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OLIVEIRA, Joevan. Memorial homens ocos: Registro de uma experiência performática.

Memorial apesentado à II Especialização em Representação Teatral do Departamento de


Teatro da UFPB. João Pessoa – PB, 2009.

PARTINDO DOS PRINCÍPIOS

Em nossa rotina de trabalho, começávamos com um alongamento individual,


onde cada um trabalhava as partes do corpo que achava necessário, seguido de
uma saudação coletiva em um grande abraço: observávamos uns aos outros e, à
medida que nos olhávamos, diminuíamos a distância entre nós até nos abraçarmos
terminando com um “bom dia” dando início aos exercícios coletivos.
Na sequência fazíamos a saudação ao sol, ao menos três vezes, aumentando
o ritmo a cada repetição, dando continuidade ao nosso alongamento. Além de
aquecer nossa musculatura de maneira mais suave e exercitar a respiração, ela nos
dava algumas possibilidades de asanas (posturas da ioga) que seriam utilizadas, a
posteriore, dentro da estrutura de ação.
Outra possibilidade de alongamento utilizado foi uma sequência de 10
exercícios trazidos pelo nosso orientador e descritos logo abaixo, cujo objetivo era
ativar determinadas musculaturas, normalmente encurtadas pelo mau uso na vida
cotidiana.
Esses exercícios eram realizados em duplas com duração de 20 a 30 segundos
em cada posição. Quem recebe o alongamento fica, inicialmente, deitado, de costas
no chão, com pernas e braços relaxados e estendidos ao longo do corpo; quem
executa deve se preocupar em achar posições que não prejudiquem a coluna.
 1. Perna direita em flex sendo apoiada na barriga de quem está ajudando, a
coxa esquerda se mantém colada no chão. Mesma coisa feita com a outra
perna;
 2. Perna direita estendida é levantada com o pé em flex, apoiada no ombro de
quem está ajudando. Este pressiona o pé, como se quisesse tocar os dedos
contra a perna. A mesma coisa com a outra perna;
 3. As duas pernas em flex contra a barriga, a coluna levanta um pouco na
região do cóccix;
 4. As pernas flexionadas com os pés no chão. A perna esquerda cruza sobre
o joelho da perna direita, desce as pernas até o chão, pressionando-as para o
lado posto ao da perna que está cruzando. Quem está ajudando deve
pressionar o ombro do lado oposto ao das pernas. A cabeça vai para o lado
contrário ao da perna que desce. Fazer a mesma coisa com a outra perna;
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 5. Novamente a perna esquerda cruzada, só que dessa vez, só o pé é que


apoia no joelho contrário. Quem ajuda deve, nessa posição, levantar as
pernas em flex, apoiando a perna direita em seu peito a contraindo contra a
barriga de quem está recebendo o exercício. É necessário estar atento ao
alinhamento do quadril. Fazer o mesmo com a outra perna;
 6. Quem está recebendo deve sentar sobre os ísquios com a perna direita
flexionada perto da bacia e a esquerda esticada à frente, com o pé em flex.
Os braços devem conseguir tocar o dedão, flexionando o tronco contra as
pernas. Quem está ajudando deve colocar-se atrás dele fazendo leve pressão
na parte superior da coluna. Repetir o exercício com a perna contrária;
 7. O mesmo exercício, só que com as duas pernas à frente;
 8. Sentado sobre os ísquios, fica de frente à parede com as pernas abertas, o
máximo possível. A pessoa que ajuda fica atrás pressionando a parte superior
da coluna.
 9. Deitado no chão, novamente, com as pernas flexionadas, fazer
abdominais. A pessoa que ajuda fica segurando os pés do executante para
que não saiam do chão.
 10. Deitado no chão, com as pernas esticadas e os pés em ponta, fazer
abdominais levantando as pernas. Quem está ajudando fica em pé, com as
pernas ao lado da cabeça do executante, para que esse segure em suas
pernas, colocando a pressão nelas e não no pescoço.
Esse espaço para o alongamento foi mantido durante todo o processo; já os
exercícios realizados após esse primeiro momento, assim como as dinâmicas
utilizadas foram sendo alteradas no decorrer dos encontros.
No início desse percurso de criação de um corpo em vida, alguns elementos
pré-expressivos foram trabalhados, assim como também foi realizado um
treinamento energético, visando uma melhor utilização e manipulação dentro da
estrutura de ação.
Alongamento feito, um segundo momento tinha início a partir de um despertar.
No plano baixo, começávamos a movimentar as partes do corpo, inicialmente de
maneira lenta e gradativa, aumentando o ritmo passando pelo plano médio até
chegar ao plano alto. Durante esse despertar trabalhávamos com apoios, tentando
usar partes diferentes do corpo como base, sempre procurando sentir quanto de
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peso cada um aguenta e quais os pontos de equilíbrio de cada um; rolamentos para
frente, para trás e laterais em diferentes ritmos e intensidades e verbos de ação -
chicotear, cortar, empurrar, puxar, lançar - com diferentes partes do corpo.

