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14393/OBv1n1a2017-5  
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O rio de minha aldeia e os blocos de Sakharov:


formação de conceitos cotidianos e científicos no
“pensamento e linguagem” de Vigotski

The River of my Hamlet and Sakharov's Blocks: Formation of


everyday and scientific concepts in Vygotsky's "Thought and
Language"

Gisele Toassa1
Alciane Macedo Barbosa Pereira2

RESUMO   ABSTRACT    
A formação de conceitos foi a principal Among the higher mental functions studied by
função psíquica superior estudada por L.S. L. S. Vygotsky (LSV), the concept formation
Vigotski, gerando reflexões que têm exercido has been awakening the most vivid interest in
profundo impacto na psicologia e na psychology and education in Brazil since the
educação brasileira desde os anos 1970s. O 70’s. This theoretical article aims to
presente artigo teórico objetiva present/systematize a didactic synthesis of the
apresentar/sistematizar uma síntese concept formation as it is presented in LSV´s
didática do processo de formação de book "Thought and Language" (1934). This
conceitos segundo discute o autor em seu book reports collaborative research carried out
livro “Pensamento e Linguagem” (1934), by its author together with L. Sakharov and J.
como resultado de pesquisas colaborativas Shif. The present paper gives priority to the
por ele realizadas especialmente junto a L. presentation and discussion of examples by
Sakharov e J. Shif. Em sua estrutura, este Vygotsky, as well as elaborated by the authors
artigo prioriza a apresentação e discussão de of this work, when necessary to clarify LSV´s
exemplos do próprio Vigotski como também ideas. We address the following issues set out
elaborados pelas autoras deste trabalho. in "Thought and Language": (1) research
Para tanto, aborda os seguintes aspectos program developed; (2) the nature of the
expostos no “Pensamento e Linguagem”: (1) concept formation, and the generalization as a
programa de pesquisa desenvolvido; (2) a meeting point between thought and language;
natureza da formação de conceitos, tendo a (3) the strenghts and weaknesses of
generalização como ponto de encontro entre Sakharov’s method in the study of "artificial
pensamento e linguagem; (3) as concepts", in addition to its contributions to
potencialidades e limitações do método de the definition of stages (sincrets [sinkretov]
Sakharov no estudo de “conceitos artificiais”, complexes [kompleksov] and concepts
além de suas contribuições para definição [poniatii]) and phases of concept formation; (4)
                                                                                                                       
1
Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e Bacharel em Fonoaudiologia
pela Universidade de São Paulo (USP). Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela
Universidade de São Paulo (USP). Docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), Faculdade de Educação,
vinculada ao programa de Mestrado Acadêmico em Psicologia. Sua produção versa principalmente sobre a obra
de L.S. Vigotski. Realizou estágio pós-doutoral no Program of History and Theory of Psychology, York
University, com o auxílio de Thomas Teo. E-mail: gtoassa@gmail.com.
2
  Graduada em Psicologia (PUC-GO). Doutora em Psicologia Clínica e Cultura. Atualmente é
docente do Instituto Federal de Goiás, Campus Aparecida de Goiânia. Pesquisadora dos seguintes
temas: violência, família, infância, adolescência, Educação, Psicologia Escolar/Educacional e
Psicologia (Social) Comunitária. E-mail: alcianebarbosa@gmail.com.  

Obutchénie: R. de Didat. e Psic. Pedag.|Uberlândia, MG|v.1|n.2|p. 330 - 355 maio/agos. 2017 ISSN: 2526-7647 330
DOI: http://dx.doi.org/10.14393/OBv1n1a2017-5
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dos estágios (sincrets [sinkretov], complexos the formation of everyday and scientific
[kompleksov] e conceitos [poniatii]) e concepts as a single process, despite their
respectivas fases da formação de conceitos; similarities and differences. We briefly
(4) a formação de conceitos cotidianos e connect Sakharov´s results with Shif’s
científicos como processo único, a despeito research on "real concepts".
das semelhanças e diferenças entre ambos,
explorando também os resultados da  
Keywords: Scientific concepts. Everyday
pesquisa de Shif sobre “conceitos reais”. concepts. Historical-cultural Psychology.
Concept formation.  
Palavras-chave: Conceitos científicos.
Conceitos cotidianos. Psicologia histórico-
cultural. Desenvolvimento da linguagem.
Formação de conceitos.

 
1 Introdução

Este artigo pretende apresentar uma concisa síntese didática sobre a


formação de conceitos segundo o psicólogo russo L. S. Vigotski (LSV) e os
colaboradores de seu Círculo. Tal formação corresponde a uma generalização e
sua “formação a uma síntese complexa elaborada em relação com o meio social
nos quais se desenvolvem atividades dotadas de objetivo” (Toassa; Delari Júnior,
2013, p. 648).
A redação desse material de apresentação e breve comentário relaciona-se
à popularidade do debate vigotskiano sobre a formação de conceitos na educação.
Trata-se de uma das principais dimensões psicológicas do processo pedagógico,
tal como se tem estudado em nosso país. Essa popularidade é, curiosamente,
acompanhada por um acanhamento da produção acadêmica dedicada à
sistematização das ideias vigotskianas sobre o tema. Breve pesquisa no Google
Acadêmico com o descritor “formação de conceitos” e “Vygotsky/Vigotski” mostra
muitos artigos que o abordam (quase seis mil resultados em 30/06/2016), mas
focando variações particulares dos conceitos em certas áreas da produção de
conhecimento (como ciências biológicas, geografia, pedagogia) e mesmo
populações específicas em que se dá sua formação (crianças, portadores de
deficiência, adolescentes etc.).
Entretanto, cabe reconhecer que “Pensamento e Linguagem”, a principal
obra de Vigotski dedicada a explorar o tema, ainda traz importantes dificuldades

 
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de compreensão. O autor não chegou a revisá-lo em seu todo. Yasnitsky (2001,


p.65) aponta que os capítulos dois a cinco não foram escritos após 1930, enquanto
a Introdução e os capítulos um, seis e sete o foram entre 1933-1934 – resultando
em um estilo digressivo, marcado por certa desorganização e carência de revisão
final.
Elas se desdobram em confusões acerca dos diferentes níveis de formação
dos conceitos, no seu processo de desenvolvimento e metodologia para identificá-
los. O livro faz referência a outras sortes de estágios (caso dos estágios das
operações com signos, ou relativos aos diversos tipos de comportamento, como
instintos, adestramento e reações intelectuais), explorados com maior vagar em
sua principal obra dedicada às funções superiores, o “Historia del desarrollo de
las funciones psíquicas superiores” (VYGOTSKI, 1931/1995).
Estados internos, observações de objetos e outros seres humanos passam
ao âmbito do discurso (linguagem verbal), o principal meio cultural de
desenvolvimento, segundo Vigotski. Essa posição é radicalmente distinta da
piagetiana, na qual, segundo Vigotski (1934/2001, p.50-51): a linguagem não
modifica essencialmente nada nas vivências, na atividade da criança; trata-se de
mero acompanhamento com relação aos atos de inteligência. Outra diferença
fundamental: tanto conceitos cotidianos quanto científicos originam-se das
relações sociais que estabelecemos; é equivocado acreditar, da maneira como
discute Piaget, na existência de processos psíquicos infantis completamente livres
da influência do adulto.
Como foco de pesquisa, a formação de conceitos atrai a atenção dos
pesquisadores e educadores por muitos motivos: consiste em um processo longo,
estendendo-se da infância à vida adulta (diferente, por exemplo, do span de
desenvolvimento da percepção ou atenção, bem mais curto e concentrado na
infância), sendo uma “questão prática de imensa importância – talvez até
primordial – do ponto de vista das tarefas que a escola tem diante de si”
(VIGOTSKI, 2001, p.241). Mediante ensino-aprendizagem adequada, é na

