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Universidade de Brasília
Instituto de Psicologia
Departamento de Psicologia Clínica
REBECCA RIBEIRO
BRASÍLIA – DF
2004
1
REBECCA RIBEIRO
BRASÍLIA – DF
2004
2
Aprovado por:
_______________________________________
Profª Drª Liana Fortunato Costa
Presidente
__________________________________
Prof. Dr. Ileno Izídio da Costa
Membro
___________________________________
Profª Drª Maria Aparecida Penso
Membro
____________________________________
Profª Drª Tânia Mara Campos de Almeida
Membro Suplente
3
Preso a canções
Entregue a paixões que nunca tiveram fim
Vou me encontrar, longe do meu lugar
Eu, caçador de mim
Nada a temer
Senão a correr da luta
Nada a fazer
Senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
Numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai, sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim
Caçador de Mim
(Sérgio Magrão/Luiz Carlos Sá)
4
“Tudo aquilo que flui como uma expressão espontânea do ser é, sem
dúvida, arte. O caminhar se transforma numa dança, a palavra em poesia, o silêncio
em meditação. Cada gesto está impregnado da divina beleza que tem a essência do
ser”.
(Veet Pramad, 2003)
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, amiga e mestre, Profª Drª Liana Fortunato Costa pela
dedicação, paciência e atenção durante todos esses anos. Obrigada por acreditar em
mim, mesmo quando eu parecia confusa e sem esperança.
Ao Sr. Valter que com toda sua paciência e disponibilidade, me ajudou nas
reflexões sobre as emoções sob a ótica da filosofia clássica.
experiência nada disso poderia ter sido feito. Vocês são a essência e a grandeza dessas
reflexões.
À minhas amigas e amigos Lúcia Margarida, Márcia , Denise, Giu, Fábio, Leo
e Paulo Amado, pelas discussões e reflexões críticas sobre a nossa atuação ética e
transformadora. Fábio, obrigada por ter estado sempre ao meu lado durante esse
percurso.
Aos meus amigos Flávia e Paulo pela torcida e pela ajuda nas horas que eu
mais precisava. Suas palavras me tranqüilizavam sempre.
ÍNDICE
Introdução ...................................................................................................................... 11
1.4 – O Emocionar dos Profissionais que Lidam com o Abuso Sexual Infantil ................. 39
Anexos .............................................................................................................................138
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RESUMO
ABSTRACT
Ribeiro, Rebecca (2004). The Psychosocial Worker’s emotions in contact with child
sexual abuse. Master’s Degree Dissertation. Department of Clinical Psychology,
Brasilia University, Brasilia.
This research had as a main objective the identification and the study of the emotional
process of psychologists and social workers of the Serviço Psicossocial Forense from the
Brasilia’s Court of Justice (TJDFT), formed within the approach and consideration about
child sexual abuse situations. This subject demands a current reflection about the emotions
roused on the relation with abusive families at the judicial context. The method used to put
the information together was the reflecting group focus interview that offered a
conversational context where the professionals were able to share meanings, constructing the
sense of the pertaining suffering at the work practice. The interviews were held at the
Brasilia’s Court House (TJDFT) with six SEPAF’s professionals participating, in two
different moments. The information was analyzed and interpreted by the Qualitative
Investigation proposal. Seven categories of emotions were formed on the analyses of the first
interview, where emotions of rage, anger, discomfort and fear, among others, were roused,
establishing relations and orientating the professional practice in child sexual abuse cases.
These categories also indicated a confusion and ambiguity related to the professional role in
the judicial cases and the worker’s identification with the child victim of sexual abuse, where
she constitutes the meaning of the psychosocial practice. On the second interview the
participants used the reflected, interpreted and constructed information from the first
interview to discuss and meditate upon, enabling the development of four other categories.
We were able to see a professional’s perception increase about themselves, the child, the
institution and the aggressor. It became evident from these considerations the importance of
considering and recognizing the professional’s emotions regarding the cases they work on, so
they can use them as tools in their relation with the families. The emotions revealed to be very
paradoxical that establish a demanding context of the professional’s emotional presence and
the ability to deal with the practice’s ambiguities. This study points out the need of a constant
Court of Law’s attention and support of its professionals and the implementation of a
reflective practice that can develop the constitution of our social agent condition’s meaning,
providing a transformation context in the Justice.
INTRODUÇÃO
“Quando as escolas do pensamento forem construídas,
então o significado dos sentimentos será testado” (Morya).
explicar os fenômenos e descobrir a realidade dos fatos, têm trazido lacunas, levando
ciência. Por outro lado, o progresso das certezas científicas possibilitou que hoje se
generalizando tudo que parecesse diferente, a fim de explicar, prever e controlar tal
fenômeno. Alguns fenômenos que não conseguiam ser encaixados nesse pensamento
diferente para a sua compreensão. Métodos, intervenções e teorias antes eficazes não
espaço de crise e de muita reflexão a respeito de suas teorias, da falta de diálogo entre
as diversas abordagens e das intervenções em contextos complexos. Uma vez que “as
evidências que nos coloquem frente a frente com os limites de nosso paradigma atual”
(Vasconcellos, 2002, p.35), percebemos hoje que a psicologia tem tido acesso a
Uma das questões relegadas por muito tempo e que denuncia as contradições
com seus clientes foi uma questão esquecida e colocada em segundo plano na história
conhecimento científico.
Em uma mesma linha de pensamento, para Neubern (2001) as emoções têm a função
14
caráter ontológico das emoções, atribuindo uma grande importância a elas nas
Gergen (2002), por sua vez, destaca a característica social e relacional das
emoções, enfatizando o self construído nos jogos lingüísticos das relações sociais. As
questões emocionais, legais, familiares, de gênero, de poder, entre outras, revela sua
Ferrari (2002) acredita que há, atualmente, dentro de nossa sociedade, uma
protegida desde seu nascimento, esperando-se que pais e mães cuidem bem de seus
adolescentes dentro da família, esta autora aponta que a reação das pessoas que
susto. Essas reações também ocorrem nos profissionais que atuam com essas famílias,
infantil. Muitas vezes esses sentimentos estão também presentes nas famílias
lidar com as conseqüências dessa violência. Além das emoções vivenciadas na relação
com a família e sua história de vida, a própria questão de ter que lidar e trabalhar com
o abuso sexual infantil é vista muitas vezes como ameaça aos papéis profissionais
envolvidos.
adolescente.
16
infantil é apontada por Ravazzola (2000), a qual coloca que o que eles fazem, ou
ou o cessar do abuso. Para esta autora, devido à violência sexual se instalar em uma
maus tratos como elementos naturais nas conversações e nas ações. Dessa forma,
torna-se mais difícil para eles mudarem as idéias, crenças, valores familiares e as
que entram em contato com famílias com histórias de abuso sexual infantil, pois esses
controle e poder.
eficazes, ampliando seu papel de forma a constituir uma ação mais benéfica para a
refletir e repensar suas intervenções com famílias cuja temática é o abuso sexual
mobilização que essas situações vem ocasionando na equipe psicossocial, existe uma
maior atenção e apoio aos profissionais que trabalham com essas situações, a fim de
da SEPAF;
1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
“... não creio que aquilo que sentimos na psicoterapia, como terapeutas,
seja uma limitação: ao contrário, parece-me que essas pretensas
limitações podem ser transformadas em instrumentos de trabalho, que
para nós constituem em preciosos trunfos”. (Elkaïm, 1998, p. 321)
(Vasconcellos, 2002). Essa visão de mundo, entre outras coisas, atribuiu às emoções o
(427-347 a C.), em Fédon, diálogo sobre a alma e a morte de Sócrates, enfatiza que os
amores, desejos e temores de todas as formas são frivolidades do corpo que impedem
(Neubern, 1999).
