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Poderia dar três razões para me manter vivo, que não seja
Uma abstração, uma responsabilidade, ou uma dívida...?
Impossível escapar dessa tríade, dessa rede, dessa malha.
Não há saída.
De dentro do ônibus olho para cada pessoa que fugazmente e
ocasionalmente passa pelo meu crivo: existiria alguma
gente - uma sequer - que justificasse a sua própria existência?
Que desse sentido ao universo?
Que ao deixar de existir o universo se ressentisse?
Eu a reconheceria? Eu a conheço? Eu algum dia a encontrei?
Os rostos vão passando e vão se multiplicando
e nenhum - nenhum - vale a configuração de átomos,
moléculas, células, corpo que têm.
São configurações complexas do desenvolvimento da
vida no planeta Terra que serão gastas daqui a poucos anos
em trabalhar, ter família, casar, projetar sonhos,
executar tarefas pífias, pegar ônibus, dirigir carros,
ter sentimentos bons e vis tão ao mesmo tempo que se anularão,
escovar dentes, dormir muito, trepar ou se masturbar
quando possível, pensar muito em sexo, criar novas gentes,
matar outras, criar sofisticadas estratégias para ganhar dinheiro,
pagar contas, ir ao shopping, fazer carinhos e
amores que sempre serão poucos, produzir um quase nada de arte,
ciência desnecessária para a imortalidade,
e lembrar de vez por outra de uma abstração -
que talvez possa ser real mas que com essa configuração não
importa -
chamada espírito humano.
Poderia dar três razões para se manter morto, que não seja
Uma abstração, uma responsabilidade ou uma dívida...?
Impossível não escapar dessa tríade, dessa rede, dessa malha.
Não há paredes.