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Accountability, Constituição e

Contabilidade

JOÃO HENRIQUE PEDERIVA

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. A prestação de contas pela óti-


ca constitucional. 3. A estrutura e as atribuições de
controle. 4. A prestação de contas. 4.1. A receita. 4.2.
Os orçamentos. 5. Consolidação da perspectiva cons-
titucional sobre accountability e contabilidade. 6.
Conclusão.

1. Introdução
O estudo da accountability do setor públi-
co vincula-se, em sentido amplo, ao conheci-
mento das informações relevantes para tomar
decisões. O governo democrático deveria ser
passível de fiscalização para assegurar sua in-
tegridade, desempenho e representatividade.
Dessa maneira, existe a necessidade de o pró-
prio governo prover informações úteis e rele-
vantes para o exercício da accountability.
Da mesma forma, o governo é responsável
por agir de forma econômica, eficiente e eficaz
na consecução dos objetivos perseguidos pe-
los cidadãos e seus representantes eleitos.
Aqueles que formulam, selecionam e implemen-
tam políticas públicas necessitam de informa-
ções relevantes para o planejamento, o controle
e a condução das funções governamentais.
A relevância da matéria determinou explici-
tar a prestação de contas da administração pú-
blica direta e indireta como um dos princípios
constitucionais1. Dessa maneira, o princípio da
autonomia das entidades federativas cede ante
a falta de cumprimento da accountability. Sem
o cumprimento da exigência de prestar contas,
o mandatário fica sujeito à intervenção, confor-
me se observa nos arts. 34 e 35 da Lei Maior.
1
João Henrique Pederiva é Consultor de Orçamen- Art. 34, inciso VII, alínea d, da Constituição
tos do Senado Federal. Federal.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 17
Com efeito, o termo accountability tem lar- nal, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União.
go curso entre os estudiosos do controle, como Tais estruturas respondem pela adequação das
deflui da seguinte passagem: evidências quanto ao correto uso dos recursos
“A governabilidade nos regimes de- retirados compulsoriamente dos particulares e
mocráticos depende (a) da adequação das devolvidos pelo Poder Público à sociedade, sob
instituições políticas capazes de interme- a forma de bens e serviços, durante um certo
diar interesses dentro do Estado e na so- intervalo de tempo. Após sucinta comparação
ciedade civil; (b) da existência de meca- entre as responsabilidades das instituições es-
nismo de responsabilização (accounta- tatais e societárias, concernentes à fiscalização
bility) dos políticos e burocratas perante e ao controle, apresentam-se informações cuja
a sociedade; (c) da capacidade da socie- evidenciação o constituinte entendeu necessá-
dade de limitar suas demandas e do go- ria, ainda que aparentemente dissociada dos
verno de atender aquelas demandas afi- processos de prestação ou tomada de contas
nal mantidas e principalmente, (d) da exis- enviados para as instituições de controle exter-
tência de um contrato social básico” no. Por fim, as obrigações do Estado brasileiro
(BRESSER PEREIRA, 1997, p. 46 – desta- são rememoradas, considerando que a Lei Mai-
que no original). or estabeleceu parâmetros para nortear as ações
dos governos. Nesse contexto, a Contabilidade
A propósito, a extensão da accountability serve de instrumento para evidenciar e avaliar o
depende do conteúdo do vínculo estabelecido cumprimento desses compromissos.
entre as partes envolvidas, ou seja, o mandante A conclusão do trabalho aponta para a ne-
e o mandatário. Nesse particular, as contas pres- cessidade de melhor fundamentação teórica e
tadas pelo titular do Poder Executivo enfeixam maior abrangência da prática contábil no âmbi-
um conjunto maior de normas escritas, explici- to da Contabilidade Pública ou Governamental.
tando, em última análise, elementos implícitos Sem isso, o ideal de evidenciação (disclosure)
na atuação dos demais agentes públicos. das contas do setor público figura inatingível.
Considera-se responsabilidade pela presta- Perseguindo tal ideal, é imprescindível a averi-
ção de contas como a acepção mais adequada guação do adequado cumprimento de disposi-
para o termo em inglês. É mister ressaltar que, tivos constitucionais e legais pela Administra-
embora os procedimentos relacionados à pres- ção. Da verificação do descompasso entre a si-
tação de contas efetuada pelo Presidente da Re- tuação atual e a pretendida resultam oportuni-
pública não esgotem o assunto, eles enfeixam dades para o aperfeiçoamento da accountabili-
conjunto de fatores relevantes que podem con- ty, em benefício da sociedade.
duzir o estudo. Ademais, esse estudo permite
relacionar a responsabilidade pela prestação de
contas nos poderes públicos e privados e com- 2. A prestação de contas pela ótica
parar a accountability dos respectivos setores. constitucional2
Recorde-se que o conceito de contas, nesse
contexto, também compreende o cumprimento A Constituição representa o marco inicial
de metas. da vida em sociedade. Basta referir que, entre
Os demonstrativos contábeis constam en- outras designações, é conhecida como Pacto
tre as fontes de informação que suportam as Fundamental e Lei Maior. Ela determina, entre
tomadas de decisões e a accountability. Tais outros conteúdos, o comportamento e o alcan-
demonstrativos, por si, não asseguram que o ce do interesse público sobre o interesse priva-
governo opera como deveria. Eles podem, con- 2
É de particular interesse o conhecimento dos
tudo, muito contribuir para a consecução desse seguintes trechos dos manuais de Direito Adminis-
objetivo. Assim, as demandas da Constituição trativo: de Meirelles (1990), os capítulos que tratam
Federal de 1988 com respeito ao que deve ser da Administração Pública, dos Poderes Administra-
evidenciado pelo Poder Público, por intermédio tivos e dos Atos Administrativos; de Mello (1990),
da Contabilidade, serão o objeto imediato do os capítulos versando sobre O Regime Jurídico-Ad-
texto que segue. ministrativo, os Princípios Constitucionais do Direi-
to Administrativo Brasileiro, os Atos Administrati-
No desdobramento do texto, identificam-se vos, as Discricionariedade e Legalidade, a Discricio-
as instituições e suas estruturas de controle, nariedade Administrativa e o Controle Judicial e a
com particular interesse naquelas vinculadas ao Responsabilidade Patrimonial Extracontratual do
controle externo, a cargo do Congresso Nacio- Estado por Comportamentos Administrativos.
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do. Dessa forma, as relações entre Estado, go- De toda a sorte, a técnica constitucional as-
verno e particulares são objeto da regulação severa a fragilidade da Lei Maior quando ela se
constitucional3. presta a servir de instrumento para a legitima-
Considerando o escopo do texto constitucio- ção dos interesses específicos de grupos no
nal, seria de esperar que nele constassem prin- poder. A instabilidade das instituições e das
cípios e orientações de cunho genérico e des- políticas públicas apresenta efeitos danosos
vinculados de caráter particular ou circunstan- tanto para o planejamento quanto para o acom-
cial. Com isso, a Lei Maior conformaria os de- panhamento das ações governamentais. Sofrem,
mais institutos normativos, mormente de origem particularmente, os instrumentos de fiscalização
infraconstitucional, bem como evitar-se-iam os e controle, com inevitáveis reflexos negativos
pontos de instabilidade advindos de normas nos sistemas e nas informações contábeis.
casuísticas. Nesse quadro de instabilidade institucional,
Embora a atual Constituição Federal, pro- a medida provisória configura a continuidade e
mulgada em 8 de outubro de 1988, fixe alguns o aprimoramento do decreto-lei. Vale recordar
princípios gerais norteadores das atividades que a medida provisória – instrumento de exce-
públicas e privadas, há muitos pontos de insta- ção no regime presidencialista, ainda que plau-
bilidade. Eles são constatáveis pelo relativamen- sível no regime parlamentarista – vem receben-
te elevado número de emendas inseridas em seu do ampla utilização pelo atual Governo, com efei-
texto no curto prazo de dez anos. Nesse particu- tos largamente discutidos junto aos meios polí-
lar, o modelo norte-americano está longe de ser ticos, jurídicos e acadêmicos. Basta salientar que
seguido, porquanto a Constituição daquele Es- a medida provisória que organizou e discipli-
tado mantém-se desde a origem. A propósito, nou os Sistemas de Controle Interno e de Plane-
demorou cerca de duzentos anos para que hou- jamento e Orçamento do Poder Executivo e que
vesse aproximadamente o mesmo número de remodelou o sistema de controle interno ainda
emendas constantes da Constituição brasileira não foi convertida em lei. Na verdade, a edição
em dez anos. da Medida Provisória de nº 1.626-49, de 12 de
Dos artigos que tratam da fiscalização con- fevereiro de 1998, consolida um marco: mais
de quatro anos de imprevisibilidade e urgên-
tábil, financeira e orçamentária (arts. 70 a 75),
cia sem que se alcançasse consenso sufici-
somente o parágrafo único sofreu modificação. ente, no seio do Poder Legislativo, para deci-
Mesmo essa substituição dos termos pessoa dir sobre a matéria.
física ou entidade pública por pessoa física ou No plano constitucional, verifica-se que o
jurídica, pública ou privada figura de pequena tratamento concedido às contas prestadas pelo
monta, em face do ordenamento jurídico vigen- Presidente da República reflete a falta de defini-
te4. Significaria isso a satisfação do legislador ção sobre o seu conteúdo e alcance. A preposi-
com a redação atual dos dispositivos constitu- ção pelo esclarece muito pouco. Restam dúvi-
cionais ou seria apenas desinteresse para com a das sobre o objeto dessas contas: seriam con-
matéria concernente ao controle? Outros ques- tas do Presidente, do Poder Executivo ou do
tionamentos perpassam a eficácia dos disposi- Governo? Trata-se de assunto da maior impor-
tivos atuais, situação essa que merece o exame tância, porquanto conformador de responsabi-
atento do legislador. lidades pessoais e institucionais.
3
Caso forem contas do gestor, a responsabi-
Para SILVA (1991, p. 34), o objeto do direito lidade do Presidente da República é individual;
constitucional “é constituído pelas normas funda-
mentais da organização do Estado, isto é, pelas nor-
caso forem do Poder Executivo, há que se res-
mas relativas à estrutura do Estado, forma de gover- saltar a cadeia de responsabilidades dos gesto-
no, modo de aquisição e exercício do poder, estabele- res ou ordenadores de despesa até o titular des-
cimento de seus órgãos, limites de sua atuação, direi- se Poder; em sendo do Governo, abarcando todo
tos fundamentais do homem e respectivas garantias e o Estado, a responsabilidade é compartilhada
regras básicas da ordem econômica e social”. com os membros dos demais Poderes, particu-
4
O art. 93 do Decreto-lei nº 200, de 25.2.1967, já larmente com o Poder Legislativo, no limite das
prescrevia: “Quem quer que utilize dinheiros públi- respectivas ações e omissões. Seria desejável
cos terá de justificar seu bom e regular emprego na que a Lei Maior houvesse apontado parâme-
conformidade das leis, regulamentos e normas ema-
nadas das autoridades administrativas competentes” tros insofismáveis, de forma a evitar antinomias
(destaque acrescido). em tão importante matéria.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 19
Entremeios, não faltam proposições no Con- sociológicas. Ao Poder Legislativo só cabia, pela
gresso Nacional tendentes a sanar tal carência. Constituição anterior, aprovar ou desaprovar o
É o caso do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) projeto orçamentário elaborado pelo Poder Exe-
nº 311, de 6 de julho de 1993, ora em tramitação cutivo. Há prevalência do caráter autorizativo
na Câmara dos Deputados, que da lei orçamentária e do encaminhamento equi-
“estabelece normas para a elaboração do vocado de oportunidades para discutir as gran-
parecer do Tribunal de Contas da União des linhas das políticas públicas, em que pesem
a que se refere o art. 71, inciso I, da Cons- os avanços. O plano plurianual, por exemplo,
tituição Federal”5. reflete, ainda hoje, o vigor da concepção cons-
No âmbito do Senado Federal, apresentou- titucional anterior. Isso também explica muitas
se o Projeto de Lei (PLS) nº 260, de 2 de dezem- das dificuldades atuais concernentes às presta-
bro de 1997, ainda tramitando naquela Casa, que ções de contas.