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adolescência que se dá a gênese dos conceitos “verdadeiros” (ou científicos) em


termos de estrutura e conteúdo3.
Essas generalizações que apresentamos aqui atendem à psicologia geral de
Vigotski, ou seja, ao nível mais amplo de sua teorização (TOASSA, 2014b). Cabe
ressaltar que a psicologia do autor, constituída pelo materialismo dialético,
compõe-se como uma estrutura aberta, na qual as generalizações são sempre
relativas, e precisam ser feitas com muitos cuidados, sobretudo entre classes
sociais, culturas distintas dentro de um mesmo país, entre países diferentes etc.
Em nossa perspectiva, uma boa síntese necessariamente é geral,
desvelando as relações internas que constituem o conceito estudado no interior do
sistema conceitual no qual ganha sentido. Trata-se, pois, de síntese didática dos
aspectos principais da reflexão vigotskiana. Não realizamos análise acurada da
formação de conceitos como parte do programa científico da psicologia histórico-
cultural, aí incluindo a rede de relações do autor com seus colaboradores (o
chamado “Círculo de Vigotski”, ver Yasnitsky, 2009). A prioridade deste texto
será reconstituir a ideia de formação de conceitos a partir das contribuições do
método de Sakharov. Não nos propomos a debater o livro como um todo,
tampouco a explorar a fundamentação filosófica do ideário vigotskiano sobre a
formação de conceitos.
Focaremos neste estudo o capítulo 5, “Estudo experimental do
desenvolvimento dos conceitos”, dividido em 18 partes, de “A construção do
pensamento e da linguagem” (VIGOTSKI, 2001). Trata-se da versão integral da
tradução resumida (e mutilada), intitulada de “Pensamento e Linguagem” e
publicado no Brasil pela Editora Martins Fontes. O original em russo denomina-
se “Pensamento e Linguagem” (Michliênie i riétch). Complementaremos a
problematização do capítulo 5 recorrendo ao Capítulo 6 da mesma obra: “Estudo
do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância”. Apesar de utilizar

                                                                                                                       
3
 No caso dos soviéticos, esse tema se confunde com a criação de um novo homem para uma nova
sociedade. É nesse contexto que se realizam os experimentos de Shif sobre o desenvolvimento à
aprendizagem de conceitos “reais” (ou seja, não produzido experimentalmente, mas sim na vida
concreta) das ciências sociais. Comparou-se a rota de aquisição dos conceitos cotidianos com os
científicos.  

 
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apenas a versão integral (idem, 2001), faremos referência à obra de LSV apenas
como “Pensamento e Linguagem”.
***
Na página 263 (talvez um pouco tardiamente no livro), Vigotski (2001)
anuncia que quatro grupos de dados são fundamentais para a discussão desse
processo unitário de formação dos conceitos4: (1) os puramente empíricos,
conhecidos da experiência imediata; (2) teóricos, com a análise crítica de outros
autores; (3) reflexões heurísticas, almejando a integração dos dados originários do
estudo de conceitos artificiais e reais; (4) reflexões práticas, observando a
unicidade do processo de formação dos conceitos, refutando o ideário piagetiano
acerca do antagonismo entre cotidianos e científicos. O papel da escolarização na
formação de conceitos é abordado especialmente nas Partes III e IV do capítulo
seis.
Em termos gerais, o “Pensamento e Linguagem” apresenta o seguinte
Programa de pesquisa no que toca à formação de conceitos:
1. Estudo crítico da teoria do pensamento e da linguagem, em um momento de
abundância das pesquisas da psicologia nessa questão (Capítulos 2 e 3).
2. Análise teórica dos dados principais sobre o desenvolvimento do pensamento e
da linguagem nos planos filo e ontogenético, tendo como centro o estudo
experimental do desenvolvimento dos conceitos na infância, por sua vez,
dividido em duas partes:
a. Desenvolvimento dos conceitos artificiais por via experimental
(Capítulo 5 da obra), baseado particularmente na cooperação Vigotski-
Sakharov.
b. Desenvolvimento dos conceitos reais da criança (Capítulo 6 da obra,
fundamentado na cooperação Vigotski-Shif).
Ora pois, desse Programa, que documenta o trabalho de pesquisadores de
seu Círculo, Vigotski extrai diversas periodizações do desenvolvimento. A
integração dessas ideias faz-se complexa para o leitor de língua portuguesa e
                                                                                                                       
4
 Embora a edição em português refira-se a três grupos (VIGOTSKI, 2001, p.263), eles são quatro,
como se averiguou no original em russo. Isso pode ser observado também nas páginas
subsequentes da tradução.

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espanhola, sobretudo por focarem processos psicológicos parciais e serem ainda


escassas, dispersas, as publicações sobre sua periodização da consciência
individual/personalidade. Recorrendo a Engels, para Vigotski, o método
experimental não reflete de modo especular o processo real de desenvolvimento,
mas sim sua essência genética, lógica, de formação (VIGOTSKI, 2001, p.200) –
daí sua tentativa de construir generalizações, a despeito da variação e grande
complexidade do fenômeno “real” da formação de conceitos.

