civil acelerou a formação de uma população rural
semi-autônoma - tendência que já havia começado no século XVIII.
Os escravos negros abandonavam em grupos as fazendas agrícolas
194

e de pecuária, muitos dos quais indo formar comunidades de


fugitivos, conhecidas como quilombos, nas regiões mais longínquas
do interior. Analogamente, índios semi-escravos abandonavam as
zonas de agricultura tornando-se agricultores de subsistência ou
“nômades”, destruindo desse modo os últimos vestígios do sistema
colonial. Assim, uma importante conseqüência da Revolta da
Cabanagem foi a expansão de uma população cabocla que havia
rompido a maior parte de seus vínculos ou obrigações para com a
elite branca”(WEINSTEIN,1993, p59.).

Essa população liberta e fugitiva vai instalar-se em terras livres e


desenvolver uma agricultura de subsistência, complementada pela caça, pesca e a
coleta de produtos extrativistas, desempenhando um papel importante no início do
chamado “ciclo da borracha”.
Nos meados do século XIX, com a invenção do processo de vulcanização
da borracha, inicia-se um processo de demanda crescente por esse produto nos
mercados internacionais, o que vai desencadear um novo processo de
transformações sócio-econômicas na região, denominado de “ciclo da borracha”,
muito bem discutido por Santos(1980) Weinstein(1993), Martinello(1988) entre
outros autores.
Nos estudos desses autores, observa-se, que a economia da borracha
aproveita a estrutura produtiva agroextrativista consolidada nos séculos anteriores:
a organização camponesa, composta de tapuios e seus descendentes mestiços; a
cultura do pagamento antecipado em mercadorias e/ou dinheiro pelos produtos e
serviços; a figura comercial do regatão. Essa estrutura produtiva é modernizada e
aperfeiçoada para atender a demanda explosiva por borracha no período que vai
da metade do século XIX as primeiras décadas do século XX, provocando
mudanças profundas na vida amazônica.
A demanda inicial por borracha foi suprida, primeira e exclusivamente, pela
estrutura camponesa agroextrativista existente que se consolidara através das
políticas pombalinas, composta dos tapuios e seus descendentes(mestiços ou não),
que habitavam em regiões de seringais próximas a Belém. Apesar de existir uma
população de escravos negros, esta não era utilizada nas atividades gomíferas:

A sempre escassa população escrava da região quase senão ocupou


jamais nas indústrias extrativas, sobretudo na da borracha. Os
escravos empregavam-se ou na lavoura do cacau, da cana e da
mandioca, ou em serviços domésticos.Por isso na Amazônia, mais
do que em outra parte do Brasil, foi insensível a extinção do
elemento servil(VERÍSSIMO, 1970, p.178) .
195

Segundo Veríssimo(1970), denominada-se de “borracha das Ilhas” essa


produção inicial de borracha, por ser originada de uma região que se estendia das
ilhas do arquipélago do Marajó até a foz do Xingu, abrangendo partes continentais,
como as margens do Jarí e os rios da baía de Melgaço. A organização da produção
dava-se na forma tipicamente camponesa agroextrativista, que Oliveira Filho(1979)
denomina de “seringal caboclo”, caracterizado pela exploração nos limites da
fronteira econômica; com mão de obra requisitada localmente; força de trabalho
familiar; pluralidade funcional da empresa(inclusive com atividades de subsistência)
e pequena produtividade do trabalhador.
Para Oliveira Filho(1979), além da mão de obra indígena, incorpora-se
nesse modelo os primeiros grupos de nordestino, que fugindo da seca são
conduzidos aos núcleos agrícolas da Amazônia, e daí rumam com as suas famílias
para os seringais em exploração.
Com o aumento da demanda, e a incapacidade da estrutura camponesa de
atendê-la, estabelece-se uma nova forma de organizar a produção extrativista da
borracha, com ênfase na adequação da racionalidade capitalista as condicionantes
locais. Oliveira Filho(1979) denominará a essa nova forma de organização, de
“seringal do apogeu”, cujas características são: exploração de áreas muito além
das fronteiras de mercado; mão de obra quase integramente importada;
trabalhador isolado; especialização da empresa com o abandono da agricultura;
com a produtividade do trabalhador bem mais elevada.
A força de trabalho dominante no “seringal do apogeu” é originalmente
nordestina, que segundo Veríssimo(1970), desloca-se para a região de forma
maciça a partir de 1878, acossada pela seca. Para Santos(1980), entre os anos de
1870 à população da Amazônia cresceu de 323.000 para 1.217.000 habitantes,
estimando-se uma migração nordestina superior a 300.000 habitantes nesse
período. Para Oliveira Filho(1979), esse deslocamento maciço de nordestino para
os seringais da Amazônia, não deve ser descrito como uma migração espontânea.
Em sua opinião: “Trata-se de fato de um movimento que, na escala e ritmo em que
se dá, deverá necessariamente ser induzido e organizado”(Oliveira Filho,1979,
p.134).
Baseado em dados empíricos disponíveis, Oliveira Filho(1979), considera
que essa migração nordestina não vem primordialmente de áreas de “plantation”,
mas de um campesinato marginal que habitaria mais para o interior e que se
196

constituiria em um reservatório natural de mão de obra às “plantations” durante os


períodos de expansão e como escoadouro de seu excedente populacional durante
o período de estagnação e crise.
A prática do pagamento antecipado dos serviços e produtos em
mercadorias, feita por regatões e comerciantes locais nos “seringais caboclo”,
instituição denominado de aviamento, constituída na Amazônia Colonial, é utilizada
também no “seringal do apogeu”, como uma estratégia de subordinação da força de
trabalho deslocada para os seringais, através da criação nas trocas, de uma dívida
que se perpetua, servindo ao seringalista como justificativa ao trabalho compulsório
do seringueiro.
O trabalhador já entra no seringal devendo o seu transporte, alimentos e
instrumentos de trabalho, não podendo sair do seringal enquanto persistir a dívida
que sempre aumenta, devido ao superfaturamento das suas compras e
subfaturamento da borracha que este produz. Essa prática moderniza-se criando
uma cadeia de endividamentos que vem das casas exportadoras, passando por
outros intermediários como seringalistas, comerciantes locais e regatões, até
chegar ao seringueiro, que é o elo mais explorado da cadeia, tema muito bem
discutido por Santos(1980), Weinsten(1993), entre outros autores.
Quanto a posse da terra, segundo Oliveira Filho(1979), existiu uma
preocupação pela demarcação e regularização da posse dos “seringais do
apogeu”, enquanto essa foi negligenciada nos “seringais caboclos”, por muitos se
localizarem em área de aluvião. Isto era possível, devido à existência em
abundância de terras livres. Assim, o determinante de domínio, era a posse de
capital para estruturar o seringal. Nesse sentido, é através do controle do comércio
e não de expropriação de terras camponesas, que ocorre a subordinação do
caboclo amazônico as determinações do grande capital:

Necessitando de mercadorias, o pequeno produtor é forçado a dirigir


parcialmente seu trabalho para aquelas produções que a rede
comercial aceita como pagamento das mercadorias que fornece. No
caso da borracha os altos preços vigentes fazem com que o próprio
comércio alternativo e clandestino (como os regatões e marreteiros)
pressionem no sentido de que o fornecimento de mercadorias seja
pago preferencialmente em seringa (OLIVEIRA FILHO, 1979, p.132).

A demanda explosiva pela borracha ao deslocar um grande contingente


populacional para região, atraindo o grosso da estrutura produtiva da Amazônia
para o extrativismo, desorganizando os ensaios agrícolas existentes até então, vão
197

gerar problemas de abastecimento local com aumento de preços de alimentos


básicos. Isto vai contribuir para uma nova polarização nos discursos entre
agricultura versus extrativismo.
Observam-se manifestações importantes de intelectuais da região em
relação a esse fenômeno que coloca o extrativismo como um fator de atraso para a
Amazônia. Ferreira Pena, analisando as Ilhas do Marajó em 1888, é um exemplo
dessas manifestações:

Na primeira destas seções há muitas terras férteis, pela umidade e


calor que nela reinam, grandes variedades de madeira úteis a
medicina e a indústria, e uma extraordinária quantidade de
seringueiras (Siphonia elástica) com cujo suco se prepara a borracha
do comércio. Esta parte tem sido considerada o Eldorado dos
seringueiros, cabendo-lhes muito melhor o nome de cemitério da
indústria e civilização a Província, pelo mal que faz a população o
fabrico da borracha(FERREIRA PENA,1971, p.34)

Em 1892, o escritor paraense José Veríssimo denuncia:

A produção do cacau como a de quase todos os antigos produtos da


agricultura amazônica, alguns dos quais extinguiram-se
completamente, por exemplo o anil, o arroz e o próprio café, de que
foi essa região a primeira produtora no Brasil, a produção do cacau,
repito, longe de aumentar, tem nos últimos anos diminuído, à
influência da atração irresistível e natural que a borracha, com a sua
extrema facilidade de colheita e elevação de seus preços, exerce
sobre todas as populações, amazônicas, que, em muitos lugares,
abandonaram a cultura pela extração da borracha(VERÍSSIMO,1970,
p.184).

Enquanto em 1936, Vianna Moog lamenta:

Mas, entre todos os danos causados, pelo ciclo do ouro negro,


nenhum se compara ao que resultou do desaparecimento das
lavouras. Este, o que deveria ter maior repercussão no futuro.
Somente quem adverte nas dificuldades que rodeiam o transplante
dos espécies exóticos para o “habitat” amazônico, ao contato dos
rudes agricultores que hoje procuram retomar um caminho
abandonado, podem avaliar a enormidade do que se perdeu com o
desaparecimento dos velhos lavradores, que levaram consigo um
cabedal de experiência inestimável(MOOG,1975,p.26).

Sobre a polarização agricultura versus extrativismo, para Oliveira


Filho(1979), apesar, de manifestar-se nos escritos de autores de diferentes épocas,
o ideal agrícola como necessidade ao processo civilizador da Amazônia, é no
período da borracha que esse tema vai expressar sua máxima dimensão.
Manifestada em críticas muito violentas, no momento em que a borracha surge
como um dos principais produtos na pauta de exportação da região, entre a década
198

de 1850 e início da década de 1860; declinando, na segunda metade da década de


1880; e, voltando a assumir certa importância nas proximidades da crise. Esta
temática vai estar presente nos textos oficiais, nas interpretações gerais e nas
matérias de periódicos.
Para Roberto Santos(1980):

Para quem sabe que o produto principal da Amazônia até 1840 era
quase certamente o cacau de origem extrativa, soam prima facie
estranhas as lamentações que desde os anos cinqüenta se ouviam
dos administradores das províncias amazônicas sobre o abandono
da agricultura causado pela sedução da borracha. Com efeito,
substituir a produção de um produto predominantemente extrativo
por outro somente extrativo, mas de cotação mais alta, afigurar-se-ia
à primeira vista vantajoso”(SANTOS, p.69).

Para esse autor, um dos motivos seria a visão crítica que os governantes
tinham de que a substituição não consolidava a economia e representava um
aumento na dependência econômica a atividades rudimentares. Para Oliveira
Filho(1979), essas reações e denúncias violentas contra o caráter nocivo da
produção de borracha expressam interesses de setores bem definidos, reagindo a
diversos fatores, como sejam:
1-O deslocamento dos recursos produtivos da região para a borracha,
provoca drenagem de recursos para importação de alimentos de outras regiões a
preços mais elevados, provocando compressão na produção de outros produtos
como café, tabaco, etc.;
2-A perda de controle sobre a força de trabalho, do setor que a controlava
até então, implica dificuldades para a sobrevivência desse setor e perda do seu
poder político;
3-Abandono relativo dos núcleos urbanos em detrimento das localizações
isoladas no interior, desenvolvendo nas grandes cidades um afluxo de moeda
nunca visto antes. Este fator inquietava as autoridades públicas e o clero,cujas
manifestações expressavam um cunho moralista;
4-Concentração de crédito nas casas aviadoras em Belém e Manaus,
diferente do período anterior em que o financiamento para a produção rural
acontecia através da casas comerciais espalhadas pelos pequenos centros urbanos
da hinterlândia. Esse processo garantia as casas comerciais estrangeiras a maior
fatia da riqueza gerada;
5-A grande concentração do controle sobre os meios de transporte e a
199

grande modernização ocorrida nos transportes. Sendo que os modernos vapores


substituíram os milhares de barcos dos mais variados tipos, pertencentes a sitiantes
e comerciantes responsáveis pelo transporte e circulação de bens, gerando um
problema social, visto que a navegação a vapor acaba se concentrando na mão de
estrangeiros;
Para Oliveira Filho(1979), a reação contra o extrativismo da borracha,
parece não ter a ver primordialmente com uma classificação de produtos entre
agrícolas ou espontâneos,

[...]mas sim, com a distinção entre formas de produção contrastantes


entre si. Ou colocando a questão de modo explícito: a hostilidade
dirigida contra a extração da seringa se expressa e ganha sentido a
medida que a produção de borracha vai abandonando os padrões
seguido pelas demais atividades extrativistas e vai estabelecendo
uma forma nova de organização da produção – a qual inclusive
passa a ameaçar as condições de reprodução e a própria existência
daquelas formas anteriores(OLIVEIRA FILHO,1979, p.121).

Apesar das fortes reações ao extrativismo da seringa:

Antes de ir mais adiante é preciso porém deixar claro que o ideal de


uma Amazônia agrícola nunca foi seriamente conduzida como uma
alternativa real a indústria gomífera. As vigorosas críticas ao
desenvolvimento exclusivo da extração de borracha não deram
origem a plano algum de colonização da região como um todo,
elaborando no máximo e tão somente mecanismos que vinham
corrigir tensões setoriais causadas pela expansão
seringalista(OLIVEIRA FILHO,1979, p. 127-128).

Para esse autor, o confronto entre agricultura versus extrativismo na


realidade foi entre as formulações de Silva Coutinho27 e Pimenta Bueno28,
propondo uma colonização fundada na pequena propriedade e em unidades
econômicas de caráter misto associando a lavoura com a extração, e do outro lado,
os contrários a essa idéia e defensores da extração nos moldes de grandes
propriedades produtivas. Esta posição tinha grande dominância nos meios
intelectuais e comerciais desde a década de 1880 até as vizinhanças da crise de

27
SILVA COUTINHO, João Martins da. “Breve notícia sobre a extração de salsa e seringa.” In:
Relatórios da Presidência da Província do Amazonas desde sua criação até a Proclamação da
Republica. Vol. III, Rio de Janeiro. Typ. do Jornal do Comercio, 1907.
28
PIMENTA BUENO, M. A. “Officio do gerente da Companhia de Navegação a Vapor do
Amazonas(28-02-1874).” In: Additamento às informações sobre o Estado da Lavoura. Rio de
Janeiro. Typographia Nacional, 1874. e “A borracha. Considerações.” Typographia Imperial e
Constitucional de J. Villeneuve & Co., 1882.
200

1911-1912, tendo como porta voz de seus interesses o Diário do Gram Pará29.
Para Bárbara Weinstein(1993):

“[...]os críticos do negócio da borracha chegaram a ampliar seus


comentários para abranger todos os tipos de atividades extrativas.
Culpavam a economia coletora “primitiva” pela instabilidade
econômica, pelo atraso tecnológico e pela escassez e ignorância da
população da Amazônia – bem como por todo os demais males que
lhes viessem a cabeça. Tendo antevisto um período de crescimento
gradual mais continuado, com base nas grandes lavouras e na
agricultura em pequena escala, associados à pecuária e a outras
atividades econômicas paralelas, determinados membros da elite
regional acompanhavam apreensivamente o aumento da demanda
por borracha e o ressurgimento, vitorioso, da economia extrativa
(WEINSTEIN,1993, p.50-51).

Para essa autora, dois fatores explicavam essa resistência: o desvio de


trabalhadores potenciais dos setores agrícolas e de transporte onde a escassez era
aguda, e, o fato da extração da borracha contribuir para criar uma população
relativamente autônoma de produtores semi-independentes, não sujeitos
diretamente a qualquer forma de controle ou coerção pelos membros da elite
tradicional. Esses fatores causavam receios às elites, da ruína financeira e
ressurgimento da rebelião popular. Observa, entretanto, que o período de
expansão econômica, vai levar a um entrosamento da elite tradicional com o setor
mercantil, diminuindo a crítica a economia extrativista(WEINSTEIN,1993).
A partir de 1912, momento em que a Amazônia perde o monopólio da
borracha, com a entrada crescente da produção cultivada na Ásia nos mercados,
levando a queda crescente dos preços, a estrutura comercial existente na região
entra em colapso, com a falência das casas aviadoras e bancos, atingindo com o
efeito dominó toda a cadeia de aviamento, desorganizando totalmente a economia
da região que se encontrava fortemente dependente desse produto. Isto vai
significar também um colapso no sistema de suprimento de mercadorias como
alimentos, ferramenta, utensílios domésticos medicamento,etc., provocando uma
estagnação econômica, que vai provocar um rearranjo produtivo(Santos,1980;
Weinstein, 1993; Martinello, 1989).
Para Martinello:

Uma das causas que fizeram com que esta situação de descalabro e

29
Diario do Gram Pará, A borracha. Breves reflexões opostas pelo Diário do Gram Pará às
considerações do Sr. Comendador M. A. Pimenta Bueno. Belém, Typ. do Livro do Commercio,1822.
201

semi-calamidade não degenerasse em insurreições generalizadas,


intensa animosidade separatista ou mesmo uma grande fome
epidêmica, foi a alternativa de emprego rapidamente oferecida na
região pela agricultura e outras atividades extrativas próprias da área
e que tiveram uma revalorização providencial na época da crise
(MATINELLO,1989, p.58).

Assim, a crise do mono-extrativismo faz o rural amazônico retornar a uma


economia diversificada com predomínio da cultura de mandioca, milho, arroz,
“ainda que voltada principalmente para o consumo dos próprios produtores e
secundariamente para o consumo local”(MARTINELLO,1989, p.58). Para
Weinstein(1993,p.74), a coisa foi mais drástica: “o seringueiro tinha de cultivar seu
alimento ou então abandonar de vez a região”.
Dessa forma, a produção agrícola continuava associada ou complementada
com o extrativismo da castanha, seringa e outros produtos florestais. O
financiamento desse agroextrativismo vai continuar através do aviamento que se
reorganiza com base em capitais locais de menor volume. Para Weinstein, certas
condições ajudavam a preservar o sistema de aviamento, ainda que sob forma
drasticamente reduzida:

Após anos de participação numa economia comercializada, os


habitantes da zona rural não podiam retornar com facilidade a um
modelo de completa auto-suficiência no complexo meio ambiente
amazônico. Os seringueiros e “castanheiros” também estavam
acostumados a diversos artigos industriais, como armas de fogo,
tecidos de algodão, utensílios domésticos e remédios. A longo prazo,
a desintegração da vida agrícola indígena, associada a esses novos
hábitos de consumo, é que salvaram a rede de aviamento. Para
garantir o próprio acesso a alimentos e bens manufaturados
suficientes, o caboclo tinha que produzir um excedente
comercializável. E o modo mais fácil de fazê-lo, mesmo durante os
piores anos da decadência, era extrair borracha ou coletar castanhas
do pará e vendê-las ao aviador local(WEINSTEIN, 1993,p. 276).

Essa reestruturação não foi pacífica, Weinstein(1993) mostra em seu


trabalho que a violência foi comumente utilizada pelos seringalistas para segurar
força de trabalho nas atividades extrativistas.
Observa-se assim, um retorno ao modelo agroextravista, anterior ao ciclo
da borracha, com uma sobrevida da forma de produção que Pacheco Filho(1979)
chama de “seringal caboclo”, na falência do típico “seringal do apogeu”. Esse
fenômeno pode ser explicado na maior capacidade que a racionalidade camponesa
tem para sobeviver em situações adversas, de natureza econômica e/ou ambiental,
que a racionalidade capitalista existente no modelo que faliu.
202

Em síntese, o chamado ciclo da borracha, mantém a violência e a opressão


das outras épocas, sobre as populações caboclas e incorpora um novo
componente étnico na formação do campesinato agroextrativista da Amazônia, que
foi o nordestino, chamado por alguns de “brabo”, predominantemente de origem
camponesa, expulso pela seca e opressão dos coronéis do nordeste, que vem a
Amazônia na busca de riqueza e acaba submetido a uma nova opressão, a dos
seringalistas, acorrentado a estes pela dívida do aviamento. Com a crise da
borracha, este tipo de trabalhador que permanece no rural amazônico, acaba
sendo absorvido pelo campesinato agroextrativista caboclo.
Segundo Brasil et al(2002), a derrocada da economia gomífera entre os
anos de 1920-1940 deslocou um intenso fluxo de migrantes para fora da região,
expulsos do interior da floresta pelo fechamento de seringais e falência das casas
aviadoras: “Enquanto em 1910, no auge da economia gomífera, mais de 70% da
população nortista compunha-se de migrantes, em 1940 eles passaram a constituir
apenas 10% da população”(BRASIL et al, 2002, p.38-39). Observando-se que a
população da Amazônia Legal em 1940 era de 2,7 milhões de pessoas.
Um novo surto de migração nordestina para os seringais acontece para
atender as necessidades da chamada “batalha da borracha”. Desta vez é uma
migração organizada pelo estado brasileiro com o apoio do governo americano, e
foi uma migração de famílias, para evitar o retorno do migrante. Segundo Martinello:

Em levantamento que efetuamos, pudemos verificar que os vários


serviços encarregados de recrutamento e encaminhamento, usados
e criados pelo governo para o provimento de mão de obra para a
batalha da borracha[...], enviaram de 1941 à 1945, 55.339 pessoas à
Amazônia e Mato Grosso, dentre os quais 36.280 eram homens
aptos para o corte da seringa e 19.059 eram dependentes
(crianças,mulheres e anciãos)(MARTINELLO,1989, p.313-314).

A precariedade das condições de apoio a esses migrantes levou a morte na


floresta uma cifra entre 15.000 a 20.000 pessoas. Com o fim da guerra, uma parte
conseguiu retornar a sua região com apoio do governo, registrado em uma cifra de
6.030 pessoas, outros retornaram por conta própria, não se sabe quantos, uma
quantidade migrou para a periferia das cidades amazônicas, e outros foram
absorvidos em projetos de colonização, principalmente no Acre. Os que
permaneceram na atividade rural, certamente, se adequaram ou foram absorvidos
para prática do agroextrativismo amazônico.
Na década de 50, com a adoção de um modelo desenvolvimentista
203

baseado na substituição de importações e ampliação do mercado interno, a ação do


governo federal torna-se mais presente na Amazônia com a criação de
infraestruturas integradoras da Amazônia ao espaço nacional. O principal
mecanismo dessa política foi a construção da Belém-Brasília, que vai promover a
ligação rodoviária da Região Norte com o Centro Sul.
Segundo Brasil et al(2002), a criação da Belém - Brasília, provoca na sua
primeira fase um fluxo migratório de áreas estagnadas do Estado do Pará como da
Zona Bragantina e Salgado para outras áreas da região. Isso, fez com que a
população não se concentrasse apenas em Belém, enquanto em uma segunda
fase, o fluxo migratório espontâneo é catalizado de outras regiões do país, com
predominância de nordestinos. Com a abertura do ramal da Belém-Brasilia a
Marabá, modifica-se o perfil dos fluxos migratórios para as novas áreas, “agora,
não apenas nordestinos, mas também com mineiros, paulistas, paranaenses e
goianos”(BRASIL et al,2002, p.41). O mesmo acontece com o Território de
Rondônia, a partir da abertura da Porto Velho - Cuiabá.
Com a implementação da chamada “Operação Amazônica”, o governo
federal estimula a migração inter-regional através de incentivos tributários especiais
a empresas privadas que se estabelecessem na Amazônia Ocidental, a fim de
implementar a criação de pólos de povoamento e desenvolvimento das zonas
fronteiriças pouco povoadas. O disciplinamento ao acesso a terra e minérios
ocorreu pelo estímulo a produção capitalista na agricultura e mineração através de
investimentos estáveis e atrativos, legitimando ao mesmo tempo a atuação dos
pequenos produtores (índios, posseiros e garimpeiros) que continuaram suas
atividades tradicionais(BRASIL et al, p.42).
Na década de 70, através de programas como Programa de Integração
Nacional ( PIN), destinado a financiar a construção de rodovias, e o Programa de
Redistribuição de Terras (PROTERRA), o governo federal adota a estratégia da
colonização agrícola dirigida na Rodovia Transamazônica. Por dificuldades
infraestruturais essa estratégia não teve o êxito esperado, levando o governo a
fazer a opção pelas médias e grandes empresas para o desenvolvimento regional, a
partir de 1974.
Essa política de incentivo a médias e grandes empresas na Amazônia vai
levar a criação de grandes fazendas para criação de gado, com a destruição de
florestas para plantio de pastagens, ampliando os conflitos pela terra e outros
204

recursos naturais.
As políticas do governo federal levam a um notável crescimento da
população amazônica devido aos fluxos migratórios, sendo que os estado que mais
atraíram migrantes foram o Pará e Rondônia. Os fluxos migratórios para Rondônia
eram oriundos das regiões Sul, Centro Oeste e Sudeste, enquanto que os fluxos
migratórios para o Pará eram principalmente oriundos do Nordeste e Centro
Oeste(BRASIL et al,2002).
Para Brasil et al(2002), a atração que a Amazônia exercia sobre as
populações de migrantes, a partir de 1986, foi bastante arrefecida e até mesmo
cessou. Isso devido a fatores como a desarticulação do POLONOROESTE que
financiava e incentivava a ocupação de Rondônia; a retirada de subsídios para a
agricultura da região; o custo da política de subsídios para a implantação de
empresa no Pólo Industrial da Zona Franca de Manaus; as manifestações nacionais
e internacionais contra as políticas públicas que estimulavam o desmatamento
amazônico; e a ausência de soluções tecnológica para a agricultura.
Para Hurtienne(2001):

Entre 1991 e 1996, os grandes fluxos migratórios inter-estaduais


foram do campo para as cidades. Já na década de oitenta a
população rural cresceu na região Norte em 2% e na Amazônia
Legal, 1,5% abaixo da taxa natural, o que se refletiu num
crescimento da população urbana de 5,4% no Norte e na Amazônia
Legal(HURTIENNE,2001, p.234).

A intervenção do Governo Federal na Amazônia, com incentivos a


pecuarização e a grandes projetos agroindustriais e minerais, deslocando grandes
fluxos migratórios para região vai rapidamente multiplicar os conflitos pela posse da
terra e outros recursos naturais. Nesse quadro de conflitos, os índios, seringueiros,
castanheiros, e outros camponeses agroextrativistas, emergem como novos atores
políticos, que através das suas alianças com movimentos ambientalistas nacionais
e internacionais, vão ter poder de pressão e voz junto a um Estado que se
democratiza. Dessa luta de resistência, mais econômica para alguns e mais
ecológica para outros, cujo principal ícone foi Chico Mendes, líder sindical
assassinado em 1988 no Acre, surge como principal proposta a implantação de
Reservas Extrativistas na Amazônia.
A proposta de implantação de Reservas Extrativistas, nasce objetivando

a regularização fundiária de áreas historicamente ocupadas por


205

grupos sociais que utilizam produtos florestais para subsistência e


comercialização, de forma compatível com as características de
ecossistemas amazônicos e de acordo com os padrões tradicionais
de uso (ALLEGRETTI, 1988, p.3).

Com a emergência dos novos atores políticos, denominados de “povos da


floresta”, com uma forte capacidade mobilizadora da opinião pública, construída
através de alianças com os movimentos ambientalistas nacionais e internacionais,
defendendo a atividade extrativista como uma forma de desenvolvimento
sustentável para a Amazônia, vem a tona uma nova polarização nos discursos entre
extrativismo versus agricultura.
De um lado, a defesa do extrativismo na Amazônia viabilizado sofre a forma
de Reservas Extrativistas, é encabeçado no debate teórico por Mary Allegretti,
antropóloga e presidente da ONG ambientalista denominada de Instituto de Estudos
Amazônicos (IEA), que presta assessoramento aos extrativistas no Acre e no
Amapá. Enquanto a defesa de um desenvolvimento baseado na agricultura
moderna capitalista, se notabiliza o engenheiro agrônomo Alfredo Homma,
pesquisador da EMBRAPA no Pará, graduado e pós-graduado pela Universidade
Federal de Viçosa, instituição de ensino superior criada e fortalecida sob o
auspício da chamada “Revolução Verde”, formadora de técnicos com ênfase no
paradigma de uma agricultura moderna capitalista.
A defesa das Reservas Extrativistas baseia-se na necessidade de integrar
desenvolvimento com proteção aos recursos naturais, em um contexto em que as
preocupações ambientais aumentam no mundo todo, nas vésperas da ECO 92.
Para Allegretti:

Formulada para atender demandas específicas de populações


amazônicas, a proposta não está restrita àquela região. E, apesar de
a denominação enfatizar a atividade econômica extrativista, como
veremos neste artigo, as áreas para quais o conceito foi formulado
admitem outras atividades econômicas importantes ligadas à
agricultura e à criação doméstica de animais, formando um sistema
integrado que tem na floresta sua base de
sustentação(ALLEGRETTI, 1994, p.19).

No contraponto, a crítica do ressuscitamento do velho extrativismo da


castanha e seringa, Allegretti esclarece:

Reserva Extrativista define um território, um espaço e uma forma de


regularizar o acesso a ele. Não define porém, o tipo exclusivo de
economia que se pretende ali desenvolver. Estabelece, sim, uma
condicinalidade – a sustentabilidade(ALLEGRETTI,1994, p.19).
206

Ou ainda:

As Reservas Extrativistas podem ser, portanto, consideradas como


reservas de desenvolvimento sustentado, nas quais atividades
econômicas baseadas na extração de produtos da floresta, na
agricultura, na criação de animais domésticos, assim como na
industrialização destes produtos, podem ser desenvolvidas desde
que atendam a critérios de sustentabilidade e de retorno social. Do
ponto de vista econômico, portanto, busca-se a transformação de
uma economia dependente do extrativismo para outra baseada em
sistemas agroflorestais(ALLEGRETTI, 1994, p.20).

A concepção de Reserva Extrativista pressupõe ao mesmo tempo área de


produção e conservação, uma vez que, a posse da terra passa a ser do poder
público, e administrada através de concessão de direito real de uso por
comunidades locais. Sendo que a exploração dos recursos naturais depende de
plano adequado de manejo. Essa concepção surgiu da necessidade de encontrar
uma alternativa de regularização fundiária dos antigos seringais amazônicos e
respondesse ao mesmo tempo, às demandas dos grupos locais por melhores
condições de vida (ALLEGRETTI, 1994, p.20).
De acordo com Allegretti(1994), para que o modelo de Reserva Extrativista
se complete, será necessário modificar a forma de exploração (extração e
beneficiamento) dos produtos extrativistas comercializados na Amazônia: mudando
radicalmente o tradicional sistema de aviamento, sob o qual, o produtos extraídos
não remuneram o extrator, e agregar valor aos produtos da floresta através de seu
processamento pelas populações que os coletam. Isto mudaria significativamente o
quadro de exploração social em que vivem as populações extrativistas na
Amazônia.
A argumentação utilizada por Homma(1989, 1995 e 2002,) para se
contrapor a proposta de criação de Reservas Extrativistas e mostrar a inviabilidade
e a fragilidade da economia extrativista na Amazônia parte do princípio, que caso
ocorra uma forte demanda por produtos extrativistas, essa economia inviabilizar-se-
ia a partir de uma concorrência que se estabeleceria com a produção de espécies
domesticadas e de seus substitutos sintéticos produzidos a um custo de produção
menor. Tipo o que ocorreu com a economia da borracha.
Sua argumentação segue o determinismo econômico presente no
paradigma da economia neoclássica, tendo como fundamentos empíricos as
observações do ocorrido com produtos amazônicos como a borracha e o cacau.
207

Com base nessa linha de argumento, as Reservas Extrativistas tornar-se-iam sem


extrativismo, a médio e longo prazo.
Na sua argumentação, contribuiriam também para inviabilizar o extrativismo
e as Reservas Extrativistas:

A expansão da fronteira agrícola, a criação de novas alternativas


econômicas, o aumento da densidade demográfica, o processo de
degradação, o aparecimento de produtos substitutos são também
fatores indutores desse declínio(HOMMA, 2002, p.142).

Em contraposição aos defensores das Reservas Extrativistas, como


alternativa ao desmatamento, Homma, sugere:

Para reduzir o desmatamento na Amazônia, muito mais que criar


reservas extrativistas é necessário tecnificar a agricultura,
aumentando a produtividade da terra e da mão de obra. A opção
maior, para se atingir o desmatamento zero na Amazônia, como
querem a comunidade internacional e a sociedade brasileira, implica
na utilização parcial, em bases tecnificadas, de mais de 60 milhões
de hectares que já foram desmatados (HOMMA, 2002, 142p.).

Desse debate, pode-se perceber algumas nuances. Enquanto Homma,


coerente com a sua trajetória acadêmica, argumenta em favor de uma moderna
agricultura capitalista, onde não existe futuro para formas de produção camponesa,
pois a urbanização, em sua opinião:

[...] aumenta o custo de oportunidade do trabalho no meio rural, o


que tende a tornar inviável a manutenção do extrativismo e da
agricultura familiar, dada a baixa produtividade da terra e da mão de
obra (HOMMA, 2002, 143p.).

Da mesma forma, também coerente com a sua trajetória ambientalista,


Allegretti, encabeça uma proposta com forte apelo ecológico, em uma conjuntura
onde a sociedade encontra-se muito sensível à questão ambiental. Além do que, ao
defender uma proposta que surgiu da luta pela terra, com grande poder mobilizador,
incorporando-a na Política Ambiental, tem-se maior garantia no alcance de um de
seus objetivos que é frear o desmatamento. Pois, o repasse a posse da União, das
florestas de uso como conquista dos extrativistas, que estarão de certa forma, sob o
controle, ou em parceria com os governos, evitando atividades não autorizadas.
Sobre os enfoques teóricos, Homma, como é comum na análise econômica
neoclássica, supervaloriza os aspectos econômicos, principalmente as forças de
mercado, numa perspectiva a-histórica, não percebendo que cada vez mais a
economia torna-se mais política, o que complexifica as relações econômicas no
208

capitalismo contemporâneo, tornando as “certezas epistêmicas”, em meras figuras


de retórica. Em direção contrária, Allegretti, sub-valoriza esses mesmos aspectos
econômicos, acreditando na capacidade política das populações extrativistas em
obrigar o Estado a cumprir sua responsabilidade com essa proposta.
Em meados da década de 1990, surgem novos trabalhos que vêm para
enriquecer o debate, aprofundando as discussões sobre extrativismo vegetal como
uma alternativa econômica concreta de desenvolvimento para algumas regiões da
Amazônia, organizado na forma de unidades de produção familiar diversificadas
com atividades agrícolas e pecuárias, capazes de incorporar o progresso técnico e
romper com o atrelamento histórico ao capital mercantil tradicional da Amazônia,
resgatando o saber popular das populações tradicionais, capitaneado por uma
organização política forte, denominado por Rego de “neoextrativismo” ( Rego,
1999; Campos, 2002; Costa, 1997 ).
Também para Homma, muitas das propostas do neoextrativismo “não
passam de introdução de atividades agrícolas entre os extrativistas que, se tiverem
sucesso, podem levar ao abandono das atividades extrativas tradicionais”(HOMMA,
2002, p.146).
Na verdade a critica de Homma ao neoextrativismo demonstra no mínimo
forte incompreensão na proposta, além da cegueira ideológica, pois segundo
Rego(1999, p.5):

[...]o conceito de neoextrativismo abrange todo o uso econômico dos


recursos naturais não conflitante com o modo de vida e a cultura
extrativista. No sentido econômico, neoextrativismo é a combinação
de atividades estritamente extrativas com técnicas de cultivo, criação
e beneficiamento imersas no ambiente social dominado por essa
cultura singular[...]Portanto, cultivo, criação, artesanato e
agroindústrias são extrativistas desde que se harmonizem com
valores, crenças e costumes da população extrativista e com as
características do seu ambiente natural ”.

No conceito, vê-se que o componente cultural é uma variável fundamental,


que as avaliações de Homma não perceberam ou não conseguiram alcançar, além
de que, o aspecto central da proposta do neoextrativismo pode ser observada na
citação: “Esses pressupostos permitem pensar que o neoextrativismo, organizado
na forma de produção familiar, seja a estrutura econômica adequada ao
desenvolvimento da Amazônia Ocidental”(REGO, 1999, p.1-2). Ou seja, o
neoextrativismo foi pensado como uma forma de organização da produção tipo
209

camponesa, cuja viabilidade pode ser discutida em termos de sua racionalidade


econômica no uso dos recursos naturais, que tem se mostrado ao longo da história
da Amazônia, mais eficientes sobre o ponto de vista econômico ecológico que as
formas capitalistas presentes nas análises de Homma. Tanto que, apesar de todas
as dificuldades enfrentadas na sua trajetória, as formas camponesas
agroextrativistas continuam sobrevivendo e se estabilizando na região.
Uma outra discussão vem à tona na Amazônia quando dos estudos da
agricultura nos anos 90, discutida com muita propriedade por Hurtienne(2001). Para
esse autor os principais estudos sobre a agricultura na Amazônia, foram sempre
carregados de preconceitos, em função da prática dominante do modelo de corte e
queima. Este preconceito, presente em pesquisadores com uma visão
modernizante da agricultura, contribuiu para conclusões da inviabilidade e
instabilidade da produção familiar na Amazônia, dominando as análises com ênfase
no “ciclo de fronteira”, onde o migrante chega a região desenvolve a agricultura de
corte e queima, com um baixo grau de retorno econômico e na falta de
infraestrutura de apoio, acaba sendo expulso pelo latifúndio ou pela pecuária,
procurando nova fronteira agrícola para repetição desse processo, ou migrando
para as cidades.
Na década de 90, a partir dos estudos de Costa utilizando instrumental
teórico da análise internacional sobre agricultura camponesa, percebe-se um outro
cenário, que mostra uma estabilidade parcial desse tipo de produção nas regiões do
Pará onde se desenvolveram suas pesquisas(COSTA,2000; HURTIENNE,2001).
Pode-se dessa forma, entender, que esses estudos abriram novas possibilidades
para pesquisa e compreensão do campesinato amazônico, considerando
principalmente a sua dimensão ecológica.
Fato é que as transformações na agricultura amazônica são profundas. A
intensa migração ocorrida na segunda metade do século XX, colocou o
campesinato agroextrativista caboclo em contato com camponeses oriundos de
diversa regiões do país, com trajetórias e práticas produtivas diferentes. O projeto
modernizante da agricultura brasileira traz a campo, a figura do extensionista
agrícola, que vai tratar o camponês agroextrativista como um potencial pequeno
empresário agrícola capitalista, necessário ao projeto modernizante, na função de
consumidor de insumos modernos para agricultura. Negando-lhe assim, sua
história, cultura extrativista e lógica camponesa.
210

Frente a esses e outros fatores, o século XX vai encerrar com um


campesinato amazônico bastante diversificado. Neste, pode-se identificar segundo
Lescure, Pinton e Emperare(2000), diferentes sistemas produtivos, como: o sistema
puramente extrativista; o sistema misto agricultura-extrativismo; o sistema tripartite:
agricultura, agroflorestamento e extrativismo; o sistema misto agricultura-
agroflorestamento e o sistema agrícola puro. Neste sistemas, as atividades
extrativistas estão em sua maior parte associadas a outros tipos de produção, como
a agricultura, a caça, a pesca e até mesmo a criação de animais em pequena
escala. Para esses autores: “O equilíbrio entre essas atividades depende mais de
condições sócio-econômicas existentes no nível local do que de condições
ecológicas”(LESCURE, PINTON E EMPERARE, 2000, p.453).
Entendo que essa diferenciação é principalmente fruto da diversidade
ecológica regional, que permite diferentes níveis de disponibilidades de produtos
florestais com potenciais de mercado, que são utilizados pelos camponeses, de
acordo com a demanda comercial desses produtos. Dito de outra forma, a
agricultura, principalmente baseada no cultivo da mandioca, vai encontrar-se quase
sempre presente, podendo ser considerada como um indicador das condições
momentâneas da economia extrativista, e de outras atividades que se somam a
esta na reprodução da unidade camponesa agroextrativista.

3.1.3 O agroextrativismo e a política ambiental

A década de 80 para a sociedade brasileira tem significados aparentemente


paradoxal: para a economia significou uma “década perdida” em termos de
crescimento econômico enquanto para a política significou o fim do regime militar
com o início do processo de redemocratização do país. Nesse quadro, vozes que
estavam caladas emergem por todo o país lutando por direitos que estavam sendo
negados, ou usurpados.
Na Amazônia, dos seringais, castanhais, rios, lagos e das florestas de um
modo geral, surge um forte movimento organizado de oposição e resistência ao
modelo de desenvolvimento via grandes projetos agroindustriais e minerais, que se
implementavam com forte apoio estatal, destruidor dos recursos florestais e
conseqüentemente das condições de sobrevivência dos chamados “povos da
floresta”: castanheiros, seringueiros, ribeirinhos e índios.
211

Essa resistência emerge a cena política já na década de 70, a partir dos


seringueiros do Acre, em quatro diferentes momentos, segundo Allegretti(1994):
.Empates e Expulsões(1973-1976): o empate que consistia em uma tática
espontânea de defesa da floresta contra as derrubadas, através da qual, os
seringueiros reúnem-se com suas famílias, e impedem pela ação direta, a
derrubada de árvores pelos fazendeiros; indo até área que está sendo preparada e
desmontando os acampamentos dos peões, impedindo que a derrubada seja
iniciada. Essa tática que se espalhou por vários municípios da região, tinha como
objetivo impedir as expulsões, geralmente violentas e cada vez mais freqüentes de
seringueiros, por fazendeiros oriundos do Sul do País, que adquiriram antigos
seringais ocupados, tradicionalmente, por seringueiros.
.Indenizações e Acordos(1976-1980): como resultado dos empates, o
governo reconhece os seringueiros como posseiros, categoria jurídica, que pelo
Estatuto da Terra, tinha direitos a indenização pelas benfeitorias existentes nas
áreas ocupadas. Assim, os seringueiros que eram expulsos passaram a receber
esse direito em dinheiro. Como muitos seringueiros negavam-se a sair dos
seringais, criou-se acordos entre a CONTAG, representando os seringueiros, e os
fazendeiros. Nesses acordos, os seringais eram divididos, ficando uma parte para
os seringueiros, que recebiam pequenos lotes de terra, e outra parte para o
fazendeiro desenvolver suas atividades agropecuárias.
.Colonização(1980-1985): a resolução dos conflitos pela posse da terra por
acordos, evoluiu para a criação pelo poder público, de áreas destinadas ao
assentamento de seringueiros, juntamente com pequenos produtores oriundos do
Sul do Brasil, através de projetos de colonização com lotes de 100 hectares por
família. Com esses assentamentos pretendia-se transformar seringueiros em
produtores agrícolas. Tarefa difícil, pela falta de infraestrutura básica nesses
assentamentos, muitas das vezes aconteceu o contrário, os colonos aprenderam
com os seringueiros e passaram a utilizar os produtos da floresta na sua
subsistência.
.Reserva Extrativista(1985-1990): com a organização dos seringueiros em
um movimento próprio, em 1985, por ocasião do Encontro Nacional dos
Seringueiros da Amazônia, foi definido como objetivos principais do movimento, a
permanência na floresta, a realização de uma reforma agrária que respeitasse o
modo tradicional de vida, a introdução de tecnologias novas para melhorar a
212

produção e a implantação de um sistema de educacional e de saúde adequado às


necessidades da comunidade:

Esse conjunto de demandas passou a ser denominado de Reserva


Extrativista, ou seja, a regularização das áreas tradicionalmente
habitadas e a introdução de inovações no campo econômico e social
que permitissem a modernização da produção e do estilo de
vida(ALLEGRETTI, 1994, p.24).

O início desse movimento coordenado pela CONTAG, configura-se como


uma luta pela posse da terra, porém, as condições precárias dos Projetos de
Assentamento Dirigido (PADs) leva os seringueiros a associar a luta pela terra com
o modo de vida seringueiro em uma proposta política original. Segundo
Gonçalves(2001), em 1984, essa proposta entra no debate do IV Encontro Nacional
dos Trabalhadores Rurais da CONTAG na idéia de que a Reforma Agrária não
podia ser homogênea em todo o território nacional, era necessário considerar a
dimensão cultural do modo de vida no debate político, assim, os seringueiros
recusam o módulo rural do INCRA de 50 ou 100 hectares, já que a condição
seringueira requeria uma extensão média de 300 hectares de terra com
floresta(GONÇALVES, 2001).
Esse movimento oriúndo do Acre formaliza-se com identidade política
própria em 1985, através da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, que
mantém-se articulado à representação política da base sindical de trabalhadores
rurais da Amazônia, ampliando a sua ação política para além da luta pela terra,
criando assim espaços de interesses comuns com os movimentos ambientalistas
nacionais e internacionais que defendem a preservação das florestas. Isso vai
fortalecer a visibilidade política dos “povos da floresta”, projetando
internacionalmente suas propostas e as suas principais lideranças, como o líder
seringueiro Chico Mendes.
O modelo de reforma agrária defendida pelo Conselho Nacional dos
Seringueiros-CNS para as áreas com potencial extrativista na Amazônia baseava-
se na criação de Reservas Extrativistas, como áreas de florestas protegidas pelo
Estado para o uso direto de seus recursos naturais pelas populações tradicionais,
inspirado no modelo das Reservas Indígenas.
A idéia de Reserva Extrativista, surge pela primeira vez, em Ariquemes,
Rondonia, no encontro preparatório para o Encontro Nacional dos Seringueiros,
ocorrido entre os dias 31 de agosto a 01 de setembro de 1985:
213

Foi nesse contexto, de reflexão sobre o que estava ocorrendo em


Rondônia, que a idéia de uma reserva para os seringueiros foi
apresentada e que pode ser caracterizada como a origem histórica
do conceito. Cinco temas foram objeto de discussão durante o
encontro: (i) o confronto histórico entre seringueiros e índios; (ii) as
propostas dos Soldados da Borracha; (iii) a crise do extrativismo; (iv)
os desmatamentos e os conflitos dos seringueiros com fazendeiros e
colonos; (v) áreas reservadas para índios e seringueiros (vi) e o
papel do extrativismo na proteção da Amazônia. A proposta de
Reserva Extrativista emergiu do debate sobre estes
temas(ALLEGRETTI, 2002, p.224).

A pauta desse encontro ao permitir uma reflexão sobre situações muito


semelhantes, de populações marginalizadas e oprimidas pela racionalidade
capitalista, acabou incorporando na luta dos seringueiros, as soluções encontradas
e já aplicadas na problemática indígena.
Por força da pressão política do CNS, em 1987, através da Portaria no 627
do INCRA, é criada no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária a figura do
Projeto de Assentamento Extrativista (PAE), sendo que até 1989 são criados dez
PAEs em vários estado amazônicos, sendo 3 no estado do Amapá, sob a
responsabilidade administrativa do INCRA.
Para Gomes et Felipe(1994), a Portaria no 627/87 contemplou duas
inovações que irão persistir na regulamentação da proposta de Reserva Extrativista
no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente: 1)a utilização condominial da
área: que pretendeu por fim ao tradicional modelo de parcelamento do solo em
lotes, ao todo, incompatível com a atividade extrativista; 2) o contrato de direito real
de uso: o que permite impor condições especiais aos concessionários e a
rescindibilidade do contrato quando verificação de danos ambientais.
A proposta de Reforma Agrária do CNS, na forma de PAEs, encontrou
muitas dificuldades para se viabilizar através do INCRA. Allegretti (1994), considera
como as principais: a frágil base legal sobre a qual estava instituído, uma portaria
interna do INCRA, que poderia ser anulada por um novo presidente do órgão; a
perda de poder político da reforma agrária nos últimos anos do governo Sarney; e
as dificuldades de realizar as desapropriações necessárias e prévias à criação de
um PAE.
O impacto causado com o assassinato do Chico Mendes em 1988,
liderança principal do movimento dos seringueiros, faz com que o governo brasileiro
seja obrigado a tomar posições mais enérgicas em relação aos desmatamentos da
214

Amazônia, devido a fortíssima pressão internacional. Com isso, em 1989, é criado o


IBAMA como executor da Política Ambiental Brasileira, que sofre modificações
através da Lei no 7.804 de 18 de julho de 1989. “Essa lei deu nova redação ao
inciso VI do artigo 9o da Lei no 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente e institui o Sistema Nacional do Meio
Ambiente(SISNAMA)”(SANTILLI, 2005, p.140).
Nessa mudança, a Reserva Extrativista é incorporada entre os espaços
territoriais a serem especialmente protegidos pelo poder público, e incluída no rol
dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Quatro meses depois, o
Presidente da República assina o Decreto-Lei no 98.897 de 30 de janeiro de 1990,
que regulamenta a criação e implantação da Reserva Extrativista como unidade
específica de proteção ambiental e de produção auto-sustentável. Um aspecto
importante nesse Decreto, é a possibilidade de se criar Reservas Extrativistas,
independente da desapropriação prévia das terras, o que na opinião de
Allegretti(1994), agilizaria bastante o processo e impediria imediatamente o
desmatamento das áreas, uma vez que o uso destas só poderia ocorrer em bases
sustentáveis.
Ainda nesse cenário favorável ao movimento dos seringueiros, “no dia 23
de janeiro de 1990, o governo federal por meio do Decreto no 98.863 criou a
primeira reserva extrativista do Brasil, a Reserva Extrativista do Alto Juruá, no
Estado do Acre, de 506.186 hectares”(MARCONDES, 2005, p.241). Ainda nesse
clima, em março de 1990, foram criadas a Reserva Extrativista do Rio Cajari no
Amapá com 481.650 hectares, através do Decreto no 99.145/90; a Reserva
Extrativista do Rio Ouro Preto em Rondônia com área de 204.583 hectares, através
do Decreto no 99.146/90; e a Reserva Extrativista Chico Mendes com 9.870.579
hectares no Acre, através do Decreto no.99.144/90.
Se para o INCRA, havia dificuldades em viabilizar o projeto de reforma
agrária dos seringueiros, para o IBAMA, as dificuldades também não foram poucas,
de um lado, a instituição era recém criada, através da junção de quatro instituições
com culturas bastante diferenciadas: SEMA, uma cultura institucional mais voltada a
poluição industrial; o IBDF, até então, uma instituição pública com forte ação no
fomento florestal; a SUDHEVEA criada com o propósito de estimular a produção
racional da borracha; a SUDEPE, que atuava no controle da pesca, o que
propiciava uma efervescência de conflitos de atribuições nesses primeiros anos. Do
215

outro lado, de acordo com Diegues(2004) os técnicos envolvidos com as Unidades


de Conservação, geralmente das ciências naturais, foram formados na cultura
preservacionista tradicional de influência americana, contrários e com dificuldades
em aceitar unidades de conservação com populações dentro.
Esses aspectos vão fazer com que, até o ano de 1992, nada de concreto
acontecesse por parte do IBAMA para viabilizar as primeiras Reservas Extrativistas,
a não ser ações de fiscalização para evitar o seu desmatamento. As ações mais
efetivas do IBAMA nesse caminho vão iniciar com a criação do Centro Nacional de
Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT), criado através
da Portaria no 22-N/92, de 16 de fevereiro de 1992.
Com a criação do CNPT, agilizam-se os processos de criação de novas
Reservas e os de desapropriação das Reservas criadas, que se encontravam
parados, e, em risco de perder o seu caráter desapropriatório de interesse social, o
que garantiria aos proprietários das terras, indenizações a preço de mercado, o que
dificultaria a sua realização. Iniciam-se, também, a implementação de pequenos
projetos e a elaboração dos projetos macros a serem financiados com os recursos
do PPG-7.
No ano de 2000, com a instituição do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza-SNUC, através da Lei no 9.985 de 18 de julho de 2000, o
agroextrativismo vai institucionalizar-se definitivamente na Política Ambiental
Brasileira, através de dois tipos de unidades de conservação de uso sustentável.
Segundo Santilli(2005, p.141): “Trata-se entretanto de unidades de conservação
inspiradas em conceitos completamente distintos dos das áreas protegidas
tradicionais”.
A Lei do SNUC, apresenta-se também como uma ruptura definitiva com a
visão preservacionista tradicional dominante na política ambiental brasileira. Para
Santilli:

Um dos paradigmas socioambientais fundamentais, que permeia a


Lei no 9.985/200, é a articulação entre biodiversidade e
sociodiversidade. Entre os objetivos e diretrizes do SNUC estão
elencadas não apenas a manutenção da diversidade biológica e dos
recursos genéticos e a proteção as espécies ameaçadas de extinção,
as paisagens naturais e recursos hídricos e edáficos (solos), como
também a ‘proteção aos recursos naturais necessários à subsistência
de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu
conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e
economicamente’. Entre os objetivos do SNUC estão não apenas a
216

conservação da biodiversidade, como também a conservação da


sóciodiversidade, dentro de um contexto que privilegia a interação do
homem com a natureza, e as interfaces entre diversidade biológica e
cultural(SANTILLI, 2005, p.123-124).

Na Lei do SNUC(2000), as atividades agroextrativistas desenvolvidas pelo


campesinato agroextrativista amazônico, enquadrado como “populações
tradicionais”, encontram-se protegidas ou com possibilidades de amparo nos
seguintes tipos de unidades de conservação:

Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações


extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo
e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação
de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger
os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais da unidade;

Art. 20. A Reserva do Desenvolvimento Sustentável é uma área


natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se
em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais,
desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições
ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na
proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.

Algumas diferenças existem entre esses dois tipos de unidades de


conservação, para Santilli(2005), as principais são: 1)quanto a origem, a Reserva
Extrativista nasce da mobilização social dos seringueiros na luta por uma reforma
agrária nos moldes amazônicos, enquanto a Reserva do Desenvolvimento
Sustentável nasce inspirada em uma iniciativa bem sucedida, de interesse
ambiental, do biólogo José Marcio Aires em 1984 junto ao governo do Amazonas
para proteger espécies de macacos ameaçados de extinção, onde criou-se uma
estação ecológica em 1990 pelo estado do Amazonas, que em 1996 foi
transformada em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, a fim de viabilizar a
permanência e o envolvimento dos seus moradores na gestão de seus recursos
naturais; 2) na figura da Reserva Extrativista reforça-se o extrativismo ao se definir
os beneficiários diretos como “populações extrativistas tradicionais” enquanto a
Reserva de Desenvolvimento Sustentável define apenas como “populações
tradicionais”; 3) ambas são de domínio publico, sendo que a desapropriação de
áreas particulares no interior da Reserva de Desenvolvimento Sustentável tem a
possibilidade de ser feita “quando necessária”, o que não acontece com a Reserva
Extrativista.
Na Lei do SNUC, a noção de “populações tradicionais”, encontra-se
217

amplamente presente e com um papel político relevante e estratégico, inclusive,


como beneficiárias das Reservas Extrativistas e do Desenvolvimento Sustentável .
Porém não existe na Lei uma definição para populações tradicionais. Para Barreto
Filho(2006), um dos motivos que levou o projeto de lei (PL) do SNUC a tramitar por
mais de 10 anos, foram os debates acirrados em torno da possibilidade da
reclassificação das unidades de proteção integral já criadas, mas que tivessem
pessoas residindo no seu interior, para categorias menos restritivas da presença
humana: “Esse debate tinha relação direta com as acerbas discussões em torno da
noção de “população tradicional” e das diferentes definições contidas em distintas
versões do PL”(BARRETO FILHO, 2006, p.135)
Segundo Barreto Filho(2006), no projeto de lei do SNUC, houve uma
proposta de definição de “população tradicional”, apresentada por Antonio Carlos
Diegues, como: “grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há no
mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente
reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua
subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável”(Inciso XV, art.
2o , Capitulo I, das disposições preliminares). Essa proposta foi vetada pelo
Presidente da República.
Para Santilli(2005), o veto presidencial deu-se devido não apenas a
pressão dos preservacionistas pela grande abrangência do termo, mas também
pelo movimento dos seringueiros da Amazônia, que consideraram essa definição
como excessivamente restritiva, pela exigência de permanência na área “há três
gerações”, pois quando se cria uma Reserva Extrativista ou uma Reserva de
Desenvolvimento Sustentável, pretende-se assegurar os meios de vida e cultura
das populações extrativistas, independentemente do tempo de permanência na
área.
Se o conceito jurídico de “populações tradicionais” ainda é embrionário, os
existentes nas ciências sociais ainda são prematuros e problemáticos, por serem
usados muitas das vezes com uma conotação de atraso e inferioridade temporal,
além de que encontra-se no Brasil e na Amazônia uma enorme diversidade
cultural, que cria dificuldades de criar um conceito único que dê conta disso.
Nessa dificuldade, Diegues e Arruda, citados por Santilli(2005), procurando
descrever populações tradicionais, arrolam características que são comuns a esses
grupos, o que lhes permitem chegar a seguinte definição para estas populações:
218

Grupos humanos diferenciados sob ponto de vista cultural, que


reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou
menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias
com a natureza. Tal noção refere-se tanto a povos indígenas quanto
a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos
particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos
específicos(DIEGUES E ARRUDA).30

Parece evidente, que a abrangência da definição é extremamente ampla, e


que a noção de território passe a ser fundamental para precisar essa definição.
Para Santilli, o conceito de território:

[...] deve ser compreendido à luz da interpretação antropológica


como o espaço necessário a reprodução física e cultural de cada
povo tradicional, considerando as formas diferenciadas de uso e
apropriação do espaço territorial(2005, p.140).

Em tese, considerando as dificuldades epistemológicas, Santilli, tem correta


razão, quando afirma:

O conceito de “populações tradicionais”, desenvolvido pelas ciências


sociais e incorporado ao ordenamento jurídico, só pode ser
compreendido com base na interface entre biodiversidade e
sociodiversidade (SANTILLI, 2005,124p.).

Contudo, em face a todas essas dificuldades, entende-se que o


campesinato agroextrativista amazônico incorpora-se facilmente nesse conceito, e
nos seus direitos jurídicos.
Uma preocupação importante vem de Lima(1997),

A generalização do conceito de populações tradicionais tende a


simplificar a diversidade de situações sociais e, mais grave, implicar
em uma expectativa de permanência da pequena produção familiar,
privilegiada pelo movimento ambientalista justamente por ser mais
propícia a aceitação de modelos de uso sustentável do que a
produção capitalista. Sem uma reflexão adequada, as expectativas
conservadoras dos modelos de uso sustentável podem ir contra a
autonomia destas populações de decidir sobre o seu futuro frente às
aspirações modernas de níveis de consumo e definição de bem
estar(LIMA, 1997, p.287-288).

Para Barreto Filho(2006), complementando Lima(1977):

[...]é dessa expectativa de estabilidade e equilíbrio cultural, vinculada


a pequena produção familiar voltada - em tese- basicamente para a
subsistência, como característica da economia desses grupos, que
resulta a inspiração de protegê-los – mas apenas na medida em que
não afetem a integridade ecológica da área a ser

30
DIEGUES, Antonio Carlos et ARRUDA, Rinaldo S. V.(orgs.). Saberes Tradicionais e Biodiversidade
no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001, p.27.
219

protegida(BARRETO FILHO, 2006, p.137).

Para Cunha e Coelho(2005), o processo de formulação e implementação


das Reservas Extrativistas tem revelados algumas contradições:

a)apesar de reconhecer formalmente a compatibilidade das práticas


extrativas com os objetivos da conservação da floresta tropical na
Amazônia, a legislação que regula a existência dessas unidades de
conservação determina a fixação de planos de utilização, muito mais
voltados para atender aos critérios de utilização de recursos naturais
previstos na legislação brasileira do que nas práticas concretas das
populações extrativistas e, muitas das vezes em confronto com
essas práticas;
b) a necessidade de promover a melhoria do padrão geral de vida
das populações extrativistas reforça a idéia de que o movimento dos
seringueiros focalizava muito mais a regularização fundiária do que a
proteção de um modo de vida;
c) as tensões entre sistemas de propriedade estatal e de propriedade
comum, criando muitas vezes uma situação de indefinição de
responsabilidades e competências quanto a regulação permanente
das formas de acesso e uso dos recursos naturais nestas unidades
de conservação.
Essas contradições podem ser percebidas enquanto tensão entre
ações que objetivam a permanência de determinadas relações
sociais e ecológicas e o desejo de mudanças que permeia um amplo
leque de iniciativas propostas e aplicadas nas reservas
extrativistas(CUNHA ;COELHO, 2005, p.73-74).

Para Cunha e Coelho(2005), citando Hall(1997)31, as Reservas Extrativistas


podem ser consideradas o caso mais notório de influência de uma ONG, no caso o
Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), com sede em Curitiba, na formulação de
políticas ambientais na Amazônia:

A atuação dessa ONG se deu em várias frentes: no apoio ao


Conselho Nacional dos Seringueiros; no desenvolvimento da noção
de reservas extrativistas a partir do conceito das reservas indígenas;
na elaboração de uma estratégia de ação para o movimento dos
seringueiros e ao encabeçar o lobby junto ao governo federal para
adotar o modelo de Resex como política pública(CUNHA; COELHO,
2005, p.74-75).

Em pese as considerações de diferentes autores sobre essa questão,


existe um fato concreto: sob o ponto de vista da institucionalidade jurídica, a
proposta que nasceu da luta por terra no Acre, conseguiu avançar, modificando aos

31
HALL, A.. O papel das ONGs na resolução de conflitos para o desenvolvimento sustentável. In:
BECKER e MIRANDA(orgs.). A geografia política do desenvolvimento sustentável. Rio de
Janeiro:Editora da UFRJ, 1997.
220

poucos as estruturas da Política Ambiental Brasileira, criando espaços, não apenas


para os seringueiros, mas também para outras minorias que habitam áreas de
relevantes interesses ambientais, que foram até então, tratadas como invasoras,
predadoras, cujas atividades eram consideradas como caso de polícia.
É evidente que apenas o estatuto jurídico não resolve. Porém é o primeiro
passo e antes de tudo uma amostra que as estruturas sócio-econômicas existentes
podem ser transformadas não só pelas forças do mercado ou pela vontade, as
vezes ilegítimas dos governos, mas também pela organização política e mobilização
dos diferentes setores da sociedade. O que mostra o quanto complexo fica cada
vez mais o estudo da sociedade.
Os diferentes e contrastantes discursos sobre essa questão é uma
demonstração prática de que a preocupação atual com a crise ambiental vem
provocando um rápido esverdeamento não só nos diferentes interesses e
racionalidades em jogo na disputa pelo acesso aos recursos naturais, mas também
na postura de análise desses interesses.
Em 2002, os moradores das Reservas Extrativistas passaram a ser
considerados beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária por meio da
Portaria Inter-Ministerial N. 187, de 19 de setembro de 2002, assinada pelos
Ministros do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente. Isto significa, um
reconhecimento formal no âmbito das políticas publicas brasileiras, que a Reserva
Extrativista é, antes de tudo, uma proposta ecológica de reforma agrária para o
agroextrativismo.

3.2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SUL DO AMAPÁ NO AGROEXTRATIVISMO

Na historiografia tradicional da Amazônia, percebem-se três importantes


fases que definiram a sua formação sócio-econômica as quais se pode enumerá-las
e que servirão como pano de fundo para análise do Amapá e mais especificamente
da sua região Sul que são: o período da Amazônia Colonial, onde se consolida a
ocupação européia; a fase áurea do extrativismo da borracha, quando se tem um
período importante na acumulação de riquezas e geração de excedente na região; e
o período da forte intervenção estatal para a integração da Amazônia a economia
nacional, inicialmente com o estímulo aos grandes projetos e mais recentemente na
busca de novas alternativas de desenvolvimento que iniba a destruição da floresta
221

amazônica.
Para os objetivos desse estudo, além das considerações teórica sobre a
história regional, que tradicionalmente inicia-se com a chegada do colonizador
europeu, é necessário desenvolver uma breve incursão na pré-história da região,
pois nela é que vamos encontrar vestígios da gênese do agroextrativismo
amazônico, na forma de atividades agrícolas, coleta, caça e pesca das populações
que habitavam a região antes da chegada do europeu.

3.2.1 A pré-história do sul do Amapá

A localização do Amapá na foz do rio Amazonas, possuidor de uma rica


diversidade de ecossistemas, com grandes áreas de várzeas no seu litoral, foi uma
espaço importante na fixação temporária e permanente de povos indígenas pré-
históricos, conforme evidenciam os estudos arqueológicos. Nunes Filho(2005), cita
a existência de pesquisas arqueológicas no Amapá desde o século XIX, a partir da
excursão de Ferreira Pena nos anos de 1872-1877. Apesar de terem ocorridos após
Ferreira Pena várias outras excursões arqueológicas, e terem sido desenvolvidos
na região, estudos científicos de importantes pesquisadores da pré-história da
Amazônia como Karl Nimuendajú, Betty Meggers e Clifford Evans, entre outros,
ainda se conhece muito pouco da região, porém sabe-se que o Amapá foi ocupado
muito antes da era cristã por grupos pré-históricos e de procedências e nível cultural
diferentes.
Os estudos arqueológicos sobre o Amapá indicam um quadro de grande
diversidade cultural e política, que parece ter sido a mais intensa da Amazônia
brasileira “como indicado pela proliferação de uma série de cerâmicas distintas, e
aparentemente contemporâneas, em uma área relativamente pequena”(NEVES,
2006, p.71). A bibliografia indica a existência de quatro “fases arqueológicas”:
Aruan, Mazagão, Maracá e Aristé(NUNES FILHO, 2005; OLIVEIRA,1983;
NEVES,2006). As características dessas fases estão resumidas no Quadro 6, para
uma melhor compreensão comparativa.
Os estudos arqueológicos sobre o Amapá, sugerem que a sua região Sul foi
um espaço muito importante da ocupação pré-histórica da Amazônia,
principalmente os vales dos rios Maracá e Jarí, tendo passado pela experiência de
três fase arqueológicas das quatro, identificadas no território amapaense, embora,
222

atualmente não exista mais a presenças nesta região, de tribos indígenas


remanescentes.
O perfil dos povos pré-históricos do Amapá são resumidos por Nunes
Filho(2005), como grupos de horticultores de floresta tropical e agricultores
subandinos de procedência e nível cultural diferentes, baseado em classificação de
Meggers e Evans. Eram possuidores de uma característica comum:

[...]a agricultura itinerante, modo primitivo de cultivar a terra, um


processo típico da região tropical, que consiste no preparo do solo
através de queimada, derrubada e coivara. Este tipo de agricultura
desgasta muito rapidamente o solo, obrigando a troca constante dos
locais de cultivo. A alimentação desses grupos baseava-se no cultivo
da mandioca ou do milho, na caça, pesca e coleta de frutos
silvestres.Suas aldeias localizavam-se geralmente as margens de
rios em lugares a salvo de enchentes. Produziam cerâmica, cestaria,
tecelagem, plumária, alguns machados de pedra e canoas. (NUNES
FILHO,2005, p.66).

Quanto as suas origens, baseado em Clifford Evans, Nunes Filho(2005),


considera as fases Aristé, Mazagão e Maracá de origem subandina e a fase Aruã
de origem antilhana, sendo que os de origem andina, migraram para o Amapá
através de vias interiores(rios e igarapés navegáveis) e a de origem antilhana
utilizaram a via costeira. Esses grupos eram heterogêneos sob o ponto de vista da
complexidade cultural, alguns eram grupos complexos, possivelmente, organizados
em cacicados; praticavam agricultura (mandioca e batatas), pesca, caça e coleta;
viviam em grandes aldeias sedentárias; dominavam a tecnologia cerâmica
doméstica e funerária; enquanto outros, eram grupos simples de caçador-coletores,
praticantes de uma agricultura incipiente e viviam em pequenas aldeias
temporárias, em função da disponibilidades de recursos naturais. A datação em
carbono 14 mais antiga do Amapá é da região do Maracá e data de 3750 anos
antes do presente.
Para Neves(2006), a hipótese de origem andina das culturas pré-histórica
da embocadura do Amazonas não se sustenta, com base nos estudos
arqueológicos mais recentes do padrão de distribuição das cerâmicas polícromas
encontradas. As datações indicam que a tradição polícroma é um fenômeno com
origem claramente amazônica e não andina como propuseram Meggers e Evans na
década de 1950.
223

Fase Localização Formas de Ocupação Datação (em anos)


Aruã Inicialmente no Amapá, .agricultura de derrubada e século XIV-XVIII
posteriormente as ilhas queima de mata
Mexiana, Caviana e costa .aldeias localizadas às
norte oriental do Marajó margens de rios navegáveis
e sempre próximas à costa
.duração da aldeia: 20 anos
.sítios: cemitérios
localizados no interior das
matas
.sítios: cerimoniais(comuns
só no Amapá) localizados
nos topos de tesos naturais

Mazagão Inicialmente ocuparam a .agricultura de derrubada e fins do período


parte sul do Amapá entre o queima da mata pré-europeu até
rio Araguari e o rio Jarí. .aldeias pequenas, situadas pouco tempo após
Posteriormente em lugares elevados e a conquista da
localizaram-se no rio Vila próximas de água Amazônia (séc. XV
Nova .cemitérios em locais -XVI)
elevados

Maracá Vale do rio Maracá no Sul .agricultura de derrubada e século XVI –XVII
do Amapá queima de mata
.cemitérios localizados em
grutas e abrigos –sob-rocha

Aristé Norte do Amapá, do rio .agricultura de derrubada e século XV-XVI


Oiapoque até o rio Araguari queima de mata
- Amapari .aldeias de curta duração
com mudanças freqüentes
do grupo local
.cemitérios localizados em
cavernas, abrigos-sob-
rocha ou poços
especialmente construídos
Quadro 6 - Fases arqueológicas do Estado do Amapá
Fonte: Oliveira(1983).

3.2.2 Ocupação das terras amapaense na Amazônia Colonial

Para Celso Furtado(1982), a ocupação econômica das terras americanas


constitui um episódio da expansão comercial da Europa, não se tratando de
deslocamentos de população provocados por pressão demográfica ou de grandes
movimentos de povos determinados pela ruptura de um sistema cujo equilíbrio se
mantivesse pela força, a exemplo de povos gregos e germanos. O comércio interno
europeu em intenso crescimento desde o século XI alcançou um grau de
desenvolvimento elevado no século XV quando as invasões turcas começam a criar
224

dificuldades as linhas orientais de abastecimento de produtos de alta qualidade,


inclusive manufaturas. A busca de alternativas para superar as dificuldades
impostas pelos otomanos leva a descoberta das terras americanas, pelos povos
ibéricos, sendo, inicialmente, para os portugueses um episódio secundário.
As notícias que chegam a Europa sobre as potencialidades de riquezas a
descobrir nessas novas terras, suscitam os interesses das outras nações européias,
contrapondo portugueses e espanhóis “donos” dessas terras aos outros povos
europeus como os franceses, ingleses e holandeses. A partir de então, a ocupação
da América, deixa de ser um problema exclusivamente comercial, passando a ser
também reposta as pressões políticas das outras nações européias que defendiam
o direito de posse apenas as terras efetivamente ocupadas por Portugal e Espanha.
Para Furtado:

Os traços de maior relevo do primeiro século da história americana


estão ligados a essas lutas em torno de terras de escassa ou
nenhuma ocupação econômica. Espanha e Portugal se crêem com
direito à totalidade das novas terras, direito esse que é contestado
pelas nações européias em mais rápida expansão comercial na
época: Holanda, França e Inglaterra(FURTADO, 1982, p.7).

Neste primeiro século da ocupação européia das terras brasileiras, as terras


do atual Estado do Amapá, apesar de, pelo Tratado de Tordesilhas serem de
propriedade espanhola, a reunificação dos reinos de Portugal e Espanha, no
período de 1580 a 1640, permite aos portugueses o acesso e conquista dessa
região. Fazendo parte de uma faixa de terra entre os rios Oiapoque e Amazonas, a
região denominada inicialmente de Guiana brasileira foi objeto de disputa intensa
entre os lusos brasileiros de um lado e os holandeses, ingleses, irlandeses e
franceses do outro. Sendo que os holandeses, ingleses e irlandeses foram logo
rechaçados, os franceses por ocuparem as terras vizinha de Caiena, tornaram-se
uma ameaça constante de invasão dessas terras do delta amazônico. (Ferreira
Reis,1993).
As terras do Sul do Amapá foram campo de sangrentas disputas entre
colonizadores de nacionalidades diferentes. Na região de influência do rio Maracá,
Lorimer(1989) e Castro(1999), relatam várias incursões colonizadoras de
holandeses, irlandeses e ingleses. Em 1612, Philip Purcell comerciante irlandês, e
mais quatorze compatriotas, montaram uma colônia para plantio de tabaco e
negociação com índios, no rio denominado Tauregue, “ou o atual Preto ou
225

Maracapuru”(Lorimer, 1989, p.46). Esse estabelecimento agrícola, prosperou


durante vários anos, produzindo tabaco, tinturas de urucu e madeiras que eram
exportadas para Europa. Em 1620, a produção dessa feitoria, passou ao monopólio
da Amazon Company, empresa comercial de ingleses, o que desestimulou os
colonos irlandeses e ingleses que produziam e negociavam com os holandeses.
Isto causou divisão entre os colonos, enfraquecendo-os. De acordo com
Castro(1999), esse empreendimento com denominações de Forte do Torrego I,
Torego, Foherégo, Tauregue e Maracapu, foi destruído em 1625 por Pedro
Teixeira, sendo mortos vários estrangeiros, inclusive o Philip Purcell.
Os Annaes da Biblioteca e Arquivo Público do Pará(1916), registram que
foi levantado em 1628, à foz de um pequeno afluente setentrional do rio
Maracapucu(o atual Maracá), uma fortificação denominada de Forte Torrego ou
“Torrego II” para Castro(1999). Desta vez sob a orientação do irlandês James
Purcel, irmão de Philip Purcel, que conseguiu sobreviver na luta contra os
portugueses em 1625. O objetivo era implantar uma nova colônia na Amazônia,
com antigos colonos irlandeses expulsos em 1625, além de colonos de outras
nacionalidades como ingleses e holandeses, desta vez, com o apoio da Companhia
das Índias Ocidentais holandesas. Esse forte foi tomado e destruído por Pedro
Teixeira em 1629.
Existe atualmente, em um braço do Rio Maracá, algumas ruínas que
parecem ter sido de fortificações. Ferreira Pena(1971) considera serem vestígios da
Fortaleza de Cumahu, construída pelos ingleses. Porém, existe a possibilidade de
serem ruínas das feitorias dos irlandeses, já que existem divergências na
bibliografia, sobre o rio Tauregue. Os Annaes de 1916 trata-o como o Maracapucu,
atual rio Maracá, enquanto Lorimer(1989), como o Maracapuru, atual rio Preto.
Na região de influência do rio Cajari, havia em 1623 dois assentamentos
ingleses com plantio de tabaco, no rio denominado por eles, de Okiari e pelos
portugueses de rio Felipe, podendo ser o atual Ajuruxi ou o rio Cajari. Esses
assentamentos foram organizados por Roger North, que propugnou a criação da
Amazon Company na Inglaterra, com o objetivo de fundar uma verdadeira colônia
na Amazônia, dedicada não somente a exploração de tabaco e algodão, mas
também para plantar cana de açúcar e erigir engenhos; iniciando suas atividades
em 1620 com o deslocamento de 2 navios de colonos para a região. Esta
colonização foi considerada ilegal pelo rei da Inglaterra, por razões diplomáticas
226

com a Espanha, o que redundou na suspensão da licença de funcionamento da


companhia, na prisão de Roger North, e confisco da carga de seus navios ao
retornar em 1621 a Inglaterra (LORIMER, 1989; CASTRO, 1999; FERREIRA REIS,
1982; SARNEY; COSTA, 2004).
Em um relatório de visita aos assentamentos ingleses e irlandeses em
1623, do holandês Walloon, transcrito por Lorimer(1989), é ainda citada a
existência no rio Okiari, de dois assentamentos ingleses denominados de Tilletille a
seis léguas no interior desse rio e Ouarmeonaka a mais cinco léguas após. Nesses
assentamentos havia muitas áreas para plantio de tabaco. Segundo Castro(1999),
mesmo com os problemas legais na Inglaterra e prisão de North, essa povoação
inglesa continuou a existir durante alguns anos, graças as boas relações que
manteve com os irlandeses do Tauregue e com as expedições e bases holandesas
na região. Segundo Sarney e Costa(2004), esses dois assentamentos ingleses no
Cajari, com o nome de fortes Tiletile e Uarimiuaca foram destruídos por Pedro
Teixeira em 1625.
Roger North após sua saída da prisão trabalhou na formação de uma nova
companhia para fazer colonização na Amazônia, a Companhia da Guiana. Esta
companhia não teve muito sucesso nas suas atividades devido acidentes com seus
navios, divergências sobre o local da colonização entre outros. Mesmo com todas
as dificuldades, conseguiu construir um assentamento fortificado em uma afluente
do Okiari, que foi denominado de Forte North, Pattacue ou forte do rio Felipe,
construído em 1629. Essa fortificação foi destruída pelos portugueses conduzidos
por Jacome Raymundo de Noronha, em 1631. Nessa ocasião, foram mortos 86
colonos ingleses(Castro,1999).
A intensa disputa pelas terras da Guiana Brasileira pelos colonizadores
europeus vai impregnar ao processo de ocupação lusitana um caráter
profundamente bélicioso, com a militarização da região. Segundo Castro(1999),
esse caráter é inicialmente ofensivo com a luta e expulsão de estrangeiros que se
instalavam, através de fortificações, na região do Amapá. Posteriormente, torna-se
defensivo, com a instalação de fortificações, povoações e vilas criadas para garantir
a posse da terra para a Coroa Portuguesa em pontos estratégicos como o Forte do
Rio Araguari, em 1687, Forte de Cumaú em 1688, Casa Forte da Ilha de Santana
em 1729, Forte de São José de Macapá em 1761 e a Fortaleza de São José de
Macapá entre 1764 a 1782.
227

A militarização da ocupação na suas formas ofensiva e defensiva vai se


manifestar para a população nativa em ações de extrema violência, seja nas
represálias e castigos imputados aos indígenas que negociavam ou se aliavam aos
invasores, como estratégia de atemorização psicológica para evitar-se novas
alianças e relações comerciais; seja na inclusão dos indígenas aliados nas batalhas
contra os invasores, e no trabalho compulsório na construção de fortificações e
criações de vilas.
Ferreira Reis, como exemplo dessa repressão, cita que em 1654, João de
Bittencourt Muniz após castigar violentamente os Aruans e Ingahibas, com “70
soldados e 400 arcos amigos penetrou o Jarí. Aliou-se aos Aroaqui, venceu os
Anibá proporcionando garantias para a instalação de um povoado” (FERREIRA
REIS, 1993, p.63). Os índios Tucujus habitantes do litoral amapaense foram, neste
período, bastante castigados e praticamente eliminados, devido as suas relações
colaborativas com estrangeiros.
A preocupação existente com a invasão de estrangeiros e a necessidade
de obter o controle da área, evitando as invasões clandestinas dos franceses leva
as autoridades luso-espanholas a criarem em 1637 a Capitania do Cabo Norte, cuja
área entendia-se do Rio Oiapoque ou Vicente Pinzon ao Amazonas, doando-a a
Bento Maciel Parente. Segundo Ferreira Reis(1993), na imensa área dessa
capitania já havia posições permanentes luso-brasileira como os povoados de
Gurupatuba e Surubiú, hoje Monte Alegre e Alenquer, e o forte do Desterro,
construído no Paru pelo próprio Bento Maciel, em 1638.
Apesar de tomar posse de sua capitania em 30 de maio de 1639,
imaginando um largo programa de atividades envolvendo povoamento, agricultura,
aproveitamento das riquezas nativas e entendimento amistoso com a massa bugre,
que desejava levar ao trabalho por meio do sistema das “encomendas” de tipo
espanhol, Bento Maciel Parente não pode ocupar-se prontamente de sua
donataria.Foi mandado governar o Estado do Maranhão. Mesmo distante, Bento
Maciel não a esqueceu, procurando defendê-la com um aparelhamento eficiente.
Falecendo em 1641, deixou os direitos a capitania a seu filho Bento Maciel Parente
que foi sucedido por Vital Maciel Parente que com seu falecimento não deixou
herdeiro, revertendo a Capitania ao domínio da Coroa Portuguesa(FERREIRA
REIS, 1993).
Discutindo a colonização das terras da América, Caio Prado Júnior(1989)
228

ressalta a diferença com o que ocorreu em outras regiões, onde se chamava de


colonização ao estabelecimento de feitoria comerciais, como os italianos praticavam
no Mediterrâneo, a Liga Hanseatica no Báltico, ingleses, holandeses e outros no
Extremo Norte da Europa e no Levante, e os portugueses fizeram na África e na
Índia. Nas condições da América, território ainda não desbravado, habitado por rala
população indígena, incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável
para os fins mercantis que se pretendia, as simples feitorias com um reduzido
pessoal incumbido apenas do negócio, sua administração e defesa armada não se
podia fazer. Era preciso ampliar essas bases, criar um povoamento capaz de
abastecer e manter as feitorias que se fundassem, e organizar a produção dos
gêneros que interessavam ao comércio. Surgindo daí a idéia de povoar.
No caso das terras do Cabo Norte, as disputas pela posse das terras, fazem
com que a colonização desenvolva-se a partir de fortificações, exigindo a
importação de colonos para produzirem os gêneros necessários ao abastecimento
dos povoamentos criados ao largo das fortificações além dos gêneros exigidos pelo
mercado europeu. Esse tipo de colonização parece ter sido dominante em toda a
Amazônia, fortalecendo-se:

Durante o século XVII e XVIII, quando os portugueses, a partir de


Recife e Salvador, se deslocam para a região, com a finalidade de
afastar os concorrentes ingleses, holandeses e franceses que se
apoderavam das drogas do sertão (canela, cravo anil, cacau, raízes
aromáticas, sementes oleaginosas, madeiras, salsaparrilha etc.).
Desse movimento de defesa surgem São Luís do Maranhão, Belém
do Pará, Macapá no extremo norte e Manaus(CARDOSO, 1978,
p.21).

Paralelo ao movimento bélico de ocupação e colonização da Amazônia,


Prado Júnior(1970), enfatiza um movimento religioso, cuja vanguarda em particular,
serão as ordens jesuítas e carmelitas. Em vez do uso da violência, através da
persuasão, os missionários conseguiram o que os colonos leigos foram sempre
incapazes de obter: o trabalho indígena, que será utilizado nas diversas atividades
de implantação das missões, desde a construção dos prédios à produção da
subsistência e geração de excedentes exportáveis na agricultura e extrativismo que
mantinham as missões e permitiam acumulação de riquezas as ordens religiosas,
dando-lhes poder e importância financeira. Poder esse que vai ser combatido e
diminuído a partir das políticas pombalinas.
Nos Annaes da Biblioteca e Arquivo Público do Pará(1916), consta que até
229

1700, no atual território do município de Mazagão, que abrange região de


influências do rio Maracá e do rio Cajari, nenhum povoado se estabeleceu, e quanto
aos trabalhos dos missionários, até 1740 não fundaram aldeia alguma. É possível,
que a ação repressiva dos portugueses sobre os índios que se aliaram aos
estrangeiros, tenha provocado a fuga dos nativos para outros locais mais distantes,
ou para a proteção das missões que se estabeleceram nos rios Jarí e Paru.
Por outro lado, após a expulsão dos estrangeiros, a região do rio Jarí e
circunvizinhanças ao sul receberam por parte dos portugueses uma forte ação
evangelizadora. Segundo Fragoso(1982), vários aldeamentos missionários foram
criados:
Acarapi (=Val de Fontes), sendo trabalhado pelos franciscanos da província
de Santo Antônio, situava-se em um afluente do rio Paru, formado provavelmente
após, 1693, com índios das nações Acarapis, Mapuás e outras nações. Em 1758 foi
elevado a lugar civil com o nome de Val de Fontes;
Paru (=Almeirim), também evangelizado por franciscanos da província de
santo Antônio, esse aldeamento ficava as margens do rio Paru, ao lado de uma
fortaleza tomada dos holandeses em 1697, era habitado por índios das nações
Aparais, Urucuianas, Aracajus, Apamas e Carapeuaras. Sendo que o início deste
aldeamento é anterior a 1693. No ano de 1758, Paru foi elevada a vila com o nome
de Almeirim;
Jarí (=Fragoso), localizada as margens do rio Jarí, próxima a confluência
com o rio Amazonas. Os jesuítas eram os responsáveis por essa região até 1693,
passando-a aos franciscanos da província da Conceição. A região do Jarí era de
grande importância por causa de sua vizinhança com os franceses. O aldeamento
foi criado em 1711, seus índios eram os Guiapís. Em 1757, foi elevado a lugar civil
com o nome de Fragoso. O lugar da missão era considerado doentio, em 1765 tinha
23 casas de palha. Devido as doenças, foi mudada para a embocadura do rio Jarí,
depois de 1765. Em 1883, Baena(2004) cita esta povoação no rol das que se
extinguiram após 1788.
Tuaré (=Esposende), constituiu-se a partir de 1711 como um novo
aldeamento, dos franciscanos da província da Conceição, visto que foi trabalhado
anteriormente pelos jesuítas e franciscanos da província de Santo Antônio. Sua
reativação deu-se a pedido do governador do Grão Pará em vista ao perigo francês
e da deserção dos índios para outro lado. Seus índios eram Tucujus, Manibas e
230

Conchichinas. Em 1757 foi elevado a vila com o nome de Esposende;


Uramucu (=Arraiolos), sua localização era a margem do rio Uramucu. Sua
fundação é anterior a 1733, para substituir a missão de São João Batista da
Caviana. Ficou subordinada aos franciscanos da província da Conceição e era
constituída de índios Aroaquizes, Curacuratis e Gira-Motas. Foi levada a vila em
1758 com o nome de Arraiolos.
Segundo Porro(1996), na história indígena do rio Amazonas aconteceu um
fenômeno demográfico e cultural de longa duração que acompanhou os primeiros
duzentos anos da ocupação européia e que irá resultar em meados do século XVIII
numa realidade etnográfica substancialmente distinta da que havia sido observada
pelos primeiros exploradores quinhentistas. Trata-se do desaparecimento das
nações que viviam ao longo do rio Amazonas, devido a alta mortalidade por lutas e
doenças trazidas pelos brancos; fugas para o interior, e, a sua substituição por
novos contingentes indígenas que foram sendo descidos dos afluentes para a calha
amazônica pelos agentes da colonização (tropas de resgates e missionários).
Neste processo de despovoamento maciço e repovoamento parcial dois
aspectos devem ser assinalados:

a)o desaparecimento dos padrões adaptativos(demográficos,


organizacionais e ergológicos) da população original, que não
chegam a se reconstituir, a não ser parcialmente, quando do
repovoamento induzido pelo colonizador; neste segundo momento
ocorre, b) a formação de um estrato que chamaremos neo-indigena,
inserido na sociedade colonial e marcado pelo desenraizamento e
pela aculturação intertribal e interétnica(PORRO, 1996, p.37-38).

Para Porro(1996), essa grande ruptura, que começa a ser visível em


meados do século XVII no baixo Amazonas e no começo do seguinte no alto curso,
não impede que a população “neo-indigena” assimile uma série de técnicas
essenciais ao ecossistema fluvial:

Em torno dessas técnicas (moradia, navegação, manejo de fauna e


da flora), irá se constituir a cultura do tapuio ou caboclo amazonense,
da qual irá também participar, em maior ou menor grau, a população
branca e mameluca da região.(PORRO, 1996, p.38).

No Sul do Amapá o fenômeno do despovoamento foi violento, existem


apenas vestígios da população indígena nativa. Antes da chegada dos europeus a
região era densamente povoada, isto é comprovado pela existência de diversos
sítios arqueológicos da chamada fase Maracá além das inúmeras manchas de terra
231

preta arqueológica (TPA)32 nas regiões dos castanhais. Apesar desses importantes
vestígios arqueológicos, não se encontra na bibliografia uma denominação precisa
dos grupos indígenas que deixaram esses sítios. Em geral, observa-se a região
como uma área de influência da província ou sertão dos tucujus, conforme mapas
apresentados por Lorimer(1989). Baena em 1833, faz uma simples referência: “Nas
vertentes do Rio Maracá moram os Guimáres”(BAENA, 2004, pg.23).
No Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju (Mapa 4), vamos encontrar
referências da ocupação dos grupos Menejou em 1698, no médio Jarí; Wayampi
no baixo rio Jarí entre 1852 – 1862; e, Tomokow entre 1832-1865, Wayampi entre
1908-1916 e Aparai em 1937 no alto rio Jarí e Iratapuru. Existe a indicação de que
em 1741 habitavam nas cabeceiras do rio Cajari, relativamente próximo do rio
Maracá os povos Arawak-Tocoyenne. Pode-se, nesse mapa, observar um
deslocamento indígena para as regiões de difícil acesso, ou seja, percebe-se as
áreas do sul do Amapá dentro do espaço de deslocamento dos Wayapi que
moravam no baixo rio Jarí no início do século XIX para o planalto guianense (IBGE,
2002).