Figura 1 : Sequência em plano alto da dinamização física

Dentro desse processo de dinamização, inseríamos três exercícios que o


orientador chama de sino, pipa, elástico, que nos possibilitava pesquisar formas
diferentes de criar impulsos e contra impulsos, bem como ativar a coluna vertebral
no exercício; à medida que puxávamos algo em nossa direção criando uma tensão,
teríamos que produzir o impulso contrário, de resposta à tensão produzida,
propiciando o uso de raiz e saltos.
Também trabalhamos imaginando uma bandeja cheia de taças na mão que
deveria ser deslocada nas mais variadas direções, ritmos e intensidades, sem deixar
cair. A bandeja deveria variar entre estar numa mão e nas duas ao mesmo tempo. A
finalidade desse exercício era trabalhar a soltura do corpo e dinamizar a coluna pela
execução das movimentações.
Chegando ao nível alto, alternávamos os níveis, o que nos possibilitava, por
exemplo, experimentar formas diferentes de levantar e deitar sem o auxílio das
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mãos, buscando impulsos e pontos de apoio diferentes, sempre procurando vencer


barreiras físicas e deixando o corpo nos surpreender. Todos os exercícios usados
acima eram feitos durante o processo de despertar o corpo, de maneira a inserir
elementos técnicos, conscientemente, num primeiro momento onde as
movimentações eram feitas de maneira espontânea.
Dando seguimento a esse aquecimento, nos era solicitado trabalhos
específicos como, por exemplo, utilização das articulações, inicialmente
segmentando o corpo, ou seja, trabalhávamos da cintura para cima e da cintura para
baixo. Este último, partindo dos pés, que são considerados a base dos princípios de
extracotidianeidade, podendo muitas vezes determinar o ritmo da ação e sua
dinâmica espaço-temporal.
Trabalhamos formas de apoio no chão, alterando nosso equilíbrio e
possibilitando criar um jogo de oposições em nosso corpo, tensões que nos
permitiam brincar com nosso comportamento físico cotidiano.
Momento de experienciar possibilidades novas de se colocar frente à
gravidade, de andar e manter-se em pé, o que nos possibilita produzir, no
espectador, sensações de peso, leveza, força, fragilidade, agilidade ou dificuldade.
Sensações que podem despertar os mais diversos sentidos. Fazíamos o mesmo
exercício da cintura para cima, tendo como princípio o trabalho com as mãos que
reverberava para os braços e a coluna.
Assim como os pés, as mãos também podem ser usadas como um polo
irradiador de tensões musculares ou, ao contrário, podem reproduzir um
determinado estado corpóreo, principalmente pelo uso dos dedos.

“...as tensões dos músculos manipuladores estão prontos para agir


conforme o peso, a fragilidade, a temperatura, o volume e o valor do
objeto à frente do qual a mão é estendida” (BARBA E SAVARESE,
1995, p.130).

Na sequência trabalhávamos o rosto, por ser um importante indicador de


sensações e expressões. As máscaras que o ator constrói reproduzem tensões
equivalentes as do cotidiano para indicar intenções e sentimentos que, ao ser
trabalhado, pode e deve assumir uma estrutura precisa de tensões. (BARBA E
SAVARESE, 1995).
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Da mesma forma que os pés, as mãos e rosto, os olhos eram trabalhados


porque acreditamos que o processo de codificação de gestos em símbolos,
necessariamente, passará pelo crivo do olhar, que maioria das vezes, conduzirá o
espectador pelo bios cênico construído, e de onde parte a maioria dos focos. Seu
movimento tem objetivo e, portanto, torna-se ação. “Para um ator, ver não é olhar
com os olhos; é uma ação que compromete o corpo inteiro” (BARBA E SAVARESE,
1995, p.109).

