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M 326A TU PI AMAZÔN ICO: A OR IGEM DA NOITE

Antigamente, a noite não existia. Era sempre dia. A noite dormia no fundo das
águas. E os animais também não existiam, pois as próprias coisas falavam.
A filha do Cobra Grande tinha casado com um índio, senhor de três fiéis servido-
res.“Afastem-se”, disse-lhes ele um dia,“pois minha mulher se recusa a dormir comi-
go.” Não era, porém, a presença deles que constrangia a mulher. Ela só queria fazer
amor à noite. Ela explicou ao marido que seu pai era o detentor da noite e que era
preciso enviar seus servidores para pedi-la.
Quando eles chegaram de canoa aos domínios de Cobra Grande, ele lhes entregou
um coquinho da palmeira tucumã (Astrocaryum tucuman) hermeticamente fechado
e recomendou que eles não o abrissem sob pretexto algum. Os servidores embarca-
ram na canoa e logo ficaram surpreendidos ao ouvir barulho dentro do coquinho:
tem, tem, tem... xi..., como fazem hoje os grilos e os sapinhos que coaxam à noite. Um
servidor quis abrir o coquinho, mas os outros se opuseram. Após muita discussão, e
quando eles já estavam bem longe da morada de Cobra Grande, eles se juntaram no
meio da canoa, fizeram uma fogueira e fundiram a resina que tampava o coquinho.
Imediatamente caiu a noite e todas as coisas que estavam na floresta se transforma-
ram em quadrúpedes e em aves; todas as que estavam nos rios, em patos e peixes. O
cesto transformou-se em jaguar, o pescador e sua canoa tornaram-se peixe: a cabeça
do homem ganhou um bico, a canoa tornou-se o corpo e os remos, as patas...
A escuridão que reinava levou a filha de Cobra Grande a entender o que tinha
acontecido. Quando surgiu a estrela d’alva, ela decidiu separar a noite do dia. Para
isso, ela transformou dois novelos de fio em aves, respectivamente o cujubim e o
inhambu [um cracídeo e um tinamídeo, que cantam a intervalos regulares durante
a noite ou para saudar a alvorada; em relação a estas “aves-relógio”, ver CC: 239, n. 3].
Para punir os servidores desobedientes, ela os metamorfoseou em macacos (Couto
de Magalhães 1940: 231-33. Cf. Derbyshire 1965: 16-22).

Este mito suscita problemas complexos. Os que dizem respeito à tríade de


servidores serão discutidos no próximo volume. No momento, examinare-
mos sobretudo a tripla oposição que constitui a armação do mito. A que se
estabelece entre o dia e a noite é patente. Ela subentende outras duas. Em
primeiro lugar, a oposição entre conjunção e disjunção dos sexos, pois o dia
impõe a disjunção, enquanto a noite é condição da conjunção; em seguida,
entre conduta lingüística e conduta não-lingüística: quando o dia era contí-
nuo, tudo falava, até mesmo os animais e as coisas, e foi no exato momento
em que a noite apareceu que as coisas se tornaram mudas e os animais pas-
saram a se exprimir unicamente através de gritos.

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Esta primeira aparição da noite resulta, no mito, da imprudência dos ser-
vidores, ao manipularem um instrumento que é literalmente um dispositivo
das trevas, pois que as contém e elas escapam de seu orifício destampado
para se espalharem sob a forma de animais noturnos e barulhentos — inse-
tos e batráquios — que são precisamente aqueles cujo nome designa os ins-
trumentos das trevas no Velho Mundo: rã, sapo, cigarra, gafanhoto, grilo etc.
A hipótese segundo a qual uma categoria correspondente à de nossos ins-
trumentos das trevas existiria entre as representações míticas do Novo
Mundo encontra uma confirmação decisiva na presença, entre tais repre-
sentações, de um dispositivo que é, efetivamente, um deles e que o é no sen-
tido próprio, ao passo que, entre nós, dispositivos similares só merecem tal
acepção de maneira figurada.
Mas se o dispositivo das trevas de M³²⁶a diz respeito à noite e se esta últi-
ma aparece no mito como condição necessária para a união dos sexos,18 se-
gue-se que o instrumento encarregado de sua desunião, o zunidor, deve estar
implicitamente ligado ao dia, que preenche a mesma função. Teríamos, por-
tanto, uma quádrupla correlação entre a noite, a união dos sexos, as condu-
tas não-lingüísticas e o instrumento das trevas, que se opõe termo por termo
à que existe entre o dia, a desunião dos sexos, uma conduta lingüística gene-
ralizada e o zunidor.Além de não percebermos com clareza como o zunidor
poderia conotar uma conduta lingüística, esta maneira de colocar o proble-
ma só faria inverter a dificuldade com que nos deparamos, a propósito dos
Bororo e dos Xerente. Pareceu-nos que, entre estes índios, o zunidor se liga-
va à noite, o que, do ponto de vista de uma interpretação geral, remeteria os
instrumentos das trevas (que, como já havíamos constatado, se opõem ao
zunidor) para o lado do dia. E agora a ligação mais normal dos instrumen-
tos das trevas à noite corre o risco de nos obrigar a situar o zunidor do lado
do dia, em contradição com tudo aquilo que tínhamos admitido. É, preciso,
portanto, examinar as coisas mais de perto.
M³²⁶a não menciona o zunidor, mas evoca um tempo em que a noite era
detida por uma cobra grande (entre os Toba, seu silvo assemelha-se ao ruído