32
Terra preta arqueológica(TPA):”alterações produzidas na quimica e física dos solos pelos
ancestrais dos índios por processos ainda mal conhecidos, favorecem a formação de uma espécie
de húmus bastante estável, mesmo sob as condições climáticas da região, onde as chuvas
abundantes e o calor não contribuem para o acúmulo de matéria orgânica.[...]é um forte indicador
da existencia de povoamento permanentes, densos, hierarquizados e estáveis, a partir do quinto
milênio aC., hoje desaparecidos”(MIRANDA, 2007, p.74-79).
232

Mapa 5 - Grupos Indígenas que ocuparam o Amapá


Fonte: IBGE(1987)- Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju.
233

3.2.2.1 As políticas iluministas pombalinas na região

O tipo de colonização centrada no Estado, inciada na sua forma


militarizada vai ser extremamente fortalecida no período de 1750-1777 com a
ascensão de Marquês de Pombal ao poder, e a implementação de suas políticas
iluministas para a ocupação da Amazônia, no reinado de D. José I.
O vazio demográfico existente nas extensas áreas da América Portuguesa,
cuja população girava em um pouco mais de 1.500.000 habitantes, preocupava a
Coroa. Principalmente, considerando a existência de fronteiras com territórios
pertencentes à França, Holanda, Inglaterra e sobretudo Espanha, que dispunham
de amplos recursos demográficos e poderiam aproveitar-se da inexistência de
núcleos populacionais portugueses para ampliar seus domínios nas terras lusitanas.
Dessa forma, nesse período vai se fortalecer uma política de fomento a imigração
do Reino e das Ilhas, com concessão de facilidades para fixação de colonos no
Norte e Sul do Brasil, como: transporte por conta da Fazenda Real; doação de um
quarto de légua em quadra; concessão gratuita de animais, alfaia e sementes. Essa
política garantiu um grande surto migratório de colonos açorianos e madeirenses
para o Brasil (COUTO, 2003).
A Coroa adotou essa mesma política para o Estado do Grão Pará e
Maranhão, que recebeu muitos casais de ilhéus. Foi com açorianos, que Francisco
Xavier de Mendonça Furtado fundou, em 1752, a Vila de São José de Macapá, e
Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) adotando esta mesma orientação, incentivou
a transferência para a região amazônica dos habitantes de Mazagão - Praça de
Marrocos abandonada em 1769 – que se estabeleceram conjuntamente com casais
dos Açores, na povoação de Santana, situada nas margens do Rio Mutuacá, dando
origem a Vila Nova de Mazagão, na região do Cabo Norte(Couto, 2003).
Na Amazônia, além do fomento a imigração de colonos, visando superar o
problema demográfico, incentivou-se também nesse período a importação de
escravos negros, concedendo-se a liberdade dos índios, inclusive sendo estimulada
a miscigenação destes com portugueses, privilegiando-se os homens brancos que
casassem com mulheres indígenas, procurando garantir que os portugueses
tratassem os índios com dignidade.
No período pombalino, além dos esforços de povoamento, uma série de
medidas foi tomada, tanto no sentido de garantir a posse das terras brasileira a
234

Coroa portuguesa, como também de consolidar o seu poder nas diversas esferas
da vida pública. Foram ações de incorporações das capitanias particulares à
Coroa; delimitação de fronteiras; cassação do poder temporal das ordens religiosas;
a expulsão dos jesuítas; o aperfeiçoamento dos sistemas administrativo, judicial,
fiscal e militar; a difusão da língua portuguesa entre os indígenas; a consolidação de
uma rede escolar oficial, entre outras ações que levaram ao fortalecimento do poder
estatal na região.
A criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, instituída por D.
José I em 07 de junho de 1755, com monopólio por vinte anos (possível de
prorrogação) das rotas comerciais de São Luis do Maranhão e Belém do Pará, foi
um instrumento institucional fundamental não só para dinamizar a economia
regional, mas principalmente para garantir a consolidação do projeto iluminista
pombalino na Amazônia.
A criação da Companhia foi proposta em janeiro de 1754 por Mendonça
Furtado como uma solução para o problema da carência de braços para
desenvolver a agricultura na região, através do comércio de escravos. Esta
proposta encontrou um acolhimento favorável do futuro Marquês de Pombal, pois,
além das vantagens apontadas pelo irmão, poderia ser útil para: combater o
contrabando francês com o Pará e Maranhão; introduzir em circulação moedas
metálicas em substituição de novelos de algodão e caroços de cacau utilizados
como meio de pagamento na região; e promover a plena integração econômica
daquele estado nos circuitos econômicos atlânticos, através da aquisição de
escravos em África, da exportação das suas produções para os portos do Reino - e
a partir deste para outros Estados europeus - e da importação de mercadorias
metropolitanas e estrangeiras. Essas vantagens contribuiriam para o aumento da
arrecadação de impostos que financiariam o processo de povoamento, fortificação,
exploração geográfico–científica da região, incentivaria a construção naval e
diminuiria a predominância dos comerciantes ingleses nos circuitos comerciais
portugueses, ao fortalecer a grande burguesia comercial metropolitana(COUTO,
2003).
Para Couto(2003), até a data de sua extinção, em 1778, a Companhia
desempenhou um importante papel no desenvolvimento da economia da região,
contribuindo para intensificar a exportação de madeira e drogas do sertão (cacau,
cravo, canela, salsaparrilha, baunilha, canafístula, quina, etc.), incrementar a
235

criação de gado e fomentar a agricultura comercial (plantações de algodão, arroz,


tabaco e café), sendo a produção desses bens aumentada devido à concessão de
créditos aos lavradores, melhoria da qualidade dos produtos, no caso do arroz com
a introdução de variedade vinda da Carolina. No geral, as ações da Companhia
contribuíram para o aumento da exportação do estado do Grão-Pará e Maranhão,
melhoria da qualidade dos seus produtos e diversificar o leque de suas culturas.
Para a ocupação do Sul do Amapá, a política pombalina contribuiu para a
formação de um centro de exploração e irradiação econômica na região, com a
fundação da vila Nova Mazagão.
O processo de criação deste centro começa nos finais do ano de 1756,
quando um povoado denominado de Sant’Anna, localizado em uma Ilha na Foz do
rio Matapi, constituído de índios descidos do rio Negro por Portillho de Melo em
1753, por motivos de doenças, foi transferido para a margem esquerda do rio
Maracapucú.
No final de 1763, após a morte de Portilho de Mello, foi nomeado como
Diretor do povoado de Sant’ Anna do Maracapucu, Francisco Roberto Pimentel,
que tomou posse no início de 1763. Consta nos Annaes do Arquivo Público do
Pará, que este diretor organizou a estatística da população do povoado, que era de
“383 almas”, e que:

A missão de Roberto Pimentel não se resumiu só ao governo da


aldeia; explorou os rios Maracapucu e Preto, de onde fez a extração
de muitas madeiras reaes, entre as quais o acapú, para remetter
para Portugal, conforme os constantes pedidos do governo da
metrópole aos governadores da Capitania.(PARÁ, 1916, p.397).

Pimentel também iniciou a exploração do rio Mutuacá, fez o delineamento


do povoado conforme os planos de um regular arruamento e alargou grandemente
a área derrubada em torno da aldeia, para tentar conter as febres constantes que
levavam a diminuição da população. Como as medidas não resolviam o problema
das doenças, resolveu-se transferir o povoado para um local mais saudável, cuja
escolha caiu no rio Mutuacá. Iniciou-se essa transferência em 1769. Esse povoado,
já com a sua população reduzida, vai ser preparado na sua nova localização, para
receber as famílias vinda de Mazagão, colônia portuguesa na África. Em 1670, o
povoado recebe o nome de Nova Mazagão. A partir de junho de 1771, as famílias
vindo da África, que se encontravam em Belém, começaram a mudar-se para a
Nova Mazagão, a medida em que, as casas construídas pelo governo foram se
236

concluindo. Ficaram em Mazagão 163 famílias, das 340 vindas da África, conforme
os ANNAES(PARÁ,1916).
Com a consolidação da vila Nova Mazagão, inicia-se um movimento de
exploração de recursos pelos colonos portugueses, em direção ao rio Jarí, iniciando
nos rios circunvizinhos. A região do Cajari, anos depois, vai ser explorada por esses
colonos. Em 1772 foi determinado pelo governador Ataíde Teive ao capitão
Francisco Roberto Pimentel que explorasse o rio Cajari, para o estabelecimento de
um povoado as suas margens, com índios que escolhesse e conseguisse manter
reduzido. Dessa forma:

Em agosto de 1773 comunicava que se achava a igreja acabada, a


casa de residência do R. Vigário e a do director ficavam acabadas e
o Almazem só faltava entijucar e 17 moradas de casas dos
moradores ficarão já cobertas, vivendo os donos nellas.
A povoação tinha três ruas com quatro braças de largura e uma
travessa com três braças(PARÁ,1916, p. 415).

A população desse povoado que foi denominado de Sant’Anna do rio


Cajary em 1773 era de 29 famílias, com 197 pessoas, na sua quase totalidade
índios(PARÁ,1916). Considerando o nome da vila, o seu fundador que foi o diretor
dos índios na vila de Sant’Anna do rio Maracapucu, e que organizou o
deslocamento desses índios para a Nova Mazagão, onde permaneceu como diretor,
pode-se chegar a conclusão que essa população indígena seja, em sua maioria,
remanescente dos índios do rio Negro descidos por Porfírio de Mello.
Segundo Marin(1998), no ano de 1778, em Mazagão recensearam-se 310
cabeças de família, sendo 248 homens e 62 mulheres, com uma população de
1591 pessoas, contando que nesta população havia 396 escravos, sendo 254
homens e 141 mulheres. Esses moradores do Mazagão, “buscaram terras de
cultivo nas ilhas Mutuacá e Pará, onde diminuía a salinização, além das terras às
margens dos rios Preto, Maracá e no lago Juruti [Ajuruxi ?]”(MARIN, 1998, p.66).
No período pombalino, os moradores de Mazagão desenvolveram, nessas
áreas, uma agricultura comercial, cujos produtos principais foram o arroz e o
algodão, que eram entregue a Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e
Maranhão, que detinha o monopólio do comércio, e também, aos donos de
máquinas de beneficiamento de Belém. Em ambos os casos, a relação era sempre
desfavorável aos colonos. Com a saída da Companhia Geral do Comércio,
desenvolveu-se outro movimento na agricultura dos colonos: “Diminuiu a produção
237

de arroz e as unidades familiares reforçaram atividades de policultura e


extrativismo”(MARIN, 1998, p.85). Incluiu-se na lista de produtos agrícolas: feijão,
café, milho e tabaco.
Segundo Marin:

A vila de Mazagão e cercanias mostravam algumas décadas depois


o espaço da agricultura, aparentemente mais estável com pequenas
plantações de algodão nas ilhas do Pará, ‘o único gênero de lavoura
que exportam’ de resto era farinha de mandioca, para o consumo,
plantada nos rios Preto e Maracá, e ainda cultivavam ‘pouco arroz,
milho, feijão e algumas frutas; abrange na sua acanhada agricultura:
a cana de açúcar(A.P.P. CÓDICE; 1002)(MARIN, 1998, p.85).

Em 1833, a Vila do Mazagão contava com uma população de 498


brancos, 325 escravos, 181 mestiços e 148 índios, significando uma totalidade de
1.152 moradores, os moradores nessa época vendiam: “arroz, algodão, cacau
silvestre das ilhas vizinhas, e outros efeitos, que vão sacar dos matos dos rios
Anauarapucu, Maracá, Jarí e Cajari”( BAENA,2004,p.239).
Quanto ao povoado de Sant’Anna do rio Cajary, consta que o capitão
Francisco Roberto Pimentel dirigiu o destino do povoado até agosto de 1775,
passando o seu cargo ao filho Hilário Roberto Pimentel, quando havia uma
população de 202 pessoas. Com a saída do fundador, o povoado começou a decair
pela “insalubridade do clima” e “desleixo dos seus diretores” que não conseguiram
reter os índios localizados. Em 1790, o diretor Pedro da Cunha Sierguer recebeu
ordens para abandonar o lugar, porém este resolveu manter-se com seus próprios
recursos, conservando os índios e governando-se até 1805, quando o Frei
Raymundo da Pureza, dirigiu-se para o local com uma ordem do bispo para
derrubar a igreja, conduzindo para Arrayollos, as telhas, alfaias, a imagem de Sant’
Anna, e o gado da padroeira do lugar. Isto causou grande protesto da comunidade
mazaganense, mas, não conseguiu-se reverter o processo e trazer de volta a
Mazagão o material levado(PARÁ,1916).
O desmantelamento da igreja contribuiu para uma maior decadência do
povoado, sendo que Baena(2004) em 1833, registra nesse local, que se encontrava
sob a jurisdição da vila de Mazagão, a existência de uma população de 84 índios de
ambos os sexos, que são fartos de peixe e caça, plantam maniva e algodão e
extraem cravo. Registra ainda no local, a existência de uma “igreja pequena e
paupérrima”.
Em síntese, na Amazônia Colonial, o processo de formação econômica do
238

Sul do Amapá, foi permeado pelo caráter militar e estatal na ocupação do território,
e pelas ações de expansão demográfica e povoamento, como libertação dos índios,
importação de colonos açorianos e madeirenses e fomento a agricultura comercial.
O caráter militar e estatal da ocupação vai representar para a população
indígena na região: violência e tutela. A historiografia nos mostra no início da
ocupação que as formas de relacionamento com os nativos pelos portugueses
foram sempre no sentido de subjugá-los aos seus interesses econômicos e militares
através de práticas predominantemente coercitivas e através do trabalho
compulsório. Assim, verifica-se o índio forçosamente guerreiro, engajado nas
expedições militares portuguesas, combatendo os invasores estrangeiros e seus
aliados nativos; guia e remeiro, levando o colonizador ao conhecimento da região e
de suas riquezas, operário da construção de vilas e fortificações, produtor-coletor
de produtos agrícolas e extrativistas de interesse comercial e do abastecimento das
povoações. Os grupos que resistiam a esse destino, ou que mantiveram relações
com os invasores europeus foram perseguidos e eliminados, em nome de uma
ordem de submissão aos interesses da Coroa.
Com o iluminismo pombalino, a garantia de liberdade e extensão da
cidadania portuguesa aos descendentes miscigenados era necessária ao aumento
demográfico exigido na ocupação territorial. Acontece sob a tutela da Coroa,
principalmente, por ser contrária aos interesses das elites amazônicas de então.
Violência, autoritarismo e tutela de um lado, gerando medo, submissão, apatia e
revolta silenciosa do outro, condicionam a formação de uma sociedade que já nasce
profundamente dividida e dissimulada na região. Essa relação autoritária e
paternalista se expande também aos colonos, negros e missionários.
A importação de colonos das Ilhas portuguesas para a região do Cabo
Norte e a política de fomento a agricultura comercial com a importação de mão de
obra escrava vai gerar uma produção significativa de arroz que é exportada de
Macapá e Mazagão para Belém e Lisboa, durante a vigência da Companhia do
Grão-Pará e Maranhão. A produção comercial de arroz trouxe problemas de
transporte, beneficiamento, endividamentos e preços desestimulantes aos seus
produtores. Essa produção vai perdendo a sua importância com a extinção da
companhia. Nesse período, além do arroz, produzia-se também nas colônias de
Macapá e Mazagão o algodão com fins comerciais.
Quanto as formas de exploração e ocupação econômica do espaço, no Sul
239

do Amapá, manifestaram-se dois processos distintos. Na região do rio Jarí e


Iratapuru predominou a forma vinculada as aldeias missionárias que se
transformaram em vilas, enquanto as regiões dos rios Cajari e Maracá foram
atreladas aos povoamentos formados com importação de colonos. Isto terá
influências na formação cultural do campesinato caboclo: na região do rio Jarí, a
contribuição do índio vai ser maior, enquanto nas regiões circunvizinhas a Mazagão,
vai estar presente, também, uma forte contribuição do escravo negro.
A produção agrícola associada ao extrativismo colonial utilizando índios,
negros e ilhéus, gerou uma capacidade produtiva bastante diversificada para a
região, aproveitando a experiência e o saber dessas etnias, o que se constituiu em
um importante fator de adaptação dessa sociedade as dificuldades impostas pelo
ambiente, fortalecendo a sua capacidade de sobrevivência as crises vivenciadas
pela economia regional na sua história.

3.2.3 O Sul do Amapá no boom da borracha

A política colonial portuguesa, segundo Eduardo Hoornaert, foi


caracterizada pela ação de:

Três instâncias que conquistaram a área amazonense para o sistema


mundial: os soldados com seus fortes (casas fortes, fortalezas) os
comerciantes com suas feitorias e os padres com as suas aldeias de
índio. O soldado fechava o caminho para concorrentes de outras
nações européias, o comerciante abriu o caminho de exportação
para a metrópole e o padre assegurava a presença da mão de obra.
(HOORNAERT, 1992, p. 57).

Em que pese essa política ter garantido a Coroa à ocupação de suas


posses, sob o ponto de vista econômico, a riqueza gerada com as drogas do sertão
e agricultura de exportação dessa época não conseguiu alcançar a importância da
cana de açúcar no nordeste ou mesmo da nascente economia do gado no interior
nordestino.
A integração econômica da região ao mercado mundial vai atingir o seu
apogeu durante o chamado “ciclo da borracha”, onde:

Entre 1840 a 1910 a Amazônia entra numa fase de expansão


gomífera, atraindo para a área um grande contingente de imigrantes
nordestinos, além de estrangeiros. Nessa fase, a borracha
praticamente absorve toda a atividade econômica daquela região, e,
mesmo depois que entrou em declínio por causa da concorrência das
240

plantações do Oriente, ela continuou a ser um dos raros produtos


comerciáveis na região(OLIVEIRA, 1983, p.217).

Na bibliografia amazônica, alguns autores, Alden (1974), Dias (1970) e


Picanço (1986), vislumbram um ciclo agrícola importante na Amazônia, entre o
chamados ciclo das drogas do sertão e o ciclo da borracha, onde o cacau foi o
principal produto. Inicialmente apenas extraído (cacau bravo), e mais tarde cultivado
em fazendas especializadas, foi o responsável por um significativo incremento na
economia amazônica nesse período. "O colapso do Ciclo Agrícola Cacaueiro
poderia ser datado de 1820"(PICANÇO,1986, p.73). Esses autores, às vezes,
chegam a dar uma importância econômica maior ao cacau que às drogas do sertão
na ocupação econômica da Amazônia Colonial.
Sem desconsiderar a importância das drogas do sertão e do cultivo do
cacau, o ciclo da borracha, exaustivamente discutido na bibliografia especializada,
foi o período em que a ocupação econômica da região amazônica efetivou-se com
um grande e eufórico dinamismo, contraditoriamente sustentado, no extrativismo de
um só produto. Foi um período em que os processos de produção e apropriação
das riquezas consolidaram-se em uma forma específica de financiamento,
manifestada no chamado "sistema de aviamento” 33.
A dinâmica econômica desse período permitiu a ocupação dos locais mais
distantes da floresta. A expansão da borracha “longe de limitar-se a uma ou duas
áreas isoladas da Amazônia brasileira, foi inegavelmente um fenômeno de
amplitude regional que se estendeu aos mais remotos distritos da bacia
amazônica”(WEINSTEIN,1993, p.18). Os resultados mais expressivos dessa
dinâmica manifestaram-se na urbanização da região em dois pólos principais:
Belém e Manaus.
Apesar da grande euforia que a economia extrativista da borracha propiciou
à região, sua duração foi efêmera, pois em 1920, a borracha cultivada na Ásia, a
custos de produção inferiores, desbancou o lugar que o Brasil ocupava de grande e

1
Relação econômica que se processa entre um comerciante que fornece antecipadamente as
mercadorias essenciais à vida dos seringueiros e castanheiros, em troca da produção. Generalizou-
se na Amazônia no ciclo da borracha, formando diversas cadeias de intermediação, partindo das
casas importadoras e exportadoras até o trabalhador extrativista.
241

único exportador. Isso levou a economia amazônica a uma profunda crise,


conseqüência de sua dependência:

De um único produto de exportação, sujeita às imprevistas flutuações


do mercado externo e na qual a maior parte do excedente gerado
internamente é carreado para fora, não se verificando qualquer efeito
multiplicador para a região(MARTINELLO, 1988, p.26).

Com a crise da borracha, o sistema de aviamento se esfacelou, gerando


muitas falências, abandono de seringais e expulsão de trabalhadores da região,
provocando inchaço, favelização e aumento dos problemas sociais nas principais
capitais dos estados amazônicos, sem oferta de empregos.
Os impactos mais graves desta crise foram atenuados pelas alternativas de
utilização da força de trabalho na agricultura e em outras atividades extrativistas
que se revalorizaram.
No âmbito da economia extrativista, a extração da castanha-do-pará foi de
fato, ao menos em certas áreas, a atividade que mais contribuiu para a sustentação
da economia amazônica após a perda do monopólio brasileiro da borracha.
Velho(1981) observa que a coleta da castanha aproveita a infra-estrutura e o
sistema de aviamento montados para a borracha em regiões seringalistas
detentoras de castanhais. Isso permitiu a retenção de trabalhadores nas atividades
extrativas, amenizando nessas regiões os impactos da crise.
Com a emergência da Segunda Guerra Mundial e a ocupação dos seringais
asiáticos pelos japoneses, é estimulado na Amazônia um novo surto à economia
extrativista da borracha, para atender às necessidades das indústrias bélicas dos
aliados.
Através do Acordo de Washington, firmado entre o Brasil e os Estados
Unidos, no período de 1942 – 1947, a produção, comercialização e industrialização
passam a ser controlados pelo governo federal. O objetivo desse acordo era
estimular ao máximo a produção extrativista amazônica, de forma a aumentar os
excedentes exportáveis para os Estados Unidos. Isto redundou na chamada
Batalha da Borracha, em que o governo deslocou cerca de cinqüenta e cinco mil
nordestinos para os seringais da Amazônia, sendo que "pelo menos quinze ou vinte
mil deles perderam suas vidas nos seringais ou nas brenhas da floresta" (Martinello,
1988, p.344).
Segundo Martinello(1988), o novo surto no extrativismo pouco veio a somar
242

para a Amazônia, pois a intervenção governamental na empresa gomífera nada


mais fez do que reforçar o sistema de aviamento, ao financiar aviadores e
seringalistas, ao assegurar a continuidade da exploração dos seringais em débitos
junto ao Banco de Crédito da Borracha, ao subsidiar a alocação de mão-de-obra.
Enfim, o Banco de Crédito veio tão somente substituir as tradicionais casas
exportadoras, financiando o intermediário e adquirindo a safra, enquanto o
seringueiro continuou como antes, isolado de tudo e de todos e totalmente à mercê
da vontade e dos caprichos de seu patrão, o seringalista. Portanto, não se provocou
grandes mudanças nas relações de produção e no desenvolvimento das forças
produtivas da economia extrativista.
Finda a guerra, os seringais asiáticos voltam a dominar o mercado e a
economia amazônica retorna à situação anterior de estagnação.

3.2.3.1 Coronelismo e extrativismo no Sul do Amapá no boom da borracha

A história mostra, que se no baixo Jarí e áreas próximas a Mazagão, o


processo de ocupação do espaço contribuiu para uma relativamente rápida
formação de um campesinato caboclo agroextrativista, através da ação missionária
e da política pombalina, esse processo no alto rio Jarí parece ter sido mais lento,
pois em 1877, o geógrafo francês Jules Crevaux encontra no alto rio Jarí, uma
grande quantidade de índios conhecidos pelos franceses como Roucoyennes, que
se distribuíam nos altos cursos do rios Jarí e Paru. Esses índios mantinham
relações comerciais com os povos do Oiapoque, devido as dificuldades de acesso
ao baixo rio Jarí, pela existência de grandes cachoeiras(CREVAUX, 1987).
Os Roucoyennes, são conhecidos também como Wayana, ou homens–
urucu, e tiveram contato econômicos com os brancos nos primeiros decênios do
século XX, através de atividades extrativistas: coleta da balata, castanha, caça de
felinos e extração de minérios(VELTHEM,1998).
Em 1877, abaixo da grande cachoeira do rio Jarí e acima da cachoeira de
Santo Antônio, área de influência da atual RDS do Iratapuru, Crevaux(1987),
encontrou os primeiros barracos de seringueiros desenvolvendo atividades de
coleta, ocasião em que manteve contato com um representante branco da “raça
pura”, certamente português, de nome Manuel Carlos, proprietário de uma casa
denominada de São Antônio na parte superior da cachoeira, que lhe ajudou a
243

descer essa última queda d’água, denominada de Pancada, hoje a cachoeira de


Santo Antônio.
Crevaux descreve o encontro, no baixo rio Jarí, “aqui e acolá, de habitações
isoladas onde nos parávamos para passar a noite. Em todos esses lugares, essas
pobres pessoas fizeram alguma despesa para nos receber”(CREVAUX, 1987,
p.168, tradução do autor ). Isto até a sua chegada a casa de Urbano Numès, um
comprador de borracha e agente de um vapor que entrava todo o primeiro dia de
cada mês no rio para o transporte dos produtos. Relata que nessa época, a vila de
Gurupá era um ponto de parada para os 75 vapores que singravam a Amazônia.
No início de 1879, Crevaux ao retornar ao rio Jarí, vindo do rio Paru pelo
Amazonas, onde embarcou no vapor Yary, ele percebe que: “O baixo rio povoava-
se rapidamente. O vapor parou mais de vinte vezes para receber carregamentos de
borracha e de castanha”(CREVAUX, 1987, p.348, tradução do autor). O seu registro
reflete o rápido processo de ocupação econômica da região pelo extrativismo.
Esse grande contingente populacional explorando o rio Jarí, também foi
observado por Ferreira Pena, em 1874:

O Jarí é largo e muito mais navegável do que o Paru, correndo com


este, entre várzeas e igapós até metade de seu curso inferior e daí
para cima até o salto passa sucessivamente por terras altas às
vezes empedradas, por perto de colinas e, ainda por várzeas. É
talvez o maior tributário da margem esquerda do Amazonas desde o
Trombetas até o Oceano. Suas várzeas encerram enorme
quantidade de seringueiras e as colinas e terras altas estão cobertas
de castanheiras. São os produtos destes rios[sic] vegetais que
constituem a riqueza do Jarí, atraindo em cada verão anualmente
para as suas margens cerca de 5.000 pessoas(FERREIRA
PENA,v2, 1971, p.7).

Em 1895, o Barão do Marajó, descrevendo o rio Jarí, discorre sobre as suas


potencialidades extrativistas e qualidades dos produtos:

Além de abundantes castanhaes que enriquecem as matas na parte


superior do seu curso, é ainda este rio citado como um daquelles em
que mais abundam as arvores de borracha, pelo que, apezar de ser
insalubre em uma parte do anno, contam-se em suas margens um
grande número de feitorias para a exploração da borracha. Este
produto extrahido d’estas regiões é reputado de qualidade superior, e
abunda e cresce por tal forma que sendo este o ponto da província
no qual há mais tempo se explora este produto natural, não tem
havido diminuição na producção(MARAJÓ, 1993, p.282-283).

Os recursos naturais da região de influencias dos rio Jarí, Paru, Cajari e


Maracá foram explorados pelas populações caboclas e indígenas oriundas dos
244

aldeamentos missionários da circunvizinhança, somadas as da região das Ilhas de


Gurupá e da Vila do Mazagão. Quanto a forma de organização da produção nesse
período, pode-se construir uma idéia a partir de Oliveira Filho (1979). Este autor
observa, em seus estudos, que a exploração inicial da borracha com fins
comerciais, localizava-se preferencialmente na região das Ilhas, inclusive o Marajó,
alcançando o Xingu, o Jary, e no Capim, no Guamá, no Acará e no Mojú, sendo que
a organização da produção dava-se numa forma específica de seringal, que ele
denomina de “seringal caboclo”. As populações ali residentes eram eminentemente
mestiças ou tapuias e aos poucos vinham abandonando as tarefas agrárias para se
dedicar aos seringais.
Neste tipo de seringal, as atividades eram diversificadas, indo da agricultura
de subsistência à criação, passando por formas variadas de extração (vegetal,
como a borracha, a salsa, o cacau, o óleo de copaíba, a castanha, e animal, como a
manteiga de tartaruga, o pescado etc.). No início, os seringais não importavam
gêneros alimentícios, ao contrário, neles havia uma lavoura alimentar suficiente e
de acordo com a dieta do nativo (Oliveira Filho, 1979).
Nesses seringais, o seringueiro trabalhava com a família:

[…]isso dava à unidade econômica nuclear uma flexibilidade


relativamente grande, permitindo que o cultivo de subsistência ou
outras formas de extração fossem realizadas pela mulher e/ou filhos
concomitantemente ao preparo da seringa pelo chefe da família.”
(OLIVEIRA FILHO, 1979, p.125).

Isso também garantia a essas famílias, uma relativa autonomia em relação


ao capital mercantil.
Apesar do grande potencial existente em recursos extrativistas, na região
de influência do rio Jarí, a preocupação com a posse legal da terra não era levada
em grande consideração, no início do boom da borracha. Lins observa que:

[...]é oportuno que se refira que não havia mentalidade de


legalização de terras naquela época. O título de ‘posse’ era tido pelo
próprio dono como uma coisa precária, a maioria deles como um
mero reconhecimento do ‘Intendente ‘ municipal(LINS, 2001, p.37).

Conforme visto em Oliveira Filho(1979), a barreira entre proprietários e não


proprietários, menos que uma diferença jurídica estabelecida por uma autoridade
precária ou inexistente, era representada pela posse do capital necessário à
organização de uma exploração e a montagem de um seringal, isso fazia com que
245

as propriedades na Amazônia se configurasse em verdadeiras “ilhas” face a


abundância de terras livres. A submissão do trabalho dos caboclos ao capital, dava-
se através do comércio, e não pela expropriação das terras camponesas.
Essas condições vão permitir que uma única pessoa, o coronel José Júlio
de Andrade aproprie-se das terras de toda a região de influência do rio Jarí, a partir
de 1899. Segundo Lins(1997;2001), o cearense José Júlio iniciou as suas
atividades econômicas no rio Jarí em 1882, tornando-se homem de confiança do
coronel Manoel Raimundo da Fonseca, que era dono das principais casas do rio e
sócio do Barão do Guajará. Através de créditos conseguidos para o comércio de
produtos extrativistas, consegue acumular riquezas, tornando-se aos 28 anos o
principal comerciante do Jarí. Constitui matrimônio em 1897, com a filha do
Intendente de Almeirim, Manuel Maia da Silva Neno. Ingressa na vida política, tendo
sido Primeiro Vogal do Conselho Municipal de Almeirim, foi eleito duas vezes
Intendente de Almeirim, foi Deputado pelo Pará em 1908 e Senador em 1923.
O coronel José Júlio é citado por Weinstein(1993), como exemplo de
seringalista particularmente rico, que pode no ‘boom da borracha” juntar capital
suficiente para adquirir um navio, expandir seu posto comercial e estabelecer a sua
própria casa aviadora:

Excelente exemplo disso, foi a Andrade, Queiroz & Cia., firma


paraense fundada por José Júlio de Andrade, tirânico seringalista
que controlava sozinho quase todo o comércio de borracha no
município de Almeirim (WEINSTEIN, 1993, p.36).

A influência política do coronel José Júlio na Intendência de Almeirim, foi


um fator que contribuiu para o estabelecimento de seu latifúndio na região do Jarí.
Segundo Lins(2001), o primeiro título de propriedade recebido foi emitido pelo seu
sogro, Intendente de Almeirim em 1899. Dessa data até 1948, usando de sua
influência econômica e política também sobre o governo do Pará, José Júlio
conseguiu garantir a posse jurídica de praticamente todas as terras da região.
O processo de apropriação das terras pelo coronel José Júlio não foi uma
coisa tão pacífica e natural como tenta passar Lins(2001). Pinto(1986) mostra os
métodos utilizado por este coronel para amealhar as terras do Jarí:

Graças a política , começou a formar seu latifúndio. Levava de Belém


atas de eleições e as preenchia em Arumanduba, em nome de todos
os eleitores, em favor do candidato político que apoiava. Em troca, os
políticos lhe concediam títulos de posse e protegiam manobras de
cartório para a incorporação de terras alheias(PINTO, 1986, p.16).
246

José Júlio explorou a área que abrange a atual RDS do Iratapuru. Segundo
Lins(2001, p.83): “No ano de 1924, José Júlio de Andrade demarcou suas terras até
o Itacará, no alto rio Jarí, onde existe até hoje um marco. Existem ainda outros dois
marcos; no Iratapurú e acima da vila de Água Branca”. Foi instalada uma filial
(barracão para aviamento e compra de produtos) em São João do Iratapuru, que
dava suporte a coleta de castanha e borracha nessa região.
A exploração comercial da castanha e seringa na região do rio Cajari, logo
no seu início, segundo Lins(2001), dizem tinha sido livre porém o coronel José Júlio
“comprou” as terras do rio Cajari, para evitar as constantes fugas de trabalhadores
do rio Jarí para lá. Parece evidente, que essa “compra”, pode ser imputada aos
métodos utilizados por alguns aviadores fortes na apropriação dos seus latifúndios
através da influência sobre as estruturas burocráticas e cartoriais municipais, pois
de acordo com Weinstein(1993, p. 345), com base em artigos do jornal “A Província
do Pará” de 3 /abril/1892, 26/ julho/1901 e 28/julho/1902:

Talvez, o mais famoso desses novos homens fortes tenha sido José
Júlio de Andrade, de Almerim e Gurupá. Ele angariou a inimizade de
muitos paraenses de classe alta quando expulsou importantes
proprietários (bem como posseiros impotentes) para fora de terras
que cobiçava. APP, 3/abr/1892; 26/jul/1901, 28/jul/1901.

O que é corroborado por Sautchuk(1981) ao discutir o processo de


apropriação latifundiária das terras do Vale do Jarí:

A formação deste patrimônio fora iniciada por um aventureiro


cearense chamado José Júlio de Andrade, em fins do século
passado. ‘Coronel’ da Guarda Nacional, Zé Júlio havia deixado o
latifúndio nordestino para buscar o enriquecimento com o comércio
na região amazônica – e logo mostrou-se hábil na técnica de ludibriar
os caboclos da região.[...] Enquanto regateava pela região a fora,
Zé Júlio ia apossando-se de terras, que procurava demarcar com
montes de pedra onde se afixava as iniciais J.J.A. De algumas
destas glebas, que se estendiam do município de Almeirim (PA)
localizado às margens do rio Amazonas, logo abaixo da foz do Paru,
até o rio Cajari, no Amapá, o comerciante conseguiu duvidosos
títulos de posse. E de outras glebas apenas alegava a posse
(SAUTCHUK, 1981, p.15-16).

No período do coronel José Júlio, havia duas filiais na região do Cajari,


uma em Santana e a outra em Água Branca. Sendo que o controle do rio Cajari,
ficava sob a responsabilidade do Capitão Crispin de Almeida, um cearense que se
tornou sócio de José Júlio de Andrade. Segundo Lins(2001), nessa época, a filial de
Água Branca era gerenciada por José Miranda, genro do Capitão Crispin, e vivia só
247

do extrativismo.
O processo de expropriação de terras através da expulsão violenta, aliado
as manobras cartoriais, foi justificadamente possível, já que esse comerciante e
seringalista,

[...]exerceu, durante algum tempo, a Intendência do Município de


Almerim, isto é, estava na posição que lhe permitia agir no sentido de
cadastrar em seu nome grandes áreas de posse, para as quais não
havia uma cadeia dominial bem delineada(SILVEIRA, 1981, p.91).

Os diversos mecanismos utilizado por José Júlio que foram do uso da


violência ao tráfico de influência, possibilitou-lhe a tornar-se “talvez o maior
latifundiário do mundo. Suas terras no Estado do Pará, nos municípios de Almerim,
Porto de Moz e Território Federal do Amapá, beiravam três milhões de
hectares"(LINS,2001, p.37). Isso lhe permitiu controlar toda região do Jarí no
processo de produção e distribuição da riqueza, excluindo do direito de posse os
trabalhadores que já habitavam a região, os quais passaram a ser trabalhadores
compulsórios para o seu projeto de acumulação privada das riquezas geradas na
agropecuária e no extrativismo. O domínio econômico da região lhe permitiu o
controle político do município de Almerim-PA, conseguindo eleger-se senador da
República pelo Estado do Pará.
Em que pese à instalação de fazendas nas margens do Rio Amazonas por
José Júlio – "chegou a criar 25.0000 bovinos"(Lins, 2001, p.59) - nesse período o
processo de produção da riqueza na região do Jarí se sustentava em atividades
extrativas, seja de produtos vegetais (castanha, seringa, copaíba etc.) e produtos
minerais (ouro).
Segundo Lins(2001), os principais produtos explorados pelo seringalista e
os métodos utilizados na exploração foram:
- Castanha-do-brasil: foi o maior negócio de José Júlio. Após a seleção, as
maiores eram exportadas com a marca Jarí, para a Europa, onde até hoje são
conhecidas.
O trabalho de exploração da castanha começava em outubro, quando se
deslocavam homens de confiança do seringalista para fazer o levantamento da
produção dos castanhais, levando equipe de trabalhadores para fazer o trato
necessário ao cultivo dos castanhais (queima da folhagem e limpeza do sub-
bosque). Após o retorno dessa equipe de vanguarda, eram montadas as turmas de
248

coletores e animais, de acordo com o tamanho estimado da safra – os comboios,


como eram chamados, compostos de 3 castanheiros e 15 burros. A produção era
transportada de dentro dos castanhais até o depósito central de cada área, e daí
levada em barcos para os depósitos em Arumanduba, para ser transferida até os
locais de beneficiamento e comercialização. Nesse período, chegava-se a coletar
75.000 hectolitros de castanha na região.
- Borracha: era outro dos principais produtos explorados na região sob o
controle do seringalista. Cada homem cortava cerca de 120 árvores por dia (uma
estrada), produzindo cerca de 18 litros por seringueiro/dia. Após a chegada ao
tapiri34, o seringueiro fazia a defumação da borracha, sendo que cada um deles
produzia em média setenta quilos de borracha por semana.
- Copaíba: era um outro produto extraído da floresta na época do verão,
chegando a ser coletados, nesse período, 40.000 litros de óleo de copaíba, por
safra.
Além dos artigos principais, coletava-se leite de maçaranduba, óleo de
andiroba, timbó, casca preciosa e salsa, para serem vendidos nos mercados de
Belém.
Através de crioulos franceses, o seringalista também extraía ouro da região
do Jarí.
Segundo Lúcio Flávio Pinto, "José Júlio tinha direitos de vida e de morte em
todo o vale, exercendo-o soberanamente devido o apoio de autoridades em Belém"
(Pinto, 1986, p.16). O tipo de relação violenta que o latifundiário mantinha com os
extrativistas fez com que, em 1928, eclodisse uma revolta de trabalhadores dos
seringais, fugindo do cativeiro da região, onde "tomaram um barco e vieram a
Belém denunciar as condições de trabalho e os crimes praticados naquele
rio"(Pinto,1986, p.16). Conforme relatos de Carvalho(2004), foram 787 pessoas que
se rebelaram da violência e da escravidão no Vale do Jarí, e comandados pelo
extrativista José Cesário de Medeiros, apossaram-se do vapor Cidade de Almerim
e fugiram para Belém onde denunciaram as autoridades e imprensa local os
desmandos do coronel e senador José Júlio na região.
Este fato foi bastante divulgado, principalmente no jornal “O Estado de

34
Denominação dada aos pequenos barracos feitos de palha e madeira roliça, que os extrativistas
constroem próximo ao local de coleta, para uso provisório (durante as safras).
249

Pará”, que do dia 06 à 13 de junho de 1928, faz cobertura completa deste


acontecimento que comoveu Belém, ao tomar conhecimento da escravidão,
maltrato, assassinatos e usurpação de terras, que aconteciam nas propriedades do
senador José Júlio(CARVALHO,2004).
A partir de então, começa o processo de destruição do poder único desse
latifundiário, principalmente como resultado de uma nova conjuntura política
nacional, inaugurada com a chamada “Revolução de 30”, onde “o coronelato e seus
bandos armados já não imperam exclusivamente, embora o arbítrio e o
mandonismo local não tenham desaparecido” (OLIVEIRA, 1995, p.80). Nessa
conjuntura há um movimento duplo a partir de 1930: “por um lado, e talvez pela
primeira vez, uma real centralização do poder federal, com o seu oposto, isto é, o
enfraquecimento do poder oligárquico estadual” (OLIVEIRA, 1995, p.80).
Com a sua verdadeira imagem vindo a tona, em 1930, José Júlio de
Andrade vai sofrer as perseguições do interventor federal no Pará pelo movimento
tenentista, coronel Magalhães Barata, iniciando com a cobrança de impostos da
exportação da castanha e borracha no município de Almeirim, entre 1922 à 1930.
No final desse ano, o coronel José Júlio viaja para Europa com a sua esposa a
tratamento de saúde, onde fica auto-exilado (ROCQUE, 1999).
Em 1931, respondendo a críticas feitas na imprensa sobre a perseguição ao
coronel José Júlio, o governo responde em nota que:

Por fim, que não houvera para nenhum político decreto de banimento
ou exílio. Dessa forma, o governo autorizava ao autor do artigo,
“pródigo em francesismo e exumações históricas”, a mandar dizer ao
sr. José Júlio que podia voltar ao Pará quando lhe conviesse; e que
nos consulados do Brasil em qualquer país que se encontrasse ser-
lhe-ia fornecido passaporte de retorno, “podendo vir empregar seus
vultosos capitais na exploração ‘honesta’ de qualquer indústria”,
desde que – frisou a nota – fossem respeitados os direitos de vida e
liberdade dos operários e trabalhadores(ROCQUE, 1999, p.190).

Em 1948, José Júlio vê-se obrigado a vender as suas propriedade a um


grupo de empresários portugueses que se associam ao seu ex-sócio Crispin de
Almeida na exploração extrativista da região.
No período em que o coronel José Júlio de Andrade controlava o Vale do
Jarí, o capitão Crispim de Almeida, sócio do coronel José Júlio controlava o rio
Cajari, o rio Maracá encontrava-se sob o domínio de um cidadão nordestino
conhecido como “coronel” Vicente Freire. Segundo Lins(2001, p.48): “Vicente Freire
250

explorava castanha, borracha e outros produtos nativos, e era rico também. Mas
adoeceu de beribéri e voltou ao Rio Grande do Norte , vendendo seus negócios do
Rio Maracá”. Isto refere-se a década de 1920.
Nesse período de ocupação inicial, formam-se ao redor dos depósitos da
produção e aviamentos (barracões) os principais povoados que atualmente existem
na região.

3.2.4 O Sul do Amapá na integração nacional da Amazônia

A economia cafeeira, segundo Warren Dean, garantiu as classes


proprietárias e comerciais a extração de uma elevada taxa de lucro que foi muito
significativa para a criação de uma indústria nacional, já que os cafeicultores de São
Paulo, “quase todos nativos, investiam em estradas de ferros e docas, bancos e
sociedades comerciais necessários à expansão dos seus negócios”(DEAN, 1977,
p.252). Esses lucros que se multiplicaram a partir da exportação primária
contribuíram para alavancar a compra de máquinas para a produção industrial, além
de que, a estrutura montada para a economia cafeeira foi muito bem aproveitada na
industrialização e diversificação da economia regional a partir da primeira república,
diferente do acontecido com borracha na Amazônia.
O extrativismo da borracha, apesar de promover um grande dinamismo
econômico na região, chegando a alcançar, segundo Daou (2000), o segundo lugar
na exportação brasileira, atingindo 25,7% do total exportado entre 1898 e 1900
perdendo apenas para o café que representou 52,7%, não conseguiu desempenhar
o papel catalisador que a riqueza gerada pelo café promoveu na industrialização
paulista. Um dos motivos para isto pode ser creditado ao sistema de aviamento que
ao fracionar o excedente econômico entre os diversos intermediários da cadeia,
garantiu a maior fatia as empresas exportadoras/importadoras estrangeiras,
enquanto que

[..]as aplicações da riqueza que foi carreada para a região não


ultrapassaram os umbrais do consumo conspícuo, exemplificado por
espetáculos teatrais e companhias de luxo estrangeiras que se
exibiam, com toda a pompa, em Manaus e Belém(MARTINELLO,
1988, p.26).

Esse “consumo conspícuo” que caracterizou o período de 1880 e 1910, e


que, para Daou(2000) se convencionou chamar de “belle époque”, facultou a
251

aproximação e o contato sistemático de paraenses e amazonenses com o fluxo da


economia internacional, na condição de consumidores de bens de luxo e iguarias.
Dessa forma, sangraram-se para o consumo supérfluo de um fáustico padrão
europeu, os recursos que poderiam ser encaminhados para outras atividades
produtivas, que certamente atenuariam a crise que se estabeleceu na região com a
perda do monopólio brasileiro da borracha.
A partir da Revolução de 30, inicia um processo de integração do mercado
nacional, do ponto de vista da circulação de mercadorias, ainda que a integração
produtiva só se completará já avançada a década de 1970 (OLIVEIRA, 1995). Para
o país a partir de então, inaugura-se um processo de rompimento com os princípios
do liberalismo econômico que caracterizou os períodos anteriores, sendo que a
partir do pós-guerra, o Estado passa a ter um papel fundamental na implementação
de políticas de desenvolvimento econômico, que vão ser expressas através do
planejamento governamental.
Na Amazônia, apesar das tentativas de planejamento econômico terem
iniciado, como uma busca de recuperação da economia da borracha, em 1912
(Plano de Defesa da Borracha) e 1945 (Batalha da Borracha), ou na defesa de uma
política de desenvolvimento mais ampla de longo prazo, através da criação do
Plano de Valorização Econômica da Amazônia e da Superintendência do Plano
para Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), poucos resultados positivos
foram alcançados(MAHAR, 1978). Um aspecto importante desses esforços iniciais
foi a criação dos Territórios Federais (Amapá, Rio Branco, Guaporé, e Ponta Porá)
em 1943, como áreas de interesse estratégico que passam a ser geridos
administrativamente pelo Governo Federal. Para PORTO(2003), essa experiência
de Territórios Federais dever ser visto além do aspecto administrativo, pois:

Apresentaram como escopo o empreendimento de medidas,


serviços e obras destinadas a preservar o país de ameaça de toda
ordem, defender a zona fronteiriça, salvaguardar as riquezas e
assegurar a saúde de sua população com políticas de saneamento,
no sentido de melhorar os padrões econômicos de seus habitantes e
da expansão da riqueza do país (PORTO, 2003, p.20-21).

Só após a instalação dos governos militares no país é que a região


amazônica passará por novas e grandes transformações:

Nos anos de 1964-78 a economia amazônica ingressou na etapa da


grande empresa privada nacional e estrangeira. Ao lado das práticas
tradicionais de extrativismo mineral, vegetal e animal por um lado, e
252

da ampla e esgarçada economia de subsistência, do tipo camponês,


por outro, surgiu e expandiu-se a grande e média empresa
privada(IANNI, 1986, p.74).

Essas empresas surgem beneficiadas por fortes subsídios governamentais,


como incentivos fiscais, isenção de impostos e créditos facilitados, garantidos pela
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, Banco da Amazônia criados
em 1966 e Superintendência da Zona Franca de Manaus, criada em 1967. Isso
lhes permite desenvolver, em grande e rápida escala, atividades produtivas
geralmente destruidoras das condições naturais de existência da economia
extrativista tradicional, como a devastação da floresta para o plantio de pastagens,
reflorestamento e extração de madeira, a poluição dos rios com a mineração.
Organizadas sob a forma de grandes empreendimentos agro-industriais, florestais e
minerais, denominados de forma genérica como “grandes projetos”.
Com a generalização dos grandes projetos na Amazônia, emergem também
na região as forças que reagem aos seus efeitos devastadores sobre a natureza, a
partir das populações agroextrativistas que se aliam aos movimentos ecológicos
nacionais e internacionais, lutando segundo seus diferentes interesses, pela
preservação da floresta amazônica.
O fortalecimento das pressões dos movimentos ambientalistas nacionais e
internacionais preocupados com o futuro da humanidade, de um lado, e, de outro,
do capital – pela necessidade que o capitalismo tem de manter o principal banco de
germoplasma do mundo, base da biodiversidade necessária ao desenvolvimento da
biotecnologia – levam o modelo de desenvolvimento via grandes projetos (com
subsídios governamentais) à crise. A partir de então, acaba sendo cancelada a
antiga política de incentivos fiscais do governo federal para Amazônia,
generalizando-se neste governo a busca de alternativas de produção com a
"floresta em pé".
Desta busca de alternativas, mais ecológica para alguns, e mais econômica
para outros, surgem no final da década de 80 as propostas de implantação das
Reservas Extrativistas na Amazônia, objetivando:

A regularização fundiária de áreas historicamente ocupadas por


grupos sociais que utilizam produtos florestais para subsistência e
comercialização, de forma compatível com as características de
ecossistemas amazônicos e de acordo com os padrões tradicionais
de uso. (ALLEGRETTI,. 1988, p.3).
253

Com o fortalecimento da intervenção estatal para a integração da Amazônia


na economia nacional, iniciada com a chamada Operação Amazônia, uma “série de
leis aprovada em 1966 e começo de 1967”(MAHAR, 1978, p.21), configura-se um
novo cenário, extremamente complexo e conflituoso.
Esse cenário expressa-se em uma nova ocupação acelerada da Amazônia
rural, desta vez sob a forma de fronteira agrícola, onde, inicialmente, frentes
camponesas e fazendeiros dinamizam esta ocupação, acompanhando os
movimentos de construção das grandes rodovias amazônicas, abrindo espaços
para os grandes projetos.
O Estado, através da SUDAM, intervém nesse processo de ocupação
favorecendo principalmente as empresas agropecuárias e os fazendeiros,
marginalizando as frentes camponesas ou as direcionando para projetos de
colonização em regiões estratégicas para o capital.
Nessa nova etapa de ocupação do meio rural amazônico, diversificam-se e
tornam-se complexas as formas de organização da produção e de utilização das
terras, em um processo no qual a especulação imobiliária tende a ser uma faceta
dominante. Essa diversidade e complexidade nas formas de organizar a produção e
usufruir os recursos naturais levam a Amazônia a se tornar palco dos mais diversos
conflitos, que geralmente são resolvidos favoravelmente aos segmentos sociais
mais poderosos (grandes projetos e fazendeiros).
No mundo rural amazônico observa-se a produção organizando-se sob a
forma de grandes empresas agropecuárias subsidiadas pelos incentivos estatais,
geralmente ocupando produtiva ou especulativamente grandes extensões de áreas,
como o Projeto Jarí, Codeara, Georg Pacific etc., que são associações de capitais
nacionais e estrangeiros. Vêem-se, também, os fazendeiros individuais, que, com
financiamento bancário ou não, estabelecem um processo de pecuária na região;
uma diversidade de produtores familiares (posseiros, meeiros, proprietários e
rendeiros), que, em número muito grande e com uma extensão de área
proporcionalmente muito pequena, são empurrados cada vez mais para o interior e
para as áreas mais pobres da Amazônia pelos grandes projetos, fazendeiros e
frações especulativas do capital.
O segmento diversificado de produtores familiares, constantemente
expropriado dos recursos naturais e empurrado Amazônia adentro, continua a se
manter atuante no cenário amazônico. Essa permanência é vista por Berta Becker
254

como resultado de:

a) produção de alimentos baratos para o abastecimento da mão-de-


obra local e da crescente população urbana; b)a condição de se
constituírem enclaves não capitalizados, o que possibilita a venda
eventual de sua força de trabalho, pressionando para baixo os
salários e assegurando eles mesmos parte de sua reprodução nas
próprias terras; c)não menos importante são as estratégias de
sobrevivência dos produtores: por um lado uma resistência pacífica
que lhe permite manter o vínculo com a terra através da realização,
por ele mesmo, ou sua família, de várias tarefas, e por outro lado a
resistência não pacífica, a luta organizada pela terra(BECKER, 1990,
p.30-31).

Apesar de ocorrer em uma fronteira agrícola, a ocupação capitalista não se


realiza em cima de uma produção agropecuária, pois é muito forte o processo de
especulação com a terra, como estratégia para conseguir os incentivos estatais,
além dos interesses especulativos com o potencial mineral do subsolo.
Em meio aos pequenos produtores, não se observa uma tendência
exclusiva à produção agrícola apenas: o extrativismo consegue ser um forte
componente na sua reprodução, principalmente entre aqueles de origem
amazônica. Logo, a luta pela terra também passa a ser uma luta para manter as
possibilidades de utilização dos recursos da floresta e dos rios, à medida que os
grandes projetos vão destruindo as condições naturais que permitem as atividades
de coletas, caça e pesca. Daí a forte luta dos finais da década de 80 para a criação
de Reservas Extrativistas, principalmente nas áreas ricas em produtos de coleta
como açaí, castanha, seringa etc..
Na década de 90, no cenário complexo e conflituoso de integração
econômica da Amazônia, “O temor pela perda do controle do território frente à
pressão internacional, à autonomia dos estados e à demanda organizada da
sociedade civil exigiu do Estado brasileiro uma resposta”(BECKER, 1999,
p.34).Essa resposta vem através do Programa Avança Brasil:

Visando o investimento de infra-estrutura pelo Plano Eixos Nacionais


de Transporte e Desenvolvimento, para incentivar a produção
nacional e integrar nacional e internacionalmente o Brasil, mediante
rodovias, hidrovias e ferrovias, a fim de criar condições de atração
para a indústria, agropecuária e comércio(PORTO,2003, p.79).

Isso acontece em um cenário de globalização econômica e


enfraquecimento do poder estatal devido às reformas neoliberais, com o país
sufocado pelo endividamento público.
255

A partir do Avança Brasil, a Amazônia entra no século XXI com uma nova
função: contribuir com a redução do custo Brasil, fornecendo novas alternativas
para o escoamento e produção exportável de produtos agrícolas (soja) e minerais,
através da redução dos custos de transporte, tendo em vista a sua localização
privilegiada para a saída aos principais mercados internacionais, através dos Eixos
Nacionais de Transporte e Desenvolvimento.
Quanto ao Amapá, nesse período de integração, em 1943 é transformado
em um Território Federal com três municípios: Macapá, Amapá e Mazagão. Sendo
nomeado como seu primeiro governador o Capitão Janary Gentil Nunes, que teve
como um dos seus principais feitos a abertura, em 1947, da exploração das minas
de manganês de Serra do Navio para a Indústria e Comércio de Minério - ICOMI
associada a uma empresa americana. A extração do manganês torna-se a principal
atividade econômica do Território, até o esgotamento das reservas na década de
1990.
Enquanto Território Federal, com os governadores nomeados pelo
presidente da República, geralmente militares oriundos de outras regiões, que
impuseram ao espaço amapaense, muito pouco além da presença autoritária do
Governo Federal, enquanto os grandes grupos econômicos apossavam-se das
riquezas extrativas minerais e vegetais, como o manganês da Serra do Navio, o
ouro de Calçoene, a cromita do Vila Nova, o caulin do Jarí, a madeira de Macapá e
Mazagão, além da ocupação econômica do Cerrado para a produção de celulose.
Riquezas exportadas com baixo retorno para o desenvolvimento local.
Em 1988, o Amapá e transformado em Estado com 16 municípios,
passando a eleger seus governadores, que se vêem obrigados a propor e
implementar ações que promovam o desenvolvimento socioeconômico da região,
num quadro de esgotamento das reservas do principal produto mineral das fases
anteriores: o manganês. Nesse cenário, em 1991 é criada a Área de Livre Comércio
de Macapá e Santana, que logo se mostra como uma ação inócua para dinamizar a
economia regional, já que o país vive uma fase de abertura comercial. De 1995 a
2002 estabelece-se um programa estadual de governo, com estímulo a
diversificação das atividades econômicas, dentro dos princípios da Agenda 21, o
PDSA. A partir desse programa, o governo estadual articula-se com o governo
federal na busca de integração do Amapá aos mercados das Guianas e Caribe. O
que aparentemente está sendo abandonado pelo atual governo, criando um clima
256

muito grande de incertezas para com o futuro.

3.2.4.1 O agroextrativismo e as empresas estrangeiras no Sul do Amapá

Com a transformação em Território Federal, em 1943, é criado no Sul do


Amapá o município de Mazagão com seus limites entre os Rios Vila Nova e Jarí,
abrangendo as principais áreas extrativistas vegetal do Território. Para facilitar a
gestão pública, fragmenta-se essa extensa área, criando-se em 1987 o município
de Laranjal do Jarí e em 1994 o município de Vitória do Jarí.
Em 1948, quando a exploração da região do Vale do Jarí passa ao controle
de uma empresa extrativista de estrangeiros, verificam-se algumas mudanças nas
relações de trabalho e na utilização dos recursos naturais, pois:

Na fase José Júlio as áreas eram mantidas na maior privacidade, até


para pescar era preciso uma autorização e o pescado destinava-se
exclusivamente à alimentação local, não podendo ser negociado
para fora da área. Os portugueses liberaram a área em todos os
sentidos, tanto econômica como politicamente (LINS, 2001, p.105).

Essa liberação parece ter sido parcial e seletiva, pelo menos logo no início
da gestão da empresa, conforme se verifica em outra análise:

A organização da Empresa de Comércio e Navegação Jarí Ltda.,


mantém praticamente o monopólio de exploração do Vale do Jarí,
acontecendo que nessa região os caboclos são impedidos de fazer
qualquer agricultura, a fim de não perder tempo, que deve ser
empregado na exploração da floresta. O barracão abastece essa
população com mercadorias importadas do exterior. Cada homem é
obrigado a trabalhar quase isolado de seu companheiro para
percorrer as estradas dos seringais na coleta do látex.. Além do mais
ele se vê obrigado a viver um nomadismo sazionário (sic), deixando
no inverno os seringais e indo para os castanhais. (GUERRA, 1954,
p.191).

Tudo indica que a liberação para o plantio de produtos agrícolas tenha


acontecido primeiramente nas regiões detentoras de poucos seringais, como o alto
Cajari e alto Jarí.
A liberação permitiu que se organizasse também na região uma incipiente
produção agrícola. Em algumas vilas, como Santo Antônio da Cachoeira, isso é
feito pela própria filial, produzindo o milho necessário para a alimentação dos burros
de todas as outras filiais, além de feijão, tabaco e frutas. Em Água Branca, que
possui solos férteis e poucos seringais:
257

Os portugueses tiveram mais sucesso na agricultura, financiando os


colonos para o preparo das áreas de plantio, fornecendo ferramentas
e sementes e com a garantia da compra da produção. Água Branca
foi uma colônia muito produtiva, chegando a produzir até trinta
toneladas de farinha de mandioca por mês, que eram compradas
pela Companhia. Além da farinha, Água Branca fornecia feijão, milho,
tabaco e grande quantidade de frutas, principalmente laranja (LINS,
2001, p.111).

A liberação para outras atividades extra-extrativismo certamente permitiu


um rebaixamento do valor da força de trabalho, manifestado na redução da
quantidade de mercadorias aviadas, favorecendo a reconstituição do modelo de
unidades familiares agroextrativistas, típicas do início do ciclo da borracha. É óbvio
que a flexibilização ocorreu apenas na produção, pois o monopólio da
comercialização foi mantido.
Na gestão da produção sob o controle dos empresários portugueses
verifica-se maior racionalização e diversificação nas atividades. Para tanto, o
empreendimento passa a ser gerenciado por três empresas criadas para esse fim,
que segundo Lins (2001) foram:
- Jarí Indústria e Comércio, a responsável pelo maior número de negócios,
abrangendo a comercialização da maioria dos produtos nativos;
- Companhia Industrial do Amapá, com sede em Jarilândia, situada à
margem esquerda do Jarí, próxima à Foz do Amazonas, a qual tinha a finalidade de
industrializar toda a castanha-do-brasil produzida na região;
- Companhia de Navegação Jarí S/A, composta pelas mesmas
embarcações da época de José Júlio, em número de quatorze, entre navios e
empurradores. A finalidade desta empresa era suprir o fluxo de produtos nativos
entre as filiais e sedes como Arumanduba e Jarilândia, e destas com Belém,
principal mercado comprador.
A empresa fez vários investimentos, visando a uma maior lucratividade nos
seus negócios, dentre os quais a instalação de sistemas de comunicação entre as
filiais e matrizes através de radiofonia, e destas com Belém; transformou os navios
a vapor para óleo diesel; instalou serraria em Jarilândia; aumentou o estoque e
diversificou as mercadorias das filiais, para atender aos trabalhadores e fregueses
da empresa; montou uma fábrica de aguardente, com capacidade para 40 mil litros,
que tanto atendia ao consumo das filiais quanto ao comércio de Belém.
O número de funcionários foi aumentado e esses passaram a trabalhar no
258

sistema de rodízio entre as filiais, a cada dois anos. Os empregados passaram a ter
seus principais direitos trabalhistas garantidos, com salário e carteira assinada,
embora acabassem sempre recebendo o salário em mercadorias.
Com os investimentos feitos, a empresa dos portugueses superou em
quase todas as atividades produtivas, o que era conseguido na fase anterior.
Segundo Lins(2001), os principais negócios explorados pela empresa extrativista
foram:
- Madeira: era exportada em toras para Portugal e Inglaterra, tendo como
portos de embarque a Ilha do Cajari e Jarilândia.“Para se ter uma idéia do volume
deste comércio, os portugueses faziam embarques mensais, em que às vezes havia
até três navios no Porto de Jarilândia esperando carregamento"(LINS, 2001, p.107).
- Castanha-do-pará: enquanto na fase anterior se chegava ao máximo em
75.000 hectolitros por safra, os portugueses alcançavam 77.000 hectolitros;
- Borracha: continuou sendo um bom negócio para a empresa extrativista,
que a comprava na forma de bolão defumado, ou, no baixo Jarí, na forma de látex
diluído em amoníaco para não coagular. Segundo Lins, a empresa chegou a
comprar até 2.000 tambores de látex, numa safra;
- Balata: Foi um produto muito importante nas atividades da empresa
extrativista, que chegava a comprar, através do aviamento, oitocentas toneladas de
balata, por safra. A borracha da balata é utilizada na fabricação de pneus de
aviação e na fabricação de bolas de golfe. A balateira só pode ser cortada de 15 em
15 anos, o que fazia com que a sua coleta levasse os balateiros a adentrar cada
vez mais na floresta, passando cerca de 6 meses dentro da mata, geralmente em
grupos de 5 balateiros;
Nessa fase, além desses produtos, os portugueses compravam tudo o que
fosse possível negociar em Belém ou em outros mercados, como frutas, peles
silvestres, peixes, caças, grãos etc.
Além dos aviados, a empresa mantinha os seus assalariados nas filiais e
nas fazendas, sendo que a maioria recebia um salário mínimo geralmente pago em
mercadorias. Os assalariados das fazendas foram liberados para criar pequenos
animais e fazer pequenas roças.
As filiais, que eram os locais onde se faziam os aviamentos e o recebimento
dos produtos dos trabalhadores, passaram a ser administradas por gerentes, que
chegaram a ter participação nos lucros das filiais. Na fase anterior, nas filiais ficava
259

apenas um empregado para receber e aviar.


A fase do extrativismo empresarial prolongou-se de 1948 até 1967, quando
o controle da região foi vendido ao grande capital internacional, representado no
milionário americano Daniel Ludwig, que implanta um ambicioso projeto
agroindustrial que ficou conhecido como Projeto Jarí.
Enquanto existem muitos estudos e documentos sobre a ocupação das
áreas de influências dos rios Jarí e Cajari, em função dos grandes debates
suscitados pelo Projeto Jarí, a região do rio Maracá, área circunvizinha do
Mazagão, pouco foi estudada, e raros registros existem sobre este período de
apropriação das terras por empresas estrangeiras. Não conseguimos informações
se a venda das terras do Maracá sob o controle de Vicente Freire, foi feita para
empresários ligado ao extrativismo ou se realizada diretamente para uma empresa
estrangeira. De acordo com Sills:

No fim dos anos 1930 no caso do Maracá e no fim dos anos 1940 no
caso do Cajari, os rios e os castanhais foram vendidos para
empresas privadas com capital estrangeiro: Agro-Industrial do
Amapá (japonesa) no Maracá e a Empresa de Comércio e
Navegação Jarí Ltda. (portuguesa) no caso do Cajari. As empresas
ampliaram o número de produtos comercializados (incluindo
massaranduba, sorva, madeira, etc.) e não tentaram manter controle
absoluto sobre a vida dos ocupantes dos rios, mas mesmo assim,
continuaram monopolizando a comercialização da produção
extrativista(SILLS, 1991, p.4).

As pessoas que controlavam o extrativismo vegetal na região do rio Maracá,


também tinham fortes interesses nas atividades de mineração pois este curso
d´água e seus principais afluentes foram rateados em autorizações para pesquisa
de ouro em 1939, ficando o cidadão Remiro Branco de Abrunhosa Trindade
autorizado a pesquisar ouro no leito do rio Maracá em um trecho de 25 km entre a
cachoeira Pancada até a cachoeira Caranã acima da foz do rio Camaipi(Decreto no
3.906); o cidadão Martinho de Lima e Silva foi autorizado a explorar ouro no leito do
rio Maracá em uma extensão de 21 km, entre a cachoeira Caranã e a foz do
igarapé Pires (Decreto no 3.964); o cidadão Artur Monteiro de Lemos Silva foi
autorizado a pesquisar ouro, em uma extensão de 24 km entre o igarapé Pires e o
lugar denominado Franquinho, acima da povoação Aldeia(Decreto no 3.965);
Alberto de Lemos Monteiro da Silva foi autorizado a pesquisar ouro numa extensão
de 23 km no igarapé Rio Branco, confluência com o rio Maracá, (Decreto no 3.963)
e o senhor Simão Roffé foi autorizado a pesquisar ouro no leito do rio Camaipi,
260

afluente do rio Maracá, em uma extensão de 25 km a montante da cachoeira


Vovó(Decreto no 4.411).
Não se têm informações precisas sobre as relações econômicas entre
essas pessoas e a empresa Agro-Industrial do Amapá, se eram arrendamentos
para a pesquisa mineral, ou se essas pessoas eram associados ou prepostos dos
empresários japoneses. Em 1957, quando o Presidente da República autoriza o
cidadão Alberto de Lemos Monteiro da Silva a pesquisar minério de ferro, cassiterita
e associados, os Decretos no 41.316 e no 41.324 de 10 de abril de 1957
autorizativos referenciam que será em terrenos de propriedade da Sociedade Agro
Industrial do Amapá LTDA, no lugar denominado Serra Grande, nas confluências do
igarapé Rio Branco com o rio Maracá.
Como esses Decretos foram assinados pelo Presidente da Republica,
certamente foram utilizados por essas pessoas, que parecem ser da mesma família,
para garantir o controle comercial sobre todos os recursos naturais da região,
principalmente a borracha e a castanha.
Nesse período, a Agro-Industrial do Amapá passou por uma nova
negociação que modificou a sua atuação na região: ”No início dos anos setenta, a
Agro-Industrial foi vendido [sic] para um grupo mais interessado em especulação de
terra e extrativismo mineral de que produtos florestais”(SILLS, 1991, p.5). Segundo
Almeida(1984) os novos proprietários eram norte americanos, e tiveram a posse
das terras questionada pelo Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas
(GEBAM):

[...] Neste caso [Agro-Industrial do Amapá S.A.] foi questionado o


domínio de terras tituladas irregularmente e em mãos de
empresários estrangeiros. Estes se apoderaram da área tão somente
para o propósito de especulação. Não realizaram quaisquer
benfeitorias, limitando-se ao arrendamento de suas terras aos
extratores de castanha(ALMEIDA, 1984, p.62).

Nas entrevistas com antigos moradores35 do rio Maracá foi possível


reconstruir alguns aspectos da relação entre a empresa e arrendatários, da
dominação local e da ocupação econômica mais recente dessa região:
Segundo os informantes, na época em que começaram a se relacionar com
a região, o controle do comércio dos produtos extrativistas do rio Maracá, ficava nas

35
Tomé de Souza Belo. Sindicalista no Mazagão e João Florindo de Tavares. Morador antigo do rio
Maracá. Entrevistas concedida a Antonio Sergio Filocreão. Carvão-AP, mai.2006.
261

mãos de três portugueses, sendo que um deles, conhecido como José Braga,
detinha suas estruturas comerciais na localidade denominada de Central do Maracá
enquanto os outros dois, conhecidos como Marcolino e Moutinho, estabeleceram-
se na foz do Rio Mazagão Esses portugueses eram os responsáveis pelas
atividades de aviamento na região, mas trabalhavam para o dono das terras que
morava em Belém. As terras pertenciam [ou arrendadas] a um indivíduo
denominado João Monteiro da Silva. Nessa época produzia-se cerca de 15.000
hectolitros de castanha na região.
De acordo com os informantes, após os três portugueses, sucederam-se
vários prepostos ou arrendatários das terras, como o português conhecido como
João Brasil, que tratava mal os extrativistas, não pagava os saldos, sendo que o
governador do Território do Amapá Janary Nunes (1944 -1956) foi obrigado a
intervir na defesa dos direitos dos extrativistas, o que levou a saída deste
comerciante da região.
Em 1955, quando o informante, sindicalista Tomé de Souza Belo, começou
a trabalhar na região, o responsável pelo aviamento era um comerciante paraibano
conhecido como Raimundo Rodrigues Baia, que tinha comércio também em Cutias
e Belém. O filho do dono das terras conhecido como Alberto Silva, que organizava a
comercialização em Belém. Neste ano, segundo Belo, a safra de castanha da
região do Maracá atingiu 21.000 hectolitros.
Na década de sessenta, os empresários japoneses instalaram em Central
do Maracá uma estufa para secagem da castanha, mas que não deu certo segundo
os informantes. Essas instalações encontram-se atualmente abandonadas.
Na região do Maracá, nessa época, trabalhava-se, no inverno colhendo
castanha, após a castanha plantava-se as roças familiares e no verão colhia-se a
borracha. Os extrativistas tinham a responsabilidade de fazer a limpeza dos
varadouros e castanhais, onde se queimava o excesso de folhas embaixo das
árvores o que trazia melhoras na produção.
Além dos moradores que habitavam na região, para as atividades
extrativistas vinham trabalhadores das vilas de Mazagão e povoados próximos,
além de que, um aviador conhecido como Salomão, trazia anualmente
trabalhadores de Boa Vista no interior do Pará, chegando a trazer duzentos homens
para trabalhar na coleta da castanha. Nas atividades da castanha, os trabalhadores
eram divididos em dois grupos, os que faziam as atividades de coletas, e os que
262

desciam com a castanha através do rio, que é cheio de cachoeiras. Todos


recebiam por barrica coletada ou transportada. O transporte era feito em batelões
com capacidade de carga de 25 barricas, quando tinha que atravessar cachoeiras,
e com carga de 50 barricas em casos que não precisava descer e subir cachoeiras.
Segundo os informantes, sucederam ao senhor Baia, na organização da
produção na região, os comerciantes conhecidos como Luciano, Espindola, o
Salomão, e por último os irmãos Carvalhos que eram portugueses e um grande
comerciante de Santana, o José Valente.
Por essas informações locais, pode-se concluir que durante o controle da
empresa pelos japoneses, a família Silva era a responsável pelos interesses da
empresa na região, através de arrendamento ou algum tipo de associação,
garantindo diretamente ou através de prepostos o aviamento e comércio da
produção extrativista. Quando o controle da empresa foi vendido para empresários
americanos, vão surgir novos arrendatários dessas terras.
Em 1980 foi criado o Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas
(GEBAM), tendo como uma das suas missões, propor medidas para a solução de
problemas fundiários da sua região de atuação. Por indicação do GEBAM, o
presidente da república João Figueiredo através dos Decretos nº 86.235 e nº
86.236, de 29 de Julho de 1981, fixa essa região como área prioritária, para fins de
reforma agrária, e declara de interesse social para fim de desapropriação uma área
medindo aproximadamente 580.000 hectares situada nos Municípios de Mazagão e
Macapá, no Território Federal do Amapá, incluindo quarenta e cinco imóveis rurais
que figuravam como incorporados ao patrimônio social da empresa Agro-Industrial
do Amapá S.A..
Segundo Almeida(1984) discutindo a ação do GEBAM como uma forma de
criação de um mercado formal de terras na Amazônia, considera que:

[...]A desapropriação da Agro-Industrial do Amapá S. A. funciona


como um aval da lisura desta operação severa e de verniz
‘nacionalista’, que procura distinguir as ocupações consideradas
legítimas daquelas obtidas através de indisfarçáveis atos
fraudulentos em cartórios e tabelionatos. No caso da Agro-Industrial
do Amapá S.A. as irregularidades parecem por demais flagrantes e o
Decreto que institui a desapropriação se apóia em recursos legais
que não permitem à empresa qualquer meio de contestação jurídica
(ALMEIDA, 1984, p.70).

Através desses dois decretos, o INCRA fica responsável por proceder às


263

desapropriações; questionar juridicamente a regularidade da titulação das


propriedades; destinar o uso das terras considerando os seus fins sociais e
promover a sua utilização produtiva.
As terras desapropriadas vão ficar sem destinação até 1988. Nesse
período, alguns dos comerciantes que atuavam na região, com o dinheiro
acumulado no comércio extrativista, expandem nessas áreas, a pecuária, com a
criação de búfalos e bovinos, criando conflitos com os produtores agroextrativistas,
devido a destruição de roças pelos animais.
Nesse período, segundo os informantes, estabelecem-se conflitos pelo
controle dos castanhais, entre os irmãos Carvalhos e o Salomão que até então
organizava a exploração dos castanhais. Nesse conflito, o Salomão é expulso da
região e a comercialização da castanha e aviamento fica sob a responsabilidade de
dois compradores, o José Valente, dono de um grande armazém em Santana, e os
irmãos Carvalhos, com comércio em Central do Maracá. Na mão desses
comerciantes, as atividades entram em decadência, pois os mesmos não fazem os
mesmos investimentos que eram feitos pelos patrões anteriores.
Como pode-se observar, a exploração do agroextrativismo no Sul do
Amapá por empresas estrangeiras, tiveram formas bem diferenciadas, enquanto na
região do Jarí e Cajari, implementou-se uma organização produtiva, na região do
Maracá, a forma de utilização dos recursos foi mais especulativa e com interesse
principal nas riquezas minerais.

3.2.4.2 O agroextrativismo sob o controle de um grande projeto

O processo de apropriação direta dos recursos naturais da Amazônia pelo


grande capital, acelerado na década de 60, manifesta-se claramente na região do
Jarí, a partir da compra do controle da região pelo grande capital internacional,
personificado no milionário norte-americano Daniel Ludwig.

Os antigos proprietários venderam o controle acionário de três


companhias: a Jarí Indústria e Comércio, a Companhia Industrial do
Amapá(CIA) e a Navegação Jarí S/A, esta última ainda em fase de
organização. O preço total da venda foi de 4.703.333 dólares. (Pinto,
1986, p.11).

Este processo trouxe profundas modificações na economia e no modo de


vida dos homens da região, ao transformar radicalmente a economia local. Uma
264

economia sustentada basicamente pelo extrativismo vegetal, organizada por uma


empresa de caráter incisivamente comercial, que mesclava relações de
assalariamento formal com relações predominantemente de aviamento, subsistindo
com uma baixa composição orgânica de capital, de repente se transforma em um
grande enclave econômico, usuário dos mais recentes avanços tecnológicos.
No processo de criação da riqueza, também se estabelecem às condições
que contribuem para o desequilíbrio ecológico, que não existia na economia
extrativista anterior, pois:

[...] do ponto de vista físico, a região encontrava-se, a bem dizer,


intacta. A população vivia do extrativismo, sem nenhuma tradição
agropecuária que os levasse a efetuar derrubadas significantes, a
não ser pequenas áreas de plantio de mandioca para fabricar
farinha(LINS, 2001,p.149).

Em substituição à economia extrativista existente até então, o projeto Jarí


pretendeu desenvolver na região um grande empreendimento de exploração das
riquezas naturais, quando previu a derrubada de mais de 200.000 hectares para o
reflorestamento com espécies exóticas visando à fabricação de celulose; o
desenvolvimento de uma pecuária com rebanho de 100.000 cabeças bovinas e
40.000 bubalinas; o plantio de 20.000 hectares de arroz, 80.000 hectares de dendê
e banana, além da exploração dos minérios existentes na região. O projeto trouxe,
montada do Japão, uma fábrica de celulose ao custo de 269 milhões de dólares, e,
para atender as demandas energéticas desta fábrica, pretende instalar uma
hidrelétrica no Rio Jarí, além de outros empreendimentos de grande vulto.
Um aspecto importante a ressaltar é que todos os empreendimentos foram
e continuam a ser executados com alguma forma de incentivo estatal, como isenção
de impostos, incentivos fiscais, financiamentos a taxas de juros abaixo do mercado,
tal qual, os outros grandes projetos instalados na região Amazônica.
A instalação do projeto enfrentou densos problemas relativos ao tamanho
das terras, pois as versões quanto às dimensões das áreas foram muitas, podendo-
se destacar pelo menos três bastante contraditórias: a oficial, citada por
Sautchuck(1979), que consta que a Jarí possuía registrada no INCRA, em 10 de
outubro de 1977, uma área total de 1.006.261 hectares, dos quais 576.222,3
hectares no estado do Pará e 430.039,6 no Amapá; a versão da Jarí, que dizia que
a sua área oficial era de 1.632.121 hectares, porém, menos de um terço teria título
definitivo; além das interpretações de alguns de seus diretores e advogados,
265

declarando que a empresa teria até mais de 3,5 milhões de hectares. E ainda
existia uma versão da ocupação real: em um levantamento feito pelo INCRA em
1976, para verificar a situação das terras da Jarí, constatou-se que a empresa já
havia se apossado de 6 milhões de hectares através de grilagem.
Um grave e importante problema, é que entre as diversas propriedades da
Jarí, existiam milhares de posseiros:

Isto é, os moradores dispersos entre os rios Paru e Cajari, gente que


ali estava antes da Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, e que se
dedicava ao extrativismo. Sua presença antiga é atestada pela
observação das citadas folhas topográficas do RADAM, que mostram
uma ocupação, ao longo dos rios, características da época do
extrativismo. Estes moradores, com a decadência dessa atividade,
como em outras áreas, passaram a dedicar-se às culturas de
subsistência. (GARRIDO FILHA, 1980, p.34).

Estes posseiros defrontavam-se, constantemente, em conflitos com os


seguranças armados do Grande Projeto.
Com a generalização das relações especificamente capitalistas na região,
sob a égide do grande capital, rapidamente pode-se observar cristalinamente uma
grande contradição do capitalismo: o aumento da riqueza de um lado gerando a
miséria do outro. E isto, verifica-se de forma concreta na região, pois, na mesma
velocidade em que se instalou a superestrutura industrial, com grandes máquinas,
laboratórios, aeroporto etc., constituíram-se os beiradões36. Ou seja, a
megaestrutura também trouxe o que há de mais degradante na situação de vida dos
trabalhadores deste país: a fome, a submoradia, o subemprego, a prostituição, a
repressão policial, as péssimas condições de saúde e higiene, enfim, tudo o que se
pode imaginar na face fúnebre do capitalismo é experimentado pelos mais de
quinze mil trabalhadores habitantes desses aglomerados que se estabeleceram à
volta do Projeto Jarí, formando o exército industrial de reserva.
Quanto ao agroextrativismo, no início da fase Ludwig, o projeto Jarí tentou
continuar com a atividade de exploração de castanha na região, tendo em vista que
no patrimônio comprado, havia um projeto financiado em 1966, com incentivos
fiscais pela SPVEA, para instalar uma fábrica de beneficiamento de castanha em
Jarilandia e que precisava ser dado continuidade. Em 1968, a empresa comprou

36
Denominação dadas as favelas que se formaram sobre palafitas as margens do Rio Jarí. Ficou
conhecida como Beiradão a favela que se localizou em frente a cidade de Monte Dourado, e de
Beiradinho a constituída em frente a fabrica de celulose do Projeto Jarí, na localidade de Munguba.
266

26.481 hectolitros de castanha e vendeu 43.090 hectolitros, sendo multada pela


Receita Federal do Pará em 1969, por sonegação fiscal. Neste mesmo ano a
empresa se comprometeu entregar 52.000 hectolitros de castanha a compradores
de Belém, porém só conseguiu 32.000 hectolitros, sendo cobrada pela indenização
de prejuízos dos exportadores ( PINTO,1986).
Os insucessos no comércio da castanha levam o projeto Jarí a desistir
desse negócio, arrendando os seus castanhais para uma empresa denominada
Amapá Importação e Exportação Ltda. (AMPEX), em 1970. A atuação da AMPEX
foi também desastrosa, com práticas de não cumprimento de acordos, não
pagamento da produção dos extrativistas, denúncias de escravização de posseiros,
e outras irregularidades administrativas, o que trouxe problemas de relacionamento
do projeto Jarí com o governo do Território Federal do Amapá, que mandou apurar
as denúncias envolvendo os posseiros da região (PINTO,1986; RAIOL,1992),.
A Jarí em 1975 deixou definitivamente de arrendar suas filiais para a
extração de castanha e outros produtos naturais, após os sete anos de experiências
desastrosas. Neste mesmo ano fechou quase todas as suas filiais, sendo que de
algumas foram retirados todos os bens existentes, ficando apenas um guarda para
evitar a ocupação dos prédios.
Findo o monopólio na compra dos produtos da floresta o controle da
comercialização da produção agroextrativista cai nas mãos dos pequenos regatões
e comerciantes que dispõem das mercadorias de aviamento. Estes comerciantes
mantêm uma situação de exploração em níveis mais elevados que os da antiga
empresa extrativista, sendo obrigatório aos produtores, dedicarem-se cada vez mais
a agricultura de subsistência para sobreviverem. Quanto a utilização dos
castanhais, passa a ser autorizada aos extrativistas locais, através de simples
declarações autorizativas expedidas pelo responsável pela segurança e vigilância
das áreas do Projeto Jarí, conhecido como Dr. Moura.
Em 1977, a Jarí voltou a comprar castanha, através da sua subsidiária
Serviços Agrários e Silviculturais Ltda. (SASI), para evitar que seus funcionários
deixassem o serviço para se envolver com a coleta de castanha, o que vinha
acontecendo com freqüência. A região já estava liberada para o livre comércio
daquele produto, porém a empresa permaneceu nessa atividade até 1995,
“[...]apenas para incentivar o comércio, dando o exemplo de fazer os pagamentos à
vista e não na base da troca, como era feito este comércio no passado”(LINS, 1997,
267

p.118).
Em 1981, o Projeto Jarí, em crise, passa às mãos de um grupo de
"empresários nacionais", capitaneados pelo Grupo CAEMI, proprietário da ICOMI
que são financiados pelo governo federal para a compra e recuperação deste
vultoso empreendimento. A nova gestão a cada ano faz redução nos seus quadros
de funcionários, aumentando nos beiradões o número dos desempregados e
subempregados, agravando a situação social da região.
Na gestão dos "grupos nacionais", liderados pelo Grupo CAEMI, além do
aumento do desemprego no Projeto Jarí, verifica-se uma proliferação dos conflitos
deste com os posseiros pelo usufruto da terra, florestas e rios da região. Inclusive,
existiram fortes pressões desse Projeto para inviabilizar a Reserva Extrativista do
Cajari, sob a alegação de que mais de 80% das terras delimitadas eram de sua
propriedade.
Em 2000, o controle acionário do Projeto Jarí passa a propriedade do Grupo
Orsa que oferece a melhor proposta para o endividamento do Projeto Jarí,
quatrocentos e quinze milhões de dólares. Os novos proprietários do Projeto,
através da Fundação Orsa, vêm tentando manter uma relação mais próxima das
populações locais, implementando projetos de assistência social. Também os novos
donos têm atuado em processos de certificação ambiental do empreendimento para
garantir uma melhor colocação dos seus produtos no mercado.

3.2.4.3 O agroextrativismo em áreas protegidas no Sul do Amapá

O controle da região do Jarí e Cajari, tanto no período de Ludwig, quanto no


período de empresários nacionais caracterizou-se pela violência da segurança
armada do Projeto contra os posseiros existentes na região, para evitar a
construção ou melhoria das suas moradias, tentando salvaguardar o direito de
posse das terras ao latifúndio.
A situação para os moradores que viviam do extrativismo na região tornou-
se extremamente difícil:

A violência da repressão da Jarí sobre os camponeses da região se


deu ininterruptamente. Com a chegada do poder econômico e
político de Ludwig, esses camponeses passaram a receber o nome
de posseiros e como tal, efetivamente, foram tratados. Passaram a
ser considerados estrangeiros dentro de sua própria terra
assambarcada por um estrangeiro. A segurança da Jarí, ajudada por
268

policiais militares, queimavam suas madeiras, alagavam canoas,


prendiam e espancavam os camponeses e, quando não tomavam,
cortavam suas jangadas. A polícia da Jarí chegou a proibir, de
revólver em punho, que os camponeses executassem suas
atividades agrícolas. Roubavam o produto de seus trabalhos como a
castanha e outro e, quando não os prendia imediatamente, os
ameaçava de prisão(RAIOL, 1992, p.136-137).

Além dessa repressão, o processo de expropriação desenvolvido pelos


novos compradores da produção agroextrativista tornou-se insuportável em toda a
região extrativista do Sul do Amapá. Através do superfaturamento das poucas
mercadorias oferecidas, e o subfaturamento da produção comprada, os produtores
ficavam totalmente amarrados aos novos patrões, por uma dívida que tornava-se
impagável. Isto garantia aos patrões, uma rápida capitalização por conta de uma
vida extremamente difícil para os agroextrativistas. Um exemplo desse processo,
observava-se em Água Branca do Cajari, já em 1983, onde encontramos dois
compradores da produção de castanha, com caminhões que circulavam para o
transporte da produção em ramais construídos à braços (manualmente), já que não
havia estradas para a região(FILOCREÃO, 1983).
Esses fatores vão contribuir para emergência de diversos e violentos
conflitos que vão forçar a população local a organizar-se através do Sindicato do
Trabalhadores Rurais do Amapá(SINTRA) e de associações e cooperativas que são
criadas para lutar pelos seus direitos a terra e a melhores preços dos seus
produtos.
Com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros em 1985, no I
Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília, o SINTRA vai encampar também
no Amapá, a luta pelos direitos dos trabalhadores que historicamente viviam do
extrativismo vegetal no Sul do Amapá, tendo como principal aliado a Cooperativa
Mista Agroextrativista Vegetal dos Agricultores de Laranjal do Jarí (COMAJA)
criada em 1985 no município de Laranjal do Jarí.
Na luta pelos interesses dos trabalhadores extrativistas, o SINTRA vai
exercer uma pressão sobre o MIRAD/INCRA no Amapá, para à normalização e
regularização fundiária das posses ocupadas pelos trabalhadores extrativistas, em
alguns casos por mais de dezenas de anos no Sul do Amapá, e fazer cumprir a
proposta de Reserva Extrativista incorporada no Plano Nacional de Reforma Agrária
(PNRA) em 30 de julho de 1987, a partir da Portaria No 627 que cria a figura do
Projeto de Assentamento Extrativista ( PAE).
269

A partir dessas pressões, estabelece-se uma agenda de trabalho que


envolve o MIRAD/INCRA, SINTRA e COMAJA com reuniões sistemáticas para
debater a proposta, incorporando posteriormente nessa agenda o Conselho
Nacional dos Seringueiros, o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) e a Associação
de Assistência Técnica e Extensão Rural do Amapá (ASTER-AP).
Dessa agenda vão ser realizados os levantamentos preliminares das áreas
do Sul do Amapá para implantação de PAEs, culminando com a criação dos PAEs
Maracá I, II e III em 1988, da Reserva Extrativista do rio Cajari em 1990 e
indiretamente para a criação da RDS do rio Iratapuru em 1997.
A criação dessas áreas protegidas deu sobrevida ao agroextrativismo sob a
forma de unidades familiares, na medida em que garantiu o acesso a terras e aos
recursos florestais as famílias que historicamente desenvolviam suas atividade
extrativista ou agroextrativistas na região. Permitiu também um conjunto de
investimentos dos governos estadual e federal no sentido da agregação de valor
aos principais produtos através da industrialização local. Tendo sido instalada uma
fábrica para produção de palmito de açaí no Rio Cajari, duas fábricas para o
beneficiamento da castanha, sendo uma em Laranjal do Jarí, e a outra em Santa
Clara do Cajari, e uma fábrica para óleo e biscoitos de castanha, na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável de Iratapuru. Hoje o controle da produção extrativista
do Sul do Amapá, desenvolve-se com a participação das Cooperativas de
Extrativistas, que foram criadas. Os principais investimentos que foram realizados e
as mudanças que vêm acontecendo nessas áreas protegidas últimos anos serão
avaliados com mais profundidade na seção 4 desta tese.
Em síntese, nessa breve discussão sobre a história da ocupação
econômica da região Sul do Amapá, percebe-se que nela se reproduz as principais
características da ocupação de toda Amazônia, claramente sintetizada por Silva:

Na Amazônia, com a predominância do extrativismo, primeiro com a


exploração de produtos originários da floresta e da fauna, como o
cacau, pau rosa, salsaparrilha, tartaruga, couros e peles e,
principalmente, borracha desde o período colonial até o republicano,
e madeira, manganês, cassiterita, ferro, bauxita e outros minerais,
contemporaneamente, forjou-se uma sociedade fortemente moldada
por estruturas hierárquicas verticais, influenciada pela Igreja Católica
no âmbito cultural, pelo patrimonialismo herdado das instituições
estatais portuguesas e pelo paternalismo e clientelismo decorrentes
de aviamento engendrado para viabilizar a produção, transporte,
comercialização e consumo da população. (SILVA, 2002, p. 58-59)
270

Essas características vão estar presentes nos principais momentos, e vão


ser fortalecidas nas suas ações inibidoras de um desenvolvimento social mais justo,
pelo caráter militar, presente muito fortemente na atuação do Estado, em sua forma
de administrar a ocupação. Na fase colonial, expulsando os concorrentes
estrangeiros, reprimindo os índios e construindo as fortificações e vilas necessárias
a defesa e manutenção da posse das terras; com a revolução de 30, quebrando o
poder dos coronéis, possibilitando a exploração especificamente capitalista da
riqueza extrativista; no Território Federal, para proteger as fronteira e garantir o
acesso pacífico dos grandes capitais aos estoques de riqueza existente na região.
Esse caráter manifestou-se em uma forma autoritária de gestão, que pela
força calou as reações contrárias e tutelou de forma paternalista as manifestações
conformistas. Hoje se tem uma sociedade que muito espera dos governos que se
sucedem e pouco luta para viabilizar seus projetos sociais mais legítimos, enquanto
os governos que são eleitos caminham reproduzindo no seu fazer as heranças
autoritárias dessa história, reproduzindo-se uma democracia extremamente
fragilizada, no momento em que se constrói uma sociedade globalizada, complexa,
e mais exigente da participação cidadã.
Nesse processo histórico se constituiu e vem se fortalecendo uma
economia agroextrativista na região, onde a exploração agrícola através do cultivo
de mandioca, milho, arroz e feijão associado à coleta de produtos como a castanha,
o açaí, resinas, cipós vem garantindo a sobrevivência de um contingente
populacional significativo e garantindo a manutenção da floresta em pé nas
unidades de uso especial que foram criadas. Em torno dessa economia se
estabelece um encontro de diferentes racionalidades que vem provocando as
transformações que acontecem na região, em um quadro de crise ambiental, onde a
manutenção da floresta em pé é uma necessidade consciente ou não, de todos.