Figura 2 : Sequência de máscaras realizada durante o treinamento

Se num primeiro momento, dividimos o exercício, começando de baixo para


cima, ao terminar a sequência com os pés, mãos, rosto e olhos, passávamos a
trabalhá-los ao mesmo tempo, procurando deixar o movimento produzido por cada
um desses elementos reverberarem pelo corpo inteiro, buscando perceber e
identificar que mudanças e sensações elas nos produziam. Nesse sentido,
trabalhávamos com dinâmicas diferentes, de maneira a conquistar dilatações e
condensações de um mesmo movimento.
Esse processo de segmentação e ligação de elementos soltos foi muito usado
durante nosso treinamento como uma estratégia que possibilitou experienciar o
manuseio individual de elementos que compõe nossas ações para em seguida uni-
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los de maneira mais consciente.


O ator, assim como o escritor, também constrói um texto cujas palavras são as
ações. Mas assim como num texto, as palavras, apesar de essenciais, podem ser
decompostas. Suas raízes podem ser separadas e reorganizadas de maneira a criar
outros significados. O mesmo pode acontecer com as ações do ator que pode
decompô-las e, a partir das suas raízes e seus elementos criar uma infinidade de
inter-relações, consequentemente de possibilidades de criação de significados pelo
espectador.
Toda ação física é composta de microelementos que se inter-relacionam
tornando-a viva, pulsante e dando-lhe um significado primeiro que é o do ator.
Segundo Ferracini (2001), sobre os microelementos relacionados à mecânica física
das ações podemos falar em intenção, élan, impulso e movimento. Intenção refere-
se a um estado de tensão interna no ator, que ocorre ao nível da musculatura.

“Laban acentua que esse aspecto físico muscular pode variar do


forte ao leve e que essas tensões musculares produzidas em
pequenas áreas corporais oferecerão a informação referente à
determinação da pessoa agir” (BURNIER, 2001, p.39).

O élan é o que impulsiona o ator à ação, seu sopro de vida, “é traduzido para o
português como impulso, arremesso, arrebatamento, movimento apaixonado, ardor,
entusiasmo, ímpeto” (BURNIER, 2001, p.40), é o impulso que precede a ação. Cria-
se uma diferença de potencial no corpo gerando energia que, pronta para ser
utilizada deve ser projetada para fora (BURNIER, 2001). Fizemos muitos exercícios,
relacionados à criação e utilização do impulso; raiz, piston, lançamentos. De início,
partimos de um trabalho com a raiz, exercício para fincar os pés no chão e manter o
equilíbrio.
Para andar, primeiramente, afundávamos o pé no chão, começando pelo
dedão, até que todos estivessem no chão, tentando mantê-los completamente
abertos. Enterrados no chão, íamos gradativamente baixando o resto do pé,
deixando só a ponta do calcanhar levemente levantado, dando condições para na
hora de fazer a transferência de peso de um pé para outro, conseguirmos um micro
impulso. Nessa transferência de peso, cria-se uma oposição entre a base, puxando
o corpo para baixo, e a cabeça puxando para cima.
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O exercício de raiz nos levou a criar um impulso maior, em que projetávamos a


perna, dando passos maiores, nas mais diversas direções. Observamos que quanto
maior for a base, ou seja, quanto mais os joelhos estiverem flexionados, maior será
a sensação que o piston pode produzir. Num terceiro momento, esse impulso nos
levou ao salto. Se antes apenas fazíamos transferência de peso, de um pé para o
outro, agora usávamos esse impulso para saltar. Do salto passamos para o
lançamento, primeiramente, com os braços e mãos e depois com várias partes
diferentes do corpo. Nesse momento, deveríamos direcionar o impulso dado pela
raiz para uma parte do corpo e assim lançar.
Já nessa fase do exercício criamos uma sequência de quatro lançamentos,
atentando para as etapas que o constituem:
1. Preparação para o salto, trabalhando a raiz e criando o impulso a partir dos
pés;
2. Direcionamento do impulso, de maneira a deixar claro que parte do corpo
está lançado;
3. Aterrisagem que, por meio do trabalho com a raiz e da contração do
abdômen, deve ter leveza e precisão.
Minha sequência iniciava-se com um impulso arremessando o dedo em
diagonal para frente; no chão, antes de aterrissar completamente, dou um giro de
180° e finco os pés no chão. Transfiro o peso para o pé direito, em raiz, e com o
impulso, arremesso o joelho direito para cima aterrissando no mesmo local. Transfiro
o peso para o pé esquerdo e salto em diagonal, no alto, as mãos vão para trás da
nuca e as impulsiono por trás da cabeça, arremessando-as ao chão. Viro o corpo
para trás e numa corrida pulo, dou um giro no ar e crio um impulso nesse giro para
arremessar o dedo da mão direita para frente.
Na hora de apresentar a sequência para o orientador, este pedia para
repetirmos, dando comandos que nos faziam tentar refrear determinados impulsos
fazendo-os acontecer na imobilidade. Barba(1994) chama de “sats” esse momento
de preparação dinâmica do ator, quando a energia ainda não foi liberada, mas se
encontra pronta para tornar-se ação. Para conseguir essa energia em suspenso, é
necessário refrear o impulso com um contra impulso, criando-se uma situação de
acumulação de energia.
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Também trabalhamos criando impulsos a partir do abdômen. Deitados no chão