Ante a natureza dos dados com os quais a
“dispõe sobre a apresentação, o julga- contabilidade lida e com fulcro nos seus objeti-
mento e a apreciação das contas apre- vos, seria de esperar que as informações de-
sentadas anualmente pelo Presidente da mandadas pela Lei Maior tivessem respaldo nos
República, e dá outras providências”6. registros e demonstrativos contábeis8. Em sín-
As dificuldades sobre o objeto das contas e tese, o objetivo da contabilidade é evidenciar,
sobre as conseqüências de eventuais ressalvas para um usuário com conhecimentos medianos
ou irregularidades derivam, grosso modo, da a respeito do negócio e da Contabilidade, a si-
ausência de maiores discussões sobre a accoun- tuação atual e as perspectivas futuras da Enti-
tability do setor público. É que o titular do po- dade. Ou seja, se a Constituição impõe ao Esta-
der – o povo – não participa diretamente na ela- do perseguir determinados objetivos, a Conta-
boração, acompanhamento e avaliação das po- bilidade, em sentido amplo, deveria fornecer ins-
líticas públicas, ao passo que seus represen- trumental teórico suficiente para permitir men-
tantes legislativos não implementaram por com- surar e evidenciar de forma adequada a conse-
pleto a eficácia dos mandamentos constitucio- cução desses objetivos.
nais. Em que pesem alguns cuidados da Lei
Maior quanto ao controle social direto, como a Nesse particular, cumpre salientar que a Con-
iniciativa popular, a falta de transparência na tabilidade também tem papel ativo na evidenci-
gestão das contas públicas persiste. Noutras ação das mutações de caráter social que influ-
palavras, o processo de fiscalização das contas enciam na entidade. Vale recordar que
anuais fica circunscrito a uns poucos iniciados “A divulgação das demonstrações
e a população deixa de participar diretamente na contábeis tem por objetivo fornecer, aos
fiscalização e no controle das contas prestadas seus usuários, um conjunto mínimo de
pelos agentes públicos7. informações de natureza patrimonial,
econômica, financeira, legal, física e
Parte da dificuldade na participação direta social que lhes possibilitem o conheci-
do titular do poder pode ser atribuída ao caráter mento e a análise da situação da Entida-
altamente elaborado dos registros contábeis. de” (destaque acrescido)9.
Outra parte, entretanto, tem raízes históricas e Assim, a contabilidade serve de instrumen-
5
to para o exercício da cidadania.
De autoria do Deputado AUGUSTO CARVA-
LHO. Cabe à administração pública a gestão da
6
documentação governamental e as providências
De autoria do Senador JEFFERSON PERES.
8
7
A Lei Maior preconiza o caráter descentraliza- Questões atinentes aos objetivos, assim como
do da gestão administrativa, com a participação da aos usuários da Contabilidade, encontram-se discuti-
comunidade, como objetivo da organização da seguri- das nos Princípios Fundamentais de Contabilidade,
dade social (art. 194, parágrafo único, inciso VII). editados pelo Conselho Federal de Contabilidade, em
Ademais, o ensino será ministrado com base no prin- particular a Resolução nº 750, de 29 de dezembro de
cípio da gestão democrática (art. 206, inciso VI, da 1993, e nº 774, de 16 de dezembro de 1994. Outra
Constituição Federal). Já o controle político é paten- fonte valiosa de conceitos são os Objectives of Fede-
te: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio ral Financial Reporting — Statement of Federal Fi-
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual nancial Accounting Concepts Number 1, do Office
para todos, e, nos termos da lei, mediante: I — ple- of Manegement and Budget norte-americano.
9
biscito; II — referendo; III — iniciativa popular” Conselho Federal de Contabilidade, Resolução
(caput do art. 14 da Constituição Federal). nº 737, de 27 de novembro de 1992, item 6.1.2.1.
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para franquear sua consulta a quantos dela ne- tos, particularmente dos recursos disponíveis,
cessitem, conforme o § 2º do art. 216 da Consti- que lhes foram confiados.
tuição Federal. O caput do mesmo artigo trata A autoridade demanda o respectivo instru-
do patrimônio cultural nacional e tem a seguinte mental para o exercício das suas atribuições.
redação: Esse instrumental, no caso do Estado, são os
“Constituem patrimônio cultural bra- agentes e a administração pública. Todo o con-
sileiro os bens de natureza material e ima- junto deve respeito ao povo, que é o titular legí-
terial, tomados individualmente ou em timo desse poder que fundamenta a autoridade.
conjunto, portadores de referência à iden- Assim, o Pacto Fundamental estabelece limites
tidade, à ação, à memória dos diferentes ao exercício do poder pelos representantes po-
grupos formadores da sociedade brasi- pulares, além de conceder destaque a certos
leira...”. procedimentos que devem ser observados, in-
Qual o papel que a contabilidade deve ado- dependentemente do governante e da respecti-
tar em face dessas demandas constitucionais? va plataforma ou agenda política. A evidencia-
ção tem por finalidade viabilizar o acompanha-
Há que se considerar a prestação de contas mento e o controle das ações públicas pelo
como um dos princípios constitucionais que se povo, titular do poder.
manifesta de várias formas ao longo do texto da
Lei Maior. De um lado, o setor público precisa Atente-se que a direção superior da Admi-
informar a si próprio. Nesse papel, os sistemas nistração Federal compete privativamente ao
de informação – mormente o sistema contábil – Presidente da República, auxiliado pelos Minis-
devem sinalizar, no mínimo, os efeitos que o tros de Estado (art. 84, II, da Constituição Fede-
gestor da coisa pública deve evitar quando to- ral). Isso é coerente com a função executiva que
mar decisões. Quanto mais adequadas forem a lhes cabe, na visão tradicional da separação dos
qualidade e quantidade das informações, mais Poderes. Esse caráter instrumental da Adminis-
facilmente apresentar-se-á a melhor solução. De tração encarece a demanda pela verificação da
outro lado, é mister que os governantes bus- conformidade entre as ações governamentais
quem o respaldo de suas ações junto à opinião de curto prazo e as finalidades do Estado, pos-
pública, por meio da publicidade. tas no longo prazo.
Um dos principais usuários externos das in- Na verdade, o caráter instrumental da Admi-
formações sobre a ação governamental é o povo, nistração Pública e dos denominados agentes
titular do poder. Segundo o parágrafo único do políticos – ambos agentes públicos, em última
artigo primeiro da Constituição Federal, “todo o análise – determinou que a Constituição fixasse
poder emana do povo, que o exerce por meio de normas específicas para ambos, mediante lei10.
representantes eleitos ou diretamente, nos ter- A vinculação legal dos atos dos agentes públi-
mos desta Constituição”. cos assume particular interesse para o presente
A titularidade do poder pelo povo indica que estudo. Qualquer ação administrativa deve en-
contrar respaldo em norma legal. O administra-
seus representantes devem exercer mandato nos
dor público, todavia, está adstrito aos termos
termos e limites da procuração recebida. Note- da lei, na esteira da concepção burocrática de
se que o alcance e cumprimento adequado des- Estado.
se mandato têm fulcro na Lei Maior. A autono- Nas palavras de Meirelles (1991, p. 83),
mia da vontade, subjacente às relações entre os
“As leis administrativas são, normal-
particulares e à teoria contratual do Direito Pri-
mente, de ordem pública e seus precei-
vado, deixa de prevalecer e cede espaço para o tos não podem ser descumpridos, nem
interesse público. mesmo por acordo ou vontade conjunta
Os governantes eleitos pela maioria dos elei- de seus aplicadores e destinatários, uma
tores simpatizantes com certa agenda para as vez que contêm verdadeiros poderes-de-
políticas públicas tomam posse do aparelho es- 10
tatal com vistas à implementação da plataforma Entendida, nesse caso, como o produto de pro-
que os conduziu ao poder. O exercício efetivo cesso legislativo, segundo referido pelo caput do art.
59 da Constituição Federal, ou seja, “O processo
do poder não elide o compromisso dos gover- legislativo compreende a elaboração de: I — emendas
nantes em prestar contas da sua adequada utili- à Constituição; II — lei complementares; III — leis
zação. Isso abrange a satisfação das responsa- ordinárias; IV — leis delegadas; V — medidas provi-
bilidades e o uso dos respectivos instrumen- sórias; VI — decretos legislativos; VII — resoluções”.
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veres, irrelegáveis pelos agentes públi- Em respaldo ao modelo gerencial para a ges-
cos [todas as pessoas físicas incumbidas tão pública, foram introduzidas mudanças na
definitiva ou transitoriamente do exercí- Administração por meio da Emenda Constitucio-
cio de alguma função estatal, conforme nal nº 19, de 4 de junho de 1998, conhecida por
definição na p. 71]. Por outras palavras, a Reforma Administrativa. Tais mudanças vieram
natureza da função pública e a finalidade encarecer, no direito positivo pátrio, os valores
do Estado impedem que seus agentes que, sem dúvida, aproximam a gestão do Estado
deixem de exercitar os poderes e de cum- da gestão das organizações privadas. Assim,
prir os deveres que a lei lhes impõe. Tais no caput do art. 37, inseriu-se o princípio da
poderes, conferidos à Administração Pú- eficiência, já comentado.
blica para serem utilizados em benefício A perspectiva de cliente e fornecedor com
da coletividade, não podem ser renuncia- respeito ao setor público emerge com maior in-
dos ou descumpridos pelo administrador tensidade no § 3º do art. 37 da Lei Maior. Se-
sem ofensa ao bem comum, que é o su- gundo o dispositivo, a participação do usuá-
premo e único objetivo de toda ação ad- rio na administração pública direta e indireta
ministrativa” (destaques no original, col- será disciplinada em lei. Em seus incisos, o refe-
chetes nossos). rido parágrafo elencou as principais matérias a
A perspectiva burocrática de controle dos serem reguladas. Entre elas, as reclamações re-
meios e instrumentos é, ainda, preponderante, lativas à prestação dos serviços, assegurada a
embora o atual discurso da administração pú- avaliação periódica externa e interna da sua qua-
blica gerencial aponte para o gerenciamento e lidade, bem como a manutenção do atendimen-
controle dos resultados. Em prol dessa afirmati- to ao usuário. Também o acesso dos usuários a
va, basta referir que os governantes entende- registros administrativos e a informações sobre
ram imprescindível emendar a Constituição. atos de governo será objeto da lei, além da dis-
Desse modo, pretendeu-se explicitar a eficiên- ciplina da representação contra o exercício ne-
cia como princípio da administração pública e a gligente ou abusivo de cargo, emprego ou fun-
avaliação de desempenho pelos usuários como ção na administração pública.
forma de atingi-la. Vale recordar que a eficiência Outra forma de propiciar maior autonomia e
já constava como critério da fiscalização exerci- controle de desempenho consta no § 8º do arti-
da pelo controle externo e interno11. go em comento. Segundo o dispositivo, a auto-
Eficiência sempre foi preocupação do setor nomia gerencial, orçamentária e financeira dos
privado. Com a mudança de paradigmas pro- órgãos e entidades da Administração poderá
posta, do estado burocrático para o estado ge- ser ampliada mediante contrato que tenha por
rencial, aumenta a convergência das obrigações objeto a fixação de metas de desempenho. Esse
dos administradores públicos e privados. Com contrato poderá estipular direitos e deveres, bem
efeito, o legislador tende a equiparar os servi- como remuneração, diferenciados. As obriga-
ços prestados pelo Estado com os serviços pres- ções e remunerações variáveis, com base con-
tados pelos particulares. A tendência, nesse tratual, certamente assemelharão a administra-
caso, é a diminuição de regras fixas, voltadas ção pública à privada.
para procedimentos operacionais internos, e o
conseqüente aumento das regras conceituais, Ainda que exista simetria na forma de agir
norteadoras da forma de agir. dos administradores públicos e privados, a res-
Nesse modelo de Estado, assumem desta- ponsabilidade de ambos não é a mesma. Sequer
que as funções reguladoras e fiscalizadoras. equivale. O gestor privado preocupa-se com o
Aliás, tais características reforçam o dispositi- lucro obtenível dentro dos limites legais, num
vo “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de prazo mais ou menos longo. O lucro é medida da
fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (in- sua eficiência. Já o gestor público tem seus re-
ciso II do art. 5º da Constituição Federal). Ou sultados apreciados por critérios como legali-
seja, com a mudança de paradigmas, o admi- dade, economicidade e legitimidade, entendida
nistrador tenderá a fazer o que a lei permite e esta como o esteio nos princípios gerais de di-
deixar de fazer estritamente o que a lei deter- reito, na razão ou no ideal de justiça. A lei e, a
mina, aproximando a sua gestão daquela de partir da regulação preconizada pela emenda
caráter privado. constitucional, os contratos determinarão me-
didas para avaliar a eficiência do administrador,
11
Caput do art. 70 da Lei Maior. gestor ou agente público.