uma realidade objetiva e única, onde “a razão parece revelar a verdade por meio do
contexto deste estudo pelo caráter local e contextualizado, pela realidade construída
nas ciências e na filosofia (Grandesso, 2000). Ademais, o estudo das emoções implica
autor aponta que os termos emocionais adquirem sentido no seu contexto de uso,
linguagem dentro de cada momento social (González Rey, 2000). Sob essa
assistentes sociais nas conversações sobre suas práticas com famílias abusivas, por
natureza (González Rey, 2003). De acordo com González Rey (2003) essa perspectiva
Rey (2003) propõe o resgate dessa dimensão das emoções, atribuindo-a um papel
outro lado, existem fatores que vão se constituir subjetivamente sem que se tenha
intenção, que são emoções e sentidos. Portanto, o que se constitui é aquilo que
produzem por uma multiplicidade de canais que atuam sobre o sujeito, sobre o qual
muitas vezes ele não tem consciência, mas que são essenciais no processo de
influência à medida que tem um sentido, ou seja, atinge o sujeito através da estrutura
atual de sentidos. Dessa forma, pode-se considerar que a ação dos sujeitos implicados
subjetividade social.
caracterizam o espaço de suas relações sociais e o contexto em que suas ações são
direta na evidência do comportamento emocional e por isso ela deve ser estudada
mais amplamente e não como simples respostas. Não se pode “acessar” as emoções a
não ser pela conversação, perpassada pela linguagem, ou seja, é o que se fala sobre as
sistema que organiza os vários níveis de informações que lhe chegam, construindo
emoções isoladas dos processos cognitivos e estes isolados dos processos emocionais.
2000).
Nesse sentido, para Greenberg, Rice e Elliot (em Neubern, 1999 e González
antecedem. Esses autores afirmam que os sentimentos são o ponto de encontro entre a
denominado por ele de “core ordering processes”. Ele relaciona as emoções com as
Maturana (1997, 2001 e 2002) traz em sua teoria uma compreensão das múltiplas
reavaliação das teorias que consideravam a importância do ser humano como seres
e as emoções constituem o conversar que por sua vez, também atua na constituição da
ânimo de disposições para as ações, ou seja, elas surgem como disposições corporais
Dessa forma, para distinguirmos e reconhecermos uma emoção, nós temos que
ações e atuamos no entendimento de que uma pessoa só pode fazer certas coisas e não
outras, dentro desse domínio (Maturana, 1997). A emoção define e orienta a ação. Por
fazendo com que ela não consiga desempenhar uma determinada função, não incluída
da vida.
fundamentam, pois “não há nenhuma atividade humana que não esteja fundada,
As emoções têm papel ativo nas conversações que, para o autor, são redes de
emoções que especificam o domínio das ações nas quais a conversação tem lugar, ou
mudanças ocorram, o fluir do emocionar em tal conversação também tem que ser
(Maturana, 1997). Maturana (1996) relata como exemplo que podemos mudar
inclusive nossos argumentos racionais (uma ação) à medida que as nossas emoções ou
diferentes tipos de operações de distinção que ele pode lançar mão na sua existência.
E essa escolha por essas operações (cognição, pensar, raciocinar) vai depender,
nossas opções segundo “o fluxo de nosso emocionar nas nossas relações interpessoais
e em nossos desejos” (Maturana, 1996, p.73). Dessa forma, não existiria uma única
realidade, fora do sujeito, esperando para ser conhecida, mas sim várias realidades
pessoas são únicas embora se constituam nas comunidades em que vivem (Grandesso,
2000).
portanto, uma verdade única, abrindo espaço para incluir o outro na relação comigo.
Essa é a dimensão ética para Maturana (2001), a aceitação efetiva do outro como
do ser humano. A simples negação da sua existência e/ou a tentativa de suprimir suas
expressões são vistas hoje como caminhos tortuosos e não autênticos da evolução da
encontramos. Como Maturana (2001) coloca, temos que “assumir a participação das
(p.52), uma vez que, ao negarmos nossas emoções, nos tornamos incapazes de apagar
sobre outros. Mesmo com esse destaque na história, a violência foi raramente vista e
e a irritação, bem como de resolver as diferenças (Corsi & Peyrú, 2003; Corsi 1994).
decorrentes do modo de conviver, das redes conversacionais (ou seja, nossos valores e
aparecido nas últimas décadas como uma grande preocupação social e tem chamado
entre outros. Dados oficiais revelam essa preocupação: em 2003, no Distrito Federal,
policiais de abuso sexual infantil, e nos últimos dez meses, foram registradas cerca de
De acordo com Almarales (1998), esta maior visibilidade das ações abusivas
que se produzem dentro do lar reflete, essencialmente, uma mudança nas relações de
reconhecimento da criança como sujeito de direito têm sido os pilares deste interesse
desse fenômeno. Isso tem causado perplexidade tanto nos organismos governamentais
1
Esses dados foram obtidos no jornal Correio Brasiliense do dia 09/03/2004, na reportagem “Diga não a
violência sexual infantil”
35
violência sexual contra crianças e de abuso sexual infantil, cada uma enfatizando uma
destas facetas do fenômeno. Cabe ressaltar que violência sexual e abuso sexual não
causam danos às vítimas.2 Apesar dessa diferença, esses dois termos parecem ser
psicológica contra a criança e o adolescente, e por sua vez, a violência sexual infantil
Iglesias (1996, conforme citado por Faleiros, 2000) coloca que o abuso sexual
àquela, seja por razões de seu maior desenvolvimento físico ou mental, pela relação
que o une a criança ou por sua posição de autoridade e poder. Para Kempe (1978,
conforme citado por Faleiros, 2000), o abuso sexual se define como a implicação de
2
Definição retirada do Manual de Capacitação para prevenção e intervenção em crise da violência sexual
infantil, do Bureau International Catholic de Lénfance (BICE) do Uruguai.
36
real. Almarales (1998) define, por sua vez, o abuso sexual como o ato executado
contra uma criança ou adolescente por seus pais ou substitutos, ou por outro adulto,
adolescente inclui ocorrências intra e extrafamiliares, com atos que envolvem ou não
contato físico, utilizando o termo violência por este definir uma relação hierárquica de
refletindo a idéia de que não existe relação sexual apropriada entre uma criança e um
Pode-se observar que nas diversas definições sobre violência e abuso sexual
adulto de dominação, força e poder para sua gratificação sexual. Quando esse
Essa característica torna a violência sexual na família mais difícil de ser percebida
socialmente.
abuso sexual ocorre, constituindo um pano de fundo dos sistemas familiares afetados.
No entanto, essas descrições não explicam o abuso sexual, e nem são fatores
relaxamento dos laços filiais e conflitos relacionais mãe/filha com relação ao novo
bastante comum, como também o perpetrado pelo pai, durante as visitas de fim de
semana da filha (Perrone e Nannini, 1997). No entanto, os abusos não são restritos a
essas estruturas familiares, podendo ocorrer também em famílias onde ambos os pais
residem juntos. Mais do que o tipo de estrutura familiar, os estudos mostram que a
imagem que demonstram ao seu meio e o que ocorre em seu interior. São famílias
Nannini, 1997; Thouvenin, 1997). A lei privada e interna da dinâmica familiar se opõe
permite que a filha assuma o lugar da esposa do pai. Para Perrone e Nannini (1997), o
papéis parentais e conjugais, onde tanto o marido quanto a esposa, enquanto pais
rigidez dos valores da família cria um contexto onde a interdição se estende à palavra,
chantagens e/ou da violência física por parte daquele que comete o abuso sexual. Toda
a energia do sistema é utilizada para manter o status relacional, criando uma tendência
influência e o domínio abusivo daquele que controla a relação. Este estado gera
permite que a relação abusiva se perpetue, mesmo sem violência física e ameaças
objetivas.
silêncio são difíceis de serem rompidos, o que dificulta as intervenções dos agentes
sociais para a interrupção do ciclo abusivo. Dessa forma, pode ocorrer um processo de
tolerância e até mesmo de impunidade, seja por parte dos próprios membros da
família onde os abusos ocorrem como pelas redes sociais e profissionais com as quais
1.4 – As Emoções dos Profissionais que Lidam com o Abuso Sexual Infantil
(Santos, 2002). A forma como o terapeuta vê a realidade vai depender da posição que
ele ocupa no sistema. Sua história pessoal e sua subjetividade têm um importante
vivo no cliente, ao mesmo tempo em que “intervimos com tudo o que é nosso: nossa
família na equipe.
as concepções das professoras acerca do abuso sexual infantil e de que forma essas
seu estudo sobre o fluxo do Sistema de Justiça Criminal (queixa, inquérito, denúncia e
sentença), como a subjetividade dos operadores que participam desse processo, suas
fases do fluxo.
vivenciada por essas famílias se reflete nos profissionais que as atendem e reverberam
neles sentimentos intensos com relação à situação das pessoas envolvidas em tais
pois é através desse mal estar e desse incômodo que a intervenção e a ajuda pode ser
Por outro lado, analisar pessoalmente nossas emoções e saber que estarão
discernindo-o do sentir do outro, e podendo criar uma certa distância daquilo que nos
infantil desencadeiam nos profissionais para entender suas ações e orientações frente
profissionais podem mudá-las nas conversações entre eles e entre estes e as famílias,
reflexiva com as nossas emoções que estão ligadas aos nossos valores e princípios
3
Manual de capacitación em violência sexual infantil do BICE
43
2000).