e imóveis, ao comando do orientador, nós criávamos um impulso a partir do
abdômen, que deveria nos suspender numa determinada posição, mantendo-as
durante um tempo e, após um novo comando, voltávamos ao relaxamento. Esse
exercício se desenvolvia para um impulso que deveria nos fazer levantar, andar
durante sua duração e, assim que ele cessasse voltar a deitar e à imobilidade. Esse
mesmo exercício também nos possibilitava trabalhar formas diferentes de levantar e
deitar.
Além desses elementos que formam a parte mecânica da ação, há aqueles
elementos chamados de energia, precisão e organicidade. A energia está
intimamente relacionada ao trabalho que nossa musculatura desenvolve. É,
portanto, algo biológico,

“Falar de energia no teatro significa examinar os princípios pelos


quais o ator pode modelar e educar essa potência muscular e
nervosa de acordo com situações não cotidianas” (BARBA, 1995,
p.74).

O ator, não apenas produz diferenças potenciais em seus músculos para


produzir a energia necessária a cada ação, esteja ela em movimento ou não, como
também a manipula de acordo com suas necessidades.
Intimamente ligada à energia é a precisão, uma vez que é a partir da exatidão
da delimitação de um que o outro poderá desenvolver-se. Ou seja, ao falar em
precisão devemos pensar

“na exatidão, justeza, rigor e perfeição. Estes termos não se aplicam


apenas ao itinerário, ritmo e impulsos, mas também à qualidade e
quantidade de energia que alimenta a ação” (FERRACINE, 2003,
p.112).

Um dos exercícios relacionados à precisão e objetividade mais significativos,


para mim, foi o samurai. Posição de base com as pernas bem abertas, o corpo ereto
e as mãos em tensão à frente do corpo segurando um bastão. A primeira
movimentação é frontal, uma perna se junta a outra, numa leve transferência de
peso com o mínimo de oscilação para cima, com o tronco realizando uma pequena
torção em sentido contrário à perna em movimento. Esta última se ergue e, em
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diagonal, cai para frente, o corpo acompanha essa movimentação inteiro, como um
bloco. O olhar é fixo na frente e toda movimentação deve ser precisa.
A segunda movimentação é lateral. É a mesma movimentação anterior, só que
na transferência de peso o corpo gira 180° e é acompanhado pelos braços que
levantam sobre a cabeça e baixam quando a perna que levantou chega ao chão. A
cabeça sempre virada para frente, com o olhar fixo.
Num segundo momento, o trabalho do samurai passou a ser feito de maneira
livre, procurando formas de andar, atacar, levantar e sentar, o que me levou a criar a
seguinte sequência:
Com o bastão à frente dou um passo lateral atacando. Sento sobre a perna
direita que está para trás e deixo a perna esquerda estendida à frente. Repouso os
braços sobre a perna esquerda olhando para frente. Levanto com um impulso do
abdômen, projetando meu corpo para frente, ergo o bastão e a perna esquerda num
giro de 90° e ataco lateralmente. Junto às pernas e sento sobre os joelhos, com as
mãos no chão e o olhar para baixo. Levanto com um impulso do abdômen
projetando o quadril para trás. Dou um salto e, ao chegar ao chão, projeto o corpo
para cima e ataco com o bastão para baixo lateralmente. Sento me inclinando para
frente sobre a perna esquerda que se mantém em 90° em relação ao chão e a perna
direita estendida atrás e os braços laterais ao corpo.