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Também o agente público tem categorias di- Ela já o faz (ou deveria) no setor privado. É o
ferentes de responsabilidades. No caso do ser- caso, por exemplo, da média de devoluções das
vidor público, o descumprimento legal ocasio- mercadorias vendidas, ou da previsão para de-
na falta administrativa; no caso do agente polí- vedores duvidosos. O estudo das contingênci-
tico, crime de responsabilidade. O controle ad- as no setor público ainda é, infelizmente, pouco
ministrativo e judicial sobre a Administração tem desenvolvido.
avançado no sentido de limitar a chamada dis- A falta de informação adequada, segura e
cricionariedade administrativa por meio do exa- tempestiva pode ensejar situações de assime-
me do motivo e objeto, além daqueles requisi- tria informacional, nas quais o detentor das in-
tos indisponíveis: competência, finalidade e for- formações manipula o detentor do poder. O sis-
ma do ato administrativo. Restaria ao adminis- tema de informações adequado deve evitar tal
trador da res pública o exame do mérito (conve- possibilidade. Sob a perspectiva do direito po-
niência e oportunidade). Nesse particular, a obe- sitivo, isso se manifesta nos limites da consti-
diência aos princípios da legalidade, impessoa- tuição material. Ou seja, pode ocorrer que deter-
lidade, moralidade e publicidade, em suas vári- minados grupos assumam o governo e, em pro-
as manifestações, tampouco pode ser olvidada veito de alguns, desrespeitem os dispositivos
pelo administrador público. constitucionais e legais concernentes ao Esta-
Atente-se, ainda, para a responsabilidade ob- do e às suas finalidades sem que haja a devida
jetiva advinda da ação pública, segundo discri- resposta.
minada pela Constituição Federal12. Mais do que Para evitar isso, a Constituição firmou o sis-
cuidar de um direito de consumidor, o constitu- tema de freios e contrapesos (checks and ba-
inte intentou resguardar a sociedade dos even- lances), assegurando a independência entre os
tuais danos advindos dos agentes públicos no Poderes. Entre os pontos considerados imutá-
exercício de suas funções estatais. A responsa- veis pelo constituinte originário (as denomina-
bilidade objetiva, nesse caso, indica um poten- das cláusulas pétreas) não figura explicitamen-
cial de risco inerente à função e que deveria ser te a república. De toda a sorte,
mensurado pela contabilidade.
“Não será objeto de deliberação a pro-
Na verdade, casos de prejuízos particulares, posta de emenda tendente a abolir: I – a
envolvendo concessões (como ocorreu no Rio forma federativa de Estado; II – o voto
de Janeiro com a energia elétrica), refletem a res- direto, secreto, universal e periódico; III
ponsabilidade estatal. Supondo que a conces- – a separação dos Poderes; IV – os direi-
sionária não detenha capital suficiente para co- tos e garantias individuais” (art. 60, § 4º,
brir o risco, o vínculo constitucional aponta para da Constituição Federal)13.
a responsabilidade solidária do Poder Público É ao titular do poder – o povo – que os go-
em contribuir, inclusive financeiramente, para vernantes, no exercício dos poderes constitucio-
solver o dano. nais, devem prestar contas. No seio do gover-
no, o Poder Executivo deve prestar contas para
A contabilidade deveria evidenciar tais ris- o Poder Legislativo, exercido pelo Congresso
cos, porquanto Nacional14. O Poder Judiciário, em face do seu
“As informações geradas pela Con- caráter de neutralidade política na doutrina tra-
tabilidade devem propiciar aos seus usu- dicional, não recebeu a mesma atenção por par-
ários base segura às suas decisões, pela te do poder constituinte. No momento atual, o
compreensão do estado em que se en- quadro é razoável, considerando as instituições
contra a Entidade, seu desempenho, sua ora vigentes.
evolução, riscos e oportunidades que 13
Nos termos do art. 2º da Constituição Federal,
oferece” (item 1.1.2 da Resolução nº 785, “São Poderes da União, independentes e harmônicos
de 28 de julho de 1995, do Conselho Fe- entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
deral de Contabilidade). 14
Entre as competências do Congresso Nacional
consta: “... V — sustar os atos normativos do Poder
12
“As pessoas jurídicas de direito público e as de Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou
direito privado prestadoras de serviços públicos res- dos limites de delegação legislativa;... X — fiscalizar
ponderão pelos danos que seus agentes, nessa quali- e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Ca-
dade, causarem a terceiros, assegurado o direito de sas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da ad-
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou ministração indireta;...” (art. 49 da Constituição Fe-
culpa” (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). deral).
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Dessa forma, um Poder limita ou trava o tor privado. A simetria entre o empreendimento
outro. No caso específico do Poder Legislativo, do Estado e os demais empreendimentos, na
é explícita a missão de controlar os atos do Po- forma de sociedades anônimas, pode ser resu-
der Executivo. Assim, resta evidente a respon- mida em um quadro, com algum esforço. Essa
sabilidade dos congressistas pela manutenção simetria pode ser retratada em uma norma da
dos limites constitucionais e a importância da legislação societária que caberia perfeitamente
Contabilidade em sinalizar a observância des- nas orientações legais voltadas para o setor
ses limites. Tal responsabilidade é para com o público. Trata-se do dever de diligência, assim
mandatário, ou seja, o povo – titular do poder. retratado na lei:
“Dever de Diligência
Art. 153. O administrador da compa-
3. A estrutura e as atribuições de controle nhia deve empregar, no exercício de suas
A comparação da estrutura estatal com aque- funções, o cuidado e diligência que todo
la das sociedades anônimas figura cada vez mais homem ativo e probo costuma empregar
representativa para o controle, em virtude da na administração dos seus próprios ne-
utilização disseminada, no setor público, de tec- gócios” (Lei 6.404, de 15 de dezembro de
nologias gerenciais consolidadas junto ao se- 1976).

Correspondência entre responsabilidades estatais e societárias

Instituição estatal Função Empreendimento privado

Congresso Nacional Órgão legiferante e controla- Conselho de Administração


dor externo
Poder Executivo Órgão executivo Diretoria
Comissão Mista de Orça- Órgão controlador externo Conselho Fiscal
mentos e Comissões de Fis-
calização e Controle da Câ-
mara dos Deputados e do
Senado Federal
Poder Judiciário, Tribunal de Auditores externos e órgãos Auditores Independentes e
Contas da União e Ministé- jurisprudenciais Órgãos Jurisprudenciais
rio Público
Povo Titular do poder Acionistas

O Tribunal de Contas é órgão jurisdicional tas minoritários, assim como a maioria governa-
em relação às contas dos administradores pú- mental tem divergências com respeito às mino-
blicos, excetuando-se o Chefe da Administra- rias de oposição.
ção. Por força de dispositivo legal (art. 6º da Lei Embora o Conselho de Administração e o
nº 8.443/92 – Lei Orgânica do Tribunal de Con- Conselho Fiscal apreciem as ações da Diretoria,
tas), somente o Tribunal provê quitação das a palavra final sobre as contas cabe ao titular do
contas. Outrossim, embora outras instâncias do poder, reunido em assembléia-geral. Da mesma
Congresso Nacional emulem a condição fiscali- forma, o voto popular define quem subsiste no
zatória da Comissão Mista, somente esta dis- poder. Já os auditores independentes (setor pri-
põe de certas prerrogativas explicitadas consti- vado) e os órgãos jurisprudenciais não têm com-
tucionalmente, em especial, a de solicitar infor- promisso direto com os resultados, mas sinali-
mações no prazo de cinco dias (art. 72 da Cons- zam a conformidade da ação administrativa aos
tituição Federal). preceitos considerados razoáveis. Tais precei-
Nesse singelo modelo, o acionista controla- tos provêm das regras e normas (leis e princípi-
dor contrapõe seus interesses aos dos acionis- os gerais, no caso governamental) que definem
24 Revista de Informação Legislativa
os limites das ações dos agentes sociais. O pa- modos de alcançá-las que encerra. Eleitas tais
pel fundamental dos auditores independentes e alternativas, o controle assume caráter técnico,
órgãos jurisprudenciais é assegurar que os mar- de verificação da conformidade. Por conseguin-
cos estão sendo obedecidos pelos agentes. No te, vale separar os elementos constitucionais
setor público, ao contrário, os auditores exter- para fins de exame, quais sejam: a natureza do
nos têm o compromisso de aferir a qualidade da controle; os prismas sob os quais ocorrem tais
gestão. análises; a titularidade do exercício de tais con-
A exigência da prestação de contas e a peri- troles.
odicidade do mandato, no setor público, decor- Com respeito à natureza do controle, ao res-
rem da condição de república (res publica, ou saltar as dimensões contábil, financeira, orça-
coisa pública). Considerando que a gestão tem mentária, operacional e patrimonial da fiscaliza-
por objeto bens que não pertencem àquele que ção, a Lei Maior deixou de utilizar referencial
os utiliza, técnico exclusivamente contábil, pelo menos sob
Prestará contas qualquer pessoa fí- o ponto de vista da contabilidade pública ou
sica ou jurídica, pública ou privada, que governamental. A propósito, vale referir a dis-
utilize, arrecade, guarde, gerencie ou ad- cussão, no âmbito da auditoria governamental,
ministre dinheiros, bens e valores públi- sobre as diferenças entre controle substantivo
cos ou pelos quais a União responda, e controle formal. Existem vários questionamen-
ou que, em nome desta assuma obriga- tos, nas instâncias de controle governamental,
ções de natureza pecuniária (parágrafo sobre a manutenção do atual modelo de preva-
único do art. 70 da Constituição Federal lência do controle dito formal sobre o controle
– grifo acrescido). nomeado de substantivo.
A obrigação de prestar contas alcança to- A legalidade, a legitimidade e a economici-
dos que promovam ou possam promover obri- dade constituem dimensões preconizadas como
gações ou vínculos de natureza pecuniária para hábeis à fiscalização pelo constituinte originá-
o erário, uma vez que esses não são os proprie- rio. A legalidade surge como o plano de mais
tários do patrimônio gerido. fácil compreensão e prática, uma vez que decor-
Aliás, tal obrigação é objetiva e inverte o re da mera confrontação dos atos administrati-
ônus da prova, segundo o Supremo Tribunal vos com as normas. A legitimidade e a economi-
Federal (STF). Com efeito, em direito financeiro, cidade envolvem limites mais sutis, porquanto
cabe ao ordenador de despesas provar que não configuram juízo sobre a finalidade das ações
é responsável pelas infrações das leis e dos re- do administrador e constituem, segundo essa
gulamentos que lhe sejam imputadas na aplica- ótica, exame do mérito – conveniência e oportu-
ção do dinheiro público15. nidade – de atos administrativos.
Nessa linha, os órgãos de controle interno e
Ademais, externo seriam competentes para o exame do
“A fiscalização contábil, financeira, mérito administrativo. O controle não o faz, ain-
orçamentária, operacional e patrimoni- da que, ao contrário do Poder Judiciário, tenha
al da União e das entidades da adminis- de considerar a apreciação da conveniência e
tração direta e indireta, quanto à legali- oportunidade do ato administrativo ao efetuar
dade, legitimidade, economicidade, apli- juízo da eficiência, eficácia e economicidade. O
cação das subvenções e renúncia de re- exame realizado pelo controle tem o objetivo
ceitas, será exercida pelo Congresso precípuo de avaliar a qualidade da gestão e pro-
Nacional, mediante controle externo, e nunciar-se pela regularidade ou irregularidade
pelo sistema de controle interno de cada das ações administrativas. É a posteriori.
