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Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga

(Organizadora)

AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DIREITOS


FUNDAMENTAIS DAS DISTINTAS FORMAS DE
FAMÍLIA, NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DAS DISTINTAS FORMAS DE
FAMÍLIA, NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Franca - SP
2016
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNESP – São Paulo State University

Reitor
Prof. Dr. Julio Cezar Durigan

Vice-Reitora
Profa. Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge

Pró-Reitor de Pós-Graduação
Prof. Dr. Eduardo Kokubun

Pró-Reitora de Pesquisa
Profa. Dra. Maria José Soares Mendes Giannini

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

Diretora
Profa. Dra. Célia Maria David

Vice-Diretora
Profa. Dra. Marcia Pereira da Silva

Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito


Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges

Vice-Coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito


Prof. Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault

Conselho Editorial:

Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges (Unesp)


Prof. Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault (Unesp)
Profa. Dra. Luciana Lopes Canavez (Unesp)
Prof. Dr.Victor Hugo de Almeida (Unesp)
Profa. Dra. Kelly Cristina Canela (Unesp)
Organizadora

Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga

AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS DIREITOS


FUNDAMENTAIS DAS DISTINTAS FORMAS DE
FAMÍLIA, NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Autores

Amanda Gabriela Porta


Ana Luiza Figueira Porto
Anne Caroline Primo Ávila
Christopher Abreu Ravagnani
Edwirges Elaine Rodrigues
Gabriela Giaqueto Gomes
Leandro Jorge De Oliveira Lino
Leandro Teodoro Andrade
Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga
Marina Ribeiro Da Silva
Renato Henrique Rehder
Roberto Alves De Oliveira Filho
Sabina De Oliveira Varalda
Zulaiê Loncarcci Breviglieri

Câmpus de Franca
2016
Contato:

Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900.


Jd. Petráglia.
CEP 14409-160.
Franca/SP
posgrad@franca.unesp.br

Diagramação e Revisão:

Laura Odette Dorta Jardim (STBD)

Ficha Catalográfica

As Políticas Públicas e os Direitos Fundamentais das


Distintas Formas de Família, na Sociedade Contemporânea/
Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga
(organizadora).

–Franca (SP): UNESP-FCHS, 2016

197.p

ISBN: 978-85-7983-810-1

1. Formas de Família. 2. Direito de família. 3.Direitos


Fundamentais. 4. Políticas Públicas (Direito). I. Alvarenga,
Maria Amália de Figueiredo Pereira . II. Título.

CDD – 342.16

Índices para catálogo sistemático:

1. Direito Privado ................... 342


2. Direito de Família ............... 342.16
3. Direito Civil ....................... 342.1
4. Direitos Fundamentais ........ 341.27
APRESENTAÇÃO

As diversas formas de família tem sido um tema de alta relevância


nos contextos dos Direitos Privado, Público e Administrativo. Dada a
importância do assunto, esta temática tem sido considerada a matriz da
Publicização do Direito Privado. O campo encontra-se repleto de
dificuldades, tanto na teoria como na prática, em especial pela doutrina e
jurisprudência. A cada passo, deparam-se divergências entre os mestres na
doutrina e posições díspares nos tribunais que, fascinando os juristas, têm
produzido extensa bibliografia para o contínuo aperfeiçoamento da
disciplina, tanto no Exterior como no Brasil, com ênfase nos impactos que as
distintas famílias representam na sociedade contemporânea e
consequentemente nas políticas públicas.
Esta obra abrange várias opiniões e artigos de discentes da Pós
Graduação Stricto Sensu (Mestrado em Direito) e, também, a posição de
alguns alunos da Graduação, que participam do grupo de pesquisa (CNPq): Os
novos parâmetros da responsabilidade civil e as relações sociais, liderado pela
Profª Drª Maria Amália, todos da UNESP, Franca, SP
Profa. Dra. Maria Amália de Figueiredo Pereira
Alvarenga
(Organizadora)

Chefe do Departamento de Direito Privado do Curso de


Graduação em Direito da Unesp. Mestre e Doutora em
Direito -FCHS. Coordenadora dos Programas de Mestrado
em Direito Público e Direito Empresarial na Unifran
(2002-2003). Avaliadora de Cursos e Institucional do
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Professora Assistente
Doutor da FCHS no conjunto de disciplinas de Direito Civil .
Docente do Programa de Mestrado em Direito da FCHS,
Unesp, Franca. É Líder de Pesquisa da CNPQ e membro
do IBDFAM.
SUMÁRIO

1 FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS: UMA REFLEXÃO SOBRE


LAÇOS DE AFETO, ADOÇÃO HOMOAFETIVA E GARANTIA
DE DIREITOS.
Amanda Gabriela Porta ................................................................ 10

2 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O INCENTIVO À


UTILIZAÇÃO DE FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO
DE CONFLITOS NO DIREITO DE FAMÍLIA.
Ana Luiza Figueira Porto ............................................................. 21

3 DISSOLUÇÃO CONJUGAL POR INFIDELIDADE VIRTUAL:


É POSSÍVEL REPARAÇÃO DE DANOS?
Anne Caroline Primo Ávila .......................................................... 31

4 A DEMOCRATIZAÇÃO DO CASAMENTO E AS NOVAS


FORMAS DE ENTIDADES FAMILIARES.
Christopher Abreu Ravagnani ..................................................... 43

5 SEPARAÇÃO JUDICIAL NO NOVO CPC: SIMPLES


RETROCESSO OU INCONSTITUCIONALIDADE?
Edwirges Elaine Rodrigues
Maria Amália de Figueiredo Pereira Alvarenga ............................. 52

6 O RECONHECIMENTO SOCIAL E JURÍDICO DA FAMÍLIA


HOMOAFETIVA COMO EXPRESSÃO REAL DO PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Gabriela Giaqueto Gomes ......................................................... 63


7 A DIVISÃO DA PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE
NAS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS SOB A VISÃO DOS
TRIBUNAIS.
Leandro Jorge de Oliveira Lino ...................................................... 75

8 O DIREITO AO ESQUECIMENTO E O CASAMENTO DO


TRANSEXUAL: AFASTAMENTO DA ALEGAÇÃO DE FRAUDE
OU DE ERRO ESSENCIAL SOBRE A PESSOA.
Marina Ribeiro da Silva .............................................................. 119

9 O DIREITO DAS FAMÍLIAS: PARENTALIDADE E SUAS


DIVERSAS VERTENTES.
Renato Henrique Rehder ............................................................. 134

10 ENSAIO SOBRE AS CONSEQUENCIAS DO ABANDONO AFETIVO


E A RESPONSABILIDADE ATRIBUIDA AOS PAIS E FILHOS.
Roberto Alves de Oliveira Filho ......................................................................... 148

11 O DIREITO FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA


E A INSEMINAÇÃO IN VITRO NO CONTEXTO DAS
FAMÍLIAS MONOPARENTAIS.
Sabina de Oliveira Varalda ......................................................... 170

12 FAMÍLIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: A INTERVENÇÃO


ESTATAL E A PROTEÇÃO AOS NOVOS ARRANJOS
FAMILIARES.
Zulaiê Loncarcci Breviglieri
Leandro Teodoro Andrade ........................................................... 180
1 FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS: UMA REFLEXÃO SOBRE
LAÇOS DE AFETO, ADOÇÃO HOMOAFETIVA E GARANTIA
DE DIREITOS

„‟Há várias formas de amar e entende -


se que a melhor delas é amando. ‟‟

A ma n da Ga bri ela Po rt a

Me stra nd a no P ro gr a m a d e P ó s -G rad ua ção


e m S er viço So c ia l p ela Fac u ld ad e d e
Ci ê nc ia s H u ma n a s e So c iai s – UN ESP / Fra n ca

SUMÁRIO: Introdução. 1 Adoção homoafetiva: Possibilidade de direito à


convivência familiar. 2 A família homoafetiva e a garantia de direitos .
Conclusão. Referências.

RESUMO: As transformações ocorridas na sociedade brasileira sob a


influência dos aspectos culturais, religiosos, econômicos, políticos refletiram
e ainda refletem na maneira como as famílias têm se organizado na
contemporaneidade.Em meados de 1960 as mudanças ganharam ênfase com a
forte influência da organização dos movimentos sociais, a inserção a mulher
no mercado de trabalho, a descoberta da pílula anticoncepcional, ou seja,
acontecimentos que refletiram nas diversas formas de compor uma família.
Com a evolução social a possibilidade de não caracterizar um ‗‘modelo
ideal‘‘ de família se expandiu, altera ndo também os valores e concepções
sobre as formas de constituir o núcleo familiar na ordem social e jurídica. No
Brasil, a Constituição de 1988 expressa importantes alterações na concepção
de família. A união estável, famílias monoparentais e o casamento passam a
ser compreendidos por sua base de afetividade. Na atualidade podemos
observar os arranjos familiares em sua elasticidade, formados por avós, tios,
filhos de antigos relacionamentos, animais de estimação, vizinhos, ou seja,
viver em família hoje va i além da composição mãe, pai e filho. Por tal razão
que se propõe uma reflexão acerca das famílias homoafetivas no século XXI e
os direitos destas.

Palavras-chave: Família. União homoafetiva. Adoção. Direitos Garantidos.

ABSTRACT: The transformations in Brazilian society under the influence of cultural,


religious, economic, political reflected and still reflect the way families have organized
nowadays. In the mid-1960s the emphasis changes won with the strong influence of the
organization of social movements, inserting women into the labor market, the discovery of the
contraceptive pill, that is, events that reflect the different ways to compose a family. With
social evolution the possibility of not feature an 'ideal model' of family has expanded, also
changing the values and ideas on ways to make the family unit in the social and legal order. In
10
Brazil, the 1988 Constitution expresses major changes in the family design. A stable, single
parents and marriage come to be understood by its affectivity base. At present we can see
family arrangements in its elasticity formed by grandparents, uncles, old relationships
children, pets, neighbors, or family life today goes beyond the mother composition, father and
son. For this reason it proposes a reflection about the homoafetivas families in the twenty-first
century and the rights of these.

Keywords: Famil y. Same-sex Union. Adoption. Rights Guaranteed.

INTRODUÇÃO

Falar em família no século XXI, tanto no Brasil quanto em qualquer


outro lugar, implica a referência á significativas mudanças e padrões difusos
de relacionamento.
Desde a Revolução Industrial, o mundo do trabalho despertou a
dimensão privada da família. As transformações ocasionadas pelo
desenvolvimento tecnológico refletiram diretamente na co nvivência familiar.
Descobertas como a pílula anticoncepcional, as tecnologias
reprodutivas – inseminações, fertilizações – afetaram a identificação da
família como mundo natural, rebatendo no ‗‘fundamento natural que servia de
pretexto para costumes, pact os familiares e relações de gênero, que
estruturaram a família por tanto tempo 1. ‘‘
No campo jurídico, a condição legal da família foi alterada com a
Constituição Federal de 1988. Esta traz a atualização no quesito da quebra da
chefia conjugal masculina, estabelecendo a sociedade conjugal compartilhada
em direitos e deveres para ambos os sexos.
Também modifica a diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos,
reiterada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – define a população
infanto, juvenil como sujeitos de direitos e coloca a ‗‘convivência familiar‘‘
como direito básico á infância e juventude.

1
P INHEI R O, Mar ia Alic e S.; D U ART E, W al k iri a Ro d ri g ue s ; M AR QUE S, P aula Ale x a nd ra
C. ; M AR Q UE S, P a u lo Ed so n. ( o r g s). Tr i bu na l de J u sti ça do E sta d o de Sã o Pa ulo :
As s is te n te So c ial J ud ic i ár io . São P a u lo , 2 0 1 2 .
11
De acordo com as autoras, ‗‘[...] as mudanças em curso abalam de tal
maneira o modelo idealizado de família, que se torna difícil sustentar a ideia
de um modelo ‗‘adequado. ‘‘ 2
Assim, ao abordar o tema das famílias na contemporaneidade não se
pode partir de um único referencial.
Romper com o modelo idealizado e naturalizado acerca da instituição
familiar exige que primeiramente, como desafio pleno, não tenhamo s como
base nossas próprias referências de vida.
Defende-se aqui, a importância da família – esta como mediação entre
o indivíduo e a sociedade – e da afetividade – esta como possibilidade para o
enfrentamento das profundas desigualdades sociais e do conju nto de valores
pré-estabelecidos.
De acordo com esta afirmação,
[ ...] a a fe ti v id ad e é u m me io d e p e ne trar no q ue há d e mai s si n g u lar na
vid a so cia l co l et i va, p o is e la co n st it u i u m u ni v erso p e c ul iar d a
co n f i g ur a ção s ub j et i va d as r ela çõ e s so c iai s d e d o mi n aç ão . 3

Abordaremos nas seguintes páginas a importância do afeto para a


composição do núcleo familiar, ressaltando o direito e os deveres de casais
homoafetivos no ato da adoção de crianças e/ou adolescentes, pretendendo
contribuir para discussões a respeito desta temática que se faz de extrema
importância na atualidade.

1 ADOÇÃO HOMOAFETIVA: POSSIBILIDADE DE DIREITO Á CONVIVÊNCIA


FAMILIAR

A colocação de uma criança ou adolescente em uma ‗‘Família


Substituta‘‘ – ou mesmo sua submissão á Adoção é o elo para tornar realidade
o ‗‘Direito Fundamental de Convivência Familiar e Comunitária‘‘ como
previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, (1990).
Do ponto de vista jurídico, adotar consiste em transferir os direitos e
deveres que caberiam aos pais b iológicos para, extraordinariamente um a
família substituta.

2
Ibid., 2012, p.77, apud SARTI 2003
3
Ibid., 2012 p.78, apud SAWAIA, 2003
12
Confira como Art. 3 da lei nº 8069/90 – ECA:
Ar t. 3 º A cr ia nça e o ad o le sce n te go z a m d e to d o s o s d irei to s
f u nd a me nt ai s i nere n te s à p e s so a h u ma n a, s e m p r ej u ízo d a p ro teçã o
in te gr al d e q ue tra ta e st a Lei, a s se g ur a nd o - se - l he s, p o r l ei o u p o r o utr o s
me io s, to d as a s o p o r t u nid ad e s e fa ci lid ad es , a fi m d e l h es fac ul tar o
d ese n vo l vi me nto fís ico , me n ta l, mo ra l, e sp ir it u al e so ci al, e m co nd içõ e s
d e lib er d ad e e d e d i g n id ad e. 4

Complementado pelo Estatuto c itado em tela,


Art . 3 9 . A ad o ção d e cria n ça e d e ad o le sce n te re g er - se -á s e g u nd o o
d isp o s to ne st a Le i.
§ 1 o A ad o ção é med i d a e xc ep cio n al e i rre v o gá v el, à q ua l se d e v e
r eco r r er ap e n as q ua nd o es go tad o s o s r ec ur so s d e ma n u te nç ão d a cr ia nç a
o u ad o l es ce nt e na fa m íli a na t ura l o u e xt e n sa , na fo r ma d o p ará gr a fo
ú ni co d o ar t. 2 5 d e s ta Lei . (I nc l uíd o p el a Lei nº 1 2 .0 1 0 , d e 2 0 0 9 )
Vi gê n cia .
§ 2 o É v ed ad a a ad o ç ão p o r p ro c uraç ão . (I nc l uí d o p ela Lei nº 1 2 .0 1 0 , d e
2 0 0 9 ) Vi g ê nci a. 5

Destaca-se a adoção como forma definiti va e radical de possibilitar a


composição do núcleo familiar. Quando esta ocorre, o filho adotivo passa a
ter os mesmo direitos e qualificações dos filhos naturais.
De acordo com Art.1596,
Art . 1 .5 9 6 . O s fi l ho s, ha v id o s o u não d a rel a ção d e ca sa me n to , o u p o r
ad o ção , ter ão o s me s m o s d irei to s e q ual i fica ç õ es, p ro ib id a s q ua i sq ue r
d es i g naçõ es d i scri mi na t ó ria s re lat i va s à fil iaç ã o . ‘‘, q u ai sq uer d e fi n iç ão
d is cr i mi n a tó r i a r e fere nt e á fil iaç ão . 6

A Lei Civil exige que a diferença mínima entre o adotante e o adotado


seja de pelo menos 16 anos – não importando se o adotante esteja casado –
porém necessitando ter 18 anos completos.
Tendo em vista a questão da ‗‘Colocação em Família Substituta‘‘,
cabe ressaltar o principal objetivo de tal ação: garantir o direito de crianças e
adolescentes á convivência familiar e comunitária, visando os interesses das
mesmas.
Este processo deve ocorrer na impossibilidade de manutenção de
vínculos com a família natural.
Assim. conforme as autoras, recomenda -se:
- Dar p r e f er ê nc ia , no s caso s d e cri a nça s n ece s sari a me n te a fa st ad a s d e
se u s p a i s b io ló gico s, a s so l uçõ e s d e n tro d a fa mí l ia e x te n sa (a vó s, t i o s
etc.) o u d a co mu n id ad e o nd e el a vi v e;

4
BRASIL. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente.
5
Id. (1990)
6
BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro
13
- No s c aso s e m q ue a a d o ção fo r à med id a mai s ad eq u ad a, p ri v il e gia r o s
ca nd id a to s na cio na i s;
- Cr i ar , p r e fe r e nc ia l me nt e j u n to ao s j uiz ad o s d a i n fâ nc ia e j u v e nt ud e,
ser v iço s e sp e cia li zad o s q ue p ro ced a m á se le ção d e fa mí l ia s ad o ti va s, co m
cr it ér io s q u e co n te mp le m a s co nd içõ e s a fe ti va s e a mo ti v ação p ara o
ex er c ício d a ma ter n id ad e e p a ter n id ad e, e o a c o mp a n ha me nto e
o r ie nt ação d o p r o ce s so d e i nt era ção d a cri a nça á n o va fa mí lia ;
- E vi tar to d a s a s fo r ma s d e ‗‘ad o ção i nd ep e nd en te ‘‘‘, e m q ue o s fu t ur o s
p ai s ad o t i vo s to ma m a si o e n car go d e ‗‘s ele c io n ar ‘‘ cr ia n ça s a sere m
ad o tad a s ;
- Re sp e it ar o d ir ei to d a cr ia nç a e d o ad o les ce nt e d e ma n i fe st ar s u a o p i niã o
a r e sp ei to d a med id a e ma ntê - lo i n fo r mad o a resp ei to d e s ua o ri ge m ,
id e nt id ad e e h is tó ri a;
- No s ca so s e xc ep c io n alí s si mo s e m q ue u ma ad o ção i n ter n acio n al fo r
co n s id er ad a a ú nic a fo r ma d e p ro te g er o d irei to d a cr ia nç a e d o
ad o le sc e nte á co n v i vê n c ia fa mi liar :
- v ed ar , d e to d o s o s mo d o s à ad o ção i nd ep e nd e n t e;
- co n sid er ar q ue a i ni ci ati v a d e co lo car a c ria n ça d e v e ser d a a lç ad a d a
au to r id ad e b r as il eir a;
Ved a nd o - se a o p er ação , no p aí s, d e a ge n te s e s tra n ge iro s d e ad o ção ;
- e x i gir q ue a h ab i li taç ã o p ara ad o ção d o s ca nd i d ato s es tra n g eiro s sej a d a
r esp o n sab il id ad e d e a u t o rid ad e s o fic iai s d e se u p aí s d e r es id ê n cia ;
-e m s u ma m to mar to d a s as p ro v id e n cia s n ece s s ária s p a ra a rat i fi caç ão d a
Co n ve n ção d e Ha ia so b re Ad o ção I nte r nac io na l, d a q ua l o B ra si l j á é
si g n atár io . 7

A realidade das famílias se assimila a estas exercerem inúmeros papeis


e responsabilidades, pertencendo a uma posição na organização social e na
economia.
Desta forma, o contexto da dinâmica da estrutura f amiliar é formado
por pessoas que escolhem conviver, seja por razões consanguíneas ou
afetivas, formar uma família independe das definições oficiais e ‗‘modelos‘‘
estabelecidos.
Analisamos a seguinte afirmação,
[ ...] ta l d i v er sid ad e o b ri ga a s e mu d ar o fo c o d a es tr ut ur a d a fa mí l ia
n uc lea r co mo mo d elo d e o rga n iza ção fa mi liar ; s ur g e m no va s
q ue s tõ e s r e fer e nt es á c o n v i vê nc ia e n tre a s p e s so a s na fa mí l ia, s ua
r ela ção co m a co mu n id ad e ma i s p ró xi ma e co m a so ci ed ad e mai s
a mp la 8.

De acordo com estudos apontados, c erca de 80 mil crianças e


adolescentes vivem em abrigos brasileiros. No Cadastro Nacional de adoção,
o número de pretendentes á adoção ultrapassa 22 mil pessoas, já que tais
dados citados foram utilizados por FRANCO; MELÃO, no ano de 2012.

7
P INHEI R O, Mar ia Alic e S.; D U ART E, W al k iri a Ro d ri g ue s ; M AR QUE S, P aula Ale x a nd ra
C. ; M AR Q UE S, P a u lo Ed so n. ( o r g s). Tr i bu na l de J u sti ça do E sta d o de Sã o Pa ulo :
As s is te n te So c ial J ud ic i ár io . São P a u lo , 2 0 1 2 , p .6 1 -6 2
8
Ibid., p.74
14
Esta contradição ocasiona tristes consequências quando pensamos nas
crianças e adolescentes que todos os dias almejam por estarem junto á uma
família.
Em trâmites legais, a adoção teve seu processo de evolução no ano de
2009. A Lei nº 12.010 atualiza as propostas para o p rocesso de adotar.
É plausível compreendermos, segundo LAPOLA,
Est a Lei t a mb é m tro u x e o s i g ni ficad o d e fa m íli a e xte n s a o u a mp l iad a
co mo aq ue la q ue va i a lé m d o ca s al, p a i e m ãe, fo r mad a p o r p are n t es
p r ó x i mo s co m o s q ua i s a cria n ça te n h a u m l aço d e a fet i vid ad e. Es t a
mu d a n ça é i mp o r ta n te d ia nt e d a s co n st it u içõ es fa mi lia re s e xi s te n te s n o
B r as il a t ua l me n te, p o i s a s fa mí l ia s não sã o co mp o s ta s p o r l aço s
co n sa n g u í neo s, ma s si m p ela a fe ti v id ad e e ntr e s eu s me mb ro s e ta mb é m é
u m e mp e n ho p ara ma nt er a cr ia nç a o u ad o le sce n te e m s ua fa mí l ia
b io ló gi ca e q ua nd o não fo r p o s s í vel , ma nt ê -la co m p ar e nte s p ró xi mo s
co mo a vó s, tio s e p ri mo s. 9

Releva notar, diante dos estudos de S IMÕES,


O v í nc ulo d a ad o ção co n s ti t ui - se p o r s e nte n ça j ud i cia l, irr e vo gá ve l,
in s cr i ta no r e gi stro c i v il, med ia n te ma nd ad o , d o q ual não se fo r nec e rá
cer t id ão , ca nc ela nd o re gi s tro o r i gi na l d o ad o ta d o . Ne n h u ma o b s er va çã o ,
so b r e a o r i g e m d e s se ato , p o d erá co ns tar n a c ert i d ão d e re g i stro . 10

Como confirma o autor, a respeito do ECA, sobre adotar: ‗‘[...] faz


prevalecer o interesse da criança, servindo a adoção como alternativa para lhe
dar uma família, mas somente quando considerada definitiva ruptura com sua
11
família natural. ‘‘
Desta forma, o direito á convivência familiar deve atender o melhor
interesse da criança e/ou adolescente, ou seja, o adotante proporcionar
melhores condições de vida, educação, proteção, laços afetivos e todas as
necessidades que a estes apresentarem.
Por essa entre outras razões, a adoção homoafetiva não apresent a
fatores que impeçam a possibilidade de casais homossexuais constituírem uma
família.

9
LAP O LA, Mar ia na . Ado çã o ho mo a fet iv a : a vi são dos a s si s t en te s so cia i s do
j ud ic iár io / Mar ia Lap o la . – Fr a n ca : U NE SP , 2 0 0 9 , p .3 4 .
10
SIM ÕE S, Car lo s. C ur so de d ire ito do serv iço s o cia l. S ão P a ulo : Co rt ez , 2 0 0 7 , p .2 2 1 .
11
Ibid., p.222
15
2 A FAMÍLIA HOMOAFETIVA E A GARANTIA DE DIREITOS

A relação homoafetiva existe há tanto tempo quanto a


heterossexualidade.
A homoafetividade é manifestada no contexto da sociedade de acordo
com costumes e códigos sociais em cada época e nos diversos espaços, como
nos afirma LAPOLA ,
En tr e ta nto , o s i g ni fic a d o d as p ra ti ca s a feti vo - se x u ai s ma n i fe st ad a s na
hi s tó r i a d a h u ma n id ad e te m u ma d e fi niç ão e u m a si mb o lo gi a d e p e nd e nd o
d o s co s t u me s e có d i go s so cia i s p ró p r io s d e ca d a ép o c a e , p o r ta nto sã o
12
alt er ad o s no d e co rrer d o p ro ce sso hi stó r ico .

Podemos compreender no percurso social a relação homoafetiva era e


é repudiada ainda que haja a visibilização destinada aos ‗‘arra njos‘‘
familiares atuais, nota -se resistência e preconceito quando nos referimos a
famílias formadas por uniões homoafetivas.
Considerada como comportamento inverso do tradicional, as relações
homoafetivas eram punidas, pois, o ato sexual era aceito dentro do casamento
se tivesse como finalidade a reprodução.
Como marco significativo, foi no ano de 1869 que ‗‘[...] o termo
‗‘homossexual‘‘ foi usado pela primeira vez pelo húngaro Karol y Maria
Benkert, referindo -se a quem sente atração afetiva e sexual por al guém do
13
mesmo sexo. ‘‘
Entretanto, a afirmação de que as relações homoafetivas necessitavam
de ‗‘cura‘‘ se estendeu durante longo período, caracterizada como ato de
perversão sexual.
Através de pesquisas, o campo da psicologia pôde inovar falsas ideias
a respeito da homoafetividade, com base em estudos, ‗‘[...] a partir do
advento das teorias de Freud, que afirmavam que o instinto sexual não estava
14
prioritariamente relacionado á procriação, mas sim á busca por prazer. ‘‘
As manifestações dos movimentos homoafetivos tiveram notável
influência em significativas mudanças.

12
Ibid., p.13
13
Ib id ., p .1 5 ap ud F RY ; M AC R AE, 1 9 8 3
14
Ibid., p.15
16
Destacam-se, alguns desses movimentos importantes, segundo a
autora: ‗‘Em 1969, aconteceu o Motim de Stonewall, no Greenwich Village,
grande movimento de travestis, data que institucionali zou o Dia do Orgulho
15
Day. ‘‘
No ano de 1985 a revisão do Código Internacional de Doenças alterou
a homoafetividade como distúrbio mental.
Nota-se a importante mobilização dos movimentos sociais que buscam
conscientizar e desmistificar conceitos e valores criados e reproduzidas pela
sociedade, pois,
No B r a si l, o s mo vi me n t o s ho mo s se x ua i s co meç ara m p o r vo l ta d o s a no s
4 0 , ma s ga n har a m fo r ça a p artir d a d éc ad a d e 8 0 , ap ó s a ab ert u ra p o lí ti c a
d o p ai s. As ma n i fes taçõ e s so cio -p o lí ti ca s - cu lt ur ai s e m fa vo r d o
r eco n hec i me n to d a d i ver sid ad e se x u al é no tó r ia e m to d o o mu n d o . 16

Ainda no contexto de importantes mudanças, em 1991, a Anistia


Internacional, ‗‘[...] passou a considerar a proibição da homoafetividade como
violação de direitos humanos e em 1995 muda o termo homossexualismo, em
que o sufixo ‗‘ismo‘‘ significa doença, par a homossexualidade, que significa
17
modo de ser. ‘‘
A união homoafetiva tem sido cada vez mais discutida no cotidiano
social.
Todas as conquistas obtidas até os dias atuais foram movimentos de
lutas e manifestações projetadas por pessoas que se mostraram e as que
mostram lutar contra o preconceito.
O censo do ano de 2010, seguindo informações do IBGE, registrou
cerca de 60 mil casais homoafetivos em todo país. Deve -se considerar o fato
deste apontamento ter se modificado devido termos avançado alguns anos
após o relato apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Logo, cabe frisar a família homoafetiva como parte da realidade do
século XXI, tão quanto os direitos que estes casais possuem, assim como
quaisquer outros casais que estão inserid os na sociedade.

15
GUE RI N, Ca mi la Ro ch a. A do çã o na u ni ã o ho mo a f etiv a : a sp ecto s so ci ai s e
j uríd ico s/ Ca mi la Ro c h a G uer i n . – Fra nc a: UN ES P , 2 0 0 8 , p .5 9 .
16
Ibid., p.63
17
LAPOLA, Mariana. Adoção homoafetiva: a visão dos assistentes sociais do judiciário/Maria Lapola. –
Franca: UNESP, 2009, p.16.
17
Nestes termos, a pluralidade de crenças, culturas, costumes, maneiras
de constituir as relações sociais existem, assim como a pluralidade a respeito
do direcionamento sexual dos indivíduos.

CONCLUSÃO

Em um mundo em transformação, as troc as afetivas na família são


marcas que as pessoas levarão para a vida toda, definindo direções no modo
de ser, estabelecendo as relações sociais.
Os estudos científicos avançaram e representam a mudança do
paradigma. Assim, ‗‘novas‘‘ estruturas de convívio surgiram e o
reconhecimento do afeto como importante aspectos e expandiu.
A validação dos princípios como a liberdade, igualdade e dignidade
representa a evolução dos direitos da pessoa humana.
É possível acompanharmos a amplificação dos valores histórico -
sociais e dos direitos humanos e sociais.
A ordem constitucional possibilita o entendimento sobre a promoção
do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, etnia, sexo, idade e outras
formas discriminatórias, porém é preciso reconhecer que o fato de te rmos
importantes conquistas no que diz respeito ás famílias homoafetivas, ainda há
que se avançar, pois, no cotidiano atual a realidade nem sempre condiz com
as leis, normas que defendem a escolha individual de cada um.
Tais diretrizes, encontradas na próp ria Constituição, em seus
princípios fundamentai s. Ressalta,
[ ...] a o r i e nt ação s e x u al n ão é fu nd a me n to p ara a d e s i g uald ad e. E a
te nd ê nc ia, ap es ar d a re si s tê nc ia ai nd a no tá ve l, é d e q ue o s d ire ito s s e
ig u al e m e m c u mp ri me n t o ao s p re ce ito s d a d i g n id ad e d a p es so a h u ma n a,
d a i g ua ld ad e , d a lib erd a d e e d a so lid aried ad e. 18

É fundamental destacar a função do Estado em proteger todas as


formas de família em função da razão social desta.

18
GUERIN, Camila Rocha. Adoção na união homoafetiva: aspectos sociais e jurídicos/Camila Rocha Guerin. –
Franca: UNESP, 2008, p.81
18
Desta forma, o principio de afetividade deve reger o direito de família,
e contemplar principalmente os interesses da criança e do adolescen te que
estão em processo de adoção.
Cabe a todos os profissionais envolvidos neste processo, refletir,
discutir, defender os direitos das famílias homoafetivas e buscar desmistificar
as situações que são interpretadas como tabus pela sociedade.
Para que de fato, entenda-se;
Lo go , a i nc l u são d e u m a cr ia nç a e m u ma fa mí l ia ho mo a fe ti va , a n co rad a
e m l aço s d e a f eto , d e fo r ma p úb li ca, co nt í n ua e d ur ad o ura p o d e s er
en te nd id a p ar a a sa l va g uard a d e d irei to s e gar a nt ia s fu nd a me nt ai s a el es
in er e n te s, co m o al ice r ce p r i nc ip a l d o p ri ncíp i o d o mel ho r i nte re ss e d a
cr ia n ça. 19

Portanto, constata-se as famílias homoafetivas como merecedoras de


proteção estatal, de efetivação dos seus direitos, tanto quanto para adoção
como para qualquer outro direito humano e social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. (1988). Constituição Federativa do Brasil. Disponível em:<


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.ht
m > Acesso em: 27/10/2015.

BRASIL. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm > Acesso em:
30/10/2015

BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm > Acesso em:
20/11/2015

GUERIN, Camila Rocha. Adoção na união homoafetiva: aspectos sociais e


jurídicos/Camila Rocha Guerin. – Franca: UNESP, 2008

HOMOAFETIVO, Direito. Consolidando Conquistas. Disponível em:


<http://www.direitohomoafetivo.com.br/index.php > Acesso em: 23/11/2015

19
PESSANHA, Jackelline Fraga. AS MÃOS QUE AGASALHAM:uma análise da família homoafetiva e o
princípio da proteção integral. p.17
19
LAPOLA, Mariana. Adoção homoafetiv a: a visão dos assistentes sociais do
judiciário/Maria Lapola. – Franca: UNESP, 2009

PESSANHA, Jackelline Fraga. As mãos que agasalham: uma análise da


família homoafetiva e o princípio da proteção integral. Disponível em: <
http://www.direitohomoafetivo.c om.br/anexos/artigo/104__87cf717d87aa4329
e51b3a1d9c2ca56b.pdf > Acesso em: 23/11/2015

PINHEIRO, Maria Alice S.; DUARTE, Walkiria Rodrigues; MARQUES, Paula


Alexandra C.; MARQUES, Paulo Edson. (orgs). Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo: Assistente Social Judiciário. São Paulo, 2012.

SIMÕES, Carlos. Curso de direito do serviço social / Carlos Simões. – São


Paulo: Cortez, 2007.

20
2 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O INCENTIVO À
UTILIZAÇÃO DE FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO
DE CONFLITOS NO DIREITO DE FAMÍLIA

Ana L ui za F ig u ei ra Po rto

Grad uad a e m D ire ito p ela F ac uld ad e d e


Dire ito d e Fr a nca e M es tra nd a e m D irei to
p ela U n i ver s id ad e E st ad ual P a u li st a –
UNE SP F ra nc a/ SP .

SUMÁRIO: Introdução. 1 Breve histórico sobre o surgimento do novo código de processo


civil. 2 O direito de família no novo código de processo civil. 3 O incentivo à utilização de
formas alternativas de solução de conflitos no Direito de Família. Conclusão. Referências.

RESUMO: O presente trabalho se propõe a fazer uma breve análise sobre as


mudanças trazidas pelo Novo Código de Processo Civil no âmbito do direito
de família, bem como analisar se o incentivo aos métodos alternativos de
solução de conflitos, como a conciliação e a mediação, poderão trazer a
celeridade que o poder judiciário necessita para melhorar a efetividade e o
acesso ao judiciário, possibilitando assim o exercício da cidadania plena.

Palavras chave: Direito de Família. Novo Código de Processo Civil.


Mediação. Conciliação.

ABSTRACT: This work intends to make a brief anal ysis of the changes
brought by the new Civil Procedure Code under famil y law and consider
whether the incentive for alternative methods of dispute resolutio n such as
conciliation and mediation may bring the speed that the judiciary needs to
improve the effectiveness and access to justice , thus enabling the exercise of
full citizenship.

Keywords: Famil y Law. New Code of Civil Procedure. Mediation.


Conciliation.

INTRODUÇÃO

Este artigo científico será fruto de intensa pesquisa e se utilizará dos


métodos dedutivo, dialético, bem como de uma breve análise histórica, com a
finalidade de verificar as importantes mudanças trazidas pelo Novo Código de
Processo Civil no que se refere ao Direito de Família.

21
Uma das novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil é a
criação de um capítulo específico para as ações de família, visando a proteção
dos interesses da criança e do adolescente, estabelecendo proced imentos em
que se faz necessária a presença de profissionais especializados para auxiliar
o juiz, bem como incentivando a adoção de formas alternativas de solução de
conflitos por meio da conciliação e da mediação.
Assim, o presente artigo tem o objetivo d e apresentar as novidades
trazidas pelo Novo Código de Processo Civil no Direito de Família, bem como
demonstrar que a nova codificação incentiva a utilização de formas alternas
de solucionar os conflitos, buscando o auxílio de profissionais de outras
áreas, demonstrando que as mudanças trazidas são de fundamental
importância para solucionar os casos que tem por objeto a família.

1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SURGIMENTO DO NOVO CÓDIGO DE


PROCESSO CIVIL.

Através do ato nº 379/2009 do Presidente do Senado fora instaurada


uma comissão de juristas com o objetivo de elaborar um Novo Código de
Processo Civil, buscando dar maior celeridade aos processos, bem como
harmonizar a legislação processual, que sofreu diversas alterações durant e
todo o seu período de vigência , sendo apresentado o primeiro projeto em
junho de 2010 1.
O PLS nº 166/2010 foi aprovado pelo Senado Federal em dezembro de
2010, sendo aprovado também perante a Câmara dos Deputados, sob a
denominação de PL nº 8.046/2010. A votação foi concluída no Senado em
sessão realizada no dia 17 de dezembro de 2014, após análise de diversos
destaques e em 16 de março de 2015, foi sancionado o novo Código de
Processo Civil, Lei n. 13.105/2015, com prazo de vacatio legis de 1 (um)
ano 2.

1
HARTMANN. Rodolfo Kronemberg, O Novo Código de Processo Civil:Uma breve apresentação das
principais inovações. In: Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 235-281, mar. - mai. 2015.
Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista68/revista68.pdf . Acesso em 27
de outubro de 2015.
2
HARTMANN. Rodolfo Kronemberg, O Novo Código de Processo Civil:Uma breve apresentação das
principais inovações. In: Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 235-281, mar. - mai. 2015.
22
Sendo assim, fora sancionado um Novo Código de Processo Civil, o
qual trouxe um Capítulo para o Direito de Família como novidade, sendo de
grande importância o seu estudo, tendo em vista que o referido Código
passará a ser aplicado em breve, ou seja, a partir de 16 de março de 2016
entrará em vigor, devendo, portanto, ser compreendido por todos os juristas e
aplicadores da norma, tendo em vista que se trata de um avanço, e se for bem
utilizado, poderá trazer inúmeros benefícios.

2 O DIREITO DE FAMÍLIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O Direito de Família ganhou uma importante e inédita regulamentação


no novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), que no Título III -
Dos Procedimentos Especiais – Capítulo X – Ações de Família – artigos 693 a
699.
Nos dizeres de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, as
ações de família são aquelas em que ―as partes lidam com questões vinculadas
às relações de família, ligadas as obrigações estipuladas pela lei ou pelas
próprias partes em decorrência dos vínculos de afetividade e ou
3
consangüinidade que as conectam, e que se iniciam de forma litigiosa‖ .
Conforme previsão legal, as normas do referido capítulo aplicam -se
aos processos contenciosos, de divórcio, separação, reconhecimento e
extinção de união estável, guarda, visitação e filiação 4, não se aplicam
portanto aos processos em que as partes chegaram a um consenso.
A legislação específica que se refere ao direito de família é ampla e
vasta, como exemplo, a Lei de alimentos (Lei n. 5.478/1968), a Lei do
divórcio e separação (Lei n. 6.515/1977), o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n. 8.069/1990) entre outras, prevendo o novo Código de

Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista68/revista68.pdf . Acesso em 27


de outubro de 2015.
3
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1512.
4
―Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação,
reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação.‖ In: BRASIL. Código de Processo
Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Planalto. Brasília/DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 25 de outubro de 2015.
23
Processo Civil a aplicação das disposições gerais previstas no Capítulo X, do
Título III, conforme fora supramencionado. 5
O Novo Código de P rocesso Civil estabeleceu que no artigo 699 que
―Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a
alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar
acompanhado por especialista.‖
Esta previsão é de extrema e importante relevância, e está em
harmonia com a Lei n. 12.318/2010 (Alienação Parental), bem como com a
Recomendação n. 33/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
Isto porque, com a referida previsão legal, a tendência é que o
depoimento colhido nestes casos seja realizado de forma especial e no melhor
interesse da criança e do adolescente, ou seja, deverá ser realizado do modo
menos gravoso possível.
A recomendação é que se faça em ambiente separado da sala de
audiências, com a participação de profissio nal especializado, utilizando a
técnica da entrevista cognitiva, também chamada de entrevista sem dano,
oferecendo um ambiente confortável e acolhedor, e evitando o uso de técnicas
de entrevistas, que propiciam o surgimento de informações errôneas ou
induzam o surgimento de falsas memórias. 6
Além disso, o código traz diversas disposições que nos fazem concluir
pela intenção de incentivar o uso da conciliação e mediação entre as partes.
Um dos grandes avanços trazidos nesse sentido é que a citação não é
acompanhada da contra-fé, o que possibilita às partes maiores chances de
solução do litígio, tendo em vista que o réu não terá acesso as acusações
feitas pelo autor.

5
―Art. 693. (...) Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de
adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as
disposições deste Capítulo.‖ In: BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015.
Planalto. Brasília/DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 25 de outubro de 2015.
6
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas
comparativas ao CPC/1973. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 963.

24
3 O INCENTIVO À UTILIZAÇÃO DE FORMAS ALTERNATIVAS DE
SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO DIREITO DE FAMÍLIA

Os artigos 694 a 696 do Código de Processo Civil trouxeram


disposições especificas para a solução alternativa de conflitos no direito de
família, prevendo a utilização de conciliação e mediação, bem como a
participação de profissionais especializa dos de outras áreas de conhecimento
para se chegar à solução do conflito.
Essa regulamentação irá trazer avanços significativos para a solução
das controvérsias no direito de família, tendo em vista que possibilita a
solução do litigo pelas partes logo no início da ação, com o auxílio de
profissionais capacitados e especializados para buscar a melhor forma para
resolver o problema enfrentado de forma célere e eficiente.
Uma diferença muito interessante trazida pelo Código de Processo
Civil é a primazia da s olução consensual da controvérsia, ou seja, enquanto
em outros casos no código a conciliação e a mediação são apenas estimuladas
para que as partes possam chegar a um consenso, nos casos envolvendo
conflitos de família não haverá espaço para a não realizaç ão da audiência
prévia de conciliação ou mediação, ainda que as partes expressa e
7
previamente, tenham se manifestado nesse sentido.
Nesse sentido, o artigo 694 do Novo Código de Processo Civil
estabelece que: ―Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos
para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio
de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e
conciliação‖ 8.
A primazia pela solução consensual fica clara quando o legislador
estabelece que todos os esforços serão empreendidos para a solução
consensual do litígio, não restando dúvidas de que o Novo Código de

7
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado: com remissões e notas
comparativas ao CPC/1973. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 961.
8
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Planalto. Brasília/DF. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 25 de outubro de
2015.

25
Processo Civil estimula e incentiva a resolução dos conflitos de forma
alternativa na área do direito de família.
Além disso, importante d estacar que há previsão expressa de que o
juiz deve dispor do auxilio de profissionais de outras áreas de conhecimento
para a mediação e conciliação, o que demonstra grande avanço para que as
controvérsias sejam devidamente solucionadas.
Isto porque, os li tígios de família vêm sempre acompanhados de
emoções e problemas familiares, sendo outros profissionais, como psicólogos,
psiquiatras e assistentes sociais, mais adequados para tratarem destes
problemas, o que aumentará significativamente as chances de se obter êxito
na aplicação destas formas alternativas de solução de problemas.
Destaca-se aqui o Enunciado n. 187 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis (FPPC) que traz a seguinte redação: ―No emprego de
esforços para a solução consensual do litígio fa miliar, são vedadas iniciativas
de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem, assim como
as de aconselhamento sobre o objeto da causa. (Grupo: Procedimentos
Especiais) ‖. 9
Sendo assim, é muito importante o treinamento prévio destes
profissionais para que possam exercer sua contribuição de maneira eficaz e
eficiente.
O Estatuto das Famílias, em seu artigo 146, no capítulo que disciplina
o processo e o procedimento no direito de família, também incentiva a
utilização da conciliação e da med iação como formas de solucionar os
conflitos entre as partes do litígio familiar, estabelecendo que se pode
determinar ―a realização de estudos psicossociais, bem como o
10
acompanhamento psicológico das partes.‖
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Ne ry trazem importante
contribuição ao analisarem a diferença entre conciliação e mediação, prevista
no Estatuto das Famílias, Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013, sendo a
conciliação ―a procura de um acordo entre as partes, a qual sempre deve ser

9
BRASIL. Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Vitória, 01º, 02 e 03 de maio de
2015. Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf.
Acesso em 15 de outubro de 2015.
10
BRASIL. Estatuto das Famílias. Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013. Disponível em:
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115242. Acesso em 18 de outubro de 2015.
26
buscada, e deve ser sempre sugerida a prática da mediação, a reconexão e a
pacificação da relação existente entre as pessoas envolvidas.‖. 11
Ou seja, a conciliação é considerada um procedimento mais rápido e
normalmente utilizada em situações em que o conflito t em cunho patrimonial
ou obrigacional. É eficaz quando as partes envolvidas no conflito buscam
realizar um acordo imediato para finalizar o processo judicial. Já a mediação
difere da conciliação em vários aspectos, isto porque, normalmente a
mediação cuida de conflitos de cunho emocional, ligados a relação familiar
existente entre as partes. 12
No tocante a mediação, Liz Weingärtner esclarece que o procedimento
"demanda um conhecimento mais aprofundado do terceiro com referência a
inter-relação existente entr e as partes." 13 Ou seja, nesse momento processual é
importante que o Juiz tenha o auxílio de outros profissionais, como
psicólogos e assistentes sociais, para que, com a reunião dos conhecimentos
da equipe multidisciplinar, seja solucionado o litígio de for ma criativa e
eficiente.
O Novo Código de Processo Civil prevê ainda que enquanto os
litigantes se submetem à mediação ou atendimento multidisciplinar, se as
partes requererem, o processo pode ficar suspenso 14, o que pode ser
importante, tendo em vista que com a mediação o conflito pode ser
solucionado e o processo perderia seu objeto, bem como porque enquanto se
realizam estes procedimentos alternativos para solução dos conflitos, outros
processos terão sua tramitação mais célere.
Importante destacar que a pratica destes procedimentos alternativos
não irão tornar a justiça mais morosa, tendo em vista que o processo ficará
suspenso, mas enquanto isto outros processos terão seu andamento mais

11
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1514.
12
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1514.
13
WEINGÄRTNER, Lis. Mediação é escolha alternativa para resolução de conflitos. Publicado na Revista
Justilex, ano VII, nº 76, abr. 2009, p. 12-15.
14
―Art. 694. Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo
enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.‖ In: BRASIL.
Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Planalto. Brasília/DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 25 de outubro de 2015.

27
célere, tendo em vista que diminuirá a quantidade de processos tram itando
normalmente.
Além disso, segundo Fredie Souza Didier Júnior, os métodos
alternativos foram baseados em ―diversos estudos e concretiza a política
pública nacional existente desde 2010, a partir da Resolução n. 125 do
Conselho Nacional de Justiça. 15‖
Neste sentido, necessário trazer que a Resolução n. 125, do Conselho
Nacional de Justiça, de 29 de novembro de 2010, considera:
q ue , (...), cab e ao J ud i ciár io es tab ele cer p o l ít i ca p úb li ca d e
tr at a me n to ad eq uad o d o s p ro b le ma s j u ríd i co s e d o s co n fli to s
d e i n tere s se s, q u e o co r re m e m la r ga e cre s ce nt e e s cal a n a
so c ied ad e, d e fo r ma a o rg a ni zar, e m â mb i to n acio n al, não
so me n te o s ser vi ço s p r es tad o s no s p ro ce s so s j ud i ci ai s, co m o
ta mb é m o s q ue p o s sa m sê - lo med ia nt e o utro s me ca n is mo s d e
so l u ção d e co n flito s, e m es p ec ial d o s co n se n s ua is , co mo a
med ia ção e a co n ci li açã o ;
( ...)
q ue a co nc ili ação e a med ia ção são i n s tr u me n to s e fet i vo s d e
p aci f ica ção so ci al, so l u ção e p re ve nç ão d e li tí gio s, e q ue a
s ua ap ro p ri ad a d i sc ip l i n a e m p ro gra ma s j á i mp l e me nt ad o s no
p aí s te m red u zid o a e xc es si v a j ud i cia li zaç ão d o s co n fl ito s d e
in ter es s es , a q ua n tid a d e d e rec ur so s e d e ex ec uç ão d e
se n te nç as ;
( ...)
q ue a o r g a niz ação d o s ser vi ço s d e co nc il iaç ã o , med ia ção e
o ut r o s méto d o s co ns e n s ua is d e so l uç ão d e c o n fli to s d e ve
ser v ir d e p r i nc íp io e b as e p ara a cr iaç ão d e J u ízo s d e
r eso l ução a lter n at i va d e c o n fl ito s, v erd ad eiro s ó r gão s
j ud ic ia is e sp ec ia liz ad o s na mat éri a; 16

Estabelece ainda em seu artigo 12 que ―somente serão admitidos


mediadores e conciliadores capacitados na forma deste ato (Anexo I ), cabendo
aos Tribunais, antes de sua instalação, realizar o curso de capacitação,
podendo fazê-lo por meio de parcerias.‖ 17
Outra questão interessante é que a audiência de mediação e
conciliação pode ser realizada em mais de uma sessão, podendo ser dividi da
em tantas sessões quantas forem necessárias para a solução da controvérsia.

15
DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Entrevista: Novos Significados. In: Novo Código de Processo Civil.
Revista IBDFAM. 19.ed. fev. - mar. 2015. p.6.
16
BRASIL. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. Planalto.
Brasília/DF. Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579. Acesso em 25 de outubro
de 2015.
17
BRASIL. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça. Planalto.
Brasília/DF. Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579. Acesso em 25 de outubro
de 2015.
28
Trata-se de mais um grande avanço na aplicação da solução alternativa
da controvérsia, tendo em vista que em muitos casos, nas primeiras sessões
temos inúmeros avanços, que cami nham para a solução do caso, mas que
precisam ser explorados e aperfeiçoados em novas sessões, até que se
encontre uma forma em que as partes cheguem a um acordo, fazendo
concessões recíprocas e colocando fim ao conflito que gerou aquele processo
contencioso judicial.

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que o Novo Código de Processo Civil tem o


potencial de proporcionar, ao menos na área do Direito de Família, mudanças
positivas, as quais visam a proteção dos interesses da criança e do
adolescente e do incapa z, bem como, buscam dar eficiência e celeridade aos
procedimentos referentes aos conflitos familiares.
O incentivo à utilização de formas alternativas de solução de conflitos
sem dúvida alguma será um instrumento hábil para propiciar a celeridade nos
procedimentos judiciais, o que aumentará o acesso à justiça, mas deve ser
utilizado com seriedade e com o intuito de se buscar a solução do conflito,
para que não se torne mais uma etapa do procedimento nas ações de família.
Isto porque, se a etapa prévia do pr ocedimento nas ações de família
for utilizada de má -fé, apenas para procrastinar o andamento do feito, poderá
trazer grandes prejuízos não só para as partes, mas também para o judiciário,
que não solucionará o problema do conflito das partes na audiência p révia de
conciliação ou mediação, e terá um número crescente de processos, além dos
maiores custos para implementação de mais uma etapa no procedimento.
Não podemos olvidar que o Poder Judiciário encontra -se com um
número grande e crescente de processos em tramitação e ativos, e que
somente com cooperação e a ação conjunta, através da utilização consciente
dos meios alternativos para solução de conflitos, é que o acesso a justiça
poderá progredir e tornar -se mais eficaz, proporcionando assim o exercício
pleno da cidadania.

29
REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015.


Planalto. Brasília/DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015 -2018/2015/ Lei/L13105.htm .
Acesso em 25 de outubro de 2015.

BRASIL. Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis .


Vitória, 01º, 02 e 03 de maio de 2015. Disponível em:
http://portalprocessual.com/wp -content/uploads/2015/06/Carta -de-
Vit%C3%B3ria.pdf. Acesso em 15 de outubro de 2015.

BRASIL. Estatuto das Famílias. Projeto de Lei do Senado nº 470, de 2013.


Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/ -
/materia/115242 . Acesso em 18 de outubro de 2015.

BRASIL. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho


Nacional de Justiça . Planalto. Brasília/DF. Disponível em
http://www.cnj.jus.br/busca -atos-adm?documento=2579. Acesso em 25 de
outubro de 2015.

DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Entrevista: Novos Significados . In: Novo


Código de Processo Civil. Revista IBDFAM. 19.ed. fev. - mar. 2015. p.6.

HARTMANN. Rodolfo Kronemberg, O Novo Código de Processo Civil:Uma


breve apresentação das principais inovações. In: Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 68, p. 235 -281, mar. - mai. 2015. Disponível em:
http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista68/revista68.p
df . Acesso em 27 de outubro de 2015.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado:


com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 3 ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao


Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

WEINGÄRTNER, Lis. Mediação é escolha alternativa para resolução de


conflitos. Publicado na Revista Justilex, ano VII, nº 76, p. 12 -15, abr. 2009.

30
3 DISSOLUÇÃO CONJUGAL POR INFIDELIDADE VIRTUAL:
É POSSÍVEL REPARAÇÃO DE DANOS?
An ne Ca ro li ne Pri mo Á v ila

Me stra nd a no P ro gr a m a d e P ó s -G rad ua ção


e m D ire ito p ela F C HS – U ne sp /Fr a nca .
Ad vo gad a i n scri ta n a O AB /SP . O fi cia l
Ad mi n is tra ti vo no Dep a rta me n to E st ad ual d e
T râns ito d o Es tad o d e São P a u lo . E - ma i l:
an n ea vi la_ 9 0 @ ya h o o .co m.b r .

SUMÁRIO: Introdução. 1 Casamento, proteção da entidade familiar e os


deveres conjugais . 2 Descumprimento do dever de fidelidade virtual . 3 A
reparação de danos nos casos de infidelidade virtual . Conclusão. Referências.

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo discutir a dissolução conjugal


nos casos de reconhecida infidelidade virtual e a possibilidade de reparação
de danos. Para tanto serão abordados a importância do casamento, a proteção
da entidade familiar, os deveres conjugais e o descumprimento do dever de
fidelidade recíproca . Em seguida será debatida se os relacionamentos
amorosos virtuais podem ou não configurar infidelidade virtual e qual a
compreensão acerca desse tema. Após compreender essa espécie de
infidelidade adotada por parte da doutrina, abordar -se-á a reparação de danos
e o entendimento atual do judiciário sobre o tema.

Palavras-chave: infidelidade virtual . reparação de danos. direito de família.

ABSTRACT: This work is scope to discuss the marital dissolution in cases of


recognized virtual infidelit y and the possibilit y of damage repair. For this
will be addressed the importance of marriage, protection of the famil y unit,
the conjugal duties and the breach of the dut y of mutual fidelity. Next will be
discussed if the virtual romantic relationships may or may n ot configure
virtual infidelit y and how understanding this issue. After understanding this
kind of infidelit y adopted by the doctrine, it will be addressed to repai r
damage and the current legal understanding of the subject

Key-words: virtual infidelit y. repair damage. famil y law.

INTRODUÇÃO

A cada ano que passa as relações humanas assumem novas diretrizes,


provocando mudanças no comportamento social e consequentemente no
direito.

31
A era da informática, a qual vivemos na atualidade é a grande
responsável pelos novos tipos de relações, sejam elas de amizade ou
amorosas.
Hoje é possível conhecer e se relacionar com pessoas do outro lado do
estado, país ou até mesmo do mundo.
É nesse contexto que está inserida a temática abordada por este
trabalho. Serão discutidas as relações extraconjugais no ambiente virtual, sua
existência e consequente reprovabilidade.
Para tanto passaremos pela instituição do casamento, abordando sua
importância, a proteção jurídica e social dada à entidade familiar. Serão
citados os d everes conjugais e sobretudo o dever de fidelidade recíproca, que
deriva do caráter monogâmico do casamento.
Em seguida, será trabalhado o descumprimento do dever de fidelidade
recíproca e suas consequências, sejam elas a dissolução conjugal e por fim, a
possível reparação de danos.
O objetivo de se trabalhar a possibilidade de reparação de danos nos
casos de infidelidade virtual se dá tanto pela mudança das relações sociais,
como já citado e o que essas ações provocam na pessoa vítima da
infidelidade.
E nesse liame será desenvolvida a temática com observância de
posicionamentos doutrinários contrários e o entendimento do judiciário.

1 CASAMENTO, PROTEÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR E OS


DEVERES CONJUGAIS

O casamento, desde os tempos mais remotos sempre carregou em seu


bojo uma grande importância social e jurídica. Para muitos, mais que o elo
que une duas pessoas, é o símbolo de uma construção de ideais e felicidade
em conjunto.
Para Maria Helena Diniz, o casamento é ―a mais importante e poderosa
de todas as instituições de direito privado, por ser uma das bases da família,
que é a pedra angular da sociedade‖ 1.

