Вы находитесь на странице: 1из 13

Saymon de Oliveira Justo

A FUNDAÇÃO DO EXÉRCITO VERMELHO: ENTRE RUPTURAS E


PERMANÊNCIAS.

(Mestrando em História pelo Programa de Pós Graduação em História da UNESP/


Franca. E-mail: saymonhistoria@yahoo.com.br)

RESUMO:

O Exército Vermelho, apesar de não constituir uma simples continuação do antigo


exército imperial russo, carregou as fortes marcas das especificidades sociais, políticas,
econômicas e culturais do solo onde nasceu. Assim, não obstante as muitas rupturas
com o passado, teve em sua estruturação o peso das permanências. Na formação do
Exército Vermelho, encontram-se a tradição socialista, as necessidades impostas pela
Guerra civil (1917-1922), as características de uma Rússia com fortes traços
autoritários, e o específico sotaque do mujique. Portanto, o “novo” foi forjado com o
material do “antigo”, e não entender essas permanências pode levar a um equivocado
“mito de fundação”.

Palavras-chave: Exército Vermelho - União Soviética – Rússia – Bolcheviques.

ABSTRACT:

The Red Army, although not to constitute a simple continuation of the old Russian
imperial army, borne the strong marks of the social, politics, economic and cultural
particularities of the ground where it was born. Thus, in spite of the ruptures with the
past, it helds in its framework the weight of the permanencies. In the Red Army’s
formation, to meet the socialist tradition, the necessities imposed by the civil War
(1917-1922), the characteristics of a Russia with strong authoritarian traces, and the
specific accent of peasant. Therefore, the “new” was forged with the material of the “old
one”, and not to understand these permanencies can lead to a mistaken “foundation
myth”.

Keywords: Red Army-Soviet Union- Russian-Bolshevik.


Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
A FUNDAÇÃO DO EXÉRCITO VERMELHO: ENTRE RUPTURAS E
PERMANÊNCIAS

Saymon de Oliveira Justo


Mestrando pelo Programa de Pós Graduação em História da UNESP/ Franca.
E-mail: saymonhistoria@yahoo.com.br

Conforme Raymond Garthoff, “o Exército Vermelho, fundado por decreto de 12 de


janeiro de 1918, tornou-se uma realidade em 23 de fevereiro do mesmo ano” (1957:
51). Falando sobre a nomeação de Trotsky para os cargos de Comissário da Guerra e
Presidente do Supremo Conselho de Guerra em março de 1918, Isaac Deutscher ressalta
que “sua tarefa era fazer surgir um exército de um nada evidente” (2005: 485). Esses
são apenas dois, entre tantos exemplos, de como é abordado pela historiografia o
exército constituído para a defesa do regime e do Estado instituídos pela Revolução
Russa de outubro de 1917.
Ao tratarem desse período, vários autores ressaltam o estado calamitoso no qual se
encontrava o “antigo exército” 1, que praticamente abandonava as trincheiras clamando
pelas promessas de “pão, paz e terra”. Um exército constituído basicamente por
camponeses e com seus oficiais saídos de uma nobreza rural ligada ao antigo poder
imperial, eis a força militar que lutava para conter o avanço alemão durante a Primeira
Guerra Mundial.
Continuando nessa linha de pensamento, é ressaltada a dificuldade para se criar um
“novo exército” que garantisse a defesa do poder revolucionário e nesse sentido,
aparece com freqüência a oposição entre “novo” e “antigo” exército. A idéia de uma
“criação” ou “fundação” permeia boa parte da historiografia que trata do tema, tanto que
frequentemente se encontra o nome de Trotsky como o “fundador” do Exército
Vermelho.
As linhas que se seguem não terão por objetivo diminuir o papel de Trotsky na
formação do referido exército, longe disso. Não serão tampouco dedicadas a defender o
absurdo de que o Exército Vermelho constitui uma simples continuação do exército
czarista. Contudo, o que se propõe aqui é ressaltar que essa idéia de ruptura, de
descontinuidades, de oposição entre “novo” e “antigo”, apesar de ter sua coerência e

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
não poder ser descartada como um todo, acaba por criar uma densa nuvem sobre as
chamadas “permanências” no Exército Vermelho.
Como pensar apenas em rupturas quando o “novo exército” tem suas fileiras
formadas, basicamente, pela mesma massa de soldados camponeses do antigo exército
imperial? Como ignorar as “permanências” em uma força militar “fundada” com mais
de 200.000 oficiais do “antigo e destruído” exército czarista?