Poder” (caput do art. 70 da Constituição Já o Poder Judiciário tem por objetivo com-
Federal, grifo acrescido). patibilizar interesses em conflito, dizendo o di-
Quando do exercício do processo legislati- reito. Ele também se pronuncia sobre os atos e
vo, configura-se a natureza política do controle, fatos ocorridos. Tampouco o Poder Judiciário
em virtude da escolha das finalidades e dos pode adentrar o mérito administrativo, em que
pesem as garantias constitucionais16. Note-se
15
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Mandado de
16
Segurança (MS) nº 20.335 – DF (Tribunal Pleno, em Com efeito, “a lei não excluirá da apreciação do
13.10.1982). Relator: Ministro Moreira Alves. Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (inciso
www.stf.gov.br. XXXV do art. 5º da Constituição Federal).
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 25
que o Poder Judiciário não pode substituir a ordens de atribuições: por ordem do Congresso
discricionariedade do administrador pela do e por conta própria. Ainda assim, é de se ques-
juiz17. Dessa maneira, o STF entendeu que a tionar se tal independência pode vir em prejuízo
competência do TCU sobre o julgamento das da atividade a desenvolver como auxiliar no exer-
contas é exclusiva, salvo nulidade por irregula- cício do controle externo.
ridade formal grave ou manifesta ilegalidade18. Adentrando o controle governamental, em
A apreciação sobre a qualidade da gestão seqüência às atribuições e objetivos do contro-
implica juízo de valor sobre o que possa ser en- le externo, a Lei Maior determinou finalidades
tendido como relevante. Entra em cena, aqui, o para o controle interno. Nos termos da Consti-
conceito de materialidade, ou seja, um juízo po- tuição:
lítico. Um exemplo patente dessas considera- “Os Poderes Legislativo, Executivo e
ções apresentou-se no trancamento de ação Judiciário manterão, de forma integrada,
penal contra ex-prefeita denunciada por crime sistema de controle interno com a finali-
de responsabilidade em virtude da contratação dade de:
de gari, de forma isolada e por curto período, I – AVALIAR o CUMPRIMENTO DAS ME-
sem observância da exigência de concurso para TAS previstas no plano plurianual, a EXE-
provimento de cargo público. O STF entendeu CUÇÃO DOS PROGRAMAS de governo E DOS
configurada a insignificância jurídica do ato tido ORÇAMENTOS da União;
como criminoso19. II – COMPROVAR a LEGALIDADE e AVA-
Com respeito à titularidade do controle, cabe LIAR os RESULTADOS, quanto à EFICÁCIA E
recordar que “o controle externo, a cargo do EFICIÊNCIA da gestão orçamentária, fi-
Congresso Nacional, será exercido com o auxí- nanceira e patrimonial nos órgãos e
lio do Tribunal de Contas da União...” (caput entidades da administração federal, bem
do art. 71 da Lei Maior). Dessarte, o constituin- como da aplicação de recursos públi-
te entendeu por bem reservar ao Poder Legisla- cos por entidades de direito privado;
tivo a prerrogativa de titularidade do controle III – EXERCER o controle das opera-
externo20. Nesse sentido, “o Tribunal [TCU] en- ções de crédito, avais e garantias, bem
caminhará ao Congresso Nacional, trimestral e como dos direitos e haveres da União;
anualmente, relatório de suas atividades” (§ 4º
do art. 71 da Constituição Federal). Ou seja, o IV – APOIAR o controle externo no
Tribunal de Contas é órgão auxiliar e instrumen- exercício de sua missão institucional.
to do Congresso Nacional e desempenha, nes- § 1º Os responsáveis pelo controle
se mister, função eminentemente técnica. Nou- interno, ao tomarem conhecimento de
tras palavras, o TCU é instrumento do Congres- qualquer irregularidade ou ilegalida-
so Nacional – titular do controle externo – na de, dela darão ciência ao Tribunal de
consecução dos fins preconizados pelo consti- Contas da União, sob pena de respon-
tuinte nas prerrogativas conferidas ao Poder Le- sabilidade solidária.
gislativo. § 2º Qualquer cidadão, partido po-
O papel auxiliar desempenhado pelo TCU lítico, associação ou sindicato é parte
não obsta a independência funcional do Órgão, legítima para, na forma da lei, denunci-
assegurada constitucionalmente pela Lei Mai- ar irregularidades ou ilegalidades pe-
or. Na verdade, o Tribunal desempenha duas rante o Tribunal de Contas da União21
(art. 74 da Constituição Federal – des-
17
MEIRELLES (1991, p. 102 a 105). taques acrescidos).
18
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Dessarte, o texto reproduzido determina que
Extraordinário (RE) nº 55.821 – PR (1ª Turma, em
18.9.1967). Relator: Ministro Victor Nunes.
haverá avaliação de metas e programas, bem
www.stf.gov.br. como a avaliação dos resultados quanto à efi-
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 21
Há deficiência de natureza técnica legislativa
77.003 – PE. Relator: Ministro Marco Aurélio, em com respeito ao § 2º. Tal deficiência decorre do fato
16.6.1998. www.stf.gov.br. de o parágrafo não tratar de assunto relacionado ao
20
Conforme o caput do art. 44 da Constituição caput do artigo. Na verdade, tal parágrafo deveria ou
Federal, “O Poder Legislativo é exercido pelo Con- encabeçar artigo apartado, contendo definição exata
gresso Nacional, que se compõe da Câmara dos De- sobre o termo cidadão, ou integrar o artigo 71 da Lei
putados e do Senado Federal.” Maior.
26 Revista de Informação Legislativa
cácia e à eficiência da gestão orçamentária, fi- § 1º O controle externo da Câmara
nanceira e patrimonial. Além disso, todos os Municipal será exercido com o auxílio dos
bens e direitos, assim como os créditos, avais e Tribunais de Contas dos Estados ou do
garantias serão controlados (uma das formas Município ou dos Conselhos ou Tribu-
de controle é o registro contábil, seja por meio nais de Contas dos Municípios, onde
das contas do sistema financeiro ou patrimoni- houver.
al, seja pelas contas do sistema de compensa- § 2º O parecer prévio, emitido pelo
ção). Qualquer irregularidade ou ilegalidade de- órgão competente, sobre as contas que o
verá ser comunicada aos tribunais de contas, Prefeito deve anualmente prestar, só dei-
em prol do apoio ao controle externo. xarão de prevalecer por decisão de dois
Para as finalidades do atual estudo, basta terços dos membros da Câmara Munici-
entender o conceito de eficiência como a rela- pal.
ção entre os produtos e os recursos consumi- § 3º As contas dos Municípios fica-
dos pelo sistema, enquanto eficácia revela o rão, durante sessenta dias, anualmente
grau com que os objetivos propostos foram atin- à disposição de qualquer contribuinte,
gidos. Dessa forma, a avaliação sobre a efetivi- para exame e apreciação, o qual pode-
dade – alcance social das ações governamen- rá questionar-lhes a legitimidade, nos
tais – deixou de encontrar respaldo direto no termos da lei.
texto constitucional22.
§ 4º É vedada a criação de tribunais,
Além da esfera federal, a Lei Maior cuida Conselhos ou órgãos de contas munici-
das esferas estaduais e municipais. A autono- pais” (art. 31 da Constituição Federal –
mia político-administrativa da União, dos Esta- grifo acrescido).
dos, do Distrito Federal e dos Municípios en- Figura oportuno tecer algumas considera-
contra limites nos termos constitucionais23. Por ções sobre o alcance das contas prestadas pe-
força do art. 75 da Constituição Federal, as nor- los titulares do Poder Executivo. A diferença
mas referentes à Seção IX – Da fiscalização entre as expressões contas do Presidente da
contábil, financeira e orçamentária do Capí- República, contas prestadas pelo Presidente
tulo I – Do Poder Legislativo do Título IV – Da da República e contas do Governo vai além da
organização dos poderes aplicam-se, no que mera formalidade.
couberem, à organização, à composição e à fis-
calização dos Tribunais de Contas dos Estados Se as contas prestadas abarcarem só a res-
e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e ponsabilidade do Presidente, as contas do res-
Conselhos de Contas dos Municípios. tante da Administração deixam de influir nas
A Constituição tampouco esclarece o sujei- contas presidenciais. Como titular do Poder Exe-
to das contas, quando trata das prestações con- cutivo (e Chefe da Administração), além dos
cernentes aos territórios (equiparados a autar- aspectos pertinentes à consolidação das demais
quias federais pela doutrina), estados e muni- contas – seu conteúdo e formato – e à solidari-
cípios. Enquanto “as contas do Governo de Ter- edade advinda de ação ou omissão, há inde-
ritório serão submetidas ao Congresso Nacio- pendência das contas presidenciais com respei-
nal, com parecer prévio do Tribunal de Contas to ao controlador externo – Poder Legislativo24.
da União” (§ 2º do art. 33 da Constituição Fede- Em sendo contas do Governo, tal independên-
ral – grifo acrescido), o peculiar pacto federati- cia é questionável, uma vez que há interesse
vo nacional – singular em virtude da inclusão próprio no julgamento das contas. Constata-se
dos municípios – determina que: que a Lei Maior assumiu um posicionamento
“A fiscalização do Município será ambíguo sobre o conteúdo e formato das con-
exercida pelo Poder Legislativo munici- tas, uma vez que deixou de esclarecer a quem
pal, mediante controle externo, e pelos elas se referem.
sistemas de controle interno do Poder
Executivo municipal, na forma da lei. Conforme o inciso X do art. 49 da Lei Maior,
é da competência exclusiva do Congresso
22
Para maior detalhamento, recomenda-se a leitu- Nacional “julgar anualmente as contas presta-
ra dos verbetes respectivos no Dicionário de Orça- 24
Segundo o art. 84 da Constituição Federal, a
mento, Planejamento e Áreas Afins, de autoria de titularidade do Poder Executivo e o exercício da admi-
SANCHES (1997). nistração superior da Administração Federal são atri-
23
Conforme o caput do art. 18 da Lei Maior. buições exclusivas do Presidente da República.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 27
das pelo Presidente da República e apreciar os Executivo. Isso ocorre em virtude de a execução
relatórios sobre a execução dos planos de go- dos programas governamentais existir nos três
verno”. Atente-se para a existência de dois ver- Poderes. Dessa maneira, o Congresso Nacio-
bos, ou seja, duas ações diferentes: julgar e apre- nal, que também é governo e o responsável últi-
ciar. O julgamento e a apreciação ocorrem sobre mo pelas políticas públicas, verifica a adequa-
objetos distintos: no primeiro caso, versa sobre ção do planejamento governamental, aprovado
as contas; no segundo, os planos de governo. para os três Poderes. Por conseguinte, descabe
A visão sistêmica sobre quem é o sujeito o julgamento dos relatórios sobre a execução
das contas perpassa também o exame dos inci- dos planos de governo, mas tão-só a sua apre-
sos V e X do art. 49, já transcritos, que cuidam ciação. Seria despropositado supor que o Con-
das competências exclusivas do Congresso em gresso entendesse irregulares as próprias con-
fiscalizar e controlar os atos do Poder Executi- tas.
vo. No plano constitucional, “O Poder Executi- É mister não olvidar que é político o julga-
vo é exercido pelo Presidente da República, au- mento das contas do Poder Executivo pelo Po-
xiliado pelos Ministros de Estado” (art. 76 da der Legislativo. Sendo político, o Poder Legis-
Lei Maior). lativo não julga as contas do Poder Judiciário,
mas tão-só daquele Poder cujo titular, coinci-
Em face da separação de Poderes, elevada à dentemente, é o Presidente da República.
condição de cláusula pétrea, e das atribuições
do Congresso Nacional, figura sustentável a Esse entendimento do julgamento das con-
posição de que as contas prestadas pelo Presi- tas e da apreciação dos relatórios sobre a exe-
dente da República representam as contas do cução dos planos compatibiliza as várias atri-
Poder Executivo em face do Poder Legislativo. buições dos Poderes com o conceito de segre-
Se, por um lado, tais contas são peças políticas, gação de funções, tão caro ao controle e enca-
concernentes ao plano de governo e às políti- recido pelo art. 3º da Lei Maior. Ou seja, o Poder
cas públicas, porquanto envolvem escolha de Legislativo julga as contas do Poder Executivo
alternativas, por outro também são contas téc- e, concomitantemente, aprecia os resultados da
nicas, sujeitas à verificação de conformidade. O implementação dos planos pelos quais é res-
parecer sobre essas contas pode classificar-se, ponsável.
segundo a natureza da opinião que contém, em: Assim, o Poder Legislativo discute, modifi-
sem ressalva; com ressalva; adverso; com abs- ca e aprova o planejamento oriundo do Poder
tenção de opinião25. Executivo. Este realiza ou executa tal planeja-
Conforme dispositivos constitucionais já re- mento. O Poder Judiciário (assim como o Tribu-
feridos (arts 2º e 60, § 4º, da Constituição Fede- nal de Contas da União e o Ministério Público)
ral), o sistema de checks and balances não é audita e o Poder Legislativo controla, com o fito
passível de ser alterado pelo constituinte deri- de aprimorar seu planejamento. Esse é um mo-
vado. Vale recordar, também, que a interpreta- delo singelo e ideal, mas que ajuda a compreen-
ção constitucional deve prestigiar entendimen- der as responsabilidades administrativas das
tos que compatibilizem normas anteriores. No instituições e dos agentes públicos. Na verda-
caso específico do controle externo, a Lei nº de, todos os poderes executam parte dos pla-
4.320, de 17 de março de 1964, preconiza que “o nos e programas governamentais. Tanto é as-
Poder Executivo, anualmente, prestará contas sim que todos partilham do mesmo orçamento,
ao Poder Legislativo, nos prazos estabelecidos significando que todos são responsáveis pela
nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos consecução das políticas públicas26.
