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As cidades de Sao Luis do Maranhao, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre foram os grandes centras urba- nos onde, nio decorrer do século XIX, as populagdes africanas, seqlestradas pelo tréfico de escravos, em um admiraval @ con sistente esforgo de superacdo & represséo que asatingia em ‘todos os niveis, agruparam-se em torno de organizagoes reli- giosas, tais como o Candomblé, o Tambor de Mina ¢ 0 Batu que. Nelas se reafirmaram identidades pessoais e colativas, reinterpreteram-se conceitos, recriaram-se rtuas, transmiti- rammse mito elendas, reslaboraram-se as prétices de aivie nhagdo, eeonstitulu-se o rico pantedo dos orxas vaduns, inquives'e ancestais. Estes saberes séo at hoje resguatdas 48 nos templos e nas comunidades que se orgenizaranv em tomo deles. Sébios, rudentes, sacerdotesefdis dessas grendeste- ligides brasiliras de ralaesaficanas se dlgpuseram a transmitir ‘aos estudiosos parte desse vasta campo-de conhecimenta, {que a presente publicagéo divulga por meio de escrito we antropélagos;psicélogos socidlogos.e que'se subordinam: a0 tera da ancestraldadee dos pantedes das dvindades. i 85-347-0037-3, NM J S¥XRIO SOV OLIN fas Rellgioes Afro-brasiletras Claude Lépine Deoscéredes M. dos Santos Giséle Ominderewa Cossard juan Elbein dos Santos Monique Augtas Sérgio Figueiredo Ferett Vivaldo da Costa Lima — CyLTo ORIXAS A presente publicag integra um projet longo prazo, inciad ha mas de vint anos, quand seu idalzzdr, o soeid- ‘ogo Carlos Eugénio Marcondes de Mou, ‘editou Oisésd — Esrts sobre arefigiio ios ord, oprimeio volume de ume co- leténea, aque se seguitam Bandera de ‘Ali, Meu Sinal Est em Teu Corpo, Gan ‘domblé— Desvendando Identidades, As Senhoras do Pésaro da Noite Leopard os Ohas de Fogo Tem eta sie como objetivo: dv gar estudosinédos do sacerdotes, ano pogossoilogs, psietlagose historia lores em tomo da reliiosidade de riat- «ana; recto publeados no exterior em publiacbes dea ou diel creulagéo entre nds; eeltarestudos quase intra: rete for de crcl, aviddos,eneon- trados apenas em crits espeiavados, longe do eleane do grande pbc; org rizr ume entensebblograi, que se pro ea recuperar fonts e ofrecer suport prafutras pesqutes, Oprojto também se abe pra apersistnci ds tretgbes reliiosas atro-americanas nas Américas, notedamente em Cube, pals em que a Senter, a Rega de Poo Monte « Regi ‘Arard —designagées locals, que cores- -pondem aproximadamente a0 Candomblé Nag, ao CandombléCongo-Angola ea0 CULTO aos ORIXAS Voduns ¢ Ancestrais nas Religides Afro-brasileiras Monique Augras _Séigio Figueiredo Ferretti ‘Vivaldo da Costa Lima Rio de Janeiro Copyright® 2004 aude Lépne, Cars Exgnts Mercondes de Maur, Dessciredes M. dos Sots, ‘Gate Omndorewe Cossord, Jone Elen dos Santos, Moniue Az: ‘Sera Fgveredo Ferret, Vc do Costa Lima digio Cte Femandes Werth Revisio Wendel Seibel ‘Merce Roque Dingramagie er Bars capa Leonardo Conao “Todos ot dest reservados & Palas Eitora © Distribuidora tice € ‘tas reprocv por aaqur aia cinco eewnco, eropsico he snm s permaio por exato da editor, de parte ou totaled do material escrito CPBRAGLCATALCGATAONAFONTE SINDICRTO NACIONAL DOS EDTORESDELNROS io ws york € acess ns eigen soba Sie, Ertio teres de Moa orice led = Rode Jeno: Pal, 205. MO 16 Bm eld Hogi ISeN e597-00373, 1 Ode Cut 2. Cato aroanis L Meu alo ari oe, 83 ov-1704 coo 28987 {cb 299621 pos fr eB ta pateteto le taonenenecreaes SY Ea n1go0 ho ae ere A S as) ee rel ar icamancncent: RAAS SUMARIO Introdugao Coleténea de coletneas Anélise formal do pantedo nagé Claude Lépine.... 2i Organizagao do grupo de candomblé. Estratificagao, senioridade e hierarquia. Yivaldo da Costa Lima . 79 A fillra-de-Santo Gisdle Omindarewa Cossard, 133 Quizilas e preceitos - transgressio, reparacao ¢ organizasao dinémica do mundo Monique Augras... 187 Voduns da Casa das Minas Sérgio Figueiredo Ferretti. 197 © culto dos ancestrais na Bahia: 0 culto dos Eguns Juana Elbein dos Santos e Deoscéredes M. dos Santos .. 225 INTRODUGAO COLETANEA DE COLETANEAS Ha vinte anos, este organizador conseguiu persuadir um grupo editorial a lancar uma coletanea de ensaios em torno do candomblé, cujo objetivo era o resgate de autores quem sabe a caminho do olvido, a divulgagdo da produgao do que melhor se vinha fazendo no campo académico, a traducao de textos publicados no exterior, inéditos entre ns, € 0 levantamento exaustivo de uma bibliografia que ndo cessa de multiplicar-se. A série aleancou seis volumes, quase todos esgotados, ¢ agora assume nova configuracao, gracas a iniciativa da Pallas Editora: reedigao de alguns desses ensaios, agrupados tematicamente. © pri- meiro volume foi lancado em 2000 e tem por titulo Candomblé: reli- gilio do corpoe da alma. O presente volume retine textos que tratam do panteio dos orixiis e voduns, da organizacao hierérquica e etapas iniciaticas nas comunidades de candomblé, dos interditos ¢ proibi- es, as assim denominadas quizilas, vigentes em tais comunidades, ¢ tum ensaio inaugural, inavador, sobre