“Lênin sugeriu a Trotski o afastamento de todos os oficiais e a nomeação de


Lashevich, que fora sargento no Exército tzarista, para comandante-em-
chefe. Ficou muito surpreso quando Trotski lhe disse que mais de trinta mil
oficiais já estavam servindo no Exército Vermelho. Só então Lênin
compreendeu a magnitude do problema e admitiu que, em comparação com
o número de oficiais empregados, os casos de traição eram poucos.
Concordou finalmente com a impossibilidade de afastar os oficiais e
expressou publicamente sua admiração pela originalidade com que Trotski
estava construindo o comunismo com os tijolos que restaram do edifício
destruído da velha ordem.” (DEUTSCHER, 2005: 511)

Jean-Pierre Azéma, em seu artigo “A Guerra” (Rémond, 2003: 401), ressalta a


importância de se fazer uma leitura política da guerra e não tentar compreende-la apenas
a partir de sua própria “gramática”. Clausewitz já dizia que “a guerra é apenas uma
parte das relações políticas, por conseguinte de modo algum independente” (2003:
870). Dessa forma, as forças armadas, instrumento essencial para um Estado fazer a
guerra, não podem também ser entendidas como alheias ao poder político, uma vez que
teoricamente são submetidas a ele. Mesmo quando se insurgem, tal insubordinação
indica uma animosidade que não poder ser compreendida fora do político.
Assim, as forças armadas não são neutras e tampouco alheias às orientações
econômicas, políticas e ideológicas do Estado ao qual devem garantir a soberania. O
golpe militar de 1964 no Brasil constitui um bom exemplo dessa relação umbilical entre
elas e o poder político. Na América Latina abundam exemplos de como sempre
estiveram ligadas a determinados interesses econômicos, ideológicos, políticos e
sociais. Quando as forças de Pinochet marcharam contra o palácio de La Moneda em
1973 não estavam elas defendendo os interesses de determinado grupo social?
Os bolcheviques, quando tomam o poder em outubro de 1917, não estão alheios a esta
questão, pelo contrário. Conforme a tradição socialista da “Segunda Internacional”, por
exemplo, um exército permanente seria um elemento incompatível com o “poder

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
socialista”, pois permitiria o surgimento de uma “casta militar” acima dos trabalhadores,
que poderia marchar contra os mesmos e contra as conquistas da revolução.
De acordo com o próprio programa do Partido Operário Social Democrata Russo2,
do qual saíram os bolcheviques, um exército de milícias seria mais compatível com o
socialismo, principalmente por estar sob o controle direto dos trabalhadores e coincidir
com as unidades produtivas. Conforme as próprias palavras de Lênin:

“Em todos os lugares e em todos os países, o exército permanente não serve


tanto contra o inimigo externo como contra o inimigo interno (...).
Arranquemos o mal pela raiz. Desmantelemos totalmente o exército
permanente. Que o exército se funda com o povo armado, que os soldados
levem ao povo seus conhecimentos militares, que desapareçam os quartéis e
dêem lugar a uma escola militar livre. Nenhuma força no mundo ousará
atentar contra a Rússia livre se o povo amado, que liquidou a casta militar,
que transformou todos os soldados em cidadãos e todos cidadãos capazes de
usar armas em soldados, for o baluarte dessa liberdade” (MARX, LÊNIN,
ENGELS, 1981: 200)

A revolução Russa de outubro de 1917 destitui do poder as tradicionais elites e constitui


