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19/04/2017 20 de novembro de 2012 – Na Transversal do Tempo

Dia: novembro 20, 2012

Publicado em 20 de novembro de 201224 de outubro de 2013 por Gilson Moura Henrique
Junior

A guerra aos brancos e outras Histórias

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/revolta_dos_males.jp
g?w=278)
A tradição de rebelião de escravos no Brasil é assunto que por vezes não sai da
romantização  do  Quilombo  de  Palmares,  inclusive  com  dramatização  em
folhetins  televisivos  de  “versões”  menores  e  açucaradas  do  feito  do  povo  de
Zumbi  e  Ganga  Zumba.  A  compreensão  do  Escravo  como  mais  que  um  sujeito
passivo  da  ação  opressora  não  é  assunto  corrente  nem  mesmo  na  educação
formal. Exceto na academia as lutas dos negros escravos, africanos ou não e da
população  como  um  todo  é  colocada  em  situação  hierárquica  inferior  às
“grandes” lutas e revoltas.
Pra  cada  Revolta  dos  Malês  temos  mil  Farroupilhas,  para  cada  Sabinada,
milhares  de  Inconfidências  Mineiras.  Fora  da  exploração  parcial  do  feito  de
Palmares  temos  poucas  menções  que  indiquem  algum  tipo  de  busca  de  uma
ressignificação  do  passado  com  os  dados  contidos  em  diversas  pesquisas
produzidas cotidianamente nas universidades e que demolem qualquer tipo de
formato monolítico do papel do escravo como vítima passiva dos senhores e do
sistema.

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Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo
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19/04/2017 20 de novembro de 2012 – Na Transversal do Tempo

Em “Revoltas Escravas no Brasil” de João José dos Reis temos um belo exemplo
do trabalho que ajuda a reconstruir a imagem do Escravo como sujeito ativo de
sua  história.  Ao  apontar  a  tradição  rebelde  na  Bahia  com  o  listar  de  diversas
revoltas,  espontâneas  ou  planejadas,  naquela  outrora  província  e  hoje  estado,
antes mesmo da eclosão da Revolta dos Malês em 1835.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/f5030.jpg)
Um  dos  exemplos  é  o  da  situação  de  Salvador  no  período  da  Revolta  de  1807,
onde diversos quilombos e terreiros nas matas das cercanias da cidade ajudavam
a  desenvolver  uma  coletividade  africana  relativamente  autônoma  alimentada
pelo constante fluxo de escravos que habilmente usavam a maior liberdade que a
escravidão urbana proporcionava.
Essa  comunidade  africana,  e  é  importante  notar  que  era  majoritariamente
africana,  era  resultado  indireto  da  expansão  da  economia  canavieira  que
demandou  ampliação  da  importação  de  africanos  para  alimentar  as  plantações
com  mão  de  obra.  A  organização  destes  Quilombos  não  obedecia  a  lógica
tradicionalmente  vendida  como  de  pequenos  estados,  como  se  fossem  cópias
fiéis  de  Palmares,  mas  possuíam  um  tipo  de  ocupação  com  poucos  moradores
fixos e um fluxo constante de escravos que buscavam escapar por algum tempo
do  cotidiano  de  exploração  a  que  estavam  diretamente  expostos.  Além  disso
possivelmente buscavam a convivência com outros africanos por algum tempo.

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brasilescola1.jpg)

A  maioria  dos  escravos 


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A  maioria  dos  escravos  voltavam  a  seus  senhores,  retornando  à  sua  rotina


habitual  após  a  “folga”  obtida  pela  fuga  temporária.  Os  que  ficavam  corriam  o
risco  de  serem  pegos  por  capitães  do  mato  em  busca  de  recompensas  ou  pelas
constantes  batidas  policiais.  Assim  como  os  Quilombos,  os  Terreiros,  onde  as
manifestações religiosas e profanas eram o mote de atividade, eram parte dessa
rede  instável  de  comunidades  que  surgiam,  e  apareciam  ,  animadas  pela
contraditória  facilidade  com  que  a  proximidade  de  Salvador  permitia  tanto  o
surgimento quanto o aparecimento da repressão.
A instabilidade não impedia no entanto que quilombos e terreiros fossem menos
ativos  e  importantes  no  cotidiano  de  Salvador  no  início  do  Século  XIX,  sendo
destino  constante  de  escravos  e  homens  livres  pobres  em  busca  de  cura,
convivência com suas divindades e conselhos dos sacerdotes presentes em cada
local.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/2‑
revoltadosmales1.jpg)
A  repressão  levada  a  cabo  pelo  Conda  da  Ponte,  João  de  Saldanha  da  Gama
Mello  e  Torres  Guedes  de  Brito,  contra  essas  comunidades,  buscava,  segundo
suas  palavras,  combater  a  indulgência  de  senhores  que  permitiam  uma  vida
africana  que  afrontava  a  ideia  de  “civilização”  do  então  Governador  e  Capitão
Geral  da  Capitania  da  Bahia  e  de  parte  da  sociedade  baiana  da  época.  A
severidade  com  que  era  feita  a  repressão,  a  prisão  de  lideranças  não  tardou  a
levar  à  comunidade  negra  africana  de  Salvador  a  organizar  uma  revolta
planejada contra o Governador e sua política de repressão. A ação de repressão
provocava uma reação.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/1a‑vile‑factitle.jpg)
O  nível  de  organização  da  revolta  não  era  pequeno,  o  planejamento  de  um
primeiro  levante  para  28  de  Maio  de  1807,  durante  as  celebrações  do  Corpus
Christi, já dá uma boa ideia de como o entendimento das fragilidades do inimigo
não  era  pequeno.  A  presença  muçulmana  já  se  fazia  presente  e  a  organização
partia  também  de  objetivos  religiosos  e  buscava  a  fundação  de  um  reino  nos
sertões da Bahia. Outra parte dos seus planos incluía o incêndio da cidade baixa,
a  casa  da  alfândega  e  uma  igreja  no  bairro  de  Nazaré.  Os  Rebeldes  eram
Haussás, etnia muçulmana que foi vitima de uma guerra promovida pelo Xeque
do grupo étnico Fulani, também muçulmano, contra os grupos Haussás, a quem

