Nasceu em 1469, numa época em que a política na sua cidade natal,
Florença, passava por um período difícil. Florença era uma república mas, de fato, era administrada pela família Médici que, por sua vez, dividia o poder com a aristocracia. Economicamente a situação também não era das melhores. Piero, da família Médici, conseguiu continuar apoiando as artes mas, do ponto de vista político, era um governante fraco. Quando este morreu, uma conspiração quase acabou com o domínio dos Médici, mas Lourenço de Médici reagiu e acabou com o movimento. Maquiavel cresceu sob o governo de Lourenço, O Magnífico, que continuou a incentivar as artes e a vida cultural numa sociedade de luxo e poucas virtudes. Maquiavel não era aristocrata e sua família era modesta quanto às posses, porém, desde cedo foi incentivado a dar valor aos livros e ao estudo da história e foi iniciado no estudo dos clássicos e das humanidades em geral. Outro fato histórico que marcará Maquiavel foi a invasão da Itália pelo rei Carlos VIII da França. Florença, que costumava resolver seus problemas com a contratação de exércitos mercenários percebeu que perante a vontade de conquista de Carlos VIII essa medida poderia não ser suficiente. Piero, que governava na época, abandonou Florença. Quem consigiu contornar a situação foi um frade, Jerônimo Savonarola, que já tinha admiradores por se tratar de orador de destaque e visão política. Desde o púlpito Savonarola influenciou significativamente a vida política da época, fato que não passou despercebido para Maquiavel que já participava da vida política de Florença. Quando, em 1498, após passar por problemas com o papado e com a aristocracia florentina o frade foi morto na fogueira, foi a hora de Maquiavel vir a participar ativamente da política florentina, na condição de segundo secretário. Até 1512, quando os Médici voltam a dominar Florença e Maquiavel é afastado do governo, o florentino observa atentamente os fatos da política de sua cidade que, posteriormente, servirão para desenvolver seu pensamento político. Na época em que participou no secretariado já começou a escrever a respeito dos acontecimentos da vida política que acompanhava, com o objetivo de colaborar com aqueles que ocupavam os cargos no governo e começa, assim, uma reflexão filosófica que terá como fundamento a observação dos fatos do passado. Assim, escreve Do modo de tratar os povos do vale do Chiana rebelados, onde conclui que há duas formas de tratar povos conquistados: ou destruí-los completamente ou incorpora-los amistosamente à nova pátria. A essa conclusão chega Maquiavel após observar que os habitantes de Arezzo continuamente se sublevavam por não ter sido tratados de nenhuma das formas mencionadas: aniquilados ou honrados. Era evidente, assim, a necessidade de aprender com os fatos do passado. Como o comportamento dos homens se repete, as decisões do presente podem e devem ser tomadas levando-se em conta o passado. Outro escrito dessa época é Descrição do modo de que se serviu o duque Valentino para matar Vitellozzo Vitelli, Oliverotto da Fermo e o duque de Gravina Orsini. Nesse escrito, Maquiavel trata de César Bórgia, filho do papa Alexandre VI, duque e governador da Romanha que se destacou pela conquista de várias cidades. Em 1498 abandonou a carreira eclesiástica, se transformou em conselheiro do pai e reconstruiu o Estado papal. Segundo Maquiavel o Duque era considerado uma pessoa temível devido à sua capacidade de esconder suas verdadeiras intenções e sua imprevisibilidade, habilidades das quais se utilizou para eliminar aqueles que se rebelaram contra ele. A partir dessas observações, Maquiavel começou a refletir sobre a política de forma diferente de seus contemporâneos. O Príncipe