a sua própria. Os interesses dos chamados Kulaks3 e da nascente burguesia foram
frontalmente atacados pelos bolcheviques. Nessa situação, como sustentar o novo
governo colocando-o sob a dependência das mesmas forças armadas que se bateram
anteriormente pelo Czar?
Os bolcheviques realmente buscam “criar um novo exército”. Nos debates entre a
cúpula militar do partido, principalmente na década de 1920, nota-se um intenso embate
em torno de quais as bases da defesa do novo regime. Contudo, nessa mesma discussão,
percebe-se os problemas enfrentados e as dificuldades em se criar um “novo exército”.
Nos próprios escritos do chamado “fundador” do Exército Vermelho, evidenciam-se tais
dilemas e é a partir desse debate que o presente artigo propõe um enfoque nas
“permanências” do exército czarista dentro da estrutura do Exército Vermelho.
Ao falar em “permanências do exército czarista dentro da estrutura do Exército
Vermelho”, cabe uma ressalva, uma vez que entre a queda do Czar e a tomada do poder
pelos bolcheviques, a Rússia passou pelo que é convencionalmente chamado pelos
historiadores de “Governo Provisório”. Apesar de nesse período terem se tornado mais
agudas as hostilidades dos soldados para com os oficiais e de o “ideal socialista”
contagiar as fileiras do exército, grosso modo a estrutura desse pouco mudou em relação
ao período czarista. Assim, nesse artigo a expressão “antigo exército” ou “exército

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
czarista” engloba o exército russo não apenas do período de Nicolau II, mas também
desse curto intervalo denominado “Governo Provisório”.
Não é objetivo do presente artigo apresentar todos os aspectos dos debates militares
entre a cúpula bolchevique, mas sim, enfatizar os dilemas do ideário socialista frente a
situação concreta colocada pela tomada do poder, e assim, a partir dessa relação,
perceber como o “novo” não era tão novo assim. Para tanto, escolheu-se alguns debates
específicos a serem abordados, são eles: os debates sobre as milícias, a questão dos
antigos oficiais, disciplina e hierarquia, e o status da oficialidade.

A questão das milícias.

Com a guerra civil já em 19184, não houve tempo para a formação de um sistema
eficiente de milícias e nesse contexto, foi formado o Exército Vermelho como força
militar permanente. No final do ano de 1920, porém, com a perspectiva de vitória na
guerra civil se desenhando no horizonte, o debate sobre a questão das milícias volta à
tona. Entre a cúpula militar bolchevique as opiniões divergiam. Podvoiski, um dos
chefes militares de 1917, defendia a imediata desmobilização do exército regular e a
formação das unidades milicianas. Havia outro grupo, encabeçado por Smilga, que
defendia a idéia oposta, ou seja, a manutenção do exército permanente e o abandono, ao
menos provisório, do sistema de milícias. O principal argumento de Smilga era o de que
uma milícia popular não seria confiável, pois em um país predominantemente agrário,
ficaria impossível garantir que a direção do exército ficasse submetida à classe operária.

“El sistema de milícias, cuya característica principal corresponde a su base


territorial, encuentra un obstáculo insuperable(...) Si consideramos el
pequeño número de proletários existente em Rusía, no podemos garantizar la
dirección proletária(...)”.(CARR, 1964: 380)

Essas constituem duas opiniões “extremas”. Trotsky, que é considerado pela


historiografia e por seus pares como um dos principais, senão o principal, “fundador” do
Exército Vermelho, ponderava. Para ele o objetivo final seria o abandono do exército
permanente em favor das “formações territoriais” 5, porém, isso não poderia ser feito de
forma abrupta e indiferente para com a situação internacional, ao contrário. Por um
tempo o exército permanente poderia até coexistir com as milícias, mas mesmo esse

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
deveria repousar sob novos fundamentos: “Qué querernos ahora? Queremos crear un
ejército regular que descanse en la milicia concebida como sistema de educación.”
(TROTSKY, 1976: 128).
Em 1923, com o XII Congresso do partido, tem início a formação dos primeiros
“batalhões territoriais”, que nesse mesmo ano não representavam mais que 17% do
contingente. Com a adoção da NEP6, contudo, “el nuevo Ejército Rojo territorial se
convertió en símbolo de la reconciliación del campesino com el regimen” (CARR,
1964: 392) e a proporção das milícias aumenta consideravelmente. O “apaziguamento”
do campo diminuiu as hostilidades entre bolcheviques e camponeses ficando, portanto,
mais viável o armamento e treinamento militar dessa população fora da estrutura de
quartéis.
Já em 1926, após Trotsky ser substituído por Frunze no posto de Comissário do Povo
para Guerra, 65% do Exército Vermelho estava organizado sob a base de milícias, nove
anos mais tarde, em 1935, esse número sobe para 74%. Porém, “em meados da década
de 1930, sob a ameaça da Segunda Guerra Mundial, todo Exército Vermelho foi
reformado e reestruturado como Exército Permanente” (DEUTSCHER, 2005: 570). Ou
seja, após ter praticamente 3/4 de sua estrutura formada por milícias, em meados da
década de 1930 tal sistema é abolido em favor de um exército permanente aos moldes
tradicionais.
Assim, apesar de toda uma cultura política socialista que abominava o exército
permanente e de um projeto que previa sua extinção e a implantação do sistema de
milícias, a partir da segunda metade da década de 1930 o “novo exército” apresenta-se
aos moldes do antigo nesse aspecto. Ou seja, constitui uma força militar com soldados
profissionais, formações aquarteladas, rígida disciplina e hierarquia.

