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2. ESTADO DE MINAS ( ) Sexta-feira, 14 de julho de 2017 .

Merecer ou não merecer: eis a questão


A meritocracia tem despertado acalorados debates entre seus defensores e críticos, mas a discussão esconde problemas maiores que dizem respeito a direito e acesso a educação

RUBENS GOYATÁ CAMPANTE* se oferecesse a todos, e que, a partir daí, o esfor- mente diferente do que tem hoje. Seu livro The transmissão hereditária de poder é vista como suas enormes disparidades de riqueza, com a
ço, a disciplina, e a inteligência de cada um são o “É preciso manter um ceticismo rise of meritocracy (A ascensão da meritocra- “Somos todos geniais. Mas se você anomalia, coisa superada do passado. “Minha máxima sempre foi que as reprodução do grande capital rentista quase au-
Merecer ou não merecer as coisas da vida que definem seu sucesso ou fracasso. E não ha- cia) é uma obra de ficção em que descreve a In- Como disse o filósofo Bertrand Russell: “É cu- tomática, e transmitida hereditariamente –
é uma avaliação que as pessoas sempre fize- veria injustiça maior do que o poder público in- saudável em relação às virtudes da glaterra em 2033: uma sociedade puramente julgar um peixe por sua capacidade rioso que a rejeição do princípio hereditário na carreiras devem estar abertas aos aquela sociedade descrita nos romances de
ram, em relação a si e aos outros, com a régua terferir nos resultados dessa competição “justa” meritocracia assente apenas na tecnocrática, dirigida e dominada por uma mi- de subir em árvores, ele passará a política quase não tenha tido efeito sobre a esfe- talentos, sem distinção de Balzac e Jane Austen, em que as personagens al-
da noção de justiça, tão fluida, mas onipresen- e retirar recursos dos “ganhadores”, ou mesmo noria de indivíduos absolutamente privilegia- ra econômica. Ainda achamos natural que uma cançavam o topo social não por uma vida de es-
te na experiência humana, a medir a retribui- ajudar os que, afinal, afundariam no fracasso (e realização acadêmica. Uma dos em função de seu desempenho formal e vida acreditando ser estúpido.” pessoa deva deixar suas propriedades a seus fi- nascimento ou fortuna.” tudos e trabalho, mas pela herança ou pelo ca-
ção devida ou indevida ao valor dos indiví- na pobreza ou miséria, tantas vezes) por sua sociedade assim não é a resposta às educacional, identificados e selecionados pelo Albert Einstein (1879-1955), físico lhos, isto é, aceitamos o princípio hereditário Napoleão Bonaparte (1769-1821), samento com um cônjuge rico, vias que garan-
própria responsabilidade. Ao Estado caberia as- sistema escolar. Como todas as outras elites, a quanto ao poder econômico, embora o rejeite- tiam o usufruto fácil de rendas altíssimas.
duos. Tal avaliação baseou-se, durante muito
segurar a igualdade de partida, de oportunida-
nossas preces por justiça e decência elite meritocrática descrita no livro fecha as mos quanto ao poder político”.
estadista e general francês
tempo, em considerações tanto racionais
quanto místicas e religiosas. des, jamais a igualdade ao fim da “disputa”. ou até por simples decisões sensatas. portas da ascensão logo que alcança o topo so- O instituto da herança não é, porém, somen-
Realmente, são positivos o aumento das Quando se trata de liderança, estão cial: além do status e do poder, querem a opor- te uma continuação mal percebida da velha tra-
oportunidades de educação, o fim de privilégios tunidade de definir, em proveito de seus filhos, dição de transmissão hereditária de poder – no
de nascença, a substituição, no acesso ao serviço envolvidas muitas outras qualidades o modo de seleção.