1
DINI Z, M ar i a Hel e na. Cu rso d e Dir eito C iv i l B ra s il ei ro : 5 . D irei to d e F a mí li a . 2 5 ed .
São P a u lo : Sar ai v a, 2 0 1 0 . p .3 7 .
32
A pedra angular era aquela que dava base e sustentação nas
construções de imóveis, e a comparação se dá, por ser o casamento a base de
sustentação da famíl ia.
No entendimento de Sílvio de Salvo Venosa o casamento é:
o cen tr o d o d ir ei to d e fa míl ia. De le irr ad i a m s ua s no r ma s fu nd a me nt ai s.
S ua i mp o r tâ n cia , co mo ne gó cio j ur íd i co fo r ma l, va i d esd e as
fo r ma l id ad e s q u e a n te c ed e m s ua ce leb r ação , p as sa nd o p elo a to ma ter i al
d e co nc l u são at é o s e fe ito s d o ne gó c io q u e d e s ág u a m n as re laçõ es e n tr e
o s cô nj u ge s, o s d e vere s re cíp ro co s , a cri ação e a s si st ê nc ia ma ter ia l e
esp ir i t ual r ec íp r o c a e d a p ro le etc . 2

Nesse sentido, defende também que seu conceito ―não pode ser
imutável. No passado, por exemplo, quando inexistente divórcio entre nós,
cabível nas definições a referência à indissolubilidade do vínculo‖ 3.
Assim, conforme as relações sociais foram sendo modificadas, assim
também o foi a instituição do casamento.
Dada sua importância, a previsão legal do instituto se dá tanto pela
Constituição Federal, em seu artigo 226, que estabelece que ―A família, base
da sociedade, tem especial proteção do Estado‖, bem como no Código Civil
em seu artigo 1.511, que prevê: ―O casamento estabelece comunhão plena de
vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges‖.
Dessa forma, além de sua relevância social, a importância do
casamento e da entidade familiar tem suas garantias em nosso ordenamento
jurídico.
Retomando a temáti ca elencada retro, das modificações sociais, é
possível observar que a figura do casamento foi de certa forma ampliada,
ganhando novos padrões de convivência amorosa e novos formatos, sejam eles
a união estável, estabelecida também pelo Código Civil, bem c omo das uniões
homoafetivas reconhecidas pela ADI 4.277/2011.
Utilizando do conceito tradicional de casamento têm -se que é o
―vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material

2
VEN OS A, Si l vio d e S al vo . Di reito Civ il: Di re ito d e Fa mí lia . 1 1 ed . São P a u lo : Atl a s,
2011. p. 25.
3
VEN OS A, Si l vio d e S al vo . Di reito Civ il: Di re ito d e Fa mí lia . 1 1 ed . São P a u lo : Atl a s,
2011. p. 25.
33
e espiritual, de modo que haja uma integração f ísico psíquica e a constituição
4
de uma família‖
Nesse sentido, é possível observar que por esse conceito há o
reconhecimento de uma união somente entre homem e mulher.
A união estável, que foi estabelecida não pela Constituição Federal
(226, §3°, CF) mas também pelo Código Civil (arts. 1.723 a 1.727 do CC),
tem proteção do Estado como entidade familiar, sendo facultada ainda sua
conversão em casamento.
Outra classificação que deve ser incluída nesse debate é o das u niões
homoafetivas, que como mencionado, foram estabelecidas pela ADI
4.277/2011, que deu nova interpretação ao artigo 1.723 CC, o qual passou a
reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e posteriormente,
em 2012, foram sendo autorizadas judicialmente sua conversão em casamento.
No Código Civil, artigo 1.566, há ainda um rol que estabelece os
deveres conjugais, pensados para a boa manutenção do casamento. Esses
deveres são: a) fidelidade recíproca; b) vida em comum, no domicílio
conjugal; c) mútua assistência; d) sustento, guarda e educaçã o dos filhos; e)
respeito e consideração mútuos.
Apesar de serem deveres legais, há um fundo moral muito forte que
impulsiona as referidas obrigações conjugais.
Um dos objetos de estudo desta pesquisa será o primeiro dever, que é
o de fidelidade recíproca.
Clóvis Beviláqua, citado por Maria Berenice Dias afirma que:
En tr e o s mú t u o s d ire ito s e d e vere s p o sto s no ar t. 1 .5 6 6 d o Có d i go C i vi l,
o p r i mei r o d el es é o d e fid e lid ad e rec íp ro c a, q ue r ep re se n ta a na t ura l
exp r e ss ão d a mo no g a mi a, nã o co ns ti t ui nd o t ão so me n te u m d e ver mo r a l,
ma s é e xi g id o p elo d irei to e m no me d o s s up er io re s i n tere s se s d a
so c ied ad e. 5

O trecho citado só reforça o que já foi explanado supra, que é a


fidelidade recíproca além de um dever legal, um dever moral.

4
DINI Z, M ar i a Hel e na. Cu rso d e Dir eito C iv i l B ra s il ei ro : 5 . D irei to d e F a mí li a . 2 5 ed .
São P a u lo : Sar ai v a, 2 0 1 0 . P . 3 7 .
5
B EVI LÁQ U A, C ló vi s ap ud DI AS, Mar ia B ere n ic e. O dev e r de f i del i da d e . D i sp o ní ve l e m:
<h ttp :/ / www. mar iab er e n ice. co m.b r / up lo ad s /2 _ -_ o _ d ev er_ d e_ fid el id ad e.p d f> . Ace s so e m:
3 0 se t. 2 0 1 5 . p . 0 2 .
34
Conforme Maria Berenice Dias, não é possível cobrar seu
adimplemento judicialmente, já que é questionável o tipo de obrigação a ser
exigida e o caráter subjetivo da mesma, mas serve para justificar a busca do
término do casamento, pela dificuldade na mantença da relação conjugal. 6
Segundo Venosa, esse dever é ―corolário da família monogâmica
admitida por nossa sociedade. A norma tem caráter social, estrutural, moral e
normativo, como é intuitivo‖ 7.
O dever da fidelidade recíproca decorre diretamente do princípio da
monogamia, que estabelec e que os casamentos ou relações amorosas se deem
somente entre duas pessoas.
O descumprimento desse princípio legal culminará na infidelidade
conjugal, que acarretará consequências jurídicas civis, como o desfazimento
da relação conjugal ou prejuízo patrim onial 8, como Venosa também ressalta e
poderá melhor será observado no item a seguir.

2 DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE RECÍPROCA E A


INFIDELIDADE VIRTUAL

Como pode ser observado anteriormente, a quebra do dever de


fidelidade recíproca pode acarretar consequências civis, como a dissolução
conjugal ou até mesmo a reparação de danos.
Há alguns anos o adultério era punido criminalmente, posteriormente
essa conduta passou a ser transgressão somente na seara cível dada a
reprovabilidade da conduta perante a sociedade.
Nesse sentido será inserida a temática da infidelidade virtual e a
possível reprovabilidade dessa conduta derivada dos novos meios de
comunicação. A grande questão é se a infidelidade que decorre das relações
virtuais pode ser conside rada como violação desse dever e se pode ou não
gerar indenização.
As mudanças tecnológicas provocaram consequentemente mudanças no
comportamento social e nas novas formas de se relacionar.
6
DI AS, Mar ia B er en ice . O dev er de fi de li da d e . Di sp o n í vel e m:
<h ttp :/ / www. mar iab er e n ice. co m.b r / up lo ad s /2 _ -_ o _ d ev er_ d e_ fid el id ad e.p d f> . Ace s so e m:
3 0 se t. 2 0 1 5 . p . 0 2 .
7
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 147.
8
Ibid. p. 147.
35
O relacionamento virtual é tido como um relacionamento alternativo ,
no qual não há as preocupações dos relacionamentos convencionais, e essa
fuga da realidade faz com que tais relações sejam mais idealizadas e até
mesmo mais procuradas.
No entanto, essa aproximação entre pessoas distantes através da
internet, acarretou ao mesmo tempo a facilitação, no âmbito das relações
conjugais, a traição. 9
Alexandre Rosa citado por Maria Berenice afirma que a
correspondência virtual de presta à ―fuga da realidade frustrante. No campo
dos relacionamentos afetivos, o uso do computador p ossibilitou a utilização
do véu virtual, rompendo com a necessidade antes inafastável do contato
físico.‖ 10
Sobre o assunto há uma discussão doutrinária. Existem autores que
consideram a existência da infidelidade virtual e reforçam a tese de que a
mesma deve ser indenizada conforme o caso prático. Outros afirmam que as
relações meramente virtuais sequer poderiam serem tidas como infidelidade,
traição.
Arnold Wald, citado por Maria Berenice afirma que:
A te nd ê nc ia é co n sid er ar a co mu n i c ação , ma n tid a atr a vé s d a i nt er net ,
co mo ―i n fid el id ad e vir t ua l‖, re ser v a nd o - se a exp r e ss ão ―ad ul tér io ‖ a o
r ela cio na me nto se x ua l real. E s sa d i st i nção , n o e nt a nto , não e nco n tr a
r esp ald o n a d o u tri n a tr ad ic io nal , q ue se mp re d is ti n g u i u a fid el id ad e no
se n tid o fí si co e mo r al. A fid el i d ad e fís ic a co rr esp o nd e à ma n u te nç ão d e
r ela çõ e s se x u ai s e x cl u si va me n t e co m o o u tro c ô nj u ge. J á a i n fid e lid ad e
mo r al a fr o nt a ao d e ver d e le ald ad e d e cad a u m d o s me mb ro s d o c as al p ar a
co m o o utr o , e n ão e st á mu n i d a d e s a nção e fi ci e nt e. 11

Segundo Wald, o termo infidelidade virtual não é utilizado pela


maioria da doutrina, no entanto, sua descrição caberia perfeitamente na
infidelidade moral, já que a mesma provém do dever de lealdade entre os
cônjuges.

9
W AG NE R, Ma ga li M a g n u s ap ud P AMP LO N A, Da ni el Alb er to . I n fid el id ad e vi rt ua l.
Rev i sta J us Na v ig a n d i , T er es i na, a no 1 6 , n. 3 0 1 1 , 2 9 set . 2 0 1 1 . Di sp o ní v el e m:
<h ttp :/ /j u s. co m.b r / ar t i g o s/2 0 1 0 1 >. Ace s so e m: 3 0 se t. 2 0 1 5 .
10
DI AS, Mar ia B er e n ice . M a nua l de D ire ito da s Fa mí lia s . 1 0 ed . São P a ulo : R e vi st a d o s
T rib u na is , 2 0 1 5 . p . 1 7 1 .
11
WALD, Arnold apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 171.
36
Maria Berenice ao citar Alexandre Rosa afirma que não há que se falar
em traição virtual 12. Ela admite a possibilidade de infidelidade só quando há
risco dessas relações gerarem contato sexual. E ainda sobre os meios de prova
utilizados para aferir essa infidelidade que ela não reconhece, aborda a
inviolabilidad e do sigilo de correspondência e invasão de privacidade, mesmo
13
que as contas não estejam protegidas por senha.
Para a outra corrente contrária essas relações amorosas virtuais são
sim consideradas como infidelidade por força a quebra do dever de fidelida de
recíproca.
Essa infidelidade virtual se caracteriza pela falta de consentimento do
outro cônjuge para permear o cyberespaço nos denominados cyberaffairs. 14
Nesses casos há a violação do respeito mútuo (caráter subjetivo), que
varia de casal para casal (c oncepção de relacionamento).E o grande problema
está no enganar o outro.
O consentimento descaracteriza a infidelidade e não dá direito à
indenização.
No entendimento de Caio Mário da Silva Pereira: ― a jurisprudência e a
doutrina criaram o conceito de ‗inf idelidade moral‘, a qual não é tomada em
sentido estrito, senão como injúria grave relativa à separação judicial
contenciosa‖. 15
Caio Mário, ressalta ainda que: ― fala-se, hoje, em‗infidelidade virtual‘
onde os relacionamentos extra matrimoniais dão -se no universo da
informática, especificamente via Internet, o que não deixa de caracterizar uma
atitude de efetivo desrespeito ao outro cônjuge ‖. 16
Assim, para essa corrente, a existência da infidelidade se dá pelo
desrespeito apresentado pelo cônjuge que pratica mantém o relacionamento
virtual.

12
RO S A, Al e xa nd r e ap ud DI AS, Mar ia B ere n ic e. M a nua l de D ir eito da s Fa mí lia s . 1 0 ed .
São P a u lo : R e vi st a d o s T r ib u na is , 2 0 1 5 . p . 1 7 2 .
13
W AG NE R, M a gal i M a g n u s ap ud DI AS, M ar ia B ere n ic e. M a nua l de D ir eito da s
Fa mí lia s . 1 0 ed . São P a ulo : Re v i sta d o s T rib u n a is, 2 0 1 5 . p . 1 7 2 .
14
Ib id .
15
P EREI R A, Caio Már io d a Si l va. I n stit ui çõ e s d e dir eito civ il : d irei to d e fa mí li a. 1 4 . ed .
Rio d e J a ne ir o : Fo r e n se, 2 0 0 4 . v . 5 .p . 1 7 1 .
16
Ib id .
37
É certo que todas as violações do dever de fidelidade estão
relacionadas, cumulativamente, a violações do dever de respeito.
Como já citado, as relações entre duas pessoas decorre da monogamia.
No entanto, existem relações mantidas entre mais de duas pessoas, fugindo
desse padrão legal e social.
Como exemplos de relações simultâneas consentidas, virtualmente ou
não, podemos citar as relações de p oliamor. Uma observação important e
nesses relacionamentos é que eles prezam também pela fidelidade entre seus
parceiros.
Em virtude também do princípio da monogamia, os casais poligâmicos
não possuem reconhecimento legal.
O dever de fidelidade recíproca exaustivamente desenvolvido é um
dever legal e moral como já mencionado. Já ve m sendo reconhecida pelo
judiciário brasileiro a infidelidade virtual acarretando também a dissolução
conjugal por quebra da confiança, bem como a reparação danos, em virtude da
injúria grave (ofensa moral).

3 A REPARAÇÃO DE DANOS NOS CASOS DE INFIDELIDA DE


VIRTUAL

A reparação civil se dá sempre que ocorre um ato ilícito que cause


dano a outrem.
Maria Helena Diniz ao tratar do assunto, expõe:
O Có d i go C i vi l, e m s e u a rt. 1 8 6 , ao se r e fer i r ao ato i líc ito , p re scr e ve
q ue e ste o co r r e q ua nd o al g ué m, p o r ação o u o mi s s ão vo l u n tár ia (d o lo ),
vio la d ir ei to o u ca u sa d ano , ai nd a q ue e xcl u s i va me n t e mo ral , a o u tre m,
e m fa ce d o q ue s erá resp o n sab il izad o p e la rep araç ão d o s p rej u ízo s.
Est ab e lec e es se d ip lo m a le ga l o ilíc ito co mo fo nte d a o b r i gaç ão d e
ind e ni zar d a no s ca u sa d o s à v ít i ma . 17

Essa indenização obedecerá a vários critérios, que serão desenvolvidos


abaixo, mas o dano provocado na vítima pode se apresentar de várias formas,
mas principalmente como dano moral, que segundo Venosa é ―o prejuízo que
afeta o ânimo psíqu ico, moral e intelectual da vítima.‖ 18

17
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: 7. Responsabilidade Civil. 21 ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p.40.
18
VEN OS A, S íl v io d e Sa lvo . D ir eito Civ il : R es po n sa bi li da de civ il . 1 1 ed . São P a u lo :
Atl a s, 2 0 1 1 . p .4 9 .
38
A necessidade de se atribuir a indenização se dá pelo sofrimento
causado pela infidelidade.
Essa reparação de danos ocorre sempre que houver lesão ao bem
jurídico de alguém e decorre da responsabilidade civil de indeni zar.
Para caracterizar o dever de indenizar deverá haver: a)dano; b)nexo
causal e c) resultado. A indenização serve não só para dirimir a dor,vexame,
sofrimento passados pela vítima, como para reprimir o ato lesivo. Há dessa
forma um caráter preventivo, pu nitivo e compensatório.
Para atribuição da indenização são adotados os seguintes critérios: a)
gravidade do ato; b) teor da ofensa; c) alcance da ofensa; e d) estado
econômico do agressor.
E os meios de provas utilizados são todos aqueles que demonstrem a
infidelidade conjugal através da internet, principalmente trocas de mensagens
por e-mail, redes sociais, desde que respeitadas a privacidade.
Conforme mencionado, o judiciário tem reconhecido os danos das
relações amorosas extraconjugais no âmbito virtual.
Para tanto, segue a título exemplificativo, trecho de uma sentença
proferida em um desses casos:
P ar a o j uiz , o ad u lt ério fo i d e mo n str ad o p el a tr o ca d e fa n ta sia s eró ti ca s.
A s it ua ção fi co u ai nd a ma i s gra ve p o rq u e, ne ss as o c as iõ e s, o e x mar id o
fa zi a co ma o u tr a co me nt ário s j o co so s so b r e o d ese mp e n ho s e x ua l d a
esp o sa, a fi r ma nd o q u e e la ser ia
u ma p e s so a f r ia na c a ma: Se a tra ição , p o r s i só , j á ca u sa ab a l o
p si co ló g ico ao cô nj u ge traíd o ,te n ho q u e a ho nr a s ub j et i va d a a u to ra fo i
mu i to ma i s a gr ed id a , e m sab er q ue se u ma rid o , alé m d e tr aí - la, n ão a
r esp eit a va, f aze nd o co me n tár io s d i fa mató rio s q ua n to à s ua vid a í n ti ma ,
p er a nt e s ua a ma n te , a fir ma a se n te nç a. As p r o va s fo ra m co l h id a s p e la
p r ó p r ia esp o sa e n ga n a d a, q ue d es co b ri u o s e - ma il s arq u i vad o s no
co mp u tad o r d a f a mí lia . Ela e ntro u na J u st iça co m p ed i d o d e r ep ara ç ão
p o r d ano s mo r ai s, a le g and o o fe n sa à s ua ho nr a s ub j eti v a e v io l ação d e
se u d ir ei to à p r i v acid ad e. Acr es ce nt a q ue p rec i so u p a ss ar p o r tra ta me n to
p si co ló g ico , p o i s ac red ita v a q u e o marid o ha vi a ab a nd o n ad o a fa mí l ia
d ev id o a u ma cr is e e x is t en cia l . Di z q ue j a ma i s d esco n fio u d a tra ição , s ó
co mp r o vad a d ep o i s q u e ele d ei xo u o l ar co nj u ga l. E m s ua d e fe sa , o ex -
ma r id o al e go u i n v a são d e p ri v acid ad e e p ed i u a d e sco n sid eraç ão d o s e -
ma il s co mo p r o va d a i n fid el id ad e. Afir ma q ue n ão d i fa mo u a e x - e sp o s a e
q ue e la me s ma d e n e gri a s ua i ma g e m ao mo s tr ar as co rre sp o nd ê nci as às
o ut r a s p es so a s. Ao an ali sar a q ue s tão , o ma gi s trad o d e sco n sid ero u a
ale ga ção d e q ueb ra d e s ig ilo . P ara ele, não ho u ve i n v as ão d e p ri vac id a d e
p o r q ue o s e - ma il s e sta v a m gra vad o s no co mp u t ad o r d e u so d a fa mí l ia e a
ex - e sp o s a t i n ha a ce sso à se n h a d o ac u s ad o . S i mp le s arq u i vo s n ão e st ão
r es g u ar d ad o s p e lo si g ilo co n ferid o à s co rr e sp o nd ên cia s, co nc l ui.

39
( P r o c. nº 2 0 0 5 .0 1 .1 .1 1 8 1 7 0 3 co m i n fo r maçõ es d o T J DFT ). 19

A este caso foi atribuída a indenização no valor de R$ 20.000,00


(vinte mil reais).
Dessa forma, é possível notar, que apesar das discussões acerca do
tema, o judiciário tem sim reconhecido a infidelidade virtual e mais que isso,
vem reconhecendo o direito à indenização.

CONCLUSÃO

Com este trabalho pode ser observada a importância do casamento


para a formação da família e a manutenção das relações sociais.
Pudemos notar que a infidelidade é a quebra do dever legal e moral da
fidelidade recíproca.
Sobre o casamento Maria Berenice afirma que o mesmo é ―um ninho,
em que se estabelecem laços e nós de afeto, servindo de proteção, refúgio e
abrigo...‖ 20
E Savatier, citado por Maria Berenice aborda a ―união livre‖ como um
meio de manter um casamento com fidelidade, ―pois somente a liberdade
enseja a forma mais pura para a mantença de um relacionamento afetivo: não
há fidelidade, obediência, assistência obrigatória. Tudo isso dado por amor,
21
não deve durar senão enquanto puder durar esse amor.‖
O que talvez nos dari a a ideia de que a regulação da infidelidade fosse
papel dos cônjuges e conviventes.
Mas com a importância social do casamento e seu reflexo no âmbito
jurídico, houve a necessidade de se regular e normatizar a infidelidade.
Com a mudança no comportamento s ocial, novas formas de
relacionamentos foram sendo adotadas além do casamento, como a união
estável e a união homoafetiva – todas com reconhecimento legal.

19
RIB EI R O, Ad r ia n a So u za. O D irei to d e Fa mí li a, a I n fid e lid ad e V irt u a l, o Ro mp i me nto
d o s De v er e s Co nj u ga i s e o Da no Mo ra l. Si ste ma Ed uca cio na l o nl in e J ur i sw a y .
Di sp o ní v el e m: < h ttp :/ / www. j ur i s wa y.o r g.b r / v 2 /d hal l.a sp ? id _ d h=3 2 6 4 >. Ac es so e m: 3 0
se t. 2 0 1 5 .
20
DI AS, M ar i a B er e ni ce. O dev e r de f id el ida de . Di sp o ní v el em:
<h ttp :/ / www. mar iab er e n ice. co m.b r / up lo ad s /2 _ -_ o _ d ev er_ d e_ fid el id ad e.p d f> . Ace s so e m:
3 0 se t. 2 0 1 5 . p . 0 4 .
21
Ibid.
40
No entanto observamos a existência de formas não reconhecidas pelo
direito, como é o caso das relaçõ es de poliamor.
Com a era da internet, as pessoas passaram a se relacionar cada vez
mais por esse meio, facilitando inclusive as relações extraconjugais.
Notamos que alguns autores não reconhecem a infidelidade virtual,
mas que outros além de reconhecer re forçam a necessidade de indenização.
E por fim, que o judiciário brasileiro vem reconhecendo em alguns
casos de infidelidade virtual, a atribuição de indenização dados os transtornos
emocionais e psíquicos que a vítima sofreu.

REFERÊNCIAS

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em: <http://www.conjur.com.br/2013 -mai-14/cnj-determina-cartorios-
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<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_ -_o_dever_de_fidelidade.pdf>.
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Consultor Jurídico . Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008 -mai-
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41
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<http://jus.com.br/artigos/20101>. Acesso em: 30 set. 2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade civil . 11 ed. São


Paulo: Atlas, 2011.
______. Direito Civil: Direito de Família. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

42
4 A DEMOCRATIZAÇÃO DO CASAMENTO E AS NOVAS
FORMAS DE ENTIDADES FAMILIARES

Ch ri sto ph er Ab re u Ra v a g na n i
Me stra nd o no P ro gra m a d e P ó s -Gr ad uaç ão
e m D ire ito p ela F C HS – U ne sp / Fra n ca.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Diversas formas de entidades familiares . 1.1


Casamento. 1.2 União estável. 1.3 Família monoparental . 1.4 Família
recomposta. 1.5 Família anaparental.1.6 União homoafetiva .1.7 Casamento
homoafetivo. Conclusão. Referências.

RESUMO: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


(CF/88)possui como um de seus objetivos fundamentais construir uma
sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo e quaisquer outras for mas de
discriminação, em homenagem irrestrita ao princípio da dignidade da pessoa
humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Nesse
contexto, a família tradicional passou e passa por diversas transformações
sociais, sendo a afetividade o n ovo paradigma da família contemporânea,
possibilitando a inclusão das uniões homoafetivas e o casamento homoafetivo
como entidades familiares.

Palavras-chave: Família. União homoafetiva. Casamento homoafetivo.


Dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT: The Constitution of theFederative Republic of Brazil1988


(CF/88) predicts as a fundamental objective to build a free , just and solidar y
societ y, and promote the welfare of all, without prejudices of origin, race ,
gender and other forms of discrimination, in honor unrestricted the principle
of human dignit y, one of the foundations of the democratic state. In this
context, the traditional famil y has gone and goes through various social and
the affection is the new paradigm of contemporary family, enabling the
inclusion of homoaffective unions and homoaffective marriage as famil y
entities.

Keywords: Famil y. Homoaffective union. Homoaffective marriage. Human


dignit y.

INTRODUÇÃO

Não adianta, o sonho do casamento embala a todos. Até parece que são
as mulheres que mais suspiram por ele. Afinal, enfrentam verdadeiras

43
batalhas para pegar o buquê de noiva. Todas querem encontrar o príncipe
encantado e casar antes das outras. Mas encont rar a cara metade para viverem
juntos até que a morte os separe não é uma prerrogativa exclusivamente
feminina. Também os homens querem alguém que cuide deles, lhes dê filhos e
tome conta da casa 1.
Até há bem pouco tempo, a virgindade agregava valor à mulh er, e o
exercício da sexualidade antes e fora do casamento era uma prerrogativa
exclusivamente masculina. Tudo isso porque a função procriativa parecia ser
a única finalidade do casamento. E, para o marido ter certeza que os filhos da
sua esposa eram filho s dele, o jeito era casar com uma virgem e mantê -la
praticamente confinada em casa 2.
Daí a ideia sacralizada da família: um homem e uma mulher unidos
pelos sagrados laços do matrimônio para multiplicarem -se até que a morte os
separe. Sempre foi de tal orde m a naturalização da heterossexualidade do
casal que a lei não traz entre os impedimentos para o casamento a identidade
sexual dos cônjuges. Também não há qualquer previsão que este fato enseje a
nulidade ou a anulação do casamento 3.
Contudo, essa noção de família tradicional vem sofrendo diversas
transformações nos últimos anos, ao passo que a afetividade passa a ser o
novo paradigma das diversas entidades familiares, decorrente do
reconhecimento da dignidade da pessoa humana 4 como fundamento do Estado
Democrático de Direito.
Portanto, o presente trabalhando, utilizando -se do método dedutivo
bibliográfico, tem por objetivo demonstrar as novas formas de família
contemporânea através das mudanças sociais e legislativas, culminando com o
reconhecimento da un ião estável homoafetiva e consequentemente o

1
DIAS, Maria Berenice. A democratização do casamento. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16%2cMI136497%2c11049-A+democratizacao+do+casamento>. Acesso
em: 7 Set. 2015.
2
Ibid.
3
Ibid.
4
O direito foi criado para o homem, que é fim e não meio. O princípio da dignidade da pessoa humana, embora
esteja consagrado na Constituição, é um valor suprapositivo, pois é pressuposto do conceito de Direito e a fonte
de todos os direitos, particularmente dos direitos fundamentais. Por força desse princípio é que um direito
fundamental não pode excluir o outro, quando há entre eles colisão no caso concreto, pois a dignidade da pessoa
humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum
deles importaria uma violação do valor da pessoa humana. (MAGALHAES FILHO, Glauco Barreira.
Hermenêutica e unidade axiológica da constituição.3.ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 206).
44
casamento homoafetivo.

1 DIVERSAS FORMAS DE ENTIDADES FAMILIARES

A Constituição Federal estabelece um rol de entidades familiares: o


casamento, a união estável e a família monoparental. Contudo, o ordenamento
pátrio vem reconhecendo novas formas de família, estabelecendo a
afetividade como um fundamento das relações familiares.

1.1 CASAMENTO

O Código Civil de 2002 estabelece no art. 1.511. ―O casamento


estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges‖.
Desse modo, o Código Civil de 2002 não traz nenhuma distinção entre
os cônjuges, destacando -se a responsabilidade em conjunto do casal frente à
família e em especial aos filhos.

1.2 UNIÃO ESTÁVEL

A Constituição Federal estabelece no art. 226 § 3º: ―Para efeito da


proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento‖.
Com efeito, a União Estável também está prevista no art. 1.723, do
Código Civil que prevê: ―É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família‖.
Desse modo, como se vê dos dispositivos acima citados, diferente do
casamento que é um procedimento solene e formal, a união estável se
caracteriza pela informalidade, como forma de promover a dignidade da

45
pessoa humana dos conviventes, fruto do Estado Democrático de Direito 5.

1.3 FAMÍLIA MONOPARENTAL

A família monoparental é a família constituída com apenas um dos


genitores e sua prole, conforme previsto no art. 226 § 4º da Constituição
Federal: ―Entende -se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pai s e seus descendentes‖.
Vale ressaltar neste tipo de familiar, o aumento das famílias sob
responsabilidade exclusiva das mulheres, que passou de 22,2%, em 2000, para
37,3% em 2010 6.

1.4 FAMÍLIA RECOMPOSTA

A família recomposta é formada por pessoas que s e separam ou


divorciam e constituem outra união estável ou casam novamente.
Neste sentido a lição de Madaleno 7:

A p ar t ir d o ca sa me nto p o d e m s ur g ir e é co mu m q ue s urj a m d i fer e n te s


cic lo s fa mi l iar es e xp er i me n tad o s d ep o i s d a sep a ração fic a nd o a p ro l e co m
a mu l he r e m u ma no va co n fo r maç ão fa mi liar , d es sa fei ta u ma e n tid ad e
mo no p a r e nt al. Se g u nd o s ua tr aj etó ri a d e vid a e, so b re v i nd o o u n ão o
d iv ó r cio , el a s e ca s a no va me n t e o u e st ab el e ce u ma u n ião e p as sa a
co n s ti t uir u ma no va fa mí l ia q ue n ão te m id e nt i fica ção n a co d i fica ç ão
ci vi l e p a s so u -s e a s er c ha mad a d e fa mí l ia r eco ns tr uíd a, mo s aic a o u
p lu r i lat er a l.

5
A noção de Estado Democrático de Direito está, pois, indissociavelmente ligado à realização dos direitos
fundamentais. É desse liame indissolúvel que exsurge aquilo que se pode denominar de plus normativo do
Estado Democrático de Direito. Mais do que uma classificação de Estado ou de uma variante de sua evolução
histórica, o Estado Democrático de Direito faz uma síntese das fases anteriores, agregando a construção das
condições de possibilidade para suprir as lacunas das etapas anteriores, representadas pela necessidade do resgate
das promessas da modernidade, tais como igualdade, justiça social e a garantia dos direitos humanos
fundamentais. A essa noção de Estado se acopla o conteúdo das Constituições, através do ideal de vida
consubstanciado nos princípios que apontam para uma mudança no status quo da sociedade. Por isso, como já
referido anteriormente, no Estado Democrático de Direito a lei (Constituição) passa a ser uma forma privilegiada
de instrumentalizar a ação do Estado na busca do desiderato apontado pelo texto constitucional, entendido no seu
todo dirigente-principiológico. (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica (e)m crise: uma exploração
hermenêutica da construção do Direito. 8.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009).
6
BRASIL. Cidadania e Justiça. Número de famílias sob responsabilidade exclusiva de mulheres aumentou
37,3%. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2012/10/numero-de-familias-sob-
responsabilidade-exclusiva-de-mulheres-passou-para-37-3>. Acesso em: 7 Set. 2015.
7
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 11.
46
1.5 FAMÍLIA ANAPARENTAL

A família anaparental pode ser constituída por pessoas que vivem


juntas, mas que não possuem necessariamente conotação sexual, a exempl o de
dois irmãos que moram juntos.Vale citar a Súmula 364 do STJ, isto é: ―O
conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel
pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas‖.
Corroborando com o assunto, Madaleno 8: ―A família anaparental não
tem nenhuma conotação sexual como sucede na união estável e na família
homossexual, mas estão juntas com o ânimo de constituir estável vinculação
familiar‖.
Neste sentido o entendimento jurisprudencial 9:

CI VI L. P R O CES S U AL CI VI L. LO C AÇ ÃO . B E M D E F AMÍ LI A. MÓ V EIS


GU AR NE CE DO R ES DA RE SIDÊ N CI A. IMP ENH O R AB I LI D ADE.
LO C AT ÁRI A/E XE CUT AD A QUE MORA SO ZI NH A. ENT ID ADE
F AMI LI AR . C AR ACT E RI ZAÇ ÃO . I NT ERP RE T AÇ ÃO T E LEO LÓ GI C A.
LE I 8 .0 0 9 /9 0 , ART . 1 º E C ON ST IT UIÇ ÃO FE DE R AL, ART . 2 2 6 , § 4 º .
RE C U RS O CO NH E CID O E P RO VID O .
1 .O co n ce ito d e e nt id ad e fa mi l iar, d ed uz id o d o s art s. 1 º d a Lei 8 .0 0 9 /9 0 e
2 2 6 , § 4 º d a C F/8 8 , ag as al h a, se g u nd o a a p lic ação d a i n terp r eta ç ão
tel eo ló g ica, a pe s so a q u e, co mo na hi pó te se, é se pa ra da e v iv e so zi nh a ,
d ev e nd o o ma n to d a i mp en ho r ab i lid ad e, d e s sa rte , p ro te g er o s b e n s mó v ei s
g uar n eced o r e s d e s ua re sid ê nci a ( gr i fo s no s so s).
2 .Re c ur so e sp e cia l co n h ecid o e p ro vid o .

1.6 UNIÃO HOMOAFETIVA

É a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, configurada na


convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.
Neste sentido, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao
julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, em 4 d e maio de
2011, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações

8
Ibid. p. 10.
9
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. n. 05.170-SP. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo= 205170&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.
Acesso em: 7Set. 2015.
47
foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria -Geral da
República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
O Ministro Ayres Britto, relator das ações, argumentou que o artigo
3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça,
cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em
função de sua preferência sexual. ―O sexo das pessoas, salvo disposição
contrária, n ão se presta para desigualação jurídica‖, observou o ministro, para
concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide,
portanto, com o inc. IV do art. 3º da CF 10.
Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as
ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanharam o
entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedênci a das ações e com
efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a Constituição
Federal para excluir qualquer significado do art. 1.723 do Código Civil que
impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar.
Depois do pronunciamento da Corte Suprema, o grande
questionamento que surgiu foi sobre a possibilidade ou não de os
homossexuais casarem. Para os conservadores de plantão, teriam sido
assegurados aos homossexuais os direitos da união estável, o que não lhe s
garante acesso ao casamento 11.
Contudo, juízes sem medo de preconceitos fizeram um silogismo
singelo: se a Constituição Federal determina que seja facilitada a conversão
da união estável em casamento, e o Supremo Tribunal determinou que não
fosse feita qu alquer distinção entre uniões hétero e homoafetivas, não tiveram
dúvida em cumprir a recomendação constitucional, obedecer a decisão da
Corte Suprema e assegurar o direito 12 à felicidade a quem há muito havia

10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Supremo reconhece união homoafetiva. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 7 Set. 2015.
11
DIAS, op. cit.
12
A pessoa humana é o valor básico da Constituição, o Uno do qual provém os direitos fundamentais não por
emanação metafísica, mas por desdobramento histórico, ou seja, pela conquista direta do homem. Só podemos
compreender os direitos fundamentais mediante o retorno à idéia da dignidade da pessoa humana, pela regressão
à origem. Havendo colisão de direitos fundamentais em um caso concreto, deve-se referi-los à noção de
dignidade da pessoa humana, pois nela todos os princípios encontrarão a sua harmonização prática, descobrindo-
48
constituído uma família e desejava casar 13.

1.7 CASAMENTO HOMOAFETIVO

Com efeito, após o reconhecimento da união estável homoafetiva pela


Suprema Corte, bem como das decisões singulares de magistrados por todo o
Brasil reconhecendo a conversão da união estável em casamento, o Conselho
Nacional de Justiça, mediante a Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, que
dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, e de conversão de
união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo, assim definiu:

Ar t. 1 º É ved ad a às a uto rid ad es co mp et e nt es a recu sa d e hab il it açã o ,


celeb r aç ão d e c a sa me n to ci v il o u d e co n v er s ão d e u ni ão e st á ve l e m
cas a me n to e n tr e p es so a s d e me s mo se xo .
Ar t. 2 º A r ec u sa p r e vi s t a no a rt i go 1 º i mp lic ará a i med iat a co mu n ic açã o
ao r e sp ec ti vo j ui z co rr e ged o r p ara a s p ro vid ê nci as cab í v ei s.
Ar t. 3 º E st a r e so l u ção e nt ra e m vi go r n a d a ta d e s ua p ub li caç ão .

No aniversário de dois anos da Resolução n. 175 do Conselho


Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil registra a realização de 3,7 mil
casamentos entre pessoas do mesmo sexo 14.
Os dados divulgados em dezembro de 2014 pelas estatísticas de
registro civil do Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE)
apontaram São Paulo em liderança com 1.945 registros de casamento. Desse
número, 897 uniões ocorreram entre homens e 1.048, entre mul heres. O Acre
foi o único Estado a não registrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo 15.
De acordo com dados da Associação dos Notários e Registradores do
Brasil (Anoreg), o Distrito Federal registrou, nos últimos 24 meses, 245
casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No primeiro ano, foram registrados
122 casamentos. No segundo ano, os últimos números confirmaram a média

se em uma solução que considera a existência de todos direitos fundamentais, ao mesmo tempo que se procede a
uma hierarquização entre eles, em consonância com a compreensão social do que é mais relevante para se
alcançar o fim coletivo e dignificação da pessoa humana. (MAGALHAES FILHO, Glauco Barreira.
Hermenêutica e unidade axiológica da constituição.3.ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 207).
13
Ibid.
14
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Brasil já realizou 3,7 mil casamentos entre pessoas do mesmo
sexo. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79374-brasil-ja-realizou-3-7-mil-casamentos-entre-
pessoas-do-mesmo-sexo>. Acesso em: 7 Set. 2015.
15
Ibid.
49
local: foram 123 registros 16.
Na Região Norte, a média anual chega a 10 casamentos desde a
aprovação da resolução. Fora a inexistência de registros no Acre, Roraima
apresentou dois casamentos; Amazonas, sete; e Rondônia, 10 legalizações de
união estável. Já a Região Sudeste lidera, com São Paulo em primeiro lugar
no ranking nacional (1.945 uniões), seguido pelo Rio de Janeiro, com 211
casamentos, e Minas Gerais, com 209 17.
A equiparação do casamento entre homossexuais e heterossexuais
permite os mesmos direitos do casamento, estabelecidos pelo Código Civil,
como inclusão em plano de saúde e seguro de vida, pensão alimentícia, direito
sucessório e divisão dos bens adquiridos. Antes da resolução do CNJ, a união
de pessoas do mesmo sexo era reconhecida como estável, desde que fosse
pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família.
Entretanto, os casais precisavam ingressar na Justiça para que suas uniões
fossem reconhecidas 18.

CONCLUSÃO

Como visto, a família passou e continua passando por novas


transformações, desde o casamento tradicional entre homem e mulher até o
casamento homoafetivo, demonstrando que a afetividade é o su stentáculo das
novas formas familiares.
Desse modo, o reconhecimento do direito à preferência sexual faz
parte da autonomia da vontade das pessoas naturais, constituindo justamente
um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos sem
preconceitos de origem, raça, sexo e quaisquer outras formas de
discriminação, em homenagem irrestrita ao princípio da dignidade da pessoa
humana.

16
Ibid.
17
Ibid.
18
Ibid.
50
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Livraria do Advogado, 2009.

51
5 SEPARAÇÃO JUDICIAL NO NOVO CPC: SIMPLES
RETROCESSO OU INCONSTITUCIONALIDADE?

E dw irg e s E la i ne Ro d ri g ue s
Me stra nd a em D ire ito , F CH S/ UN ESP ;
esp e ci al is ta e m Dir ei t o P ro ces s ua l C i vi l,
F CH S/ UN ESP ; me mb r o do gr up o de
p esq u is a, CNP q , ―O Dire ito d e Fa míl i a
co n te mp o r â neo e a s relaçõ es so c iai s‖ ;
me mb ro d o N úc leo d e P esq ui sa s Av a n çad a s
e m D irei to P ro ce s s ua l Ci v il b ra si lei ro e
co mp arad o (N UP AD ), UNE SP ; me mb ro d o
IB DF AM.

M a ria A má l ia d e Fig u ei re do Per eira


Alv a r eng a
Me stre e d o uto r a e m Di reito , F CH S/ UN ESP ;
C he fe d o Dep art a me n to d e Dir ei to P ri vad o
d a F C H S/ UNE SP ; d o c en te d a cad e ira d e
Dire ito C i vi l F CH S / UNE SP ; d o c e nte d o
P ro gra ma d e P ó s Grad ua ção e m Dir ei to d a
F CH S/ UN ESP ; o rie n ta d o ra d e gr up o s d e
p esq u is a, CNP q e a va li ad o ra d e C ur so s p e lo
ME C.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Emenda constitucional 66/2010. 2 O fim da culpa.


3 Separação judicial e o novo CPC. Conclusão. Referências.

RESUMO: O tema deste artigo gira em torno do Novo Código de Processo


Civil (lei nº 13.115/20015), que entrará em vigor em 16 de março de 2016.
Muitos são os elogios ao novo Código, trata-se de legislação sofisti cada e
avançada, onde se estruturará um processo mais rápido, mais barato e
igualitário. No que se refere ao Direito de Família, o novo CPC também é
satisfatório, valorizando as técnicas de mediação e conciliação, a fim de
solucionar de maneira mais rápida e menos invasiva os conflitos familiares.
No entanto, no que diz respeito à separação judicial, o novo Código mostrou -
se totalmente equivocado ao abordar este instituto já extirpado do
ordenamento jurídico brasileiro. Após a implementação da emenda
constitucional nº66 de 2010, que deu nova redação ao art. 226, §6º, CF, o
divórcio passou a ser o único mecanismo para dissolver o vínculo conjugal,
colocando fim à figura da separação. Após este advento, deixou -se de buscar
um culpado pelo fim da relação matrim onial, além de não haver mais a
determinação do lapso temporal, anteriormente exigido para o divórcio.
Assim, a separação judicial mostrou -se inviável ao ordenamento jurídico
brasileiro, ocasionando sua revogação tácita. Com a ressurreição d este
instituto pelo novo CPC, estaremos diante de notável caso de repristinação.
Além disso, a legislação infraconstitucional não pode ter uma força
normativa maior que a própria Constituição, sob risco de, a Constituição não
ser mais rígida, transformando -se em flexível e ocasionando o fim do
constitucionalismo.

52
Palavras-chave: separação judicial. divórcio. novo cpc. retrocesso.
inconstitucionalidade.

ABSTRACT: The subject of this article revolves around the New Civil
Procedure Code (Law No. 13115/20015), which will take effect in March 16,
2016. Many are praising the new Code, it is a sophisticated and advanced
legislation, which will be structured a faster process, cheaper and serve the
protection of equality. With regard to famil y law, the new CPC is also
satisfactory, valuing the techniques of mediation and conciliation in order to
resolve more quickly and less invasively famil y conflicts. However, with
regard to legal separation, the new code proved to be totall y wrong to
approach this already excised Institute o f Brazilian law. After the
implementation of the constitutional amendment 66 of 2010 gave new
wording to art. 226, paragraph 6, CF, divorce has become the onl y mechanism
to dissolve the marital bond, ending the figure of separation. After this
advent, made up of seeking to blame for the end of the marriage relationship,
and no longer be determining the time lapse previousl y required for divorce.
Thus, the legal separation proved unfeasible to the law, causing its tacit
revocation. With the resurrection of t he institute by the new CPC, we are
faced with striking case of revalidation. In addition, the infra -constitutional
legislation may have greater legal force than the Constitution itself, at risk
of, the Constitution not be more rigid, becoming flexible and causing the end
of constitutionalism.

Key words: legal separation. divorce. new cpc. re gress. unconstitutional.

INTRODUÇÃO

Muitos são os elogios direcionados ao Novo Código de Processo Civil,


lei. nº 13.115 de 2015, que entrará em vigor em março de 2016. Cuida -se de
legislação sofisticada e avançada, onde se estruturará um processo mais
rápido, mais barato e que sirva à prote ção da igualdade. Com destaque para a
criação de um capítulo especial para as ações de família, apostando na
mediação e na conciliação como técnicas de resolução de conflito.
O novo texto traz diversos avanços na área do Direito de Família,
principalmente no que diz respeito às formulações do Estatuto das Famílias
(PLS 470/2013 ), de autoria da senadora Lídice da Mata e do Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Todas as regras processuais do
Estatuto foram abordadas pelo novo CPC, por exemplo, o protesto de dívidas
alimentares em caso de inadimplência do devedor. O novo Código faz
referência também, à alienação parental, prevendo que, nestes casos, ao tomar
o depoimento do incapaz, o juiz esteja acompanhado por especialista.
53
Deste modo, inegáveis são os avanços propostos pelo novo CPC,
contudo, não podemos deixar de mencionar o retrocesso deste mesmo Código
quanto ao ressurgimento do instituto da separação judicial. A separação
judicial foi superada pelo divórcio, com o implemento da emenda
constitucional nº 66 de 2010, que deu nova redação ao parágrafo 6º do art.
226 da Constituição Federal, determinando que o casamento será dissolvido
pelo divórcio. Após este advento, deixou -se de buscar um culpado pelo fim da
relação matrimonial, além de n ão haver mais a determinação do lapso
temporal, anteriormente exigido para o divórcio .
Assim, a partir deste momento o uso prático do instituto da separação
judicial deixou de fazer sentido para a sociedade, e, também para o
ordenamento jurídico brasileiro.
Para Fredie Didier, a discussão para a retirada ou manutenção da
separação judicial no novo CPC, foi uma das mais intensas no Congresso
Nacional. Sendo a composição atual do Congresso, muito influenciado por
certo pensamento religioso, decisiva para a manutenção da referência à
separação judicial, na versão final do Código 1. Pois, a moral condutora da
manutenção deste obsoleto siste ma, é a preservação da família, p ensa-se que
se o Estado dificultar ou colocar embaraços, os cônjuges poderão repensar e
não se divorciarem; ou, se apenas se separarem, poderão se arrepender e
restabelecerem o vínculo conjugal.
Deste modo, pretende-se expor o posicionamento quanto à extinção da
separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a sua
ressurreição no Novo Código de Processo Civil e levantar discussões sobre a
repristinação deste in stituto e sua inconstitucionalidade.

1 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

Em 2009 foi apresentada, pelo IBDFAM, por meio de um de seus


associados, deputado f ederal Sérgio Barradas Carneiro, a Proposta de Emenda
Constitucional de nº 413 de 2005, para dar nova redação ao parágrafo 6º do
art. 226 da Constituição Federal. Embora tenha recibo muitas críticas, a PEC

1
DIDIER, Fredie. Entrevista: novos significados. In: Novo código de processo civil. Revista IBDFAM. 19. ed.
fev/mar de 2015. p. 6.
54
foi aceita e resultou na Emenda Constitucional nº 66 de 2010, conhecida como
emenda do divórcio.

Dentre os motivos expostos para a implementação de tal emenda


constitucional, pode -se destacar, a perda de relevância da separação judicial:

Co mo co r o lár io d o s is t e ma j ur íd i co v i ge n te, c o n st ata - s e q u e o i n st it u to


d a sep ar ação j ud ici al p e rd eu mu i to d a s ua re le v ân cia , p o is d e i xo u d e se r
a a nte câ ma r a e o p re l úd io n ece s sár io p ara a s ua co n v ers ão e m d i vó r cio ; a
o p ção p elo d i vó r cio d ir eto p o s s í vel re v el a -s e na t ura l p ara o s cô nj u ge s
d esa v i nd o s, i n cl u s i ve s o b o asp ec to eco nô mic o , n a med id a e m q ue l he s
r eso l ve e m d e f i ni ti vo a so c ied ad e e o v í nc u lo co nj u g al.

Demonstrando grandiosa vitória do Direito de Família, a EC 66/2010,


alterou o parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal. Sendo que antes da
alteração, o art. 226, § 6º, CF, assim dizia: " O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano
nos casos expressos em lei, ou comprovada separaçã o de fato por mais de dois
anos".
Após a EC nº 66, eliminou -se o requisito do lapso temporal para se
requerer o divórcio, e o corpo do art. 226, § 6º da CF, passou a ser o
seguinte: "O casamento civil pode ser dissolvid o pelo divórcio".
Ao interpretar a alteração constitucional, entende -se que, ficaram não
recepcionadas as normas de direito mate rial e processual que versavam sobre
a separação judicial, acarretando a s ua extinção . 2Desta maneira, o divórcio
direito passou a ser o único mecanismo de dissolução da união conjugal,
proporcionando assim, maior celeridade a este ato processual.
Contudo, alguns juristas não compartilham deste entendimento,
alegando que a emenda constitucional 66, apenas afirmou que o casamento
pode ser dissolvido pelo divórcio, mas não vetou e nem proibiu a
possibilidade de manutenção do instituto da separação judicial. Neste sentido,
3
para eles, a separação judicial poderá preceder o divórcio.

2
ST R EC K, Le n io Lu iz. P o r q ue é i nco n st it u ci o na l " rep r is ti n ar" a sep aração j ud ic ial n o
b ras il. Di sp o n í ve l e m: < htt p:/ /w w w .co nju r.co m. br /2 0 1 4 - no v - 1 8 / le nio - st rec k-
inc o n st it u cio na l - re pr is t ina r - s epa ra ca o - j u dic i a l# to p >. Ac es so e m: 7 d e a go sto d e 2 0 1 5 .
3
SOARES, Carlos Henrique. Ações de direito de família no novo código de processo civil brasileiro. In: Revista
Síntese de Direito de Família. n. 85. São Paulo, ago-set. 2014. p. 14.
55
Com posicionamento contrário a esta corrente minoritária, Rodrigo da
Cunha Pereira, diretor nacional do IBDFAM, esclarece a extinção da
separação judicial:
A i n ter p r eta ção d as no r ma s s ec u nd ár ia s, o u sej a, d a le g is laç ã o
in f r aco n s ti t ucio n al, d e v e ser co mp at í v el co m o co ma nd o ma io r d a Car ta
P o lít ica. O co n f li to co m o te xto co ns ti t uc io n al a t ua no ca mp o d a n ão
r ecep ç ão . E s sa é a p o s iç ão d e no s sa Co r te Co n st it uc io na l, e m j u l ga me n t o
d e 2 0 0 7 , q u e tr ad uz e x a ta me n te e s sa as se rt i va: ―O co n fli to d e no r ma co m
p r ece ito co ns ti t uc io nal s up er v e nie n te re so l ve - se no ca mp o d a não -
r ecep ç ão " . Vê - se , p o rt an to , ma i s u ma raz ão d a d e s nec es s id ad e d e se
ma n ter o i n st it u to d a s ep araç ão j ud i cia l, p o i s, aind a q u e se ad mi t is se a
s ua so b r e vi vê n ci a, a no r ma co n st it u cio n al p er mi te q u e o s cô n j u ge s
ati nj a m s e u o b j et i vo co m mu it o ma is s i mp lic id ad e e v a nt a ge m. Ad e ma is,
e m u ma i nt er p r e taç ão si st e má tic a não s e p o d e e st e nd er o q u e o co ma nd o
co n s ti t ucio n al r es tri n g iu . T o d a le g is laç ão in fraco n s ti t ucio n al d e v e
ap r e se nt ar co mp at ib i lid ad e e n u nca co n fli t o co m o t e xto co n st it u cio na l.
As s i m, e s tão a u to ma ti c a me nt e re vo gad o s o s a rti go s 1 .5 7 1 , II I, 1 .5 7 2 ,
1 .5 7 3 , 1 .5 7 4 , 1 . 5 7 5 , 1 . 5 7 6 , 1 .5 7 7 e 1 .5 7 8 d o Có d i go Ci v il. Da me s m a
fo r ma , e p elo me s mo mo ti vo , o s art i go s d a Lei nº 6 .0 1 5 /7 3 ( Lei d e
Re g i str o s P úb lico s) e d a Le i nº 1 0 .4 0 6 /2 0 0 2 (Di vó rc io p o r Escr it u ra
P úb l ica) , b e m co mo o s arti go s ad i a nt e me nci o nad o s d e ve rão s er lid o s
d esco n s id er a nd o - s e a e x p res são ―sep araç ão j ud i cia l‖, à e xc eção d aq u el es
q ue j á d et i n ha m e ste es tad o ci v il a nte rio r me n te a E C nº 6 6 /2 0 1 0 ,
ma n te n d o s e u s e fei to s p ara o s d e ma is a sp ec to s: 1 0 , I, 2 5 , 2 7 , I , 7 9 2 , 7 9 3 ,
9 8 0 , 1 .5 6 2 , 1 .5 7 1 , § 2 º , 1 .5 8 0 , 1 .5 8 3 , 1 .6 8 3 , 1 .7 7 5 e 1 .8 3 1 . 4

Em complemento, o jurista Paulo Lôbo entende que não há como


pretender a manutenção da separação judicial, alegando que legislação
infraconstitucional não foi revogada; pois, não se pode interpretar e aplicar a
norma desligando -a de seu contexto normativo, defender a existência da
separação judicial após a EC 66/2010 é o mesmo que inverter a hierarquia
normativa, quando se pretende que o Código Civil tenha mais valor que a
5
Constituição e que esta não tenha força revocatória suficiente.
Deste modo, não restam dúvidas que a separação judicial foi abolida
do ordenamento jurídico brasileiro.

4
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A emenda constitucional nº 66/2010: semelhanças, diferenças e inutilidades
entre separação e divórcio e o direito intertemporal. Disponível em: < http://www.mpam.mp.br/centros-de-
apoio-sp-947110907/civel/artigos/familia-e-sucessoes/3341-a-emenda-constitucional-no-662010-semelhancas-
diferencas-e-inutilidades-entre-separacao-e-divorcio-e-o-direito-intertemporal>. Acesso em: 8 de agosto de
2015.
5
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 426.
56
2 O FIM DA CULPA

Embora na antiga redação do art. 226, § 6º, CF, já houvesse a


contemplação do divórcio sem culpa, ainda que dependente do lapso temporal.
A nova redação vai além, quando elimina o instituto da separação judicial,
abandonando assim, a judicialização das histórias pungent es dos
desencontros sentimentais. 6
Com o fim da separação judici al, também acabou a discussão da
culpa pelo fim da conjugalidade. Isto significou acabar com as brigas e os
longos e sofridos processos judiciais onde se ficava procurando um culpado
pelo fim do casamento. O próprio Estado - Juiz acabava estimulando e
sustentando os degradantes processos de separação judicial litigiosa.

Além disso, este instituto era usado como pretexto para uma suposta
―preservação‖ da família, pois, o casal tinha um tempo exigido por lei para
requerer o divórcio , sendo que, a qualquer momento antes da conversão da
separação em divórcio, os cônjuges sep arados poderiam restabelecer o
casamento.

Deste modo, a s disposições concernentes à culpa remanescentes no


CC/2002 foram derrogadas pela EC 66, pois , como a separação judicial
deixou de existir em nosso ordenamento jurídico, não há mais de se falar nos
gravames suportados pela parte dita culpada pelo término do matrimônio, já
que a liberdade de se manter na relação não sofre mais a ingerência estatal de
outrora.

Com isso, tornou-se inócuo discutir -se culpa em um panorama


constitucional que vela pela autonomia da vontade no tocante ao casamento, e
tal hermenêutica constitucional foi agora reforçada por disposição expressa
tendente a romper os laços com o passado, em matéria de família, abolindo,
definitivamente, o modelo patriarcal, e salvaguardando o direito à dignidade,
igualdade e independência dos membros do casamento.

6
SANT´ANNA, Valéria Maria. Divórcio: teoria e prática: após a emenda constitucional nº 66/2010. Bauru:
Edipro, 2010. p. 23.
57
Também neste sentido o Prof. José Fernando Simão defende que será
inadmissível o debate de culpa nas ações de divórcio, por ser algo que apenas
gera uma injustificada demora processua l em se colocar fim ao vínculo e
sujeita, desnecessariamente, os cônjuges a uma dilação probatória das mais
7
lentas e sofridas. Agora, a questão da culpa, permanece em seu âmbito
próprio, o das hipóteses de anulabilidade do casamento, tais como os vícios
de vontade a ele aplicáveis, a saber, a coação e o erro essencial sobre a
pessoa do outro cônjuge. 8

3 SEPARAÇÃO JUDICIAL NO NOVO CPC

A separação caiu em desuso desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 66,


que suprimiu prazos desnecessários e facilitou o divórcio. No entanto, o texto final do novo
CPC incluiu a separação judicial como uma ―opção‖ para os casais.

Assim, de maneira surpreendente, e também criticável, o novo Código de Processo


Civil, optou pela permanência do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico,
pois, além de consagrá-la de maneira expressa, no título III, capítulo X, sobre "As Ações de
Família", também faz referência à separação, em diversos dispositivos, arts. 23, III; 53, I; 189,
II e parágrafo único.9

Apesar da força normativa constitucional e do entendimento majoritário da doutrina


e da jurisprudência de que não existe mais a separação judicial, aplicando-se o divórcio direto
sem exigência de prazos e discussão de causas, formou-se uma corrente conservadora
contrária à EC nº 66. Esta corrente assevera que a separação judicial co-existe com o divórcio
direto sem exigência de prazos. Sendo esta teoria incorporada pelo novo CPC.

O consagrado jurista Rolf Madaleno, tece alguns comentários a este respeito:

A ressurreição do instituto da separação judicial na minha opinião é natimorta, pois colide


com a Emenda Constitucional 66/2010, que autoriza requerer o divórcio a qualquer tempo.
Logo, se um pedir a separação judicial ou outro, em reconvenção feita na própria

7
SIMÃO, José Fernando. A pec do divórcio e a culpa: impossibilidade. Disponível em:
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-pec-do-divorcio-e-a-culpa-impossibilidade/5190>.
Acesso em: 8 de agosto de 2015.
8
Ibid.,
9
RANGEL, Rafael Calmon. Ações de família na legislação projetada: primeiras impressões. Revista Nacional
de Direito de Família e Sucessões. ano 1. n. 2. Porto Alegre: Magister; São Paulo: IASP, set/out. 2014. p. 63.
58
contestação, requerer o divórcio, que é mais abrangente e inviabiliza o processamento da
separação. Portanto, na prática só haverá separação judicial litigiosa se ambos os cônjuges
assim desejarem, terá de ser sempre uma coisa de dois, nunca uma coisa de um dos
cônjuges. E se for julgada a separação judicial jamais poderá ser convertida em divórcio,
porque não existe a figura da conversão, portanto, precisarão promover o divórcio
diretamente.10

Após esta bela exposição de Rolf, pode -se concluir que a s eparação
judicial, mesmo presente no novo CPC, continuará em desuso, haja vista a
maior facilidade e celeridade proporcionada pelo divórcio, no entanto, se
houverem casos de opção pela separação judicial, os cônjuges separados se
encontrarão em uma difícil situação, pois, permanecerão separados ad
aeternum, tendo em vista que não mais existe a norma de conversão da
separação judicial em divórcio, suprimida pela EC 66/2010, e, para colocarem
fim à relação matrimonial terão que ingressar com ação de divórcio.