Municípios” (caput do art. 81). Ora, isso não é
incompatível com os termos constitucionais. 26
É possível visualizar as competências caracte-
Tais contas, por motivos de conveniência e rísticas dos três Poderes nas funções organizacionais
oportunidade, incorporam informações concer- – ou ciclo PDCA: Plan, Do, Control ou Check e
nentes aos outros Poderes, sem elidir seu cará- Audit ou Act (planejamento, execução, controle ou
verificação e auditoria ou atuação corretiva) – utiliza-
ter precípuo de julgamento das contas do Poder das no gerenciamento de rotina, conforme referido
por GIL (1994, p. 52) e ELY, Neiva Helena & KRAU-
25
Item 11.3.1.9 da NBC T 11 – Normas de audi- SE, Ângela Alice Novelli, em A busca da qualidade
toria independente das demonstrações contábeis, total no atendimento ao cliente da questão de re-
aprovada pela Resolução CFC nº 700, de 24 de abril ferência (HTTP://www.biblioteca.ufrgs.br/arb/
de 1991, do Conselho Federal de Contabilidade. 19_neiva.htm).
28 Revista de Informação Legislativa
No contexto de julgamento de contas e apre- Câmara dos Deputados, “dispõe sobre a nome-
ciação dos relatórios de execução dos planos ação de Ministros do Tribunal de Contas da
governamentais, o parecer prévio do Tribunal União e dá outras providências”27. Tal proposi-
de Contas deixa de subsistir – explicitamente ção refere concurso público, com participação
no caso dos municípios e implicitamente nas da Ordem dos Advogados do Brasil e outros
demais esferas – ante a votação por quórum Conselhos profissionais.
qualificado do Poder Legislativo. Isso ressalta Outro argumento para evidenciar o caráter
o caráter subserviente dos aspectos técnicos eminentemente técnico das atividades da Corte
em relação às políticas, quando do julgamento de Contas decorre da seção que trata do Tribu-
das contas do titular do Poder Executivo e da nal de Contas. Tal seção insere-se no capítulo
Administração Federal. do Poder Legislativo, exercido pelo Congresso
Existem questionamentos sobre o caráter Nacional. Essa perspectiva é reforçada pela ti-
político que assumem as decisões dos Tribu- tularidade do controle externo atribuída ao Con-
nais de Contas. Para muitos, tais decisões de- gresso. Dessa maneira, a existência constitucio-
veriam ser estritamente técnicas, em outras pa- nal do Tribunal de Contas se justifica pelo auxí-
lavras, de conformidade estrita à lei e com inter- lio que deve prestar ao titular do poder-dever
pretações basicamente literais. No entanto, os de fiscalização, em lugar do mero julgamento de
Ministros do TCU (e, por conseguinte, os Con- contas. Nessa linha, existem correntes mais ra-
selheiros dos tribunais de contas estaduais e dicais, que propugnam a transformação do mo-
municipais) são agentes públicos escolhidos delo de tribunal de contas em controladoria.
pelo Congresso Nacional e pelo Presidente da Nem só os tribunais de contas são alvos de
República. Ainda que tenham “... as mesmas novas proposições legislativas no sentido des-
garantias, prerrogativas, impedimentos, venci- ses aperfeiçoamentos. É o caso, por exemplo,
mentos e vantagens dos Ministros do Superior da PEC nº 00460, de 4 de setembro de 1997, ora
Tribunal de Justiça...” (§ 3º do art. 73 da Cons- tramitando na Câmara dos Deputados, cujo ob-
tituição Federal), a escolha dos membros do jetivo é criar o cargo de controlador geral da
TCU não segue os mesmos critérios observa- União e estabelecer o órgão central do sistema
dos para apontar aqueles ministros. de controle interno da administração pública.
Recorda-se que aos juízes é vedado, entre Estaria criada, assim, a Controladoria Geral da
outras proibições, dedicarem-se a atividade po- União28.
lítico-partidária. Assim, tais garantias e exigên- Embora o exame das contas mereça desta-
cias visam a respaldar independência com res- que, a competência do Tribunal e a importância
peito ao julgamento dos processos, em home- do parecer prévio não se esgotam na qualifica-
nagem às funções de estado. Dessarte, há con- ção sugerida para as contas prestadas pelo titu-
dições para que os juízes e membros dos tribu- lar do Poder Executivo. Cumpre ao Tribunal, tam-
nais de contas sejam agentes políticos em rela- bém, alertar o titular do controle externo com
ção ao Estado, decidindo para o longo prazo, respeito à efetividade das ações planejadas e
em lugar de serem políticos quanto ao governo, implementadas pelo conjunto do setor público
ou seja, preocupados com decisões de curto numa determinada esfera de governo, os desvi-
prazo. Tais características, no entanto, apresen- os verificados, bem como a forma de saná-los.
tam-se insuficientes, tanto para aqueles que pre-
tendem um controle externo do Poder Judiciá- Quanto ao controle social, nesse estreito cir-
rio, quanto para os que desejam a despolitiza- cuito de que fazem parte o Poder Legislativo,
ção dos tribunais de contas. Executivo e Judiciário, o legítimo titular do po-
der – o povo – tem apenas a capacidade de
Nesse particular, existem correntes que en- iniciativa, mormente a iniciativa de eleger seus
tendem que o caráter técnico dos tribunais de representantes junto ao Poder Legislativo e ao
contas tem sido prejudicado pelas escolhas po- Poder Executivo. No tocante à iniciativa de con-
líticas para os cargos de ministros ou conse- trole, as menções ao controle popular direto di-
lheiros. Dessa forma, defendem mudanças na zem respeito ao questionamento da legitimida-
forma de indicação dos ministros e no funcio- de das contas municipais por qualquer con-
namento desses órgãos, como forma de despo-
litizar as respectivas decisões. Em realidade, a 27
De autoria do Deputado MARCONI PERILLO.
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 28
De autoria do Deputado AUGUSTO NARDES
35, de 23 de março de 1995, ora tramitando na E OUTROS.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 29
tribuinte e à denúncia de irregularidades ou ile- gestores já se tornaram inelegíveis por irregula-
galidades perante o Tribunal de Contas da União ridade das contas?
por qualquer cidadão, partido político, associ- Há que se recordar: existem os usuários in-
ação ou sindicato. Da mesma forma, qualquer ternos e externos das informações relativas à
cidadão é parte legítima para propor ação po- gestão da coisa pública. O processo formal de
pular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio prestação de contas destina-se ao usuário in-
público ou de entidade de que o Estado partici- terno. Embora existam alguns instrumentos for-
pe e à moralidade administrativa29. mais para a accountability voltada ao usuário
O art. 31, § 3º, da Constituição Federal não é externo, tais instrumentos revelam-se pratica-
suficientemente claro. Quem é o contribuinte que mente inoperantes. Talvez as inovações intro-
pode questionar a legitimidade das contas mu- duzidas pela Emenda Constitucional nº 19/98,
nicipais? Deve ser morador do município? Pode em particular no tocante às avaliações, propici-
ser alguém incapaz, considerando os termos do em que a contabilidade pública atinja novos
Código Civil? Também o art. 74, § 2º, da Consti- patamares de relevância social como instrumen-
tuição Federal carece de reparos. Quem é esse to de evidenciação.
cidadão capaz de denunciar? Será tão-só alguém Com efeito, além daquelas inovações já re-
no pleno gozo dos seus direitos políticos? Deve feridas, o Congresso Nacional ficou imcumbido
apresentar o título de eleitor e estar em dia com de , dentro de cento e vinte dias da promulga-
suas obrigações eleitorais? Por fim, recorda-se ção da Emenda, elaborar lei de defesa do usuá-
o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, rio de serviços públicos. Resta evidente, pelos
que retoma a expressão cidadão, já comentada. termos utilizados e pela fixação de prazo, a re-
Todavia, há um abrandamento desses con- levância do papel do consumidor de serviços
ceitos, no caso das Comissões do Congresso e públicos no novo desenho de Estado que o cons-
das suas Casas, uma vez que é qualquer pes- tituinte derivado evidenciou na Lei Maior. A par
soa que pode oferecer petição, reclamação, re- desse papel, cabe aos instrumentos de accoun-
presentação ou queixa contra atos ou omissões tability suprir as demandas por informações.
das autoridades ou entidades públicas30. Dessa A identificação do usuário da informação
maneira, configura-se maior facilidade no ofere- contábil governamental é da mais alta relevân-
cimento de contestações ou denúncias junto cia. A Lei Maior afirma que “é assegurado a
ao Poder Legislativo, inobstante a ausência de todos o acesso à informação e resguardado o
intervenção direta do povo na continuação do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
processo. profissional” (inciso XIV do art. 5º da Consti-
Em outras palavras, cumprem-se as obriga- tuição Federal). Cumpre destacar que o Conse-
ções relativas ao controle governamental no seio lho Federal de Contabilidade, por meio da Reso-
de um circuito relativamente restrito, uma vez lução nº 774/94, reconhece que os usuários da
que não é qualquer popular que pode manifes- Contabilidade
tar sua discordância quanto às contas apresen- “tanto podem ser internos como externos
tadas, mas tão-só o contribuinte ou cidadão. e, mais ainda, com interesses diversifica-
Em realidade, o povo somente intervém direta- dos, razão pela qual as informações gera-
mente no período eleitoral, que, no momento, das pela Entidade devem ser amplas e fi-
corresponde a um ciclo de quatro anos. Ade- dedignas e, pelo menos, suficientes para
mais, em tal processo decisório, o produto da a avaliação da sua situação patrimonial e
contabilidade mostra-se irrelevante. Quantos das mutações sofridas pelo seu patrimô-
29
nio, permitindo a realização de inferênci-
Vale transcrever as palavras de FERREIRA FI- as sobre o seu futuro”.
