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RESUMO:
ABSTRACT:
The Red Army, although not to constitute a simple continuation of the old Russian
imperial army, borne the strong marks of the social, politics, economic and cultural
particularities of the ground where it was born. Thus, in spite of the ruptures with the
past, it helds in its framework the weight of the permanencies. In the Red Army’s
formation, to meet the socialist tradition, the necessities imposed by the civil War
(1917-1922), the characteristics of a Russia with strong authoritarian traces, and the
specific accent of peasant. Therefore, the “new” was forged with the material of the “old
one”, and not to understand these permanencies can lead to a mistaken “foundation
myth”.
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
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não poder ser descartada como um todo, acaba por criar uma densa nuvem sobre as
chamadas “permanências” no Exército Vermelho.
Como pensar apenas em rupturas quando o “novo exército” tem suas fileiras
formadas, basicamente, pela mesma massa de soldados camponeses do antigo exército
imperial? Como ignorar as “permanências” em uma força militar “fundada” com mais
de 200.000 oficiais do “antigo e destruído” exército czarista?
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socialista”, pois permitiria o surgimento de uma “casta militar” acima dos trabalhadores,
que poderia marchar contra os mesmos e contra as conquistas da revolução.
De acordo com o próprio programa do Partido Operário Social Democrata Russo2,
do qual saíram os bolcheviques, um exército de milícias seria mais compatível com o
socialismo, principalmente por estar sob o controle direto dos trabalhadores e coincidir
com as unidades produtivas. Conforme as próprias palavras de Lênin:
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czarista” engloba o exército russo não apenas do período de Nicolau II, mas também
desse curto intervalo denominado “Governo Provisório”.
Não é objetivo do presente artigo apresentar todos os aspectos dos debates militares
entre a cúpula bolchevique, mas sim, enfatizar os dilemas do ideário socialista frente a
situação concreta colocada pela tomada do poder, e assim, a partir dessa relação,
perceber como o “novo” não era tão novo assim. Para tanto, escolheu-se alguns debates
específicos a serem abordados, são eles: os debates sobre as milícias, a questão dos
antigos oficiais, disciplina e hierarquia, e o status da oficialidade.
Com a guerra civil já em 19184, não houve tempo para a formação de um sistema
eficiente de milícias e nesse contexto, foi formado o Exército Vermelho como força
militar permanente. No final do ano de 1920, porém, com a perspectiva de vitória na
guerra civil se desenhando no horizonte, o debate sobre a questão das milícias volta à
tona. Entre a cúpula militar bolchevique as opiniões divergiam. Podvoiski, um dos
chefes militares de 1917, defendia a imediata desmobilização do exército regular e a
formação das unidades milicianas. Havia outro grupo, encabeçado por Smilga, que
defendia a idéia oposta, ou seja, a manutenção do exército permanente e o abandono, ao
menos provisório, do sistema de milícias. O principal argumento de Smilga era o de que
uma milícia popular não seria confiável, pois em um país predominantemente agrário,
ficaria impossível garantir que a direção do exército ficasse submetida à classe operária.
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deveria repousar sob novos fundamentos: “Qué querernos ahora? Queremos crear un
ejército regular que descanse en la milicia concebida como sistema de educación.”
(TROTSKY, 1976: 128).
Em 1923, com o XII Congresso do partido, tem início a formação dos primeiros
“batalhões territoriais”, que nesse mesmo ano não representavam mais que 17% do
contingente. Com a adoção da NEP6, contudo, “el nuevo Ejército Rojo territorial se
convertió en símbolo de la reconciliación del campesino com el regimen” (CARR,
1964: 392) e a proporção das milícias aumenta consideravelmente. O “apaziguamento”
do campo diminuiu as hostilidades entre bolcheviques e camponeses ficando, portanto,
mais viável o armamento e treinamento militar dessa população fora da estrutura de
quartéis.
Já em 1926, após Trotsky ser substituído por Frunze no posto de Comissário do Povo
para Guerra, 65% do Exército Vermelho estava organizado sob a base de milícias, nove
anos mais tarde, em 1935, esse número sobe para 74%. Porém, “em meados da década
de 1930, sob a ameaça da Segunda Guerra Mundial, todo Exército Vermelho foi
reformado e reestruturado como Exército Permanente” (DEUTSCHER, 2005: 570). Ou
seja, após ter praticamente 3/4 de sua estrutura formada por milícias, em meados da
década de 1930 tal sistema é abolido em favor de um exército permanente aos moldes
tradicionais.
Assim, apesar de toda uma cultura política socialista que abominava o exército
permanente e de um projeto que previa sua extinção e a implantação do sistema de
milícias, a partir da segunda metade da década de 1930 o “novo exército” apresenta-se
aos moldes do antigo nesse aspecto. Ou seja, constitui uma força militar com soldados
profissionais, formações aquarteladas, rígida disciplina e hierarquia.