Os antigos oficiais

Uma outra questão bastante interessante presente nos debates militares entre a cúpula
militar bolchevique, é a utilização da antiga oficialidade no novo Exército. Com a
intervenção estrangeira e dos chamados “exércitos brancos” 7, a guerra civil coloca os
ideais partidários frente às imediatas necessidades de defesa. Os bolcheviques não
contavam com “pessoal de mando8” em número suficiente e com capacidade técnica,
assim, tiveram que recruta-los nas fileiras do “extinto” exército imperial. Como já foi

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
mencionado acima, nos anos iniciais da revolução o Exército Vermelho chegou a ter
mais de 200.000 oficiais do chamado “exército czarista”. Como garantir a lealdade
desses oficiais ao novo poder? Como prevenir as atividades “contra-revolucionárias” no
seio do exército por essa oficialidade?
Esse debate provocou grandes discussões entre os bolcheviques, e para resolver o
impasse, foi instituído o cargo de comissários políticos9. Esses comissários teriam,
inicialmente, a função de fiscalizar os atos e decisões dos oficiais, os chamados
“especialistas militares”. Criou-se então, um problema de mando, pois apesar do decreto
definindo as atribuições de oficiais e comissários, muitas vezes essa dualidade de poder
causou conflitos. Enquanto os especialistas militares teriam ao seu cargo as decisões
técnicas e táticas, os comissários, além de fiscalizá-los para garantir-lhes a lealdade,
eram também responsabilizados pela “educação política” e por manter o moral da tropa.

“Este problema continuou a empolgar os líderes soviéticos. Em 1925, os


comissários militares foram subordinados aos comandantes; foram
recuperados ao tempo dos expurgos de 1937; após o fiasco contra a
Finlândia, foram novamente reduzidos ao estado de subordinação em agosto
de 1940; foram restaurados a um pé de igualdade em seguida as derrotas
decorrentes da invasão de julho de 1941; e foram de novo reduzidos por
ocasião da batalha pela posse de Stalingrado, em novembro de 1942.”
(GARTHOFF, 1957:50)

Essas mudanças nas atribuições de especialistas e comissários ao longo dos anos e os


debates que as envolveram, levam ao questionamento sobre qual papel desses “oficiais
czaristas” no “novo exército”. Seria ingenuidade acreditar que tais oficiais constituíram
uma massa amorfa, limitada a assimilar a nova ordem. Tanto é assim, que o
Regulamento de Campanha de 1914, permaneceu o mesmo até 1929 e 79% dos autores
do novo regulamento de 1929, eram antigos oficiais do exército czarista. Apesar de
submetidos ao novo governo, um estudo mais aprofundado sobre o tema pode revelar as
influências desses especialistas no Exército Vermelho e assim, ressaltar as chamadas
permanências.

Disciplina e hierarquia

É consensual tanto entre militares como entre estudiosos da guerra e das forças armadas,
que a disciplina e o respeito à hierarquia são condições para a eficiência de uma força
militar, seja ela de terra, ar ou mar. Antes da tomada do poder em outubro de 1917, os