No mais, para Rolf Madaleno, o texto do novo Código de Processo Civil é


contraditório ao propor medidas em prol da celeridade dos processos judiciais ao mesmo
tempo em que retoma a separação judicial.

É contraditório, na medida em que retoma o instituto da separação nas duas versões,


consensual e litigiosa. Permitindo em tese, porque na prática a separação judicial litigiosa é
inviável se o demandado reconvir rediscutir a culpa. Se existe todo um esforço para a
conciliação, um bom começo seria manter sepultada a separação judicial. 11

Lênio Streck, outro crítico da separação judicial no novo CPC,


questiona se o legislador ordinário tem liberdade de conformação para alterar
o sistema constitucional estabelecido pela EC 66. Sendo a resposta negativa,
pois, não é possível estabelecer por l ei ordinária aquilo que o constituinte
12
derivado derrogou.
Deste modo, a legislação infraconstitucional não pode ter uma força
normativa maior que a própria Constituição. Ao contrário, a interpretação das

10
INST IT UT O B R ASI LEI RO DE DI REIT O DE F AMÍ LI A. No vo Có d i go d e P ro ces so C i vi l
ésa n cio n ad o .D i sp o ní ve l e m: <h t t p: //w w w .ib dfa m. o rg . br / no ti cia s/5 5 7 1 / No v o + C %C3 %B 3 d
ig o + de +P ro ce s so +C iv i l +% C3 %A9 + sa n cio na do > . Ace s so e m: 7 d e a go s to d e 2 0 1 5 .
11
INST IT UT O B R ASI LEI RO DE DI REIT O DE F AMÍ LI A. No vo Có d i go d e P ro ces so C i vi l
ésa n cio n ad o .D i sp o ní ve l e m: <h t t p: //w w w .ib dfa m. o rg . br / no ti cia s/5 5 7 1 / No v o + C %C3 %B 3 d
ig o + de +P ro ce s so +C iv i l +% C3 %A9 + sa n cio na do > . Ace s so e m: 7 d e a go s to d e 2 0 1 5 .
12
STRECK, Lenio Luiz. op. cit.
59
normas secundárias, ou seja, da legislação infrac onstitucional, deve ser
compatível com o comando maior da Carta Política. Com este entendimento, a
repristinação da separação judicial no novo CPC, é inconstitucional. Sob pena
de, a Constituição não ser mais rígida, transformando -se em flexível e
ocasionando o fim do constitucionalismo. 13

CONCLUSÃO

Com base em todo o exposto, pode-se concluir que o novo Código de Processo Civil,
trará inúmeros avanços ao Direito brasileiro, inclusive no que tange o Direito de Família, que
deve acompanhar a sociedade e as famílias que se transformam a cada dia. Neste sentido, o
novo CPC incorporou inúmeras regras do Estatuto das Famílias, proposto pelo IBDFAM,
ainda em fase de aprovação. Assim, questões como a alienação parental e o protesto e
negativação do nome do devedor de prestação alimentícia, são regulamentadas pelo novo
Código. Além disso, também serão prestigiadas as técnicas de mediação e conciliação,
importantíssimas no que diz respeito às ações de família.

Embora muitos sejam os benefícios do novo CPC, o instituto da separação judicial


levantou enorme discussão no Congresso Nacional, composto por uma bancada altamente
influenciada pelo pensamento religioso. Com isso, a separação judicial está presente no novo
Código, o que gerou grande surpresa e decepção para os juristas e construtores do direito,
pois, este instituto jurídico foi tacitamente revogado com o advento da emenda constitucional
nº 66 de 2010, que deu novo texto ao art. 226, § 6º, CF, determinando que o casamento é
dissolvido pelo divórcio.

Conquanto o entendimento majoritário seja o da extinção da separação judicial, uma


corrente minoritária defende a permanência deste instituto, por não haver revogação expressa,
alegando que a CF apenas afirmou que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, mas
não vetou e nem proibiu a possibilidade de manutenção da separação.

Entretanto, inegável é o retrocesso ocasionado pela ressurreição da separação


judicial, em especial para o Direito de Família, que busca uma solução mais rápida e menos
dolorosa aos conflitos familiares.

13
Ibid.
60
No mais, questionável é a constitucionalidade do novo CPC no que diz
respeito a separação, pois, a legislação infraconstitucional não pode ter uma
força normativa maior que a própria Constituição. Assim, há de se considerar
a sua inconstit ucionalidade.

REFERÊNCIAS

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Horizonte: Del REy, 2010.

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de 13 de julho de 2010. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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http://www.ibdfam.org.br/noticias/5571/Novo+C%C3%B3digo+de+Process
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24.

STRECK, Lenio Luiz. Por que é inconstitucional "repristinar" a separação


judicial no brasil. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014 -nov-
18/lenio-streck-inconstitucional -repristinar-separacao-judicial#top>.
Acesso em: 7 de agosto de 2015.

62
6 O RECONHECIMENTO SOCIAL E JURÍDICO DA FAMÍLIA
HOMOAFETIVA COMO EXPRESSÃO REAL DO PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

“Ép o ca t ri st e a n o s sa e m q u e é ma i s d i fí cil
q u eb ra r u m p r eco n c ei to d o q u e u m á to mo ”.
(A lb e rt Ein s tein )

Ga br iela Gia q ueto Go me s


Grad ua nd a e m D ire ito p ela U ni ver s id ad e
Est ad ua l P a ul i sta – U NE SP Fr a nca /SP .

SUMÁRIO: Introdução. 1 Evolução da família. 2 Formas de família no


direito brasileiro. 3 Definição moderna de família. 4 A união homoafetiva à
luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 5 Ferramentas utilizadas
pelo poder judiciário na resolução de conflitos que envolvem uniões
homoafetivas. Conclusão. Referências.

RESUMO: O artigo explora as transformações ocorridas ao longo do tempo


com o instituto da família, em especial no tocante à família homoafetiva,
evidenciando a necessidade de expansão do reconhecimento social e jurídico
desta entidade familiar. Ao considerar o homem como um ser eminentemente
social, figuram -se as permanentes interações sociais que se formam e a
necessidade do Direito de tutelar tais relações, acompanhando e ssas
evoluções. Assim, tem -se que o modelo familiar contemporâneo é resultado
de um processo lento de evolução traçado em meio a transformações sociais,
culturais e econômicas, o que fez com que as legislações se modificassem, a
fim de se adequar a realida de. Contudo, é evidente o vazio legislativo em
matéria de direito de família homoafetiva, deixando à margem da jurisdição
indivíduos que não se identificam com o padrão estabelecido da formação
familiar entre o homem e a mulher. Cada vez mais, à luz do cen ário atual e
em respeito ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana, faz -se
necessária a presença de uma tutela jurídica que respeite a liberdade de
constituição, convivência e dissolução da família, aproximando o Direito da
realidade social.

Palavras chave: família; família homoafetiva; dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT: The article exposes transformations that occurred over time with the institute
of the family, in particular with regard to homosexual family, highlighting the need for
expansion of social and legal recognition. When considering the man as a being eminently
social, social interactions are shown permanently and exposes the need for the law to protect
such relationships. The contemporary family is the result of a slow process of evolution traced
amid the social, cultural and economic changes, which caused the Law to be changed in order
to adapt to reality. However, it is clear the legislative vacuum on the right of homosexual
family, leaving aside the jurisdiction individuals who do not identify with the established
pattern of family formation between man and woman.
Increasingly, it is necessary the presence of a legal protection that respects the freedom of
63
establishment, coexistence and dissolution of the family, approaching the law of social reality
in the light of the current scenario and in respect to the maximum principle
dignity of human person.

Keywords: family; homosexual family; dignity of human person.

INTRODUÇÃO

Compreende-se o homem como um ser social, que vive em sociedade


e, por meio de tal convívio, forma relações sociais, produzindo valores e
crenças compartilhados entre os indivíduos. Sendo assim, a partir das
interações humanas, surge a necessidade de regul amentação dessas relações.
Contudo, a sociedade está em constante evolução, sendo transformados, da
mesma maneira, seus valores e crenças. Assim, deve o direito acompanhar
essa evolução e, informado por esses novos valores, passar a tutelar as novas
relações que serão formadas.
Dentro dessas relações, a família figura como a base da sociedade. Os
valores que permeiam o Direito de Família trazem uma relação direta com a
constituição da sociedade e com a formação dos indivíduos. Contudo, sendo
fruto das interações humanas, o instituto familiar não foge dos efeitos da
evolução, sendo atingido, conforme o transcorrer do tempo, por intensas
transformações que incidem na própria convivência familiar e na esfera
jurídica, exigindo que o Direito de Família se adequ e às novas situações que
se apresentam.
Assim, tem-se que o modelo familiar contemporâneo é resultado de um processo
lento de evolução traçado em meio às transformações sociais, culturais e econômicas onde a
família atua, o que fez com que as legislações se modificassem, a fim de se adequar à
realidade.1
Ao longo da história, a família sempre gozou de um conceito
sacralizado associado à ideia de indissolubilidade do casamento, servindo de

1
CAMPOS, Wania Andrea Luciana Chagas Duarte de Figueiredo. O direito à busca da origem genética na
relação familiar socioafetiva, in A Ética da Convivência Familiar e sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais ,
Coord. Tânia da Silva Pereira e Rodrigo da Cunha Pereira, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 325.
64
paradigma a formação patriarcal e sendo aceito, exclusivamente, o vín culo
heterossexual. 2
Durante o século XX, com a constitucionalização do Direito de
Família, as relações familiares passam a ser guiadas pelos princípios
constitucionais, que primavam pela dignidade da pessoa humana, refletindo
em uma repersonalização das relações familiares.
Dessa forma, o presente estudo investiga as transformações ocorridas
ao longo do tempo com o instituto da família, estudando seus reflexos no
âmbito social e jurídico. Em especial, aborda -se a temática da famíli a
homoafetiva, uma reali dade crescente em nossa sociedade, mas que permanece
marginalizada ante a ausência de uma legislação específica.
A percepção da dignidade da pessoa humana como princípio norteador
do ordenamento jurídico impõe ao Judiciário a necessidade de tratar questões
discriminatórias em relação ao indivíduo homossexual como forma atentatória
à Constituição e seus princípios. Vê -se, com isso, que os Tribunais têm um
papel decisivo na atualização do Direito, procurando formas adequadas para a
tutela de direitos não prot egidos legalmente. A família homoafetiva, que
tenha sua origem em um vínculo afetivo, deve ser identificada como entidade
familiar e receber a devida tutela legal.

1 EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

A humanidade sempre se organizou de forma aglomerada, tendo em


vista a necessidade do homem de viver em comunidade. É psicologicament e
difícil ao ser humano a vida segregada, sem compartilhamentos, sem trocas. E
foi em função dessa permanente junção de pessoas que começaram a se formar
as famílias. Ainda que a vida em conj unto seja um fato natural, concebe -se a
família como um agrupamento informal, de formação espontânea, estruturado
pelo direito. 3
Na Idade Média, com a decadência do Império Romano e o advento do
Cristianismo, houve uma gradativa alteração do significado d a família. Em

2
VENOSA, Silvio. Direito Civil: Direito de família. Vol. 3, 9ª ed. São Paulo, Atlas, 2009, p. 27.
3
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais. 2015, p. 29.
65
razão do vasto domínio da Igreja, esta era a única responsável por assuntos
relativos a casamento, legitimidade dos filhos e divórcio. Assim, como a
Igreja só aceitava o sexo dentro do casamento e com finalidade de procriação,
tudo o que se afastasse desta regra era tido como contrário a Deus. 4
O modelo de família fundada essencialmente no casamento
heterossexual, de caráter monogâmico e com o marido sendo o centro da
célula familiar integrada pela esposa e pela prole tornou -se hegemônico na
sociedade ocidental, passando da Antiguidade para a Idade Média, até chegar
à Idade Moderna.
Com o advento da Revolução Industrial no século XVIII, a visão
tradicional familiar teve de ser abandonada em função das novas necessidades
da coletividade, como a maior demanda de mão de obra e consequente
inserção da mulher no mercado de trabalho. A aproximação de seus membros
propiciou o desenvolvimento do vínculo afetivo entre eles, surgindo a
concepção de família baseada em laços de afetividade, carinho e amor. 5
Na pós-modernidade, muito embora ainda presente o ranço
preconceituoso, já se aceita a família como sendo um conjunto de indivíduos
unidos por laços de afetos. Presente uma variada gama de arranjos familiares
que se enquadram na tutela jurídica constituc ional da família.

2 FORMAS DE FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 eliminou grandes marcos


preconceituosos permanecidos no Direito de Família. Instaurou a igualdade
entre o homem e a mulher e aumentou consideravelmente o conceito de
família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros.
Dentro desse novo cenário normativo, a dignidade da pessoa humana
passou a ser o vetor interpretativo fundamental do direito privado, atenuando,
de certa forma, sua precípua orien tação patrimonial. O Direito de Família
passou, então, a sujeitar -se aos princípios e regras constitucionais, buscando

4
LOUZADA, Ana Maria Gonçalves. Evolução do conceito de família. Disponível em:
http://www.amagis.org.br/images/Artigos/Evolucao_do_conceito_de_familia.pdf. Acesso em jul. 2016.
5
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito de Família. 5ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 57.
66
o desenvolvimento da personalidade e a efetivação da dignidade de todos os
integrantes da família, no que se denominou ―Constitucionaliza ção do Direito
Civil‖. 6
Nesse sentido, tem -se o entendimento de Tepedino:

( ...) e m u ma p a la vra , n ão é ap e n a s u m ad j et i vo a co lo r ir a d o g mát i ca


fo r j ad a p el a E sco la d a E xe g es e, q ue p o d e ser a c ad a mo me n to , p ur i ficad a
e at ua li zad a , ma s u ma alt eraç ão p ro fu nd a d a o rd e m p úb l ica, a p ar tir d a
s ub st it ui ção d o s va lo re s q ue p er me ia m o d ire ito ci vi l, no â mb ito d o q u a l
a p e sso a h u ma n a p a s sa a ter p r io rid ad e ab so l ut a. 7

A Constituição de 1988 ampliou o conceito de entidade familiar,


reconhecendo a família constituída pela união estável e as famílias
monoparentais, sendo esta formada por um dos pais e seus filhos.
Noutro lado, o Código Civil, no que tange ao Direito de Família,
apresenta diversos anacronismos, evidenciados pelos valores
constitucionalmente consagrados, eis que não aborda situações concretas à
realidade brasileira, a exemplo, união entre pessoas do mesmo sexo.

3 DEFINIÇÃO MODERNA DE FAMÍLIA

É notório que os padrões nos arranjos familiares no Brasil se


modificaram bastante nas últimas décadas. Destacam -se famílias que se
afastam do modelo tradicional formado pelo homem e a mulher através do
casamento, com o dever de gerar filhos. As mudanças sociais, nas estruturas
políticas e econômicas refletiram igualmente nas relações familiares,
pluralizando as for mas de família concebidas atualmente. Os ideais de
pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo
dirigem-se, agora, à proteção da pessoa humana, e a família ganha uma função
instrumental de desenvolver a plena capacidade de seus int egrantes.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana foi o
principal marco de mudança do paradigma da família. A partir dele, a família

6
ALVARENGA, Maria Amália de Figueiredo Pereira., org. Formas de Família na Sociedade Atual e Direitos
Fundamentais. São Paulo: Editora UNESP, 2015, p. 130.
7
TEPEDINO, Gustavo. A Constitucionalização do Direito Civil: Perspectivas Metodológicas
interpretativas diante do novo código. In: FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima; FIÚZA, César; NAVES, Bruno
Torquato de Oliveira. Direito Civil: Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.127.
67
passa a ser considerada um meio de promoção pessoal dos seus componentes.
Por isso, o único requisito para a sua constituição não é mais jurídico, mas
sim fático: o afeto.
Nesse sentido, a entidade familiar ultrapassa os limites da previsão
jurídica para abarcar todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o
elemento afeto. Em outras palavras, o ordenamento jurídico deverá sempre
reconhecer como família todo e qualquer grupo no qual os seus membros
enxergam uns aos outros como seu familiar.
A Constituição Federal, ao outorgar especial proteção à família e
consagrar o afeto como instituidor da enti dade familiar, pluralizou o conceito
de família, que não mais se identifica pela celebração do matrimônio. O caput
do art. 226 da Constituição Federal apresenta -se como cláusula geral de
inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os
requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade 8.
Dessa forma, nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o
afeto deve ficar sem o status de família, eis que se mostra merecedora da
proteção do Estado, em respeito ao princípio dignidade da pessoa humana.

4 A UNIÃO HOMOAFETIVA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE


DA PESSOA HUMANA

Dentro do Direito de Família, a dignidade da pessoa humana traduz a


promoção da igual dignidade para todas as entidades familiares, bem como
para todos os sujeitos n elas inseridos. É indigno dar tratamento diferenciado
aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar
a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais
amplos. 9
Nesse sentido, a Carta Magna, ao afirmar o respeito à dignidade da
pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional, fundante do

8
LÔ B O , Pa u l o L ui z Ne tt o. Ent ida de s f ami li a re s c on stit uc ion al iz a da s: pa r a a lé m
do num e ru s c la usu s . Co ngr es s o Bras i l e i ro de Dir e i to de F am íl i a, 3. , 2 0 02 , B e l o
Hor i zo n t e. F am íl ia e c i da d an i a: o n o vo c c b e a v ac at i o l eg is . B e l o Hor i zo n t e: D e l
Re y, 2 00 2, p. 9 5.
9
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 45.
68
Estado Democrático de Direito, declarou serem dignos de proteção jurídica os
relacionamentos afetivos independentemente da identificação do sexo do par.
A Constituição não veda o relacionamento de pessoas do mesmo sexo.
Em verdade, ao trazer o conceito de ―entidades familiares‖, reconhecendo a
existência de relações afetivas não contempladas pelo casamento, permitiu
que, através da citada cláusula geral de inclusã o, não se admitisse a exclusão
de qualquer relacionamento que atendesse aos requisitos de constituição da
família. 10 A família homoafetiva, que tenha sua origem em um vínculo
afetivo, deve ser identificada como entidade familiar e receber a devida tutela
legal.
Assim nos ensina Maria Berenice Dias:

O co mp r o mi s so d o E sta d o p ara co m o c id ad ão s u ste n ta - se no p r i mad o d o


r esp eito à d i g n id ad e h u ma n a e ao s p r i nc íp io s d a i g ua ld ad e e d a lib e rd a d e.
Ao co nced er p r o te ção a to d o s , v ed a d i scr i mi na ção e p re co nce ito s p o r
mo ti vo d e o r i ge m, raça, se xo o u id ad e e as se g ur a o exerc íc io d o s d ire ito s
so c iai s e i nd i vid ua i s, a lib erd ad e , a se g ura n ça, o b e m - e st ar, o
d ese n vo l vi me nto , a i g u a ld ad e e a j u st iça co mo va lo re s s up re mo s d e u m a
so c ied ad e fr a ter n a, p l ur ali s ta e se m p reco n ce ito s. Ao ele n car o s d ir ei to s e
as gar a nt ia s f u nd a me n ta is, p ro cla ma ( CF 5 º ): to d o s sã o ig u a i s p e ra n t e a
lei, s em d i st in çã o d e q u a lq u e r n a tu re za . 11

As uniões homoafetivas não possuem legislação própria que regule


seus efeitos jurídicos, talvez ainda em função do grande preconceito presente
na população, q ue acaba por intimidar o legislador. São séculos de
preconceito, discriminação e opressão em relação à homossexualidade. Nas
palavras de Maria Berenice Dias:

P o r ser fa to d i f ere n te d o s e st ereó tip o s, o q ue n ão se e nca i xa no s p ad rõ e s


é tid o co mo i mo ral o u a mo ral , s e m b u scar - se a id e n ti fica ção d e s ua s
o r i ge n s o r gâ n ica s, so cia is o u co mp o r ta me n ta i s. 12

Em função do preconceito, a união homoafetiva tem permanecido à


margem do Direito. O relacionamento homoafetivo percorre a mesma
trajetória pela qual a união está vel atravessou antes de receber a sua tutela
jurisdicional do Estado. Em um primeiro momento, concedia -se ―indenizações

10
Ibid, p. 272.
11
Ibid.
12
DIAS, Maria Berenice. União homossexual, o preconceito e a Justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005, p. 17
69
por prestações de serviço‖, passando, depois, a conferir à união homossexual
efeitos de ordem patrimonial, intitulando -a como uma ―socie dade de fato‖.
Foi no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 1999, que se
começou a verificar a mudança na aplicação do direito, pois definiu -se a
competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões
homoafetivas 13, e, em 2001, reconheceu -se, pela primeira vez, a união de
pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, ao deferir a herança ao
parceiro sobrevivente 14.
Os julgamentos da ADPF -RS 132 e da ADI-DF 4277, pelo Supremo
Tribunal Federal, simbolizam o marco central do reco nhecimento jurídico da
união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Sem dúvidas, foi a
partir desse momento que não só o Estado, mas a própria sociedade passou a
olhar para essas minorias de forma mais isonômica.
Ademais, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo só foi habilitado através da
resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, que assim dispôs:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de


casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo
sexo.15

13
Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados
por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente
para o julgamento da causa uma das varas de família, a semelhança das separações ocorridas entre casais
heterossexuais. Agravo provido. (Agravo de Instrumento Nº 599075496, Oitava Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Breno Moreira Mussi, Julgado em 17/06/1999) Disponível em:
http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&vers
ao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=599075496&num_processo=599075
496&codEmenta=166858&temIntTeor=false. Acesso em jul. 2016.
14
União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação paradigma. Não se permite mais o
farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos
derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o judiciário não
pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem consequências semelhantes às que
vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito,
relevado sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio
havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se
debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo
entre os parceiros. (Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001). Disponível em:
http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&vers
ao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70001388982&num_processo=7000
1388982&codEmenta=421942&temIntTeor=false. Acesso em jul. 2016.
15
JUSTIÇA, Conselho Nacional. Enunciado administrativo nº 14, de14 de maio de 2013. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolu%C3%A7%C3%A3o_n_175.pdf. Acesso em ago. 2016.
70
Não restam dúvidas de que a resolução supramencionada constitui um marco
histórico na luta pelo reconhecimento e tutela dos direitos inerentes a este grupo vulnerável,
possibilitando a formalização das uniões civis entre pessoas do mesmo gênero.
Ainda, é interessante destacar o enunciado aprovado na VII Jornada de
Direito Civil, com redação original proposta por esta graduanda, e com
redação final alterada pela Profa. Maria Berenice Dias.
A proposta inicia l, aprovada para debate no evento, assim dizia:

O d ir ei to d e r eal iza çã o d o ca sa me n to d e v e ser es te nd id o ao s c as a is


ho mo a f et i vo s, e m co n tr ap o s ição à r es tr ição e x p lic it ad a no ar ti go ao se
cit ar a e xp r es são ―h o m e m e mu l h er‖, no se nt id o d e p ro p o rc io nar ao s
co mp a n he ir o s to d a s a s g ara n tia s e p rerro ga ti va s ad vi nd as d o v í nc u lo
co nj u ga l. D e fo r ma a gar a nt ir a i g uald ad e fo r ma l e s tab e le cid a p e la
p r ó p r ia Co n st it u ição Fe d eral, d e ve - se a fas tar a si t uaç ão p erp e t uad a d e
d es i g uald ad e cr i ad a p el a no r ma c i vi l q ue s e es q ui v a d o reco n h ec i me n t o
d o v í nc ulo co nj u g al e m rela çõ e s ho mo a fet i va s.

O enunciado aprovado, com redação alterada, aprovado por maiori a


(40 votos) assim diz: "É existente e válido o casamento entre pessoas do
mesmo sexo". 16
Assim, percebe -se que qualquer discriminação fundada na orientação
sexual do indivíduo configura clara ofensa ao princípio da dignidade da
pessoa humana, bem como ao princípio da liberdade e da igualdade. A
homossexualidade está cada vez mais presente na nossa realidade e é um fato
que se impõe, merecendo a devida tutela jurídica. O estigma do preconceito
não pode ensejar que um fato social não disponha de efeitos jurídicos.

5 FERRAMENTAS UTILIZADAS PELO PODER JUDICIÁRIO NA


RESOLUÇÃO DE CONFLITOS QUE ENVOLVEM UNIÕES
HOMOAFETIVAS

Dentre as demandas em curso no Poder Judiciário, certamente aquelas


relacionadas ao Direito de Família são as que exigem maior atenção e estudo

16
IB DF AM. E n u ncia do s a pro v a do s na V I I J o r na da d e D ire ito C iv i l de sta ca m g ua r da
co mp a rt il ha da e dir eito h o mo a fet iv o . D is p o n í vel e m:
ht tp : // www. i b d fa m.o r g.b r / no t ici as /5 7 9 3 / E n u nc ia d o s+ap ro vad o s+ na +VII + J o rnad a+d e +D irei
to + Ci v il +d . Ace s so e m a go . 2 0 1 6 .
71
dos juristas, eis que se apresentam em permanente dinamicidade e
transformação quanto às relações interpessoais. No tocante à união
homoafetiva, sabe -se que inexiste uma legislação específica que tutele tais
relações.

Assim, percebe -se que a legislação atinente ao Direito de Família está


defasada em relação à realidade plural, dinâmica e complexa que se apresenta
hoje, razão pela qual passou a ser determinada pelos princípios constitucionais
e pela jurisprudência. A exclusiva regulamentação dos comportamentos tidos
como ―aceitáveis‖ deixa à margem da jurisdição aqueles indivíduos que não se
identificam com o citado m odelo, restando clara a necessidade de renovação
dos modelos e conceitos atinentes à família.
Com efeito, em face da ausência de normatização, a união homoafetiva
tem sido tratada à semelhança das relações que têm o afeto por causa, como o
casamento e a união estável, pouco importando a identidade sexual dos
parceiros. A exegese do Judiciário, ao tratar de relacionamentos
homoafetivos, necessita ser extensiva, de forma a alcançar com essa
interpretação uma prestação jurisdicional eficiente, justa e adequada às
pretensões sociais.
Assim, tem -se que um processo deve ser informado, essencialmente
nas demandas de família, pela interpretação principiológica e teleológica,
ladeada pela jurisprudência, em detrimento da interpretação literal e estática
da norma.

CONCLUSÃO

A família é o lugar onde o ser humano se encontra inserido e onde ele


se desenvolve, forma sua personalidade e seu caráter, através de experiências
vividas. Sabe-se que os padrões nos arranjos familiares no Brasil se
modificaram bastante nas últi mas décadas, e destacam -se famílias que se
afastam do modelo tradicional formado pelo homem e a mulher através do
casamento, fazendo alçar novos formatos amparados no afeto, objetivando a
realização pessoal e a felicidade dos seus integrantes.

72
A evolução constitucional da família destacou seu caráter
democrático, que, ao redimensionar o núcleo familiar, deve reconhecer
direitos às diferentes modalidades de família, sustentados no princípio da
igualdade, liberdade, afetividade, tendo em vista a valorização m áxima da
dignidade da pessoa humana.
Atualmente, é possível afirmar a existência de diversas modalidades
de família, dentre as quais pode -se citar a família homoafetiva, que, apesar de
ainda não possuir uma expressa regulamentação legal, representa uma
realidade fática cada vez mais expressiva.
É certo que o ranço preconceituoso em face do indivíduo homossexual
ainda se propaga na sociedade. Contudo, é possível notar mudanças pontuais e
expressivas, tanto no meio jurídico, quanto no social. A postura das
jurisprudências em judicializar relações homoafetivas e caracterizá -las como
entidades familiares é um marco significativo, eis que o Poder Judiciário
acaba por suprir a lacuna legislativa em matéria de Direito de Família
homoafetiva.
O Direito tem um papel social a cumprir, devendo os juristas, através da
interpretação das leis, não seguir somente seu texto, mas agir conforme as necessidades
sociais que é convocado a reger.17 Daí a vital relevância da jurisprudência, que revela e aplica
princípios latentes no ordenamento, atendendo às necessidades práticas impostas pela
sociedade e conferindo-lhes o necessário ―polimento‖, com o passar do tempo, até que
adquira uma compostura mais precisa.18
A complexidade que envolve o ritmo descomunal e acelerado de
mudanças de conceitos e de valores, bem como de paradigmas socioculturais,
exige igual velocidade e praticidade de resposta por parte daqueles que
estruturam, exercem e definem as regras e os procedimentos do Direito.

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17
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194.
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Livraria do Advogado, 2005.

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74
7 A DIVISÃO DA PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE
NAS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS SOB A VISÃO DOS
TRIBUNAIS
Lea n dro J o rg e de O liv eira L ino
Esp e cia li s ta em Dir eito P ro ce s s ua l e
Mat eria l T rib utá rio p e l a Es co la P a u li st a d e
Dire ito , S ão P a u lo , M es tra nd o e m D ire ito
p ela U ni ve rs id ad e Es tad ua l P a ul i sta – ―J u lio
d e Mesq u i sta Rib eiro ‖ , Fra nca , Ad vo gad o
mi l ita n te n a s ár ea s d e Dir ei to T rib utá rio e
Dire ito P re vid e n ci ário

―Não há le i, n e m d e D eu s ne m d o s ho me n s,
q ue p ro íb a o ser h u ma no d e b u sc ar a
fe li cid ad e.‖ (Mar ia B ere ni ce Di as)

SUMÁRIO: Introdução. 1 Da terminologia. 2 Conceito constitucional de


famílias. 3 Monogamia e poliamor. 4 Famílias simu ltâneas. 4.1 União estável.
4.2 União estável simultânea ao casamento. 4.3 Uniões estáveis simultâneas.
5 O direito a pensão por morte. 5.1 Dependentes previdenciários. 5.2 A
concubina como dependente previdenciária. 6 Divisão da pensão
previdenciária por morte nas famílias simultâneas sob a visão dos tribunais.
6.1 Jurisprudência do STF. 6.2 Jurisprudência do STJ. 6.3 Jurisprudência da
TNU. 6.4 Jurisprudência do TRF1. 6.5 Jurisprudência do TRF2. 6 .6.
Jurisprudência do TRF3. 6.7 Jurisprudência do TRF4. 6.8 Jurisprudência do
TRF5. Conclusão. Referências.

RESUMO: Com a evolução da sociedade para além dos dogmas dos limites da
família baseada nas uniões tradicionais heterossexuais e monogâmicas,
surgem novos fatos jurídicos, que não podem ser deixados ao lado pelo
Direito. As famílias simultâneas, antes vistas como concubinato, surgem
como um dos novos modelos jurídico e social de família, irradiando seus
efeitos para além dos limites do Direito das Famílias, chegando a influenciar
no Direito Seguridade Social , principalmente no tocante à divisão da pensão
por morte.

Palavras-chave:entidades familiares. famílias simultâneas. união estável.


divisão. pensão previdenciária por morte.

ABSTRACT: With the development of societ y in addition to limites dogma


famil y based on traditional marriage heterosexual and monogamist, arise new
juridical facts, that cannot be left out by law. The simultaneous families, seen
before as concubinagem, arise as one of the new reference legal anda famil y
social, irradiating your effec ts to beyond the limits of families law, arriving
at influence th right to social securit y, basicall y in relation to divison of
pension social security after death.

75
Keywords: famil y entities. simultaneores families. stable union. divison.
pension social security after death.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo, uma análise sintética, do novo


conceito de famílias, principalmente, no tocante as famílias simultâneas,
baseando-se em um viés constitucional, doutrinário e jurisprudencial sobre
tema, e seus reflexos no Direito da Seguridade Social, em essencial na divisão
da pensão por morte. A análise da jurisprudência dos Tribunais Regionais
Federais, da Turma Nacional de Uniformização Jurisprudencial da Justiça
Federal, do STJ e do STF, é impo rtante, para verificar na prática como tema
tem sido enfrentado pelo Poder Judiciário.
O tema revela -se de grande importância no dias atuais, vez que,
hodiernamente o cientista e o aplicador do Direito, não podem ficar presos
apenas a norma posta, faz -se necessário possuir um visão transcendental de
mundo.O Direito normatizado como fenômeno oriundo da sociedade deve
estar em constante evolução para tentar abarcar em seus textos os novos fatos
surgidos no mundo do ser, trazendo -os para dentro do mundo do dev er-ser. A
esta regra não se foge no campo do Direito das Famílias e no Direito da
Seguridade Social, sendo certo, que o Direito positivado não consegue
acompanhar pari -passo as evoluções ocorridas na sociedade, mas não pode se
omitir de buscar fazê -la.
EnsinaMaria Berenice Dias, afirmando que o legislador positivo não
consegue acompanhar à evolução social ocorrida na sociedade, quanto mais
―contemplar as inquietações da família contemporânea‖. Continua a autora,
trazendo a explicação do motivo que leva o le gislador não conseguir
acompanhar a evolução social, limitando -se a atualização da norma apenas
formal, sem trazer para seu interior a real evolução existente.
[ ...] A so c ied ad e e vo l ui, tra n s fo r ma - s e, ro mp e c o m trad içõ e s e a marr a s, o
q ue ger a a ne ce s sid ad e d e co n sta n te o x ig e na çã o da s l ei s. A te nd ê n cia é
si mp le s me n te p r o ced er à at u al iza ção no r ma t i va , se m ab so r ver o e sp ír it o
d as si le nc io sa s mu d a n ç as a lc a nçad as no se io so c ial , o q ue fo r tal ece a
ma n u te n ção d a co nd ut a d e ap e go à tr ad iç ã o le ga li st a, mo ra li s ta e
1
o p r es so r a d a lei . ( gri fo s no o r i gi n al)

1
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 29.
76
De acordo com o pensamento de Maria Berenice Dias, na obra retro, o
legislador além de não conseguir captar todas as reais mudanças sociais
ocorridas, se limita e fazer uma atualização apenas pró forma das leis, não se
arvorando em avançar além do mo delo jurídico tradicional positivista,
baseado apenas nas leis em dissonância com a realidade social.
Nesta mesma esteira de pensamento temos o ensinamento de Giselda
Maria Fernandes Novaes Hironaka:
[ ...] E, co mo d i ss e J ea n Cr u et, ―no u s vo yo n s to u s le s j o ur s l a so c iet é
r ef air e l a lo i, o n n ‘a j a mai s v u la lo i r e fa ir la so c iét e‖, i sto é , ―nó s
ve mo s, to d o s o s d i as , a so ci ed ad e r e faz er a le i ; n ão se v ê, j a mai s, a l ei
r ef aze r a so c ied ad e‖ 2.
B e m as s i m. E b e m p o r i s so , te mo s o b ser v ad o q ue a no s sa l e gi sl ação te m
se mo str ad o i nc ap az d e aco mp a n h ar a e vo l uç ão , a velo cid ad e e a
co mp le x id ad e d o s ma i s d iv er so s mo d elo s d e n úc leo s fa mi l iar es q ue s e
ap r e se nt a m co mo ver d ad eir as e nt id ad es fa mi l iare s, e mb o r a o n ão
r eco n hec i me n to le ga l. 3

Extrai-se do pensamento acima que a evo lução social demanda o


acompanhamento pelas normas, mas é fato que a lei não consegue acompanhar
a rapidez da evolução social e sua complexidade, especialmente, no que se
refere às diversas de formas de família. Em arremate conclui que não é a lei
que faz a sociedade ser alterada, mas a sociedade que faz a lei ser alterada,
portanto, leis ultrapassadas não tem o condão de modificar retroativamente a
evolução social.
Deste modo, ainda que a lei expressa, positivada, não esteja tão
evoluída quanto a sociedade , não há como se objurgar o reconhecimento de
direitos às novas entidades familiares, tão somente, por amor ao positivismo
exacerbado, que seja, contrário ao atual estágio da sociedade.
Esta situação justifica a análise, além dos textos das leis, baseando -
nos na Carta Magna, donde se torna possível versar sobre um novo conteúdo
social, que é uma realidade em nossos dias, qual seja, um novo conceito de
famílias, lastreado na afetividade e não na norma pura e literal.

2
Epígrafe de da obra de CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. Lisboa: Antiga Casa
Bertrand-José Bastos e Cia, Livraria Editora: ―Vè-se todos os dias a sociedade reformar a lei; nunca se viu a lei
reformar a sociedade.‖
3
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. R. Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 108,
jan./dez. 2013. p. 199.
77
1 DA TERMINOLOGIA
A terminologia é de s uma importância para se reconhecer uma ciência,
que possui expressões e termos próprios, que devem ser usados em um
trabalho científico, inclusive para dar maior crédito a ele, além disto, faz -se
necessário seu emprego correto, para não haver dúvidas e con tradições.
Neste sentido é necessário neste momento tecer algumas considerações
sobre as terminologias adotadas neste trabalho referindo -se à Direito das
Famílias. Inicialmente parece mero preciosismo versar sobre a terminologia
Direito das Famílias em contraposição ao tradicional Direito de Família, no
entanto, é crucial tal diferenciação para o desenvolvimento do presente
trabalho.
Como dito anteriormente o Direito como fenômeno oriundo da
sociedade tem que evoluir juntamente com àquela, e com esta evolução é
fundamental a alteração terminológica, com o fim de demonstrar claramente
as marcas desta evolução e a subsunção na norma positivada. É o que ocorre
como a terminologia Direito das Famílias confirmando a evolução social e
jurídica do vetusto Direito de Família.
O Direito de Família como doutrina jurídica se lastreia no conceito
ultrapassado de família, um conceito tradicional 4 consubstanciado na união
heterossexual por meio do matrimônio formal, do casamento registrado em
cartório. A família se r esumia em Homem, Mulher e suas proles, constituída
por meio dos ―sagrados laços do casamento‖.
Por sua vez nos atuais tempos tem -se que versar sobre um conceito
bem mais alargado de família, mais propriamente de famílias, conforme se
extrai do texto consti tucional de 1988, em seu artigo 226 5, motivo este, que
leva a se utilizar a terminologia Direito das Famílias.
Outra justificativa muito importante para o emprego terminológico
Direito das Famílias versa sobre a destituição de preconceitos ainda
arraigados em nossa sociedade contemporânea. Ensina Maria Berenice Dias
sobre a importância do correto emprego da terminologia Direito das
Famílias:

4
O conceito tradicional de família origina-se do Código Civil de 1916.
5
O texto constitucional prevê expressamente as famílias: ―tradicional‖, monoparental e união estável.
78
Co mo a li n g u a ge m co n d icio n a o p e n sa me n to , é mi st er s ub tra ir q ua lq uer
ad j eti va ção ao s ub s ta nt i vo fa mí lia e si mp le s me nt e fa lar e m fa mí lia s. [. ..]
As s i m, a e xp r e s são d ire ito da s fa mí lia s me l ho r ate nd e à n ece s sid ad e d e
en laç ar , no s e u â mb it o d e p ro teç ão , a s fa mí l ia s, to d as e la s, se m
d is cr i mi n aç ão , se m p rec o nc ei to s . ( gri fo s no o ri g in al) 6

Haja vista as novas modalidades de família constitucionalmente


previstas expressamente, e outras que possuem seu substrato normativo
também no texto constitucional, apesar de não estarem literalmente descritas 7,
e com o fim de eliminar qualquer caráter de preconceito, é que se propugna
pela adoção da terminologia Direito das Famílias. Certo é que a expressão
terminológica pode ser utilizada para a inclusão ou exclusão social, para se
despir ou aumentar os precon ceitos, principalmente, quando se fala em
relações familiares, assim sendo, seguimos o pensamento de Dias, para adotar
a terminologia Direito das Famílias.

2 CONCEITO CONSTITUCIONAL DE FAMÍLIAS

A Magna Carta de 1988, veio ao encontro das evoluções sociai s


ocorridas durante o lapso temporal constituído entre a antiga Constituição
Federal, o Código Civil de 1916 e a dita nova ordem constitucional. Assim
sendo, trouxe plasmado em seu artigo 226, §3.º, o novo conceito de família,
prevendo no mínimo três espéc ies.
Ministra Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, sob o novo
conceito constitucional de famílias trazido pela Constituição Federal de 1988:
A fa mí l ia d ei xo u d e ser fa mí li a p a tri arc al e ma tri mo n ia liz ad a q u e
p r ed o mi no u no a n ter io r s éc ulo e na a nt erio r L ei Ci v il b ra si le ira. A
Co n st it u ição d a Rep úb l i ca, e m 1 9 8 8 , a co l he u o s a n seio s d a so cied ad e, n o
se n tid o d a mu l tip li caç ã o d o s mo d elo s fa mi l iar es, re g i str a nd o ao s me n o s
tr ê s, a fa mí l ia o r i u nd a d o cas a me n to , a fa mí l ia o ri u nd a d a u ni ão e stá v el e
a fa mí l ia mo no p are nt al 8.

Para a autora o conceito constitucional de famílias veio atender aos


anseios da sociedade e romper com modelo de família patriarcal e
matrimonializada, mas não se deve considerar famílias apenas as literalmente

6
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 28.
7
A título de exemplo podemos citar as famílias: anaparentais, as simultâneas e união homoafetiva.
8
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. R. Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 108,
jan./dez. 2013. p. 200.
79
descritas na constituição, vez que , seu escopo foi de trazer uma
―multiplicação dos modelos familiares‖.
No mesmo sentido do alargamento constitucional do conceito de
famílias, baseado nas relações fáticas existentes em nossa sociedade, e
reconhecendo efeitos jurídicos a relações extra mat rimônio, são as lições de
Maria Berenice Dias:
P r o ced e u o le g i slad o r co n st it u i nte ao al arg a me n to d o co nce i to
co n s ti t ucio n al d e fa mí lia, ca lca d o na no v a real id ad e q ue se i mp ô s,
e mp r e sta nd o j ur id icid ad e ao relac io na me n to e x i st e nte fo r a d o casa me nt o .
Af a sto u d a id e ia d e fa mí l ia o p re s s up o sto d o cas a me n to id e nt i fic a n d o
co mo fa mí l ia ta mb é m a un iã o e stá v el e ntre u m ho me m e u ma mu l h er. A
fa mí lia à mar ge m d o c asa me nto p as so u a mer ecer t u te la co n s ti t ucio n al
p o r q ue ap r e se n ta c o nd içõ e s de se nt i m en to , e st ab i lid a d e e
r esp o n sab il id ad e ne c es sár io s ao d ese m p en ho das fu nçõ e s
r eco n hec id a me n t e fa mi liar es . Ne s se r ed i me n sio n a me n to , p a s sara m a
in te gr ar o co nc ei to d e e nt id ad e fa mi liar a s rela çõ es mo no pa r enta i s : u m
p ai co m o s s e us fi l ho s . ( gr i fo s no o ri g i na l) 9

Conclui seu pensamento ao afirmar que o novo conceito de famílias,


não traz mais o pensamento de família como a existência de um par com a
finalidade de procriação: ―Agora, para a configuração da família, deixou de
ser exigir necessariamente a existência d e um par, o que, consequentemente,
subtraiu de seu conceito a finalidade procriativa.‖ 10
Assim para Maria Berenice Dias, a Constituição Federal de 1988, ao
alargar o conceito de família, reconhecendo juridicamente novos arranjos, e
eliminando do conceito a existência obrigatória de par de sexos opostos com
o fim de procriação, ―empresta juridicidade ao relacionamento existente fora
do casamento‖ 11.
Considerando a existência de novos arranjos familiares possíveis e
juridicamente tutelados, diversos do ―matrimô nio tradicional‖ 12 em termos
constitucionais, podemos afirmar citando ipsis litteris a autora retro, há a
―estatização do afeto” 13.
Destarte, a afetividade é pressuposto essencial a formação do ente
familiar, e consequentemente, para seu reconhecimento juríd ico, sob ―um a
visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares,

9
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 36-37.
10
Ibid., p. 37.
11
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 37.
12
A expressão matrimônio tradicional é usado propositadamente, para diferenciar do casamento homossexual.
13
DIAS, op. cit., loc. cit.
80
devendo-se buscar o elemento que permitir enlaçar no conceito de entidade
familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade,
independentement e de sua conformação‖ 14.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, ao conceituar família
como oriunda das relações interpessoais baseadas na afetividade: ―[...] família
é arranjo que dá espontaneamente no seio da sociedade, tendo por base e
fundamento o afeto cultivado entre seus membros‖ (itálico no original). 15
Nesta linha de raciocínio da afetividade como marco dos novos
arranjos familiares para fins conceder efeitos d e juridicidade a elas, são as
palavras de Celina Kazuko Fujika Mologni:
As s i m, p o d e -s e a fir ma r q u e o el e me n to q ue id e nt i fi ca a fa mí lia é o
ví n c ulo a fe ti vo e nt re s eu s me mb ro s, p r i nc ip a l me n te p el a c lá u s ul a d e
in cl u são ad o tad a e m n o s sa Co n st it u ição F ed e ral, c o m a ut il iza ção d a
exp r e ss ão ―ta mb é m‖ ao in cl u ir a fa mí li a mo n o p are nt al co mo e n tid ad e
fa mi liar , e n fr aq ue ce nd o a exi g ê nci a d a no ção d e casa me n to , se xo e
p r o cr ia ção . A j ur id i cid ad e d a fa mí lia é co n ferid a p e la p re se nç a d e
ví n c ulo a fe ti vo q ue u n e m a s p e sso a s c o m me s mo p ro j eto d e vid a , c o m
co mp r o mi s so s mú t uo s, e m b us ca d a p le na re al iza ção d e s u as
p er so n alid ad e s e, so b r e tud o , al mej a nd o a b u s ca d a fel icid ad e e m s ua
co n v i vê nc ia p a r a c uj o alca n ce não ne ce s sar ia me n te e x i ge m - s e à
d iv er sid ad e d e s e xo s e p ro cria ção . 16

Interessante destacar o pensamento de Lara Rafaelle Pinho Soares, a


qual conclui que o conceito atual de família não se limita a formal decorrente
da ―escritura do registro de casamento‖, mas coaduna -se com a aplicação do
princípio do afeto, que se caracter iza com marco fundamental do novo Direito
das Famílias:
Ag o r a, fa mí l ia não s e e scr e ve mai s a p ar tir d a as si n at ur a d o reg is tro d e
cas a me n to . Não se ad e n tra no s eio fa mi li ar ap e na s co m a co n fe cção d a
cer t id ão d e c as a me n to . Fal ar e m fa mí l ia é trazer , e d e s n ud ar, a
in ti mid ad e d o p r i nc íp io d o a fe to q ue me s mo a u se n te no m u n d o j ur íd i co
e m t e mp o s p r e tér ito s n ã o mu i to lo n g í nq uo s, ap a rece, co mo o b a l uar te d o
d ir ei to d e fa mí li a; p ed r a d e to q u e e fo co p ri n cip a l p ara co nd uç ão d o s
tr aço s a r t ís ti co s d o mo d elo fa mi liar mo d er no . 17

Ao se considerar que as entidades familiares, se formam com base na


afetividade, não mais com fulcro na procriação e no matrimônio tradicional,

14
DIAS, op. cit., p. 43.
15
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. R. Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 108,
jan./dez. 2013. p. 199.
16
MOLOGNI, Celina Kazuko Fujika. Pensão por morte do cônjuge: união simultânea de casamento e de
concubinato adulterino. UNOPAR CIENT., CIÊNC. JURID. EMPRES., Londrina, v. 11, n. 2, p. 77-86, Set.
2010. p. 79-80.
17
SOARES, Lara Rafaelle Pinho. Pensão por morte e união estável paralela consentida. Revista Jus Navigandi.
Teresina, ano 18, n. 3484, 14 jan. 2013. p. 1.
81
abre-se vistas à existência de outras formas de famílias além da tradicional,
monoparental e a união est ável. A doutrina moderna traz uma classificação de
famílias além das previstas no texto constitucional. Adotamos a classificação
apresentada por Maria Berenice Dias, sob título famílias plurais, existindo as
seguintes espécies de famílias:Matrimonial; Info rmal (decorrente de união
estável); Homoafetiva; Monoparental; Parental; Pluriparental; Paralela
(sucessiva); Eudemonista. 18
Na doutrina encontramos mais duas espécies de famílias propostas
como possíveis de existir: a) família unipessoal 19; b) família afeti va 20.
Dentre as diversas formas de entidades familiares, destacamos a
paralela ou simultânea, a qual é objeto deste trabalho. Cujo conceito por ora,
nos limitaremos a dizer que se trata de coexistência de duas uniões
simultâneas.

3 MONOGAMIA E POLIAMOR

Não há duvidas que ao analisar a problemática da simultaneidade de


famílias, especialmente, no tocante a coexistência de uniões (casamento,
união estável, duas ou mais uniões estáveis)há que se enfrentar a questão
relacionada a monogamia e o poliamor.
O tema da monogamia e o poliamor, já desperta a atenção dos juristas
à algum tempo, haja vista, a realidade social já prevê a tempos a existência do
poliamor. Sobre o tema encontramos o artigo de Pablo Stolze intitulado
―Direitos da(o) amante” 21, em cujo texto lança luzes sobre a possibilidade de
reconhecimento de direitos a amante, como configuração de uma família
simultânea, a despeito da monogamia, mas prez ando a afetividade, a realidade
social e o poliamor.
Inicia Pablo Stolze sua análise trazendo uma provoc ação, ou
questionamento: ―Você seria capaz de amar duas pessoas ao mesmo tempo? 22‖.

18
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 40-54.
19
GLANZ, Semy. A família mutante– sociologia e direito comparado: inclusive o novo Código Civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 5.
20
LÔB O, P a ulo Lu i z N e tto . E nt id ad e s fa mi li ar es co ns ti t uc io na liz ad a s : p ar a a lé m d o
Nu m e ru s C la u su s . p . 3 . I n : F AR I AS, Cr i st ia no C ha v es (Co o rd .). Te ma s a t ua i s de di rei to
e p ro ce s so de f a mí lia . Rio d e J a ne iro : Lu me n J ur is , 2 0 0 4 .
21
STOLZE, Pablo. Direitos da(o) amante.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1841, 16 jul. 2008.
22
STOLZE, Pablo. Direitos da(o) amante. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1841, 16 jul. 2008. p. 1.
82
A indagação proposital abre espaço ao início de sua explanação sobre a
existência do poliamor, a ―duplicidade afetiva‖.
Vo cê se r ia cap a z d e a ma r d u as p e sso as ao me s m o te mp o ?
Est a i nd a g ação , q ua nd o no s re fer i mo s ao a mo r q ue u ne o s ca sa is , co s t u m a
s ur p r e e nd er o i n ter lo c ut o r, o q ua l, p o r vez es , c u l mi na p o r te nt ar b us car –
ai nd a q ue e m b r e v e (e q ua se i mp erc ep t í ve l) es fo rço d e me mó ri a – , e m s u a
hi s tó r i a d e v id a, na in fâ n ci a o u na ad o le scê n cia , al g u m fat o
car ac ter izad o r d e st a co mp le xa ―d up l ic id ad e d e afeto ‖. 23

Pablo Stolze traz sua definição de poliamor como sendo:

O que dizer, nessa linha de pensamento, do casal que vive em


poliamorismo?

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-


se para o Direito, admite a possibilidade de co-existirem duas ou mais
relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam
uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.24

O poliamor ou poliamori smo, define-se como relações de famílias, em


qual não se predomina como princípio a monogamia, mas sim, um
relacionamento aberto e múltiplo, de modo que os integrantes desta relação s e
conhecem e se aceitam, ou seja, um rompimento claro a modalidade
tradicional de união baseada na monogamia.
Para Maria Berenice Diaso conceito de poliamor versa sobre a
existência na sociedade de relações múltiplas que eram tradicionalmente
denominadas como concubinato adulterino:
O co nc ub i na t o c ha mad o d e ad ul ter i no , i mp ur o , i mp ró p r io , e sp úr io , d e
má - f é e at é d e co n c ub i n ag e m, é al vo rep úd io so cia l. Ma s ne m a ss i m e s s as
u ni õ e s d ei xa m d e ex i st ir, e e m lar g a es ca la. P as sara m a go r a a s ere m
ch a mad a s d e po l ia mo r. (gr i fo s no s so o r i gi n al) 25

De modo antagônico ao poliamorismo, encontram os as teses que


defendem a permanência da monogamia como princípio do direito das
famílias, norteador do conceito das famílias; com base nele é que se tem
negado o reconhecimento de uniões dúplices como entidades familiares e,
consequentemente, não estende ndo valoração jurídica e direitos à
companheira simultânea.
O sistema positivo jurídico brasileiro adota a monogamia,
explicitamente no artigo 1.521, VI, do Código Civil, ao proibir núpcias a

23
STOLZE, op. cit., loc. cit.
24
STOLZE, op. cit., p. 4.
25
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 50.
83
pessoa casada, proibindo assim a poligamia, a qual é nos termos do artigo
1.548, II, do Código Civil, causa de nulidade absoluta do segundo casamento.
Na doutrina encontramos duas posições quanto a monogamia: i - como
princípio jurídico de direito de família; ii – como regra de orientação. Para
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, a teoria que considera a
monogamia com princípio é a causadora de toda esta divergência doutrinária e
jurisprudencial:
O q ue, s e g u nd o o me u s en tir ,te m b a si ca me n te p ro d uz id o es ta d i ver g ê nc ia
d o u tr i nár ia e, p o r co ns e q uê n cia , j ur i sp r ud e nc ia l , é o fa to d e se co n sid er ar
a mo no g a mi a co mo p r in cíp io , o u co mo , reg ra d e d ire ito d e fa mí l ia, b e m
co mo d o f ato d e s e uti l izar, n a hip ó te se d e ap l icaç ão d e p r i ncíp io s, d a
téc n ica d a p o nd er ação p ri ncip io ló g ic a . 26

Rodrigo da Cunha Pereira, para demonstrar o entendimento doutrinário


relativo à classificação da monogamia como princípio, afirma que ela é um
princípio norteador das relações familiares :
O p r i nc íp io d a mo no g a mi a, e mb o r a fu ncio n e t a mb é m co mo u m p o nto -
ch a ve d a s co ne xõ e s m o rai s d a s r el açõ e s a mo ro sa s e co nj u ga is , n ão é
si mp le s me n te u ma no r ma mo r al o u mo r al iza nt e. S u a ex i stê n ci a no s
o r d en a me n to s j ur íd ico s q ue o ad o ta m te m a fu nç ão d e u m p r i nc íp io
j ur íd ico o r d e n ad o r. El e é u m p r i nc íp io b á s ico e o rga n izad o r d a s rel açõ es
j ur íd ica s d a f a mí l i a d o mu n d o o c id e n ta l. Se fo s se mer a r e gra mo r al
ter í a mo s q ue ad mi t ir a i mo r al id ad e d o s o rd en a me n to s j ur íd i co s d o
Or ie n te Méd io , o nd e vár io s Es tad o s n ão ad o ta m a mo no ga mi a . 27

Maria Berenice Dias, defende a tese a qual monogamia não é


princípio, mas regra de orientação, tendo uma função ordenadora da família,
vez que apesar existente no ordenamento jurídico civil como forma de proibir
a poligamia, não tem previsão constitucional como princípio, desta forma, não
há assim o considerar:
U ma r e ss al v a me rec e se r fei ta co m rel ação a m o no ga mi a. N ão se tr ata d e
u m p r i nc íp io d o d irei to es tat al d e fa mí li a, ma s s i m d e u ma re gra re str it a à
p r o ib iç ão d e mú l tip la s relaçõ es ma tr i mo ni al i zad a s, co n st it u íd a s so b a
ch a nce la d o E st ad o . Ai nd a q ue a lei re cri mi n e d e d i ver sa s fo r ma s q ue m
d esc u mp r e o d ev er d e fide li da de , não há co mo co n sid e rar a mo no g a mi a
co mo p r i nc íp io co n s ti tu cio n al, a té p o rq ue a Co n st it u ição não a
co n te mp la. Ao co ntr ári o , ta nto to le ra a tr ai ção , q ue não p er mi te q ue o s
f il ho s s e s uj e it e m a q u alq uer d is cri mi n a ção , me s mo q u a nd o s e tra ta d e
p r o le na sc id a s d e re la çõ es ad ul ter i na s o u i n ces t uo sa s. O Es tad o t e m
in ter es s e n a ma nt e nça d a es tr ut ur a fa mi li ar, a p o nt o d e p ro cl a mar q ue a
fa mí lia é a b as e d a so cied ad e. P o r i s so , a m o no ga mi a é co n sid erad a

26
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. R. Fac. Dir. Univ. São Paulo, v. 108,
jan./dez. 2013. p. 202.
27
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da
família. 2004. 157 f. Tese (Doutorado) - Curso de Faculdade de Direito, Pós-graduação, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2004. p. 76.
84
f un çã o o r de na do ra d a fa míl ia. [. ..] Ma s a u n ico nj u g al id ad e n ão p as s a d e
u m si s te ma d e r e gr as m o rai s, d e i nte re ss es a ntr o p o ló gico s e p s ico ló g ic o s ,
e mb o r a d isp o n h a d e v al o r j uríd ico .( gr i fo s no o r ig i na l) 28.