3.2.5 Considerações sobre a castanha do pará no agroextrativismo da região

No Sul do Amapá, diferente do que aconteceu no Acre, às tentativas


ocorridas para revitalizar a exploração dos antigos seringais não lograram efeitos.
Tanto que a partir dos anos 90, a comercialização da borracha deixa de existir na
região, ou seja, há um desestímulo dos extrativistas a continuarem nessa atividade
por conta do preço muito reduzido. A partir de então a castanha torna-se o principal
271

produto extrativista responsável pela renda monetária das populações


agroextrativistas do Sul do Amapá, com exceção das que habitam os ecossistemas
de várzeas que vêm desenvolvendo atividades de aproveitamento do açaí através
de palmito e frutos para o mercado.
Nesse sentido faz-se necessário desenvolver algumas considerações sócio-
ambientais sobre a castanha do pará no agroextrativismo da Amazônia.

3.2.5.1 Considerações ambientais

Excluindo a borracha natural da análise, na história do mercado dos


produtos florestais não madeireiros da Amazônia, levando-se em conta os critérios
de sustentabilidade ecológica, a castanha do pará tem sido considerada o principal
produto no processo de geração e acumulação de riquezas através da exploração
sustentável da floresta.
Ao chegarem os europeus na Amazônia, já encontraram a castanha do pará
sendo utilizada pela população nativa conforme o relato dos primeiros cronistas
coloniais como Cristóvão de Acuna, Mauricio Heriarte, Francisco de Figueroa e
João Felipe Bettendorff. Nas datações mais antigas dos estudos arqueológicos da
Amazônia, que são de 10.000 e 11.200 anos atrás, nas escavações realizadas no
abrigo da Pedra Pintada de Monte Alegre no Pará, nos vestígios estudados foram
encontrados restos alimentares que incluem muitas espécies vegetais, “inclusive a
castanha-do-pará e numerosos coquinhos” (PROUS, 2006, p.111).
A castanheira (Bertholletia excelsa), provedora das amêndoas, é uma
árvore amazônica, que chega a uma altura de 60 metros, “vicejando em terras
firmes de mata alta, quase sempre em locais de difícil acesso, com dispersão
natural abrangendo desde o Alto Orenoco (5º Latitude Norte) até o Alto Beni (14º
Latitude Sul), onde estão inclusas a Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e
Guianas"(Hans Muller, 1980), numa área de abrangência que pode ser visualizada
no Mapa 5. Apesar de sua ampla área de dispersão, existem dois padrões de
distribuição das castanheiras na floresta: uma forma dispersa (1 árvore ou menos
por hectare); uma forma concentrada formando castanhais(Brasil) ou
manchales(Peru), com alta concentração de castanheiras, chegando de 15 a 20
árvores por hectare, formando manchas de 5 à 10 hectares ou mais, com alguns
castanhais atingindo 50 a 100 hectares(CLEMENT,1993 ).
272

As maiores formações compactas desta espécie estão na Amazônia


Brasileira, em áreas localizadas no Estado do Pará (rios
Trombetas,Tapajóz,Xingu,Tocantins e afluentes), no Estado do Acre (rios
Purus,Acre,Iaco e Abuta ) e Estado do Amapá (rios Jarí, Cajari, Maracá e Vila
Nova) e no Estado do Amazonas(rios Purus, Solimões, Madeira e Negro).

Mapa 6 - Área de dispersão da castanha do pará(Brazil nut)


Fonte: Coslovsky(2006).

Sobre o ponto de vista fenológico, a castanheira é uma espécie


predominantemente alógama com um muito baixo nível de autogamia. A
polinização é principalmente entomófila, feita por grandes abelhas. A floração
ocorre durante a sessão seca, ou seja, na Amazônia Oriental, iniciando com o fim
das chuvas em setembro com grande intensidade em outubro novembro e
dezembro, extendendo-se a fevereiro. Na Amazônia Ocidental a floração ocorre
mais cedo iniciando em junho e se prolongando até setembro. Os frutos
desenvolvem-se em 15 meses, inciando a queda com o início da estação chuvosa,
ou seja, janeiro a abril na Amazônia Oriental e novembro a março na Amazônia
Ocidental(CLEMENT, 1993; ASCENDO, 1997).
O fruto da castanheira é uma cápsula indeiscente que não se abre
espontaneamente, possuindo uma casca lenhosa muito dura, conhecido como
273

ouriço.As sementes ou amêndoas só saem do fruto quando a casca apodrece ou


são retiradas por algum animal. Segundo Rosas(2006), a retirada das sementes é
feita principalmente por cutias(Dasyprocta spp), e ocasionalmente por macacos-
pregos(Cebus apella), macacos-caiararas(Cebus albifrons), araras(Ara spp), pica-
paus (Campephilis spp) ou outros roedores menores como cutiaras(Mioprocta spp)
e quatipurus(Sciurus spp).
Sobre o ponto de vista ecológico, as cutias são conhecidas como os
principais consumidores e dispersores naturais das sementes de castanheiras. Elas
extraem as sementes do ouriço, de imediato alimentam-se de algumas, outras são
enterradas para o consumo futuro. Muitas das amêndoas enterradas são
esquecidas, germinando e originando novas plântulas (CLEMENT, 1993; ROSAS,
2006; ASCENSO, 1997).
As castanheiras são consideradas como plantas altamente dependente de
luz. Estudos desenvolvidos na Bolívia mostraram que: as sementes podem
germinar em condições de baixa e alta luminosidade, e manter-se a plântula nessas
condições enquanto existirem reservas nutricionais da semente; na fase juvenil, em
situação de baixa luminosidade as plantas não sobrevivem; os melhores resultados
em crescimento das plantas jovens acontecem em plena luminosidade (VAN
RIJSOORT, J.; UNGUETO, S.; ZUIDEMA, P., 2003; BLOEMEN,S.;HUISZOON,
A.;2003; MIERS,G.;2003).
Essas características fenológicas e ecológicas da castanheira corroboram
as teses levantadas por Posey(1984) e Balée(1989) que os castanhais na sua
forma concentrada não são resultados da ação natural como se pensava até então.
E sim, resultantes da ação antrópica das populações nativas da Amazônia sobre o
ambiente florestal. Ou seja, os castanhais são uma tipologia do que alguns
estudiosos denominam de “mata culturais” ou “florestas culturais”
(BALÉE,1989;ADAMS,1994).
As características fenologicas ligadas à floração da castanheira que precisa
de abelhas grandes para realizar a polinização; têm sido consideradas como uma
das causas da queda da produção que vem ocorrendo nos castanhais de Marabá
devido a interferência das práticas da agricultura de corte queima na população de
abelhas polinizadoras(ASCENSO, 1997).
Também esta característica fenológica é considerada um fator que tem
levado ao insucesso todos os esforços de plantar a castanheira fora do ambiente
274

amazônico como os exemplos da Malásia, Sri Lanka, Indonésia e Leste da Índia. O


motivo desses insucessos deve-se ao fato que somente uma espécie de abelha
pode fertilizar as flores, e o macho desta abelha depende da floresta amazônica
para prover as substâncias químicas que fazem as suas asas brilharem sobre o sol.
Essas substâncias são produzidas por cinco diferentes plantas que crescem
somente na Amazônia. Quando se reúne um grupo de machos, as rainhas fêmeas
são atraídas pelo brilho das suas asas e são fertilizadas. Os plantios artificiais pela
falta desta abelha têm produção reduzida de frutos (SOLDÁN,2003).
O extrativismo da castanha do pará sempre foi visto como um exemplo de
exploração sustentável das florestas amazônicas. Essa visão foi profundamente
abalada com a publicação do resultado dos estudos de Peres et al (2003)
mostrando que não está havendo regeneração dos castanhais, ou seja, existe um
processo de envelhecimento e o recrutamento de plantas novas não acompanha a
velocidade desse envelhecimento, o que poderá significar, a longo prazo, um
colapso, devido a sobrecoleta. A preocupação levantada por Peres et al(2003) tem
sido contestada por alguns estudos como o de SERRANO(2006) mostrando que no
estado do Acre, nos castanhais pesquisados, ainda há um bom nível de
regeneração, e, de maneira geral, no sistema de coleta nesse Estado, cerca de
25% a 30% dos frutos não são coletados. Também, um trabalho realizado na
Bolívia avaliando a estrutura de população de castanheiras em uma floresta sem
extração comparando com uma floresta com extração e uma capoeira de 15 anos,
chegou-se a conclusão que a coleta não afeta a quantidade de regeneração, e que
as diferenças observadas favoravelmente a capoeira é devido a influênciaa positiva
da luz sobre o recrutamento das plântulas (VanRIJSOORT, J.; UNGUETO, S.;
ZUIDEMA, P., 2003).
Em síntese, as preocupações lançadas por Peres et al (2003) reforçam as
teses já levantadas por Posey(1984) e Balée(1989), que o castanhal é resultante da
ação antrópica e mostram que a sua sustentabilidade a longo prazo dependerá
também de um manejo antrópico adequado.
275

3.2.5.2 Considerações socioeconômicas

Em 1569, uma missão espanhola de reconhecimento chefiada por Juan


Alvarez Maldonado encontrou um bosque de castanheiras e através dos índios
Cayanpuxes conheceu as castanhas, próximo ao rio Madre de Dios, sendo então
denominada de “amêndoas dos Andes”. Porém vai ser em 1633 que a castanha vai
chegar ao mercado internacional pela primeira vez, através de um navio holandês
que partiu do Pará. Até o início do século XVII a castanha era explorada e
negociada pelos holandeses localizados no Pará que enviavam este produto a
Europa, junto com outros frutos silvestres oleaginosos. Após a ocupação
portuguesa, existem referências que se negociava este produto com os batavos,
assim como existem referências de que até 1755 a castanha era em maior parte
utilizada na sustentação de animais domésticos como porcos e aves, datando-se de
1800 o início da exploração comercial de alguns castanhais, na região do Tocantins.
Como os primeiros embarques para o exterior eram feitos do Maranhão, ela foi
conhecida no início como “castanha do maranhão”, e só mais tarde passou a ser
conhecida como castanha do pará(SANTOS, 1980; TAYLOR, 1999;STOIAN, 2004;
DANIEL,2004).
No início da exploração, media-se a castanha em alqueires de 20 litros que
começaram valendo 80 réis e chegaram a valer 500 réis. No período de 1823 a
1836, quando a então Capitania do Grão Pará esteve mergulhada em sérias
agitações sociais, a extração de castanha que vinha sendo realizada desde 1818
em ritmo apreciável, sofreu uma brusca interrupção, só reiniciando em 1836,
sendo nesta altura, cotado o alqueire de 20 litros entre 1 a 3 mil réis. Com a
abertura dos Portos da Amazônia a navegação estrangeira em 1866, este comércio
sofreu um benéfico incremento ( FERREIRA PENA,1971; ALMEIDA,1963).
A partir daí, o comércio da castanha alcança um valor apreciável,
aumentando consideravelmente a sua procura e conseqüentemente a exploração
dos castanhais. Em que pese este aumento, para Santos(1980), a média de
exportações anuais de 1836 a 1850 não ultrapassaram 31.000 hectolitros, ou seja
1.705 toneladas. Já no período de 1851 a 1919, verifica-se que a produção oscilou
entre 3.670 toneladas a 30.640 toneladas em 1919.
O alto preço da borracha no final do século XVIII, incentivou a força de
trabalho existente na Amazônia a deslocar-se para a exploração da borracha,
276

deixando os outros produtos extrativistas em segundo plano. A produção de


castanha comercializada no período áureo da borracha pode ser creditada aos
castanhais localizados próximo as regiões de seringais, onde, utilizava-se a força
de trabalho também na coleta da castanha, já que ela acontece em período
alternado ao da extração do látex. Com as sucessivas baixas no preço da borracha,
na conhecida crise da economia gomífera, houve uma forte procura por outros
produtos extrativos capazes de preencher a lacuna criada por esta atividade, sendo
que a castanha do pará destacou-se como uma alternativa viável para ocupar o
contigente de força de trabalho e a estrutura constituída para a borracha, o que
atenuou os efeitos da crise, nas regiões mistas de seringais e castanhais.
A produção de castanha a partir de 1919, observa Homma, estabiliza-se
acima de 20.000 toneladas anuais, sendo que as quedas de safra observadas nos
dados estatísticos da produção são decorrentes quase sempre da alternatividade
safra muito boa precedida de safra ruim devido ao esgotamento natural dos
castanhais.
Do pós-guerra até 1959 a produção anual oscilou entre 17.601 toneladas a
41.524 toneladas, já de 1960 a 1985 a variação foi de 33.776 toneladas a 65.0000
toneladas. Isso confirma a importância que este produto alcançou como substituto
da borracha na economia extrativista não madeireira na Amazônia.
A partir dos anos 80, o processo de pecuarização da Amazônia com
incentivos aos grandes projetos agropecuários, a atividade madeireira e as frentes
de expansão da fronteiras agrícolas contribuíram com os grandes desmatamentos
ocorridos na tradicional região castanheira de Marabá, provocando uma redução da
produção paraense. Por outro lado neste período houve um acréscimo no volume
da produção do Amazonas e Acre, conforme se pode visualizar na Tabela 1. A
tendência ao aumento da produção de castanha do pará nesses estados, deve-se
ao movimento em defesa dos seringueiros e dos recursos extrativistas vegetais
renováveis, desencadeado a partir da luta de Chico Mendes. Esse movimento tem
conseguido a implementação de políticas públicas de fomento a atividade
castanheira por parte dos governos federais, estaduais e municipais no Amapá,
Acre e Amazonas (VILHENA, 2004).
277

Tabela 1 - Produção de castanha do pará por estado no Brasil


Estados 1980 1990 1995 2000 2005
tonelada percent tonelada percent tonelada percent tonelada percent Tonelada percent
Brasil 40.457 100,0% 51.195 100,0% 40.216 100,0% 33.431 100,0% 30.555 100,0%
Pará 22.611 55,9% 16.235 31,7% 12.215 30,4% 8.935 26,7% 6.814 22,3%
Amazonas 8.811 21,8% 13.059 25,5% 15.727 39,1% 7.823 23,4% 8.985 29,4%
Acre 6.624 16,4% 17.497 34,2% 9.367 23,3% 8.247 24,7% 11.142 36,5%
Rondônia 1.201 2,9% 1.472 2,9% 792 2,0% 6.508 19,5% 2.710 8,9%
Amapá 965 2,4% 2.250 4,4% 1.858 4,6% 1.639 4,9% 440 1,4%
Roraima 244 0,6% 7 0,0% 0 0,0% 34 0,1% 91 0,3%
Outros 1 0,0% 674 1,3% 258 0,6% 245 0,7% 373 1,2%
Fonte: IBGE-PEVS(2007).

A comercialização na Europa da castanha brasileira quando iniciada pelos


holandeses, era na forma de castanha "in natura", considerada um artigo de luxo
(STOIAN,2004). Com o aumento da exportação tornam-se grandes compradores os
Estados Unidos e a Inglaterra. Este produto no início era destinado a recheio de
doces de chocolates e outros elementos (SANTOS,1980). Na metade do século XIX
vai estar presente junto com outras nozes nas festas natalinas. Atualmente, além
dos Estados Unidos e Inglaterra, a Itália, França e Alemanha têm sido importantes
compradores.
A castanha comercializada até 1920 não sofria grandes transformações,
era comercializada totalmente com cascas, sem sofrer limpezas e outras formas de
melhorias que aconteciam no mercado externo.
A partir de 1920, as firmas que comercializavam a castanha começam a
preocupar-se com a melhoria da qualidade, o que aumentava a cotação do produto.
E a partir daí evoluem formas diferenciadas de apresentação, onde encontramos a
castanha "in natura", a castanha com casca desidratada e a castanha sem casca.
No início a preocupação com a qualidade e os cuidados de seleção eram
das firmas compradoras, com os anos esses cuidados são repassados aos
extratores, que começam a fazer a lavagem e seleção de castanhas podres, antes
de armazená-las no paiol.
Com a evolução da necessidade de melhores produtos, começa a evoluir a
industrialização da castanha, que tem como resultados: a castanha desidratada em
processo simples de secagem em estufas, e a castanha descascada e desidratada,
em processos ainda semimanuais de retirada da casca e películas, envolvendo um
grande número de trabalhadores, principalmente mulheres e crianças.
278

Apesar de haver tecnologias mais sofisticadas para descascamento, como


a vitrificação da casca em nitrogênio líquido para facilitar o descascamento, as
indústrias da castanha no Brasil não adotaram esses procedimentos, devido ao
baixo preço da força de trabalho.
A castanha após esse tipo de industrialização que é feito em grandes
cidades, como Belém, tem dois tipos de mercado:
1-O mercado da castanha com casca ou “castanha dry” que é consumido
como fruto seco nas festividades de Natal e Ação de Graças nos Estados Unidos,
Inglaterra e outros países europeus. A demanda dessa castanha acontece nos
meses de outubro novembro e dezembro. Em 1993, representava uma mercado de
12 a 17 mil toneladas (LaFleur,1993).
2-O mercado da castanha sem casca, onde a venda é feita principalmente
para torrefadores para empacotamento em produtos de castanhas misturadas para
lanches Também utilizada em produtos de chocolates indústrias de confeites,
bombons, etc. Este mercado representava em 1993 um volume de 6 a 7 mil
toneladas por ano só para a exportação brasileira(LaFLEUR,1993). A demanda
ocorre durante o ano todo.
A castanha do pará caracterizou-se como produto de exportação, fazendo
parte de um grande mercado de nozes e castanhas comestíveis cruas que envolve
amendoins, castanha de caju, coco dessecado, avelã, nozes, castanha do pará, e
outros. Em 1993, esse mercado era equivalente a 2,5 milhões de toneladas com
valor de 2,3 bilhões de dólares. A castanha do pará que representava apenas 2%
do total da produção desse mercado(LaFleur,1993), era e continua a ser, o único
produto de origem extrativista, os outros são originados da agricultura.
Como a produção de castanha tem grandes variações de safra a safra
devido ao esgotamento das árvores após uma grande produção, verifica-se na
bibliografia uma variação quanto a significância dessa mercadoria nesse grande
mercado. Soldán (2003), baseado nos dados da FAOSTAT (2003) estima uma
média de produção anual de 62.000 toneladas de castanha entre os anos de 1997 a
2002, representando apenas 1% da produção anual de um mercado de nozes
comestíveis estimado em 4 bilhões de dólares; enquanto que Stoian (2004) estima
uma produção média anual de 65.000 toneladas que contribui com 1 a 2% no
mercado mundial de nozes comestível, e Maciel(2007) afirma que a produção
mundial foi de 74.000 toneladas em 2005.
279

Quanto aos preços de mercado, a castanha do pará por apresentar as


característica de ter um volume pouco significativo no mercado de nozes
comestíveis (1 a 2%), e por ser facilmente passível de substituição por suas
congênres, por ser majoritariamente utilizada em produtos de misturas de nozes,
tem o seu preço muito volátil e dependente do preços das outras amêndoas.
Em um estudo de mercado, considerando um período de 19 anos,de 1973-
1991, LaFleur(1993) conclui que pode-se esperar dentro de um mesmo ano ou de
um ano para outro uma flutuação do preço para cima ou para baixo de 21%,
enquanto a cada três anos essa flutuação pode ser de 13%. Helbingem(2001)
considera a volatilidade do preço da castanha, como resultado das flutuações no
fornecimento e manipulação dos grandes compradores. No seu entender o
mercado é altamente especulativo, que qualquer pequena mudança na oferta afeta
o preço final. Inclusive, cita uma observação de um quebrador que diz que “predizer
o preço da castanha está mais para magia negra que para ciência”. A Tabela 2
mostrando o comportamento da exportação brasileira a cada 5 anos, de 1990 a
2005, ilustra uma grande variação no preço médio da castanha descascada nos
anos 2000 cujo preço do kg era de 2,66 dólares, para 2005, que o preço médio foi
de 5,22 dólares por kg..
Tabela 2 - Exportação de castanha do pará do Brasil entre 1990-2005
Ano castanha com casca castanha descascada
quant(kg) Preço $FOB US$/kg quant(kg) preço $FOB US$/kg
1990 16.027.659,00 14.903.474,00 0,93 7.669.040,00 17.297.148,00 2,26
1995 11.217.338,00 12.768.250,00 1,14 4.259.826,00 12.064.507,00 2,83
2000 13.566.005,00 13.376.839,00 0,99 5.361.990,00 14.309.355,00 2,67
2005 12.743.150,00 12.319.559,00 0,97 4.183.500,00 22.077.554,00 5,28
Fonte: MIDIC-AliceWeb(2007).

O mercado mundial de castanha do pará até a década de 90 era dominada


pelo Brasil, que entre os anos de 1986 a 1990, foi responsável por uma média de
74% da exportação, seguido da Bolívia com 13%, Peru com 9% e os outros países
com 4%(LaFLEUR,1993).
A partir da metade da década de 1990, a situação mudou, e a Bolívia
assumiu a liderança no mercado mundial de castanha conforme se pode observar
no Tabela 3 e Gráfico1.
Os principais fatores que levaram a essa situação foram as oportunidades
criadas pelas dificuldades que a indústria brasileira encontrou para atender as
exigências do mercado europeu que criou normas exigindo maior qualidade na
280

castanha importada, caindo a tolerância de 20 ppb(parte por bilhão) de aflatoxina


para 4ppb, expandindo esse padrão também para o mercado
americano(COSLOVSKY,2005,2006; HELBINGEN 2001; MACIEL, 2007).
As dificuldades brasileiras foram resultados da falta de incentivo a
modernização da indústria; a falta de concorrência no beneficiamento devido ao
monopólio de uma única família de exportadores, proprietária das 3 principais
fábricas; a falta de cooperação entre as poucas indústrias e a facilidade de decidir
entre a castanha com casca e sem casta devido aos custos de transporte serem
menores que o das indústrias bolivianas. Ou seja, os arranjos institucionais no
Brasil, com a política de incentivo aos grandes projetos agropecuários foram
desfavoráveis ao extrativismo da castanha, além de contribuírem para a redução da
produção pelos desmastamentos provocados (COSLOVSKY,2005,2006; MACIEL,
2007).
Na Bolívia, as coisas aconteceram de forma diferente, apesar da
concorrência ser maior devido existirem mais de 20 beneficiadoras, as condições
desfavoráveis obrigaram a cooperação entres as empresas no intuito de buscar
uma modernização tecnológica que permitissem atender as necessidades do
mercado europeu. Entre os anos de 1970 foi criada uma empresa estatal para tratar
do negócio da castanha. Durante os anos de seu funcionamento, até 1984, a
Empresa Nacional da Castaña (ENACA) deixou um legado que foi o início da
preparação de uma elite empreendedora, que com a crise da borracha, encontrou
na castanha a única possibilidade de continuar os seus
ganhos(COSLOVSKY,2005,2006; HELBINGEN 2001)
Segundo Coslovsky(2005), graças a ENACA, esta elite aprendeu a operar
no mercado de castanha, estabeleceu redes de intermediários para a compra de
matéria prima, e adquiriu uma quantidade significativa de capital em dinheiro vivo,
que foi o elemento mais importante para a implantação de um agrupamento de
aproximadamente 30 empresas que através de mecanismos de cooperação e
contando com apoio externo conseguiu inovar tecnologicamente e ocupar o espaço
perdido pelo Brasil pela sua incapacidade de modernização.
Para Maciel(2007), enquanto a indústria boliviana tem conseguido
processar na forma de castanha descascada quase toda a sua produção, que é
onde está havendo o crescimento da demanda internacional, a indústria brasileira
caminha no sentido contrário, investindo na produção de castanha com casca, cuja
281

a demanda encontra-se em queda.


As dificuldades de exportação força aos tradicionais exportadores a buscar
o mercado interno para realizar a produção processada cujas normas de higienes
permitem até 30 ppb de aflatoxina. No mercado interno os preços são menores
pois a demanda é pequena, isso acaba prejudicando os castanheiros que sentem a
sua renda diminuindo. Segundo Maciel(2007), aproximadamente 25.000 famílias
vivem do extrativismo vegetal na Amazônia Brasileira, sendo que só no Acre, 5.000
famílias retiram o sustento do extrativismo, notadamente da produção e
comercialização da castanha.

Tabela 3- Exportação de castanha do para da Bolívia e Brasil (1000 US$)


Ano Bolívia Brasil Outros Mundo
c/casca Descascada c/casca descascada c/casca descascada c/casca descascada

1990 3.110,71 5.325,89 14.895,00 17.412,00 41,96 77,68 18.047,56 22.815,57

1995 2.251,00 4.790,18 12.901,00 12.093,00 8.553,00 1.665,39 23.705,00 18.548,57

2000 110,00 33.693,22 13.376,84 14.309,36 6.354,03 13.020,68 19.840,87 61.023,26

2005 846,43 69.320,29 12.320,00 22.077,00 0,00 22.767,36 13.166,43 114.164,65

Fonte: FAOSTAT(2007).

Gráfico 1- Produção mundial da castanha do pará em toneladas


Fonte: Maciel(2007);FAOSTAT(2006)
282

Nessas breves considerações pode-se concluir, que o extrativismo da


castanha do pará, não dá para ser considerado acriticamente como o típico
exemplo de atividade que preenche por si só todos os requisitos necessários a um
exemplo de exploração sustentável pela própria natureza da coleta, que mantém a
floresta em pé, como sempre se fez.
A coisa é muito mais complexa do que parece, pois existem duas
fragilidades, uma de natureza ecológica, que diz respeito às dificuldades de
regeneração dos castanhais a longo prazo, e os riscos da perda de produtividade
por perturbações no ambiente devido ao mecanismo de polinização e dispersão das
sementes. Dito de outra forma, a castanheira pode ser considerada como uma
espécie semidomesticada, e a sua evolução e perpetuação na floresta só
acontecerá junto com a do homem que a explora.
A outra fragilidade é de curto e médio prazo, que é a de natureza
econômica, pois a volatilidade dos preços ocasiona constantes riscos ao suprimento
das condições materiais necessárias aos que sobrevivem dessa economia. Esses
riscos, se não forem bem administrados, podem arrastar os extrativistas, para uma
situação de crise econômica, levando-os a buscarem outras alternativas existentes,
como a extração de madeira não manejada ou a expansão de atividades
agropecuárias, o que aumentará o nível de desmatamento com perda da
biodiversidade; e da emissão de gases estufas pela queima da floresta.

3.3 CONSIDERAÇÕES TEORICO-METODOLÓGICAS ESPECÍFICAS

O contexto teórico específico mostrou que o choque de racionalidades


econômicas na Amazônia manifesta-se com a chegada do colonizador que busca o
enriquecimento fácil utilizando-se do trabalho e conhecimento indígena. Como na
racionalidade econômica do nativo não existe a forte necessidade de acumulação
de riquezas presente no projeto colonizador, criam-se os grandes conflitos de
natureza econômica, que são resolvidos através do uso da violência, quase sempre,
favorável ao europeu.
Além da resistência da força de trabalho indígena em submeter-se ao
projeto colonial, as dificuldades de transporte e a incipiente circulação de moeda
são fatores altamente restritivos a transformação do grande potencial de recursos
283

naturais em riqueza para a Coroa. Para superar essas dificuldades, cria-se


mecanismos típicos para a realidade amazônica. Inicialmente, a construção de uma
divida através do fornecimento antecipado de quinquilharias, como mecanismo
utilizado para obrigar o indígena a trabalhar para fornecer os produtos que o
colonizador deseja, justificando inclusive o uso da violência na atividade de
“resgaste”; posteriormente, intermediado pelos jesuítas, o pagamento antecipado do
trabalho indígena, seja em mercadorias ou moedas, nas expedições de coleta das
drogas do sertão.
Constitui-se a partir daí, com o passar do tempo, na vida amazônica, a
figura do regatão e a instituição do aviamento que ocuparam papeis importantes na
transformação de produtos da natureza, coletados e transformados em matéria
prima para a indústria em expansão no mundo.
A instituição econômica do aviamento garantiu o grande processo de
acumulação ocorrido no chamado “ciclo da borracha” através do fornecimento de
matéria prima para indústria européia e americana, formando uma grande cadeia de
endividamento envolvendo indústrias, comércio, seringalistas e coletores, que
mesmo com a crise da borracha, continuou sendo funcional em escala menor, na
exploração de outros produtos extrativos e agrícolas. A figura do regatão, originada
das primitivas canoas de “resgate”, teve um papel fundamental nas atividades de
comércio entre as plagas mais distantes da Amazônia e as cidade, utilizando-se de
práticas de aviamento e/ou escambos nas relações comerciais com os ribeirinhos.
No apogeu da borracha, a ação dos regatões foi reduzida em função dos interesses
das grandes cadeias de aviamento. Com a crise da borracha, o regatão volta a ser
funcional nas atividades comerciais ribeirinhas.
Na economia extrativista do Sul do Amapá, a instituição econômica do
aviamento encontra-se presente nas diversas fases da sua história, favorecendo os
coronéis, os empresários extrativistas e também os regatões, quando o extrativismo
deixou de ser interessante para os empresários extrativistas.
Com a criação das áreas protegidas para o extrativismo sob o controle das
famílias extrativistas, abriu-se a possibilidade de rompimento com o aviamento, na
medida as condições que garantiram essa instituição econômica passaram por
modificações. O controle dos castanhais passou as mãos das famílias
agroextrativistas; foram criadas as cooperativas para comercialização coletiva da
produção; construíram-se fabricas para beneficiar a castanha do pará e o açaí que
284

são os principais produtos extrativos da região; e, a abertura da estrada ligando


Macapá a Laranjal do Jarí quebrou o isolamento existente na região, permitindo o
fácil acesso da população agroextrativista aos mercados e a uma economia
totalmente monetarizada.
.Hipótese 2: as mudanças ocorridas no agroextrativismo, conforme visto
na fundamentação teórica especifica, referentes a criação de áreas protegidas para
esta atividade, permitem levantar a hipótese “que, apesar de sua importância
histórica na economia extrativista da região, a instituição do aviamento
perdeu seu sentido econômico nas áreas protegidas para o agroextrativismo
do Sul do Amapá, sendo substituída por iniciativas associativistas
organizadas através das cooperativas criadas”.
285

4 AS TRANSFORMAÇÕES SÓCIOAMBIENTAIS NO SUL DO AMAPÁ

A contextualização teórica contribuiu para uma compreensão histórica do


agroextrativismo na Amazônia e da formação da região Sul do Amapá a partir dessa
atividade econômica, em um quadro de crise ambiental global, com mudanças
paradigmáticas na construção do conhecimento e na relação homem natureza, o
que têm provocado mudanças importantes nas formulações de políticas públicas
para a Amazônia. Nesta seção, serão discutidas as principais transformações
socioeconômicas e ambientais ocorridas no Sul do Amapá, vinculadas à criação de
áreas protegidas para o uso sustentável do agroextrativismo.
Os dados utilizados nesta seção são referentes a duas fontes: uma, dos
dados secundários levantados nos principais trabalhos técnico-científicos
produzidos sobre a região de estudo nos últimos anos; a outra, dos dados
primários coletados na pesquisa de campo através de observações “in loco”,
aplicação de questionários e entrevistas com os atores sociais envolvidos com a
temática.
A pesquisa de campo foi desenvolvida através de várias viagens feitas ao
PAE Maracá, RESEX Cajari e RDS Iratapuru durante o ano de 2006 e primeiro
semestre de 2007. Nessas viagens, aplicaram-se questionários aos chefes de
famílias; entrevistaram-se lideranças, técnicos e compradores de castanha,
visitaram-se os castanhais, roçados e indústrias de processamento para
observações e documentação das atividades produtivas.
A exposição e discussão dos resultados das pesquisas serão organizadas
nos próximos tópicos, onde se fará uma abordagem das evoluções institucional,
social, ambiental e econômica. A forma de exposição foi inspirada na Agenda 21 e
no Relatório Brutland.

4.1 A EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL

O processo de organização política da população agroextrativista do Sul do


Amapá, que contribuiu para a imposição de novas relações institucionais, rompendo
com o poder centralizado que caracterizou o controle da região por coronéis,
empresas estrangeiras, e o grande projeto, vai acontecer a partir do início dos anos
de 1980, em duas frentes de influências, ambas de natureza sindical: uma, à partir
286

de Macapá, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Amapá (SINTRA); a


outra, da própria região do rio Jarí, sob a influência do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Almeirim (STR Almeirim).
Isso acontece dessa forma em função do processo de ocupação econômica
ter-se dado através de dois pólos de influências: Mazagão na época colonial e
Almeirim no “boom” da borracha. As dificuldades de acesso a Macapá, capital do
Território Federal do Amapá e a sede municipal de Mazagão devido as distâncias e
a falta de ligação rodoviária faz com que os agroextrativistas dos rios Jarí, Cajari e
Iratapuru, apesar de residirem no município de Mazagão, mantenham suas
relações sócio-culturais com o estado do Pará, com o município de Almeirim, da
época do coronel José Júlio até o Projeto Jarí. Ressalte-se que o Amapá era um
Território Federal e os governadores nomeados não demonstraram grandes
preocupações com a integração econômica da região.
Esse quadro vai mudar a partir de 1987, quando foi criado através do
Decreto no 7.639 o município de Laranjal do Jarí com sede no chamado “Beiradão”
nas margens do rio Jarí e no ano seguinte com a Nova Constituição Brasileira, o
Território Federal do Amapá é transformado em Estado. Essas mudanças político-
administrativas forçam os moradores e dirigentes municipais da região a
reconstruírem seus vínculos de relacionamentos socioculturais e políticos com
Macapá, capital do Estado. Da mesma forma, os governos estaduais passam a
trabalhar na integração econômica da região através do planejamento estatal.

4.1.1 A organização política dos agroextrativistas

4.1.1.1 PAE Maracá

A organização política dos moradores da região do rio Maracá, pela


proximidade com a sede municipal de Mazagão, inicia-se formalmente sob a
influência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Amapá (SINTRA), criado em
1983. Esse sindicato, constituído para atender todos os trabalhadores rurais do
Amapá, procurou, desde a sua criação, associar os agricultores do município de
Mazagão na luta pelos seus direitos, criando várias delegacias sindicais.
287

Com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros em 1985, no I


Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília, mesmo não ocorrendo a
participação de representantes do SINTRA, por falta de recursos para aquisição de
passagens a Brasília, este sindicato vai encampar no Amapá, a luta pelos direitos
dos trabalhadores do extrativismo vegetal no Sul do Estado, tendo como principal
aliado a Cooperativa Mista Agroextrativista Vegetal dos Agricultores de Laranjal do
Jarí (COMAJA), criada em 1985 no município de Laranjal do Jarí (informação
verbal)37.
Na luta pelos interesses dos trabalhadores agroextrativistas, o SINTRA vai
exercer uma pressão sobre o MIRAD/INCRA no Amapá, para à regularização
fundiária das terras ocupadas por esses, em alguns casos por mais de dezenas de
anos no Sul do Amapá; e fazer cumprir a proposta de Reserva Extrativista
incorporada no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) em 30 de julho de 1987,
através da Portaria No 627 que cria a figura do Projeto de Assentamento
Extrativista.
A partir dessas pressões, estabelece-se uma agenda de trabalho que
envolve o MIRAD/INCRA, SINTRA e COMAJA com reuniões sistemáticas para
debater a proposta, incorporando posteriormente nessa agenda o Conselho
Nacional dos Seringueiros, o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) e a Associação
de Assistência Técnica e Extensão Rural do Amapá (ASTER-AP).
Dessa agenda, vão ser realizados os levantamentos preliminares das áreas
do Sul do Amapá para implantação de assentamentos extrativistas, culminando com
a criação dos PAEs Maracá I, II e III em 1988.
Nas discussões iniciais, participam trabalhadores extrativistas da região do
Maracá vinculados ao SINTRA. Nos diagnósticos de 1988, dos Planos Preliminares
para criação dos PAEs Maracá, foram identificadas nas comunidades existentes
duas delegacias sindicais do SINTRA, uma em Mari do Igarapé do Lago no médio
Maracá e uma em Santa Maria no baixo Maracá, sendo registrado ainda mais duas
comunidades com moradores sindicalizados no médio Maracá. As comunidades
desprovidas de delegacias sindicais organizavam-se através de associações
comunitárias de caráter religioso, que se reuniam para os cultos dominicais, onde
alguns problemas da vida comunitária também eram discutidos(GEMAQUE,1988).

37
Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a
Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
288

Com a criação dos PAEs, o Conselho Nacional dos Seringueiros, através de


sua representação regional no Amapá (CNS-RA), criada em 1990; o SINTRA; e o
IEA vão ter uma ação junto aos moradores do Maracá, assessorando-os no
fortalecimento da sua organização política para a criação de uma Associação de
Trabalhadores, necessária a gestão dos assentamentos.
Em 28 de outubro de 1991 foi criada a Associação dos Trabalhadores
Agroextrativistas dos Projetos de Assentamento Extrativista I, II e III do Vale do Rio
Maracá (ATEXMA), com sede na Vila Maracá, que elegeu uma diretoria composta
de 6 membros, com mandato de 3 anos. Os principais dirigentes recebiam um
pequeno apoio financeiro através de fontes externas, como ajuda de custo, para
poderem desenvolver suas atividades de organização dos associados
(LITTLE;FILOCREÃO,1994).
A aliança com o CNS e IEA, vai permitir a ATEXMA o apoio financeiro
necessário para a manutenção de infra-estrutura para o desenvolvimento de suas
atividades. O apoio financeiro veio inicialmente da World Wildlife Fund (WWF),
através da gestão do CNS-RA, e posteriormente da Fundação Konrader Adenauer
(KAS), através do projeto para 4 anos, intitulado Homem e Ambiente na Amazônia,
gerenciado pelo IEA, cujo objetivo geral era o de:

[...]introduzir um modelo de desenvolvimento regional na base do uso


sustentável dos recursos naturais e da gestão social do território, por
grupos de auto-ajuda[...]. A vida da ATEX-MA está intimamente
ligada a este projeto, cujo último fim é o fortalecimento da
Associação para que possa funcionar com um alto grau de
autonomia política, ao mesmo tempo em que reduz sua dependência
a recursos externos (LITTLE;FILOCREÃO, 1994, p.38).

Em 1993, foi construída a sede da ATEXMA na Vila do Maracá com


recursos do projeto Homem e Ambiente na Amazônia do IEA/KAS. Em 1994, o IEA
doou o ferramental para um estaleiro comunitário e comprou dois barcos desse
estaleiro. Apesar dos ganhos físicos, o trabalho operacional da ATEXMA ficava a
desejar, as reuniões regulares não eram realizadas, e as poucas que ocorriam não
contavam com uma presença representativa de sócios. Tentando resolver esse
problema, organizou-se um programa de renovação da ATEXMA, através de oficina
de treinamentos sob a direção do Instituto de Assuntos Culturais do Rio de
Janeiro(LITTLE;FILOCREÃO, 1994).
Os treinamentos mostraram a necessidade de organizar núcleos da
ATEXMA nas comunidades para descentralizar suas atividades. Foram criados em
289

1994, 4 núcleos no interior dos PAEs. Ainda nesse ano foi realizada uma
assembléia geral para escolher o novo conselho diretor composto por 13 pessoas
mais o conselho fiscal de 3 pessoas e o presidente da ATEXMA para o período de
três anos.
Em agosto de 1995, a ATEXMA em assembléia geral aprova o Plano de
Utilização dos Projetos de Assentamento Extrativista Maracá I,II e III. Este Plano
após algumas alterações é aprovado pelo INCRA em maio de 1997, condicionado a
uma revisão dois anos após, através da Portaria INCRA/SR-(21)AP/G/No 37.
Em abril de 1997, a ATEXMA assina com o INCRA o Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso dos PAEs Maracá I, II e III, já unificados no
Projeto de Assentamento Agro-extrativista Maracá (PAE Maracá) por um prazo de
10 anos, podendo ser prorrogado por prazo igual, senão houver manifestação em
contrário das partes, comprometendo-se a ATEXMA a cumprir o Plano de Utilização
dos PAEs.
Com o encerramento das atividades do projeto Homem e Ambiente na
Amazônia, a ATEXMA começa a ter dificuldades financeiras para manter as suas
atividades, sendo que em 1997, assume uma nova diretoria, cujo presidente vai se
manter na direção até 2005, quando foi destituído por uma assembléia geral,
acusado no envolvimento em gravíssimas irregularidades administrativas, que vão
desde uso indevido de recursos captados em nome da associação, utilização
irregular de Autorizações de Transporte de Produtos Florestais - ATPFs de um
projeto de manejo florestal do PAE Maracá, e falta de prestações de contas.
Segundo relatório RURAP(AMAPÁ,2005), o ex-presidente da ATEXMA, encontra-se
indiciado pelo Ministério Público Estadual, por irregularidades cometidas enquanto
presidente da associação.
Na gestão do presidente destituído, houve um afastamento da associação
dos seus associados, o trabalho com núcleos foi abandonado, e houve um
isolamento em relação aos antigos aliados como CNS, SINTRA e a ASTEX-CA.
Isto levou a perda de poder político da entidade e dificuldades de captação de
recursos para a continuidade das suas atividades, levando com que as decisões
centralizassem-se apenas na figura do presidente, ou no máximo de alguns
diretores, que utilizaram a entidade no atendimento dos seus interesses
particulares em detrimento da forte responsabilidade da instituição para com a
290

gestão do PAE(informação verbal)38.


O enfraquecimento da ATEXMA permitiu que o INCRA atuasse no PAE sem
consultar a associação, “siprando” (linguagem institucional), ou seja, cadastrando
em seu Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), muitas
famílias que constam na relação de beneficiários (RB) do PAE, mas não habitam no
assentamento, embora tenham tido acesso a recursos financeiros destinados aos
assentados. A nova diretoria solicitou ao INCRA que procedesse um levantamento
de campo para identificar a situação das famílias que foram beneficiadas com os
recursos destinados ao assentamento. O que aconteceu em abril e maio de
2006(informação verbal)39.
A nova diretoria que assumiu em 2005, recebeu a ATEXMA como
inadimplente junto ao INCRA pelo não recolhimento de uma taxa anual pela
utilização da área rural de 1 Título da Dívida Agrária (TDA) por família assentada,
que deveria ser recolhida desde 1999. Segundo o seu presidente, existe também
uma grande dívida da associação com uma empresa madeireira de Belém do Pará,
com a qual o ex-presidente da ATEXMA negociou a madeira a ser retirada de um
projeto de manejo comunitário do PAE. Essa empresa investia uma quantia mensal
de doze mil reais para manter funcionando a ATEXMA, recurso que nunca foi
prestado conta.
Em síntese, houve um retrocesso na organização política da população do
PAE Maracá, cuja sua principal entidade, responsável pela gestão do
assentamento, afastou-se da base, perdendo a confiança dos associados, por não
levar adiante as propostas que surgiram desde a criação dos PAEs, deixando a
gestão do assentamento a deriva, possibilitando com que decisões importantes
como assentamento de novas famílias, distribuição dos recursos para apoio aos
assentados, ficassem a mercê de decisões burocráticas e unilaterais, tomadas no
escritório do INCRA em Macapá, desrespeitando as responsabilidades gestora da
ATEXMA garantida no Plano de Utilização e no Contrato de Concessão do Direito

38
Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA) Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Maracá-AP, mai. 2006.
39
Edmundo Rosa.(Primeiro presidente da ATEXMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Maracá-AP, mar. 2006.
Jesus Trindade.(Membro da diretoria da ATEXMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Maracá-AP, dez.2005.
291

Real de Uso.
Na região do rio Preto, foi criada uma organização denominada de
Associação dos Agricultores Agroextrativistas do Alto Rio Preto (AGARPE), cuja
presidente vem também sendo acusada pelos associados de improbidade
administrativa e de constante ausência na região (AMAPÁ,2005).

4.1.1.2 RESEX Cajari

A organização política dos moradores da RESEX Cajari tem início em 1984,


com a visita dos agricultores Joel Barbosa Rodrigues de Água Branca do Cajari e
Antonio Damásio de Boa Esperança do Cajari ao SINTRA, para denunciar os
problemas fundiários que ocorriam na região e as dificuldades dos moradores para
acessar os seus direitos sociais(informação verbal)40. Esses senhores eram
“produtores multiplicadores” trabalhados pela ASTER-AP para difusão de
tecnologias agrícolas na região. Eles são orientados tanto pelo SINTRA como pela
ASTER-AP a procurarem organizar a população através de associação e sindicato
para lutarem pelos seus direitos (FILOCREÃO, 1983).
A partir dessas orientações, é criada em 1984, a Associação Agrícola e
Extrativista dos Trabalhadores Rurais do Cajari, que incluía trabalhadores de Água
Branca, Boca do Braço, Itaboca, Acampamento, Santarém, Marinho e Dona Maria.
Essa organização foi presidida enquanto existiu pelo senhor Joel Barbosa
Rodrigues. Segundo Sillis(1991),esta entidade:

[...]em 1995 ganhou um barco de 18 toneladas da Secretaria de


Agricultura/SEAG/AP em regime de comodato; este barco viajou para
a feira dos produtores cada 15 e 15 dias até 1989 quando foi
abandonado; as viagens à feira era a única atividade da associação,
que era monopolizada pelo Rodrigues(SILLS, 1991, não paginado).

Segundo Pedro Ramos, em 1986, aconteceu à primeira viagem do


presidente do SINTRA para discutir a organização sindical dos moradores e os
problemas fundiários existentes entre estes e o Projeto Jarí. Nessa época, havia um
grupo de seguranças armados do Projeto Jarí, que oprimia os moradores de forma
a evitar a construção de benfeitorias que colocassem em risco o direito de
propriedade da Jarí, sobre as terras da região (informação verbal).

40
Pedro Ramos. Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
292

Por pressão do SINTRA, a região extrativista do rio Cajari vai ser


incorporada como área prioritária para a criação de reservas extrativistas na agenda
de trabalho que envolvia o MIRAD/INCRA, SINTRA, COMAJA, CNS, IEA e ASTER-
AP. A partir dessa agenda foram realizados os levantamentos preliminares desta
região em 1988, gerando 3 projetos para criação de PAEs que foram encaminhados
junto com os 3 projetos do rio Maracá e os 3 do rio Jarí.
No relatório da viagem de campo para identificação de áreas prioritárias na
região do Cajari, existem breves referências sobre as organizações e seus papéis
no processo:

Os produtores da região, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a


Associação dos Produtores Extrativistas do Cajari, e outras
associações, aparecem como fortes aliados para a viabilização das
propostas extrativistas. Contudo, merece especial atenção a
COMAJA – Cooperativa Extrativista Agrícola dos Produtores do Jarí,
que poderá vir a ser o instrumento de comercialização da produção
agro-extrativista da Região, o que fatalmente alijaria a incômoda e
nociva figura do Intermediário(GEMAQUE, 1988, p.4).

Com a criação da RESEX, o Conselho Nacional dos Seringueiros, através


de sua representação regional no Amapá (CNS-RA), criada em 1990, mais o
SINTRA vão ter uma ação mais efetiva junto aos moradores do Cajari,
assessorando-os no fortalecimento da sua organização política para a criação de
uma Associação de Trabalhadores, necessária a gestão da Reserva Extrativista.
Em 15 de setembro de 1991 foi criada a Associação dos Trabalhadores
Extrativistas da Reserva Extrativista do Rio Cajari (ASTEX-CA). De acordo com
Sills(1993), esta criação foi realizada com 235 sócios fundadores, tendo o seguinte
objetivo:

Preservar a floresta com seus ecossistemas e garantir as populações


tradicionais (locais) a exploração auto-sustentável dos recursos
naturais renováveis, especialmente a produção extrativista, de forma
a alcançar o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida dos
povos da floresta (SILLS, 1993, p.2).

A ASTEX-CA foi criada com quatro órgãos de decisão: a Assembléia Geral,


com reuniões anuais; um Conselho Deliberativo com 13 membros, dois indicados
pelo CNS-RA e os outros eleitos pelos sócios com reuniões trimestrais; e dentro do
Conselho Deliberativo, uma Diretoria Executiva (Presidente, Vice-presidente,
Secretária e Tesoureiro) e o Conselho Fiscal com 3 membros titulares e 3
suplentes. Na avaliação de Sills sobre essa organização:
293

[...]Esses órgãos existe[sic] mas só a Diretoria Executiva está


funcionando. Não teve Assembléia Geral desde a fundação da
associação, e o Conselho Deliberativo reuniu somente uma vez e
com a participação de somente sete membros. A situação atual é
que a ASTEXCA é uma entidade legalizada, com sócios na
comunidade, mas não está funcionando ainda como uma entidade
(SILLS, 1993?, p.2).

Nessa época, segundo Sills(1993?), a associação detinha como infra-


estrutura física: três armazéns (cantinas) e um posto de saúde parcialmente
construídos utilizando recursos do CNPT-IBAMA em convênio com o CNS-RA. A
associação compartilhava como sede, o escritório em Macapá do CNS-RA. Havia
um sistema de mensalidades dos sócios que não estava funcionando. Através de
um convênio entre CNS-RA e a WWF, os dirigentes principais da ASTEX-CA
recebiam uma ajuda de custo para cobrir as suas despesas operacionais. Essa
entidade tinha sócios em 17 comunidades, o que representava aproximadamente
50 % da reserva. As principais atividades que a associação vinha desenvolvendo
com o CNS-RA eram:
.Completar as etapas para receber o Título de Concessão de Uso da
Reserva. Isto inclui o cadastramento e levantamento socioeconômico, a preparação
e aprovação do Plano de Uso e a resolução de questões fundiárias;
.Fiscalização da reserva, através do encaminhamento de denúncias de
invasões e outras atividades ilegais;
.Divulgar a associação dentro da reserva e conseguir novos sócios;
.Gerenciar as duas cantinas que estavam funcionando precariamente na
reserva. Cada cantina era gerenciada por duas pessoas voluntárias da comunidade,
que foram treinadas pelo IEA. Essas cantinas foram iniciadas a partir de um
convênio com o CNPT-IBAMA.
Para auxiliar tecnicamente as atividades da associação junto aos
moradores, foi contratado um técnico agrícola através do CNS, como recursos da
WWF que desenvolveu suas atividades de 1992 a 1995. Em 1994 foram
contratados mais dois técnicos agrícolas que ficaram até 1995, pagos pelo CNS-RA
com recursos da WWF. Esses técnicos ficavam 20 dias por mês nas comunidades
da reserva, assessorando a ASTEX-CA nas discussões com os moradores das
questões ligadas a organização social e econômica da RESEX.
Em 1995, após alguns anos de preparação burocrática as reservas
extrativistas da Amazônia têm acesso aos recursos do Programa Piloto para
294

Proteção das Florestas Tropicais (PPG-7) através do Projeto Reservas Extrativistas.


Nesse projeto foi incorporada a componente 02 denominada de Organização
Comunitária, que segundo IBAMA(2000?):

O objetivo desse componente é fortalecer a organização comunitária


e gerencial nas Reservas Extrativistas, considerado um ponto chave
do projeto, bem como apoiar o funcionamento dos sistemas de saúde
e educação(IBAMA, 2000?, p.9).

Nas principais atividades desse componente foram incluídas duas


atividades relacionadas diretamente ao fortalecimento das organizações existentes:
1-Estruturação física e operacional das associações locais;
2-Treinamento de pessoal em administração, finanças, contabilidade e
gerenciamento;
Com o desenvolvimento das atividades referentes a primeira fase do Projeto
Reservas Extrativistas na RESEX Cajari, entre 1995 à 1999, chegou-se a conclusão
que havia grandes dificuldades para a gestão da reserva por uma única associação
(ASTEX-CA), em função da grande extensão da área. A partir daí, os beneficiários,
com o apoio do CNPT-IBAMA, ASTEX-CA e CNS, optam por dividir a
responsabilidade da gestão que se encontrava nas mãos da ASTEX-CA, com mais
duas novas associações que foram criadas: a Associação dos Produtores
Agroextrativistas do Médio e Baixo Rio Cajari (ASSCAJARI) e a Associação dos
Moradores Agroextrativistas do Cajari (AMAEX).
Segundo depoimentos dos atuais presidentes(informação verbal)41 da
ASTEX-CA, da ASSCAJARI, e registros de Picanço(2005), a ASTEX-CA ficou
responsável pela gestão da região do alto rio Cajari, até a comunidade de Anuerá
no rio Ariramba, abrangendo as áreas dos castanhais que são atendidas por
estradas; a ASSCAJARI, que foi criada em 24 de janeiro de 1999 como Associação
Mista dos Trabalhadores Extrativistas dos Rios Muriacá e Cajari (AMAERC),
fundada com 130 sócios, foi legalizada apenas em 2003, e ficou responsável pelo
área de influência do médio e baixo rio Cajari, até a sua foz na comunidade de
Santa Ana, enquanto a AMAEX, criada em 01 de agosto de 1999, ficou
responsável pela gestão da área litorânea do rio Amazonas e as de influência do rio

41
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006.
Calixto Pinto de Souza(Ex-presidente da ASTEX-CA, presidente da ASSCAJARI). Entrevista
concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, fev. 2006.
295

Ajuruxi. Das duas novas associações, apenas a AMAEX conseguiu acessar


recursos do PPG-7, para o seu fortalecimento institucional.
Conforme as informações de seus presidentes, as associações comunicam-
se com as comunidades através de núcleos que foram criados para facilitar o
acesso dos moradores às informações e aos processos decisórios. A existência de
uma rede de radiofonia facilita a integração e troca de informações entre as
associações e destas com os seus núcleos de base. Através de reuniões
organizadas pelo CNPT, os dirigentes das associações encontram-se
freqüentemente em Macapá para planejarem suas atividades e discutirem os
problemas relacionados com a reserva. Os dirigentes das associações cooperam
entre si na condução das assembléias gerais e em outros eventos que exige um
nível maior de organização e mobilização. As associações continuam mantendo
uma relação de parceria com o CNS, ONGs ambientalistas e sindicatos de
trabalhadores rurais que atuam na região.
Atualmente, segundo os presidentes, a ASTEX-CA conta com um quadro
social de 411 associados, a ASSCAJARI com 375 e a AMAEX com cerca de 400
sócios. Cada associado contribui com uma mensalidade de R$ 1,00.
A busca de alternativa econômica para os moradores da região do médio e
baixo rio Cajari, que não dispõem de castanhais, levou o CNS-RA a ASTEX-CA em
1994 a trabalharem na implantação de um projeto de aproveitamento dos vastos
açaizais existentes na região. Devido às dificuldades de comercialização do açaí
fruto, por ser um produto muito perecível, face a longa distância para os mercados,
o processamento do palmito do açaí mostrou-se ser a atividade mais viável. Para
fazer o processamento do palmito, buscou-se o apoio da WWF, que garantiu os
recursos financeiros para a implantação de uma fábrica de palmito. Segundo
Dertoni(1999), para gerenciar a produção e comercialização do palmito:

Seria necessário, então, formar uma cooperativa. A partir de reuniões


nas comunidades, decidiu-se que sua Diretoria seria formada por
representante das quatro comunidades envolvidas no projeto. A
OCEAP – Organização das Cooperativas do Estado do Amapá
ajudou na confecção dos estatutos. No dia 15 de dezembro de 1996,
com a presença de 31 produtores de açaizais (sócio-fundadores) e
também de representantes do CNPT/AP, ASTEX-CA, OCEAP, e
WWF, foi fundada a COOPER-CA – Cooperativa dos Trabalhadores
Agroextrativistas da Reserva do Rio Cajari (DERTONI,1999, p.14).

A COOPER-CA conta atualmente com uma quadro social de 70


296

cooperados, faz reuniões trimestrais, e vem participando das reuniões freqüentes


organizadas pelo CNPT-IBAMA com as outras organizações da reserva. Quanto a
relação com a WWF, segundo o presidente da cooperativa, “a WWF se afastou um
pouco de nós”(informação verbal)42.
No alto rio Cajari, na região do maciço de castanhais, com recursos
financeiros do PPG-7, sob a coordenação do CNPT-IBAMA, foi construída uma
fábrica para processamento de castanha na forma desidratada com casca,
denominada tecnicamente de “castanha dry”. Para gerenciar as atividades dessa
fábrica também se criou uma cooperativa:

No final do ano de 2000 era inaugurada a unidade de processamento


de castanha dry, ao mesmo tempo em que a ASTEX-CA se afastava
da condução do projeto castanha e estava em andamento a
estruturação da Cooperativa Mista Agroextrativistas dos
Trabalhadores do Alto Cajari – COOPERALCA, legalizada em janeiro
de 2001, que passa a assumir a gestão do projeto (PICANÇO, 2005,
p.134).

Segundo o atual presidente da COOPERALCA, a cooperativa foi criada com


76 sócios, sendo que atualmente conta com um quadro social de 86 cooperados
(informação verbal)43.
Em uma avaliação feita por Tomiyoshi(2003), fica clara a falta de
transparência que existia na gestão dessa cooperativa:

Conforme os dois diretores da cooperativa que participaram da


reunião não há registro contábil, o livro de ata tem destino ignorado e
ainda, não houve uma assembléia das atividades desenvolvidas pela
atual diretoria. Segundo eles, os cooperados sabem o que acontece
até a entrega da sua castanha a cooperativa, porém, a partir do
processo de secagem até a comercialização dos produtos, ninguém
sabe como ocorre o processo de comercialização. Exceção do
presidente da cooperativa(TOMIYOSHI, 2003, p.4).

Observa ainda nessa avaliação, que os cooperados encontravam-se


totalmente alheios as questões da cooperativa, o conselho fiscal não estava
cumprindo o seu papel, e a cooperativa ao invés de fazer um adiantamento aos
cooperados pela castanha recebida, para no balanço final dividir a sobra, caso
houvesse, ela simplesmente funcionava como compradora da castanha recebida

42
Valdeci Santa Rosa de Souza(Presidente da COOPERCA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Macapá, fev. 2006.
43
Natanael Gonçalves Vicente (Presidente da COOPERALCA). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, fev. 2006.
297

dos cooperados (TOMIYOSHI, 2003).


Essa situação observada na COOPERALCA vai ter seus desdobramentos
ainda em 2003, com conseqüências nefastas para a cooperativa, conforme
podemos observar nos registros:

[...]Assumiu como presidente da cooperativa o Sr. Francisco Caldas,


o “Capim”, que acabou sendo afastado no final do ano de 2003, por
intervenção do Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS, sob a
alegação de gestão mal conduzida, após acúmulo de prejuízo e
perda de capital durante os quase dois anos de sua gestão, sendo
então empossada uma nova diretoria. Segundo o Sr. José Francisco
Gomes Ferreira, 47 anos, “Zé Penerá”, atual vice-presidente da
COOPERALCA, esse fato acabou se refletindo na credibilidade da
cooperativa junto aos castanheiros, reforçando a tendência de
negociação direta entre os extrativistas e os intermediários, sem
participação mais efetiva da cooperativa (PICANÇO, 2005, p.134).

As mulheres da reserva tentam, também, se organizar através de


associações. Silva(2003), faz referências a Associação das Mulheres do Cajari
(AMC), criada em 21 de dezembro de 1997, com sede em Água Branca do Cajari,
a partir de articulações de interesses político-partidários, cuja função social e
situação lhe parecia uma incógnita. A AMC conseguiu recursos do PPG-7 através
do governo estadual para implantar uma fábrica de sabão que funcionaria em um
galpão construído em alvenaria e madeira, que após a construção ficou
abandonado.
Atualmente, existe em Água Branca, a Associação de Mulheres
Agroextrativistas do Alto Cajari (AMAC), criada em 8 de maio de 2004 e que se
organizou a partir dos espólios da AMC, que acabou com a saída da região da sua
principal liderança. Segundo a presidente, a AMAC possui 35 mulheres associadas
e abrange 9 comunidades do alto rio Cajari, tendo como prioridade trabalhar na
geração de renda familiar através do artesanato. A AMAC possui uma sede, que
funciona como centro comunitário, tem reuniões ordinárias trimestrais e assembléia
geral de três em três anos. A AMAC participa das reuniões organizadas pelo CNPT
junto com as outras associações e cooperativas da reserva (informação verbal)44.
Segundo Picanço(2005), existe também no baixo rio Cajari, a Associação
de Mulheres do Baixo Cajari (AMBAC), e na sua opinião:

A função social e efetiva atuação dessas associações ainda é uma

44
Zenilda Batista de Lima(Presidente da AMAC).Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, mar. 2006.
298

incógnita, mas é possível afirmar que elas são tuteladas por


lideranças masculinas, numa clara estratégia de manter e ampliar a
influência em sua área de atuação(PICANÇO, 2005, p.125).

Em síntese, a experiência organizativa na RESEX Cajari, pode ser


considerada rica em experiências positivas e negativas, em sua diversidade de
formas. O certo é que nos seus erros e acertos essas experiências vêm
contribuindo para o fortalecimento político dos moradores da reserva, e parece ser
um importante diferencial positivo em relação às experiências do PAE Maracá,
companheiro de trajetória.

4.1.1.3 RDS Iratapuru

A organização política dos agroextrativistas da RDS Iratapuru é resultado


tardio de um grande processo de mobilização social dos trabalhadores rurais da
região do rio Jarí, que surge na década de 1980, motivado pela busca de melhores
condições de produção e comercialização dos produtos agroextrativistas e na luta
contra a opressão do Projeto Jarí, representado por seguranças armados que
reprimiam as ações dos posseiros que colocassem em risco os seus interesses
latifundiários.
No início da década de 1980, cria-se na região do Jarí uma delegacia do
STR Almeirim. Poucos trabalhadores rurais da região filiam-se a esse sindicato,
que mal conseguia atender seus sindicalizados do estado do Pará. Mesmo assim,
a experiência desse sindicato influenciou no processo organizativo dos
trabalhadores da região que passam a sentir a necessidade de criar entidades
locais que pudessem representar os seus interesses políticos e econômicos junto
ao governo da unidade federativa a qual estavam vinculado, o Território Federal do
Amapá.
Inicialmente, sob a influência de técnicos das instituições do Governo do
Território Federal do Amapá e da Prefeitura Municipal de Mazagão, surge a idéia
da criação de uma cooperativa. Em 1983, é iniciado o processo de criação dessa
cooperativa, com o nome de Cooperativa Mista Agroextrativista de Laranjal do Jarí
(COMAJA), que teria como principal finalidade a comercialização dos produtos
agroextrativistas da região. Como a burocracia na regularização jurídica da
Cooperativa era muito grande, demandando muito tempo, constituiu-se, em caráter
provisório, uma associação denominada de Associação Mista Agroextrativista de
299

Laranjal do Jarí (AMAJA), que substituiria as principais ações da COMAJA,


enquanto esta não se encontrasse legalizada (FILOCREÃO,1992).
A AMAJA, conseguia mobilizar um número muito grande de
agroextrativistas que se encontravam excluídos das ações do governo, chegando a
512 associados. Nesses primeiros anos, estimulou o trabalho comunitário, através
da prática do mutirão nas atividades agrícolas nas principais comunidades dos rios
Jarí e Cajari, para um aumento da produção, com o intuito de impressionar o
governo e pressioná-lo a atender as suas reivindicações de transporte, armazém
etc. Conseguiu-se, dessa forma, alguns benefícios governamentais, como a
doação, em regime de comodato, de 1 caminhão, tratores, 1 barco, máquina de
beneficiar arroz e 1 galpão para armazenar a produção.
As ações da AMAJA foram mais direcionadas à valorização do produto
agroextrativista, através de reivindicações junto ao governo, de infra-estrutura de
transporte e armazenagem, e dessa forma, ela funcionou por um período de 2 a 3
anos. Instalou os seus núcleos comunitários em Jarilândia, Cachoeira, Beiradinho,
Padaria, atendendo os seus associados num sistema de cantinas comunitárias,
onde vendia as mercadorias por um preço inferior ao dos regatões, e também
garantiu linhas de transporte para o escoamento da produção.
Em 1986, com o apoio do governo territorial é eleita uma nova diretoria da
Associação, composta por um grupo de "agricultores" que tinham como principais
atividades o comércio e a retirada de madeira. Esse grupo passa a utilizar a
estrutura da AMAJA apenas para atender os seus interesses madeireiros, excluindo
os produtores agroextrativistas dos serviços que eram prestados pela AMAJA
anteriormente.
Ao serem afastados dos serviços prestados pela Associação, os produtores
agroextrativistas procuram agilizar a regularização jurídica da Cooperativa,
elegendo a primeira diretoria em 1985. Assim, o patrimônio constituído em nome da
COMAJA ficou nas mãos dos trabalhadores agroextrativistas, e a estrutura do
governo ficou com os madeireiros, comerciantes e garimpeiros que formaram a
diretoria da AMAJA, que foi praticamente desativada em 1988(FILOCREÃO,1992).
A COMAJA, nessa fase, continuou com as pequenas cantinas em
Jarilandia, Padaria, Poção, Beiradinho e Cachoeira, e durante dois anos
intermediou a compra de castanha de seus sócios vendendo a comerciantes da
região, envolvendo-se também com o beneficiamento e comercialização da safra
300

de arroz.
Ao se constituir formalmente, a COMAJA conseguiu levantar alguns
recursos creditícios e outras formas de financiamento do Governo do Estado. Em
1989 e 1990, junto com algumas entidades do governamentais e não
governamentais, promoveu o 1o e 2o Encontros de Castanheiros da região do Jarí,
envolvendo, pela primeira vez na região, os produtores agroextrativistas na
discussão dessa atividade, surgindo daí algumas reivindicações referentes a
questão fundiária e ao transporte da produção que foram encaminhadas ao governo
do Estado, conseguindo-se alguns resultados na questão do transporte, como a
venda financiada de burros para o transporte da castanha.
Para Jarilândia, no baixo rio Jarí, a COMAJA consegue um financiamento
de uma mini-usina para o beneficiamento do látex, que acabou não sendo utilizada
nesse objetivo. Em 1990, essa usina foi adaptada para beneficiar castanha,
conseguindo comercializar neste ano um volume de 500 kg de castanha
descascada, que foi vendida a Prefeitura Municipal de Macapá para ser utilizada na
merenda escolar. O sucesso dessa experiência estimulou a COMAJA a instalar
uma usina de beneficiamento de castanha em Laranjal do Jarí no ano seguinte, com
capacidade mensal de 2.000 a 3.000 kg de castanha descascada e desidratada.
A partir de 1985, o SINTRA começa a atuar na região do Jarí, onde foram
criadas várias delegacias sindicais, entre 1986 e 1987, contando inicialmente com o
apoio informal do STR Almerim na organização dessas delegacias.
Nos anos de 1980, a COMAJA teve uma ação mais política na reivindicação
dos direitos dos agroextrativistas, e aliando-se com o SINTRA, vai ter uma atuação
muito forte na luta pela terra. Assumindo um papel importante na pressão ao
MIRAD/INCRA, para resolver os problemas fundiários da região, tendo participado
ativamente da realização dos estudos de 1988 para definição de áreas prioritárias
para os assentamentos extrativistas, que vão resultar na criação dos PAEs Maracá
e na RESEX Cajari.
Em 1990, é eleita uma nova diretoria para a COMAJA, e, na composição
desta diretoria verifica-se um número significativo de agricultores, que têm a sua
principal atividade no comércio. Essa diretoria passa a impor um caráter
empresarial à COMAJA, dentro de uma proposta de capitalização imediata da
Cooperativa. Esta capitalização rápida significava a busca de uma valorização
máxima do capital de giro disponível, que se dava na comercialização da produção
301

de sócios e não-sócios.
A partir de 1990, a atuação da COMAJA vai se dar mais no campo
econômico, conseguindo através de recursos do governo estadual e federal
implantar uma estrutura de beneficiamento com capacidade de processar até
40.000 hectolitros por ano, de acordo com seu presidente(informação verbal)45.
Segundo Abrantes(2003), entre 1995 a 2002, a COMAJA conseguiu através do
governo federal e estadual, um volume de recurso estimado em R$1.722.174,65
aplicados na instalação da fábrica e processamento da castanha.
Ao sair da diretoria da COMAJA em 1990, o ex-presidente vai trabalhar na
organização de uma nova cooperativa, conseguindo em 1991 juntar um grupo de 11
casais, sendo alguns desses, moradores de Iratapuru e fundar, em 1992, a
Cooperativa Mista de Produtores e Extrativistas do Iratapuru (COMARU), composta
de 22 sócios(informação verbal)46.
As atividades iniciais da COMARU foram relacionadas à instalação de uma
fábrica artesanal de processamento de castanha, como experiência, para processar
óleo, doce, paçoca, e farinha de castanha, cujos produtos foram levados para
Macapá para serem testados na merenda escolar, obtendo boa aceitação. Com
recursos do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária e da Prefeitura Municipal de
Laranjal do Jarí, construíram através de mutirão a sede da cooperativa, composta
de dois galpões e uma estufa, no ano de 1994(PDA,1996).
Em 1995, a COMARU consegue um financiamento de R$ 25.000,00 do
Banco do Estado do Amapá (BANAP), que é utilizado na compra de motores de
popa, melhorias da estufa e como capital de giro para comercialização da safra. A
partir desse ano, a COMARU inicia o fornecimento de castanha para a merenda
escolar da rede estadual de ensino(PDA,1996). A partir daí, a COMARU notabiliza-
se no Amapá e fora do estado, como produtora de biscoitos de castanha no meio da
floresta, tornando-se um dos principais ícones do Programa de Desenvolvimento
Sustentável do Estado do Amapá (PDSA).
Além da sua forte atuação econômica, a COMARU assume também o papel
de porta voz das reivindicações dos direitos dos moradores do Iratapuru,

45
Elizeu Cardoso Vianna.(Presidente da COMAJA e representante da OCEAP no Amapá). Entrevista
concedida a Antonio Sergio Filocreão. Macapá, mai. 2006.
46
Sebastião Braz Castelo de Araújo.(Ex-presidente da COMAJA).Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Santana-AP, mai.2006.
302

principalmente nos aspectos ligados a educação, saúde, e a questão da terra.


Através dessa atuação conseguiu obter melhorias no atendimento a educação,
saúde e principalmente garantir o direito ao usufruto das florestas pelas famílias,
através da criação pelo governo estadual da RDS Iratapuru em 1997.
Na sua atuação econômica, a COMARU conseguiu acessar através de
convênios com governo estadual e federal entre 1995 a 2000, um volume de
recursos na ordem de R$1.333.786,00. A falta de prestação de contas da maior
parte do recurso recebido, levou a destituição do grupo que vinha dirigindo a
COMARU desde a sua criação. Houve a eleição de uma nova diretoria em 2001.
Com isso, o governo estadual passou a gerir diretamente os recursos aplicados na
fábrica no biênio 2001/2002, que chegou a um montante de R$
403.494,64(ABRANTES, 2003).
Em outubro de 2003, a fábrica de biscoito sofreu um incêndio, com
destruição total da sua capacidade produtiva. Os moradores suspeitam que o
incêndio foi criminoso, provocado pelo grupo destituído do poder em 2001. Fato que
não foi até então elucidado pela polícia de Laranjal do Jarí(informação verbal)47.
Em 2004, através de um empréstimo da indústria de cosmético Natura, a
fábrica de biscoito foi recuperada na sua capacidade de produzir óleo de castanha,
que é vendido a Natura, permitindo com que a COMARU consiga pagar o
empréstimo. A COMARU atualmente tem 27 sócios e se encontra inadimplente, e
impossibilitada de acessar recursos públicos devido à falta de prestações de conta
dos convênios. Grande parte do patrimônio, principalmente os transportes,
encontra-se sucateado, e existem várias dívidas contraídas e não liquidadas
(informação verbal)48.
O processo de organização política da população beneficiária da RDS,
apesar de ser uma população pequena, apresentou os mesmos problemas de
locais com populações maiores. Ou seja, os conflitos cooperativos, inerente a
organização e a ação coletiva parece não depender tanto do tamanho do grupo,
como teóricos da economia e sociologia institucional como Olson (1994) defendem.
Pois o caso da RDS ilustra uma situação interessante, houve uma vontade política

47
Sebastião de Freitas.(Gerente da fabrica de biscoito da COMARU). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Iratapuru, jul.2006.
48
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Iratapuru-AP, jul.2006.
303

de governo, houve investimentos razoáveis de recursos financeiros em uma


população relativamente pequena, e os resultados parecem não ter sido
proporcional aos investimentos.

4.1.2 A relação das famílias agroextrativistas com os governos

4.1.2.1 PAE Maracá

Apesar do grande esforço inicial do MIRAD/INCRA para a criação em 1988


dos PAEs Maracá I,II e III, chegou-se em 1993 com um péssimo quadro da atuação
do INCRA na viabilização desses assentamentos, que pode ser avaliada a partir da
citação:

Desde sua destinação, quase 05 (cinco) anos se passaram sem que


efetivamente tenha ocorrido qualquer ação por parte do INCRA, com
vistas a implantação das áreas criadas. Durante esse período, os
problemas vivenciados pelos extrativistas tem se agravado por
sucessivas invasões dos Projetos e a não institucionalização do
processo de implantação e consolidação dos PAEs coloca sob risco
sua própria viabilidade, produzindo ali, um quadro que já se configura
com grande potencial de conflitos entre seus beneficiários e
ocupantes forâneos, estes desenvolvendo atividades estranhas aos
objetivos que deram causa à criação dos Projetos(INCRA, 1993).

Houve grandes dificuldades de implementação dos PAEs, por ser algo novo
na cultura institucional agrarista do INCRA. Nesta, os assentamentos são pensados
em termos de lotes individuais, com o deslocamento de produtores rurais para
essas áreas, cuja destinação é o desenvolvimento da agricultura. O extrativismo e
as especificidades de suas relações era algo novo aos técnicos que ficaram
responsáveis pela fiscalização e assistência aos assentados.
A gravidade da situação nos PAEs denunciada pelos assentados somada a
pressão das organizações envolvidas com o extrativismo como o CNS-RA, o IEA, o
SINTRA e a ATEXMA, obrigaram o INCRA a criar em 1993 um Grupo de Trabalho
(GT) interinstitucional composto por INCRA(coordenador), IBAMA/CNPT,
Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGA), Instituto de Desenvolvimento Rural
do Amapá (RURAP), Instituto de Terras do Amapá (TERRAP), Coordenadoria
Estadual de Meio Ambiente (CEMA), CNS, ATEXMA e IEA, para apresentar uma
proposta de implantação efetiva dos PAEs Maracá I, II e III a Presidência do INCRA
304

em Brasília.
O documento elaborado pelo Grupo de Trabalho (INCRA,1993), identifica
uma série de problemas, dentre os quais citamos alguns pela sua gravidade:
..O não gerenciamento dos Projetos pelo INCRA facilitou a invasão e
instalação permanente de pessoas e empresas na área, que ali estão
desenvolvendo atividades incompatíveis com a filosofia dos PAEs;
..Cadastros rurais emitidos pelo INCRA a pessoas que estão invadindo a
área, mesmo após a sua destinação, vêm sendo utilizados como instrumento de
persuasão contra os moradores beneficiários dos Projetos. Do mesmo modo, a
emissão desse documento declaratório aos moradores beneficiários facilita a
“compra” de colocações por invasores e sua expulsão das áreas que ocupam.
..A não demarcação do perímetro dos PAEs e a não identificação de seus
limites têm servido de pretexto para invasões, sob o argumento de que não se sabe
onde começam e terminam os Projetos;
..Há atividades de mineração dentro da área dos PAEs, fora do controle do
INCRA e das comunidades beneficiárias;
..Derrubadas, extração de madeiras, devastação de açaizais para produção
de palmito e de outros recursos por terceiros, inclusive a permanência de serrarias
na área dos Projetos vem descaracterizando e empobrecendo a base de recursos
extrativos dos PAEs e deixando sua população cada vez mais sem alternativa de
sobrevivência;
..A caça e pesca predatória aumentou pela falta de fiscalização, facilitado
pela abertura da estrada Macapá – Laranjal do Jarí;
..A permanência das antigas e implantação de novas fazendas na área do
projeto, cujos animais, principalmente búfalos são criados soltos, provocando a
invasões e destruição dos roçados dos moradores, que são obrigados a buscarem
áreas cada vez mais distantes para garantirem a sua sobrevivência.
Esses problemas e outros, ligados às deficiências dos serviços púbicos de
saúde, educação, assistência técnica são relatados também. Com base nesse
diagnóstico o Grupo de Trabalho propõe uma série de medidas que vão da
demarcação das terras, retirada dos invasores, elaboração do Plano de Utilização,
formalização do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso as populações
locais, cadastramento dos beneficiários, fomento, etc..
A partir das propostas do GT, iniciaram-se as ações do INCRA na tentativa
305

de consolidação dos PAEs Maracá, iniciando com um cadastramento e uma


pesquisa socioeconômica concluída em 1994, utilizando a mesma metodologia que
foi aplicada na RESEX Cajari pelo CNPT. A pesquisa socioeconômica que envolveu
CNS-RA, ATEXMA, IEA e o INCRA na coleta de dados e cadastramento das 400
famílias beneficiárias gerou as informações que subsidiaram a elaboração do Plano
de Utilização e o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, além de balizarem
a programação/95 para os Projetos de Assentamento(INCRA,1996).
Segundo o relatório INCRA (1996), no ano de 1995 foram desenvolvidas as
atividades nos PAEs Maracá:
.Construção de 10 km de uma vicinal de 30 km para atingir os castanhais,
desviando de várias cachoeiras;
.Os técnicos do INCRA contactaram 210 famílias das 400 existentes. Por
falta de recursos humanos não se conseguiu atingir todas as famílias. As 210
famílias atingidas foram beneficiadas com concessão creditícia nos valores de:
-Crédito Implantação: R$ 176.400,00, sendo R$ 126.000,00 para fomento e
R$ 50.400,00 para alimentação;
-Crédito PROCERA: R$ 170.196,00, sendo R$ 67.591,00 para o custeio
agrícola de 24 famílias e R$ 102.605,00 para o investimento agrícola, beneficiando
35 famílias;
.Elaboração e aprovação do Plano de Utilização dos Projetos, coordenado
pela ATEXMA com o apoio do INCRA e IEA;
.Identificação de 15 invasores e formalização de Processos de
Reintegração de Posse junto à justiça;
.Foram disponibilizados neste ano, recursos para a demarcação do
perímetro dos PAEs, porém não foram encaminhados os processo por problemas
burocráticos e os recursos foram devolvido à Brasília;
A Tabela 4 mostra os investimentos feitos pelo INCRA junto as famílias
beneficiárias entre os anos de 1994 à 2004, extraído de alguns relatórios técnicos e
administrativos do INCRA e do RURAP. Nos documentos consultados, verificam-se
algumas diferenças de valores, e não se consegue ter clareza do número de
famílias beneficiadas. Os relatórios do INCRA acabam contabilizando as famílias
por tipos de benefícios para fazer a totalização, provocando repetições de famílias
na contabilização, aumentando o número de famílias beneficiárias das ações. Por
exemplo: uma família que recebe 3 tipos diferentes de apoio no mesmo ano,
306

aparece contabilizada como 3 famílias. Essa Tabela, apesar das omissões e erros
de contabilização nas fontes, dá uma idéia dos valores investidos no tempo, e nas
formas de apoio para instalação e créditos, totalizando em 10 anos um volume de
R$1.394.410,00 (Hum milhão trezentos e noventa e quatro mil e quatrocentos e dez
reais).
A forma como foram aplicados os recursos disponibilizados para o PAE
Maracá criou um clima de desconfiança dos moradores para com o INCRA. Existem
suspeitas de que muitas pessoas foram cadastradas irregularmente para acessar os
benefícios destinados aos moradores. Isto motivou o presidente da ATEXMA a
solicitar que fosse realizado, em 2005, um levantamento ocupacional para excluir as
pessoas cadastradas irregularmente pelo INCRA (informação verbal)49.
Em 2007 o INCRA apresenta um relatório sobre a situação ocupacional,
identificando 90 casos de pessoas cadastradas que não residem no PAE, inclusive
responsabiliza a ineficiência administrativa da ATEXMA pela falta de controle e
desconhecimento dos agricultores que estão legalmente cadastrados junto ao
INCRA e não mais exploram suas áreas (INCRA,2007). Quanto aos recursos
disponibilizados e sua aplicação, o relatório não apresenta os valores e os
beneficiários. Enfim, o relatório trata dos resultados dos investimentos ocorridos de
forma vaga e evasiva, como os demais documentos institucionais consultados.
Entre os anos de 1995 a 2002, quando o governo estadual tenta
implementar uma proposta de desenvolvimento sustentável para o Amapá, a
ATEXMA conseguiu acessar alguns recursos estaduais, através de convênios com
o governo, porém não se conseguiu, na pesquisa, acessar aos valores e objetivos
desses convênios. Uma ação do governo do estado que tem perdurado ao longo
dos anos é relacionado ao transporte da produção para a feira do agricultor de
Macapá com linhas quinzenais. Também existe um escritório do RURAP, que
mantém uma equipe composta por um engenheiro florestal e dois técnicos agrícolas
para prestar assistência técnica aos assentados, em convênio com o INCRA.
A relação institucional das famílias beneficiadas do PAE com a prefeitura
municipal de Mazagão, deu-se mais na cobrança de funcionamento de escolas,
postos de saúde e transporte da produção.
A relação estabelecida entre os beneficiários e os governos municipal,

49
Francisco Vieira.(Presidente da ATEXMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Maracá-AP, mai. 2006.
307

estadual e federal, tem se enfraquecido, devido ao enfraquecimento político da


ATEXMA, o que, de certa forma acaba prejudicando os beneficiários, por falta de
capacidade de pressão e controle das ações dos governos sobre o PAE.

Tabela 4-Volume de recursos aplicados pelo INCRA no PAE Maracá (1994-20004)


Ano Tipo De Crédito Programado Aplicado
Famílias Valor(R$) Famílias Valor(R$) Valor/Famílias(R$)
1994 Alimentação 195 - 0 0,00 0,00
Fomento 179 - 0 0,00 0,00
Sub-total 0 0,00 0,00
1995 Alimentação 202 48.480,00 202 48.480,00 240,00
Fomento 202 121.200,00 202 121.200,00 600,00
PROCERA(Custeio) 24 67.591,00
PROCERA(Investimento) 35 102.605,00
Sub-total 202 169.680,00 202 339.876,00 840,00
1996 Fomento 191 160.440,00 191 160.440,00 840,00
Sub-total 191 160.440,00 191 160.440,00 840,00
1997 PROCERA 61 175.195,40
Sub-total 61 175.195,40
1998 Alimentação 215 86.000,00 215 86.000,00 400,00
Fomento 215 220.375,00 215 220.375,00 1.025,00
Habitação 100 250.000,00 100 250.000,00 2.500,00
Sub-total 215 556.375,00 215 556.375,00 3.425,00 / 1.425,00
1999 Crédito apoio 40 56.000,00 40 56.000,00 1.400,00
Material de
construção 30 75.000,00 30 75.000,00 2.500,00
Sub-total 131.000,00 131.000,00
2001 Alimentação 59 ?
Habitação 39 ?
Sub-total
2002 Alimentação 5 ?
Sub-total
2003 Alimentação 19 ?
Sub-total
2004 PRONAF C 19 31.523,61
Sub-total 19 31.523,61
Total 1.394.410,01
Fonte:(INCRA,1996,2002,2004); AMAPA-RURAP(2005)

4.1.2.2 RESEX Cajari

Apesar de ter sido criada e subordinada a administração de IBAMA em


março de 1990, a RESEX Cajari não recebe daquele órgão, inicialmente, a atenção
devida no sentido de viabilizá-la enquanto uma Unidade de Conservação de Uso
Direto. Apenas em janeiro de 1992, com a criação do Centro Nacional de
308

Desenvolvimento Sustentado de Populações Tradicionais (CNPT), é que são


tomadas as providências necessárias para a sua implementação.
Através de ações emergenciais, o CNPT inicia o processo de
desapropriação das terras da reserva, conseguindo dar entrada na Justiça Federal,
apenas na véspera da caducidade do direito desapropriatório por interesse social,
no dia 11 de março de 1992, sob a pressão da ECO-92. Foram desapropriados 63
imóveis, maioria dos quais, encontrava-se sob a posse presumida do Projeto Jarí
(FILOCREÃO, 1993; MATTOSO; FLEISCHFRESSER, 1994).
Ainda em 1992, o CNPT firmou um convênio com o CNS-RA para
construção de 3 armazéns de 50 m2 para armazenamento de castanha e
funcionamento de cantinas comunitárias para atender os castanheiros; construção
de um posto de saúde de 70 m2; construção de um posto de fiscalização; compra
de uma lancha e implantação de um sistema de radiofonia. O convênio totalizou
Cr$ 129.499.000,00, e na sua execução não teve o sucesso desejado, pelo
subdimensionamento dos valores e a inexperiência administrativa do CNS-RA para
lidar com recursos públicos. A responsabilidade pela execução é repassada para o
IBAMA, devido a fragilidade técnica operacional do CNS-RA para garantir a
completa realização do mesmo (CNS-RA, 1992).
O CNPT iniciou ainda nesse ano o cadastramento das famílias moradoras
da RESEX, intensificou a fiscalização, e iniciou a sinalização do perímetro da
reserva. Nos anos de 1993 e 1994 o CNPT trabalhou com o CNS-RA e a ASTEX-
CA nas discussões do plano de utilização e na elaboração das propostas para o
Projeto RESEX do PPG-7, já que não ocorreram novos investimentos em infra-
estrutura na reserva, por parte do governo federal.
Para o ex-gerente do CNPT-AP Wilson Menescau, na sua gestão que foi de
1992 até 1995, a atividade desenvolvida na reserva com maior impacto para os
moradores locais foi a implantação de várias cantinas comunitárias, o que permitiu
com que os moradores conseguissem alcançar um preço melhor na sua produção,
por não ficarem dependendo do aviamento dos patrões(informação verbal)50.
Segundo Menescal, nesse período o IBAMA disponibilizou o mínimo de
recursos para a reserva, tendo em vista que a mesma seria contemplada com as
doações financeiras do PPG-7 que ficaram disponíveis a partir de 1995. O principais

50
Wilson Menescal.(Ex-gerente do CNPT-IBAMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
309

investimentos realizados com recursos dos Projetos RESEX Fase I e II do PPG-7,


com vigência de 1995 a 2006, foram a implantação da Mini-usina de
Beneficiamento de Castanha Dry em Santa Clara, que custou R$ 450.000,00
(quatrocentos e cinqüenta mil reais), e foi inaugurada em 2000; a demarcação da
área da reserva; a construção de uma escola na Vila Sororoca; um posto de saúde
na comunidade de São José; construção de casas de farinha comunitárias,
pocilgas, galpões para criação de frangos; a estruturação e fortalecimento
institucional da ASTEX-CA e AMAEX, implementação de pequenos projetos
econômicos; e a realização de diversos treinamentos nas comunidades(IBAMA,
1997, 1998, 2002; TOMIYOSHI, 2003).
Segundo informações através de e-mail(2007) do Coordenador do Projeto
RESEX II, Alessandro Fabiano de Oliveira, foram investidos na Reserva Cajari entre
1995 a 2000, na fase I do Projeto RESEX, um volume de recursos na ordem de R$
1.486.903,93( hum milhão quatrocentos e oitenta e seis mil novecentos e três reais
e noventa e três centavos). Na fase II do Projeto RESEX II, os recursos parecem
ter sido menores, já que não ocorreram grandes investimentos em infra-estrutura na
reserva.
O CNPT-AP, através do PNUD, contratou uma quadro de 9 técnicos
agrícolas para desenvolver suas atividades na região, entre 1995 a 2001.
Atualmente, mantêm contratados através de terceirização com uma empresa de
segurança, 2 técnicos agrícolas, que têm dificuldades de viajar para as atividades
de campo, por não poderem receber diárias do IBAMA. Segundo os técnicos do
CNPT, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) desenvolveu um importante
trabalho na reserva no controle da malária, ao treinar moradores para fazer os
exames de sangue e mantém em cada comunidade microscópio e medicamentos
que são distribuídos para as pessoas positivadas nos exames para malária feitos no
local. Isto tem reduzido as complicações da doença entre os moradores(informação
verbal)51.
Uma outra instituição federal que se mostra presente na reserva é o
INCRA, a partir do reconhecimento da RESEX Cajari como um projeto de reforma
agrária em 2002, garantindo as famílias residentes o acesso aos créditos na Política
Nacional de Reforma Agrária (PNRA), como o auxílio moradia, no valor de R$

51
Marcio Matos; Jefferson Pereira.(Técnicos agrícolas do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, ago. 2006.
310

5.000,00, o fomento no valor de R$ 2.400,00 e outras linhas de crédito para


assentados. Segundo dados do IBAMA(2006), 1050 famílias da reserva Cajari já
foram cadastradas (sipradas) pelo INCRA e 617 famílias já tiveram acesso ao
crédito habitação. As atividades do INCRA são desenvolvidas na região em
parcerias com as associações.
Com o governo estadual, a relação dos moradores da reserva até 1995 foi
conflitante, pois a criação dessa unidade de conservação ia de encontro aos
interesses do governo da época, que pretendia estimular a agricultura na região.
Fingindo desconhecer a existência da RESEX, o governo estadual inicia a
construção de uma estrada federal cortando a RESEX Cajari e os PAEs Maracá
sem os Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental(EIA-RIMA). Através das
alianças entre o CNS, SINTRA, IEA e ONGs ambientalistas internacionais,
consegue-se embargar a construção dessa estrada (FILOCREÃO,1992).
O reconhecimento oficial da reserva só ocorreu após a grande mobilização
feita pelos extrativistas e movimentos ambientalistas nacionais e internacionais
exigindo uma audiência pública para avaliação do Relatório de Impacto Ambiental
para a continuação da construção da estrada. O governador do Amapá
comprometeu-se nessa audiência, realizada em junho de 1991 em Laranjal do Jarí,
a apoiar o escoamento da produção, criar postos de saúde, escolas, assistência
técnica, e doação de animais para transporte da castanha, como medidas
mitigadoras e compensatórias do impacto ambiental da estrada. Dessas
promessas, pouca coisa foi cumprida, além de que alguns órgãos do governo
estadual continuaram a incentivar e apoiar tentativas de invasão da
reserva(FILOCREÃO,1993).
Com a mudança de governo em 1995, a reserva passa a receber um novo
tratamento, tendo as organizações locais acessado recursos para a comercialização
da castanha e palmito, garantido o transporte para escoamento da produção,
assistência técnica através do escritório do RURAP, e assessoramento tecnológico
pelo Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica (IEPA). Esse apoio tem se
mantido, mesmo que de forma mais tímida com a mudança de governo ocorrida em
2003, devido a capacidade mobilizadora e articuladora das organizações existentes
na reserva, que contam com o apoio do CNS-RA e CNPT nas suas ações políticas.
Segundo o presidente da ASTEX-CA, as associações têm também mantido
uma relação de cobranças e parcerias com as três prefeituras que tem jurisdição
311

administrativa sobre a reserva, na luta por acesso aos direitos sociais de educação,
saúde e transporte da produção, principalmente. Na sua avaliação, as cobranças e
pressões sobre as prefeituras têm garantido uma melhoria na prestação desses
serviços (informação verbal)52.