Ú
18 . Mas não de qualquer jeito. Se a noite é uma condição necessária para a comunica-
ção sexual, por um movimento inverso, que serve para restabelecer o equilíbrio, ela
parece proibir a comunicação lingüística entre esses mesmos parceiros. Pelo menos é
o caso entre os Tukano, entre os quais interlocutores de sexos diferentes podem con-
versar durante o dia, mas à noite ele só podem conversar interlocutores do mesmo sexo
(Silva 1962: 166-67, 417). Indivíduos de sexo oposto trocam entre si palavras ou carícias,
mas não ambas ao mesmo tempo, o que constituiria um abuso de comunicação.

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do zunidor), quando ela dormia “no fundo das águas” (como o monstro
aquático que os Bororo denominam /aigé/,“zunidor”, que serve para imitar
seu urro). Sabemos também que quase em todas as regiões onde o zunidor
existe, ele serve para apartar o sexo feminino e rejeitá-lo para o lado da natu-
reza, fora do mundo sagrado e socializado. Ora, M³²⁶a provém dos Tupi seten-
trionais, isto é, de uma cultura e de uma região em que os mitos descrevem
a cobra grande como um ser fálico, que concentra em si todos os atributos
da virilidade, numa época em que os próprios homens não a possuíam. Não
podiam, portanto, copular com suas mulheres, reduzidas a solicitar os servi-
ços da cobra. Esse estado de coisas cessou quando o demiurgo cortou o
corpo da cobra em pedaços, e os utilizou para dotar cada homem do mem-
bro que lhe faltava (M⁸⁰). Por conseguinte, a mitologia tupi faz da cobra um
pênis (socialmente) disjuntor, noção que a função e o simbolismo do zuni-
dor já nos tinham imposto. E é também esta função que o Cobra Grande
assume em M³²⁶a, como pai abusivo em vez de sedutor depravado: ele cede
a filha, mas detém a noite, sem a qual o casamento não pode ser consuma-
do. Por este viés, M³²⁶a se liga a um grupo de mitos examinados anterior-
mente (M²⁵⁹-M²⁶⁹), no qual um outro monstro aquático dá ao homem que
aceita como genro — e que, em certas versões, é precisamente o sol, isto é, a
luz do dia — uma esposa incompleta, portanto impossível de ser penetrada:
moça sem vagina, simétrica aos homens sem pênis de M⁸⁰ e inversa da he-
roína de vagina grande demais (simbolicamente falando) do ciclo do tapir
sedutor, animal de pênis grande que, como mostramos (p. 386), é uma va-
riante combinatória da cobra grande “toda pênis”, o que nos leva de volta ao
nosso ponto de partida.
Deixaremos a outros a tarefa de explorar este elo pois, a partir do mo-
mento em que nos detemos nas ligações míticas, descobrimos que a rede
desenha um grafo de “conexidade” tão intensa que, ao querer esgotar todos
seus detalhes, o pesquisador perde a esperança de prosseguir. Em seu esta-
do atual, a análise estrutural dos mitos é por demais inepta para que uma
corrida, ainda que precipitada e incerta quanto a seu objetivo, não seja pre-
ferível — pois ainda é preciso escolher — a um avanço lento e seguro, que
permitirá um dia refazer pausadamente, inventariando todas as suas rique-
zas, um itinerário que apenas pretendemos balizar.
Se as aproximações acima forem legítimas, talvez possamos entrever a
saída para nossas dificuldades. Situemos o zunidor do lado da noite, da qual
ele é o dono, sob o aspecto da cobra; reconheçamos que o instrumento das
trevas também se encontra nela. Porém, não se trata exatamente da mesma
noite nos dois casos pois, semelhantes somente no excesso, a noite do zuni-