Defende também Carlos Eduardo Pianovski Ruz yk, que a monogamia


não pode ser considerado princípio jurídico de direito de família, mas sim
uma regra que se restringe à proibição de múltiplas relações matrimoniais:
Não se p o d e a f ir ma r, p o is, q u e a mo no ga mi a sej a u m p r i nc íp io d o d i rei t o
es tat al d e fa mí l ia, ma s, si m, u ma re gra r estr it a à p ro ib ição d e
mú l t ip la s r e la çõ e s mat r i mo nia li zad a s – e, p o r t an to , co n st it u íd a s so b a
ch a nce la p r é v ia d o E st a d o . Não cab e ao E st ad o real izar u m j u íz o
p r év io e g er a l d e rep ro vab il id ad e co nt ra fo r maçõ e s co nj u g a is
p lu r ai s n ão co n st it u íd a s so b s ua é gid e , e q u e s e co n stro e m no â mb i to
d o s fa to s.
As s i m, p ar a al é m d a mu l t ip l icid ad e d e r ela ç õ es ma tr i mo ni ali zad a s, a
mo no ga mia so me n te é rele v a nte p ar a o d ire it o d e fa mí l ia q ua nd o s eu
av es so vio lar a d ig n id a d e d a p esso a h u ma na. Se as si m n ão fo r, nã o
cab e ao Es tad o ser o tu to r d a co n s tr uçã o afe ti v a co e xi s te nc ia l,
as s u mi r o l u gar d o ―não ‖. A ne ga ção ao d e s ej o mú t uo , co rr e sp ec ti v o ,
ne s se c a so , j á se ap re se n ta p o r me io d o j u í zo d e rep ro va ção so ci al
mo v id o p o r u ma mo ral méd i a. A co erç ão e st a tal não e nco n tra, aq ui, o
esp a ço e m q ue le gi ti ma me n te p o s sa s er e x ercid a. 29

Independente da teoria a ser adotada sobre a monogamia, é impossível


desconsiderar seus efeitos jurídicos na análise do poliamor e das famílias
simultâneas, pois sob o argumento da prevalência da monogamia muitos
juristas e pretórios têm negado o reconhecimento das entidades simultâneas
como famílias, negando -lhes acesso a direitos patrimoniais (herança e
alimentos) e previdenciários (pensão previdenciári a).

4 FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS

Como ressaltado anteriormente, o novo conceito de famílias, traz em


seu âmago uma pluralidade de entidades familiares e, não estando limitado
aos numerus clausus previstos no artigo 226, da Constituição Federal: a)
família matrimonial; b) família monoparental; c) união estável.
Em verdade o conceito de famílias vigente no atual do Direito das
Famílias, vai muito além dos numerus clausus da previsão constitucional, não
mais se limitando ao matrimônio e a diversidade de sexos, p ara ser
reconhecido como família. Hodiernamente, temos um conceito plural de

28
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 60.
29
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas e Monogamia. X Congresso Brasileiro de Direito
de Família, 9., 2013, Araxá. Família simultâneas e Monogamia. Araxá: Ibdfam, 2013. p. 6.
85
famílias, donde podemos encontrar, por exemplo, as famílias: a) anaparentais;
b) as uniões homoafetivas; c) família unipessoal; d) famílias simultâneas
(paralelas); e) famílias pl uraparentais (mosaico), dentro outras.
Carlos Eduardo Pianovski Ruz yk, nos traz o conceito de entidade
familiar simultânea:
A si mu l t a neid ad e fa mi l iar d iz re sp ei to à c irc u n st â nci a d e a l g ué m se
co lo ca r co nco mi ta n te me nt e co mo co mp o n e nt e d e d ua s o u ma i s e nt id ad e s
fa mi liar e s d i ver s as e ntr e s i. T rata - se d e u ma p lu ral id ad e s i ncrô n ica d e
n úc leo s d i ver so s q ue p o s s ue m, e ntr eta n to , u m m e mb ro e m co mu m.
São i n ú mer a s as p o s s i b ilid ad e s co n cre ta s d e ve ri fica ção d e fa mí li as
si mu l t â nea s : d esd e a b i g a mia t íp i ca at é a p l ura li d ad e p úb li ca e e stá v el d e
co nj u ga lid ad e s; d e sd e a si t uaç ão q u e e n vo l v a fil ho s d e p a is sep arad o s ,
q ue ma n tê m o s ví n c ulo s d e afeto e co n v i vê n cia co m a mb o so s p a is , at é a
si t uaç ão d e p e sso as d ivo rci ad a s o u sep arad a s q ue co n st it ue m no v a s
fa mí lia s n uc le ar e s p o r u m no vo c as a me n to o u u ni ão e st á vel , ma n te nd o o
ví n c ulo co m a p ro l e re s ul ta n te d a p r i me ira u n ião ; o u, ai nd a , n eto s q ue
co n v i ve m e ntr e o n ú cleo fo r mad o co m se u s p a i s e v í nc u lo s d e
co n v i vê nc ia co n tí n ua co m se u s a vó s, p ar a ci tar ap e n as al g u ma s
co n f i g ur a çõ e s p o ss í ve i s. 30

A análise deste trabalho é feita a partir da conjugalidade, por meio do


elemento comum as entidades familiares, seu elo de ligação, o qual
historicamente é o homem (poligamia), no entanto, não há impedimento
jurídico que as mesmas regras se aplique à mulher (poliandria).
Conceitualmente as famílias simultâneas, aqui versadas não
correspondem a coexistência do matri mônio ou união estável com a filhos
oriundos de outro relacionamento, os quais constituem a chamada família
pluriparental ou mosaico. Famílias simultâneas na finalidade deste trabalho,
versam sobre a existência simultaneamente de uma família matrimonial co m
união estável, ou de duas ou mais uniões estáveis.
Maria Berenice Dias, nos traz o retrato das famílias simultâneas que
busca-se analisar neste trabalho, como sendo o casamento e uma união estável
ou duas ou mais uniões estáveis: ―Negar a existência de f amílias paralelas –
quer um casamento e a uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis –
é simplesmente não ver a realidade.‖ 31
Uma vez firmado o conceito de famílias simultâneas, faz necessário
analisar o seu reconhecimento jurídico e extensão de direitos à companheira
simultânea, de modo que, a simples existência de simultaneidade familiar, não
30
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas e Monogamia. X Congresso Brasileiro de Direito
de Família, 9., 2013, Araxá. Família simultâneas e Monogamia. Araxá: Ibdfam, 2013. p. 1.
31
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 51.
86
pode ser motivo para a negativa de direitos, ainda mais quando presente o
nítido caráter familiar, evidenciado pelo affectio maritalis.
Carlos Eduardo Pianovski Ruz yk, ressalta que o Estado -juiz não pode
negar a existência das famílias simultâneas tão somente pela ausência de
reconhecimento em lei positivada:
Co n fo r me e xp l ici tad o ao lo n go d e s te t rab al ho , e v id e n ciad a a
co n f i g ur a ção d a si mu lt an eid ad e fa mi li ar, n ão é p o s sí ve l, d e a nte mã o ,
r ep u tá - la co mo irre le v a nt e p ara o d ire ito . Não ap e na s a s s it u açõ e s d e
si mu l t a ne id ad e se ap re se n ta m co mo p a s sí v ei s d e ap ree n são j ur íd ic a ,
co mo , ta mb é m, são ap ta s a ger ar e fe ito s j ur íd i c o s – co m o s b al iza me nt o s
j á ap o n tad o s. Se é certo q u e u ma d ad a e sp éc ie d e s i mu l ta n eid ad e fa mi lia r
se ap r e se n ta, d esd e lo g o , no i nt erio r d o si st e ma – no c aso , a b i ga m ia,
si t uad a no l u gar d o il í cito , ma s ne m p o r i sso to tal me n t e i ne ficaz – a
ma io r p ar te d a s h ip ó t ese s e m q ue p o d e m s er id e nt i fi cad a s fa mí l i as
si mu l t â nea s p ar t e d a e x t erio rid ad e d o si s te ma, d e u m ―n ão -d irei to ‖, co m o
si t uaçõ es d e f ato .
Se nd o , p o r é m, d e na t u reza fa mi liar – so b o vi é s so cio ló gico - , e ss as
si t uaçõ es i n gr e s sa m p ela ab ert u ra d o si st e ma j ur íd ico , e nc eta nd o a
p o nd er ação a cer c a d a p o s sib ili d ad e o u n ão d e se l he a trib u ir e ficá c ia
j ur íd ica. P o r co n se g u i nt e, s ej a m a s fa mí l ia s s i m ul tâ n ea s co n st it u íd a s so b
a p er sp e ct i va d a fi li a ção o u d a co nj u ga lid ad e, s erão p a ss í ve i s d e
ap r ee n são p e lo d ir ei to : a q ue s tão fu nd a me n t al p as sa a r es id ir no s l i mi te
d e s u a e f icá cia . 32

Pela ausência de previsão legal expressa reconhecendo às famílias


simultâneas, muitas vezes são elas tratadas c omo relações espúrias, ilegais,
verdadeiro concubinato impuro, de tal forma que lhes negam a condição
entidades familiares e conseguinte direitos à companheira simultânea.
Aludido entendimento se consubstancia na aplicação literal do artigo 1.727 do
CC/2002, de tal sorte, que todas relações simultâneas, ainda que presente o
affectio maritalis , são taxadas de concubinato impuro, salvo exceção, da falta
de conhecimento da companheira simultânea, desta simultaneidade.
Todavia, deve -se fazer a análise do tema a través do viés constitucional
da dignidade da pessoa humana e do novo conceito de famílias, não podendo
o cientista jurídico e o Poder Judiciário, negar a existência de direitos à
família simultânea, pois se assim o fizer estará premiando o infiel, que s e
eximirá de qualquer responsabilidade.
Maria Berenice Dias, leciona sobre a ―premiação‖ do infiel ao se
negar o reconhecimento de efeitos jurídicos à família simultânea por ele
constituída, que em última análise vem incentivar a infidelidade e o adultério.
32
RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias Simultâneas e Monogamia. X Congresso Brasileiro de Direito
de Família, 9., 2013, Araxá. Família simultâneas e Monogamia. Araxá: Ibdfam, 2013. p. 27.
87
P elo j eito , i n fr i n gir o d o g ma d a mo no ga mia as se g ur a p riv ilég io s. A
ma n te n ça d e d up lo rel a cio na me n to g era l to ta l i rresp o n sab il id ad e . U n iõ es
q ue p er s is te m p o r to d a u ma e x i st ê nci a, mu i ta s ve ze s co m e xt e ns a p ro le e
r eco n hec i me n to so ci al, são si mp le s me n te e xp ul sa s d a t u te la j uríd ica. A
es sa ―a ma n te‖ so me n te s e reco n he ce m d ir ei to s se ela a le gar q ue não sab i a
d a i n fid elid ad e d o p arc e iro . [...] É co nd e nad a p o r cu mp li cid ad e, ―p u n id a ‖
p elo ad u lt ér io q ue n ão é d ela , e nq u a nto o re sp o n sá ve l é ―ab so l vid o . Q u e m
ma n te m u m r ela cio n a me nto co nco mi ta n te co m d ua s p e s so a s s ai p re miad o .
[ ...] A co nc l u são é u ma só : a j us ti ça e st á fa vo rece nd o e i nce n ti va nd o a
in f id e lid ad e e o ad u lté ri o ! 33

Com a razão pode -se dizer que se encontra Maria Berenice Dias, pois
a ausência de reconheciment o de jurídico às famílias simultâneas, em ―amor‖
a monogamia e a positivação, considerando -as como concubinatos adulterinos
e, não digno de direitos, causa efeito reverso, gerando incentivo maior ao não
respeito à monogamia.
Para melhor entendimento da mat éria, faz -se uma breve exposição
sobre os conceitos de união estável e concubinato impuro, comparando -os,
para demonstrar que a família simultânea nos moldes estudados neste
trabalho, deve ser considerada como união estável e, dessarte, assistindo à
companheira simultânea todos os direitos inerentes a esta espécie familiar,
especialmente, à pensão previdenciária por morte do seu companheiro.

4.1 União Estável

Historicamente o legislador sempre teve um repúdio às uniões


extraconjugais, buscando legislar com o fim de ―vedar‖ a existência vínculos
afetivos fora do casamento. Apesar de toda ―punição‖ legal trazida pelo
Código Civil de 1916 a união estável, naquele momento denominada
concubinato, foi ela surgindo na sociedade demandando sua análise e
regulamentação.
Nos primórdios do reconhecimento dos efeitos jurídicos a esta relação
extramatrimonial, apregoava -se que a mulher, por ser submissa ao homem e
manter sua vida dedicada aos afazeres domésticos, portanto, sem qualquer
fonte de renda, os tribunais lhe concediam uma indenização por serviços
domésticos, ou seja, ―concediam alimentos de forma ―camuflada‖‖ 34.

33
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 51.
34
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 167.
88
Posteriormente o Judiciário começou a reconhecer a existência de uma
sociedade fato, que dependia de comprovação da efetiva contribuição
financeira da companheira na constituição do patrimônio comum, para fins de
divisão deste; entendimento este que foi sumulado pelo STF, no verbete de n.º
380 35.
A Constituição Federal de 1988, ampliando o conceito de famílias,
passando a adotar a expressão ampla: entida de familiar, veio reconhecer a
existência de outras espécies de famílias, ao lado da matrimonial. Com o
ensina Maria Berenice Dias, ―emprestou juridicidade aos enlaces
extramatrimoniais até então marginalizados pela lei. Assim o concubinato foi
colocado sob o regime de absoluta legalidade.‖ 36
A partir de Constituição Federal de 1988, as uniões de fato,
concubinato ―puro‖, passaram a ser denominadas como união estável, tendo
sua previsão expressa, em seu artigo 226, §3.º.
Apesar de previsão constitucional da u nião estável, por muito tempo
os tribunais ainda aplicavam o entendimento consagrado na súmula n.º 380 do
STF, considerando-a como mera ―sociedade‖ entre pessoas, ou seja, de fato,
não registrada e não formalmente constituída.
A Constituição Federal de 198 8, no seu artigo 226, § 3.º, nos traz, o
que costumeiramente dizemos, como conceito constitucional de união estável,
ou seja, a união de fato entre homem e mulher, com a finalidade de constituir
matrimônio.
A lei civil não traz o conceito de união estável como família, tarefa
esta destinada aos juristas, mas traz os requisitos que entende estar presentes
para que produza efeitos jurídicos. Nos termos do artigo 1.723 do
CC/2002seriam: a união entre homem e mulher, configurada pela convivência
pública, contín ua e duradoura, com a finalidade constituir família.
Outro requisito trazido pela lei civil, corresponde a ausência de
impedimentos a conversão da união estável em casamento; tais impedimentos
estão descritos no artigo 1.521, em qual se destaca, a proibiçã o de casamento
às pessoas casadas - proíbe a bigamia. E finalmente, há quem defenda ainda a

35
Súmula 380: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
36
DIAS, op. cit., p. 168.
89
necessidade de coabitação 37 como requisito ao reconhecimento da união
estável.
Uma vez ausente os requisitos legais à caracterização da união estável,
a doutrina tradicional, rotula tal união como concubinato impuro ou
adulterino, de modo a negar -lhe qualquer reconhecimento jurídico.A atual
problemática enfrentada pelos estudiosos do Direito das Famílias, no tocante
à união estável, relaciona -se a sua simultaneamente ao casamento, e seus
efeitos jurídicos.

4.2 União estável simultânea ao casamento

A doutrina tradicional, analisando a questão, traz um enfoque


puramente legalista, de modo que só se reconhece a existência de união
estável paralela ao casamento se este n ão for mais vigente, ou seja, se os
cônjuges anteriores estiverem separados de fato ou judicial, baseando -se na
conjugação do artigo 1.723 c/c artigo 1521, ambos do CC/2002.
Mas admite esta doutrina uma exceção: a decorrente de boa -fé da
companheira simult ânea, de modo que ela deve demonstrar que não tinha
conhecimento da existência infidelidade de seu companheiro, sob pena de ser
considerada sua relação como concubinária ―impura‖.
Rodrigo da CunhaPereira, traz a diferença entre tradicional entre a
união estável e concubinato:
A at u al no ção d e co nc ub i n ato e u ni ão e stá v el é fr uto d e u m p ro ce s s o
evo l ut i vo d o Dir e ito , e e m c uj o ei xo gra vi ta c io n al e stá a mo no ga mi a.
I n ici al me n t e, n ão s e faz ia d i st i nção e n tre co n c u b in ato co mo u ma rel açã o
p ar al ela ao ca sa me n to e co nc ub i na to não -ad ul ter i no co mo ma i s u ma
fo r ma d e co ns ti t ui r fa mí l ia, se m o se lo d a o fici al id ad e d o ca sa me nt o .
Es sa d i f er e n cia ção fo i vi ab i li zad a co m a C o n st it u ição d e 1 9 8 8 , q ue
s ub st it ui u a e xp re s são co n c ub i na to p o r u ni ão es tá ve l. A p a rt ir d a í, a
d o u tr i na e a j ur i sp r ud ê n cia co meça ra m a d e s i g n ar o co nc ub i n ato d e p ur o
e i mp ur o . E st e s ad j et i vo s, se m d ú vid a, re tra ta m u ma es ti g mat iz ação , co m
a q u al não co nco rd a mo s . En tre ta n to , é ne ce s sár io p ara ma n te r co er ê nci a
co m o p r i ncíp io d a mo no ga mi a, fa zer u ma d i fer e nci açã o e n tre
co n c ub i na to ad ul teri no e não -ad u lt eri no . S ão r elaçõ e s q ue tê m p e so s e
co n seq u ê nc ia s p a tri mo n i ai s d i fere n te s.
O co nc ub i n ato não - ad ul teri no , o u sej a, a u ni ão est á vel , é aq uel a rel aç ão
se m c as a me n to o fic ia l ma s q u e co n st it u i u ma fa mí lia e c uj as

37
Ao que se refere a coabitação como requisito à validade jurídica da união estável, o STJ e o STF já
manifestaram sobre o tema entendendo que não é necessária sua presença para se reconhecer a existência de
união estável, inclusive sendo objeto de súmula pelo STF de verbete n.º 382 ―A vida em comum sob o mesmo
teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato.‖
90
co n seq ü . nci a s p atr i mo n iai s, ca so não h aj a co nt rato fir ma d o e n tre a s
p ar te s, são a s me s ma s d e u m c as a me n to p e lo re gi me d a co mu n h ã o p ar ci al
d e b en s, d e a co r d o co m o art. 1 .7 2 3 e se g s. d o Có d i go C i vil d e 2 0 0 2 . Da
me s ma fo r m co n st it u i u ma u n ião e st á ve l se u m a d as p ar te s é c as ad a, m a s
aq u ele c as a me n to é mer a re mi n i sc ê nci a carto ria l, sej a p o rq u e j á h á u m a
sep a r ação d e f ato , o u me s mo não te nd o u ma sep araç ão d e fato o
cas a me n to é u ma mera a p arê nc ia. É q u e o d ire it o d ev e p ro t e ger a es se n ce
mu i to ma i s q u e a fo r ma o u a fo r ma lid ad e d a s r el açõ e s.
O co nc ub i n ato ad u lt eri n o , o u si mp le s me n te co n cub i na to , co mo e st ab e le ce
o ar t. 1 .7 2 7 d o Có d i go Ci v il d e 2 0 0 2 é aq ue la rela ção q ue o ri g i no u u ma
fa mí lia , fa ze nd o co m q ue e xi s ta m d ua s fa mí l i as ao me s mo t e mp o , se j a
p ar al ela ao c as a me n to o u a u ma u n iã o es tá v el . 38

Em que pese a mudança do nome pela Constituição Federal, a doutrina


tradicional ainda permanece utilizando a expressão concubinato puro e
impuro, de maneira que, a união estável propriamente dita é denominada
concubinato puro e a r elação simultânea com impedimentos matrimonias
denomina-se concubinato impuro ou adulterino.
De outro lado, temos a doutrina de Maria Berenice Dias, no artigo
―Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade ‖, faz um
severa crítica ao texto legal, a classificação da companheira simultânea como
concubina:
O ar t. 1 .7 2 7 d o Có d i go Ci vi l, e m mu i to re fo rç o u a p o s t ura d a e xc l u sã o ,
p o is r e s s us ci to u o co nc ub i n ato co m o só i n t ui t o d e d i zer q u e não ger a
q ua lq uer e fei to . P e lo q u e es tá d ito , a a u sê n cia d e j urid ic id ad e é to ta l. As
u ni õ e s não são a lb er gad as ne m no â mb i to d o Di reito d e Fa mí li a e n e m e m
q ua lq uer o u tr o r a mo d o d irei to . P e lo j ei to , si mp l es me n te não e x i ste m! 39

Entende a autora supra que o Estado pode trazer impedimentos ao


casamento, que depende de uma chancela estatal, de um ato cartorário,
impondo limitações, restrições, de modo impedir a sua realização, mas de
outro lado, não há como isto fazer à união estável, a qual não dispõe de
qualquer condição pré-estabelecida para sua constituiçã o, se constituindo
através de um vínculo afetivo, e concretizada por uma relação duradoura,
ostensiva e aceita socialmente.
Ol v id a - se o l e gi sl ad o r, no e nt a nto , q ue é p o s sí ve l i mp ed ir o ca sa me nt o ,
p o is s u a cel eb r aç ão d e p end e d a c h a nce la d o Est ad o . O ato é l e v ad o a
ef ei to p o r u m a ge nt e es tat al, s e nd o i n scr ito e m re g is tro s ca rto rá ri o s
p úb lico s q u e d isp õ e m d e e ficá cia co n st it u ti v a. As s i m, p o d e a le i i mp o r
li mi ta çõ e s, r e s tr içõ e s e i mp ed i me nto s. I n ad i mp l id a s a s e xi gê n ci as le ga i s,
si mp le s me n te o ca sa me nto não a co n t ece. A u ni ão e s tá ve l, p o ré m, n ão

38
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da
família. 2004. 157 f. Tese (Doutorado) - Curso de Faculdade de Direito, Pós-graduação, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2004. p. 87.
39
DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. 2010. p. 2.
91
d isp õ e d e q ua lq uer co nd icio n a nte . Na sc e d o ví n cu lo a fe ti vo e s e te m p o r
co n s ti t uíd a a p art ir d o mo me n to e m q ue a r e lação se to r na o s te n si v a,
p as sa nd o a se r reco n h ecid a e ac ei ta so ci al me n te. Não há q u alq u er
in ter f er ê n cia e s ta ta l p ara s ua fo r maç ão , se n d o i nó c uo te n tar i mp o r
r es tr i çõ e s o u i mp ed i me n to s. T an to é a ss i m q ue a s p ro va s d a e x i stê n cia d a
u ni ão e s tá ve l são circ u n st a nci ai s, d ep e nd e m d e te s te mu n h a s q u e saib a m
d o r elac io na me n to o u d e d o cu me n to s q ue trag a m i nd í cio s d e s u a
vi g ê nc ia . 40

Pelo pensamento supra citado, tido como moderno, a existência de


afetividade, convivência pública, duradoura e ostensiva, ainda que haja
impedimentos legais para a conversão em casamento, independente de
perquirir a existência ou não de boa -fé da companheira simultânea, deve ser
considerada união estável e, portanto, capaz de gerar efeitos jurídicos.

4.3 Uniões estáveis simultâneas

De semelhante maneira, aplica -se o entendimento já esboçado


anteriormente quanto à união estável em simultaneidad e ao casamento, às
uniões estáveis simultâneas, de tal sorte, que a doutrina tradicional,
reconhece validade jurídica apenas a uma delas, sendo a outra considerada
concubinato impuro, adulterino, sem eficácia jurídica.
As considerações já lançadas anterior mente no tocante a configuração
da união estável decorrente de existência de impedimentos matrimoniais, se
aplicam ao tema agora posto em análise, com algumas adaptações.
Quando versamos sobre dupla união estável, temos que considerar que
ao realizar a an álise sob ótica legal não haveria possibilidade de sua
coexistência, haja vista, a finalidade desta entidade familiar é converter em
casamento civil e, como há impedimento legal, da existência da bigamia, no
sentido de duplo matrimônio simultâneo, uma das uniões será tida como
concubinato ―impuro‖ e insuscetível de gerar efeitos jurídicos à companheira
simultânea.
Exceção se reconhece a ocorrência da boa -fé da companheira
simultânea, a qual, deve comprovar que não tinha o menor conhecimento da
existência da união estável anterior e simultânea a que vive, deveria provar a
má-fé do companheiro, sendo considerada vítima do enganador, do infiel.

40
DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. 2010. p. 1.
92
Afirma Maria Berenice Dias, que os relacionamentos simultâneos,
recebem denominações depreciativas, e são condenados a ―invisibilidade‖,
salvo se comprovar a boa -fé da companheira (concubina) simultânea.
Os r e lac io na me n to s p aral elo s, al é m d e receb er e m d e no mi n açõ es
p ej o r ati v as, s ão co nd e n ad o à i nv i s ib il ida de . S i mp le s me n te a te nd ê nci a é
não r eco n h ecer seq u er s ua e xi st ê nci a. So me n te na hip ó te se d e a mu l h er
ale ga r d e sco n he ci me n to d a d up lic id ad e d e vi d as d o var ão é q ue t a is
ví n c ulo s são alo cad o s n o d ire ito o b r i gac io na l e lá t rat ad o co mo so cied a d e
d e fato . 41 ( DI AS, 2 0 1 1 , p . 5 0 )

Sob o ponto de vista da moderna doutrina do Direito das Famílias, e


da pluralidade conceitual de famílias, não há como se negar direitos às
famílias simultâneas formadas por duas ou mais uniões estáveis que
coexistam no tempo, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa
humana dos membros dos nú cleos familiares.
Há que se verificar a existência dos requisitos mínimos essenciais à
configuração da união estável, ou seja, affectio maritalis , a conjugalidade,
união duradoura, e pública. Uma vez presentes tais requisitos não pode o
Direito negar-lhe à existência sob argumento de afronta a monogamia e a
moral tradicional; certo é que a sua existência fática, gera efeitos e repercute
no mundo jurídico, ao que não se pode fechar os olhos a esta realidade.
Mais uma vez recorremos as palavras de Dias (2011) :
[ ...] Ver i fi cad a s d ua s c o mu n id ad e s fa mi l iar es q ue te n ha m e ntre s i u m
me mb r o co mu m, é p r e ci so o p erar a ap r ee n s ão j uríd ica d e s sa s d ua s
r eal id ad e s. São rel açõ e s q u e rep erc u te m no mu n d o j ur íd i co , p o i s o s
co mp a n he ir o s co n v i ve m, mu i ta s v eze s, tê m fil ho s, e h á co n s tr u ção
p atr i mo nia l e m co mu m. Não ver es ta r el ação , não l he o u to r gar q u alq u er
ef ei to , a te n ta co n tra a d i g nid ad e d o s p ar tí ci p es e fi l ho s p o r ve n t ur a
ex i ste n te s.

Com base na conjugação do novo conceito de famílias – novo Direito


das Famílias, e na dignidade da pessoa humana, a realidade social existente
de simultaneidade das famílias constituídas por duas ou mais uniões estáveis,
não pode ser negada pelos juristas e aplicadores do Direito, portanto, há a
atual compreensão que ambas possuem reconhecimento jurídico de direitos,
inclusive previdenciários.
Neste momento, devemos passar a análise dos efeitos jurídicos na
seara previdenciária da existência das famílias s imultâneas, porque não cabe
41
DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: RT. 8ª ed. 2011. p. 50.

93
ao Direito negar -lhes guarida por simples ausência de previsão literal, algo
extremamente comum em nosso ordenamento, pois a lei não consegue regular
todas as atividades sociais.
Mas, devido ao recorte proposto, nos limitaremos a lançar olhares às
famílias simultâneas no prisma do Direito da Seguridade Social, mais
especificamente quanto à divisão da pensão por morte entre a esposa e a
companheira simultânea, ou entre ambas as companheiras simultâneas.

5 O DIREITO A PENSÃO POR MORTE

Antes de analisarmos propriamente a questão da divisão pensão por


morte nas famílias simultâneas, é mister analisar um pouco os aspectos
previdenciários, que envolve o tema, sob a ótica do Direito Previdenciário.
Ao versar sobre o Direito Previdenci ário, a primeira coisa que é
necessário fazer é buscar um conceito do que seja tal ramo do Direito,
atualmente denominado de Direito da Seguridade Social . Segundo Sérgio
Pinto Martins ―a finalidade da seguridade social é dar aos indivíduos e as
suas famíli as segurança e tranquilidade, mediante à cobertura de
contingências decorrentes da doença, invalidez, velhice, desemprego, morte e
proteção à maternidade, mediante contribuição e a concessão de benefícios.‖ 42
Por ter a Seguridade Social finalidade de assegu rar uma proteção ao
individuo e à sua família em caso de ocorrência de alguma contingência na
vida, que o impossibilite de exercer sua atividade remunerada, de maneira
que, não fiquem totalme nte desamparados pelo Estado. O conceito trazido
para o Direito d a Seguridade Social por Sérgio Pinto Martins é que se trata de
um conjunto formado por princípios, normas e de instituições destinados a
exercer o mister protetivo do Estado frente a ocorrência das contingências:
Dir e ito d a S e g ur id ad e S o cia l é o co nj u nto d e p ri ncíp io s, d e r e gra s e d e
in s ti t ui çõ e s d es ti n ad o a est ab el ecer u m si st e m a d e p ro teç ão so c ia l a o s
ind i víd uo s co ntr a co nt in g ê nc ia s q ue o s i mp e ça m d e p ro v er a s s ua s
ne ce s sid ad es p es so a i s b ás ica s e d e s ua s fa mí l ia s, i n te grad o p o r a çõ e s d e
in ic ia ti va d o s P o d ere s P úb l ico s e d a so cied ad e, vi sa nd o a s se g ura r o s
d ir ei to s r e la ti vo s à s a úd e, à p r e vid ê n ci a e à a s si st ê nci a so ci al . 43

42
M ART INS , Sér g io P i nto . Dir eit o da seg ur ida d e so c ia l. São P a ulo : At l as. 3 5 ª ed . 2 0 1 5 .
p. 21.
43
MARTINS, op. cit., loc. cit.
94
Como divisão do gênero seguridade social, encontramos as espécies
previdência social, a assistência social e saúde. Dentro da previdência social,
há a proteção as contingências decorrente de doença, invalidez, velhice,
desemprego, morte e proteção à maternidade, mediante contribuição,
concedendo aposentadorias e pensões.
Para uma melhor análise do benefício previdenciário da pensão por
morte e, a possibilidade de sua divisão, há que levar em consideração a
existência de regras, normas e princípios próprios da Previdência Social, mas
que não podem estar dissociados da realidade social e das mudanças ocorridas
nesta.

5.1 Dependentes previdenc iários

A concessão da pensão por morte, passa essencialmente pelo conceito


de dependentes para fins previdenciários, o qual de início deve -se ressaltar
que não se confunde com a previsão da legislação civil e tributária, possuindo
regras autônomas, descri tas na Lei n.º 8.213/1991.
Para a previdência, segundo o disposto no artigo 16 da Lei n.º
8.213/1991, como dependentes têm -se duas categorias dividas em três classes:
a) preferenciais: cônjuge e companheiro(a), o filho não emancipado, menor de
21 (vinte e um anos) inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental
que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado
judicialmente 44; b) não preferenciais: os pais e o irmão não emancipado, de
qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha
deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente
incapaz, assim declarado judicialmente.
Quando houver dependentes preferenciais estes excluem os
dependentes não preferenciais. Já dentro do critério horizontal c oncorrem em

44
Saliente-se que houve a promulgação da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), cuja vigência se deu em 08 jan. 2016, alterando
os incisos I, e III do artigo 16, da Lei n.º 8.213/1991. O artigo passou a ter a seguinte redação: ―Art. 16. São
beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a
companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou
inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (Redação dada pela Lei n.º
13.146/2015); II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos
ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei n.º
13.146/2015)‖ (grifos nossos)
95
igualdade desde que estejam na mesma classe, temos assim, um rol de
dependentes que para os doutrinadores é taxativo, não podendo outras pessoas
não previstas nesta lista serem consideradas dependentes previdenciários.
Defendendo a taxatividad e do rol do artigo 16, da Lei n.º 8.213/1991,
temos a lição de Sérgio Pinto Martins:
O r o l d a l ei é ta xa ti vo . Não s ão ad mi tid o s o ut ro s d ep e nd e nte s. As s i m ,
me s mo q u e a p e s so a p a s se p o r d i fic u ld ad e s p ar a p o d er so b r e vi v er, co m o
o ne to e tc., n ão s erá co n sid era d o d ep end e nte p ara fi n s d e
p r ev id e n ciár io s. 45

Ao ser ler a explicação supra sobre a taxatividade do rol de


dependentes, uma expressão sobressai a qual deve analisar: ―[...] mesmo que a
pessoa passe por dificuldades para sobreviver, [...]‖. Aludida expressã o foi
propositadamente usada pelo autor, vez que, o critério para se definir os
dependentes previdenciários, é o econômico, ou seja, a dependência
econômica, de maneira que, mesmo que seja, dependente econômico, mas não
esteja o rol taxativo para o autor n ão é dependente, v.g., o filho que tenha 24
(vinte e quatro anos) estudante, que é dependente para o imposto sobre a
renda, mas não é para a pensão por morte.
Quanto a dependência econômica ressalta Sérgio Pinto Martins que
esta ―é o estado de fato em que está o dependente por mantido e sustentado
pelo segurado‖ 46, contudo, apesar de ser estado de fato, se o ―dependente‖
estiver fora do rol legal, ainda assim não será dependente para a previdência.
Dentro das classes de dependentes, segundo a lei de benefíci os do
RGPS a dependência econômica é presumida para os preferenciais (presunção
absoluta) 47; para os não preferenciais não há presunção, sendo que a
dependência de ser comprovada.
Considerando que o critério para ser considerado dependente para a
previdênci a social é o econômico —ser mantido pelo segurado,mas devido a
influência da legislação civil na área previdenciária, tormentosa é a questão
do enquadramento da companheira simultânea como dependente, vez que, pela

45
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. São Paulo: Atlas. 35ª ed. 2015. p. 315.
46
M ART INS , Sér g io P i nto . Dir eit o da seg ur ida d e so c ia l. São P a ulo : At l as. 3 5 ª ed . 2 0 1 5 .
p. 312.
47
Cf. Lei n.º 8.213/1991, Art. 16. [...] § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é
presumida e a das demais deve ser comprovada.
96
lei civil não é considerada companheira, n o sentido literal da união estável,
situação esta que se passa a analisar.

5.2 A concubina como dependente previdenciária

Para não haja divergência de interpretação, aqui considera -se o termo


concubina, àquele vetusto conceito de concubinato impuro; apesar de
entender-se não ser mais usual tal termo, devendo ser substituído por
companheira simultânea ou paralela, o utiliza -se para diferenciar da união
estável ―pura‖ ou ―legal‖.
A lei de benefícios, além de trazer um rol taxativo de dependentes, fez
menção clara a sua interpretação ―literal‖ do conceito de companheira(o) 48,
limitando-o àquele correspondente a união estável desc rita na literalidade do
artigo 226, §3.º da CF. Desta forma, companheiro(a) para fins previdenciários
limita-se ao que se encontra no conceito de união estável legal, donde por
interpretação legalista, excluiria automaticamente a concubina.
Este é o mesmo pensamento de Herbert Emílio Araújo Lopes e Rildo
Mourão Ferreira:
P ela a ná li se e sp e cí fica d o d isp o s it i vo no r mat i vo d o art.1 6 , § 3 º d a Lei
8 .2 1 3 /9 1 , e s tab e lec e: ― q ue co n sid er a - se co mp a n he ira o u co mp a n h eiro a
p es so a, q ue se m ser ca sa d a, ma n té m u n ião e st á ve l co m o se g ur ad o o u co m
a s e g ur ad a, d e a co rd o c o m o § 3 º d o art. 2 2 6 d a Co n st it u ição F ed era l‖, há
co mo co nc l uir q u e o le gi s lad o r p r i vi le gio u a v i são e s tri ta d a u ni ão
es tá ve l, ad o tad a p e lo Co n st it u i nt e, q ue ap e sa r d e co n ser v ad o ra, é p r e vi st a
na Car ta Ma g na . O a l ud i d o d i sp o s it i vo p r e ga q u e ―p ara e fei to d a p ro t eçã o
d o Es tad o , é r e co n hec id a a u n ião e s tá ve l e n tre o ho me m e a mu l h er co mo
en tid ad e fa mi l iar, d e ve nd o a le i fac il ita r s ua c o n ver s ão e m ca sa me n to . ‖
En tão h a ve nd o i mp ed i m en to ao c as a me n to , co n trario se n s u, n ão ha v eri a
u ni ão e stá v el. D ia n te d is so , e ss a é a i nte rp reta ção d ad a p e la Lei
8 .2 1 3 /9 1 . E j u st a me n te p o r es s a p re v i são co n s ti tu cio n al, o t e ma é a l vo d e
gr a nd e d i s c us são no me io p re v id e nc iár io , ger a n d o d ú v id a s d e to d o tip o
q ua n to à p o s s ib i lid ad e d e co nc ub i n a s t ere m d ire i to a p e n s ão p o r mo r te. 49

A majoritária doutrina propugna por uma autonomia do Direito da


Seguridade Social, ante suas especificidades, todavia a hermenêutica jurídica
comumente feita não limita as normas postas especificas deste ramo do

48
Cf. Lei n.º 8.213/1991- Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de
dependentes do segurado: [...]§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada,
mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição
Federal.
49
LOPES, Herbert Emílio Araújo; FERREIRA, Rildo Mourão. A proteção e os direitos previdenciários no
concubinato. Revista Jurídica UniEVANGÉLICA, Anápolis/GO, Ano XIV, n. 22, 2014, v1, Jan. – jun.. p. 61.
97
direito, mas leva em consideração o Direito como um um todo, de forma que,
se torna inevitável as influências dos outros ramos do Direito na previdência,
o que deve ser o objeto de análise com cuidado pelo cientista jurídico e pelo
operador. Na seara previdenci ária não se pode buscar fazer uma interpretação
dissociada da realidade social posta, como v.g., as famílias simultâneas.
Observe-se nesta linha de pensamento as palavras de Fábio Zambite
Ibrahim:
É cer to q ue a d i v is ão d o d ire ito e m ra mo s, no p a s sad o , ser v i u d e p ret e xt o
p ar a d e fe nd er - se to d a so rte d e d i fere nc ia ção d e u m d e ter mi n ad o se g me n to
j ur íd ico fr e nte ao s d e m ai s, so b o ma n to d e ap a ren te s e sp eci fic id ad e s e m
s ua ap l ica ção , o q ue nã o e xi st ia na maio r ia d o s c a so s . [... ]No e nt a nto ,
não se p o d e, a go ra, i n co r rer no erro o p o s to , q u e é i g no rar u m d o s
p o st u lad o s her me n ê u tic o s ma is el e me n tare s – o d irei to cr ia s ua s p ró p r i as
r eal id ad e s. N ão s e d es v in c ul a nd o d o mu nd o re a l, so b p e na d e i ne fi các i a
so c ial , mas j us ta me n t e p ara a ele ad eq u ar - s e, b u sc a nd o mel h o r
in s tr u me n to d e j u st iça e, p o r co n seq üê n cia, d e p a ci fi caç ão so ci al. 50

Para Fábio Zambite Ibrahim, o problema enfrentado pelo Direito da


Seguridade Social decorre de sua interpretação, que é consubstanciada sempre
na análise de outros ramos do Direito, mas não se at entando para os
princípios fundamentais da seguridade, especialmente, o teleológico: proteção
social dos segurados e seus dependentes.
O p r o b le ma at ua l d o d irei to p re vid e n ci á rio é, b as ic a me n te, d e
in ter p r et ação . S ua s re gra s le ga is são , q u a s e se mp re, ap li ca d a s e
in ter p r et ad a s med i a nte co nj u gaç ão e, me s mo , s ub mi s s ão a o utro s ra mo s
d o d ir ei to , co mo se o ra mo j uríd ico d a p ro teção so c ia l fo ss e mer o
ap ê nd ic e no r ma t i vo . 51

Continua o autor, o desenvolvimento de seu pensamento, ao analisar


os aspectos teológico -pragmático do Direito da Seguridade Social
relacionando -o ao conceito das famílias,considerando o teleológico como
escopo de proteção social dos segurados e seus dependentes econômicos,
independente de convenções morais sobre tal conceito; o pragmático, basead o
na concessão de benefícios previdenciários, deve levar em consideração a
efetiva existência de conjugalidade, affectio maritalis, e dependência
econômica, pouco importando, se esta relação foi chancelada pelas
instrumentos jurídicos ou religiosos dispost os na sociedade.

50
IBRAHIM, Fabio Zambitte. O concubinato na previdência social. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90,
jul 2011. p. 1.
51
IBRAHIM, Fabio Zambitte. O concubinato na previdência social. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90,
jul. 2011. p. 1.
98
O d ir e ito p r e vid e n ci ário p o ss u i, co mo co mp o ne n te el e me n tar na ap l ica çã o
d e s ua s no r ma s, o asp e cto q ue d e no mi n o teleo ló gi co -p ra g má t ic o .
T eleo ló gi co , p o i s o fi m vi sad o p e lo se g u ro so ci al é a p ro te ção d e
se g ur ad o s e d ep e nd e nt e s, o q ue q u er d i zer q u e as co ntr ib uiçõ e s vert id as
ao s i st e ma, a ss i m co m o u m se g uro , vi sa m t ut el ar, alé m d o p ró p r i o
se g ur ad o , p e s so a s q ue d ele d ep e nd i a m e co no mi ca me n te, i nd ep e nd e nt e d e
co n v e nçõ e s mo r ai s so b r e co mo d e v e ser u ma fa mí l ia.
É cer to q ue a le i p o d e r es tri n g ir ta l ro l, vi sa nd o o eq ui líb r io fi na nc eiro e
at uar ia l, ma s n ão i mp o r d eter mi n ad a vi são d o mi n a nt e d e co mo a v id a
d ev e ser v i vid a. Se a p es so a fi liad a ao re gi me p re vid e n ci ário s e e n ga j a
e m r ela çõ e s ho mo a fe ti v as o u co nc ub i nári a s, n ã o é p ap el d o Es tad o , co mo
me r o ge sto r d o s i ste ma, i mp o r, i nd ire ta me n t e, sa nçõ es p el as co nd ut as q u e
esc ap a m à mo r a l d o mi n a nt e, co mo ne ga n d o u m b e ne fício a u m
d ep e nd e nt e e co nô mi co d o se g ur ad o .
P r ag má t ico , j á q ue , p ar a a co n ce ss ão d a p res ta ção , p o u co i mp o r ta s e o
lia me a f et i vo fo i val id ad o p elo s i n str u me n to s j uríd ico s o u r el i gio so s à
d isp o s ição d a so c ied ad e. O q ue b a s ta é a c o mp ro v ação d a v id a e m
co mu m, o a ni mu s e m fo r ma r u ma so ci ed ad e co nj u ga l. A p re v id ê nc i a
so c ial vi s a as se g ur ar b ene fíc io s q ue, a lé m d e b e m - e s tar mí n i mo ,
gar a nt e m a p r ó p ria vi d a, e tal s al v a g uard a não d e ve s ub s u mir - se a
fo r ma l id ad e s j ur íd ic as , esp ec ial me nt e no B r as il, e m q u e p e s so a s ma is
h u mi ld e s n e m se mp r e a t end e m a ta i s q ue stõ es . 52

O fato de o Direito Civil não contemplar a previsão legal da existência


das famílias simultân eas, não deve interferir na seara previdenciária, visto
que, seu escopo protetivo social e sua aplicação deve se dar de forma
pragmática, dessarte, considerando a existência da presença do afeto, da
conjugalidade, da finalidade de constituir família e a de pendência econômica
presumida impende reconhecer a concessão dos benefícios previdenciários à
concubina, em especial, a pensão por morte pelo falecimento do companheiro.
É neste sentido o pensamento Fábio Zambite Ibrahim:
Na sear a p r o t et i va, u ma co mp a n he ir a o u co mp a n he iro é p es so a q ue p o s s ui
an i mu s d e co n v i vê nc ia co m o se g ur ad o , d i v i d in d o v id a e m co mu m e
b u sca nd o u ma so ci ed ad e co nj u ga l, p o r a fi nid a d e d e e sp ír ito e b u s ca d a
p le na r ea li zaç ão . Se s ã o i mp ed id o s, p o r l ei, d e co n trai r n úp c ia s, é te ma
d e to t al d es i mp o r tâ nc ia no me io p r e vid e n ci ário . N u nca é d e ma i s le mb ra r
d a p o s sib il id ad e d e criar d a l ei co nce ito s p ró p r io s p ara fin s
p r ev id e n ciár io s – co mo a fi g ur a d o eq u ip ara d o a fi l ho – o u me s m o
ad ap ta r a l g u ns j á e xi s te nt e s, co mo o (a) d e co mp an h eiro ( a). 53

Razão assiste a doutrina que defende a extensão à concubina o direito


ao benefício previdenciário da pensão por morte, ao mesmo tempo que a
esposa, ou a(s) outra (s)companheiras, por dois motivos: i – a previsão legal
civilista das famílias, limitada ao casamento, a monoparental e a união
estável sem impedimentos, não pode ser aplicada ao Direito da Seguridade

52
IBRAHIM, op. cit., loc. cit.
53
IBRAHIM, Fabio Zambitte. O concubinato na previdência social. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90,
jul. 2011. p. 2.
99
Social, por possuir regras e princípios próprios; ii – o fundamental princípio
da previdência é a proteção social dos segurados e seus dependentes
econômicos, o que vem de encontro à uma interpretação puramente
normativista literal, do conceito dependente para a seguridade social.
Mas em que pese a autonomia do Direito da Seguridade Social
(Previdenciário) a questão da relação de dependência da concubina
(companheira simultânea) é por contraditória na doutrina e na jurisprudência,
como poderemos averiguar no tópico subsequente.

6 DIVISÃO DA PENSÃO PREVIDENCIÁRIA POR MORTE NAS


FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS SOB A VISÃO DOS TRIBUNAIS

Por uma vinculação a delimitação do tema, e considerando, que


estamos a tratar da pensão previdenciária por morte decorrente das normas do
RGPS, a análise jurisprudencial se limitará a Justiça Federal, mais
especificamente, os Tribunais Regionais Federais da 1.ª a 5.ª região, a TNU,
STJ e STF.
Pela pesquisa elaborada para a realização deste trabalho, pode -se
constatar que ainda há muita divergência jurisprudencial dentro dos tribunais
e entre eles. Não há uma posição pacífica jurisprudencial, inclusive nos
tribunais superiores que têm uma ten dência em negar a divisão da pensão por
morte entre a esposa, ou companheira e a companheira simultânea
(concubina), divergindo da maioria de jurisprudência produzidas nos TRFs.
Os problemas postos à analise dos tribunais versam exatamente sobre a
possibilidade de se reconhecer a companheira simultânea (concubina) como
dependente previdenciária, e por conseguinte, ter direito ao rateio da pensão
previdenciária por morte do companheiro comum. As soluções encontradas na
jurisprudência são:
i – não reconhecim ento da união simultânea = concubinato (impuro) +
má-fé;
ii – reconhecimento da união simultânea = concubinato (impuro) +
boa-fé + dependência econômica;
iii – reconhecimento da união simultânea = novo conceito de família.
Mantêm expressão concubinato, mas gera efeitos previdenciários.
100
6.1 Jurisprudência do STF

O STF possui a tempos uma posição conservadora sobre o tema,


entendendo que o ―concubinato impuro‖ e a união estável são institutos
jurídicos diversos, que não se confundem, assim sendo, não é possível o
reconhecimento do direito à pensão por morte a companheira simultânea
(concubina).
Podemos citar como exemplo do entendimento do STF, os julgamentos
proferidos no RE 397762 / BA, j. 03/06/2008 e RE 590779 / ES, j.
10/02/2009. Em ambos os recurso s, o relator foi Ministro Marco Aurélio de
Mello, entendeu-se que a concessão de pensão por morte a companheira
simultânea (concubina) seria ilegal, por ausência de vínculo ―agasalhado‖
pelo ordenamento jurídico, além do mais, seu deferimento beneficiaria a
concubina em detrimento da família, ou seja, beneficiaria a relação
―adulterina‖ em detrimento da família tradicional.
CO MP ANHEI R A E CO NC UB IN A - DI ST IN Ç ÃO. Se n d o o Dire ito u ma
ver d ad e ir a ci ê nc ia, i m p o s sí ve l é co n fu nd ir in s ti t uto s, e xp r es sõ e s e
vo c áb ulo s, so b p e na d e p re val ecer a b ab e l. U NI ÃO EST ÁVE L -
P ROT E Ç ÃO D O E ST ADO. A p ro t eção d o E sta d o à u n ião es tá v el a lc a n ça
ap e na s a s si t ua çõ e s l e g íti ma s e n e sta s n ão e st á i nc l uíd o o co nc ub i na t o .
P ENS ÃO - S E RVI DO R P ÚB LI CO - M U LHE R - C ON C UB IN A -
DI REI T O. A ti t ul arid a d e d a p e n são d eco rre n te d o fa le ci me n to d e s er vi d o r
p úb lico p r es s up õ e ví nc u lo a ga s al had o p el o o rd en a me n to j ur íd i co ,
mo st r a nd o - se i mp ró p r i o o i mp le me n to d e d iv i são a b e n e fi ciar , e m
d etr i me nto d a fa mí lia , a co nc ub i n a.

( RE 3 9 7 7 6 2 , Re la to r(a ): Mi n . M AR C O AU RÉ LI O, P ri me ir a T ur m a,
j ul gad o e m 0 3 /0 6 /2 0 0 8 , DJ e -1 7 2 DIV U LG 1 1 - 0 9 -2 0 0 8 P UB LI C 1 2 -0 9 -
2 0 0 8 EME NT V O L -0 2 3 3 2 -0 3 P P -0 0 6 1 1 RT J VO L -0 0 2 0 6 -0 2 P P -0 0 8 6 5
RD DP n . 6 9 , 2 0 0 8 , p . 1 4 9 -1 6 2 R SJ AD V mar. , 2 0 0 9 , p . 4 8 -5 8 LE X ST F v .
3 0 , n . 3 6 0 , 2 0 0 8 , p . 1 2 9 -1 6 0 )

CO MP AN HEI R A E CO NC UB IN A - DI ST IN Ç ÃO. Se n d o o Dire ito u ma


ver d ad e ir a ci ê nc ia, i m p o s sí ve l é co n fu nd ir in s ti t uto s, e xp r es sõ e s e
vo c áb ulo s, so b p e na d e p re val ecer a b ab e l. U NI ÃO EST ÁVE L -
P ROT E Ç ÃO D O E ST ADO. A p ro t eção d o E sta d o à u n ião es tá v el a lc a n ça
ap e na s a s si t ua çõ e s l e g íti ma s e n e sta s n ão e st á i nc l uíd o o co nc ub i na t o .
P ENS ÃO - S E RVI DO R P ÚB LI CO - M U LHE R - C ON C UB IN A -
DI REI T O. A ti t ul arid ad e d a p e n são d eco rre n te d o fa le ci me n to d e s er vi d o r
p úb lico p r es s up õ e ví nc u lo a ga s al had o p el o o rd en a me n to j ur íd i co ,
mo st r a nd o - se i mp ró p r i o o i mp le me n to d e d iv i são a b e n e fi ciar , e m
d etr i me nto d a fa mí lia , a co nc ub i n a.

( RE 5 9 0 7 7 9 , Re la to r(a ): Mi n . M AR C O AU RÉ LI O, P ri me ir a T ur m a,
j ul gad o e m 1 0 /0 2 /2 0 0 9 , DJ e -0 5 9 DIV U LG 2 6 - 0 3 -2 0 0 9 P UB LI C 2 7 -0 3 -
2 0 0 9 EMENT VO L - 0 2 3 5 4 -0 5 P P -0 1 0 5 8 RT J VO L -0 0 2 1 0 -0 2 P P -0 0 9 3 4 RB
v. 2 1 , n. 5 4 6 , 2 0 0 9 , p . 2 1 -2 3 LE X ST F v. 3 1 , n. 3 6 3 , 2 0 0 9 , p . 2 9 2 -3 0 1
RJ T J RS v . 4 6 , n. 2 7 9 , 2 0 1 1 , p . 3 3 -3 8 RMP n. 4 2 , 2 0 1 1 , p . 2 1 3 -2 1 9 )
101
Apesar dos precedentes acima citados, não significa que seja esta
posição definitiva do STF, visto qu e, atualmente temos a Repercussão Geral
sobre o tema reconhecido no Leading Case: RE 883168, que está sub judice
no tema n.º 526, da relatoria do Min. Luiz Fux:

T e ma : 5 2 6 - P o s sib il id a d e d e co nc ub i na to d e lo n ga d ura ção gerar e fei t o s


p r ev id e n ciár io s.

Re c ur so e x tr ao r d i nár io e m q ue s e d is c ut e, à l uz d o s ar ti go s 2 0 1 , V, e
2 2 6 , § 3 º , d a Co ns ti tu iç ão Fed er al, a p o s sib il id ad e , o u não , d e
r eco n hec i me n to d e d ire i to s p r e vid e nci ário s (p e n são p o r mo rte) à p e s s o a
q ue ma nt e ve, d ur a nte lo n go p er ío d o e co m ap ar ên cia fa mi l iar, u n ião co m
o ut r a c as ad a.

6.2 Jurisprudênciado STJ

O STJ assim como o STF mantêm uma posição conservadora, tendo


sua jurisprudência contraria à divisão da pensão por morte entre a esposa e a
concubina (companheira simultânea), admitindo como exce ção apenas a
ocorrência prévia de separação de fato e/ou separação judicial ou divórcio.
A posição conversadora adotada pelo STJ, vem de encontro a posição
dominante na moderna doutrina do Direito das Famílias, assim como, a
maioria dos Tribunais Regionai s Federais.
Como exemplo da posição do STJ já adotada desde o ano de 2012
temos o AgRg no REsp 1344664/RS, em qual se analisou o direito à divisão
da pensão por morte de um militar falecido que possuía além da esposa uma
companheira com quem convivia simul taneamente, portanto, pela visão do
tribunal seria esta última relação concubinária, não gerando efeitos jurídicos.
ADM I NI ST R AT I V O. M ILIT AR. P EN S ÃO. C ON CUB I N AT O. R AT EI O
D A P E NS ÃO ENT R E A CO N CUB I N A E A VI Ú V A. I MP O SS IB I LID AD E.
1 . C uid a -s e, na o ri ge m , d e açã o o rd i nár ia p o r me io d a q u al a a gra v a nt e
o b j eti va va o r e ceb i me nto d e co ta d a p e ns ã o i n sti t uíd a p o r fal eci d o
mi l ita r , co m q ue m al e ga va vi ve r e m u n ião e st á v el. E m p r i mei ra i ns tâ n ci a,
o p ed id o f o i j ul g ad o p ro ced e n te, d ete r mi n a nd o - se a p ar ti l ha d a p e ns ão
en tr e a a gr a va n te, a vi ú va e o s fi l ho s d o mi li tar, d ec i são e s sa ma n ti d a
p elo T r ib u na l d e o r i ge m .
2 . A j ur i sp r ud ê n cia d e s ta Co r te é p ac í fi ca no se nt id o d e q u e é p o s sí v el o
r ate io d e p e n são e nt re a vi ú v a e a co mp a n h eir a c o m q ue m o i n s ti t uid o r d a
p en são ma n ti n ha u ni ão es tá ve l, a s si m e n te nd id a aq ue la n a q ua l i n e xi s te
i mp ed i me nto p ar a a co n vo lação d o re lac io na m en to e m ca sa me n to , q u e
so me n te n ão se co ncr et iza p el a vo n tad e d o s co n vi v e nt es . No s ca so s e m
q ue o i n st it u id o r d a p e n são fale ce no e s tad o d e cas ad o , ne ce ss ário se fa z
q ue es ti v es se sep arad o d e fa to , co n v i ve n d o u ni ca me n te co m a
co mp a n he ir a, p ar a q u e e st a p o ss a fa zer j us ao re ceb i me n to d a p e n são .
3 . No ca so d o s a u to s, to d a vi a, n ão se ver i fic a a e xi st ê nc ia d e r ela çã o
es tá ve l, ma s, si m, d e co nc ub i na to , p o i s o i n s ti t uid o r d a p e n são " ma nt e ve
o s d o i s r e lac io na me n t o s p o r u m lo n go p er í o d o co nco mi ta nt e me n te " ,
co n so a n te co n sta d o acó rd ão reco rr id o , o q u e i m p o s sib ili ta o rec eb i me n t o
102
d e p en são p e la a gra v a nt e, na e ste ira d o e nt e nd i me nto j uri sp r ud e n ci al
d es te T r ib u na l.
Agr a vo r e gi me n ta l i mp r o vi d o .
( Ag R g no RE sp 1 3 4 4 6 6 4 /R S, Re l. Mi n is tro HUMB E RT O M ART I NS,
SEG UN D A T UR M A, j u l gad o e m 0 6 /1 1 /2 0 1 2 , DJ e 1 4 /1 1 /2 0 1 2 )

No ano de 2015, no julgamento do AgRg no REsp 1418167/CE,


manteve o tribunal sua posição negando a divisão entre a comp anheira
simultânea e a viúva, sob o fundamento que havendo impedimentos para
constituição do casamento temos presente a figura do concubinato, ao qual
não se reconhece efeitos jurídicos, exceto quando houve comprovada
separação de fato e/ou judicial prévia .