Adolescente (1990) no Brasil, mostram, de alguma forma, sob quais valores e crenças
consenso a respeito desses valores e idéias que imperam na sociedade ocidental nesse
momento histórico.
integral da infância, estabelecendo que crianças e adolescentes devam ter seus direitos
Com relação à violência sexual infantil, o ECA estabelece, nos artigos 5º, 17 e 130 o
seguinte:
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
objetos pessoais”.
sofrido o abuso.
reguladoras, garantindo a aplicação das leis sociais, podendo inclusive, exercer uma
45
função educadora e protetora. Para tal, a atuação dos profissionais das áreas de
fenômenos.
sociais não é requerido quando a transparência do caso permite ao juiz tomar uma
está relacionada aos casos de disputa judicial explícita ou encoberta, onde as crianças
incriminação do culpado.
nas famílias com abuso sexual infantil fica comprometido e resulta infrutífero se não
possibilitar que a aplicação da lei possa ser um terceiro social que promova a
proteção da criança.
virtude de sua especificidade, porém deve integrar suas ações para que a intervenção
Territórios4.
brasileiro, como em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal,
recebem um parecer técnico que fará parte do processo judicial e que subsidiará sua
4
As informações contidas nessa parte foram obtidas do Plano de Ação do Serviço Psicossocial Forense do
TJDFT 2002-2004
48
anos e a dificuldade de locomoção de inúmeras famílias, que muitas vezes não tinham
foi subdividida em três: a SEPAF Centro, localizada no fórum do Plano Piloto, que
a SEPAF Sul, localizada no Fórum de Taguatinga, que atende às Varas desse Fórum e
dos de Ceilândia, Samambaia, Gama, Brazlândia, Santa Maria e Recanto das Emas.
origem ao processo judicial, sempre priorizando a proteção e o bem estar das crianças
também outros membros da família extensa ou pessoas que estariam de alguma forma
a procurar a justiça;
atendimento;
relações interpessoais;
psicossocial é realizado em dupla, sempre que possível, uma vez que se percebe que a
história da família como um todo, com vistas a entender a dinâmica familiar atual que
social mais próxima (vizinhos, professores, amigos). O último atendimento pode ser
opinião técnica quando não foi possível a construção de um acordo pelas partes. Além
que se refere ao bem estar dos filhos, e o acordo construído pela família ou sugerido
pelos profissionais.
anos, apenas na SEPAF Norte, foram atendidos trinta casos em que as famílias
envolvidas possuíam uma dinâmica abusiva entre seus membros. A partir dessa
dificuldades que são encontradas nos casos de violência sexual infantil. Dentro desta
transformando-a, junto com a família, em uma demanda de ajuda por parte dos
envolvidos;
sexual.
52
2 – MÉTODO
uma vez que a pesquisadora, ao fazer parte do grupo estudado, era um participante
ativo de todo o processo, desde o inicio das discussões a respeito do tema na SEPAF à
contato com as famílias com histórias de abuso sexual infantil quanto como
fenômeno, através de um olhar que investiga o que “está por trás” daquilo que emerge
Este tipo de informação não é apenas colhido, mas construído, uma vez que o
relações com seu tema de estudo, com os sujeitos participantes da pesquisa e com o
interpretativo, não como uma “camisa de força”, com categorias rígidas e pré-
de sujeitos estudados, mas sim a qualidade de sua expressão, que adquire significado
55
informação que aparece nos momentos informais da pesquisa são bem vindos e fazem
(González Rey, 2002). Muitas vezes são nessas situações que estão os saltos
de um determinado fenômeno.
pesquisador “não só participa nas relações, mas produz idéias à medida que surgem
um processo que o conduz a novos níveis de produção teórica” (p. 57). Associado a
propicia seu envolvimento, realizando construções implicadas nos diálogos nos quais
Reconhecer esse fato é essencial para atuarmos de forma mais aberta, direta e honesta
de reflexão sobre as questões da intervenção nos casos de abuso sexual, do qual fiz
parte desde o princípio. É importante ressaltar que esta pesquisa faz parte de um
justiça.
etária entre 29 e 40 anos de idade e com uma média de três anos de trabalho na
Sobradinho), uma na SEPAF Sul (Fórum Taguatinga) e três na SEPAF Centro (Fórum
pelos Juízes, no entanto apenas uma das profissionais não havia, até o momento da
pesquisa, atendido um caso com história de abuso sexual infantil. Entre todas as
participantes havia apenas uma psicóloga que tinha cerca de seis anos no TJDFT,
informações que pudesse propiciar uma discussão e reflexão do grupo, além de uma
5
Incluindo a mim mesma
58
dados grupais que refletem a noção coletiva, compartilhada e negociada pelo grupo.
forma de favorecer o bem estar dos sujeitos que participam da pesquisa, mas é fonte
sobre sua fala (Szymanski, 2002). Ela tem como objetivo suscitar informações
qualitativas bem como conduzir um diálogo para que o tema em questão seja
na fala do pesquisador, pode voltar para a questão discutida e articulá-la de uma outra
2002).
grupo focal reflexiva6, constituída por dois momentos diferentes. Foi no segundo
6
Essa denominação foi dada por mim, ao combinar a entrevista reflexiva, que é geralmente realizada com
uma pessoa ou com uma família, com a entrevista de grupo focal.
60
focal reflexiva pode ser considerada uma pesquisa-ação, uma vez que para Barbier
ação.
2.2.4 – Procedimentos
o tema do abuso sexual infantil e com os inúmeros casos que passaram a chegar no
Serviço com essa temática, foi proposto à equipe um projeto de pesquisa que pudesse
SEPAFs Norte, Sul e Centro (ao todo 18 profissionais na época), em uma reunião de
equipe. Nessa ocasião, foi feito um convite a equipe e foi pedido àquelas que tivessem
para agendarmos as entrevistas do grupo. Além disso, cada SEPAF ficou com uma
focal foi realizada. Foi pedido o consentimento oral das participantes para que a
tipos de casos. Esse encontro foi dividido em três momentos: o aquecimento, a partir
institucional do mês de Julho e das agendas lotadas das profissionais. Apenas uma
convocada pela direção a realizar uma atividade considerada prioritária para o Serviço
naquele momento.
posteriores.
63
Para González Rey (2002) o significado dos indicadores não se define pela
aplicação.
quais levei para a reflexão grupal na segunda entrevista. Essas dimensões orientaram
“Ai meu Deus, e agora?”; Conhecer, refletir e ter fé; Do caos à dúvida, da dúvida à
Optei por realizar a análise das duas entrevistas em separado, uma vez que
expressas de forma mais reativa ao tema, sem uma maior elaboração por parte das
profissionais. Essas emoções são mais primitivas, o que implica uma forma de
perdida, sem rumo, sem saber para onde ir e o que fazer nos casos de abuso sexual
infantil:
imenso sem saber exatamente que rumo esse barco deve ir, pra que lado, sul norte,
desilusão, chegando a ser expressas por dores e indisposições corporais como dor de
houve abuso ou não, angústia pela responsabilidade do trabalho, angústia de ter que
67
fazer tudo em pouco tempo, angústia pelo sofrimento da criança, vítima do abuso.