o culto aos ancestrais na Ilha de Itaparica, na Bahia. Ao proceder a uma andlise formal das divindades que com- poem o pantedo nagé, a antropéloga Claude Lépine se propde a exa- ‘minar as caracteristicas proprias do sistema de classificagao do pen- samento nag6, tal como ele foi reelaborado no Brasil, ¢ a examinar sua estrutura légica, A autora considera o conjunto dessas divindades como um sistema simbélico, que ela supde ser constituido por um nimero restrito de unidades ¢ de termos definidos por relacées dife- renciais. Ao comparar o carter ¢ os objetos atribuidos a essas divin- dades, 0s orixas, torna-se possivel elaborar um modelo combinatdrio. Cada um dos orixas esta associado a elementos da natureza, fendme- nos metereolégicos, determinada cor, dia da semana, animais, plantas ete, Supde, além disso, que os filtos-de-santo herdem e reproduzarn 0 temperamento de seu santo de cabeca, podendo, as vezes, haver certa influéncia de um segundo orixé, 0 adjurité, de tal modo que os deuses fornecem modelos com os quais os fis se identificam. Nos terreiras ketu tradicionais de Salvador, onde a autora rea~ lizou sua pesquisa, sto conhecidos atualmente dezesseis orixts ditos 8 CO CULTO AOS ORIKAS, VOOUNS E ANCESTRAS EM RELIGIOES AFRO BRASIERAS sgerais, cada um deles com um nimero mal definido de “qualidades” ou formas sob as quais é distinguido. Os principios que ordenam o pantedo das divindades, sio essencialmente os seguintes: 1. Oprinefpio da senioridade, que regula a hierarquia das clas- ses de idade, Ao combinar-se ao principio da separagao das enagoes” aivicanas (ketu, jeje, ijexd), ele ordena o pantedo ¢ ‘os subpantedes que constituem o mundo dos deuses, dos mais velhos aos mais novos. 2, A divisio sexual das fanodes, cabendo as entidades ferini- nas fungdes vitais,e as entidades masculinas a guerra, acaga, a industria, a medicina. 3. A polaridade da direita e da esquerda, que subordina as di- vindades da esquerda as da direita. No entanto, dependendo do contexto, esta polaridade, na maioria das vezes, parece reduzir-se a oposi¢fo das geragées ou dos sexos. ‘As divindades, a0 nivel da religido, definem-se pelo cardter a elas atribuido, assim como a seus filhos. Ao nivel do ritual, distin- sguem’se por relagées diferenciais que se manifesta nos colares,rou~ ‘pas, alimentos, assentamentos, ritmos, niimero simbélico de qualida- Fee, Tais caracteristicas efo pensadas como expressdo do tempera- mento ¢ da preferéncia dos deuses. © “cariter” dos orixds, explica Claude Lépine, é essencial, medida que explica e justifica o ritual, as obrigacées e os tabus de cada um dentro do candomblé. Como se supée que os adeptos de cada orixé reproduzem os tracos psicoldsi- ‘cos essenciais de sua divindade, o carter dos orixds fornece um meio de classificar comodamente os seres humanos. ‘Aocomparar o carter da totallidade dos orixds do panteso nago, percebe-se quie cles se diferenciam uns dos outros do ponto de vista do tipo morfolégico, do comportamento sexual, da psicolegia propri- ‘amente dita e da agressividade, sendo possivel agrupi-los em scis ca- tegorias: 0 ar, a agua, a terra, o fogo, a cultura, representada pelo ferro, e a natureza, representada pela vegetagio € os animais selva- ‘gens, Cada orixa resulta da combinagao de virias entidades de origens diversas e isto faz com que mnuitas divindades correspondam & viti elementos simultaneamente. No caso de lansé, por exemplo, ela apare- ‘ce como associada ao mesmo tempo & agua, a0 vento ¢ ao fogo. O fogo, por sua ver, surge ligado tanto a lansi como a Xango, Exu ou Iroco ‘As caracteristicas psicolégicas de cada qualidade de orixé pa- recem ser interpretagdes de algumas da propriedades fisicas dos ele- intronugio 9 mentos que tais entidades governam. Atribui-se, as qualidades dos orixas, fungdes especificas, ligadas aos elementos ¢ as forcas primor- diais que eles governam. Finalmente, parte dos tracos psicolégicos que constituem o caniter de uma divindade parece ser interpretagao de episédios mitoldgicos. © cariter atribuido as divindades parece in- cluir dados da experiéncia dos membros do grupo de culto, vivenciadas 1a partir do relacionamento com os filhos de varios orixcis, o que vem enriquecer os esteredtipos tradicionais. [A partir de tais consideragdes, muito bem fundamentadas, a ‘autora analisa minticiosamente e por meio de varias exemplificagdes 0s alvibutos das divindades, que permitem classificar varios aspectos da realidade: ritmos e toques de atabaques, colares, vestimentas litiirgicas, oferendas, assentos ¢, finalmente, o nuimero de qualidades atribuido a cada orixd. Ela observa, entretanto, que ha muitos outros aspectos da realidade que os orixas server para classificar, como, por exemplo, as ferramentas, as dancas, os gestos ¢ movimentos corporais, as ervas e 0s asttos ete. Um pequeno glossirio, acrescentado por Claude Lépine a seu ensaio, completa o interesse que ele nos desperta. Ao iniciar sou ensaio sobre organizacao dos grupos de can- domblé, sua estratificacao, senioridade ¢ hierarquia, 