P REVI DE N CI ÁRI O. AG R AV O RE GIM EN T AL EM RE CU R S O


ESP E CI AL. P EN S ÃO P OR M O RT E. O I MP EDIM ENT O P AR A O
C AS AME NT O I MP E DE A C ON ST IT UIÇ ÃO D E UNI ÃO EST ÁVE L E ,
P OR CO N SEQ UÊ N CI A, AF AST A O DI R EIT O AO R AT EIO DO
B ENE FÍ CI O ENT R E A CO MP ANHEI R A E A V IÚV A, S ALVO Q U AND O
CO MP R O V AD A A SEP AR AÇ ÃO DE F AT O D OS C AS AD O S. AG R A VO
RE GI ME NT AL DE SP R OVI DO.
1 . E s ta Co r te S up erio r j á p ac i fi co u o e nt e nd i me n to d e q u e a e x is tê nc i a
d e i mp ed i me n to p ara o cas a me n to d i sp o sto no a rt. 1 .5 2 1 d o Có d i go C i v il
i mp ed e a co ns ti t ui ção d e u nião e st á vel e, p o r co ns eq uê nc ia, a fa s ta o
d ir ei to ao r eceb i me n to d e p e n são p o r mo rte , sa lvo q ua nd o co mp ro v ad a a
sep a r ação d e fa to d o s c asad o s, o q u e, co nt ud o , n ão co n fi g ur a a hip ó te se
d o s a u to s.
2 . Agr a vo Re g i me n tal d esp ro v id o .
( Ag R g no R Esp 1 4 1 8 1 6 7 /C E, Rel . Mi n i stro N AP O LE ÃO NU NE S M AI A
FI LHO, P RI MEI R A T U RM A, j ul g ad o e m 2 4 /0 3 / 2 0 1 5 , DJ e 1 7 /0 4 /2 0 1 5 )

6.3 Jurisprudência da TNU

A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados


Especiais Federais – TNU, semelhantemente ao STJ e STF, mantem em sua
jurisprudência a posição conversadora, não admitindo a divisão da pensão por
morte entre a esposa e a companheira simultânea (concubina).
Para a TNU só é possível reconhecer a existência de famílias
simultâneas caso haja na constância do matrimônio separaç ão de fato,
separação judicial ou divórcio prévio.
Como representativo da jurisprudência da TNU, podemos citar o
Pedido de Uniformização de Jurisprudência n.º 05083345520104058013, em
qual se definiu que a existência de concubinato ―impuro‖ ou adulterino, não
caracteriza esta relação como união estável, não é família, assim, não há

103
como se reconhecer o direito à divisão da pensão entre a esposa e a
companheira simultânea.
P REVI DE N CI ÁRI O. P E NS ÃO P O R MO RT E. R AT EI O ENT RE E SP O S A E
CO N CUB I N A. I MP OS S IB ILI D ADE. A US ÊN CI A D E U NI ÃO E ST ÁV E L.
P RE CE DENT ES DO ST J , D A T NU E D O ST F. I NC IDE NT E CO NH E CID O
E P R OVI DO. P EDI DO INI CI AL I MP R O CED ENT E. 1 - P ed id o d e
U ni fo r mi za ção i n terp o st o e m face d e acó rd ão q ue , ne g a nd o p ro v i me n t o
ao r ec ur so i no mi n ad o d a p arte ré , ma nt e ve, p o r se u s p ró p r io s
f u nd a me nto s, a se nt e nça d o J EF q ue j ul go u p ro c ed e nte o p ed id o d e ra te i o
d a p e ns ão p o r mo r te i n s tit u íd a p o r se g u rad o d a p rev id ê n cia so c ia l, so b o
f u nd a me nto d e q ue ―o fal ec id o ma nt i n ha rel ação co nj u g al, b e m co m o
r ela ção d e d ep e nd ê nc ia eco nô mi ca, s i mu l t a nea m en te, co m o c ô nj u ge c i v il
e co m a d e ma nd a nt e, (...)‖; ―(.. .) é ced i ço q ue a j u ri sp r ud ê n cia d o s
tr ib u na i s S up er io re s (. . .) e d a T ur ma Nac io n al d e U n i fo r mi za ção d e
J ur i sp r ud ê nci a d o s J u i zad o s E sp ec iai s Fed era is ( ...), e nte nd e nd o p e la
in co mp a tib il id ad e d e e x is tê nc ia s i mu l tâ n ea d e c asa me nto e u n ião e stá v e l,
te m se i n cl i nad o no se n tid o d a i mp o ss ib i lid ad e d e d i vi são d a p e n são p o r
mo r te e n tr e cô nj u ge so b rev i ve n te e a co nc ub i na co m q ue m o fa lec id o
te n ha ma n tid o r ela çã o ex tra -co nj u ga l co nc o mita n te ao c a sa m e n t o .
T o d avia , ( ...) ad o to o p o si cio na me nto no se n t id o d e q ue não d e v e o
j ul gad o se a f a star d a re alid ad e so ci al, se nd o p o s sí ve l a d i v i são d a p e n s ão
en tr e vi ú v a e a co mp a n he ira [co n c u mb i n a] (.. .)‖. 2 - Ap o n tad o s co mo
p ar ad i g ma s d a d i v er gê nc ia : a) RE sp nº . 8 1 3 .1 7 5 /RJ ; b ) P EDI LE F n º .
2 0 0 7 7 0 9 5 0 1 6 0 6 0 7 ; c) P E DI LE F nº . 2 0 0 6 4 0 0 0 7 0 9 8 3 5 9 e d ) RE 5 9 0 7 7 9 ,
no s q ua is s e fi xo u, e m s ín te se , o e n te nd i me n to d e q u e a p e ns ão p o r mo r t e
d ev e se r d e fer id a ap e n as à esp o sa o u à co mp a n h e ira, não c ab e nd o o rat ei o
co m co n c ub i na . Car ac t eriz ação d a d i ver g ê nci a. 3 - A j ur i sp r ud ê nc i a
d o mi na nt e d o ST J e d a T NU, re fl et id a no s p ara d ig ma s s up r ac itad o s, b e m
co mo no P E DI LE F nº . 2 0 0 8 7 2 9 5 0 0 1 3 6 6 8 , Re l. J uí za Fed er al Si mo n e d o s
Sa n to s Le mo s Fer na nd e s, D OU 2 8 /1 0 /2 0 1 1 , j ul gad o na fo r ma d o art . 7 º
d o RI T NU, r eco n he ce q ue o co nc ur so e n tre e sp o sa e co mp a n he ira p ara o
r eceb i me n to d e p e n são p o r mo r te só é p o s sí v el na h ip ó t es e d e ―cô nj u g e
d iv o r ci ad o o u sep arad o j ud ic ial me nt e o u d e fa to q u e receb ia p e n são d e
ali me n to s‖ , no s t er mo s d o art. 7 6 , § 2 º , d a Lei n º . 8 .2 1 3 /9 1 . Do co ntr ári o ,
não d e v e s e fal ar e m r elaç ão d e co mp a n heir i s mo , ma s d e co nc ub i n at o ,
q ue não g er a d ir e ito à p en são p re v id e nc iár ia‖ . De i g ua l mo d o , j á d e cid iu
o S up r e mo T r ib u na l F ed era l no R E 5 9 0 7 7 9 / ES, 1 ª T ur ma, Re l. M in .
Mar co Au r é lio , DJ e d e 2 6 .0 3 .2 0 0 9 , q ue a p ro teção d o E stad o à u niã o
es tá ve l al ca nç a ap e n as a s s it u açõ e s l e gí ti ma s , na s q uai s não es tá i n cl u íd o
o co nc ub i na to . 4 – O co nc ub i na to i mp uro d o t ip o ad u lt eri no , is to é, a
r ela ção e x tr a -co nj u ga l p arale la ao ca sa me n t o , não cara cte riz a u ni ão
es tá ve l p e lo q u e n ão j u s ti fica o r ate io d a p e n são p o r mo r te e ntr e cô nj u g e
s up ér st it e e co n c ub i na . 5 - I nc id e n te d e u n i fo r mi za ção co n h ec id o e
p r o v id o p ar a, r ea fi r ma n d o a te se d e q ue não há co nc u rso e n tre esp o sa e
co n c ub i na p e la p e n são p rev id e nc iár ia, j u l gar i mp ro ced e n te o p ed i d o
in ic ia l. AC Ó RD ÃO D ec id e a T ur ma N ac io na l d e U ni fo r mi z ação d e
J ur i sp r ud ê nci a co n he cer e d ar p ro vi me n to ao i n cid e n te d e u n i fo r mi za çã o
no s t er mo s d o vo to -e me nt a d o r ela to r. C ur it ib a, 1 1 d e s et e mb ro d e 2 0 1 2 .

( P EDI LE F 05083345520104058013, J UI Z FE DE R AL ALCI D ES


S ALD AN H A LI M A, T N U, DJ 2 1 /0 9 /2 0 1 2 . )

104
6.4 Jurisprudência do TRF1

O Tribunal Regional da 1.ª Região, não possui em sua jurisprudência


uma tese dominante, mas, há uma verdadeira contradições de teses, ora se
admite a divisão da pensã o por morte nas famílias simultâneas (tese
moderna), ora se mantem o entendimento da impossibilidade desta divisão
(tese conservadora).
A jurisprudência que defende a tese conservadora se mantêm calcada
na ilegalidade do reconhecimento das famílias simultâ neas com base na
existência de impedimentos ao matrimônio, desdobrando em concubinato
impuro, que não é considerado família.
Por sua vez a tese de vanguarda adotada pelo tribunal, vem trazer
luzes à matéria reconhecendo que as famílias simultâneas possuem direitos a
serem salvaguardados, mesmo que haja o chamado concubinato impuro. Na
análise do tribunal o direito ao rateio da pensão por morte entre a
companheira e a esposa deve ser admitido, principalmente quando houver
separação de fato da esposa.
Como representativo das controvérsias dentro da jurisprudência do
TRF1 elegemos dois julgados: AC 00029882220064013200 e AC
00021568420064013815, ambos prolatados em 2015, sendo que o primeiro
nega totalmente a possibilidade da divisão da pensão por morte e o seg undo
por seu turno reconhece como válida a divisão, especialmente quando houver
separação de fato.
P REVI DE N CI ÁRI O E CO N ST IT UCIO N AL. P ENS ÃO P O R M O R T E.
T R AB ALH ADO R U R B ANO . RE LAC IO N AMENT O LAT ER AL A O
C AS AME NT O ( CO N C UB IN AT O) . AUS ÊN C I A DE P R OV A DA
SEP AR AÇ ÃO AO M EN OS DE F AT O DO IN ST IT UIDO R.
DEP EN DÊN CI A E CO NÔ MI C A I NEX IST ENT E. P EDID O
I MP R O CED ENT E. 1 . A se n te n ça j u l go u i m p ro ced e n te o p ed id o d e
co n ce s são d e p e n são p o r mo r te ( urb a na) e m favo r d e q ue m a le go u s er
co mp a n he ir a d o se g ur ad o . 2 . E mb o ra a req uer e n te t e n ha d o is fil ho s - q u e
fo r a m b e n e fi ciá r io s d e p en são p re v id e nc iár ia - e m co mu m ao i ns ti t uid o r
d a p e n são , e s te ma n te v e s e u re lac io na me n to c o nj u gal co m a e sp o s a, d e
mo d o q u e não ho u v e u nião e stá v el q ue p ud es se car ac teri zar a
d ep e nd ê nc ia e co nô mi ca d a mu l her . 3 . U n ião e s t áv el é aq ue la q ue p o d e se
co n v er t er e m ca sa me n to , o u aq uel a e m q u e, não o p o d end o , u m o u o s d o i s
co n v i ve n te s se e nco n t re m sep ar ad o s d e fa t o d o s cô nj u g es , não se
ad mit i nd o , p o r é m, q ue na co ns tâ n cia d o ca sa m en to , e se m s ep ara ção d e
fa to , p o ss a u m d o s cô nj u g e s es tab ele cer si m ul ta n ea me n te u ma u n iã o
es tá ve l co m te r ce ira p es so a. 4 . T ai s re la çõ e s , p o r l ei ( art. 1 .7 2 7 d o
Có d i go C i vil ) , são co n s id erad as co n c ub i na to e d es se re lac io na me n to nã o

105
ex s ur g e m d ir ei to s p re vi d en ciá rio s re cíp ro co s, co n fo r me p re ced e n te s d o
S up r e mo T r ib u na l F ed eral, d o S up er io r T rib u na l d e J us ti ça e d e s te
T r ib u na l, d e cl i nad o s no vo to . 5 . N ão a te nd id o s o s r eq ui s ito s
ind i sp e n sá v ei s à co nce s são d o b e ne fício d e p e n são p o r mo rte , mo s tro u - se
co r r et a a se nt e nça q ue ind e fer i u a p re te n são n es se s e nt id o d ed uzid a. 6 .
Ap el ação d e sp r o vid a .
( AC 0 0 0 2 9 8 8 2 2 2 0 0 6 4 0 1 3 2 0 0 , DE SE MB ARG A DO R FE DE R AL J AMI L
RO S A DE J ES US O LI VEI R A, T R F1 - P RIM EIR A T U RM A, e - DJ F 1
D AT A:0 6 /0 8 /2 0 1 5 P AGI N A:5 7 .)

P REVI DE N CI ÁRI O. ALE G AÇ ÃO DE CO NC UB IN AT O IMP U R O.


P ENS ÃO. R AT EIO CO M A VI ÚV A. S EP AR AÇ Ã O DE F A T O.
P OS SI B I LI D ADE. AP E LAÇ ÃO N ÃO P R OVI D A. 1 . E m s u as ra zõ es
r ec ur sai s, a r eco r re nt e ale ga , e m sí n te se, q u e se trat a d e c a so típ ico d e
co n c ub i na to i mp uro e q ue t al fa to , p o r s i só , r etir a d a ap el ad a o d ire i to
ao r a te io d a p e n são p o r mo r te. 2 . O p ró p ri o § 1 º . Do ar t. 1 7 2 3 d o Có d i g o
Ci v il , to d a vi a, e scl are c e q ue àq u ele s q ue s e e nco n trar e m sep arad o s d e
fa to o u j ud ic ial me nt e, o i mp ed i me n to d e es ta b elec er no vo ca s a me n t o
fo r ma l não é ó b ice a o reco n he ci me n to d a u ni ão es tá ve l, d e sd e q u e
d e mo n s tr ad a a u n ião c o n fi g urad a na co n vi vê nc ia p úb l ic a, co nt í n ua e
d ur ad o u r a, e s tab e le cid a co m o o b j et i vo d e co ns t it ui ção d e fa mí l ia. 3 . T al
u ni ão d ur ad o r a, co n fi g urad a p e la co n v i vê nc ia p úb lic a fo i d e mo n str a d a
p elo d o c u me n to d e fl s1 2 /1 4 ( se n te nç a d e cla rat ó ria d e re co n hec i me n to d e
u ni ão e s tá ve l) . 4 . Alé m d aq u ele reco n h ec i me n to p ela via j ud ici al, o j u íz o
a q uo d e fo r ma e s co rre ita, o u v i u te st e mu n h a s e d ep o i me n to p e sso al d a
co r r é, c o ns i g na nd o e m s ua se n te n ça: " A req ue rid a E mí l ia d a Co nc eiç ã o
Fel i x d ec lar o u, e m d ep o i me nto p e s so a l p er a n t e es te j uí zo fed er al, q ue
ti n ha co n h eci me nto d a relação e x tra co nj u n g al e ntr e o se u e sp o s o ,
in s ti t uid o r d a p e ns ão e a a u to ra. É cer to q ue a a u to ra te v e fil ha e m
co mu m co m o se g ur ad o in s ti t uid o r, a req u er id a J ú nia Do lo re s F el i x,
co n fo r me p r o vad o no s a uto s ." 5 . Fico u c laro , p o rta nto , q ue se tra ta va d e
" sep ar a ção d e f ato " e não d e " co nc ub i n ato i mp uro " , co mo q ui s faz er
en te nd e r a ap ela n te. Ob ser v e -s e q ue a co rré E mí l ia d a Co nc ei ção Fel ix
ne m me s mo r e co rre u d a d eci são . 6 . Me s mo q ue fo s se o ca so d e
co n c ub i na to , a d o u tri n a e j uri sp r ud ê n cia p re v id en ciá ria s j á e vo l u íra m n o
se n tid o d a a mp li t ud e d e p ro teç ão . Car lo s Alb er to P ereir a d e Ca s tro e J o ã o
B ati st a Laz zar i : " No s caso s e m q ue o cô nj u ge fa lec id o ma nt i n ha, ao
me s mo t e mp o , a (o ) e sp o sa(o ) e a (o ) co nc ub i n a(o ), d e v e ser a va liad o o
co nj u nto p r o b a tó rio p ar a ver i fi car se a(o ) req u ere nt e v i ve u e d ep e nd e u
d o ( a) se g ur ad o ( a) at é o fal ec i me n to d es te(a) . Re sta nd o d e mo n s trad a a
si t uaç ão d e co nc ub i na to a mes ma d e ve ser reco n h ec id a p ara fi n s
p r ev id e n ciár io s, não se nd o i mp ed i me nt o p ara ta n to a e x i st ê nc ia
si mu l t â nea d e esp o sa(o ) " . 7 . É certo q ue a j uri sp r ud ê n cia a i nd a não s e
co n so lid o u n es s e t e ma. P elo co n trár io , o ST F, e m 2 0 0 8 , d ecid i u q ue n ão
er a p o s sí v el o rate io e m c aso d e co nc ub i na to i mp ró p rio ( ST F, R E
3 9 7 7 6 2 /B A) . No e nt a nto , naq ue le me s mo j ul g ad o , co lo co u a re s sa l va p a ra
o s c a so s e m q ue fic ar e v id e nc iad a a sep ara ção d e fa to , q ue é o q ue o co rr e
no ca so e m te la. 8 . N e ga d o p ro v i me n to à ap e laç ã o e a r e me s sa o fici al.

( AC 0 0 0 2 1 5 6 8 4 2 0 0 6 4 0 1 3 8 1 5 , J UI ZA FE DE R AL M AR I A HE LE N A
C AR R EI R A ALVI M RIB EI R O, T R F1 - 1 ª C ÂM AR A R EGI ON A L
P REVI DE N CI ÁRI A DE J UI Z DE FO R A, e - DJ F1 D AT A:0 5 /0 8 /2 0 1 5
P AGI N A:5 9 3 .)

106
6.5 Jurisprudência do TRF2

O Tribunal Regional Federal da 2.ª região em sua jur isprudência mais


antiga não admite a coexistência de famílias. A jurisprudência seguia no
sentido que a relação da companheira simultânea era concubinária impura,
portanto, não digna de reconhecimento jurídico previdenciário.
A mais moderna jurisprudência tem trilhado o caminho do
reconhecimento das uniões paralelas e dos direitos previdenciários à
companheira simultânea, principalmente, baseando -se no princípio da
autonomia do Direito da Seguridade Social e na dependência econômica pela
companheira simult ânea.
Pela análise dos atuais julgados do tribunal é possível se dizer que a
tese conservadora que considerava como relação concubinária a união
simultânea perdeu forças e, foi substituída pela tese moderna, reconhecendo à
existência das famílias simultâne as e, direitos previdenciários à companheira
simultânea.
A título de exemplo do atual pensamento do tribunal, destacamos dois
julgados prolatados em 2015: Apelação n.º 0001652 -75.2008.4.02.5110 e
Apelação n.º 007320 -94.2014.4.02.9999, em ambos os casos hou ve o
reconhecimento do direito à divisão da pensão por morte a companheira
simultânea, com base na ausência de importância da distinção civil entre
união estável e concubinato, somando -se a isto a existência de dependência
econômica, sendo tais requisitos suficientes para ser considerada dependente
previdenciária.
E me nt a: DI R EI T O P RE VIDE N CI ÁRI O. CO N C ES S ÃO DE P EN S ÃO P OR
MO RT E. R AT EI O E NT RE MU LHE R E C ON C UB IN A. C OMP RO V AÇ ÃO
DE U NI ÃO EST ÁVE L. P ONDE R AÇ ÃO DE P RO V AS. DI R EIT O D E
RE G RE SS O. I - O no s so o rd e na me n to j ur í d ic o ad o ta o p rin cíp io d a
p er s u as ão r acio n al, o u li vre co n v e nc i me nto m o ti vad o , co m a res tri çã o
fe it a p e lo i n ci so LVI d o arti g o 5 º d a Co n s tit u i ção d a Rep úb li ca. É co m
b ase ne s se p r i n cíp io q ue o j u l gad o r reco n he ce s e a d o c u me n taç ão
aco s tad a é o u n ão s u fic i en te p ar a co mp ro va ção d o s fato s a le gad o s. II - A
si s te má ti ca p r e v id e n ciár ia o p er a co m o co nce ito d e n ece s sid ad e e não d e
mo r al id ad e no e xa me d a sati s fação d o r eq u i si to d e d ep e nd ê n cia
eco nô mi ca ad vi nd a d e u ma co n v i vê n cia d urad o ura , p o rq u e o p aga me nto
d o b ene f í c io p r e vid e nc iário se d e ve à ne ce s si ta s e não à ét ica d as
r ela çõ e s tr a v ad a s. III - Co nq ua n to o Di rei to Ci vi l fa ça d i st i nç ão e ntr e a
u ni ão es tá ve l e a co nc ub i nári a, n a d is cip li na d o s b e n e fíc io s
p r ev id e n ciár io s n ão s e mo st ra ad eq u ad a ta l d i fer e nc iaç ão , p o rq ua nto a
vid a e m co mu m e a d ep end ê nci a e co nô mi ca são fu nd a me n to s s u fic ie nt e s
p ar a a co nc es são d o b en e fí cio a ser rat ead o . IV - O re s sar ci me n to d e
107
va lo r e s d e vid o s à Fa z end a Nac io na l e m d e c o rrê nci a d e receb i me n t o
ind e vid o é o b r i ga tó rio , se nd o o p o rt u no re ss al t ar q ue n ão é o b s ta ti va à
r es ti t uiç ão ao Er ário a c o n st ata ção d e b o a - fé d o b en e fic iár io o u o car át er
ali me n t ar d a s v erb a s r eceb id a s, mo str a nd o - se ate n ta tó rio à mo r alid a d e
ad mi ni s tr a ti va p er mi tir - se a i nco rp o r ação ao p atri mô nio d e p art ic u lar es
d e v alo r es p er t e n ce n te s à U ni ão . V - T e nd o e m v is ta d a n at ur eza al i me nt ar
d o b e ne fí cio e a id ad e a va n çad a d a co r ré, a re st it ui ção d e ve ser fe ita so b
a fo r ma d e p er c e nt ua l q ue n ão e x ced a a 5 % (c i nco p o r ce nto ) d o s
p r o ve n to s me n sa i s d a d e p end e nte . VI - Ap ela ção p ro v id a.
( Ap e laç ão n.º 0 0 0 1 6 5 2 - 7 5 .2 0 0 8 .4 .0 2 .5 1 1 0 – R e l. D e s. AN DR É FO NT ES
, 2 .ª T ur ma E sp e cia li zad a, j . 3 0 .j u n.2 0 1 5 )

E me nt a: D I R EI T O P RE VIDE N CI ÁRI O E P RO C ES SU AL CIVI L. P EN S ÃO


P OR MO RT E. D EP E NDE NT ES. C OMP AN HEI R A E E X -M U LH ER.
CO MP R O V AÇ ÃO D E RE LAÇ Õ ES C ON C OMI T ANT ES . C O R R ET O O
DES DOB R AM ENT O DO B EN EFÍ CI O P E LO IN SS . SE NT EN Ç A
M ANT I D A. I - O no s so o rd e n a me n to j ur íd i c o ad o ta o p ri n cíp io d a
p er s u as ão r acio n al, o u li vre co n v e nc i me nto m o ti vad o , co m a res tri çã o
fe it a p e lo i n ci so LVI d o arti g o 5 º d a Co n s tit u i ção d a Rep úb li ca. É co m
b ase ne s se p r i n cíp io q ue o j u l gad o r reco n he ce s e a d o c u me n taç ão
aco s tad a é o u não s u fic ie nt e p ara co mp ro va ção d o s fa to s al e gad o s. II -
Co mp r o v ad a a vid a e m co mu m, ai nd a q ue não ex cl u si v a, faz j us a e x -
mu l h er à p e n são p re v id en ciá ria d eco r re nt e d a mo r te d o s e u i ns ti t uid o r,
p o r q ue a ma n te nç a d e d ua s fa mí l ia s p e lo i n st i tu id o r, na o ca si ão d e s eu
fa le ci me n to , não co ns ti tu i ó b ic e ao p a ga me nt o d o b e n e fíc io . III - A
si s te má ti ca p r e v id e n ciár ia o p er a co m o co nce ito d e n ece s sid ad e e não d e
mo r al id ad e no e xa me d a sati s f ação d o r eq u i si to d e d ep e nd ê n cia
eco nô mi ca ad vi nd a d e u ma co n v i vê n cia d urad o ura , p o rq u e o p aga me nto
d o b ene f íc io p r e vid e nc iário se d e ve à ne ce s si ta s e não à ét ica d as
r ela çõ e s tr a vad a s. I V - Os d o c u me n to s j u nt ad o s ao s a u to s i nd ica m a vi d a
e m co mu m e a d ep e n d ê nc ia eco nô mi c a t a nto c o m a co mp a n h eira , co m o
co m a e x - mu l h er, fu nd a me n to s s u fic ie n te s p ara o ratea me n to d o
b en e fí cio . V - O ato q ue d esd o b ra b e n e fíc io p rev id e n ciá rio , p o r n ão
co n ter , e m s i, i li ci t ud e, carac ter iza u m me ro d is sab o r d o co tid ia no co m
r ela ção ao se g ur ad o , nã o e n sej a nd o , p o i s, r ep ar ação d e d a no mo ra l. VI -
Ap el ação d e sp r o vid a
( Ap e laç ão n.º 0 0 7 3 2 0 - 9 4 .2 0 1 4 .4 .0 2 .9 9 9 9 , R el. De s. AND RÉ FO NT ES,
2 .ª T ur ma E sp ec ia liz ad a , j . 1 6 .ab r.2 0 1 5 )

6.6 Jurisprudência do TRF3

O Tribunal Regional Federal da 3. ª Região mantem sua jurisprudência


adotando o pensamento conservador de família. Assim tem o tribunal negado
o reconhecimento das famílias paralelas, e consequentemente, o direito à
companheira simultânea a pensão previdenciária.
Na concepção do tribunal a relação paralela se configura concubinato
impuro, não sendo reconhecida como família, não tendo direitos assegurados,
em especial relativo à pensão por morte. A base da jurisprudência da corte
para se negar a divisão da pensão por morte está exatamente n a diferenciação

108
da união estável e concubinato impuro, em qual se configura a relação
simultânea.
Como representativo da jurisprudência desta corte destacamos dois
julgados que adotam a mesma linha negatória, lastreada na concepção que a
família simultânea é em verdade um concubinato espúrio, sendo o primeiro
prolatado no ano de 2014 –APELREEX 0005878-47.2006.4.03.6119 e o
segundo no ano de 2015 –0008718-37.2003.4.03.6183, demonstrando que a
jurisprudência manteve -se a mesma neste último biênio, ao menos.
CO N ST I T UCI O N AL. P RE VID EN CI ÁR IO. CI VI L. AGR AV O LE G AL.
P ENS ÃO POR MO RT E. DEP E ND ENT E. UNI ÃO E ST ÁV E L.
CO N CUB I N AT O I MP U RO .
1 – O ar ti go 2 2 6 , § 3 º , d a Co ns ti t ui ção Fed era l eri g i u a u ni ão e s tá ve l ao
st at u s d e ca sa me n to s e m, co n t ud o , fle x ib i li zar o co nce ito d e fa m í l ia, d e
mo d o a a uto r izar o r eco n hec i me n to d e d i re ito s p r e vid e n ci ário s e m
d eco r r ê nc ia d e fa to s c o nt rário s ao s co st u me s na fo r ma ção c u lt ur al d a
so c ied ad e b r a si le ira, co mo u m re lac io na me n to p o li gâ mi co .
2 – T end o fa le cid o o s e g urad o n a co ns tâ n cia d e se u ma tr i mô n io , d e sc ab e
o r eco n hec i me n to d e s ua re la ção a fet i va co m a a uto r a co mo u n i ão
es tá ve l.
3 – T r ata nd o - se d e co n cub i na to i mp uro , não é d e vid o o d e sd o b ra me n t o
d a p e n são p o r mo rt e e n tre a e x -e sp o sa e a e x - co mp a n he ira. P r eced e n t es
d o ST F e ST J .
4 – Agr a vo le g al d a a u t o ra i mp ro v id o . Ag ra vo l eg al d o IN SS p ro vid o .

( T RF 3ª Re gi ão , NO N A T U RM A, AP E LREE X 0005878 -
4 7 .2 0 0 6 .4 .0 3 .6 1 1 9 , Re l. J UI Z CO NV O C ADO S ILV A NET O, j ul g ad o e m
2 9 /0 9 /2 0 1 4 , e -DJ F3 J ud i cia l 1 D AT A:1 0 /1 0 /2 0 1 4 )

DI REI T O P REV I DE N CI ÁR IO. AG R AVO ( ART . 5 5 7 D O CP C). P EN S ÃO


P OR MO RT E. RE DIS C US S ÃO DA M AT ÉRI A DE CI DID A.
I MP OS SI B I LI D ADE. AUSÊ N CI A D E I LEG AL ID ADE OU AB US O D E
P ODE R.
1 . O a g r a vo p r e v i sto no art. 5 5 7 , § 1 º , d o Có d i g o d e P ro ce s so Ci v il te m o
p r o p ó si to d e s ub me ter ao ó r gão co l e gia d o o c o nt ro le d a e xt e ns ão d o s
p o d er e s d o r ela to r, b e m co mo a le g al id ad e d a d eci são mo no crá tic a
p r o f er id a , não se p re st a nd o à red is c us s ão d a ma téri a j á d e cid id a.
2 . Ma nt id a e m p a rte a d eci são a gr a vad a , ei s q ue i ncab í ve l a co nce s sã o
d o b e ne fí cio à co mp a n h eira no ca so d e co nc ub i na to a d u lt eri no , q ue nã o
se co n fi g ur a co mo u niã o es tá ve l q u e p o d e se r co n v ert id a e m c as a me n t o
( P r eced e n te s d o ST J ).
3 . Agr a vo p ar c ia l me n te p ro v id o .

( T RF 3ª Re gi ão , NO N A T U RM A, AP E LREE X 0008718 -
3 7 .2 0 0 3 .4 .0 3 .6 1 8 3 , R el. DE SE MB ARG AD OR FED E R AL S O U ZA
RI B EI R O, j ul ga d o e m 1 3 /0 4 /2 0 1 5 , e -DJ F3 J ud ic ial 1 D AT A:2 8 /0 4 /2 0 1 5 )

109
6.7 Jurisprudência do TRF4

A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4.ª região se mostra


vanguardista, quando se versa sobre o Direitos das Famílias e, o
reconhecimento plural das entidades familiares, essencialmente, no que toca
as famílias simultâneas e a consagração de seus direitos, na seara cível e
previdenciária.
Tem desde 2008 tem em sua jurisprudência admitido juridicidade às
famílias simultâneas, ainda que, haja o ―concubinato impur o‖. Admite a
aplicação dos direitos previdenciários à companheira simultânea,
principalmente, no tocante à divisão da pensão por morte.
A base teórica adotada pelo tribunal é que com a CF/88 temos um
novo conceito de ―famílias‖, um conceito amplo, plural, que abarca a
tradicional, a monoparental, a união estável, além de outras espécies não
previstas expressamente, mas se originam desta pluralidade conceitual trazida
pela Carta Magna.
Considera igualmente a jurisprudência a autonomia do Direito da
Seguridade Social, portanto, uma vez comprovada a relação de dependência
econômica da companheira simultânea, não há qualquer importância jurídica a
existência ou não de impedimentos a convolação em matrimônio.
Demonstrativo deste pensamento vanguardista desta corte federal,
podemos destacar o julgado proferido nos autos do processo RCI
2007.72.95.009631-4, prolatado em 2008, quando já se reconhecia o direito à
divisão da pensão por morte entre a esposa e a companheira simultânea, com
sustentação no conceito plu ral das famílias e na convivência pública, notória
e duradoura.
Por sua vez o acórdão prolatado nos autos do processo n.º 5061180 -
66.2013.404.7100, julgado em Maio de 2015, utiliza -se da autonomia do
Direito da Seguridade Social como marco para a ―exclusão dos efeitos
externos‖ das demais áreas do Direito, destarte, comprovada a união com fim
de constituir família, e a relação de dependência, é legitimo a divisão da
pensão por morte entre a esposa e a companheira simultânea.
EMENT A: P EN S ÃO P OR M O RT E. C ON C UB IN AT O I MP U RO OU
AD U LT ERI NO. E FEI T OS P RE VI DEN CI ÁR IOS. P OS SIB I LID AD E.

110
R AT EI O D O B E NE FÍ CI O ENT RE E SP O S A E C OMP ANHE IR A. T UT E LA
ANT EC I P AD A CO N CE DID A D E O FÍ CI O. 1 . O b e ne fí cio d a p e n são v i s a,
p r ecip u a me n te, à p ro t e ção d a fa mí li a. O co nc eito d e e n tid ad e fa mil i ar
alar go u - se s ub sta n cia l m en te co m o p as s ar d o s a no s, s ej a p ela i n ser ção d e
no vo s, p o r a s si m d i zer, tip o s fa mi l iare s, no te xto Co n st it uc io na l ( u n i ão
es tá ve l e n ú cl eo s mo no p are nt ai s); s ej a p e la p ró p ria r eal id ad e so cio ló gi c a,
a no s ap r e se n tar si t ua ç õ es n ão -ab ra n g id a s p e lo o rd e na me n to e q u e, ne m
p o r i sso , d e va m fi car à mar ge m d a t ut el a j ur isd ic io nal . As " fa mí l ia s"
d eco r r e n te s d o c ha ma d o co n c ub i na to i mp uro é ca so t íp ico . 2 . P o u c o
i mp o r t a se o r e lac io n a me nto e x i ste n te e n tre reco rre nt e e s e g urad o
o co r r er a si mu lt a nea me n te à vi g ê nci a e co n st â nc ia d o c as a me n to d e s te
co m a e sp o sa. O q ue i mp o r ta é q ue fo i ma is q ue u m fl ert e; u m n a mo ro ;
u ma r e la ção ep i só d i ca e e fê me ra. E st a co n v i vê n cia, p úb l ica e no tó r ia, é
háb il a ger ar e f ei to s p re vid e nc iár io s.

( R CI 2 0 0 7 .7 2 .9 5 .0 0 9 6 3 1 -4 , Se g u nd a T ur ma Re c urs al d e S C, Re lat o r
Mar ce lo Car d o zo d a S il va, j u l gad o e m 1 9 /1 1 /2 0 0 8 )

EMENT A: P REV ID EN CI ÁRI O. P E N S ÃO POR MO RT E.


DES ME MB R AM ENT O ENT RE A E SP O S A LEG ALME N T E
CO N ST I T UÍ D A E A CO MP AN HEI R A. P O S SIB I LI D ADE. P R OVI ME NT O
DO RE C U RS O I NO MI N ADO. 1 . P ara o d ir eito p re vid e nc iário , nã o
i mp o r t a s e há, o u n ão , i mp ed i me n to s q ue o b st e m a co n ver são d a u ni ão d e
d ua s p es so as e m ca sa m en to , ma s se e xi st e u ma id e n tid ad e d e p ro p ó si t o s
af et i va e eco nô mi ca d u rad o u ra. O i nc i so o i nc iso V d o ar t. 2 0 1 d a C F
co n sa g r o u o d ir eito d e p en são ao co mp a n hei ro o u co mp a n h eir a, co nce it o
q ue s e m d ú v id a é ma i s a mp lo d o q ue o d e u n iã o es tá v el. 2 . De s se mo d o ,
mo st r a - se l e gít i ma a d iv i são d a p e n são p re v i d en ciá ria e n tre a e sp o sa
le ga l me n te co n s ti t uíd a e a co mp a n he ira, d e sd e q u e s ej a co mp ro v ad a a
id e nt id ad e d e p r o p ó si to s a fet i va e eco nô mi ca ( S ú mu l a n.º 1 5 9 d o e x ti n to
T FR; T RF4 , AC 0 0 0 7 2 3 7 -2 9 .2 0 1 1 .4 0 4 .9 9 9 9 , S ex ta T ur ma, Rel ato r J o ão
B ati st a P i n to S il v eir a , D.E. 1 9 /0 3 /2 0 1 2 ). 3 . R ec ur so i no mi nad o
fo r mu l ad o p ela p ar te a u t o ra p ro vid o .

( Auto s n. º 5 0 6 1 1 8 0 -6 6 . 2 0 1 3 .4 0 4 .7 1 0 0 , Se g u nd a T ur ma R ec ur sa l d o R S,
Re la to r Lu iz Clo v i s N u n es B r a ga, j ul g ad o e m 2 7 /0 5 /2 0 1 5 )

6.8 Jurisprudência do TRF5

O Tribunal Regional Federal da 5.ª região, detém uma jurisprudência


contraditória, eis que, em um momento aplica -se o entendimento conservador,
e em outro o entendimento de vanguarda.Portanto, ainda não há posição
consolidada neste tribunal quanto ao direito de divisão da pensão por morte a
companheira simultânea (concubina).
Na jurisprudência atual, julgados proferi dos no ano de 2015,
demonstram claramente a divisão de entendimento dentro da corte julgadora.
De um lado, o julgamento realizado nos autos n.º 08030067820134058300,
temos a pregação conservadora de família e, a união estável como
caracterizada pela conviv ência com o fim de ―tornar -se casamento‖, sem

111
impedimentos legais para sua conversão em matrimônio, motivo este, que não
se reconhece a família simultânea, como união estável, e não lhe deferindo
direitos.
De outra banda, a decisão proferida nos autos n.º
08005912520154050000,havendo a demonstração de convivência mútua, com
relação afetiva presente, sendo esta pública, notória e duradoura, ainda que
sejam coexistentes não há como se negar o reconhecimento jurídico a
ambascomo entidades familiares advindas d a união estável, não sendo
razoável desamparar a companheira simultânea.

CO N ST I T UCI O N AL E P REVI DE N CI ÁRI O. P ENS ÃO P O R MO RT E.


SE RVI DO R P ÚB LI CO MI LIT AR . CO N CO MIT ÂN CI A DE
RE LAC I O N AME NT OS. CO N CUB I N AT O. R AT E IO DE P EN S ÃO ENT R E
CO N CUB I N A E VIÚ V A. IMP O SS IB I LID AD E.
1 . A Co ns ti t ui ção Fed e ral, e m s e u ar t. 2 2 6 , p ará gra fo 3 º , reco n h ece u a
u ni ão es tá v el e ntr e o ho me m e a mu l h er co mo e nt id ad e fa mi lia r. O
p ar á gr a fo 1 º d o art. 1 .7 2 3 d o Có d i go Ci v il d e 2 0 0 2 est ab e lec e, d e o ut ro
lad o , q ue " a u ni ão es tá ve l n ão se co n s t it ui rá s e o co rrere m o s
i mp ed i me nto s d o art. 1 . 5 2 1 ; não se ap li ca nd o a i ncid ê nc ia d o i nci so V I
no ca so d e a p e s so a c a sa d a s e ac h ar sep ar ad a d e fa to o u j ud i cia l me n te" .
2 . " A p r o t eção d o E s ta d o à u n ião e st á vel alc an ça ap e n a s a s s it ua çõ es
le gí ti ma s e n e sta s não est á i nc l uíd o o co n c u b in ato " , d e mo d o q ue a
" tit ul ar id ad e d a p e n são d eco rre n te d o fal eci m en to d e s er vid o r p úb li co
p r es s up õ e v í nc ulo a ga s al had o p e lo o rd e na me nt o j uríd i co , mo str a nd o - s e
i mp r ó p r io o i mp le me nt o d e d i v i são a b e n e fi ciar, e m d etr i me n to d a
fa mí lia , a co n c ub i na" ( RE 5 9 0 .7 7 9 , R el. M i n. M AR CO AU RÉ LI O, ST F,
P r i meir a T ur ma , DJ e 2 6 / 3 /0 9 ).
3 . I n ca s u, d ad a a i ne x is tê nc ia d e s ep ara ção d e fa to d o fa lec id o co m a
esp o sa, o r el acio n a me nto , e m co nco mi tâ n ci a, co m a co mp a n h eir a,
car ac ter iza - s e co mo co nc ub i na to i mp uro , i mp ed i nd o a co n s ti t uiç ão d a
u ni ão e s tá ve l ( v. ST J , Ag R g no RE sp 1 3 4 4 6 6 4 /R S, R el. M i n. H u mb ert o
Mar t i n s, DJ e 1 4 .1 1 .2 0 1 2 ).
4 . Ap e laç ão d e sp ro v id a .

( P RO CE S SO : 0 8 0 3 0 0 6 7 8 2 0 1 3 4 0 5 8 3 0 0 , AC/P E, DE SEMB AR G AD O R
FED E R AL P AU LO M ACH AD O CO R DEI RO , T ercei ra T ur m a,
J U LG AME NT O: 1 1 /0 6 /2 0 1 5 , P UB LI C AÇ ÃO : )

AG R AV O DE I NS T RUME NT O. P R EVI DEN CI ÁR IO . T UT ELA


ANT EC I P AD A. P EN S ÃO P O R MO RT E. R AT EI O ENT RE D U AS
CO MP ANHEI R AS . P O S SIB I LI D ADE. AG R AV O P RO VID O
1 . O ar t. 2 7 3 d o CP C d isp õ e q ue o j u iz p o d erá, a req uer i me n to d a p art e,
an tec ip ar , to t al o u p ar ci al me n te, o s e feito s d a t u tel a p ret e nd id a no p ed id o
in ic ia l, d esd e q u e, e xi s ti nd o p ro va i n eq uí vo c a, se co n v e nça d a
ver o s si mi l ha nç a d a ale g ação e h aj a fu nd ad o re c eio d e d a no irrep a rá ve l o u
d e d i fí ci l r ep ar ação ( i n ci so I) o u fiq u e car act e r izad o o ab u so d e d ire i to
d e d e fe sa o u o ma n i fes t o p ro p ó si to p ro t el ató r io d o réu ( i nc i so II). Fi g ur a,
ai nd a co mo r eq ui s ito p ara a a n tec ip aç ão d a t ut ela j uri sd icio n al a
r ev er sib il id ad e d o p ro vi me n to a n te cip ad o (p ará g rafo 2 º ).
2 . A a gr a vad a p erc eb e u o b ene fí c io d e p e ns ão p o r mo r te d o e x - ser v id o r
no p er ío d o d e 1 4 /1 1 /1 9 9 8 até o mês d e se te mb ro /2 0 1 4 , mo me n to e m q u e
fo i d e ter mi n ad a a s u sp e n são d o p a ga me nto p e lo T CU, e xa ta me n te p o rq u e

112
a o u tr a co mp a n h eira o b t ev e o d ir ei to à p art il ha d o b en e fí cio p o r fo rça d e
d eci sã o j ud i ci al. Há no s a u to s p ro va s d o c u me n ta i s d a co n vi v ê nc ia
ma r i tal : Es cr i t ura P ú b lic a Dec lar ató r ia d e Co nc ub i n ato (ID n °
4 0 5 8 4 0 0 .5 3 6 2 3 2 - P á gs . 1 -4 ), s ub s cri ta p e lo co mp a n he iro fal ecid o d a
au to r a, p e la cer t id ão d e ó b i to , e m q ue a r eq uer e nt e fu nc io no u c o m o
d ecla r a nt e ( I d n ° 4 0 5 8 4 0 0 .5 3 5 2 4 6 - P á g. 4 ), b e m co mo p el a d e cl araç ão
la vr ad a p el a Sr a. M arí lia Go nça l ve s B o r ge s d e Ol i ve ira, fil h a d o d e
cuj u s, n a q ua l r eco n he ce a u ni ão es tá ve l d o s e u fa le cid o p ai co m a
d e ma nd a n te ( I D n ° 4 0 5 8 4 0 0 .5 3 6 2 3 2 ).
3 . E st e T r ib u na l Re g i o na l Fed era l d a 5 ª Re gi ão j á s e ma n i fes to u no
se n tid o d e s er p o s sí v el a co e xi st ê nci a d e d u as u ni õ e s es tá ve i s e ntre u m
me s mo ho me m e d ua s m ul h ere s, d e sd e q ue e m a mb o s o s r el acio n a me n to s
es tej a m p r es e nte s a p ub l icid ad e, a co n ti n u id ad e e a d ur ab il id ad e, co mo n a
hip ó te se d o s a uto s, não se nd o razo á v el d e sa m p arar a co mp a n h eira q u e
ma n te v e r e laç ão a fe ti v a co m o d e c uj u s a té o ó b ito (T R F5 . P ri meir a
T ur ma. AC 5 6 4 3 9 7 . Re l. De s. F ed er al M AN OE L E RH AR DT . DJ e
2 0 /0 3 /2 0 1 4 ) .
4 . A d eci s ão r eco rr id a não me rec e re fo r ma . O agr a va n te não tro u xe
q ua i sq uer ar g u me n to s q ue a fa s te m a co n cl u são a q ue c he go u o j u iz d e
o r i ge m e m s ua d e ci são .
5 . Agr a vo d e i ns tr u me n to i mp ro v id o .

( P RO C ES SO : 0 8 0 0 5 9 1 2 5 2 0 1 5 4 0 5 0 0 0 0 , DE SE MB ARG AD O R F ED ER AL
RO GÉ RI O F I ALHO MO REI R A, Q u art a T ur ma, J U LG AME NT O :
3 1 /0 3 /2 0 1 5 )

CONCLUSÃO

É certo que o Direito, especialmente, como norma legislada, não


consegue atender todos os anseios da sociedade, muito menos prever todos as
situações existentes no cotidiano, havendo necessidade de estar em constante
evolução e reanálise pelos juristas, mas principalmente, pelos políticos que
são os legisladores naturais.
A evolução do Direito como ciência se dá com o passar dos tempos,
mas inegável que boa parte desta evolução decorre das influências sofridas
pelas mudanças soci ais e culturais do novo tempo, contudo, no que se refere o
Direito das Famílias, vemos que apesar de existir real evolução, esta não foi
suficiente para pacificar muitas questões do dia a dia, que merecem à atenção
das ciências jurídicas.
Houve o surgiment o de novo ordem constitucional em 1988, em qual
traz uma nova visão das famílias, para além do conceito de tradicional,
abarcando um novo, amplo e pluralista. De acordo com o artigo 226CF/88,
não se pode mais limitar o pensamento sobre famílias, a constitu ída por
homem e mulher e suas proles, sendo hoje constituída como um núcleo

113
afetivo, com relações mútuas de convivência pública, duradoura e contínua,
decorrente do matrimônio, da relação monoparental e união estável.
A inconteste evolução do Direito das F amílias, consagrando uma visão
pluralista das entidades familiares não é pacífica, havendo ainda, autorizadas
vozes que discordam totalmente deste pressuposto, em principal, quando se
faz a análise do conceito de união estável como entidade familiar.
Encontramos uma dicotomia na doutrina que se reflete na
jurisprudência dos tribunais pátrios, que partindo ambos do mesmo prisma
constitucional, defendem pontos de vistas totalmente antagônicos.Pregam
alguns a defesa da livre escolha das partes na forma da cons tituição das
famílias, sem interferência estatal as proibindo, de modo que, havendo a
coexistência de relação afetiva, duradoura e pública, independente de
existirem ou não impedimentos legais a conversão em casamento formal,
estamos diante de uma união es tável.
De modo oposto, há a defesa que a previsão constitucional é expressa,
sendo a união estável um ―pré -casamento‖, uma união formada com o fim de
tornar-se casamento formal, e por isto inexiste impedimentos legais a sua
transmudação em matrimônio civil .
A discussão trazida no Direito das Famílias, tem grande importância
para as demais áreas do direito, em especial para o Direito da Seguridade
Social na análise da divisão da pensão previdenciária por morte. Mais uma
vez a dicotomia doutrinaria e jurispru dencial é presente, pois há a corrente
que pregando a autonomia do Direito da Seguridade Social (Previdenciário),
reconhece à companheira simultânea o direito à divisão da pensão por morte.
Defende esta corrente que para fins de previdência, basta a existê ncia
uma relação afetiva, duradoura, pública, notória com o fim de constituir
família e dependência econômica, para se caracterizar como dependente
previdenciário e, como consequência ter garantido à companheira simultânea
o direito à divisão da pensão por morte, com outra companheira ou esposa, do
segurado.
Opostamente a outra corrente defende que a ―concubina impura ou
adúltera‖, assim considerada a companheira simultânea, não lhe assiste os
direitos previdenciários destinados a esposa e a companheira (união estável),

114
vez que, sua relação com o segurado é es púria, adúltera, e fazendo uma
interpretação literal da Constituição Federal e do Código Civil, não pode ser
considerada como companheira.
Por não ser companheira, não viver em união estável, não faz jus à
divisão da pensão por morte, exceto se demonstrar que estava de boa -fé ou se
havia a separação de fato, separação judicial ou divórcio anterior a união
simultânea.
Certamente ainda demandará muito estudo, muito debate, mas
principalmente, mudança de paradigma cultural, para que se deixe de trazer
para o Direito moderno, vetustos conceitos, baseados em uma moral
―ultrapassada‖ e uma visão cultural das famílias ainda da idade média, para
que haja a pacificação no reconhecimento dos direitos as famílias
simultâneas, sejam na esfera civil como na previdenciár ia, com especial
aplicação à divisão da pensão por morte, entre a esposa e a companheira
simultânea, ou entre companheiras simultâneas.

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revogado pela Lei nº 10.406, de 20 02. Disponível em:
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115
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Pessoa com Deficiência). vigência a partir de 07 jan. 2016. Disponível em:
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STOLZE, Pablo. Direitos da(o) amante. Revista Jus Navigandi , Teresina: PI,
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VERAS, Érica Verícia Canuto de Oliveira. Famílias simultâneas um diálogo


sócio-jurídico. FIDES: Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da
Sociedade, ISSN-e 2177-1383, v. 4, n. 2, 2013, p. 70 -98 . Disponível em:
<http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4731874.pdf >. Acesso em: 3 set.
2015.

118
8 O DIREITO AO ESQUECIMENTO E O CASAMENTO DO
TRANSEXUAL: AFASTAMENTO DA ALEGAÇÃO DE FRAUDE
OU DE ERRO ESSENCIAL SOBRE A PE SSOA

M a rina R ib eiro da S ilv a


Mestranda em Direito pela Universidade Estadual
Paulista - UNESP. Estudante vinculada ao grupo de
pesquisa "Controle de Constitucionalidade e
Democracia: O Supremo Tribunal Federal e a relação
entre os Poderes na efetivação de Direitos‖. Advogada.
E-mail: ma_ribeiros@hotmail.com.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Transexualidade: entre a patologização e a


ressignificação. 2 Os direitos fundamentais da personalidade e de saúde
segundo o arcabouço jurídico pátrio. 2.1 A dignidade da pessoa humana e os
direitos da personalidade. 2.2 Uma questão física e mental: o contentamento e
a saúde. 3 A cirurgia de transgenitalização e a alteração do nome e da
identidade do sexo no registro civil. 4 O casamento do transexual e o direito
ao esquecimento. Conclusão. Referências .

RESUMO: O objetivo deste trabalho é apreender como a teoria do direito ao


esquecimento pode contribuir para que se afaste a alegação de fraude ou de
erro essencial sobre a pessoa no casamento do transexual. Para que tal
objetivo pudesse ser alcançado, utili zamos o método dedutivo bibliográfico.
A doutrina majoritária do ramo do direito de família imagina a seguinte
hipótese: um parceiro desconhece a condição de transexual de seu convivente,
tendo-o como pertencente ao sexo registral, e com ele contrai matrim onio.
Caso descubra que o parceiro nasceu com outro sexo biológico, pode
questionar o casamento e sua higidez, bem como tentar anular o ato sob o
fundamento de haver erro essencial sobre a pessoa ou fraude. Concluímos que
o transexual que se submeteu à red esignação cirúrgica e cível tem o direito ao
esquecimento de seu estado anterior, não possuindo o dever de expor sua
vivência a outrem.

Palavras–Chave: Direito ao esquecimento. fraude. casamento. transexual.

ABSTRACT: This work‘s aim is to understand how the theory of the right to
be forgotten can contribute to that departs fraud claim on the trans sexual
marriage. For this goal could be achieved, we use the bibliographic deductive
method. The majority doctrine of famil y law branch ima gine the following
hypothesis: a partner unaware of the condition of transsexual his cohabitant,
taking it as belonging to the registral sex, and it contracts marriage. If you
discover that your partner was b orn with another biological sex , can challenge
the marriage and their healthiness and try to nullify the act on the grounds of
having essential error about the person or fraud. We conclude that the
transsexual who underwent surgical and civil reassignment has the right to
119
oblivion of its previous state and does not have a duty to expose his
experience to others.

Key-Words: Right to be forgotten. scam. marriage. transsexual.

INTRODUÇÃO

O sexo de nascimento, o denominado sexo biológico, que consta em


nossas Certidões de Nascimento, é uma categoria deveras limitada para
explicar os papéis sociais comumente atribuídos ao homem e à mulher. Desta
forma, surge o gênero como uma esfera de análise das ciências sociais ,
questionando a conjecturada essencialidade da diferença dos sexos. Sob uma
perspectiva de gênero, as características especificamente masculinas e
femininas não são mais do que produtos de construções históricas, culturais,
sociais e políticas. Paralelame nte a isto, temos que u ma das camadas que
constituem a sexualidade de uma pessoa é a sua orientação sexual . As
sociedades vêm sendo, há séculos, inclementes com a sexualidade humana –
ela permanece, ainda nos nossos dias, como um dos objetos mais atingidos
pelo monitoramento e fiscalização sociais.
Para Guacira Lopes Louro 1, ser homem e ser mulher constituem -se em
processos que acontecem no â mbito da cultura, e a construção do gênero e da
sexualidade se dá ao longo de toda uma vida, de forma contínua e inf indável.
Para a autora, o maior desafio talvez seja admitir que as fronteiras sexuais e
de gênero, nos nossos dias, tem sido constantemente atravessadas – e é ainda
mais compl exo compreender e admitir ― que o lugar social no qual alguns
sujeitos vivem é exa tamente a fronteira. A posição de ambigüidade entre as
identidades de gênero e/ou sexuais é o lugar q ue alguns escolheram para
viver‖ 2.
O trabalho aqui desenvolvido procura apreender as condições reais e
jurídicas que permeiam o casamento do transexual, u m indivíduo que
experimenta a vida em terrenos fronteiriços. Para tanto, utilizaremos o
método dedutivo bibliográfico e discorreremos, ainda que brevemente, sobre

1
LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56),
maio/ago. 2008, p. 17 – 23. p. 19.
2
Ibid., p. 21.
120
as seguintes questões: a patologização da transexualidade, os direitos
fundamentais da person alidade e de saúde, a cirurgia de transgenitalização e a
mudança do prenome. O artigo culminará na exposição da teoria do direito ao
esquecimento, que, concluímos, deve ser aplicada de maneira a afastar a
argumentação de fraude ou de erro sobre a pessoa no casamento do
transexual.

1 TRANSEXUALIDADE: ENTRE A PATOLOGIZAÇÃO E A


RESSIGNIFICAÇÃO

No ano de 1952, um rapaz com pouco menos de três décadas de idade,


chamado George Jorgenses, veterano do exército norte -americano, se
submeteu à primeira cirurgia de transgenitalização no mundo, praticada pelo
médico dinamarquês Christian Hamburger. 3 Baseado neste acontecimento,
Harry Benjamin desenvolve, em 1953, o conceito de transexualismo – o autor
entendia que o sexo seria composto por uma série de fatores ( cromossômico,
genético, anatômico ou morfológico, genital, gonádico, legal, germinal,
endócrino, psicológico e social ), e que a predominância de um desses
componentes é o que definiria o sexo do indivíduo, em consonância com a
influência social sobre o comportam ento. 4 Benjamin destacou, em seus
estudos, que, excetuado o sexo genético, os outros tipos de sexo não seriam
fixos, e poderiam, desta forma, ser modificados por intermédio de tratamentos
hormonais ou procedimentos cirúrgicos. 5
Ana Paula Ariston Barion Per es elucida que, desde a década de 1950,
vários termos foram forjados com o intuito de designar o estado transexual.
Surgiram as expressões ―travestismo extremo, controsexismo, transexismo,
esquisosexualidade, transgenitalismo, transgeneralismo, transexuali dade,
entre outras‖ 6. Maria Helena Diniz fornece a seguinte classificação acerca da
transexualidade:

3
AR ÁN , Már cia ; ZAI DH AFT , S ér gio ; MU R T A, D a nie la. T ra n se x ua lid ad e: co rp o ,
s ub j et i vid ad e e sa úd e co let i va. Ps ico l. So c. , v. 2 0 ,n.1 , 2 0 0 8 , p . 7 0 -7 9 . p . 7 0 .
4
Ibid., p. 70.
5
Ibid., p. 70.
6
PERES, Ana Paula Ariston Barion. Transexualismo: o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. p. 123.
121
T r ans e x ua lid ad e é a co n d ição se x ua l d a p e s so a q ue r ej eit a s u a id e n tid a d e
ge n ét ica e a p ró p r ia ana to mi a d e s e u gê n ero , id e n ti fic a nd o - se
p si co lo g ica me n t e co m o gê n ero o p o sto . T ra ta - s e d e u m d r a ma j uríd ico -
ex i ste n ci al, p o r ha ver u ma c is ão e ntr e a i d en tid ad e s e x ua l fí sic a e
p síq u ica . É a i n ver são d a id e nt id ad e p si co s so cia l, q u e le va a u ma n e uro s e
r eac io nal o b se ss i vo -co mp u ls i va, ma n i fe st ad a p elo d es ej o d e r e ver s ão
se x ua l i nt e gr al . Co n st it ui , p o r fi m, u ma s í nd ro me ca rac ter izad a p e lo fato
d e u ma p e s so a q u e p erte n ce, g e no t íp ic a e fe no t ip ic a me n te, a u m
d eter mi n ad o se xo te r a c o n sc iê nc ia d e p er te nc er ao o p o s to . 7

A transexualidade é encarada, para a área da saúde, como um


transtorno de identidade, uma vez que, para o indivíduo transexual, não há
conformidade entre o sexo biológico e o gênero. 8 O que define, em última
análise, o diagnóstico de transexualismo nada mais é do que uma concepção
binária de gênero e de sexu alidade. Arán, Murta e Lionco professam que, em
tempos remotos, a possibilidade de mistura dos sexos era mais aceita, e que
foi somente a partir dos anos 1800 que as ― teorias biológicas da sexualidade e
as condições jurídicas impostas aos indivíduos conduz iram pouco a pouco à
refutação da idéia da mistura de dois sexos em um só corpo e restringiram a
livre escolha dos indivíduos incertos‖ 9. Assim, o dispositivo da sexualidade
instaurou a necessidade de saber, através da medicina, qual o sexo
determinado pel a natureza e, por consequência, aquele que a justiça exige e
reconhece.