Para Teubal (2001) a angústia do profissional que lida com abuso sexual infantil
decorre muitas vezes da sensação de estar escutando algo que não deveria saber,
refletir uma insegurança de não saber o que fazer diante da denúncia de situações
abusivas na família.
que eram também expressas por gestos e expressões faciais durante a entrevista, como
entrevista foi aos poucos se dirigindo a porta da sala de forma que, ao final da
da porta e voltada para a saída, como se estivesse apenas esperando um momento para
sair da sala. Esse incômodo das profissionais em relação ao tema decorre bastante da
emoções que Maturana (1997, 2001, 2002) define enquanto disposições corporais que
constituem os espaços de ações dos sujeitos, pois não existe ação humana que não
Raiva, indignação, mal estar, desânimo, medo e angústia são emoções que
fundam o domínio da ação da profissional que lida com famílias com dinâmicas
impulsionar a profissional para uma ação, pois o sujeito só interage se algo o mobiliza
(Maturana, 2001). Se não há uma emoção que funde ou defina uma ação e possibilite
uma interação, o sujeito não implica o outro em sua convivência, não estabelecendo
uma relação. Para Maturana (2001), são as interações recorrentes entre as pessoas ou
uma disposição corporal que aceite o sistema familiar e seus membros em sua
ação possibilitada pelo medo fosse a fuga. Existe um leque de opções de ações e
direcionados por uma determinada emoção. Mas é possível se refletir diante das
partindo do pressuposto de que essa interação já foi promovida e constituída por uma
emoção.
69
paralisia, dificultando a intervenção nos casos de abuso sexual. Esse estado pode levar
fora-do-comum, ela pode se fechar para essa perturbação externa para não ser
evitar as interações que levam a esse mal estar, propiciando a negação, a minimização
profissional perde o sentido da sua relação com o trabalho, não se importando mais
com as pessoas e qualquer esforço lhe parece inútil. Isso caracterizaria um nível maior
profissional que lida com famílias com situações de abuso sexual infantil é uma
70
sensação desagradável, e propicia ações para diminuir a sensação de mal estar, quase
que em algum momento entram em contato com ela. Se o processo de anestesia tem
que vai atendendo tais famílias, como se passasse a se acostumar com o mal estar e
desconforto do tema:
“Então, assim, eu acho que a gente vai se anestesiando um pouco pra tentar
lidar com o agressor... a gente vai minimizando a coisa né, apesar da gente saber que
é horrível.”
lidam com o abuso sexual infantil, motivando ações para a interrupção do circuito
abusivo:
“Eu não sei se poderia dizer que a minha indignação, é uma coisa assim,
Para Ravazzola (1997), são essas emoções de mal estar, indignação, raiva,
propiciam a atuação e intervenção nesses casos, permitindo que se fale em voz alta
sobre essa violência, que tende a ser mantida em silêncio e segredo. Essas emoções
71
re-ação (de tentar alguma ação diferente) que possibilite a interrupção do abuso
discursos enquanto profissionais nos casos de abuso sexual infantil. Para Ravazzola
(1997), recuperar esse mal estar é um ponto de partida imprescindível para produzir
sem saber exatamente que rumo esse barco deve ir, pra que lado, sul ou norte, aonde
esse barco deve chegar. Às vezes vem a sensação assim, cabe a mim, ou, é
assim, de fazer esse barco ir pro rumo certo, pro destino certo, pro destino que lhe
cabe.”
assistentes sociais que ali realizam suas atividades profissionais, devido a seu
está desvinculada dos processos históricos de cada uma das profissionais, das famílias
Justiça, instituição TJDFT) como a subjetividade social vai conter as crenças e valores
para uma mais complexa, dinâmica e sistêmica. Como todo processo de transição,
ambigüidades sobre não somente a atuação dessas profissionais como também de sua
importância na instituição.
73
tem que investigar se houve mesmo o abuso sexual, se o fato é verídico, e assegurar
“... agora, existe sim uma preocupação de você fazer uma afirmação, né, a de
que houve um abuso. Acho que a gente sempre vai ter que falar que houve, que há
sociais da SEPAF.
emocionalmente entre eles, o que configura sentidos muitas vezes contraditórios entre
trabalho bem feito, quase que perfeito, muito além das capacidades de qualquer
profissional:
É assim, uma sensação de impotência, você pode fazer então vamos fazer até
onde dá, mas a partir daí fica aquela sensação assim, meu deus e agora?... É uma
sensação de, eu posso fazer alguma coisa mas é tão pouco perto do tudo que essa
família precisa, então essa coisa que invade a gente assim, de impotência mesmo, de
sei lá?”
75
suas crenças, valores e mitos para assegurar-lhes algum norte para sua ação
que de alguma forma possa incluir as duas dimensões explicativas acima descritas
sensação de fracasso, pois não têm como serem cumpridas todas as exigências e
dar conta”.
Por outro lado, essa necessidade de ter que lidar com tudo, uma crença na
dificuldades que enfrenta (Pereira, 2003). Além disso, mantém a crença de que não só
os membros da família não dão conta de resolver suas dificuldades como também
situação, uma vez que percebem a família e outras instituições incompetentes para
psicólogos e assistentes sociais para poderem trabalhar com o abuso sexual infantil.
entra em contato com essa realidade uma formação especifica, tanto a partir de
não são adquiridos nos anos de Universidade, o que leva a maior parte dos
profissionais que passam a trabalhar com a questão da violência e abuso terem que
buscar uma capacitação posterior para poder trabalhar. Acrescido a esse fato, não
existe uma política de capacitação da instituição nessa área para os profissionais que
pessoal ou até do Serviço para que a capacitação na área da violência sexual seja
realizada.
todo. Mesmo diante de dois cursos pontuais e grupos de estudo com a temática da
77
violência, foi apontado que o medo e a insegurança nesses casos decorrem da falta de
“Porque eu fico, assim, insegura com o que pode acontecer estando nas
minhas mãos, sem essas condições de tá assim realmente, por falta de estudo, por
falta, né, porque é uma coisa que eu tenho que estudar, não tem jeito, ninguém nasce
Ao mesmo tempo, elas afirmam que esse conhecimento, tanto teórico quanto
algo que não possuem ou é incipiente) são recursos importantes que auxiliam no
trabalho com famílias com história de abuso sexual infantil. Elas contam basicamente
(Maturana, 2001).
“Acho que uma coisa que pode ajudar é a coisa da experiência também...”.
78
conhecimento poderia assim, eu mesmo tenho que me analisar, porque eu não sei,
mas penso que poderia está relacionado com alguma situação que eu passei, uma
“...eu sempre orei muito por eles, eu sou uma pessoa de muita fé, então
evoca.
79
no decorrer de seu trabalho (Furniss, 1993, Ravazzola, 1997, Antoni & Koller, 2001,
Mahoney, 1997). Ravazzola (1997) aponta inclusive que são os profissionais mais
diretamente com famílias com dinâmicas abusivas nas instituições, jovens motivados,
porém com poucos instrumentos para produzir benefícios e para auto defender-se dos
com a violência de forma que o trabalho seja eficiente e contribua para a interrupção
do ciclo abusivo.
A equipe que trabalha com violência familiar tem que ter uma intervenção
outros profissionais e debater são ações que contribuem para o entendimento e para
pessoal e individual, em que cada uma das profissionais decide a partir de uma
demanda pessoal, buscar ajuda terapêutica ou teórica para auxiliá-la em sua prática.
80
prática para lidar com o abuso sexual infantil. Para isso, é necessária uma
precisa fazer parte de uma consciência institucional e dessa forma abrir um espaço
definitivo e garantido.
