Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Dia: novembro 20, 2012
Publicado em 20 de novembro de 201224 de outubro de 2013 por Gilson Moura Henrique
Junior
A guerra aos brancos e outras Histórias
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/revolta_dos_males.jp
g?w=278)
A tradição de rebelião de escravos no Brasil é assunto que por vezes não sai da
romantização do Quilombo de Palmares, inclusive com dramatização em
folhetins televisivos de “versões” menores e açucaradas do feito do povo de
Zumbi e Ganga Zumba. A compreensão do Escravo como mais que um sujeito
passivo da ação opressora não é assunto corrente nem mesmo na educação
formal. Exceto na academia as lutas dos negros escravos, africanos ou não e da
população como um todo é colocada em situação hierárquica inferior às
“grandes” lutas e revoltas.
Pra cada Revolta dos Malês temos mil Farroupilhas, para cada Sabinada,
milhares de Inconfidências Mineiras. Fora da exploração parcial do feito de
Palmares temos poucas menções que indiquem algum tipo de busca de uma
ressignificação do passado com os dados contidos em diversas pesquisas
produzidas cotidianamente nas universidades e que demolem qualquer tipo de
formato monolítico do papel do escravo como vítima passiva dos senhores e do
sistema.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/129594730385.jpg)
Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo
https://natransversaldotempo.wordpress.com/2012/11/20/ 1/6
19/04/2017 20 de novembro de 2012 – Na Transversal do Tempo
Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo
do trabalho que ajuda a reconstruir a imagem do Escravo como sujeito ativo de
sua história. Ao apontar a tradição rebelde na Bahia com o listar de diversas
revoltas, espontâneas ou planejadas, naquela outrora província e hoje estado,
antes mesmo da eclosão da Revolta dos Malês em 1835.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/f5030.jpg)
Um dos exemplos é o da situação de Salvador no período da Revolta de 1807,
onde diversos quilombos e terreiros nas matas das cercanias da cidade ajudavam
a desenvolver uma coletividade africana relativamente autônoma alimentada
pelo constante fluxo de escravos que habilmente usavam a maior liberdade que a
escravidão urbana proporcionava.
Essa comunidade africana, e é importante notar que era majoritariamente
africana, era resultado indireto da expansão da economia canavieira que
demandou ampliação da importação de africanos para alimentar as plantações
com mão de obra. A organização destes Quilombos não obedecia a lógica
tradicionalmente vendida como de pequenos estados, como se fossem cópias
fiéis de Palmares, mas possuíam um tipo de ocupação com poucos moradores
fixos e um fluxo constante de escravos que buscavam escapar por algum tempo
do cotidiano de exploração a que estavam diretamente expostos. Além disso
possivelmente buscavam a convivência com outros africanos por algum tempo.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/resitencia‑escravos‑
brasilescola1.jpg)
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/2‑
revoltadosmales1.jpg)
A repressão levada a cabo pelo Conda da Ponte, João de Saldanha da Gama
Mello e Torres Guedes de Brito, contra essas comunidades, buscava, segundo
suas palavras, combater a indulgência de senhores que permitiam uma vida
africana que afrontava a ideia de “civilização” do então Governador e Capitão
Geral da Capitania da Bahia e de parte da sociedade baiana da época. A
severidade com que era feita a repressão, a prisão de lideranças não tardou a
levar à comunidade negra africana de Salvador a organizar uma revolta
planejada contra o Governador e sua política de repressão. A ação de repressão
provocava uma reação.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/1a‑vile‑factitle.jpg)
O nível de organização da revolta não era pequeno, o planejamento de um
primeiro levante para 28 de Maio de 1807, durante as celebrações do Corpus
Christi, já dá uma boa ideia de como o entendimento das fragilidades do inimigo
não era pequeno. A presença muçulmana já se fazia presente e a organização
partia também de objetivos religiosos e buscava a fundação de um reino nos
sertões da Bahia. Outra parte dos seus planos incluía o incêndio da cidade baixa,
a casa da alfândega e uma igreja no bairro de Nazaré. Os Rebeldes eram
Haussás, etnia muçulmana que foi vitima de uma guerra promovida pelo Xeque
do grupo étnico Fulani, também muçulmano, contra os grupos Haussás, a quem
acusava de serem pagãos e muçulmanos relapsos. Ambos os grupos viviam no
https://natransversaldotempo.wordpress.com/2012/11/20/ 3/6
19/04/2017 20 de novembro de 2012 – Na Transversal do Tempo
acusava de serem pagãos e muçulmanos relapsos. Ambos os grupos viviam no
Sudão Central, norte da atual Nigéria.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/males‑2.jpg?