4.1.2.3 RDS Iratapuru

Desde a sua criação, a COMARU, além do seu papel na organização


econômica, atuou fortemente como porta voz dos interesses dos moradores do
Iratapuru, reivindicando os seus direitos sociais básicos como educação e saúde.
Conseguiu assim, manter um relacionamento positivo com o governo federal,
estadual e municipal, alcançando alguns resultados positivos para a comunidade
representada.
Inicialmente, sua atuação reivindicatória foi sobre a Prefeitura Municipal de
Laranjal do Jarí, onde conseguiu recursos de contrapartida ao governo federal para
a construção da sede da cooperativa, composta de dois galpões e uma estufa, em
1994. Ainda nesse ano, conseguiu a instalação de uma escola de 1a a 4a série para
atender as crianças fora da escola, sendo que em 2002 essa escola já atendia até a
8a série, desenvolvendo também atividades de educação de adultos. Na área de
saúde, recebe da prefeitura um atendimento nas campanhas de vacinação e visitas
programadas de agentes de saúdes. Conseguiu ainda, ter no governo municipal,um
importante comprador de seus produtos para a utilização na merenda escolar,
quando funcionava a fábrica de biscoito. Isto possibilitou uma sobrevida a fábrica,
quando ocorreu a mudança de governo estadual, e o novo governo retirou o apoio
que a COMARU tivera até então.
Do governo federal, a COMARU em 1994 conseguiu a maioria dos
recursos que foram utilizados na construção da sede da Cooperativa, composta de
2 galpões e uma estufa, que permitia melhorar o beneficiamento artesanal da
castanha. Esse recurso inicial foi disponibilizado pelo Ministério da Agricultura e
Reforma Agrária. Entre 1997 a 1999, executou um projeto do Fundo Brasileiro para
Biodiversidade (FUNBIO) no valor de R$149.000,00 para borracha. Através do

52
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006.
312

Ministério do Meio Ambiente, no programa Projetos Demonstrativo Tipo A (PD/A) do


PPG7, foi contemplada com um volume de recursos de US$ 209.000,00 para
construção da fábrica de beneficiamento da castanha. Conseguiu ainda junto a
FUNASA, o desenvolvimento de atividades para o controle da malária, através da
capacitação de uma agente de saúde voluntária e a instalação de infra-estrutura
necessária para fazer os exames de sangue para diagnosticar a doença na própria
comunidade(PDA,1996; COELHO et al, 1999; ABRANTES, 2003?).
O apoio do governo do estado entre os anos de 1995 a 2002, foi decisivo
para a implantação da estrutura de beneficiamento de castanha; o comércio da
produção processada através da merenda escolar; a instalação da energia elétrica
na comunidade; a montagem de uma estrutura para tratamento de água; além de
assinar vários convênios para apoio a transporte, capital de giro, melhoria
tecnológica, o que representou um volume de recursos estimado em
R$1.428.280,64 entre 1995 a 2002 (ABRANTES,2003).
Esse forte apoio do governo estadual foi retirado com o a mudança de
governo em 2003, sendo que em 2006, na ocasião da pesquisa, encontramos as
estruturas de fornecimento de energia e tratamento de água que eram garantidas
pelo governo estadual, em precárias condições de funcionamento. A ação visível do
governo estadual era apenas a de manter um gerente da RDS, pago com recursos
de uma ONG ambientalista, que passava a maior parte do seu tempo em Laranjal
do Jarí; e, a elaboração de alguns projetos de créditos para o fomento da castanha
para alguns moradores através do RURAP, acessando o PRONAF.
Esse abandono da parceria com o governo, na visão do Presidente da
COMARU, diz respeito a mudanças de prioridade, conforme lhe informou o
Secretário Estadual de Planejamento. Pois, para o estado era mais negócio investir
na agricultura empresarial que estava se estruturando, que traria resposta
econômica mais concreta, que apoiar o extrativismo da castanha. É possível, que o
afastamento do governo estadual da RDS tenha se dado como uma forma de
apagar um forte ícone do governo anterior, já que o ex-governador é o principal
adversário político do governo atual (informação verbal)53.

53
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Iratapuru-AP, jul.2006.
313

4.1.3 Posse das terras e conflitos fundiários

4.1.3.1 PAE Maracá

No intervalo entre a desapropriação das terras do Maracá pela ação do


GEBAM em 1981 até a criação dos PAEs Maracá I, II e III em 1989, houve um
processo de ocupação da área por comerciantes locais, que investiram na pecuária,
principalmente na criação de búfalos. Isto aconteceu devido a falta de fiscalização
do INCRA, órgão arrecadador das terras desapropriadas.
Esses fazendeiros, de posse de cadastros das ocupação das áreas feitos
junto ao INCRA para pagamento de imposto territorial rural, passaram a se intitular
donos das terras que foram desapropriadas para fins de reforma agrária, impedindo
inclusive o usufruto de moradores locais de recursos naturais existentes, sem as
suas devidas autorização. No geral, esses fazendeiros desenvolviam outras
atividades dentro do PAE, como exploração de madeira, compra de castanha e
comércio em geral.
No relatório elaborado por Dubois(1989), foram identificados quatro
comerciantes ocupando ilegalmente as áreas dos PAEs, implementando a criação
de bovinos e bubalinos e controlando grandes estoques de recursos naturais. Dois
eram irmãos e moradores locais, que controlavam castanhais e o comércio da
castanha, e estabeleceram fazendolas com búfalos na localidade denominada
Central do Maracá; o terceiro, um grande comerciante de ferragem de Santana, que
controlava castanhais da região e lucrava no comércio da castanha, este instalou
fazendas na margem esquerda do Igarapé do Lago no médio Maracá; o quarto, um
grande comerciante de ferragens de Macapá, que se instalara na margem direita do
mesmo Igarapé, implantando 5 retiros para criação de gado, tinha dois anos e meio
de chegada na região, e encontrava-se expandindo ainda mais a sua ocupação
ilegal de terras nos PAEs.
O mesmo documento identifica os prejuízos que a criação de gado
extensiva vinha provocando aos moradores da região, ao destruir as suas roças,
obrigando-os a buscar lugares mais distantes para continuarem sua sobrevivência
através do agroextrativismo (DUBOIS,1989).
Em 1993, foi feito um levantamento de invasões nos PAEs, pela ATEXMA e
314

encaminhado ao INCRA, onde foram identificados 15 invasores, entre grileiros,


fazendeiros, mineradora, palmiteiros e madeireiros. No relatório INCRA(1996), cita-
se que esses casos estavam sendo tratados através da justiça, sob a
responsabilidade da Procuradoria Regional do INCRA. O relatório do Grupo de
Trabalho coordenado pelo INCRA em 1993, considerou que a emissão de
cadastros rurais pelo INCRA a pessoas que estavam invadindo a área, mesmo
após a sua destinação, era um fator que contribuía para o agravamento de
problemas fundiários(INCRA, 1993).
Em 2004, no diagnóstico para o Plano de Desenvolvimento do
Assentamento Maracá (INCRA,2004), mostra que o conflito com a criação de
búfalos das fazendas, ainda é um problema citado pelas comunidades do PAE, o
que significa dizer, que essas fazendas, mesmo consideradas ilegais sob o ponto
de vista do tipo de assentamento, não foram desapropriadas, continuando em
conflitos com as populações beneficiárias.
Em INCRA (2004), percebe-se a emergência de conflitos entre as famílias
recém assentadas e as antigas pelo acesso a terra:

Litígios pessoais - uma pequena questão dos limites de terreno


reclamada por dois assentados da localidade Conceição, trazida para
a reunião do PDA, impele à intervenção do presidente da ATEXMA e
do representante do INCRA e levanta uma grande interrogação sobre
a atual regra de concessão de uso do assentamento. Na medida em
que novas pessoas forem ocupando novas áreas como vem
ocorrendo no ramal da localidade Conceição como garantir direitos
pessoais e coletivos sem uma demarcação formal da
terra?(INCRA,2004, p.63).

Ou ainda o conflito por acesso a recursos naturais com forte demanda pelo
mercado:

Litígio pessoal - mais uma vez voltou-se a ter um depoimento


pessoal que caracteriza dificuldade ou conflito pessoal na posse e
uso da terra. Neste caso, a reclamação se deu em torno dos direitos
de exploração de uma determinada colocação de castanha-do-
brasil;(INCRA,2004, p.70).

São conflitos que vão surgindo em função das dificuldades da aplicação das
regras e normas relativas ao tipo de projeto de assentamento, tanto de parte da
organização gestora que detém a concessão do direito real de uso, como do órgão
público co-gestor e fiscalizador do cumprimento das regras e normas.
Esse problema não foi devidamente enfrentado pelo INCRA, tanto que no
315

levantamento ocupacional realizado em 2006 para atender a solicitação da


ATEXMA, é citado no relatório a comprovação da existência de 6 ocupações
latifundiárias dentro do PAE(INCRA,2007).

4.1.3.2 RESEX Cajari

Segundo Pedro Ramos(informação verbal)54, quando o SINTRA começou a


atuar na região do rio Cajari, com as populações extrativistas, percebeu-se que
apesar dos moradores encontrarem-se ocupando as terras, por dezenas de anos, o
INCRA não reconhecia as benfeitorias que eram feitas nos castanhais, como
limpeza, construção de paióis, retiros, limpezas dos igarapés. Nesse sentido não se
fazia qualquer tentativa para regularização das posses. Por outro lado, o Projeto
Jarí, através de sua segurança armada, evitava com uso da força, qualquer
tentativa dos moradores em construir benfeitorias que pudessem ser consideradas
como direito de posse pelo INCRA.
A utilização dos castanhais pelos moradores dava-se a partir de uma
declaração sem valor jurídico que o advogado da Jarí emitia em favor do morador,
reforçando o direito de posse da empresa, conforme cópia anexa. Estes
documentos acabavam sendo legitimados por todos no direito a exploração dos
castanhais, e continuaram regulando esses direitos após a criação da reserva.
Uma outra estratégia utilizada pelo Projeto Jarí no baixo e médio rio Cajari é
descrita por Gemaque(1988):

Os latifúndios improdutivos, cada vez mais crescentes, acabam


também por devorar o poder de trabalho e a perspectiva de
ampliação do raio de atividades do homem ribeirinho, sem que
providência alguma seja tomada, no sentido de coibir os abusos
especulativos. A Companhia do Jarí, por exemplo, na ânsia de
garantir um maior volume de terras (é o maior latifúndio da região),
desde há um ano, aproximadamente, passou a ocupar grandes áreas
com pequenas e mal estruturadas ‘fazendas’, cujo número vem
crescendo de dia para dia, sendo que cada ‘fazenda’ possui um
barracão improvisado e não mais de 30 a 40 cabeças de gado. E,
tudo isto, foi motivado pela propaganda da Reforma Agrária.
Enquanto isso, o homem ribeirinho vai reduzindo, cada vez mais, o
seu espaço físico, ou mesmo sendo lançado a locais mais distantes,
para – como já é rotineiro – sempre começar tudo outra
vez(GEMAQUE, 1988, p.3).

54
Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a
Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
316

Segundo Pedro Ramos, a representação do INCRA no Amapá era


subordinada ao Pará, e chegaram informações ao SINTRA que o Superintendente
do INCRA no Pará era atrelado ao Projeto Jarí, por isso as dificuldades fundiárias
da população que vivia na região.
Com o advento da Nova República e a transformação do Amapá em
Estado, criou-se as condições favoráveis para a desvinculação do INCRA-AP do
Pará, através da criação de uma delegacia do MIRAD, cujo delegado foi nomeado
com apoio do SINTRA, assim, conseguiu-se encaminhar os estudos necessários a
criação dos PAEs Maracá e a RESEX Cajari, enfrentando o poder econômico e
político do Projeto Jarí.
Mesmo tendo sido criada em 12 março de 1990, as ações do IBAMA para a
regularização fundiária da Reserva Cajari só vão iniciar com a criação do CNPT,
conforme observa-se no relatório de atividades do CNPT-AP em 1992:

O Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações


Tradicionais foi criado em 20 de janeiro de 1992, enfrentando uma
grande responsabilidade, que seria a de não deixar caducar os
Decretos de criação das Reservas Extrativistas, que perderiam as
suas validades quanto ao conteúdo desapropriatório das terras por
interesse social no dia 12 de março de 1992(IBAMA,1993, p.2).

Com pouco tempo para fazer os levantamentos cartoriais, avaliação de


benfeitorias, negociação dos recursos indenizatórios, no dia 11 de março de 1992,
às vésperas da caducidade da desapropriação das terras por interesse social, deu-
se entrada na Justiça Federal do Amapá dos processos de desapropriação das
terras do Projeto Jarí na RESEX Cajari. Segundo Picanço(2005), baseado em
Relatório(1999), foi depositado em juízo pelo IBAMA um valor de R$ 5.707.089,23
(cinco milhões, setecentos e sete mil e oitenta e nove reais e vinte e três centavos),
em favor da empresa, considerando que:

De acordo com Relatório (1999)55, na RESEX existem 54 (cinqüenta


e quatro) imóveis rurais em que a empresa Jarí Celulose S/A,
comprovadamente, é detentora de título, com uma área total de
193.259,3147 há no Amapá.esses imóveis estão localizados nos
municípios de Mazagão num total de 19.218,0375 ha, em Laranjal do
Jarí com 166.224,0454 ha e em Vitória do Jarí perfazendo a
quantidade de 7.817,2318 há[...](PICANÇO, 2005, p.74).

55
RELATÓRIO Final. Reserva Extrativista do Rio Cajari: Levantamento da situação fundiária. Brasília:
PNUD/IBAMA/CNPT/MAPPA, 1999.
317

A partir daí, criou-se uma disputa na esfera jurídica entre o IBAMA, INCRA
e o Projeto Jarí, quanto a valores da indenização e legalidade de alguns títulos.
Segundo o IBAMA(2006, p.12):

Na RESEX do Rio Cajari e do Rio Ouro Preto, o IBAMA já obteve a


imissão de posse da grande maioria dos imóveis e as pendências
ainda existentes, que dependem do INCRA ou da Justiça Federal,
não representam risco de reversão do processo de constituição da
RESEX.

Como as terras estavam concentradas em um único proprietário: o Projeto


Jarí, com a desapropriação em andamento na esfera do judiciário, os conflitos
fundiários com a grande empresa deixaram de ser uma preocupação para os
beneficiários da reserva, embora, segundo Picanço(2005), em 2000, com a
transferência do Projeto Jarí para o Grupo Orsa, a nova diretoria da empresa
mandou colocar placas informativas ao longo da BR-156, em diversos locais em
que a rodovia corta a reserva ao norte, declarando que a área lhe pertencia. Porém
os membros da ASTEX-CA retiraram essas placas.
Com a desapropriação da Jarí encaminhada na justiça, gerou-se uma nova
preocupação para os beneficiários da reserva, que foi com as invasões de terras.
Os pequenos casos de invasão de terras por pessoas de fora, foram resolvidos sem
grandes problemas a partir do CNPT-AP, com o apoio da fiscalização do IBAMA.
Uma grande invasão foi organizada por um agricultor goiano com o apoio
do governo do Estado, prefeitura de Laranjal do Jarí e políticos ligados ao governo.
Pretendia-se fazer um assentamento agrícola estadual em áreas de castanhais
denominado de Centro Novo no entorno da reserva. Esses castanhais eram
explorados por moradores da RESEX. A partir de denúncias sobrescritas pelo
CNS-RA, SINTRA, ASTEX-CA, ATEXMA, CUT e Grupo de Trabalho da Amazônia
(GTA), o IBAMA é obrigado a organizar uma ação com o apoio do Ministério Público
Estadual ao local, onde encontra desmatamentos irregulares, derrubada de
barracos de extrativistas, piqueteamento de lotes, utilizando-se de dois tratores do
governo do Estado(FILOCREÃO,1994). A partir dessa ação e seus desdobramentos
jurídicos e administrativos, conseguiu-se conter a invasão. Supõe-se que o objetivo
dos invasores não era agrícola, mais o de abrir caminho para a extração de ouro na
área da reserva e seu entorno.Com a eleição de um novo governador do estado
em 1995, encerraram-se as tentativas de invasões da reserva com o apoio do
governo estadual.
318

Segundo o presidente da ASTEX-CA, vez ou outra acontece algumas


desavenças entre moradores, através da invasão de castanhais, mas que são
resolvidas em reuniões envolvendo a associação, os litigantes e o CNPT, onde são
feitos e assinados os acordos, que têm sido cumpridos. Através do Projeto RESEX,
trabalhou-se com a figura do fiscal colaborador das próprias comunidades, que
com o auxílio da radiofonia acabam atuando com rapidez nos casos de tentativas
de invasões de pessoas de fora, evitando que elas se consolidem(informação
pessoal)56.
Segundo o técnico Jefferson Pereira, às vezes acontece algumas vendas
de castanhais entre moradores, porém são realizadas com o aval da associação, já
que está se negociando apenas as benfeitorias que foram feitas nos castanhais,
tendo em vista que as terras são de propriedade do IBAMA(informação verbal)57.

4.1.3.3 RDS Iratapuru

No relatório do MIRAD de 1988, para identificação de áreas prioritárias para


futuros assentamentos extrativistas, o quadro da situação fundiária no Iratapuru era
este:

A comunidade não vive conflitos pela posse da terra. Os mais antigos


na área dizem que, depois do Cel. José Júlio, ninguém mais
reivindicou a propriedade dessa área à margem esquerda do Jarí.
Hoje, os únicos problemas que a comunidade enfrenta, nesse
particular, ocorrem quando alguém de fora decide fazer a cata de
castanha em castanhais locais. Aparentemente, os membros desta
comunidade não têm entre as suas principais preocupações a
apropriação das áreas que ocupam(apenas um castanheiro tem sua
colocação cadastrada), ainda que o Projeto Jarí tenha sob o seu
controle grande extensões de terra no lado paraense desse trecho do
rio(MENEZES e MORAES, 1988, p.10)

Esta situação aparentemente favoreceu a criação da RDS de Iratapuru pelo


governo estadual, pois não houve necessidades de processos desapropriatórios e
indenizações. Só que, a área do Projeto de Lei era de 865.845 hectares, e a área
aprovada pela Lei de criação da RDS foi de 806.184 hectares, ou seja, na
Assembléia Legislativa foi retirada uma área de 59.660 hectares. A área retirada,

56
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006.
57
Jefferson Pereira.(Técnico agricola do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
319

conforme podemos verificar no Projeto de Lei, faz parte da Gleba Santo Antonio da
Cachoeira, de propriedade do Projeto Jarí, e consta como em negociação (SEMA,
1997).
Esse fato ficou por algum tempo no desconhecimento da sociedade. O
resultado é que, a comunidade de São Francisco ficou fora da RDS Iratapuru, e
com ela, todos os investimentos para industrialização da castanha feitos com
recursos públicos que encontram-se em uma área de pressuposta posse do Projeto
Jarí.
Em 2001, o governo através de negociação tentou reaver essa área junto
ao Projeto Jarí, que se negou a fazer a transferência, alegando que a mesma tinha
sido destinada à implantação de um Projeto de Manejo Florestal Sustentável para
produção de móveis de madeira certificada em parceria com o governo do Estado e
as comunidades locais. O que não interferiria no extrativismo da castanha e demais
produtos, porém a empresa estava doando 25.000 hectares da Vila de Iratapuru
para estruturação urbana(SEMA,2002).
Quanto à posse dos castanhais, não se verifica conflitos entre os
moradores, visto que as atuais famílias mantiveram-se nas colocações que
trabalhavam ainda na época das empresas extrativistas. Apesar de não haver
qualquer documento formalizando a posse, esses direitos têm sido respeitados.
Apenas a distribuição das colocações não obedece mais a homogeneidade
produtiva, que havia naquela época, quando atendia cerca de 80
famílias(JGP,2002).

4.1.4 A Gestão das Áreas Protegidas para o agroextrativismos

4.1.4.1 PAE Maracá

Em 29 de abril de 1997, através da Portaria/GM/ No 017, os Projetos de


Assentamento Extrativista Rio Maracá I, II e III foram unificados e receberam a
denominação de Projeto de Assentamento Agro-Extrativista Maracá, com área de
363.500 hectares com capacidade de atendimento de 1068 unidades agro-
extrativistas familiares. Neste mesmo dia, o presidente do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária autoriza a expedição do Direito Real de Uso deste
320

projeto de Assentamento, em nome da Associação dos Trabalhadores dos Projetos


de Assentamento Extrativista I, II e III do Vale do Rio Maracá (ATEXMA). O prazo
dessa concessão é de 10 anos, podendo ou não ser prorrogado de acordo com o
cumprimento ou não do Plano de Utilização.
Posteriormente foi assinada pelo Superintendente Regional do INCRA no
Amapá uma Portaria de Retificação, que aumentou a área do Assentamento para
569.208,5407 hectares e diminuiu a capacidade suporte para 939 unidades
agroextrativistas familiares. Esta Portaria foi publicada no Diário Oficial de 24 de
dezembro de 2002.
Pelas regras e normas que regulam os PAEs, os moradores através da sua
associação que assinou o Contrato de Direito Real de Uso, são os responsáveis
pela gestão do Assentamento, cabe ao INCRA fiscalizar o cumprimento do Plano de
Uso do PAE por parte dos concessionários.
A ATEXMA recebeu a concessão de Direito Real de Uso em 1997, porém
foi uma responsabilidade muito grande para uma organização sem estrutura
financeira para gerenciar uma área extensa, com moradores distribuídos em 3
grandes rios: a margem direita do rio Preto, o rio Maracá a margem esquerda do rio
Ajuruxi, além de parte da margem esquerda do rio Amazonas, margens de igarapés
tributários desses rios e margens da BR 156. Para acompanhar sistematicamente
esse espaço territorial, seria necessária a disponibilidade de transporte fluvial e
terrestre, além de pessoas disponíveis para essa missão.
Com a finalização das atividades do Projeto Homem e Ambiente na
Amazônia, o IEA e o REBRAF deixam de trabalhar com o PAE e
concomitantemente, ocorre um afastamento da ATEXMA dos velhos aliados como
o CNS e o SINTRA, dificultando mais ainda as atividades gestoras da associação
por falta do assessoramento técnico-administrativo que essas instituições até então
vinham lhe prestando.
Nesse quadro de dificuldades, a ATEXMA perde o controle da gestão do
PAE, deixa de acompanhar os beneficiados, passando o INCRA da missão de
fiscalizar, a assumir responsabilidades que seriam da ATEXMA, como o
cadastramento de novas famílias, a definição das famílias que seriam contempladas
pelos apoios crediticios, etc.. Essas atividades acabavam acontecendo em Macapá,
pelas crônicas dificuldades do INCRA em enviar técnicos para assessorar o
assentamento.
321

O cadastramento realizado em 1994, que se encontrava digitalizado em um


sistema criado para auxiliar na gestão da ATEXMA, e que deveria ser
constantemente atualizado foi perdido, e os cadastros em papel que alimentaram o
sistema, ficaram entregue aos cupins, pela sua não utilização. Sendo que
atualmente, a associação não dispõem de informações sobre os beneficiários, a
não ser a Relação dos Beneficiários (RB) que é fornecido pelo INCRA, que
apresenta apenas o número de identidade e CIC dessas pessoas. Isso torna difícil o
planejamento das ações junto aos beneficiários. Ou seja, o esforço realizado em
1994 para cadastrar e coletar informações sobre as famílias beneficiárias foi
perdido, inexistindo qualquer controle formal de beneficiários pela ATEXMA.
Quanto ao INCRA, desde 1994, tem disponibilizado um técnico como
responsável pelo PAE, porém, esse técnico, denominado hoje de Empreendedor
Social, não dispõe de um sistema informatizado que lhe permita ter as informações
das famílias beneficiárias, necessárias a gestão. Utiliza também a RB emitida pelo
SIPRA, e informações que são fornecidas pelas pessoas que vão procurar o
escritório do INCRA na busca de benefícios, visto que existe falta de recursos para
o deslocamento desse técnico ao PAE, para acompanhar “in loco” o resultado das
suas ações.
Em 2004, foi elaborado um Plano de Desenvolvimento do Assentamento –
PDA para o PAE Maracá, ouvindo as comunidades, porém esse PDA tem apenas
servido como peça de enriquecimento para os documentos gerados pelo INCRA,
visto que a implementação exigiria uma infra-estrutura que possibilitasse uma
presença mais constante do empreendedor social do PAE e da ATEXMA junto as
famílias beneficiárias.
Em síntese, o modelo de gestão adotado foi o de repassar a
responsabilidade da gestão a ATEXMA, sem oferecer as condições necessárias
para que essa gestão ocorresse, como, assessoramento técnico e a infra-estrutura
física necessária para uma missão dessa envergadura.

4.1.4.2 RESEX Cajari

Em 1992, com a criação do CNPT, foi criada no Amapá uma representação


local composta de 3 técnicos: um engenheiro florestal do IBAMA, um engenheiro
florestal da Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente (CEMA) e um engenheiro
322

agrônomo ligado ao Conselho Nacional dos Seringueiros, que iniciaram os


processos de gestão da RESEX. Essa composição foi utilizada como uma
estratégia de integrar na gestão o governo federal responsável formal pela reserva,
o governo estadual, que foi contra a criação da unidade, e a representação política
dos moradores.
Essa primeira coordenação do CNPT tinha uma boa capacitação técnica,
tanto no campo da gestão ambiental como na economia extrativista. E funcionou
dessa forma até o final de 1994, encaminhando as atividades de desapropriação,
elaboração e assessoramento da ASTEX-CA e CNS-RA na implementação dos
projetos emergenciais, e na elaboração das propostas técnicas para o Projeto
RESEX do PPG-7.
Com a saída dos representantes do governo estadual e do CNS-RA, o
representante do IBAMA permanece coordenando o CNPT até a entrada dos
recursos do Projeto RESEX do PPG-7, quando foi substituído por decisão do CNPT
de Brasília, por um outro engenheiro florestal do IBAMA, que até então, mantinha-
se contrário a proposta de Reserva Extrativista. Este novo coordenador
permaneceu na função até junho de 1998. A partir de então, o CNPT perde a sua
capacidade técnica, pois passa a ser coordenado por um fiscal do IBAMA de nível
médio e a equipe técnica contratada através do PNUD era composta de técnicos
de nível médio ainda inexperientes para o encaminhamento das propostas técnicas
necessárias a complexa viabilização econômica da reserva(informação verbal)58.
O enfraquecimento na capacidade técnica da gestão da reserva, foi
contrabalanceado por um fortalecimento da gestão política, pois o modelo de gestão
proposto é compartilhado entre o IBAMA e os moradores através da sua
representação política a ASTEX-CA (IBAMA,2006). O Projeto RESEX garantiu,
através de convênios, recursos financeiros para a capacitação dos dirigentes da
associação, através de cursos e treinamentos ligados aos aspectos gerenciais e
organizacionais; e, para serem administrados diretamente pela ASTEX-CA no seu
fortalecimento institucional, o que fortaleceu o aprendizado administrativo e
organizacional de seus gestores.
A parceria CNPT e ASTEX-CA procurou envolver as comunidades na
gestão através da estratégia de criação de núcleos de base, distribuídos nas

58
Wilson Menescal.(Ex-gerente do CNPT-IBAMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
323

principais comunidades das reserva. Esses núcleos discutiam as propostas dos


moradores para serem incluídos nos Planos Operativos Anuais (POAs) que eram
elaborados pela associação, para acessar os recursos do PPG-7(IBAMA, 2000?).
Segundo Raimundo Lima, presidente da ASTEX-CA, as dificuldades de
encaminhamento da gestão econômica na reserva, levou os moradores junto com o
CNPT a optar pela criação de duas cooperativas COOPERCA para o
beneficiamento do açaí e a COOPERALCA para o beneficiamento da castanha. E
devido às dificuldades de fazer uma boa gestão política e organizativa de toda a
reserva, em função da sua grande extensão, fez-se a opção de criar mais duas
associações AMAEX e ASSCAJARI, com as quais foi dividida a parte da co-gestão
que cabe aos moradores. A AMAEX foi contemplada com os recursos do Projeto
RESEX II, para o seu fortalecimento institucional, administrando-os diretamente
através de convênios, com o suporte técnico do CNPT (informação verbal)59.
Apesar da presença constante e do assessoramento do CNPT-AP e das
mudanças nos arranjos institucionais para melhorar a co-gestão, na avaliação do
técnico Marcio Matos, os problemas de gestão por parte dos moradores ainda são
as principais fragilidades da RESEX, pois na sua opinião, é difícil querer moldar
alguém para cumprir uma função diferente da que ele sempre executava, ou seja,
querer transformar um pequeno produtor agroextrativista em um grande
administrador de um dia para outro(informação verbal)60.

4.1.4.3 RDS Iratapuru

A Lei que cria a RDS Iratapuru estabelece que todos os atores sociais
envolvidos direta e indiretamente no processo de criação e implantação da RDS são
responsáveis pelo seu manejo e gerenciamento, em particular os moradores. Esses
manejo e gerenciamento deverão obedecer às diretrizes do planejamento
participativo, das ações integradas e da legitimidade do processo. Define também,
que a gestão deverá ser conduzida por Conselho Gestor constituído por um
representante da SEMA, do Instituto de Terras do Amapá (TERRAP), da Prefeitura

59
Raimundo Rodrigues de Lima(presidente da ASTEX-CA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Água Branca-AP, mai. 2006.
60
Marcio Matos.(Técnico agricola do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
324

Municipal de Laranjal do Jarí (PMLJ), da Câmara Municipal de Laranjal do Jarí e do


Ministério Público Estadual, e seis representantes de diferentes organizações de
extrativistas do Sul do Amapá.
A Lei também define que a SEMA será responsável pela coordenação do
Zoneamento Ambiental, do Plano de Manejo da Reserva e do Licenciamento
Ambiental competente, enquanto o TERRAP ficou responsável pela demarcação e
regularização da ocupação das terras e cadastro de moradores da RDS. Coube ao
Conselho Gestor a responsabilidade de todas as matérias pertinentes a RDS.
O Conselho Gestor foi criado em julho de 1999 através do Decreto No
1.777, tendo como representantes de instituições extrativistas do Sul do Amapá a
COMARU e a COMAJA. Em maio de 2000 o Conselho Gestor, denominado de
COGERIR publicou o seu Regimento Interno. A SEMA iniciou também nesse ano o
Zoneamento Ambiental da RDS, utilizando uma metodologia do Zoneamento
Participativo através de oficinas nas comunidades. Através do PPG7, iniciou-se em
2001 uma série de estudos necessários ao cumprimento da responsabilidade de
regularização da RDS.
BARBOSA(2001), observa que algumas coisas positivas estavam
acontecendo como os estudos necessários a regularização da RDS, porém ressalta
alguns problemas sérios como as dificuldades da socialização dos resultados da
reunião do COGERIR pelos representantes dos moradores, a falta de participação
de alguns representantes de órgãos públicos e o desconhecimento da comunidade
sobre a existência e o papel do COGERIR. Ressalta, a necessidade de um
compromisso maior como planejamento participativo e a gestão integrada que no
seu entender são os pilares da gestão da RDS.
Em 2006, segundo o gerente da RDS em Laranjal do Jarí, estava em pauta
uma reestruturação do COGERIR para se adequar à nova Lei do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação de 2000, que incorporou a figura da Reserva do
Desenvolvimento Sustentável na sua formatação (Informação verbal).
Na verdade, entendemos existirem muitas dificuldades para fazer funcionar
adequadamente os Conselhos Gestores, principalmente de entidades públicas,
quando não existe remuneração, pelo menos é o que tem ocorrido nas experiências
do Estado do Amapá.
325

4.1.5 As estatísticas da evolução institucional

A história mostra uma mobilização muito forte a partir década de 1980 no


Sul do Amapá, que culminou com a criação das unidades protegidas para o
agroextrativismo. Após a criação desses espaços houve um intenso trabalho das
organizações locais (sindicato, associações e cooperativistas) em conjunto com as
ONGs aliadas como IEA, WWF e KAS, para fortalecer as organizações existentes.
A pergunta que cabe é: quais os resultados desse esforço?
Quanto a participação nas organizações criadas, o Gráfico 2 mostra que
nos castanhais do Maracá e Cajari, entre 1993 a 2006 aumentou significativamente
a participação das famílias nas organizações existentes, como as Associações, as
Cooperativas e Sindicatos. Por outro lado, a utilização de cantinas comunitárias e a
participação nas comunidades de base vinculadas à igreja decaíram.
Os fatores que contribuem para explicar a falência do modelo de cantinas
comunitárias do começo da organização local estão vinculados à abertura de
estradas e o estabelecimento de linhas de transporte, o que permitiu o acesso das
famílias aos mercados de bens de consumo. Também, as dificuldades que as
organizações tiveram para administrar os recursos financeiros dessas cantinas, pela
exigência de uma contabilização e gestão dentro de uma racionalidade capitalista,
acabava significando a não cobrança de dívidas, desvalorização dos recursos pela
inflação, e impossibilidades de manter os estoques de mercadorias.
Quanto à queda da participação nas comunidades ligadas a igreja, é
possível que a abertura da estrada o acesso à televisão tenha oferecido as famílias
novas ocupações para os dias que eram utilizados para as reuniões religiosas,
sábados e domingos.

Participação em organizações comunitarias

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
Comunitaria

Comunidades
Cooperativa

Outra
Sindicato
Associação
Cantina

de base

Gráfico 2-Participação das famílias nas organizações comunitárias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
326

Quanto a evolução da participação das famílias em mutirão, apesar de se


vislumbrar graficamente uma tendência a melhoria no envolvimento das famílias
nessa forma de cooperação e ação coletiva (Gráficos 3 e 4), sobre o ponto de vista
estatístico, ela não é significativa a um intervalo de confiança de 95%. Porém os
dados servem para mostrar uma cooperação maior entre as famílias do Maracá e
Iratapuru que as famílias do Cajari em 2006. Um fator que pode explicar esse fato é
a maior dificuldade que os extrativistas têm para escoar suas produções de
castanha em função das diversas cachoeiras existentes tanto no Maracá como no
Iratapuru, coisa que não acontece na região do Cajari, que foi muito favorecida pela
estrada. Ou seja, estamos considerando que situações de maiores dificuldades
levam as pessoas a uma maior cooperação na região dos castanhais.

ANO
60,0%
1993 100,0% REGIÃO
2006 MARACA
CAJARI
50,0%
IRATAPURU

80,0%

40,0%
Porcentaje

Porcentaje

60,0%

30,0%
55,8% 100,0%
52,8%
87,5%
40,0%
43,1%
20,0%

33,8%
51,1%
20,0%
10,0%
31,1%
10,4% 17,8%
4,2% 12,5%
0,0%
0,0% … … …
NÃO TEM MUTIRÃO TEM, MAS NÃO PARTICIPA TEM E PARTICIPA NÃO TEM MUTIRÃO TEM, MAS NÃO PARTICIPA TEM E PARTICIPA

Gráfico 3-Evolução da participação em


Gráfico 4 - Participação em mutirão por
mutirão
região (2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Fonte: Pesquisas de Campo (2006).

As atividades organizativas junto às famílias no sentido de viabilização das


áreas protegidas trouxeram entidades novas e termos novos para a região. O
Gráfico 5 mostra como evoluiu o conhecimento da população em relação a esses
novos elementos que vão desempenhar um papel institucional importante na vida
local.
327

Conhecimento de termos institucionais

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%

is
ta A PT R
A
N
S se so
tiv A
M
C
N C C os U
IB IN P de
tra de
Ex ão
a i to ss
erv ire c e
D on
es C
R

Gráfico 5-Evolução do conhecimento de termos institucionais chaves para gestão


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Percebe-se graficamente que houve por parte das famílias dos castanheiros
do PAE e da RESEX, uma melhoria no conhecimento das principais entidades que
desempenham importantes papéis na viabilização dos espaços protegidos, assim
como dos termos chaves das discussões dessas organizações. Isto indica que de
certa forma houve uma presença e uma massificação desses termos e
organizações nos últimos 13 anos. Essas variações são significativas em um
intervalo de confiança de 95%.
Uma das questões importante e mais difícil de responder, diz respeito ao
volume de investimentos ocorridos nessas unidades protegidas nos últimos anos.
Os órgãos federais responsáveis no Amapá pela aplicação dos recursos como o
IBAMA e o INCRA, não formaram uma memória documental confiável, além de que
a maioria das informações disponíveis são evasivas e imprecisas. O controle das
associações e cooperativas é precário por não disporem de profissionais para
organizarem essas informações.
As informações disponíveis indicam que nesses anos ocorreram dois tipos
de investimentos nessas unidades: os recursos públicos estaduais, federais e
municipais e os recursos oriundos das ONGs como WWF e KAS. Os recursos
públicos foram aplicados em sua maioria no fomento e crédito a produção,
industrialização, escoamento da produção, transporte, habitação, etc. As ONGs
investiram mais na capacitação, estudos técnicos e manutenção das organizações
dos extrativistas.
Com base nos diversos relatórios e estudos técnico-científicos, entrevistas
328

com dirigentes das organizações e órgãos públicos, conseguimos fazer uma


estimativa dos valores investidos por famílias nessas áreas protegidas, dos
recursos aplicados através ou em parceria com os órgãos públicos responsáveis,
para fomentar a atividade agroextrativista. Na RDS Iratapuru foi onde ocorreu o
maior investimento por família: R$ 64.343,73; na RESEX Cajari, estimamos um
valor médio de R$ 3.798,45 por família e no PAE Maracá foi de R$ 3.735,00.
Reiteramos que são apenas estimativas; os valores podem ser bem maiores.
Como podemos perceber na RDS o valor médio por família foi
extremamente elevado em relação às outras áreas, pela quantidade pequena de
beneficiários da ação pública. Analisando pelo tamanho do investimento por
família, é de se esperar que os resultados alcançados sejam melhores que nas
outras duas áreas protegidas.
Quanto aos principais problemas que afetam aos moradores das áreas
protegidas, percebe-se no Gráfico 6 que houve mudanças nesses anos. Aumentou
o percentual das famílias que dizem não ter grandes problemas, que em 1993
representavam 35,2% e em 2006 cresceram para 67,7%. Quanto aos conflitos pela
terra que em 1993 era o prinicipal problema para 19,7% das famílias hoje continua
problema para 3,8% das unidades familiares; as dificuldades de acesso aos
castanhais que era considerado um problema para 16,6% das famílias, caiu para
12,8%; enquanto tornou-se problema para 6,1% a venda de castanhais, que em
1993 afetava 1,4% das famílias e a pesca irregular passou a ser um problema para
12,8% quando em 1993 era percebido como preocupação para 1,4%. Também caiu
o número dos que citavam outros problemas que não estavam no questionário, de
22,6% para 6,4%.
Quanto aos conflitos com vizinhos o Gráfico 8 mostra que não ocorreram
mudanças significativas; a maioria das famílias, cerca de 90% diz não ter problemas
com vizinhos. A invasão de roça por gado cresceu de um pouco mais de 1 % para
5,1% em contrapartida. Quanto a conflito com pessoas de fora, o Gráfico 7 mostra
que houve uma mudança significativa das famílias que não têm problemas com
pessoas de fora que em 1993 representava 84,5% passou para 96,2%. Ou seja, os
conflitos daquela época, principalmente com o projeto Jarí pela posse da terra,
deixaram de existir em 2006.
329

60,0%
ANO
1993
2006
50,0%

40,0%
Porcentaje

30,0%
57,7%

20,0%
35,2%

22,5%
10,0% 19,7%
15,5%
12,8% 12,8%

5,1% 6,4%
3,8% 4,2%
0,0% 1,4% 1,4% 1,3%
NÃO TEM CONFLITOS DE VENDA DE ACESSO AOS PESCA CAÇA IRREGLAR OUTRO
TERRA COLOCAÇÃO CASTANHAIS IRREGULAR

Gráfico 6-Principais problemas enfrentados pelas famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

ANO
100,0% 100,0%
1993 ANO
2006
1993
2006

80,0% 80,0%
Porcentaje

60,0%
Porcentaje

60,0%

96,2% 90,1% 88,6%


84,5% 40,0%
40,0%

20,0%
20,0%

9,9% 5,6% 2,5% 5,1% 2,8% 3,8%


0,0% 1,4%
1,4% 2,8% 1,4% 3,8%
0,0% … … … NÃO TEM CONFLITOS DE TERRAINVASÃO DE ROÇA POR PROBLEMAS DE
NÃO TEM PATRÃO MADEIREIRO OU MINERADORA OUTRO ANIMAIS RELACIONAMENTO
SERRARIA

Gráfico 7-Problemas com pessoas de fora Gráfico 8-Problema com vizinhos


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.1.6 Síntese da evolução institucional

A partir da organização das informações referentes à evolução institucional


nas três áreas protegidas, podemos chegar a algumas conclusões relacionadas à
forma como se deu a organização política das famílias, o papel dos aliados
externos, o perfil dos órgãos públicos responsáveis e os arranjos institucionais para
a gestão dessas áreas.
330

Os processos organizativos nasceram de forma diferente, nas regiões do


Jarí e Cajari, os conflitos com o Projeto Jarí e as dificuldades pelos baixos preços
dos produtos agroextrativistas motivaram uma organização das comunidades para
solucionar os seus problemas. No Maracá, o processo não surgiu como uma
demanda espontânea das famílias, mas como um movimento que vem de fora para
dentro. Como os processos foram diferentes, os resultados também serão
diferentes.
Enquanto no Jarí e Cajari, a proteção das áreas para o agroextrativismo é
visto pelas famílias como uma conquista das suas lutas, frente a um poderoso
inimigo, no Maracá a criação dos PAEs é fruto de um processo natural. Enquanto
no Jarí e Cajari, a criação de associações, cooperativas e sindicatos é tratada como
um mecanismo para novas conquistas, no Maracá, a criação da associação é
concebida como um mero ato burocrático para atender as exigências do INCRA.
Em síntese, a visão que se tem das organizações e da capacidade dos movimentos
organizados são completamente diferentes. Enquanto a auto-estima é elevada nas
outras regiões, no Maracá existe uma apatia que cresceu enormemente com a
quebra da confiança em algumas lideranças pelas suas ações descomprometidas
com o coletivo. Isto levou a um enfraquecimento no processo de construção do
capital social necessário para uma gestão eficiente do assentamento pelas famílias,
Isso mostra que os movimentos sociais acabam se fortalecendo na própria
luta. Como no Maracá não havia um inimigo declarado, não havia luta, nem porque
lutar, a valorização de um mecanismo importante da luta política, que é a
associação, acabou não acontecendo.
Da mesma forma, os arranjos institucionais e as formas de gestão das
áreas estruturaram-se diferentemente. A cultura institucional do IBAMA e SEMA é
totalmente diferente da cultura do INCRA. Nos órgãos ambientais, o discurso e a
preocupação com a questão ambiental e a necessidade do desenvolvimento
sustentável estão mais presentes, manifestando-se de uma forma mais efetiva
valores como participação, envolvimento comunitário fortalecimento das
organizações locais, cooperação etc. Mesmo que a capacitação técnica para
atender as necessidades das áreas não fosse a mais adequada, os conceitos
necessários a uma gestão segundo os princípios da sustentabilidade estiveram
presentes.
No caso do PAE Maracá, as coisas ocorreram de forma bem diferente. A
331

ação do INCRA foi na contramão da história do desenvolvimento sustentável. Não


se estimulou a participação da comunidade nos processos decisórios; a gestão foi
centralizada. Apenas no papel e no discurso compartilhou-se com a ATEXMA a
responsabilidade pela gestão, pois os meios para que isso acontecesse não foram
garantidos. Em vez de investimentos que levassem ao aprendizado da co-gestão,
observou-se arranjos institucionais que não estimulam a participação comunitária
prevalecendo práticas administrativas por imposições, falta de transparência,
principalmente nos critérios de seleção e no repasse dos benefícios aos
assentados, e as tentativas de jogar a responsabilidades nos fracassos do PAE a
incompetência administrativa da ATEXMA. O fato é que o órgão público não
cumpriu o mínimo que se esperava dele na viabilização do assentamento, que seria
a retirada dos latifúndios e empreendimentos em desacordo com as normas dos
PAEs antes de assinar com a associação o Contrato de Concessão de Direito Real
de Uso, o que por si só, coloca em risco a viabilidade do PAE Maracá a longo
prazo.
Em síntese, a cultura institucional demonstrada pelo INCRA na gestão do
PAE Maracá pouco contribui para implementar uma proposta de desenvolvimento
local sustentável, considerando as recomendações expressas na Agenda 21 e no
relatório CMMAD, onde a transparência na utilização dos recursos públicos, o
estímulo a participação popular na tomada de decisão o fortalecimento da
organização dos beneficiários são exigências fundamentais a serem seguidas na
gestão dos assentamentos humanos e na construção de uma agricultura
sustentável.
Quanto aos aliados das famílias agroextrativistas, as ONGs ambientalistas
como o IEA e a WWF tiveram um papel importante nesse processo. Hoje elas não
estão mais presentes como no início do processo, mas deixaram as suas
contribuição para o que existe em termos de organização política das famílias
agroextratvistas do Sul do Amapá. O projeto Homem e Natureza na Amazônia
gerenciado no início pelo IEA depois pelo REBRAF com recursos acima de um
milhão de dólares em cinco anos de atuação. Este projeto, se de um lado plantou
sementes que podem ajudar em uma retomada futura da organização política das
famílias do Maracá, por outro lado criou uma grande dependência de recursos
externos para o funcionamento da ATEXMA, que não foi suprida posteriormente
pelo INCRA, levando a associação a cair no controle de empresários madeireiros.
332

A WWF prestou uma grande contribuição a organização política das


famílias da RESEX, através do CNS, também criou na ASTEX-CA uma
dependência externa de recursos que conseguiu ser suprida pelo IBAMA,
permitindo que a mesma tivesse uma participação mais efetiva na gestão da
RESEX. A COMARU manteve-se a partir de convênios com o governo estadual e
através de ganhos nas atividades produtivas desenvolvidas no processamento da
castanha. As cooperativas mantêm-se através de ganhos no processamento da
castanha, no caso a COOPERALCA e a COOPERCA através de recursos públicos
e apoio da WWF.
Na verdade, faz-se necessário o compartilhamento dos custos da co-
gestão, pois as lideranças agroextrativistas são também camponeses que
trabalham com a família, e as atividades organizativas acarretam dificuldades na
reprodução das unidades familiares. Portanto o tempo de trabalho gasto na
organização política e na gestão das áreas protegidas precisa ser ressarcido as
suas unidades familiares através de ajuda de custo. Se esse ressarcimento não
pode ainda ser feito pela própria população agroextrativista, os órgãos públicos
responsáveis pelas áreas protegidas têm que garantir esses custos, como foi feito
na RESEX pelo CNPT, como uma forma de garantir um maior envolvimento das
populações extrativistas na gestão compartilhada.
Percebe na RESEX um aprendizado maior na co-gestão, onde se tem
procurado chegar a formas mais eficientes de gestão. Isto se deve também ao
papel que tem desenvolvido o CNPT para que as coisas ocorram dessa forma. Na
RDS, observa-se também um bom aprendizado, embora existam fatores que
favoreçam como o número reduzido de beneficiários. Por outro lado, o grande
volume de recursos aplicados por famílias, acaba trazendo soluções para os
problemas com custos financeiros maiores. O que significa, riscos maiores de
desperdícios de recursos.
Quanto as formas de organização das populações agroextrativistas,
percebe-se a existência de grandes dificuldades na atuação de entidades que foram
criadas como veículos para cooperação na luta por maiores ganhos no campo
econômico.
As cantinas comunitárias foram criadas como uma forma de superar o
aviamento que era oferecido pelos patrões, através do fornecimento de gêneros de
primeira necessidade, apesar da importância dada a essa forma de cooperação,
333

elas acabaram falindo pelas dificuldades de gestão, pois fazia-se necessário uma
postura mais rígida na cobrança das dividas para manter-se os estoques, e isso não
aconteceu, pela fragilidade dos mecanismos de cobrança das dividas, e as
dificuldades dos gestores dessas cantinas em adequar-se as exigências da
racionalidade e do cálculo capitalista. Ou seja, havia uma grande dificuldade de
compreensão do funcionamento dos mercados em uma época de grande inflação.
As cooperativas foram pensadas como a forma de organização capaz de
superar a figura do patrão através da prática cooperativa na organização da
produção extrativista. Apesar dos esforços dos aliados externos para garantir a
comercialização e o beneficiamento dos principais produtos extrativistas, essas
cooperativas não conseguiram estabelecer o dialogo entre a racionalidade
camponesa com a racionalidade capitalista. Apesar de terem desempenhado um
papel político muito importante para a população extrativista nas conquistas do
direito a terra, não conseguiram até então, superar o controle dos patrões sobre a
produção extrativista. As dificuldades de gestão eficiente, que é agravada pelo
baixo nível de escolaridade; a ação de algumas lideranças oportunistas nessas
atividades; e as estratégias dos patrões cooptando membros importantes das
comunidades, acabaram levando ao descrédito e enfraquecimento desse tipo de
organização.
Hoje, as ações das cooperativas, que foram pensadas para inovar a
organização da produção, tendem apenas a copiar com pequenas diferenças as
praticas dos patrões, ou seja, em cada safra funcionam na dependência de recursos
públicos ou privados captados em forma de empréstimo e doações, que são
aplicados na compra da produção dos cooperados e não cooperados. Esta é
beneficiada, comercializada, e todos os ganhos obtidos são consumidos sem
prestação de contas aos cooperados. Iniciando a nova safra com dividas, ou sem
capital de giro.
Uma outra prática que vem se observando nas cooperativas, quando tem
dificuldades de captar o capital de giro, é a da utilização das suas estruturas de
beneficiamento para vender seus serviços aos compradores de castanha, ou ainda
a pratica de intermediar a compra da produção para esses compradores. Ou seja,
essas organizações que foram pensadas como uma forma de superação dos
patrões, tornam-se pelas suas dificuldades em cumprir seus verdadeiros papéis, em
estruturas que reforçam o papel desses patrões, que conseguiram uma melhor
334

adaptação a nova realidade.

4.1.7 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução institucional

Foto 1 – RESEX Cajari: Fabrica para palmito de Foto 2 – RESEX Cajari: Fabrica de castanha
açaí gerenciada pela COOPERCA. dry gerenciada pela COOPERALCA.
Fonte: Pesquisa de Campo (2006) Fonte: Pesquisa de Campo (2007)

Foto 3 – RDS Iratapuru: Fabrica para óleo de Foto 4 – RDS Iratapuru: mutirão para resolver
castanha gerenciada pela COMARU. problema de energia elétrica.
Fonte: Pesquisa de Campo (2007) Fonte: Pesquisa de Campo (2006)

Foto 5 – PAE Maracá: Sede da ATEXMA. Foto 6 – Laranjal do Jarí: agroextrativistas do


Fonte: Pesquisa de Campo (2006) Maracá no III Encontro de Castanheiros.
Fonte: Pesquisa de Campo (2007)
335

4.2 A EVOLUÇÃO SOCIAL

4.2.1 A evolução do transporte e acesso as áreas protegidas

4.2.1.1 PAE Maracá

Os primeiros diagnósticos sobre o Maracá registram que o acesso as áreas


dos assentamentos era feito apenas por transportes fluviais, gastando-se 7 horas
do Porto de Santana em Macapá à foz do rio Maracá, ou 5 horas, quando partia-se
de Mazagão, em barcos motorizados movidos a óleo diesel. No interior do rio
Maracá essas embarcações gastavam de 1 a 4 horas de viagem para chegar as
principais comunidades do PAE Maracá I; 4 a 10 horas para atingir as comunidades
do Maracá II e mais 3 horas ao início do trecho de cachoeiras. A partir daí, o
acesso às áreas do denominado alto Maracá, ou ao Maracá III, só era possível por
batelões apropriados para subir e descer as cachoeiras, com motor de popa ou
remo, sendo que se gastava para chegar a localidade chamada Varador, tempo
superior a 12 horas de viagem, quando de motor de popa
(GEMAQUE,1988;DUBOIS1989).
Nesses anos, a Prefeitura de Mazagão mantinha um único barco
motorizado para atender as comunidades no transporte para Mazagão e Santana,
através de uma linha mensal. Frente a isso, a população local ficava quase que
totalmente dependente do transporte dos “patrões”, os compradores da produção.
Nos anos de 1990 a 1992, com a construção do trecho da BR 156 ligando
Rio Preto ao Laranjal do Jarí, modificam-se as condições de acesso e transporte
nos PAEs Maracá. A partir de então, poder-se-ia também chegar aos
assentamentos através de transportes terrestres. Havia em 1994, para o acesso até
a ponte do rio Maracá a 130 km de Macapá, uma linha diária de ônibus ida e volta
Macapá à Laranjal do Jarí, com parada obrigatória na Vila Maracá. Essa linha
funcionava apenas no verão, pois a estrada ficava intrafegável no período das
chuvas. Também havia uma linha de ônibus Mazagão à Vila Maracá funcionando
duas vezes na semana. Com a ligação por estrada ao rio Maracá, em 1994, já não
havia mais a linha regular de transporte fluvial para atender as famílias ao longo do
336

rio(LITTLE; FILOCREÃO,1994).
Observou-se também, em 1994, que os deslocamentos a Macapá eram
feitos preferencialmente através de barco a motor pelos moradores do PAE Maracá
I e setor Rio Preto, enquanto as famílias do PAE Maracá II preferiam utilizar ônibus
e caminhão. Já os moradores do Maracá III eram obrigados a combinar diversos
meios de transporte para se deslocarem às cidades.
Para o escoamento da produção agrícola havia, em 1994, um caminhão do
governo estadual que transportava produtores e produtos da Vila Maracá a Feira de
Agricultor de Macapá a cada quinze dias.
Quanto a propriedade do transporte da produção, o levantamento de 1994,
mostra que 39,8% das unidades familiares utilizava o transporte do governo, 20,3%
transporte próprio, no caso barco a motor ou canoa, 16,3% fazia uso dos
transportes de vizinhos, enquanto 4,0% servia-se do transporte do patrão para
escoar a produção (LITTLE;FILOCREÃO,1994). Esses dados mostram que o
surgimento de outras alternativas de transporte, levou a uma diminuição da
dependência das famílias aos transportes dos compradores da produção, “os
patrões”.
Em 2006, observamos a existência de 4 linhas diárias de ônibus com ida e
volta Macapá - Laranjal do Jarí. Todas as linhas têm parada obrigatória em Vila
Maracá, atendendo a população assentada nas suas necessidades de transporte
de passageiros e pequenas cargas. Quanto ao transporte para o escoamento da
produção agroextrativista, existe um caminhão do governo estadual com viagens
quinzenais para atender as comunidades do Maracá, levando a produção para a
Feira do Agricultor de Macapá. A Prefeitura Municipal de Mazagão mantém um
caminhão com duas linhas semanais para Mazagão, cobrando dos assentados um
valor de R$ 10,00 por passagem ida e volta (AMAPÁ,2005).
Quanto ao baixo rio Maracá, atualmente não existe transporte público
regular para atender aos moradores. Estes mantêm as suas relações comerciais
com Santana e Mazagão utilizando transporte fluvial próprio. As comunidades do
alto rio Maracá ou antigo Maracá III e as do Maracá II utilizam transporte próprio,
geralmente utilizando os chamados “rabetas” para transportar a produção agrícola
até a Vila do Maracá, de onde acessam os ônibus e caminhões que fazem o
transporte para Macapá, Mazagão ou Laranjal do Jarí. O transporte da produção
extrativista da castanha é feito pelos compradores na maioria dos casos. Este
337

transporte é realizado através do rio, em batelões com capacidade para 25


hectolitros, capazes de vencer as cachoeiras, impulsionados por motor de popa, e
da Vila do Maracá à Laranjal do Jarí através de caminhões que transportam até 150
hectolitros por viagem.

4.2.1.2 RESEX Cajari

Atualmente o acesso à Reserva Extrativista do Rio Cajari pode ser feito por
transporte fluvial através do rio Amazonas, ou por transporte rodoviário através da
BR 156. Em 1983, o acesso à área da atual RESEX Cajari era feito através de
transporte fluvial pelo rio Cajari chegando até a boca do Braço do Cajari. Para
chegar a Água Branca do Cajari, percorria-se mais 24 km de uma estrada de
serviço feita manualmente, gastando-se nos caminhões que deslocavam castanha
para a Boca do Braço do Cajari, cerca de 2 horas e meia a 3 horas. Na época em
que as águas estão grandes, no período da chuva, conseguia-se chegar em
embarcações pequenas até a Água Branca do Cajari através do igarapé Braço do
Cajari (FILOCREÃO, 1983).
A distância aproximada de Macapá a foz do rio Cajari é de 100 km, o que
equivale a aproximadamente 4 horas de voadeira com motor de popa de 25 HP e
pela estrada, a distância de Macapá ao limite da Reserva é de 163,7 km, e de
221,2 Km à Água Branca do Cajari, principal povoamento da RESEX no leito
rodoviário.
Em 1983, para chegar a foz do rio Cajari, vindo de Mazagão, gastava-se 3
horas de voadeira com motor de 25 HP e para atingir a Boca do Braço, mais 3
horas. Isto equivaleria a um mínimo de 12 horas de viagem em barcos com motor
de centro a diesel. O deslocamento entre as localidades existentes na RESEX, era
feito a pés, de burro, ou nos dois caminhões dos compradores de castanha que
existiam na região, que trafegavam em estradas de serviço feitas manualmente,
com péssimas condições de tráfego( FILOCREÃO,1983).
Em 1985, é registrada a existência de uma estrada de 52 km, ligando Água
Branca do Cajari a Cachoeira de Santo Antonio, que se encontrava em estado de
abandono, impossibilitando o tráfego de transporte rodoviário. Não havia ligação
rodoviária para a Vila de Laranjal do Jarí, que detinha uma população de 21.000
habitantes na vila e adjacências(SANTANA,1985). Em 1986, existe o registro da
338

existência de uma estrada ou ramal de serviço com 74 km ligando Cachoeira de


Santo Antonio a Vila de Laranjal do Jarí, passando por áreas que hoje fazem parte
da RESEX, sendo que essa estrada encontrava-se também em “estado
precário”(FILOCREÃO; JORGE; BOSQUES,1986?). Essas estradas, foram
construídas e utilizadas para transporte da castanha para o rio Jarí, e
posteriormente para as prospecções e controle da região pelo Projeto Jarí.
Em 1990, as povoações da RESEX que ficam próximo a comunidade de
Água Branca do Cajari são ligadas através de transporte rodoviário até a sede
municipal de Laranjal do Jarí, com a abertura de um ramal de pouco mais de 60 km
no interior da floresta. “Apesar dessa estrada se encontrar aberta, as suas
condições de conservação fazem com que o acesso a essa comunidade, de
transporte rodoviário, gaste de 3 a 4 horas”(FILOCREÃO, 1991,p.1). A partir de
então, é rompido definitivamente o isolamento em que grande parte dos
trabalhadores do extrativismo no alto Cajari vivia, em relação a cidade.
Com os trabalhos de construção da estrada BR-156 que liga Laranjal do
Jarí a Macapá, passando pelo interior da RESEX, pela comunidade de Água Branca
do Cajari, os moradores do alto e médio rio Cajari vão ter novas alternativas de
acesso a Macapá, através de transportes rodoviários, antes feitos apenas através
dos rios.
O acesso a transporte público de passageiros e produção para Macapá e
Santana, pelos moradores do Cajari vai iniciar antes da construção das estradas.
Segundo Sills(1991), a Associação Agrícola e Extrativista dos Trabalhadores Rurais
do Cajari recebeu um barco de 18 toneladas da Secretaria de Agricultura do Amapá
(SEAG) em regime de comodato, para o transporte da produção local a Macapá
com linhas quinzenais, que funcionaram até 1989, quando o barco foi abandonado.
Essas viagens para comercialização duravam 8 dias, 3 dias para ida, 3 dias
para a volta e 2 dias para a compra e venda. Também foi disponibilizado pela
Secretaria de Planejamento do Amapá (SEPLAN) em regime de comodato, um
barco de 9 toneladas para atender os moradores do rio Muriacá, afluente do rio
Cajari, no transporte da produção para a feira do agricultor de Macapá, com
viagens organizadas sem uma regularidade(Filocreão,1992).
Com a abertura da estrada para Laranjal do Jarí, em 1990, a prefeitura
municipal mantinha duas linhas semanais em caminhão, para atender aos
produtores do Cajari no escoamento da produção à sede municipal (Vila de Laranjal
339

do Jarí), esse transporte era gratuito (FILOCREÃO,1991).


Em 1993, por ocasião do cadastramento dos moradores da Reserva, foi
desenvolvida uma Pesquisa Sócio-econômica de caráter censitário, abrangendo as
622 famílias residentes, cujo relatório elaborado por Filocreão(1993) registra um
quadro situacional do quesito transporte, cujo principais aspectos podem ser
sintetizados:
.Para atender ao baixo e médio rio Cajari, a empresa Jarí alugou dois
"batelões" (barcos) para procederem ao escoamento da produção das famílias, com
freqüência de 15 em 15 dias, cobrindo o percurso compreendido entre as
localidades de Terra Vermelha à Aterro do Muriacá. Desta até a vila do Munguba,
no Pará -- onde se localiza a feira de produtores -- o transporte completa-se por via
terrestre, através de caminhão e ônibus, postos provisoriamente à disposição dos
produtores pela empresa Jarí.
.Por via terrestre, a rodovia BR-156 - que liga Macapá a Laranjal do Jarí -
dá acesso ao alto e parte do médio Cajari. Esta rodovia vinha sendo construída pela
empresa C.R. ALMEIDA -- a serviço do Governo do Estado do Amapá -- desde
1992, apresentando um leito cascalhado até as proximidades da Comunidade de
Água Branca, oferecendo boas condições de tráfego tanto no verão como na época
do inverno, até aquele local. Em termos de Reserva como um todo, o transporte
terrestre era extremamente prejudicado no período das chuvas (inverno) e o fluvial
era precário no período de estiagem (verão), devido a seca dos leitos de rios e
igarapés.
.Para viabilizar o escoamento dos produtos agroextrativistas, os moradores
próximo ao curso da estrada, continuavam recebendo apoio da Prefeitura de
Laranjal do Jarí, através da colocação -- duas vezes por semana -- de um caminhão
para o transporte entre Água Branca a sede do Município de Laranjal do Jarí. O
caminhão, que estava atendendo a um considerável contingente de moradores era
colocado à disposição com despesas custeadas pela Prefeitura de Laranjal do Jarí.
.Para o transporte de passageiros e pequenas cargas, existiam 02
empresas de ônibus que faziam linhas no trecho Macapá/Laranjal do Jarí. As
empresas de ônibus Estrela de Ouro e Cattani operavam com linhas regulares, com
freqüência diária de duas viagem, uma pela manhã e outra a tarde, para cada
empresa.
.Apesar de existirem ramais fazendo a ligação rodoviária entre as várias
340

localidades, muitos deles foram abertos com trabalho braçal em mutirões, não havia
transporte público para essas comunidades. Um desses ramais interligava a BR-
156 a Comunidade de Água Branca, outro à comunidade de Marinho, outro à Santa
Clara, Boa Esperança e Açaizal e o importante ramal ligando a Comunidade de
Boca do Braço a Água Branca permitindo mesmo que precariamente, a interligação
entre os transporte fluvial pelo Rio Cajari com o rodoviário, via BR-156. Esses
ramais existentes permitiam o acesso dos compradores à produção de castanha.
.Era evidente a problemática situação dos pequenos produtores da
Reserva pelas dificuldades enfrentadas para conseguirem escoar suas produções
agroextrativistas até as sedes dos Municípios de Laranjal do Jarí, Santana ou
Macapá, principais mercados compradores. Quando inquiridos sobre a
disponibilidade dos meios de transportes utilizados para escoar suas produções,
28%, dizia depender do Governo; 18% do vizinho; 18% de outros, enquanto 13%
valia-se de transporte próprio e 9% escoava suas produções em transporte de
propriedade de seus próprios patrões. Apenas 6% de um total de 622 famílias
entrevistadas diziam ter acesso a meios de transporte de propriedade da
comunidade. Estes dados refletem ainda o peso do transporte fluvial na reserva,
principalmente os moradores do baixo e médio Cajari, margem do Amazonas e rio
Ajuruxi, sem acesso a estradas.
.Quanto a suficiência e as principais dificuldades relacionadas ao
transporte, um percentual significativo da população (77%) afirmava que os meios
de transporte servindo a Reserva "não eram suficientes" e a principal dificuldade
era, exatamente, a "falta de transporte", opinião que chegava a ser compartilhada
por 76% dos moradores. Com taxas pouco significativas enumeravam outras
dificuldades: “as estradas ruins” apontada por 7% das famílias; outras causas
citadas por 5% dos entrevistados, enquanto 4% consideram a irregularidade nos
meios de transporte como uma dificuldade não desprezível. Apenas 2% referiram-
se a "preços muito caros" como um problema que configurava a precariedade do
setor transporte na RESEX.
Em 2006, vamos encontrar 4 linhas diárias de ônibus ida e volta Macapá-
Laranjal do Jarí. Todas as linhas têm parada obrigatória em Água Branca do Cajari,
atendendo a população assentada nas suas necessidades de transporte de
passageiros e pequenas cargas. Para o transporte da produção, segundo o
extensionista Antonio Nunes, existe o apoio da Secretaria de Agricultura do Estado
341

do Amapá com caminhões que atendem as comunidades a cada 15 dias com o


transporte da produção para a Feira do Agricultor de Macapá(informação verbal)61.
Para o baixo e médio Cajari, Silva(2003) registra que foi comprado um
barco a motor para o escoamento da produção agroextrativista das famílias
residentes naquela região, com recursos do Projeto RESEX na sua primeira fase.
Esse barco fazia o transporte da produção e das famílias para Santana. Por falta de
manutenção este transporte encontrava-se parado em um estaleiro de Santana.
Para suprir essa deficiência de transporte, o governo estadual alugou uma
embarcação para fazer o escoamento da produção no trecho da Boca do Braço do
Cajari ao porto de Santana.
Benjamin(2004) registra o apoio da prefeitura de Vitória do Jarí ao
escoamento da produção em transportes rodoviários (caminhões), do Aterro do
Muriacá a sede daquele município, nos dias de feira do Agricultor. Cita também a
existência de uma embarcação mantida pelo governo do estado fazendo o
transporte da produção para as feiras de Macapá e Santana, quinzenalmente.
Na pesquisa de campo em 2006, observamos que no baixo e médio Cajari,
ainda existe um barco alugado pelo governo para transporte da produção para
Santana a cada 15 dias, e que a prefeitura de Vitória do Jarí, continua a atender os
moradores com transporte da produção em caminhões, para as feiras de agricultor,
do Aterro do Muriacá até à sede municipal.
O transporte da produção extrativista da castanha é feito pelos
compradores na maioria dos casos. Este transporte é realizado através de
caminhões que transportam até 150 hectolitros por viagem, com destino a Laranjal
do Jarí, de onde embarcam para Belém.

4.2.1.3 RDS Iratapuru

O acesso a RDS Iratapuru saindo-se de Macapá, gasta 5 a 6 horas de


transporte rodoviário até Laranjal do Jarí numa distância de 275 Km de estrada não
pavimentada. Desta localidade a reserva, duas possibilidades de acesso são
utilizadas: uma por transporte fluvial e outra através da combinação de transportes
fluvial e rodoviário.

61
Antonio Nunes.(Extensionista do RURAP na RESEX ).Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Macapá, set.2006.
342

Na possibilidade feita por transporte fluvial até a Cachoeira de Santo


Antonio, gasta-se 3 horas de canoa motorizada a diesel ou 45 minutos de voadeira
com motor de popa de 25 HP. Ao chegar a cachoeira, tem que se fazer um percurso
a pés, de aproximadamente uma hora até um local denominado de Paiol, que serve
de porto, de onde se continua a viagem por mais uma hora de voadeira, até a
Comunidade de São Francisco, onde fica sediada a COMARU, cerca de 18 km rio
acima.
A segunda possibilidade é feita através de uma estrada de 43 km, de
propriedade do Projeto Jarí, ligando Monte Dourado ao Porto de Sabão, de onde se
vai de voadeira ou batelão com motor de popa até a Comunidade de São
Francisco, gastando-se cerca de 20 minutos de voadeira e 35 minutos de batelão
com motor de popa tipo rabeta.
Em 1991, a forma mais utilizada pelos extrativistas era a primeira devido a
dificuldades de transporte e a inconveniência de se utilizar uma estrada particular
do Projeto Jarí(FILOCREÃO, 1991). Atualmente tem-se utilizado a segunda opção
pela melhoria na oferta de transportes que podem ser alugado em Monte Dourado
ou em Laranjal do Jarí, e por ter encerrado os conflitos fundiários que existiam
entre os moradores e o Projeto Jarí, a partir da criação da RDS. Para fazer a
integração do transporte rodoviário com o fluvial, utiliza-se a radiofonia que mantém
comunicação entre Laranjal e a RDS, ou utiliza-se do disparo de rojões ao chegar
ao Porto do Sabão, para avisar aos moradores da necessidade de alguém ir buscar
o visitante no porto.
Em 2006, observou-se na pesquisa de campo que não existe linha regular
de transporte, ou transporte público para atender as necessidades de deslocamento
dos moradores, embora entre 1984-1985 havesse um caminhão da SEAG do
Amapá que atendia os moradores, e que depois foi retirado sem comunicação aos
beneficiários (FILOCREÃO, JORGE, BOSQUES, 1986?). Atualmente o aluguel de
uma camionete para transportar a produção a Monte Dourado custa R$ 130,00 e de
um carro passeio próximo de R$ 100,00. O transporte fluvial é feito por batelões ou
voadeiras de propriedade dos moradores ou da COMARU.
Para o transporte da produção de castanha dos castanhais até a Vila de
São Francisco, utilizam-se os batelões com capacidade para 30 barricas com motor
de popa, com o trabalho de no mínimo 3 homens, tendo em vista que se atravessa
23 corredeiras ou pequenas cachoeiras, sendo que em algumas delas tem-se que
343

descarregar e recarregar a carga para poder atravessá-las, carregando-se também


a embarcação, o que torna uma viajem custosa, gastando-se até 3 dias de viagens
aos castanhais mais distantes que chegam a 200 km de
navegação.(JPG,2000;BARBOSA, 2001; MORAES et al, 1999).
Essas dificuldades de acesso aos castanhais, algumas vezes, tornam o
custo de transporte superior a receita, criando dívidas para o castanheiro, conforme
observado no ano de 1988: quando o custo de transporte para 5 à 6 hectolitros de
castanha da foz até meio curso do rio Iratapuru em motor de 25 HP era de Cz$
5.000,00, enquanto o hectolitro era vendido a Cz$ 700,00 (MENEZES e
MORAES,1988). É evidente que essas dívidas eram e são importantes na
reprodução da relação de dominação existente entre o patrão comprador e o
castanheiro.
Quanto a posse do transporte, em 1999, 44,4% das famílias eram
proprietárias de canoas a remo, sendo que apenas 11,1% eram donos de canoas
motorizadas(SEMA,1999). Estes dados indicam que na ocasião da safra, os
compradores deveriam disponibilizar o transporte da produção de castanha.

4.2.1.4 As estatísticas da evolução do transporte

Os documentos consultados, as entrevistas e observações de campo


mostram grandes modificações nas estruturas de transporte e acesso as áreas
protegidas para o agroextrativismo. Como essas mudanças vêm atingindo as
unidades agroextrativistas que exploram os castanhais?
O Gráfico 9 mostra que sob o ponto de vista do tipo de transporte utilizado
para sair da região, não existem mudanças significativas. Caminhão e ônibus
continuam utilizados com maior freqüência pelas famílias. A mudança significativa
que aparece é em relação a outros tipos de transporte que aumentou para a
preferência acima de 20% da famílias. O Gráfico 11 mostra que o motor rabeta, a
voadeira e a motocicleta são novos tipos atualmente utilizados para sair fora da
região pelas famílias.
Para a circulação no interior das áreas protegidas ocorreram mudanças
significativas. As famílias reduziram a utilização dos burros para o transporte
interno e passaram a utilizar mais os ônibus, bicicletas e de forma muito significativa
outros tipos de transportes, chegando a valores acima de 40%, conforme mostram
344

os Gráficos 10 e 12. Um detalhamento desses outros tipos de transporte mostra que


no Maracá, passou-se a utilizar o rabeta como um tipo preferencial para o
deslocamento interno; na RDS do Iratapuru, a preferência foi exclusiva para a
voadeira; enquanto que na Reserva Cajari, além do rabeta, a motocicleta vem
crescendo de importância e surge também, embora de forma residual o carro
próprio, como uma possibilidade nova de transporte.
A grande novidade é a utilização significativa do motor rabeta, tanto pelas
famílias do Maracá como do Cajari. Essa nova opção pode ser um indicador de
melhoria de renda, é um transporte econômico e muito adequado para navegar nos
rios locais que possuem muito pau e pedras. Além de que, esse motor pode ser
utilizado também para acionar o catetu no beneficiamento da mandioca para
fabricação da farinha. A opção do Iratapuru que os dados apresentam é por um tipo
de transporte com custo elevado pelo alto consumo de gasolina e óleo lubrificante,
a voadeira ou catraia.
Quanto à suficiência dos transportes para produção, houve uma mudança
significativa na opinião das famílias entre 1993 a 2006, conforme podemos observar
no Gráfico 10, que mais de 80% da população considera a disponibilidade de
transporte para a produção como suficiente, contrastando com valores abaixo de
10% em 1993.

Transportes utilizados para fora da região

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
o s o oa or et
a s
hã bu rr ot ro
in ni Bu an m i cl ut
C c
am O
o
a Bi O
C rc
Ba

Gráfico 9-Variação nos tipos de transporte utilizado para sair da região(1993-2006)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
345

Transportes utilizados dentro da região

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
Caminhão

Canoa
Onibus

Outros
Burro

Barco a

Bicicleta

Suficiencia
(produção)
motor
Gráfico 10-Variação nos tipos de transporte utilizados na região e suficiência (1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

100,0% REGIÃO
MARACA REGIÃO
CAJARI
IRATAPURU 60,0% MARACA
CAJARI
80,0%
IRATAPURU
Porcentaje

60,0% 40,0%
Porcentaje

64,6%
85,4% 54,2%
40,0% 50,0% 50,0%
45,8%
66,7% 20,0%
62,5%

25,0%
20,0%
37,5%
33,3%

6,2%
0,0% … 2,1% … … 2,1% … … … … … …
12,5%

0,0% … 2,1% … … … …
A PE CARRO PARTICULAR MOTOCICLETA NÃO RABETA VOADEIRA
MOTOCICLETA NÃO RABETA VOADEIRA

Gráfico11-Outros tipos de transporte Gráfico 12-Outros tipos de transporte


utilizados para sair da região(2006) utilizado nos interior da região(2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo (2006).

Quanto à propriedade dos transportes utilizados para escoar a produção


não houve mudanças significativas entre 1993 a 2006 conforme observamos no
Gráfico 13. O governo continua como o principal provedor do serviço, atendendo
mais de 80% das famílias. Continua a existir um atendimento pelos compradores da
produção extrativista, “os patrões”, e um pequeno atendimento pelas Cooperativas.
Houve uma queda na utilização de transporte próprio para o escoamento da
produção aos mercados, nas regiões dos castanhais. Isso pode ser explicado pelo
fato de que no passado ao utilizar o rio, as famílias conseguiam em seus barcos
transportar seus produtos até os mercados de Santana e Mazagão. Hoje, o
escoamento é feito pelas estradas, que exige transporte mais caro que as canoas
motorizadas, em termos de investimento. As alternativas de transporte da própria
346

comunidade são residuais.


Também se observa no Gráfico 14 que houve uma mudança significativa
quanto ao destino da produção comercializada diretamente pelas famílias.
Aumentou a importância do mercado de Macapá para a venda direta da produção
pelos agroextrativistas enquanto Laranjal do Jarí perdeu a importância enquanto
mercado para essas famílias. Isso pode ser explicado pelo esforço do governo
estadual em manter a regularidade de transporte da produção para as feiras de
agricultores de Macapá.

100,0% 80,0% ANO


ANO
1993
1993 2006
2006

80,0%

60,0%
Porcentaje

Porcentaje

60,0%

40,0%
72,5%
40,0% 80,6%

63,6%
45,5% 47,3%
20,0%
20,0%

18,8%
15,2%
10,6% 8,7%
6,9% 4,5% 4,2% 4,5% 6,9% 5,5%
0,0% … 1,5% 1,4% 1,8%
0,0% …
PATRÃO VIZINHO GOVERNO COMUNIDADE PROPRIO OUTRO MAZAGÃO LARANJAL DO JARI SANTANA MACAPÁ

Gráfico 13-Propriedade do transporte para Gráfico 14-Variação no destino da produção


escoar a produção vendida diretamente pelas famílias
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Mudou também de forma significativa sob o ponto de vista da estatística, a


percepção que as famílias tinham dos problemas relativos ao transporte. Em 1993,
a falta de transporte era o principal problema para 72% das famílias. Em 2006, o
principal problema para essas famílias são as condições ruins das estradas,
segundo opinião de 62% das famílias consultadas, conforme gráfico 15.
347

80,0%
ANO
1993
2006

60,0%
Porcentaje

40,0%
72,9%

62,0%

20,0%

15,5% 14,3%
11,3%
5,7% 7,0%
4,3% 2,9% 4,2%
0,0%
FALTA DE IRREGULARIDADE PREÇO MUITO ESTRADA RUIM OUTRO
TRANSPORTE NO TRANSPORTE CARO

Gráfico 15-Principais dificuldades com o transporte


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.2.1.5 Síntese da evolução nos serviços de transporte

A abertura de estradas na Amazônia tem sido um fator que contribuiu para


a prática de atividades destruidoras das formas de vida tradicionais, através do
crescimento da pressão sobre os recursos naturais, favorecendo os agentes da
racionalidade capitalista como fazendeiros, empresários rurais, especuladores,
comerciantes, etc., provocando a exclusão, marginalização e expulsão das
populações camponesas tradicionais, cujo exemplo emblemático é o Sul do Pará,
onde ocorreu a devastação dos tradicionais castanhais para a instalação das
grandes fazendas.
No Amapá, a abertura da estrada BR 156 ligando Laranjal do Jarí a Macapá
foi e continua sendo um fator indutor de grandes transformações sócio-ambientais
na sua região Sul. Por enquanto, os resultados não têm sido tão drásticos como o
ocorrido no Sul do Pará e em outras regiões da Amazônia, pois a criação das
unidades protegidas, de certa forma, reduziu o caráter devastador do fator estrada
na pressão sobre os recursos naturais, embora os riscos sempre estejam
presentes, pois existe uma disputa entre as racionalidades camponesas e
capitalistas mediadas por arranjos institucionais em que a preocupação ambiental
parece manter-se presente. Embora na prática percebe-se grandes fragilidades,
como no caso da gestão do PAE Maracá.
A abertura da estrada ligando Laranjal do Jarí a Macapá contribuiu para a
integração do Sul do Amapá a política administrativa estadual, permitindo que a
348

região fosse atendida pelas políticas públicas do governo amapaense. Isto criou as
possibilidades de um melhor acesso da população as políticas de transporte e
fomento da produção agroextrativista, assistência técnica, educação, etc.,
possibilitando com que a população chegasse mais fácil a capital do estado
(Macapá) e sedes municipais (Mazagão, Laranjal e Vitória do Jarí), permitindo
maiores cobranças sobre os gestores públicos de suas ações, até então ausentes
na região.
O contato facilitado da população com as cidades garantiu um maior acesso
as informações importantes para a vida local, como os preços dos produtos
agroextrativistas, direitos sociais básicos, novas tecnologias, etc. Permitiu uma
expansão nas suas relações sociais e políticas. E um acesso mais fácil aos bens
consumidos, barateando os custos da reprodução material das famílias.
Da mesma forma, a melhoria nas condições de transporte entre a capital e
as sedes municipais vai permitir o acesso à região de novos agentes econômicos,
abrindo a possibilidade de novos negócios com as populações, e estabelecendo um
processo de concorrência na compra da produção local extrativista. Isto significou
possibilidades de melhoria dos preços, e a completa monetarização do mercado da
castanha, onde antes as transações eram feitas na base de troca entre mercadorias
sem a utilização do dinheiro. Hoje, quando existe adiantamento, este é feito
predominantemente em dinheiro.
Sobre o ponto de vista da produção agroextrativista, as políticas de
escoamento da produção contribuíram para a consolidação nas unidades
familiares, de uma agricultura com pequena produção de excedentes, que tem
desempenhado um papel fundamental na capacidade de resistência as crise de
quedas de preço da castanha, pelas famílias. Percebe-se que a comercialização da
produção agrícola é feita diretamente ao consumidor nas feiras de produtores em
Macapá, enquanto, a produção extrativista da castanha é entregue aos
compradores que vão buscar nas colocações ou em pontos que seja possível de
transportar através de transporte rodoviário. O Maracá é uma exceção, onde os
compradores responsabilizam-se pelo transporte rodoviário e fluvial.
A abertura da estrada trouxe benefícios diferenciados para as famílias
agroextrativistas que exploram os castanhais. Na RESEX, a estrada cortou o
maciço dos castanhais, o que significou uma grande redução nos custos de coleta.
No PAE e RDS não ocorreram ou foram diminutos os impactos na queda desses
349

custos, pois, as famílias enfrentam grandes quantidades de cachoeiras,


encarecendo sobremaneira a atividade de coleta. Os custos são maiores no
Iratapuru, onde o transporte da produção é feito por voadeiras e batelões com
motores de grande potência com maior consumo de combustível. Este aspecto traz,
evidentemente, resultados também diferenciados sob o ponto de vista dos ganhos
econômicos das famílias.
A abertura da estrada e a melhoria da renda permitiram as famílias a
utilizarem na região novos tipos de transporte como bicicletas, motocicletas, carro
próprio, e os rabetas e voadeiras para o transporte fluvial. Os burros, que
desempenharam um papel importante no passado, estão sendo aposentados nesse
transporte interno das famílias.
A estrutura que dá suporte ao mercado da castanha passa, também, por
modificações profundas. Antes da abertura da estrada, o transporte externo para os
portos de Santana em Macapá ou Belém era feito por grandes barcos que recebiam
a produção nos embarcadouros da Boca do Braço do Cajari na RESEX, onde havia
dois grandes armazéns para a produção e na localidade denominada Central do
Maracá onde foram construídos armazéns para comércio e depósito da castanha,
no PAE. O transporte interno até os barcos era feito por burros ou canoas até os
pontos de embarque dos caminhões existentes que completavam o transporte, ou
diretamente aos referidos embarcadouros.
Atualmente, o transporte é feito de caminhões que embarcam a produção
nos armazéns existentes na Vila Maracá e em Água Branca e em depósitos
improvisados nas margens das estradas, para transportar a Laranjal do Jarí, de
onde, através de balsas a produção de castanha processada pelas Cooperativas e
“in natura” são transportadas para Belém. Para isso foram construídos grandes
armazéns em Laranjal do Jarí, e as estruturas de beneficiamento da COMAJA. O
transporte dos castanhais para os pontos de embarque nos caminhões é feito por
camionetas tracionadas, tratores, batelões impulsionados por motores rabetas,
voadeiras e alguns burros que ainda existem na região.
Se a abertura da estrada trouxe uma série de mudanças consideradas
positivas pelas famílias, podemos observar também grandes mudanças que podem
tornar-se negativas, se não forem adequadamente administradas.
A primeira é que a abertura da estrada facilitou o acesso de caçadores,
pescadores e coletores vindo de fora, aumentando a pressão sobre os recursos
350

naturais e estabelecendo situações de conflitos socioambientais. Na RESEX e na


RDS as famílias têm tido as condições para enfrentar em situações favoráveis
esses conflitos pelo forte apoio encontrados nos órgãos públicos co-gestores, o que
não vem ocorrendo no PAE Maracá.
A segunda é que existe um processo de urbanização nessas unidades
estimulado pelos governos na medida em que concentram suas atividades nas
localidades maiores. Assim, no encontro entre o rio Maracá e a estrada BR 156, foi
criada pela prefeitura de Mazagão uma Vila que vem crescendo em ritmo acelerado
através do deslocamento das famílias das suas colocações distribuídas ao longo do
rio, em busca de melhor atendimento dos serviços públicos. Em contrapartida a vida
econômica e cultural existente ao longo do rio decaiu levando a situação de
abandono povoações que foram outrora importantes, como Central do Maracá. Na
RESEX, esse processo se observa em Água Branca do Cajari com o deslocamento
de famílias de povoações menores, levando a decadência de vilas como Santarém
e Acampamento, por exemplo. Na RDS, a população vai se concentrando na Vila
de São Francisco onde foram construídas as infra-estruturas para o beneficiamento
da castanha. O esvaziamento das pequenas vilas, abre espaço para a ação
predatória de pessoas de fora sobre os recursos naturais, além de se criar a
necessidade de busca de alternativas de ocupação para a população de jovens que
aumenta, e os novos problemas de natureza urbana que são criados nesses
conglomerados populacionais que se desenvolvem rapidamente.

4.2.2 Evolução da infraestrutura habitacional

4.2.2.1 PAE Maracá

Os diagnósticos elaborados por Gemaque(1988) e Dubois(1989) dão um


quadro da situação habitacional encontrada na região quando da criação dos
PAEs, As casas eram construídas de madeira com “cobertura mista”. Pelo que
podemos entender, existiam casas cobertas com palha de palmeiras, e algumas
com telhas de amianto. As casas em melhores situações localizavam-se no PAE
Maracá II, ou mais precisamente na localidade denominada de Central do Maracá,
enquanto no PAE Maracá III as casas eram todas cobertas de palha de palmeiras.
351

Na pesquisa de 1994 com as 400 famílias que habitavam os PAEs foi


registrado que:

Nos PAEs Maracá, a maioria das famílias construíram suas


residências nas margens dos rios e igarapés, utilizando os materiais
existentes na própria região, como a madeira e a palha de palmeiras.
Em alguns locais foram se concentrando moradores, com o aumento
das famílias e formando os vilarejos, geralmente próximo a alguma
casa comercial destinada a comprar a produção, ou a periferia de
serrarias que retiravam a madeira da região. Em alguns vilarejos
destes foram construídas as escolas do governo e as igrejas,
utilizando materiais de construção geralmente trazidos de fora da
região, como tábuas plainadas e telhas de amianto(LITTLE;
FILOCREÃO, 1994, p.49).