“Por que eu sinto assim, e daqui, eles vão sair daqui e, será que o juiz vai
determinar, será que ele vai seguir a nossa sugestão de que esse pai seja afastado
desse filho? Será que o juiz vai entender que isso precisa de uma denúncia do
Ministério Publico, será que o promotor vai estar lendo e vai está apresentando a
institucional, ou seja, de qual seria o seu papel em todo o trâmite processual da ação
judicial.
acreditam desempenhar em seu trabalho: papel social de apoio à criança e sua família,
81
tem a função de dar acesso a políticas sociais, prestar serviços, cuidar e proteger,
judicialmente os autores das violações dos direitos, proteger a sociedade e fazer valer
Nannini, 1997; Cirillo e Di Blasio, 1991; Furniss, 1993; Thouvenin, 1997). Cirillo e
Di Blasio (1991) afirmam que faz parte do papel do psicólogo e do assistente social
integridade física e psicológica da criança possam ser tomados. Para estes autores, o
instrumento clínico para se conseguir um diálogo com a família que de outra forma
seria inalcançável.
Para Thouvenin (1997), o psicólogo tem que escutar a vítima de abuso, apoiá-
la e pensar em sua proteção, além de ter que se posicionar diante da obrigação legal
específica dentre as várias atuações que são necessárias no processo judicial, desde
antes da ação ser ajuizada no Tribunal. Cada uma dessas instâncias ou serviços tem
trabalhos, sem a qual os casos de abuso sexual infantil muitas vezes ficam sem uma
dentro da instituição, não conseguindo muitas vezes situar o seu trabalho dentro da
ainda vão acontecer outras (outras petições, audiência, julgamento, sentença) das
figura, e levasse ele até um porto, mas aquele não é o destino final, ainda tem muita
coisa pra ser feita pra aquele navio andar, e eu não vou saber se foi, se não foi, se
apresentam-se desconectadas, onde cada um faz a sua tarefa sem ter muitas vezes
todo. Parece que existe uma cultura de desconexão, como Pakman (1999) define,
onde a prática é pautada por uma cegueira a questões sistêmicas mais amplas, não
esse autor, essa desconexão se expressa como uma inabilidade de fazer pontes
envolvidos no processo.
Justiça e que se reflete nos serviços psicossociais, o que torna mais complexo ainda a
infantil fazem parte de uma mesma rede, embora tenham funções diferentes (Faleiros,
2003). Como eles tendem a atuar de forma fragmentada e paralela, com pouca ou
profissionais compreendam não só o que fazem, mas também quais os efeitos que
suas ações tem sobre o trabalho de outro profissional e sobre a direção geral da
se a gente tivesse um apoio na rede social maior. Assim, fosse melhor estruturado de
atendimento a essas pessoas, não só no hospital não, sabe, na delegacia, eu acho que
sabe.”
das profissionais da área da psicologia e do serviço social que pode propiciar uma
infantil podem ingressar na Justiça por diversos caminhos, entre eles por uma Ação
Criminal ou por uma Ação de Família (ou por ambas), um conhecimento mínimo
sobre as diferenças processuais entre essas Ações é necessário para perceber em que
próprias e trâmites específicos para a finalização da ação: uma Ação Criminal precisa
85
comprovem o crime, o que não ocorre em uma Ação de Vara de Família. Saber onde
reflexão.
contexto institucional maior onde nossas ações estão inseridas aumenta a pressão
equipe de profissionais que, da mesma forma, acaba se sentindo sozinha tendo que
profissional da SEPAF é visto como algo negativo, uma “batata quente”, que gera
sofrimento a todos os envolvidos, que revitimiza a criança por ela ter que falar
inúmeras vezes sobre o abuso sofrido, que “desprotege a criança tentando protegê-la”,
“É uma coisa assim, ai meu Deus, às vezes é melhor não ter tido denúncia, ou
ter resolvido separar, sem processo, porque a família vai ter que falar mais de
quinhentas vezes, a família vai ter que vir ao fórum mais de duzentas vezes, não sei”.
criança, porém somente quando se consegue integrar as ações, inclusive com outras
poderem ser encaminhados para atendimento na rede como um fator que gera
da articulação dos atores e organizações para uma ação mais conjunta e integrada.
tranqüila e segura, a profissional precisa ter certeza, saber que o abuso realmente
ocorreu. No entanto, como elas mesmas afirmam, a situação do abuso sexual nunca
de ser comprovada:
“Acho que a gente nunca vai poder afirmar com todas as letras que houve o
abuso”.
“Eu acho que o trabalho em dupla, eu acho que auxilia, o fato de você está
sensação de alívio por parte das profissionais diante do mar de incertezas, angústias e
e sobre tudo o que envolve a sua intervenção, tem a ver com o profissional, aquele
que observa, aquele que explica. O seu explicar vai depender de sua subjetividade, do
que aceita ou não e das emoções envolvidas nesse aceitar (Maturana, 2001). Como
discutidos, pois o olhar técnico do outro é essencial para a análise das dificuldades
encontradas na relação com as famílias (Campos, 2001). É notório que sempre existe
mais a se ver daquilo que é visto por alguém, várias versões diferentes sobre uma
Por outro lado, essa mesma instituição judiciária foi considerada lenta,
pouco espaço de tempo (prazos de 20, 30 e 45 dias), com falta de recursos materiais e
reduzida, isso é um fator que, é um atrapalhador, que a instituição parece que está
“Mas nessa situação me angustia muito ter que cumprir um prazo, ter que
cumprir uma forma de atendimento e dar conta de tudo aquilo que vem pra gente, é
muita coisa”.
O maior entrave apontado foi o prazo em que é exigido que se realize o estudo
psicossocial dos casos de abuso sexual. Esse prazo pode ser estabelecido pelo Juiz ou
pelo Serviço e segue uma concepção de maximizar em menos tempo, uma vez que no
“...claro que existe angústia do mar, sem rumo, sem bússola, a bússola pra
como alguém desprotegida, indefesa, que necessita de um adulto que a proteja ou que
atribuem para si esta tarefa de proteção e atenção à criança que está nessa situação de
risco, gerando angústia caso não consigam suprir essa expectativa de proteção e
90
evitação da situação abusiva. Parece que existe uma identificação maior das
profissionais com as crianças vítimas de abuso, o que faz com que se mobilizem
Essas emoções constituídas na relação com a criança são fundamentais para que haja
que a criança diz ou faz durante o estudo psicossocial o que dá segurança às ações
técnicas, sendo que o que ela fala é sempre considerado uma verdade. Nesse sentido,
uma das entrevistadas falou sobre casos de abuso atendidos por ela:
tendo que ser protegida, é ela, suas atitudes, expressões emocionais e fala, que
como vítima. Na fala das entrevistadas, a criança se apresenta como a única, entre os
91
atores das situações de abuso sexual infantil (pai, mãe, entre outros) que tem um
papel, uma função ativa no processo judicial, orientando as ações dos profissionais.
diálogo com ela. Isso nem sempre ocorre em nossa sociedade na qual a criança é
“Eu acho que o sentimento das crianças deve ser justificativa suficiente para
Vargas (1999) aponta que nos casos de crimes sexuais, como os exames de
percebe uma menor credibilidade por parte dos profissionais, operadores do Direito,
revelações verbais e não verbais das vítimas, negando evidências e sinais, em nome
permite que a palavra da criança, tão abafada e desqualificada, se torne uma palavra
social, iniciando assim um processo sócio-jurídico que traga soluções para a situação
percebeu-se que é a criança que sofre violência sexual que dá sentido ao processo
relação com a criança não acontece, pois é ela quem fornece credibilidade, segurança
contato com a criança que a profissional constitui o sentido para o seu fazer, para sua
ação.
pouco no contato com a criança, uma vez que é na relação com ela que se torna claro
está deprimida, se ela está abatida, tudo o que acompanha a fala da criança, eu não
tenho tanto receio assim de dizer (que houve abuso). Porque aí, naquele momento, é
93
como se eu soubesse, não, é pra lá que esse barco tem que ir, então agora eu vou com
segurança”.
assim precisa julgar e punir para apaziguar sua angústia. Quando há a presença da
criança, é na relação com ela que a profissional restabelece uma coerência interna
consigo mesmo num papel protetivo que corresponde mais a um ideal de Justiça e um
que a fala da criança seja repetida e exposta diversas vezes, criando um contexto de
Costa, Penso, Gramkow, Santana & Ferro, 2003; Santos, 2002). Assim, existem
reflexões e iniciativas no sentido de que a criança fale sobre o ocorrido apenas uma
gravada e seja considerada como prova material em todo o processo. Essas reflexões
ajudam a resolver a questão da revitimização da criança, mas se ela não for mais a
questão da revitimização?