0 antropdlogo Vivaldo da Costa Lima chama a atencio para a ago centralizadora das ialorixas e babalorixas, mes e pais-de-santo, lideres das comuni- dades religiosas. Trata-se de uma maternidade ou paternidade classificatdrias, assumidas com o process0 inicidtico, quando 0 con- ceito de familia biolégica sempre cede lugar a outro conceito, o da familia-de-santo. Esses chefes de grupo esto naturalmente investidos de uma série de poderes, que se evidenciam em sua autoridade normativa. A cestrutura do candomblé- eo autor esta referindo-se aos can- domblés jeje-nagds de Salvador ~ repousa em duas categorias de afi- Tiados: 08 iniciados como filhos-de-santo até 0 estagio de feitura do santo e 08 vitios titulares de posigdes executivas e honorétrias no ter- reiro. fa partir dessas duas amplas categorias que se estrutura a hie~ rarquia dos templos, tanto nos campos espiritual e liturgico como na organizagao da sociedade civil, que trata dos assuntos mais seculares do grupo € de seu relacionamento com as instituigdes piiblicas © as agencias de controle da sociedade global. E costume conceder-se aos 10 (0 CULTO Aas onIxds, VODUNS E ANCESTRAI EM REUIGIOES AFRO-BRASIEIRAS ditos “amigos da casa” titulos meramente honorificos, que no envol- vem qualquer atividade litdrgica ou administrativa. Filiar-se a um grupo de candomble é ato voluntario, mas que deve obedecer aos pacrdes mais ou menos institucionalizados das for- mas de apelo que determinam a decisao das pessoas de ingressarem formalmente num terreiro, através dos ritos de iniciacg&o. O candom- blé, como qualquer outra religido inicidtica, prove as circunstancias em que o crente poders situar-se plenamente num grupo socialmente reconhecido ¢ aceito, que Ihe garantira s/atuse seguranca, propician- do-Lhe um sentido para a vida. Partindo dessas colocagdes de ordem mais geral, o autor apre~ sena-nos o mapeamento da caminhada religiosa, iniciatica, a ser per- corrida pelo fiel, e que tem seu primeiro momento nos ritos de inicia- gao, mediante os quais ele ira cstabelecer uma relagdo permanente como grupo. Tais ritos comportam varias etapas, também denomina- das obrigagdes na rica linguagem do povo-de-santo: simples lavagem de contas,o ritual de feitura, quando é organizado um subgrupo, com- posto de novicos, que recebe a denominacio de harco~ e é na sua ordenagdo que comeca a prevalecer o principio de senioridade, de grande importancia na organizagao social dos candomblés, f tam ‘bém nese momento que comeca a delinear-se a terminologia do pa~ rentesco-de-santto e os navigos recebem 0 nome genérico de #6, que ‘05 acompanhar nos primeiros tempos de sta vida religiosa. Apds a obrigacio dita de sete anos, 0 iad passa a categoria de ebomim ebame ou ebome, quando ter acesso fis hierarquias exeeutivas do terreiro, Chama o autor a atengo para o comportamento que o principio da senioridade inspira e 0 controle que ele estabelece nos varios estratos do grupo religioso, ja que é um elemento importante no equilibrio nna hegemonia da organizacdo dos candomblés. £ no contingente dos ebomins que 08 dirigentes do terreiro escolhem aqueles que os ajida- Ho na diregio ¢ na administragao da comunidade. Segue-se a enti- meracio e defirigtio das hierarquias de mando dos templos: pais e _maes-pequenos, ialaxé, iabassé, ia tebexé, id efun, sarapebé, ajibond. Ressalta-se o papel das equédes, mulheres consagradas ao servico dos orixais por meio de rites iniciticos, de purificagao e confirmagéo, que ino conhecerao jamais a experiencia do transe, mas que ferfo seu ‘orixd assentado, Tal modalidade de iniciacdo acarreta deveres de ca~ ter muito mais pessoal do que aqueles exercidos pelos azas, homens ivmroougio WW que também nao serdo “feitos no santo”, embora o fenham igual- mente assentado, A categoria dos agas, explicita o autor, também se organiza segundo principios hierarquicos e funcionais, Finalmente, além desses postos hierénquicos, cujos membros so auxiliares diretos do lider do grupo, Costa Lima distingue o que ele denomina hieranquias honoriticas, constituidas por postos ou no- mes que se outorgam nos candomblés, genericamente denominados és, miiltiplos (S40 conhecicios mais de 40 ois, nos candomblés da Bahia), com que se homenageia uma pessoa amiga, pertencente ou nao ao terreiro, mas que demonstra qualquer forma de interesse ou. simpatia pelos orixis ¢ seu cuilto, ( que s6 faz aumentar a interesse do texto de Vivaldo da Costa Lima é a transcrigao dos depoimentos de seus informantes, cuja lit guagem coloquial, colorida, comoventemente humana, ele respeita ‘em toda sua integridade, Iniciada no candomblé pelo lendério babalorixi Joaozinho da Goméia, a_antropéloga e hoje ialorixa Giséle Cossard (Mae ‘Omindarewa), filha de Temanja, ocupa una posicio privilegiada para escrever sobre as etapas inicidticas atravessadas por uma filha-de- sarto, que ela vivenciou, ao fornar-se praticante desta religiao. &, por- tanto, de uma perspectiva “de dentro” que ela escreverd sobre as sa~ cettdotisas do candomblé, situando-as como seres escothidos