2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAPERSONALIDADE E DE


SAÚDE SEGUNDOO ARCABOUÇO JURÍDICO PÁTRIO

Álvaro Ricardo de Souza Cruz 10 alerta que qualquer um que se


interesse por temáticas que tang enciem direitos dos transexuais deve partir da
premissa de que estes indivíduos tem seu cotidiano marcado pelo não direito,
pela discriminação plena. A população transexual, estigmatizada e

7
DIN I Z, Mar ia He le na. O e st a do a tua l do b io d ire ito . 8 . ed . S ão P a ulo : Sar ai v a, 2 0 1 1 . p .
316.
8
ARÁN, Márcia; MURTA, Daniela; LIONCO, Tatiana. Transexualidade e saúde pública no Brasil. Ciênc.
saúde coletiva, v. 14, n. 4, 2009, p. 1141-1149. p. 1141.
9
Ib id ., p . 1 1 4 2 .
10
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão
social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 121.
122
marginalizada, vem sofrendo um sem número de violações de seus direitos
humanos e fundamentais: d ificuldades de inserção no mercado de trabalho,
sentimentos de inadequação, violências verbais e físicas, rejeições familiares,
a lista é extensa e não encontra seu fim aqui.
Este trabalho, que se propõe a discorrer sobre a cirurgia de
transgenitalização, sobre a mudança de registro civil e sobre os
desdobramentos destas ações no âmbito do casamento do transexual, dará
especial ênfase ao direito de personalidade e ao direito à saúde, ambos
positivados no texto constitucional de 1988. A despeito da atribuição da Carta
Magna, que prevê a dignidade da pessoa humana e engloba o direito à
igualdade, os transexuais brasileiros veem subtraídas, diuturnamente, suas
garantias básicas. É o que veremos no texto que segue.

2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREITOS DA


PERSONALIDADE

A pessoa, segundo Miguel Reale, ―é o valor -fonte de todos os valores,


sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico; os direitos da
personalidade correspondem às pessoas humanas em cada sistema básico de
sua situação e atividades sociais‖ 11. Regina Beatriz Tavares da Silva,
reproduzindo lições de Carlos Alberto Bittar, determina que os direitos
fundamentais, protegidos em nossa Constituição Federal, sã o, em princípio,
os mesmos direitos da personalidade 12. A diferenciação jaz balizada pel o
âmbito das relações em que tais direitos são inseridos: se os vínculos são de
direito público, com vistas à proteção da pessoa em face do Estado,
chamamos esses direit os essenciais de direitos fundamentais; por outro lado,
se se tratam de encadeamentos de direito privado, com a finalidade de

11
REALE, Miguel. Os direitos da personalidade. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm>. Acesso em: 12 nov. 2015.
12
BITTAR, Carlos Alberto apud SILVA, Regina Beatriz Tavares da. A dignidade da pessoa humana: princípio
fundamental de direito constitucional e de direito de família. In: BITTAR, Eduardo C. B.; CHINELATO,
Silmara Juny. Estudos de direito de autor, direito da personalidade, direito do consumidor e danos
morais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 107 – 120. p. 113
123
proteção da pessoa em face de outros indivíduos, chamamos esses direitos
essenciais de direitos da personalidade 13.
Tepedino entend e que os direitos da personalidade, concebidos em
uma ―natureza marcadamente civilista, devem ser revisitados, re -estudados na
perspectiva do exercício da cidadania e dos direitos humanos, especificamente
no que concerne à relação em que a pessoa se torna mais vulnerável: as
relações de direito privado ‖ 14. Isto porqueo Código de 1916, a partir do
advento da Constituição de 1988, perdeu a qualificação de centro do sistema
do direito privado, como era denominado, e passou a ter função residual
dentro do ordenamento jurídico pátrio 15. Hoje temos em vigência o Código
Civil de 2002 e a percepção de que a Constituição é protagonista de nosso
sistema jurídico, atuando como filtro pelo qual se deve ler o direito em geral,
inclusive as matérias de Direito Civil 16.
Nesta toada, Flávio Tartuce 17 conceitua os direitos da personalidade
como aqueles direitos inerentes à pessoa e à sua dignidade e elenca seus cinco
ícones principais, a saber, a vida/integridade física, a honra, a imagem, o
nome e a intimidade, todos em consonância com o art. 5º da Constituição
Federal. Cada uma dessas nuances dos direitos da personalidade foi
desvelada, a seu tempo, em um processo de construção social, jurídica e
política:

Co mo j á d i s se, cad a d irei to d a p e rso n al id ad e se vi n c ul a a u m va lo r


fu n d a men ta l q ue se r e v ela a tra v és d o p ro c es so hi s tó rico , o q u al não s e
d ese n vo l ve d e ma n eir a li near , mas d e mo d o d ive rs i fi cad o e p l ur a l,
co mp o n d o a s v ár i as ci vi li za çõ e s , na s q ua i s há v a lo r es fu n d a n te s e va lo r es
ace s só r io s, co ns ti t ui n d o aq uel e s a s q u e d e n o mi no in va r ia n t es
a xio ló g ica s. E st a s p arec e m i na ta s, ma s a s si n ala m o s mo me n to s te mp o ra i s
d e maio r d u ra çã o , c uj o co nj u nto co mp õ e o h o ri zo n te d e cad a cic l o
es se n cia l d a v id a h u ma na. E mp r e go aq ui o t er mo ho ri zo nte no se n tid o
q ue l he d á J a sp er s, r ec ua nd o à med id a q ue o ser h u ma no a v a nç a,

13
Ibid., p. 113.
14
TEPEDINO, Gustavo José Mendes. Cidadania e direitos da personalidade. Cadernos da Escola de Direito e
Relações Internacionais da Faculdades do Brasil, Curitiba, v. 2, p. 15 - 31, 2003. p. 15.
15
MONTEIRO FILHO, Edison do Rêgo. Rumos cruzados do direito civil pós-1988 e do constitucionalismo de
hoje. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade
constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 262 – 281. p. 263.
16
BARROSO, Luís Roberto. A Constitucionalização do Direito e do Direito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo
(org.). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas,
2008. p. 238 – 261. p. 258.
17
TARTUCE, Flávio. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.
878, 28 nov. 2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9436-9435-1-
PB.pdf> . Acesso em: 21 jul. 2014. p. 2.
124
ad q u ir i nd o no v as id é ia s o u id e ai s, a s si m co mo no vo s i n st r u me n to s
r ecl a mad o s p elo b e m d o s i nd i v íd uo s e d as co le ti v id ad e s. Ora, a ca d a
ci vi li zaç ão co r r esp o nd e u m q uad ro d o s d i reito s d a p er so n al id ad e,
enr iq ue cid a e s ta co m n o va s co n q u is ta s no p la no d a se n sib il id ad e e d o
18
p en sa me nto , gr aç a s ao p ro gr es so d as ci ê nci a s na tu rai s e h u ma n as .

Irrenunciáveis e intransmissíveis, segundo disposição do art. 11 do


Código Civil , os direitos da personalidade têm como objeto os atributos
físicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais, na defesa da
essência do ser humano 19. Ramos defende que não restam dúvidas de que a
―atribuição do nome e da identidade sexual de uma pessoa, assim como aquel a
que consta no registro de nascimento, resulta do direito da personalidade ‖ 20.O
jurista bem observa que cabe a cada um definir a sua personalidade:

Co mo u m d o s d i rei to s d a p er so na lid ad e, te m o i nd i v íd uo o d ir eito a u m a


id e nt id ad e p e s so al , q ue se g u nd o R ub e ns Li mo n g i F ra nç a, ―é o d ire ito q u e
te m a p e sso a d e s er c o n he cid a co mo aq uel a q ue e la é, e d e não s er
co n f u nd id a co m as o utr a s p e s so a s.‖ Co ns ti t ui o l aço d e l i gação [ sic ] e n tr e
o ind i víd uo e a so ci ed a d e e m ge ral , q u e não s e ma n i fe s ta so me nt e p e lo
no me , ma s ta mb é m p o r o u tro s c ara cter e s, co mo o s e xo , e q u e vã o
in f l ue n ci ar na fo r ma d e trat a me n to d e st a p e sso a no s d i ver so s co nj u n to s
21
só c ia s q ue ela fr eq üe n ta e m s ua v id a, co mo a fa mí l ia, o s n e gó cio s, et c.

Desta forma, a personalidade humana deve ser considerada, sobretudo,


como um valor jurídico impr escindível, ―insuscetível, pois, de redução a uma
situação jurídica-tipo ou a um elenco de direitos subjetivos típicos , de modo
a se proteger eficaz e efetivamente as múltiplas e renovadas situações em que
a pessoa venha a se encontrar, envolta em suas pró prias e variadas
circunstâncias‖ 22.

2.2 UMA QUESTÃO FÍSICA E MENTAL: O CONTENTAMENTO E A


SAÚDE

Até a promulgação de nossa atual Constituição Federal, em 1988,


nenhuma outra Carta havia feito menção, de maneira expressa, à saúde como

18
REALE, op. cit., p. 3 – 4.
19
SILVA, op. cit., p. 114.
20
RAMOS, Miguel Antonio Silveira. Anotações sobre a validade do casamento do transexual (e do intersexual)
após a redesignação de sexo. Âmbito Jurídico, v. 29, 2004, p. 1035 – 1044. p. 1037.
21
RAMOS, op. cit., p. 1038.
22
TEPEDINO, op. cit., p. 18.
125
parte integrante do interesse público e com o ―princípio -garantia em benefício
do indivíduo, pois nas Constituições anteriores a assistência à saúde era
assegurada ao indivíduo, exclusivamente na condição de trabalhador‖ 23. Ao
arrolar o direito à saúde no art. 6º, a Constitui ção brasileira assegura o
exercício de tal direito social, e garante que a saúde é direito de todos e dever
do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação
(art. 196, CF/1988).
O Texto Constitucional, além de assegurar o direito à saúde à
totalidade dos cidadãos, garante também o direito ao próprio corpo. Ramos
afirma que a saúde pode ser entendida tanto como um ponto de normalidade
orgânico-funcional físico e mental, quanto um estado de bem -estar hábil a
propiciar o ideal desenvolvimento da personalidade 24. Essa problemática, no
que toca à cirurgia de transgenitalização, é assim exposta por Vieira:

Não se tr a ta d e u ma me r a cir ur g ia e sté ti ca p a ra sa ti s fa zer u m cap r ic ho o u


va id ad e . A ci r ur gia d e a d eq u ação d o se xo a natô mi co ao se xo p si co ló g ic o
o b j eti va me l ho r ar a s aúd e d o p ac ie n te, b e n efic ia nd o o co nj u nto e
fa ci li ta nd o s ua so c iab il i d ad e. A cir u r gia , é e v id en te, n ão vi sa a u m d a n o
ao co r p o d o tr a n se x ua l, ao co ntr ário . [. ..] De sta rte, ao recl a mar a
r eal iza ção d e u ma cir ur gi a d e ad eq u ação d e se x o , n ão e st á o tra n se x u al a
d ef e nd er o d ir e ito d e e mb e le zar - se p o r s i mp l es va id ad e , ma s o b j et i va e le
a p r o teção ao se u d ire it o à saúd e, n ão mere ce n d o tal p rát ica e sb ar rar e m
u ma p r o ib i ção . A sa úd e d e u m i nd i v íd uo é mu i to mai s i mp o r ta n te q u e a
25
ma n u te n ção d e u ma p art e d o co rp o [ ...].

Por conseguinte, enquanto não obtiver reconhecimento de sua real


identidade de gênero, o indivíduo transexual não logrará atingirintegralmente
qualquer estado de bem estar, ―[...] uma vez que o desequilíbrio entre sua
sexualidade biológica e psíquica o priva da tranqüilidade e da feli cidade
suficiente e necessária para o pleno desenvolvimento de sua identidade
sexual, e, por via de conseqüência adquirir uma estabilidade psicológica
suficiente para que possa ter uma vida digna na sociedade ‖ 26.

23
MARTINS, Wal. Direito à saúde: compêndio. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 47.
24
RAMOS, op. cit., p. 1039.
25
VIEIRA, Tereza Rodrigues. O direito à saúde e o transexual. Novos Estudos Jurídicos, v. 4, n. 7, p. 77 – 82,
15 out. 1998. p. 77 – 78.
26
RAMOS, op. cit., p. 1039.
126
3 A CIRURGIA DE TRANSGEN ITALIZAÇÃOE A ALTERAÇÃO DO
NOME E DA IDENTIFICAÇÃO DO SEXO NO REGISTRO CIVIL

Maria Berenice Dias27 professa que, ao longo do século XX, a evolução da técnica
cirúrgica, que possibilitou a alteração da morfologia sexual externa, de modo a equiparar a
aparência ao gênero de identificação, não foi acompanhada por um avanço na legislação
brasileira, uma vez que não existia qualquer previsão legal regulando a realização do
procedimento de redesignação sexual:

O IV Congresso Brasileiro de Medicina Legal,realizado em São Paulo no ano de 1974,


classificou como mutilante – e não como corretiva – a cirurgia para troca de sexo.
Tipificada como lesão, sob o ponto de vista penal, a conclusão a que se chegou foi que a
intervenção feria o Código de Ética Médica. Alcançougrande repercussão a condenação
do cirurgião plástico Roberto Farina à pena de dois anos de reclusão por infringência ao
art. 129, § 2º, do Código Penal. Acabouprocessado, porque, no XV Congresso de
Urologia realizado em 1975, exibiu um filme de uma cirurgia de reversão, referindo que já
a havia realizado em nove pacientes. O lúcido parecer exarado pelo jurista Heleno Cláudio
Fragoso entendeu que o réu atuou dentro dos limites do exercício regular do direito (art. 23,
III, do CP), não praticando crime algum. Afirmou que a condenação revela data venia a
carga de reprovação moral própria do espírito conservador de certos magistrados. O
Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em 06/11/1979, acabou por absolver o acusado,
por decisão majoritária, assim ementada:Não age dolosamente o médico que, através de
cirurgia, faz a ablação de órgãos genitais externos de transexual, procurando curá-lo
ou reduzir seu sofrimento físicoou mental. Semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem
pelo Código de Ética Médica.28

Foi apenas em 1997 que o Conselho Federal de Medicina (CFM), por intermédio da
Resolução n. 1.4821, autorizou a realização de cirurgias de transgenitalização em pacientes
transexuais no país. A resolução que legalizou a intervenção cirúrgica partia do pressuposto
de que ―[...]o paciente transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade
sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou auto-extermínio‖29. Para que
pudesse ser operado, o paciente deveria, portanto, seguir um programa de tratamento
meticuloso, ―[...] que inclui a avaliação de equipe multidisciplinar e acompanhamento
psiquiátrico por no mínimo dois anos, para a confirmação do diagnóstico de
transexualismo‖30.

27
DIAS, Maria Berenice. Transexualidade e o direito de casar. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_transexualidade_e_o_direito_de_casar.pdf> . Acesso em 08
set. 2015. p. 1.
28
DIAS, op. cit., p. 2.
29
ARÁN; MURTA; LIONCO, op. cit., p. 1142.
30
Ibid., p. 1143.
127
Realizada a cirurgia, e adaptado o sexo anatômico à identidade sexual, busca-se a
alteração do nome e da identificação do sexo no registro civil. O sistema jurídico brasileiro,
conforme ensina Dias, ―consagra o princípio da imutabilidade do nome, não chancelando
qualquer pretensão do transexual à mudança do prenome‖31. A Lei n. 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, dispõe sobre os registros públicos. No art. 58, determina que o prenome é
definitivo, admitindo-se, no entanto, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
Seguindo-se a lógica da inalterabilidade do prenome, a Lei confere a possibilidade, em seu
art. 56, de o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, alterar o nome,
desde que não prejudique os apelidos de família. A alteração posterior de nome, em casos
excepcionais e motivados, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença
do juiz a que estiver sujeito o registro (art. 57 da Lei n. 6.015/1973).
Olga Juliana Auad sublinha a seguinte incoerência: ―[...] como poderia alguém
passar por um procedimento cirúrgico, em busca de sua melhor adaptação, tentando a junção
do sexo psicológico com o biológico e, ao mesmo tempo, ser considerado pelo Estado como
do sexo originário?‖32 A discrepância apontada é capaz de causar uma série de embaraços e
constrangimentos para o transexual que não lograr a mudança de seu prenome e continuar,
indefinidamente, a ser identificado pelo nome original, que consta em sua Certidão de
Nascimento.
Ocorre que, apesar da ausência de permissão legal, a jurisprudência brasileira tem
entendido que a mera alteração do nome civil não implica prejuízo algum para a sociedade, e
garante dignidade àquele que a pleiteia – grifo nosso:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL DE


NASCIMENTO. MUDANÇA DE SEXO. TRANSGÊNERO. Quando está comprovado
que a retificação do registro de nascimento não trará qualquer prejuízo à sociedade e,
sobretudo, garante a dignidade da pessoa humana daquele que a pleiteia, cumpre a
procedência do pedido. A identificação de gênero não está vinculada aos órgãos
genitais, mas, sim, à identificação psíquica do ser humano. Precedentes desta Câmara.
DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70066488081, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: AlzirFelippeSchmitz, Julgado em 29/10/2015). 33

Este entendimento recente segue posicionamento do Superior Tribunal


de Justiça (STJ), que vem autorizando a alteração do ―nome que consta do

31
DIAS, op. cit., p. 2.
32
AUAS, Olga Juliana. Transexualismo: a proteção constitucional ao direito de redesignação do estado sexual.
2006. 195 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social Universidade
Estadual Paulista, Franca. p. 144.
33
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Acórdão da Oitava Câmara Cível n. 70066488081 RS.
Relator: SCHMITZ, AlzirFelippe. Publicado no DJ de 03/11/2015.
128
registro civil, bem como a alteração do sexo. Entretanto, consigna que a
averbação deve constar, apenas do livro cartorário, vedando qualquer menção
nas certidões do registro público, sob pena de manter a situação
constrangedora e discriminatória‖ 34. O Tribunal pauta-se na compreensão de
que o nome é muito mais do que um acessório da pessoa, ele é parte intrínseca
da personalidade – assim, ao proteger o nome, o Código Civil não fez nada
além de concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, que deve ser observado a todo o tempo, para todos os indivíduos 35.

4 O CASAMENTO DO TRANSEXUAL E O DIREITO AO


ESQUECIMENTO

Em 2004, Miguel Antonio Silveira Ramos, ao falar do casamento do


transexual, elegeu as seguintes hipóteses: i) a hipótese de um transexual, já
casado com pessoa de sexo biológico distinto do seu, se submeter ao processo
de transgenitalização e mudança de registro civil; ii) a hipótese de um
transexual sem impedimentos ao matrimônio, depois da cirurgia e da alteração
do nome, casar-se com pessoa de sexo oposto ao seu. 36A respeito da primeira
conjectura, temos que, desde 2010, a partir do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 132 pelo Supremo Tribunal F ederal, pessoas do
mesmo sexo podem viver em união estável, equiparada ao casamento. Desta
forma, se um casal anteriormente composto por membros de sexos distintos,
após a transgnitalização de um deles, pode manter a relação matrimonial s e
assim desejar. C aso os cônjuges compreendam que as mudanças não mais
convêm ao casal, nada impede que dissolvam os laços matrimonias.A segunda
hipótese levantada por Ramos é, ainda aos olhos de hoje, complexa:

P r o b le ma p o d e s ur gir c aso o tr a ns e x ua l não i n fo r me a s u a co nd ição d e


tr a n se x ua l ao f ut uro cô nj u g e a n te s d o ca sa me n to . N es te ca so , ao to ma r
co n h eci me nto d o fato , s e es tar ia d i a nt ed e u m c aso d e erro e s se nc ial e m

34
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. O direito dos indivíduos transexuais de alterar o seu registro
civil. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/Print/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/O-direito-
dos-indiv%C3%ADduos-transexuais-de-alterar-o-seu-registro-civil>. Acesso em 13 nov. 2015. p. 1.
35
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, op. cit. p. 1.
36
RAMOS, op. cit., p. 5.
129
r ela ção a p e s so a d o cô nj u g e, cap a z d e vic iar o co ns e nt i me n to , u ma v ez
q ue fo i ma n i fe s tad o e m d esa co rd o co m a real id a d e (fa lt a d e co n h eci me nt o
d a id e n tid ad e a n ter io r d o o u tro cô nj u ge e d e s ua at u al id e nt id ad e d e
tr a n se x ua l r ed e si g n ad o ) e q ue to r ne i ns up o r tá v el a v id a e m co mu m. P a ra
tal, p o r fo r ç ca d o art i g o 1 5 6 0 , III, d o CCB , e st e co n hec i me n to d e ve se
d ar no s p r i me iro s 3 a no s d o c as a me n to . A p ó s, re s tará so me nt e a
alt er na ti va d a d i sso l uçã o d a so c ied ad e co nj u ga l p o r me io d a sep a raç ã o ,
q ue ho j e j á não n ece s si t a ma i s d e u ma mo ti va çã o esp ec í fi ca, ao co ntr ari o
d as d i sp o s içõ e s d o s art i go s 1 .5 7 2 e se g ui n te s d o C CB . 37

Maria Berenice Dias coaduna com o raciocínio exposto por Ramos. A


autora determina que não é dificultoso vislumbrar a hipótese de que um
indivíduo, ignorando o estado de transexualidade de seu parceiro, e
acreditando-o pertencendo ao sexo registrar, com ele co ntraia matrimônio –
―[...] merece questionar -se sobre a existência do casamento e sua higidez,
bem como se o ato pode ser anulado sob o fundamento de haver ocorrido erro
essencial sobre a pessoa ou mesmo fraude, inclusive porque, com a cirurgia
de reversão, ocorre a esterilidade ‖ 38. Para Dimitri Sales, a população
transexual tem a valentia de romper a vinculação de sua personalidade ao
sexo biológico, tecendo suas vidas de acordo com o reconhecimento de sua
identidade de gênero. 39 Seria muito injusto, muito indigno, exigir que
transexuais professem que foram registrados, quando de seu nascimento, em
outro sexo. Isto porque

A luta pelos direitos de travestis e transexuais começa pelo direito de serem enxergadas
como são, como arquitetam suas histórias, como expressam sua sexualidade. [...] O direito
à visibilidade é o ponto de partida. Dele emana a principal garantia desta população: Direito
ao Esquecimento. [...] Para o exercício de direitos humanos, é preciso assegurar o
reconhecimento da identidade real de travestis e transexuais, esquecendo aquela de
nascimento. A primeira tarefa é promover judicialmente a mudança do nome e sexo. Depois
disso, a luta será para equiparar os direitos à nova identidade juridicamente reconhecida.
[...] Esquecer o passado destas pessoas significa reconhecer quem elas são de fato.
Respeitar a real identidade é indispensável para promover a sua dignidade humana, que
também é constituída pela sexualidade!40

Sales pugna, então, pela utilização da doutrina do Direito ao


Esquecimento a estes casos, para que se afaste a alegação de erro essencial
sobre a pessoa ou fraude. A mencionada teoria surgiu na jurisprudência do
Tribunal Constitucional Federal Alemão na década de 1970, e foi encarado,
37
RAMOS, op. cit., p. 7 – 8.
38
DIAS, op. cit., p. 3.
39
SALES, Dimitri Nascimento. Direitos de Travestis e Transexuais. Blog Direitos iGuais - Portal iGay/iG, São
Paulo - São Paulo, 30 jan. 2014.p. 1.
40
Ibid. p. 1.
130
com caráter de ineditismo, pelo Superior Tribunal de Justiça Brasileiro em
2013.Caravalho e Dantas descrevem que o direito de ser deixado em paz se
insere em uma polêmica seara entre a liberdade decomunicação social e os
direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à im agem, ―colisão queestá na
base da consecução do direito ao esquecimento, caminham na direção de uma
máximacomplexidade no modelo social atual, caracterizado pelo alastramento
incontrolável da notícia e – pior – da não notícia‖. 41 A aplicação proposta por
Sales, em tudo cabível, respeita o ideal da Constituição de 1988, que prevê
que o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana deve prevalecer
acima de todos os outros. O transexual que se submeteu à cirurgia e à
mudança de seu registro civil tem o direito de esquecer sua qualidade
anterior, e deve vislumbrar a chance de viver seus dias para além dos rótulos,
para além das discriminações.

CONCLUSÃO

As práticas jurídicas e o direito brasileiros tem-se deparado, nas


últimas décadas, com indivíduos que desafiam, com seus corpos e com suas
escolhas, os binarismos de masculino/feminino, de homem/mulher, de XX/XY,
etc. A transexualidade trouxe desafios para uma série de doutrinas e
disciplinas – do Direito Previdenciário ao Direito do Trabalho, do Direito
Penal ao Direito de Família, todos os ramos vêm encarando situações novas,
que não haviam sido, até então, cogitadas pelo conjunto normativo pátrio.
A problemática aqui abordada se insere nesta discus são. Procuramos,
ao longo do trabalho, traçar como, no Brasil, se deu o sistemática
(des)respeito aos direitos fundamentais da personalidade e da saúde da
população transexual. Após submeter -se a um diagnóstico que o considera
doente, portador de uma síndr ome comportamental, o transexual pode,
finalmente, passar por uma cirurgia de transgenitalização, equiparando seu
gênero psicológico à sua anatomia externa. Feito isso, passa por uma outra

41
CARVALHO, Ivan Lira de; DANTAS, RafhaelLevino. Direito ao esquecimento: delineamentos a partir de um
estudo comparado de leading cases das jurisprudências alemã e brasileira. In: XXII Encontro Nacional do
CONPEDI, 2013, São Paulo. Direitos Fundamentais e Democracia I. Florianópolis: CONPEDI, 2013. v. 22.
p. 336-359. p. 357.
131
batalha, pelos trâmites burocráticos e judiciais que possibilitarão a mudança
do registro civil.
Caso este mesmo transexual, após toda a epopeia descrita, contrair
matrimônio, pode ter imputadas sobre si as alegações de erro essencial sobre
a pessoa ou fraude, se seu cônjuge sentir -se ludibriado por desconhecer seu
passado, seu gênero registrado em Certidão de Nascimento. Concluímos que,
em tal situação, o Direito ao Esquecimento deve ser invocado, de forma a
garantir que o transexual logre viver de acordo com aquilo que escolheu.

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133
9 O DIREITO DAS FAMÍLIAS: PARENTALIDADE E SUAS
DIVERSAS VERTENTES

Renato Henrique Rehder


Me stra nd o no P ro gra ma d e P ó s Gr ad uação
e m Dir ei to p el a F C HS – Une sp Fra nc a.
Ad vo gad o .

SUMÁRIO: Introdução. 1 O Direito das Famílias. 2 O Casamento e a União


Estável no Direito d as Famílias. 3 Formas Contemporâneas de Família e
Parentalidade. Conclusão. Referências.

RESUMO: O direito de família já não comporta o entendimento outrora


emanado pela doutrina clássica. A globalização e a dinamicidade das
relações interpessoais fizeram com que novas formas de famílias surgissem,
nascendo, daí, a expressão direito das famílias. O presente artigo analisará
as formas contemporâneas de famílias e, para tanto, abordará o instituto do
casamento e da união estável sob a perspectiva do direito das famílias. Da
mesma forma, será analisado a qu estão da socioafetividade na formação de
novos núcleos familiares, oportunidade em que será contextualizado
algumas formas contemporâneas de famílias. Finalmente, será investigado a
questão da pluriparentalidade no campo doutrinário e jurisprudencial.

Palavras-Chave: direito das famílias; formas contemporâneas de famílias;


parentalidade.

ABSTRACT: The right Famil y no longer involves the understanding once


issued by the classical doctrine. Globalization and the dynamism of
interpersonal relations made new forms of families rise, rising, hence the
expression on the right side of the families. This article will examine the
contemporary forms of families and, to this end, will address the institute of
marriage and stable under the perspective of the rights of families.
Similarl y, will be anal yzed the issue of socioafetividade in the formation of
new families, opportunit y in which will be contextualized some
contemporary forms of families. Finall y, will be investigated the issue of
pluriparentalidade in the doct rinal and jurisprudential field.

Keywords: rights of families; contemporary forms of families; parenting.

134
INTRODUÇÃO

O direito de família, por um longo período, teve como característica


principal regulamentar a relação advinda através do casamento contraído
entre o casal heterossexual (homem e mulher), bem como a partilha dos bens
advindos desta comunhão. Ocorre que, contemporaneamente, novas formas de
relacionamento surgiram e, consecutivamente, foram configuradas novas
entidades familiares dando o rigem ao direito das famílias.
O presente artigo trará a alteração do paradigma do direito de família
para o direito das famílias, possuindo o recorte a parentalidade a partir dos
institutos do casamento e da união estável, inclusive, de relações
homoafetivas. Busca-se, ainda, analisar a socioafetividade na perspectiva de
criação de novos vínculos familiares e, ao final, será debatido a da
possibilidade do reconhecimento afetivo em documentos oficiais, ou seja, se
existe a possibilidade de constar o nome d o genitor biológico e também
daquele advindo da relação socioafetiva.
Para a consecução dos fins pretendidos, na elaboração deste trabalho,
optou-se pela pesquisa bibliográfica em artigos científicos, livros e literatura
voltados aos direitos das famílias e, ainda, na legislação pátria, sendo que o
principal método utilizado foi o indutivo -dedutivo.

1 O DIREITO DAS FAMÍLIAS

O direito das famílias é uma expressão contemporânea que veio


substituir a ideia de direito de família. Importante ponderar que não se trata
de eufemismo, pelo contrário, a forma plural contida na expressão é adequada
a intitular as várias formas de famílias que se originaram ao longo dos
tempos. Ensina Maria Berenice Dias 1 que a expressão direito das famílias ―é a
que melhor atend e à necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção, as
famílias, todas elas, sem discriminação, tenha a formação que tiver.‖.

1
DI AS, M ar i a B er e nic e . M a nua l de d ire ito d a s fa mí l ia s . São P a u lo : Ed . Re v is ta d o s
T rib u na is , 2 0 1 5 . p .3 0 .
135
Neste sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 2,
apontam:

Os v alo r e s q ue i n sp ir a m a so ci ed ad e co n te mp o r â nea so b r ep uj a m e
r o mp e m, d e fi n it i va me n t e, co m a co ncep ção tr ad ic io nal d e fa mí lia . A
ar q u it et ur a d a so ci ed ad e mo d er na i mp õ e u m mo d e lo d e fa mi li ar
d esc e ntr al izad o , d e mo c ráti co , i g ua li tár io e d es ma ri tri mo n ia liz ad o . O
esco p o p r e cíp uo d a fa mí l ia p as sa a s er so l id aried a d e so c ia l e d e ma i s
co nd içõ e s nec es s ária s a o ap er feiço a me n to e p r o gre s so h u ma no , re gid o o
n úc leo f a mi li ar a feto , co mo mo la p ro p ul so ra.

Assim, a perspectiva clássica de família como sendo o casal


heterossexual, com ou sem filhos, dá lugar a uma pluralidad e de novas
modalidades de famílias, tais como: família mosaico, anaparental,
socioafetiva, monoparental, pluriparental, etc. Isso decorre das alterações
legislativas e jurisprudenciais que vieram a reconhecer o poder familiar frente
ao pátrio poder, a faci litação ao divórcio, o reconhecimento da união estável,
inclusive, a homoafetiva, etc., sendo que tais conquistas foram determinantes
para a disseminação e configuração de novas espécies de entidades familiares.
Ensina Sálvio de Figueiredo 3:

A fa mí l ia co n t e mp o râ n e a s e e xp re ss a p e la car ac terí s tic a d a co mu n h ã o d e


vid a, s ej a p o r me io d o cas a me n to , sej a p o r me io d a u ni ão d e fa to , sej a
p elo s ví nc u lo s d e p a re nt e sco , o q ue s e co mp r ee nd e d ia nt e d a i ne gá v el
evo l ução d a f a mí li a, q u e ho j e não s e fu nd a m ai s so me n te e m to r no d o
cas a me n to , d ad a a i n te n si fica ção d o fe nô me no d o co nc ub i na to n a es fer a
d a p r o teç ão j ur íd i ca, d o se u re co n hec i me n to p ela Car ta d e 1 9 8 8 e s ua
ele va ção à c ate go r ia d e e nt id ad e fa mi l iar (2 2 6 , § 3 º ), as s i m co mo d a
va lo r i zaç ão d o a sp e cto a fe ti vo so b r e o fo r ma l.

O direito das famílias, portanto, é um instituto em pleno e contínuo


desenvolvimento, sendo resultado da difusão de novas formas de
relacionamentos, sobretudo, face à globalização que otimizou as relações
interpessoais. Aponta Maria Berenice Dias 4:

O i n f l u xo d a c ha ma d a glo b al iza ção i mp õ e co n st ate al ter ação d e r e gra s,


lei s e co mp o r ta me nto s. No e nt a nto , a ma i s árd u a tare fa é mu d ar as r e gr as

2
F ARI AS, Cr i st ia no C h av es d e ; R OS SE NV AL D, Ne lso n . Dir eito da s fa míl ia s. R io d e
J ane iro : Lu me n j ur is , 2 0 0 8 . p . 4 .
3
FI GU EI RED O, Sá l vio . et al l. Co me ntá rio s a o No v o Có d ig o Civ il - D o Di rei to P e s so a l.
v. XVI I. Rio d e J a ne ir o : Ed ito r a Fo re n se. 2 0 1 3 . p . 3 3 .
4
DI AS, M ar i a B er e nic e . M a nua l de d ire ito d a s fa mí l ia s . São P a u lo : Ed . Re v is ta d o s
T rib u na is , 2 0 1 5 . p .3 1 .
136
d o d ir e ito d a s f a mí lia s. Is to p o rq u e é o ra mo d o d ire ito q ue d iz co m a
vid a d a s p e s so a s, se u s s en ti me n to s, e n fi m, co m a al ma d o s er h u ma no . O
le gi s lad o r não co n se g u e aco mp a n har a rea lid ad e so c ia l n e m co mt e mp l ar
as i nq uie ta çõ e s d a fa míl ia co nt e mp o râ ne a. A so ci ed ad e e vo l u i ,
tr a n s fo r ma - s e, r o mp e - s e co m a s trad içõ e s e a marr as , o q ue g era a
ne ce s sid ad e d e o x i ge na ç ão d a s l ei s.

No plano constitucional, a Constituição Federal de 1988 inovou ao


elencar em seu texto um capitulo próprio intitulado ―Da Família, Da Criança,
do Adolescente, do Jovem e do Idoso‖. A proteção é estabelecida a partir do
art. 226 ao definir ser a família a ―base da sociedade‖. Da mesma forma,
reconheceu a união estável, todavia, tanto a Carta Política (art. 226, §3.º)
quanto o Código Civil (art. 1.723) reconheceram apenas a união estável
através da relação entre o homem e a mulher, ou seja, não enc ontra-se
implícitos o reconhecimento da união estável por casais homossexuais, sendo
esta uma construção jurisprudencial.
Pondera-se, contudo, que apesar de a legislação pátria, em seu texto
legal, não prever tal possibilidade, certo é que o Supremo Tribun al Federal
através do julgamento da ADI 5 n.º 4277 e da ADPF 6 n.º 132, admitiu a
possibilidade do reconhecimento da união estável advindos da relação de
casais homossexuais. Nota -se, portanto, que através da provocação dos
Tribunais Superiores e, sobretudo, do ativismo judicial, direitos até então não
tutelados, foram reconhecidos em detrimento do Poder Legislativo não
conseguir acompanhar, com a mesma dinamicidade, a modificação das
relações sociais e comportamentais.
Neste contexto, Cristiano Chaves de Far ias e Nelson Rosenvald 7 ao
analisar as formas contemporâneas de famílias pondera que a dinamicidade
das relações interpessoais ao constatar que ―a família está sempre se
reinventando, se reconstruindo.‖.

5
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade;
6
ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental;
7
DE FARIAS, Cristiano Chaves e ROSSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen juris,
2008. p. 9.
137
2 O CASAMENTO E A UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO DAS FAMÍLIAS

O casamento e a união estável não implicam apenas no


reconhecimento, pelo Estado, da união entre duas pessoas, independentemente
da opção e orientação sexual, mas, sim, através destes institutos surgem uma
gama de direitos, tais como: previdenciá rios, sucessórios, patrimoniais, etc.,
os quais repercutem nas relações interpessoais.
Em se tratando do instituto do casamento, ensina Fustel de Coulanges 8
que na Grécia Antiga a mulher ao contrair as núpcias deixava de integrar a
família de seus pais, pa ssando a fazer parte da família de seu marido:

D ua s f a mí lia s vi v e m ao lad o u ma d a o utr a; ma s te m d e u se s d i fer e nt es .


N u ma d e la s, a me n i na t o ma p ar te, d e sd e cr ia nç a, na re li g ião d o p ai ; e l a
in v o ca s ua la r eir a; o fere ce -l h e to d o s o s d ia s l ib açõ e s, c erca - a d e flo r es e
g ui r la nd as no s d ia s d e fes ta, p ed e -l h e p ro te ção , agr ad ec e -l h e o s fa vo re s.
Es sa lar eir a p a ter na é o se u d e u s. Se u m j o v e m d a fa mí l ia v iz i n ha a p ed ir
e m c as a me n to , tr a ta - se p ara e la d e al go mu i to d i fere n te d e p as sa r d e u m a
cas a p ar a o u tr a. T rat a - s e d e ab a nd o na r o lar p a t erno p ara p a s sar a i n vo c ar
o lar d o mar id o . T rat a -s e d e mu d ar d e rel i gi ão , d e tra tar o u tro s rito s e d e
p r o n u nc iar o utr a s p r ece s .

Aponta Maria Manuela da Costa 9 que o caráter místico do casamento,


comtemplado na Antiguidade, transform a-se em divino na Idade Média,
passando a ser considerado como sacramento através da intervenção divina.
Todavia, a celebração religiosa inicia -se apenas no século XVI através do
Concilio de Trento. No Brasil, por longo período, apenas o casamento
religioso, pela Igreja Católica, era reconhecido. Aponta Sílvio de Salvo
Venosa 10 que:

( ...) na ép o c a d o I mp ér i o , ap e na s co n he cia o ca sa me n to c ató lico , p o r s er


a r el i giã o o fic ia l d o E st ad o . Co m a p re se n ça cr esc e nt e d a i mi g ra ção e d e
p es so a s q u e p r o fes sa v a m re li g iõ e s d i ver sa s, i n st it u i -s e, ao lad o d o
cas a me n to e cle s iá st ico , o d e na t urez a c i vi l, p e r mi t i nd o a u n ião d e c as a is
d e sei ta s d i s sid e nte s, p o r lei d e 1 8 6 1 . A p art ir d e en tão , p a s so u - se a
p er mi tir , al é m d o ca sa me n to r el i gio so c ató li c o o fic ial d o E s tad o , o
cas a me n to mi s to , e n te c ató l ico s e não c ató lico s , rea li za nd o ta mb é m so b

8
C OU LAN GE S, F u ste l d e. A ci da de a n tig a . S ão P au lo . M art i n Cl aret , 2 0 0 9 . p . 5 4 .
9
DA C O ST A, Ma r ia Ma n u ela. O ca sa me nto . Disp o n í ve l em
ht tp : // www. i sp s n.o r g / si t es /d e fa u lt / fi le s/ ma ga zi n e/ar ti cle s /N1 %2 0 ar t4 .p d f. Ace ss ad o e m:
0 5 .1 1 .2 0 1 5 . p . 2 .
10
VENO S A, S íl v io d e Sa lvo . Di rei to Civ il : d ire i to d e fa mí li a. São P a u lo , Atl as , 2 0 1 2 . P .
29.
138
d is cip li na ca nô n ica , e o ca sa me n to d e p e s so a s d e o utr as rel i giõ e s, e m
o b ed iê nc ia s às r e sp ec ti v as se it as .
Ap e na s no p er ío d o r ep ub li ca no é i n tro d uz id o o cas a me n to ci v il
o b r i gató r io , p elo D ecre t o nº 1 8 1 , d e 2 4 -1 -1 8 9 0 , co mo co ns eq uê nc ia d a
sep a r ação d a I gr ej a d o Est ad o , s it u ação co n so li d ad a p ela p ro mu l g aç ão d o
Có d i go Ci vi l.

Esclarece Maria Berenice Dias 11 que ―o casamento civil só surgiu em


1891. Ainda assim o caráter sagrado do matrimonio foi absorvido pelo direito,
tanto que o conceito de família, identificado com o casamento indissolúvel,
mereceu consagração em todas as Constituições Federais do Brasil. ‖.
Importante ponderar, todavia, que o Código Civil, no art. 1.515, dispõe que
―o casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do
casamento civil, equipara -se a este, desde que registrado no registro próprio,
produzindo efeitos a p artir da data de sua celebração.‖, ou seja, a legislação
reconhece a validade do casamento religioso desde que atendido às
formalidades legais.
O instituto do casamento, assim como o instituto da família, abordado
anteriormente, sofreu alterações. Assim, n ão mais deve ser compreendido
apenas como a união heterossexual firmada pelos nubentes com a finalidade
de constituir família, ou seja, mostra -se ultrapassado o entendimento
consagrado pelo ilustre professor Silvio Rodrigues 12 do casamento como ―o
contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e
da mulher de conformidade com a lei‖, pois como visto hoje é permitido o
casamento homossexual.
A união estável, segundo Álvaro Villaça de Azevedo 13 é caracterizada
pela ―convivência não adul terina, nem incestuosa, duradoura, pública e
contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial,
convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo,
assim, sua família de fato.‖.
Nesta perspectiva, a Constituição Federal, no art. 226, § 3.º,
estabelece que ―para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união

11
DI AS , Mar ia B er e n ic e. M a nua l d e d ire ito da s fa mí lia s . S ão P aulo : Re vi s ta d o s
T rib u na is , 2 0 1 5 . p .1 4 5 .
12
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2004. p. 19.
13
AZEV ED O , Ál var o V il laça . U niã o E stá v e l , art igo p ub li cad o na re v i sta ad vo gad o nº 5 8 ,
AASP , S ão P a ulo , M ar ç o /2 0 0 0 .
139
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.‖ e, no mesmo sentido, o Código Civil
dispõe no art. 1. 723 que ―é reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de
família.‖.
Todavia, conforme já tratado, através do julgamento pelo Supremo
Tribunal Federal da ADI n.º 4277 e da ADPF n.º 132, foi reconhecida a união
estável homoafetiva e, portanto, o reconhecimento como entidade familiar o
resultante de relacionamento de pessoas do mesmo sexo com ou sem filhos.
Assim, a partir do reconhecimento, pela Suprema Corte Brasileira, da
união estável homoafetiva, estende -se direitos aos cônjuges tais como o
previdenciário, sucessório, etc., bem como surge novas formas de família que,
até outrora, estavam desprotegidas do amparo legal. Ess e reconhecimento
acarreta que novas formas de configuração de famílias sejam apresentadas e,
portanto, surgem novas formatações de famílias advindas da prole do novo
casal e também das que os cônjuges já possuíam, anteriormente ao
reconhecimento da união e stável, refletindo em novas formas de
parentalidade, como a seguir veremos.

3 FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE FAMÍLIA E PARENTALIDADE

Como já abordado, o conceito de família está em pleno


aperfeiçoamento. Assim, tanto o reconhecimento da união estável, inclusive, a
homoafetiva, como a facilitação do divórcio foram determinantes para a
disseminação de novas formas de famílias. Isso acarreta qu e o cônjuge ao se
divorciar e contrair novas núpcias, ou, ao passar a conviver em união estável
com uma nova pessoa, estabelece novo laço familiar, inclusive, com os
descendentes.
Surge, neste contexto, uma nova família que tem como fator
determinante a afetividade, ou seja, criam -se novos vínculos socioafetivo
entre os membros da família. Denota -se que a complexidade das relações
interpessoais é responsável pelo surgimento de novas formas de famílias.

140
Ocorre que, embora se faça presente o rompimento da c onjugalidade
remanesce a parentalidade.
Isso se dá pelo fato de que a conjugalidade advém da relação entre os
cônjuges ao passo que a parentalidade se dá destes com seus filhos e,
portanto, inerente ao poder familiar. Ensina Júlio E. Pereira de Sousa 14:
A p ar e n ta lid ad e re fere s e à s fu nçõ e s e xec u ti v as d e p ro te cção , ed uc ação e
in te gr ação na c ul t ura fa mi l iar d as gera çõ e s ma i s no va s. Re ss al v e -s e q u e
es ta s f u nçõ e s p o d e m e st ar a car go não só d o s p ai s b io ló gi co s, ma s
ta mb é m d e o u tr o s fa mi l i are s o u a té d e p e s so a s q ue n ão sej a m d a fa mí l ia.

Em se tratando da parentalidade, cumpre destacar que tramita no


Senado Federal o Projeto de Lei n. 470/2013, denominado Estatuto das
Famílias, sendo que o Capítulo IV da referida legislação trata ―Da Famíli a
Parental‖ e, para tan to, estabelece:

Ar t. 6 9 . As f a mí li as p are nt ai s se co n st it u e m e nt re p es so as q ue t e m
r ela ção d e p ar e n te sco o u ma n te m co mu n h ão d e vid a i ns ti t uíd a co m a
f i nal id ad e d e co n vi vê n ci a fa mi l iar.

§ 1 º Fa míl ia mo no p are nt al é a e nt id ad e fo r mad a p o r u m as ce nd e n te e se u s


d esc e nd e n te s, q ua lq uer q ue s ej a a na t ure za d a fi lia ção o u p are n te sco .

§ 2 º Fa mí lia p l ur ip are n t al é a co n st it u íd a p ela c o n v i vê nc ia e n tre ir mão s ,


b e m co mo a s co mu n h õ es a fe ti va s e stá v ei s ex i ste n te s e ntr e p ar e nt es
co la ter a i s.

No que se refere às formas contemporâneas de família, a Constituição


Federal, no art. 226, § 4.º estabelece que ―entende -se, também, como entidade
familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.‖,
nota-se portanto a proteção constitucional quanto à família monoparental.
Ensina Maria Berenice Dia 15:

A mo no p ar e n tal id ad e te m o ri g e m na vi u ve z, q u and o d a mo r te d e u m d o s
ge n ito r es , na sep ar ação d e fa to o u d e co rp o s o u no d i vó r cio d o s p a is . A
ad o ção p o r p e s so a so l te ira t a mb é m fa z s ur g ir u m ví n c ulo mo no p are n t al
en tr e ad o ta nt e e ad o t ad o . A i n s e mi n ação ar ti fi cia l le vad a a e fe ito p o r
mu l h er so l tei r a o u a fec u nd a ção ho mó lo g a a q u e se s ub me te a v i ú va ap ó s
a mo r t e d o mar id o são o ut ro s e xe mp lo s.

14
SOUSA, Júlio Emílio Pereira de. As famílias como projeto de vida. O desenvolvimento de competências
resilientes na conjugalidade e parentalidade. Saber (e) Educar. 2006. p. 10.
15
DI AS , Mar ia B er e n ic e. M a nua l d e d ire ito da s fa mí lia s . S ão P aulo : Re vi s ta d o s
T rib u na is , 2 0 1 5 . p . 2 9 1 / 2 9 2 .
141
A família monoparental passa a incidir de forma mais frequente
através da disseminação do divórcio, da adoção e também da inseminação
artificial. Entretanto, também há monoparentalidade da criança com os tios,
avós e, até mesmo, com terceiras pessoas, no caso da prole passar a residir,
unicamente, com estes que ficam responsáveis p or ela e, assim, através da
socioafetividade cria-se uma nova forma de núcleo familiar. Aponta José
Sebastião Oliveira 16:

Co mo p r i me ir o fa to r re sp o n sá ve l p e lo fe nô me no mo no p are n tal p o d e - se
cit ar a l ib er d ad e co m q u e p o d e m as p e s so a s se u ni r e d e s u nir, s ej a a tra v és
d e fo r ma lid ad e s co n ge n t e met n e es tab e le cid a s, c o mo o co rr e no ca sa me n t o ,
sej a d e ma ne ir a ab so l u ta me n te i n fo r ma l, co mo a co n tec e na u n ião e stá v el .
( ...)
A mo no p ar e n ta lid ad e p o d e ter o r i ge m ta mb é m no fal eci me nto d o s
cô nj u ge s o u co mp a n he i ro s. É u ma c a us a ac id e nt al e q ue p o d e le v ar, d e
ma n eir a co mp u l só ria , a q ue o cô nj u g eo u co mp a n he iro s up ér st it e p a s se a
vi v er co m s u a p r o le.

De maneira diversa da monoparentalidade, tem -se a chamada família


pluriparental. Esta modalidade de família, normalmente, é caracterizada pela
socioafetividade, tendo em vista que muitas das vezes é resultante das novas
núpcias ou da união estável que um de seus genitores possa a contrair. Ensina
Maria Berenice Dias 17:

Se mp r e q ue se p e n sa e m fa mí l ia ai nd a v e m à me n te o mo d e l o
co n v e ncio n al : u m ho me m e u ma mu l h er u nid o s p elo c as a me n to , co m o
d ev er d e g er ar f il ho s. Ma s e ss a re al id ad e mu d o u. Ho j e, to d o s j á es t ão
aco s t u mad o s co m fa mí l ia s q u e s e d i st a nci a m d o p erfil trad i cio n al. A
co n v i vê nc ia co m fa mí lia s re co mp o s ta s, mo n o p are nt ai s, h o mo a fet i v as
p er mi te r e co n hec er q ue se u co n ce ito se p l ura liz o u. Da í a ne ce ss id ad e el e
f le xio n ar i g ual me n t e o t er mo q ue id e n ti fica a fa mí l ia e lo s d i a s e le ho j e ,
ele mo d o a a lb er g ar to d as as s u as co n fo r ma çõ e s .

Da mesma forma, ensina Jussara Ferreira e Konstanze Rorhmann 18:

As f a mí lia s p l urip a re nt ai s s ão cara ct eriz ad a s p ela e s tr ut ur a co mp l e x a


d eco r r e n te d a mu l tip lic id ad e d e ví nc u lo s, a mb ig ü id ad e d a s fu nçõ es d o s

16
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2002. p. 215/216.
17
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 38.
18
FE R REI R A, J u s sar a S u zi; R Ö RHM AN N, Ko ns t an ze e t al l. As fa mí lia s p lu rip ar e nt ai s o u
mo sa ico . I n: P E REI R A, Ro d r i go d a C u n ha (co o r d ). Ana is do I V Co ng re s so B ra s ile iro d e
Dir eito de Fa mí l ia . Fa mí l ia e D ig n ida de H u ma na . B elo Ho ri zo nt e: IB DF AM, 2 0 0 6 , p .
258.
142
no vo s ca sai s e fo rte gra u d e i n terd ep e nd ê n cia. A ad mi n i st ração d e
in ter es s es v i sa nd o eq u il íb rio a s s u me r el e vo i nd isp e ns á ve l à e st ab i lid ad e
d as f a mí li as .

As famílias pluriparentais tem como uma das características marcantes


a socioafetividade, tendo em vista que esta modalidade de família surge a
partir do novo relacionamento de seus genitores, ou seja , através da formação
de um novo núcleo familiar. Assim, as relações advindas do filho com o novo
cônjuge de seu genitor são marcadas pelo afeto e, portanto, ensejando a
origem a referida forma de família.
Da mesma forma, é reconhecido a possibilidade de duas pessoas
divorciadas e com filhos das relações anteriores virem a constituir uma nova
família, inclusive, gerando novo filho do novo casal, sendo esta modalidade
de família chamada mosaico, tendo em vista os vários indivíduos e relações
que se tem entr e os mesmos.
Ensina Lunalva Fiúza Chagas 19 que ―nessa nova organização as
famílias passam a receber o ‗marido da mãe‘, os filhos do ‗marido da mãe‘, os
filhos da nova esposa do pai, as famílias de origem de cada um dos novos
pares, cada um trazendo para o núcleo familiar sua própria cultura.‖.
Em se tratando da disseminação destas novas modalidades de famílias,
muitas das vezes, busca -se, judicialmente, o reconhecimento dos vínculos
socioafetivos. Assim, a discussão se dá quanto à possibilidade da criança
possuir o grau de parentesco que surgiu da relação socioafetiva em seus
documentos, ou seja, discute -se a possibilidade de estar inserido o nome de
dois pais ou de duas mães nos documentos oficiais, inclusive, de famílias
homoafetiva.
O tema tem sido suscitado com certa frequência nos Tribunais de
Justiça, sobretudo, no que tange ao reconhecimento da filiação socioafetiva,
todavia, suscita-se a possibilidade do reconhecimento socioafetivo sem o
rompimento do vínculo biológico.
No plano prático, a multipar entalidade tem sido suscitada cada vez
mais no judiciário, sendo que em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça

19
CH AG AS , Lu na l va F i úz a. Fa mí lia M o sa ico . Int e gra l – Es co la s I n t eli g e nte s. 2 4 se t.
2 0 0 7 . Di sp o n í vel e m:
<http://www.ciadaescola.com.br/artigos/resultado.asp?categoria=43&codigo=206>. Acesso em: 28.11.2015.
143
do Estado do Rio Grande do Sul, um dos Estados expoentes na área do direito
das famílias, admitiu constar na certidão de nascimento da crianç a o nome dos
pais biológicos e da mãe socioafetiva sob a fundamentação de que a Lei dos
Registros Públicos foi editada em período anterior a edição da Magna Carta e,
portanto, contrário aos ditames nela inseridos, vejamos 20:

AP E LAÇ ÃO CÍ V E L. D EC LAR AT Ó RI A DE M U LT IP ARE NT ALI D AD E.


RE GI ST RO CI VI L. DUP LA M AT ER NI D ADE E P AT ERN ID AD E.
I MP OS SI B I LI D ADE J UR ÍDI C A DO P ED I DO. I N OC O R RÊ NC I A.
J U LG AME NT O DE SDE LOG O DO M É RIT O. AP LI C AÇ ÃO ART I GO 5 1 5 ,
§ 3 º DO CP C. A a u sê nci a d e l ei pa ra reg ê nci a d e no v o s - e ca da
v ez ma i s o co r re nte s - fa to s so cia i s d eco r rent e s da s i n stit u içõ es
f a mi lia re s, nã o é i n dic a do r n ece s sá r io de i mpo s s ib il i da d e jur íd ica do
pe di do . É qu e " q ua n d o a lei fo r o mi s sa , o jui z d eci d irá o ca so d e
a co rdo co m a a na lo g ia , o s co st u me s e o s pr i ncí p io s g era is d e d ire i to
( a rt ig o 4 º da Le i de In tro du çã o a o Có d ig o Civ il). Ca so e m q ue se
d esco n s ti t ui a se n te nç a q ue i nd e feri u a p et iç ão i n ic ial p o r
i mp o s s ib i lid ad e j ur íd i ca d o p ed id o e d e sd e lo go se e n fre nt a o mér it o ,
f u lcr o no ar t i go 5 1 5 , § 3 º d o CP C. Dito i sso , a a pl ica çã o do s pr i n cí pio s
da "l eg a l ida de ", " ti pi cid a d e" e " es pe cia li d a de ", q ue no rte ia m o s
"Reg i st ro s P ú bl ico s", co m leg i s la çã o o r ig i ná r ia p ré - co n stit uc io n a l,
dev e ser r ela t iv i za da , na q ui lo q ue nã o se co mpa t i bi liza co m o s
pri n cí pio s co ns t it uc io n a is v ig e nte s, no ta da me nte a p ro mo çã o do be m
de t o do s, se m pre co n ceito s d e se xo o u qu a lq ue r o utra fo r ma d e
di sc ri mi na çã o ( a rt ig o 3 , I V da CF/8 8 ) , b e m co mo a p ro i bi çã o de
de sig na çõ es di sc ri mi n a tó ria s re la tiv a s à fi l ia çã o (a rt ig o 2 2 7 , § 6 º,
CF) , "o bj et iv o s e pr in cíp io s fu nda me nta i s" deco rre nte s do pri nc í p io
f un da me nt a l da d ig ni da d e da pe sso a h u ma na . Da me s ma fo r ma ,
há qu e se j u lg a r a p rete n sã o da pa rte , a pa rt ir da i nter pr eta ç ã o
si st e má t ica co nj unta c o m de ma is pr in cí pio s i nfra - co n st itu cio na i s, t a l
co mo a do ut r ina da pro te çã o i nt eg ra l o d o pr in cí pio do me l ho r
int ere s se do me no r, info r ma do r es do E sta tuto da Cr ia nça e d o
Ado le sce nt e ( Le i 8 .0 6 9 / 9 0 ), be m co mo , e e sp ec ia l me nte, e m a t e nçã o d o
f enô me no da a f etiv i da de, co mo fo r ma do r d e re la çõ es fa mi lia r es e
o bj et o de p ro t eçã o Est a ta l, nã o se ndo o c a rá ter bio ló g ico o c rité ri o
ex cl u siv o na f o r ma çã o de v í nc u lo fa mi l ia r. Ca so e m q ue no p la n o
f á t ico , é f la g ra nte o â n i mo d e pa te rn ida de e ma te rn ida de , e m
co nj un t o , ent re o ca sa l fo r ma do p ela s mã e s e do pa i, e m r ela çã o à
me n o r, se n do de rig o r o re co n h eci me nt o j u dic ia l da
" mu l t i pa re nt a li da de " , co m a p u bl ic ida de deco rre nte do reg i s tro
pú b lico de na sc i me n to . DE R AM P RO VIM ENT O. (SE G RED O D E
J UST I Ç A) ( Ap ela ção Cí v el Nº 7 0 0 6 2 6 9 2 8 7 6 , Oi ta va Câ ma ra Cí v e l,
T r ib u na l d e J us ti ça d o R S, Rel ato r : J o s é P e d ro d e Ol i ve ira E c ker t ,
J ul g ad o e m 1 2 /0 2 /2 0 1 5 ) – De st aq uei

Em se tratando da socioafetividade, a Ministra Nancy Andrighi, ao


proferir se voto no recurso especial n. 878 -941 – DF 21, declarou que:

20
Disponível em http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/211663570/apelacao-civel-ac-70064909864-
rs/inteiro-teor-211663580 Acesso em 20.08.2016.
21
Disponível em http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8880940/recurso-especial-resp-878941-df-2006-
0086284-0/inteiro-teor-13987921 . Acesso em 20.08.2016.
144
O r eco n he ci me n to d a p ater n id ad e é vá lid o se re fle te a e x is tê n ci a
d ur ad o u r a d o ví n c ulo s o cio a fet i vo en tre p a is e fi l ho s. A a us ê nc ia d e
ví n c ulo b io ló g ico é fato q ue p o r s i só nã o rev el a a fal sid ad e d a
d ecla r aç ão d e vo n tad e co n s ub sta n ci ad a no a to d o reco n hec i me n to . A
r ela ção so c io a fe ti v a é fato q ue não se p o d e se r, e não é, d e sco n he cid o
p elo Dir e ito .