Os antigos oficiais
Uma outra questão bastante interessante presente nos debates militares entre a cúpula
militar bolchevique, é a utilização da antiga oficialidade no novo Exército. Com a
intervenção estrangeira e dos chamados “exércitos brancos” 7, a guerra civil coloca os
ideais partidários frente às imediatas necessidades de defesa. Os bolcheviques não
contavam com “pessoal de mando8” em número suficiente e com capacidade técnica,
assim, tiveram que recruta-los nas fileiras do “extinto” exército imperial. Como já foi
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mencionado acima, nos anos iniciais da revolução o Exército Vermelho chegou a ter
mais de 200.000 oficiais do chamado “exército czarista”. Como garantir a lealdade
desses oficiais ao novo poder? Como prevenir as atividades “contra-revolucionárias” no
seio do exército por essa oficialidade?
Esse debate provocou grandes discussões entre os bolcheviques, e para resolver o
impasse, foi instituído o cargo de comissários políticos9. Esses comissários teriam,
inicialmente, a função de fiscalizar os atos e decisões dos oficiais, os chamados
“especialistas militares”. Criou-se então, um problema de mando, pois apesar do decreto
definindo as atribuições de oficiais e comissários, muitas vezes essa dualidade de poder
causou conflitos. Enquanto os especialistas militares teriam ao seu cargo as decisões
técnicas e táticas, os comissários, além de fiscalizá-los para garantir-lhes a lealdade,
eram também responsabilizados pela “educação política” e por manter o moral da tropa.
Disciplina e hierarquia
É consensual tanto entre militares como entre estudiosos da guerra e das forças armadas,
que a disciplina e o respeito à hierarquia são condições para a eficiência de uma força
militar, seja ela de terra, ar ou mar. Antes da tomada do poder em outubro de 1917, os
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bolcheviques tinham suas formas de atuação junto ao exército czarista. Sua organização
militar, por exemplo, atuava no sentido de fazer propaganda revolucionária no seio da
tropa. Dessa maneira, estimulavam a criação de comitês de soldados, que deveriam
eleger seus oficiais e ter garantida sua participação política.
Os bolcheviques promoviam manifestações “pacifistas” no exército imperial, incitavam
a revolta do soldado contra o oficial, colocando a relação desses na perspectiva da luta
de classes. O soldado, camponês ou trabalhador, deveria insubordinar-se tanto contra a
“guerra imperialista” como contra os oficiais, que pertenciam a uma elite agrária.
Essas concepções e práticas antes de outubro de 1917 não faziam parte apenas do
programa político bolchevique, mas sim de algo maior, uma espécie de “cultura política
socialista” em relação às forças armadas, que era partilhada tanto pelos bolcheviques,
como mencheviques, social-revolucionários, enfim, por uma ampla gama de partidos e
grupos socialistas. Isso poder ser percebido em uma ordem do Soviet de Petrogrado
em março de 1917:
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y de jefes elegidos, sometidos a los comités y suceptibles de ser cambiados
en cualquier momento”. (TROTSKY, 1976: 08)
Esse debate mobilizou os líderes bolcheviques durante boa parte da década de 1920 e
longe de ser apenas uma questão acadêmica, era algo que estava presente, e com muita
intensidade, nas próprias práticas dentro da tropa. A idéia e a práxis da democracia no
exército não se resumiam a simplesmente eleger o oficial, mas sim, eram consideradas
em um sentido mais amplo e implicavam em relações bastante particulares entre
soldados e oficiais. Nesse sentido, as palavras de Frunze10 em 1924 ilustram bem a
situação no Exército Vermelho:
“En muchos casos, en lugar de impartir una orden firme y categórica para
que se ejecute un deber oficial, tenemos una espécie de adulación hacia los
soldados del Ejército Rojo, el afán de exhibir un espíritu democrático
especial.
Este espiritu democrático constituye la más intolerable degeneración de
todas y cada una de las reglas de disciplina de nuestro Ejército Rojo. Una
orden es una orden. Pedir y rogar a los hombres que cumplam las ordenes
es, en si mismo, una severa infracción de la disciplina”. (Em: CARR, 1964:
402)
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Como já foi mencionado, dentro da tradição socialista o exército permanente sempre foi
visto como um elemento da “reação”, uma força estatal com importante papel na
manutenção da exploração de classe. Conforme a referida tradição, o poder socialista
deveria abolir o exército permanente e em seu lugar formar milícias territoriais. Ao
construir um exército permanente, justificado pelas necessidades da guerra civil, os
bolcheviques procuraram ao menos “minimizar os danos”.
Durante a guerra civil, e mesmo após certo tempo, predominou nas fileiras do Exército
Vermelho certo “igualitarismo revolucionário”. Tal fenômeno tinha como contexto
tanto a hostilidade dos soldados para com os “antigos oficiais”, como também as
condições econômicas em tempos de guerra civil, que inviabilizavam grandes
disparidades sociais no exército. As antigas saudações militares, as dragonas nos
uniformes, alguns postos de oficiais, enfim, muito da distinção entre soldado e oficial
ou caiu em desuso ou foi formalmente abolida.