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
bolcheviques tinham suas formas de atuação junto ao exército czarista. Sua organização
militar, por exemplo, atuava no sentido de fazer propaganda revolucionária no seio da
tropa. Dessa maneira, estimulavam a criação de comitês de soldados, que deveriam
eleger seus oficiais e ter garantida sua participação política.
Os bolcheviques promoviam manifestações “pacifistas” no exército imperial, incitavam
a revolta do soldado contra o oficial, colocando a relação desses na perspectiva da luta
de classes. O soldado, camponês ou trabalhador, deveria insubordinar-se tanto contra a
“guerra imperialista” como contra os oficiais, que pertenciam a uma elite agrária.
Essas concepções e práticas antes de outubro de 1917 não faziam parte apenas do
programa político bolchevique, mas sim de algo maior, uma espécie de “cultura política
socialista” em relação às forças armadas, que era partilhada tanto pelos bolcheviques,
como mencheviques, social-revolucionários, enfim, por uma ampla gama de partidos e
grupos socialistas. Isso poder ser percebido em uma ordem do Soviet de Petrogrado
em março de 1917:

O Soviet de deputados operários e soldados decide:

1. Em todas as companhias, nos batalhões, regimentos, parques, baterias,


esquadrões e administrações militares de toda espécie, e a bordo dos
navios da esquadra de guerra, será escolhido imediatamente, por meio de
eleição, um comitê de representantes entre os soldados rasos das unidades
militares acima citadas.
6. (...) Principalmente o “sentido” à passagem de um superior e a saudação
militar obrigatória são abolidos, fora de serviço.
7. São também abolidas as fórmulas devidas aos oficiais: Vossa Excelência,
Vossa Nobreza etc.; elas são substituídas por: senhor, general senhor
coronel etc. (FERRO, 1988: 107).

Já após a revolução de outubro, a convicção de que os soldados tinham o direito de


eleger seus comandantes ainda era bastante presente, tanto na tropa como no partido.
Porém, com a guerra civil e a necessidade imediata da defesa, Trotsky, o Comissário do
Povo para Guerra, colocou-se diametralmente contra os partidários da eleição dos
comandantes pelos próprios soldados.

“En el viejo ejército se habían creado comitês electos de soldados, y mandos


electos, que de hecho estaban subordinados a los comités. Evidentemente,
esta medida no tênia un carácter militar sino político revolucionário. Desde
el punto de vista del mando de las fuerzas en el combate, y de su
preparación para el combate, era inadmisible, monstruosa e suicida. No
había posibilidad alguna de dirigir las fuerzas a través de comités elegidos,

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
y de jefes elegidos, sometidos a los comités y suceptibles de ser cambiados
en cualquier momento”. (TROTSKY, 1976: 08)

Esse debate mobilizou os líderes bolcheviques durante boa parte da década de 1920 e
longe de ser apenas uma questão acadêmica, era algo que estava presente, e com muita
intensidade, nas próprias práticas dentro da tropa. A idéia e a práxis da democracia no
exército não se resumiam a simplesmente eleger o oficial, mas sim, eram consideradas
em um sentido mais amplo e implicavam em relações bastante particulares entre
soldados e oficiais. Nesse sentido, as palavras de Frunze10 em 1924 ilustram bem a
situação no Exército Vermelho:

“En muchos casos, en lugar de impartir una orden firme y categórica para
que se ejecute un deber oficial, tenemos una espécie de adulación hacia los
soldados del Ejército Rojo, el afán de exhibir un espíritu democrático
especial.
Este espiritu democrático constituye la más intolerable degeneración de
todas y cada una de las reglas de disciplina de nuestro Ejército Rojo. Una
orden es una orden. Pedir y rogar a los hombres que cumplam las ordenes
es, en si mismo, una severa infracción de la disciplina”. (Em: CARR, 1964:
402)

O comentário de Frunze indica que a idéia de democracia no exército era bastante


difundida e bem vista pela tropa. A aceitação por parte dos oficiais, talvez esteja mais
ligada ao medo que por ventura tinham de represarias dos soldados, uma vez que
aqueles eram constantemente alvos de desconfiança por terem defendido o poder do
czar antes da revolução.
Porém, apesar de encontrar eco em importantes setores do Partido Bolchevique e entre
socialistas de vários matizes, o fato é que o Exército Vermelho da década de 1930 já é
uma força militar fortemente hierarquizada e disciplinada, com seu quadro de oficiais
nomeado e não eleito. Assim, apesar de todo ideário de ruptura, o Exército Vermelho
incorporou boa parte do modelo de disciplina e hierarquia do “antigo exército imperial
russo”.