Deste modo, constata-se que o direito das famílias é um campo em


pleno ascensão, sobretudo, no que tange ao reconhecimento de novas
modalidades de famílias. Assim, a academia e a jurisprudência são os
instrumentos adequados para reorganiza r o entendimento legal da matéria que,
em termos legais, não acompanha a dinamicidade das relações humanas.
Aponta, Luiz Edson Fachin 22 que vive-se momento ímpar para pensar sobre a
família, a sociedade, a exclusão social, direitos subjetivos fundamentais e o
sistema jurídico:

CONCLUSÃO

O presente artigo tratou das novas vertentes do direito das famílias e,


para tanto, apresentou, sinteticamente, o surgimento do instituto frente ao
clássico direito de família. Abordou -se, igualmente, os institutos da união
estável e do casamento relacionados com as novas configurações da família.
Como visto, ao longo do artigo, a legislação não consegue acompanhar a
dinamicidade das relações humanas e, portanto, cabe a academia e a
jurisprudência transformar e renovar o cam po do direito das famílias,
sobretudo, no que diz respeito a proteção da entidade familiar, reconhecida
pela Constituição Federal como a ―base da sociedade‖.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável , artigo publicado na revista


advogado nº 58, AASP, São Paulo, Março/2000.

22
FACHIN, Edson Luiz. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003. p. 325.
145
CHAGAS, Lunalva Fiúza. Família Mosaico. Integral – Escolas Inteligentes.
24 set. 2007. Disponível em:
<http://www.ciadaescola.com.br/artigos/resultado.asp?categoria=43&codigo=
206>. Acesso em: 28.11.2015.

COULANGES, Fustel d e. A cidade antiga. São Paulo. Martin Claret, 2009.

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http://www.ispsn.org/sites/default/files/magazine/articles/N1%20art4.pdf.
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código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

FIGUEIREDO, Sálvio. et all. Comentários ao Novo Código Civil - Do


Direito Pessoal. v. XVII. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2013. p. 33.

FERREIRA, Jussara Suzi ; RÖRHMANN, Konstanze et all. As famílias


pluriparentais ou mosaico. In: PEREIRA, Rodrigo da C unha (coord). Anais
do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Dignidade
Humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 258.

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família. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

RODR IGUES, Silvio. Direito Civil , Direito de família – volume 6, 28ª


edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

146
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competências resilientes na conjugalidade e parentalidade. Saber (e) Educar. 2006. p. 10.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul . Disponível em: <


http://www.tjrs.jus.br/site/ > Acessado em: 28.11.2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. São Paulo, Atlas,
2012.

147
10 ENSAIO SOBRE AS CONSEQUENCIAS DO ABANDONO
AFETIVO E A RESPONSABILIDADE ATRIBUIDA AOS PAIS E
FILHOS
Roberto Alves de Oliveira Filho
Mestrando em Direito Civil pela Universidade Estadual
Júlio de Mesquita Filho - FCHS UNESP Franca. Pós-
graduando lato sensu em Direito Civil pela
Universidade de São Paulo - FDRP USP. Especialista
em Direito Contratual pela Universidade Pontifícia de
Salamanca. Graduado em Direito pela Faculdade de
Direito de Franca. Membro do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM) e do Instituto Brasileiro
de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON).
Advogado.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Fundamentos legais e doutrinários sobre o conceito de família à


luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 2. O equivocadamente chamado princípio da
paternidade responsável. 3. Considerações sobre o abandono afetivo. 4. Responsabilidade por
danos decorrentes do abandono afetivo e a divergência doutrinária sobre as condenações.
Conclusão. Referências.

RESUMO: Dada a importância da presença dos pais para o salutar desenvolvimento da


criança e do adolescente e dos filhos em relação aos cuidados com os pais idosos, o abandono
afetivo pode gerar prejuízos de ordem imaterial a pessoa, circunstância que merece
implicação jurídica à luz da Constituição Federal de 1988, que tem como princípio a proteção
da dignidade da pessoa humana. Os deveres dos pais e dos filhos decorrentes da parentalidade
responsável não se restringem apenas ao suporte material, alcançando também o cuidado
moral e afetivo. Nesta perspectiva, o abandono afetivo gera danos morais aos filhos e aos pais
idosos, pois afronta a sua dignidade e enseja prejuízos à estrutura familiar. A possibilidade de
reparação civil do dano moral por abandono afetivo por meio de indenização causa polêmica:
seria possível a monetarização do afeto? O Direito pode obrigar alguém a amar? No entanto, a
tendência dos tribunais brasileiros é de reconhecer a possibilidade de indenização.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Dano moral. Abandono afetivo. Parentalidade


responsável. Estatuto da Criança e do Adolescente. Estatuto do Idoso.

ABSTRACT: Given the importance of the presence of the parents for the healthy
development of children and adolescents and the sons in relation to caring of the elderly
parents, emotional abandonment can generate losses of intangible order to the person,
circumstance that merits legal implication in the light of the Federal Constitution of 1988,
which its primary principle is the protection of the dignity of the human person. The duties of
parents and sons resulting of responsible parenting are not restricted only to material support,
reaching also affective and moral care. From this point of view, the affective abandonment
generates moral damage to the children and elderly parents, as a personal affront to their
dignity and brings damage to family structure. The possibility of civil damage for emotional
abandonment through compensation is controverted. Would it be possible to monetizethe
affection? The law can force someone to love? However, the trend of the Brazilian courts is to
recognize the possibility of damage compensation.

148
Keywords: Liability. Moral damage. Emotional abandonment. Responsible parenting. Law of
Children and Adolescents.Law of the Elderly.

INTRODUÇÃO

A formação da identidade do ser humano decorre das influências e dos vínculos


criados ao longo da vida. Nas relações familiares, estes vínculos são ainda mais preciosos,
pois é no ambiente familiar que o ser humano incorpora o primeiro sentimento de pertencer,
aprendendo a se relacionar com outras pessoas e a criar laços afetivos, desenvolvendo o
sentimento desconfiança e convivência.
Os pais e os filhos são os protagonistas deste constante aprendizado. Desde o
primeiro contato estabelecem laços afetivos que refletirão ao longo de toda a vida do
indivíduo, inclusive na sua forma de ser e de se portar perante as próximas gerações no núcleo
familiar.
Na perspectiva da criança, os pais são vistos como heróis, os quais se buscam seguir
e ser iguais a eles em seus exemplos. São os pais que apresentam o que há de bom e ruim no
mundo, o que é o certo e o que é errado e como se deve agir em determinada situação,
revelando-se assim indispensável a sua influência na formação da personalidade da pessoa
como indivíduo.
Os pais, quando idosos, enxergam nos filhos crescidos o amparo necessário para
superação das dificuldades da vida, muitas vezes dedicada à sua criação e sustento ou mesmo
a companhia familiar de quem mais se espera carinho, consideração e respeito.
O que ocorre, no entanto, quando este vínculo afetivo é cortado ou nem mesmo é
estabelecido? Sem sombra de dúvidas, pode-se afirmar que há consequências negativas para a
criança em formação, que depende da presença dos pais para o seu desenvolvimento, bem
como dos pais idosos que muitas vezes dependem dos filhos para ter uma vida digna.
A assistência moral e afetiva representa importante valor para o adequado
desenvolvimento dos filhos. A sua ausência gera danos irreparáveis, capazes de comprometer
toda existência do indivíduo, portanto quando há rompimento desses vínculos, as
consequências podem ser extremamente prejudiciais para as crianças, afetando a sua
autoestima e a maneira com que se relacionam com os outros.

149
Partindo-se da disciplina da responsabilidade civil, o presente estudo trata, pois, do
abandono afetivo paterno-filial edo abandono afetivo inverso, além da possibilidade de
reparação do dano por meio de indenização. Para tanto, será apresentado o instituto do
abandono afetivo e na sequência, os deveres dos pais e dos filhosa partir do princípio da
parentalidade responsável.
O intuito desta abordagem é demonstrar que o abandono afetivo é ensejador de dano
moral, pois ofende os direitos da personalidade, consequentemente atentando contra a
dignidade da pessoa humana, visto que alguns tribunais entendem que esse tipo de dano é
resultante de uma omissão dos pais ou dos filhos nos seus deveres, o qual deve ser
compensado.
As discussões no âmbito do Direito de Família sobre abandono afetivo paterno e
inverso tem procurado analisar os fatores que geram tais situações e formas para resolvê-las
ou inibi-las. Com efeito, o objetivo do presente artigo é também analisar a efetividade da
indenização nos casos de abandono afetivo paterno e inverso.
A possibilidade de reparação civil do dano moral por abandono afetivo através de
indenização será analisada com base no estudo da doutrina e jurisprudência favoráveis e
contrárias.
Para tanto, inicialmente será realizado um estudo sobre os fundamentos doutrinários
e legais do abandono afetivo à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Por
conseguinte, será realizada uma abordagem sobre as consequências do abandono afetivo
paterno e inverso, demonstrando-se os danos causados e as divergências jurisprudenciais
quanto à ocorrência do dano moral.
Recobre-se de significativa importância a reflexão sobre este tema e a análise das
possíveis formas de amenizar os danos decorrentes por abandono afetivo, visto que inexiste
qualquer dispositivo legal que discipline especificamente o assunto, restando ao julgador se
valer de princípios jurídicos para fundamentar as suas decisões.
Por fim, serão indicadas as decisões mais relevantes sobre o tema no Brasil,
demonstrando a tendência dos Tribunais em aceitar a possibilidade de indenização por
abandono afetivo, estando presentes os pressupostos da responsabilidade civil.

150
1 FUNDAMENTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS SOBRE O CONCEITO DE
FAMÍLIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Os movimentos sociais observados na contemporaneidade indicam a contínua


necessidade do reajuste do Direito em geral e especialmente do Direito Civil, como regulador
das relações interpessoais. Buscando atender às aspirações da sociedade brasileira, as
disposições na Constituição Federal de 1988 alteraram qualitativamente o conteúdo das
categorias envolvidas pelo Direito Civil.
A nova Carta Constitucional passou a recepcionar temas que na dicotomia tradicional
eram restritos ao Código Civil, provocando alterações fundamentais no sistema do Direito
Civil clássico.
Gustavo Tepedino aduz que a atual Constituição surgiu como um centro reunificador
do direito privado, pois as relações jurídicas entre os particulares já não mais encontravam no
Código Civil e nas demais leis especiais as soluções adequadas para diversas questões
inéditas no novo contexto social.1
Vindo ao encontro dessa constatação, Orlando Gomes observa que o Código Civil foi
o estatuto orgânico da vida privada e gradativamente perdeu a sua generalidade e
completude.2
Tais aspectos ressaltam a importância de se ter a Constituição Federal como um
centro reunificador do direito privado. A Carta Magna de 1988, desde a sua promulgação,
previu uma série de normas vigentes a regulamentar especialmente as relações familiares, que
condizem a um modelo diverso daquele afirmado pela ordem constitucional, impondo uma
releitura de todos os setores do Direito Civil em consonância com os princípios
constitucionais.
Contrariamente ao Código Civil de 1916, cuja preocupação com o aspecto
econômico prevalecia, a Constituição Federal de 1988trouxe uma abordagem mais humana ao
reconhecer o princípio da dignidade da pessoa humana como uma conquista para toda e
qualquer pessoa no ordenamento jurídico brasileiro.
Com efeito, o referido princípio aufere ao individuo um atributo existencial, atrelado
a sua vida, sendo irrevogável e irrenunciável. Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Ingo
Wolfgang Sarlet:

1
TEPEDINO, Gustavo Almeida. Disciplina civil-constitucional das relações de família. In: BARRETO,
Viviane. (Coord.). A nova família: problemas e perspectivas. - Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 48.
2
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10. ed. - Rio Janeiro: Forense, 1993. p. 70-71.
151
[ ...] q u al id ad e i n trí n se ca e d is ti n ti v a d e cad a ser h u ma no q ue o faz
me r ec ed o r d o me s mo r esp e ito e co n sid eraç ão p o r p art e d o E st ad o e d a
co mu n id ad e, i mp l ica nd o , ne ste se nt id o , u m co mp le xo d e d ire ito s e
d ev er e s f u nd a me n ta is q ue a s se g ur e m a p es s o a ta nto co n tra to d o e
q ua lq uer ato d e c u n ho d e grad a n te e d e s u ma no , co mo v e n ha m a l he
gar a nt ir a s co nd i çõ e s e x is te n te s mí n i ma s p ara u ma vid a sa ud á v el, a lé m d e
p r o p ici ar e p r o mo v er s u a p art ic ip ação at i va e co -re sp o n sá v el no s d e s ti no s
d a p r ó p r ia e x is tê nc ia e d a v id a e m co mu n h ão co m o s d e ma i s s er es
h u ma no s. 3

Com o objetivo de resgatar o valor humano, colocando os direitos fundamentais


sobre toda e qualquer outra disposição estatal, é notável a importância da dignidade da pessoa
humana como macroprincípio constitucional.
Nesse sentido, cabe trazer à colação a lição de Walber de Moura Agra:

A dignidade da pessoa humana representa um complexo de direitos que são apanágio da


espécie humana, sem eles o homem se transformaria em coisa, res. São direitos, como a
vida, lazer, saúde, educação, trabalho, cultura, que devem ser propiciados pelo Estado e,
para isso, pagamos tamanha carga tributária. Esses direitos servem para densificar,
fortalecer, o direito à dignidade da pessoa humana. 4

Hodiernamente, a dignidade da pessoa humana é a principal


ferramenta para a solução de controvérsias. Assim, há um dever de
interpretação conforme a Constituição Federal, sobretudo uma hermenêutica
que, em favor da dignidade deve prevalecer.A dignidade exige respeito às
necessidades da pessoa, cabendo ao sistema jurídico oferecer mecanismos
para a sua efetiva concretiz ação.
Em se tratando de Direito de Família, a Constituição Federal prevê no
art. 226, § 7º, que o planejamento familiar está assentado na dignidade da
pessoa humana e também no equivocadamente chamado princípio da
paternidade responsável.
De acordo com o referido dispositivo da Magna Carta, o respeito ao
princípio da dignidade humana constitui o principal substrato do núcleo
familiar, garantindo seu pleno desenvolvimento e a realização pessoal de
todos os seus membros, em especial da criança e do adolescent e, haja vista
que no Direito de Família, a dignidade da pessoa faz -se presente em todos os

3
S AR LET , I n go W o l f g a n g. D ig n ida de da p es s o a h u ma na e di rei to s fu nda me nta i s na
co n stit u içã o f ed era l d e 1 9 8 8 . – P o rto Ale gr e: Li vra ria d o ad vo gad o , 2 0 0 1 . p . 6 0 .
4
AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 25.
152
institutos como forma de garantir o reconhecimento da função que cada
membro desempenha no ambiente familiar.
Sendo assim, o laço familiar deixa de ser apenas reprod utivo,
abarcando outro valor jurídico digno de tutela,qual seja, o afeto.
É possível afirmar que a Constituição Federal de 1988posiciona a
família acima do vínculo jurídico, ao enunciar no parágrafo 4° do artigo 226
que a entidade familiar pode ser entendi da como a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, além da união estável. De acordo com
Francisco Muniz, a Constituição Federal protege a formação social que
apresente:

[ ...] a s co nd i çõ e s d e s e nt i me n to , e stab il id ad e e re sp o n sab i lid ad e so c i al


ne ce s sár i as ao d e se n vo l vi me nto d a p er so nal id a d e d e se u s me mb ro s e à
ex ec uç ão d a t ar e fa d e e d uc ação d o s fi l ho s, ap re end e nd o a no ção so ci al d e
fa mí lia e s e nd o q u e, d ia nt e d e ta l var ied ad e, to r n a -s e i mp o s sí v el
co n cei t uá - la j ur id ic a me nt e. 5

Logo, com base no conteúdo analisado, pode -se verificar que a família
contemporânea tem como elemento principal o indivíduo que a compõe,
estando presentes também neste núcleo, os sentimentos essenciais à sua
estabilidade emocional e ao desenvolvimento da sua person alidade. Nesse
sentido é o entendimento de Rosanna Quintana:

N u ma p r i me ir a a n ál is e o b ser v a -s e q ue a ma ne i ra d e se d ar e fe ti v id ad e à
d ig n id ad e d o ho me m e st á i nt i ma me n te li gad a à en tid ad e fa mi l iar e ao s eu
no vo co nce ito j ur íd ico , q ue d ei x a d e s er ap e na s u ma i n s tit u iç ão d o d ire it o
ci vi l, p a r a ser u m n ú cleo d e a fet i vid ad e co m o b j e ti vo esp ec ial d e
p r o te ger e sa ti s fa zer se u s i n te gr a nte s. 6

Esta é a principal razão pela qual é tão difícil conceituá -la, vez que
tais aspectos sobrepõem qualquer formalidade jurídic a. As relações familiares
e as diversas formas de constituição do núcleo familiar vêm sofrendo

5
MUNIZ, Francisco José Ferreira. O direito de família na solução dos litígios. Conferência proferida no XII
Congresso Brasileiro de Magistrados, Belo Horizonte, 14-16 de novembro de 1991. p. 06-07 apud
CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada.– Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2000. p. 31.
6
QUINTANA, Rosanna. Proteção jurídica da criança e do adolescente conforme o artigo 1638 do código civil
de 2002. Disponível em: <http://www.pucrs.br/direito/graduacao/tc/tccII/trabalhos2009_1/rosanna_quintana.pdf>.
Acesso em: 21 Out. 2015.
153
inúmeras alterações, em um contínuo vir a ser, de acordo com o
comportamento humano em seu meio social, no tempo e no espaço.
Com base em um estudo interdiscipli nar, Rodrigo da Cunha Pereira
sustenta que as alterações na estrutura familiar e nos ordenamentos em geral
são o resultado dos movimentos políticos e sociais do século XX e do
fenômeno da globalização, com raízes na Revolução Francesa, sendo que a
primeira culminou com a divisão sexual do trabalho e a segunda, com os
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. 7
Sob a perspectiva dos Direitos Humanos,contemporaneamente o
Direito de Família constitui um rol de direitos indissociáveis da democracia e
da cidadania, que são palavras de ordem na atualidade.
A família é, portanto, no pensamento de Maria Berenice Dias o local
de realização dos anseios e aspirações de seus membros, que se unem com o
objetivo de serem felizes, não havendo sentido na manutenção da c onstituição
familiar por outro motivo que não busque a felicidade de seus membros, vale
dizer, a concepção eudemonista de família. 8

2 O EQUIVOCADAMENTE CHAMADO PRINCÍPIO DA PATERNIDADE


RESPONSÁVEL

O princípio da dignidade da pessoa humana, como já demonstrado, é


fundamento da República Federativa do Brasil e como tal, constitui o
principal alicerce da vida em sociedade, significando o respeito à preservação
da integridade física e psíquica do indivíduo.
Seguindo essa lógica, a Constituição Federal d e 1988, no § 7º do art.
226, apresenta o princípio da paternidade responsável, visando estimular o
planejamento familiar, uma vez que o nascimento dos filhos demanda recursos
de natureza física, social e econômica, o que importa necessária vontade e
consciência do casal em relação aos deveres oriundos desse processo de
escolha.

7
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, direitos humanos e inclusão social.Palestra proferida na 11 World
Conference the International Society of Family Law, 3 de agosto de 2002. In: PEREIRA, Tânia da Silva.
(Coord.). Direito de família e psicanálise: rumo a uma nova epistemologia.– Rio de Janeiro: Imago, 2003. p.
155.
8
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias.5. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 69.
154
Para Guilherme Calmon Gama, o princípio da paternidade responsável
invoca a responsabilidade do casal sobre o número de filhos, bem como seu
desenvolvimento físico e moral,ou seja, t rata-se de livre decisão do
casal,havendo necessária e fundamental observância dos princípios da
dignidade da pessoa humana e do planejamento familiar. 9
Por conseguinte, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves aduzem que o
propósito do planejamento familiar é evitar a formação de núcleos familiares
sem condições de sustento e de manutenção de seus membros. 10
Cumpre salientar que o referido princípio não traduz a ideia de
planejamento populacional, visto que não admite qualquer tipo de persuasão
ou controle quant o ao comportamento sexual ou social dos indivíduos. Neste
sentido, leciona Maria Helena Diniz:

O d ir ei to ao p la n ej a m en to fa mi lia r não e stá v i nc u lad o à p o l ít ica d e


co n tr o l e d e mo g r á fi co , ma s à l ib erd ad e d e d e ci são d e cad a c as al, q u e
p as sa a ser r e sp o n sá v e l p elo n ú mero d e fi l h o s, a s si m co mo p o r s e u
d ese n vo l vi me nto fí si co e mo ra l, ed u caç ão , sa úd e e p ro teç ão . O
p la nej a me n to fa mi l iar n ão se re s tri n g e ap e na s a p ro criaç ão , d ec i são p e l o
n ú me r o d e f il ho s, esp aç a me nto o u i n ter va lo e n t re u ma ge s taç ão e o u tra ,
co n tr o l e d e na ta lid ad e o u d e fe c u nd id ad e, ma s t a mb é m, e m s e nt i d o
a mp lo , a mo r ad ia, al i me nt ação , l azer , ed uc ação etc. 11

Com isso, observa -se que o principio da paternidade responsável


relaciona-se com a responsabilidade individual e social dos genitores em
priorizar o bem estar físico, psíquico e moral de sua prole, primando pelo
respeito aos direitos que lhe são reconhecidos.
A Constituição Federal, bem como o Código Civil conferem ampla
liberdade para que o casal planeje todos os detalhes de sua vida. Dessa
maneira, cumpre ao casal decidir sobre o número de filhos que terão e o
espaço de tempo entre eles, observando o momento desejado, conforme se
pretende a estrutura familiar.
O planejamento familiar deve ser de livre decisão do casal e para
tanto, o Código Civil de 2002, no art. 1.565, parágrafo 2º traçou diretrizes

9
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de familia. – São Paulo:
Atlas, 2008. p. 71.
10
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. Direito das famílias.2. ed. – Lúmen Juris, 2010. p. 47.
11
DINIZ, Maria Helena. O atual estado do biodireito. 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 140.
155
sobre o planejamento familiar, vedado qualquer tipo de coerção por parte de
instituições públicas e privadas.
De uma perspectiva civilista, Aurélia de Barros Czapski, pondera que
os dispositivos do Có digo Civil nada mais do que reiteram a norma
constitucional, visto que por intermédio do casamento, os cônjuges tornam -se
consortes e solidariamente responsáveis pelos encargos familiares. 12
Com efeito, o casamento não é a única forma de formação de família e
mesmo que os conteúdos normativos de ambos os diplomas pareçam idênticos,
a norma constitucional é mais flexível em sua redação, ao dispensar a
condição de consorte atribuída aos cônjuges pelo casamento.
Portanto, sem prejuízo do que foi apresentado e e m consonância com o
entendimento majoritário da doutrina sobre esse assunto, é possível concluir
que a paternidade responsável compreende atos de escolha consciente,
partindo-se das decisões tomadas por um casal quanto ao número de filhos,
envolvendo também a sua criação e formação do núcleo familiar.
Mas então qual é o equivoco do referido o nomen juris? Para iniciar a
resposta dessa pergunta é de grande valor a lição de Paulo de Tarso Siqueira
Abrão:

A vo n tad e d o s p a is é e ss e nci al p ar a u ma p o lít ic a d e p l a nej a me n to


fa mi liar . A fr a se ―p at er nid ad e re sp o n sá v el‖ d e ve ser e n te nd id a aq u i e m
se n tid o a mp lo , e m q ue a ma ter n id ad e e stej a p r ese n te, me s mo p o rq ue o
p r i ncíp io d a iso no mia co nj u ga l não ad mi t ir ia ap e na s a p a ter n id ad e q u e
não le v as se e m co nta o d esej o d o ca sal . 13

Percebe-se, então que o texto constitucional merece uma interpretação


mais atenta, visto que a norma possui um alcance maior que o demonstrado
por sua letra.
Em verdade, o princípio da paternidade responsável e o planejamento
familiar trazem a ideia de gestão da família, abarcando muito mais do que a
simples escolha do casal sobre o momento e a quantidade de filhos que
pretendem criar, indo além ao considerar a família em todos os seus membros
e formações possíveis.

12
CZAPSKI, Aurélia Lizete de Barros. In: COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. (Org.); CHINELLATO,
Silmara Juny. (Coord.). Código civil interpretado. 6. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 1304.
13
ABRÃO, Paulo de Tarso Siqueira. In: COSTA MACHADO, Antônio Cláudio da. (Org.); CUNHA FERRAZ,
Anna Cândida da. (Coord.). Constituição Federal interpretada. 3. ed. Barueri: Manole, 2012. p. 1124.
156
Partindo-se da leitura do § 7º do art. 226 da Constituição Federal,
observa-se que a família codificada foi superada e divide espaço com outros
núcleos familiares informais, ou seja, não condicionados pelo casamento,
fugindo à regra civil e, no entanto, apresentam a característica do
compromisso da comunhão de vida, lealdade e mútua assistência.
Evidencia-se o maior alcance da norma constitucional ao recepcionar
as novas formações familiares. Nesse sentido, a lição de Maria Berenice Dias
é elucidativa:

Faz - s e nec es s ár io ter u ma vi são p l ura li s ta d a fa míl ia, ab r i ga nd o o s ma is


d iv er so s ar r a nj o s fa mi liar es , d e ve nd o - se b u s car a id e nt i fi caç ão d o
ele me n to q ue p er mi ta e nl aça r no co nc ei to d e ent id ad e fa mi li ar to d o s o s
r ela cio na me nto s q ue tê m o ri g e m e m u m e lo d e a fet i vid ad e ,
ind ep e nd e n te me n t e d e s ua co n fo r ma ção . 14

Em consonância com esse entendimento, nota -se por sua vez, a


preocupação do legislador constituinte em equacionar o aumento populacional
e a miséria, vindo por bem disciplinar tal questão.
Assim sendo, o dever educacional do Estado e a garantia de acesso aos
avanços científicos pelo cidadão facilitam o atingimento da consciência que a
quantidade de filhos desejada não deve apenas adequar -se às condições
individuais da família, mas também às condições externas da manutenção da
qualidade de vida.
Logo, o planejamento familiar, pode ser vislumbrado como política
pública, visto que a Constituição ao garantir a educação e a liberdade aos
pais, também inclui a assistência e proteção integral à saúde do casal, por
força da Lei nº 9.263, de 12 d e janeiro de 1996.
Entretanto, a paternidade responsável engloba outras obrigações a
serem cumpridas pela entidade familiar, o que demonstra que a simples leitura
do dispositivo constitucional é insuficiente.
A interpretação dada ao termo ―paternidade responsável‖
frequentemente utilizada pelos tribunais em ações que versam sobre os
direitos dos filhos, diz respeito ao dever da família em assegurar os direitos
regulados no art. 4º do Estatuto da Criança e do Ad olescente, prevendo como

14
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias.5. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2009. p. 43.
157
crime tipificado no Código Penal, arts. 244 e 246, o abandono material e
intelectual do filho menor.Tal assunto também encontra respaldo no art.
227da Constituição Federal.
Da mesma forma, é imperativo ressaltar que o princípio da paternidade
responsável deve ser interpretado conjuntamente com os arts. 229 e 230 da
Constituição Federal, bem como o art. 3º do Estatuto do Idoso, o que acaba
tornando tal nomenclatura inadequada ao fim a que se destina.
Pela observação dos aspectos anal isados, conclui-se que o princípio da
―paternidade responsável‖ deveria se chamar ―parentalidade responsável‖,
pois representa a diretriz que embasa o direito parental e o planejamento
familiar, sendo estes os dois eixos que o integram.
Direito parental no que tange à responsabilidade dos pais para com os
filhos, no dever de cuidado e sustento, sendo a recíproca verdadeira em se
tratando do dever de cuidado dos filhos com os pais idosos,ao passo que
planejamento familiar traduza autonomia do casal, para de cidir sobre a
constituição da prole, aliada a implantação de políticas públicas,não se
confundindo com controle de natalidade, que é imposto ao indivíduo por parte
do Estado, nem controle demográfico para diminuição de nascimentos.
Dada à interdisciplinari dade e o alcance do princípio, fica
demonstrado o equívoco terminológico na redação da norma constitucional.

3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ABANDONO AFETIVO

O Direito de Família contemporâneo tem se tornado mais humanizado.


O dinamismo das relações sociais con temporâneas e as novas formas de
organização familiar desafiam o Direito a encontrar soluções que se
harmonizam com essa nova realidade.
O reconhecimento da afetividade ganhou relevância no mundo
jurídico, gerando direitos, obrigações e também conflitos. C onsequentemente,
as pessoas passaram a exigir o cumprimento do dever de afeto, surgindo a
figura do abandono afetivo.
Nesse sentido, vale destacar a lição de Giselda Hironaka:

158
No mo me n to e m q ue o d irei to d e fa mí lia co n se g u ir d ize r o afet o
d en tr o d e s ua p r ó p ri a d o ut ri na , aí, si m, es tar á e feti v a me n te co n te mp l a nd o
a p es so a h u ma n a no l u g ar d o su j ei to d e d i rei to . E ser á es ta t ra n s fo r ma çã o
q ue p er mit ir á a f lo rar , n o d ireito d e fa mí lia , u m a co n cep ç ão éti ca d o se r
h u ma no . Ao co n trár io , e nq ua n to o d ire ito d e fa m íli a p ro ss e g uir i g no ra nd o
a ur g ê nc ia d a tra n s fo r ma ção , e nq ua nto e sco l her co nt i n uar si le n cia n d o
acer c a d o af eto , t ud o o q ue co n se g u ire mo s s erá o co n ti n u í s mo d e u m
te mp o j á d e scab id o , te mp o e s te q ue o p ero u u ma id e ia i nad eq u ad a ac erca
d a h u ma n id ad e, o q ue, na p r át ic a j ur íd i ca, fo i ap e na s ma i s u ma ma ne i ra
d e tr a tar a p e s so a h u ma na co mo se el a fo ss e u m a s i n ge la co i sa. 15

Apesar desse problema familiar sempre ter existido na sociedade,


apenas nos últimos anos o tema chegou aos tribunais por meio de ações em
que as vítimas, no caso os filhos, pedem indenizações por dano moral
decorrente do abandono afetivo.
Trata-se de matéria relativamente nova, portanto, ainda sem
regulamentação específica na lei ou mesmo um entendimento pacificado pela
doutrina.
A doutrina é dividi da no tocante a esse assunto e apesar de ações com
esse teor já terem sido julgadas, os Tribunais ainda não formaram um
entendimento pacífico, havendo posicionamentos divergentes entre os
julgadores.
Algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça caminha m no
sentido de se conceder a indenização, considerando que o abandono afetivo
constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e
companhia, previstos implicitamente na Constituição Federal. Entendimento
este que é objeto de criticas e ntre doutrinadores, conforme será explicado no
próximo tópico.
Por sua vez, Fátima Nancy Andrighi e Cátia Denise Gress Krüger
afirmam que a família, em todos os tempos e especialmente na atualidade, tem
como elemento primordial a afetividade, o que a difer encia de outros grupos
sociais, sendo este o substrato para orientar as decisões e pelo qual se firma
posições no universo jurídico -familiar, não se podendo falar em filiação ou de

15
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre peixes e afetos - um devaneio acerca da ética no
direito de família. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Giselda_peixes.doc.>.
Acesso em 01 de nov. 2015.
159
paternidade/maternidade, estando ausente o afeto, visto como a causa da
ligação entre pais e filhos, vale dizer, em reciprocidade. 16
A partir da sobreposição da afetividade ao fator biológico, surge para
o Direito de Família moderno um novo fundamento, no qual o afeto ganha
importância na concepção da família, que passou a ser con siderada
igualitária, plural, solidária e afetiva.
Nesse cenário, Rolf Madaleno disserta sobre a importância do afeto na
família:

O a fe to é mo la p ro p u ls o ra d o s r ela cio n a me nto s fa mi liar e s e d a s re laçõ e s


in ter p es so ai s mo v id a s p elo se n ti me nto e p elo a mo r, p ar a ao fi m e ao ca b o
d ar se n tid o e d i g n id ad e à exi s tê nc ia. A a fet i vi d ad e d e ve e sta r p res e nt e
no s ví n c ulo s d e fi lia çã o e d e p ar e nt es co , var i and o tão - so me n te na s u a
in te n s id ad e e na s e sp eci ficid ad e s d o c a so co ncr e to . 17

Com base no que foi apresentado, obser va-se que o abandono afetivo é
caracterizado pela indiferença de um genitor em relação a seus filhos, ainda
que não exista abandono material ou intelectual.
Igualmente deve ser levado em consideração o abandono dos pais
idosos pelos filhos, também conhecid o por abandono afetivo inverso ou
avesso, para que se dimensione de forma adequada o instituto em comento.
A esse respeito, o conteúdo secular da lição de Santo Agostinho é
perfeitamente aplicável e mostra -se atual face ao Direito de Família:

Ho nr ar a se u p ai e a s ua mã e, não co n si s te a p en as e m r e sp ei tá - lo s; é
ta mb é m a ss i st i -lo s na ne ce s sid ad e; é p ro p o rcio nar - l he s r ep o uso n a
ve l hi ce; é c er cá - lo s d e c uid ad o s co mo el es fiz er a m co no sco , n a i n fâ nc ia . 18

Malgrado o dever de cuidado dos filhos para com os genitor es idosos


seja regulamentado no art. 98 da Lei 10.741/03, existe um dever determinado
pelo respeito e pelo afeto dos laços familiares que independe de jurisdição,
pois se trata de dever moral e afetivo, que não deveria necessitar de
regulamentação. Entreta nto, tal dever não é respeitado e muitos idosos sofrem

16
ANDRIGHI, Fátima Nancy; KRÜGER, Cátia Denise Gress. Coexistência entre socioafetividade e a identidade
biológica – uma reflexão. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DA LUZ, Antônio Fernandes da; [et al]. (Coord).
Família e jurisdição II.– Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 83.
17
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. – Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 65.
18
AGOSTINHO, Santo. Honrai a vosso pai e a vossa mãe. In: KARDEC, Allan. O evangelho segundo o
espiritismo. – Catanduva: Boa Nova Editora, 2004. p. 183-184.
160
a dor do abandono, o que lhes traz diversos transtornos psicológicos e
agravamento de doenças.
Em entrevista ao IBDFAM, o Desembargador Jones Figueirêdo
Alves,aduz que o abandono afetivo inverso é ―a i nação de afeto ou, mais
precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores,
em regra idosos‖. Sendo esta falta do dever cuidar a base para a
indenização. 19
Na China, está em vigor desde julho de 2013 uma lei que regulamenta
a visita frequente e obrigatória aos pais, institucionalizando uma antiga
tradição chinesa de prestação de cuidados filiais aos pais idosos, considerados
vulneráveis e dignos de proteção integral. 20
Seguindo o modelo chinês, cumpre salientar que está em tramite na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.292/08, do Deputado Carlos
Bezerra, o qual estabelece, expressamente, o direito à indenização por dano
moral em razão de abandono afetivo dos pais pelos filhos.
O artigo 2º do referido projeto acrescenta o parágra fo único ao artigo
1.632 do Código Civil, bem como acrescenta parágrafo ao artigo 3º do
Estatuto do Idoso, em ambos os casos com a seguinte redação: ―O abandono
afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral.‖.
Embora o ordenamento jurí dico consagre de maneira razoável
instrumentos adequados para subsidiar a teoria da responsabilidade civil para
esse tipo de caso, faz -se necessária a regulamentação de tal direito, para a
garantia de sua efetividade.
O dever de cuidado dos filhos em relaç ão aos seus genitores tem
fundamento no princípio da solidariedade, expresso na Carta Magna, portanto
além do Direito de Família, o instituto também possui viés constitucional.
Para o encerramento deste tópico, as palavras de Mario Quintana são
reflexivas:

19
IBDFAM. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A
3o>. Acesso em: 10 Nov. 2015.
20
A ―Law of Protection of Rights and Interests of the Aged‖, Lei de Proteção dos Direitos e Interesses dos
Idosos visa afastar qualquer hipótese de abandono afetivo inverso.
161
P o r aca so , s ur p r e e nd o - me no e sp e l ho : q u e m é es se Q ue me o l ha e é t ão
ma i s ve l ho d o q u e e u? P o ré m, se u ro s to ... é ca d a v ez me no s e s tra n ho .. .
Me u De u s, me u D e u s... P arece Me u ve l ho p ai – q ue j á mo rre u ! Co m o
p ud e fi car mo s as s i m? N o s so o l h ar – d uro – i nt erro ga: ―o q u e fize s te d e
mi m? ! ‖ E u, P a i? ! Tu é q ue me i n vad i st e,
Le nta me nt e, r u ga a r u g a... Q u e i mp o r ta? E u s o u, a i nd a, Aq ue le me s m o
me n i no te i mo so d e se m p re. E o s te u s p la no s e n fi m lá s e fo ra m p o r terr a.
Ma s se i q u e v i, u m d ia – a lo n ga, a i n ú ti l g u erra ! – Vi so rrir , n es se s
ca ns ad o s o l ho s, u m o r g u lho tr is te. .. 21

4 RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES DO ABANDONO


AFETIVO E A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA SOBRE AS CONDENAÇÕES.

Conforme exposto anteriormente, há pouco tempo o judiciário foi


chamado a se manifestar sobre a questão do abandono afetivo, sendo algumas
decisões no sentido de condenar os pais que, independentemente de terem
prestado assistência alimentar, faltaram com a obrigação de a ssistência moral
aos seus filhos, privando -os de afeto e amor.
É imprescindível a análise minuciosa de cada caso em se tratando de
pedido de indenização por dano moral fundamentado no abandono afetivo
paterno, pois o referido instituto não pode ser usado c omo ferramenta para
transformar o judiciário num instrumento de vingança pessoal.
Nesse diapasão, impende destacar o entendimento de Rolf Madaleno
que aduz, in verbis:

J u sta me nt e p o r co nt a d as sep ar açõ e s e d o s re s se nt i me n to s q ue


r e ma ne sc e m na r up t ura d a s o cied ad e co nj u ga l, não é nad a i nco mu m
d ep ar ar c o m ca sa i s ap a rtad o s, u sa nd o o s fi l ho s co mo mo ed a d e tro c a ,
ag i nd o na co n tr a mã o d e s ua fu nç ão p are n tal e p o uco se i mp o rt a nd o co m
o s ne fa s to s e fe ito s d e s ua s a u sê n cia s, s ua s o mis sõ es e p ro p o s it ad a s
in ad i mp lê n cia s d o s s e u s d e ver es . T er mi na m o s fi l ho s , e xp er i me n ta nd o
vi v e nc ia s d e ab a nd o no , mu t i laçõ es p s íq uic a s e e mo c io na i s, ca u s ad a s p el a
r ej eição d e u m d o s p a i s e q ue só ser ve m p ara m ago ar o g e ni to r g ua rd iã o .
Co mo b o mb á s tico e s u p le me n tar e fei to , b ai x a a ní v ei s irr e c up er á ve is a
au to e st i ma e o a mo r p r ó p rio d o fil ho e nj e itad o p ela i n co mp ree n s ão d o s
p ai s. 22

Na visão da Psicanalista Ana Maria Iencarelli, uma criança é um


processo de construção em longo prazo que requer compromissos afetivos

21
QUINTANA, Mário. Poesia completa.– Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 410.
22
MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In: PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. (Org). A
ética da convivência familiar, sua efetividade no cotidiano dos tribunais. – Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.
163.
162
permanentes, de sorte que a negligência afetiva é muito danosa, sendo que a
deficiência e a privação de cuidado afetuoso obstruem a coesão e a
estruturação saudável da mente de uma criança ao longo do seu
desenvolvimento. 23
Giselle Câmara Groeninga esclarece que o afeto sob o enfoque jurídico
não deve ser interpretado como sendo apenas o sentimento de amor. A
afetividade, para o Direito, não se confunde com o afeto como fato
psicológico, de modo que a afetividade é dever imposto aos pais em relação
aos filhos e destes em relação àquele s, ainda que haja desamor ou desafeição
entre eles. 24
O afeto abarca, assim, todo o suporte moral que os pais devem
proporcionar aos filhos, como a real participação em sua criação, a
convivência, o diálogo, a educação, entre outros fatores. A assistência
imaterial traduz -se, portanto no apoio, no cuidado, na participação na vida do
filho e no respeito por seus direitos da personalidade, como o direito de
conviver no âmbito da família.
Para o professor Paulo Luiz Netto Lôbo, o abandono afetivo dos filhos
nada mais é do que o inadimplemento dos deveres jurídicos da paternidade. 25
Nesse sentido, a lição de Giselda Hironaka é pontual:

O d a no ca u sad o p e lo ab a nd o no a fet i vo é a n te s d e t ud o u m d a no à
p er so n alid ad e d o i nd i v íd u o . Ma c ul a o s er h u ma no e nq ua n to p e s so a,
d o tad a d e p er so n al id ad e , s e nd o c erto q ue es ta p erso n alid ad e e xi s te e s e
ma n i fe s ta p o r meio d o gr up o fa mi l iar, re sp o n s áv el q ue é p o r i nc ut ir na
cr ia n ça o s e nt i me n to d e resp o n sab il id ad e so ci al, p o r me io d o
cu mp r i me n to d a s p res c riçõ e s, d e fo r ma a q u e ela p o s s a , no fut uro ,
as s u mi r a s u a p l e na cap a cid ad e d e fo r m a j ur id ic a me n te ace it a e
so c ial me nt e ap r o v ad a. 26

A questão da (im)possibilidade de responsabilização civil dos


genitores por dano decorrente de abandono afetivo é relativamente nova e

23
IENCARELLI, Ana Maria. Quem cuida ama – sobre a importância do cuidado e do afeto no desenvolvimento
e na saúde da criança. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord). Cuidado e
vulnerabilidade.– São Paulo: Atlas, 2009. p. 168.
24
GROENINGA, Giselle Câmara. A Função do afeto nos ―contratos‖ familiares. In: BASTOS, Eliene Ferreira;
DIAS, Maria Berenice. (coord.). A família além dos mitos. – Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 203.
25
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias.– São Paulo: Saraiva, 2008. p. 48.
26
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar
por abandono afetivo. Disponível em:
<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/9365/8931>. Acesso em: 05 nov.
2011.
163
divide opiniões na d outrina, havendo uma enorme gama de fundamentos que
amparam cada uma das posições antagônicas a esse respeito.
Dentre os autores favoráveis ao cabimento de indenização, Rolf
Madaleno assevera que diferentemente dos adultos, as crianças são incapazes
de compreender a ausência imotivada do pai ou da mãe, fato que pode gerar o
direito à reparação do agravo moral sofrido pela negativa do direito que tem a
criança/adolescente à sadia convivência e referência parental. 27
Seguindo a mesma linha de pensamento, Paulo Luiz Netto Lôbo aduz
que o princípio da parentalidade responsável, previsto no art. 226, § 7º da
Constituição, não se resume ao simples cumprimento do dever de assistência
material, abrangendo também a assistência moral, dever jurídico cujo
descumprimento pode levar à pretensão indenizatória. 28
Em reflexão sobre o tema, Rodrigo da Cunha Pereira lança a seguinte
indagação: a indenização não estaria ―monetarizando‖ o afeto? A resposta,
para o jurista, é que não está, de forma alguma se quantificando o afeto, uma
vez que o quantum indenizatório, nessa
hipótese, possui função punitiva e educativa. 29
Para ilustrar a validade da tese defendida pelos autores citados,
cumpre trazer à colação um caso paradigmático, julgado no Superior Tribunal
de Justiça, cuja relator a Nancy Andrighi, com sensibilidade e um raciocínio
silogístico demonstrado em seu voto, reflete as ideias até então sustentadas:

AÇ ÃO DE I N DENI ZA Ç ÃO. D ANO S MO R AI S E M AT E RI AI S. FI LH A


H AVI D A DE R E LAÇ Ã O AMO RO S A ANT ERI OR . AB AN DO NO MO R AL
E M AT ERI AL. P AT ERN ID ADE RE CO NH E CI D A J UDI CI ALM EN T E.
P AG AMENT O D A P ENS ÃO AR B IT R AD A EM DOI S S ALÁR I OS
MÍ NI MO S AT É A M AIO RI D ADE. ALI MEN T ANT E AB AST ADO E
P RÓ SP E RO. IMP R OC EDÊ N CI A. AP E LAÇ ÃO . RE C U RS O
P AR CI ALM ENT E P RO VID O. ( ...) Es sa p er cep ção d o c uid ad o co mo te nd o
va lo r j ur íd ico j á fo i, i ncl u s i ve, i nco rp o r ad a e m no s so o rd e n a me nto
j ur íd ico , n ão co m e s s a e xp re s são , ma s co m lo c u çõ e s e t er mo s q ue
ma n i fe s ta m s ua s d i ver s as d e si n ê nc ia s, co mo s e o b ser v a d o art. 2 2 7 d a
C F/8 8 . Vê - se ho j e na s no r ma s co n st it u cio n ai s a má xi ma a mp li t u d e
p o s sí ve l e, e m p ara le l o , a cri s tal iz ação d o en te nd i me n to , no â mb i to
cie n tí f ico , d o q u e j á era e mp iri ca me n te p erceb id o : o c u ida do é
f un da me nt a l pa ra a f o r ma çã o do me no r e d o a do l es ce nte ; ga n ha o
d eb ate co nto r no s ma i s t éc nico s, po is nã o se di sc ute ma i s a me n su ra çã o

27
MADALENO, Rolf. Curso de direito de família.– Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 319.
28
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias.– São Paulo: Saraiva, 2008. p. 284
29
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem: responsabilidade civil por abandono afetivo.
Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em 11 nov. 2015.
164
do int a ng ív el – o a mo r – ma s, si m, a v e ri fica çã o do cu mp r i me nt o ,
de sc u mp ri me nt o , o u p a rcia l cu mp r i me n to , de u ma o br ig a çã o l eg a l:
cui da r . Ne g a r ao c ui d ad o o sta tu s d e o b rig ação le ga l i mp o r ta n a
v ul n er a ção
d a me mb r a na co n st it u cio na l d e p ro t eção a o me no r e ad o le sc e nt e,
cr i sta li zad a , na p ar te fi na l d o d i sp o si ti vo c it ad o : “ (...) a lé m d e co lo c á -
lo s a sa lv o d e t o da a fo r ma de n eg li g ê ncia (...)” . Alça nd o - se , no e nta n to ,
o cuid ad o à cate go ria d e o b rig ação l e ga l s up era - se o gra nd e e mp eç o
se mp r e d ec li nad o q u and o se d i s c ute o ab a nd o no a fe ti vo – a
i mp o s s ib i lid ad e d e s e o b ri gar a a ma r. A q ui nã o se fa la o u se d is cut e o
a ma r e, si m, a i mp o s içã o bio ló g ica e leg a l de c ui da r, q ue é d ev er
j ur íd ico , co ro lá rio da li ber da de da s pe s so a s d e g era r e m o u a do ta re m
f il ho s. O a mo r d i z re s p eito à mo ti v ação , q ue st ão q ue re fo ge o s l i nd es
le ga is , si t ua nd o - se , p el a s ua s ub j e ti v id ad e e i mp o s sib il id ad e d e p rec i sa
ma ter ia liz ação , no u n i v erso met a -j ur íd i co d a fi lo so fia, d a p si co lo g ia o u
d a r el i gi ão . O c uid ad o , d is ti n ta me n te , é ti s nad o p o r ele me nto s o b j e ti vo s,
d is ti n g u i nd o - se d o a mar p ela p o s sib il id ad e d e v eri fi caç ão e co mp ro va çã o
d e se u c u mp r i me n to , q ue e x s ur g e d a a va li a ção d e açõ es co ncre ta s:
p r es e nça ; co n ta to s, me s mo q u e não p re se nc ia is ; a çõ e s vo l u ntár ia s e m
fa vo r d a p r o le ; co mp ar a çõ es e n tre o tr at a me n to d ad o ao s d e ma i s fi l ho s –
q ua nd o e xi s tir e m – , e nt re o utr as fó r mu l as p o s s í ve i s q ue ser ão traz id a s à
ap r ec iaç ão d o j u l gad o r, p ela s p ar te s. E m s u ma , a ma r é fa c ul da de, cu i d a r
é dev e r. A co mp ro v aç ão q ue e s sa i mp o s ição leg al fo i d es c u mp rid a
i mp l ica. P o r ce rto , a o co rrê nc ia d e i li ci t ud e ci vi l, so b a fo r ma d e
o mis s ão , p o i s na hip ó te se o n o n fa c er e q ue a ti n ge u m b e m j ur id ic a me n t e
tu te lad o , lei a - se, o ne ce s sário d e ver d e c ria ção , ed u cação e co mp a n h ia –
d e c uid ad o – i mp o r ta e m v u l ner ação d a i mp o si ção l e ga l. (ST J , RE s p .
1 .1 5 9 .2 4 2 - SP . Re l. Mi n. Na nc y An d r i g hi. Dj . 2 4 .0 4 .2 0 1 2 ).

A omissão do pai no exercício dos encargos oriundos do poder


familiar, abstendo-se de cumprir o dever de ter a filha em sua companhia,
acarreta em danos emocionais merecedores de reparação. A ideia traduzida no
voto da Ministra está em sintonia com a lição de Rodrigo da Cunha Pereira ao
salientar:

Não é p o s s í vel o b r i gar n in g u é m a a ma r. No e n ta nto , a e sta d e s ate n ção e a


es te d es a fe to d e v e m co rresp o nd er u ma sa nç ão , so b p e na d e ter mo s u m
d ir ei to acé f alo , u m d ire i to va zio , u m d ire ito i ne xi g í ve l. Se u m p ai o u u ma
mã e não q ui ser e m d ar a te nção , c ari n ho e a feto àq u ele s q ue tro u xera m a o
mu n d o , n i n g ué m p o d e o b rig á -lo s, ma s à so cied ad e c u mp r e o p ap el
so l id ár io d e l h e s d iz er, d e al g u ma fo r ma, q u e i s so não e s tá c erto e q ue t al
ati t ud e p o d e co mp ro m eter a fo r ma ção e o carát er d es sa s p e s so as
ab a nd o nad a s a fet i va me n te. 30

Por outro lado, há auto res que entendem no sentido de ser impossível a
responsabilização civil no caso de abandono afetivo.
Segundo Francisco Alejandro Horne, na relação entre pais e filhos, a
liberdade afetiva está acima de qualquer princípio componente da dignidade

30
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o homem: responsabilidade civil por abandono afetivo.
Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=392. Acesso em 11 nov. 2015.
165
da pessoa humana, sob pena de gerar um dano ainda maior para ambos. Mais
danoso do que a desvinculação afetiva, para o autor é o fato de obrigar um pai
a cumprir o dever de visitar o filho , sob o temor de uma futura ação de
reparação de danos. 31
Da mesma forma, é o entendimento de Angelo Carbone:

Na ver d ad e, não e xi s te d ano mo r al ne m si t ua çã o si mi la r q u e p er mi ta u ma


p en al id ad e i nd e n iza tó r i a p o r ab a nd o no a fe ti vo . O p a i d e v e c u mp r ir s u as
r esp o n sab il id ad e s fi na nc eira s. O p a ga me n to re g u lar d a p e n são a li me n t íc i a
s up r e o u t r a s l ac u na s, i nc l u si ve s e nt i me nt ai s. P ara s u st e nt ar o fi l ho , o s
p ai s t ê m q ue tr ab al ha r, co m o o b j et i vo d e ma n t er u m b o m n í ve l d e v id a
até a ma io r id ad e o u a fo r mat ura na fac u ld ad e. I s so j á é u m ato d e a feto e
r esp eito . 32

Como se observa, de acordo com o aut or, o simples apoio material aos
filhos, como o ato do pagamento da prestação alimentícia é suficiente e, além
disso, representa afetividade.
Por sua vez, há quem entenda que a imposição de sanção pecuniária
nessa situação pode gerar efeitos colaterais mai s gravosos do que a
desvinculação afetiva, conforme salienta Leonardo Castro em suas
considerações:

P o d e mo s cr iar u m p ro b l e ma ma is gra v e. M u ito s p ais , n ão p o r a mo r, ma s


p o r te mer a J u s tiç a, p a s sar ão a e xi g ir o d ir ei to d e p art icip ar at i va me n t e
d a v id a d o f i l ho . Ai nd a q u e sej a u m ma u p a i, far á q u e stão d a
co n v i vê nc ia, e a mãe, zelo sa, ser á o b ri gad a a p arti l har a g uard a co m
al g ué m q u e cl ara me n t e n ão p o s s ui q u alq u e r afeto p e la c ria n ça. A
co nd ição d e a mo r co mp u lsó r io p o d er á ser ai nd a p io r q ue a a u sê nc ia. 33

Para os defensores dessa linha de pensamento, a intervenção do


Judiciário em questões relativas ao sentimento é perigosa em coloca em risco
relações que não são de sua alçada, além de revelar -se ineficaz a reparação
civil fundada em uma situação delicada, nasci da no ambiente mais íntimo da
vida pessoal, qual seja a família.

31
HORNE, Francisco Alejandro. O não cabimento de danos morais porabandono afetivo do pai. Disponível
em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=298>. Acesso em: 12 nov. 2015.
32
CARBONE, Angelo. Abandono afetivo e a justiça. Disponível em:
<http://www.paranaonline.com.br/canal/direitoejustica/news/155565/?noticia=ABANDONO+AFETIVO+E+A+
JUSTICA>. Acesso em: 12 nov. 2015.
33
CASTRO, Leonardo. O preço do abandono afetivo. Disponível em:
<http://www.webartigos.com/articles/2866/1/O-Preco-Do-Abandono-Afetivo/pagina1.html>. Acesso em: 13nov.
2015.
166
CONCLUSÃO

Com o processo evolutivo pelo qual passou o Direito de Família,


sobretudo após a promulgação da Magna Carta de 1988 e do Código Civil de
2002, o afeto passou a ser o principal elem ento caracterizador da entidade
familiar.
Assim, ante a nova roupagem conferida à família contemporânea, que
se afirma como local de realização pessoal de cada um de seus membros,
surgiu, entre outros, o debate sobre a (im)possibilidade da responsabilizaçã o
civil dos pais pelo abandono afetivo dos filhos menores, cuja solução tem se
demonstrado controvertida na doutrina e na jurisprudência.
A compensação pecuniária tem função punitiva e educativa, pois, já
que o afeto não pode ser valorado pecuniariamente, esta conduta deve servir
para demonstrar que a conduta do pai, ao negar afeto ao filho, está
equivocada.
A indenização tem por escopo uma finalidade compensatória, visto que
o dano moral decorrente do abandono afetivo funda -se na negação, no
desamor provocado pelo pai em relação ao filho e também educativa, pois
visa à conscientização do genitor de que seu ato corresponde a um mal, moral
e jurídico.
Os argumentos de que a reparação civil por abandono afetivo não pode
ser deferida, vez que não há como se mensurar o amor ou mesmo a hipótese
de que a coerção do pai a convivência forçada com o filho pode acarretar uma
situação pior são descabidos,já que objetivo da punição pela reparação civil
para esses casos no sistema brasileiro é de compensar e educar pel os danos
sofridos.
Superado o estudo dos dispositivos que regem a matéria, bem como a
doutrina e a principiologia, com base na jurisprudência existente, entende -se
ser juridicamente possível a responsabilização civil dos pais pelo abandono
afetivo dos filhos menores e por analogia, os pais idosos.

167
REFERÊNCIAS

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168
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BARRETO, Viviane. (Coord.). A nova família: problemas e perspectivas.– Rio de Janeiro:
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169
11 O DIREITO FUNDAMENTAL À IDENTIDADE GENÉTICA
E A INSEMINAÇÃO IN VITRO NO CONTEXTO DAS
FAMÍLIAS MONOPARENTAIS

Sabina de Oliveira Varalda


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Direito
pela FCHS – Unesp/Franca.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Conceitos biológicos. 2 Direito ao anonimato e a inviolabilidade


da vida privada. 3 Direito Fundamental a identidade genética e cidadania. 4 Conflito entre
princípios. Conclusão. Referências.