Entre os comissários políticos, Trotsky fez um chamamento para que esses vivessem
com “seus homens” nos quartéis e compartilhassem com eles as mesmas condições.
Uma diretiva de fevereiro de 1921 ordenava que se garantisse o princípio da igualdade
em todas as categorias do Exército Vermelho. Porém, a partir de 1923 a situação
começa a se modificar.
O décimo congresso do partido, também em 1921, já havia estabelecido algumas
medidas para melhorar as condições materiais da oficialidade, porém, apenas a partir de
1923 elas ganham corpo. O aumento de soldo dos oficiais, construção de habitações,
pensões, enfim, várias ações foram implantadas para a melhoria das condições materiais
da oficialidade com o objetivo declarado de reconhecer a importância dessa categoria e
aumentar seu prestígio.
O antigo igualitarismo dos anos iniciais da revolução não resistiu ao tempo e tal
mudança é bem exemplificada por Raymond Garthoff:
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Essas observações do autor coincidem com outros que se dedicaram ao estudo dos
desdobramentos da Revolução Russa. Ao falar da “Nomenklatura”, em seu livro do
mesmo nome, Michael Voslensk coloca essa “elite militar” como constituinte de uma
nova classe nascida da burocratização do Estado Soviético.
Finalmente, não se pode esquecer também, que apesar de todas as mudanças, o grosso
do Exército Vermelho, a “massa” de soldados, era constituída basicamente pelos
mesmos camponeses que empunharam as armas imperiais. O soldado vermelho
carregava nas costas o peso da cultura, costumes e práticas de uma sociedade com
características fortemente autoritárias. Como disse Trotsky, um grande problema ao
qual se deveria dedicar a liderança militar do partido era acabar com o analfabetismo e
os piolhos no Exército Vermelho. (CARR, 1964: 380).
Enfim, apesar de toda uma cultura política com verdadeira aversão a um exército
permanente, com nomeação de oficiais de cima para baixo, rigidamente hierarquizado e
formado em quartéis, o Exército Vermelho que se bateu pela defesa da União Soviética
durante a Segunda Guerra e despertou esperanças e terror na Guerra Fria, carregava as
fortes marcas da tradição russa, o peso das circunstâncias nas quais foi forjado e os
imperativos dos rumos que tomou o Estado Soviético. Como ignorar que séculos de
tradição constituíram os alicerces do “novo exército”?
Assim, apesar de não poder ser entendido como uma simples continuação do exército
czarista, ao falar em “fundação do Exército Vermelho” é preciso considerar o fardo das
circunstâncias e da tradição. A cultura política socialista, e especificamente a
bolchevique, em contato com a guerra civil, com as especificidades econômicas, sociais
e culturais russas, forjou o “novo” com o material do “antigo” e nesse sentido, não
observar as permanências na construção do Exército Vermelho pode levar a construção
de um verdadeiro “mito de fundação”.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CLAUSEWITZ. Carl Von. Da Guerra. Martins Fontes editora. São Paulo. 2003.
Guia de Armas de Guerra. Exército Soviético. Volume I. Nova Cultural. São Paulo.
RÉMOND. René. (org). Por uma história política. 2º edição. FGV editora. Rio de
Janeiro. 2003.
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Fontes:
TROTSKI. Leon. Escritos Militares. Tomos I e II. Ruedo Ibérico. France. 1976.
NOTAS
1
O termo se refere ao exército russo anterior à revolução de outubro de 1917, ou seja, o exército formado
sob a égide do czarismo.
2
O Partido Operário Social Democrata Russo foi fundado em 1898 sob a bandeira do marxismo. Em
1903 o partido se divide em dois grupos: bolcheviques e mencheviques. As duas frações formalmente
constituem um mesmo partido e só rompem definitivamente com a revoluão de outubro.
3
O termo refere-se aos camponeses proprietários de terras ou aos chamados “remediados”. Após outubro
de 1917 carrega forte conotação pejorativa.
4
Na historiografia soviética o fim da Guerra Civil é datado em outubro de 1922, Quando o Exército
Vermelho ocupa Vladivostok. Porém, o último enclave das “forças brancas” só é batido em Junho de
1923.
5
No presente artigo os termos “milícias”, “formações territoriais” e “batalhões territoriais”, possuem um
mesmo sentido. O mesmo acontece com as fontes estudadas.
6
Nova Política Econômica. Seu objetivo geral era recuperar a economia russa e para isso o governo
permitiu o restabelecimento de pequenas propriedades privadas. Para incentivar os camponeses a
produzirem, a NEP promovia certa liberdade de preços e comércio.
7
Referência às forças militares russas que tentavam derrubar o poder bolchevique.
8
O termo é bastante usado nas fontes estudadas e refere-se a oficiais, especialistas militares para
comandar o Exército Vermelho.
9
Na verdade a instituição dos comissários políticos foi introduzida no Governo Provisório de Kerensky
em 1917 e os bolcheviques, com o decreto de 6 de abril de 1918, definem o papel dos comissários.
1010
Frunze era um importante chefe militar bolchevique e em 1925 substitui Trotsky em seu cargo
militar.
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