Quanto ao tamanho das casas, a pesquisa de 1994, indicou que as casas


eram pequenas, sendo que haviam 8,8% das residências com tamanho inferior a
20m2 de área construída e 60,5% tinha áreas entre 20-40 m2. Em função do
tamanho pequeno das moradias, o número de cômodos também era pequeno,
sendo que 39,5% possuíam 1 ou 2 cômodos, 41,5 % com 3 cômodos, enquanto
apenas 19% possuíam 4 ou mais cômodos. Dessas habitações, 14 % não tinham
paredes, apenas o piso e a cobertura, sendo que a maioria, 54,8%, possuía as
paredes de tábua bruta, sem pintura e apenas 6,8% das residências tinham as
paredes pintadas. Quanto ao piso, 88,8% das moradias possuíam piso de tábuas
sendo que apenas 1,5% delas possuíam piso de cimento, enquanto 2,3 % tinham
piso de chão batido(LITTLE; FILOCREÃO, 1994).
Quanto aos retiros, locais onde os assentados habitam durante a safra da
castanha, próximo aos castanhais, eram cabanas rústicas geralmente de chão
batido, com paredes de madeira enfileirada ou palha com cobertura de palha
trançada.
Em 1992, a Prefeitura Municipal de Mazagão resolve construir nas
proximidades do trecho onde a estrada BR 156 cortou o rio Maracá, uma vila com
70 casas projetadas para assentar famílias. Esse local passou a ser denominada
de Vila Maracá, cujo projeto não foi concretizado em sua plenitude. Em 1994,
havia 40 casas construídas, habitadas na sua maioria por moradores do rio Maracá.
Em 2005, essa vila conta com uma população de “aproximadamente mil pessoas”
segundo os dados do RURAP(AMAPÁ, 2005). Em 2007 foram contabilizados 169
domicílios na vila sendo 155 casas residenciais (RIBEIRO,2007).
Atualmente, a Vila Maracá, além de concentrar as moradias das famílias do
352

PAE, tem concentrado as instituições públicas e seus serviços:

A vila [Vila Maracá] conta com a melhor infraestrutura de todas as


comunidades do PAE, com a presença de diferentes instituições
estaduais e municipais: Batalhão Ambiental, RURAP, Posto de
Saúde, Escola Estadual, Escola Municipal, Escola Família e CAESA.
É a única comunidade que possui água tratada de poço artesiano,
coletando do segundo lençol freático. Também tem o único telefone
fixo do assentamento, é um aparelho público com elevada demanda
de uso (AMAPÁ,2005,p.21).

A partir de 1996, algumas famílias do assentamento acessaram o crédito


habitação do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Segundo o
documento INCRA (2004), de 1996 à 2004, 169 famílias receberam créditos para
melhoria da moradia. Este crédito provocou uma melhora aparente nas condições
de habitação das famílias, sendo que os principais ganhos, deram-se pela
ampliação do tamanho das casas, utilização de madeira beneficiada nas paredes e
pisos, o uso de telhas de amianto para a cobertura e algumas passaram a utilizar
piso de cimento. Várias famílias aproveitaram o crédito para construírem as suas
residências na Vila Maracá, que apresenta uma melhor infra-estrutura de transporte,
educação e saúde. Os registros fotográficos mostram no PAE Maracá o perfil de
casas financiadas pelo crédito habitação do PNRA na Vila Maracá.

4.2.2.2 RESEX Cajari

Os trabalhadores, que vieram para a região do Jarí e Cajari para trabalhar


no extrativismo, concentravam-se com as suas famílias em vilas que se formaram
próximas às filiais da empresa extrativista. Nesses locais faziam as suas casas com
o auxílio da empresa, que lhes fornecia o transporte para a madeira e, às vezes,
lhes vendia o material necessário. Alguns trabalhadores moravam em casas já
construídas pela empresa e ficavam responsáveis pela manutenção das mesmas,
que eram geralmente de madeira, cobertas com telhas (FILOCREÃO,1992).
Após a entrada do Projeto Jarí, e o abandono das estruturas montadas para
atender à produção extrativista, as famílias que ficaram nas comunidades,
continuaram morando nessas residências e zelando por elas por mais de 20 anos.
Essa circunstância, no entender desses trabalhadores, lhes daria certo direito de
propriedade, já que parte do material da construção foi comprada por eles, e ainda
assim, com o tempo, as paredes originais das casas desgastaram-se e foram por
353

eles substituídas. Isto era motivo de conflito com o Projeto Jarí, que se considerava
também dono de muitas casas em que moravam os trabalhadores extrativistas.
Excluindo as casas construídas na época da empresa extrativista,
construídas em madeira, assoalhadas e cobertas com telhas de barro ou amianto,
as demais, na sua maioria, eram construídas de madeira e coberta de palha, com
dimensões menores que 50 metros quadrados. Sendo que:

Além das casas nas vilas, para se abrigarem durante os dias que
passam na floresta coletando castanha, os trabalhadores constroem
‘retiros’ próximos aos castanhais, principalmente naqueles mais
distantes das vilas (FILOCREÃO,1992, p.84).

Na pesquisa sócio-econômica de 1993, verificou-se que das 622 famílias


moradoras da RESEX, 57% residiam em casas com dimensão entre 20 a 40 m2 ;
18% em casas com 41 a 60 m2; 7% em casas entre 61 à 80 m2 , enquanto nos
extremos, ou seja até 20 metros quadrado ou acima de 80 metros quadrado vamos
encontrar 6% respectivamente. Como a maioria das casas eram pequenas, o
número de cômodos também era reduzido. Vamos encontrar 15% das moradias
com apenas um cômodo, a maioria, ou seja 58% com 2 ou 3 cômodos, enquanto
vamos ter 26% com 4 ou mais cômodos.
Dessas habitações, 7% não tinham paredes, apenas o piso e a cobertura, e
4% possuíam paredes de palha, 4% de pau-a-pique e 11% de madeira bruta. Já a
maioria, 64%, possuía as paredes de tábua bruta, sem pintura e apenas 9% das
residências tinham as paredes pintadas. Quanto ao piso, 89% das moradias
possuíam piso de tábuas sendo que apenas 1% delas possuía piso de cimento,
enquanto 2% tinham piso de chão batido e 7% de jussara ( FILOCREÃO, 1993).
Quanto aos retiros, locais onde os assentados habitam durante a safra da
castanha, próximo aos castanhais, eram cabanas rústicas geralmente de chão
batido ou jussara, com paredes de madeira enfileirada ou palha trançada com
cobertura de palha.
Oito anos depois, em pesquisa realizada envolvendo uma amostra de 63
famílias das comunidades representativas do macro ambiente de terra firme da
reserva extrativista, nas áreas de castanhais, Kouri et al(2002) registram os
seguintes aspectos ligados a habitação:

[..]o tipo de habitação da área em estudo segue, basicamente, o


padrão regional com predominância de paredes e piso em madeira
(90,2% e 87,8%, respectivamente), diferenciando-se apenas no tipo
354

de cobertura sendo que 14,6% das casas têm cobertura de palha,


82,9% de telha de amianto e 2,4% de cavaco(KOURI et al, 2002, não
paginado).

Nesta pesquisa, foi registrado que 9,8% das moradias já utilizam cimento
na construção do piso. Nas áreas do baixo e médio rio Cajari, onde predomina o
ambiente de várzeas, Dertoni(1999) observa:

A maioria das casas é de madeira, com assoalho de tábua e


cobertura de palha ou telhas de amianto. Para evitar as águas na
época das chuvas, as casas são erguidas como palafitas, isto é,
levantadas do chão, sendo ligadas entre si por pequenas pontes de
madeira(DERTONI, 1999, p.8).

Esses registros já indicam uma tendência de investimentos das famílias na


melhoria das habitações. Alguns fatores contribuíram para isso, como: o acesso da
população aos mercados da cidade pela melhoria das condições de transporte; a
garantia do direito a terra, já que antes o Projeto Jarí não permitia investimentos na
melhoria das moradias dos posseiros; além de um possível aumento da renda
familiar pelas novas possibilidades de mercado que a abertura da estrada
proporcionou.
Em 2005, é registrado por Picanço(2005) um novo fator que vai ter um
papel importante na melhoria das condições de habitação na Reserva:

No tocante, especificamente, ao campo federal, além da ação do


IBAMA/CNPT já retratada, mais um agente público passou a atuar na
área mais recentemente, trata-se do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que reconheceu através da
Portaria INCRA/SR – 21/N° 001/2003, de 03 de junho de 2003
(Anexo 3), a RESEX do Rio Cajari como um instrumento de reforma
agrária, possibilitando aos trabalhadores agroextrativistas do Cajari,
poder acessar as linhas de crédito gerenciadas e oferecidas por esse
Instituto. Segundo informações levantadas junto ao INCRA e
corroborada por lideranças da RESEX, numa fase inicial serão 450
famílias beneficiadas diretamente com crédito para construção e/ou
melhoria de suas casas(PICANÇO, 2005, p.143-144)

Esse fator vai ser também avaliado como muito positivo pelo Relatório de
Avaliação Final do RESEX, IBAMA(2006):

Mas o salto mais importante está sendo dado nos últimos meses,
com o acesso das famílias das RESEX aos financiamentos do
Crédito Habitação, do Programa Nacional de Reforma Agrária
(recursos do INCRA / MDA).A grande maioria das famílias estão
sendo beneficiadas com financiamentos de R$ 5.000,00 para a
construção ou reforma de suas moradias. Estes recursos estão
sendo gerenciados pelas próprias associações, em convênio com o
INCRA. Já foram concedidos, nas quatro Reservas, mais de 2.900
355

financiamentos (parte das residências já está concluída). O restante


das famílias está com o pedido em análise no INCRA ou em fase de
cadastramento nos sistemas deste órgão (SIPRA)(IBAMA, 2006,
p.30).

Neste relatório foi registrado o atendimento de 617 famílias da RESEX


Cajari, de um universo de 1050 já cadastradas pelo INCRA em uma base de 1650
famílias existentes nesta unidade de conservação. Para o IBAMA:

Além de melhorar as condições de moradia, este programa tem


impactos positivos na situação sanitária e, por conseguinte, na saúde
das famílias e deverá também reduzir, a longo prazo, o tempo e os
recursos necessários para a manutenção das residências (maior
longevidade da madeira pintada e dos telhados em
“Brasilit”(IBAMA,2006 p.30).

4.2.2.3 RDS Iratapuru

A comunidade de São Francisco, na foz do rio Iratapuru, nasceu em 1969,


quando o senhor Luiz Ferreira Pantoja, o mais antigo morador da área exercia o
papel de gerente da AMPEX, a empresa que controlava a produção e
comercialização da castanha na região através de arrendamento do Projeto Jarí.
No período da AMPEX, que durou de 1969 à 1973, quase 70 famílias chegaram a
morar na área.
Com a saída da AMPEX da região, a estrutura existente que atendia a
produção e comercialização da castanha deixou de existir, ficando um prejuízo
financeiro aos moradores, pelo não cumprimento dos acordos assumidos. Isso
levou ao esvaziamento da área: em 1986, havia um pouco mais de 20 famílias
morando dispersas ao longo dos rios Jarí e Iratapuru, sendo que em 1988 apenas
seis famílias continuavam morando na região(FILOCREÃO, JORGE e BOSQUES,
1986?; MENEZES e MORAES, 1988).
Uma pesquisa sócio-econômica realizada em 1999, atingindo as 27
famílias residentes na RDS, mostra que:

Com relação a habitação, a grande maioria (40,8%) da comunidade


não possuem casa própria, moram em casas cedidas, alugadas ou
com parentes, o restante, 37,0% possuem casas de madeira coberta
com palha e 22,2% possuem casa de madeira coberta com telhas, as
casas normalmente não possuem divisórias, sendo apenas um único
cômodo(SEMA,1999, p.9).

Em 2001, já se observam casas com 2 e três cômodos e com pisos de


356

alvenaria, embora em número reduzido. As telhas utilizadas são de amianto, devido


a maior facilidade no transporte, e a utilização é justificada por fatores econômicos:
cobertura de palha tem que ser renovada a cada dois anos, enquanto a telha de
amianto tem grande durabilidade e o preço é acessível. Os moradores que não
investem na melhoria da moradia, alegam à transitoriedade, tendo em vista que
com a construção da hidroelétrica de Santo Antonio pelo Projeto Jarí, a região será
inundada e a empresa irá construir casas para os moradores em outro local
(RIBEIRO,2001).
Em 1999, o abastecimento de água é totalmente retirado dos cursos de
água da região sendo que 66,7% das famílias dizem tratar a água com hipoclorito.
Com relação aos dejetos sanitários, 74,1% das residências não utilizam fossas, e
25,9% utilizam uma única fossa negra existente na comunidade. O lixo de 85,5%
das residências era jogado no mato e 18,5% incinerado (SEMA,1999).
Com a construção de uma fábrica de biscoito, foi instalado um sistema de
tratamento de água com captação feita do rio e dependente do gerador de energia
elétrica. Em 2006, as bombas do sistema de tratamento estavam danificadas, com a
população abastecendo-se novamente do rio.
A construção da sede da COMARU, fábrica de beneficiamento da castanha
e escola na foz do rio Iratapuru, estimulou o processo de concentração das
moradias, na medida em que tem um gerador de energia que garante algumas
horas de iluminação elétrica aos moradores e uma estação de tratamento de água,
fornecendo água tratada, durante o período de processamento da castanha.
Em 2000, segundo o diagnóstico elaborado para a empresa Natura, haviam
37 famílias abrigadas na RDS, sendo que 32 eram filiadas a COMARU. Dessas
famílias, 18 estavam residindo na Vila de São Francisco enquanto 19 famílias
mantinham suas residências em locais isolados ao longo do rios Iratapuru e
Jarí(JGP, 2000).
Além das habitações permanentes, existem os retiros, locais onde os
assentados habitam durante a safra da castanha, próximo aos castanhais. São
cabanas rústicas, provisórias, construídas a cada safra, geralmente de chão batido
com cobertura de lona plástica.
357

4.2.2.4 As estatísticas da evolução na qualidade habitacional

Os dados mostram que houve uma melhoria significativa nas condições de


moradia das famílias que exploram os castanhais do Maracá e do Cajari. O número
de cômodos nas residências aumentou, passando a maioria das famílias a possuir
4 cômodos nas suas casas, quando em 1993 o número era de 3 . Da mesma forma
reduziu-se sensivelmente o número de moradias com apenas 1 cômodo, conforme
se pode observar no Gráfico 16. Houve um aumento na área média construída que
passou de 40 metros quadrados para valores de 54,3 metros quadrados no Cajari e
71 metros quadrados no Maracá (Gráfico 17).

ANO
60,0% 80 ANO
1993
2006 1993
2006

Media QUAL O TAMANHO DA SUA CASA ?


50,0%

60

40,0%
Porcentaje

30,0% 40
55,6%
71,9

20,0% 54,3 53
33,8%

28,2% 20 40 40

10,0%
13,9% 12,5%
11,3% 11,3% 11,3%
9,7% 8,3%

0,0% 1,4% … … 1,4% … 1,4%


0
1 2 3 4 5 6 7 8 MARACA CAJARI IRATAPURU

Gráfico 16-Evolução no número de cômodos das Gráfico 17-Variação na área média das
habitações(1993-2006) casas(1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

As casas sem paredes reduziram, embora não tenham ocorrido mudanças


significativas nos tipos de parede, predominando a utilização de tábua. Na
construção dos pisos das casas, ocorreram mudanças significativas onde a
utilização da jussara foi reduzida e podemos observar o crescimento na utilização
do cimento(Gráfico 19).
Verifica-se também que nas moradias houve melhorias significativas nos
destino dos dejetos sanitários, onde em 1993, quase 60% das residências não
dispunham de sanitários e em 2006 caiu para menos de 20%, aumentando as
casas que utilizam fossa negra de 40% para 62% e 18% das famílias entrevistadas
já utilizam fossa séptica. O Gráfico 21 mostra que as famílias vêm tendo
preocupação com o lixo domiciliar, diminuindo significativamente o número das que
não faziam nada e aumentando o número das que queima, enterram ou utilizam o
358

lixo como adubo.


ANO
60,0% 100,0%
ANO 1993
1993 2006
2006
50,0%
80,0%

40,0%
Porcentaje

Porcentaje
60,0%

30,0%
58,3% 56,3%
91,7%
40,0%
20,0%
63,4%

22,5%
10,0% 20,0%
18,3% 36,6%
12,5% 12,5%
9,7%
6,9%
2,8%
0,0% …
6,9%
NÃO TEM PAU A MADEIRA BRUTA TÁBUA MADEIRA 0,0% … 1,4%
PAREDES PIQUE/TAIPA PINTADA JUSSARA TÁBUA CIMENTO

Gráfico 18-Variação no tipo de parede das Gráfico 19-Variação no tipo de piso das
moradias(1993-2006) residências (1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

ANO 100,0%
1993 ANO
2006 1993
60,0%
2006

80,0%
Porcentaje

Porcentaje

40,0% 60,0%

59,7% 62,0%
40,0% 81,7%

65,3%
20,0% 40,3%

20,0%
19,7% 18,3% 29,2%

11,3%
0,0% … 2,8% 5,6% 4,2%
0,0% …
NÃO TEM FOSSA NEGRA FOSSA SÉPTICA
NÃO FAZ NADA QUEIMA ENTERRA USA COMO ADUBO

Gráfico 20-Evolução no depósito de dejetos Gráfico 21-Variação no destino do lixo


sanitários das famílias(1993-2006) domiciliar pelas famílias(1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006)

Quanto ao abastecimento de água para o consumo das famílias, verifica-se


no Gráfico 22 que reduziu de 72% para 36% o número de famílias que utilizavam
diretamente a água do rio sem qualquer tratamento. Aumentando também a
utilização de poços amazônidas e fornecimento de água encanada oriunda de
bombeamento.
359

80,0%
ANO
1993
2006

60,0%
Porcentaje

40,0%
72,2%

20,0%
35,2%
26,8%
21,1%
16,7%
9,9% 8,3%
5,6%
2,8% 1,4%
0,0% … …

CACIMBA IGARAPÉ RIO POÇO DO POÇO BOMBA E


VIZINHO PROPRIO AGUA
ENCANADA

Gráfico 22- Variação na origem da água consumida pelas famílias(1993-2006)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006)

Apesar de terem ocorrido melhorias globais nas famílias do PAE e da


RESEX, entre estes 13 anos, quando observamos os gráficos 23 e 24 sobre o
destino dos dejetos sanitários e a origem do abastecimento de água para o
consumo doméstico das famílias por unidade protegida vamos perceber que
existem grandes diferenças nesses ganhos. As condições da RDS mostram que
ainda há muito a fazer, pois 62,5% das famílias ainda não utilizam nas suas
residências qualquer tipo de sanitário, apenas 25% das residências utilizam fossa
negra, e apenas 12,6 % utilizam-se de uma fossa séptica que é de uso coletivo. A
situação agrava-se no abastecimento de água, tendo em vista que 100% da água
utilizada no consumo doméstico é retirada do rio, para onde são lavados os dejetos
fecais a cada chuva. No Maracá ainda temos 41,7% de famílias que não têm
sanitários em suas residências com 25% retirando água dos rios para se
abastecerem. A RESEX apresenta as melhores condições no que diz respeito as
condições dada aos dejetos fecais, enquanto as condições de abastecimento de
água para o consumo parecem ser do Maracá pela maior utilização de poços
amazônicos.
Isso implica dizer que as melhorias no tamanho da área construída, número
de cômodos, piso e paredes precisa ser melhor acompanhada pelas condições
sanitárias das moradias.
360

REGIÃO
MARACA 100,0% REGIÃO
CAJARI MARACA
IRATAPURU CAJARI
60,0%
IRATAPURU

80,0%
Porcentaje

Porcentaje
40,0% 60,0%

66,0% 100,0%
62,5%

54,2% 40,0%

20,0% 41,7%

45,8%
25,0% 25,5% 20,0% 40,4%

25,0%
12,5% 20,8% 21,3%
8,5% 17,0%
14,9%
4,2% 8,3%
0,0% 2,1% 4,3%
0,0% … … … … … … …
NÃO TEM FOSSA NEGRA FOSSA SÉPTICA CACIMBA IGARAPÉ RIO POÇO DO VIZINHO POÇO PROPRIO BOMBA E AGUA
ENCANADA

Gráfico 23-Comparação entre as 3 áreas Gráfico 24-Origem da água consumida pelas


em destino dos dejetos sanitários(2006) famílias por área(2006)
Fonte: Pesquisas de Campo (2006). Fonte: Pesquisas de Campo (2006).

4.2.2.5 Síntese da evolução nas condições habitacionais

No geral, os dados permitem observar que ocorreram mudanças


significativas nas condições de moradia das famílias agroextrativistas que habitam
nos castanhais do PAE Maracá e RESEX Cajari no período avaliado. Houve
investimento no aumento da área construída, aumentando o número de cômodos
das moradias, foram feitos investimentos na melhoria das paredes, pisos e nos
telhados. Os fatores que contribuíram para essas modificações foram a segurança
com a posse da terra, o crédito habitação e melhorias na renda das famílias com a
valorização dos seus produtos pela possibilidade de melhores acesso aos
mercados.
Ocorreram também melhorias significativas nas condições sanitárias das
residências com investimentos na construção de fossas negras e sépticas,
reduzindo o número das famílias que depositam seus dejetos fecais a céu aberto,
contribuindo para a contaminação dos corpos d’ água. Também ocorreram
melhorias nas condições de abastecimento de água para uso doméstico e
tratamento dado ao lixo domiciliar.
Porém ainda existem muitas moradias que não possuem sanitário, utilizam
água dos rios sem nenhum tratamento, o que coloca em risco a saúde das pessoas
por verminoses e outras doenças gastrointestinais.
361

Na RDS Iratapuru, não ocorreram grandes investimentos nesses aspectos,


apesar de ter sido a área mais beneficiada no volume médio de investimentos
públicos por família. A justificativa é que as famílias não puderam investir em virtude
da expectativa criada pelo Projeto Jarí, que elas serão remanejadas quando da
construção da hidrelétrica de Santo Antonio para casas a serem construídas para
elas.
Entendemos que na liberação de créditos habitação poder-se-ia exigir dos
beneficiários a melhoria das estruturas de higiene sanitária das habitações, o que
iria contribuir com a redução de doenças vinculadas as condições de higiene. Um
outro problema que pode ser verificado diz respeito ao conforto térmico das
residências, uma vez que as coberturas de palhas estão sendo substituídas por
amianto, que acaba contribuindo para o aumento da temperatura interior das
residências. Poder-se-ia utilizar telhas de barro ou outra alternativa mais ecológica
e adequada para as condições térmicas da região.

4.2.3 A evolução na infra-estrutura de comunicação

4.2.3.1 PAE Maracá

A comunicação entre as pessoas e famílias no PAE Maracá e com as


cidades tem passado por modificações profundas, provocadas por melhorias das
condições de acesso a região através de transporte terrestre e pela concentração
de serviços públicos na vila Maracá. Em 1994, a comunicação através de recados e
bilhetes era muito comum, sendo que 51,0% das famílias utilizavam-se dos
vizinhos e membros da comunidade em viagens para cidade ou em retorno aos
PAEs, para trazer e levar informações de amigos e familiares; os dirigentes da
ATEXMA faziam esse trabalho para 11,0%; enquanto os patrões atendiam 8,5%
das unidades familiares nessa atividade. O rádio era o segundo principal meio de
comunicação da cidade com o PAE sendo que 33,8 % das famílias utilizavam desta
forma de comunicação, através da Rádio Difusora de Macapá (LITTLE;
FILOCREÃO, 1994).
Com o passar do tempo, a utilização da radiofonia foi uma alternativa
encontrada com a instalação de um aparelho na sede da ATEXMA no Maracá que
362

comunicava diariamente com outro aparelho no escritório de Macapá. Em 2005, o


telefone já é uma alternativa com grande demanda, através de um único telefone
público existente na vila Maracá(AMAPÁ,2005), sendo que em 2006 houve uma
ampliação no número de telefones públicos para três unidades.
Atualmente, os moradores do baixo rio Maracá sentem as maiores
dificuldades de comunicação, mantendo-se dominante o padrão de 1994, quanto ao
médio e alto Maracá, além das principais comunidades do rio Preto, os bilhetes e
recados por transporte rodoviários e principalmente a telefonia fixa constituíram-se
nas principais formas de comunicação entre assentados com os familiares e amigos
nas cidades.
Quanto ao acesso a informações culturais e de lazer, se, em 1994 o rádio
era a forma dominante, de a população manter-se informada sobre a sociedade
exterior aos PAEs, atualmente, a televisão disputa esse espaço com o rádio, a
medida em que o fornecimento de energia elétrica nas principais localidades,
permite a captação dos sinais de televisão através de antenas parabólicas,
garantindo aos moradores a possibilidade de assistirem a programação da
principais redes abertas como GLOBO, SBT e RECORD, mesmo que, em
determinadas e poucas horas do dia, durante o fornecimento da energia elétrica.

4.2.3.2 RESEX Cajari

A partir da abertura da estrada ligando Macapá à sede municipal de


Laranjal do Jarí, atravessando a Reserva Cajari permitindo a oferta de novas
alternativas de transporte, quebrou-se o isolamento histórico da região,
possibilitando a interação das famílias agroextrativistas com as novidades da vida
urbana, e o acesso a novas informações, o que contribuiu também para a criação
de novas necessidades.
As longas viagens dos trabalhadores agroextrativistas para comercializar a
produção nas Feiras de Produtores de Macapá no início dos anos 90, que duravam
8 dias, tiveram algumas vantagens sobre o ponto de vista da comunicação:

Apesar da grande quantidade de tempo gasto na comercialização,


para os produtores do Cajari essas viagens tiveram um impacto
muito grande, ao permitir-lhes um contado direto com agricultores de
outras regiões e assim se manterem informados sobre preços,
sistemas de produção, direitos etc, além de lhes propiciar acesso a
dinheiro, tendo em vista que na relação com os regatões a troca era
363

feita apenas em produtos, pela constante ausência de


saldos(FILOCREÃO, 2002,p.111).

Até então, as verdades que prevaleciam na região eram as dos patrões,


regatões e dos prepostos do Projeto Jarí. Tanto a comunicação interna e entre as
famílias e os seus parentes e amigos que se encontram na cidade vai passar por
grandes transformações aos longos dos anos.
Em 1993, a pesquisa socioeconômica sobre a Reserva, mostra as
diferenças nas formas e meios de comunicação e transporte que se estabelecem
em função de determinantes ambientais, sendo que:

Nas áreas de várzea -- baixo e médio Cajari, Ajuruxi e Litoral -- a


população distribui-se, de forma dispersa, pelas margens dos rios e
seus afluentes, separados uns dos outros por vários quilômetros de
mata. Esta realidade determina que as vias e meios fluviais de
transporte (barco a motor, canoas, voadeiras) e rádios sejam os
meios de comunicação mais apropriados para vencer as longas
distâncias, permitindo a comunicação em dois níveis: entre os
moradores e entre estes e o mundo exterior à Reserva(FILOCREÃO,
1993, p.144-145).

Enquanto que:

Na terra firme (Alto Cajari) as famílias concentram-se, basicamente,


nas sedes das comunidades, que distam umas das outras em torno
de aproximadamente 15 quilômetros (dados médios). Nesse
ecossistema não são as vias e os meios fluviais de transportes que
predominam e influenciam o comportamento da população e sim as
vias e meios terrestres de transporte, também nem sempre
suficientes e eficientes(FILOCREÃO, 1993, P.145).

As principais formas de troca de informações entre as pessoas expressam


não apenas esses condicionantes ambientais, mas principalmente
socioeconômicos:

[..]Assim, os recados -- forma de comunicação baseada na


linguagem oral -- e as mensagens radiofônicas são as principais
formas de troca de informação possíveis entre as pessoas da
Reserva e entre elas e outras localidades fora da RESEX. Esta
constatação permite inferir que a escrita não faz parte do cotidiano
da maioria das pessoas, embora muitas delas leiam e escrevam.
Essa realidade perpetua-se por falta de serviços de correios: não
escrevem porque não há agências de correios e por não havê-las
não desenvolvem a capacidade e o hábito de escrever
(FILOCREÃO,1993, P.145).

Quanto às informações vindas do exterior ou sobre a vida exterior a reserva


eram recebidas, de forma uniforme na região, pelo rádio. Através de programas de
364

rádio ouviam-se as notícias dos parentes e amigos que se encontravam na cidade


através de recados radiofônicos. Os programas de rádios lhes informavam sobre a
vida além da reserva, do estado, ou do país. A pesquisa socioeconômica mostra
que 77% das famílias ouviam a Rádio Difusora de Macapá e a Rádio Cultura do
Pará, enquanto 56% diziam também serem ouvintes da Rádio Nacional de Brasília.
As mulheres apresentavam preferências para emissoras com novelas, enquanto os
homens pela que apresentam programas esportivos (FILOCREÃO, 1993).
Quanto aos meios utilizados pelas famílias para mandarem e receberem
recados de familiares e amigos fora da reserva, 77% utilizavam membros da
comunidade em viagens, 15% os regatões, 14% os patrões, 23% utilizavam
dirigentes da associação e 47% os programas radiofônicos(FILOCREÃO,1993).
Com a criação da ASTEX-CA, que passou a compartilhar um escritório em
Macapá com o CNS-RA e a ASTEXMA, inicia-se a utilização da radiofonia como a
alternativa mais viável de comunicação entre Macapá e a reserva. Sendo que essa
alternativa expandiu-se para as principais comunidades existentes na reserva,
tanto que Dertoni(1999, p.9) observa:

A comunicação entre as comunidades e a cidade é através da


radiofonia. Cada povoado tem um rádio, utilizado diariamente das 8
às 17:30 horas. Quando um rádio enguiça, a comunidade fica isolada
por alguns dias, até que ele seja consertado na cidade.

Essa forma de comunicação tornou-se principal mecanismo de integração


entre os moradores das diversas comunidades existentes na reserva, conforme
podemos perceber neste registro de 2005:

De outro lado, a vida nos vilarejos também facilitou a comunicação


interna, a partir da instalação de um sistema de radiofonia que
integra diversas comunidades. Ao todo, são 22 rádios transmissores
instalados na reserva e mais um na capital do Estado, onde funciona
uma base comum. Assim é possível passar e receber informação
diariamente como avisos de reuniões, de doenças, de invasões e
comunicações pessoais, entre outros, embora se observe a falta de
manutenção adequada de boa parte dos equipamentos
(PICANÇO,2005,p.90-91).

Em 2006, chega a reserva uma outra alternativa de comunicação, que é o


telefone, sendo instalado um telefone público em Água Branca do Cajari e outro
em Conceição do Muriacá, no baixo rio Cajari.
Quanto ao acesso a informações culturais e de lazer, se, em 1993 o rádio
era a forma dominante, de a população manter-se informada sobre a sociedade
365

exterior a RESEX, atualmente, a televisão disputa esse espaço com o rádio, na


medida em que o fornecimento de energia elétrica nas principais localidades,
garantido pelas prefeituras, permite a captação dos sinais de televisão através de
antenas parabólicas, garantindo aos moradores a possibilidade de assistirem a
programação da principais redes abertas como GLOBO, SBT e RECORD, mesmo
que, em determinadas e poucas horas do dia, durante o fornecimento da energia
elétrica.

4.2.3.3 RDS Iratapuru

Com a retirada da estrutura de produção e comercialização da AMPEX, em


1973, os moradores passam a conviver com maiores dificuldades para conseguir
sobreviver do agroextrativismo. Surgem entretanto os “pequenos patrões” para
comprar a produção, que utilizam o aviamento de forma precária em função do
menor volume de capital empregado, não conseguindo atender os castanheiros da
mesma forma que a “empresa dos portugueses”. Essas dificuldades vão levar os
moradores do Iratapuru a buscarem novas alternativas de renda, como o garimpo
ou algum tipo de trabalho na zona urbana de Laranjal do Jarí ou no Projeto Jarí,
tendo em vista, que o baixo preço da borracha inviabiliza a exploração dos seringais
e o alto custo do transporte inviabiliza a produção agrícola.
O deslocamento para a cidade é tão grande que chegamos a 1988 com
apenas 6 famílias residindo permanentemente na comunidade. Apesar de saírem
da região em busca de novas oportunidades de renda, os extrativistas continuam a
manter a sua posse, retornando aos castanhais na época da safra, quando o preço
compensa, ou na ausência de outras alternativas.
O contato maior com a cidade vai permitir uma melhoria no nível de
informação ao produtor, permitindo pequenos ganhos na negociação com os
compradores. Até então, como acontecia no Cajari, as verdades que prevaleciam
na região eram as dos patrões, regatões e dos prepostos do Projeto Jarí.
A comunicação interna e entre as famílias e os seus parentes e amigos que
se encontram na cidade vai passar por grandes transformações aos longos dos
anos. Vai-se ter acesso as informações sobre os movimentos de trabalhadores que
aconteciam em Laranjal, com a criação da AMAJA e COMAJA, a criação dos PAEs
Maracá e RESEX Cajari, e a necessidade da organização comunitária como uma
366

forma de acesso aos direitos.


O acesso as novas informações, vai contribuir para a criação da COMARU
em 1991, que inicia um processo de revitalização da comunidade da foz do
Iratapuru, a partir da busca de alternativas para o processamento local da castanha,
chegando-se a criação da RDS que vai ligar uma comunidade tradicional em
decadência aos movimentos ambientalistas, governos e setores industriais
interessados em produtos da biodiversidade, criando novas possibilidades para os
seus moradores.
A criação da COMARU e posteriormente da RDS, vai modificar a forma de
comunicação entre as famílias e a cidade, onde o comprador ou o patrão era o
responsável pela transmissão de recados entre as famílias e seus amigos na
cidade. A partir de então, os membros da Diretoria passam a ser os principais
veículos para trazer e levar recados, tendo em vista a necessidade que a função
exige de viagens mais freqüentes a cidade. Posteriormente, o sistema de radiofonia
vai facilitar a comunicação entre a RDS e a representação da COMARU em Laranjal
do Jarí, e entre a RDS e a Secretaria do Meio Ambiente em Macapá. Em 2006, o
presidente da COMARU comunicava-se através de radiofonia dos castanhais no
alto Iratapuru, com a comunidade de São Franscisco que o mantinha informado das
novidades na Vila.
Quando não se consegue estabelecer contato prévio por radiofonia com a
vila, em casos de deslocamento vindo de Laranjal do Jarí, os moradores utilizam a
estratégia de soltar fogos de artifícios para através do barulho, avisar que se
encontram no porto de Sabão aguardando transporte para a Vila.
Em 2004, a comunidade recebeu, como doação do Green Peace, um
módulo de comunicação que permite a comunidade comunicar-se através da
Internet, alimentado por energia solar. A partir de então vamos ter uma comunidade
no meio da floresta linkada ao mundo, informando e sendo informada dos
acontecimentos que afetam a vida das famílias.
Quanto ao acesso a informações culturais e de lazer, se, no passado o
rádio era a forma dominante de a população manter-se informada sobre a
sociedade exterior, atualmente, a televisão disputa esse espaço com o rádio, na
medida em que o fornecimento de energia elétrica que veio com a instalação da
fábrica, permite também a comunidade, a captação dos sinais de televisão através
de antenas parabólicas, garantindo aos moradores a possibilidade de assistirem a
367

programação da principais redes abertas como GLOBO, SBT e RECORD, mesmo


que, em determinadas e poucas horas do dia, durante o fornecimento da energia
elétrica.

4.2.3.4 As estatísticas da evolução da estrutura de comunicação

Os Gráficos 25 e 26 são ilustrativos para mostrar que ocorreu um processo


signifcativo de mudanças no padrão de comunicação utilizados pelas famílias para
comunicarem-se internamente e externamente. Os meios de comunicação
tradicionais como membros da comunidade, regatão, as lideranças das
organizações perderam significativamente a importância enquanto meios de
comunicação. Os patrões e o rádio não sofreram mudanças significativas na sua
importância, porém surgem com grande significado estatístico, outras formas de
comunicação que são a radiofonia e o telefone.
Quanto a utilização dos novos meios de comunicação nas áreas protegidas,
observa-se no Gráfico 27 que a radiofonia é majoritariamente utilizado na RESEX e
na RDS, e pouco utilizado no PAE Maracá, que tem utilizado preferencialmente a
comunicação por telefone.

Meios de Comunicação Utilizados

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
Comunidade

Regatão

Patrão

Radio

Outros
Membro da

Associação

Lideranças
ou

Gráfico 25-Evolução dos meios de comunicação utilizados pelas famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
368

REGIÃO
100,0%
Outros Meios de Comunicação Utilizados MARACA
CAJARI
IRATAPURU

80,0%
100,0%

80,0%

Porcentaje
60,0%

100,0%
60,0% 1993
40,0%
77,1%
40,0% 2006
50,0%
45,8%
20,0%
20,0%
20,8%

0,0% 0,0% …
4,2% 2,1% …

Não radiofonia telefone


RADIOFONIA TELEFONE

Gráfico 27-Utilização das outros meios de


Gráfico 26-Novos meios de comunicação
comunicação nas regiões
utilizados pelas famílias
Fonte: Pesquisas de Campo (2006).
Fonte: Pesquisas de Campo (2006).

Quanto as fontes externas de informação e lazer das famílias (Gráfico 28),


que tem no rádio um importante veículo, as emissoras que eram preferidas como a
Rádio Difusora de Macapá e a Rádio Nacional de Brasília, continuam na
preferência, com exceção da rádio Cultura do Pará que perdeu importância na
preferência das famílias, talvez isso tenha a ver com o processo de integração da
região ao estado do Amapá, que distanciou o interesse das famílias para o que
acontece no estado paraense.
Os dados mostram novas fontes de preferência das famílias com um
percentual de crescimento que chegou a patamares acima de 60%. Essas novas
fontes, conforme podemos observar no Gráfico 29 são as emissoras de TV
majoritariamente e de forma residual a Rádio Mazagão FM.

Fontes de Informação e Lazer

100,0%

80,0%

60,0% 1993

40,0% 2006

20,0%

0,0%
Radio Difusora Radio Cultura do Radio Nacional Outra
de Macapá Pará de Brasilia

Gráfico 28-Evolução das fontes de informação e lazer das famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
369

Outras Fontes de Informação e Lazer

100,0%

80,0%

60,0% 1993

40,0% 2006

20,0%

0,0%
EMISSORAS DE TV MAZAGÃO FM

Gráfico 29-Novas fontes de lazer das famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.2.3.5 Sintese na evolução da comunicação

Os dados trabalhados indicam que a comunicação entre as pessoas e o


acesso a novas formas de comunicação e lazer mudaram significativamente nas
três unidades protegidas para o agroextrativismo. Hoje o acesso a televisão é uma
realidade na maioria das famílias que moram nos castanhais, trazendo informações
atualizadas do mundo exterior e oferecendo novas alternativas de lazer e
entretenimento como os jogos de futebol, as novelas, os noticiários, etc. Isto pouco
a pouco vai moldando o comportamento do morador da floresta ao morador dos
centros urbanos, criando novas necessidades de consumo dentro dos padrões
globais que esse veículo de comunicação provoca na sociedade.
Quanto a comunicação interna, percebe-se um importante diferencial
existente entre a RDS e a RESEX em relação ao PAE. Existe na RESEX e na RDS
uma integração entre as unidades e os gestores e também uma integração entre as
diferentes comunidades que a utilização da radiofonia possibilitou. Isso tem
permitido um controle maior da população sobre os diferentes espaços e permitindo
uma maior eficiência no controle de invasores externo como caçadores,
pescadores, garimpeiros, etc.
Quando alguma invasão ou qualquer outra prática em desacordo com as
regras estabelecidas acontece nas áreas, através da radiofonia a informação é
socializada entre os moradores, que se articulam rapidamente para agir, acionando
os órgãos públicos responsáveis pela co-gestão o que tem permitido uma ação
370

efetiva antes que os prejuízos se propaguem, pois tanto o IBAMA como a SEMA
mantém contato direto com as unidades através de pontos de radiofonia em seus
escritórios. Isso não acontece com o PAE Maracá, pois o único ponto de radiofonia
existente que era na sede da ATEXMA foi desativado, logo não existe uma
integração entre as diferentes comunidades, pois o telefone só atende a Vila
Maracá o que dificulta uma ação integrada dos beneficiários na defesa de seus
interesses frente a invasores. Este tem sido um diferencial muito importante na
participação das famílias no processo de gestão das áreas protegidas.

4.2.4 A evolução da Infraestrutura Educacional

Os dados disponíveis sobre a evolução da educação e o atendimento a


população existente no Sul do Amapá, e em especial nos espaços pesquisados,
foram sintetizados nas Tabelas 5 e 6 tendo como fontes, as informações dos
censos 1991 e 2000 organizados pelo IPEA/PNUD, através do Atlas do
Desenvolvimento Humano, as pesquisas censitárias de 1993 no PAE Maracá
(LITTLE; FILOCREÃO,1994) e RESEX Cajari(FILOCREÃO,1993), complementados
com informações de relatórios técnicos-adminstrativos e outros dados de
pesquisas. Essas Tabelas permitem tecer algumas considerações sobre os
resultados das políticas educacionais, discutidas ao longo deste tópico,
relacionando essas informações com a pesquisa desenvolvida em 2006 nas áreas
de influências dos castanhais no Sul do Amapá, com amostras de famílias do PAE
Maracá, RESEX Cajari e RDS do Iratapuru.

4.2.4.1 PAE Maracá

As informações disponíveis sobre o analfabetismo organizada nas Tabelas


5 e 6 indicam que:
.O município de Mazagão, responsável pelo atendimento da maioria das
famílias assentadas no PAE Maracá, é o que apresenta os piores indicadores
dentre os três municípios do Sul do Amapá, no que diz respeito aos serviços
educacionais prestados aos seus habitantes tanto no ano de 1991 quanto em 2000.
371

Tabela 5- Evolução dos índices de escolaridade no Sul do Amapá


FAIXA ETÁRIA/SITUAÇÃO/ ANO MUNICÍPIOS E UNIDADES
Laranjal do Mazagão Vitória do PAE RESEX
Jarí - Jarí Maracá Cajari
% 7 a 14 anos freqüentando o fundamental, 1991 67,41 51,12 59,57 - -
% 7 a 14 anos freqüentando o fundamental, 1993 - - - 37,7 46,5
% 7 a 14 anos freqüentando o fundamental, 2000 90,99 77,23 75,31 - -
% 7 a 14 anos analfabetas, 1991 46,15 55,31 46,37 - -
% 7 a 14 anos analfabetas, 1993 - - - 30,9 32,1
% 7 a 14 anos analfabetas, 2000 17,02 27,8 20,46 - -
% 15 a 17 anos na escola,1991 46,93 44,37 34 - -
% 15 a 17 anos na escola,1993 - - - 28,1 21,9
% 15 a 17 anos na escola,2000 82,33 74,13 84,12 - -
% 15 a 17 anos analfabetas,1991 15,45 34,42 25,02 - -
% 15 a 17 anos analfabetas,1993 - - - 41,3 25,6
% 15 a 17 anos analfabetas,2000 3,71 11,03 3,09 - -
% 18 a 24 anos analfabetas, 1991 24 36,51 32,18 - -
% 18 a 24 anos analfabetas, 1993 52 32,3
% 18 a 24 anos analfabetas, 2000 5,69 17,83 7,72 - -
% 18 a 24 anos com menos de quatro anos de
estudo, 1991 39,53 57,38 51,15 - -
% 18 a 24 anos com menos de quatro anos de 76,5 76,2
estudo, 1993
% 18 a 24 anos com menos de quatro anos de
estudo, 2000 23,62 37,74 34,45 - -
% 25 anos ou mais analfabetas, 1991 37,47 55,06 46,2 -
% 25 anos ou mais analfabetas, 1993 - - - 62 59,1
% 25 anos ou mais analfabetas, 2000 23,71 36,42 25,18
Média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou
mais , 1991 3,19 1,97 2,37
Média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou - - - 1,24 2,66
mais , 1993
Média de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou
mais , 2000 4,35 3,41 3,49 -
Fonte: IPEA(2001); Filocreão e Little(1994); Filocreão(1993); Base de Dados (1993).

Tabela 6-Evolução do analfabetismo no Sul do Amapá


MUNICÍPIOS, UNIDADES,
FAIXA ETARIA/ANO REGIÃO
LARANJAL MAZAGÃO VITÓRIA PAE RESEX CASTANHAIS
DO JARÍ DO JARÍ MARACÁ CAJARI
% 7 a 14 anos analfabetas, 1991 46,15 55,31 46,37 - - -
% 7 a 14 anos analfabetas, 1993 - - - 30,9 32,1 -
% 7 a 14 anos analfabetas, 2000 17,02 27,8 20,46 - - -
% 7 a 14 anos analfabetas, 2006 2,9
% 15 a 17 anos analfabetas, 1991 15,45 34,42 25,02 - - -
% 15 a 17 anos analfabetas, 1993 - - - 41,3 25,6 -
% 15 a 17 anos analfabetas, 2000 3,71 11,03 3,09 - - -
% 15 a 17 anos analfabetas, 2006 1,7
% 18 a 24 anos analfabetas, 1991 24 35,51 32,18 - - -
% 18 a 24 anos analfabetas, 1993 - - - 52 32,3 -
% 18 a 24 anos analfabetas, 2000 5,69 17,83 7,72 - - -
% 18 a 24 anos analfabetas, 2006 6,9
% 25 anos ou mais analfabetas, 1991 37,47 55,06 46,2 - - -
% 25 anos ou mais analfabetas, - - - 69 59,1 -
1993/1994
% 25 anos ou mais analfabetas, 2000 23,71 36,42 25,18 - - -
% 25 anos ou mais analfabetas, 2006 - - - - - 28,8
Fonte: IPEA(2001); Filocreão e Little(1994); Filocreão(1993); Base de Dados (1993); Pesquisa de Campo(2006).
372

.A pesquisa censitária de 1994 mostra que os indicadores relacionados ao


PAE Maracá, em termos gerais, eram piores que a média municipal. Com exceção
da faixa etária de 7 a 14 anos, que apresenta um percentual de analfabetismo de
30,9%, encontrando-se dentro da média de variação do município entre
55,31%(1991), reduzindo para 27,8%(2000). Nas demais faixas de idade, os índices
de analfabetismo em 1994 eram muito altos, ficando fora das faixas de variação
detectadas nos dados censitários de 1991 e 2000 conforme podemos observar na
faixa etária de 15-17 anos, em que o percentual de analfabetos era de 41,3%
enquanto a média municipal diminuía de 34,42% (1991) para 11,03%(2000); na
faixa de 18-24 anos, o percentual de analfabeto era de 52% enquanto a média
municipal declinava de 35,71% (1991) para 17,83%(2000), e no extrato superior a
24 anos, o índice de analfabetismo era de 69% enquanto a média municipal
diminuía de 55,06 % (1991) para 36,42%(2000).
As informações sobre outros resultados do atendimento escolar na região
organizados na Tabela 5, mostram que:
.O percentual de alunos freqüentando a escola na faixa de 7 a 14 anos, no
PAE Maracá era apenas de 37,7 % em 1993, estando fora da variação média
municipal que aumentava de 51,12%(1991) para 77,23%(2000). Na faixa de 15 à 17
anos, a situação era pior, pois apenas 28,1% encontravam-se matriculados,
enquanto a média municipal aumentava de 44,37%(1991) para 74,13%(2000).
.No que se refere à escolaridade dos adultos, percebe-se que uma grande
defasagem em relação ao município, pois na faixa etária de 18 à 24 anos, os
indivíduos com escolaridade inferior a 4 anos reapresentavam 76,5% em 1993,
enquanto a média municipal sofria uma redução de 57,8%(1991) para
37,74%(2000). Também em relação aos habitantes com mais de 24 anos,
enquanto a média de anos de estudo municipal melhorava de 1,97 anos (1991) para
3,41 anos (2000), este indicador no PAE Maracá em 1993 era de apenas 1,24 anos.
Quanto a evolução de investimentos na infraestrutura educacional no PAE
Maracá, sintetizado na Quadro 7 podemos observar que em 1988 haviam apenas
10 escolas para atender uma população dispersa entre os rios Ajuruxi, Maracá e
Preto. Já em 1994 existiam funcionando 21 escolas sendo que em 2002
encontramos 27 escolas, enquanto 2004 chegamos a 32 escolas.
Quanto a educação oferecida, em 2004, apenas 3 escolas ofereciam o
ensino fundamental de 5a à 8a série, uma funcionava como creche e quase todas
373

oferecem o ensino fundamental de 1a à 4a série. Em 2005, o governo do estado


iniciou a oferta do ensino médio modular na Vila do Maracá, e a Escola Família
Agroextrativista do Rio Maracá, localizada também na Vila Maracá iniciou a oferta
do ensino médio utilizando a “pedagogia da alternância”.
Esses dados refletem o descaso que havia com a educação na zona rural
do município em função da dispersão existente da população ao longo dos rios, o
que de certa forma, contribui para aumentar os custos dos serviços, pois exige um
maior número de escola, quando se compara com a zona urbana. Os resultados
gerais, começam a apresentar melhorias identificadas no censo de 2000. Alguns
fatores contribuíram com esses avanços, dos quais podemos citar:
1-Houve uma divisão territorial iniciada em 1987 e concluída em 1994, que
transformou o município de Mazagão em três municípios, o que favoreceu a
gestão do atendimento as localidades dispersas na zona rural, uma vez que seus
habitantes passam a ter um papel político mais importante, enquanto eleitores, nos
pleitos para prefeitos e vereadores;
2-A abertura da estrada ligando Macapá à Laranjal do Jarí contribuiu para
um processo de concentração da população em algumas vilas localizadas no eixo
ou próximas do eixo da estrada, reduzindo para o poder público os custos dos
serviços;
3-A pressão política feita pelos movimentos dos extrativistas e aliados na
luta pelos direitos sociais, e das instituições federais INCRA e IBAMA sobre os
governos estaduais e municipais responsáveis pelos serviços.
Para o IPEA/PNUD a melhoria do IDH em % entre 1991 à 2000,dos
municípios do Sul do Amapá foram puxados pelas melhorias na educação.
Os registros fotográficos ilustram a situação das escolas no PAE onde
observamos estrutura de prédios com boa qualidade na Vila Maracá, enquanto na
localidade de Central do Maracá o prédio escolar encontra-se sem condições de
funcionamento.

4.2.4.2 RESEX Cajari

As informações disponíveis organizadas nas Tabelas 5 e 6 indicam que:


.A RESEX foi criada em um espaço de responsabilidade político-
administrativa de dois municípios: Laranjal do Jarí, responsável pelo atendimento da
374

maioria das famílias assentadas, ou seja 57,8% , e Mazagão por 42,2%, segundo
as bases de dados da pesquisa socioeconômica (FILOCREÃO,1993). Em 1994,
com a criação do município de Vitória do Jarí, desmembrado de Laranjal do Jarí,
parte das famílias detectadas no Laranjal do Jarí vai ser atendida pelas políticas
educacionais do novo município. As Tabelas mostram que o município de Mazagão
apresenta os piores indicadores dentre os três municípios do Sul do Amapá, no
que diz respeito aos serviços educacionais prestados aos seus habitantes tanto no
ano de 1991 quanto em 2000, o que vai atingir 262 famílias da reserva, de acordo
com a base de dados do cadastramento de 1993.
.A pesquisa censitária de 1993, mostra que os indicadores de analfabetismo
relacionados a RESEX Cajari, em termos gerais, eram piores que as médias dos
três municípios. Com exceção da faixa etária de 7 a 14 anos, que apresenta um
percentual de analfabetismo de 32,1%, menor que as médias municipais de 1991.
Nas outras faixas etárias o percentual de analfabetismo vai encontrar-se dentro da
faixa de variação do pior município (Mazagão): na faixa de 15 à 17 anos tem um
percentual de analfabetos de 25,6%, logo encontrando-se na faixa de melhoria de
Mazagão entre 34,42%(1991), reduzindo para 11,03%(2000); na faixa de 18 à 24
anos, o percentual de analfabetos é de 32,3% na faixa de variação de Mazagão que
vai de 35,51%(1991) a 17,83% (2000). Já na idade, acima de 24 anos o percentual
de analfabeto era pior que a situação média dos municípios, isto é, estava também
fora da faixa de variação do pior município: o percentual de analfabetos era de
59,1%, enquanto em Mazagão varia de 55,06% em 1991 para 36,42% em 2000.
Outros indicadores que mostram os resultados do atendimento escolar na
região estão organizados na Tabela 5 e indicam que:
.O percentual de alunos freqüentando a escola na faixa de 7 a 14 anos, na
RESEX era apenas de 46,5 % em 1993, estando fora da variação média do pior
município, Mazagão que aumentava de 51,12%(1991) para 77,23%(2000). Na faixa
de 15 a 17 anos, a situação era pior, pois apenas 21,9% encontravam-se
matriculados, enquanto o pior índice municipal era de Vitória do Jarí, que
aumentava de 34,00%(1991) para 84,12%(2000).
.No que diz respeito à escolarização dos adultos, percebe-se também uma
grande defasagem em relação aos índices do pior município (Mazagão), pois na
faixa etária de 18 à 24 anos, os indivíduos com escolaridade inferior a 4 anos
representavam 76,2% em 1993, na RESEX, enquanto a média municipal sofria
375

uma redução de 57,38%(1991) para 37,74%(2000). Entretanto em relação aos


habitantes com mais de 24 anos, que na RESEX, tinha uma média de 2,66 anos,
esta se encontrava na faixa de melhoria de dois municípios: Mazagão, com variação
de 1,97 anos de estudos(1991) para 3,4 anos em 2000, e Laranjal do Jarí que
variava de 2,37 anos de estudos em 1991, para 3,49 anos para 2000.
Em 1988, nos estudos iniciais para a criação de reservas extrativistas no rio
Cajari, Gemaque(1988), diagnóstica a situação:

[...]Há apenas 3 (três) escolas, todas da 1a a 4a séries do primeiro


grau, em toda região do Cajari, especificamente nas localidades de
Paraíso, Acampamento e Água Branca, atendendo a apenas 2%(dois
por cento) dos moradores, ficando, portanto, 98% (noventa e oito por
cento) da população sem receber o mínimo necessário de instrução
escolar(GEMAQUE et all, 1988, p.2).

A partir da criação da RESEX, houve uma evolução de investimentos na


infraestrutura educacional, sintetizada no Quadro 8, onde podemos observar que
em 1991 havia 13 escolas funcionando para atender a população da reserva,
oferecendo no máximo a quarta série, com quantidade de alunos variando entre 18
à 47 por escolas. Já em 1993 existiam 19 escolas funcionando, sendo que a maioria
não tinha prédio, funcionava em igrejas ou casa de moradores, com atendimento no
máximo até a quinta série fundamental. Em 2002 vamos encontrar um número de
34 escolas, com quantidade de alunos variando entre 10 a 220 por escola, sendo
que em Água Branca, já oferece o ensino médio modular; várias escolas já
atendem do pré-escolar até a oitava série; e, algumas ofereciam educação para
jovem e adultos. Em 2007, vamos encontrar registradas no INEP, 33 escolas na
área da RESEX, destas, 05 são gerenciadas pelo governo estadual, 12 pela
Prefeitura Municipal de Mazagão, 07 pela Prefeitura de Laranjal do Jarí e 10 pela
Prefeitura de Vitória do Jarí.
Quanto à educação oferecida, observamos em 2007, segundo o INEP, que
apenas 1 escola oferece o ensino médio, 5 escolas oferecem o ensino fundamental
até a 8a série, todas oferecem o ensino fundamental de 1a à 4a série. Também o
pré-escolar é oferecido por 8 escolas, 6 oferecem educação especial e 06 escolas
desenvolvem trabalhos de educação de jovens e adultos.
Alguns aspectos do funcionamento das escolas no baixo Cajari em 1999
são descritos por Dertoni(1999, p.9):

Formada em sua maioria por adultos semi-analfabetos, cada uma


376

das quatro comunidades tem uma pequena escola. As escolas, que


são mantidas pelas prefeituras, oferecem, em geral, formação da 1ª
a 4ª série. Os professores são contratados por um convênio do
Ministério da Educação com as prefeituras e geralmente trabalham
por um ano na comunidade que os recebe. A escola de Conceição
de Muriacá tem um diretor, um secretário e três professores para o
ensino da 1ª a 4ª série. Oferece também ensino noturno de 5ª e 6ª
série, em regime de módulos, para jovens e adultos, contando para
isso com mais dois professores que mudam a cada módulo, com
duração de um mês e meio, aproximadamente. A escola tem,
atualmente, cerca de 70 alunos. Nas demais comunidades as
escolas têm apenas um ou dois professores.

Comparando a situação atual com os registros dos estudos iniciais da


RESEX, percebe-se um aumento nos investimentos em educação na região. Para
Picanço(2005), esses investimentos vão ter também um papel econômico
importante no meio dos moradores:

O processo de municipalização das políticas públicas, principalmente


da educação, permitiu que fossem instaladas escolas municipais na
maioria das comunidades, principalmente a partir da segunda
metade dos anos 90, o que fez com que surgissem novas ocupações
até então inexistentes nesse espaço, como merendeiras, serventes,
catraieiros para transportar alunos, agentes de saúde, técnicos
microscopistas. De um modo geral, a implantação das unidades
escolares criou, em média, de dois a três empregos por comunidade.
Note-se que as comunidades são formadas por poucas famílias, daí
a importância dessas ocupações no nível de renda da população
local(PICANÇO,2005,p.142).

Em síntese, os dados, no geral, apresentam um quadro em que se percebe


a ocorrência de uma melhoria no fornecimento dos serviços de educação básica.
Contudo, observam-se grandes dificuldades em se manter a infra-estrutura escolar
existente, principalmente os prédios escolares. Os registros fotográficos dão uma
idéia da infraestrutura escolar existente na RESEX concentrando-se em Água
Branca do Cajari.

4.2.4.3 RDS Iratapuru

O acesso à educação manifestou-se como um grave problema entravando


o desenvolvimento social das famílias residentes na RDS. Em 1988, quando da
realização de um diagnóstico do MIRAD para definição de áreas prioritárias para
assentamento extrativista, observou-se que havia em Iratapuru 20 crianças em
377

idade escolar que não tinham onde estudar. Apenas uma família mantinha, com
grande sacrifício, o filho único estudando em Macapá. A escola mais próxima das
famílias ficava 18 km descendo o rio Jarí, na Comunidade de Cachoeira de Santo
Antônio, que funcionava com as duas primeiras séries do ensino básico(MENEZES;
MORAES, 1988).
Com a criação da COMARU, a comunidade começa a ter força política para
reivindicar os seus direitos sociais, conseguindo em 1995 o funcionamento na vila,
de uma escola municipal de 1a a 4a série, sem prédio próprio, contando com uma
professora, e não conseguindo atender todos os alunos em idade escolar devido às
dificuldades de transporte. Em 1999, essa escola ainda funcionava na casa de um
morador adaptada para essa funcionalidade, contando com duas professoras, e
atendendo com ensino básico e alfabetização 22 crianças e 18 adultos(PDA,
1996; COELHO et al, 1999).
Na pesquisa socioeconômica da SEMA em 1999, os indicadores
educacionais dos moradores da RDS era o seguinte:
.Com relação ao nível de escolaridade: 21,7% dos moradores em idade
escolar eram analfabetos, 13,0% apenas assinavam o nome, 5,2% freqüentavam a
educação infantil, 58,3% cursaram ou cursavam o ensino fundamental e apenas
1,8% freqüentaram o ensino médio. Naquela ocasião 29,9% das pessoas estavam
freqüentando a escola.
.O deslocamento da casa à escola era feito a pé por 51,9% e de canoa por
48,1%, sendo que apenas 14,8% das famílias gastavam um tempo superior a uma
hora para chegar a escola.
Quantos aos principais problemas em relação a escola, para 63% das
famílias, o número de professores era insuficiente, 22,2% consideravam suficiente,
enquanto 14,8% não sabiam opinar. Com a relação à infra-estrutura (prédio
escolar), 33, 4% consideravam inadequada, 33,4% achavam adequada e 25,9%
não souberam informar. Nessa época, ainda não havia prédio escolar, a
comunidade em conjunto com a COMARU fez reformas em uma das casas
existentes para funcionar como escola.
.Em 2001 foi concluída a construção do prédio escolar através do Projeto
Jarí por solicitação da comunidade, como medida compensatória aos impactos
ambientais que virão com a construção da hidrelétrica de Santo Antonio. O prédio
em que funcionava a escola passou a servir de residência aos professores. Em
378

2002, segundo as estatísticas do INEP, a escola contava com um quadro de 7


professores, e atendia uma clientela de 18 alunos da pré-escola, 51 alunos da
educação básica de 1a a 8a série e 5 adultos em alfabetização. Quanto ao ensino
de segundo grau, os alunos com essa necessidade são obrigados a deslocarem-
se para Laranjal do Jarí ou outra cidade onde existe a oferta.
379
LOCALIDADE SETOR GESTOR 1988 1994 2002 2004
SERIES SERIES ALUNOS PREDIO SERIES ALUNOS PREDIO SERIES ALUNOS PREDIO
a a a a a a a a
1-São Jorge Maracá I PMMZ 1 a4 1 a4 27 Regular 1 a 4 34 Regular 1 a 4 32 Regular
a a a a a a a a
2- São José Maracá I PMMZ 1 a 4 1 a 4 ? ? 1 a 4 26 Regular 1 a 4 27 Regular
a a a a a a a a
3- Santa Luzia Maracá I PMMZ 1 a 4 1 a 4 22 Precário 1 a 4 21 Regular 1 a 4 27 Regular
a a a a a
5-Conceição Maracá I PMMZ Não Até 2 18 Não 1 a 4 17 Regular 1 a 4 17 Inacabado
a a a a
6-Curuçá Maracá I PMMZ Não Não - - 1 a 4 44 Regular 1 a 4 47 Novo
a a a a
7-Rio Navio Maracá I GEA Não Não - - 1 a 4 30 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a a a
8-Santa Maria Mangueiro Maracá I PMMZ Não 1 a 4 25 Precário 1 a 4 24 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a
9-Maracá-mirim Maracá I PMMZ Não Não - - 1 a 4 25 Regular 1 a 4 27 Regular
a a a a
10-São José do Ajuruxi Ajuruxi PMMZ Não Não - - 1 a 4 35 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a
11-São Bernardo Ajuruxi PMMZ Não Não - - 1 a 4 30 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a
12Santo Antonio Ajuruxi PMMZ Não Não - - 1 a 4 28 Regular 1 a 4 ? Precário
a a a a
13-Santo André Ajuruxi PMMZ Não Não - - 1 a 4 45 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a a a a a
14-Mary Maracá II GEA 1 a 4 1 a 4 26 Precário 1 a 4 28 Regular 1 a 4 35 Regular
a a a a
15-Joaquina Maracá II PMMZ Não 1 a 4 23 Não 1 a 4 20 Não
a a a a a a a a
16-São Miguel Maracá II GEA 1 a 4 1 a 4 34 Regular 1 a 4 29 Precário 1 a 4 33 Precário
a a a a a a a a
17-Central Maracá Maracá II GEA 1 a 4 1 a 4 22 Bom 1 a 4 26 Regular 1 a 4 20 Precário
a a a a a a
18-Vila do Maracá Maracá II GEA Não 1 a 4 63 Precário 1 a 8 141 Regular 1 a 8 200 Precário
19-Vila do Maracá Maracá II PMMZ Não Não - - Pré 69 Regular Pré 89 Regular
a a
20-Vila do Maracá Maracá II REFAP Não Não - - Não - - 5 a 8 108 Precário
a a a a
21-Laranjal Maracá II PMMZ Não 1 a 4 35 Regular 1 a 4 21 Regular 26 Regular
a a a a a
22-Maruin Maracá II GEA Não Até 2 30 Bom 1 a 4 35 Regular 1 a 4 52 Regular
a a a a
23-Pancada Maracá III PMMZ Não 1 a 4 24 Bom 1 a 4 20 Regular 10 Regular
a a a a a
24-Pacu Maracá III PMMZ 1 a 4 Até 2 12 Não 1 a 4 21 Não 10 Não
a a a
25-Varador Maracá III PMMZ Não Até 2 18 Não 1 a 4 25 Não 25 Não
a
26-Bom Jesus Maracá III PMMZ Não Até 2 13 Não Não - - Não - -
a
27-Fredal(Pires) Maracá III PMMZ Não Até 2 18 Não Não - - Não - -
a a a a a a a a
28-Antonico Rio Preto GEA 1 a 4 1 a 4 ? Bom 1 a 4 26 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a a a a a
29-Recreio Rio Preto GEA 1 a 4 1 a 4 25 Bom 1 a 4 24 Regular 1 a 4 ? ?
a a a a a a
30-José Hilário Rio Preto GEA 1 a 4 1 a 4 28 Bom 63 Regular 1 a 4 77 Precário
a a a a a a
31-Ponte do Breu Rio Preto GEA Não 1 a 4 17 Não 1 a 4 30 Regular 1 a 4 42 Precário
a a a a a a
32-Menino Deus Rio Preto PMMZ Não 1 a 4 35 Precário 1 a 4 45 Regular 1 a 8 ? ?

Quadro 7-A evolução da infraestrutura educacional do PAE Maracá


Fontes: MIRAD(1988); Filocreão e Little(1994); DATAESCOLA-INEP(2002) e PDA(2004); RURAP(2005).
380
LOCALIDADE SETOR GESTOR 1991 1993 2002 INEP-2007
(INEP) SÉRIES ALUNOS PRÉDIO SÉRIES ALUNOS PRÉDIO SÉRIES ALUNOS PRÉDIO SÉRIES
a a a a
1-Acampamento TerraFirme PMLJ 1 a4 22 Não 1 a 4 ? Bom - - - -
a a a a a a a a
2-Agua Branca TerraFirme GEA 1 a4 43 Regular 1 a 5 ? Bom 1 a 11 220 Regular Pré, 1 a 8 e Médio
a a a a a a a a
3-Marinho TerraFirme GEA 1 a4 47 Não 1 a 4 ? Regular 1 a4 28 Regular 1 a 4 , jovem e adultos
a a a a a a a a
4-Santa Clara TerraFirme GEA 1 a3 20 Não 1 a 4 ? Bom 1 a4 39 Regular 1 a 4
a a a
5-Boa Esperança TerraFirme PMLJ 1 a4 16 Não Não - - Préa 4 12 Regular -
a a a a
6-Sororoca TerraFirme PMMZ - - - Não - - 1 a4 25 Regular 1 a 4
a a a a a a a a
7-Santarém TerraFirme PMLJ 1 a4 22 Não 1 a 4 ? Bom 1 a4 10 Regular 1 a 4 , jovem e adultos
a a a a a a a
8-Dona Maria TerraFirme PMLJ 1 a4 25 Não 1 a 4 ? Precário Préa 8 44 Regular Pré, 1 a 4
a a a
9-Martins TerraFirme PMLJ - - - Não - - Préa 4 25 Regular 1 a 4 , jovem e adultos
a a a a a a a
10-São João RioCajari PMVJ 1 a4 34 Não 1 a 4 ? Precário Préa 8 102 Regular Pré, 1 a 8 e especial
a a a a a a a a
11-Santa Rita RioCajari PMVJ 1 a4 23 Não 1 a 4 ? Não 1 a4 21 Regular Pré, 1 a 4
a a a a a a a a
12-Itaboca RioCajari GEA 1 a4 34 Regular 1 a 4 ? Regular 1 a4 48 Regular 1 a 4
a a a a a a
13-Santana RioCajari PMVJ - - - 1 a 4 ? Não 1 a4 33 Regular Pré, 1 a 4
a a a a a a a a
14-Conceição RioCajari PMLJ 1 a4 40 Regular 1 a 4 ? Regular 1 a8 47 Regular 1 a 8 , jovem e adultos
a a
15-São João II RioCajari PMLJ - - - 1 a 4 ? Regular - - - -
a a a a a a a
16-Boca do Braço RioCajari PMLJ 1 a3 20 Não 1 a 4 ? Precário Préa 4 28 Regular 1 a 8 , jovem e adultos
a a a a a
17-Ariramba RioCajari PMLJ 1 a3 18 Não Não - - Préa 8 40 Regular 1 a 8 , jovem e adultos
a a a
18-Aterro Muriacá RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 38 Regular Pré, 1 a 4
a a a
19-Comercio doCajari RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 8 58 Regular Pré, 1 a 8
a a a
20-Santa Helena RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 34 Regular 1 a 4
a a a
21-N. S. de Sant RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 36 Regular Pré, 1 a 4
Ana
a a a
22-São Tomé RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 56 Regular Pré, 1 a 4
a a a
23-Taperera RioCajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 29 Regular Pré, 1 a 4
a a a
24-São Sebastião Rio Cajari PMVJ - - - Não - - Préa 4 72 Regular Pré, 1 a 4 e especial
a a a a a a
25-Macedonia RioAjuruxi PMMZ - - - 1 a 5 ? Precária 1 a4 30 Regular 1 a 4 e especial
a a a a a a
26-São José RioAjuruxi PMMZ - - - 1 a 5 ? Não 1 a4 35 Regular 1 a 4
a a a a a a
27-Santo André RioAjuruxi PMMZ - - - 1 a 2 ? Não 1 a4 45 Regular 1 a 4 e especial
a a a a a
28-Ariramba RioAjuruxi PMMZ - - - 1 a 4 ? Regular Préa 4 99 Regular 1 a 4
a a a a a a
29-São Bernardo RioAjuruxi PMMZ - - - 1 a 4 ? Regular 1 a4 30 Regular 1 a 4 e especial
a a a a a a
30-Maranata RioAjuruxi GEA - - - 1 a 4 ? Precário 1 a8 119 Regular 1 a 8
a a a a
31-Lago do Ajuruxi RioAjuruxi PMMZ - - - Não - - 1 a4 25 Regular 1 a 4
a a a a
32-São João RioAjuruxi PMMZ - - - Não - - 1 a4 24 Regular 1 a 4 e especial
a a a
33-Ariramba-Foz RioAjuruxi PMMZ - - - - - - Préa 4 24 Regular 1 a 4
a a a a
34-Tambaqui RioAjuruxi PMMZ - - - - - - 1 a4 35 Regular 1 a 4
a a a a
35-Santo Antonio RioAjuruxi PMMZ - - - - - - 1 a4 28 Regular 1 a 4
a a a a
36-Sertão RioAjuruxi PMMZ - - - - - - 1 a4 22 Regular 1 a 4

Quadro 8-A evolução da infraestrutura educacional da Reserva Extrativista do Rio Cajari


Fontes: Filocreão(1992;1993); Sills(1991); DATAESCOLA-INEP(2002); CADASTROESCOLAS-INEP(2007)
381

4.2.4.4 As estatísticas da evolução educacional na região dos castanhais

Os dados estatísticos referentes aos resultados das políticas públicas de


educação junto às famílias agroextrativistas que trabalham nos castanhais das áreas
protegidas mostram-se significativamente positivos. O Gráfico 30 indica quedas
significativas no percentual de analfabetos em todas as faixa etárias atingindo nas
faixas dos mais jovens, de 7 a 14 anos e 15 a 17 anos, taxas inferiores as médias
municipais de 2000 nos municípios de Mazagão e Laranjal do Jarí. Quanto aos
adultos, na faixa acima de 24 anos, apesar de presenciarmos uma queda acentuada
do analfabetismo, de valores próximos a 60% para uma taxa de 28,8%. Este resultado
ainda é elevado quando comparado à média dos municípios da região.

Analfabetismo

100,0%

80,0%
1993
60,0% 2006

40,0% Mazagão
Laranjal
20,0%

0,0%
7 a 14 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos Mais de 24 anos

Gráfico 30-Indices de analfabetismo(1993-2006) comparando com municípios (2000)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

O Gráfico 31 mostra resultados muito positivos na variação do número de


alunos matriculados e freqüentando a escola entre os anos de 1993 e 2006.
Verificando-se que em 2006 esses percentuais são maiores que os índices municipais
de 2000, nas faixas etárias dos mais jovens. Isto indica que existe um grande esforço
das famílias em colocar os seus filhos na escola, o que é confirmado no Gráfico 32
onde observamos que enquanto no ano de 1993 havia 58,3% de unidades familiares
com nenhum indivíduo na escola, situação essa que em 2006 caiu para 12,6%, e
aumentou o percentual de famílias com 4 pessoas na escola, de 4,2% em 1993 para
19,4% em 2006.
O Gráfico 33 indica que existe uma continuidade nos estudos dos indivíduos
que são matriculados, pelo menos dentro condições escolares oferecida na região,
pois se verifica uma queda significativa no percentual de indivíduos com menos de 4
382

anos de estudos nas faixas etárias acima de 10 anos. Embora este Gráfico indique
que ainda existe um elevado índice de defasagem de escolaridade entre os jovens.

Frequentando a escola

100,0%

80,0%
1993
60,0% 2006
40,0% Mazagão
Laranjal do Jari
20,0%

0,0%
7 a 14 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos Mais de 24
anos

Gráfico 31-Alunos matriculados (1993-2006) comparando com municípios(2000)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

60,0%

ANO
50,0% 1993
2006

40,0%
Porcentaje

30,0%
58,3%

20,0%

10,0% 19,4%
15,3%
12,5% 13,9% 13,9%

8,3% 9,7% 9,7% 9,7% 8,3%


4,2% 5,6%
2,8% 1,4% 2,8% 2,8% 1,4%
0,0% … …

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Gráfico 32-Número de crianças por família na escola(1992-2006)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Com me nos de 4 anos de e studo

100,0%
90,0%
80,0%
70,0%
60,0% 1993
50,0%
40,0% 2006
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
10 a 14 anos 15 a 17 anos 18 a 24 anos Mais de 24
anos

Gráfico 33- Alunos maiores de 10 anos com menos de 4 anos de escola(1993-2006)


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Outros fatores ligados ao acesso das famílias as escolas também sofreram


transformações significativas, como a distância dos domicílios às escolas,
383

considerando o tempo gasto no deslocamento (Gráfico 34), verifica-se que aumentou


o percentual de famílias que gastam menos de 30 minutos para alcançar a escola,
que em 1993 representava 64,7% aumentando para 83,3%, o que representa uma
aproximação dos domicílios a escola, seja pela construção de escola nas
comunidades, como pelo deslocamento das famílias para as comunidades com melhor
infra-estrutura educacional ou ainda pela melhoria dos transportes e vias de acesso a
escola.
O Gráfico 35 ilustra que ocorreram mudanças nos transportes para ir a escola,
aumentou o percentual dos que vão a pés, de 56,5% para 63,4% em 2006, além de
que a bicicleta como transporte para ir escola é utilizada em 5,6% das famílias, houve
uma queda na utilização de canoas, de 38,7%(1993) para 23,9%(2006), assim como
outros tipos de transporte passam a ser utilizados por 7% das famílias. Entres esses
outros, são contabilizados os transportes escolares oferecidos pelos governos para os
domicílios mais distantes da escola e os rabetas nos domicílios no rio Maracá,
principalmente. `

100,0%
ANO
1993
2006 60,0%
ANO
80,0%
1993
2006
Porcentaje

Porcentaje

60,0%
40,0%

63,4%
83,3%
40,0% 56,5%

64,7%
20,0% 38,7%

20,0%
23,9%

11,8% 9,7% 11,8%


7,4% 5,6% 7,0%
4,4% 4,2% 2,8% 3,2%
0,0% … 1,6%
0,0% … …
ATÉ 30 MINUTOS DE 31 A 60 DE 61 A 90 DE 91 A 120 ACIMA DE 120
MINUTOS MINUTOS MINUTOS MINUTOS A PÉ DE BICICLETA DE CANOA DE VOADEIRA OUTRO

Gráfico 34-Variação no tempo gasto para Gráfico 35-Meio de transporte utilzado para ir a
chegar a escola(1993-2006) escola(1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

A melhoria nas condições de acesso às escolas é percebida no Gráfico 36,


que trata das principais dificuldades para freqüentar a escola. Em 1993, a distância
era o que mais dificultava o acesso a escola para 37,5% das famílias, caindo em 2006
para 8,2% das famílias. A dificuldade principal sentida pelas famílias na questão da
educação em 2006 é a falta de professores nas escolas, para um percentual de 68,9%
das famílias, em 1993, representava problema para 31,2% das famílias. Este fator
384

contribui para a baixa avaliação que as famílias fazem hoje da escola, conforme
podemos visualizar no Gráfico 37 entre fraca e regular é a opinião de mais de 70%
das famílias, quando em 1993, essas avaliações eram de menos de 50% das
unidades familiares. Em síntese, pode-se concluir que houve melhoria no acesso a
educação básica pelas famílias, porém com baixa qualidade nos serviços prestados
pelas escolas.
Quanto a escolaridade dos chefes os Gráficos 38 mostra que não ocorreram
mudanças significativas na média de anos de estudos dos chefes de famílias na
RESEX e no PAE. Podemos perceber que no ano de 2006, existe um pequena
superioridade na média de anos de estudos dos chefes de unidade familiar da RESEX
em relação as outras áreas com a média de 2 anos de escola, sendo a menor
escolaridade média dos cabeças de famílias, os do PAE Maracá com menos de 1 ano
de estudos. Além da baixa escolaridade, os chefes não apresentaram esforços
significativos no sentido de ampliarem suas escolaridades, apenas 4% freqüentavam a
escola em 2006, e 0% em 1993, quando comparados com as esposas no Gráfico 39,
em que se percebe um crescimento de participação delas na escola de 1,6% em 1993
para 9 % em 2006.

40,0%
ANO
ANO
1993
1993 2006
60,0% 2006

30,0%
Porcentaje
Porcentaje

40,0%
20,0% 39,4%
68,9%
32,4%
30,4%
27,5%

21,7% 22,5%
10,0%
20,0%
37,5% 17,4%
31,2%
21,9% 21,3%
2,9% 4,2%
9,4% 0,0%
1,4%
8,2%
FRACA REGULAR BOA ÓTIMA NSA-NÃO TEM
0,0% 1,6% CRIANÇA NA
DISTANCIA FALTA DE PROFESSOR AS CRIANÇAS OUTRO ESCOLA
TRABALHAM

Gráfico 36-Dificuldades para freqüentar a escola Gráfico 37-Avaliação da escola pelas famílias
(1993-2006) (1993-2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
385

2,5

ANO
1993
Chefes e Esposas na escola
2006
Media ESCOLARIDADE DO CHEFE

2
100,0%

1,5
80,0%
1993
60,0% 2006
1 2,021
1,875
1,729 40,0%
1,091
0,5
0,875 20,0% 9,0%
0,0% 4,2% 1,6%
0,0%
0
MARACA CAJARI IRATAPURU Chefe na escola Esposa na escola

Gráfico 38- Média dos anos de escola dos chefes


Gráfico 39-Chefes e esposas na escola
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Fonte:Pesquisas deCampo(1993,2006).

4.2.4.5 Síntese da evolução educacional

A pesquisa indicou uma melhoria global dos serviços educacionais oferecidos


às famílias agroextrativistas que habitam nas áreas protegidas do Sul do Amapá. A
combinação de alguns fatores contribuiu para essa melhoria, como a transformação
do Amapá em estado, criou uma preocupação dos governadores eleitos em expandir
as políticas públicas estaduais a essa região até então excluída das preocupações
governamentais; a divisão do município de Mazagão em três municípios possibilitou
uma maior aproximação dos gestores municipais com a região, ficando mais expostos
a cobranças das famílias, tendo em vista os processos eleitorais, expandindo as
políticas sociais dos governos municipais a região; a abertura da estrada e a melhoria
das comunicações, possibilitou um maior conhecimento da população dos seus
direitos sociais e como conseqüência uma maior pressão política das organizações
locais sobre os gestores públicos.
Esses fatores contribuíram para a expansão da infra-estrutura educacional
básica contribuindo para a melhoria dos indicadores de escolarização. Porém essa
expansão acontece de forma distorcida e com ênfase quantitativa.
A distorção ocorre, na medida em que, os gestores centralizam os serviços
educacionais nos conglomerados populacionais maiores, excluindo das melhorias as
estruturas educacionais espalhadas ao longo dos rios. Isto contribui para acelerar um
386

processo de urbanização na região, mudando a forma de produção, onde a moradia


na colocação acaba tornando-se cada vez mais provisória, ou seja, ocupada apenas
na safra da castanha quando os que não estudam deslocam-se aos castanhais para a
coleta. Pressionando cada vez mais os recursos naturais próximos a essas grandes
vilas e desprotegendo as colocações distantes.
Os avanços na educação podem ser avaliados de forma mais quantitativa que
qualitativa, pois a maioria da população considera os serviços de forma negativa, pela
falta de professores. Os que vêm para trabalhar nas comunidades não permanecem
muito tempo, pelas suas diferenças culturais, o que poderá melhorar quando se
conseguir formar professores da própria região. Os professores vindos de fora
geralmente reforçam nas suas práticas educativas os valores externos a realidades
das famílias, com exceção da escola família agroextrativista que tenta utilizar uma
pedagogia de valorização da realidade local.
A escola família padece de dois problemas: a dificuldade de manter em seus
quadros, professores permanentes, em função do regime e contrato de trabalho
temporário, enfrentando alta rotatividade de professores, o que inviabiliza a
continuidade de um trabalho mais efetivo dentro da sua filosofia; o regime disciplinar
mais rígido e a exigência do trabalho dos alunos em atividades de manutenção da
escola enquanto internato, desmotiva os alunos que moram nas principais vilas e
podem recorrer ao ensino médio modular oferecido pelo governo estadual, em
condições ainda mais precárias, sob o ponto de vista da valorização da realidade
local.
A educação acaba sendo um fator que atrai as famílias das colocações para
as comunidades, das comunidades para as grandes vilas e dessas para as cidades,
subtraindo os indivíduos mais dinâmicos e escolarizados da população
agroextrativista.

4.2.5 Evolução no atendimento a saúde

4.2.5.1 PAE Maracá

O Quadro 9 mostra que quando da criação dos PAEs no Maracá, existiam


dois postos de saúde para atender a população da região, ficando um localizado no
387

baixo rio Maracá na localidade de São José e outro no médio Maracá na localidade
denominada de Central do Maracá. No médio Maracá, na localidade de Mari, havia
uma enfermeira atendendo a população local, paga pela Prefeitura de Mazagão. Em
1993, a pesquisa de campo detectou a existência de três postos de saúde
funcionando na região, um na Vila de Maracá mantido pela prefeitura de Mazagão, o
de Central do Maracá mantido pelo governo estadual e um Recreio do Rio Preto,
também mantido pelo governo estadual(LITTLE;FILOCREÃO,1994).
Em 2002 foram registrados no DATASUS, sete postos de saúde funcionando
no assentamento, ou seja, existindo prédio e enfermeiro. Em 2004, no PDA do
assentamento (INCRA,2004) são identificados funcionando, com prédio e
profissionais de saúde, 6 postos, sendo 5 mantidos com recursos do sistema público
(prefeitura ou governo estadual) e um mantido pela igreja católica. Em 2005, o
diagnóstico do RURAP identifica apenas 5 postos de saúde funcionando, sendo que
dos 11 agentes de saúde trabalhando no PAE, 7 se encontram na Vila de
Maracá(AMAPÁ, 2005).
O quadro mostra uma descontinuidade na prestação de serviços básicos de
primeiros socorros na região ribeirinha e uma concentração desse atendimento nas
margens da estrada na Vila de Maracá, local onde a população está se concentrando.

4.2.5.2 RESEX Cajari

No diagnóstico elaborado em 1988 para a criação de reservas extrativistas no


rio Cajari, a situação referente ao atendimento de saúde aos moradores resumiu-se a
esta citação:

Inexiste, em toda a região, qualquer tipo de trabalho preventivo na área


de saúde, ficando seus moradores despojados de orientações
especificas sobre o setor e expostos às mais variadas doenças
endêmicas e não endêmicas, e sujeitos, por conseqüência, à simples e
muita vezes tardia, assistência médica, que, por si só, é praticamente
inexistente(GEMAQUE et al, 1988, p.2).

O Quadro 10 mostra que em 1991 havia no alto Cajari, um posto de saúde


com enfermeiro em Água Branca e um enfermeiro em Marinho. Essa pequena
estrutura era responsável pelo atendimento de primeiros socorros para todas as
famílias que habitavam na circunvizinhança. Em 1993, a pesquisa de campo identifica
a existência de 9 postos de saúde funcionando na região, de forma precária, sendo
388

que dois não dispunham de prédio para funcionar, e um em Macedônia funcionando


com o trabalho não remunerado do enfermeiro. Esses postos eram mantidos pelo
governo estadual (3), pela Prefeitura de Laranjal do Jarí(2) e três pela prefeitura de
Mazagão, o atendimento era basicamente o ambulatorial de primeiros
socorros(FILOCREÃO,1993).
Em 2006, o IBAMA(2006) identifica apenas 5 postos de saúde funcionando na
reserva, enquanto no DATASUS(2007) existe o registro de seis postos de saúde em
funcionamento, com um contingente de 15 agentes de saúde, sendo que 10
encontram-se sediados em Água Branca do Cajari.
Tal qual acontece no PAE Maracá, o quadro mostra uma descontinuidade na
prestação de serviços básicos de primeiros socorros na região e uma concentração
desse atendimento nas margens da estrada, na Vila de Água Branca, local onde a
população também vai se concentrando.

4.2.5.3 RDS Iratapuru

Em 1988, constatou-se que a falta de serviços de saúde para atender aos


moradores da comunidade era uma das principais causas de dependência do
trabalhador local ao patrão. Quando alguém da família adoecia os moradores
recorriam aos patrões, que providenciavam o transporte até Monte Dourado. Isto
chegava a custar Cz$ 6.000,00, equivalente a 8,5 barricas de castanha, que se
convertia em dívida a ser paga em produto na safra da castanha, aumentando ainda
mais esse valor (MENEZES; MORAES, 1988).
Em 1992, com a criação da COMARU e a revitalização da vida comunitária a
partir de 1992, esta cooperativa, através da sua diretoria, é quem busca resolver os
problemas de saúde das famílias. Desde transporte e apoio financeiro quando dispõe
de dinheiro em caixa, ou ainda, o atendimento das receitas através da compra a
credito nas farmácias da cidade, ao socorro aos doentes que precisam se deslocarem
para tratamento de saúde. Atualmente, os doentes da RDS são deslocados para
tratamento no Hospital de Laranjal do Jarí.
A doença mais comum na RDS é a malária, responsável pelo maior número
de internamento, apesar de grandes esforços desenvolvido pela FUNASA, COMARU,
e Prefeitura de Laranjal do Jarí junto a comunidade para enfrentar essa
doença(PDA,1996). O problema é tão sério, que na pesquisa realizada em 1999 pela
389

SEMA, 96,3% das famílias afirmaram ter acontecido casos de malária nos seus
membros nos últimos dois anos. Nesse ano, a comunidade contava com uma agente
de saúde ambiental voluntária treinada pela FUNASA para coleta de sangue e envio
da amostra a Laranjal do Jarí. Caso o resultado fosse positivo, era feito o tratamento
do doente, de acordo com o tipo de malária(MORAES,1999).
Em 2001, a comunidade já dispõe de um posto para diagnóstico da malária
equipado com microscópio, lâminas de observação e bateria alimentada por energia
solar. Com isso identifica-se a doença na comunidade e o tratamento passa a ser
prescrito com mais rapidez. Desde o final de1999, os agentes de saúde têm borrifado
sistematicamente as residência com inseticidas para o controle da doença. Isto
provocou uma redução nos casos de 140 em 1999 para 20 casos em
2000(BARBOSA,2001; JPG, 2002).
Em 2006, quando da pesquisa de campo, tivemos informações da ocorrência
de vários casos da doença no local naquele ano. Antes, se a doença contribuía para
a dependência dos trabalhadores ao patrão, comprometendo seus ganhos da safra
presente e futura. Atualmente, continua comprometendo os ganhos familiares da safra
atual, ficando as famílias endividadas com a cooperativa. Continuando a comprometer,
mesmo que em menor escala, a qualidade da reprodução das unidades familiares.
390

LOCALIDADE SETOR GESTOR 1988 1994 2002 2004 2005


PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL
1- São José Maracá I GEA/PMMZ Regular - - - Regular 01 Regular 01 Regular 01
2-Conceição Maracá I PMMZ Não - Não - Regular 01 Regular 01 Regular 01
3-Curuçá Maracá I PMMZ Não - Não - Regular - Regular 01 - -
4-Rio Navio Maracá I PMMZ Não - Não - Regular - Regular - - -
5-Maracá-mirim Maracá I PMMZ Não - Não - Regular - - - - -
6-São José do Ajuruxi Ajuruxi PMMZ Não - Não - Regular 01 - - - -
7-Mary Maracá II PMMZ Não 01 Não 01 - 02 - - - -
8-Central Maracá Maracá II GEA Regular 01 Precário 01 Regular 01 Precário 01 Precário -
9-Vila do Maracá Maracá II PMMZ Não - Precário 01 Regular 01 Regular 01 Regular 03
FUNASA 04
10-Laranjal Maracá II PMMZ Não - Não - Regular 01 - - - -
11-Antonico Rio Preto PMMZ Não - Não - Regular 01 - - Regular 01
12-Recreio Rio Preto GEA/PMMZ Não - Regular 01 Regular - - - - -
13-José Hilário Rio Preto IGREJA Não - Não - Não - Bom 01 Regular 01

Quadro 9- Evolução da infra-estrutura de atendimento a saúde no Projeto de Assentamento Agroextrativista do rio Maracá
Fontes: Gemaque(1988); Filocreão eLittle(1994); DATASUS(2007) e PDA(2004); RURAP(2005).