RESUMO: Devido às transformações ocorridas na biociência possibilitando novas formas de


reprodução através da fertilização artificial surgiram novas problemáticas jurídicas que
carecem de especial atenção. A fertilização artificial heteróloga, método que utiliza gametas
de doadores em pessoas que desejam ter filhos, de onde emerge a questão abordada, que é o
conflito entre o princípio da identidade genética e o princípio da inviolabilidade da
privacidade. O presente estudo não pretende esgotar o tema ou dar a palavra final na
discussão, busca-se, de forma concisa, demonstrar a dificuldade de ponderação entre
princípios fundamentais quando o objeto de estudo são os direitos da personalidade. E talvez
expor de forma suscintamente os principais pontos do debate acadêmico sobre o tema.

ABSTRACT: Duetochangesoccurring in biosciencecreating new formsofreproductionthrough


artificial fertilizationemerged new legal issuesthatrequirespecialattention. The heterologous
artificial fertilizationmethodusingdonorgametes in peoplewhowishtohavechildren, fromwhich
emerges thepresentissue,
whichistheclashbetweentheprincipleofgeneticidentityandtheprincipleofinviolabilityofprivacy.
Thisstudy does notintendtoexhaustthethemeorgivingthe final say in thediscussion, theaimis
,concisely , demonstratethedifficultyof balance between fundamental
principleswhentheobjectofstudy are therightsofpersonality.
Andmaybeexposesosuccinctlythemain points oftheacademiccontroversyaboutthesubject .

INTRODUÇÃO

A evolução cientifica tecnológica possibilitou o surgimento de novas formas de


reprodução humana, na qual pessoas inférteis ou sem parceiros poderiam ser fertilizadas
artificialmente com gametas de doadores combinados com o seu material genético para que
pudessem se tornar pais.
170
Dessa forma, utilizando os próprios gametas ou de gametas de doadores a
infertilidade foi superada por aqueles que queriam se reproduzir. Isso culminou no surgimento
de família monoparentais criadas através de reprodução assistida heteróloga, ou seja, pessoas
que gostariam de ter filhos de modo independente da estrutura familiar tradicional.
Formando assim famílias monoparentais que estão protegidas no artigo 226, § 4º da
Constituição Federal, tendo garantida a cidadania de seus membros e o acesso às políticas
públicas oferecidas a sociedade.
Esse tipo de reprodução artificial trás algumas especificidades como a previsão do
anonimato do doador, bem como a impossibilidade de cobranças de qualquer obrigação
familiar, já que este no momento da doação não possui interesse na criação de uma família.
Nesse aspecto o anonimato garante uma inserção maior da criança no ambiente
familiar que a acolheu, pois de outro modo, ela poderia ficar confusa e enfrentar dificuldades
de desenvolvimento.
Por outro lado, o direito a conhecer a identidade genética é previsto pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, e abrangido pelo principio da dignidade humana. Visto se tratar de
um aspecto fundamental para o conhecimento sobre doenças genéticas, que podem afetar
futuramente a qualidade de vida do indivíduo.
Tratam-se de dois direitos previstos pela Constituição Federal, o direito a intimidade
e a privacidade e o direito a identidade genética, criando um impasse na aplicação de ambos e
justificando o debate sobre o tema.

1 CONCEITOS BIOLÓGICOS

As técnicas de reprodução humana assistida surgiram como forma de resolver


problemas causados pela esterilidade possibilitando a realização de anseios pessoais ligados à
procriação. A reprodução assistida é o conjunto de diferentes técnicas utilizadas no processo
de reprodução humana, ou seja, qualquer interferência humana no processo natural de
reprodução.
E ainda, por inseminação artificial se compreende ―todas as técnicas de reprodução
assistida que permitem a geração da vida, independentemente do ato sexual, por método
artificial, cientifico ou técnico‖1. Nesse sentido Maria Berenice Dias acrescenta:

1
DI AS, Mar ia B er e ni ce. M a nua l de di re ito da s fa mí lia s. 8 . ed ., re v. e a tu al. – S ão P a ulo :
Re v i sta d o s T r ib u n ai s, 2 0 1 1 . p . 3 6 6 .
171
É importante destacar que a inseminação artificial ou fecundação in vivo difere-se
dafertilização in vitro, uma vez que, explica Machado (2010, p. 33), nesta o encontro
doespermatozoide com o óvulo não ocorrerá na trompa, mas no laboratório, em um tubo ou
emcultura laboratorial. A fecundação artificial, segundo Bernard (1994, p. 73 e 81) foi o
primeiroexemplo de procriação medicamente assistida, sendo atualmente uma das técnicas
maisutilizadas, por se afigurar uma das de mais simples aplicação. Trata-se de uma
2
verdadeirarevolução biológica, ética e social.

E esta revolução trazida pela biomedicina interfere diretamente no campo dos


direitos humanos e na cidadania, por que no caso da fertilização in vitro heteróloga 3, os
gametas (ou apenas um deles) pertencem a um doador anônimo, que não possui qualquer
vinculo com os parentes sócio afetivos.
Essa forma de fertilização produz diversos efeitos jurídicos, nos casos de fertilização
durante o casamento o artigo 1.597, inciso V do Código Civil Brasileiro de 2002 que dispõe o
seguinte: ―Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por
inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido‖.
E uma vez dado o consentimento para esse tipo de fertilização este não poderá ser
revogado e nem a paternidade poderá ser impugnada pelo marido em razão do critério
biológico. ―A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem
possibilidade de retratação, o desejo de ser pai‖.4
Segundo determinação dos itens 1, 2 e 3 do Tópico IV, da Resolução nº 1.957/2010
do CFM, deve ser garantido o anonimato do doador, assim como também dos que receberão o
material doado. Observe-se:

1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.


2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e
embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre

2
C AB R AL, H ild el iza La cer d a T i no co B o ec h at, C AM AR D A, D a ya ne F e rreira . Int i mi da de
Ver s us O rig e m Ge né t ica : A Po nd era çã o de I nt ere s se s A pl ica d a à Repro d uçã o
As s ist i da H et eró lo g a . D i sp o ní v el e m: < ht tp : // www -
an ti go . mp mg . mp .b r /p o r t al/p ub li c/ i nter n o /arq u i v o /id /3 2 4 2 7 > Ace s so : 2 5 o ut . 2 0 1 5 .
3
Além desse tipo de fertilização há ainda a fertilização homologa, a qual é feita com o material genético dos
cônjuges ou companheiros. Não trazendo maiores complicações uma vez que o Código Civil Brasileiro prevê em
seu artigo 1.597, inciso III: Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: havidos por
fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Além disso, nesses casos o critério biológico será
utilizado para se aferir a paternidade ou a maternidade da criança.
4
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed., rev. e atual. – São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 396.
172
doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos,
resguardando-se a identidade civil do doador.5

Quando ao caráter gratuito da doação a Resolução nº 1358/1992 do Conselho Federal


de Medicina já dispunha sobre a doação de gametas ou óvulos. Segundo ela a ―doação‖ nunca
poderá ter caráter lucrativo ou comercial, evitando-se, com essa medida, que surja uma
―indústria‖ que comercialize material genético, coibindo-se uma coisificação da vida humana.
Ela prevê ainda que os doadores não poderão conhecer a identidade dos receptores e
vice-versa. Recomendação esta que visa proteger o direito fundamental ao anonimato do
doador de material genético, em observância ao direito constitucional à preservação da
intimidade, que determina, inclusive, a sua inviolabilidade, conforme previsto no artigo 5º,
inciso X da Constituição Federal de 1988.

2 DIREITO AO ANONIMATO E A INVIOLABILIDADE DA VIDA PRIVADA

O anonimato do doador é garantido pela Constituição Federal e pelo Conselho


Federal de Medicina, no entanto esse direito que o protege entra em conflito com o direito do
feto, pois esse, com base no princípio da dignidade humana, tem o direito de conhecer sua
origem biológica.
Segundo Guilherme Calmon, tal se sigilo se justificaria:

O anonimato dos pais naturais - na adoção – e na pessoa do doador – na reprodução


assistida heteróloga – se mostram também necessários para permitir a plena e total
integração da criança na sua família jurídica. Assim, os princípios do sigilo do
procedimento (judicial ou médico) e do anonimato do doador têm como finalidades
essenciais a tutela e a promoção do melhor interesse da criança ou adolescente,impedindo
qualquer tratamento odioso no sentido da descriminação e estigma relativamente à pessoa
adotada ou fruto de procriação assistida heteróloga. 6

O sigilo quando a identidade do doador garantiria a discrição e evitaria


constrangimentos decorrentes da ausência de vinculo afetivo com a criança. A proteção do
sigilo garantiria também a manutenção dos números de doadores, já que sob o julgo da
insegurança jurídica e da possibilidade de ter sua identidade revelada muitos podem optar por
não serem mais doadores.
5
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução 1.957/10. Disponível em: <
http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm>. Acesso 30 out. 2015.
6
GAMA, Guilherme C. Nogueira da. A Nova Filiação. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 903.
173
Além desses fatores o Conselho de Justiça Federal diz no art. 21 de seu Enunciado nº
405 que ―As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para
fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com
autorização do titular‖.
Fica claro que a quebra desse sigilo tem grande consequências no ordenamento
jurídico, e conforme previsto no enunciado acima, só seria aceitável com a autorização do
titular. Caso este se negue, e a quebra ocorra, poderá se pleitear dano moral por violação ou
quebra de sigilo gerando uma obrigação de indenizá-lo.
É importante ressaltar que a divulgação da identidade do doador não irá impor
nenhuma obrigação familiar a este ou a criança, e nenhum dos dois terá direito de cobrar
alimentos ou qualquer direito decorrente da relação parental.

3 DIREITO FUNDAMENTAL A IDENTIDADE GENÉTICA

O direito a identidade está previsto na Constituição Federal como um dos direitos


inerentes a personalidade humana, e ele abrange entre outros o direito a identidade genética
que seria conhecer sua origem biológica.
A importância do direito a identidade pessoal é tamanha que pode influenciar a vida
e a saúde da criança, conforme Olga JubertKrell explica:

Assim, o direito à identidade pessoal envolve um direito à historicidade pessoal,para que


cada um possa saber como foi gerado, a identidade civil de seus progenitores e conhecer o
seu primogênito genético, o que pode ser essencial para a prevenção e mesmo cura de
doenças hereditárias. É correta a afirmação de que ―a bagagem genética é hoje parte da
identidade da pessoa‖. Visto assim, a fórmula identidade genética compreenderia também o
direito ao conhecimento da identidade dos progenitores.7

Muitas doenças hereditárias só podem ser descobertas e tratadas com o conhecimento


do histórico familiar, e privar o indivíduo de uma saúde plena para garantir a prevalência total
do direito a intimidade é temerário.
É um direito intrínseco ao princípio da dignidade humana, sendo, portanto,
personalíssimo, irrenunciável e imprescritível, pois se trata de um direito da personalidade.
Ele é ainda um garantidor de cidadania, pois está só se efetiva realmente quando a dignidade
humana é respeitada e sua efetivação é colocada como objetivo principal de políticas públicas.

7
KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução humana assistida e a filiação civil. Curitiba: Juruá, 2011. p. 165.
174
Do art. 227, § 6º da Constituição Federal subsumisse o direito ao conhecimento da
origem genética, já que este direito é garantido aos filhos biológicos, as crianças nascidas de
inseminação artificial também estão assistidas por ele.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, através da modificação trazida pela Lei
12.010/2009, esclarece:

Artigo 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter
acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após
completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser
também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada
orientação e assistência jurídica e psicológica.

Nesse caso, se a criança adotada tem esse direito, a concebida através de fertilização
artificial também o possui. Ficando clara a ampla proteção legal dada a esse direito da
personalidade.
Cumpre salientar que o conhecimento da identidade genética nada afeta os vínculos
sócio afetivos que se mantêm independentes da origem biológica. No entanto, não se pode
negar o conhecimento desta, pois isso teria o potencial de afetar a saúde física e psicológica
do indivíduo.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou nesse sentido,

Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade. Admitir-se o reconhecimento do


vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no
artigo 48 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento
dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a
ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável
necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito,
de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA.
(STJ - REsp: 127541 RS 1997/0025451-8, Relator: Ministro EDUARDO RIBEIRO, Data
de Julgamento: 10/04/2000, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28.08.2000
p. 72 RBDF vol. 7 p. 67 RJADCOAS vol. 15 p. 19 RSTJ vol. 139 p. 241)

Com essa decisão ficou reconhecida a coexistência de dois direitos, inicialmente


opostos e conflitantes, o reconhecimento da identidade familiar e o direito ao conhecimento
da identidade genética. A decisão garantiu e preservou ambos, demonstrando a flexibilidade e
a importância de uma interpretação humanizada.

175
4 CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS

Pelo acima exposto fica claro um conflito entre os direito a intimidade do doador e o
direito ao conhecimento da origem genética. Ambos estão previstos na Constituição Federal e
são garantias pessoais.
Nesses casos é preciso realizar ponderação de princípios, para que se possa verificar
qual deve ou não prevalecer. No presente estudo serão analisadas duas correntes, que propõe
abordagens diferentes para a questão.
A primeira corrente é a favor da prevalência do direito a identidade genética sobre o
direito a intimidade, segundo ela pelo fato da dignidade humana esta prevista no art. 1º inciso
III da Constituição Federal está deve ser tratada como cláusula geral de tutela de todas
situações envolvendo violações à pessoa.
Selma Rodrigues Petterle é uma das doutrinadoras que integra essa corrente e afirma:

Em que pese o direito fundamental à identidade genética não estar expressamente


consagrado na atual Constituição Federal de 1988, seu reconhecimento e proteção podem
ser deduzidos, ao menos de modo implícito, do sistema constitucional,notadamente a partir
do direito à vida e, de modo especial, com base no princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana, no âmbito de um conceito materialmente aberto de direitos fundamentais.
De tal sorte, o fio condutor aponta o norte da continuidade desta investigação: a cláusula
geral implícita de tutela das todas as manifestações essenciais da personalidade humana. 8

Dessa forma o legislador demonstrou profunda preocupação em proteger os direitos


humanos e a pessoa. Os direitos da personalidade, portanto, são formas de garantia da
dignidade humana, sendo tudo aquilo que permita que o indivíduo exerça seu papel de
cidadão.
Também nesse sentido Maria Helena Diniz :

A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem
direito a personalidade. A personalidade é que apoia os direitos e deveres que dela irradiam,
é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade,
para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar as condições do ambiente, em
que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.9

Sendo o principio da dignidade humana a base do ordenamento e o objetivo final das


8
PETTERLE, Selma Rodrigues. O Direito Fundamental à Identidade Genética na Constituição Brasileira.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 87.
9
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 119.
176
ações de Estado, este deve prevalecer e ser protegido. Portanto negar a pessoa o direito a
conhecer sua identidade genética seria negar-lhe um direito personalíssimo, violando sua
dignidade e contrariando o âmago da Constituição Federal.
Segundo Lôbo, o direito ao conhecimento da origem genética não implica em
presunção de filiação e, portanto, não traria nenhum prejuízo ao genitor doador.

O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou


exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. Sua sede é o direito da personalidade,
que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as ciências biológicas têm
ressaltado a insuperável relação entre medidas preventivas de saúde e ocorrências de
doenças em parentes próximos.10

Para essa corrente não há qualquer prejuízo em violar o direito a intimidade do doador,
já que com isso ele não será obrigado a ter qualquer relação de filiação e
paternidade/maternidade com o indivíduo.
A segunda corrente preza pelo direito a intimidade e a privacidade dos doadores, pois
quando da doação a pessoa pressupõe o sigilo de sua identidade como forma de evitar
eventuais constrangimentos futuros.Hildeliza e Dayane mencionam a questão:

Dessa forma, parte da doutrina defende o anonimato dos doadores, tendo em vista não
apenas o direito à intimidade do doador de gametas, mas, sobretudo o bem-estar emocional
e psíquico da criança, que poderá ressentir-se com tal revelação, prejudicando a sua
―absorção integral‖ pela família, porém de qualquer maneira deverá prevalecer o melhor
interesse da criança (TEPEDINO, 1999, p. 415).11

Para essa corrente a vedação da quebra do sigilo esta fartamente prevista na


legislação, no art. 5º inciso X da Constituição Federal, no art. 21 do Código Civil, que dispõe
―A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado,
adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.‖,
e ainda na Resolução nº 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina.
Afirmando inclusive que a violação desse direito ensejaria ação de danos morais por
violação ou quebra de sigilo. Segundo eles o sigilo não prejudicaria a qualidade de vida do
concebido, já que na doação o doador deve informar seu histórico médico, e caso este seja

10
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 203.
11
CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat, CAMARDA, Dayane Ferreira. Intimidade Versus Origem
Genética: A Ponderação de Interesses Aplicada à Reprodução Assistida Heteróloga. Disponível em:
<http://www-antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/32427> Acesso: 25 out. 2015.
177
insuficiente o doador poderá ser contatado por um médico, para eventuais exames em casos
de doenças genéticas que possam afetar o concebido.
Mas mesmo nesses casos sua identidade será preservada e sendo utilizada apenas as
informações estritamente necessárias para a solução do problema.
Essa corrente ainda afirma, que a divulgação da identidade do doador prejudicaria a
adaptação da criança na família sócio afetiva. Frediani12 se posiciona a favor da manutenção
do sigilo dos doadores anônimos, e, que este deve prevalecer, garantindo dessa forma, a
autonomia e o desenvolvimento normal da família em condições de segurança e de discrição.
Dessa forma o direito a privacidade seria mantido e ainda poderia se garantir que a
saúde do individuo fruto da fertilização artificial poderia ser garantida, bem como o bem estar
social deste, sob o qual não pairaria o espectro dos pais biológicos.

CONCLUSÃO

A evolução da biotecnologia criou novas formas de reprodução, que possibilitaram o


surgimento de relações jurídicas anteriormente inexistentes e que precisam ser reguladas e
estudadas.
A fertilização artificial heteróloga, é sem sombra de dúvidas um ponto crucial nessa
evolução, mas também é um ponto polêmico devido a necessidade de sigilo dos doadores de
gametas, que colide com o direito dos indivíduos nascidos dessa doação de conhecerem a sua
origem biológica.
Não há um consenso sobre o assunto, a doutrina diverge quanto aos mais variados
aspectos, principalmente por se tratarem de direitos fundamentais.Se por um lado temos a
inviolabilidade da intimidade e a garantia do sigilo do doador, assegurando a este a
estabilidade jurídica que contribui para a manutenção do número de doações.
Por outro lado há a vida da pessoa concebida através da fertilização artificial, pois o
direito ao conhecimento da identidade genética é personalíssimo e está diretamente ligado
com a dignidade humana desta pessoa.
Quando se trata de direitos fundamentais da colisão irá decorrer a supremacia de um
sobre o outro, no entanto, esta predominância não está estabelecida em lei e muito menos
pacificada na doutrina ou na jurisprudência. Sendo a única saída a ponderação nos casos
concretos visando sempre a maior proteção a ambos direitos.
12
FREDIANI, Yone. Patrimônio Genético. Revista de Direito Privado. n. 2, v. 1, Coord. por Nelson Nery Júnior
e Rosa Mª de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.128-143.
178
REFERÊNCIAS

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat, CAMARDA, Dayane Ferreira. Intimidade


Versus Origem Genética: A Ponderação de Interesses Aplicada à Reprodução Assistida
Heteróloga. Disponível em: <http://www-
antigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/arquivo/id/32427> Acesso: 25 out. 2015.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Resolução 1.957/10. Disponível em: <


http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1957_2010.htm>. Acesso 30 out.
2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed., rev. e atual. – São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002.

FREDIANI, Yone. Patrimônio Genético. Revista de Direito Privado. n. 2, v. 1, Coord. por


Nelson Nery Júnior e Rosa Mª de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,
p.128-143.

GAMA, Guilherme C. Nogueira da.A Nova Filiação. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 903.
KRELL, Olga Jubert Gouveia. Reprodução humana assistida e a filiação civil. Curitiba:
Juruá, 2011.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008.

PETTERLE, Selma Rodrigues. O Direito Fundamental à Identidade Genética na


Constituição Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

179
12 FAMÍLIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: A INTERVENÇÃO
ESTATAL E A PROTEÇÃO AOS NOVOS ARRANJOS
FAMILIARES

Zulaiê LoncarcciBreviglieri
Mestranda no Programa de Pós -
Graduação em Direito pela FCHS –
Unesp/Franca.

Leandro Teodoro Andrade


Mestrando no Programa de Pós -
Graduação em Direito pela FCHS –
Unesp/Franca.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Os novos arranjos familiares: um olhar sobre a


família contemporânea. 2 Família e políticas públicas: protagonismo e
insuficiências. 3 Avanços na proteção à família no contexto das políticas
públicas. Conclusão. Referências.

RESUMO: O presente estudo busca refletir a respeito do impacto que as distintas formas de
família representam na sociedade contemporânea e seus possíveis reflexos nas políticas
públicas, procurando analisar a maneira como os programas estatais influenciam e interferem
na configuração desses arranjos, bem como a forma como o Estado pensa e tutela o núcleo
familiar por meio de suas intervenções. O estudo questiona os limites entre direitos
individuais e a privatização das responsabilidades pelo bem-estar social atribuídas à família,
bem como o seu papel no mundo contemporâneo diante da ineficiência estatal, do avanço
mercadológico e dos novos contornos familiares emergentes na contemporaneidade.Busca-se,
assim, debater a respeito da utilização da família como critério de intervenção do Estado por
meio das políticas públicas, pontuando de que maneira ela é vista pelos programas sociais, e
qual seria a melhor maneira de atuação pública para que nenhum grupo social ou
configuração familiar esteja sistematicamente em situação de exclusão.

Palavras-chave: Famílias Contemporâneas. Políticas Públicas. Novas formas de família.

ABSTRACT: This study aims to reflect on the impact that the different forms of family
represent in contemporary society and its possible impact on public policy, trying to analyze
how state programs influence and interfere in the setting of these arrangements and how the
State think and protects the family unit. The study questions the boundaries between
individual rights and the privatization of responsibilities for social welfare assigned to the
family as well as its role in the contemporary world in the face of state inefficiency, the
marketing advances and new emerging familiar contours nowadays. The aim is to thus discuss
about the use of family as a criterion for state intervention through public policies, pointing
out how she is seen by social programs, and what would be the best way for public
intervention so that no social group or family configuration is systematically suffering
exclusion.

Keywords: Modern Family. Public policy. New forms of family.

180
INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo é reflexo de um processo econômico,


cultural, político e social que despontou desde o início da modernidade,
gerando profundos impactos no comportamento das pessoas e seus arranjos
interindividuais, suas formas de relacionamento em si e a maneira como
constituem seus laços afetivos, seus vínculos de segurança e sociabilidade.
Muitas dessas transformações e mudanças de valores foram sendo
acompanhadas pela legislação e pelas políticas públicas ao longo das décadas,
no entanto, dada à velocidade em que a sociedade contemporânea se modifica
e se reinventa, há situações latentes em que as normas formas de família
ainda carecem de uma maior tutela pública, merecendo uma atenção mais
cuidadosa sobretudo diante da conjuntura atual, na qual v ive-se um avanço
cada vez mais brusco do capital e a entrega do dever de bem -estar individual
ao mercado e à família, causando uma sobrecarga de expectativas e
responsabilidades do núcleo familiar, que muitas vezes não corresponde ao
modelo tradicional de família patriarcal, monogâmica e economicamente
estruturada.
Toda essa carga de deveres coexiste com o preconceito, ainda resiste
principalmente por parte dos setores mais conservadores da sociedade, que
muitas vezes ameaçam o pleno desenvolvimento das nov as formas de família,
mais alinhadas aos laços da afetividade do que aos padrões dominantes
tradicionalmente impostos.
Desse modo, cabe perguntar: de que forma o Estado tutela as famílias
em suas políticas públicas? De que tipo de proteção a família brasi leira
contemporânea necessita?
As possíveis respostas acerca das questões acima formuladas são os
objetivos primários do presente trabalho, que também procura inserir na
comunidade jurídica contemporânea o debate acerca das relações entre direito
de família e políticas públicas, de forma ir além daquela velha oposição
envolvendo direito público e direito privado.
Sobre as diretrizes metodológicas que nortearam o cumprimento dos
objetivos propostos pela pesquisa que ora se apresenta, jamais podemos

181
olvidar que o somatório do conhecimento parcial do saber dogmático do
direito não torna os juristas, por si só, aptos ao desvelar da realidade social 1.
Em tempos de pós -modernidade 2, em que a complexidade das relações atinge
níveis de diferenciação inesgotáveis, é papel do jurista exercer uma alteridade
que lhe permita desvelar as mais magníficas peculiaridades presentes no
outro; na diferença.
Nesse sentido, para trabalhar com temas tão delicados e tão
contundentes em nossa sociabilidade foi necessário uma revisão bibliográfica
e ultrapassasse as fronteiras do saber jurídico, mas indo além e buscando o
suporte necessário em outras ciências sociais, como a ciência política, a
sociologia, a administração pública e a psicologia. Só assim foram possíveis
os raciocínios lógico-dedutivos necessários a que chegássemos ao
conhecimento que se traduziram nas conclusões expostas ao final do trabalho.
Ainda sobre o aporte metodológico do trabalho, devido à natureza
contrafática 3 em que muitas vezes o direito se apresenta foi fo rçoso um
raciocínio dialético que trouxesse a realidade social à ciência jurídica, e não
o contrário. Assim, a pesquisa que se apresenta se propõe a trazer a realidade
social à ciência do direito e não confrontá -las ou ainda estabelecer parâmetros
jurídicos ao comportamento social humano.
Foram essas as diretrizes estruturantes do desenvolvimento da
pesquisa que, traduzida neste paper, procura propor parâmetros de respostas
jurídicas e políticas a questões fáticas que urgem em nosso comportamento,

1
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito .3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 16.
2
Segundo Eduardo Bittar, ―a pós-modernidade não surgiu do nada, ou como mera invenção do gabinete do
filósofo. Não se trata de uma moda acadêmica, ou de um tema que recheia as prateleiras de livros novos. É da
história que colhem as evidências de sua construção, de uma construção que lenta e paulatinamente vem se
operando no subterrâneo do inconformismo com relação à colheita dos descalabros realizados da modernidade.
Como problema, a pós-modernidade somente foi captada pela sensibilidade teórica e humana do pensamento
contemporâneo, após a grande recaída a que o projeto moderno conduziu a humanidade, seguindo o pensamento
de Adorno. A pós-modernidade é por isso, como movimento intelectual, a crítica da modernidade, a consciência
da necessidade de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da história e da quebra das
grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capazes de ir além dos horizontes fixados pelos
discursos da modernidade. Ao mesmo tempo, como contexto histórico, a pós-modernidade é sintoma de um
processo de transformações que estão profundamente imersas em uma grande revolução cultural, que desenraiza
paradigmas ancestralmente fixados‖. BITTAR,Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade e
reflexões frankfurtianas. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 145 e 146.
3
DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. p. 103,
182
como a ampla possibilidade de arranjos familiares que hoje se constroem na
medida em que o ser -humano exerce sua instintiva liberdade.

1 OS NOVOS ARRANJOS FAMILIARES : UM OLHAR SOBRE A


FAMÍLIA CONTENPORÂNEA

Ao longo das últimas décadas, a noção de ―família‖ vem so frendo


diversas modificações em sua composição, arranjos e características. No
entanto, para lidar com o tema, faz -se necessário um olhar que fuja dos
simplismos, já que não é possível apontar de maneira rasa os motivos que
desencadearam todas essas transf ormações, tampouco se pode atribuir de
forma fechada e única quais os fatores que provocaram tamanhas mudanças.
Um olhar pela literatura especializada permite afirmar que os autores
convergem quanto à adoção do paradigma da modernidade como ponto fulcral
das mais significativas transformações.
Dentro do amplo contexto da pós-modernidade, é possível apontar
importantes acontecimentos que provocaram impactos profundos na
reconfiguração da sociedade e, consequentemente, nas feições familiares.
Oliveira 4 aponta como fatos relevantes o início da era industrial ;a abolição da
escravatura; a organização da população; o crescimento da economia e a
aceleração d o processo de retirada da pr odução de casa para o mercado; a
pressão pelo consumo de bens e serviços, c aracterísticas inerentes ao
capitalismo, anteriormente produzidos no espaço doméstico, apertando os
orçamentos familiares; e o trabalho assalariado, que passa a ser instrumento
também utilizado pelas mulheres.
Apesar de tantas transformações, a autora obs erva que diversos traços
típicos da família e sociedade anterior ainda insistem sobre os arranjos
interindividuais. Desse modo, por exemplo, persiste o controle sobre a
sexualidade feminina e as relações de classe. O conservadorismo, os tabus
religiosos e o patrimonialismo colaboram para que, mesmo que alguns
conceitos tenham evoluído ou até mesmo deixado de existir, percebamos a
existências destes na sociedade, ainda que de forma oculta. Não por outra

4
OLIVEIRA, Nayara Hakime Dutra. Recomeçar: família, filhos e desafios. São Paulo: Editora UNESP;
SãoPaulo: Cultura Acadêmica, 2009. p. 65.
183
razão é que Laisa Regina Toledo atenta para o risco de se criar uma falsa
impressão ao se colocar a modernidade como lugar comum nas conversas. Para
ela, ―tudo o que acontece, seja desejável ou não, oportuno ou não, ético ou
não, enfim, ficou por conta da chamada modernidade, globalização, (...) na
maioria das vezes, não totalmente assimiladas‖ 5.Nesse sentido, Figueira 6
defende a importância de se reconhecer que o processo de modernização não é
assim tão simples:

P r i meir a me n te, h á vá ria s áre a s e m q u e a so cied ad e p ar ece t er


p er ma ne cid a a me s ma , c o mo , p o r e xe mp lo , o s v á rio s se to re s d a p o p u laç ã o
q ue v i ve m e m e s tad o d e mi séri a e mar g i nal iz a ção . Alé m d i s so , e st a m o s
cad a vez ma i s at e nto s p ara o fato d e q ue ne m t u d o d o no s so p a s sad o p o d e
ser d e i xad o co mp le ta me n te p ar a tr ás, q u e não p o d e mo s no s to r n ar
co mp le ta e si mp le s me n t e ‗mo d er no s ‘ d a no i te p ara o d ia.

Lidar com o tema das famílias contemporâneas, portanto, muitas vezes


implica em enfrentar -se e confronta-se com uma realidade múltipla, ambígua,
muitas vezes contraditória, que coexiste com valores e práticas opostas,
marcada por avanços e retrocessos. Assim, em que pese os setores que
insistem nos modelos tradicionais de família, podemos afirmar que, n a
contemporaneidade, observam-se várias composições familiares formadas
pelos laços da afetividade. O espaço privilegiado da consanguinidade passa a
não ser mais condição obrigatória e necessária para a formação dos laços
familiares, ganhando cada vez mais força o afeto e as relações horizontais no
contexto da família .
Com isso, tem-se deixado de utilizar a expressão ― família‖ ou até
mesmo ―direito de famíli a‖, dando-se preferência ao termo ―famílias‖ e
―direito das famílias‖, dada a complexidade das configurações familiares:

A f a mí li a co nt e mp o râ n ea p a sso u a co n vi v er co m u ma p l ur al id ad e d e
o ut r o s p ad r õ es d e ca sa m en to s e fa mí l ia s. A co nc ep ção d a fa mí li a n uc le a r
co n s ti t uíd a p o r p a i, mã e e fil ho s a q ue e st á va mo s hab i t uad o s não e x i st e
ma i s co mo mo d e lo ú ni co ; a so ci ed ad e p as so u p o r i n ú m era s
tr a n s fo r ma çõ e s e co m e l a o co mp o rt a me n to d o s se u s i nt e gra n te s e d a vi d a
fa mi liar 7.

5
TOLEDO, Laisa Regina Di Maio Campos. A família contemporânea e a interface com as políticas públicas.
In: Ser Social: Revista do Programa de Pós-graduação em Política Social/Universidade de Brasília. Brasília,
Ser Social UnB, 2007.p.17.
6
FIGUEIRA, Sérvulo. Uma nova família? Rio de Janeiro: Zahar, 1987. p. 12.
7
WIRTH, Noeme de Matos. As novas configurações da família contemporânea e o discurso religioso. Fazendo
Gênero 10 - Desafios atuais do feminismo. 2013. (Congresso). p. 1.
184
Nessa perspectiva, Lévi -Strauss 8coloca que ―(...) a família baseada no
casamento monogâmico era considerada instituição digna de louvor e
carinho‖, fato esse que permanece coexistindo com os novos modelos de
família, que ainda sofrem preconceito e pressões para sua existência diante do
tradicionalismo. A fim de elucidar ambas essas perspectivas, a doutrina vem
denominando o modelo contemporâneo de família, baseado mais nos laços de
afeto do que nos moldes tradicionais do patriarcado arraigado na sociedade,
sob a alcunha de família ―eudemonista‖. N esse sentido, Carbonera 9 traz o
seguinte quadro comparativo para esclarecer as transformações
paradigmáticas pelas quais a ideia de família vem passando:

Família patriarcal Família eudemonista


Hierarquia – chefia – vontade ―da Igualitária, valorização das
família‖ que na verdade é do pai pessoas, de seus anseios e
interesses
Matrimonialização, manutenção do Reconhecimento de uniões
vínculo/indissolubilidade consensuais e famílias
monoparentais
Legitimidade dos filhos (proibição Igualdade entre filhos independente
do reconhecimento de filhos extra- da forma de filiação
matrimoniais e presunção pater is
est)
Poder paterno na direção da vida Maior autonomia dos filhos em
dos filhos (escolhe casamento e suas escolhas quanto à formação de
decide profissão) família e vida profissional

O modelo contemporâneo, que vem despontando cada vez mais no seio


social, encontra muitas vezes as barreiras do conservadorismo que
paralelamente coabitam com o surgimento das novas realidades. Essa espécie
de ―ameaça ao novo‖ é agravada quando consideramo s que, na atualidade, a
família vem tendo cada vez mais responsabilidades sobre seus membros, ou
seja, a família vem tendo seu espaço institucional ampliado diante dos
impactos do mercado e das opções políticas do Estado, afetando suas
dinâmicas de forma s ignificante. Ocorre que as famílias que se estruturam

8
LÉVI-SRAUSS. Claude. As organizações dualistas existem? In: Antropologia estrutural dois. Rio de Janeiro:
Biblioteca Tempo Universitário, 1993. p. 171.
9
C ARB ON ER A, S il va n a Mar i a. O pa pe l j urí d ico do a f eto na s re la çõ e s de fa mí l ia . 3 ed .
São P a u lo : Sar ai v a, 1 9 9 9 .
185
fora dos padrões sociais tradicionais já se encontram em uma situação mais
frágil por diversos motivos, a começar, sobretudo, pelo recorrente preconceito
que enfrentam, tendo que lidar com as adversidad es causadas pela quebra de
padrões e com o fato de que, no Brasil, historicamente, a família sempre
esteve sobrecarregada em seus deveres e obrigações, sobretudo diante da
inércia ou impotência do Estado em efetivar políticas públicas, ao mesmo
passo em que a economia de mercado é cada vez mais avançada e voraz.
Essa ideia é confirmada quando se nota que, também h istoricamente, a
família vem sendo definida a partir de suas funções. Itaboraí 10esclarece que,
no Brasil colonial, autores como Gilberto Freyre e Nestor Duarte nos
permitem concluir que a família exerce funções políticas, econômicas e de
representação social, além da reprodução biológica e cultural até hoje a ela
associadas.É consenso afirmar que o desenvolvimento de instituições
modernas do Estado e mercado abarca em parte as antigas funções da família,
restringindo sua esfera de atuação às dimensões da afetividade e da
reprodução da vida, em seus aspectos biológico e culturais. Diante disso,
cabem as perguntas: o que é próprio da família? Que taref as cabe a ela
desempenhar na vida social? Também é importante refletir como o Estado,
através de seu papel regulador ede políticas públicas, e o mercado, através da
geração de empregos, bens e serviços, devem assumir responsabilidades
perante os indivíduos , as famílias e o bem -estar coletivo.

2 FAMÍLIA E POLÍTICAS PÚBLICAS : PROTAGONISMOS E


INSUFICIÊNCIAS

Diante do quadro apresentado e das mudanças trazidas pela


modernidade, a opção pelo modelo econômico em que vivemos e toda
estruturação da sociedade con temporânea acabaram por gerar não apenas uma
deficiência das/nas políticas públicas, senão também a redução de postos de
emprego; a inserção da mulher no mercado de trabalho; o aumento do trabalho

10
IT AB O R A Í , N at h al ie R ei s. A pro te çã o so cia l da fa mí l ia b ra s il ei ra co nte mp o râ nea :
refl e xõ e s so bre a di me nsã o si mb ó l ica da s po l ítica s pú bl ica s . T es e d e Do uto rad o . R i o
d e J a neir o : I n st it u to U ni ver s itá r io d e P e sq ui sa s d o Es tad o d o R io d e j a n eiro , 2 0 0 5 .

186
infantil; a redução do grupo familiar ; a diminuição do número de filhos ou
inexistência destes; famílias monoparentais; uniões estáveis e
relacionamentos homoafeativos.
A formação dos novos núcleos familiares, portanto, convive num
contexto em que há uma clara diminuição da teia de solidarie dade na
sociedade, ao mesmo passo em que o preconceito é cada vez mais notório . Em
se tratando, ainda, de uma realidade latino -americana como a brasileira, é de
suma importância apontar o alcance irrisório das políticas públicas e da
postura emergencial do Estado, que atua em casos extremos sem maiores
preocupações com a tutela preventiva dos indivíduos e dos problemas sociais.
Um Estado que, em tese, se coaduna com valores de um Estado Social, acaba
se comportando de maneira neoliberal, intervindo pouco na proteção social e
de formas muitas vezes ineficientes.
A incapacidade de atuação estatal faz com que as famílias acabem
sendo responsabilizadas diretamente pela proteção de seus membros enquanto
sujeito coletivo e parceira solidária do Estado , fato visíve l na legislação
vigente, e ocupando posição central enquanto destinatária das políticas
públicas, particularmente na saúde, como é o caso do Programa Saúde da
Família, dos cuidados com a maternidade e primeira infância; das políticas de
assistência social (Política Nacional de Assistência Social – PNAS7, 2004),
nos programas de transferência de renda e demais programas governamentais.
O protagonismo da família enquanto sujeito de direito e pilar essencial
das políticas públicas está claramente estampado na Constituição Federal de
1988, no Estatuto da Criança e Adolescente ( Lei nº 8.069/1990), na Lei
Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), no Estatuto do Idoso
(Lein o 10.741/2003), entre outros instrumentos normativos que regulam a
atuação estatal na proteção dos indivíduos . A Carta Magna é precisa ao
dispor, em seus artigos 226 e 227, a relevância da família no ordenamento
jurídico brasileiro, já antecipando a sua carga de responsabilidades e das
expectativas sociais e jurídicasdepositadas no âmbito da instituição familiar:

Ar t. 2 2 6 : A fa mí l ia, b a s e d a so c ied ad e, t e m e sp e cia l p ro t eção d o E st ad o .


Ar t. 2 2 7 : É d e v er d a fa mí li a , d a so cied ad e e d o E st ad o a s se g ur ar à
cr ia n ça, ao ad o l e sce n te e ao j o v e m, co m ab so l u ta p r io rid ad e, o d ire ito à
vid a, à sa úd e, à a li me nt ação , à ed uca ção , ao la z er, à p ro fis s io nal iza ção , à
187
cu lt ur a, à d i g nid ad e, ao resp e ito , à l ib erd ad e e à co n v i vê n cia fa mi li ar e
co mu n it ár i a, a lé m d e c o lo cá - lo s a sal vo d e to d a fo r ma d e n e gl i gê nc i a,
d is cr i mi n aç ão , e xp lo ra ç ão , v io lê nc ia, cr ue ld ad e e o p re ss ão .

O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/200 3), em seu artigo 3º, acentua a


obrigação da família, da sociedade e do poder público para a efetivação dos
direitos do idoso, tais como o direito à saúde, educação, esporte, lazer,
cultura, trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, e a convivência familiar e
comunitária. No Estatuto da Criança e do Adolescente (E CA), em seu artigo
4º, dispõe-se que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e
do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educa ção, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. Chama atenção nesses dispositivos o fato
de que a família, justamente por ser tida como ―base da sociedade‖, aparece
antes da responsabilização do Estado e da comunidade, o que, no caso de um
Estado de Bem Estar Social não concretizado, pode gerar problemas para as
famílias diante da insuficiência das políticas públicas estatais oferecidas, bem
como a gradativa redução da convivência comunitária entre as famílias no
mundo moderno, cada vez mais trancadas entre seus muros e limitadas aos
espaços privados diante do sucateamento dos espaços públicos.
Não obstante a centralidade da família como núcleo básico da
incidência das políticas públicas, deve -se levar em conta qual é o tipo de
família tutelado pelo ordenamento jurídico. Não ra ramente a família que se
pretende tutelar ainda é tida como aquela nos moldes tradicionais, sob a égide
dos valores mais conservadores, desconsid erando as novas realidades
familiares existentes. Trata -se de formulas que retiram de seu foco, por
exemplo, as famílias monoparentais, as famílias em que não há filhos,
famílias em que um ou alguns membros residem em outra localidade, sem que
isso quebre ou prejudique os laços familiares, famílias formadas por casais
homoafetivos, entre outros arranjos possíveis.
Para fins da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), por exemplo,
a família é considerada como sendo uma unidade mononuclear, que habita sob
o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes.
Na Política Nacional de Assistência – PNA (2004), foi galgada como diretriz
188
a ―centralidade na família para concepção e implementação dos benefício s,
serviços, programas e projeto s‖ 11. Em seus objetivos, tem-se que o PNA deve
―assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade
na família, e que garantam a convivência f amiliar e comunitária‖ 12. Já o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) dispõe que ―para a proteção
social de Assistência Social o princípio de matricialidade sociofamiliar ‖ é que
deve imperar,considerando que ― a família é o núcleo social básico de
acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social ‖ 13.
Em outras palavras, não obstante a alta carga de responsabilidade que
é conferida às famílias, é preciso pensar que a configuração das mesmas está
se transformando juntamente com a sociedade. Família já não pode ser
pensada como algo único, retirando -lhe a sua complexidade de for mas e
possibilidades. Pensar a família de modo simplista e como núcleo baseado na
solidariedade entre um grande grupo de pessoas pode ser algo distante de
muitas realidades, sobretudo ao se desconsiderar a necessidade de pais e mães
de inserção no mercado de trabalho, a horizontalidade entre os cônjuges, a
crescente diminuição dos grupos familiares,entre demais fatores que podem
passar despercebido ao se levar em conta o modelo familiar tradicional.
Outro importante programa a ser mencionado é o Bolsa Família,
iniciativa governamental que unificou quatro grandes programas federais:
bolsa-escola, bolsa-alimentação, vale -gás e cartão-alimentação, sendo um
programa de transferência de renda reconhecido em todo mundo. Além de
outras críticas poss íveis, observa-se que o programa acaba vinculando as
políticas sociais a um determinado modelo de família, isso porque entre as
contrapartidas previstas para a concessão do benefício está, por exemplo, a
presença de filhos de até 15 anos na família; a manutenção de filhos em idade
escolar na escola; freqüência regular de crianças de 0 a 6 anos de idade aos
postos de saúde, com a manutenção do cartão de vacinas atualizado;
freqüência de mulheres gestantes aos exames de rotina; retorno de adultos
analfabetos à escola, devendo todas as famílias participarem de ações de

11
BRASIL. Ministérios da Previdência e Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília:
MPAS, Secretaria de Estado de Assistência Social, 1999. p. 33.
12
Ibid.
13
Id. Assistência Social e Cidadania. Brasília: MPAS, 1995. p. 89.
189
educação alimentar que devem ser oferecidas pelo governo 14. Diante do
quadro abordado, portanto, cabe perguntar: seria legítimo ao Estado
condicionar uma renda de cidadania à unidade familiar ou a uma configuração
familiar específica?Parece válido garantir acesso a bens coletivos, como
serviços de saúde e educação, garantir uma adequada socialização das
crianças e um respaldo pessoal e familiar aos adultos segundo um ideário de
bem-estar familiar, ―desde que seja este igualitarista, pluralista e equilibre
individualidade e solidariedade grupal ‖ 15.
Por esse motivo é que alguns pensadores e políticos defendem a ideia
de que a vinculação de uma renda mínima ao núcleo familiar pode gerar
distorções, devendo o benefício ser direcionado individualmente a cada
cidadão. É o caso do s projetos de renda mínima cidadã, já defendido por
Bacha, Unger e Suplicy. A renda mínima individualmente garantida, nessa
perspectiva, é que abarcaria a capacidade de eliminação da miséria para o
funcionamento de uma sociedade democrática. O Senador Eduardo Suplicy,
em 1991, propôs a aprovação do projeto Renda Cidadã, tendo sido aprovado
em 2004 (Lei 10.835/2004), pelo qual a renda mínima deve ser concedida a
indivíduos portadores de direitos independente mente de suas características
familiares.
Entretanto, o a rgumento que prevalece na elaboração e implementação
das políticas públicas brasileiras não apenas reside na centralidade da família
como alvo da intervenção est atal, senão também a defesa da focalização do s
programas em famílias pobres com f ilhos em idade escolar. Fonseca 16lamenta
que, nesse processo, a habilitação para a proteção social está vinculada ao
pertencimento a um dete rminado tipo de família.
A análise de Esping-Andersen aponta para a existência do chamado
―familismo‖, sendo a forma de atuação estatal pelas políticas de modo a
contribuir para uma maior dependência do indivíduo à família , marcando a
entrada decisiva da família na p rovisão do bem -estar dos cidadãos. O autor

14
SILVA, Maria O. da S. e; YAZBEK, M. C.; GIOVANNI, G. A política social brasileira no século XXI: a
prevalência dos programas de transferências de renda. São Paulo: Cortez, 2004. p. 138.
15
ITABORAÍ. p. 7
16
FONSECA, Cláudia. A vingança de Capitu: DNA, escolha e destino na família brasileira contemporânea. In:
BRUSCHINI, Cristina, UNBEHAUM, Sandra. Gênero, democracia e sociedade brasileira. São Paulo,
Editora 34, 2002.
190
considera essa forma de atuação pública como sen do contraproducente à
formação das novas formas de família e à oferta de mão -de-obra no contexto
atual.O alto valor conferido à família e o baixo grau de individuação de seus
membros expressariam tal características 17.
O autor lembra que, p ara as mulheres, a ―desfamiliarização ‖ de suas
responsabilidades de bem -estar pode ser uma condição prévia para a sua
capacidade de inserção e produção no mercado de trabalho ou de
estabelecerem núcle os familiares independentes , rompendo com questões
atinentes às formas de família mais afinadas com os moldes do patriarcalismo
e conservadorismo. Assim, Esping-Andersen trabalha com o conceito de
―desfamiliarização‖, que se refere: ―(...) às políticas que reduzem a
dependência individual em relação à família e que maximizam a
disponibilidade de recursos econômicos para o indivíduo independentemente
das reciprocidades familiares ou conjugais ‖ 18, às quais, ao nosso ver, possui
uma maior capacidade de abarcar as particularidades das novas formas de
família. Importante mencionar ainda a c rítica à utilização d o conceito de
―famílias de baixa renda‖ como referencial para políticas públicas , análise
feita principalmente pelos autores da área de serviço social ao tr atar da
relação das famílias com os provimentos estatais. As famílias de camada mais
baixa acabam sendo alvo de maiores i ntervenções em sua privacidade e acaba
ganhando um rótulo estereotipado, o que acaba gerando estigmas e
preconceitos, sendo constanteme nte abordadas pelos profissionais da
assistência social.Ocorre que os problemas familiares existem dentro das mais
diversas classes sociais, haja vista que os grupos mais vulneráveis e mais
fragilizados pela sociedade se encontram entre todas elas, tais co mo os
idosos, crianças, as mulheres, os homossexuais, entre outros.
Em suma, é fundamental destacar que as ponderações apresentadas não
possuem o intuito de minimizar a importância incontestável da família como
núcleo de afeto, segurança e do desenvolvime nto humano, mas sim de afirmar
o dever do Estado de responsabilizar -se pela vida dos cidadãos ,

17
DRIBE, Sônia M. Estado de Bem-Estar, Desenvolvimento Econômico e Cidadania: algumas lições da
literatura contemporânea. In: HOCHMAN, Gilberto, ARRETCHE, Marta & MARQUES, Eduardo. Políticas
Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fio Cruz, 2007. p. 41.
18
ESPING-ANDERSEN, G. As três Economias Políticas do WelfareState. In: Lua Nova, n. 24, 1991. p. 66.
191
independentemente de sua estrutura familiar, sobretudo diante do problema
conceitual pelo qual se passa hoje ao tentar -se definir o que é família .
É preciso, pois, refletir sobre os limites entre direitos individuais e a
privatização das responsabilidades pelo bem -estar social com base nas
relações familiares, tendo em vista que a insuficiência da atuação estatal
implica na assunção de muitas responsabilidades pela família para a proteção
social de seus membros , impondo uma excessiva autonomia familiar enqu anto
capacidade de resolver problemas e necessidades.

3 AVANÇOS NA PROTEÇÃO À FAMÍLIA NO CONTEXTO DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

Em que pese a constatação de que a s normas jurídicas postas


eventualmente podem estar prejudicando a estruturação das novas
configurações familiares, um olhar histórico sobre as políticas públicas pode
revelar inúmeros avanços e importantes pontos de ruptura com as estruturas
do patriarcal ismo conservador. Nathalie Reis Itaboraí 19 faz uma interessante
análise a respeito da evolução das perspectivas adotadas pelas políticas
públicas brasileiras no que toca ao tema do direito de família. A autora
recorda que nos anos 30, a preocupação estatal estava voltada para a formação
de uma identidade nacional , sobretudo com o intuito de ―branquear‖ a
população brasileira por meio da vinda de imigrantes e do i ncentivo à
natalidade, tratando -se de uma situação em que a sexualidade estava a serviço
da nação.
O abono familiar era concedido preferencialmente aos trabalhadores
casados em detrimento dos solteiros, privilegiando os primeiros por
considerar sua função social mais relevante. Vigoravam vantagens para
pessoas casadas e com filhos na concessão de financiamentos habitacionais,
aplicavam-se impostos adicionais para c elibatários e casais sem filhos,
estimulando o ideal de família da época, que era entendida pela existência de
um casal com quatro filhos. O Estado incentivava a construção de casas
individuais com dormitórios isolados p ara garantir um ambiente moral

19
Ibid., p. 8.
192
compatível com os valores dominantes, substituindo os cortiços, que eram
vistos como espaços de promiscuidade, e priorizando a formação de famílias
nucleares sem a presença de membros estranhos a ela, como agregados e
inquilinos por meio de sublocações.
Chama atenção a política de tratamento às crianças e adolescentes por
meio da Política Nacional do Bem -Estar do Menor , de 1979. Naquele diploma,
o menor era tratado como objeto de interesse da Segurança Nacional, de modo
que o Estado deveria se interessar pelo menor tão somente quando ele se
encontrasse na chamada ―situação irregular ‖ junto à família, considerada a
sua responsável permanente. O Estado intervinha apenas em casos extremos,
esperando que a família fosse capaz de prover todas as necessidades dos
filhos. O termo ―situação irregular‖ empregado pela lei colocava sob um
mesmo rótulo o que antes era tido como menor abandonado, delinqu ente,
infrator, vadio, etc. Em outras palavras, as crian ças só eram objeto de
interesse de Estado na medida em que as famílias falhassem em sua função
socializadora, sem maiores preocupações com a intervenção estatal no
provimento das necessidades dos menores .
A autora atenta ainda para o s istema de filiação , que era divido entre
duas espécies distintas: a filiação legítima e a ilegítima. Pelo Código Civil
de 1916, em art. 358, era proibido o reconhecimento de filhos advindo de
relações incestuosas ou adulterina s, impedindo que, se assim quisesse , um
homem casado pudesse reconhecer o filho havido fora do casamento. Essa
sistemática punia sobretudo os filhos e as mulheres, vitimizados pelo sistema
patriarcal e machista. Não obstante, no passado, o casamento legal era tido
como a base do exercício da p rocriação legítima, beneficiando assim os
homens num contexto de assimetria nas relações de gênero , permitindo que
este tivesse envolvimento simultâneo com mais de uma família natural e suas
famílias legítimas, das quais resultariam os filhos legítimos .
Com efeito, nota-se em linhas gerais que a legislação brasileira
evoluiu no reconhecimento da diversidade de formas familiares. Muitos
conceitos e rótulos foram progressivamente caindo, como a bastardia e o
concubinato. Não mais vivenciamos um cenário em que o abandono de
crianças é estimulado, como era o caso de antigamente, em que a condição

193
econômica era ensejava a perda legítima do então chamado ―pátrio poder‖,
hoje poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990)
representou um marco emblemático no tratamento dos menores no
ordenamento jurídico pátrio, definindo que ―criança‖ é a pessoa com 12 anos
incompletos, sendo consideradas dos 12 aos 18 anos como adolescentes. O
Estatuto tirou a pecha de que o men or é um problema da Segurança Nacional,
passando a considerá -los como sujeitos de direitos cujas responsabilidades de
proteção cabem também ao Estado e à comunidade , sendo pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento e merecedoras de prioridade absoluta ,
consagrando a doutrina da proteção integral em substituição à ―situação
irregular‖.
O surgimento e o reconhecimento das relações de parentesco sócio -
afetivo tiraram a centralidade absoluta d a importância dos laços biológicos
nas famílias, ainda que a ve rdade biológica seja tida como necessária e os
testes de DNA tenham se popularizado, sendo amplamente utilizados, sendo
um direito do indivíduo o conhecimento de sua identidade genética. Além
disso, a substituição da noção de pátrio por ―poder familiar‖ ava nçou no
estímulo à igualdade entre pais e mães, cabendo a mediação do poder
judiciário na ausê ncia de consenso entre os pais.
O casamento deixou de ser a base da família e da procriação , caindo
também a distinção entre filho s legítimos e ilegítimo. É dizer, o afeto passou
a ser visto gradualmente pelo próprio ordenamento jurídico como e lemento
essencial na constituição das relações familiares, evitando a penalização dos
filhos e das mulheres pro conta das regras do patriarcado. Aos poucos, formas
familiares tidas como ilegítimas, que eram alvo de estigma, foram passando a
ser aceitas, assim como os filhos adotivos e os parceiros do mesmo sexo.
A ideia de parentalidade sócio-afetiva aponta para uma
―desbiologização ‖ dos vínculos familiares, prejudicando a noção de que o
referencial genético impeça a relevância dos laços sociais.
Com a queda de certos valores comuns ao modelo patriarcal sob o
ponto de vista formal e cultural, as mulheres passa ram a ser mais protegidas e
consideradas na legisl ação e nas políticas públicas. O acesso a planejamento
familiar se tornou um direito reconhecido, bem como a ideia de ―paternidade

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responsável‖ insculpida no artigo 226 da Constituição Federal, corroborando
para a horizontalidade nas relações de responsabi lidade e cuidado no âmbito
familiar. O avanço do direito das mulheres esbarra, contudo, na questão do
aborto, que ainda é cercada por tabus religiosos e culturais, impedindo muitas
vezes que o problema seja visto sob a ótica da política pública, uma vez qu e
as mulheres pertencentes a classes sociais mais altas acabam pagando pela
realização do aberto, e mulheres de classes sociais mais baixas o fazem em
condições precárias e recorrem ao abandono das crianças.
No plano das relações homoafetivas , o entendimento das organizações
oficiais, no Brasil e no mundo, já retiraram a ―homossexualidade ‖ da rol de
Classificação Internacional de Doenças (C ID). No direito interno, a
jurisprudência vem desempenhando papel proeminente no reconhecimento dos
direitos de homoss exuais quanto às questões de família, como por exemplo, a
questão da adoção e a concessão de benefícios previdenciários .

CONCLUSÃO

Conclui-se que as novas realidades familiares colocam impasses nas


definições de políticas públicas que pretendam adotar a família como critério
de intervenção estatal , uma que, com as mudanças mais recentes, as fronteiras
desse tipo de classificação ficam mais porosas na própria legislação. Por
outro lado, o reconhecimento legal é um passo importante, senão o primeiro
para permitir a implementação de políticas públicas sob uma perspectiva de
cidadania (direitos assegurados) e não caridade estatal, que varie conforme os
valores e modelos de famíl ia apreciados por cada governo. No entanto,
infelizmente, as políticas públicas no Brasil acabam olhando para as famílias
quando estas se encontram em situações extremas , pelas quais a família
recebe apoio quando se revela incapaz de cuidar, sendo considerada como
pilar fundamental, se não o primeiro, para o desenvolvimento de seus
membros.
Mesmo com os latentes avanços na legislação, p recisamos ainda de
leis e políticas públicas que ajudem a construir laços de solidariedade,
familiar e comunitária, recuperando o social em face da crescente

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individualização fomentada pelo próprio mer cado, fomentando a i mportância
do respeito à diversidade cultural das formas de família e dos projetos de vida
alternativos que estas podem desenvolver . Isso implica afirmar que n ão pode
haver mais espaço para moralismos, devendo prevalecer uma compatibili zação
da postura com Estado com os valores contemporâneos , impedindo a exclusão
dos direitos das famílias baseadas em laços que se afastam do modelo
tradicional, tratando com igualdade e respeito às escolhas e padrões
familiares.
Ademais, é necessária a s uperação do viés de classe social como
parâmetro para a incidência das políticas públicas , devendo ser adotado como
foco os grupos e pessoas considerados vulneráveis em nossa sociedade, tais
como as mulheres, crianças e idosos, e até mesmo homens que não s e
enquadrem nos padrões da família patriarcal. Reconhecer a vulnerabilidade
dos cidadãos é uma maneira de favorecer o equilíbrio entre autonomia e
solidariedade nas relações familiares.

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