2 O ponto de partida para a formação de conceitos

Vigotski (2001, p.137-138) descreve os quatro estágios (stádiya) das


operações com signos (1º. estágio: natural ou primitivo; 2º: da psicologia ingênua;
3º. uso de signos exteriores ou operações externas; 4º. crescimento para dentro).
Tal classificação é utilizada em apoio à noção de que pensamento e linguagem
fundem-se gradativamente, processo potencializador de ambas as funções.
Entretanto, elas não se sobrepõem, podendo realizar-se enquanto processos
psicológicos distintos: não há, por exemplo, processo de pensamento quando
“alguém reproduz na linguagem interior um poema aprendido de cor”
(VIGOTSKI, 2001, p.140). Outrossim, Luria (1966) haveria de desenvolver uma
série de estudos sobre a importância da linguagem na organização do
pensamento, as quais resultaram na percepção de que qualquer prejuízo daquela
afeta este de algum modo. O desenvolvimento dos conceitos é apenas uma parte
do desenvolvimento da língua, exatamente seu aspecto semântico, não
abrangendo outros aspectos (como o sintático). Assim:
o desenvolvimento dos conceitos tanto espontâneos quanto
científicos é, no fundo, apenas uma parte do desenvolvimento da
língua, exatamente seu aspecto semântico, porque, em termos
psicológicos, o desenvolvimento dos conceitos e o desenvolvimento
dos significados da palavra são o mesmo processo apenas com um
nome diferente (idem, p.268)

Na primeira infância, as funções psíquicas inferiores (involuntárias,


biológicas) confundem-se: percepção/atenção/pensamento praticamente não se
diferenciam. Manter-se em estado de vigília, visualizar um objeto e mexer nele
 
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caminham juntos: uma porta “pede” para ser aberta, um estojo, para ser
esvaziado; apresentamos um novo objeto, e a criança abandona aquele que
manipulava. A ação infantil é impulsiva. Ao longo de cada etapa do
desenvolvimento as funções vão se diferenciando e se integrando em sistemas
mais complexos: gradativamente, a criança aprende a dirigir sua atenção a este
ou aquele objeto, a reconhecê-lo com a percepção e a resolver novos problemas
com a mediação de signos ou instrumentos, ou seja, ela pensa.
O processo de desenvolvimento dos conceitos demanda uma generalização
dos objetos na palavra, a qual se faz “generalização latente” por excelência,
tendencialmente não se referindo a objetos únicos (VIGOTSKI, 2001, p.9), e cuja
maior força são as impressões infantis. A criança precisa entender que um cão
desenhado também apresenta características de um cão, que o cão se diferencia
da folha, do gato etc. As representações bidimensionais dos objetos (figuras,
desenhos), além dos outros sentidos: audição (o cachorro late, o gato mia), tato
(pêlos) podem mesmo vir a auxiliar na formação dessas generalizações. Não
obstante, nas falas da primeira infância, pode-se ouvir a criança dizer “Cadeira”
para todo móvel que tenha um encosto. “Cachorro” para todo animal de quatro
patas. “Galinha” para todo animal que bota ovos, “Pássaro” para todo animal que
voa (é o fenômeno da superextensão, muitas vezes acompanhado da subextensão,
a aplicação de palavras em número menor de situações do que seria possível,
segundo SILVA, 2012).
A história da formação de conceitos é, portanto, a das próprias
generalizações realizadas sobre traços percebidos na realidade (como exemplos, o
conceito de mamíferos para animais peludos; de bandido para facínora sem
caráter, de pele escura, destituído de moral e valor social), as quais podem
significar certas operações de pensamento (por exemplo, os conceitos de soma
como adição de grandezas, podendo ser aritmética, se somarmos apenas
grandezas positivas, algébrica, se grandezas positivas e negativas e assim por
diante).
Ora, uma das formas mais difundidas de método de estudo de conceitos
busca compreendê-los, justamente, a partir de definições verbais como essas
resumidamente apresentadas acima (de “mamíferos”, “bandidos” e “soma”).,

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Sakharov (1928/2013) afirma que o mais popular dos métodos de estudo de


conceitos (ainda empregado em nossos tempos, dada a sua simplicidade e
obviedade) era o método das definições, utilizado por Piaget, Binet, Bobertag,
Gregor, Roloff entre outros. Seu ponto forte é investigar os conceitos reais da
criança. Para LSV, sua fragilidade está na sua superficialidade, bem como em
operar quase que
exclusivamente com a palavra, esquecendo que o conceito,
especialmente para a criança, está vinculado ao material sensorial
de cuja percepção e elaboração ele surge; o material sensorial e a
palavra são partes indispensáveis do processo de formação de
conceitos e a palavra, dissociada desse material, transfere todo o
processo de definição do conceito para o plano puramente verbal
que não é próprio da criança. Aplicando-se esse método, quase
nunca se consegue estabelecer a relação existente entre o
significado, atribuído pela criança à palavra com a definição
puramente verbal, e o significado real, que corresponde à palavra
no processo de sua correlação viva com a realidade objetiva que
ela significa. (VIGOTSKI, 1934/2001, p.152)

Ou seja, sendo uma palavra recurso para definir outra palavra, não se
abandona o plano do discurso. Com isso, enxergamos apenas a ponta do iceberg
do pensamento. As definições correm, então, o risco de serem abstratas e
circulares, por exemplo: “o que é água?”, “é o contrário do fogo”. “O que é o fogo?”,
“O contrário da água”. Acabamos não estabelecendo uma relação entre objeto,
entre a realidade extralinguística, e palavra; por isso, ela parece vazia.
Como todo materialista, Vigotski preocupa-se não meramente com a
descrição da formação de conceitos, mas com as suas causas (ABBAGNANO,
1998)5. Categorizar certos indivíduos como “bandidos” não é um ato de linguagem
que se dissipe nas franjas da consciência. Implica em tomar uma posição no
campo das relações sociais; realizar operações de inclusão e exclusão no qual se
estabelece a posição interna e externa do falante. Ou seja, dispõe o conceito em
um sistema de coordenadas; na longitude da abstração versus a latitude dos
objetos do pensamento, tal como explana a metáfora cartográfica do capítulo seis.

                                                                                                                       
5
 Para a crítica aos demais métodos, ver Toassa e Delari (2013) e Sakharov (2013).  

 
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A análise tanto do material quanto da palavra é essencial para o novo


método, o método de Sakharov, um subtipo do “método funcional de dupla
estimulação” (funktsionalsnaya metodika dvoinoi stimulyatsii). Ao invés de se
focar somente o produto final da formação de conceitos, como no das definições,
apreende-se o próprio processo6.
Na aplicação do método, diante do sujeito experimental, colocam-se e se
espalham num tabuleiro de jogo, dividido em campos, blocos de cores, formas,
alturas e tamanhos diferentes (esquematizadas na Figura 1). Os blocos trazem
escritos, na parte inferior, palavras sem sentido. Assim, a “dupla estimulação”
consiste na apresentação de traços visuais generalizados por certos signos
verbais.
Figura 1 – Estudo da formação dos conceitos – Método de Sákharov.

Fonte: Vigotski (2001, p.166).