pelo orixi, dono de suas cabegas, para que, por meio do transe, cles possam voltar Terra e manifestar-se entre os hnumanos. ‘Tem por objetivo a inicia- ‘gio condicionar a pessoa escolhida, de tal modo que ela entre em tran- se no momento desejado ¢ em circunstancias muito precisas e contro- ladas, A 126, isto 6, a iniciada, deve exercer também uma segunda mis- silo, pois, através dela, s2o transmitidas as mensagens que o orixa desti- na aos huumancs, tanto a ela, quanto as pessoas que a rodeiam. Quanto ‘mais antiga a iniciagdo, mais a personalidade do orixd manifestado aumenta de importincia, adquirindo nuancas, segundo cada iniciado, © orixa, aos poucos, adiquire o habito de falar e com o tempo e a expe- rigncia desemvolvem-sé 0s signos de tim saber pessoal: dupla visio, pro- fecia, lingua secreta, conhecimento de plantas, remédios etc. Tal evolu- ‘edo se dé sem que a iniciada tenha conhecimento dela, assim como o fato de se tornar filha-de-santo ocorteu incependentemente de sua von- tade, sem que até mesmo tena existido um esforgo de sua parte para chegar a essa etapa de ingresso na vida religiosa. 2 CO. cULTO As OnVXAS, VODUNS E ANCESTRA' EM REUGIOES AFRO BRASILERAS 0 orixa controla diretamente a fisiologia da iniciada e reforca ‘seu potencial vital; age sobre sua vida psiquica, através da criacao de uma segunda personalidade ampliada, transmite-Ihe ordens ou con: selhos através de uma terceira pessoa que, no final do transe, revelaré 0 recado recebido, com a devida cautela para que as revelagdes nao ccausem um choque excessivo na iad, caso estejam em contradi com stia vontade. ‘Mite Omindarewa nos fala sobre a extrema importancia da de terminagao do orixa protetor, na verdade umn procedimento mediante ‘oqual se percebe o niicleo das disposigdes que cada individuo recebeu de heranca e que consfituem sua estrutura somato-psicologica. As primeiras manifestagdes do transe devem ser observadas com muito cutidado pelo pai ou mae-de-santo, j4 que podem fornecer indicagdes preciosas sobre a natureza do ori. Por maior que seja.a importancia esses sinais, eles cevem ser confirmados pelo jogo da adivinhiagao, inte 0 qual se conhecers o od, isto é, 0 signo que marca cada destino e, através dele, 0 orixa dono da cahega do consulente ¢ dos orixis que acompanham e matizam o carter de cada individuo, Iniciada, a filha-de-santo ¢ depositiria da forga divina, deven- do cuidar para manté-la intacta, evitando trido aquilo que possa quebra-1a ou comprometé-la. Precisa, portanto, observar grande nii- ‘mero de preceitos a ela ensinados ou aprendidos através da mais atenta observacio. A esse conjunto de preceitos e regras de vida da-se o titu- lo de quizilas, sumerosas e de dificil classificacao, algumas delas des- critas pela autora. [A iad deve aprender a dominar todo um eédigo de ética e de comportamento em seu relacionamento com os orixas que constitu- em sew “carrego”, com o pai ou mée-de-santo, com as hierarquias do terteiro ou com seus companheiros de iniciacao, © empenho que ela dedica a tal aprendizado facilitara cada vez, mais sua inserg&o na co- munidade religiosa e, conseqiientemente, ela se sentint mais segura, “Atertuam-se as distancias entre ela e os mais antigos iniciados, entra- rha-se nela o conhecimento do ritual, gestos ¢ palavras, dangas e me- lodias acabam por se tornar automatismos indissociaveis. Passard a iad, até atingir 0 estigio de ebomim, ji descrito por Vivaldo da Costa Lima, por uma série de ceriménias, “obrignedes”, minuciosamente analisadas pela autora, momerttos de intensa parti- cipacdo pessoal e comunilaria, que reforgam e aprofundam os Lagos inrraoucio 18 estabelecidos com seus orixis. A iniciacdo, mais as obrigacdes que relornam a intervalos ritualmente prescritos, permitémn que a forca sagrada, 0 axé, se transmita a fillha-de-santo ¢ de varias maneiras: diretamente do pai ou mie-de-santo para cada iniciada; de uma fi- tha-de-santo a outra, seguindo a ordem de iniciaclo; de “barco” a “parco”, pois cada “barco” forma um todo, no interior do qual cacla ‘membro € solidirio com os demas. [As regras estritas da vida cotidiana, as oferendas que devem ser feitas aos orixas impdem 4 6 uma disciplina rigorosa, que também se reflete em sua vida pessoal e profissional. £ um processo de cresci- ‘mento, lento, as vezes doloroso, mas do qual ela sai engrandecida. “,umentou seu potencial vital”, conchai Mae Omindarewa, “reforca- ram-se sua harmonia, seu equilibrio interior”. A nova motivagio suia existéncia afirma sua personalidade. Através de sta funcdo religio- sa, ela ocupa um lugar de primeira linha na comunidade religiosa, Goza da consideragio do grupo e, consciente da grandeza de seu pa- pel, submete-se com alegria a uma disciplina e uma ceria moral que a elevam aos olhos de todos. f através da filha-de-santo, elemento es- sential de acesso ao divino, que a comunidade transcende a condigéo humana e asseguea sua liberiagio spiritual. ‘Ao procurar apreender as modalidades de construcao da iden- tidade mitica, nos terreiros de candomblé, a