LHO (1990), quando comenta o direito de petição
manifesto pelo art. 5º, XXXIV, da Lei Maior: “O
direito de petição, ou de representação,... tem uma
importância apenas psicológica. Serve apenas para 4. A prestação de contas
permitir que o indivíduo sinta participar da gestão do A importância da prestação de contas pode
interesse público, insurgindo-se contra os abusos de
quaisquer autoridades e reclamando seu castigo. No
ser dimensionada pelas seguintes prescrições
fundo, as petições não têm valor prático” (pág. 275). constitucionais:
30
Conforme o art. 58, § 2º, inciso IV, da Consti- “a União não intervirá nos Estados nem
tuição Federal. no Distrito Federal, exceto para... asse-
30 Revista de Informação Legislativa
gurar a observância dos seguintes prin- Nacional dentro de sessenta dias após a aber-
cípios constitucionais... prestação de tura da sessão legislativa (art. 51, III, da Consti-
contas da administração pública, direta e tuição Federal). A Câmara dos Deputados, por
indireta...” (alínea d do inciso VII do art. sua vez, compõe-se de representantes do povo,
34 da Constituição Federal grifos acres- ao passo que o Senado Federal compõe-se de
cidos); “O Estado não intervirá em seus representantes dos Estados e do Distrito Fede-
Municípios, nem a União nos Municípi- ral (arts. 45 e 46 da Constituição). Dessarte, fica
os localizados em Território Federal, ex- patente o vínculo entre os representantes do
ceto quando... não forem prestadas con- povo e o titular do Poder Executivo.
tas devidas, na forma da lei...” (inciso II A periodicidade anual da apresentação e,
do art. 35 da Constituição Federal grifo quiçá, do respectivo julgamento das contas,
acrescido). bem como a anualidade orçamentária, reflete o
Enfim, a consideração da Lei Maior elevou a caráter limitado e temporário do mandato go-
prestação de contas a princípio constitucional vernamental. Tal caráter é fruto, por sua vez, da
explícito. forma republicana adotada pela Constituição e
Acrescente-se ao exposto os casos de cri- inafastável pelo constituinte derivado, porquan-
me de responsabilidade do Presidente da Repú- to inscrita como cláusula imutável. Atente-se
blica, ou seja, os atos que atentem contra a Cons- que esse período é idêntico àquele do orçamen-
tituição, entre os quais o constituinte mencio- to. Isso faz sentido quando se compreende o
nou: a existência da União; o livre exercício dos orçamento público como a forma de objetivar a
Poderes constitucionais das unidades da Fede- realização dos planos governamentais. Dessar-
ração; o exercício dos direitos políticos, indivi- te, o ciclo das contas acompanha (ou deveria
duais e sociais; a segurança interna do País; a acompanhar) o ciclo do plano a cumprir. Ali-
probidade na administração; a lei orçamentária; o ás, tal característica identifica também o perío-
cumprimento das leis e das decisões judiciais31. do de abrangência do plano plurianual, em que
pese o descompasso relativo ao primeiro ano
Prestar contas, na esfera federal, também é do mandato.
competência privativa e indelegável do Presi-
dente da República, cabendo-lhe “prestar, anu- Entre as funções reservadas ao Congresso,
almente, ao Congresso Nacional, dentro de o constituinte originário discriminou como com-
sessenta dias após a abertura da sessão legislati- petência de comissão mista permanente de Se-
va, as contas referentes ao exercício anterior” (in- nadores e Deputados, além da apreciação dos
ciso XXIV do art. 84 da Constituição Federal)32. projetos de lei dos planos plurianuais, das dire-
trizes orçamentárias, dos orçamentos anuais e
Se ao Presidente cumpre prestar contas, ao dos créditos adicionais, o exame e a emissão de
Congresso Nacional resta, entre outras atribui- parecer sobre as contas apresentadas anual-
ções exclusivas, “julgar anualmente as contas mente pelo Presidente da República33. Trata-se
prestadas pelo Presidente da República e apre- da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Pú-
ciar os relatórios sobre a execução dos planos blicos e Fiscalização – CMPOF, de que cuida a
de governo” (inciso IX do art. 49 da Constitui- Resolução do Congresso Nacional nº 02, de 15
ção Federal). Tal julgamento somente ocorre de setembro de 1995. Assim, após o pronuncia-
após o Tribunal de Contas da União “apreciar mento da Comissão, a matéria será apreciada e
as contas prestadas anualmente pelo Presiden- votada no Plenário do Congresso, com vistas
te da República, mediante parecer prévio, que ao término da sua tramitação.
deverá ser elaborado em sessenta dias a contar Existe, portanto, concentração de atribui-
de seu recebimento” (inciso I do art. 71 da Cons- ções relativas ao orçamento e à fiscalização pela
tituição Federal). Nesse particular, é competên- CMPOF. Isso é justificado pelo ciclo de contro-
cia privativa da Câmara dos Deputados proce- le, ou seja, verificar a adequação orçamentária.
der à tomada de contas do Presidente da Repú- Também existe a superposição de tarefas con-
blica, quando não apresentadas ao Congresso cernentes à fiscalização e ao controle em rela-
ção às comissões de fiscalização e controle das
31
Conforme o art. 85 da Constituição Federal. duas Casas. Ainda que a abundância aparente-
32
Nos termos do caput do art. 57 da Constituição mente não prejudique, seria cabível proposição
Federal, “O Congresso Nacional reunir-se-á, anual-
33
mente, na Capital Federal, de 15 de fevereiro a 30 de Conforme o art. 166, § 1º, da Constituição Fe-
junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro”. deral.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 31
no sentido de constituírem-se duas comissões O patrimônio público recebeu pouca aten-
mistas permanentes: uma afeta às matérias es- ção por parte do constituinte originário. Aliás, é
tritamente orçamentárias; outra, à fiscalização e significativo que existam tão poucas menções à
controle. evidenciação do patrimônio público no texto
Até a Constituição de 1988, a comissão mis- constitucional, tendo em vista que o objeto da
ta encarregada do exame da peça orçamentária contabilidade é o patrimônio e suas variações.
era temporária. A princípio, a perenidade da Co- Em realidade, o constituinte originário prescre-
missão Mista configura-se como um avanço. To- veu como bens da União aqueles discriminados
davia, por força das mazelas ocorridas em 1993, pelo art. 20, enquanto são bens dos estados
identificadas pela CPI do Orçamento, decidiu- aqueles prescritos pelo art. 26 da Lei Maior.
se pela permanência dos membros da Comissão Contudo, não existe obrigatoriedade na di-
por períodos relativamente exíguos. Isso tem vulgação de informações sobre o patrimônio
dificultado que os parlamentares aperfeiçoem- (dados de estoque). Isso contrasta com o de-
se nas matérias relativas aos planos, orçamen- mandado para a receita e a despesa (dados
tos públicos e fiscalização, caso não detenham de fluxo). Ainda assim, o objetivo da Conta-
conhecimentos anteriores. bilidade, como postulado pelos Princípios
Destaca-se que o constituinte evitou os ter- Fundamentais, é evidenciar o patrimônio e as
mos exclusiva ou privativa quando cuidou de suas variações35.
descrever as competências da Comissão Mista
Permanente. Interpreta-se que isso ensejaria a 4.1. A receita
revisão pelo Plenário das decisões da Comis-
são. A mesma observação vale para as deci- O tratamento constitucional da receita en-
sões do órgão auxiliar do Congresso Nacional, contra guarida no capítulo relativo ao Sistema
o Tribunal de Contas da União, não fosse a sua Tributário Nacional36. Ao preconizar as compe-
Lei Orgânica34. Considerando a titularidade do tências de cada esfera político-administrativa
Controle Externo pelo Congresso Nacional e a para a instituição e cobrança de tributos, o cons-
falta de exclusividade constitucional na atribui- tituinte preocupou-se também com a repartição
ção de julgar contas conferida ao Tribunal, nada das receitas tributárias. Quanto à repartição das
impede projeto de lei que proponha a revisão receitas tributárias, a emenda constitucional re-
das decisões daquele órgão auxiliar pelo titular lativa ao Fundo Social de Emergência (ou Fun-
do controle externo. do de Estabilização Fiscal) promoveu uma re-
distribuição dos recursos arrecadados entre as
Cumpre ressaltar que o constituinte elegeu várias esferas político-administrativas com o
outras formas de controle além do referente ao expresso “objetivo de saneamento financeiro da
processo anual. Para viabilizar um controle mais Fazenda Pública Federal e de Estabilização Eco-
próximo, no tempo, dos eventos, a Lei Maior nômica”.
identifica uma série de dados que devem ser
evidenciados por meio de publicações. Tais da- Aliás, tais recursos deveriam ser aplicados
dos compõem, grosso modo, o fluxo de receitas prioritariamente nos custeios das ações de saú-
e despesas e não podem ser olvidados pela con- de, educação, benefícios previdenciários, auxí-
tabilidade, haja vista a importância que lhes foi lios assistenciais de prestação continuada, in-
concedida pela Constituição. clusive liquidação de passivo previdenciário e
despesas orçamentárias associadas a progra-
34
Trata-se, mais precisamente, dos arts. 4º e 6º
mas de relevante interesse econômico e social.
da Lei nº 8.443/92, que tem a seguinte redação: O constituinte derivado também fixou a obriga-
ção de o Poder Executivo publicar bimestralmen-
“Art. 4º O Tribunal de Contas da União tem te demonstrativo da execução orçamentária, dis-
jurisdição própria e privativa, em todo o território
nacional, sobre as pessoas e matérias sujeitas à sua
criminando as fontes e usos do Fundo (art. 71
competência. da Constituição Federal). Isso é interessante pela
evidente caráter de entidade que a União ado-
Art. 6º Estão sujeitas à tomada de contas e,
ressalvado o disposto no inciso XXXV do art. 5º da
tou, entidade essa em conflito com os erários
Constituição Federal [apreciação do Poder Judiciá- estaduais e municipais.
rio], só por decisão do Tribunal de Contas da União 35
podem ser liberadas dessa responsabilidade as pes- Resolução CFC nº 774/94, item 1.4.
36
soas indicadas nos incisos I a VI do art. 5º desta Lei” São os arts. 145 a 162, bem como o art. 195 da
(colchetes nossos). Lei Maior.
32 Revista de Informação Legislativa
O disposto no art. 162 da Constituição é de de, especialmente pela carência de evidencia-
particular interesse para a transparência das con- ção do montante que poderia ser efetivamente
tas públicas, porquanto determina a divulgação, arrecadado. Por outro lado, mesmo o relatório
por fontes tem seus problemas, quando associ-
“até o último dia do mês subseqüente ao ado à despesa38.
da arrecadação, os montantes de cada um
dos tributos arrecadados, os recursos Em suma, o Congresso Nacional deixa de
recebidos, os valores de origem tributá- antecipar o efeito concreto da gestão pública,
ria entregues e a entregar e a expressão caso só observe um dos lados da equação (o da
numérica dos critérios de rateio”, discri- despesa, no caso). O domínio da receita, sob a
minados por estado e por município37. ótica do controle das finanças públicas, ainda
carece de melhores instrumentos de acompa-
A atividade arrecadatória, que, em tempos nhamento, porquanto ausente o caráter tempo-
idos, respondia à despesa, tornou-se autônoma rário e cíclico que permeia o conceito de repú-
daquela. Tanto é assim que a receita orçamentá- blica. Atente-se que o dispositivo que preconi-
ria, hoje, é mera estimativa para fazer face à des- za demonstrativo regionalizado do efeito, sobre
pesa fixada (ou autorizada). as receitas e despesas, das isenções, anistias,
Essa autonomia da receita apresenta um de- remissões, subsídios e benefícios de natureza
safio para as políticas públicas, mormente no financeira, tributária e creditícia para acompa-
tocante à renúncia fiscal, a par da denominada nhar projeto de lei orçamentária detém tão-só
elisão fiscal. Atente-se que atividade estatal é caráter informativo39. Sobre esse demonstrati-
redistributiva de renda. Assim, quando uma re- vo pairam muitas divergências, a começar pela
gião qualquer contribui proporcionalmente me- definição do que sejam tais isenções, anistias,
nos do que outra, está sendo beneficiada. remissões, subsídios e benefícios.
O governo é submetido a renovação de qua-
Como não há mais necessidade de renova- tro em quatro anos, ao passo que o orçamento
ção anual da concordância do Poder Legislati- (lado da despesa) e a prestação de contas são
vo para que se efetuem as arrecadações com- anuais. Os impostos, entretanto, vigoram en-
pulsórias, as reavaliações periódicas sobre os quanto a lei não for alterada, sendo que a lei tem
impactos sociais da arrecadação e da renúncia duração indefinida. Retirou-se da receita deri-
deixam de existir ou se minimizam. A receita, vada a necessidade de revisão periódica que
comportando-se de forma incremental e promo- existe nos demais elementos da república.
vendo o sentimento de perpetuidade, contra-
põe-se à concepção de orçamento-programa. Em 4.2. Os orçamentos
última análise, a falta de periodicidade para a
revisão dos tributos dificulta a percepção do al- No capítulo relativo às finanças públicas, o
cance social das políticas públicas concernentes constituinte reservou uma seção para os orça-
à escolha das fontes ou origens de recursos. mentos. Interessa discorrer brevemente sobre
esse assunto em virtude de considerações pos-
Parte dessa dificuldade é superada pela uti- teriores. Na verdade, são três artigos do maior
lização das fontes de recursos, que são discri- interesse para os que militam na contabilidade
minadas segundo a vinculação das receitas aos governamental. Vale destacar que a competên-
gastos. Entretanto, isso não é suficiente. O efei- cia para legislar sobre direito tributário, finan-
to distributivo das isenções e renúncias repre- ceiro e econômico, assim como sobre orçamen-
senta, por um lado, desafio para a contabilida- to é concorrente: tanto a União quanto os esta-
37
dos e o Distrito Federal podem fazê-lo40. Dessa
Esse relatório tem grande importância, como se
deflui da seguinte passagem: “A arrecadação do... no 38
primeiro mês do ano está envolta em mistério. A É o que se depreende do exame da Portaria STN
portaria assinada pelo secretário... no Diário Oficial nº 82, de 4.3.98, publicada no DOU — Seção 1 — de
de... informa uma arrecadação tributária de somen- 5.3.98, p. 79 a 90. Segundo a Demonstração da Exe-
te..., quando ela, no mesmo mês do ano passado foi cução da Despesas por Fonte de Recurso — Contri-
de... Por que o... não divulgou os dados reais, publi- buição Social p/ Financiamento da Seguridade Social,
cando apenas um resultado equivalente a menos de a dotação anual, ao final do exercício, foi de R$
1% da realidade? Talvez porque, como foi divulgado, 15.652.005 mil, enquanto a execução correspondeu a
o caixa ‘registrou’ um déficit de... Com os lançamen- R$ 18.562.088 mil.