Figura 3 : Sequência do samurai


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Feita a sequência, passamos a trabalhar sem os bastões em diferentes ritmos e


com delimitações de espaço. À medida que o espaço ia diminuindo a movimentação
foi se transformando em impulso. Nesse momento o orientador me pediu para repetir
a mesma movimentação, agora reduzida a impulso, tendo como motivação o fato de
eu ter roubado uma bolsa e, num lugar escuro e com medo de ser pego, olho o que
tem dentro dela. A movimentação era a mesma do samurai, só que reduzida e
encaixou-se, perfeitamente, na nova motivação.
Assim como o corpo humano é composto por elementos que estão em
constante relação de interação e interconexão, voltados para um objetivo único, o
desenrolar das ações deve ter esse caráter de relação íntima, de continuidade,
como se um dependesse do outro para existir. Esse conjunto de interligações,
contudo, não deve restringir-se ao corpo do ator, ao desenrolar de suas ações, mas
também, as relações que essas ações desenvolvem com os demais elementos
presentes na representação; os companheiros de cena, a luz, sonoplastia e,
principalmente, o espectador de maneira orgânica.

“O que é organicidade? É a vida em acordo com as leis naturais, mas


em um nível primário. [...] Organicidade está conectada a um
aspecto-criança. A criança é, quase sempre, orgânica. Organicidade
é algo que se tem mais quando jovens, menos quando ficamos mais
velhos. Obviamente é possível prolongar a organicidade lutando
contra os hábitos, contra as imposições da vida cotidiana,
quebrando, eliminando os clichês do comportamento” (GROTOWSKI
apud FERRACINI, 2006, p. 70).

Esse estado de organicidade, apesar do caráter natural dado por Grotowski,


coexiste com a artificialidade, uma vez que é produzido pelo ator de maneira
forçada. O que significa dizer que a organicidade em se tratando do trabalho do ator
é um duplo orgânico/inorgânico, natural/artificial que coexiste. Ela não existe em si
mesma, mas sim pela manipulação dos elementos que formam a presença do ator
em cena. Ela seria a força que aproxima e mantém unidos todos esses elementos.
Sobre essa relação entre as ações Burnier explica que,

“para se obter uma organicidade em uma ação física, há de se


desenvolver um conjunto complexo de ligações e inter-relações
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internas a ação ou a sequência de ações... É o corpo memória se


reencontrando a si mesmo, a sua integralidade orgânica”.
(FERRACINE, 2003, p.11).

Outro exercício em dupla, muito marcante, era o trabalho com impulsos, contra
impulsos, precisão, objetivo procurando criar uma organicidade e consistia em tocar
uma determinada parte do corpo do companheiro e esse responderia com outro
impulso partindo do local tocado para retribuir o companheiro. Com o tempo, a
mesma coisa era feita só que a distância, sem tocar um ao outro. A medida que o
exercício prosseguia, podíamos fazer isso de diferentes distancias, revezando
impulsos e contra impulsos que dávamos e recebíamos em níveis, intensidades e
ritmos diversos, utilizando diferentes partes do corpo.
Outro importante componente do ator é a ação vocal, intrinsecamente ligada à
ação física. Por ação vocal, consideremos “o texto da voz”. A voz é um
prolongamento do corpo, com ela podemos agredir, aproximar, rejeitar, acariciar,
dividir ou unir, ela também é impulso. O uso da voz com fins representativos

“...não é mera utilização cotidiana, mero movimento ou articulação


de significados; traz na sua origem o germe da ação. É a recriação
do ambiente sonoro com a finalidade de atingir determinados
parâmetros ou efeito de comunicação.” (MONTENEGRO, 2001,
p.17).