psicéloga e antropéloga Monique Augras deparou-se com o fato de que todas as regras de comportamento, dentro do terreiro, remetem a im sistema estrito de preceitos e proibigées, nem sempre explicitadas verbalmente. Sao as guizilas, termo formado a partir do étimo quimbundo e que expresss, de modo mais especifico, as interdigoes ligadas as idiossincrasias do orixa de cada iniciado. Esse conjunto de interdigoes também € desig- nado pelo termo de origem iorulbi ex, de uso mais restrito no cotidi~ ano dos tempos. Asinterdigdes trazem em seu bojo a possibilidade de serem con- tornadas e até mesmo infringidas. A autora estende-se, em seu ensaio, sobre o tema da transgressio, observando inicialmente que, no caso dos terreitos, trata-se de um mecanismo complexo. Com efeito,a trans- _gressio é, 20 mesmo tempo, sancionada e incentivada. No comporta~ mento diirio do iniciado, 20 longo das primeiras etapas de sua vida religiosa, as falhas sio insinuadas ¢ deixa-se de prestar informagoes explicitas sobre o conjunto de regras que regem as varias dimensoes 14 (0 CULTO AOS ORUAS, YODUNS E ANCESTRNS EM RELIGIOES AFRO-ORASILEIRAS da comunidade em que o iad ingressou. O conhecimento, sendo iniciatico, ¢ mais vivenciado do que verbalizado. © aprendizado dos limites se verifica empiricamente ¢ o sui incentivo a transgressio tem uma finalidade pedagégica. Proibicao, transgtessao, sanclo € cas- tigo definem-se reciprocamente, remetem as leis rigidas que organi- zam o campo do sagrado. (0s diversos tipos de transgresséo tornaram.se objeto de estudo de varias investigagoes etnol6gicas, algumas delas evocadas pela auto- ra, que sobre elas reflete, concluindo que enquanto revelador do sa- ‘grado, garantia da lei, movente do sistema e articulador de significa- (Ges, 0 exercicio da transgressio & puro paradoxo, que provoca uma indagagao: no campo do sagrado, é possivel deixar de transgredir? © prdximo passo é abordar os autores que estudaram os cultos tradicionais praticados na antiga Costa dos Escravos, entre eles Pierre Verger, Marc Augé, Melville Herskovits, Bernard Maupoil e William Bascom ¢ como eles observam, nas etnias estudadas, a questo das proibigées rituais, das quizilas e euds. A transgressio de um interdito pprovoca sittiagdes de liminaridade, que levam assungio da culpa, a qual acaba por reintegrar as coisas em seu devido lugar, é uma das conclusdes gerais a que chega Augras. Jéentre os autores, hoje considerados clissicos da antropologia, que realizaram pesquisas de campo no Brasil, Augras nfo se deparou comm estudos sistematicos dedicacios ao tema das proibigSes, a que au- tores como René Ribeiro ¢ Roger Bastide apenas fazem alusoes. Augras aponta o grande interesse ¢ os limites das investigagdes de Claude Lépine, Gistle Omindarewa Cossard e Vivaldo da Costa Lima, cujos cenisaios inovadores constam desta coletinea. ‘A pesquisa de campo de Monique Augras, realizaca em terrei- 10s de canidomblé do Grande Rio, propos-se a levantar, do modo mais cexaustivo possivel, as proibigdes rituais e as situagSes de transgressao, ‘bem como as interpretagdes dadas a tais situagdes pelos membros das comunidades. Ela se deparou com a grande variedade de proibigies, coletivas e individuais, ¢ a conseqitente dificuldade de obter um qua- dro coerente, a partir de muilas informagées contraditorias, Além disso, hi matizes a se levar em conta, pois as proibigGes no sio apre- sentadas como estaveis ¢ mudam de acorddo com 0 status do iniciado, ‘0 longo de sua vida sacerdotal. O que chamou especialmente sua ‘atengio foi o complexo sistema formado pelos tabus alimentares, que ntropucao 15 constituem a maioria das quizilas que chegaram a seu conhecimento. Quanto a esse aspecto, a autora aponta para a dificuldade de relacio- nar os tabous alimentares dos orixis com as proibigdes impostas a seus filhos, reconhecendo embora a existéncia de certos interditos que ela classifica como “universais”, unanimemente respeitados, sem levar em conta qual o orixa “dono” da cabeca dos iniciados. Em um esforgo de superar tais dificuldades, Augras estabeleceu um quadro que ela con- sidera razoavelmente abrangente dos interditos alimentares, mas que nfo basta para explicar, por si s6, a dindmica ¢ a lgica da quizila. A interdigao ser melhor compreendida quando se constata que, nela, esti embutida a transgressio. A autora evoca Mauss, quando ele afir- ima que os tabus sio feitos para setem violados. No candomblé, a quebra do interdito provoca necessariamente a reparacdo, que é sem- pre a oferenda. Ela, portanto, & necessiia, pois restaura e expande a forca do axé, enfraquecido pela transgressfo. Violar um interdito de~ sencadeia um processo de reparagdo € constitu mecanismo indi pensével de organizacao do mundo e, correlativamernte, de constr- io do homem, Definindo a organizagao da mais do que centendria Casa das ‘Minas como uma “gerontocracia matriarcal”, o antropélogo Sérgio Figueiredo Ferretti, em seu ensaio sobre as divindades cultuadas na- quele templo de Sio Luis, chama a ateng&o para a grande