público, do empreguismo e do nepotismo por além do grau acadêmico. No que O livro é um protesto contra o sistema edu-
concursos impessoais e universais. E certamen- cacional inglês da época, supostamente com- verdadeira façanha, estaria garantida, final-
te, nos tempos modernos, a competência indivi- toca às instituições, não devemos prometido com a igualdade de oportunidades, mente, a tão almejada “igualdade de oportuni-
dual tem mais peso na trajetória de uma pessoa permitir que qualquer critério único mas que, segundo ele, perpetuava a desigualda- dades?” Não, pois permaneceria outro obstá- caso, de poder econômico. Ele é um fator pode- - “Nos Estados Unidos, na França e
“Compelidas a se submeter aos que no mundo pré-moderno, da cultura do fa- de ao relegar as crianças pobres a escolas de se- culo crucial: o fator herança. roso de “desigualdade” de oportunidades. Um na maior parte dos países, o discurso
vor, do particularismo. determine quem chega ao topo e gunda categoria. É, sobretudo, um alerta sobre o Tornar-se proprietário de bens e direitos por- fator que, como adverte Thomas Pikety em seu
direitos dos mais numerosos, as Mas é um exagero, a partir daí, afirmar que quem não chega. A diversidade é fato de que o parâmetro do mérito educacional, que seus pais o eram antes de falecer é algo vis- “Precisamos estabelecer um novo livro O capital no século 21, tem se acentuado, de glorificação do modelo
classes que se autodenominam as sociedades capitalistas modernas sejam “me-
melhor garantia de abertura desacompanhado de outras considerações éti- to com naturalidade entre nós. Todavia, nas so-
sistema de imigração para a América
nas últimas décadas, quando a taxa de retorno meritocrático nacional raras vezes se
ritocráticas”, no sentido de justas e virtuosas, já cas e substantivas, pode, de um reclamo origi- ciedades modernas, liberais, individualistas, as do capital, particularmente do capital financei-
como classes altas só podem que, nelas, os ricos e prestigiados merecem ple- que o mérito, e a abertura é a nal de igualdade, converter-se numa forma pessoas de nossos pais não se confundem com baseado no mérito, e não em ro-especulativo, tem crescido bem mais que as baseia num exame atento dos fatos.
conservar sua hegemonia política ao namente sê-lo.
verdadeira marca de origem de uma aguda de desigualdade. a nossa pessoa: se cometerem um delito, não
imigrantes desqualificados.” rendas nacionais, ou as rendas per capita, ou a Trata-se, mais frequentemente, de
Examinemos, em primeiro lugar, a questão iremos presos por conta disso; se tiveram al- produtividade, em que os impostos sobre as he-
evocar os direitos do do esforço, da disposição ao trabalho. “Quem ordem liberal.” gum direito, não poderemos usufruí-lo auto- Donald Trump, presidente ranças têm, geralmente, diminuído, e a desi- justificar as desigualdades
mais capaz.” trabalha pesado se dá bem na vida e quem ma- Ralf Dahrendorf (1929-2009), maticamente em lugar deles. A família não é,
do Estados Unidos gualdade social aumentado. Junto a este capita- existentes.”
logra é vagabundo”, dizem alguns. O economis- como na Antiguidade e no Medievo, uma enti- lismo rentista, está retornando, adverte Pikety, o
Émile Boutmy (1835-1906), criador da ta Marcelo Medeiros, no livro O que faz os ricos cientista político alemão dade quase monolítica. Na esfera política, a capitalismo “patrimonial” do século 19, com Thomas Pikety, economista e autor do
Sciences Po, instituto francês de estudos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira, livro O capital no século 21
políticos e sociais analisou os fatores que levam à acumulação de
riqueza. O esforço em si, a quantidade de tem-
po de trabalho, tem quase nenhuma influência: “Se tu acha que não é o que você
há ricos, remediados e pobres que trabalham
muito; e ricos, remediados e pobres que traba- merece não esquece que nem
lham pouco ou nada. Mas o tipo de trabalho, sempre prevalece o justo.”