Assim como os gestos, os sons produzidos pelo ator, quando transformados


em ação, assumem caráter significante para o espectador, devido as diferentes
utilizações dos componentes que os constituem.
Quanto aos parâmetros do som podemos falar da altura (grave, médio e
agudo), da intensidade (forte e fraco), do volume (quantidade de som), duração
(tempo, pulsação, ritmo) e do timbre (a qualidade, a cor do som). São esses
elementos que, de acordo com a utilização, aguçarão os sentidos do espectador de
maneira a produzir-lhes sensações e significados.
Todos esses elementos são utilizados pelo ator, para criar sensações no
espectador, despertar seus sentidos, aguçar-lhes a capacidade de criar novos
significados.
Um dos nossos deveres de casa era pesquisar canções antigas, cerimoniais,
cantos de trabalho, para que utilizássemos durante os exercícios. Fiz a pesquisa e
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encontrei algumas músicas. Num dos encontros enquanto trabalhava com as partes
do corpo, me veio à cabeça um trecho de uma música indígena que havia
pesquisado na internet:
iariroqüêi, iariroqüêi,
Qüana ta, San qüe iaiê.
Iariroqüêi, iariroqüêi.
Aricóma!!!!!!!!!!!!!!!!!
Uaracaniá ebicarrê,
Uaracariá êbitiarrê.
Quando comecei a cantá-la minha movimentação começou a mudar e a ser
levada pela música, até que esta começou a se modificar, passei a usá-la como fala
e a música passou a estar a serviço da movimentação. Nesse momento me senti
mais a vontade para trabalhar, a partir dessa letra, com timbres, alturas,
intensidades e durações diferentes, procurando promover um diálogo entre a voz e o
corpo que ora se reafirmavam, ora se negavam.
O ator fala com sua voz, com seu corpo, ambos indissociáveis no processo de
expressão. “Quando controla seus movimentos e lhes acrescentam palavras e voz,
parece-me que isto se torna um harmonioso acompanhamento para um lindo cantar”
(STANISLAVSKI, 1976, p.96). O ator deixa fluir a voz, como um prolongamento do
corpo. “Há muitas vezes em que a posição dos pés determinam a força e a nuança
da voz do ator” (BARBA E SAVARESE, 1995, p.130).
Nos exercícios realizados, procurávamos deixar que os sons e sonoridades
fossem saindo de maneira espontânea, sempre procurando trabalhar a partir dos
parâmetros já citados. Muitas vezes, durante o processo de despertar o corpo, num
determinado momento do exercício, o orientador ia sugerindo imagens a serem
trabalhadas e dessas imagens muitas vezes produzíamos determinadas
sonoridades.
Num dos ensaios, enquanto trabalhávamos com o corpo, ele começou a nos
pedir para variar a intensidade da movimentação, até a imobilidade. A partir daí ele
nos propôs a imagem de um animal e mandou-nos trabalhar a mesma
movimentação tendo em mente esse animal. Comecei a colocar mais peso em
minha movimentação, o corpo encurvava e comecei a emitir sons guturais, que
variavam em intensidade e duração. Durante o exercício começamos a dialogar com
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nossos sons, variando os volumes de som que, junto as diferentes alturas e timbres
que cada um criou, nos possibilitou brincar de criar uma paisagem sonora.
Sempre que trabalhávamos os elementos técnicos procurávamos acrescentar-
lhes possibilidades sonoras. Nesse processo, muitas vezes um levantar produzia um
som agudo, ou mesmo o contrário. Se usávamos as mãos para cortar,
experimentávamos fazer o mesmo com a voz, ou, muitas vezes, os sons produzidos
iam de encontro ao que a movimentação sugeria.
Outras vezes, nosso aquecimento vocal era feito com a utilização e repetição
de um mantra em sânscrito: “on mani padme hum”1, que era repetido alternando
grave e agudo. Inicialmente, cada um parado e deitado ou sentado e dele dávamos
início ao processo de despertar o corpo.
A utilização desses princípios dentro do nosso treinamento pré-expressivo
busca uma técnica que em cena, nos possibilitará recriar um comportamento físico
que, de alguma forma, está num espaço “entre”, que acredito ser, exatamente, o
momento de criação. Isso porque ele não é só mecânico e formalizado, nem
tampouco somente orgânico, vivo, e sem forma. Não é cotidiano, nem só extra
cotidiano, mas sim ambos relacionando-se por complementaridade, se auto
alimentando de suas potencialidades.
Buscamos por meio dessa técnica, abrir portas que nos possibilitem adentrar
no tempo-espaço do devir, em que passado e presente se encontram em continua
atualização de memórias. É nesse momento que, em cena, poderemos não apenas
reproduzir ações construídas no período dos ensaios, mas, principalmente, recriá-las
no momento crucial, que é a do encontro com a plateia.

1
É um dos mantras do Budismo; o mantra de seis sílabas do Bodisatva da compaixão: Avalokiteshvara. De origem indiana, de
lá foi para o Tibete. É o mantra mais entoado pelos budistas tibetanos. Disponível em
< http://pt.wikipedia.org/wiki/Om_mani_padme_hum >

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