A tarefa a realizar (ou problema a resolver): o sujeito deve adivinhar no


verso de qual figura está escrita a mesma palavra da amostra exibida pelo
                                                                                                                       
6
Leonid Sakharov desenvolveu esse método no outono de 1927, com dez crianças normais e cinco
mentalmente retardadas (sic autor) entre as idades de seis e 17 anos (Sakharov, 2013, p.93).
Sakharov explica em seu texto que as figuras são peças de madeira: “Em um tabuleiro de jogo
dividido em campos, cerca de 20-30 figuras de madeira similares às de um jogo de damas são
dispostas em cada campo. Essas figuras diferenciam-se por: (1) cor (amarelo, vermelho, verde,
preto, branco), (2) forma (triângulo, pirâmide, retângulo, paralelepípedo, cilindro), (3) altura
(baixo e alto), (4) dimensões planas (pequeno e grande). Uma palavra-teste é escrita no fundo de
cada figura. Há quatro diferentes palavras-teste: “bat”, escrita em todas as figuras pequenas e
baixas, a despeito de sua cor e forma; “dek”, pequena e alta; “rots”, grande e baixa; “mup”, grande
e alta.” (p.716-717).

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experimentador. Trata-se, pois, de um jogo de adivinhação. LSV não chega a


explorar a faceta motivacional/afetiva das vivências desse jogo, a qual medeia a
interação entre as consciências envolvidas. Entretanto, vale lembrar como

o próprio pensamento não nasce de outro pensamento mas do


campo da consciência que o motiva, que abrange os nossos
pendores e necessidades, os nossos interesses e motivações, os
nossos afetos e emoções. Por trás do pensamento existe uma
tendência afetiva e volitiva. Só ela pode dar a resposta ao último
porquê na análise do pensamento. (VIGOTSKI, 2001, p.479).

Com o método, estuda-se o próprio processo de resolução do problema,


segundo uma série de etapas: o processo de elaboração do conceito, a
transferência do conceito para novos objetos, o emprego do conceito na livre
associação, a aplicação na formação de juízos e definição de conceitos
reelaborados (idem, p.165).
Depois de cada tentativa de resolver a tarefa, o experimentador “descobre”
uma figura com nome semelhante àquela exibida antes, mas dotada de algumas
diferenças. Por conseguinte, “ensina” ou dirige a percepção da criança,
contribuindo para a formação do conceito. Gradualmente, complica-se a tarefa
aumentando o número de figuras mostradas com diferentes palavras
experimentais. Isso possibilita ao experimentador observar como se modifica a
solução do problema (idem, p.165-166). O processo assemelha-se muito à
educação científica, na qual a introdução de novos elementos em um sistema
previamente estruturado reorganiza-o.
Em uma analogia didática: é como apanhar uma série de representações de
animais, com semelhanças e diferenças quanto a certo número de traços, como
alimentação, forma de reprodução, tamanho, peso etc. E, em seguida, solicitar ao
sujeito que os agrupe em função de sua Família taxonômica (nós, por exemplo,
somos da família Homo, da espécie sapiens; nossos cães são da família Canis, da
espécie familiaris).
É forçoso notar que o “sistema de conceitos” de Sakharov funda-se na
lógica analítica tradicional (não na dialética), embora seja bem mais simples que

 
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o da taxonomia biológica do exemplo acima7. A despeito disso, baseia-se em uma


tarefa experimental difícil para crianças, como observado na replicação
experimental de Towsey (2006) com sujeitos sul-africanos, entre outras
iniciativas.
Muito além do método das definições, o de Sakharov traz os elementos que
Vigotski (2001) julga fundamentais no estudo do desenvolvimento dos conceitos:
problema, finalidade, meios auxiliares. Não só a fala, mas também a ação são
recursos fundamentais para se compreender o processo de formação de conceitos.
Os elos intermediários entre a apresentação de estímulos e a elaboração de
respostas comportamentais não podem ser captados diretamente – então,
conjugar fala e ação na análise do desenvolvimento, além de analisar as vivências
(perejivânia) do indivíduo sobre a situação, é fundamental.
O uso da mesma tarefa ao longo de diversas idades se deve à constatação
de que há também equivalência do momento funcional, pois todo pensamento é
resolução de problemas – embora, tal como as operações com signos, as formas de
pensamento utilizadas difiram das do adulto em composição, estrutura e modo de
operação. Eis porque se faz fundamental o diálogo com os sujeitos durante e após
a resolução da tarefa, focando esse processo sob um ponto-de-vista qualitativo.
O desenvolvimento de conceitos científicos reorganiza as vivências e a ação,
mas pode não significar o completo abandono de antigos conceitos – sobretudo,
preconceitos – em sua relação com a natureza e outros seres humanos, mostrando
conflitos entre aspectos estruturados e não-estruturados (retomaremos esse ponto
na explanação do pensamento por complexos) (TOASSA, 2004, 194).
Embora Vigotski percebesse saltos qualitativos na ontogênese, os quais nos
levam a aprofundar a tomada de consciência sobre a realidade por meio da
internalização dos conceitos científicos, acaba reconhecendo: mais do que os
contornos padronizadas de uma “raça pura”, nossa consciência compõe-se de

                                                                                                                       
7
  Segundo Cicillini (1992), atribui-se a classificação, ou taxonomia, dos seres vivos ao cientista
sueco Carl von Linnaeus (1707-78). Porém, muitas modificações foram realizadas posteriormente,
tornando esse sistema uma produção coletiva na história das ciências, com uma hierarquização e
processos de inclusão e exclusão entre as diversas categorias básicas: Reino, Filo, Classe, Ordem,
Família, Gênero e Espécie.    

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linhagens mestiças de formação de conceitos (entre outras funções psíquicas),


constituídos ao longo de diversos momentos de desenvolvimento; sobretudo, de
processos de escolarização. Em uma metáfora utilizada em sua obra também para
explanar outros processos mentais, ele observa: “O quadro do desenvolvimento se
mostra bem mais complexo. Diversas formas genéticas coexistem como coexistem
na crosta terrestre os mais diversos extratos de diferentes eras geológicas”
(VIGOTSKI, 2001, p.228).
Em nossa interpretação: somos compostos por extratos de ideologia e
emancipação, preconceitos e conceitos verdadeiros; noções hipergeneralizantes e
sistemas conscientes complexos, voltadas à operação na realidade e em nós
próprios, pois somos também parte da natureza. A regulação do meio externo
depende da autorregulação. Neste sentido, elaboramos conceitos sobre nossas
próprias vivências, de modo indissociável de nossa identidade social – pois, antes
de sermos idênticos a nós mesmos, somos outros para as demais pessoas.
Na vida “real”, não experimental, percebemos que o desempenho da mesma
pessoa em diferentes formas de resolução de problemas varia muito, de acordo
com sua experiência (opit) social. Isso se opõe às ideias predominantes na
avaliação psicométrica tradicional que prevê estabilidade no desempenho, além
da naturalização e normatização dos avaliandos cujos resultados não sejam os
esperados. Em linhas gerais, a psicometria procura legitimar os “melhores”
instrumentos de avaliação psicológica, ou seja, as atividades mais adequadas a
identificar as capacidades mentais da criança; na maioria dos casos, à revelia de
uma escuta psicológica focada no sujeito em seu meio social. E, com base nessa
compreensão, chegam a selar destinos (PATTO, 2010). O método de Sakharov
tem as vantagens de se apresentar como jogo, e procedimento qualitativo, sem as
preocupações de padronização afeitas à avaliação psicológica.