w=290)
Essa presença e evidências do papel da religião na revolta, como a presença dos
amuletos muçulmanos, o planejado incêndio da igreja de Nazaré e a fogueira de
imagens, a intenção encontrada em alguns documentos da tomada de poder em
Salvador com a colocação como Governador de um líder, chamado de “bispo”
pelas autoridades brancas e que podia tratar‑se de um imã muçulmano, a quem
também desejavam incluir no cargo religioso mais alto da cidade, são elementos
que indicam a junção de objetivos políticos com objetivos religiosos.
Os rebeldes organizaram‑se a tal ponto de organizar em cada freguesia da cidade
a presença de um “capitão” que teria a incumbência de organizar a revolta em
cada localidade, essa rede permitiria um ataque na cidade que , nas palavras do
Conde da Ponte, levassem ao sucesso amplo da “guerra aos Brancos” com a
provável execução destes e criação em Salvador de um reino islâmico africano
com junção nas mãos do Governador dos poderes políticos religiosos.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/male03.jpg)
O movimento foi traído por um escravo fiel a seu senhor e as ações para a
interrupção do programado levante se iniciaram no dia 22 de Maio de 1807 e
acabaram por prender a maior parte dos conspiradores e levá‑los a julgamento
com diversas punições que incluíam a morte de alguns.
As características desta revolta, que nunca chegou a acontecer, impressionam
pela similaridade com uma revolta mais famosa e mais ampla que ocorreria
quase trinta anos depois, a Revolta dos Malês , assim como outras tantas
rebeliões que ocorreram nessa nada tranquila província da então colônia. A
presença da ideologia e de uma liderança religiosa, da concentração em torno de
um grupo étnico que planejava
https://natransversaldotempo.wordpress.com/2012/11/20/ ou não associar‑se a outros, são elementos 4/6
19/04/2017 20 de novembro de 2012 – Na Transversal do Tempo
um grupo étnico que planejava ou não associar‑se a outros, são elementos
comuns nas rebeliões posteriores e especialmente na mais famosa delas.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/maraboutcavaloescol
adealufassenegal.jpg)
Outro elemento importante é notar que as rebeliões, que já ocorriam
frequentemente, concorrem tanto no imaginário escravo da época como na
política pendular de repressão dura ou amena, negociada, a partir do contexto
que incluía a independência do Haiti a partir de uma revolta escrava de grandes
proporções e que havia ocorrido entre 1791 e 1804, com vitória da população
negra.
Após a independência haitiana, a política de concentração de escravos nas
grandes cidades do Brasil tornava‑se uma grande “dor de cabeça” para os
governadores e na Bahia especialmente um fator de grande preocupação. A
política de repressão às rebeliões e de administração dessa população negra
variava de acordo com o governador e tinham por objetivo administrar também
a relação entre estas rebeliões e um possível “novo Haiti” em terras brasileiras. A
possibilidade de uma revolta de monta assustava as elites coloniais, não só
brasileira diga‑se de passagem.
(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/livro‑reis.jpg)
As revoltas escravas não eram raras, muito pelo contrário e não eram apenas
ações isoladas, rebeldias desorganizadas e explosivas, muitas vezes possuíam
organização e objetivos claros. Os rebeldes e a população africana não estava
isolada, sem conhecimento do cotidiano, sabiam das histórias de escravidão e
resistência que ocorriam no mundo. Sabiam de seu papel, buscavam resistir para
conquistar seu espaço ou negociar para obterem ganhos. Sabiam do Haiti,
sabiam da repressão, sabiam se defender, sabiam atacar.
As revoltas escravas não forma poucas, nem apenas produzidas para fundação
de reinos ou repúblicas africanas, algumas vezes apenas para reduzirem castigos
ou ganharem dias de folga, outras vezes com um enorme grau de organização,
planos definidos e uma busca de eficiência invejável, mas todas todas elas
tinham pro protagonistas os negros, os escravos que são continuadamente
invisibilizados na história oficial, ocultos para que seus descendentes nãos e
vejam como eles, atores principais de sua história.
https://natransversaldotempo.wordpress.com/2012/11/20/ 6/6