3.1.7 – Os Coadjuvantes
indignação, entre outras. Pela identificação com a criança, o contato com essa
“Eu não conseguia me dirigir a pessoa (ao pai abusador), a ele enquanto
pessoa”.
“E, assim, o sentimento, o que eu senti assim, foi assim, inconformação com a
situação e raiva até de estarem fazendo isso com pessoas indefesas né... é como se
potencial ofensivo, nas suas faltas enquanto adulto que deveria proteger a criança, um
necessárias para que haja uma maior tranqüilidade para as profissionais e menor
95
sensação de frustração diante do trabalho com famílias com dinâmica abusiva são a
resolubilidade das situações de abuso sexual infantil não se esgota com a prisão e
punição dos acusados (Faleiros, 2003), mas também na defesa dos direitos e o
protegeu, que permitiu de alguma forma que o abuso se perpetuasse. Ela é vista numa
situação semelhante ao pai, sendo cobrada por sua falta, o que gera angústia no
profissional.
“...vou ficando angustiada por causa da mãe, de não saber, de pensar que não
enquanto vítimas da situação. Essa não identificação com a mãe talvez decorra do
estabelecem uma cultura institucional que reflete a cultura ocidental, pautada por
forma, essas percepções das profissionais refletem essa cultura institucional em que as
emoções que perpassam as relações com os pais e mães de famílias com situação de
primeira entrevista, as profissionais foram revendo suas crenças, seus conceitos e suas
‘insights’ a respeito dos atendimentos aos casos de abuso sexual infantil. Algumas
relato de uma das profissionais entrevistadas de como o grupo a tinha ajudado em sua
prática, fazendo-a refletir sobre algumas questões ainda nebulosas para ela e
modificando a sua atuação. Contou que, após a primeira entrevista de grupo focal,
sentiu-se mais segura para “escutar” a criança, ficando claro para ela a ocorrência do
abuso sexual, o que se refletiu no parecer técnico. Nesse caso, soubemos pelo retorno
da sentença do Juiz que o parecer técnico foi claro, bem elaborado e o suficiente para
abuso. Durante a segunda entrevista, esta profissional relatou ao grupo o que ocorreu:
“Depois que a gente teve o primeiro grupo eu fiquei muito na cabeça com o
seu relato, daquela menina, do avô, aí depois eu atendi um caso com a L. que a
criança ela teve, uma criança de três anos, o atendimento foi muito impactante ... foi
o meu relatório mais claro de dizer que eu tenho certeza que seja abuso sexual dessa
menina, sabe por que sempre eu fico assim não, pensa numa coisa ou outra, que pode
ser que não, não tenha tido, e esse não, foi o caso mais claro pela forma como essa
criança agiu.”
98
angústia, permitindo a elas olharem para si mesmas através dos olhos das outras
(Pakman, 1999). Segundo Afonso (2003), para que o processo de reflexão seja
expandido para uma elaboração, o grupo tem que produzir ‘insights’ sobre sua própria
experiência a partir de sua reflexão e articular essa reflexão aos conflitos e realizações
relação que proporcionou que elas avançassem de uma experiência emocional mais
elementar e primitiva, centrada no eu, para uma visão mais ampliada de suas relações,
ações (Maturana, 1997). É na relação consigo mesmo e na relação com o outro que
práticas.
Todo esse processo parece ter sido estimulado pela metodologia de entrevista
de grupo focal reflexiva. À medida que se propõe a realizar uma pesquisa para
implicando um enfrentamento dos sujeitos com essa realidade (Freire, 1976). Esse
99
questionamentos e problemas.
(Freire, 1976). Dessa forma, a reflexão visaria possibilitar mudanças que privilegiem
proteção e escuta, e uma prática reflexiva, aceitando o outro como legítimo outro na
medida em que é reflexivo, crítico e tem como um dos objetivos ampliar nossas
sermos representantes alienados de ‘scripts’ que nos são escritos (Pakman, 1999).
emoções que fundam o domínio da ação profissional”, “Ai meu Deus, e agora?”,
“Conhecer, refletir e ter fé” e “Do caos à dúvida, da dúvida à confusão” surgiram em
entanto, essa dualidade apresentou-se de forma diferente: não mais como algo externo
à profissional, passível de condenação ou aprovação por sua parte, mas como algo
interiorizado no seu próprio papel profissional. A instituição não era mais vista como
algo externo, mas estava “dentro” das profissionais, constituindo também sua
subjetividade e seu sentido profissional. Assim, como González Rey (2003) afirma, as
elas na equipe e consigo mesma, suscitam emoções que fazem parte da constituição
medida em que se participa desse contexto e se está inserida nele. Dessa forma, ao
sua intervenção, possuindo uma polaridade na própria execução de sua função. Esta
contradições e paradoxos:
acho que isso amplia, porque ela veio aqui para buscar proteção também, não só a
elaboração do sofrimento e tudo, mas ela veio para que pudesse haver um ponto
101
final, ou uma definição, uma resolução com relação a situação que ela está
vivenciando. Agora quando se fala assim também que suscita uma coisa de proteção,
além de ser pelo fato que a gente está na instituição, representando a instituição,
então automaticamente eu me sinto assim como se eu estivesse ali mesmo para fazer
isto.”
mas também o papel da Justiça, da instituição em que trabalham. Para Freire (1976), a
sujeitos com suas realidades. Essa mudança de percepção implica uma apropriação do
contexto, uma inserção nele, o que parece ter ocorrido com as profissionais a partir do
uma relação dual para uma relação de integração e ao ocupar emoções diferentes
“É muito difícil a relação com a família quando a gente não tem perspectiva
mesmo né, de um apoio externo, mas quando a gente vê que existe uma perspectiva
de apoio da família né, de querer ser ajudada, acho que a relação fica um pouco
confusão uma vez que tem que considerar, ao mesmo tempo, o psíquico, o social e o
psicológico ou social fora da Justiça, o que traz mais tranqüilidade e segurança. Mas
autoridade que a Justiça lhe outorga e pela qual a família a percebe. Isso pode ser
assunção desse paradoxo não resolve o paradoxo, mas permite que se reflita sobre ele,
desses pólos e do movimento de oscilação entre essas duas funções, o que vai exigir
dos procedimentos dos serviços e setores que atuam no processo de casos de abuso
104
“Está em outra limitação que você estava falando né da, do seu atendimento
sabendo de você mesmo e com a instituição que não oferece nada além e aí me veio
uma coisa com a nossa sociedade mesmo assim, o Brasil ele não tem recurso mesmo
jurídicos, mesmo a gente fazendo o nosso trabalho, a gente ainda está fazendo em
(Maturana, 1997).
com o humano e sua qualidade. Perpetua-se assim, como Pakman (1998) afirma, a
105
famílias se refletem nas relações institucionais, uma vez que também são pautadas
pelo mesmo emocionar de nossa cultura de apropriação, competição e poder. Isso gera
instituição leva muitas vezes a uma apatia, justificada pela carga de trabalho existente,
coloca como uma das prioridades de serviço à população, uma vez que o Tribunal
“não é a nossa casa (dos psicólogos)”. As pressões, vindas dos juízes, das chefias, dos
e aos juízes.
sistema (instituição), que ao mesmo tempo tem uma força conservadora, produtiva de
códigos institucionais, que mantém a ordem e a estabilidade, e uma força que gera
instituído e este não seria funcional se não estive aberto à potência instituinte
(Baremblitt, 1994).
acreditando que as “coisas poderiam ser diferentes”. Surgem da antiga ordem como
grupo reflexivo sobre a sua prática reflete esse momento de mudança e a dialética
grupo reflexivo é proposto e legitimado tanto pela direção quanto pela corregedoria
É difícil priorizar essa reflexão em um contexto que, qualifica, mas não prioriza o
institucional:
107
ali, ah, bate e volta. Então eu sinto a gente até contribui para desmistificar com as
esferas aqui de baixo, mas aí ainda precisa chegar na lá em cima, para a instituição
interventiva quanto reflexiva, na medida em que ela ocorre nas relações estabelecidas
“... eu acho que a criança desperta na gente a nossa criança interna. Porque
todas as vezes que eu vejo uma criança numa situação em que ela está indefesa, é
como se eu me identificasse com ela, ficar indefesa realmente, não ter ninguém com
quem contar, saber que de repente tem um adulto que poderia estar contando com
ele, mas aquele adulto pode se esquivar de fazer alguma coisa, eu me sinto assim
compreensão sobre a função da criança na relação com elas e de como essa função, de
108
forma ela sente angústia, ansiedade e confusão diante da relação com a criança e com
fazendo ressurgir muitas vezes seus próprios medos infantis ou vivências próprias de
da SEPAF, ser composta somente por mulheres tenha uma participação importante no
culturais nesse sistema atribuem mais valor ao masculino que ao feminino, atribuindo
distintos níveis hierárquicos para homens e mulheres dentro das organizações sociais.