LOCALIDADE SETOR GESTOR 1991 1993 2007


PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL PRÉDIO PESSOAL
1-Agua Branca Terra Firme GEA Regular 1 Bom 01 Bom 10
2-Marinho Terra Firme PMLJ Não 1 Não 01 Regular 01
3-Santa Clara Terra Firme GEA - - Em construção Não - -
4-São João Rio Cajari PMLJ - - Regular 01 Regular 01
5-Conceição Rio Cajari GEA - - Regular 01 - -
6-São João II Rio Cajari PMLJ - - Regular 01 - -
7-Aterro Muriaca Rio Cajari PMVJ - - - - Prédio Não
8-Ariramba Ajuruxi PMMZ - - Regular 01 Regular 01
9-São Bernardo Ajuruxi PMMZ - - Regular 01 - -
10-Maranata Ajuruxi PMMZ - - Regular 01 Regular 01
11-São José Ajuruxi PMMZ - - - - Regular 01

Quadro 10- Evolução da infra-estrutura de atendimento a saúde na Reserva Extrativista do Rio Cajari
Fontes: Filocreão(1991,1993), DATASUS(2007)
391

4.2.5.4 As estatísticas da evolução do atendimento a saúde nos castanhais

Os dados da pesquisa mostram que o problema da malária não é


exclusividade da RDS, nos castanhais do Maracá e Cajari, essa doença aumentou
significativamente, em 1993 ocorreram casos de malária em 52,8% das unidades
familiares em 2006 esse percentual aumentou para 66,7%, tornando-se o principal
problema de saúde das famílias entrevistadas, conforme mostra o Gráfico 40. O
principal problema em 1993 eram os problemas de natureza respiratória, que atingia
56,9% das famílias, foi reduzido para 25,0%. As verminoses e os casos de sarampo
também sofreram reduções significativas. Não houve mudanças nos casos das
diarréias que continuam a atingir mais de 40% das famílias e nos acidentes diversos
que atingem percentuais próximos a 10% das famílias.

Doenças mais comuns

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
Malária

Sarampo
Diarréias

Respiratórios

Outras
Verminoses
Acidentes

Problemas

Gráfico 40-Evolução das doenças mais comuns na região.


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Os dados mostram (Gráfico 41) que ocorreu uma diminuição significativa da


procura das famílias pelos agentes tradicionais de saúde, com exceção da procura
ao curandeiro que não sofreu mudanças significativas enquanto um agente que
cerca de 25% das famílias recorrem em caso de doenças. Os enfermeiros ainda
são os mais procurados por 80% das famílias, quando em 1993 o percentual que
recorria a esses profissionais era de 93,1%. Os médicos que eram procurados por
cerca de 50% da famílias hoje são demandados por um cifra de 30%. Houve uma
queda significativa na procura por parteiras tradicionais de 33,3% para 19,4%.
Quanto ao local de tratamento, ocorreu uma queda no tratamento feito em
casa, de 72,7% das famílias para 41,7%, isso implica dizer as famílias vão em
busca da solução dos seus problemas onde lhes parece ser melhor. Os locais
392

preferidos em ordem de preferência pelas famílias tem sido Laranjal do Jarí,


Macapá e Mazagão, nesse aspecto não houve mudanças significativas a um
intervalo de confiança de 95%, conforme Gráfico 42.

A quem recorre nas doenças

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
o ro o i ra ro sa s
ic ei ut
ic
te ei ca ro
éd rm e r d ut
M fe ac Pa an em O
n ur
E r am C at
a
Fa Tr

Gráfico 41-Evolução nos agentes demandados nos casos de doença


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

60,0%
ANO
1993
ANO 2006
50,0%
60,0% 1993
2006

40,0%
Porcentaje
Porcentaje

40,0%
30,0%

52,1%
65,3%
57,1% 40,8%
20,0%

32,4%
20,0%

10,0% 21,1%

24,3% 22,2% 12,7%


11,3% 9,9%
8,5%
5,6% 5,6%
12,5%
10,0% 0,0%
4,3% 4,3% ATÉ 30 MINUTOS DE 31 A 60 DE 61 A 90 DE 91 A 120 ACIMA DE 120
0,0% … … MINUTOS MINUTOS MINUTOS MINUTOS
MAZAGÃO LARANJAL DO SANTANA MACAPÁ OUTRO
JARI

Gráfico 43-Evolução na distancia das famílias


Gráfico 42-Evolução nos locais procurados
aos postos de saúde
para tratamento de saúde
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Observa-se no Gráfico 43 que ocorreu uma mudança significativa nas


distâncias das famílias aos postos de saúde, o que pode ser justificado pelo
processo de urbanização que vem ocorrendo na região. Hoje 52,1% das famílias
gastam tempo inferior a 30 minutos para alcançarem o posto médico, em 1993 o
percentual era de 32,4%. Da mesma forma, 40,8% das famílias que em 1993
gastavam mais de duas horas para chegar ao posto de saúde, reduziu-se para
21,1%. Os meios de transporte utilizados conforme o Grafico 44 passaram por
mudanças, a canoa deixou de ser utilizada com muita freqüência, utilizando-se hoje
393

da bicicleta e aumentando a importância de outros veículos(30,6%) que são os


rabetas, os ônibus e as ambulâncias existente em Água Branca do Cajari e Vila
Maracá.

50,0% 100,0%

ANO
ANO 1993
1993 2006
40,0% 2006 80,0%
Porcentaje

Porcentaje
30,0% 60,0%

48,6% 47,2%
91,7% 94,4%
41,7%
20,0% 40,0%

30,6%

10,0% 20,0%
15,3%

8,3%
4,2% 2,8%
1,4% 5,6% 2,8% 2,8% 2,8%
0,0% … 0,0% … …
A PÉ DE BICICLETA DE CANOA DE VOADEIRA OUTRO NÃO UTILIZA ÀS VEZES SEMANALMENTE MENSALMENTE

Gráfico 44-Meios de transporte utilizados para ir Gráfico 45-Freqüência na utilização dos


ao posto de saude postos de saúde
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Observa-se no Gráfico 45 que não mudou a utilização pelas famílias das


estruturas de saúde, a freqüência de utilização de mais de 90% é do tipo “utiliza às
vezes”, ou seja, quando existe algum problema de saúde, já que não existe um
programa de saúde preventiva consolidado, por parte dessas estruturas. Quanto
aos principais problemas ligados ao atendimento de saúde da população, na sua
avaliação, não houve mudanças significativas. Continua a ser a falta de remédios
na avaliação de quase 90% das famílias (Gráfico 46).
100,0%

ANO
1993
2006
80,0%
Porcentaje

60,0%

89,9%
86,1%
40,0%

20,0%

4,2% 4,3% 6,9% 4,3%


0,0% 1,4% 2,8%
FALTA DE REMEDIOS INSTALAÇÕES FALTA DE OUTRO
INADEQUADAS ENFERMEIROS

Gráfico 46-Principais problemas no


atendimento local de saúde
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
394

4.2.5.5 Síntese da evolução no atendimento de saúde

Os resultados da política de saúde pública nas áreas protegidas não


tiveram os avanços que ocorreram na educação. Percebem-se grandes dificuldades
dos municípios em administrar suas políticas de saúde. Não se consegue colocar
médicos permanentes para atender a população, nem se consegue estabelecer
programas de medicina preventiva que pudessem controlar muitos dos problemas
que persistem através de uma ação educativa na relação higiene e saúde. A
exceção de uma tentativa de saúde preventiva com agentes comunitários treinados
que está sendo implantado a partir da unidade de saúde de Água Branca do Cajari.
O atendimento básico é precário na maioria dos postos de saúde,
resumindo-se aos primeiros socorros, e preparação do doente para ser transportado
para as sedes municipais ou Macapá quando os problemas são críticos. A falta de
medicamentos tem sido um problema crônico em todas as unidades de saúde.
Apesar de todos os esforços da FUNASA para o controle da malária, não
tem se conseguido reduzir essa moléstia, os dados mostram um crescimento da
doença em termos de percentual de famílias com casos de enfermos nos anos de
1993 e 2006.
Na saúde acontece o mesmo fenômeno verificado na educação, os poucos
investimentos que acontecem, resumem-se as povoações maiores nas margens da
estrada, enquanto que as estruturas localizadas nas zonas ribeirinhas estão sendo
abandonadas dos investimentos públicos. Nesse sentido ocorreu uma melhoria
significativa na unidade de saúde de Água Branca, com pessoal, laboratório, prédio
e ambulância, e também na Vila Maracá, que conta com 4 enfermeiros que
atendem os casos emergenciais, as situações mais graves são enviadas a
Mazagão e Macapá em ambulância da prefeitura de Mazagão disponível no local. A
presença de médicos acontece nas Vilas de Maracá e Água Branca do Cajari a
cada 45 dias, vindos de Mazagão e Laranjal do Jarí para fazer consultas, com
pouco tempo de permanência nesses locais.
395

4.2.6 Evolução demográfica nas áreas protegidas

4.2.6.1 PAE Maracá

Nos estudos para a criação dos assentamentos, foram identificados 251


famílias distribuídas nas áreas destinadas aos PAEs: Maracá I (76 famílias) ,
Maracá II (94 famílias) e Maracá III (81). Os PAEs foram criados para garantir o
assentamento de 1039 famílias, ou seja com uma densidade de 350 hectares por
unidade familiar. A Tabela 7 mostra que no PAE Maracá II foram identificados 94
famílias, enquanto a área disponível garantia apenas 65 famílias, enquanto no
Maracá III havia espaço para assentar 760 famílias, de acordo com a densidade
estabelecida pelo MIRAD.
Em 1993, os dados coletados na pesquisa censitária dos PAEs Maracá
revelaram a existência de 400 famílias distribuídas ao longo dos igarapés e rios da
região, perfazendo uma população de 2300 habitantes, o que representava 46,09%
da população rural do município de Mazagão, segundo o Censo de 1991. Nesta
mesma pesquisa, observa-se que das 81 famílias encontradas no Maracá III,
restavam apenas 37 famílias, houve um decréscimo de 45,6 %. Em direção
contrária, no Maracá II vamos encontrar 173 famílias, o que representou um grande
acréscimo de 84,0 % no número de famílias, enquanto no Maracá III, esse
crescimento foi de 21,0%. Em 1993, foram também contabilizadas as famílias
residentes no rio Preto, que pertenciam aos três PAEs(LITTLE;FILOCREÃO,1994).
O crescimento demográfico elevado no PAE Maracá II pode ser explicado
pela abertura de estrada BR 156, no rumo de Laranjal do Jarí, com a criação da Vila
Maracá em 1992, provocando o deslocamento dessas famílias para as
proximidades da estrada e dos serviços públicos de saúde e educação.
No caso do Maracá I, a abertura da estrada parece ter afetado muito pouco
no deslocamento populacional interno.
Em 1997, por solicitação da ATEXMA ao INCRA, os PAEs Maracá I, II e III
foram unificados no Projeto de Assentamento Agro-Extrativista Maracá, com
396

capacidade suporte para assentar 1068 famílias, através da Portaria/GM/No 017 de


28 de abril de 1997. Em 2002, após a demarcação da área do PAE, através de
Portaria de Retificação sem número do Superintendente Regional do INCRA no
Amapá, publicada no Diário Oficial da União do dia 24 de dezembro de 2002, faz-se
uma nova correção, aumentando a área de 365.500 hectares para um total de
569.208,54 hectares e reduz a capacidade suporte de 1068 para 939 unidades
agroextrativistas familiares. No Relatório Técnico de Consolidação de dezembro de
2002, que sugere essa retificação, cita-se a existência de 739 famílias distribuídas
no PAE, sendo que dessas, apenas 632 moravam em casas individuais.
Com a liberação da contagem populacional realizada pelo IBGE em 2007,
pode-se fazer uma estimativa populacional, utilizando o número médio de
habitantes por famílias da pesquisa censitária de 1993 nos PAEs, ou seja 5,8
habitantes/família, a taxa média anual de crescimento do município de Mazagão
entre 1991 à 2000 e 2007, e a relação população do PAE sobre a população rural
estimada do município, chegando-se a previsão da existência de 581 unidades
familiares agroextrativistas em uma população de 3.374 habitantes (Tabela 8) o
que é bem inferior ao número de 732 famílias cadastradas pelo INCRA citadas no
PDA do PAE Maracá(INCRA,2004) e em outros documentos posteriores.
Em 2006, o INCRA por solicitação da ATEXMA realiza um levantamento
das famílias assentadas no PAE e apresenta um relatório em que considera a
existência de 851 famílias ou seja de 4.140 pessoas que se encontram legalmente
cadastradas junto ao INCRA e explorando “seus lotes”, mais 208 famílias
trabalhando na área sem a legalização junto ao INCRA, e 90 que estão
cadastradas e não exploram mais as suas áreas(INCRA,2007). Essas informações
vão de encontro aos dados demográficos identificados nas bases de dados e
censos do IBGE, pois o tamanho médio das famílias é de 4,8 pessoas, quando os
dados sobre as famílias no Sul do Amapá mostram valores médios próximos a 6
pessoas por unidades familiares, e, ao somarmos as 851 famílias legalmente
cadastras com as 208 famílias trabalhando irregularmente, vamos ter um universo
de 1059 famílias o que vai representar valores próximos a 90% da população rural
do município, estimada a partir da contagem populacional de 2007 do IBGE.
Quanto à capacidade suporte do assentamento, foi estabelecida pelo
INCRA, em 30 de março de 2007, uma nova retificação passando a capacidade do
PAE Maracá de 939 unidades familiares agroextrativistas para 1500, sem um
397

estudo mais aprofundado da situação do estoque dos recursos naturais existentes e


das suas formas atuais de manejo.

Tabela 7-Informações demográficas sobre o PAE Maracá

DESCRIMINAÇÃO PAES, SETORES,


REGIÃO
MARACÁ I MARACÁ II MARACÁ III RIO PRETO TOTAL

Famílias existentes em 1988(und) 76 94 81 - 251


Famílias a serem assentadas(und) 214 65 760 - 1039
Área disponível (há) 75.000 22.500 266.000 - 363.500
Densidade existente(há/família) 611 58 1.181 - 1448
Densidade potencial (ha/família) 350 350 350 - 350
Famílias existentes em 1994(und) 92 173 37 98 400
População existente em 1994 (hab) 574 932 211 583 2300
Unificação das Áreas em 1997, 2002 (ha) - - - - 569.208,54
Famílias a serem assentadas 2002(und) - - - - 939
Famílias existentes em 2002(und) - - - - 739
Moradias individuais existentes em 2002 - - - - 632
Famílias existentes em 2004 (und) - - - - 732
Famílias a serem assentadas(2007) - - - - 1500
Famílias assentadas(2007) - - - - 1159
Moradias individuais existentes(2007) - - - - 468
Fontes: MIRAD(1988); Filocreão eLittle(1994); PDA(2004); RURAP(2005);INCRA,(2007).

Quanto à origem da população existente no PAE Maracá, a pesquisa


censitária de 1994, mostrou que esta é uma população tipicamente amazônica,
sendo que 90% dos moradores eram naturais do Amapá, 8% do Pará, enquanto
apenas 2% tinha origem em outro estado brasileiro, com prevalência do Maranhão.
Em 1994, observa-se uma migração interna recente aos PAEs, facilitada pela
abertura da estrada e a criação da Vila Maracá, sendo que a origem desses
migrantes chefes de famílias: 60,3% era do próprio Amapá; 24,1% do Pará; 6,9 %
do Maranhão; e uma fração pequena vinda de outros estados do nordeste e centro-
oeste, como Piauí, Ceará e Goiás(LITTLE ; FILOCREÃO,1994).
Não existem informações sobre as migrações mais recentes que as
identificadas em 1994 para o PAE, pois a entrada no assentamento teria que ser
autorizada pela ATEXMA que tem a concessão real de uso, que tem restringido o
assentamento de novas famílias na área.
398

4.2.6.2 RESEX Cajari

Nos levantamentos para a criação de reservas extrativista no rio Cajari


foram contabilizadadas aproximadamente 570 famílias morando na
região(GEMAQUE,1988). Em 1991, com base nos dados da SUCAM, Sills(1991),
calculava a existência de 2000 moradores na RESEX. Em 1993, o cadastramento e
a pesquisa sócio-econômica detectam 647 famílias. Destas, 622 foram cadastradas,
formando uma população de 3.479 habitantes. Da população, 359 famílias ou
57,8% do total das famílias, habitavam no município de Laranjal do Jarí, com uma
população de 1947 pessoas, equivalente a 27% da população rural do município
segundo Censo Populacional de 1991, enquanto as outras 262 famílias (42,2%),
com uma população de 1532 pessoas encontravam-se morando no município de
Mazagão e representavam 30% da população rural municipal.
O relatório de avaliação do Projeto RESEX IBAMA(2006), trabalha com
uma estimativa da existência atual de 1600 famílias habitando a reserva. Este dado
parece superestimado, tendo em vista que o crescimento demográfico na área é de
natureza vegetativa, não existem indícios de grandes fluxos migratórios, pois as
associações detêm um relativo controle da entrada de novas famílias na região.
Com base na média das taxas de crescimento apontadas pelo IPEA(2002) nos
municípios do Sul do Amapá e utilizando o número médio de pessoas por família,
os resultados da contagem populacional realizada pelo IBGE em 2007, mais a base
de dados de 1994, estimamos um número máximo de 1.123 famílias atualmente
residindo na RESEX, o que equivaleria a uma população de 6.310
habitantes,conforme ilustra a Tabela 8.
Segundo a Relação de Beneficiários (RB) expedida pelo INCRA em 2006,
foram cadastradas (siprados) para fins de acesso aos apoios aos assentados pela
política de reforma agrária 1.158 famílias no interior da reserva. O INCRA trabalha
com uma capacidade de suporte para 1500 famílias.
De acordo com depoimentos do extensionista local Antonio Nunes62, na
parte da Reserva com ligações pela estrada, nos últimos anos, apenas uma família

62
Antonio Nunes.(Extensionista do RURAP na RESEX ).Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Água Branca-AP, mai.2005.
399

de fora passou a morar na região. A ocorrência de algum fluxo migratório mais


significativo, caso tivesse ocorrido, seria nas áreas do baixo Cajari e rio Ajuruxi.
Porém não existem motivos aparentes para que isso ocorra, tendo em vista as
dificuldades que persistem de transporte numa região distante de estradas, além de
que qualquer nova ocupação teria que ser autorizado por duas associações
atuantes na área e também pelo IBAMA.
O maior fenômeno demográfico percebido na RESEX, é uma migração
interna com destino a Água Branca do Cajari, onde se concentra os melhores
atendimento dos serviços públicos de saúde e educação, na área de influência da
estrada. Em 1993 moravam nesta vila 48 famílias, enquanto em 2007, existem 92
residências familiares.
Apesar da história econômica da região Sul do Amapá ter sido conduzida,
no pólo da dominação, por nordestinos como José Julio, portugueses, como o
capitão Crispim de Almeida, americano como Ludwig, e depois por pequenos
comerciantes também nordestinos, a população que permaneceu habitando na
região, é do tipo cabocla de formação amazônica, conforme a pesquisa censitária
de 1993:

Quanto a naturalidade, se observa [..] que esta é uma população


tipicamente amazônica, nascida majoritariamente nos Estados do
Amapá (84 %) e Pará (12 %), na zona rural destes estados, tendo
ainda 2% de origem do Estado do Maranhão e 2% em outros
estados(FILOCREÃO,1993, p.20).

Quanto aos aspectos relativos às características da organização familiar, a


pesquisa mostrou que:

A distribuição desta população em relação as unidades familiares,


considerando o número de moradores por unidade familiar[...], nos
mostra que a maioria das unidades familiares são compostas de 3 a
8 pessoas, sendo que o tamanho médio das famílias é de 5,3
pessoas, enquanto que o número médio de pessoa por
estabelecimento familiar é de 5,6 pessoas.[...]se verifica que o
número de pais que dependem diretamente das unidades familiares
dos filhos é relativamente pequeno, devido ao fato principal de ser
uma população jovem(FILOCREÃO, 1993,p.23).

Quanto ao local de residência, essa população em 1993, mantinha ainda


dominante o hábito das populações ribeirinhas:

[...]os dados nos indicam que 31% das famílias que moram na
RESEX, residem de forma concentrada em pequenos vilarejos que
se constituíram nas margens dos rios, enquanto 62% constituíram
400

suas moradias, de forma dispersa ao longo dos rios(FILOCREÃO,


1993, p.23).

Esta situação vai sofrer modificações com a abertura da estrada e a


concentração de serviços de saúde, educação, energia elétrica e comunicação nas
localidades com população concentrada, o que contribuiu para reduzir a dispersão
até então existente.

4.2.6.3 RDS Iratapuru

Nos levantamentos de 1988 para a identificação de áreas prioritárias para


assentamentos extrativistas, encontrou-se apenas 06 famílias morando
permanentemente no Iratapuru, embora, segundo Menezes e Moraes(1988)
houvessem quase 70 famílias morando no local na época da AMPEX entre 1969 à
1973. Em 1991, esse número dobrou para 12 famílias explorando os recursos locais
de forma permanente, em 1996 já são 18 famílias, sendo que em 1999 no
levantamento feito pela SEMA vamos encontrar um número de 27 famílias,
perfazendo 144 habitantes(FILOCREÃO,1991; PDA,1996; SEMA,1999).
Em 2002 já existiam 190 pessoas em 37 famílias, segundo a JPC(2002),
em 2006, fomos informados que haviam 34 famílias morando de forma permanente
na RDS. Mesmo com a redução de 2002 para 2006, que pode ser explicado pela
saída de famílias ligadas a diretoria que foi destituída por essa época, percebe-se
que está havendo um crescimento demográfico baseado tanto no crescimento
vegetativo como no retorno de moradores antigos, ou seus familiares que se
encontravam na cidade, atraídos pelas melhorias das condições de produção, que
vem ocorrendo na área.
A população residente na RDS é majoritariamente de origem cabocla,
sendo que 38,5% dos chefes de famílias são originados da zona rural do estado do
Pará vindos principalmente dos municípios de Breves e Gurupá; 11,5% são
oriundos da zona rural de estados nordestinos, enquanto 50% são da zona rural do
Amapá, sendo 34,6% do próprio município de Laranjal do Jarí e 19,2 % nascido na
própria comunidade. Destes apenas 14,8% antes de vir para a RDS desenvolviam
atividades diferentes do agroextrativismo, como garimpo e trabalho assalariado nas
empresas da região(SEMA, 1999; BARBOSA,2001).
Quanto à idade, a população é relativamente jovem, sendo que 55%
401

situam-se na faixa etária de 0 a 19 anos; 38,1% na faixa adulta de 20 a 60 anos e


6,3% na faixa etária acima de 60 anos. Quanto a distribuição por sexualidade,
predomina a população masculina com 56,9% sobre a população feminina que
representa 43,1%(SEMA,1999).
Quanto aos riscos de pressão sobre os recursos naturais, estes são muito
pequenos comparando com o PAE Maracá e a RESEX Cajari, já que os
beneficiários diretos da RDS são 35 famílias que tem o direito de usufruir de forma
sustentável os recursos naturais de uma área de 806.184 hectares, o que significa
uma densidade de 23.711 hectares por família. Considerando apenas a castanha, o
recurso que tem sofrido maior pressão, segundo a JGP(2002), existe um processo
de concentração do usufruto dos castanhais desde o fim da fase dos portugueses,
quando as colocações existentes na RDS, cerca de 200, atendiam umas 80 famílias
de modo relativamente homogêneo, enquanto hoje elas estão repartidas entre 35
famílias com grandes variações de potencial produtivo.
Tabela 8- Evolução demográfica nas áreas protegidas do Sul do Amapá
DESCRIMINAÇÃO MUNICÍPIOS, UNIDADES,
REGIÃO
LARANJAL MAZAGÃO VITÓRIA PAE RESEX RDS
DO JARÍ DO JARÍ MARACÁ CAJARI IRATAPURU
População Rural em 1991 (hab.) 2336 4990 4737 - - -
População Rural em 2000 (hab.) 1723 6014 1680 - - -
População Total(1991) 16637 8911 4737
População Total(2000) 28515 11986 8560 - - -
Taxa Média Anual de Crescimento (%) 6,40 3,48 7,07
População Total(2007) 35608 13863 10765 - - -
Taxa Média Anual de Crescimento (%) 3,21 2,11 3,32
População rural estimada(2007) 2152 6958 2112
População Residente em 1993/1994 (hab.) - - - 2300 3617
População Projetada 2007(hab.) - - - 3374 6310
Famílias Residentes em 1993/1994(und.) - - - 400 647 12
Famílias Cadastradas em 1993/1994(und.) - - - 400 622 27
Famílias Projetadas 2007(und.) - - - 581 1126 34
Famílias existentes 2005 e 2007 (dados
oficiais) - - - 1059 1600 35
Fonte: IPEA(2001); Filocreão e Little(1994); Filocreão(1993); Base de Dados (1993, 1994); Pesquisa de Campo
(2006); IBAMA(2006);IBGE(2007); INCRA(2007).

4.2.6.4 Estatísticas da evolução demográfica nos castanhais

Os dados coletados na pesquisa mostram que houve um aumento


significativo no tamanho das unidades familiares, puxado pelas famílias do Maracá.
Em 1993, o número de pessoas por unidade familiar nos castanhais era de 6,75 e
em 2006, o número médio passou para 8,75. Nesse quesito não houve mudança
402

significativa na região do Cajari que manteve um número médio de pessoas por


undidade familiar próximo de 6, conforme podemos visualizar no Gráfico 47. O
Gráfico 48 mostra que não houve mudanças significativas no estado civil dos chefes
de unidade familiares, embora possamos perceber graficamente um aumento no
número de separados e viúvos. A maioria dos chefes de unidades familiares
permanece na condição de casado em valores próximos a 45%, seguido de
amigados em valores próximos a 40%.

ANO 50,0%
10
1993 ANO
Media NÚMERO DE PESSOAS MORANDO NA CASA

2006 1993
2006

8 40,0%

Porcentaje
30,0%
6

45,8%
43,7%
8,75 20,0%
41,7%
4 36,6%
6,75 6,83
6,35

10,0%
2

9,9%
5,6% 7,0%
2,8% 2,8% 4,2%
0,0%
0 SOLTEIRO CASADO AMIGADO VIÚVO SEPARADO
MARACA CAJARI

Gráfico 47-Variação no número médio de Gráfico 48-Evolução no estado civil dos


pessoas por unidade familiar chefes de família
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Houve uma melhoria significativa no acesso dos chefes de famílias a


documentação civil, conforme podemos visualizar no Gráfico 49, esse aumento é
perfeitamente justificado pela necessidade da documentação civil para poder
acessar aos benefícios do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), e a
facilidade encontrada para obter essa documentação, devido a melhoria das
condições de acesso as cidades.

Documentação dos Chefes de Familia

100,0%

80,0%

60,0% 1993
40,0% 2006

20,0%

0,0%
Registro de Carteira de CPF Titulo de Alistamento
nascimento identidade eleitor militar

Gráfico 49-Variação na documentação civil dos chefes de famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
403

Uma mudança observada nos dados, ilustrada no Gráfico 50 diz respeito ao


que vem ocorrendo quanto ao local onde as famílias estão morando, pois
observam-se alterações significativas. Morar na própria colocação, que em 1993 era
o dominante para 62% da famílias, reduziu-se para 26%, enquanto ocorreu um
aumento de 38% para 61% nos que moram nas comunidades organizadas e 13,9%
das famílias entrevistadas moram hoje em áreas urbanas.

ANO
1993
2006
60,0%
Porcentaje

40,0%

62,0% 61,1%

20,0%
38,0%

25,0%

13,9%

0,0% …

NA COLOCAÇÃO NA COMUNIDADE NA AREA URBANA

Gráfico 50- Variação no local de moradia das


famílias
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.2.6.5 Síntese da evolução demográfica

A pesquisa mostrou que existe um sério problema quanto ao controle do


número de famílias que usufruem das áreas protegidas. Essa falta de controle está
presente tanto nas associações como nos órgão públicos co-gestores. Em 1993,
quando do cadastramento da RESEX e dos PAEs foi elaborado um sistema
informatizado para o controle das famílias beneficiárias. Esse sistema foi instalado
nos computadores do CNS-RA para atender as Associações e foram
disponibilizadas cópias para o CNPT e INCRA. Esse sistema não foi devidamente
utilizado na gestão, por isso, não foi atualizado e ficou sem função. Os
questionários do cadastramento que alimentaram o sistema foram destruídos pelo
ataque de cupins. Perdeu-se assim um importante instrumento para auxiliar no
gerenciamento dessas unidades.
Após esses anos, mesmo tendo acontecido uma popularização do uso da
informática, avanços na tecnologia dos sistemas de informações geográficas,
georeferenciamento, acesso a imagem de satélites, etc., essas áreas protegidas
404

não possuem qualquer controle informatizado capaz de facilitar a gestão dos seus
recursos e controle dos seus beneficiários.
Das associações, pode-se até certo ponto compreender a não existência
desses instrumentais. Porém, por parte dos órgãos gestores como o INCRA e o
IBAMA que trabalham com sistemas de informação geográfica, dispõem de
estruturas avançadas de informática, o nível em que se encontra o controle das
famílias desses assentamentos, mostram que não existiu prioridades para com a
viabilização da gestão sócioambiental dessas áreas.
O controle atual que existe por parte das associações são algumas
listagens e o conhecimento tácito da região sem os devidos registros. O CNPT do
IBAMA trabalha com as informações não formais das associações, enquanto
INCRA utiliza um cadastramento para o SIPRA, que é fornecida apenas uma
relação de beneficiários, que para o ponto de vista da gestão pouco contribui. Além
de que a relação de beneficiários apresenta sempre nome de pessoas que não são
do conhecimento da ATEXMA, ou seja, são cadastradas por conta e risco de
funcionários públicos que ficam em Macapá e detém poucas informações da
realidade, causando grandes divergências quanto ao número reais de famílias
beneficiárias.
Existe o risco que esse descontrole do INCRA com relação ao PAE,
estenda-se rapidamente para a RESEX a partir do momento em que ela passou a
ser beneficiária do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), e as famílias
que lá residem passam a ter direitos aos benefícios creditícios e outros apoios da
reforma agrária. Como não existe um controle formal do IBAMA com as
Associações, é provável que tudo o que aconteceu no Maracá repita-se de forma
ampliada no Cajari, devido ao maior tamanho da área e maior dispersão das
famílias. Embora contrariando essa tendência, exista o fato da cultura institucional
do IBAMA ser diferente da do INCRA, o que pode criar um mecanismo de
fiscalização que iniba essa prática na RESEX.
A análise do que aconteceu em termos da falta de controle da população
beneficiária das áreas protegidas deixa a dúvida quanto as suas principais causas:
ou os órgãos públicos responsáveis estão totalmente desestruturados e sem
recursos para as suas atividades de campo; ou criaram-se mecanismos para
desvio dos recursos públicos destinados aos beneficiários; ou foi fruto de práticas
eleitoreiras; ou não existiu prioridades para a viabilização dessas unidades; ou pode
405

ser a interação de todas essas possíveis causas. Não conseguiu-se levantar o nível
de conivência das associações com esses fatos. Na RDS, a coisa tem acontecido
de forma diferente, o número de família é pequeno, o que favorece o controle. Foi
organizado um sistema informatizado para o cadastramento dos moradores
elaborado por uma empresa contratada pela Natura para trabalhar na organização
das famílias para o Plano de Manejo(Allegretti, 2006).
Observa-se que houve um crescimento no tamanho médio das unidades
familiares, o que pode significar uma redução na migração para cidade, resultante
das melhorias verificadas no acesso a educação das pessoas mais jovens.
Também se verifica que atualmente os chefes de famílias estão com a sua
documentação civil regularizada, o que pode ser resultante das necessidades de
acesso aos benefícios oferecido pela política de reforma agrária, pela política social
e previdenciária e acesso ao crédito rural.
Os dados mostram um processo de urbanização ocorrendo a partir das
maiores vilas existentes nesses assentamentos e um afastamento da moradia
permanente das colocações. Também podemos perceber a existência de um
contingente de famílias que moram nas cidades e trabalham nas suas colocações
apenas no período da safra.

4.2.7 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução social

Foto 7- RESEX Cajari: Os ônibus de linha que Foto 8 - PAE Maracá: Caminhão de transporte
ligam diariamente Macapá a Laranjal do Jarí. da produção para feira em Macapá.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
406

Foto 9 - PAE Maracá: Motores rabeta usado Foto 10- RESEX Cajari: Motor rabeta utilizado
no transporte da produção de castanha no transporte interno.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 11-RDS Iratapuru: Voadeira, transporte Foto 12-RDS Iratapuru: Batelão com motor de
muito utilizado internamente. popa, utilizado no transporte de carga.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2006).

Foto 13-RESEX Cajari: A motocicleta, vem Foto 14-PAE Maracá: As vans, utilizadas no
sendo utilizada no transporte interno. transporte escolar.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
407

Foto 15-RESEX Cajari: Casas construídas com Foto 16- PAE Maracá: Casas construídas
recursos do PNRA em Água Branca. com recursos do PNRA em Vila Maracá.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 17-RDS Iratapuru: Casa típica de Foto 18-RESEX Cajari: Casa construída com
morador da comunidade de São Francisco. recursos do PNRA.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 19-RDS Iratapuru: Residência provisória Foto 20-RESEX Cajari: Retiro provisório para
durante a coleta da castanha. a coleta da castanha.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007) Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
408

Foto 21-RDS Iratapuru: Radiofonia no interior Foto 22-RDS Iratapuru: Módulo para acesso a
do castanhal para comunicar com a vila. Internet a energia solar doado a COMARU pelo
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). GREEN PEACE.
Fonte: Pesquisas de Campo(2006).

Foto 23-PAE Maracá: O telefone publico o Foto 24-RESEX Cajari: A televisão tornou-se
meio de comunicação mais utilizado. uma fonte de informação e lazer das famílias.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 25-PAE Maracá: Na Vila Maracá, prédio


Foto 26-PAE Maracá: Na área ribeirinha,
escolar de qualidade.
prédio escolar caindo aos pedaços.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
409

Foto 27-RESEX Cajari: Escola construída pela Foto 28-RDS Iratapuru: Prédio Escolar
Prefeitura Municipal de Laranjal do Jarí. construído pela Fundação Orsa.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 30-PAE Maracá: Prédio da Escola Família


Foto 29-RESEX Cajari: Escola muncipal Agroextrativista.
construída na comunidade de Martins. Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 31-PAE Maracá: Posto de Saúde de Vila Foto 32-RESEX Cajari: Unidade de Saúde de
Maracá. Água Branca.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007 Fonte: Pesquisas de Campo(2007
410

4.3 EVOLUÇÃO AMBIENTAL

4.3.1 A espacialização do PAE Maracá

Em 1988, para a criação dos três projetos de assentamento: o Maracá I, o


Maracá II e o Maracá III, utilizou-se uma área de 363.500 hectares dos 580.000
hectares desapropriados pelo GEBAM. A referência principal da divisão dessa área
foi o curso do rio Maracá, considerando-se as diferenças geográficas encontradas
ao longo do rio, relacionadas com os ecossistemas formados pela diferença de
relevo e a ocupação humana existente.
O diagnóstico elaborado por Dubois(1989) para subsidiar as atividades
iniciais nos PAEs, propõe uma espacialização da área em quatro sub-espaços ou
“unidades naturais”, considerando as diferenças de ecossistemas e formas de uso:
baixo rio Maracá, médio rio Maracá, alto rio Maracá e nascentes do rio Maracá.
Nesse diagnóstico fez-se uma caracterização do meio físico, das potencialidades
dos recursos naturais, das suas utilizações e dos problemas ambientais
identificados:
c) O Baixo Maracá: abrangendo o curso inferior do rio Maracá e sua
confluência com o Amazonas. As matas de várzeas e igapós dominam a
paisagem, enquanto a mata de terra firme encontra-se longe das
margens do rio. As atividades econômicas dos moradores desenvolvem-
se no rio, através da pesca; e, nas várzeas, cujos principais produtos
extrativos são os frutos e palmito do açaizeiro (Euterpe oleracea), o látex
da seringueira (Hevea brasiliensis), madeiras para uso local (diversas) e
para venda as madeireiras (a ucuuba, Virola surinamensis; a andiroba
Carapa guianensis; o pau mulato Calycophyllum spruceanum e a
sumaúma, Caiba pentandra). A agricultura limita-se às áreas de relevo
relativamente mais alto (várzeas altas e restingas). Nessas áreas, de
extensão restrita, os ribeirinhos desenvolvem suas lavouras brancas
(mandioca e macaxeira, arroz, milho, jerimum). As famílias radicadas nas
margens mais baixas do rio não têm atividade agrícola ou quando podem,
cultivam milho, no período de águas baixas (janeiro a abril). O Baixo
Maracá corresponde a grosso modo à área de atuação do Projeto de
411

Assentamento Extrativista Maracá I.


d) O Médio Maracá: área correspondente ao Projeto Maracá II, termina na
altura da Cachoeira da Pancada (primeira cachoeira para quem está
subindo o rio). Na medida em que se desloca do Baixo Maracá, rio
acima, a largura média das matas de várzeas, nas margens do rio diminui
e os pontos de contato direto da mata de terra firme com o rio tornam-se
progressivamente mais freqüentes. Esta característica permite a
transferência de parte das atividades agrícolas da várzea para a terra
firme, possibilitando principalmente o cultivo da mandioca em maior
escala, bem como uma maior produção de banana e milho. Por outro
lado, subindo o rio, a ocorrência natural do açaizeiro torna-se mais rara e
surgem gradativamente as castanheiras do Brasil (Bertholettia excelsa),
as quais crescem exclusivamente em solos de terra firme. Nas matas de
várzea, existe ocorrência de seringueiras. O Médio Maracá caracteriza-
se também, no período de "águas altas", pela ocorrência de grandes
lagos, de excepcional beleza e grande importância do ponto de vista da
conservação da fauna piscícola e aves lacustres. Entre eles, cita-se o
Lago da Lontra, que merece, segundo o diagnóstico, uma atenção
especial do ponto de vista conservacionista. Entre o Lago da Lontra e a
Cachoeira da Pancada, observam-se faixas de campos naturais do tipo
"cerrado".
e) O Alto Maracá: abrange a zona das 26 cachoeiras e áreas localizadas
entre as cachoeiras e as cabeceiras da bacia. A vegetação dominante é a
mata alta de terra firme, com predominância local de extensos castanhais
silvestres.
f) As Cabeceiras da Bacia do Maracá: de relevo mais alto, composto de
mata de terra firme. Segundo esse diagnóstico, essa região vinha
sofrendo os efeitos negativos de garimpagem de ouro. De acordo com
Sills:

A Mineração Rio Maracá Ltda. achou ouro e cassiterita na região do


Maracá. Existem dois garimpos no alto rio: Piris e Araras. Piris fica
acima de sete cachoeiras grandes, e Araras fica acima de quatro
mais. Em total são 22 cachoeiras no rio abaixo do garimpo de Araras.
Em 1991, Araras era quase desactivado[sic], enquanto Piris tinha só
oito máquinas de garimpagem. Uma pista de pouso foi construída em
Piris, mas foi logo abandonada. O Piris tinha entre 100 e 300
412

garimpeiros nos anos oitenta, mas em 1991 teve menos que 30.
Cassiterita nunca foi explorada na vizinhança do Rio Maracá(SILLS,
1991, p.31).

Em 1994, por ocasião do cadastramento da população residente dos PAEs,


é criada uma nova setorização, que considera os espaços dos PAEs sobre
influência direta do rio Maracá, tratado como setores Maracá I, Maracá II, Maracá III
e mais o setor rio Preto. Esta nova setorização teve um caráter operacional, embora
levasse em consideração as diferenças sócio-culturais existentes entre as
populações dos dois rios. Talvez ela fosse mais precisa, se tivesse considerado
também como parte de um outro setor os habitantes da margem esquerda do rio
Ajuruxi.
Essas diferentes setorizações refletem a complexidade inerente a história
social e natural da região. Apesar de ter-se utilizado as setorizações como um
recurso necessário para aproximar-se da diversidade e complexidade existente, sob
o ponto de vista administrativo, o PAE Maracá caminhou em direção contrária, visto
que foi constituída uma única associação para gerenciar os três projetos, um único
Plano de Utilização e uma única entidade concessionária, forçando-se assim a uma
unificação dos PAEs, o que de certa forma contribuiu para as dificuldades
enfrentadas na gestão do Projeto, face a grande extensão da área e dispersão da
população.
A unificação administrativa dos PAEs, contribuiu para que a atuação da
ATEXMA praticamente fosse reduzida a Vila Maracá, para onde a população
acabou sendo atraída. Houve uma tentativa de quebrar essa unicidade político-
adminstrativa com a criação da Associação do Rio Preto, porém sem ter muita
ressonância, visto que o poder institucional estava com a ATEXMA, concessionária
do PAE.

4.3.2 A espacialização na RESEX Cajari

A área da atual RESEX Cajari é constituída de três grandes ambientes, que


no Relatório sobre a Socioeconomia de 1993 são descritos como:
g) Ecossistema de floresta densa: neste observa-se a ocorrência de
grandes árvores, onde predominam a castanheira, o angelim, a copaíba,
a cupiuba. Neste tipo de ecossistema verifica-se na fauna existente, a
presença da anta, da cotia, preguiças, entre outros, e nas partes mais
413

densas predominam as espécies arborícolas como o quati, os macacos,


e ainda os gatos do mato. A ocupação econômica deste ecossistema
deu-se principalmente pela atividade de coleta da castanha e de gomas
como a balata, a seringueira e a maçaranduba.
h) Ecossistema de campos de cerrado: caracterizada por formações
arbustivas e árvores esparsas nas zonas de transição ou na orla das
matas. Constitui-se em um habitat preferido para animais de hábitos
terrestres, como répteis, pequenos roedores e os mamíferos herbívoros,
como os veados. Não se observa ainda nos cerrados uma ocupação
econômica como a verificada nos outros ecossistemas da reserva. Em
algumas áreas de transição utilizam-se as pastagens naturais para a
alimentação dos muares que são utilizados na coleta da castanha.
i) Ecossistemas de áreas ribeirinhas e de água doce: nestes
ecossistemas encontra-se uma fauna mais abundante tanto terrestre
como aquática, observando-se jacarés, tartarugas, lontras, ariranhas,
capivaras, anta, paca, além da grande quantidade de pássaros como
marrecos, garças, socós, patos, e peixes. A ocupação econômica destes
ecossistemas deu-se pela extração do látex, madeiras de várzeas e
açaizais para fruto e posteriormente palmito. Nestes ecossistemas é que
se concentra o grosso da população da Reserva, principalmente, devidos
aos pontos de escoamento da produção, pela malha fluvial.
Quando criada, a RESEX Cajari, através do Decreto 99.145 de 12 de março
de 1990, abrangia uma área aproximada de 481.650 hectares, localizando-se
geograficamente em dois municípios do Sul do Amapá: Mazagão e Laranjal do Jarí.
O município de Laranjal do Jarí, em 1994, subdividiu-se em dois municípios: Vitória
do Jarí e Laranjal do Jarí. Da mesma forma, a parte da reserva que pertencia ao
município de Laranjal do Jarí, sofre a subdivisão. Assim, sob o ponto de vista
político-administrativo a RESEX Cajari, que teve a sua área ampliada por Decreto
para aproximadamente 501.711,1014 hectares em 1997 encontra-se setorizada, em
três municípios, e esta setorização traz implicações, quanto ao tratamento
diferenciado aos seus moradores, no que diz respeito as políticas públicas que cada
vez mais vão se municipalizando.
Em 1993, quando se executou o cadastramento e a pesquisa
socioeconômica abrangendo todos os moradores da reserva, levando-se em
414

consideração a diversidade existente quanto a ocupação do espaço e a utilização


dos Recursos Naturais, definiu-se como uma estratégia para não perder essa
diversidade na coleta de dados e na análise, em dividir a área da Reserva
Extrativista três grandes setores:
j) Setor de Terra Firme: este setor compreendia as áreas de influências da
rodovia Macapá-Laranjal do Jarí, caracterizada pela concentração dos
castanhais, sendo naquela época a área com um maior intercâmbio com
os principais centros urbanos do estado, devido a ligação por estrada.
k) Setor Rio Cajari: este setor compreendia a região que margeia o Rio
Cajari, onde a economia é sustentada pela pequena agricultura, extração
de palmito e uma pequena quantidade de castanha, dispondo de um
grande potencial em seringais. É uma região que se encontrava bastante
isolada dos centros urbanos, seja pela distância como também pela
deficiência de transportes regulares, já que o acesso era
preferencialmente pelo transporte fluvial.
l) Setor Rio Ajuruxi: este setor abrangia uma região de difícil acesso, que
compreende a parte litorânea da Reserva e as regiões de lagos dos rios
Ajuruxi e Ariramba. Neste setor predomina as florestas de várzeas, tendo
a sua economia sustentada pela coleta de açaí, extração de palmito e
madeira. Sendo uma região de seringais e sem a existência de
castanhais. O acesso a este setor dava-se exclusivamente por transporte
fluvial.
Essa setorização foi adotada no planejamento e encaminhamento das
atividades iniciais do CNPT-AP e utilizada também na fase I do Projeto RESEX do
PPG-7. Já em 1999, quando se opta por criar mais duas associações para facilitar a
co-gestão da reserva, passou a prevalecer no planejamento e gestão, inclusive da
fase II do Projeto RESEX, uma setorização administrativa baseada na área de
responsabilidade de cada associação, ou seja:
m)Área da ASTEX-CA: abrangendo a região do alto rio Cajari, até a
comunidade de Anuerá no rio Ariramba, englobando as áreas dos
castanhais que são atendidas por estradas. Esta região é constituída de
áreas de terra firme, constituída de florestas densas e campos de
cerrados. É cortada pela BR-156 no seu trecho que liga Macapá a
Laranjal do Jarí facilitando aos moradores o acesso aos principais
415

mercados. Neste setor localiza-se a maior parte dos castanhais da


reserva. Pela concentração que vem ocorrendo dos serviços públicos
como saúde e educação, a região é um pólo de atração aos moradores
da RESEX, observando-se a formação de novos vilarejos às margens da
rodovia. A principal vila dessa área é Água Branca do Cajari, formada ao
redor da antiga filial dos empreendimentos extrativistas do passado.
Conta atualmente, com uma população que ocupa 92 domicílios
familiares. Possui escola de 1° grau e 2° grau no sistema modular,
Unidade Básica de Saúde com ambulância, sistema de tratamento de
água, escritório de extensão rural do RURAP, 5 mercearias, uma igreja
católica e uma evangélica. Em Água Branca fica sediada a ASTEX-CA,
enquanto em Santa Clara fica sediada a COOPERALCA.
n) Área da ASSCAJARI: abrange a área de influência do médio e baixo rio
Cajari, até a sua foz na comunidade de Santa Ana. É uma área
predominantemente de várzeas com grandes extensões de açaizais,
muito utilizados na extração de palmito e grandes faixas de campos
naturais, que foram utilizados no passado pelo Projeto Jarí, e atualmente
pelos moradores, na criação de búfalos. Existem próximo às várzeas,
pontas de terra firme, utilizadas para a agricultura. A produção de
castanha dessa região é pequena, enquanto é detentora de muitos
seringais que foram explorados no passado. A principal vila dessa região
é Conceição do Maracá, onde foi construída a fábrica de palmito e onde
ficam sediadas a ASSCAJARI e a COOPERCA.
o) Área da AMAEX: abrange a faixa litorânea do rio Amazonas e as áreas
de influência do rio Ajuruxi pertencentes a reserva. Predomina nesta
região, as várzeas estuarinas. No interior do rio Ajuruxi, formam-se
numerosos lagos temporários. É uma área rica em açaizais, e que foi
muito pressionada pela exploração madeireira e palmiteira. Foi uma
região que até a criação da AMAEX manteve-se afastada das decisões
referentes a reserva, pelo seu isolamento em relação as demais. Os
moradores sobrevivem da agricultura, extração de palmito e açaí fruto,
pesca do camarão e madeira. É região de limite entre o PAE Maracá e a
RESEX Cajari.
Sobrepondo essa espacialização administrativa da RESEX, com as áreas
416

municipais, vamos ter uma situação em que a área da AMAEX encontra-se apenas
no município de Mazagão, a área da ASTEX-CA faz parte dos municípios de
Mazagão e Laranjal do Jarí, enquanto a área da ASSCAJARI se encontra em
domínios políticos administrativos dos três municípios do Sul do Amapá. Esta
setorização exige um esforço articulador maior por parte da ASSCAJARI para
garantia de direitos sociais dos seus associados, que o das outras associações.

4.3.3 A espacialização na RDS Iratapuru

A RDS Iratapuru foi criada em áreas administrativas pertencentes a três


municípios: Laranjal do Jarí, Mazagão e Pedra Branca do Amapari. A população
diretamente beneficiária reside no município de Laranjal do Jarí.
Segundo um estudo para o plano de manejo florestal dos
castanhais(JGP(2002), quanto a vegetação, a RDS Iratapuru pode ser
espacializada em três áreas, todas com predominância de Floresta de Terra Firme:
p) Porção Central e Norte: recoberta predominantemente por Floresta de
Terra Firme de alto porte de alto porte, com domínio da castanha do pará
na forma de núcleos emergentes(castanhais), ocorrendo estreitos
encraves de Floresta de Várzea nos terraços fluviais;
q) Borda do Planalto de Maracanaquara: dominado por Florestas de Terra
Firme de alto porte com dossel pouco estratificado e Florestas de Terra
Firme de baixo porte, com alta freqüência de heliófilas, associadas a
topos e encostas de relevo acidentado, além de um encrave pontual de
floresta de baixo porte associada a refúgios rochosos, denominadas de
“Carrascos”;
r) Reverso do Planalto Maracanaquara: com ocorrência de Florestas de
Terra Firme de alto porte com castanheiras dispersas no estrato
emergente (sem formar castanhais bem delimitados), além de encraves
de Campinarana, de campos herbáceos periodicamente inundáveis, e de
áreas alteradas, na foz do rio Iratapuru, onde se situa a vila de São
Francisco e num trecho na margem do Jarí.
Em decorrência das suas condições ambientais, essas áreas são de uma
grande riqueza faunistica, com a presença de animais típicos habitantes da floresta
tropical úmida, destacando-se aves de variadas espécies, sendo as mais comuns:
417

os papagaios, araras, tucanos e variadas espécies de passarinhos; da mastofauna,


destacam-se a presença de porcos do mato(Tayassu tacaju),
capivaras(Hidrochoeros hidrochearis) cotias(Dascyprocta aguti), pacas(Cuniculus
paca), tatus (Dasypus novencintus), etc; além de uma grande quantidade e
variedade de cobras e jacarés(SEMA,2002).
Sobre o ponto de vista da ocupação econômica, as famílias, no passado,
distribuíam-se ao longo dos rios Iratapuru e Jarí. Com as dificuldades ocorridas com
o fim da hegemonia das empresas extrativistas, os moradores que moravam no alto
rio Iratapuru, mudaram-se para as proximidades da foz desse rio devido às
dificuldades de transporte. Com a criação da COMARU, iniciou um processo de
concentração das famílias próximas a fábrica de beneficiamento, buscando o
acesso a energia elétrica, água tratada, escola e atendimento de saúde, isto criou a
seguinte espacialização:
s) Foz do rio Iratapuru: local onde são instaladas as habitações
permanentes e as estruturas de atendimento a comunidade, como
escola, posto de diagnóstico de malária, gerador de energia elétrica,
estação de tratamento de água, igreja, campo de futebol, etc. Neste
espaço é que são desenvolvidas as atividades agropecuárias dos
moradores como a roça e criação de animais. Pela concentração das
famílias, neste espaço a pressão sobre a caça e a pesca é maior.
t) Alto rio Iratapuru: área onde são explorado os castanhais, chegando a
distância de até 250 km rio acima, atravessando 23 corredeiras, é o local
onde os trabalhadores localizam-se na safra da castanha, habitando em
retiros temporários, que são reconstruídos a cada safra da castanha.
Nessa região a caça é mais abundante.

4.3.4 Problemas e conflitos ambientais no PAE Maracá

Os estudos coordenados por Dubois(1989) registram os principais


problemas e conflitos ambientais existentes na região, quando foram implantados
os PAEs Maracá I, II, e III:
1-Devastação dos açaizais: no baixo curso do rio Maracá, avançando para
o médio curso, identificou-se um processo de devastação dos açaizais para
atender as necessidades de palmiteiros, já que a extração do palmito não obedecia
418

as práticas de manejo recomendadas para uma produção sustentável de frutos e


palmito:

A quantidade de açaizeiros, nas várzeas, era grande, porém na sua


grande maioria, os açaizais foram dizimados nesses últimos anos por
iniciativa dos grandes usineiros de palmito. Na oportunidade dessa
exploração sistemática, desenfreada, cortaram apenas os topos dos
açaizeiros quando, na forma tradicional de aproveitamento dos
açaizais, depois de desprender o broto terminal, deve se fazer um
segundo corte do caule na base, eliminando o caule pois cortando-
se apenas o topo do açaizeiro, esse caule decapitado apodrece,
causando a morte da touceira inteira(DUBOIS,1989, p.8).

Segundo esses estudos, a população já percebia uma redução na


quantidade dos frutos de açaí que são muito utilizados na base alimentar da região;
2-Redução no estoque madeireiro: as espécies madeireiras de várzeas e
terra firme, muito procuradas pela indústria de madeira serrada e compensado são
registradas como em via de desaparecimento rápido, principalmente nas partes
mais acessíveis das várzeas do baixo rio Maracá e seus tributários, como a virola
ou ucuuba de várzea (Virola surinamensis), a sumaúma(Ceiba pentandra) o
cedro(Cedrela odorata) a macacaúba (Platymiscium ulei) e o acapú(Vaouacapoua
americana);
3-Contaminação de mercúrio: nesse diagnóstico faz-se referência aos
efeitos negativos da atividade garimpeira de ouro nas cabeceiras da bacia do
Maracá, causando a poluição dos cursos d’água pelo mercúrio;
4-Desmatamentos e formação de fazendolas: também foram identificados
grandes desmatamentos para transformação da floresta em campos de pastagem e
canais pelos fazendeiros. Foi registrado:

[..]Que nestes últimos meses, especialmente depois que foi veiculado


oficialmente a destinação da área do Maracá para fins de Reserva
Extrativista, houve um crescimento enorme da devastação dos
açaizais pelas palmiteiras e desmatamento de árvores nativas em
vários pontos do rio Maracá, próximo das colocações dos
extrativistas, e tentativa de ‘fabricar posse de terras’, forçando o
INCRA a indenizar as ‘benfeitorias’ existentes(DUBOIS, 1989, p.40).

Uma citação importante das conclusões desse primeiro estudo sobre os


PAEs Maracá I, II e III, retrata uma síntese das transformações na relação homem
natureza identificada:

As comunidades ribeirinhas estão passando por tanto[sic], de um


modelo de vida extrativista tradicional e conservador
fundamentalmente de convívio com a mata e poucas atividades
419

agrícolas, para um modelo ‘arriscado’, onde a produção agrícola


(lavouras brancas) e a exploração destrutiva de palmito e madeiras
tornam-se componentes chaves da luta para uma sobrevivência
imediatista(DUBOIS,1989,p.16).

Em 1991, a pesquisadora Erin Sills registra os prejuízos que ocorriam pela


criação de búfalos nos rio Maracá e Cajari, modificando o ambiente e atingindo as
duas principais atividades de subsistência da população local, a roça e a pesca:

-invadem e comem as roças(não respeitam cercas);


-dificultariam programas agroflorestais;
-empurram e prejudicam as hortas e as casas;
-são perigosos para crianças que têm que andar a escola;
-destroem as áreas de criação de peixe(os campos inundáveis);
-aprofundam os canais nos campos inundáveis(SILLS,1991, p.37).

Em 1993, o GT do INCRA-AP criado para efetuar propostas para a


efetivação dos PAEs Maracá, em seu diagnóstico, além de registrar o agravamento
dos problemas ambientais já conhecidos, apresenta novos problemas, ligados
direta ou indiretamente a abertura da estrada Macapá-Laranjal do Jarí:

A falta de fiscalização sistemática na área tem possibilitado a caça e


a pesca predatórias, praticada principalmente por pessoas que se
deslocam para a área nos finais de semanas – geralmente de
Macapá – vem causando drástica redução dos estoques naturais
desses recursos, agravando ainda mais a já difícil situação das
populações locais.Durante a época do verão (período de estiagem),
elevado número de geleiras (barcos próprios para pesca comercial)
retira da área grande quantidade de pescado(INCRA, 1993, p.2).

Em 1994, no relatório socioeconômico, novamente são registrados os


conhecidos problemas ambientais existentes, ressaltando-se a continuidade das
atividades madeireiras ilegais nas várzeas, com a permanência de serrarias;
acrescentando a existência da atividade madeireira ilegal também nas margens da
estrada, pressionando os estoques florestais da terra firme; a permanência da
atividade garimpeira, embora em escala reduzida em relação ao passado,
acrescentando a existência de prospecção mineral por empresas; a manutenção e
aumento da criação de búfalos pelo aparecimento de novos fazendeiros; a invasão
por agricultores familiares sem tradição extrativista ao longo da estrada; a
diminuição da atividade palmiteira devido a redução de estoques de açaizais; o
aumento da pesca predatória com interesse comercial, além de mostrar uma
preocupação com a crescente urbanização desordenada da Vila Maracá, que
420

poderia tornar-se em um sério problema para o futuro dos PAEs(LITTLE;


FILOCREÃO,1994).
Em INCRA (2004), percebe-se no diagnóstico participativo realizado, que
para a comunidade os principais problemas ambientais que ainda persistem no
PAE, são:
-Pescaria clandestina: a denúncia de invasão e pesca clandestina no rio
Branco foi largamente debatida por todos os presentes que afirmaram ser esta
praticada por pessoas influentes no cenário político do Estado. Para os assentados
o uso indiscriminado de redes malhadeiras e de outros apetrechos predatórios vem
causando sérios danos aos estoques naturais do referido rio, com prejuízos diretos
à pesca artesanal das populações humanas locais;
-Criação de búfalos: afirmam os assentados que a criação extensiva de
búfalos como ocorre na fazenda Cajari, tem trazido grandes prejuízos a vida
aquática local, refletindo-se diretamente nas oportunidades de caça e pesca da
comunidade. Para essas pessoas, muitos criatórios naturais de peixes e jacarés do
igarapé do Lago foram deteriorados pela criação desses animais;
-Exploração clandestina: a denúncia de exploração clandestina do cipó titica
(Heteropsis sp.) através do ramal Caranã foi levantada pelos presentes que
solicitaram medidas urgentes de controle. Para alguns assentados, é um contra-
senso brutal, saber que a comunidade extrai o referido cipó apenas para suas
necessidades artesanais, enquanto outras pessoas estranhas passam a explorar
em escala comercial;
Em síntese, a história ambiental do Maracá mostra uma grande dificuldade
que os gestores públicos e privados tiveram para fazer cumprir as regras e normas
criadas para os PAEs. Do lado do poder público, representado pelo INCRA,
responsável principal pela arrecadação e regularização das terras desapropriadas,
fiscalização e retirada dos empreendimentos incompatíveis com a filosofia do
assentamento para posterior repasse dos direitos real de uso as populações para o
qual o assentamento foi criado, não cumpriu suas responsabilidades, entregando a
concessionária, um projeto de assentamento extrativistas com empreendimentos
madeireiros, pecuários, garimpeiros, e palmiteiros funcionando no seu interior e
destruindo as condições de sobrevivência dos assentados.
Do lado dos beneficiários, além de receber a concessão de uso das terras
com vários empreendimentos irregulares no seu interior, não recebeu os recursos
421

(técnicos, materiais e financeiros) necessários para boa gestão de um


empreendimento de tal magnitude, numa situação em que a organização
encontrava-se enfraquecida politicamente e sem a mínima estrutura econômica
para garantir os direitos dos beneficiários através das instâncias jurídicas da
sociedade. Assim, o determinante da manutenção de atividades incompatíveis com
a filosofia do PAE e predatórias ao ambiente acabou sendo o mercado regulado
pelos estoques de recursos, que afastou as palmiteiras pela devastação dos
açaizais, os garimpeiros pelo esgotamento de estoques econômicos de ouro,
afastando aos poucos as serrarias pelo custo de se acessar novos estoques de
madeira e consolidando as fazendas de búfalos irregulares no interior do projeto e
oferecendo novas alternativas para agentes externos, como cipós, caça e pesca,
em caráter também irregular.
Quanto aos índices de desmatamento ocorridos na área do PAE, foi
identificado pela SEMA(2004), uma área desmatada de 10.382,13 hectares, até o
ano de 2004, o que equivale a 1,83% das florestas do assentamento e de 18,4% do
total da área desmatada no Sul do Amapá, conforme podemos vislumbrar na Tabela
9.

4.3.5 Problema e conflitos ambientais na RESEX Cajari

Os problemas ambientais da RESEX tiveram até a sua criação uma feição


diferente da ocorrida no PAE Maracá. Antes da criação da reserva, o domínio da
região era exercido por uma grande empresa, que tinha um relativo controle sobre
as áreas de influência do rio Cajari. Através de seguranças armados, conseguia
impor o respeito sobre os invasores e exploradores dos seus recursos naturais.
Nesse sentido, o nível de devastação dos seus recursos ocorria em menor
velocidade que no rio Maracá.
No alto Cajari, nas áreas dos castanhais antes da criação da reserva, por
não haver a pressão externa imposta pelas estradas, a população desenvolvia a
coleta da castanha complementada por agricultura de derruba e queima em
pequenas roças de mandioca, arroz, milho e feijão, cujo tamanho era determinado
pela capacidade da força de trabalho familiar(FILOCREÃO,1983).
Com a criação da reserva e a abertura da estrada ligando Macapá à
Laranjal do Jarí, começa a acontecer uma pressão de pessoas vindo de fora com o
422

intuito de derrubar grandes áreas de roçado para um volume de produção maior


que a dos moradores. Um dos casos mais graves foi de um produtor goiano que foi
atuado pelo IBAMA:

Na data de 08 de outubro de 1992, através de uma viagem de


fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis a Reserva Extrativista do Rio Cajari, após
receber informações da Fiscalização da Coordenadoria Estadual de
Meio Ambiente – CEMA, se detecta que o senhor Tadeu Moreira de
Freitas, morador recente da comunidade de Acampamento, havia
desmatado uma área estimada de 40 tarefas, sendo esta dimensão
muito superior a área média desmatada pelos beneficiários da
Reserva que é de 4 tarefas.Por este motivo o referido senhor é
notificado através do documento no 056607 para comparecer ao
Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado de Populações
Tradicionais, que é o órgão do IBAMA responsável pela
administração da Reserva(FILOCREÃO, 1994, não paginado).

Esse agricultor compareceu ao CNPT e foi informado que a área era do


governo federal, era uma Reserva Extrativista e ele só poderia desmatar uma área
do tamanho médio dos outros moradores. Esse senhor resolveu sair da reserva e
com apoio do governo estadual, tentou implantar um assentamento agrícola em
1994, nos limites da reserva em área de castanhal utilizado pelos moradores. Essa
tentativa também foi abortada pelo IBAMA(FILOCREÃO,1994).
Este exemplo mostra que o IBAMA agiu com firmeza para conter as ações
predatórias que aconteceram no alto Cajari, favorecidas com a abertura da estrada,
advindas de madeireiros, caçadores e pescadores de fora da reserva. Em 1991,
ainda foi registrada a extração e venda de madeira em Santa Clara no alto rio Cajari
(MATEDI,1991). Após a criação do CNPT, em 1993, a pesquisa socioeconômica
registra que a madeira extraída nesse setor já era apenas para o consumo dos
moradores((FILOCREÃO,1993).
O envolvimento dos moradores na fiscalização como fiscais colaboradores,
a participação da ASTEX-CA na co-gestão, o sistema de radiofonia ligando as
comunidades com o IBAMA contribuiu para que os temidos efeitos da estrada
fossem mitigados.
No baixo e médio rio Cajari, no litoral e no rio Ajuruxi, devido o acesso ser
mais difícil, o controle de ações predatórias e irregulares no uso dos recursos
naturais foi mais complicado tanto na época do Projeto Jarí como na fase de
Reserva Extrativista.
Antes da criação da reserva, a região do rio Ajuruxi e o baixo Cajari,
423

sofreram as mesmas ações devastadoras que ocorreram no baixo Maracá pela


extração madeireira e palmiteira. Segundo Sills(1991), a empresa Jarí, tanto na fase
dos portugueses, como do Ludwig tinha serrarias e vendia madeira dos rio Jarí e
Cajari, enquanto a BRUMASA detinha uma área de exploração de 19.000 hectares
em terras entre o rio Maracá e Cajari, e tinha uma área de 340 hectares plantadas
com virola, talvez dentro da reserva. Sills (1991), registra que na região:

[...]Luiço [sic.] Viana Batista de Santana do Cajari é financiado pela


Trevo; há pelo menos cinco serrarias nos rios que vendem no rio
mesmo e fora; EDAI de Icoaraci tem tirado virola, sucuuba, etc. dos
rios(não legalmente)(SILLS, 1991, p.RN1).

Em 1993, registrou-se que 10% das famílias residentes na reserva


venderam algum tipo de madeira, sendo 23% das famílias moradoras do setor rio
Ajuruxi e 11% das famílias do setor rio Cajari. As espécies mais comercializadas
foram a macacauba com 6.498 toras e a virola com 1.881 toras. Foram madeiras
extraídas de forma irregular (FILOCREÃO,1993).
Em 2006, segundo informações verbais dos técnicos do CNPT-AP63, a
questão madeireira na reserva ainda não está resolvida, pois é uma atividade
complementar a renda dos moradores das áreas de várzeas, sendo que, continuam
a funcionar, de forma irregular, 5 pequenas serrarias de moradores locais, que têm
fornecido a madeira necessária a melhoria das moradia dos beneficiários do
crédito habitação do INCRA.
Um outro problema de natureza ambiental que a reserva ainda enfrenta
está ligado a exploração dos açaizais. O baixo e médio Cajari, a região litorânea e o
rio Ajuruxi viveram os mesmos problemas que ocorreram no rio Maracá, a
exploração do palmito de forma predatória. Segundo Sills(1991), em 1987 foi
instalada com autorização do IBAMA, uma fábrica de palmito no rio Cajari na
localidade de Paraíso, que foi fechada em maio de 1990. Além dela haviam outras
25 registradas no IBAMA, atuando no Amapá e nas ilhas do Marajó, mas na opinião
de Sills, com certeza existiam outras não cadastradas. Algumas dessas fábricas
atuavam na reserva, pois foi registrado que em 1992, 25% das famílias da reserva
venderam palmito, sendo 44% moradoras do setor rio Cajari e 35% do setor rio
Ajuruxi(FILOCREÃO,1993).

63
Marcio Matos; Jefferson Pereira.(Técnicos agrícolas do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, ago. 2006.
424

Para enfrentar e resolver o problema da extração irregular do palmito, foi


implantada uma fábrica para processamento de palmito na reserva, com recursos
financeiros iniciais da WWF. Os fornecedores de palmito para a fábrica são
obrigado a elaborar e aprovar pelo IBAMA o plano de manejo do seu açaizal.
Outro problema de natureza ambiental que tem um grande potencial de
conflitos na reserva extrativista está ligado a criação de búfalos. Segundo
Sills(1991), nos anos 50, 60 e 70, havia só gado bovino criado nos 20.000 hectares
de campos naturais de várzea. Após a nacionalização do projeto Jarí, houve a
venda do gado bovino e o aumento do rebanho bubalino, sendo que em 1991, havia
3000 búfalos do projeto Jarí na área da reserva. As pastagens naturais existentes
eram utilizadas para engorda dos animais desmamados nas outras fazendas da
empresa.
Com a desapropriação das suas propriedades, a Jarí retirou os seus búfalos
da reserva, a partir de então os moradores começaram a investir na criação desse
animal para aproveitar a pastagem natural existente. Em 1993, havia um rebanho
de 294 cabeças de búfalos pertencentes a beneficiários da reserva, com uma média
de 12 cabeças por família (FILOCREÃO,1993). Segundo os técnicos do CNPT-
AP64, o rebanho cresceu e existem moradores com mais de 100 búfalos, o que
torna necessário a rediscussão das regras para essa criação tendo em vista o
prejuízo ambiental que o búfalo provoca. O presidente da ASSCAJARI, que é
criador de búfalos, informou que gostaria de estar criando capivara, porém a
burocracia do IBAMA é muito grande, que foi mais fácil investir em búfalos. Ele
pretende rediscutir as regras para que haja permissão para ter-se um rebanho de
acordo com a disponibilidade de pasto na colocação e não definir um quantitativo
único para todos os moradores(informação verbal)65. O Plano de Utilização da
Reserva não é muito claro em relação à criação de búfalos.
Um outro problema de natureza ambiental que atinge as regiões do baixo
rio Cajari e Ajuruxi diz respeito a pesca comercial através de geleiras. Em
Sills(1991) ficou registrado a ação de geleiras, que são os barcos de pesca com
gelo para conservar os peixes, que pescavam e compravam nos rios Ajuruxi, Cajari

64
Marcio Matos; Jefferson Pereira.(Técnicos agrícolas do CNPT-AP). Entrevista concedida a Antonio
Sergio Filocreão. Macapá, ago. 2006.
65
Calixto Pinto de Souza(Ex-presidente da ASTEX-CA, presidente da ASSCAJARI).Entrevista
concedida a Antonio Sergio Filocreão. Maracá-AP, fev. 2006.
425

e tributários, sem a autorização do IBAMA. Em 1993, durante o cadastramento das


famílias ficou registrado:

Foi constatado pela nossa equipe que a parte do litoral do Matauaú


até o rio Cajari, existe um grande número de geleiras, em nossa
viagem conferimos 15 geleiras de médio porte, mas informações dos
moradores chegam a ter 50 geleiras, ficando sem espaço para
colocar tanta rede de arrasto, o período de maior pesca é de Julho a
Dezembro, fazendo a pesca de dourado e filhote(MATOS, 1993. não
paginado).

Essas atividades irregulares, nos baixos rios e litoral, eram mais freqüentes
pelas dificuldades de fiscalização do IBAMA, em função da distância a estradas e o
isolamento da região, segundo os técnicos do CNPT-AP.
Quanto ao desmatamento, os estudos da SEMA mostram que até 2004, na
área da RESEX foram desmatados 8.889,27 hectares, o que corresponde a 1,77%
da sua área e 15,78% do total da área desmatada no Sul do Amapá (Tabela 9).
Em síntese, apesar de persistirem ainda ações irregulares ou predatórias
em alguns de seus espaços, sob o ponto de vista ambiental, a RESEX Cajari tem
conseguido enfrentar os seus problemas ambientais com mais competência que o
vizinho PAE Maracá, onde a gravidade desses tomou uma dimensão muito maior e
de difícil resolução a curto e médio prazo.

4.3.6 Problemas e conflitos ambientais na RDS Iratapuru

No período das empresas extrativistas, os principais problemas ambientais


foram relacionados à coleta de balata, que aniquilava a planta, e a ação de
caçadores que provocou o rareamento de algumas espécies.
A balata inviabilizou-se devido a essa característica, pois a cada safra o
balateiro era obrigado a adentrar mais a mata a procura de novas árvores, o que
aumentava muito o custo da extração, levando ao encerramento dessa atividade
nos inícios dos anos 70 do século passado na região.
Quanto ao problema relacionado ao rareamento de espécies caçadas, isso
aconteceu, porque além da pressão exercida pelos trabalhadores extrativistas na
coleta da castanha e borracha, era comum a invasão da região por “marisqueiros”,
ou seja, os caçadores profissionais, que adentravam nas matas na busca de
animais para a retirada do couro, com grande procura pelo mercado. A pressão
desses caçadores foi muito forte, provocando rareamento de espécies como: onças,
426

pequenos felinos, ariranha e jacaré (JPG, 2000).


Segundo o presidente da COMARU, após a criação da RDS, os moradores
têm atuado na fiscalização da ação de caçadores e pescadores vindo de fora da
RDS, acionando a SEMA e o Batalhão Ambiental através de radiofonia quando isso
acontece, o que tem desestimulado a caça e pesca irregulares (informação
verbal)66.
Quanto aos índices de desmatamento ocorridos até 2004 na RDS,
perfazem 1.073,37 hectares, o que representa 0,13% da área protegida e 1,90% da
área desmatada no Sul do Amapá conforme podemos vislumbrar a Tabela 9.
O principal problema de natureza ambiental na RDS ainda está por vir,
através da construção da hidrelétrica de Santo Antonio pelo Projeto Jarí. Já foram
aprovados os estudos e relatórios de impactos ambientais, que prevêem a
inundação das áreas mais baixa da foz do Iratapuru, onde os habitantes têm as
suas residências. Segundos os moradores, o Projeto Jarí,comprometeu-se a
transferir os moradores para uma vila a ser construída em local mais alto. Esse
compromisso iniciou com a construção do prédio escolar no ano de 2000.

Tabela 9-Desmatamentos ocorrido até 2004 no Sul do Amapá


Unidade de análise Índices de desmatamento até 2004
Área da Unidade Sobre a Unidade Sul do Amapá
Hectares hectares % %
RDS Iratapuru 806.184,00 1.073,37 0,13 1,90
RESEX Cajari 501.771,00 8.889,27 1,77 15,78
PAE Maracá 569.208,54 10.382,13 1,82 18,43
Laranjal do Jarí 3.096.617,70 17.984,77 0,58 31,93
Mazagão 1.313.089,20 24.511,00 1,86 43,53
Vitória do Jarí 248.260,20 13.812,35 5,56 24,52
Sul do Amapá 4.657.967,10 56.308,12 1,20 100,00
Fonte: SEMA(2004).

66
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Iratapuru-AP, jul.2006.
427

4.3.7 As estatísticas da Evolução Ambiental

Os desmatamentos e as queimadas das florestas na Amazônia têm sido


considerados um grave problema relacionado à crise ambiental contemporânea,
sob dois aspectos: a emissão de gases estufas e a perda da diversidade biológica.
A criação de áreas protegidas tem sido uma das estratégias do governo federal
para proteger a biodiversidade e conter o crescimento dos desmatamentos e
queimadas na região, em uma estratégia que Fearneside(2003) chama de “parques
de papel”, as unidades de conservação que são decretadas e desenhadas num
mapa, mas têm pequena ou nenhuma implementação no campo, aproveitando o
preço ainda baixo da terra e a insignificante ocupação humana. Estudos como de
Barreto et al(2005) mostram que essa estratégia tem dado resultado pois tem-se
conseguido conter os desmatamento de áreas que tornam-se protegidas em eixos
rodoviários na Amazônia.
Em 2006, procurou-se verificar junto com pesquisadores do IEPA, se a
criação dessas áreas protegidas tem conseguido conter o desmatamento que se
temia com a abertura trecho Macapá-Laranjal do Jarí da BR 156. Utilizou-se para
tanto os estudos de desmatamento da SEMA e as imagens disponíveis no
Laboratório de Geoprocessamento do IEPA. Nesse estudo comparou-se os
desmatamentos ocorridos até 1999 e de 2000 a 2004 no PAE Maracá em sua área
original, na RESEX Cajari e em uma área testemunha não protegida que vai dos
limites da reserva extrativista até a sede municipal de Laranjal do Jarí.
Os resultados dessa avaliação que podem ser visualizados na Tabela10 e
nos Mapas 6 e 7 mostrando que enquanto ocorreu um crescimento do
desmatamento na área testemunha de 5,63% até 1999 para 10,45 % de 2000 a
2004, na RESEX Cajari houve um decréscimo nesses mesmo período de 1,05%
para 0,61% enquanto que no PAE Maracá os valores se mantiveram nos mesmos
patamares de 1,43% até 1999 e de 1,42% de 2000 a 2004. Isso implica dizer que a
criação das áreas protegidas tem conseguido frear as tendências de aumento do
desmatamento na região, considerando que na RESEX ocorreu uma redução na
área desmatada enquanto no PAE a área desmatada manteve-se nos mesmo nível
do período anterior.
Os Mapas 6 e 7 também mostram a dinâmica do desmatamento, enquanto
na área testemunha o desmatamento é concentrado nas margens da rodovia e
428

vicinais, sugerindo desmatamento para o cultivo de pastagens, o desmatamento na


RESEX e no PAE é disperso nas margens da rodovia, vicinais e próximo aos cursos
d’água, o que sugere sejam decorrentes das roças familiares.
Tabela 10-Evolução no desmatamento no Sul do Amapá
Unidade de análise Área desmatada
Área da Unidade Até 1999 De 2000 a 2004
Hectares hectares % Hectares %
Área Fundiária de Laranjal do Jarí 69.222,72 3.895,33 5,63 7.231,72 10,45
RESEX Cajari 501.771,00 5.282,64 1,05 3.038,62 0,61
PAE Maracá 363.500,00 5.190,04 1,43 5.156,51 1,42
Fonte: Fernandes, A.V.; Filocreão, A.S e Oliveira, C.P, (2007); com utilização do Laboratório do ZEE do IEPA, a
partir dos relatórios sobre o desmatamento no Estado do Amapá/ SEMA (1999 e 2004).

Mapa 7-Evolução do desmatamento no PAE Maracá


Fonte: Fernandes, A.V.; Filocreão, A.S e Oliveira, C.P, (2007); com utilização do Laboratório do ZEE do
IEPA, a partir dos relatórios sobre o desmatamento no Estado do Amapá/ SEMA (1999 e 2004).
429

Mapa 8-Evolução do desmatamento na RESEX Cajari e Área Fundiária de Laranjal do Jarí


Fonte: Fernandes, A.V.; Filocreão, A.S e Oliveira, C.P, (2007); com utilização do Laboratório do ZEE do IEPA,
a partir dos relatórios sobre o desmatamento no Estado do Amapá/ SEMA (1999 e 2004).

A pesqisa de campo mostrou que sobre o ponto de vista global não


ocorreram mudanças significativas no tamanho médio dos desmatamentos para
roçados. Em 1993 o tamanho médio das roças das famílias pesquisadas foi de 4,32
tarefas ou 1,30 hectares enquanto em 2006 a área média dos roçados foi de 4,54
tarefas ou 1,37 hectares. Quando se faz a comparação entre as famílias do Maracá
com as do Cajari percebe-se no Gráfico 51, que enquanto no Cajari houve um
ligeiro decréscimo no tamanho das roças de 4,39 tarefas em 1993 para 4,16 tarefas
ou 1,25 hectares em 2006, no Maracá ocorreu um aumento na área média de 4,16
tarefas para 5,29 tarefas ou 1,60 hectares em 2006. Os fatores que podem explicar
essa pequena tendência podem estar relacionados aos custos mais elevados de
acesso aos castanhais no Maracá que exigem um investimento maior na
agricultura, para compensar essas dificuldades, e as dificuldades maiores de
acesso das famílias as rendas extras dos benefícios sociais das políticas públicas,
tipo bolsa escola e aposentadorias, devido ao enfraquecimento político da
organização local.
Com referência a caça que tem sido um componente importante na
430

reprodução das unidades familiares agroextrativistas, observou-se nos dados de


pesquisa que está havendo uma maior dificuldade das famílias ao acesso a essa
fonte alimentar. De 1993 a 2006, não mudou a quantidade de armas de fogo
utilizadas para a caça disponível nas unidades familiares, sendo que apenas 13,9%
das famílias continuam a não dispor de armas de caça; perto de 69% dizem possuir
uma arma para caçar; 18% possuem 2 armas, e apenas 1,4% afirma possuir 3
armas ou mais para caçar(Gráfico 52).

ANO
ANO
5 1993 60,0%
1993
2006
Media ROÇA TOTAL(TAREFAS)

2006

Porcentaje
40,0%
3
69,4%
5,292 66,7%

4,396
2 4,167 4,167

20,0%

16,7% 18,1%
13,9% 13,9%

0
0,0% … 1,4%
MARACA CAJARI
NÃO TEM TEM UMA TEM DUAS TEM 3 OU MAIS

Gráfico 51- Evolução do tamanho médio das Gráfico 52 - Armas de fogo utilizadas para
roças em tarefas por Unidade caçar
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Quanto à forma de caçar ocorreram mudanças significativas ao longo


desses anos, em 1993, 81,9% das unidades familiares caçavam a noite através de
lanternagem, sendo que em 2006 apenas 53,5% utilizam dessa forma de caçar; a
forma de caçar através da espera da caça que era utilizada por 75% das famílias
hoje é feita por 57,7%; o uso de armadilhas que era utilizado por 31,9% das
unidades caiu para 18,3%; não houve alteração significativa nas caçadas com
utilização de cachorro e de dia sem cachorro, conforme podemos observar no
Gráfico 53. A mudança significativa é nas formas de caçar que aconteciam a noite,
que muitas unidades familiares dizem ter abandonado.
431

Formas de Caçar

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
ra a ro o a
em i lh or or
r m
ag pe ad
r
rn Es ach ach fo
m c ra
nt
e Ar c
m ut
La om se O
C a
di
e
D

Gráfico 53-Evolução das formas de caçar das famílias agroextrativistas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Um outro aspecto observado é que o tempo utilizado para a atividade de
caça pelas famílias também sofreu redução significativa. O percentual de unidades
familiares que utilizavam de 2 a 3 dias por semana para caçar, diminuiu de 53,5%
em 1993 para 36,1% em 2006, enquanto que aumentou o percentual de famílias
que utilizavam apenas um dia na semana para caçar de 36,6% para 45,8% e
também das unidades que dizem nunca caçar que em 1993 eram 7% passando
para 15,3%, conforme podemos observar no Gráfico 54.
Esses dados indicam que a atividade de caça não tem sido compensatória
para autilização do trabalho das unidades familiares. E isso pode ser melhor
percebido quando vamos analisar as principais espécies caçadas e os locais onde
são capturadas, de acordo com os Gráficos 56 e 57 e um importante indicador da
existência de caças, Gráfico 55.
Observa-se no Gráfico 55 que a existência de onças e gatos maracajá
próximo as moradias sofreu redução significativa. Em 1993, 20,8% das famílias
diziam não acontecer a presença desses felinos próximo a suas casas, em 2006 já
são 51,4% das famílias que não sentem a presença desses animais nas
redondezas; da mesma forma as que diziam existir pouco que eram 55,6%
reduziram para 36,1% e as que diziam existir muito desses animais próximo as
residências caíram de 23,6% para 12,5%. Como esses felinos são predadores das
principais espécies caçadas, a diminuição das suas presenças em princípio indica
que reduziu o volume das espécies predadas.
Uma outra evidência do aumento das dificuldades para as atividades de
caça diz respeito ao local onde as principais espécies são caçadas. De 1993 a 2006
houve uma redução significativa das espécies que eram caçadas próximas as casas
conforme podemos ver no Gráfico 56. As cotias, por exemplo, que eram caçadas
432

por mais de 80% das famílias, hoje menos 60% consegue ainda caçar esta espécie
nos arredores das habitações. O gráfico 57 mostra que houve um crescimento
significativo das unidades familiares que capturam as espécies em outros locais
distante das casas, como castanhais, por exemplo. O caso da cotia é ilustrativo,
pois 25,4% das famílias caçam esse animal em outro local, certamente, os
castanhais, o que significa um outro problema emerge, que é a sustentabilidade dos
castanhais já que esse roedor é o seu principal dispersor de sementes.
Os dados mostram que existe um impacto negativo significante sobre as
espécies caçadas, o que significa dificuldades na alimentação das famílias e risco
na sustentabilidade a longo prazo do principal produto extrativista da região: a
castanha do pará. Quanto a presença de caçadores de fora na região, o Gráfico 58
mostra que não houve mudanças significativas nesses anos, ou seja, 84% das
unidades afirmam não existir, cerca de 7% continuam a dizer que as vezes
acontece essa presença, enquanto 9% reafirmam ser freqüente a presença deles.

60,0%
60,0%

ANO
50,0% ANO 1993
50,0%
1993 2006
2006

40,0% 40,0%
Porcentaje
Porcentaje

30,0% 30,0%
55,6%
53,5% 51,4%
45,8%
20,0%
20,0%
36,1%
36,6% 36,1%

23,6%
10,0% 20,8%
10,0%
15,3% 12,5%

7,0%
0,0%
2,8% 2,8%
0,0% NÃO TEM POUCO TEM MUITO
NUNCA CAÇA UM DIA DE DOIS A TRÊS DIAS QUATRO OU MAIS DIAS

Gráfico 54- Quantos dias caça na semana Gráfico 55- Existência de onça ou gato
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). maracajá
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Caça próxima da casa

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
a ia a ti o ri o
ta
ad
o ca ar et
u
ot rib bo c ac ua ec
a at
An Pa iv at ua Ja ag rr m
Ve ap C C
G M
a
M a do
C M
to
Pa

Gráfico 56- Evolução das espécies caçadas próximo as casas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
433

Caça em outro local

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
a ia a ti o ri o
ta
ad
o ca ar et
u
ot rib bo c ac ua ec
a at
An Pa iv at ua Ja ag rr m
Ve ap C C
G M
a
M a do
C M
to
Pa

Gráfico 57-Evolução das espécies caçadas em outro local


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

100,0%

ANO
1993
80,0% 2006
Porcentaje

60,0%

81,7% 84,7%
40,0%

20,0%

8,5% 6,9% 9,9% 8,3%


0,0%
NÃO ALGUMAS VEZES MUITAS VEZES

Gráfico 58-A evolução da presença de


caçadores de fora
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Quanto às condições da pesca na subsistência das famílias


agroextrativistas que utilizam os castanhais do Sul do Amapá, os dados coletados
indicam que aumentou significativamente o percentual de unidades que dizem
nunca pescar, que em 1993 representavam 12,5% passando para 27,8%; as que
pescam apenas um dia na semana mantiveram-se na casa dos 20% enquanto
reduziram-se de 45,8% para 37,5% as que utilizam de 2 a 3 dias na semana em
atividades de pesca; reduzindo-se também as que pescam 4 ou mais dias na
semana de 20,8% para 13,9% (Gráfico 61).
Quanto às formas de pescar, houve reduções significativas nas formas
tradicionais de pesca como o uso de anzol que caiu de 77,8% para 50,0% as
unidades que utilizavam dessa técnica, o facho que era utilizado por 61,1% das
434

unidades caiu para 34,7% e o uso de zagaia de dia reduziu de 52,8% para 41,7%
enquanto aumentou o uso de malhadeira de 29,2% para 48,6%, as outras formas
como espinhel e armadilhas mantiveram-se inalteradas em valores
residuais(Gráfico 59).
Quanto as principais espécies pescadas e o local da pesca, manteve-se
inalterada de 1993 a 2006 (Gráficos 60 e 61), a pesca continua perto de casa, com
exceção do pacu que significativamente reduziu sua pesca próxima às moradias.
Em síntese, o quadro da pesca não oferece muita alteração tendo em vista já era
uma atividade com muito pouco resultados nas regiões próximas dos castanhais.
Sente-se que a dificuldade aumentou pelas mudanças no tempo destinado à pesca
(Gráfico 61) e a redução nas formas tradicionais de pescar com o aumento no uso
de malhadeiras, que é uma forma menos seletiva de captura. Da mesma forma, que
se observa uma redução significativa na presença de geleiras nas regiões dos
castanhais, o que pode siginifcar a falta de pescados (Gráfico 62).

Formas de Pescar

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
l l
zo
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di
a he ei
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ch in m rm
An Fa de p ad ad Ti Fo
i a Es al
h m ra
ga M Ar ut
Za O

Gráfico 59-A evolução nas formas de pescar das famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Pesca próximo da casa

100,0%

80,0%

60,0% 1993
40,0% 2006

20,0%

0,0%
á u e te é u oi a a u já ra aré
c ar rac ag r l ho car ac e b rem a nh ruc ca rai n
i a P x r a a T
A A B F J i Pe Pi Pi
r Tr cu
Pe Tu

Gráfico 60-Evolução da pesca próxima as casas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
435

50,0% 100,0%
ANO
ANO
1993
1993
2006
2006
40,0% 80,0%

Porcentaje
60,0%
Porcentaje

30,0%

98,6%
45,8% 87,5%
20,0% 40,0%
37,5%

27,8%

20,8% 20,8% 20,8% 20,0%


10,0%

12,5% 13,9%

6,9% 5,6%
0,0% 1,4% …
0,0%
NÃO ALGUMAS VEZES MUITAS VEZES
NUNCA PESCA UM DIA DE 2 À 3 DIAS QUATRO OU MAIS
DIAS

Gráfico 61-Evolução do tempo utilizado na Gráfico 62-Evolução na presença de geleiras


pesca pelas famílias na áreas de castanhais
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Quanto a extração e venda de madeiras, o Gráfico 63 mostra que essa


atividade é insignificante nas regiões de castanhais, sendo que a pouca extração
que ocorre destina-se a utilização na unidade familiar.