Status dos oficiais

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
Como já foi mencionado, dentro da tradição socialista o exército permanente sempre foi
visto como um elemento da “reação”, uma força estatal com importante papel na
manutenção da exploração de classe. Conforme a referida tradição, o poder socialista
deveria abolir o exército permanente e em seu lugar formar milícias territoriais. Ao
construir um exército permanente, justificado pelas necessidades da guerra civil, os
bolcheviques procuraram ao menos “minimizar os danos”.
Durante a guerra civil, e mesmo após certo tempo, predominou nas fileiras do Exército
Vermelho certo “igualitarismo revolucionário”. Tal fenômeno tinha como contexto
tanto a hostilidade dos soldados para com os “antigos oficiais”, como também as
condições econômicas em tempos de guerra civil, que inviabilizavam grandes
disparidades sociais no exército. As antigas saudações militares, as dragonas nos
uniformes, alguns postos de oficiais, enfim, muito da distinção entre soldado e oficial
ou caiu em desuso ou foi formalmente abolida.
Entre os comissários políticos, Trotsky fez um chamamento para que esses vivessem
com “seus homens” nos quartéis e compartilhassem com eles as mesmas condições.
Uma diretiva de fevereiro de 1921 ordenava que se garantisse o princípio da igualdade
em todas as categorias do Exército Vermelho. Porém, a partir de 1923 a situação
começa a se modificar.
O décimo congresso do partido, também em 1921, já havia estabelecido algumas
medidas para melhorar as condições materiais da oficialidade, porém, apenas a partir de
1923 elas ganham corpo. O aumento de soldo dos oficiais, construção de habitações,
pensões, enfim, várias ações foram implantadas para a melhoria das condições materiais
da oficialidade com o objetivo declarado de reconhecer a importância dessa categoria e
aumentar seu prestígio.
O antigo igualitarismo dos anos iniciais da revolução não resistiu ao tempo e tal
mudança é bem exemplificada por Raymond Garthoff:

“A antiga abolição bolchevista dos postos de oficial diminuiu


progressivamente. Em 1935, o posto de marechal foi introduzido (...) e em
1940 outras graduações foram restabelecidas. Em 1940 a saudação
(continência) foi também introduzida (...) Em 1942 reaparecem as dragonas
(...) Hoje o Exército Soviético tem o seu corpo de oficiais na situação de
uma casta muito mais característica que em qualquer outro exército (...) O
soldado soviético ganha o equivalente a 6 dólares por mês, mas um major
general chega a receber 1630 dólares” (GARTHOFF, 1957: 284)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
Essas observações do autor coincidem com outros que se dedicaram ao estudo dos
desdobramentos da Revolução Russa. Ao falar da “Nomenklatura”, em seu livro do
mesmo nome, Michael Voslensk coloca essa “elite militar” como constituinte de uma
nova classe nascida da burocratização do Estado Soviético.
Finalmente, não se pode esquecer também, que apesar de todas as mudanças, o grosso
do Exército Vermelho, a “massa” de soldados, era constituída basicamente pelos
mesmos camponeses que empunharam as armas imperiais. O soldado vermelho
carregava nas costas o peso da cultura, costumes e práticas de uma sociedade com
características fortemente autoritárias. Como disse Trotsky, um grande problema ao
qual se deveria dedicar a liderança militar do partido era acabar com o analfabetismo e
os piolhos no Exército Vermelho. (CARR, 1964: 380).
Enfim, apesar de toda uma cultura política com verdadeira aversão a um exército
permanente, com nomeação de oficiais de cima para baixo, rigidamente hierarquizado e
formado em quartéis, o Exército Vermelho que se bateu pela defesa da União Soviética
durante a Segunda Guerra e despertou esperanças e terror na Guerra Fria, carregava as
fortes marcas da tradição russa, o peso das circunstâncias nas quais foi forjado e os
imperativos dos rumos que tomou o Estado Soviético. Como ignorar que séculos de
tradição constituíram os alicerces do “novo exército”?
Assim, apesar de não poder ser entendido como uma simples continuação do exército
czarista, ao falar em “fundação do Exército Vermelho” é preciso considerar o fardo das
circunstâncias e da tradição. A cultura política socialista, e especificamente a
bolchevique, em contato com a guerra civil, com as especificidades econômicas, sociais
e culturais russas, forjou o “novo” com o material do “antigo” e nesse sentido, não
observar as permanências na construção do Exército Vermelho pode levar a construção
de um verdadeiro “mito de fundação”.