influancia que essa comunidade exerce sobre a religiosidade afro-maranhense. Bla teria se estruturado na primeira metade do século 19 e sua funda- ‘clo possivelmente se deve a Na Agontimé, mae do Rei Ghezo (1818- 1858), da dinastia que regeu durante séculos Abomé, na atual Rept blica do Benin, na Africa Ocidental. Na Agontimé, devido a dissengoes familiares e politicas, teria sido vendida como escrava pelo rei Adandozan e sua saga é evocada mais de uma vez por Pierre Verger. E esta forte evidéncia com as matrizes africanas que leva 0 autor, a par- ‘tir da bibliografia disponivel, « apresentar dados sobre a onganizacio politica e religiosa do antigo Reino do Daomé, para que melhor se compreenda a organizacio do culto na Casa das Minas. © préximo passo é uma descri¢do cireunstanciada dos voduins hoje conhecidos no templo, suas caracteristicas, onganizacéo, mitologia, nome das fi- Thas mais lembradas na casa e, quando possivel, estabelecer compara- ‘G6es entre os voduns, na atualidade, ¢ os orixds nagos. Esclarece pre~ liminarmente o autor que o termo casa de mina ow casa de tambor de mina equivale a candomblé, xang6 ou batuques de outras regides. © 16 ‘o-cutro 405 ORD, VODUNS E ANCESTRAIS EM RELIGIOES AFRO: BRASILERAS termo mina, por sua vez, refere-se ao forte portugues de Sto Jorge de ‘Mina, antigo entreposto de escravos na atual Gana, bem como ae nome de srupos éticos existentes na regido, prOxima do antigo Reino do Daomé.O termo vodum seria sindnimo de orix4, prevalecendo entre ‘a.einia fon, do Daomé, chamada no Brasil de jeje. Historiando a formagio do reino do Daomé, cujo estabeleci- mento e expansio se deram entre 1600 ¢ 1894, Ferretti chama a aten~ do para a complexidade de sua organizacio religiosa ¢ politica. A Jominagdo exercida por esse reino sobre os reins vizinhos implicou, entre outros fatos, na incorporacao, ao panteio religioso, de intimeras divindades, decorrentes da conquista ¢ dos casamentos dos reis com mulheres de outras regides. Os voduns representam ancestrais ddivinizados ou forcas da natureza e so considerados intermediérios entre o homem ¢ o Deus Superior. No reino do Daomé a religio estava subordinada ao poder po- Iitico através de umn ministério do culto. Todas as divindades pertenci- fam ao rei, que ao morter também se tornava vodum. E elevado 0 aimnero de voduns cultuados e, ent estudo datado de 1961, Bernard ‘Maurpoll estou seu miimero entre 200 ¢ 600, Evacando antigas mi- fologias, Ferret! eruunera os principais, encaixando-os emt diversos pantedes e fazendo especiais referéncias a Legba, 0 Ext dos nages © Faris novo e forte dos vodums, associado ao ordculo ¢ & divindade da adivinhagao, Fa. ‘A extrema reserva e discrigio que cercam a religiosidade, na Casa das Minas de S40 Luis do Maranhao, dificultam a apreensto da mnitologia ou da historia das divindades atualmente ali cultuadas Emiborn os riluais sejam nuumerosos ¢ longos, nao se fala dos mitos que os fundamentam ¢, a respeito das voduns, costuma-se guardar segre- doe mistério,o que talvez explique a perda de muitos conhecimentos Nao quer sto dizer que, ainda hoje, nfo se sibam os varios nomes das divindades, seus cAnticos, caracteristicas, episéclios de suas vidas ¢ att- tudes rituaisa elas apropriadas, bem como o grupo de familias miticas aque periencem e suas relagbes de parentesco com os demais voduns tase conhecimento, porém, 66 se transmite a alguém de confianga ¢ € passado com grande zelo. Levanclo em consideragao tais empecilhos, Ferretti, a0 longo de sua prolongada freqiientagio na Casa das Minas, foi aos poucos Ie- vantando o perfil do panteio das divindades ali conhecidas e/ou intaonucio 7 cultuadas — mais de sessenta —bem como as praticas rituais, piblicas, fa que teve acesso. Cré-se na existencia de um Deus Superior, chama~ do Tvovodum ou Avievodum, distante, pouco acessivel e que delegou poderes a seres intermediarios, Esse conceito se ajusia perfeitamente a visdo que, no candombls, se tem de Olorum, o ente supremo. Avievo- dum é identificado com o Divino Espirito Santo. Abaixo dele estio os santos da Igreja Catélica, também distanciados da humanidade, pois nao “baixam”, Essa missio cabe aos voduns, crindos para adminis- trar 0 universo e que vivem em outros planetas. Um dos diferenciais da Casa das Minas, em relagdo a outros templos maranhenses, € que 1 no se recebem as entidades caboclas. Os homens também nao pas- sam pelo processo iniciitico que faria deles vodunsis ¢ alguns sito designados para tocar os tambores e auxiliar em alguns titnais. © ‘grupo & dirigido por mulheres idosas, detentoras do conhecimento. Ferreti refere-se a virios graus de iniciag&o, algumas nao mais realizadas. Através dessas iniciagdes manifestavam-se, por exemplo, 1s fobossis, cujo comportamento ritual evoca perfeitamente 0 dos eres do candomblé jeje-nag6, i medida que se assemelhavam a entidades infantis. Eram consideradas espiritos puros e perfeitos e, por sua na- tureza, davam capacidade as gonais, sacerdotizas de elevado grat iniciatico, de prepararem outras