Após a derrubada do sistema republicano do qual participava, Maquiavel
foi preso e torturado acusado de tramar contra o novo governo. Fica assim afastado da vida política e, em 1513, quando sai da prisão recolhe-se numa pequena propriedade rural com a sua família. A pesar de ser esta uma época extremamente infeliz para Maquiavel escreve O Príncipe. Na Idade Média era comum a prática de escrever livros de aconselhamento aos governantes com o intuito de ajudá-los a obter o sucesso nas suas atividades. Nestas obras os autores salientavam a importância do príncipe ser um indivíduo de virtude moral sólida. Maquiavel escolhe este modelo de obra de aconselhamento na esperança de conquistar os governantes que o mantinham afastado do poder. Mas a obra de Maquiavel é totalmente diferente dos manuais de aconselhamento de orientação cristã. Vale a pena salientar que mais ou menos na mesma época, (não é possível precisar as datas exatamente), Maquiavel escreve também Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, onde também transmite suas reflexões sobre a política. Esta obra, diferentemente de O Príncipe, que teria orientação monárquica, defende a república como boa forma de governo. Atualmente, os comentadores consideram que provavelmente, para Maquiavel, somente um único indivíduo teria condições de conquistar ou reformar um estado mas uma vez instaurado, a melhor forma de governo seria a república. Nos Discursos ele diz: “Refletindo sobre o funcionamento das coisas humanas, estimo que o mundo se sustenta no mesmo estado em que sempre esteve em todos os tempos.” Para Maquiavel, como dissemos, o estudo do passado e a observação do presente são importantes para o homem político porque os comportamentos humanos se repetem, isto é, a natureza não se modifica com o tempo. Por outro lado, essa natureza humana que não se modifica com o tempo é sempre má, isto é, não procura o bem mas é sempre egoísta, motivo pelo qual os governantes nunca poderão confiar plenamente no povo. Isto não significa que não haja homens bons mas que sempre devemos estar prevenidos contra a maldade que pode se manifestar a qualquer momento. Os comentadores observam que, diferentemente de Aristóteles, para quem “o homem é um animal social (politikon)”, para Maquiavel, os homens tendem, por natureza, à desunião. O exemplo de príncipe novo para Maquiavel é César Bórgia, extremamente hábil para dissimular seu pensamento e sua forma de ser. Para Maquiavel, o mais interessante para o estudioso da política é o principado novo: ao fundar o novo estado o príncipe instaura uma nova forma dos homens se relacionarem entre si. Mas, ao mesmo tempo, o príncipe de um estado novo corre sérios perigos na medida em que não pode contar com a tradição e os costumes. Além disso, aquele que chega ao poder graças aos outros ou à sorte tem mais dificuldades que aquele que o conquista por si próprio. Se bem é verdade que a capacidade de persuadir garante que os homens aceitem a nova ordem também é verdade que a qualquer momento poderão mudar de idéia. Por isso a força é necessária para manter o conquistado. Até César Bórgia, com toda sua habilidade, foi derrubado pelas mesmas pessoas que o apoiaram. O que é próprio da natureza das coisas: neste mundo nada é eterno. Os que, em lugar de criar um estado novo, herdam o poder também são destituídos, neste caso por confiarem de mais na estabilidade das coisas.