 
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3 Os resultados de pesquisa com o método de Sakharov

Realizaram-se extensas investigações, com cerca de 300 pessoas, entre


crianças, adolescentes e adultos, inclusive com distúrbios patológicos das
atividades intelectuais e de linguagem (idem, p.167). É interessante observar
que, diversamente de outras psicologias do desenvolvimento, a de Vigotski não
estabelece rigidamente limites inferiores/superiores de idade. Podemos, inclusive,
encontrar quase todas as formas de conceito por ele estudadas nas expressões
simbólicas de uma mesma pessoa. Não há critérios claros de inclusão/exclusão de
classe – por exemplo, número de tentativas realizadas pela criança – o que tende
a dificultar a sua aplicação e interpretação.
O cerne dos resultados da pesquisa com o método de Sakharov está no
capítulo cinco do “Pensamento e Linguagem”, que trata da edificação de um
modelo do desenvolvimento dos conceitos de acordo com três estágios básicos,
cada qual com várias fases (VIGOTSKI, 2001, p.174). Mas Vigotski é demasiado
sintético: diversas partes do capítulo seis contribuem muito para a elucidação dos
estágios. Ainda assim, no resumo da ópera, algumas fases são explicadas em
pormenor; outras são indicadas en passant. O foco centraliza-se apenas na
percepção visual/visão, sem que se faça referência a outros sentidos.
É interessante observar como Vigotski simplifica a designação dos estágios
fazendo referência aos tipos de formação intelectual a eles correspondente – em
ordem crescente de complexidade, sincrets [sinkretov], complexos [kompleksov] e
conceitos [poniatii]8. Complexos e conceitos consistem em generalizações da fase
anterior: os primeiros generalizam as percepções (os sincrets) e os conceitos
generalizam os complexos, gradativamente passando a estruturas conceituais
científicas no sentido lato do termo (em ciências sociais, naturais etc.)9.

                                                                                                                       
8
  Essa forma de nomear os estágios repete-se nas páginas 368-369 do capítulo seis (VIGOTSKI,
2001). Note-se o equívoco de tradução: o leitor encontrará o termo russo poniatii (conceitos)
traduzido como “pré-conceitos”.
Vale também destacar que o tradutor Paulo Bezerra (2001) considera o termo “sincrets” como
neologismo em russo, provavelmente emprestado por Vigotski do latim.
9
 Para melhor entendimento dessa discussão, vale conectá-la ao restante da teoria vigotskiana das
funções psíquicas superiores que predominam a cada idade. Na primeira infância, temos a

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Temos, desse modo:


1a) Sincrets ou imagens sincréticas ou percepções generalizadas, ou
pluralidade não informada e não organizada (estágio com três subfases, em geral
próprio a crianças de tenra idade)10 ou agrupamento: a criança pequena cede ao
traço que vê objetivamente, “sem regra ou razão”. Vinculando entre si as
impressões externas heterogêneas que recebe, utiliza a linguagem para se referir
aos mesmos objetos que os adultos, enquanto que os significados, a face interna
das palavras, é diferente. Segundo Vigotski, “os esquemas sincréticos são também
expressões típicas do domínio dos vínculos empíricos e da lógica da percepção no
pensamento da criança. Por isso a criança confunde o vínculo entre as suas
impressões com o vínculo entre os objetos” (VIGOTSKI, 2001, p.382).
1ª subfase: há mistura sincrética de imagens, e a criança realiza um
processo de tentativa-e-erro para verificar se uma palavra se aplica ou não a certo
objeto (idem, p.176). Não há qualquer critério de agrupamento identificável.
2ª subfase: agrupamentos baseiam-se na disposição espacial das figuras no
campo visual, nos encontros espaciais e temporais de certos elementos
perceptuais. As leis sincréticas, impressionistas, da percepção infantil têm papel
decisivo. Construindo um exemplo: ao ver um elefante no zoológico e, em seguida,
uma grua de construção, a criança pode apontar o objeto e dizer: “Olhe, que
tromba enorme aquela coisa tem!”. O pensamento, então, é meramente analógico
e – porque não dizer – idiossincrático. Isso nos lembra as “protopalavras” infantis,
ou seja, sequências de fonemas idiossincráticos, em geral inventada pela criança,
sem significado na língua materna, mas que ela usa para se comunicar com uma
ou mais pessoas próximas11.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   
percepção; na idade pré-escolar, a memória e na escolar, os conceitos (verdadeiros, científicos)
(VYGOTSKI, 1995).
 
10
  O Dicionário Aurélio define o sincretismo como: “1.Filos. Tendência à unificação de idéias ou de
doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis. [...]4.Psicol. Percepção global e
indistinta, da qual surgem, depois, objetos distintamente percebidos.” (FERREIRA, 2010).
 
11
Silva (2012) observa que uma das crianças de sua amostra utilizava a protopalavra um um
“sempre que desejava que sua mãe satisfizesse algum desejo seu. Por exemplo: produzia quando
queria que a mãe cantasse, ao mamar; produzia quando chegava à janela e desejava que sua mãe
chamasse Jéssica, a vizinha” (p.27).
 

 
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3ª subfase: a imagem sincrética apoia-se na atribuição de um só significado


aos diferentes grupos unificados na percepção da criança. Já existe um “nexo
desconexo”, mas Vigotski não chega dar algum exemplo ou indicação que nos
auxilie a definir esta subfase. Sabemos apenas que persiste a formação de
“amontoados” de objetos no psiquismo.
2a) Complexos, ou pensamento por complexos: complexos são relações entre
objetos particulares concretos, não mais unificados à base de vínculos subjetivos,
mas objetivos e com certo grau de coerência, conquanto muito instáveis. Como
afirma o autor: “No conceito, os objetos estão generalizados por um traço, no
complexo, pelos fundamentos fatuais mais diversos” (VIGOTSKI, 2001, p. 181),
por elementos concretos e fortuitos. Trata-se de um modo de pensamento
bastante diversificado, destituído de vínculos hierárquicos propriamente ditos
(idem, p.178-179;186).
Nos conceitos científicos, há uma relação do geral com o particular e do
particular com o particular por meio do geral, enquanto nos complexos não há
essa hierarquia, embora haja certa “lógica concreta” (idem, p.181). LSV (idem,
p.180) afirma que a linguagem dos adultos está repleta do pensamento por
complexos, como, por exemplo, os nomes de família: os “Vigotski”, os “Macedo”, os
“Toassa”, que podem agrupar pessoas profundamente diferentes entre si – e que,
inclusive, não se conhecem. A relação se faz a partir do nome, e não da essência
designada por ele.
Prossegue o autor: “A linguagem dos adultos também está cheia de
resíduos do pensamento por complexos. Na nossa linguagem, o melhor exemplo
que permite revelar a lei básica de construção desse ou daquele complexo de
pensamentos é o nome de família” (idem, p.180). E ainda: há na linguagem uma
“luta diária” entre o pensamento por conceitos e por complexos (idem, p.214).
Essa luta se reproduz também na própria história social das línguas: na formação
de novas palavras, há associação por contiguidade ou semelhança – como a
“perna da mesa”, “gogó da garrafa” ou “braço do rio”. Muitas delas seguem uma
trajetória fundada em associações, contiguidade ou semelhanças pouco precisas,
de acordo com transferências de significado: em russo, portnói (alfaiate) deriva de