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dor se furta ao dia, enquanto a do instrumento das trevas o invade. Por con-
seguinte, na verdade, nem uma nem outra se opõe ao dia, mas sim à alter-
nância, empiricamente verificada, na qual, longe de se excluírem, o dia e a
noite estão unidos por uma relação de mediação recíproca: o dia mediatiza
a passagem da noite à noite e a noite, a passagem do dia ao dia. Se retirar-
mos desta cadeia periódica dotada de uma realidade objetiva os termos
“noite”, só restará o dia, culturalizando, por assim dizer, a natureza, sob a
forma de uma extensão abusiva das condutas lingüísticas aos animais e às
coisas. Inversamente, se os termos “dia” forem expelidos da corrente, só
haverá a noite, naturalizando a cultura pela transformação dos produtos do
engenho humano em animais. O problema que nos bloqueou encontra sua
solução assim que reconhecemos o valor operatório de um sistema de três
termos: dia isolado, noite isolada e a alternância regular de ambos. Este sis-
tema compreende dois termos simples e um termo complexo, que consiste
numa relação harmoniosa entre os primeiros. Ele fornece o esquema dentro
do qual os mitos de origem, quer seja a do dia ou a da noite, se repartem em
duas espécies distintas, segundo situem o dia ou a noite no começo da atual
alternância. Distinguiremos, portanto, mitos de preliminar noturno e os
mitos de preliminar diurno. M³²⁶a pertence à segunda categoria. Esta esco-
lha inicial acarreta uma conseqüência importante, pois concede obrigatoria-
mente a precedência a um dos dois termos. No caso que nos interessa exclu-
sivamente aqui, dos mitos de preliminar diurno, inicialmente só havia o dia
e se a noite existia, estava separada do dia e, de certo modo, nos bastidores.
A partir de então, a outra eventualidade não pode mais se realizar sob uma
forma exatamente simétrica. Outrora o dia estava onde a noite não estava e
quando a noite o substitui — antes de instalar-se sua alternância regular —
só pode ser reinando onde o dia estava antes dela. Compreendemos assim
porque, nesta hipótese, o “longo dia” resulta de um estado inicial de disjun-
ção e a “longa noite”, de um ato subsidiário de conjunção.
No plano formal, as duas situações correspondem, portanto, àquelas que
distinguimos anteriormente sob as designações de mundo podre e mundo
queimado. Entretanto, desde que concebemos esta distinção, algo aconteceu
nos mitos. Imperceptivelmente — ou quase — eles evoluíram de um domí-
nio espacial para um registro temporal e, sobretudo, da noção de um espa-
ço absoluto para a de um tempo relativo. Nosso terceiro volume será quase
inteiramente dedicado à teoria desta transformação capital. Aqui considera-
remos apenas um aspecto restrito.
No espaço absoluto a que se referem os mitos sobre a origem da cozinha,
a posição elevada é ocupada pelo céu ou pelo sol, a posição baixa, pela terra.