gon)ais. Abordando a organizagao e caracteristicas dos voduns da Casa das Minas, o autor observa que, como as pessoas, eles podem ser ho- mens, mulheres, velhos, adultos, jovens ¢ criangas. Agrupam-se em familias extensas ou pantedes, estabelecicas em partes especificas do templo, Sao cinco familias:a cla familia real ou de Davice,a cle Dambird, ‘ade Queviogo (as principais) e dusas menores, agregadas, a de Savalunet cade Aladanu. Os voduns da familia de Davice sao reis e principes, cuja exis tencia histética foi comprovada em alguns casos por estucios compa~ rativos realizados por Piecte Verget no antigo Daomé. Esta é a familia fundadora da casa e ele recebeu, como hospedes, vorluns de outras familias. O dono da casa é Zomadomu, protetor da fundadora da Casa das Minas ¢ das primeiras mes. Noché Naé, também conhecida como Sinha Velha, é a mie de todos os voduns,a mae ancestral, mitica. Nao “Spaixa”, mas rege a casa, é superior a todos ¢ decide tudo. A exemplo do que fara para cada pantedo, Ferretti oferece uma descri¢io deta- Ihada dos atributos de cada voduum, de seu comportamento ritual, de 18 (©-CULTO AOS OnIxAS, VODUNS & ANCESTRAI EM RELIGIOES AFRO-BRASILERAS seu relacionamento com os demais voduns, das festas que Thes so pprestadas. Os voduns da familia de Savalun, amigos do povo de Davice, foram agasalhiados por Zomadonn, sao considerados héspedes e che- garam apés a fundacao da Casa das Minas. Os voduns da familia de Queviogo e de Aladanu, também héspedes de Zomadonu, esto pre- sentes desde 0 tempo da fundacdo. Nagos de origem, controlam os raios ¢ trovdes, combatem ventanias ¢ tempestades, curam com pas- ses, siio mudos, para ndo revelar aos jejes os segredos dos nagos. O pantedo da terra é representado pelos vocuns da farnilia de Dambird. Vistos como reis caboclas, so os pobres poderosos, que combatem a peste e as doencas € suas filhas so sujeitas a muitas proibigdes ali- mentares. Ferreti informa que as historias dos voduns da Casa das Minas diferem das historias dos orixis dos candomblés nagos que Ihes corresponciem e dt mitologia dos voduns do Haiti ou do Daomé, co- hecidas na etnagrafia. Tais diferencas se devem ao isolamento € falta de contatos com outras areas, por mais de um século. Muitos vvodins nito tém correspondéncia com orixits nagbs ¢ io se identifi- cam com nenhum santo catélico. Outros so devotos de santos ou reconhecidos como correspondentes a certos orixas nagés ou voduuns do Daomé, embora haja diferencas e divergéncias nessas identifica ‘ees. Como aconteces em outras dreas, nia Casa das Minas no sub- siste muita coisa da mitologia dos voduns. Trata-se, pois, de uma mi- tologia fragmentada, em que o passado e 0 presente se encontram e se reelaboram, com perdas e reinvengdes, num contexto ritualizado sagrado. Tais fragmentos, conclui Ferreti, ainda conseguem manter a forga da religito, do rito e do mito, como formas simbélicas de dar sentido A vida e ao mundo. ‘Tema relativamente pouco abordado pelos autores que se ocit- pam com 0 estudo das religides brasileiras de matriz negro-africana, co culto dos ancestrais deve & antropéloga Juana Elbein dos Santos ¢ a0 sacerdote e artista plistico Deoscoredes Maximiliano dos Santos, Mes- tre Didi, um ensaio de absoluto ineditismo, publicado pela primeira vez em 1969. Sua investigaedo direcionou-se para a Bahia, mais espe~ cificamente para a Ilha de Itaparica, onde esse culto floresceu desde 0 séoulo XIX e ainda se mantém. (Os nagés, ressaltam os autores, trouxeram para o Brasil suas tradigdes e costumes, suas estruturas hierrquicas, no plano secular € inroDucho 9 religioso, seus conceitos filosdficos e estéticos, sua lingua, miisiea, Ii- feratura oral, mitologia e, principalmente sua religiio. Os templos ¢ fantuuivios dos orixds continuam a ser zelosamente preservados, bem amo titos furertios elaborados, por meio dos quais se cultuam os lancestrais familiares € as grandes personalidades que fundaram os mais antigos templos na Bahia. Conhecidos pela designacio de xd, sho os primeiros ancestrais coletivos dos afro-brasileires, venerados durante a ceriménia propiciatéria do /pade e “assentados” em casa special, 0 sfé-ibc-aku. Esses ancestrais,cultuados no territSrio ioruba (resides do sudoeste da Nigéria e sudeste da Reptiblica do Benim), igualmente veneraclos no Brasil, representam linhagens familiares, di- nustias, protetores de determinadas cidades e regides e, com fungdes especiais, diferentes aspectos da morte. Aqueles que assumem formas corporais constituem os Bgun ou Egingtin, A preservagio do culto ‘aos ancestrais, na Bahia, os bem organizados terreiros de Agu, entre cles o florescente lé Agbouild, certificam a origem geografica e culta- ral de algumas “nagies” que se fizeram representar naquele Estado. Recorrendo a tradigao oral, os autores historiam a origem de varios “terreiros” de Agun fundados por africanos na Bahia, a maior parte deles na Ilha de ltaparica ¢ cuja existéncia se situou aproxima- damente entre 1820 1935. Essas comunidades religiosas eram lide- radas por um corpo