Madeira extraida

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
la a ba ba
m i ra ho ap
u
ro au au up du el
Vi m ac c an r m Ac
Su ac Su ar ve
M aç ur o
M
Lo

Gráfico 63-Evolução na extração de madeira pelas famílias agroextrativistas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.3.8 Sintese da evolução ambiental nas áreas protegidas

Nos aspectos ligados a evolução ambiental nas áreas protegidas,


percebemos com mais nitidez as dificuldades que o INCRA tem para tratar da
questão ambiental no seu PAE no Sul do Amapá. Desde a criação dos
assentamentos, os diversos relatórios mostram à existência de extração irregular de
madeira, a estruturação de fazendas para a criação de búfalos, a ação
436

devastadoras das palmiteiras, garimpos etc. Chegou-se em 2007 com a


permanência dos mesmos problemas agravados pela falta de uma atuação mais
firme dessa instituição.
O recurso da setorização ou espacialização utilizada nessas áreas para
operacionalizar os principais diagnósticos é uma prova inconteste da diversidade
ecossistêmica existente e decorrente da grande extensão dessas unidades. Cada
espaço, setor ou zona em função das suas diferenças ambientais, apresenta formas
típicas da relação homem natureza no provimento das suas necessidades materiais
de subsistência, estabelecendo diferenças culturais entre esses diferentes setores.
A setorização acaba tornando-se um importante instrumento para uma
gestão inteligente dessas áreas protegidas, já que não são natural ou culturalmente
espaços homogêneos. Os PAEs Maracá foram criados obedecendo critérios de
setorização, porém no seu processo de gestão, quando da concessão do direito
real de uso, em 1997, negou-se esse aspecto e transformando em um único
espaço, que foi tratado de forma unificada na sua gestão, e hoje percebe-se um
movimento para a setorização administrativa decorrente da falência da forma
unificada. A RESEX Cajari foi criada como espaço único e ao longo da sua gestão
sentiram-se as dificuldades dessa unicidade, resultando em uma setorização
administrativa, que aparentemente tem conseguido permitir uma gestão mais
eficiente dessa unidade de conservação. O aprendizado nessa forma de gestão
setorizada começa a mostrar a necessidade do estabelecimento de regras que
obedeçam as peculiaridades da setorização sem agredir a filosofia da área
protegida.
A setorização administrativa como vem ocorrendo na RESEX parece ser um
mecanismo motivador de uma participação maior das famílias beneficiárias na
gestão compartilhada com o poder público, na medida em que os temas da
discussão tornam-se mais vinculados a realidade concreta das famílias.
Quanto aos graves problemas ambientais como o desmatamento e as
queimadas da floresta amazônica que é uma preocupação recorrente na crise
ambiental contemporânea, observou-se que a criação das áreas protegidas para o
agroextrativismo no Sul do Amapá, mesmo com as dificuldades de implementação,
conseguiu inibir o desmatamento acentuado que se temia com a abertura do trecho
da estrada BR 156 ligando Macapá a Laranjal do Jarí. Observando-se que na
RESEX tem ocorrido redução na área desmatada pelas famílias agroextrativistas,
437

enquanto que no PAE Maracá o desmatamento tem se mantido em níveis estáveis.


Porém faz-se necessário estabelecer um melhor monitoramento sobre o Maracá em
função da fragilidade das suas estruturas de co-gestão tanto pública (INCRA)
quanto dos moradores (ASTEX-CA), e do aumento da pressão dos interesses
madeireiros na região.
A pressão madeireira na região é intensa e os responsáveis pela gestão
não estão enfrentando o problema. Parece ser urgente estabelecer inventários dos
estoques madeireiros e a criação de mecanismos institucionais capazes de garantir
uma utilização sustentável do potencial existente, em vez da simples omissão
existente dos gestores da RESEX e do PAE, enquanto pequenas serrarias
permanecem desde a sua criação explorando irregularmente esses estoques.
Outro problema ambiental que se agravou no Maracá e vem se agravando
no Cajari diz respeito a criação de búfalos. No Maracá, devido à omissão do INCRA
no enfrentamento do problema, fazendas ocupando grandes áreas do
assentamento estruturam-se causando danos ambientais e prejuízos econômicos
aos assentados com a invasão de roças. No médio e baixo Cajari, os moradores
têm interesses em aproveitar os pastos naturais existentes, com a criação de
bubalinos, devido às dificuldades que encontram na liberação para a criação de
animais silvestres como a capivara pelo IBAMA. Lideranças estão propondo que
seja modificada a regra que permite a criação de 20 animais de grande porte por
famílias para o que for permitido pela capacidade suporte da colocação.
Quanto aos recursos da caça e pesca que são importantes fornecedores de
proteínas para as unidades agroextrativistas, observou-se na região dos castanhais
que aumentaram significativamente as dificuldades das famílias para acessar a
esses recursos. Nos estoques de caça, verifica-se um escasseamento das espécies
caçadas pelas unidades familiares, assim como o desaparecimento das
proximidades das moradias, de importantes indicadores da existência de caça como
onças e gato maracajá. Esse esgotamento pode ser provocado pela facilidade de
acesso que a abertura de estradas permitiu aos moradores e caçadores externos,
como em decorrência do crescimento demográfico. O acesso a pescado também
tem se tornado dificultoso para as famílias, devido tanto ao crescimento
demográfico como a pressão de geleiras, como melhorias tecnológicas nos
instrumentos de pesca com a generalização do uso de malhadeiras e redução nos
usos de instrumentos tradicionais como o anzol, a zagaia e a pesca através do
438

facho.
O rareamento das espécies caçadas coloca em risco a sustentabilidade a
longo prazo dos castanhais, pois a cotia que é o principal dispersor e semeador
das castanhas apresenta sinais de redução de seus estoque uma vez que diminuiu
significativamente o percentual de unidades que caçavam esse roedor próximo de
casa e aumentou significativamente o percentual de unidades que estão indo a caça
deste animal em outros locais mais distantes.
Os dados começam a indicar à necessidade de estabelecer mecanismos
que evitem à redução do estoque dos animais caçados e estimulem à criação de
alternativas de produção de alimentos protéicos necessários as unidades familiares
agroextratvistas da região, como: repovoamento de lagos e rios; proibições de caça
e pesca de espécies em risco de extinção; o estímulo a criação de peixes,
pequenos animais domésticos e animais silvestres com tecnologias já disponível
como jacaré, paca, catetu, capivara,etc.

4.3.9 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução ambiental

Foto 33-PAE Maracá: Serraria localizada de Foto 34-PAE Maracá: Entrada do Projeto de
forma irregular no baixo Maracá. Manejo Comunitário de Madeira.
Fonte: INCRA(2004). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).
439

Foto 35-RESEX Cajari: Pastos naturais Foto 36-PAE Maracá: Açaizais que sofreram a
utilizados para criar búfalos. ação das palmiteiras no passado.
Fonte: Pesquisas de Campo(2006) Fonte: INCRA(2004).

Foto 37-RDS Iratapuru: Ataque a um bando de Foto 38-RESEX Cajari: Caça abatida para a
porcos do mato que atravessavam o rio. alimentação dos castanheiros.
Fonte: Pesquisas de Campo(2006). Fonte: Pesquisas de Campo(2007).

Foto 39-RESEX Cajari: Ação de fiscalização Foto 40-RDS Iratapuru: Ação de fiscalização
do CNPT- IBAMA. da SEMA e Batalhão Ambiental.
Fonte: Pesquisas de Campo(2007). Fonte: Pesquisas de Campo(2006).
440

4.4 EVOLUÇÃO ECONÔMICA

A população beneficiária das áreas protegidas no Sul do Amapá, para


produzir as suas condições materiais de existência, organiza-se em unidades de
produção familiar típicas do campesinato caboclo amazônico, utilizando os recursos
naturais da floresta, rios e solos em atividades agroextrativistas, através do saber e
o fazer herdado das populações indígenas amazônicas, com aprimoramentos
técnicos vindo dos colonizadores europeus.
A utilização dos recursos existentes na região por populações caboclas vem
acontecendo desde o período colonial, tendo como centro de referência econômica
e social a Vila de Mazagão. Com o controle da região pelo coronel José Julio de
Andrade, o centro de referência econômica e social para as famílias residentes nos
rios Jarí, Cajari e Iratapuru desloca-se para o município de Almeirim onde ficava a
sede dos seus empreendimentos.
As atividades agroextrativistas desenvolvem-se em uma distribuição do
trabalho familiar entre atividades agrícolas e atividades extrativistas de acordo com
as limitações impostas pelo ambiente, subordinadas em última instância pelos
condicionantes do mercado, que se manifestam localmente nos interesses e
estímulos de regatões, patrões e comerciantes locais, que a partir de estratégias
comerciais, controlaram inicialmente a produção e posteriormente o acesso aos
recursos naturais, pela posse dos transportes e financiamentos da coleta.
As atividades agrícolas baseiam-se no cultivo de culturas herdadas dos
antepassados indígenas como mandioca, milho, banana e alguns outros tubérculos
e frutos, enquanto as atividades extrativistas relacionam-se ao longo do tempo, com
a coleta do látex, extração de madeiras, palmito e frutos do açaí no baixos e
médios rio Maracá, Preto, Ajuruxi,Cajari e Jarí e a coleta da castanha nos altos
rios Maracá, Cajari, Jarí e Iratapuru.
As culturas de origem indígena são cultivadas pelas famílias de acordo
com o tipo de ambiente: nas várzeas a banana e o milho predominam, na terra
firme a mandioca e outros tubérculos. Essas espécies apresentam duas
características importantes para as estratégias produtivas das unidades
agroextrativistas: a alternatividade entre o auto-consumo e o mercado, ou seja,
441

podem atender duas necessidades das famílias, a de ser utilizada enquanto valor
de uso, e a possibilidade de serem convertidas em moeda para comprar produtos
não produzidos nas unidades familiares; a outra característica, importante enquanto
estratégia reprodutiva, é a possibilidade de funcionarem como uma espécie de
poupança. Como exemplo, nas áreas de terra firme: a mandioca e outros tubérculos
como carás e batatas-doce que permanecem no solo por tempo prolongado,
podendo ser colhidos de acordo com as necessidades da unidade familiar,
permitindo uma fácil administração da colheita ao longo dos meses do ano, por uma
população que culturalmente tem dificuldades de administrar poupanças em
dinheiro; nas várzeas: a banana por apresentar a possibilidade de ser colhida
durante todos os meses do ano, e o milho que apesar de ter época propícia para
seu plantio, pode ser armazenado por um longo tempo, permitindo uma
administração prolongada do seu uso, cumprem esse papel onde não é possível
plantar a mandioca.
A produção extrativista é quase que totalmente direcionada e dependente
do mercado, com exceção de alguns produtos que são utilizados como alimento,
como exemplo: o açaí fruto, a caça e pesca, ou utilizados para atender outras
necessidades da unidade familiar como os cipós, palhas e alguns tipos de madeira.
O calendário agroextrativista da região, no passado, permitia que no
“verão”, ou estação seca, (julho a dezembro) coletasse-se o látex da seringueira,
derrubasse-se e queimasse-se a roça, e procedesse-se a limpeza dos castanhais;
enquanto no “inverno” ou estação chuvosa, que vai de janeiro a junho,
trabalhasse-se no plantio da roça, logo no início (janeiro e fevereiro) antes do
deslocamento aos castanhais. Atualmente este calendário vem sofrendo
modificações em função de alguns fatores como: o fim da demanda por
determinados produtos como o látex; as transformações provocadas pela abertura
da estrada e a criação das áreas protegidas; e, o acesso das famílias a algumas
políticas sociais como a bolsa escola e as aposentadorias. Esses fatores têm
contribuído para algumas unidades familiares alterarem suas atividades
agroextrativistas.
442

4.4.1 A evolução econômica do PAE Maracá

Dubois em 1989 registrou um processo de desorganização do


agroextrativismo no rio Maracá devido ao fato de que o baixo preço oferecido pelos
compradores pelo látex e o alto preço da renovação dos utensílios utilizados na
coleta desse produto inviabilizavam a exploração das estradas, ocorrendo um
abandono dos seringais; nos castanhais, o número de ribeirinhos do baixo e médio
Maracá que se deslocavam anualmente aos castanhais estava “diminuindo
significativamente” devido a problemas de posse de terra e os baixos preços
oferecido pelos compradores; os moradores do baixo e médio rio, estavam tendo
problema de redução do açaí fruto necessário a sua subsistência devido a
devastação dos açaizais, além da redução dos estoques madeireiros de acesso
fácil. Na agricultura, verificava-se uma crescente dificuldade para a implantação
das roças devido a destruição provocada pelos búfalos(DUBOIS,1989). Em síntese,
identificava-se um processo de desorganização do agroextrativismo, com um
descontrole da população dos seus recursos naturais e das formas tradicionais de
uso em detrimento de uma racionalidade econômica imediatista imposta pelos
agentes da lógica capitalista que sentiam a iminente perda do controle da região
pela criação dos PAEs.
Little e Filocreão(1994) discutiram as principais características produtivas
das 400 unidades familiares beneficiárias dos PAEs Maracá em 1993, das quais
pode-se fazer uma síntese quantitativa:
1-Quanto à diversificação produtiva: o perfil das unidades de produção dos
PAEs Maracá na conjugação da atividades agrícolas e extrativistas, verifica-se que
52,0% das unidades de produção combinavam atividades extrativistas seja de
coleta do açaí, palmito, castanha ou seringa, com a agricultura, enquanto que
35,5% diziam só trabalhar com a agricultura, sendo que muitos desses agricultores
nesse estrato eram moradores recentes sem tradição no uso dos recursos da
coleta. Ao considerar-se a caça e pesca como atividades importantes para a
reprodução das unidades familiares de produção, o número de unidades que
combinavam agricultura e extrativismo era muito maior, pois 86,25 % tiveram algum
tipo de pesca no último ano e 63,00% fizeram algum tipo de caçada, já que a pesca
e a caça para essas famílias não era lazer, mas sim uma atividade necessária na
garantia da subsistência. Além das atividades agrícolas e extrativistas, existia a
443

criação de pequenos animais nas unidades de produção.


2-Quanto às atividades agrícolas: nas unidades familiares agroextativistas,
estas desenvolviam-se nos roçados, quintais, e sítios ou retiros. O principal espaço
produtivo agrícola era o roçado, onde plantava-se a mandioca, o milho, o feijão, o
arroz e outros tubérculos na terra firme; enquanto na várzea, no roçado cultiva-se a
banana e o milho. A importância do roçado para a sobrevivência das famílias é tal,
que 87,75 % das unidades familiares possuíam algum tipo de roçado, o tamanho
médio das roças era de 4 tarefas, ou seja, 1,2 hectares, sendo que havia nos PAEs
Maracá 491 roças, e apenas 78 eram cultivadas em área de várzea.
Os principais produtos cultivados nos roçados em 1993 são do grupo de
raízes e tubérculos, onde mandioca era cultivada em 73,5% das unidades de
produção e a macaxeira em 66,7%, seguido por frutíferas como o banana
(64,25%), limão (60,75%) e abacaxi (58,25%), ficando no final da preferência dos
roçados os grãos como o milho (43,75%) e o arroz (17%). Das olerícolas, a
melancia foi cultivada por 18,75% das famílias.
3-Quanto à criação de animais: o estudo mostra que os pequenos animais
são preferidos pelos moradores, sendo que 68,75% das unidades de produção
criaram galinhas no último ano. A criação de suínos era feita em 23,75% das
unidades, enquanto que a criação de bovinos foi feita por 1,5% das famílias, em
uma média de 14 cabeças por unidade familiar, enquanto o bubalino, 3% das
famílias possuíam criação com uma média de 13,4 cabeças por família.
4-Quanto à atividade extrativista: o estudo mostra que os moradores
extraíam uma grande variedade de produtos, mas em atividades espalhados por
todos os PAEs devido a existência de diferentes ecossistemas. Embora 44,5% das
unidades de produção coletassem açaí (fruto), só 10,67% dessas unidades vendiam
o produto, o resto era utilizado no autoconsumo, no caso do palmito, apenas 8,5%
extraíam palmito para venda. Nesse ano, 24% das unidades de produção coletavam
a castanha do pará, cujo destino era quase exclusivamente para a venda. Devido
aos baixos preços da borracha natural no mercado nacional, só 1% das unidades
de produção extraíram esse produto em 1993. Quanto a madeira, 10% das
unidades extraíram madeira para venda. Os produtos da caça e pesca eram quase
que totalmente utilizado no consumo interno das unidades familiares, a venda era
residual.
Em um diagnóstico elaborado em 2004 é realçada a importância da caça e
444

pesca para a manutenção das unidades familiares, bem como as pressões que
existem sobre essas atividades:

A caça e a pesca são duas realidades igualmente presentes nos


cotidianos de vida das comunidades presentes, pois representam
parte de suas estratégias de sobrevivência pelas quais é possível
garantir alimentação protéica mais ou menos regular e, em alguns
casos, pequenos excedentes de venda que servem para
complementar a renda familiar. Sobre essas questões, vitais para a
manutenção das comunidades locais, dá-se destaque aos
depoimentos dos problemas que a caça de jacaré e pesca de
tucunaré e pirarucu vem tendo por conta da caça e pesca
clandestinas e da criação de búfalos melhor discutidas no item
“conflitos”. Foi relatado também a ocorrência de um fenômeno
natural chamado “Aiu” que resulta na mortandade de peixes a cada
ano no período de agosto a setembro(INCRA, 2004, p.62)

As unidades familiares beneficiárias dos PAEs, mantiveram ao longo do


tempo relações econômicas com estruturas comerciais, expressão de uma lógica
capitalista de natureza imediatista, que se reproduz a partir do mercado de produtos
extrativistas, que se consolidou na região a partir do chamado “ciclo da borracha”, e
que continuou se reproduzindo mesmo após a crise da economia gomífera, a partir
da exploração de outros recursos extrativos como castanha, madeira e palmito.
Dubois(1989), cita em várias ocasiões uma aparente “irracionalidade
econômica” relacionada a produção do açaí, onde o extrativista estava
comercializando o palmito para palmiteiras localizadas nas ilhas do Pará e Cajari, a
um preço de NCZ$ 0,20 enquanto se poderia vender em Santana, a produção de
frutos de uma árvore: 4 latas de 20 litros a um preço de NCZ$ 8,00 por lata. Parece
evidente, que as dificuldades de transporte na região contribuíam para esse fato,
visto que, apenas um pequeno barco da prefeitura fazia a linha no rio uma vez por
mês, de forma irregular, gastando dois dias para subir o rio e dois dias para descer,
quando parava em cada comunidade para deixar e receber passageiros e cargas, o
que de “per si” já inviabilizaria a opção por vender frutos. A falta de transporte aliada
as longas distâncias obrigavam os extrativistas a venderem e comprarem seus
produtos dos regatões e comerciantes da região em uma negociação extremamente
desfavorável, deixando-os sempre na situação de devedores de “favores” e de
produtos aos “patrões” responsáveis pelo “aviamento”.
No caso do palmito do açaí, segundo Sills(1991), havia uma fábrica de
palmito no Cajari, registrada em 1987 no IBAMA com o nome de Indústria
Alimentícia Florida, fechada em 1990, além das 25 fábricas de palmito cadastradas
445

no IBAMA, explorando os recursos do Amapá e ilhas do Pará. Dessas fábricas


regulares, e de algumas, irregulares junto ao IBAMA é que veio o estímulo a
devastação dos açaizais do rio Maracá.
O diagnóstico de 2004 mostra que o palmito não está sendo mais extraído
no baixo Maracá:

O açaí (Euterpe oleracea) é outro produto de grande importância


para o extrativismo dessa região que é praticado de modo irrestrito
pelas comunidades ribeirinhas, tanto para consumo doméstico
quanto para comercialização do fruto. Neste particular, as maiores
produções são comercializadas para ‘atravessasores’ nas próprias
comunidades ou transportadas para Santana(INCRA,2004, p.32).

Segundo o diagnóstico do INCRA, o preço do açaí fruto em 2004, era de 20


reais a saca. Nesse documento foi registrada uma demanda de apoio das
comunidades ao INCRA para recuperação e adensamento dos açaizais existentes
para a produção de frutos.
Com relação a madeira, a exploração comercial da região começou pelo
menos nos anos 30, porém a exploração vai se intensificar com a atuação da
Bruynzeel Madeira S.A. (BRUMASA) na região, já que esta empresa detinha 19.000
hectares entre o rio Maracá e Cajari(SILLS,1991). De acordo com Sills(1991), a
BRUMASA fez estudos do potencial madeireiro do Sul do Amapá, e a Agro-
Industrial contratou em 1975 a Standart Norte Reflorestamento Ltda. para fazer um
estudo dos recursos florestais da região do Maracá.
Segundo Porto(2003), a empresa BRUMASA instalou-se em Santana em
1968, originada de um acordo entre a Indústria de Comércio e Minério (ICOMI) e um
grupo de empresários holandeses tendo como atividade principal a fabricação de
compensados a partir dos recursos florestais locais, com ênfase na exploração da
virola(Virola surinamensis). Com seus investimentos, em 1970, o setor extrativismo
vegetal correspondeu a 32,4% do valor de produção da economia amapaense.
Ainda segundo esse autor,

A BRUMASA foi a segunda empresa, depois da ICOMI, a ter uma


participação fundamental no comércio exterior do Amapá no período
de 1973 à 1982[...] chegando a posicionar-se com a 11a empresa de
laminados no ranking nacional, em 1997. Foi desativada em 1988
devido ao esgotamento da virola no Amapá e suas instalações foram
integradas às da fábrica de cavacos da Amapá Celulose
S.A.(ANCEL)(PORTO, 2003, p.125).

A BRUMASA retirou muita madeira do baixo e médio rio Maracá, tentou


446

explorar também o alto rio, mas não conseguiu passar as cachoeiras com as
jangadas de toras (SILLS,1991).
Com a falência da BRUMASA, permaneceram pequenas serrarias
beneficiando parte da madeira de várzeas que restou no baixo e médio Maracá,
embora em 1989, a maior parte da madeira ainda sai da região em toras, ou como
cita Dubois(1989):

Aliás, tora não é bem o que se vê em muitas jangadas encontradas


rio afora. Na maioria das vezes são fustes com alguns centímetros
de diâmetros, de árvores cortadas e jogadas no rio para
comercialização, denotando o quanto de madeira já se explorou ali e
o quanto sobra de estoque para ser explorado (DUBOIS,1989, p.27).

Com a abertura da estrada, e devido à falta de fiscalização, também se


instalaram algumas serrarias clandestinas para explorar a madeira de terra firme
dos PAEs. Em 1994, foi registrado que a madeira do Maracá estava sendo retirada
em dois lugares: na parte oriental do PAE Maracá II nas áreas acessíveis pela
estrada e no PAE Maracá I, nas áreas acessíveis pelo baixo rio Maracá. Em ambos
os lugares funcionam pequenas serrarias, permitindo a saída de madeira tanto na
forma serrada, como em tora:

No Maracá II, o sr. Jean Domingos é a pessoa que mais tira madeira
da área e também é responsável pelo funcionamento de uma
serraria.[..]Uma vez cortada e serrada a madeira, caminhões são
fretados para levar o produto a Macapá. Devido a ilegalidade dessa
atividade, os caminhões saem durante a noite para não serem vistos
pelas autoridades fiscalizadoras ou pelos moradores da área
(LITTLE;FILOCREÃO, 1994, p.108).

No Maracá I, o sistema para tirar madeira era diferente, em muitos casos,


são os próprios moradores,

[...]que tiram à madeira e vendem posteriormente na serraria


localizada na boca do rio Maracá ou na serraria da Santa Maria do
Sr. Antero.[..] Seu posterior transporte até Macapá ou Santana é por
via fluvial(LITTLE;FILOCREÃO, 1994, p.108).

No diagnóstico INCRA (2004), percebe-se que a atividade madeireira ainda


continua sendo uma atividade complementar a renda das famílias no baixo Maracá,
onde permanecem as pequenas serrarias. A produção continua a ser ilegal pela não
existência de plano de manejo e autorização do órgão competente, e trabalha-se
com estoque reduzido e de difícil acesso.
Nos diagnósticos INCRA (2004) e RURAP (AMAPÁ,2005) existem
447

referências a um projeto denominado de Plano de Manejo Florestal Sustentável de


Uso Múltiplo Comunitário, com área de exploração de 500 hectares para ser
explorada em 10 anos pela comunidade assentada. A idéia do projeto iniciou-se
com as atividades da REBRAF no PAE e, no período de 1999 a 2002, o governo do
Amapá, através da Secretaria de Estado de Agricultura e Floresta (SEAF), toma a
decisão de apoiar o projeto investindo no assessoramento técnico, regularização
junto ao IBAMA e INCRA, e disponibilizando a infra-estrutura necessária para a
execução do projeto.
No andamento desse projeto, o presidente da ATEXMA, sem a autorização
da assembléia geral, negociou com uma empresa de Belém para explorar os 500
hectares em apenas dois anos. Face a essa e outras irregularidades, a SEAF
retirou a infra-estrutura de apoio ao projeto; o IBAMA nas suas vistorias, ao
constatar as irregularidades resolveu suspender a licença ambiental, Inviabilizando-
se assim, uma alternativa econômica para os beneficiários, que seria ampliada
para uma área de 60.000 hectares a ser manejada na segunda etapa do projeto.
Quanto a castanha, em 1989, o controle dos castanhais e a compra da
produção eram realizados através de aviamento pela família Carvalho com
estruturas em Central do Maracá, e José Valente, um grande comerciante de
Santana, com estruturas para aviamento e transporte de castanha no médio
Maracá; o preço da barrica era de NCZ$ 13,00(DUBOIS,1989). Dois anos depois,
Sills(1991) identifica o comerciante José Valente como o único comprador de
quase toda a castanha do Maracá, com exceção do pouco que era vendido nas
feiras de agricultor de Macapá e Santana, controlando uma rede de 11
compradores, intermediários entre ele e os castanheiros do Maracá.
Já em 1994, o comércio local da castanha apresenta uma nova
modificação:

No caso do rio Maracá hoje, o senhor José Valente, dono do casarão


da Vila Maracá, compra quase toda a coleta dos castanhais do
Maracá, cumprindo assim com parte das velhas funções do aviador.
Todavia, hoje ele não presta os serviços de abastecimento e
transporte do extrativista durante o seu tempo no castanhal como
nos tempos passados, já que agora ele simplesmente compra a
produção que lhe é entregue, a preços ditados por ele. Esse senhor
armazena o produto e o transporta para Macapá ou Belém
(LITTLE;FILOCREÃO, 1994, p.114).

Na pesquisa de campo em 2006, foram identificados apenas dois


448

compradores locais de castanha, um que no passado foi intermediário do José


Valente, o outro que se instalou há poucos anos. Ambos, além da compra de
castanha, são donos das principais casas comerciais da Vila Maracá. Trabalham
com o financiamento dos castanheiros através de mercadorias e/ou dinheiro, e
organizam o armazenamento e transporte da castanha no alto Maracá. São
financiados pelos representantes das indústrias de Belém, que ficam sediados em
Laranjal do Jarí, para onde é deslocada toda a castanha comprada, através de
caminhões. Do Laranjal do Jarí a castanha é transportada em balsas para a fábrica
em Belém.

4.4.2 A evolução econômica da RESEX Cajari

A pesquisa socioeconômica realizada em 1993, registrada por


Filocreão(1993), atingindo 622 família das 647 existentes, permitiu construir uma
síntese quantitativa das principais características da unidades familiares
agroextrativistas existentes na RESEX:
1-Quanto à diversificação produtiva: apenas 74 unidades familiares não
tinham roçado, o que equivale a 11,9% do total das famílias cadastradas. Quanto ao
desenvolvimento de atividades de coleta, praticamente todas as unidades da
reserva utilizam algum tipo de recurso da natureza, seja da floresta, como madeira,
cipós, frutos e a caça; dos rios, como os produtos da pesca para atender as
necessidades de consumo da unidade familiar. Quanto às atividades de coleta para
atender as demandas de mercado, 235 unidades familiares ou 36% das famílias,
coletaram castanha do pará para venda, atingindo uma produção comercial de
17.569 barricas em 1992, enquanto 25% das famílias ou seja 156 unidades
familiares extraíram e venderam palmito, numa quantidade 449.552 unidades
enquanto 10% das famílias, cerca de 62 unidades familiares extraíram e
comercializaram algum tipo de madeira, sendo que das mais procuradas, como a
macaúba foram vendidas 6.498 toras, seguido da virola com 1881 toras
comercializadas.
2-Quanto às atividades agrícolas: nas unidades familiares agroextativistas,
estas desenvolvem-se nos roçados, quintais, e sítios ou retiros. O principal espaço
produtivo agrícola é o roçado, onde se planta a mandioca, o milho, o feijão, o arroz
e outros tubérculos na terra firme, enquanto na várzea, no roçado cultiva-se a
449

banana e o milho. A importância do roçado para a sobrevivência das famílias é tal,


que 88,1 % das unidades familiares possuíam algum tipo de roçado, o tamanho
médio das roças era de 5 tarefas, ou seja, 1,5 hectares em terra firme, com uma
área plantada de 796,3 hectares em 1992 enquanto nas várzeas, tinha-se plantado
78,7 hectares para uma média de 3 tarefas ou um pouco menos de 1 hectare por
família.
Os principais produtos cultivados nos roçados em 1993 são os do grupo de
raízes e tubérculos, onde mandioca foi cultivada em 72% das unidades de produção
e macaxeira em 64%, cará em 53% e a batata doce em 52%, seguido por
frutíferas como a banana em 64% da unidades, limão em 58% e abacaxi em 57%;
foram plantados os grãos como o milho em 51% das unidades e o arroz em 22%.
Das olerícolas, a melancia foi cultivada por 22% das famílias.
3-Quanto à criação de animais: a pesquisa mostra que dos pequenos
animais, as aves são preferidas pelos moradores, sendo que 88% das unidades de
produção criavam galinhas, e 36% criavam patos. A criação de suínos foi feita em
45% das unidades, enquanto que a criação de bovinos foi praticada por 4% das
famílias, em uma média de 11 cabeças por família, enquanto o bubalino, 5% das
famílias possuíam criação com uma média de 12 cabeças por família.
4-Quanto à atividade extrativista: o estudo mostra que os moradores
extraíam uma grande variedade de produtos, mas em atividades espalhadas pela
reserva, devido à existência de diferentes ecossistemas. Embora 57% das unidades
de produção coletassem açaí (fruto), só 7% dessas unidades vendiam o produto, o
resto era utilizado no autoconsumo, no caso do palmito, 25% extraíam palmito para
venda. Naquele ano, 38% das unidades de produção coletavam a castanha do
pará, cujo destino era quase que exclusivamente para a venda. Devido aos baixos
preços da borracha natural no mercado nacional, só 4% das unidades de produção
extraíram látex em 1993. Quanto à madeira, 10% das unidades extraíram madeira
para venda. Os produtos da caça e pesca eram quase que totalmente utilizado no
consumo interno das unidades familiares, percebendo-se em 1992, que 65% das
famílias caçaram cotias; 62% caçaram paca e 42% dizem ter caçado veados,
enquanto cerca de 40% das unidades conseguiram caçar macacos e guaribas. Isso
indicava a abundância de caça na região. Os peixes capturados com mais
freqüência nas unidades familiares foram: a traíra, por 72% das unidades, seguido
do aracu por 65% das unidades, as piranhas por 64% e os acarás por 60% das
450

famílias.
No geral, percebe-se certa proximidade estatística das características das
unidades da RESEX com as unidades existentes no PAE Maracá pela mesma
época, embora com uma melhor oferta no acesso e/ou utilização dos diversos
produtos da natureza.
Tal como no Maracá, as unidades familiares, atualmente, beneficiárias da
RESEX Cajari, subordinaram-se economicamente às estruturas comerciais, que
dominaram a região a partir do mercado de produtos extrativistas, que consolidou-
se no chamado “ciclo da borracha”, e que continuou se reproduzindo mesmo após a
crise da economia gomífera, através da exploração comercial de outros recursos
extrativos como castanha, madeira e palmito.
No passado, a organização da produção e comercialização dos produtos
extrativistas era centralizada nas mãos dos empresários extrativistas, considerados
os donos das terras. A região ficava bloqueada para atuação de regatões e
pequenos comerciantes locais. Com o controle das terras pelo Projeto Jarí, tenta-
se o arrendamento das atividades extrativistas tradicionais a uma empresa
comercial, a Amapá Importação e Exportação Ltda. (AMPEX), que foi um fracasso
para os moradores, pois recebia a castanha e não pagava. Depois, repassam-se
essas atividades a uma empresa subsidiária do Projeto Jarí, denominada de
Serviços Agrários e Silviculturais Ltda. (SASI), também como uma estratégia de
manter o controle dos posseiros e trabalhadores do Projeto Jarí na região.
Segundo Sills(1991), o SASI começou a comprar castanha vinda do rio
Paru, Jarí e Cajari em 1977. Conseguia comprar cerca de 20% da castanha
produzida no Cajari. O negócio da castanha dava prejuízo ao SASI, pois adiantava
dinheiro aos extrativistas, e muitos não conseguiam pagar. O sistema de
escoamento do SASI era de caminhão de Água Branca até o braço do Cajari, de
onde, transportava de barco até o depósito no igarapé Muriacá, de onde
transportava de caminhão, por 40 km até o porto de Munguba. A sua produção era
vendida para a Sociedade Brasileira da Castanha Ltda. em Belém.
Além do SASI, existiam mais dois grandes compradores da castanha da
reserva, os comerciantes José Valente e Manoel Góes, que transportavam a
castanha por caminhão ou barco para a Boca do Braço do Cajari, onde ficavam os
seus armazéns, de onde enviavam a castanha para armazéns em Santana, ou
diretamente para as fábricas de Belém (SILLS,1991).
451

A produção de palmito era comprada por empresas palmiteiras que


funcionavam na ilhas do Pará, pois a fábrica da Empresa Flórida que existia no rio
Cajari foi fechada em 1990. A madeira era comprada por prepostos da Trevo e da
empresa EDAI de Icoaraci-PA (SILLS,1991).
Com a criação do CNPT, começaram a ser desenvolvidas atividades
visando melhoria da renda das famílias com ênfase no melhor aproveitamento do
potencial extrativista da reserva. Foram priorizados dois principais produtos
extrativos: a castanha do pará, no alto rio Cajari e o açaí no baixo e médio Cajari.
De acordo com Picanço(2005), no caso da castanha:

A primeira experiência foi realizada pela ASTEX-CA em 1992, e


contou com apoio técnico do Instituto de Estudos Amazônicos – IEA
e financeiro da WWF. Foi investido na instalação de cantinas
comunitárias e capacitação de gestores, com o objetivo de aviar os
castanheiros, oferecendo produtos a melhores preços que os
fornecidos pelos intermediários. Essa iniciativa acabou por beneficiar
um pequeno número de castanheiros das comunidades do Alto
Cajari. Embora tenha servido mais para apoiar as atividades
agrícolas, influenciou positivamente na melhoria do preço da
castanha pago pelos atravessadores aos extrativistas(PICANÇO,
2005, p.132)

Wilson Menescal, dirigente do CNPT-AP entre 1992 à 1995, considera que


a principal atividade para melhoria da renda dos extrativistas nesse período foi o
apoio a estruturação de cantinas comunitárias, visto que elas foram pensadas como
uma forma de libertar os extrativistas do controle dos patrões através do aviamento,
contribuindo para elevar o preço da sua produção(informação verbal)67. Segundo o
sindicalista Pedro Ramos, a proposta do CNPT em apoiar a implantação de
cantinas comunitárias foi contestada inicialmente por setores do IBAMA contrários
as reserva extrativistas, com a argumentação de que não era papel da instituição
investir em alimentos para os extrativistas. Esses argumentos foram contestados
pelos extrativistas, que questionavam a compra de alimentos do IBAMA para as
tartarugas (informação verbal)68.
Entre 1992 e 1993 foram instaladas duas cantinas comunitárias, sendo uma
em Santa Clara e a outra em Marinho e havia o projeto de se instalar mais sete
cantinas na reserva. As cantinas tiveram dificuldades de consolidar-se devido a

67
Wilson Menescal.(Ex-gerente do CNPT-IBAMA). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Macapá, ago. 2006.
68
Pedro Ramos.(Primeiro presidente do SINTRA, vice-presidente do CNS). Entrevista concedida a
Antonio Sergio Filocreão. Macapá, jan.2006.
452

falta de experiência de gestão dos extrativistas; as dificuldades de transporte para


manter o abastecimento; e, as altas taxas de inflação que desvalorizavam
rapidamente os recursos financeiros das cantinas.
Em 1992 o CNPT estabeleceu um convênio com o CNS-AP com o objetivo
de construir 03 armazéns para castanha e cantina comunitária na RESEX, sendo
um em Santa Clara, outro em Marinho e um em Água Branca do Cajari, além de um
posto de saúde e posto de fiscalização, aquisição de transporte e implantação de
radiofonia. Esse convênio não alcançou o sucesso esperado, pelas dificuldades do
CNS-AP em administrar recursos públicos, numa situação em que os recursos
foram subestimados, para uma região de difícil acesso, para o acompanhamento
das atividades das empresas responsáveis pela construção.
Entre 1992 a 1994, na elaboração de propostas para o Projeto RESEX do
PPG-7, os castanheiros da reserva reivindicaram a instalação de usinas de
beneficiamento da castanha. Na ocasião estabeleceu-se um debate sobre o
tamanho das estruturas de beneficiamento, se a opção seria trabalhar com uma
grande usina ou mini-usinas de processamento de caráter familiar ou comunitário.
Venceu a proposta de uma usina maior e centralizada. A partir de então transcorreu
um debate sobre o local de instalação da usina, sendo escolhida Santa Clara.
Enquanto o projeto de construção de uma usina de beneficiamento não se
realizava, a ASTEX-CA ficou trabalhando na intermediação da produção de
castanha da reserva com os industriais da castanha de Belém, visando conseguir
um melhor preço para a produção de castanha. Segundo Picanço(2005, p.132):

[...]Para viabilizar essa atividade, [a ASTEX-CA] contou com o


suporte do CNPT, através do Projeto RESEX/PPG7, que garantiu os
recursos de capital de giro, sendo criado um fundo rotativo para
comercialização da castanha.

Além do CNPT, o governo estadual também investiu nessa intermediação:

[...]Segundo o presidente da ASTEX-CA, Sr. Raimundo Rodrigues de


Lima, o governo do estado do Amapá participou do Projeto
Castanha. Doou dois tratores, um caminhão, 30 burros, dois motores
rabetas e emprestou R$ 25.000,00 para capital de giro, através do
Banco do Estado do Amapá – BANAP. “Depois de um tempo, tudo se
acabou. Os burros morreram, os tratores ficaram parados durante
quase oito meses, não houve manutenção do caminhão e ele
também parou. Por fim a ASTEX-CA ficou inadimplente com o
BANAP, o que impossibilitou a efetivação de novos convênios”,
afirmou o Sr. Raimundo(SILVA, 2003, p.81-82).
453

Para Picanço(2005), essa atividade também foi problemática para a


ASTEX-CA, apesar do apoio do poder público, por conta de alguns fatores, como :

A inexperiência administrativo–financeira, aliada ao fato de que


muitos associados receberam mercadoria e não pagaram com a
produção, chegando mesmo a comercializar com atravessadores,
são apontadas como a causa pelo não cumprimento do acordo com
o banco. Vários problemas como a falta de manutenção adequada
dos veículos e equipamentos e a inexperiência administrativa, foram
responsáveis por prejuízos nos primeiros anos. As precárias
condições das vias de acesso para alguns castanhais e a
inexistência dessas vias para outros locais de produção constitui-se,
ainda hoje, em fator limitante à exploração de todo o potencial
produtivo(PICANÇO, 2005, p.133).

Essas dificuldades vão ser corrigidas a partir de 1997, quando a associação


vai contar com uma equipe mais experiente, que estabelece uma melhor gestão dos
recursos, conseguindo recuperar e manter os seus veículos e garantir a
manutenção do fundo rotativo para os anos subseqüentes. Através da
intermediação, a associação vai conseguir comercializar um volume de 1000 hl em
1996, 3100 hl em 1997, 6500 hl em 1998 e 5500 hl em 1999. Sendo que em 2000 é
inaugurada a usina de processamento de castanha em Santa Clara e a ASTEX-CA
é substituída da atividade econômica da castanha pela COOPERALCA(PICANÇO,
2005).
No final do ano 2000, com recursos não reembolsáveis do PPG-7, é
construída na comunidade de Santa Clara uma usina de processamento de
“castanha dry” (castanha seca com casca). Segundo Tomiyoshi(2003), a construção
desta usina custou R$ 450.000,00 do governo federal e do PPG-7, tendo
capacidade de processar 200 toneladas por mês de castanha dry. Conforme
Abranche(2003?), em 2001 a COOPERALCA comercializou 20 toneladas de
castanha dry em 2001, 30 toneladas em 2002, e previa uma produção igual em
2003, sendo que Tomiyoshi(2003) observou durante uma pesquisa de campo, que
já se encontrava pronta para ser comercializada para São Paulo, uma produção de
20 toneladas.
De acordo com Abrantes (2003?), entre 2001 e 2002, a COOPERALCA
recebeu um aporte de recursos do Conselho Nacional dos Seringueiros no valor de
R$ 80.000,00 para financiar o seu capital de giro, tendo sido quitado esse valor
integramente no ano de 2002. Segundo Diniz(2003), a cooperativa não possuía
grandes dívidas, mais havia desconfianças em relação ao presidente da cooperativa
454

em relação ao preço negociado, que teria sido de R$ 2,00 o quilo da castanha


comercializada, porém foi informado pelo presidente da época que o preço oscilou
entre R$ 1,60 à R$ 1,80, além de que o transporte para São Paulo foi pago pela
cooperativa. Este fato levou a destituição do presidente, assumindo seu secretário,
que ficou até o final de 2004.
Para Picanço(2005), com a nova diretoria, iniciou-se um trabalho de
reestruturação da cooperativa, através de uma assessoria especializada custeada
pela ONG “Amigos da Terra”, conseguindo-se também negociar com o apoio do
CNS-AP, um financiamento junto ao governo estadual, através do Fundo de
Desenvolvimento Rural do Amapá (FRAP), para custear a negociação da safra
2004. Nesse ano, houve grandes dificuldades de transporte da produção, tendo em
vista a existência de um compromisso de repasse de uma infra-estrutura de
transporte (um caminhão, um trator e burros) da ASTEX-CA para a Cooperativa,
que não foi cumprido.
No final de 2004, o senhor Natanael Gonçalves Vicente assume a
presidência da COOPERALCA. Segundo este, atual presidente, no ano de 2005 a
cooperativa processou e comercializou 54 toneladas de castanha a um preço de
R$3,00 o quilo, entregue na fábrica. Também foi comercializado para a COMAJA,
um volume de 300 hectolitros de castanha “in natura”. Conforme o presidente, a
Cooperativa não tem grandes dívidas, e a fábrica tem se mantido, a partir do
processamento da castanha comprada dos cooperados ao preço do dia, com
recursos obtidos de empréstimos bancários ou de políticas de fomento como da
CONAB. A fábrica funciona de maio a julho, por não ter condições de
armazenamento da produção, cuja demanda acontece entre os meses de agosto a
novembro, com comercialização feita no mercado nacional, por comprador de São
Paulo. A fábrica emprega 12 à 15 pessoas por safra, pagando uma diária de R$
15,00, que são familiares dos cooperados(informação verbal)69.
Percebe-se assim, que a capacidade de processamento da fábrica é
dependente do volume de capital de giro conseguido pela cooperativa a cada safra,
e limitada pela capacidade de armazenamento da produção disponível, tendo em
vista o pequeno período da demanda. Esse retardamento no processamento, é um

69
Natanael Gonçalves Vicente (Presidente da COOPERALCA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Macapá, fev. 2006.
455

fator que provoca grandes perdas de produtos, de acordo com o presidente da


cooperativa. Segundo Abrantes (2003?), o controle financeiro da Cooperativa é
monitorado por técnicos do CNPT-IBAMA.
Tendo em vista que os castanhais atendiam apenas a uma pequena parcela
das famílias residentes na reserva, que em 1993, eram 235 famílias, ou 36,3% do
total, que tinham posses de castanhais, fazia-se necessário encontrar uma
alternativa econômica sustentável para os restantes dos beneficiários,
principalmente os moradores do baixo e médio rio Cajari, onde a existência de
castanhais é muito reduzida. Os produtos florestais com maior potencial existentes
nessas áreas eram a seringueira e o açaí. Como o preço da borracha
desestimulava qualquer investimento, fez-se a opção pelo aproveitamento industrial
do açaí, cujas potencialidades são registradas em documento para subsidiar a
elaboração do Projeto RESEX do PPG-7:

O manejo sustentado dos açaizais para fruto e palmito, parece ser


muito promissor para a Reserva Cajari, tendo em vista a grande
potencialidade de perfilhamento da espécie e devido aos açaizais se
localizarem nas áreas de várzeas, onde a renovação da fertilidade
natural dos solos é continua em função da sedimentação provocada
pelas marés do rio Amazonas e seus afluentes. Este manejo pode
facilmente ser implementado, se o processo de beneficiamento ficar
sob o controle dos moradores da reserva, em contraposição a forma
tradicional feita através das grandes palmiteiras, de forma
clandestina , sem projetos de manejo, ou qualquer outra atividade
que controle a devastação dos açaizais(FILOCREÃO, 1993, não
paginado).

Nas regiões do baixo e médio Cajari, existe um estoque considerável de


açaizais, que era utilizado na coleta de frutos para alimentação das famílias e na
comercialização do palmito extraído de forma predatória, tal como acontecia no rio
Maracá, com baixo retorno econômico para os moradores conforme registro:

Foi verificado “in loco”, algo que parece ser uma irracionalidade
econômica, onde uma cabeça de palmito, que representa uma árvore
de açaí derrubada, estava sendo vendida a um preço entre 3 à 7
cruzeiros, comparado ao preço no local de uma caixa de fósforo, que
custa 10 cruzeiros, enquanto a lata do açaí estava custando 80
cruzeiros no local e em Macapá esta produção já transformada em
vinho estava custando ao consumidor final em 400 cruzeiros. Esta
aparente irracionalidade pode ser explicada pela falta de outras
alternativas econômicas favoráveis a sobrevivência desta população,
a desinformação de mercados, a falta de transporte para escoar a
produção e a estrutura de aviamento fornecida pelas
palmiteiras(FILOCREÃO, 1993, não paginado.)
456

O propósito de aproveitar industrialmente o potencial dos açaizais


existentes na melhoria da renda das famílias levou o Conselho Nacional dos
Seringueiros – CNS e a ASTEX-CA a buscarem parceiros e discutirem propostas
para esta finalidade. Segundo Filocreão(1993), para o beneficiamento do açaí da
reserva, preconizou-se inicialmente a implantação de pequenas palmiteiras
acopladas a processos de beneficiamento da polpa de açaí por resfriamento ou
desidratação. Conforme Dertoni(1999), pensou-se no início em simplesmente
começar a cortar o palmito para vender “in natura” a outras fábricas, enquanto a
fábrica da reserva não estivesse construída. Chegou-se também a pensar em
construir uma fábrica ambulante que se deslocaria por toda a região, porém a idéia
foi descartada pelo seu custo financeiro elevado. No final decidiu-se uma fábrica de
processamento de palmito fixada em uma das comunidades da reserva.
A partir de 1994, a WWF com a ASTEX-CA iniciam-se os estudos técnicos
para a construção da fábrica; os inventários para os planos de manejos de 13
açaizais que seriam aprovados pelo IBAMA; a escolha da comunidade de
Conceição do Muriacá como local onde a fábrica seria construída; e, também, o
treinamento dos fornecedores nas técnicas de manejo. Para gerenciar a produção e
comercialização do palmito resolveu-se criar uma cooperativa, a COOPER-CA,
constituída em dezembro de 1996 com 31 sócios-fundadores(DERTONI,1999).
Segundo Dertoni(1999) com a criação da cooperativa, e com os aspectos
legais resolvidos, no início de 1997, começa-se a construção de uma fábrica em
madeira, com um recurso financiado pela WWF no valor de R$ 101.000,00, na
forma de empréstimo rotativo a ser pago em 8 anos e que seria reinvestido na
própria reserva. No dia 28 de junho de 1997 a fábrica foi inaugurada. As
dificuldades na gestão da fábrica fizeram com que ainda no final de 1997 ela se
encontrasse em crise por falta de capital de giro. A cooperativa precisava de R$
48.000,00 para voltar a funcionar. O apoio veio da WWF e do governo do estado
que contribuiu com R$ 33.000,00.
De acordo com Dertoni(1999), a fábrica em setembro de 1999 trabalhava
com sete funcionários, produzindo o pote do palmito a um custo de R$ 1,60, sendo
que R$ 0,50 correspondia ao pagamento dos fornecedores da matéria prima. A
fábrica tinha capacidade para uma produção mensal de 26.000 potes, mas devido o
cronograma de corte imposto pelo manejo dos açaizais, ela conseguia no máximo
uma produção de 18.000 potes de palmito. A falta de experiência com o mercado
457

levou a COOPER-CA a comercializar o palmito por um preço abaixo do custo, ou


seja, R$ 1,20, inclusive, chegou-se a vender produtos sem rótulos para favorecer
atravessadores que colocavam aplicavam suas rotulagens.
O governo do Amapá, em 1999, conseguiu um contrato para o fornecimento
de uma rede de supermercado de Macapá, a um preço de R$ 2,00 o pote de
palmito. Mesmo assim, existia uma dificuldade da cooperativa em negociar a sua
produção, pois o mercado local era muito pequeno e não se tinha experiência com
compradores do Sul do País, acumulando estoques na fábrica. Isto deixava a
cooperativa muito dependente dos parceiros institucionais nas suas negociações,
como a WWF, o governo do estado e o CNPT. Segundo Silva(2003) e
Picanço(2005), os problemas que ocorriam na comercialização resultavam sempre
em descontentamentos, desmotivação e vontade de sair da cooperativa, devido as
dificuldades que esta tinha de saldar seus compromissos com os fornecedores de
matéria prima e seus funcionários. Por outro lado essas dificuldades garantiram
por parte dos parceiros, investimentos na capacitação dos dirigentes da cooperativa
para superar suas deficiências.
Em sua avaliação para WWF, Dertoni(1999), estimou, que apesar dessas
dificuldades de gestão e comercialização da produção, no período que a fábrica
estava funcionando, as famílias fornecedoras de matéria prima duplicavam suas
rendas mensais de R$ 350, 00 para R$ 700,00 em sistema de produção associando
a farinha mais palmito. Realça em seu trabalho o papel importante que a WWF
ocupou nessa parceria, investindo em três anos um valor de R$ 132.000,00, sendo
R$ 101.000,00 para construção da fábrica, R$ 26.000, 00 como capital de giro e
R$ 5.000,00 para reforma da fábrica, sem contabilizar os gastos com consultores,
treinamentos, ajudas de custos de dirigentes e a manutenção do escritório da
cooperativa em Macapá. Os recursos foram captados do BMZ ( governo alemão),
da USAID e Bank of América.
Segundo Silva(2003) em 14 de maio de 1999 a fábrica de palmito foi
embargada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde
por problemas de higiene e risco para os consumidores. Esse embargo e
fechamento da fábrica acarretou um prejuízo inicial de R$ 30.000,00 para a
COOPER-CA. Sendo que na primeira metade de 2001, começou-se a construção
da nova fábrica, dessa vez em alvenaria, obedecendo às exigências da Vigilância
Sanitária.
458

Os recursos para a reconstrução da fábrica foram captados em R$


50.000,00 do governo estadual, R$ 60.000, 00 da WWF e do CNPT, que se
comprometeu a doar um valor de R$ 37.000,00 do Projeto RESEX do PPG-7, que
acabou não acontecendo(SILVA,2003; PICANÇO, 2005).
Em 2003, a construção estava quase concluída, porém segundo
Silva(2003), os moradores estavam aguardando a liberação do Projeto RESEX II
para conseguir financiamento para o reinício da produção. Benjamim (2004)
também observou em sua pesquisa, que a fábrica estava quase pronta, mas não
estava funcionando:

[...]O que existe realmente é o manejo das áreas de açaizais da


cooperativa. Ficando a produção entregue nas mãos de pequenos
comerciantes/compradores de fabriquetas existentes nas ilhas do
Pará. Neste período, registrou-se o preço de R$0,13 pela boneca de
palmito(BENJAMIN, 2004, p.84).

Segundo Picanço(2005), a avaliação do presidente da COOPER-CA era de


que:

[..]foi um erro ter parado a antiga fábrica sem a garantia de


funcionamento da nova, pois era possível continuar funcionando,
com alguns ajustes, até o término das obras da nova construção.
Apesar disso, considera que a experiência foi positiva, e que os
problemas enfrentados foram decorrentes da falta de capacitação e
assessoria adequada. Atualmente, a cooperativa conta com a
assessoria técnica de diferentes instituições: gerencial, do CNPT; na
produção de alimentos, do Instituto de Pesquisa Científica e
Tecnológica do Estado do Amapá – IEPA e, em marketing e relações
comerciais, da WWF, e negocia recursos para reiniciar suas
operações(PICANÇO, 2005, p.130).

Em fevereiro de 2006, na entrevista com o presidente Valdeci Santa Rosa


de Souza, este informou que até o momento a fábrica ainda estava sem atividades,
e que a COOPER-CA detinha uma dívida de R$ 20.000,00 com um banco em
Macapá. Informou também que a WWF afastou-se do projeto, e ele estava
tentando uma reaproximação com a ONG que foi uma grande parceira. Ele também
informou, que a COOPER-CA contava naquela ocasião com 70 cooperados
(informação verbal)70.
Além do açaí e da castanha, produtos com grande potencial de mercado, os
técnicos do CNPT tentaram buscar novas alternativas para melhoria de renda e da

70
Valdeci Santa Rosa de Souza(Presidente da COOPERCA). Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Macapá, fev. 2006.
459

alimentação na reserva. Em 1998 foram implementadas a construção de 07 galpões


para criação de frangos, 08 pocilgas, 09 casas de farinhas e 01 galpão para
armazenamento da produção, todas de caráter comunitário, além de treinamentos
para melhoria da produção agroextrativista na reserva, em um volume de recursos
de R$ 35.687,52, conforme registros do Relatório de Atividades do
CNPT(IBAMA,1998).
Segundo Silva(2003) muitas dessas atividades faziam parte de um projeto
denominado de Granja Comunitária, implementados pelos técnicos do CNPT, com o
objetivo de estimulara a criação de pequenos animais, para que as famílias
produzissem a sua própria alimentação, “preservando a fauna e a flora da região
em seu ciclo vital”. Foi um projeto com implementação em quase todas as
comunidades da reserva, onde foram construídas as instalações que serviriam para
a criação desses animais.
A avaliação desse projeto por Silva (2003) foi de que não atingiu o sucesso
almejado:

[...]não logrou êxito pela completa falta de percepção das


especificidades sócio-cultural das comunidades da Reserva, como,
por exemplo, o costume de criar animais como galinhas e porcos,
soltos nos quintal, sem a preocupação imediata com os cuidados de
limpeza e alimentação diária(SILVA,2003, p.86).

Silva (2003), concorda também com a avaliação feita pelos moradores


locais, de que o insucesso desse projeto deu-se pela falta de participação dos
beneficiários na sua formatação e implementação, ou seja, estruturou-se como uma
imposição dos técnicos do CNPT.
Em 1999, segundo o relatório do Projeto RESEX fase 1, houve a introdução
do financiamento bancário através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do
Extrativismo ( PRODEX) que é:

[...]um programa de crédito exclusivo para extrativistas iniciado em


1997 para atender todos os extrativistas da Região Norte, mas
apenas introduzido nas reservas extrativistas em 1999, porque foi
necessária toda uma preparação tendo em vista que tais pessoas
nunca tinham trabalhado com crédito rural e, até certo ponto tinham
receio também de fazê-lo(IBAMA, 2000?, p.40)

Os relatórios de atividades do CNPT-AP de 1998, 1999 e 2000, registram


uma intensa atividade dos técnicos nas mobilizações e elaboração de projetos para
o PRODEX, com ênfase em implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs),
460

manejo de açaizais e fomento a castanha. Segundos os técnicos do CNPT em


2006, o número de projetos aprovados para a reserva Cajari foram de 96 projetos.
De acordo com uma relação do RURAP, de 23 projetos aprovados em 2002 para
esse programa, o valor médio financiado era de R$ 2.195,00 reais. Não se
conseguiu acessar a avaliações locais dos resultados desses financiamentos. De
acordo com o Relatório Final de Avaliação do Projeto RESEX:

Este programa permitiu investimentos em diversos itens, mas não é


considerado, pelos extrativistas e pelos técnicos do IBAMA nos
estados como um sucesso. Ao contrário: algumas associações têm,
ainda hoje, problemas para assegurar a quitação das dívidas
contraídas, das quais era avalista e quase todas elas tiveram que
arcar com parte destas dívidas(IBAMA-DISAM, 2006, p.25).

Os fatores apontados neste relatório para o insucesso foram variados como:


projetos mal elaborados; investimentos superdimensionados para produtos com
mercados em retração; falta de acompanhamento e assistência técnica; falta de
experiência dos extrativistas, dentre outros.
Em 2006, quando os moradores da reserva passaram a ser considerados
beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), com direito ao
acesso a diversos créditos deste programa, 31 castanheiros da Reserva Cajari
acessaram ao crédito PRONAF, para o fomento da castanha, o que representou um
volume global de R$ 109.120, 00 de crédito injetado naquela produção, segundo
informações do técnico Antonio Nunes, do RURAP, que trabalha na
reserva(informação verbal).

4.4.3 A evolução econômica da RDS Iratapuru

A população beneficiária da RDS Iratapuru, atualmente, organiza-se na


forma de unidades de produção familiares agroextrativistas típicas do campesinato
caboclo amazônico. No passado, época das empresas extrativistas, essa
organização obedecia ao modelo dos seringais amazônicos, comandada pela figura
do patrão, que através do aviamento, direcionava a capacidade produtiva dos
trabalhadores para a produção da borracha no verão e coleta da castanha no
inverno, restringindo as atividades agrícolas.
Com a queda no preço da borracha e a instalação do projeto Jarí sem
grandes interesses na economia extrativista, os trabalhadores são abandonados a
461

própria sorte, caindo nas mãos dos pequenos comerciantes, com pouco volume de
capital, sem capacidade de manter a estrutura de aviamento existente na fase
anterior. Isto vai levar as famílias a lançar mão da agricultura para sobreviver na
época da entressafra da castanha, visto que a produção da borracha inviabiliza-se
na região em função dos baixos preços. De trabalhadores para um patrão, os
trabalhadores vão se organizando em estruturas camponesas agroextativistas,
semelhantes as que se estruturaram na RESEX Cajari e PAE Maracá, utilizando a
experiência agrícola indígena no cultivo da mandioca e outros vegetais como a
batata doce, banana, o milho feijão e algumas fruteiras em pequenos roçados de
derruba e queima que complementam as atividades de coleta, caça e pesca na
reprodução das unidades familiares(FILOCREÃO, 1992).
Apesar de um grande esforço ocorrido nos últimos anos para melhorias na
produção e comercialização dos seus produtos extrativos principais como a
castanha, a borracha, as resinas e breus, os moradores da RDS ainda são muito
dependentes de comerciantes locais que fazem a intermediação entre os
agoextrativistas e a indústria na compra do principal produto: a castanha do pará,
apesar de uma parte da produção passar por processamento e comercialização
pela COMARU.
A pesquisa socioeconômica realizada em 1999, pela SEMA atingindo as
27 famílias da RDS, dão um quadro quantitativo das principais características da
unidades familiares agroextrativistas existentes:
1-Quanto à diversificação produtiva: apenas 3 unidades familiares não
tinham roçado o que equivale a 11,1% do total das famílias. Quanto ao
desenvolvimento de atividades de coleta, praticamente todas as unidades da
reserva utilizaram algum tipo de recurso da natureza, seja da floresta, como
madeira, cipós, frutos e a caça; e, dos rios, como os produtos da pesca para
atender as necessidades de consumo da unidade familiar. Quanto às atividades de
coleta para atender as demandas de mercado, 23 unidades familiares ou 85,2% das
famílias, produziram borracha ou castanha para venda. Sendo que todas
trabalharam com castanha produzindo 1.932 barricas, e apenas 30,4% destas,
produziram couro vegetal extraído da seringueira, com uma produção de 1.235 kg.
Não houve registro do extrativismo comercial de palmito e madeira.
2-Quanto às atividades agrícolas: a agricultura desenvolvida na região é
basicamente orientada para o autoconsumo (59,3% das famílias), apenas 29,6%
462

das unidades familiares produziram excedentes para mercado em 1999. Os


principais produtos agrícolas da comunidade em 1999 foram:
.Mandioca: com uma produção de 801 sacas de 60 kg de farinha, sendo
destinado 56,7% para o consumo da comunidade, 36,5% vendido a COMARU e
6,8% comercializada em Laranjal do Jarí;
.Banana: teve uma produção anual de 8.888 cachos, sendo 63,7%
comercializado em Laranjal do Jarí, ficando 36,7% dessa produção para o consumo
local;
.Milho: a produção anual foi de 153 sacos de 60 Kg, ficando 85,6% para a
alimentação de animais domésticos e 14,4% foi comercializado para atravessadores
de Laranjal do Jarí;
.Arroz: a produção anual foi de 4.704 kg sendo 76,5% destinado ao
comércio de Laranjal do Jarí e o restante para o consumo humano e de animais da
comunidade;
.Feijão: a produção foi de 1.102 kg ficando 72,8% para o autoconsumo.
Também se produziu macaxeira, batata doce e frutas como laranja,
cupuaçu, abacaxi, etc, em pequena quantidade, que foram utilizadas também no
autoconsumo e para comercialização em Laranjal do Jarí.
3-Quanto à criação de animais: a pesquisa mostra que 66,7% da famílias
desenvolvem a criação de pequenos animais, principalmente galinhas e patos em
quantidade muito pequena numa média de 18 galinhas e 1 pato por família, que é
direcionada para o próprio consumo. Foi identificado um pequeno rebanho de 8
porcos, 3 bovinos e 2 burros. Os burros são utilizados no transporte da castanha.
4-Quanto à atividade extrativista: o estudo mostra que além da castanha e
da seringueira, uma importante atividade da comunidade é a pesca, que é utilizada
por 92,6% das famílias para o autoconsumo, apenas 25,9% fazem comercialização
de pescados, porém essa comercialização é feita internamente para atender
principalmente os trabalhadores da COMARU durante as atividades de
beneficiamento da castanha.As principais espécies pescadas na região são: trairão,
surubim, pacu-açu, piranha, tucunaré, barba chata, aracu e curimatã. A pesquisa
não faz referência a caça, que é uma atividade muito importante para a subsistência
das famílias, principalmente durante a fase de coleta da castanha.
As famílias de Iratapuru representam o que restou de um período da
ocupação econômica extrativista que iniciou na região na época áurea da borracha.
463

Foram subordinados, economicamente, através do aviamento ao Coronel José Julio


de Andrade; a empresa extrativista dos portugueses; a empresa comercial
denominada de AMPEX; e, após 1973 passaram a depender do aviamento da
SASI, subsidiária do projeto Jarí e de pequenos comerciantes e regatões formados
na região, que se apropriavam de produtos como a borracha da seringueira e
balateira, a castanha, a copaíba, e os produtos da agricultura, principalmente a
farinha. Esse processo de subordinação reproduziu-se por muitos anos, favorecido
pelo isolamento e dificuldades de acesso à região.
Durante a vigência das empresas extrativistas, nos anos de 1960, a região
do Iratapuru era conhecida pela sua grande produção de balata:

Nenhum outro produto extrativo tem produção significativa na área.


No entanto, esta região do Jarí também já foi grande produtora de
balata, até 1971, quando os custos de produção passaram a
inviabilizar a exploração desse recurso ali abundante. Havia anos,
durante a década de 60, em que 3.000 trabalhadores subiam a esse
trecho do Jarí, onde permaneciam durante 6 meses, cortando
seringa e balata(MENEZES e MORAES, 1988, p.8)

A produção de látex da região atingia por volta de 1970/71 o volume de 12


tambores ou 2.400 litros por semana, sendo que em 1987 mal alcançou 800 litros. A
castanha em 1985 atingiu 3000 hectolitros, e em 1987 apenas 400 hectolitros. A
produção insignificante tinha em 1988 como causas exclusivas o alto custo de
produção e a total falta de apoio a essa atividade extrativista. Nesse ano, 4
comerciantes, tidos como patrões, atuavam na área: os senhores conhecidos como
Boca-Rica, Beira Rio o Zózimo Quadros e a SASI, subsidiária do projeto
Jarí(MENEZES e MORAES, 1988).
O nível de exploração dos pequenos patrões era tanto, que: “[...]De acordo
com várias pessoas entrevistadas durante a vistoria de campo, os patrões
chegavam a trocar 120 litros de amêndoa de castanha por uma única lata de 450g
de leite em pó”(JPG,2000,p.9).
Com a criação da COMARU, entre os anos de 1991 e 1992, inicia na
região um processo de busca da melhoria de renda das famílias através do
processamento e beneficiamento local da castanha e borracha. Para o
beneficiamento da castanha, foi construída uma pequena fábrica artesanal, onde se
produzia amêndoas desidratadas, paçocas, biscoitos, que procurava-se introduzir
nas escolas de Macapá. Com o apoio da Prefeitura de Laranjal do Jarí e do
Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, construíram-se dois galpões e parte de
464

uma estufa no ano de 1994. O foco inicial do beneficiamento eram as amêndoas


desidratadas cuja produção até o final de 1995 era comercializada para a merenda
escolar das escolas estaduais(PDA,1996; JGP,2000).
Em 1995, a COMARU começa a receber o apoio do governo estadual para
o beneficiamento da castanha, recebendo um financiamento de R$ 25.000,00 reais
do Banco do Estado do Amapá (BANAP). Esse dinheiro foi usado para completar a
construção da estufa, comprar 2 motores de popa e utilizar como capital de giro, o
que permitiu a COMARU ter produção de castanha beneficiada para vender ao
governo que utilizara na merenda escolar. Nesse ano, a cooperativa conseguiu
extrair e beneficiar 1400 hectolitros, mantendo um processamento médio por safra
de 1000 hectolitros, que passou a ser transformado em biscoito. Em 2000, a
produção beneficiada foi de 2.200 hectolitros (PDA,1996; JPG,2000,ABRANTES,
2003?).
Para garantir a produção de biscoito, em 1998 o governo firmou convênio
de R$ 107.000,00 com a COMARU para o fornecimento de biscoitos para a
merenda escolar. Em 1999, o contrato foi de R$ 118.125,00 reais para o
fornecimento de 1.750 kg de biscoitos a um preço de R$ 7,50 o Kg. A fabricação de
biscoito empregava 12 a 18 trabalhadores que recebiam um salário mínimo. Para
as atividades de coleta da castanha, a cooperativa pagava R$ 30,00 para 20 a 30
pessoas por hectolitro coletado cujo valor no local custava R$ 78,00 (junho de
1999), sendo que a diferença era destinada a investimento na fábrica. A produção
mensal da fábrica era de 2.500 a 3000 kg de biscoito(COELHO et al,1999;
VILHENA, 2004).
Entre setembro de 1997 a dezembro de 2001, a COMARU acessa recursos
do PPG7 na linha de Projetos Demonstrativos Tipo A, valor de US$ 209.000,00 para
implementar o beneficiamento da castanha, com a construção de um prédio em
alvenaria de 312 m2 destinado a produção de biscoito e um prédio em madeira de
312 m2 para armazenamento da produção da cooperativa, e investimentos em
transporte e capacitação dos produtores(SEMA, 2002).
A fábrica foi inaugurada em agosto de 2002 com uma capacidade inicial
prevista de processamento estimada em 24 toneladas de biscoito por
mês(VILHENA,2004). Em 2003, estava empregando 36 pessoas e beneficiando
indiretamente outras 150, com a capacidade operacional reduzida a 8 toneladas de
biscoito por mês(ABRANTES,2003?).
465

Segundo Vilhena(2004), a produção total anual de biscoito de castanha


em 1998 e 1989 foram de três toneladas vendidas a Secretaria Estadual de
Educação. Já no ano de 2000 a fábrica produziu e vendeu para o governo apenas 1
tonelada de biscoito e produziu 4 toneladas de óleo bruto de castanha que foram
vendidas a empresa Cognis do Brasil. Com a substituição da diretoria da COMARU
em 2001, e o funcionamento da fábrica em 2002, a cooperativa processou 1350
hectolitros de castanha com recursos obtidos através de um financiamento do
Fundo de Desenvolvimento Rural do Amapá para produção de biscoito e óleo de
castanha.
Segundo Vilhena(2004), apesar dos indicadores econômicos apontarem
para uma eficiência sempre rentável no negócio de biscoito da castanha produzido
pela COMARU, ainda permaneciam problemas de caráter financeiro provavelmente
deixados pelas gestões anteriores, como: falta de pagamento dos financiamentos
públicos para as atividades de coleta. Em fevereiro de 2003, a COMARU devia para
a Agência de Fomento do Governo do Estado e para o extinto BANAP um volume
de recurso estimado por Abrantes(2003?) em R$152.868,18. Mesmo com esses
problemas, no segundo semestre de 2003, os produtores de castanha assinaram
dois convênios com o governo estadual: um com a Secretaria de Educação no valor
de R$ 48.000,00 para o fornecimento de 13 toneladas de biscoito para merenda
escolar, e o outro com a Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral para
apoio institucional e capital de giro para aquisição de castanha in
natural(VILHENA,2004).
Em outubro de 2003, os moradores do Iratapuru sentem os seus esforços
perderem-se, quando um incêndio atinge a fábrica de biscoito e óleo de castanha,
significando um grande prejuízo para a COMARU e seus associados. Suspeita-se
que foi um incêndio provocado por membros das antigas gestões que foram
afastados por irregularidades nas prestações de contas, segundo o depoimento de
moradores e do atual presidente da COMARU(informações verbais)71.
Em 2004, a empresa de cosméticos Natura, compradora de óleo de
castanha da COMARU, faz um empréstimo a cooperativa para recuperar a sua
capacidade de produção de óleo. Em 2005, a COMARU comprometeu-se a vender

71
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Iratapuru-AP, jul.2006.
466

12 toneladas de óleo de castanha a esta empresa, porém só conseguiu entregar 10


toneladas, pois o aumento nos preços ocorrido no final da safra, estimulou os
cooperados a não cumprirem o acordo com a COMARU que fechou seu preço a R$
80,00, enquanto o preço em Laranjal do Jarí atingiu R$ 120,00 por barrica. No ano
de 2006, segundo informações do presidente, o contrato fechado com a Natura foi
de apenas 2 toneladas de óleo(informações verbais)72.
Um outro projeto econômico importante da COMARU foi com o Fundo
Brasileiro da Biodiversidade (FUNBIO), no valor de R$ 149.176,24. Esse projeto foi
para o beneficiamento do látex na produção de folha clara de borracha. Foi
implementado de novembro de 1998 a dezembro de 1999, chegou-se a produzir no
ano de 1999, 1.235 kg de borracha (SEMA,1999,2002). O projeto foi cancelado pela
reduzida capacidade técnica e de gerenciamento da COMARU, não atingindo os
objetivos propostos, porém foram dadas como concluídas as atividades da
COMARU nesse projeto, segundo a ficha existente no site do FUNBIO.
Desde que a atual diretoria assumiu em 2002, a COMARU não conseguiu
acessar mais recursos públicos por se encontrar inadimplente por falta de prestação
de constas de convênios e não pagamentos de financiamentos realizados com
recursos públicos. Segundo seu presidente, só do PDA, a COMARU por não ter
prestado contas, terá que devolver aos cofres públicos um volume de recursos
superior a R$ 400.000,00, apesar de ser um recurso a fundo perdido.
Em 1999, observava-se muito presente a necessidade do financiamento da
produção. Este era feito por quem tinha interesse na compra, tanto que, 33,3% das
famílias receberam financiamento naquele ano, sendo que 22,2% foram financiados
pela COMARU e 11,1% receberam tanto financiamento da COMARU como de
atravessadores(SEMA,1999).
Em 2006, 32 famílias da RDS, pela primeira vez, tiveram acesso ao crédito
do PRONAF para o custeio da coleta da castanha, com valores do financiamento
variando de R$2.040,00 a R$4.998,00 através do RURAP, em um montante de
R$118.106,00, segundo informações do chefe de escritório do órgão de extensão
rural em Laranjal do Jarí(informação verbal).

72
Luis de Freitas.(Presidente da COMARU). Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Iratapuru-AP, jul.2006.
467

4.4.4 Composição da renda familiar nas áreas protegidas

Alguns estudos realizados no Sul do Amapá procuraram mostrar a


importância das diferentes atividades na composição da renda das unidades
familiares agroextrativistas. Em 2001, Koury et al(2002) desenvolveram uma
pesquisa no alto Cajari com as famílias agroextrativistas chegando as conclusões:
1-A estrutura da renda bruta das famílias compreende, além do
autoconsumo, os rendimentos auferidos com as atividades agrícolas, extrativistas e
outras rendas como pensões, aposentadorias, bolsas-escola, venda de mão-de-
obra, etc. Conforme a Tabela 11 deduzem que em média, a renda bruta das
famílias corresponde a uma renda mensal de 3,5 vezes o salário mínimo vigente na
época da pesquisa. Nessa avaliação, verifica-se que na contabilização dessa renda
que 19,6% estão representados pelo autoconsumo e 80,4% pela renda monetária.
2-As atividades agrícolas destacam-se dos demais componentes,
correspondendo a 38,9% do volume total da renda bruta familiar, enquanto as
atividades ligadas ao extrativismo contribuem com 35,0%(Tabelas 12 e 13). A
agricultura tem, ainda, uma significativa contribuição (37,7%) na renda monetária,
participando também com 44,0% da renda representada pelo autoconsumo,
enquanto as atividades ligadas ao extrativismo contribuem com 33,2% da renda
monetária e 42,6% da renda representada pelo autoconsumo. Também observam
mudanças em relação aos dados registrados por Fernandes(1997), mostrando que
a agricultura na Reserva Extrativista do Rio Cajari está deixando de ser uma
atividade que se destina especialmente para o autoconsumo, passando a ser o
componente mais importante da renda monetária, embora o extrativismo tenha uma
participação apenas um pouco inferior à da agricultura na composição dessa renda.
3-Além das rendas provenientes das atividades agrícolas, extrativistas e da
criação de pequenos animais, outras rendas contribuíam com 23,1% do total da
renda bruta e 28,7% da renda monetária. Verificando que expressivas contribuições
são provenientes de programas sociais dos governos federal e estadual,
aposentadorias, salários de funcionários dos caixas escolares (merendeiras,
serventes, etc.) e salários de funcionários públicos (vigilantes, agentes de saúde,
etc.). Deduzem que, em média, essas receitas provocam um considerável aumento
na renda bruta das famílias, equivalente a um valor mensal, por família, igual a 0,8
vezes o salário mínimo vigente em 2001.
468

4-A participação dos produtos do extrativismo na formação da renda bruta


familiar, da ordem de 35,0% (Tabela 12), estava centrada na comercialização de,
aproximadamente, 70 hectolitros de castanha-do-pará coletados por ano, por
família, o que representava 25,7% da renda bruta e 25,4% da renda monetária,
enquanto o extrativismo do açaí era destinado, fundamentalmente, ao consumo das
famílias e apenas uma pequena parte da produção era vendida, o que leva à uma
participação inexpressiva desse produto na composição da renda monetária. Em
relação à estrutura desta renda, observam em sua composição a importante
participação (7,4%) de outros produtos como pequi, uxi, mel silvestre, óleos de
copaíba e andiroba, bacaba e cipós.
5-Quanto à participação da agricultura nas rendas das famílias (Tabela 13),
constataram que dentre as culturas exploradas economicamente, a mandioca para
produção de farinha era uma das principais, contribuindo com 14,6% da renda bruta
e 9,4% da renda monetária. Além da farinha de mandioca, outros produtos
importantes são as frutas (banana, maracujá, laranja, abacaxi, pupunha, e mamão),
as raízes (macaxeira, batata-doce e cará), o jerimum e o milho. Na categoria de
outros produtos estão incluídos o arroz, o feijão caupi, a cana-de-açúcar, a goma de
mandioca e o tucupi.

Tabela 11 - Composição da renda bruta familiar em Reais


Componentes Valor médio a.a Formação da Renda Produtos

R$ Monetária Autoconsumo
Renda das atividades farinha de mandioca, feijão, milho,
agrícolas 2.490,68 1.939,19 551,49 frutas, jerimum, macaxeira, cará etc.
Renda da criação de
pequenos animais 187,6 19,88 167,72 porco, galinha, pato, etc.
castanha-do-pará, piqui, uxi, açaí,
Renda do extrativismo bacaba, óleos de copaíba e andiroba,
vegetal, caça e pesca 2.243,54 1.710,15 533,39 pesca, caça, etc.
Venda de mão-de-obra, aposentadorias,
bolsas-escola e outras formas de
Outras rendas 1.478,78 1.478,78 - rendas.
TOTAL ( ano) 6.400,60 5.148,00 1.252,60
Fonte: Koury et al(2002).

Tabela 12 - Participação dos produtos do extrativismo na formação da renda bruta e monetária


Produtos Participação na Renda Bruta (%) Participação na Renda monetária (%)
Castanha-do-pará 25,7 25,4
Açaí 4,6 0,4
Caça e pesca 3 0
Outros produtos 1,7 7,4
Total 35 33,2
Fonte: Koury et al(2002).
469

Tabela 13 - Participação dos produtos agrícolas na formação da renda bruta e monetária


Produtos Participação na renda bruta (%) Participação na renda monetária (%)
Farinha de mandioca 14,6 9,3
Frutas 9,5 8,6
Macaxeira, batata-doce e cará 6,9 6,1
Jerimum 3 2,8
Milho 1,5 0,4
Outros produtos 3,4 10,5
Total 38,9 37,7
Fonte: Koury et al(2002).

Para o PAE Maracá, o diagnóstico do PDA(INCRA,2004) apresenta uma


análise que tem como base os dados referentes às atividades agropecuárias,
extrativistas e não agrícolas das localidades, Varador, Barro Alto, Conceição,
Joaquina, Central do Maracá, Laranjal do Maracá, Mari, Maruin, Pancada, Rio Preto
e a Vila do Maracá tomados para o ano de 2003. Pelas informações constantes na
Tabela 14, constata-se que a renda bruta média anual dos assentados dessas
localidades gira em torno de R$ 4.339,06 por família o que corresponde, a um
rendimento mensal médio de ordem de R$ 361,60, o que equivale a 1,5 salários
mínimo mensal daquele ano.

Tabela 14- Formação da renda bruta familiar do PAE do Maracá


Renda bruta média familiar a.a.
Componentes Valor monetário (R$) Valor percentual (%)
Atividade Agropecuária 2.030,68 46,8
Atividade Extrativista 1.214,94 28,0
Atividade Não Agrícola 1.093,44 25,2
TOTAL ( ano) 4.339,06 100
Fonte: INCRA(2004)

Pela mesma fonte de dados percebe-se também que as atividades


agropecuárias têm maior representação dentre as demais cujo percentual médio de
46,80 %, correspondendo a um valor monetário anual da ordem de R$ 2.030,68.
Com relação, as atividades consideradas não agrícolas, têm-se uma contribuição
média de 25,20% e monetária de R$ de 1.093,44. Já o extrativismo tem uma
participação média de 28%, e monetária de R$ de 1.214,94 ao ano. Com respeito a
esse último item, o mesmo reflete uma análise geral dos rendimentos das
localidades citadas sem fazer nenhuma distinção entre as mesmas. Este fato
permite uma visão geral do conjunto das localidades, mas reduz a possibilidade de
470

avaliar mais detalhadamente a contribuição do extrativismo daquelas localidades


que dispõem de estoques relevantes.
Na avaliação em particular da composição da renda agropecuária (Gráfico
64), o maior destaque é para o cultivo da mandioca que, depois de transformada em
farinha e goma representam respectivamente 31,8% e 4,2% do total da renda
familiar, incluindo o autoconsumo. Este fato é claramente compreensível, pois a
produção de farinha constitui a principal base da sustentação rural da região cujos
maiores investimentos repousam na força de trabalho familiar.
A contribuição dos demais produtos, representados pelo abacaxi, milho,
feijão, arroz, banana, cupuaçu, etc., acrescidos da criação de pequenos animais
assumem o caráter de complementação de renda e dão mostras da diversificação
produtiva que embora ainda seja pequena devem receber maiores incentivos, pois
constitui oportunidades a ampliação de renda da população.

2,90% 2,45% Farinha


3,92%
4,20%
Goma

Abacaxi

Pequenos
Animais

outros

31,8%
Gráfico 64-Composição da renda agropecuária
Fonte: INCRA(2004).

Não encontramos na produção científica ou técnica sobre a RDS, trabalhos


que tratassem da composição da renda familiar como os produzidos na RESEX
Cajari e no PAE Maracá. A pesquisa de 1999 realizada pela SEMA apresenta
alguns dados numéricos sobre a renda e consumo familiar:
1-Quanto à renda mensal: 37% das famílias recebem uma renda mensal de
até o valor de um salário mínimo; 37% tem renda de 1 a 2 salários mínimos, 14,9%
tem renda de 2 a 3 salários mínimos, enquanto 11,1% conseguem ter uma renda
superior a 3 salários mínimos.
2-Quanto às despesas: por não circular dinheiro na comunidade, as famílias
tem gastos reduzidos, sendo que 51,9% das famílias gastam menos de R$ 100,00
471

por mês, 40,7% gasta entre 100 a 400 reais, e apenas 7,4% gasta mais de 400
reais.

4.4.5 As estatísticas da evolução econômica das áreas protegidas

Os dados coletados na pesquisa de campo permitem fazer uma avaliação


das transformações econômicas ocorridas junto às unidades familiares
agroextrativistas que exploram os castanhais do Sul do Amapá em quatro sub-
tópicos: a evolução da capacidade produtiva; a evolução das atividades produtivas;
a evolução nas relações com os agentes comerciais; e, a evolução da renda e do
consumo.

4.4.5.1 A evolução da capacidade produtiva

O Gráfico 65 mostra quais as principais mudanças ocorridas na capacidade


produtiva das unidades familiares agroextrativistas considerando as principais
estruturas utilizadas nas atividades desenvolvidas ao longo do ano. Os principais
investimento feito pelas famílias entre os anos de 1993 a 2006 foram na melhoria da
capacidade de preparo da área para roça, através da aquisição de motosserras, a
melhoria na capacidade de beneficiamento da mandioca através da motorização do
processo de ralar as raízes, na capacidade de transporte e de armazenamento da
produção de castanha no campo(paióis).
Para o preparo dos roçados, através da derrubada de árvores, em 1993
esse processo era feito majoritariamente com o uso do machado, pois dispunham
de motosserras apenas 2,8% das unidades familiares, em 2006 o número de
famílias que detém a posse de motosserra cresceu significativamente para 13,9%,
ressalte-se que a utilização desse equipamento vai atender um número muito maior
de famílias, através de aluguel ou algum tipo de cooperação no preparo da roça.
Outro investimento significativo ocorrido diz respeito a modernização do
beneficiamento da farinha, através da motorização do processo de ralagem da
mandioca. Em 1993, apenas 13,9% das unidades produtivas possuíam o catetu
motorizado nas suas casas de farinha, em 2006 esse número cresceu para 41,7%,
o que vai trazer melhoria nas condições de trabalho de um número bem maior de
famílias. Pode-se perceber que existe um grande percentual de famílias (45%) que
472

não possuem casa de farinha própria, e não houve mudanças significativas em


investimentos na construção de novas unidades de processamento de farinha, a
não ser as comunitárias construídas com os recursos do Projeto RESEX.
Para a atividade extrativista da castanha ocorreu um aumento significativo
na construção de paiol para armazenamento no local das amêndoas coletadas. Em
1993, 34,7% das unidades possuíam esses armazéns, enquanto em 2006 vamos
encontrá-los em 48,6% delas. Quanto ao transporte para acesso as áreas de
produção, houve uma redução significativa no número de propriedades que
dispunham de canoas, de 69,4% para 55,6%; por outro lado aumentou o percentual
de propriedades que possuem canoas motorizadas, os rabetas, de 8,3% para
34,7%. Um aspecto importante é que o motor do rabeta é também utilizado no
acionamento do catetu para a ralagem da mandioca, o que o torna um instrumento
multiuso nos processos produtivos das famílias.

Infraestrutura Produtiva

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
l
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C
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M u Pu a O
ti t oa as
a e an C
C C

Gráfico 65-Evolução dos investimentos na infra-estrutura produtiva das unidades


agroextrativistas
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.4.5.2 A evolução nas atividades produtivas

As atividades agrícolas das famílias agroextrativistas que habitam os


castanhais das áreas protegidas do Sul do Amapá continuam a desenvolver-se nas
roças originadas da derruba e queima da vegetação existentes sejam matas
primárias ou capoeiras. Não ocorreram mudanças significativas no tamanho médio
das roças, que em 1993 era de 4,32 tarefas ou 1,30 hectares, e em 2006, de 4,54
tarefas ou 1,37 hectares. Considerados separadamente, o tamanho médio das
473

roças no PAE Maracá sofreu pequeno acréscimo, enquanto na RESEX Cajari


houve redução nesse tamanho, conforme pode-se observar no Gráfico 51. As
variações relacionadas aos principais produtos cultivados nesses espaços podem
ser vislumbrados no Gráfico 66.
Percebe-se que a mandioca permanece como a principal espécie vegetal,
sendo cultivado por 91,7% das unidades produtivas. Além da mandioca, nas roças
outras raízes e tubérculos mantêm a preferência de cultivo pelas famílias como a
macaxeira, e o cará cultivados nas roças de cerca de 60% das famílias. Ocorreram
mudanças estatísticas significativas no percentual das unidades familiares que
deixaram de cultivar os cereais como arroz (de 20,8% para 4,25%); o milho (caiu de
62,5% para 48,6%); a batata doce ( caiu de 65,3% para 50%) e a melancia (queda
de 18,1% para 4,2%). Essas reduções podem ser explicadas pelas dificuldades de
beneficiamento no caso do arroz; o milho, pela redução do uso de burros para o
transporte da produção, que demandavam esse cereal como alimento.
Quanto a comercialização dos produtos da roça (Gráfico 67), não houve
alteração significativa quanto aos percentuais das unidades familiares que
comercializam esses produtos, com exceção da batata doce e melancia que houve
redução das famílias que comercializam esses produtos. A mandioca continua
sendo a espécie vegetal mais comercializada pelas famílias, cerca de 60% das
famílias auferem renda monetária através da comercialização da farinha de
mandioca. As outras espécies vegetais das roças são comercializadas por menos
de 20% das unidades familiares.
Quanto ao volume comercializado de farinha de mandioca em relação ao
autoconsumo, o Gráfico 68 mostra modificações significativas. As unidades com
comercialização maior que 50% da produção de farinha caíram percentualmente de
34,7% para 18,8%, enquanto aumentou o percentual das que comercializam menos
que 50% da produção, de 22,2% para 37,7%, enquanto o extrato que diz não
comercializar a farinha de mandioca manteve-se inalterado em 43% das unidades
familiares. Nos dados de 2006 a média de farinha vendida no estrato que vende
menos de 50% da produção foi de 18,5 sacas de 60 kg no ano enquanto no estrato
que vendeu acima de 50% da produção a média vendida foi de 57,7 sacas de 60 kg
no ano(Gráfico 69).
474

Especies cultivadas nas Roças

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
z o ca ra ce á ci
a
ro ilh io ei do ar an
Ar M d ax C l
an c ta e
M M
a ta M
Ba

Gráfico 66-Variação nas espécies cultivadas pelas unidades familiares


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Produtos vendidos das Roças

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
o ca ra á a
r oz i lh io ei ce ar ci
Ar M d ax do C l an
an ac ta e
M M ta M
Ba

Gráfico 67-Variação nos produtos vendidos pelas unidades familiares


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

50,0% 60,0
Media QUANTIDADE VENDIDA DE FARINHA (saca 60kg)

ANO
1993
2006
50,0
40,0%

40,0
Porcentaje

30,0%

30,0
57,7
43,1% 43,5%
20,0%
37,7%
34,7% 20,0

22,2%
10,0%
18,8% 10,0
18,5

0,0
0,0%
NÃO VENDEU MENOS DE 50 % 50 % OU MAIS MENOS DE 50 % 50 % OU MAIS
NO ULTIMO ANO, QUANTO O SENHOR VENDEU DE FARINHA?

Gráfico 68-Variação na proporção de venda de Gráfico 69 - Quantidade média de farinha


farinha pelas unidades familiares vendida em 2006
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(2006).
475

Quanto às culturas permanentes que são as espécies frutíferas plantadas


nos sítios, retiros e quintais, os Gráficos 70 e 71 mostram um quadro em que as
mudanças significativas no plantio ocorreram para o abacaxi e o cupuaçu. O
abacaxi perdeu importância enquanto cultura cultivada pelas famílias, em 1993 foi
cultivado por 65,3% das unidades produtivas e em 2006 caiu para 41,7 %; o
cupuaçu que em 1993 era cultivado por 55,6% das famílias passou a ser plantado
por 69,4%. A banana manteve o seu espaço de ser cultivado por 64% das famílias e
comercializado por 31% delas. Fora a banana que manteve seu espaço e o
cupuaçu que surgiu como uma nova frutífera importante para as unidades
produtivas, as demais espécies são cultivadas por menos de 60% das famílias e
comercilizadas por menos de 20% das unidades produtivas.