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BETTELHEIM. Charles. A luta de classes na União Soviética. Editora Paz e Terra.


Rio de janeiro. 1976.

CARR. E.H. El socialismo em um solo país. 1924-1926. (6 vol.). Alianza Editorial.


Madrid. 1976.

CASTORIADIS. Cornélius. La sociedad burocrática. (vol. 1 e 2) Tusquets Editor.


Barcelona. 1976.

CLAUSEWITZ. Carl Von. Da Guerra. Martins Fontes editora. São Paulo. 2003.

DEUTSCHER. Isaac. Trotski. O profeta armado. 1879-1921. Civilização brasileira.


Rio de Janeiro. 2005.

DJILAS. Milovan. A nova classe. Editora Agir. Rio de Janeiro. 1958.

FERRO. Marc. A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917. Editora Perspectiva. São Paulo.


1988.

FORTIN. Pierre. A sociedade soviética. Edições Cosmos. Lisboa. 1968.

GARTHOFF. Raymond. Doutrina Militar Soviética. Biblioteca do Exército Editora.


Rio de Janeiro. 1957.

Guia de Armas de Guerra. Exército Soviético. Volume I. Nova Cultural. São Paulo.

PIPES. Richard. História Concisa da Revolução Russa. Edições Bestbolso. Rio de


Janeiro. 2008.

PLESHAKOV. Constantine. A loucura de Stalin. Os trágicos dez dias iniciais da


Segunda Guerra Mundial no front oriental. Difel. Rio de Janeiro. 2008.

RÉMOND. René. (org). Por uma história política. 2º edição. FGV editora. Rio de
Janeiro. 2003.

VOLKOGONOV. Dmitri. Stalin. 1879-1939. Triunfo e tragédia. VOL.I. Nova


Fronteira. Rio de Janeiro. 2004.

VOSLENSKY. Michael. A Nomenklatura. Como vivem as classes privilegiadas na


União Soviética. Cadernos UNB. Editora Record. Rio de Janeiro. 1982.

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom
Fontes:

MARX, K; ENGELS, F; LÊNIN, V. Escritos Militares. Global Editora. São Paulo.


1981.

TROTSKI. Leon. Escritos Militares. Tomos I e II. Ruedo Ibérico. France. 1976.

NOTAS
1
O termo se refere ao exército russo anterior à revolução de outubro de 1917, ou seja, o exército formado
sob a égide do czarismo.
2
O Partido Operário Social Democrata Russo foi fundado em 1898 sob a bandeira do marxismo. Em
1903 o partido se divide em dois grupos: bolcheviques e mencheviques. As duas frações formalmente
constituem um mesmo partido e só rompem definitivamente com a revoluão de outubro.
3
O termo refere-se aos camponeses proprietários de terras ou aos chamados “remediados”. Após outubro
de 1917 carrega forte conotação pejorativa.
4
Na historiografia soviética o fim da Guerra Civil é datado em outubro de 1922, Quando o Exército
Vermelho ocupa Vladivostok. Porém, o último enclave das “forças brancas” só é batido em Junho de
1923.
5
No presente artigo os termos “milícias”, “formações territoriais” e “batalhões territoriais”, possuem um
mesmo sentido. O mesmo acontece com as fontes estudadas.
6
Nova Política Econômica. Seu objetivo geral era recuperar a economia russa e para isso o governo
permitiu o restabelecimento de pequenas propriedades privadas. Para incentivar os camponeses a
produzirem, a NEP promovia certa liberdade de preços e comércio.
7
Referência às forças militares russas que tentavam derrubar o poder bolchevique.
8
O termo é bastante usado nas fontes estudadas e refere-se a oficiais, especialistas militares para
comandar o Exército Vermelho.
9
Na verdade a instituição dos comissários políticos foi introduzida no Governo Provisório de Kerensky
em 1917 e os bolcheviques, com o decreto de 6 de abril de 1918, definem o papel dos comissários.
1010
Frunze era um importante chefe militar bolchevique e em 1925 substitui Trotsky em seu cargo
militar.

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom

Вам также может понравиться