sacerdotal, 0 dos gié, ¢ herdaram a liturgia, a doutrina, conhecimento dos mistériose segredos do culto, além dos ‘égun ancestrais, venerados nos antigos terreitos ¢, com o passar do tempo, os égun de diversas dié mortos na Bahia e que em vida foram considerados suficientemente eminentes para merecer a honra de se- rem guardifes imortais da cultura nago. Elbein e Santos referem-se ao principal propésite dos cultos dos giingiin, também conhecidos como Babd gun ou simplesmente Bab: tornar visiveis os espiritos ancestrais, manipular o poder que deles emana e atuar como um veiculo entre os vivos ¢ os mortos. Os Babd trazem para seus descendentes e segitidores conselhos ¢ bengaos, Aparecem sob forma caractetistica, cobertos por roupas coloridas, ‘que permitem aos presentes perceber vagas formas humanas. Deles emana um poder misterioso e sobrenatural, um mistério —.awo—que € 0 aspecto mais importante do culto, Somente os ancestrais masculinos pociem ser imortalizados atra~ ‘vés dos Kgdinguine os sacerdotes que lidam com ele so todos homens. 20 ‘0 cuLro aos ORAS, YODUNS € ANCESTRAIS EM RELIGIOES AFRO-BRASILEIRAS No entanto um otixa feminino, Oy, mais conhecida como fansa, em sua qualidade fgbiléé a rainha e mac dos Egungtin. Ela comanda 0 mundo dos mortos e é cultuada lado a lado com os egitngiins. Os autores evocam mitos que relatam a relagio dos ancestrais com Oya- Jebale, com Xango e aquele que narra como foi crinda a sociedade dos Egcingtin, Oya-Ighilé é cultuada em “assento” especial, recebe oferendas em determiinadas ocasioes ¢ € celebrada nas cantigas ¢ sau- dacbes, Outro orixa de grande importancia no culto & Onilé, conside- ado representante coletivo dos ancestrais, Como tal, deve ser o pri- meiro a ser culttiado, o primeiro a receber oferendas, o primeiro a ser invocado. Os ancestrais, também conhecidos como Zmolé, sto cultuadlos a0 pé de Onilé. Exu, além de tudo 0 que 0 caracteriza, representa também o poder dos ancestrais, encarna um de seus aspectos mais importantes, a continuicade da vida. £, portanto, entidade propiciatéria ¢ tem assim prioridade nas invocagoes ¢ sacrificios. O orixa Osinyinn, semhor das fothas, padrociro da medicina, tem igualmente participa- ‘edo essencial nos terreiros de Agu (Os autores descrevem com muitos pormenores a configuracto _geogrifica dos terreiros de Agtingtin, composta de irés unidaces, cada ‘uma delas com fungées especificas, Caracterizam as hierarquias dos terreiros, definidas pelos graus de iniciagio, duracio da afiliagto € deveres especificos que Thes incumibera. Detém-se, com riqueza de pormenores, na classificagao dos Aguingiin, sua fala, trajes ¢ ritos que Ihes so proptios e reportam os quatro festivais anuais realizados. Coneluindo, abordam a relagdo que os gi¢estabelecem com a morte, ‘a qual esto acostumados a lidar, invocar ¢ cultuar, Possuidores de profunda sabedloria de vida, para eles a continuidade da vida e da mor- te é um acontecimento que flui ininiterruptamente. Bles tem a segti- ranga da imortalidade, gracas ao pacto que celebraram com a Terra durante sua iniciagao e possuem o conhecimento de que, um dia, se~ fo recordados ¢ venerados como pais ancestrais. Carlos Bugénio Marcondes de Moura ANALISE FORMAL DO PANTEAO NAGO* Claude Lépine Os pesquisadores que analisaram a estrutura da cosmovisio dos iorubis, e sobretudo dos jeje, identificaram um sistema de classifica- ‘do do tipo daqueles estudados no inicio do séctilo por Durkheim & ‘Mauss, Bastide?, por stia vez, no seu trabalho sobre “O Candomblé da Bahia”, convencido de que a metafisica do candomblé conservava os ‘quaclros de pensamentos africanos, referiu-se ao pantedio do orixd como a.um sistema de classificagdo que conteria quatro grandes comparti- rmentos, correspondendo aos quatro elementos tradicionais da natu- reza: Agua, ar, fogo, terra, ‘Segundo Bastide’, a légica do candomblé se define pelo princi- de ruptura, ou principio do corte, que divide o uni compartimentos estanques: o compartimento do trovao, de Xango, do fogo, do carneiro; o compartimento das aguas salgadas, de lemanja, dos peixes, da maternidade, etc. © principio da participacdo, de Levy- Brithl, completa, segundo Bastide, o principio de ruptura e funciona centre 0s diversos objetos colocados no interior de cada um desses domi- nios do cosmos, por exemplo, entre 0 trovaio, Xango € o carneiro. A estes dois principios, Bastide acrescenta ainda o prinefpio das cor- respondencias, de Griaule, que estabelece um sistema de analogias ‘Undo capuosda ee de dostrsdo Conti eet do sists de classicaso div dps pucgon to condom ten de Salvador aprexeniada cm 1978 20 Depa tamento de cineas Soca a Faculdade de Payers ¢ lenis Humans da Univeidade de Sto Pua. DURKHEIM. & MAUSS. De quelques formes primitives de elssifiation®, Lande Socio Tans, 1901/2 : EASTIDE, RO canon Bahia. io de Janet: Nacional, 1961 ASTIDE,B. “Le principe de coupute et le omportementafo-besln”.Anaie de CGanreso lncrnscona de arin So Pas, Aner, 1085, p. 498/508,

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