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Antes que o fogo da cozinha surgisse como termo mediador entre estes ex-
tremos (unindo-os e, ao mesmo tempo, mantendo-os a uma distância razoá-
vel), suas relações só poderiam ser desequilibradas: demasiado próximos um
do outro ou então demasiado afastados.A primeira eventualidade remete ao
mundo queimado, que conota o fogo e a luz. A segunda remete ao mundo
podre, que conota a escuridão e a noite.
Mas M³²⁶a se inscreve num tempo relativo, no qual o termo mediador não
é um ser ou um objeto distinto que se interpõe entre termos extremos.A me-
diação consiste antes no equilíbrio entre termos aos quais o caráter de extre-
mos não é inerente, mas pode somente resultar da alteração da relação que
os une. Se o mito considerado for de preliminar diurno, o afastamento da
noite, isto é, sua disjunção do dia, garante o reino da luz e sua aproximação
(ou conjunção com o dia) o da escuridão. A depender de o mito se colocar
na hipótese de um espaço absoluto ou de um tempo relativo, portanto, os
mesmos significados (conjunção e disjunção) exigirão significantes opostos.
No entanto, essa transposição não é mais pertinente do que seria a do nome
das notas da escala em razão de uma mudança da clave. Em casos como
esses, o mais importante não é a posição absoluta das notas sobre ou entre
as linhas, mas a figura da clave inscrita no início da pauta.
Zunidor e instrumento das trevas são os significantes rituais de uma dis-
junção e de uma conjunção não mediatizadas, que, transpostas para uma
outra tessitura, têm como significantes conceituais o mundo podre e o
mundo queimado. O fato de estes mesmos significados, por mais que con-
sistam de relações entre objetos, poderem, quando os objetos não são mais
os mesmos, admitir significantes opostos, não implica que estes significan-
tes opostos estejam, entre si, numa relação de significante e de significado.
Ao formularmos esta regra, não fazemos nada além de estender ao domí-
nio do pensamento mítico o princípio saussuriano do caráter arbitrário do
signo lingüístico, com a única diferença de que o campo de aplicação do prin-
cípio adquire uma dimensão suplementar, devido ao fato para o qual chama-
mos a atenção alhures (Lévi-Strauss 1962b: 3) de que, na ordem do mito e do
ritual, os mesmos elementos podem desempenhar indiferentemente o papel
de significado e significante, e substituir um ao outro em cada função.
Apesar desta complicação ou devido a ela, o pensamento mítico mostra-
se tão respeitoso do princípio que ele tem o cuidado de destinar ao zunidor
e ao instrumento das trevas (que, formalmente falando, formam um par)
campos semânticos bem distintos. Por que, praticamente no mundo todo, o
zunidor tem como função privilegiada expulsar as mulheres? Não seria por-
que é praticamente impossível para ele significar a disjunção entre a noite e

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o dia — reino do dia em plena noite — diferentemente do instrumento das
trevas, que os conjuga? O eclipse proporciona ao menos uma ilustração em-
pírica desta conjunção e quando são encaradas sob esta perspectiva, as “tre-
vas” surgem como uma espécie particular de eclipse, que uma espécie parti-
cular de charivari conota (cc: 329-31). O emprego do zunidor não se limita a
inverter esta relação; ele a transpõe, expulsando todos os termos femininos
da cadeia periódica das alianças matrimoniais. Mas não será justamente pelo
fato de que esta oferece, no plano sociológico, um equivalente da cadeia cos-
mológica formada pela alternância regular entre o dia e a noite?

(∆ = õ ∆ = õ ∆ = õ ∆ = õ etc. ) -= (dia-noite, dia-noite, dia-noite, dia-noite etc.)

Pode-se portanto afirmar que a sociedade, temporariamente reduzida pelo


zunidor a seus elementos masculinos, depois que os elementos femininos
foram isolados e rejeitados, é como o curso do tempo reduzido ao dia. Inver-
samente, os Kayapó, que aparentemente não conhecem o zunidor (Dreyfus
1963: 129), utilizam os bastões que se entrechocam para significar uma con-
juntura simétrica àquela alhures associada ao zunidor, pois que, entre eles,
trata-se da instauração do laço conjugal entre um homem e uma mulher, e
de ritos de promiscuidade (acima, p. 349). Finalmente, se os instrumentos das
trevas podem conotar a conjunção entre o dia e a noite e também entre os
sexos, já sabemos que eles conotam a união entre o céu e a terra. Quanto a este
último aspecto, seria interessante estudar o papel destinado a matracas e chi-
cotes nas festas que saúdam o retorno das Plêiades. Retornaremos adiante às
cerimônias do Chaco e nos limitaremos a assinalar, no litoral noroeste do
Pacífico, a substituição dos chicotes pelos chocalhos (reservados aos rituais
de inverno), por ocasião da festa da primavera /meitla/ durante a qual os
Kwakiutl exibem um ornamento que representa as Plêiades (Boas 1895: 502;
Drucker 1940: 205, 211, 218; cf. também Olson 1940: 175 e Boas 1916: 552-53).

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