109
superior ocasiona danos ou prejuízos físicos e/ou psicológicos, por ação ou omissão,
em várias dimensões. É muito difícil uma pessoa de nossa cultura não ter vivenciado
esse contexto. É difícil uma mulher em nossa sociedade não ter vivenciado algum
violência, seja na família, na escola, na rua, no trabalho, etc. Assim, o contato com a
criança, faz ressurgir sua própria vivência de vitimização, atualiza seus abusos
entre outros, que podem muitas vezes levar a profissional a negar o que ocorre ao
outro, mantendo o silêncio e o segredo, ou “não vendo o que se vê”, como forma de
proteção. Assim, como Nogueira & Pereira de Sá (2004) destacam, é necessário que
vez de serem tratados como elementos ou forças que nos paralisam ou que impedem
que ele ocorra” (p. 97). Ao identificar e reconhecer essas emoções, a profissional dá
voz ao seu próprio sofrimento e dessa forma pode dar voz e escutar o sofrimento do
outro. Se nós profissionais não nos escutamos ou negamos nossas vivências, corremos
110
preciso um processo de autoconhecimento para poder dar conta do abuso vivido pelo
esses limites, tentar assim, eu não posso me envolver completamente porque senão eu
não dou conta de fazer o trabalho, eu vou sofrer muito, mas também se eu sair e
olhar que nem um médico de fora né, que eu já estou ficando acostumada com aquela
coisa, também não vou me vincular e não vou conseguir fazer o trabalho né”
a compreensão da situação e acolher o sofrimento desta, mas ela também precisa sair
que essa relação emerge, corremos o risco de nos envolvermos em nossos sentimentos
Nessa segunda entrevista, a percepção com relação à pessoa que comete abuso
sexual é ampliada, saindo de uma discussão periférica para um dos focos de reflexão
situação de abuso sexual não só vivencia emoções ditas ruins ou negativas em relação
alguém próximo afetivamente (pai, padrasto, avô, por exemplo) (Perrone & Nannini,
entrevista:
112
“Eu já consegui empatizar com vários abusadores, sabe assim, eu não acho
que eu não tenha uma resistência, de nossa aquilo é uma coisa horrível, é um
monstro que está na minha frente e não conseguir entrar, criar um tipo de vínculo
com ele, não acho isso. Eu consigo tentar em várias situações (risos) O coitadinho, já
né! Nossa história complicada de vida, é uma coisa que ele podia ter, não ter tido
passar por isso, devia ser assim, não, mas né. Achar um criminoso, eu acho que eu
que nem sempre chega a acontecer, mas eu vejo assim uma dificuldade pelo menos
em mim, apesar de conseguir enxergar essa pessoa não como uma criminosa né”
monstro, ele era extremamente ignorante, o próprio M., super doente mesmo sabe,
ele não tinha noção, a mínima noção do que aquele ato tinha de significado, da
paradoxal com este, em que em alguns momentos ele é visto enquanto um criminoso,
discussões grupais, a elaboração dos sentimentos e das relações com o abusador pôde
ser ampliada. Assim como ocorreu com relação à instituição, as profissionais saíram
asco, medo, desconfiança, raiva, entre outras, para uma relação profissional e
113
profissionais saem da visão única de culpado e criminoso, ampliando para uma visão
notar que, apesar do paradigma teórico e prático das profissionais ser o sistêmico,
“Esta é a diferença que a gente pode fazer entre considerar ele um criminoso,
patológico, mas saber que tem uma família por trás, tem um contexto social por trás,
um contexto cultural, geralmente quem vem de uma sociedade super machista, acha
que tem o domínio sobre a criança, sobre a mulher, tem tudo isto, mas ele pode dar
resolução da situação de abuso passa somente pela prisão dos acusados é difundida
pela opinião pública e compartilhada por muitos dos teóricos e profissionais que
114
lidam com essa problemática. É muito difícil, em virtude do nosso contexto sócio-
incomoda, agride e revolta a maioria daqueles que lidam com essa situação. No
entanto, a justiça não pode ser realmente feita se seus profissionais abarcam apenas
porque a não atenção ao agressor, tanto na questão legal da punição quanto da questão
continua a relacionar-se com seus filhos ou outras crianças, sem uma compreensão ou
que o ato de violência possa ser resgatado e ressignificado (Selosse, 1989; Costa,
Penso & Almeida, 2004), fica difícil promover uma ação reparadora da violência
cometida, para todos os envolvidos. A pessoa que abusa sexualmente de uma criança
e/ou adolescente precisa compreender seu ato (ou atos), sua situação em relação aos
limites e fronteiras familiares e sociais, e introjetar a noção de falta, erro e crime. Esse
terceiro que tem força simbólica da lei (Selosse, 1989) e pela Psicologia e Assistência
reparação, o agressor perde a oportunidade de passar por esse processo e retorna para
adolescente.
violência, aquelas que sofrem a violação, seus perpetradores e a família, são vítimas
psicossocial das instituições competentes (Costa, Penso & Almeida, 2004). Sem isso,
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
fechadas.
vem se estabelecendo aos poucos, firmando sua importância e sua necessidade para
uma Justiça mais democrática e humana. Nas questões de família, essa importância é
dimensões, muitas vezes apenas o acordo ou a sentença judicial não tem condição de
sujeito na relação. Estar atento, reconhecer nossas emoções constituídas nas relações
com famílias com histórias de abuso sexual infantil e aceitar que elas existem em
Isso facilita o contato mais atento com a realidade e permite que se ofereça à criança
Sá, 2004).
Como Elkaïm (1996) destaca, o que sentimos se relaciona conosco e com a nossa
Com uma posição bem semelhante, Maturana (1997) aponta que nós só nos
você só se preocupa com o outro se esse outro faz parte de seu domínio de
118
profissional, não podem ser limitados a ela e ao seu passado, mas também se referem
ao sistema em que ela participa. Elkaïm (1996) afirma que esses sentimentos têm uma
utilidade e uma função para o sistema do qual o profissional participa. Este autor
sua experiência, mas também se vincula ao presente e a função que esses sentimentos
lembrarmos que as emoções suscitadas pela criança, pelo agressor e pela família são
constituídas na relação singular com cada uma das famílias atendidas e se referem a
essa relação, a esse sistema, naquele contexto. As emoções apresentam “um sentido e
uma função ligados ao próprio sistema em que emergem” (Elkaïm, 1998, p. 322).
recurso que o terapeuta tem é a si mesmo. A partir dessa concepção, devemos sempre
119
nos perguntar sobre nosso papel nos sistemas em que atuamos, seja na família, na
mudança do sistema. Temos que perceber nossas emoções, como elas são constituídas
emocionar.
ao outro, sem negá-lo, e para me fazer responsável pelas minhas emoções preciso
preservado e incentivado para que a intervenção seja ética e tenha um sentido para o
e reafirmada pelo judiciário. É a partir desse espaço relacional que o sentido para o
120
trabalho se estabelece, portanto ele também precisa ser priorizado na Justiça para que
atuando em uma Justiça que vem crescendo em demanda a cada ano, aumentando o
numero de processos atendidos pela SEPAF), o que tem gerado pressões internas e
externas para que se mantenha uma produtividade dentro do prazo legal estabelecido
(tempo do processo). Essas pressões aos poucos têm acarretado uma primazia da
atuação psicossocial possa ser considerada efetiva, tanto os espaços de relação com a
profissional entrar em contato com a família, seus membros, consigo mesmo e com a
fundamental para uma intervenção eficaz e efetiva das situações de violência e abuso
sexual infanto/juvenil. Para que isso ocorra precisamos começar a construir espaços
121
que possamos compatibilizar e incluir as diferenças. Sem esse diálogo entre as áreas,
ver e nem acreditar no horror da situação que é desvelada sob seus olhos e ouvidos.