qualificado ou não, fecundado ou não pela boa Além disso, o sistema de ensino está longe
formação educacional, importa. de ser homogêneo e neutro como se apregoa. Class A, grupo de rap brasileiro Se essa advertência de Pikety (com a qual as
Segundo Max Weber, a religiosidade primiti- No Brasil, com a diferença brutal de qualidade conclusões de Medeiros convergem) faz senti-
va caracterizava-se pela afirmação da sorte, da entre a escola pública, para onde vão os filhos do, como fica o discurso meritocrático? Antes
força e da felicidade. Considerava-se que os in- dos pobres, e as escolas privadas, onde estudam de responder, pondere-se que estudos e traba-
fortúnios eram justos, de alguma forma miste- os filhos dos ricos, esse é um fato incontestável. lho não são absolutamente inúteis, em termos
riosa e metafísica, e que quem sofria fazia por No entanto, até países com ensino básico uni- de ascensão social – só não garantem, por si, o
merecer, assim como quem se deleitava. A versal não estão livres de problemas. Em mui- ingresso no olimpo dos bilionários. Porém, o
transformação religiosa fundamental surgiu, tos deles, apesar de o ensino básico ser público, que importa ressaltar é que discursos servem
afirma ele, quando se começou a duvidar des- as boas universidades, o ensino superior – prin- não só para explicar a realidade, mas para justi-
sa justiça, ou quando tal justiça teve de ser bus- “A revolução educacional sintetiza os cipal passaporte à riqueza e ao status –, é um sis- A questão, para Young, é que o mérito, a qua- ficá-la e, ao fazê-lo, influir na própria realidade.
cada e percebida de maneira mais elaborada, tema, em geral, privado, caro e restrito. E no pró- lidade de um ser humano, está muito além da- E a explicação/justificação/influência do dis-
menos pronta, pois muitas vezes os bons e jus- temas da revolução industrial e da prio ensino público a suposta imparcialidade quilo que é formal e costumeiramente mensu- curso meritocrático tem outras consequências
tos eram os que sofriam, enquanto os maus e democrática: igualdade de de seleção individual é questionada. rado pelo sistema educacional – especialmente desagradáveis, além de chancelar a disparidade
injustos prosperavam. Já nos anos 1960, Pierre Bourdieu assegura- por um sistema educacional burocraticamente de poder político, econômico e ideológico. Pri-
Surgiu o problema da teodiceia, da justiça di- oportunidades e igualdade na va que o sistema escolar não apenas falhava co- dominado pelas orientações de eficiência pro- meiro, costuma medir o valor das pessoas pela
vina (theós – Deus, dikê – justiça), que consiste cidadania. Cada vez mais existem mo agência de justiça social como reproduzia e dutiva e tecnológica do mundo moderno. simples régua do êxito material. Segundo, “diz”
“na questão de como pode um poder, conside- legitimava a estratificação capitalista. Teorica- Em 2001, pouco antes de falecer, Young iro- para os que não alcançaram esse êxito que eles
rado como onipotente e bom, ter criado um oportunidades para que os mente, as escolas selecionariam os indivíduos nizou, num artigo, o significado que o então são os únicos e inteiros responsáveis por isso –
mundo irracional, de sofrimento imerecido, de relativamente desfavorecidos com base estrita na capacidade e esforço parti- premiê britânico Tony Blair – ao prometer fazer uma meia verdade capciosa, um reducionismo
injustiças impunes, de estupidez sem esperan- culares, mas o faziam através de um “currículo da Inglaterra a “terra da meritocracia” – dava à injusto, pois nossas vidas sempre são uma mes-
ça. Ou esse poder não é onipotente, nem bom,
consigam vencer através da seleção, oculto”, um conjunto de atitudes e normas im- palavra que ele inventara. Apostou que o diri- cla de capacidades e ações individuais, de um
ou, então, princípios de compensação e retri- extraordinariamente regulamentada plícitas que naturalizava as representações cul- gente não lera seu livro e lembrou que a repre- lado, e condições sociais, de outro. Terceiro, ins-
buição totalmente diversos governam nossa vi- turais das classes dominantes, ignorava as dife- sentatividade e a liderança sociais exigem vá- tiga as pessoas a, na busca desse êxito, mergu-
da – princípios que podemos interpretar me-
por normas universalistas.” renças e necessidades dos alunos dos grupos rias outras qualificações além de diplomas e lhar em níveis exagerados de competitividade
tafisicamente, ou mesmo princípios que esca- Talcott Parsons (1902-1979), sociólogo desfavorecidos, e fazia com que estes aceitas- certificados, citando o exemplo de Aneuri Be- e autoexigência, rotas certas para tensões inter-
pam para sempre à nossa compreensão”. Essa norte-americano sem as regras da elite – uma “violência simbóli- van, deputado e ministro, criador do sistema de nas e frustrações, que contribuem para a atual
experiência da irracionalidade do mundo, em ca”, dizia ele, tácita, porém eficiente. saúde inglês, que, por causa da pobreza, só tinha epidemia de transtornos mentais, como ansie-
termos de justiça e de merecimento para as Um pouco antes, em 1958, Michael Young, estudado até os 13 anos de idade. dade, depressão etc.