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port (pedaço de pano, coberta, capa etc.). Em francês e alemão o mesmo referente
designa-se pela ideia de cortar (idem, p.211;215).
O mesmo objeto pode ser identificado por sentidos distintos, ainda que a
referência objetiva seja a mesma. Fenômeno analisado na antropologia de Lévy-
Bruhl, na psicopatologia de Storch e na epistemologia genética de Piaget, a
participação é uma regra do pensamento por complexos, referindo-se à identidade
parcial entre os elementos agrupados, com a interdependência entre objetos ou
fenômenos que se influenciam mutuamente (idem, p.205). Por exemplo, quando
os indígenas bororos do Brasil afirmam ser “papagaios vermelhos”, eles
assinalam uma semelhança com tais animais – e não uma identidade, tal como se
faz na lógica analítica ocidental.
No estágio do pensamento por complexos, Vigotski identifica cinco
subfases:
1a fase: complexos do tipo associativo: acrescenta-se ao grupo qualquer
objeto semelhante pela cor, forma, tamanho etc.; qualquer relação concreta, sem
critério. Chamar um objeto pelo nome significa o mesmo que chamar outro que se
vincula a ele. Como expresso no provérbio popular: “diz-me com quem andas, e te
direi quem és...”. Por exemplo, fazem-se associações por semelhança, contraste ou
mesmo disposição espacial; aceitam-se, ainda, objetos repetidos. Traços dessa
forma de pensamento se encontram em línguas antigas, nas quais uma palavra
pode indicar seu oposto (idem, p.205).
2a fase: complexos-coleções: combinação de objetos e impressões concretas
das coisas em grupos que lembram coleções. Os objetos concretos, embora sejam
heterogêneos, combinam-se com base em complementação mútua segundo algum
traço, formando um todo fechado com partes heterogêneas. Há a manutenção de
certo princípio classificatório, do início ao fim da coleção. São exemplos:
figurinhas, louça (garfo, faca, prato, colher), vestuário (calça, blusa, bermuda).
Essa fase lembra muito o pensamento classificatório identificado por Luria (1988)
no Usbequistão, norteado pela vida prática. O próprio LSV afirma: “o complexo-
coleção é uma generalização de objetos com base na sua co-participação em uma
operação prática indivisa, com base na sua cooperação funcional” (VIGOTSKI,

 
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2001, p.183-184). Enquanto os complexos do tipo associativo formam relações


majoritariamente por contraste, os complexos-coleções se unem por semelhança.
A criança apanha peças distintas pela cor, forma, tamanho, mas constituindo, por
exemplo, uma coleção generalizadora de formas/cores básicas – sem a admissão
de objetos repetidos. Ou seja, cada membro da coleção é individualizado, podendo
exercer funções de complementação mútua: prato, colher, copo12. Podemos
deduzir que, respondendo ao método de Sakharov, a criança procure montar uma
figura mais ampla (como uma espécie de retângulo), e complemente uma peça
triangular com uma quadrada alta, a esta com uma quadrada e pequena etc.,
dentro de um conjunto maior de peças complementares.
3a fase: complexos em cadeia: combinação dinâmica e temporal de elos em
uma cadeia, com a transmissão do significado por meio de elos isolados – os quais
podemos chamar de “nós”. O centro estrutural dela pode estar ausente; seu fim
pode não ter relação alguma com o início. Na aplicação do método de Sakharov,
isso se revela por um contínuo deslocamento do foco. Por exemplo: a atenção da
criança transita da cor azul para as figuras triangulares, e, em seguida, para as
angulosas. Assim, há certos “nós” na cadeia, a despeito de ela fluir continuamente
– tornando esse pensamento mais complexo que aquele por coleções. As conexões
e os atributos identificados podem sofrer alterações infinitas.
4º fase: complexos difusos: combinando os complexos concretos
particulares, o traço torna-se difuso e indefinido – o sujeito agrupa com base em
certo traço de cor ou forma difuso, de forma não-concreta e não-prática. Constitui
forma bastante frequente do “pensamento natural” da criança, própria dos
momentos nos quais ele se libera de sua função prática – à diferença do complexo-
coleção, um setting fechado de elementos. A criança pode, por exemplo, começar
com um triângulo amarelo, seguindo para trapézios (“triângulos com vértices
cortados”), depois quadrados, hexágonos, semicírculos e círculos.
5ª fase: pseudoconceitos ou conceitos-complexos: combinação de objetos que
são externamente, fenotipicamente, idênticos ao conceito (pois se organizam a
                                                                                                                       
12
  Vigotski   menciona,   assim,   os   “complexos-­‐coleções   naturais”   encontrados   no   dia-­‐a-­‐dia.   Mas   essa   ideia   de  
“natural”  meramente  opõe-­‐se  à  “não-­‐artificialidade”  do  conceito,  ou  seja,  indica  que  se  trata  de  um  conceito  
não-­‐produzido  experimentalmente.    

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partir dos significados das palavras do adulto), mas dele se distinguem pela sua
natureza genética, condições de surgimento e desenvolvimento (VIGOTSKI, 2001,
p.190-191). Nos resultados de Vigotski, é a forma por excelência do pensamento
na idade pré-escolar, apresentando-se como narração, imagem ou desenho mental
sobre o conceito. Por exemplo, a criança escolhe para uma amostra todos os
triângulos do material experimental. Mas ela não se baseia no conceito ou ideia
científica de triângulo (polígono de três lados, dotado de certas propriedades
geométricas e operações para sua construção, compreensível apenas em relação
com outros conceitos da geometria).
No capítulo seis, LSV traz um exemplo de definição infantil que podemos
considerar como relativa a um pseudoconceito. À pergunta de como viviam os
latifundiários no regime servil, uma criança responde “Muito bem. Todos eram
ricos. Tinham casas de dez andares, muitos quartos, todos andavam bem
vestidos. A luz elétrica estava sempre acesa, etc” (idem, p.347). Apresenta-se, por
conseguinte, uma versão figurada e simplificada do conceito científico, carente de
outros traços/conexões mais amplas, que lhe são inerentes.