Ao mesmo tempo, esses sentimentos nos mobilizam para uma ação que interrompa o
abuso, mas também pena e empatia diante de alguém que também sofre. Ações de
tentando proteger, na medida em que é na relação com ela que se constitui o sentido
da ação psicossocial, em que ela precisa falar e repetir sua vivência de vitimização
enquanto sujeito, com suas próprias vivências de vitimização e com o direito de ter
A profissional está o tempo todo lidando com uma circunstância que promove
reações paradoxais. Não é uma situação em que ela vá encontrar respostas claras,
pacífica dos contrários. Isso precisa ser reconhecido pela instituição através de uma
momento em que possibilita uma qualidade na relação entre seus membros e espaços
desejo de lidar com essas situações de violência sexual infantil e com os sentimentos
que essa situação lhes suscita. Os recursos de apoio que o Serviço e a instituição
contextos aceitem se envolver nos sistemas de que fazem parte (Elkaïm, 1998). É
não aceitarem se envolver nos sistemas em que atuam e não estiverem disponíveis
Uma das questões levantadas pela pesquisa e que precisa continuar sendo
confusão dos papéis e discursos que perpassam as falas das profissionais revela um
(Santos, 2001b). Para este autor, esse processo de transição marcado por um ‘des-
125
Essa crise abre espaço para que se discuta e reflita sobre o papel da Justiça,
repensar tanto da Justiça enquanto regulação, assim como promove uma reflexão
regulação, sendo também um espaço de garantia e proteção dos direitos. Nos casos de
Costa, Penso & Almeida (2004) apontam, o Direito ajuda a ação psicossocial na
medida em que resgata o sentido reparador da desproteção das crianças nos sistema
contribui para a atuação da Justiça na medida em que amplia a noção dos atos de
Assim como Pearce (1996) aponta que o momento de transição gera sensações
sem uma definição e constituição clara da função psicossocial na Justiça, acredito que
da ação psicossocial nos casos de violência sexual infantil são outros aspectos
como um ser débil e incapaz, que necessitava de proteção e repressão para sua
adaptação social, para não se tornar delinqüente. Era considerado um sujeito passivo,
luta pelos direitos promoveram uma mudança na visão social e legal da criança e do
(sujeito social). Pela luta social, foi se construindo a visão da criança e do adolescente
consideração da criança como sujeito de direitos. Promove uma participação ativa das
jurídica, mas como Maturana (1997) aponta, também na dimensão social. Para este
forma de emocionar baseada no respeito, tolerância e inclusão. A forma como nós nos
relacionamos com elas, como vivemos com nossas crianças é “tanto a fonte como o
fundamento da mudança cultural” (p. 16). A criança precisa ser respeitada enquanto
relação. Para chegar a ser um adulto que se respeita e respeita o outro, vivendo como
precisamos estar atentos para construir contextos de intervenção que resgate esse
respeito pela criança e permita a ela vivenciar relações de legitimidade mútua. Se não
fizermos isso agora, enquanto ela ainda é criança, não haverá o futuro, pois a criança
não pode ser o futuro de nosso país se ela não for o presente.
129
não se conclui nem se finaliza nessas últimas palavras, considero, assim como Demo
trabalho. A conversação que foi proporcionada e que continua ecoando nas salas e
considero como uma das práticas importantes para manter a discussão e possibilitar
mudanças. Assim com Freire (1976) aponta, a consciência crítica não se constitui
permite rever nossos limites que unem e separam as práticas e discursos dentro da
de agentes sociais.
130
outros sistemas que entram em contato com essas famílias –escolar, assistência social,
trabalho.
ação reflexiva, uma vez que o processo de mudança dificilmente acontece sem uma
emoções que perpassam as nossas ações e assim podemos entender melhor o que
abuso sexual infantil. Acredito que, enquanto a criança é considerada a bússola que
orienta a direção desse barco, as emoções possam ser o vento, vento que se intenso e
forte pode afundar o barco, mas que se bem administrado e utilizado, pode fazer o
crescimento.
131
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ANEXO I
Luiz*, 35 anos, e Laura, 29 anos, foram casados por cerca de 10 anos, período em que
mantiveram um relacionamento conflituoso e permeado por agressões físicas e verbais.
Tiveram dois filhos, Marcelo, 12 anos, e Carla, 10 anos, que presenciavam as agressões dos
pais e inclusive participavam em alguns momentos das agressões, sendo Marcelo muitas
vezes agredido pelo pai.
Com a separação, Laura saiu de casa com os dois filhos, ocasião em que Marcelo
passou a visitar o pai nos fins de semana quinzenalmente. Após a separação, Luiz não teve
contato com Carla por aproximadamente um ano, até 1999, época em que passou a visitar
também a filha, levando-a para seu apartamento.
As visitas ocorreram normalmente até o final de 1999, quando, de acordo
com Laura, seus filhos não quiseram mais visitar o pai, sentindo-se amedrontados toda vez
que este passava para levá-los para visita, recusando-se a ir com ele. Após algumas
semanas, Laura escutou o filho conversando com Carla e dizendo que deveriam contar a
mãe o que tinha acontecido. Ao serem questionados pela mãe, Marcelo e Carla lhe
contaram que na última visita, o pai os submeteu a situações de abuso sexual, fazendo-os
assistir a filmes pornográficos, olhar o pai manter relações sexuais com outros adultos na
presença deles, forçando-os a ingerir substâncias tóxicas (cocaína e álcool) e mantendo
contatos de cunho sexual com a filha Carla. Laura diz que as crianças foram obrigadas a
manter segredo sobre esses acontecimentos, com a ameaça de que Luiz a mataria caso eles
contassem a alguém.
Desde então, os contatos entre Marcelo e Carla com o pai foram
interrompidos, o que fez Luiz pedir na justiça a regulamentação de suas visitas aos filhos,
negando que tenha cometido tais atos.
Luiz Laura
35 2
9
Marcelo Carla
12
1
0
*
osnomes foram alterados para preservar as identidades
139
ANEXO II
Roteiro da Entrevista
1- APRESENTAÇÃO
Esta é uma entrevista em grupo com o objetivo de levantar dados para uma
pesquisa que comporá minha dissertação de mestrado em psicologia clinica na
Universidade de Brasília. Esta entrevista tem como objetivo conhecer como vocês se
sentem, enquanto técnicas da SEPAF, ao atenderem famílias com historias de abuso sexual.
As identidades individuais serão preservadas.
Para isso, preciso do consentimento de vocês.
Serão feitas algumas questões destinadas para o grupo todo, com o objetivo
de estimular o dialogo entre os técnicos, que deverão conversar entre si, pensando nas suas
experiências com as famílias com historia de abuso sexual atendidas neste Serviço. O
dialogo será gravado e, posteriormente, transcrito. A primeira analise dos dados será
apresentada a vocês num momento posterior para reflexão e discussão.
2- AQUECIMENTO
Entregar para cada um uma copia do resumo de um caso de uma família com
denuncia de abuso sexual.
Ler em voz alta com todos acompanhando.
Perguntar: Que símbolo (ou imagem) vem à cabeça de vocês que
representaria seus sentimentos ao entrarem em contato com um historia dessas.
4- O que vocês fazem durante o estudo, para dar conta de realizar o trabalho? Que
tipo de ajuda interna e externa vocês têm ou buscam?
4- FINALIZAÇÃO
ANEXO III
Segundo grupo focal
Entrevista reflexiva