Na época de Maquiavel o modelo de governante era o príncipe bom e capaz
de agir conforme a moral cristã. Para Maquiavel este modelo não seria inviável, porém, não é o que mais freqüentemente dá certo. Por isso utiliza como modelo de “príncipe novo” a César Bórgia. Mas, por se tratar de um personagem muito discutível, com fama de homem cruel, a obra de Maquiavel não é bem vista após sua morte. Contudo, o fato é que com a observação da participação histórica de personagens como Bórgia aprendemos mais que com a possibilidade de algum governante bom dar certo. Para compreender as questões relativas à vida política é necessário compreender o significado de dois termos próprios da filosofia política de Maquiavel: fortuna e virtú. Antes de mais nada, para compreender esses termos devemos ter em mente que para Maquiavel a esfera da política não se confunde com a esfera moral. A política tem seus próprios fins que não devem ser medidos com parâmetros alheios a seu domínio. Se isso acontecer arrisca-se o fracasso na política.. A virtú não pode ser confundida nem com a virtude aristotélica nem com a virtude cristã. Trata-se da capacidade de saber agir conforme às circunstâncias. Mas não se confunde com a prudência aristotélica, que é própria do homem de virtude moral. Trata-se da capacidade do governante para obter e conservar o poder. Inclui, por exemplo, a flexibilidade de mudar a própria natureza se as circunstâncias assim o exigirem. Na medida em que a virtú visa à consecução de determinados fins políticos ela é boa porque permite atingir esses fins, num sentido não-moral. O que significa que se para atingir os seus fins o governante precisa recorrer à crueldade ele deve fazê-lo e isso faz parte de sua virtú. Megale diz: “É a qualidade número um [a virtú] do príncipe no comando. Nele se concentram as decisões com seus objetivos traçados, sem se melindrar com moral ou quaisquer escrúpulos. É a qualidade do homem que o capacita a realizar grandes feitos, é o poder humano de efetuar mudanças e controlar eventos, enfim, pré-requisito de liderança de um príncipe ou um governante.” (Januário F.Megale, O Príncipe – Maquiavel) A fortuna é outra peça que joga papel fundamental no sucesso político do governante. É, também, complemento e complementada pela virtú. Sem fortuna a virtú não atinge seus fins e, sem virtú a fortuna não pode ser bem aproveitada. Fortuna por der traduzida por : “Sorte (boa ou má), acaso, ocasião, oportunidade (propícia ou desfavorável).” “É o curso da história, o destino cego, o fatalismo, a necessidade natural das coisas no processo contínuo da vida. A existência humana é feita por metade de fortuna e metade de virtú.” (Megale, idem) Segundo Bignotto: “Prestando atenção aos muitos capítulos nos quais ele [Maquiavel] nos fala desses dois conceitos, acabamos convencidos de que a melhor maneira de compreendê- los é toma-los sempre juntos, como um par inseparável. Olhar apenas para a virtú pode nos levar a acreditar que alguns atores políticos são tão poderosos que nunca serão derrotados. O exemplo de César Bórgia demonstra exatamente o contrário. Por outro lado, considerando apenas a força terrível da fortuna, seremos conduzidos à desesperança e ao fatalismo, que com muita freqüência ameaçam desestimular aqueles que tentam entender as coisas da política.” (Newton Bignotto, Maquiavel, Jorge Zahar Ed., Rio de Janeiro, 2003, pg.28.) Já mencionamos a preferência de Maquiavel pela forma republicana de governo. Se em O Príncipe se trata de uma monarquia, nos Discursos sobre a primeira década de Tito Livio. Maquiavel nos fala sobre as virtudes da república: “o que assegura às repúblicas mais vida e uma saúde mais vigorosa e mais duradoura do que aquela das monarquias é o fato de poder, dada a variedade e a diferença do gênio de seus cidadãos, se acomodar melhor e mais facilmente às mudanças do tempo do que aquele regime”. (Discursos..., cap. IX, 3ª. parte.) É claro que a preferência de Maquiavel pela república não impede que ele reconheça que, em última instância, o que determina qual é a melhor forma de governo são as circunstâncias concretas. Mas, teoricamente e quando as circunstâncias forem favoráveis, deve-se preferir a república. O ideal de liberdade, que ressurgia juntamente as outras formas de humanismo da época, exigia uma forma de governo que facilitasse a sua realização. Para Maquiavel, “os que são identificados com o elemento popular em uma república normalmente terão mais interesse em defender essa forma de governo, porque é nela que há mais garantias para seus direitos.”, (Bignotto, op. cit., pg. 43.) Isso não significa que o povo não possa agir em contra do ideal da liberdade, mas, “sendo a parte maior e com menor acesso à riqueza e à propriedade, e não desejando, segundo ele, ocupar o poder, mas sim se proteger dos abusos que podem ser cometidos pelos que o ocupam, o elemento popular tem mais interesses em defender um governo republicano e menos a ganhar com sua derrocada.” (Bignotto, pg.44.)