3a) Conceitos verdadeiros ou científicos: resultados do método de estudo dos


conceitos artificiais (de Sakharov) e dos conceitos “reais” (por Shif).
Segundo Vigotski (idem, p.219), as primeiras fases desse estágio não
seguem uma cronologia precisa, com temporalidade e sucessão bem
determinadas. As formas superiores de pensamento por complexos coexistem com
as inferiores do conceitual. Mas ele é taxativo ao afirmar que somente após os
conceitos espontâneos atingirem um nível próprio do início da idade escolar há
condições para os científicos se desenvolverem (idem, p.261), reorganizando os
espontâneos. Os dois tipos de formação psíquica não “estão encapsulados na
consciência da criança, não estão separados uns dos outros por uma muralha
intransponível” (idem, p.261). Trata-se de um processo único, amplo, de interação
constante, o qual começa com a assimilação de um novo significado pela criança.
Previamente, ainda no capítulo cinco (partes XVI a XVIII), o autor
observara que a essência desse terceiro estágio está no desenvolvimento da

 
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decomposição, análise e abstração como processos intelectuais socialmente


organizados. Embora LSV arrole a apresentação dessas fases entre os resultados
experimentais provenientes do método de Sakharov, ele nem sempre propõe
exemplos, lacuna que buscamos preencher quando foi possível, construindo
nossos próprios exemplos ou inserindo de outras fontes.
Postas essas observações gerais, o autor aponta as seguintes fases:
1ª fase: abstração positiva e negativa: nomeada por Külpe, embora
instável, essa fase consiste em uma discriminação importante e essencial de
certos traços do objeto. Desafortunadamente, não temos detalhes ou exemplos
que a caracterizem;
2ª fase: conceitos potenciais – tal como observou Groos, esse conceito
realiza um hábito, uma função prática cedo emergente no pensamento da criança
e também identificável já em animais como galinhas, com experimentos focados
na “abstração” da cor e da forma. LSV menciona ainda os famosos experimentos
de Köhler com o uso de ferramentas por chimpanzés. Ali, não há processos lógicos
envolvidos, mas apenas a função prática do objeto, a situação concreta na qual se
envolve: quando pedimos a explicação sobre uma palavra relativa a certo objeto, o
sujeito responde o que faz, ou é possível que se faça com o mesmo. A resposta é
estável, diversamente da fase anterior. Construindo um exemplo: a criança tanto
forma um complexo de objetos com os nomes de família (caso do complexo
“talheres”) quanto utiliza esses talheres como conceitos potenciais, em sua função
determinada (faca, garfo e colher).
3ª fase: conceitos verdadeiros: fase só atingida na adolescência, quando os
conceitos se formam plenamente nas suas transferências a situações concretas
sempre novas. Mas continua havendo discrepância entre compreensão e
definição: o adolescente tende a pensar com o uso de conceitos e a definir as
significações das palavras como se fossem complexos (VIGOTSKI, 2001, p.231).
Segundo Vigotski (idem, p.345) os conceitos científicos começam seu
desenvolvimento enquanto o dos cotidianos ainda não se completou. Em outras
palavras, na escolarização soviética, deduzimos que a criança começava a
aprender sobre a Lei de Arquimedes ainda falhando ao utilizar as várias

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dimensões lógico-operativas do conceito de “irmão”, melhores explanadas por LSV


no capítulo 6.
Nessa fase, existe crise e amadurecimento do pensamento. Ao invés de
definir os conceitos, muitas vezes, o indivíduo adolescente retorna diretamente a
situações concretas nas quais se realiza sua aplicação. Neste sentido, Vigotski
concorda com K. Bühler, para quem o processo de formação dos conceitos
desenvolve-se de cima para baixo, e de baixo para cima, como se fosse o
revestimento de um túnel (idem, p.234). Não há, simplesmente, um movimento
no sentido da progressiva abstração e depuração das representações concretas –
as abstrações dependem da experiência (opit) acumulada pela criança. Assim,
caminham juntos a noção (geral) e o juízo (a noção aplicada a sentenças em
particular).
Construindo um exemplo, não apenas se desenvolve minha ideia geral da
“água” (líquido incolor, sem cheiro ou sabor, polar, que congela a 0º Celsius e
entra em ebulição a 100º Celsius etc.), mas também consigo ajuizar que o
querosene, gasolina e outros derivados do petróleo (todos apolares) não serão
dissolvidos pela água. Esse juízo pode ser acompanhado de uma representação
visual fundada em vivências do passado: de um vazamento de gasolina em uma
poça de água, resultando em uma “poça” multicolorida. Como afirmava Bühler, “o
lugar lógico natural do conceito é o juízo. A noção e o juízo interagem no processo
de formação dos conceitos. Desse modo, esse processo se desenvolve em dois
aspectos – no geral e no particular – quase simultaneamente” (idem, p.233).
Entretanto, para Vigotski, Karl Bühler não percebera o papel central da palavra
na distinção entre pensamento prático-eficaz (próprio dos conceitos potenciais) e
conceitos verdadeiros ou científicos.
No capítulo seis, Vigotski relata experimentos de Shif com sentenças para
completar, frente às quais os sujeitos devem estabelecer relações de causa-
consequência e de concessão/adversativas tanto no tocante a conceitos cotidianos
quanto na esfera das ciências sociais, utilizando exemplos relativos à economia
planejada, classe social, relações de exploração etc. Os resultados não chegam a
surpreender, mostrando como crianças de idade escolar completam

 
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adequadamente as sentenças relativas a temas já trabalhados na escola,


mostrando nisso melhor desempenho do que ao definir fenômenos cotidianos e
amplamente conhecidos. Pois,

ao trabalhar o tema com o aluno, o professor explicou, comunicou


conhecimentos, fez perguntas, corrigiu, levou a própria criança a
explicar. Todo esse trabalho com conceitos, todo o processo da sua
formação foi elaborado pela criança em colaboração com um
adulto, no processo de aprendizagem. (idem, p.341).

O desenvolvimento da conscientização dos conceitos só pode se dar no


interior do sistema no qual foi incluído. A generalização significa,
simultaneamente, “tomada de consciência e sistematização de conceitos” (idem,
p.292), a consciência do próprio conceito.
Trecho particularmente desafiador do capítulo seis é o da “metáfora
cartográfica” com que Vigotski, embora ciente das limitações dessa comparação,
procura explicar as relações sistêmicas entre os conceitos e desses com a
realidade a que se referem em termos de coordenadas cartográficas, cada vez
mais gerais e independentes da sua expressão verbal particular. Para o autor, os
conceitos são dotados de uma medida de generalidade – uma espécie de
entroncamento de relações, “lugar do conceito no sistema de todos os conceitos”
(VIGOTSKI, 2001, p.365).
Essa medida é o momento primeiro e fundamental no funcionamento e no
vivenciamento de qualquer conceito. Isto é, quando um conceito surge em minha
consciência, forma um grupo de prontidões ou predisposições para certos
movimentos do pensamento. Elas podem ser comparadas à longitude, o lugar
ocupado entre os pólos do pensar sumamente concreto e abstrato sobre o objeto
(predmete), sendo a própria medida de certa abstração, se comparada à de outros
conceitos. Já a latitude refere-se ao lugar ocupado pelo conceito entre outros da
mesma longitude (ou nível de abstração), mas em relação a outros pontos da
realidade – referindo-se, pois ao seu ponto de aplicação no real.
A representação daí resultante, para LSV, transmitiria a falsa ideia de que
essas relações são lineares. Isso não procede, uma vez que um conceito superior
pela longitude tem conteúdo mais amplo, um raio de maior abrangência, não