39
tos corretos, esse resultado se transforma em um sal- Conforme art. 165, § 6º, da Constituição Federal.
40
do de...” (itálico acrescido, destaque no original: Art. 24 da Constituição Federal. Recorda-se que,
DUBEUX, 1998, p. 6). ainda assim, existem tributos municipais.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 33
forma, a competência da União limitar-se-á a es- Nesse contexto, a seguridade será financia-
tabelecer normas gerais, não excluindo a com- da por toda a sociedade, mediante recursos pro-
petência suplementar dos estados. O dispositi- venientes dos orçamentos da União, dos Esta-
vo não mencionou municípios. dos, do Distrito Federal e dos Municípios e das
Entremeios, destaca-se o dispositivo que contribuições sociais (caput do art. 195).
atribui à lei complementar dispor sobre o exercí- Na verdade, o constituinte determinou que
cio financeiro, as vigências, os prazos, a elabo- as receitas dos Estados, do Distrito Federal e
ração e a organização do plano plurianual, da lei dos Municípios destinadas à seguridade social
de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária constem dos respectivos orçamentos, não inte-
anual, bem como o estabelecimento de normas grando o orçamento da União. Ademais, a pro-
de gestão financeira e patrimonial da Adminis- posta de orçamento da seguridade social será
tração, além das condições para a instituição e elaborada de forma integrada pelos órgãos res-
funcionamento de fundos41. Atualmente, tais ponsáveis pela saúde, previdência social e as-
funções vem sendo preenchidas pela Lei nº sistência social, tendo em vista as metas e prio-
4.320/64. O Projeto de Lei Complementar nº 135, ridades estabelecidas na lei de diretrizes orça-
de 12 de dezembro de 1996, da Comissão Mista, mentárias. A formulação de uma proposta única
ora em tramitação na Câmara dos Deputados, figura desconcertante, em face da autonomia da
visa a suprir plenamente a demanda constitucio- gestão dos recursos.
nal ora atendida pela Lei nº 4.320/64. Os orçamentos, mais do que a parte visível
O art. 165 da Constituição Federal fixou três das despesas públicas, representam (ou deveri-
instrumentos legais de planejamento, todos de am) o planejamento das despesas públicas, em
iniciativa do Poder Executivo: o plano plurianu- obediência ao plano governamental. Tal plane-
al; as diretrizes orçamentárias; os orçamentos jamento deve obediência aos limites e objetivos
anuais. A lei que instituir o plano plurianual es- já fixados para o estado, qualquer que seja a
tabelecerá, por região, diretrizes, objetivos e plataforma de governo. Assim é que o Presi-
metas da Administração para as despesas de dente da República, ao tomar posse, prestará o
capital e delas decorrentes, assim como para os compromisso de manter, defender e cumprir a
programas de duração continuada. A lei de di- Constituição, nos termos do art. 78 da Lei Mai-
retrizes orçamentárias compreenderá metas e pri- or. Esse compromisso antecede a possibilidade
oridades da Administração para o exercício fi- de implementação da plataforma, ideário ou
nanceiro subseqüente e orientará a elaboração agenda que lhe permitiu elevar-se ao poder.
da lei orçamentária anual, entre outros conteú- Tal observância não prejudica as iniciativas
dos. A lei orçamentária anual compreenderá o exclusivas de projetos de leis. Antes as respal-
orçamento fiscal, o orçamento de investimento da, porquanto é o titular do Poder Executivo
das empresas estatais e o orçamento da seguri- quem decide o momento ou o conteúdo da dis-
dade social. Além disso, o Poder Executivo pu- cussão inicial. Tal entendimento encontra su-
blicará, até trinta dias após o encerramento de porte nos prazos conferidos para o exercício da
cada bimestre, relatório resumido da execução competência privativa do Presidente da Repú-
orçamentária42. blica em enviar ao Congresso Nacional a pres-
Vale recordar a definição constitucional de tação de contas, o plano plurianual, o projeto
seguridade social: de diretrizes orçamentárias e as propostas de
“conjunto integrado de ações de iniciati- orçamento previstas pela Constituição43. Tal
va dos poderes públicos e da sociedade, competência é reafirmada pelo art. 165 da Cons-
destinadas a assegurar os direitos relati- tituição Federal.
vos à saúde, à previdência e à assistên- O constituinte preocupou-se também com a
cia social” (caput do art. 194 da Consti- integração entre os vários instrumentos das fi-
tuição Federal). nanças públicas. Assim, emendas ao projeto de
lei orçamentária anual ou aos projetos que o
41
Segundo o disposto no art. 165, § 9º, da Cons-
tituição Federal. 43
Arts. 84, incisos XXIII (combinado com o art.
42
Esses Relatórios têm sido regulamentados pe- 35, § 2º, do ADCT) e XXIV, da Lei Maior. Atente-se
las sucessivas leis de diretrizes orçamentárias, mas para o uso do termo até. No caso de o prazo para a
publicados ao bel-prazer do Poder Executivo, como prestação de contas deixar de ser atendido, as contas
já se observou na referência ao Correio Braziliense e serão tomadas exclusivamente pela Câmara dos
à Portaria STN nº 82/98. Deputados.
34 Revista de Informação Legislativa
modifiquem somente podem ser aprovadas caso deste46. Sem dúvida, a evidenciação com fulcro
sejam compatíveis com o plano plurianual e com nesses critérios é mais fácil do que aquela cor-
a lei de diretrizes orçamentárias; as emendas ao respondente ao ensino. Mas, qual será o real
projeto de lei de diretrizes orçamentárias não custo de oportunidade de aplicação desses re-
serão aprovadas quando incompatíveis com o cursos e o alcance social do atual cumprimento
plano plurianual. Ademais, os planos e progra- dessas disposições? Com certeza, a contabili-
mas nacionais, regionais e setoriais serão ela- dade ganharia em relevância se respondesse tais
borados em consonância com o plano plurianu- questionamentos
al e apreciados pelo Congresso Nacional.
Ao lado de outros instrumentos de políticas 5. Consolidação da perspectiva
públicas, também o orçamento fiscal e o orça- constitucional sobre accountability e
mento de investimento das estatais, compatibi- contabilidade
lizados com o plano plurianual, têm a função de
reduzir desigualdades inter-regionais, segundo Constam como objetivos fundamentais da
critério populacional, sem prejuízo de outras República Federativa do Brasil a construção de
funções. Tal disposição deveria ser cumprida uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia
de forma progressiva no prazo de até dez anos, do desenvolvimento nacional; a erradicação da
distribuindo-se os recursos entre as regiões pobreza e marginalização e a redução das desi-
macroeconômicas em razão proporcional à po- gualdades sociais e regionais; a promoção do
pulação, a partir do quadro verificado no perío- bem de todos, sem preconceitos47.
do de 1986 a 198744. Como ficaria o registro dis- Nesse mister, cabe ao Congresso Nacional
so na contabilidade? dispor, com a sanção do Presidente da Repúbli-
Considerando que a União deve aplicar, anu- ca, sobre todas as matérias de competência da
almente, nunca menos de dezoito e os Estados, União. Especial destaque receberam o sistema
o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco tributário, a arrecadação e distribuição de ren-
por cento, no mínimo, da receita resultante de das, o plano plurianual, as diretrizes orçamentá-
impostos, compreendidas as transferências, na rias, o orçamento anual, as operações de crédi-
manutenção e desenvolvimento do ensino, cum- to, a dívida pública e as emissões de curso for-
pre à contabilidade também evidenciar o fiel çado, além dos planos e programas nacionais,
cumprimento do dispositivo45. regionais e setoriais de desenvolvimento. Tais
instrumentos devem atender aos objetivos fun-
Novas dificuldades ocorrem quando se pre- damentais da República, reservando-se à con-
tende assegurar a distribuição dos recursos pú- tabilidade a finalidade de evidenciar em que
blicos com prioridade para as demandas do en- medida os compromissos do Estado estão sen-
sino obrigatório, nos termos do plano nacional do cumpridos pela execução governamental,
de educação. Aliás, no período de dez anos a mormente no que concerne à redução das desi-
contar de 1996, os Estados, o Distrito Federal e gualdades e ao desenvolvimento nacional.
os Municípios destinarão não menos de ses-
senta por cento desses recursos à manutenção Mesmo as participações do titular do Poder
e ao desenvolvimento do ensino fundamental, Executivo no processo legislativo, caracteriza-
visando à sua universalização e à remuneração das por iniciativas como a do veto, não elidem a
condizente do magistério (caput do art. 60 com competência congressual perante a Nação. Con-
a redação da Emenda Constitucional nº 14, de siderando que o veto presidencial pode ser re-
12 de setembro de 1996). jeitado em sessão conjunta pelo voto da maio-
ria absoluta de Deputados e Senadores, em es-
Quando cuidou da distribuição dos recur- crutínio secreto (art. 66, § 4º, da Constituição
sos, o constituinte determinou que, daqueles Federal), figura razoável afirmar ser de respon-
destinados à irrigação, vinte por cento cabem à sabilidade do Poder Legislativo a definição últi-
região Centro-Oeste e cinqüenta à Região Nor- ma das políticas públicas, ainda que a proposta
44
Conforme o caput do art. 35 do Ato das Dispo- seja do Executivo.
sições Constitucionais Transitórias, combinado com 46
o art. 165 da Constituição Federal. Conforme art. 42 do Ato das Disposições Cons-
45 titucionais Transitórias.
Segundo o caput do art. 212 da Constituição
47
Federal. Nos termos do art. 3º da Constituição Federal.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 35
O titular da iniciativa tem o poder de esco- o controle, o planejamento não pode efetivar as
lher o momento em que a regulamentação dos correções de rumo necessárias para sinalizar
interesses vinculados a certas matérias haverá adequadamente as políticas públicas, em preju-
de ser discutida. Mas são os parlamentos que, ízo da governabilidade.
votando as leis e os tributos, desenvolvem uma A visão formalista, predominante no con-
atitude de supervisão e controle em relação ao trole externo, figura superada ante considera-
governo. Daí resultou o princípio da responsa- ções de ordem operacional, financeira, patrimo-
bilidade política, sendo esse controle político nial e contábil, que se estendem para sistemas
talvez a principal contribuição parlamentar para além da esfera fiscal. Resulta daí a percepção da
o processo político. Para Ferreira Filho (1990, p. falta de conteúdo material daqueles termos, qua-
140), tal controle é desempenhado mais eficaz- lificadores da fiscalização e do controle externo.
mente nos regimes parlamentaristas; no presi- Basta verificar que o planejamento gover-
dencialismo, essa fiscalização seria menos efici- namental incorpora outros sistemas de recur-
ente. sos, além do estritamente orçamentário. Por
O estabelecimento das diretrizes e bases de exemplo, cita-se o Plano Brasil em Ação, que
planejamento do desenvolvimento nacional aglutina recursos de outras esferas político-ad-
equilibrado, que incorporará e compatibilizará ministrativas e recursos privados, em aparente
os planos nacionais e regionais de desenvolvi- afronta ao Princípio da Entidade. Esse contra-
mento, será estabelecido por lei. Nesse particu- ponto pode harmonizar-se pela compreensão de
lar, o Estado, como agente normativo e regula- que o sistema orçamentário limita-se à União,
dor da atividade econômica, exercerá as funções enquanto o planejamento governamental com-
de fiscalização, incentivo e planejamento, sen- preende os recursos disponíveis ao Estado.