acusava  de  serem  pagãos  e  muçulmanos  relapsos.  Ambos  os  grupos  viviam  no
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acusava  de  serem  pagãos  e  muçulmanos  relapsos.  Ambos  os  grupos  viviam  no
Sudão Central, norte da atual Nigéria.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/males‑2.jpg?
w=290)
Essa presença e evidências do papel da religião na revolta, como a presença dos
amuletos muçulmanos, o planejado incêndio da igreja de Nazaré e a fogueira de
imagens, a intenção encontrada em alguns documentos da tomada de poder em
Salvador  com  a  colocação  como  Governador  de  um  líder,  chamado  de  “bispo”
pelas autoridades brancas e que podia tratar‑se de um imã muçulmano, a quem
também desejavam incluir no cargo religioso mais alto da cidade, são elementos
que indicam a junção de objetivos políticos com objetivos religiosos.
Os rebeldes organizaram‑se a tal ponto de organizar em cada freguesia da cidade
a  presença  de  um  “capitão”  que  teria  a  incumbência  de  organizar  a  revolta  em
cada localidade, essa rede permitiria um ataque na cidade que , nas palavras do
Conde  da  Ponte,  levassem  ao  sucesso  amplo  da  “guerra  aos  Brancos”  com  a
provável  execução  destes  e  criação  em  Salvador  de  um  reino  islâmico  africano
com junção nas mãos do Governador dos poderes políticos religiosos.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/male03.jpg)
O  movimento  foi  traído  por  um  escravo  fiel  a  seu  senhor  e  as  ações  para  a
interrupção  do  programado  levante  se  iniciaram  no  dia  22  de  Maio  de  1807  e
acabaram  por  prender  a  maior  parte  dos  conspiradores  e  levá‑los  a  julgamento
com diversas punições que incluíam a morte de alguns.
As  características  desta  revolta,  que  nunca  chegou  a  acontecer,  impressionam
pela  similaridade  com  uma  revolta  mais  famosa  e  mais  ampla  que  ocorreria
quase  trinta  anos  depois,  a  Revolta  dos  Malês  ,  assim  como  outras  tantas
rebeliões  que  ocorreram  nessa  nada  tranquila  província  da  então  colônia.  A
presença da ideologia e de uma liderança religiosa, da concentração em torno de
um  grupo  étnico  que  planejava 
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um  grupo  étnico  que  planejava  ou  não  associar‑se  a  outros,  são  elementos
comuns nas rebeliões posteriores e especialmente na mais famosa delas.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/maraboutcavaloescol
adealufassenegal.jpg)
Outro  elemento  importante  é  notar  que  as  rebeliões,  que  já  ocorriam
frequentemente,  concorrem  tanto  no  imaginário  escravo  da  época  como  na
política  pendular  de  repressão  dura  ou  amena,  negociada,  a  partir  do  contexto
que incluía a independência do Haiti a partir de uma revolta escrava de grandes
proporções  e  que  havia  ocorrido  entre  1791  e  1804,  com  vitória  da  população
negra.
Após  a  independência  haitiana,  a  política  de  concentração  de  escravos  nas
grandes  cidades  do  Brasil  tornava‑se  uma  grande  “dor  de  cabeça”  para  os
governadores  e  na  Bahia  especialmente  um  fator  de  grande  preocupação.  A
política  de  repressão  às  rebeliões  e  de  administração  dessa  população  negra
variava de acordo com o governador e tinham por objetivo administrar também
a relação entre estas rebeliões e um possível “novo Haiti” em terras brasileiras. A
possibilidade  de  uma  revolta  de  monta  assustava  as  elites  coloniais,  não  só
brasileira diga‑se de passagem.

(h沓�ps://natransversaldotempo.files.wordpress.com/2012/11/livro‑reis.jpg)
As  revoltas  escravas  não  eram  raras,  muito  pelo  contrário  e  não  eram  apenas
ações  isoladas,  rebeldias  desorganizadas  e  explosivas,  muitas  vezes  possuíam
organização  e  objetivos  claros.  Os  rebeldes  e  a  população  africana  não  estava
isolada,  sem  conhecimento  do  cotidiano,  sabiam  das  histórias  de  escravidão  e
resistência que ocorriam no mundo. Sabiam de seu papel, buscavam resistir para

conquistar  seu  espaço  ou 


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conquistar  seu  espaço  ou  negociar  para  obterem  ganhos.  Sabiam  do  Haiti,
sabiam da repressão, sabiam se defender, sabiam atacar.
As  revoltas  escravas  não  forma  poucas,  nem  apenas  produzidas  para  fundação
de reinos ou repúblicas africanas, algumas vezes apenas para reduzirem castigos
ou ganharem dias de folga, outras vezes com um enorme grau de organização,
planos  definidos  e  uma  busca  de  eficiência  invejável,  mas  todas  todas  elas
tinham  pro  protagonistas  os  negros,  os  escravos  que  são  continuadamente
invisibilizados  na  história  oficial,  ocultos  para  que  seus  descendentes  nãos  e
vejam como eles, atores principais de sua história.

https://natransversaldotempo.wordpress.com/2012/11/20/ 6/6

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