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correspondendo aos de menor latitude, ou menos abrangentes. Sendo a


investigação dos conceitos reais restrita ao que a criança pode definir por si
própria, “somos forçados a dispor as fases como uma série de círculos que se
distanciam para a frente em um plano, em vez de distribuí-los como uma espiral
de círculos vinculados por uma série e ascendentes” (idem, p.371). O autor
prossegue, afirmando que há sempre vínculos da generalização superior com a
inferior e, através desta, com o objeto. Um dos mais belos poemas da língua
portuguesa pode nos ajudar a compreender essa ideia:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia. (CAEIRO, 1914, p.13)

Explorando o poema de Caeiro, podemos aceitar que a ideia científica dos


rios como sendo cursos d´água de extensão considerável, deslocando-se de um
nível mais elevado para um mais baixo, assim como aumentando de volume até
desaguar no mar, lago ou outro rio (FERREIRA, 2010), abarque mais rios da
nossa experiência que o singelo rio da nossa aldeia. Entretanto, este situa-se no
grau zero da longitude e latitude da nossa experiência, sendo que o curso da vida
deve nos levar a conhecer também o Tejo, o Tietê, o Araguaia, e outros tantos rios
grandes, aumentando-nos, pois, a latitude da experiência.
 
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A escola tem um papel vital nesse processo de formação de conceitos,


provendo-nos com conhecimentos geográficos sobre estes rios pequenos e grandes;
imagens e informações sobre os grandes rios do mundo, encaminhando-nos na
direção de progressivas abstrações e discriminações para não confundirmos o rio
de nossa aldeia com oceanos, lagos e mares – ou seja, explicitando sua longitude.
Não obstante, é provável que o rio de nossa aldeia seja sempre maior para nossa
consciência que o Tejo ou até mesmo que o próprio Oceano Pacífico, pois é mais
carregado de singularidade. A existência psíquica desse rio se dá no riquíssimo,
enorme afluxo de vivências cotidianas em que as primeiras capas geológicas de
nossa consciência se forjaram e elaboramos nossos conceitos iniciais sobre o
mundo humano e natural.

3 Considerações finais

O presente artigo teórico objetivou apresentar/sistematizar uma breve


síntese didática do processo de desenvolvimento da principal função psíquica
superior (formação de conceitos) segundo discute Vigotski em seu livro
“Pensamento e Linguagem” (1934). Frisou a necessidade de se tomar esse
processo como todo único, e, embora se opondo a uma segmentação rígida entre
conceitos cotidianos e científicos, buscou relatar as especificidades dos diversos
estágios e fases, tal como exposto no quinto e sexto capítulos daquele livro.
Diversas implicações psicológicas para o processo pedagógico decorrem do
próprio raciocínio teórico-metodológico empregado por Vigotski e seus
colaboradores na estruturação do método de Sakharov; entre, elas, de que o
ensino direto de conceitos, buscando a memorização infantil, mostra-se
impossível e pedagogicamente estéril; a criança não consegue empregá-lo
conscientemente. Sob um ponto de vista psicológico, os conceitos são muito mais
do que definições verbais ressequidas pela escola. Como afirma o autor:
a cada estrutura da generalização (sincret [sic!]*, complexo, pré-
conceito, conceito) correspondem o seu sistema específico de
generalidade e relações de generalidade entre os conceitos gerais e
os particulares, a sua medida de unidade, abstrata e concreta, que
determina a forma concreta de dado movimento dos conceitos, de
determinada operação de pensamento nesse ou naquele estágio de

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desenvolvimento dos significados das palavras. (VIGOTSKI, 2001,


p. 362)

Entretanto, cabe reconhecermos que o autor foi muito além da simples


discussão do desenvolvimento semântico das palavras, trabalhando também
aspectos sintáticos e lógicos “subterrâneos”, no qual o sujeito da linguagem e o do
pensamento se encontram e desencontram, tema vinculado ao persiste problema
da “inefabilidade” que atravessa sua obra (TOASSA, 2014a). Embora muitas das
ideias vigotskianas sobre a aquisição da linguagem tenham sido melhor
desenvolvidas e sistematizadas pela linguística, fonoaudiologia e outras ciências
da comunicação, ainda hoje é notável a acuidade de sua visão sobre o
desenvolvimento humano como um processo longo, complexo e sofrido, tanto com
idades estáveis quanto de crise, que não comporta uma universalidade, mas deve
ser compreendido na estrutura triádica de uma psicologia geral, particular e
concreta (TOASSA, 2014b).
Neste último nível, “concreto”, Vigotski chegou a comparar o
desenvolvimento a um “drama” (VIGOTSKI, 2000) e a uma tragédia que “nunca
pode ser apagada dos processos de crescimento e da educação infantis, e o
ingresso da criança à vida foi e sempre será um processo de dolorosa ruptura e de
criação, de dilacerações e geração de tecidos” (TOASSA, 2013, p.499). O
desenvolvimento da consciência/personalidade é totalidade bem mais ampla que a
formação dos conceitos, mas estes adquirem na psicologia vigotskiana uma
centralidade que só pode ser compreendida no quadro de seu racionalismo
marxista: os diferentes modos como cada sujeito vivencia certo meio depende da
compreensão elaborada sobre este (VIGOTSKI, 2010).
Na rica contribuição vigotskiana acerca da natureza e desenvolvimento da
formação de conceitos, restam muitas lacunas tanto no estudo dos conceitos reais
quanto experimentais, as quais precisam ainda ser preenchidas à luz da
pedagogia, psicologia e outras ciências contemporâneas. Como se formam os
sistemas de conceitos em diferentes domínios científicos? Como diferentes
sistemas de conceitos ou significações se cruzam em palavras determinadas,
integrando o vivo drama da consciência? Como podemos utilizar as contribuições

 
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do autor sobre a formação de conceitos em diversos contextos educacionais? Quais


os limites e possibilidades da “medida de generalidade” dos conceitos? É possível
manter a teoria das idades que Vigotski utilizou como referência para debater a
formação de conceitos? São apenas algumas, das inúmeras questões
remanescentes ao fim desse pequeno artigo sobre o “Pensamento e Linguagem”
de L.S. Vigotski.

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Recebido em julho de 2016


Aprovado em abril de 2017

 
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