Frutiferas Plantadas

100,0%

80,0%

60,0% 1993

40,0% 2006

20,0%

0,0%
Abacaxi Abacate Banana Cupuaçu Laranja Limão Tangerina

Gráfico 70-Variação nas frutíferas cultivadas pelas famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Venda de Frutas

100,0%

80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006

20,0%
0,0%
xi te na çu nj
a ão a
ca ca na ua ra m rin
a a a p a Li ge
Ab Ab B u L n
C Ta

Gráfico 71-Variação nas frutas vendidas pelas famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
Quanto as atividades extrativistas das unidades familiares pesquisadas, os
476

Gráficos 72 e 73 mostram que sobre o ponto de vista da coleta, entre os anos de


1993 e 2006 os principais produtos utilizados pelas unidades produtivas foram a
castanha o açaí fruto os cipós e as palhas. Com importância comercial apenas para
a castanha.
O comportamento da coleta pelas unidades produtivas apresenta uma
redução significativa nos números de famílias que coletavam esses produtos. A
castanha do pará, principal produto extrativista para mercado que era coletado por
todas as unidades estudadas em 1993, chegou o ano de 2006 sendo coletado por
90,3% das famílias, essa queda de 10% deve-se em parte a venda ou transferência
de castanhais para outras famílias. O açaí fruto que era coletado por 47,2% das
unidades caiu em 2006 para 29,2%, esta queda pode ser explicada pelas
mudanças de famílias para as vilas maiores onde os açaizais não estão disponíveis.
O cipó titica que era coletado por 30,6% das unidades caiu para apenas 12,5%
outros cipós também perderam sua importância na coleta passando de 19,4% para
2,8%; assim como a palha para cobertura de casas que era coletada por 34,7% das
famílias em 1993, cai para 6,9% destas em 2006. Essas quedas na utilização
desses produtos de origem florestal deu-se pela substituição de alguns vasilhames
utilizados que eram feitos de cipós por plásticos e produtos sintéticos comprados
nas cidades, enquanto as palhas são substituídas pelo amianto na cobertura das
casas. Ou seja, a interação maior das famílias com os centros urbanos vai
provocando mudanças nos seus padrões de consumo.
Quanto a quantidade dos principais produtos coletados por família, no caso
o açaí fruto e a castanha, o Gráfico 74 mostra que está havendo um aumento na
quantidade de açaí fruto coletado por família: em 1993, a média era de 29,1 latas
por ano no Maracá e 31,6 latas por ano no Cajari, em 2006 esses números
mudaram significativamente, a média do Maracá passou a 185,8 latas/ano e no
Cajari a 77,2 latas por ano, no Iratapuru a média coletada por famílias é 56,7 latas.
Esses resultados mostram que está havendo uma maior preocupação com o açaí
para fruto na região pelas famílias que permanecem coletando esse produto,
principalmente no Maracá.
Quanto à coleta para o mercado, a castanha praticamente mantém-se como
o único produto extrativista comercializado pelas famílias dos castanhais das áreas
protegidas, sem mudanças significativas. Quanto à quantidade coletada por família,
o Gráfico 75 mostra um aumento generalizado na quantidade média coletada,
477

sendo que no PAE Maracá a média por família cresceu de 41,8 para 69,5 barricas,
na RESEX Cajari houve aumento de 64,7 para 118,5 barricas por famílias e na
RDS a média em 2006 foi de 161,2 barricas. Percebe-se que está havendo
estímulos ao crescimento da coleta da castanha pelas famílias.

Produção extrativista

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
ito a a á a s a
to nh ch te
x ap ba au tit
ic pó lh
ru lm iro ac ci Pa
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p a sta rra La A
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Aç C de C ut
Aç ite O
Le

Gráfico 72-Evolução na coleta da produção extrativista das unidades produtivas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Venda de produtos extrativos

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
ito a a á a s a
to nh ch te
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Gráfico 73-Evolução na venda da produção extrativista


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

ANO
200 200
Media QUANTAS LATAS O SENHOR COLETOU DE AÇAI

ANO 1993
1993 2006
Media PRODUÇÃO DE CASTANHA(BARRICA)

2006

150 150
FRUTO ?

100
100
185,8

161,2

118,5
50
50
77,2
56,7 69,5 64,7
29,1 31,6 41,8

0
MARACA CAJARI IRATAPURU 0
MARACA CAJARI IRATAPURU

Gráfico 74-Evolução na quantidade de açaí


Gráfico 75-Evolução na quantidade castanha
fruto coletado pelas famílias(latas)
do pará coletada pelas famílias(barricas)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006)
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
478

Quanto a criação de animais domésticos pelas unidades familiares


agroextrativistas dos castanhais do Sul do Amapá, a pesquisa mostrou que
praticamente não ocorreram mudanças significativas nas quantidades criadas e
nem em relação a comercialização desses animais. A única exceção foi em relação
ao gado bovino que em 1993 não existia criação desse animal pelas famílias
pesquisadas, sendo que em 2006, 7,2% das unidades familiares passam a criar
essa espécie. As outras espécies de animais domésticos, em termos de
quantidades criadas e comercialização mantêm-se estatisticamente inalteradas:
88% das famílias não possuem burros; búfalos são criados por menos de 8% das
famílias, 22% criam porcos; 70% têm criações de galinha e cerca de 30% das
unidades familiares criam patos. A criação de porcos, galinhas e patos são em
quantidades pequenas utilizadas para o autoconsumo famílias. A ilustração 1
apresenta graficamente as estatísticas da evolução da criação de animais
domésticos pelas famílias.
479

100,0% 100,0%
ANO
ANO
1993
2006 1993
2006
80,0% 80,0%
Porcentaje

Porcentaje
60,0% 60,0%

100,0%
92,8%
88,2%
40,0% 80,6% 40,0%

20,0% 20,0%

19,4%

4,4% 5,9% 4,3%


0,0% … … 1,5% 0,0% … … 1,4% … 1,4%
NÃO TEM TEM 1 ANIMAL TEM 2 ANIMAIS TEM MAIS QUE 3 NÃO TEM TEM 1 A 5 CABEÇAS TEM 6 A 10 CABEÇAS TEM MAIS DE 15
ANIMAIS CABEÇAS

BURROS BOVINOS

80,0%
100,0%
ANO
ANO 1993
2006
1993
80,0% 2006
60,0%
Porcentaje
Porcentaje

60,0%

40,0% 78,3%
97,2%
92,8%
65,3%
40,0%

20,0%

20,0%
26,4%

10,1% 8,3%
5,8% 4,3%
4,3% 1,4%
0,0% … 1,4% 1,4% 1,4% 1,4% 0,0% … …

NÃO TEM TEM 1 A 5 CABEÇAS TEM 6 A 10 CABEÇAS TEM MAIS DE 15 NÃO TEM TEM DE 1 A 10 TEM DE 11 A 20 TEM DE 21 A 30 TEM MAIS DE 30
CABEÇAS ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS

BUFALOS PORCOS

80,0%

40,0%

ANO ANO
1993 1993
2006 60,0% 2006
30,0%
Porcentaje
Porcentaje

40,0%
20,0%
73,6%
33,3%
68,1%
31,4% 30,6%

24,3%
22,9%
10,0% 19,4% 20,0%

12,9%
11,1%
8,6% 22,2% 20,3%
5,6%

0,0% 7,2%
NÃO TEM TEM DE 1 A 10 TEM DE 11 A 20 TEM DE 21 A 30 TEM MAIS DE 30 0,0%
2,8% … 1,4% 1,4% 2,9%
ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS
NÃO TEM TEM DE 1 A 10 TEM DE 11 A 20 TEM DE 21 A 30 TEM MAIS DE 30
GALINHAS ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS ANIMAIS
PATOS

Ilustração 1- Evolução na criação de animais domésticos pelas famílias agroextrativistas


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
480

4.4.5.3 A evolução nas relações com os agentes comerciais

A pesquisa mostra que ocorreram importantes mudanças em relação à


comercialização da produção agroextrativista das unidades familiares pesquisadas.
As mudanças são diferenciadas quando consideradas em separado a produção
agrícola da produção extrativista.
No passado, os regatões e outros representantes do capital comercial na
região compravam ou trocavam tanto a produção agrícola quanto a extrativista das
unidades familiares. Nos últimos anos o quadro mudou totalmente.
A produção agrícola das unidades agroextrativistas conforme se pode
vislumbrar no Gráfico 76, em 1993 era vendida a diferentes agentes comerciais
como o patrão que compravam a produção de 4,5% das famílias; os regatões
conseguiam intermediar a produção de 12,1% das unidades produtivas; as cantinas
comunitárias compravam de 13,6%; intermediários de fora compravam de 7,6%; os
comerciantes locais compravam de 7,6%; 13,6% vendiam para outros tipos de
agentes e 40,9% das unidades negociavam nas feiras das cidades como Macapá,
Santana, Mazagão e Laranjal do Jarí. Em 2006 ocorreram mudanças significativas,
onde a maioria, ou seja 87,3% das unidades familiares pesquisadas vendem as
produções agrícolas nas feiras ou a comerciantes da cidade; apenas 4,2% vendem
a intermediários e 4,2% vendem a comerciantes locais. Esta situação foi favorecida
pelo apoio dos governos estaduais e municipais fornecendo o transporte necessário
ao escoamento da produção, que foi facilitado pela abertura da estrada ligando as
áreas protegidas a capital e sedes municipais. Isto garante uma melhor
remuneração nessa produção já que parte da venda é feita diretamente entre o
produtor e o consumidor.
Os principais produtos comercializados são os derivados da mandioca
como farinha, goma, tucupi; a macaxeira, batata doce e cará; as frutas como
cupuaçu, abacaxi e cítricas e ainda uma pequena quantidade de produtos
extrativistas como a castanha in natura. As feiras acontecem para as comunidades
a cada 15 dias. A venda é feita a dinheiro e as famílias aproveitam esse momento
para comprar as suas despesas no comércio e supermercados das cidades. Essa
mudança foi extremamente significativa para uma valorização dos produtos
agrícolas que eram entregue aos atravessadores a um preço extremamente baixo
enquanto compravam as despesas desses atravessadores a um preço muito acima
481

do oferecido na cidade.

100,0%
ANO
1993
2006
80,0%
Porcentaje

60,0%

87,3%
40,0%

20,0% 40,9%

12,1% 13,6% 13,6%


7,6% 7,6%
4,5% 4,2% 4,2% 4,2%
0,0% … … … … …

PATRÃO REGATÃO CANTINA INTERMEDIARIO COMERCIANTE FEIRA OU OUTRO NÃO VENDE


LOCAL COMERCIANTE
DA CIDADE

Gráfico 76- Evolução na venda da produção agrícola


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Enquanto a comercialização da produção agrícola acontece de forma mais


simples e as famílias têm um relativo controle sobre o processo, cuja dependência
dá-se aos transportes garantidos pelos governos, que têm funcionado regularmente,
e assim são mantidos, devido às pressões políticas das organizações locais, além
de que, os preços dos produtos agrícolas nas feiras de agricultores são
relativamente estáveis. Com a produção extrativista esse processo tornou-se
bastante complexo, os preços são instáveis durante a safra e entre as safras e o
nível de controle das famílias sobre esse processo é relativamente pequeno, ou
seja, os agentes comerciais externos determinam tanto os preços quanto a
estrutura a ser utilizada para escoar a safra do principal produto que é a castanha.
As transformações ocorridas na região com a abertura da estrada e a
proteção das áreas para o agroextrativismo criou situações diferentes ao acesso da
produção. Os castanhais da RESEX Cajari foram cortados pela estrada, facilitando
o transporte da produção por transporte rodoviário até Laranjal do Jarí, reduzindo os
custos de coleta. No Cajari, a castanha é escoada da floresta as margens da
estrada em burros, tratores e camionetas tracionadas, dos compradores. Os
principais castanhais do PAE Maracá ficaram distantes das margens da estrada, e a
sua produção tem que ser feita através de transporte fluviais através de um rio com
482

mais de 15 cachoeiras que acabam onerando demasiadamente os custos de coleta.


A RDS Iratapuru padece do mesmo problema, pois a estrada fica distante dos
castanhais que para acessá-los tem que se galgar mais de 15 cachoeiras tornando
o escoamento da produção uma empreitada cara e arriscada. A castanha do
Iratapuru é escoada em transporte dos moradores ou da COMARU, utilizam-se
batelões com capacidade para 30 barricas impulsionados por motores de popa de
25 e 40 HP, gastando-se uma quantidade de aproximadamente 200 litros de
gasolina em uma viagem ida e volta para o escoamento da castanha. A castanha do
alto Maracá é escoada pelos dois principais compradores locais que possuem
armazéns na localidade de Varador que fica na décima quinta cachoeira. Essa
produção é transportada em batelões de 25 barricas impulsionados por motor do
tipo rabeta, que acaba sendo mais econômico, gastando-se cerca de 30 litros de
gasolina a cada viagem ida e volta do batelão com 3 a 4 pessoas manobrando a
embarcação para enfrentar as cachoeiras e carregar a produção contornando as
quedas d’água.
A criação das áreas protegidas libertou as famílias do jugo dos antigos
patrões, e a abertura da estrada abriu a concorrência com novos compradores na
busca de lucro fácil. A partir de então, houve um processo de mudanças, onde o
aviamento das famílias para a coleta da castanha através do fornecimento de
mercadorias mudou para o adiantamento em dinheiro. Castanhais como os do
Maracá, do Iratapuru e do Cajari, nos locais mais distantes da estrada exigem
investimentos antecipados para que seja feita a coleta.
Assim, a antecipação do dinheiro, em vez de mercadoria, foi a primeira
estratégia utilizada pelos compradores, já que os castanhais são agora de uso das
famílias e estas conhecem os preços das mercadorias, a medida em que
comercializam a produção agrícola nas cidades. Os antigos compradores que eram
grandes comerciantes de Santana e Laranjal do Jarí perderam seus espaços, pela
quebra de confiança, no momento em que, as famílias foram percebendo o quanto
eram exploradas, nos preços da castanha vendida e das mercadorias compradas.
A ação das associações e cooperativas com as cantinas comunitárias, também
contribuiu para a falência do aviamento tradicional em mercadorias.
Uma estratégia adotada pela indústria da castanha foi investir nos
indivíduos mais dinâmicos no interior das áreas protegidas ou deslocar
comerciantes para o interior dessas áreas para poder garantir a concorrência com
483

compradores de fora que vêm em busca de ganho na região. Aos compradores


locais é garantida a infra-estrutura necessária para escoar a castanha, como
camionetes tracionadas com capacidade para 20 hectolitros, caminhões que
transportam 150 hectolitros e tratores com carretas capazes de transportar até 50
hectolitros, além dos recursos para armazéns e canoas motorizadas para o
transporte através dos rios.
Com essa estrutura, os compradores locais vão buscar a castanha na
colocação, e transportam de caminhão a Laranjal do Jarí, de onde são embarcadas
em grandes balsas com destino as fábricas, ou se processadas em Laranjal do Jarí,
na COMAJA são encaminhadas aos portos para exportação.
Os compradores locais que compram castanha da RESEX Cajari,
informaram que os seus ganhos nos últimos anos variaram entre 5 a 10 reais por
hectolitro entregue aos representantes das fábricas em Laranjal do Jarí. Esse valor
é um pouco maior porque existe um mecanismo na medição que favorece os
compradores, pois eles recebem em barrica dos agroextrativistas, que são 6 latas
de querosene, equivalente a aproximadamente 120 litros, e entregam aos
representantes das fábricas em hectolitros, ou em alguns casos 5 latas e meia de
querosene, aproximadamente 110 litros(informações verbais)73. Ou seja, nesse
mecanismo de medida leva-se aproximadamente 20% de castanha do coletor que
fica com o comprador local ou é dividido com o receptor da indústria em Laranjal do
Jarí. Segundo os compradores locais, comprar-se em hectolitro em vez de barrica, o
lucro não compensa, e isto tem levado a falência de alguns compradores locais
desavisados.
Segundo os compradores locais, as variações de preços são imprevisíveis.
Em 2005, ocorreu uma grande safra e o preço chegou a 115 reais a barrica em
Laranjal do Jarí. De acordo com o maior comprador do PAE Maracá, em 2005, na
grande safra, ele chegou a entregar castanha com preço entre 70 reais a 115 reais
por hectolitro enquanto 2006, numa safra pequena, o preço encontrava-se entre 40
a 50 reais pelo hectolitro (informação verbal)74.

73
José Ovídio Carmo. Comprador da RESEX. Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão.
Martins-AP, mar.2006.
Isidio Brito. Comprador da RESEX. Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Água Branca
do Cajari-AP, mar.2006.
74
Pedro Carneiro. Comprador do PAE Maracá. Entrevista concedida a Rodolfo Sousa. Vila Maracá-
AP, mar.2006.
484

Conforme outro comprador local, um dos motivos do crescimento do preço


em 2005 foi a entrada de bolivianos para comprar a castanha, pagando um melhor
preço que a indústria de Belém. Enquanto o baixo preço de 2006 foi devido ao
grande estoque existente da safra anterior no mercado, o que reduziu a procura por
castanha, agravada pela não entrada dos compradores bolivianos, devido a
conflitos na esfera da justiça com os empresários da castanha de Belém. Quanto à
queda abrupta da produção, em cerca de 50% em 2006, a explicação é que isso
acontece a cada 3 anos após uma grande safra devido ao esgotamento das
castanheiras(informação verbal)75.
Com a liberdade de comercialização das famílias agroextrativistas por terem
a posse dos castanhais; com a maior circulação de pessoas e informações na
região; e, com a concorrência acirrada entre vários compradores, torna-se
necessário utilizar diversas estratégias para garantir a compra da produção. Além
do dinheiro antecipado, os compradores locais utilizam outros mecanismos para
manter o fornecedor, como: o adiantamento de dinheiro antes das festas natalinas
no Cajari; a prestação de serviços como transporte, venda fiada de alimentos; e, o
cumprimento integral de compromissos assumidos. No Maracá, além do crédito
aberto para quando o castanheiro precisa, disponibilizam-se também recursos para
o financiamento para a construção de casas, canoas e aquisição do motor rabeta.
Enfim, são diversificadas as estratégias utilizadas para prender o coletor ao
comprador, além do necessário investimento na construção de relações de
amizade através da prestação de favores (comunicação verbal).
Essa concorrência torna difícil a situação das cooperativas, pois muitas das
vezes, adianta dinheiro ao cooperado que entrega a produção ao comprador local
ou a um patrão antigo por melhor preço ou mesmo pela relação de amizade, como
aconteceu com a COMARU em 2005, que não conseguiu cumprir o contrato com a
Natura, pois o preço adiantado aos sócios foi inferior aos que os compradores
ofereceram na chegada da produção na comunidade.
O Gráfico 77 mostra um quadro de mudanças significativas na venda da
produção extrativista, onde se percebe que a figura do patrão cresceu na compra da
produção de 16,9% para 22,9% das unidades familiares, entre 1993 e 2006; os
comerciantes locais, que atuam também como patrão, têm conseguido comprar a

75
Francisco de Alcantara. Comprador do PAE Maracá. Entrevista concedida a Antonio Sergio
Filocreão. Vila Maracá-AP, mar.2006.
485

produção da maior parte das unidades familiares, crescendo de 11,3% em 1993


para 40,0% em 2006; os intermediários de fora que conseguiam comprar a
produção de 35,2% das famílias, em 2006, só conseguiram de 21,4%; os regatões
perderam a importância, se compravam em 1993 a produção de 15,5% em 2006 só
conseguiram de 2,9% das famílias. O controle da comercialização que as famílias
detinham através da venda nas feiras de agricultor e entrega as cantinas e
cooperativas sofreu queda, pois, as cantinas que compravam de 7% das famílias
hoje não compram mais; a venda nas feiras das cidades é feita por um percentual
de 11,4% das famílias, quando em 1993 era feita por 12,7%; enquanto a venda
para outros, que são as cooperativas, é feita por 1,4% das famílias, mantendo-se
assim desde 1993. É possível que algumas famílias tenham tratado nas suas
respostas, as cooperativas também como patrão. Embora, considerando a
produção máxima de castanha processada pela cooperativa na RESEX que foi de
54 toneladas na forma de “castanha dry”, o que corresponde a 1200 hectolitros,
volume que representa um pouco mais de 5% da produção da Reserva, e a
produção coletada por um pouco mais de 10 unidades familiares, o que encontra-
se dentro desse pequeno percentual.

40,0%
ANO
1993
2006

30,0%
Porcentaje

20,0% 40,0%

35,2%

22,9%
21,4%
10,0%
16,9%
15,5%
12,7%
11,3% 11,4%

7,0%
2,9%
1,4% 1,4%
0,0% …
PATRÃO REGATÃO CANTINA INTERMEDIARIO COMERCIANTE FEIRA OU OUTRO
LOCAL COMERCIANTE DA
CIDADE

Gráfico 77- Evolução da venda da produção extrativista


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
486

4.4.5.4 A evolução na renda e consumo

Atualmente, a renda monetária das famílias agroextrativistas é composta de


uma fração relativamente estável, resultante da comercialização dos produtos
agrícolas, tendo como carro chefe, a farinha de mandioca e as rendas extras
resultantes da venda da força de trabalho e recebimentos de benefícios das
políticas previdenciárias (pensões e aposentadorias) e das políticas sociais como as
bolsas famílias. Os ganhos em dinheiro provenientes da atividade extrativista da
coleta da castanha é a fração instável da renda monetária por sofrer grandes
oscilações de preços no decorrer da safra e entre as safras.
A Tabela 15, construída a partir dos dados fornecidos pelas famílias
pesquisadas, permite uma demonstração na grande variação do papel das fontes
provedoras da renda monetária familiar, em função da grande instabilidade
oferecida pela economia da castanha. Em 2005, alcançou-se uma grande safra e
um preço elevado, enquanto no ano seguinte, tanto a safra reduziu-se a metade do
ano anterior como os preços pagos aos produtores sofreu a mesma redução. Na
simulação dos preços de 2006, consideraram-se estáveis a produção média de
mandioca e a média das rendas extras.
Esta Tabela, também, reforça o importante papel da mandioca na
estabilidade econômica das unidades familiares, o que, de certa forma explica a
manutenção desse vegetal na produção agroextrativista local desde a chegada do
europeu, e do seu cultivo, atualmente, por quase todas as unidades
agroextrativistas. A mandioca pode ser considerada o núcleo duro da estabilidade
das unidades camponesas amazônicas que sobrevivem em condições de
restrições impostas pela natureza e pelos mercados, pelo menos, no caso do Sul do
Amapá.

Tabela 15-A influência do preço da castanha na renda monetária familiar


Fonte de Renda 2005 2006
R$ % R$ %
Mandioca 1.678,30 14,94 1.678,30 27,62
Rendas extras 2.678,50 23,84 2.678,50 44,08
Castanha 6.878,90 61,22 1.719,72 28,30
Renda Total 11.235,70 100,00 6.076,52 100,00
Fonte: Pesquisa de Campo(2006)

A Tabela 15 também mostra o importante papel que outras rendas


487

provenientes de fontes exteriores ao agroextrativismo alcançaram na formação da


renda monetária familiar, alcançando percentual superior a 23% em um ano em
que o preço da castanha estava em alta e chegando a um percentual estimado em
44% em um ano ruim para o comércio da castanha. O Gráfico 78 mostra a
procedência dessa renda extra, onde a política social do governo federal, através
do bolsa familia ou bolsa escola, favorece um percentual de 42,9% das famílias; a
política previdenciária garante benefícios de aposentadorias e pensões para um
percentual de 21,8% das unidades familiares; a prestação de serviços junto as
estruturas de governo beneficia um contingente de 24,4% das famílias; a prestação
de serviços a empreendimentos rurais fornece renda extra que beneficia 13,0% das
famílias a venda de artesanato gera renda para 7,8% das famílias e 2,8% das
famílias conseguem alguns rendimentos através do aluguel de equipamentos ou
transportes.
Apesar de ter aumentado a possibilidades de assalariamento, pois o Gráfico
80 mostra que em 1993 apenas 12,5% das famílias tinham algum membro
recebendo salários regularmente, em 2006 vamos encontrar um percentual de
25,4% nessas condições, o maior provimento de renda extra foi o acesso a direitos
sociais e previdenciários que em 1993 não se tinha, pelo isolamento da população a
Macapá e sedes municipais, além da inexistência de uma política de renda mínima
como o bolsa família.
A renda extra média é diferenciada entre as regiões, conforme podemos
perceber no Gráfico 79, sendo que as famílias do PAE Maracá tem uma renda extra
média anual de R$ 1.816,25 muito menor que na RESEX Cajari e RDS Iratapuru,
onde a renda extra média gira em torno de R$ 3.000,00. Essa diferença é devido
ao maior poder de pressão das organizações locais junto aos governos para
garantir o acesso dos associados aos benefícios das políticas sociais,
previdenciárias e na ocupação dos empregos públicos na comunidade.
488

Outras Rendas

100,0%
80,0%
60,0%
2006
40,0%
20,0%
0,0%
el l
or
ia ra to as at
o
gu ru en ls
Al
u
tad to m Bo
s an
n en ia te
se ar Ar
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Ap ria s
la As
sa
As

Gráfico 78-Fonte de rendas familiares externa ao agroextrativismo


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

ANO
4000,00 100,0%
2006
Media VALOR ANUAL TOTAL DE OUTRAS RENDAS

ANO
1993
2006
80,0%

3000,00
Porcentaje

60,0%

2000,00
87,5%
40,0%
74,6%
3054,74 3000,00

1000,00 20,0%
1816,25
25,4%
12,5%
0,0%
0,00 NÃO SIM
MARACA CAJARI IRATAPURU
REGIÃO
Gráfico 80-Evolução das famílias com
Gráfico 79-Renda média externa por região membros recebendo salário
Fonte: Pesquisas de Campo(2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Quanto à relação existente entre o volume das atividades agroextrativistas


com a renda externa, os Gráficos 81 e 82 mostram que:
1-As famílias que não comercializaram produtos da mandioca em 2006
possuem uma renda externa média maior que os estratos que comercializaram, ou
seja, existe uma correlação significativa negativa a um nível de confiança de 5%
entre renda extra e venda de farinha.
2-As famílias que não comercializaram farinha apresentam também uma
produção média de castanha maior (127,9 barricas) que os estratos que
comercializam, embora não exista uma correlação significativa sob o ponto de vista
489

estatístico.
3-Não existe correlação estatística entre tamanho da renda extra com
volume de castanha coletado no ano, embora o estrato que coletou até 25 barricas
tenham a menor renda extra que os outros estratos. Isto pode estar relacionado ao
tamanho da unidade familiar, já que a bolsa família depende do número de filhos na
escola.
A relação entre as três fontes principais de renda reforça o papel que a
mandioca tem na estabilidade das unidades familiares agroextrativistas ao garantir
o mínimo necessário para o autoconsumo e venda para a compra de despesas das
unidades familiares, embora esse papel seja dividido atualmente com os benefícios
das políticas de previdência e de renda mínima. A renda aferida com a coleta da
castanha garante o consumo de luxo, como aquisição de eletrodomésticos, meios
de transportes, algumas melhorias na alimentação vestuário, e ajuda aos filhos que
estão fora, pois os Gráficos 83 e 84 mostram que aumentou significativamente tanto
o numero de unidades familiares que ajudam pessoas que estão fora da
propriedade, que em 1993 era de 11% e passou a 23%; quanto as unidades que
recebem ajuda de familiares que moram fora, que aumentou de 2,8% para 15,5%.

3000,00 3000,00
Media VALOR ANUAL TOTAL DE OUTRAS RENDAS
Media VALOR ANUAL TOTAL DE OUTRAS RENDAS

2000,00
2000,00

2984,00
2877,17
2931,96 2701,07
2677,27 2372,73
2556,30
1000,00
1000,00

1114,00

0,00
ATÉ 25 DE 26 A 50 56 A 75 DE 76 A 100 MAIS DE 100
0,00 BARRICAS BARRICAS BARRICAS BARRICAS BARRICAS
NÃO VENDEU MENOS DE 50 % 50 % OU MAIS CASTANHA BARRICAS
NO ULTIMO ANO, QUANTO O SENHOR VENDEU DE FARINHA?

Gráfico 81-A relação entre a renda externa e a venda de farinha e coleta de castanha em 2006
Fonte: Pesquisas de Campo(2006).
490

Media QUANTIDADE VENDIDA DE FARINHA(Saca 60kg)


40,0
Media PRODUÇÃO DE CASTANHA(BARRICA)

125

30,0
100

75
20,0
36,43
127,9
32,0
28,17
50 26,31
90,4 23,12
81,8 10,0

25

0,0
0 ATÉ 25 DE 26 A 50 56 A 75 DE 76 A 100 MAIS DE 100
NÃO VENDEU MENOS DE 50 % 50 % OU MAIS BARRICAS BARRICAS BARRICAS BARRICAS BARRICAS

NO ULTIMO ANO, QUANTO O SENHOR VENDEU DE FARINHA? CASTANHA BARRICAS

Gráfico 82-Relações entre a produção de castanha e venda de farinha


Fonte: Pesquisas de Campo(2006).

100,0% 100,0%

ANO
ANO
1993
1993
2006 2006
80,0% 80,0%
Porcentaje
Porcentaje

60,0% 60,0%

97,2%
88,9%
84,5%
40,0% 40,0%
73,2%

20,0% 20,0%

23,9%
12,7%
8,3%
2,8% 2,8% 0,0% 2,8% …
2,8%
0,0%
NÃO AJUDA AJUDA ÀS VEZES AJUDA SEMPRE NÃO RECEBE RECEBE ÀS VEZES RECEBE SEMPRE

Gráfico 83- Evolução na ajuda a pessoas que Gráfico 84-Evolução na ajuda externa
estão fora recebida pela familia
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

As mudanças ocorridas na renda também vão provocar mudanças no


consumo, mudanças que vão da forma de comprar os bens não produzidos como
na quantidade desses bens.
As formas de acesso as despesas básicas das famílias evoluíram conforme
podemos ver no Gráfico 85. A figura tradicional do regatão que em 1993 fornecia as
despesas para um percentual de 29,2% das famílias, desaparece da região, da
mesma forma as cantinas comunitárias que foram criadas para libertar as famílias
do controle econômico dos patrões, que em 1993 atendiam 25% das famílias
também deixaram de existir. O patrão e o comerciante local não sofreram
modificações significativas quanto ao número de famílias que atendiam no
491

fornecimento de despesas, ou seja em 1993 os patrões atendiam 15,3% e os


comerciante locais 38,9% das unidades familiares, em 2006 atendem
respectiviamente um percentual de 11,3% e 38,9%. Uma modificação significativa e
positiva para a valorização do trabalho das famílias é o fato de que em 2006, 93 %
das famílias compram as suas despesas dos comerciantes das cidades, quando em
1993 um percentual de 68,1% já vinha adotando essa prática.
A mudança nos fornecedores repercutiu também significativamente nas
formas de compra das despesas básicas(Gráfico 86). A troca da produção pelos
gêneros de primeira necessidade que era feita por 65,3% das famílias caiu para
11,3%; o fiado, ou seja, a compra para pagar depois que era feita por 52,8% das
famílias caiu para 25,4%, enquanto a compra em dinheiro cresceu de 83,3% para
94,4% das famílias; enquanto a compra de um patrão que geralmente significa um
compromisso de venda da produção da castanha, no chamado aviamento mantém-
se na pratica de acesso as despesas por 19,7% em 2006, quando em 1993
representava 15,3%, uma mudança não significativa sobre o ponto de vista
estatístico. Essa pratica segundo um dos compradores locais de castanha
representa um volume de 10% do dinheiro que é adiantado ao produtor na compra
da sua produção de castanha(Informação verbal)76.
Essas mudanças significaram redução nos custos de manutenção das
unidades produtivas. O Gráfico 87 mostra que houve uma queda significativa dos
gastos médios mensais com a depesas em valores indexados com base no salário
mínimo. Na RESEX Cajari, os gastos médios com as despesas básicas das
famílias quer eram de R$ 429,50 reais em 1993 cairam para R$ 306,20; no PAE
Maracá a queda foi de R$ 399,30 para R$ 321,70 em 2006; na RDS do Iratapuru o
gasto médio com as despesas básicas mensais é de R$ 343,80, sendo maior que
das outras unidades. O que pode ser explicado pelas maiores dificuldades de
transporte e acesso.
A redução nos custos das despesas básicas garantiu que praticamente
todas as famílias tivessem acessos as principais mercadorias de consumo básico
conforme se observa nos Gráficos 88 e 90, onde em 1993, 66,6% das famílias
tinham acesso a mais de 8 dos itens básicos da despesa mensal, enquanto em
2006, 97,2% conseguem comprar mais de 8 itens da despesa básica arrolados.

76
Isidio Brito. Comprador da RESEX. Entrevista concedida a Antonio Sergio Filocreão. Água Branca
do Cajari-AP, mar.2006.
492

A redução nos custos, também, garantiu condições de investimentos na


aquisição de bens duráveis, conforme se percebe na comparação entre 1993 e
2006(Gráfico 89). Houve aumento significativo na posse de bens como: panelas de
pressão; filtros de água, que estão sendo substituídos por geladeiras e freezer nos
locais onde se dispõe de energia elétrica; relógios; bicicletas, barcos, e/ou os
rabetas. O Gráfico 91 mostra que em 1993, 66,6% das unidades familiares tinham a
posse de até 4 bens dos que foram listados; enquanto nessa situação, encontramos
em 2006 apenas 35,2% das famílias.
Além desses dados, as discussões sobre a evolução social e os registros
fotográficos mostraram que o uso de televisão com antena parabólica generalizou-
se na maioria das residências onde existe algumas horas de energia elétrica, o que
pode ser um bom indicador de melhoria de renda.
Em síntese as famílias tiveram melhorias significativas nas suas condições
econômicas, na valorização da produção agrícola e na melhoria de acesso aos
bens básicos necessários à sobrevivência na região.

De quem compra as despesas

100,0%

80,0%

60,0% 1993

40,0% 2006

20,0%

0,0%
Patrão Regatão Cantina Comerciante Comerciante Outro
local da cidade

Gráfico 85-Evolução no acesso as despesas das familias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
493

Como compra as despesas

100,0%

80,0%

60,0% 1993
40,0% 2006

20,0%

0,0%
Aviamento Trocando por Dinheiro Fiado Outro
produção

Gráfico 86-Evolução nas formas de compra das despesas das famílias


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

500
Media PODERIA DIZER QUANTO O SENHOR GASTA, POR

ANO
1993
MÊS, COM AS DESPESAS DA CASA ?

400 2006

300

429,5
200 399,3
343,8
321,7
306,2

100

0
MARACA CAJARI IRATAPURU

Gráfico 87-Evolução dos gastos com as


despesas das familias nas áreas protegidas
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

Mercadorias que sempre compra

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
a o e a
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Gráfico 88-Evolução no acesso aos principais itens da despesa básica das famílias
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).
494

Posse de bens

100,0%
80,0%
60,0% 1993
40,0% 2006
20,0%
0,0%
o ua s a io io ar ta o o
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Pa aq
M

Gráfico 89-Evolução na posse das famílias de bens duráveis


Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

ANO
60,0%
1993 30,0%
2006
ANO

50,0%
1993
2006

40,0%
20,0%
Porcentaje

Porcentaje

30,0%

52,1% 28,2%

25,4%

20,0% 40,3%
20,8%
33,8%
10,0% 19,4%

16,9%

13,9% 13,9%
10,0% 12,5%
11,1%
15,3% 15,3% 9,9%
12,5% 11,3% 8,5%
9,7% 6,9%
5,6%

1,4% 2,8% 2,8% 2,8%


0,0% … … … … 2,8% 2,8%
1,4%
2 4 5 6 7 8 9 10 0,0% … …
0 1 2 3 4 5 6 7 8

Gráfico 90-Evolução no número de Gráfico 91-Evolução do Número de Bens


Mercadorias Básicas pelas familias Duráveis de posse das familias
Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006). Fonte: Pesquisas de Campo(1993,2006).

4.4.5.5 Síntese da evolução econômica

Na análise da evolução econômica fica evidente o choque entre a


racionalidade capitalista com a racionalidade camponesa na disputa do espaço
agroextrativista, evidenciando-se também parte de suas estratégias, instrumentos e
atores da intermediação desse choque em nome de interesses maiores.
Do lado das famílias agroextrativistas, a atividade principal é a agrícola, não
de uma agricultura em modelos convencionais, mas uma agricultura herdada dos
indígenas que confere a segurança necessária à manutenção do campesinato em
um espaço de fortes restrições e instabilidades naturais e econômicas no uso dos
495

recursos agroextrativista. A mandioca é a cultura que por suas características:


grande adaptação ao ambiente natural; pouca exigência em fertilidade de solos e
tecnologias exteriores a unidade produtiva; alternatividade autoconsumo e mercado;
e possibilidade de ser administrada de acordo com as necessidades da família, por
permanecer armazenada por um longo tempo no solo, confere a segurança
necessária as unidades produtiva de sobreviverem e reproduzirem-se na
racionalidade camponesa.
Sousa(2005), ao estudar as tipologias das unidades produtivas da RESEX
Cajari, mesmo apresentando uma certa preferência a unidade do tipo extrativista
cuja fonte de sustentação econômica dá-se a partir da castanha; não consegue ficar
imune as evidências do crescimento do tipo agroextrativista e do papel da roça
nesse crescimento:

Mesmo que as atividades agrícolas se apresentem com uma


produtividade abaixo da extração de castanha, em menor ou maior
intensidade, as famílias sempre de mostram dispostas a
consagrarem a seus sistemas de produção, uma área anual de roça.
O temor pela impossibilidade de não implantar uma área de roça ou
a perda de um roçado por intempéries climáticas ou pragas, é uma
preocupação maior que o representado pela perda de parte da safra
de castanha (SOUSA, 2005, p.128).

Enquanto para a racionalidade camponesa a roça da mandioca reproduz a


própria garantia de sua sobrevivência, para os porta-vozes da racionalidade
capitalista, esses produtos agrícolas já não respondem as suas necessidades da
acumulação de capital, quanto à castanha, apesar de todos os seus riscos e
instabilidades naturais e econômicas.
Como o acesso aos castanhais, principal fonte de acumulação de capital,
está, institucionalmente, nas mãos das famílias agroextrativistas, que produzem sob
os impulsos da lógica camponesa, cria-se mais uma restrição a livre manifestação
da lógica capitalista, levando aos seus porta-vozes a necessidades de
estabelecerem estratégias que estimulem à ida das famílias a floresta coletar os
produtos demandados. Dessa forma, além do aprimoramento de mecanismos
tradicionais estabelecidos na Amazônia Colonial, são criados novos mecanismos e
estratégias para atender suas necessidades.
A forma do pagamento antecipado através de bens desejados pelas
famílias transforma-se na utilização do adiantamento em dinheiro em espécie; as
formas violenta de forçar os agroextrativistas a pagar suas dívidas em produtos
496

transforma-se em estratégias de conquista através de formas afetivas, como o


socorro na época de doenças, o fornecimento de alimentos nos momentos de falta,
a solidariedade nos momentos de dores; o adiantamento do dinheiro para as
bebidas e comidas nas festas tradicionais; financiamento de eletrodomésticos,
construção de moradias, aquisição e fornecimento de transporte na safra e fora da
safra, etc. Em resumo, é necessário criar e manter dívidas, seja em valores
imateriais através de favores prestados no momentos difíceis, seja em valores
materiais como ativos monetários, fornecimento de bens e serviços que são
abatidos na produção ofertada.
Além do aprimoramento dessas formas tradicionais, uma estratégia
importante foi à formação de um contingente de compradores locais formados a
partir dos membros mais dinâmicos do campesinato agroextrativista que
conseguem estabelecer-se na lógica capitalista. Geralmente são os membros mais
escolarizados, lideranças locais, dirigentes das organizações locais que se dividem
entre os interesses coletivos das famílias agroextrativistas e seus interesses de
ganhos individuais oferecidos pelos empresários da castanha. Essa estratégia além
de garantir maiores ganhos econômicos pela redução dos custos permitido pelo
profundo conhecimento tácito das atividade extrativista e das pessoas envolvidas
com a coleta, o que garante uma maior capacidade de fidelidade no fornecimento
para determinada indústria, tem tido um papel importante em frear todas tentativas
de avanços em projetos econômicos locais comunitários que utilizem os produtos
extrativistas demandados pela indústria.
Como a atividade da castanha é de grande risco e instabilidade sobre o
ponto de vista da lógica capitalista, poucos desses compradores locais conseguem
se estabelecer por muito tempo. Sousa(2005), em estudo feito nos castanhais da
Reserva Cajari, mostra que dos 5% estudados na sua amostra em 2000, reduziram-
se para 2,4% em 2005. Enquanto estimula-se a criação de dívidas para os
coletores,perdurando de uma safra para outra, com os compradores locais o
tratamento é diferenciado, as dívidas têm que ser pagas dentro da safra, e são
utilizados mecanismos que assegurem o pagamento dessas dívidas, como a
assinatura de promissórias e hipoteca de bens, que são executados judicialmente
em casos de calotes.
No choque entre racionalidades entram as associações, cooperativas e as
cantinas comunitárias dos agroextrativistas. Nascidas com o apoio do estado e dos
497

movimentos ambientalistas aliados, as cooperativas foram pensadas como uma


forma de garantir uma maior valorização dos produtos agroextrativistas e libertar as
famílias do controle econômico dos patrões. No início, as organizações criadas
tiveram um papel econômico importante no fornecimento das mercadorias para a
manutenção das famílias e garantindo melhores preços para a produção. As
cantinas cumpriram seu papel, porém, seus ativos financeiros desvalorizaram-se
pela inflação, falta de pagamento das dívidas criadas e má gestão. As Cooperativas
resolveram entrar no processamento local da produção extrativista da castanha,
porém sem a capacidade de controlar o fornecimento da matéria prima, por falta da
infra-estrutura exigida e dificuldades de gestão sob o ponto de vista da lógica
capitalista.
Um fator importante está ligado ao fato, das plantas industriais para
processamento, nascerem superdimensionadas para a capacidade gestora das
cooperativas. A fábrica de processamento existente na RESEX da COOPERALCA,
tem capacidade de processar 200 toneladas de castanha por mês e tem conseguido
atingir no máximo 54 toneladas ou 1200 hectolitros dos 20.000 hectolitros
produzidos por safra na reserva, e recebe o fornecimento de castanha de um
número muito reduzido de fornecedores que representa menos de 2% das unidades
produtivas que coletam castanha. Em Laranjal do Jarí, a COMAJA que construiu
com o apoio do governo uma fábrica com capacidade para processar 40.000
hectolitros, tem conseguido utilizar a metade da sua capacidade produtiva por ter se
transformado numa prestadora de serviços de beneficiamento de castanha para
sócio e não sócios, sendo que a maior parte da produção processada é dos
empresários da castanha. A COMARU na RDS tem utilizado o mínimo de sua
capacidade instalada para produção de óleo de castanha, no atendimento a um
contrato de fornecimento restrito a uma indústria de cosmético.
Esse problema de superdimensionamento das estruturas físicas das
agroindústrias de cooperativas na Amazônia parece não ser um caso isolado do Sul
do Amapá. Michelotti(2001) observa esse mesmo problema com as agroindústrias
de borracha e castanha da Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (CAEX), em que
se conseguiu fazer grandes investimentos em máquinas e equipamentos, que ele
chama de “Hard tech” enquanto pouco se investiu na criação de processos
administrativos e gerenciais para o funcionamento a contento dessas indústrias,
“Soft Tech”. A combinação desequilibrada entre esses dois componentes, contribuía
498

para as dificuldades enfrentadas pela CAEX no processamento da produção de


seus beneficiários.
Entende-se que muito desses insucessos acontecem pela falta de
entendimento dos técnicos que elaboram essas plantas industriais, da racionalidade
existente nos beneficiários e gestores desses projetos. Ou seja, investe-se em
estruturas industriais pensadas para uma produção de escala de acordo com as
necessidades de atender a dinâmica da acumulação capitalista para ser
administrada por grupos que têm dificuldades em sobreviver a esse tipo de
produção, tornando esses empreendimentos economicamente insustentáveis, já
que a sustentabilidade econômica é pensada sobre a ótica da racionalidade
capitalista.
As cooperativas que teriam um papel importante no estabelecimento de um
diálogo positivo para as famílias agroextrativistas entre a lógica capitalista e
camponesa, têm tido dificuldades em cumprir esse papel. E um dos fatores
importantes na construção desse quadro é o fato de que tem havido uma cooptação
constante dos elementos mais dinâmicos das famílias agroextrativistas para atender
as necessidades dos empresários da castanha, inclusive dirigentes dessas
cooperativas.
Um outro ator importante, que surge nesse quadro de choque de
racionalidades é o Estado, que através de suas políticas públicas, em nome do
interesse maior, nas preocupações com a crise ambiental, tem criado condições,
para a estabilização das formas camponesas, fato já observado nas teorias de
Shanin(1973), que se manifesta de forma concreta, através dos investimentos
econômicos diretos feitos nas unidades de conservação do Sul do Amapá,
buscando melhorias da renda das famílias através do processamento dos produtos
extrativistas, com o intuito de reduzir as necessidades de desmatamentos para
agricultura. Fato esse não observado no PAE Maracá.
Indiretamente, através das políticas sociais e previdenciárias, o Estado tem
ocupado um papel importante, na garantia de rendas extras que ajudam na
estabilização da economia camponesa e reduzem as necessidades de
desmatamento.
Nesse quadro de choque de racionalidades, as famílias agroextrativista
conseguiram importantes ganhos de natureza econômica, advinda com a garantia
da posse da terra, acesso a melhores condições de mercado para os produtos
499

agrícolas e capacidade para uma apropriação maior dos ganhos na produção


extrativista, pelo controle das áreas de produção.

4.4.6 Registros fotográficos de aspectos ligados a evolução econômica

Foto 41-PAE Maracá: Fabricação de farinha e colheita da banana.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).

Foto 42-RESEX Cajari e PAE Maracá: agroextrativismo roça e castanha.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).

Foto 43-PAE Maracá: Nuances do extrativismo da castanha do pará.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).
500

Foto 44-RESEX Cajari: Nuances dos extrativismo da castanha do pará.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).

Foto 45-RDS Iratapuru: Nuances do extrativismo da castanha do pará.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).

Foto 46-Processamento da castanha do pará na COMARU e COMAJA.


Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).

Foto 47- As antenas parabólicas significam o acesso a televisão nas áreas protegidas.
Fonte: Pesquisas de Campo(2006, 2007).
501

5 CONCLUSÃO

As transformações ocorridas nas condições institucionais, sociais,


ambientais e econômicas das populações agroextrativistas do Sul do Amapá
resultam de uma combinação de fatores que vão muito além do ato administrativo
de criação das áreas protegidas para o agroextrativismo. Nessa combinação, mais
quatro fatores tiveram importantes papéis nessas mudanças, os quais, pelas suas
capacidades catalisadoras e explicativas, serão destacados nas considerações
finais desta tese, que são:
1-A emergência e o fortalecimento de um movimento político de
agroextrativistas na década de 1980: com o controle da região nas mãos do
Projeto Jarí, a atividade extrativista nas regiões de influência dos rios Jarí, Cajari e
Iratapuru vai aos poucos sendo relegada a segundo plano. As práticas tradicionais
de organização da produção com ênfase no aviamento, consolidadas na região no
chamado “boom da borracha”, executadas tanto na fase do coronelismo quanto na
fase da empresa extrativista, deixam de existir. A população local que se tornou
dependente desse tipo de economia sente dificuldades para sobreviver, depois de
várias experiências frustradas do Projeto Jarí e de arrendatários para a exploração
comercial da castanha, que além de não garantirem o aviamento completo das
despesas básicas, ainda, davam calotes, não pagando a produção extrativista
negociada.
A situação chega a ponto de inviabilizar a sobrevivência exclusiva do
extrativismo. A atividade agrícola torna-se obrigatória na reprodução das unidades
familiares que permanecem na região. Com o aumento da atividade agrícola, a
inexistência de estradas e transportes para escoar a produção faz com que os bens
produzidos sejam entregues a preços irrisórios aos regatões e outros compradores,
que passam a ter livre acesso na região, em troca das mercadorias para o consumo
básico, com preços superfaturados.
Além da piora das condições econômicas, pela falta dos grandes patrões do
passado, a população passa a ser oprimida violentamente pelos seguranças
armados do Projeto Jarí, como forma de evitar a garantia de direitos de posse da
terra através da construção e melhorias de benfeitorias. Emergem assim vários
conflitos entre o Projeto Jarí e as famílias agroextrativistas, consideradas como
posseiras.
502

A desvalorização da produção e a opressão latifundiária criam as condições


concretas para a emergência dos movimentos locais de luta por direitos, como
associações, cooperativas e sindicatos, que vão em busca de aliados no poder
público e nas organizações de trabalhadores rurais do Território Federal do Amapá.
A emergência desses movimentos, que conseguem estabelecer amplas alianças,
vai ter um papel muito importante na garantia da terra e de acesso a direitos sociais
para as populações agroextrativistas.
Apesar de constituírem-se na mesma época e em regiões vizinhas, os
processos organizativos ocorridos no Jarí, Cajari e Iratapuru foram qualitativamente
diferentes do que aconteceu no Maracá. Na região do PAE não havia um inimigo
declarado das famílias, que se constituíram, desde a colonização da região, como
agroextrativistas; não foram proibidas de fazerem suas roças nas épocas áureas do
extrativismo; e, não sofreram a violência armada dos donos das terras. Enquanto na
região do Jarí, Cajari e Iratapuru os movimentos nascem na própria luta, e as
organizações vão a Macapá na busca de alianças para se fortalecerem
politicamente contra seus inimigos. No Maracá, as organizações externas, como
CNS, SINTRA e IEA, é que vão tentar organizar a população local para cumprirem
as exigências administrativas da gestão dos PAEs. Ou seja, a organização nasce
mais como uma necessidade administrativa do que fruto de uma luta política.
Essa é uma das causas da fragilidade das organizações políticas do
Maracá quando comparadas com as do Cajari e Iratapuru. Dito de outra forma: no
PAE, as famílias pouco valorizam a sua associação como fruto e instrumento de
luta política. Isso contribui para que ela tenha pouco poder e representatividade,
deixando de garantir ou garantindo menos os direitos e benefícios sociais aos seus
associados.
2-A transformação do Território Federal do Amapá em Estado: a
exploração dos recursos naturais do Sul do Amapá durante o período áureo da
borracha dividiu a região em duas áreas de influências. As regiões do Jarí, Cajari e
Iratapuru estabelecem relações econômicas, sociais, culturais e políticas com o
município de Almeirim no Pará, devido ao fato do centro econômico do coronel José
Julio de Andrade ter se estruturado nesse município, permanecendo assim durante
as fases da empresa extrativista e do Projeto Jarí. A região do Maracá continuou
mantendo desde o período colonial as suas relações econômicas culturais sociais e
políticas com o município de Mazagão. No período de Território Federal do Amapá
503

esse quadro continuou, pois os governadores territoriais estavam mais preocupados


em cumprir as suas missões militares de proteger as fronteiras internacionais, que
trabalhar em um plano de desenvolvimento do Território, já que, este tinha a sua
manutenção garantida através dos recursos financeiros da União.
Com a transformação do Amapá em Estado em 1988, as preocupações dos
novos governadores, agora eleitos, mudam. A partir de então, como unidade
federada, o Amapá é obrigado a buscar alternativas de geração de emprego, renda
e impostos para substituir os recursos federais que vão reduzindo-se a cada ano.
Isso faz com que os dirigentes comecem a estabelecer estratégias de integração
econômica das diversas regiões do Estado. Nesse novo quadro, as riquezas de
recursos naturais existentes e pouco exploradas no Sul do Amapá, tornam-se
prioridades no planejamento do desenvolvimento estadual. A partir daí começam os
grandes investimentos públicos para a integração de fato do Sul do Amapá à
economia amapaense, com ênfase em duas importantes ações: uma redivisão
municipal e a abertura da estrada ligando Macapá a Laranjal do Jarí.
3-A redivisão municipal: a região Sul do Amapá, uma área de 46.786,90
Km2 ou 32,6% da superfície territorial do Estado, era administrada até 1987, por um
único município. A fraca infra-estrutura administrativa limitava sua ação apenas à
sede municipal e circunvizinhanças. Buscando-se manter a presença do poder
público em uma região com explosão do crescimento populacional resultante do
Projeto Jarí, cria-se em 1987 o município de Laranjal do Jarí, com sede nas
vizinhanças da estrutura administrativa do empreendimento. Em 1994 é criado o
município de Vitória do Jarí, com sede próxima à fábrica de celulose e mina de
caulim do Projeto Jarí.
A criação desses municípios foi um fator extremamente importante na
garantia de investimentos sociais e econômicos que atingiram as populações
agroextrativistas. Até então, essas ficavam marginalizadas das principais políticas
públicas administradas pelos municípios, devido ao seu isolamento geográfico. A
partir de então, pela necessidade de garantir recursos para as políticas sociais
vindos dos governos estadual e federal, os gestores municipais passam a
considerar a população agroextrativistas no seu planejamento. Além de que, a
organização política faz com que a população comece a pressionar os gestores
municipais a cumprirem suas obrigações constitucionais. Com isso vão acontecer
os investimentos significativos em educação, saúde, transporte, e o acesso da
504

população agroextrativista as políticas previdenciárias e de renda mínima como o


bolsa escola.
A redivisão municipal colocou os prefeitos mais próximos da população que
pode melhor cobrar os seus direitos, e os gestores ficam mais sensíveis a essas
cobranças devido à necessidade de votos nos períodos eleitorais, o que tornou
esse fator muito importante na indução das transformações ocorridas.
4-A abertura da estrada Macapá-Laranjal do Jarí: isto foi pensado como
a principal estratégia para a integração da região Sul do Amapá na economia e
desenvolvimento do estado. A estrada, além de facilitar a ligação do grande
contingente populacional das periferias do Projeto Jarí a Macapá, permitiu o acesso
de empreendedores aos recursos naturais existentes e pouco utilizados na região,
como madeiras, minérios, solos agricultáveis, etc. No início foi motivo de fortes
embates entre as organizações locais e o primeiro governador do Estado que tinha
um projeto de desenvolvimento agropecuário da região, o que significava a
derrubada dos castanhais. A derrota de seu grupo político evitou conflitos maiores
com a população agroextrativista na disputa pelos recursos naturais existentes.
Para a população local, a estrada trouxe resultados positivos e negativos. O
fato de tirar a população do isolamento em que se encontrava, nas mãos de
patrões, regatões e outras formas altamente exploradoras de capital comercial,
deu vida e recriou uma maior capacidade de estabilização da economia camponesa
ao permitir o acesso aos consumidores finais da produção agrícola, podendo assim
comercializar os seus produtos agroextrativistas em melhor situação de preços.
Permitiu também, um melhor acesso das famílias a informações, e as políticas
públicas de saúde, educação, transporte, etc.
Por outro lado a estrada possibilitou, além do esvaziamento da ocupação
ribeirinha distante da estrada, uma maior pressão sobre os estoques de caça,
pesca, extração irregular de madeira, instalação de fazendas ilegais, etc. Esses
aspectos negativos, tiveram impactos e enfrentamentos diferentes nas áreas
protegidas criadas, tanto em ganhos como em perdas.
5-A criação de áreas protegidas para o agroextrativismo: foi resultado
concreto da pressão emergente dos movimentos sociais na luta pela terra. Os
movimentos mantiveram e absorveram muito das propostas surgida no Acre, com a
criação do CNS, cujo vice-presidente era do Amapá. A vinculação dos movimentos
locais aos movimentos de seringueiros do Acre possibilitou o deslocamento de
505

organizações ambientalistas que já trabalhavam naquele estado, como IEA, WWF


para ajudar o movimento local no encaminhamento político de suas propostas, o
que garantiu a criação das áreas protegidas, frente ao poder econômico e político
do Projeto Jarí.
A criação de áreas protegidas para o agroextrativismo, além de solucionar
o problema da terra reduzindo os conflitos e dando condições para uma estabilidade
maior da economia camponesa, teve um papel ambiental muito importante,
refreando o desmatamento tão temido, quando da construção da estrada.
Cronologicamente, a criação de áreas protegidas no Amapá acompanhou o
movimento do Acre. Quando criaram os primeiros PAEs na Amazônia, criaram-se
os PAEs Maracá no Amapá; na criação das primeiras Reservas Extrativistas, criou-
se no Amapá a RESEX Cajari; e, a RDS do Iratapuru foi a segunda reserva a ser
criada, nessa categoria, na Amazônia. A integração do movimento agroextrativista
amapaense ao do Acre, deu maior força política para a criação de áreas protegidas
no Sul do Amapá.
A garantia do direito a terra tornou-se de fato uma realidade institucional
com a criação das áreas protegidas. Os impactos dessas áreas sobre o ambiente e
a melhoria da qualidade de vida das populações agroextrativistas, passaram a
depender, mais do que nunca, dos diferentes arranjos institucionais criados para a
gestão dessas áreas.
A combinação desses fatores ocorrida na década de 1980 até meados da
década de 1990 dinamizou grandes transformações nas condições sociais,
econômicas, ambientais e políticas das populações agroextrativistas do Sul do
Amapá. Essas transformações, que respondem à primeira questão norteadora
desta tese, foram resumidas e agrupadas, para efeitos didáticos, em cinco itens:
1-A garantia da posse da terra e de acesso aos recursos naturais: se
antes, a população vivia em uma situação de constantes conflitos pela posse da
terra e seus recursos naturais, submissa à vontade dos patrões e enfrentando o
poder violento do latifúndio, atualmente, essa situação, sob o ponto vista
institucional, encontra-se resolvida no Sul do Amapá. Os conflitos fundiários de
hoje são residuais. Os que persistem, resultam da omissão do órgão público
responsável, como no PAE Maracá, onde, ainda existem latifúndios ilegais para
criação de búfalos.
Na RESEX Cajari e na RDS Iratapuru, os agentes públicos, responsáveis
506

pela gestão, têm enfrentado com relativo êxito os problemas fundiários, quando
ocorrem tentativas de invasão, contando com o forte apoio da população. Em
síntese, a população agroextrativista das áreas protegidas do Sul do Amapá tem a
garantia da terra e acesso aos recursos naturais para atender as suas
necessidades de sobrevivência, mesmo que, de acordo com as regras criadas para
cada espaço protegido, que restringem alguns tipos de uso em função do interesse
ambiental.
2-A valorização da produção agroextrativista: a garantia de acesso a
terra e aos recursos naturais, libertando as famílias do completo controle dos
patrões; o fortalecimento político das organizações agroextrativistas; a abertura da
estrada; as políticas públicas para o escoamento da produção; e, a facilidade de
transporte e circulação das informações criaram condições para as famílias
venderem a sua produção agrícola e parte da extrativista diretamente aos
consumidores finais nas feiras de produtores de Macapá e sedes municipais,
garantindo melhores preços. As melhorias de acesso à região contribuíram para o
aumento da concorrência entre compradores de castanha, com a entrada dos
bolivianos, empresários do sudeste do país, e entre os próprios representantes das
indústrias do Pará. Isto faz com que a produção extrativista também consiga
melhores preços, mesmo que dentro das oscilações do mercado, o que vai
contribuir para as melhorias econômicas das famílias.
3-O acesso a outras fontes de renda externa ao agroextrativismo: a
abertura da estrada, a redivisão municipal e o fortalecimento das organizações
políticas permitiram às famílias agroextrativistas o acesso a políticas previdenciárias
e de renda mínima e a muito dos empregos públicos e privados gerados. Isso
garantiu fonte extra de renda às unidades familiares, que são importantes tanto para
a melhoria de vidas das famílias, quanto para a estabilização da forma camponesa
de produzir.
4-O acesso a melhores condições de educação, saúde, moradia,
comunicação, transporte e lazer: a combinação dos diversos fatores garantiu às
famílias melhores condições de acesso as políticas públicas e direitos sociais, com
ganhos significativos na política educacional que atinge a população mais jovem,
na política de transporte para escoamento da produção, no acesso aos créditos e
benefícios para melhoria da habitação, além dos investimentos para o
processamento da produção extrativista.
507

5-Aumento do poder político da população: através das organizações


criadas, a população agroextrativista fortaleceu-se nas suas condições de cobrança,
junto aos gestores públicos, de direitos que foram até então negados; a sua
participação foi garantida nas instâncias decisórias das áreas protegidas e na
pressão aos governos para o cumprimento de suas responsabilidades
constitucionais. Esse fortalecimento foi diferenciado, verificando-se os piores
resultados no PAE Maracá e os melhores na RESEX Cajari. Isso corrobora as teses
dos teóricos do capital social, pois é na RESEX onde se verifica as mais ricas
experiências de aprendizados em termos de organização da população e onde
existe o maior número de entidades criadas pelas famílias agroextrativistas para
lutar pelos seus diferentes interesses. O PAE Maracá é o exemplo oposto.
Essas transformações ocorridas são importantes porque criaram condições
tanto para a recriação como para estabilização da produção agroextrativista na sua
forma camponesa, que parece ser a mais adequada para a utilização sustentável
dos recursos naturais de áreas protegidas na Amazônia. Uma coisa importante que
a pesquisa mostrou no caso do Sul do Amapá, é o papel determinante do Estado no
presente e no futuro do campesinato agroextrativista através das suas políticas
públicas, o que está de acordo com o que se encontra enfatizado na teoria de
campesinato de Shanin (1973), discutida neste trabalho.
A segunda pergunta norteadora da pesquisa diz respeito a como, os
principais agentes econômicos sociais e políticos, que se relacionam com a
população agroextrativista, vêm se comportando frente a essas transformações. A
pesquisa nos mostrou que os principais agentes que estabelecem relações
importantes e diversas com a população local são os porta-vozes da racionalidade
capitalista interessados nos recursos naturais como fontes de acumulação de
capital e os agentes do poder público e movimentos ambientalistas, geralmente
preocupados com as questões ambientais.
Essas relações estabelecem-se sob três projetos referentes ao
agroextrativismo: um projeto camponês, um projeto capitalista e um projeto
ambientalista.
O projeto camponês ou baseado na racionalidade camponesa, presente na
maioria das famílias, fortaleceu-se com as transformações ocorridas, ganhando
maior autonomia econômica e política. Com o controle das fontes de riqueza nas
mãos, as famílias priorizam as atividades que lhe conferem maior segurança na
508

reprodução da unidade familiar agroextrativista. E nesse caso, o investimento é feito


na agricultura, herdada dos antepassados indígenas, tendo a mandioca como carro
chefe, por ser uma cultura que possui características adequadas a exploração
camponesa típica da Amazônia: a pouca exigência na fertilidade dos solos; a
possibilidade de ser usada para o autoconsumo e para o mercado; e, a
possibilidade de ser colhida e transformada durante o ano todo, por conservar-se
por longo tempo no solo, sendo colhida de acordo com as necessidades das
famílias. Funciona às vezes como uma espécie geradora de rendas mensais ou
como uma poupança para os momentos de dificuldades. A roça da mandioca acaba
sendo o núcleo duro da reprodução camponesa agroextrativista no Sul do Amapá.
O produtor agroextrativista tem o controle da produção e, os preços da farinha, que
é seu principal produto, são relativamente estáveis.
A castanha do pará tem importância secundária na reprodução da unidade
familiar agroextrativista, devido a sua instabilidade de preços de mercado, e a safra
é concentrada em apenas alguns meses do ano. Não é o agroextrativista que
organiza a produção, como no caso da roça. Ele recebe os estímulos dos setores
compradores, que utilizam diversas estratégias para que a castanha seja coletada a
cada safra. Para as unidades agroextrativista, a castanha possibilita o acesso a
bens duráveis ou de luxo, quando preços bons. Quando o preço é baixo, funciona
apenas como um complemento na reprodução da unidade agroextrativista.
O projeto capitalista tem na castanha a fonte principal de acumulação. A
produção é tradicionalmente organizada pelos setores industrial exportadores desse
produto. Com a criação das áreas protegidas dando direito de posse dos castanhais
as famílias agroextrativistas, a forma de relacionar-se dos agentes capitalistas com
essas famílias tem se modificado nos últimos anos.
As principais estratégias adotadas foram a de fazer o pagamento adiantado
da produção coletada através de dinheiro vivo em vez de mercadorias como no
aviamento tradicional. Em vez das ações violentas do passado, utiliza-se de meios
mais afetivos, como a solidariedade do socorro nas doenças e nos momentos
difíceis, o adiantamento de dinheiro para a época das festas natalinas que ocorre
bem antes da safra, o financiamento de casas, transportes e outros bens duráveis
para ser pago por ocasião da coleta, etc.
Uma estratégia importante utilizada pelos compradores de castanha foi a de
investir nos indivíduos mais dinâmicos do campesinato agroextrativista para a
509

compra da produção, utilizando-se dos seus conhecimentos tácitos sobre as


pessoas e a atividade castanheira, além de aproveitar-se das relações de
parentesco e compadrios que essas pessoas têm nas comunidades. São
absorvidos nessa estratégia os indivíduos mais letrados e lideranças comunitárias,
inclusive dirigentes das organizações existentes.
A cooptação de membros mais dinâmicos do campesinato agroextrativista,
além de garantir vitórias nas concorrências pela compra da produção, tem
conseguido frear as propostas que nasceram com o movimento agroextrativista
para o beneficiamento local da produção. Existe a ocorrência de membros
dirigentes da cooperativa e da associação na RESEX trabalhando também como
compradores de castanha para os empresários.
Nos últimos anos o projeto capitalista vai sofrendo modificações sobre o
ponto de vista da sua organização. No passado foi monopólio das indústrias de
castanha existentes no estado do Pará, que atualmente enfrentam a concorrência
com empresários do sudeste que negociam com as cooperativas, e de empresários
bolivianos que dominam o mercado internacional da castanha. No caso da RDS do
Iratapuru, o controle está sendo disputado por uma empresa de cosméticos que
vem tirando proveito do forte apelo ecológico que os produtos da reserva lhe
oferecem comercialmente.
O terceiro projeto que é de natureza ambientalista chega ao Amapá através
das alianças com o SINTRA, estabelecendo-se com a criação do CNS-RA. Seus
principais porta-vozes de primeira geração foram o IEA, a WWF, o REBRAF e
indiretamente os Amigos da Terra e o Green Peace. A KAS teve um papel
importante, através de garantia de recursos do projeto Homem e Ambiente na
Amazônia com ação central no PAE Maracá através do IEA.
No projeto ambientalista é onde se encontra mais consolidada a
preocupação com a crise ambiental, nos aspectos relacionados às mudanças
climáticas globais e a perda da biodiversidade, centrando seus esforços no sentido
de frear os desmatamentos e queimadas na Amazônia. Nessas organizações
encontramos partidários da chamada ecologia profunda ao tecnocentrismo
moderado.
A estratégia central dos partidários do projeto ambientalista no Sul do
Amapá foi baseada na criação de áreas protegidas. As dificuldades políticas em
atingir seus objetivos levou-os a uma estratégia secundária de investir no
510

fortalecimento político da população agroextrativista com maior legitimidade para


exigir a criação e consolidação dessas áreas. Nesse sentido, grande investimentos
aconteceram para o fortalecimento do CNS-RA e posteriormente das ATEXMA e
ASTEX-CA criadas para a co-gestão das áreas protegidas.
Do ponto de vista econômico, percebe-se no projeto ambientalista a
preocupação em valorizar os produtos florestais não madeireiros como uma forma
de reduzir os desmatamentos em áreas protegidas. Nesse sentido foram feitos
investimentos no extrativismo da castanha e do açaí para palmito. Não foram
identificados, na pesquisa, investimentos relacionados às práticas agrícolas vindos
dessa direção.
Com a consolidação burocrática das áreas protegidas, os ambientalistas de
primeira geração vão dando lugar, às instituições públicas gestoras dessas áreas.
A segunda geração de porta-vozes do projeto ambientalista nas áreas
protegidas para o agroextrativismo do Sul do Amapá está composta pelo IBAMA e
SEMA. Apesar de uma herança ecocentrista, pouco a pouco vão absorvendo a
necessidade de trabalhar a proteção da natureza nesses espaços com as
populações locais. Vez ou outra se manifestam resquícios da cultura
conservacionista tradicional, no uso do poder de polícia contra os próprios
beneficiários, em questões que poderiam ser tratadas de forma consensual na co-
gestão.
No caso do PAE Maracá, o órgão público responsável pela co-gestão não
conseguiu assimilar o projeto ambientalista, gerando incertezas quanto ao futuro
desse assentamento, à medida que grandes brechas ficaram abertas ao avanço
das forças devastadora das suas condições naturais.
A existência de três projetos diferentes no interior da atividade
agroextrativista do Sul do Amapá com interesses e estratégias diferenciadas que
se confrontam no cotidiano das relações econômicas locais, criam fragilidades que
colocam em risco a viabilização de longo prazo das áreas protegidas para o
agroextrativismo e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável da região.
Essas fragilidades serão destacadas e discutidas de acordo com as suas naturezas
política, econômica e ambiental.
.Fragilidades políticas: os estudos mostram que a população
agroextrativista tem grandes dificuldades de superar o que Tepich(1973) denomina
do “rigoroso coletivismo interno aliado a um forte individualismo ao exterior”, ou
511

seja, as energias da população agroextrativista são quase que totalmente gastas na


viabilização dos seus interesses familiares, sobrando muito pouco para o
encaminhamento dos interesses coletivos, cada vez mais necessários na
viabilização das áreas protegidas. Isto imobiliza a população no encaminhamento
de seus projetos econômicos de natureza comunitária; na participação mais ativa na
co-gestão das áreas protegidas; no fortalecimento das organizações comunitárias
criadas, inibindo maiores avanços nas conquistas dos direitos econômicos e sociais.
A participação das famílias na construção dos destinos das áreas
protegidas tem resumido-se a eleger as diretorias das suas organizações políticas,
deixando-as a vontade para tomarem as decisões que afetam ao futuro de todos,
sem as discussões necessárias. Assim, as famílias ficam totalmente a mercê dos
tipos de lideranças escolhidas. Isto tem provocado graves prejuízos às populações
extrativistas, por terem colocado, muitas vezes, na direção das suas organizações,
lideranças oportunistas sem os compromissos coletivos exigidos para os avanços
necessários. Muitos dos ganhos políticos ocorridos têm sido decorrentes mais da
ação externa dos aliados como as ONGs ambientalistas, e as organizações
estatais, que do esforço coletivo da população local. Isto tem enfraquecido suas
organizações representativas.
A fraqueza política, das suas organizações participantes nos arranjos
institucionais da co-gestão das áreas, tem deixado as representações estatais muito
à vontade para tomarem decisões que lhe interessam; atuarem de forma
autoritária, paternalista ou clientelista; favorecerem minorias em detrimento dos
interesses da maioria; desvirtuarem os objetivos das áreas protegidas; não
cumprirem suas obrigações e responsabilidades institucionais na co-gestão. Isto
tem provocado atrasos na viabilização nos projetos de natureza econômica e na
solução de problemas relativamente simples que acabam se agravando, como se
pode observar no PAE Maracá.
A viabilização das áreas protegidas para o agroextrativismo, no sentido de
garantirem melhorias econômicas consistentes para as populações locais
beneficiárias, com contribuições duradouras para o desenvolvimento sustentável da
região, passa a depender, cada vez mais, do fortalecimento político das
organizações criadas para representar a população agroextrativista. Isto exige
investimentos maiores das famílias nos seus interesses de natureza coletiva,
através de uma maior participação nas suas organizações.
512

.Fragilidades econômicas: as dificuldades de envolvimento das famílias


agroextrativistas nos projetos coletivos, muitos dos quais são propostos e apoiados
pelos aliados externos, faz com que as organizações existentes e criadas para
gerenciar esses projetos fiquem nas mãos das poucas pessoas, geralmente, os
diretores, que muitas das vezes acabam agindo a partir de seus interesses
pessoais. Neste sentido, estabelece-se uma situação em que as entidades criadas
sejam vistas como “novos patrões”, pelas famílias, principalmente, quando a relação
dos gestores com os associados não são transparentes, as decisões tomadas não
são discutidas, estabelecendo-se laços econômicos que expressam relações do
tipo familiares ou de compadrios. Ou seja, o não cumprimento de regras e
compromissos assumidos, acabam sendo tratadas como se fosse uma coisa sem
grande significância, não se tomando medidas mais duras com os reincidentes,
mesmo nas situações que acarretam grandes prejuízos para a população.
Isso contribui para inviabilizar ou enfraquecer as organizações criadas como
cantinas comunitárias, cooperativas, associações, nos seus projetos de natureza
econômica, por não terem condições de cumprirem compromissos assumidos com
compradores e fornecedores, na medida em que os cooperados não cumprem as
suas partes nesses compromissos, e os gestores não conseguem estabelecer
mecanismos de cobranças, utilizados em qualquer sociedade organizada. Isto tem
inviabilizado diversos projetos econômicos de natureza coletiva implantados nas
áreas, como as indústrias de beneficiamento da castanha e palmito, que
apresentam sérias dificuldades em se estabelecerem; as granjas comunitárias, que
não deram certo; o projeto de manejo florestal comunitário do Maracá que foi
cancelado, etc. Enfim, existe uma grande dificuldade das organizações de natureza
econômica criadas, como as cooperativas, em gerir seus projetos econômicos, o
que significa, estabelecer um dialogo positivo entre as racionalidade camponesa
com a capitalista, o que parece ser uma forte exigência para o desenvolvimento
sustentável da região.
A dificuldade de se estabelecer o diálogo entre as racionalidades
econômicas, cria uma situação em que o controle da terra e de seus recursos
florestais encontra-se institucionalmente nas mãos das famílias, enquanto, a
produção extrativista, de fato, situa-se sob o controle das estruturas capitalistas,
que retiram a matéria prima local para agregar valor em outras regiões. Isto reduz o
potencial gerador de riqueza dos recursos naturais existentes, para a construção de
513

um processo de desenvolvimento sustentável local com maiores ganhos


econômicos.
Assim, os dirigentes das organizações (cooperativas, cantinas e
associações) ficam abandonados no encaminhamento dos projetos econômicos
coletivos, que não atingem seus objetivos; as famílias investem todos os seus
esforços nos projetos econômicos de natureza familiar, no caso, a agricultura da
mandioca, pela segurança que esta oferece a racionalidade camponesa; enquanto
que, o principal recurso extrativista da região estudada – a castanha - com maior
potencial gerador de renda necessária para dinamizar o desenvolvimento regional,
continua a ser apropriado pelas estruturas capitalistas, através da pratica de um
aviamento modernizado, para uma agregação de valor fora da região. Apesar dos
grandes investimentos que foram feitos na organização política e econômica da
população local para mudar essa situação.
.Fragilidades ambientais: a relação da população agroextrativista com os
seus aliados externos do projeto ambientalista apresenta também conflitos de
racionalidades econômicas. O projeto ambientalista trabalha na perspectiva de
redução do desmatamento, investindo em projetos que valorizam o extrativismo não
madeireiro de forma isolada da agricultura, por ter dificuldades em aceitar os
desmatamentos para implantação de roças familiares, que representam o núcleo
duro da reprodução das unidades agroextrativistas.
Esse conflito pode, e precisa ser resolvido. Faz-se necessário considerar a
pequena agricultura como um mal necessário no projeto ambientalista, já que ela
não será facilmente abandonada pelo projeto camponês, pelo menos, a curto e
médio prazo, ou até que se tenha uma alternativa de renda que se distribua de
forma uniforme nos meses de entressafra da castanha, substituindo a segurança
que a roça da mandioca oferece ao projeto camponês. O desmatamento para as
roças é relativamente pequeno, fácil de ser controlado, e pode ser utilizado na
implementação de um projeto agroecológico, sustentado na relação castanha –
mandioca dentro dos critérios que garantam a sustentabilidade a longo prazo dos
castanhais.
O fato é que, a implantação de projetos econômicos de natureza coletiva,
que consideram o extrativismo isolado da agricultura junto as populações
agroextrativista das áreas protegidas, tem significado uma atividade com alto risco
de fracasso, ao não se levar em conta as necessidades vitais da racionalidade
514

camponesa no agroextrativismo.
A terceira questão norteadora da pesquisa diz respeito ao tipo de
sustentabilidade que as transformações ocorridas indicam para o desenvolvimento
local. Para responder a essa questão é necessário considerar-la sob dois prismas: o
desenvolvimento dos espaços protegidos e o desenvolvimento regional.
Para o desenvolvimento no âmbito dos espaços protegido a coisa parece
mais simples, pois o arcabouço institucional encontra-se desenhado: os estoques
de recursos naturais existentes estão juridicamente protegidos para o uso
sustentável; os responsáveis para a utilização desses recursos estão claramente
definidos e são portadores de uma cultura e racionalidade econômica capaz de se
adequarem às restrições impostas pela resiliência dos ecossistemas; os órgãos
públicos responsáveis pela viabilização dessas áreas estão definidos, assim como a
forma de gestão encontra-se preconizada; existem recursos públicos para
viabilizarem essas áreas. O sucesso desses espaços protegidos sob o ponto de
vista do desenvolvimento local depende exclusivamente de que cada agente
envolvido cumpra eficientemente o seu papel específico, e que se consiga superar
ou conviver com as fragilidades decorrentes dos conflitos de racionalidades
econômicas.
A simples existência de um arcabouço institucional com implementação
embrionária já mostrou resultados ambientais importantes como o de evitar uma
ação devastadora incontrolada com a abertura da estrada ligando Macapá a
Laranjal do Jarí atravessando o PAE Maracá e a RESEX Cajari.
A pesquisa mostrou que a RESEX Cajari tem trilhado caminhos
relativamente exitosos. O efeito aprendizado com os erros e acertos vem
acontecendo e o órgão público responsável tem um entendimento da importância
desse espaço no contexto da crise ambiental global e vem aprendendo a trabalhar
no âmbito das recomendações existentes para o desenvolvimento sustentável,
construindo arranjos institucionais que podem contribuir substancialmente para o
sucesso ainda maior dessa área.
O PAE Maracá apresenta fragilidades no arranjo institucional para a gestão,
o que coloca em risco a utilização sustentável de recursos naturais. A cultura
institucional do responsável público pela co-gestão não absorveu a importância do
PAE no contexto de crise ambiental global. Também inexiste nessa cultura o
entendimento da necessidade de uma gestão da área de acordo princípios da
515

Agenda 21 para os assentamentos humanos, onde o fortalecimento da organização


local co-gestora tem que ser implementado para que se possa garantir a
participação dos beneficiários na construção do futuro do PAE.
O órgão público co-gestor não cumpriu o seu papel básico que era a
desapropriação dos projetos em desacordo com a filosofia do PAE, existindo até
hoje latifúndios para criação de búfalos. A correção de uma série de erros na gestão
do PAE exigirá um grande esforço, pois o capital social existente é pequeno e a
desconfiança é grande entre os beneficiários e a organização local, principalmente
em relação ao órgão público.
A RDS do Iratapuru apresenta condições muito favoráveis para avançar,
visto que o órgão público responsável pelos encaminhamentos das ações
viabilizadoras tem uma cultura ambientalista, além de que o número de
beneficiários é pequeno para o tamanho da área e do estoque de recursos naturais
disponíveis. Existem dificuldades na gestão, ligadas a maior participação dos
beneficiários nas decisões, porém isso está sendo tratado por consultoria
contratada para assessorar no desenvolvimento comunitário da RDS.
Sob o prisma do desenvolvimento regional, as transformações ocorridas ao
mesmo tempo em que evitaram a devastação da riqueza de recursos naturais,
freando o potencial de desmatamento que a estrada trouxe, criaram a possibilidade
de se utilizar de forma sustentável o potencial de recursos dessas áreas como
matéria prima a ser processada na própria região. Isto garantiria a geração de
renda, impostos e empregos para os municípios. Cabe-se estruturar projetos com
esses objetivos.
A castanha produzida no Sul do Amapá, em sua maior parte é exportada
“in natura”, com pequena agregação de valor, pouco contribuindo para o
desenvolvimento regional. Faz-se necessário, investimentos para garantir uma
melhor qualidade do produto coletado, já que as transformações ocorridas criaram
um dilema do tipo “tragédia dos comuns”. Antes havia uma preocupação com a
qualidade da castanha coletada. Com o aumento da concorrência entre
compradores, prevaleceu uma prioridade para com a quantidade comprada. Como
o preço pago ao coletor não diferencia a qualidade do produto, os coletores que
prezavam por boas práticas abandonaram algumas rotinas para qualidade, que
implicavam mais trabalho. Hoje a castanha brasileira perdeu espaço no mercado
internacional, penalizando tanto compradores como coletores, pela falta de
516

qualidade.
Discute-se nos meios governamentais a implantação de um Parque
Tecnológico para a Castanha no Sul do Amapá com o objetivo de criar condições
para que a produção amapaense seja toda processada na região e transformada
em diversos produtos capazes de entrar em outros mercados além dos de nozes e
amêndoas. É uma proposta importante, que se colocada em prática poderá fazer
com que essas áreas protegidas consigam prestar maior contribuição para o
desenvolvimento sustentável do Sul do Amapá. O exemplo da castanha pode-se
utilizar para outros produtos extrativistas capazes de gerar matérias primas de
forma sustentável para serem processadas na região. Existe ainda a possibilidade
de ganhos econômicos nos mercados verdes de produtos com certificação
ambiental e como produtos orgânicos, além das alternativas para o turismo
ecológico que essas áreas oferecem para o desenvolvimento da região.
Em síntese, as transformações ocorridas indicam amplas possibilidades
para se implementar o desenvolvimento sustentável local de forma mais efetiva e
concreta nas áreas protegidas, mas com contribuições substanciais para o
desenvolvimento regional dentro de uma perspectiva de mercados verdes e de
turismo ecológico. A saída é buscar mecanismos de geração de riqueza a partir dos
recursos existentes nas áreas protegidas, através da integração da racionalidade
camponesa com a racionalidade capitalista com o controle estatal, estabelecendo-
se regras para que a industrialização das matérias primas produzidas seja feita na
própria região.
Quanto as premissa e hipóteses que direcionaram este trabalho, ao
procurar responder as questões norteadoras da pesquisa, constatou-se uma
inconsistência na premissa inicial, construída na aparência dos fenômenos, de
“que a estratégia adotada pelos governos de criar e implementar as unidades de
uso especial para o usufruto direto das populações locais agroextrativistas, apesar
de parecer acertada, não vêm atingindo os seus objetivos de contribuir para o
desenvolvimento sustentável do Sul do Amapá, garantindo melhorias econômicas,
sociais e políticas para as populações locais com baixos impactos sobre os
recursos florestais”.
Mesmo com as dificuldades na implementação de um processo de gestão
mais eficiente das áreas protegidas, os investimentos públicos têm ocorrido na
região. Porém, esses não se devem apenas à criação das áreas protegidas, mas
517

também como resultado da combinação de vários fatores já discutidos, que


ocorreram simultaneamente, trazendo ganhos concretos para a população
agroextrativista tanto de natureza econômica como política e social. Para a
sociedade como um todo, a criação de áreas protegidas conseguiu frear o
desmatamento e a queima da floresta que se imaginava iria acontecer
descontroladamente com a abertura da estrada.
Porém, mesmo que essa premissa tenha se mostrado inconsistente, a
estratégia adotada apresenta sérias fragilidades, decorrentes dos choques de
racionalidades econômicas existentes no agroextrativismo que colocam em risco a
viabilização das áreas protegidas, e suas contribuições ao desenvolvimento
sustentável da região a longo prazo.
A análise dessas fragilidades em contraste com as transformações
identificadas corrobora com a Hipótese 1, construída a partir da fundamentação
teórica geral: “que os insucessos na viabilização das áreas protegidas no Sul do
Amapá derivam dos choques das racionalidades econômicas existentes no
agroextrativismo, que criam dificuldades diretas na implementação de mecanismos
apropriados de gestão dessas unidades de uso especial e indiretas na construção
do desenvolvimento sustentável da região”. Ou seja, os principais problemas
observados, que restringem os avanços rumo ao desenvolvimento sustentável
resultam ou estão relacionados aos choques das racionalidades econômicas
inerentes aos principais atores envolvidos com o agroextrativismo, expressos nos
projetos camponês, capitalista e ambientalista, que aos seus modos, condicionam
as formas de utilização dos recursos naturais da região.
O estudo desenvolvido e a analise das fragilidades existentes permitem
também refutar a Hipótese 2, construída na fundamentação teórica especifica,
“que, apesar de sua importância histórica na economia extrativista da região, a
instituição do aviamento perdeu seu sentido econômico nas áreas protegidas para o
agroextrativismo do Sul do Amapá, sendo substituída por iniciativas associativistas
organizadas através das cooperativas criadas”.
Na verdade, o aviamento não desapareceu na sua essência, nem tampouco
foi substituído por formas cooperativas e associativas de organizar a produção.
Apenas sofreu mudanças para adequar-se a uma nova realidade. Assim, os
adiantamentos concedidos aos coletores para a obtenção dos produtos da floresta
mudaram na sua forma de capital - mercadoria para capital - dinheiro, porém
518

mantém-se na sua essência, sendo um valor menor em forma de crédito, que cria
dividas, que permitem ao comerciante apropriar-se de um valor maior em matéria
prima, que vai agregar mais valor nos processos de beneficiamento até chegar ao
consumidor final, remunerando os diversos agentes intermediários da cadeia que
vai do coletor - compradores locais - compradores regionais – industrias de
beneficiamentos - consumidores finais. A origem do crédito vem das indústrias de
beneficiamento que captam o dinheiro para financiar a cadeia de aviamento, das
importadoras ou do sistema financeiro. Mudaram também as relações sociais
vinculadas ao aviamento onde a violência e o autoritarismo dos patrões cederam
espaço para formas de dominação mais brandas, como troca de favores e
solidariedades para com os coletores.
O aviamento apresenta uma grande sobrevida na região tanto pela
capacidade que teve de se readequar a nova situação, como pelo baixo dinamismo
econômico existente na estruturas camponesas, que preferem investir na segurança
do roçado familiar da mandioca aos riscos e incertezas oferecidos pelos projetos
coletivos de beneficiamento da castanha.
Assim, o aviamento sofreu mudanças e continua eficiente em convencer
aos extrativistas a se deslocarem a floresta para coletar a castanha, associando o
financiamento antecipado em dinheiro com a construção de relações interpessoais
por meio de troca de favores, solidariedade e presença constante junto aos
fornecedores da matéria prima. Apesar de todos os investimentos feitos para
eliminar essa instituição econômica da realidade agroextrativista da região, ela
permanece funcional.
A pesquisa nos mostrou algumas outras questões importantes, algumas
podem servir como lições, outras como referências para aprofundamento em novos
estudos:
.O órgão responsável pela Política Nacional de Reforma Agrária tem
dificuldades de absorver as necessidades de implementar atividades que levem em
conta a preocupação com as questões ambientais nos seus assentamentos na
região. Esta afirmação sustenta-se no fato que isso não consegue acontecer no
PAE Maracá, onde existem exigências jurídicas e pressões políticas a esse respeito
a serem cumpridas. A partir desse fato, podemos imaginar ou até prever o que
acontece, nos outros assentamentos rurais, onde as preocupações de natureza
ambiental não são fortemente cobradas;
519

.As cooperativas que foram criadas como uma possibilidade concreta de


encaminhar propostas econômicas que atendessem as necessidades das
populações agroextrativistas têm grandes dificuldades em levar adiante os seus
objetivos pela impossibilidade concreta de estabelecer um diálogo que seja positivo
entre a lógica camponesa com a lógica capitalista. Tiveram um papel político
importante no início da organização, mas não conseguiram estabelecerem-se como
mecanismos importantes na implementação de propostas econômicas para os seus
cooperados. Atualmente, algumas se encontram descaracterizadas dos princípios
cooperativistas, sendo consideradas muitas das vezes pelas famílias como uma
espécie de “patrão” de segunda categoria.
.Sobre o ponto de vista da gestão das áreas protegidas para o
agroextrativismo, a experiência do Sul do Amapá nos mostra que a espacialização
das áreas para fins de gestão é uma necessidade. Tendo em vista que a grande
extensão dessas áreas acaba abrangendo zonas ou ecossistemas diferentes com
estratos populacionais que mantém relações ou comportam-se nas suas relações
com a natureza na produção da sua subsistência de forma diferente. Discutir temas
de interesse geral para a unidade, mais com pouca importância local, acaba se
tornando uma atividade estéril, sem sentido e que enfraquece o interesse em
participar.
Uma outra evidência é a necessidade de se estabelecer arranjos
institucionais para a co-gestão onde a gestão seja de fato compartilhada tanto nas
responsabilidades como nos custos de cumprir o papel de gestão. Ou seja, as
organizações locais responsáveis pela co-gestão precisam receber do setor público
as condições para cumprirem o seu papel, tal qual acontece com o órgão público.
Isso também faz parte de recomendação da Agenda 21.
.As formas camponesas parecem ser as mais adequadas para a exploração
sustentável das áreas protegidas para o agroextrativismo, pela sua capacidade de
adaptação a situações de restrições ambientais e econômicas. A história do Sul do
Amapá nos mostrou essa capacidade de sobrevivência das famílias às diversas
restrições que lhe foram impostas ao longo da ocupação econômica da região.
Para que isso aconteça faz-se necessário que as regras criadas garantam o
que Tepicht (1973) considera como elemento mais durável das relações internas
das formas camponesas que é a “simbiose entre a exploração agrícola e instituição
familiar”. No caso do Sul do Amapá a exploração agrícola dá-se em roças de
520

mandioca com pequeno impacto sobre o desmatamento quando comparado com as


atividades agropecuárias conduzidas por formas capitalistas. Até 2004 as
populações agroextrativistas desmataram nesses espaços protegidos uma área de
20.000 hectares, o que representa 10% dos desmatamentos iniciais para a
implantação do Projeto Jarí.
Outra evidência importante que se mostrou nesse estudo diz respeito à
exploração combinada mandioca – castanha pelas famílias agroextrativistas. Essa
exploração representa um típico sistema agroecológico para a Amazônia que
precisa ser tecnicamente aperfeiçoado. As observações de campo no Maracá e
Cajari nos mostraram que as roças abandonadas próximo aos castanhais,
transformam-se também em castanhais ao longo dos anos. Cabem as pesquisas
ecológicas determinarem qual a distância que essas roças devem ficar dos
castanhais de forma que a queimada não afete os polinizadores e que se garanta o
trabalho dos dispersores e semeadores como a cotia. Nos casos, onde as cotias
encontram-se com sua população reduzida, o plantio pode ser feito pelos próprios
agroextrativistas.
Dessa forma, pode-se resolver o problema das dificuldades de regeneração
dos castanhais. Se no passado as roças de mandioca indígenas contribuíram de
forma involuntária ou planejada para a formação dos castanhais, atualmente elas
podem garantir a sustentabilidade a longo prazo desses espaços contribuindo com
as clareiras abertas necessárias para a regeneração da espécie. Em síntese, os
castanhais na sua forma concentrada são resultados de um processo evolutivo em
que a sua dependência da ação antrópica coloca-o praticamente no mesmo nível de
uma espécie já domesticada, apesar de sempre ter-se considerado como um
resultado único da ação da natureza. E realmente o é, colocando-se o homem como
parte integrante do mundo natural.
521

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