pessoas, tem sido a força propulsora de toda um militante trabalhista inglês, tinha feito crí- Entretanto, digamos que não só o sistema Não se trata, então, de forma alguma, de ne-
evolução religiosa, assegura Weber. tica semelhante, e ainda cunhara o termo “me- educacional, mas também o chamado “merca- gar o valor, para o indivíduo e a sociedade, da
No mundo moderno, a questão do “mere- ritocracia” – num sentido negativo, completa- do de trabalho” lograssem se fazer realmente educação, do trabalho, da perseverança na bus-
cer”, tão fundamental nas crenças religiosas, ga- abertos aos talentos de pessoas de todas as ca de propósitos pessoais; ou a importância, pa-
nhou, com a ideologia contemporânea do libe- classes sociais, eliminando quaisquer diferen- ra as instituições, de critérios objetivos de sele-
ralismo, um encaminhamento supostamente ças, os “currículos ocultos”, as referências úni- ção de pessoal. Porém, se houvesse, realmente,
mais racional e universal. Transformou-se no A combinação, então, de qualificação e em- cas tecnicistas e burocratizantes, os constran- as mesmas oportunidades disponíveis a todos
que se chama hoje de “meritocracia” – literal- penho seria a fórmula garantida de vitória na gimentos implícitos e ideológicos. Com essa – o que não há – tais oportunidades deveriam
mente, o poder dos que merecem. O poder não “corrida meritocrática”? Até certo ponto. Não ser usadas mais para o desenvolvimento da
seria mais oriundo do nascimento, ou da força completamente. O livro de Medeiros, que fo- pessoa em si e da sociedade que para se compe-
bruta, ou da sorte, ou de desígnios divinos in- cou os “super-ricos” brasileiros, traz algo curio- tir o tempo todo com os outros. E, se competi-
sondáveis, mas do merecimento do mais capaz so: a partir de determinada posição na escala “A Grã-Bretanha da elite acabou. A ção houver, não só que seja justa, mas que o
e esforçado. de riqueza, a educação deixa de ter correlação mérito ou demérito nela, por maiores que se-
Quem defende a meritocracia afirma que a com esta. De forma geral, até o patamar da nova Grã-Bretanha é uma jam, não comprometam a dignidade intrínse-
expansão da educação e o estabelecimento, no classe média alta, quantidade e qualidade de meritocracia.” ca a que todo ser humano faz jus. Pois falta de
sistema de ensino, no mercado e no Estado, de educação têm relação expressiva, sim, com a respeito, ninguém merece!
critérios universalistas de seleção individual fi- posição do cidadão na pirâmide social. Porém,
Tony Blair, ex-primeiro ministro inglês.
zeram com que a igualdade de oportunidades os níveis gerais de educação dos bilionários
“não estão” acima daqueles de indivíduos de
classe média alta, por exemplo, embora os bi-
lionários tenham rendimentos várias vezes
maiores que estes últimos.
A explicação para esses rendimentos altíssi-
mos: a proximidade, legal ou extralegal, com o
Estado, e a rede específica de relações pessoais e “Ninguém merece!”
“A meritocracia que nós liberais familiares da pessoa – nada a ver com “desem-
Gíria brasileira
penho meritocrático”. Ou seja, a educação é um
defendemos é esta: ausência de dos fatores importantes para a colocação social,
privilégios, ausência de tratamento mas, por si só, não garante o ingresso no dimi-
nutíssimo e poderosíssimo clube dos magnatas.
diferenciado para igualar desiguais,
em síntese, ausência de interferência
do governo para reparar supostas
‘injustiças’, derivadas exatamente
do fato de que, na vida, os

*
resultados não têm necessariamente
relação com as nobres virtudes.”
João Luiz Mauad, administrador de
empresas, articulista e membro do Rubens Goyatá Campante – Doutor em
sociologia pela UFMG, pesquisador da Escola
Instituto Liberal Judicial do TRT – 3ª Região.

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