do este determinante para o setor público e in- Há, também, aparente e inexplicável despre-
dicativo para o privado48. Entremeios, em face zo da contabilidade pública para com certas prá-
dos atributos das demonstrações contábeis, ticas de evidenciação do patrimônio, tais como
seria razoável supor que elas suportassem a a utilização de valores de saída ou de mercado.
demanda informativa e prospectiva com respei- É o caso dos bens patrimoniais registrados pelo
to ao direcionamento estatal. Todavia, é cons- valor de um centavo, tão-só para mantê-lo re-
tatável que isso não ocorre. gistrado. Tais práticas não demonstram os efei-
tos da gestão sobre o patrimônio, em prejuízo
Com efeito, o sistema contábil utilizado pela da publicidade e evidenciação das contas pú-
Administração Pública deixa de informar os blicas. Entram em cena, também, as externalida-
quantitativos físicos, impossibilitando a noção des e os custos de oportunidade, via de regra
de custo unitário. Como verificar a eficiência e a sem registro pela atual técnica contábil e caren-
eficácia sem o cotejamento entre os dados fi- tes de tratamento mais apurado pela teoria e prá-
nanceiros e físicos? A carência de dados sobre tica contábeis. É o caso, por exemplo, da água
o cumprimento das metas físicas inviabiliza a tratada. O papel da comunidade é determinar
verificação da economicidade, ou, em outras quem arca com o custo de tratamento: aquele
palavras, impossibilita o cumprimento da deter- que nela despeja os dejetos, na forma de filtros
minação constitucional. despoluentes; os consumidores diretos, na for-
Na perspectiva do usuário externo, ou seja, ma de tarifas e taxas; a comunidade como um
o povo, os tributos, mormente os impostos, são todo, na forma de impostos.
recolhidos independentemente da efetiva con- Outro exemplo de particular interesse repou-
traprestação dos serviços. O sistema de infor- sa na administração de fundos e recursos extra-
mações voltado para esse usuário precisaria orçamentários das entidades paraestatais (caso
evidenciar a efetiva contraprestação de bens e do sistema S – Senai, Sesi, etc – e dos conse-
serviços, de maneira a justificar eticamente o lhos de classe) e a administração de fundos (Fun-
recolhimento compulsório dos recursos. do de Garantia do Tempo de Serviço e parte do
No âmbito interno, também os destinatários atual Fundo de Participação PIS/PASEP e atual
das informações financeiras desacompanhadas Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT49).
das físicas padecem com a falta de relevância.
Sem os custos unitários, deixa de haver contro- 49
Recorda-se que, pelo menos quarenta por cen-
le efetivo e, por conseguinte, planejamento. Sem to do PIS/PASEP financiará programas de desenvol-
vimento econômico, por meio do Banco Nacional de
48
Consoante o art. 174, caput e § 1º, da Consti- Desenvolvimento Econômico, segundo prescreve o §
tuição Federal. 1º do art. 239 da Constituição Federal.
36 Revista de Informação Legislativa
Assim, os demonstrativos contábeis mos- Tampouco é demonstrativo gerencial, porquan-
tram-se inadequados para a função de eviden- to a formatação dos dados atende a aspectos
ciar o adequado uso dos recursos públicos em operacionais. Ainda assim, o atual PPA apre-
vista dos objetivos estatais e governamentais. senta-se melhor do que o anterior, no sentido de
Resta especular sobre as formas utilizadas pelo melhor evidenciar as intenções governamentais.
Estado e Governo brasileiros para exercer o pla- Em síntese, a contabilidade vem perdendo
nejamento na condição de determinativo para o relevância naquilo que seria seu objetivo precí-
setor público e indicativo para o setor privado. puo: indicar o estado atual e futuro das entida-
Afinal, também cumpre ao Estado brasileiro, des Estado e Governo (nas respectivas esfe-
como agente normativo e regulador da ativida- ras). Constata-se pouca visibilidade das discus-
de econômica, exercer as funções de fiscaliza- sões sobre accountability do setor público.
ção e incentivo50. Ademais, existe descumprimento formal e subs-
O primeiro passo para incrementar a relevân- tancial dos próprios ditames constitucionais
cia das demonstrações contábeis é reconhecer sobre evidenciação, em que pese a preocupa-
as suas limitações. É imprescindível observar a ção dos sistemas de controle quanto aos as-
distinção, efetuada pelo constituinte originário, pectos formais.
nas matérias de competência da União. Cada
competência exercita-se plenamente por meio de
instrumento adequado. 6.Conclusão
O plano plurianual, as diretrizes orçamentá- A Contabilidade (ciência ou doutrina) e a
rias, o orçamento anual, as operações de crédi- contabilidade (atividade) têm a importante mis-
to, a dívida pública e as emissões de curso for- são de evidenciar a estática e a dinâmica patri-
çado constam no mesmo dispositivo, qual seja, monial de forma qualitativa e quantitativa. O
o inciso II do art. 48 da Lei Maior. O sistema objetivo de tal missão é possibilitar aos usuári-
orçamentário participa, por conseguinte, de um os tomar decisões com fulcro no conhecimento
sistema estruturado que contempla as ações go- da situação passada, do estado atual e das pers-
vernamentais, cujo horizonte é o mandato e cujo pectivas futuras do ente. A ciência contábil con-
objeto (entidade) contempla o próprio governo. templa, portanto, um sistema de informações.
Já no inciso IV do mesmo artigo, constam os As informações contábeis sobre o setor pú-
planos e programas nacionais, regionais e seto- blico têm, no plano ideal da Constituição, o mar-
riais de desenvolvimento. Até o presente mo- co primeiro para que os contadores cumpram
mento, desconhece-se qualquer lei com preten- seu relevante papel no pacto social, particular-
são expressa de cumprir o dispositivo constitu- mente quando se trata da esfera pública. Nesse
cional. Entremeios, pondera-se que tais planos processo, não se pode olvidar que o povo é o
de desenvolvimento seriam instrumentos hábeis titular do poder. É a ele que os governantes de-
para coordenar a ação estatal por prazos superi- vem prestar contas. Nesse caso, o povo é um
ores àqueles estabelecidos para o governo. Ca- dos usuários da contabilidade, conforme defi-
beria-lhes, por isso, explicitar a participação de nido pelos Princípios Fundamentais.
terceiros naquilo que é a construção do Estado Há muitos aprimoramentos a efetivar quan-
o mais próximo possível do ideal. to à evidenciação das contas públicas, mormente
A falta de exercício de instrumentos adequa- quando o Estado brasileiro assume novo papel.
dos para o planejamento concernente às carac- A contabilidade necessita evidenciar adequa-
terísticas dos instrumentos de evidenciação dis- damente o uso dos recursos estatais para a sa-
criminados pelo constituinte pode ser observa- tisfação dos legítimos objetivos do Estado e do
da no plano plurianual (PPA) elaborado para os Governo brasileiro. Em face da falta de domínio
exercícios de 1996 a 1999. De um lado, a estrutu- público dessas informações, afirma-se o entendi-
ração do plano plurianual não condiz com aque- mento de que as demonstrações contábeis con-
la do sistema orçamentário. De outro, não pre- cernentes ao setor deixam de cumprir plenamen-
enche satisfatoriamente as condições necessá- te as exigências constitucionais e, por conse-
rias para apresentar-se como plano estruturan- guinte, aquelas derivadas do conceito de ac-
te. Assim, a tentativa de tratá-lo como uma in- countability. Com isso, perde a população, na
formação financeira conduz a resultados pífios. forma de obras e projetos que demoram, ou mes-
50
Conforme o caput do art. 174 da Constituição mo nunca se concluem, em vista das mudanças
Federal. de prioridades e insuficiência de recursos.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 37
Mas não basta aplicar recursos dentro dos da Contabilidade na construção de uma socie-
limites constitucionais ou legais, em observân- dade livre, justa e solidária, que garanta o de-
cia aos princípios da legalidade, impessoalida- senvolvimento nacional, erradique a pobreza e
de, moralidade e publicidade. Existem também a a marginalização, reduza as desigualdades soci-
legitimidade e a economicidade. Cumpre recor- ais e regionais e promova o bem de todos, sem
dar que, ao lado das obrigações concernentes preconceitos e discriminação.
ao Estado, existem as provenientes das promes- Para tanto, é necessário que Contabilidade
sas governamentais. Afinal, os governantes Pública atenda alguns requisitos:
obtêm seus mandatos por meio da apresenta-
ção de planos, agendas e compromissos. Esses I – evidencie a distância entre os resultados
compromissos vinculam (ou deveriam vincular) da gestão e o cumprimento dos objetivos fun-
suas ações quando do exercício do mandato. A damentais da República Federativa do Brasil,
contabilidade não tem-se prestado para manter consoante estabelecidos pela Lei Maior, no seu
memória das promessas e planos governamen- art. 3º;
tais, em prejuízo do acompanhamento da legiti- II – tenha maior preocupação com as infor-
midade da gestão das contas públicas. mações prestadas para os usuários externos,
A preocupação dos contadores públicos considerando o viés atual nos usuários inter-
com a forma, em detrimento da substância, ilus- nos. Nesse sentido, a Emenda Constitucional
tra a despreocupação para com os termos da Lei nº 19/98 representou um marco e um desafio. É
Maior. Para conseguir relevância social é mister o marco pela preocupação explícita com instru-
preocupar-se em evidenciar as contas públicas mentos de accountability voltados para o titu-
sob a luz dos objetivos impressos ao Estado. lar do poder (ou usuário dos serviços público);
desafio pela oportunidade que se oferece de afir-
Figura, ademais, imprescindível a existência mação social da relevância da Contabilidade
de estudos teóricos e práticos sobre a contabi- nesse mister;
lidade pública ou governamental que versem
sobre a relevância social das práticas contábeis. III – assuma maior abrangência, de forma a
A preocupação sobre tais assuntos partiu de contextualizar e evidenciar as condicionantes e
uma categoria de usuários internos, os adminis- os resultados sociais da gestão governamental.
tradores públicos, ante a mudança de paradig-
ma do estado burocrático para o estado geren-
cial. Assim, sem haver cumprido plenamente sua
missão financeira, a contabilidade persegue as Bibliografia
dimensões gerencial e operacional.
ARMSTRONG, Peter. Expectativas do Auditor na
Se o interesse dos usuários internos deter- Década de 90. In Anais do Seminário Internacio-
mina o alcance e qualidade dos sistemas de in- nal de Controle Externo. Bahia: Tribunal de Con-
formação, talvez as novas proposições conti- tas do Estado da Bahia, 1995, p. 43 a 66.
das pelo Projeto de Lei Complementar nº 135, BRASIL. Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de
de 1996, ora em tramitação na Câmara e que pre- 1967. In Reforma Administrativa. 28. ed. Manu-
tende substituir a Lei nº 4.320/64, tenham tão ais de Legislação Atlas. São Paulo: Atlas, 1991,
pouca aderência, substantivamente, quanto as p. 13 a 50.
atuais. Aliás, as demonstrações contábeis tam- BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. In
pouco parecem refletir os objetivos fundamen- Reforma Administrativa. 28. ed.. Manuais de Le-
tais do Estado, consoante os termos constituci- gislação Atlas. São Paulo: Atlas, 1991, p. 53 a 70.
onais. BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Em suma, resta concluir que há muito a fazer BRASIL. Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992. Lei
para que a contabilidade sirva como autêntico Orgânica do Tribunal de Contas da União.
instrumento de accountability, em particular no www.tcu.gov.br.
tocante aos usuários externos – os titulares do BRASIL. Texto Constitucional de 05 de outubro de
poder, o povo. A partir do conteúdo constitucio- 1988 com as alterações adotadas pelas Emendas
nal concernente às informações contábeis, os Constitucionais nº 1/92 a 15/96 e Emendas Cons-
titucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado
contadores públicos (ou governamentais) de- Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996.
vem iniciar a busca pela fiel representação do
alcance dos objetivos estatais. Essa busca pro- *
Cumpre agradecer ao colega James Giacomoni
mete resgatar a relevância desses contadores e pelas valiosas sugestões oferecidas.
38 Revista de Informação Legislativa
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*
Notas bibliográficas conforme original.
Brasília a. 35 n. 140 out./dez. 1998 39

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