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Crianças
e jovens
e a preparação
do “craque”

José Alberto Aguilar Cortez


Antonio Carlos Simões
Renê Drezner
Conrado Pereira da Costa
Alex Roney Ribeiro de Oliveira
REVISTA USP • São Paulo • n. 99 • p. 113-122 • SETEMBRO/OUTUBRO/NOVEMBRO 2013 113
Dossiê Futebol

RESUMO ABSTRACT

Os dirigentes do futebol brasileiro nun- The managers of Brazilian football have


ca se preocuparam com a formação dos never bothered to train coaches for the
treinadores das categorias de base. Para grassroots leagues. To train children and
treinar crianças e adolescentes, a opção teenagers, they have preferred to use former
preferida era aproveitar ex-jogadores que players needing to keep working to survive.
precisavam continuar trabalhando para However, possessing a vast experience as a
sobreviver. Entretanto, a grande experi- professional football player has never been
ência adquirida como profissional de fute- enough for one to understand the process
bol foi, e continua sendo, insuficiente para of growth and development at this stage of
compreender o processo de crescimento life. The fragile architecture that supports
e desenvolvimento nessa fase da vida. A ambitious agents, non-professional and
frágil arquitetura que sustenta empresá- underpaidstaff and dreaming boys, and
rios ambiciosos, comissão técnica leiga e which has no physical, technical or emo-
mal remunerada e garotos sonhadores, tional support, is born doomed to failure.
mas sem embasamento físico, técnico e We are twenty years behindthe European
emocional, nasce fadada ao insucesso. Es- model,in which the specialized training of
tamos vinte anos atrasados em relação coaches capable of identifying and training
ao modelo europeu, em que a formação new talents is a permanent concern of foot-
especializada de treinadores com compe- ball federations.
tência para identificar e formar talentos é
uma preocupação permanente das fede- Keywords: grassroots leagues, growth and
rações de futebol. development, coaching schools, early spe-
cialization.
Palavras-chave: categorias de base, cres-
cimento e desenvolvimento, escolas de
treinadores, especialização precoce.

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O
futebol brasileiro sem- vés de metodologia apropriada mesmo em países me-
pre teve a seu favor a nos populosos que o nosso.
facilidade de escolher, A Holanda, por exemplo, já disputou três finais de
entre centenas de mi- Copa do Mundo (1974, 1978 e 2010), foi semifinalista
lhares de crianças pra- em 1998 e disputou as quartas de final em 1994. A
ticantes, aquelas que participação em Eurocopas confirma a força da sele-
mais se destacam na ção representante dos Países Baixos, que foi campeã
modalidade. Se, por em 1988 e semifinalista em 1976, 1992, 2000 e 2004.
um lado, o excesso de Como explicar os resultados obtidos por um país de
oferta nos caracterizou como a “pátria do futebol”, sob pequenas dimensões territoriais e com 10% da popula-
outro ângulo relegou a plano secundário a preocupa- ção do Brasil? As crianças de lá não buscam o futebol
ção com a formação de profissionais especializados
para atuarem nas denominadas categorias de base.
Sempre foi mais fácil, e muito mais barato, pros-
pectar talentos nas diferentes regiões do Brasil do que JOSÉ ALBERTO AGUILAR CORTEZ é professor do
investir em recursos humanos e instalações apropria- Departamento de Esporte e coordenador do Grupo de
das e bem equipadas dirigidos com competência. São Estudos e Pesquisas em Futebol e Futsal – Gepeffs da
Escola de Educação Física e Esporte – EEFE/USP.
poucos os clubes brasileiros que possuem centros de
treinamento modernos e que buscam o apoio das uni- ANTONIO CARLOS SIMÕES é professor do
versidades para o recrutamento de profissionais, de Departamento de Esporte, colaborador do Gepeffs e
coordenador do Laboratório de Psicossociologia do
diversas áreas de conhecimento, tais como: medicina Esporte – Lapse da EEFE/USP.
do esporte, fisiologia, psicologia, fisioterapia, nutri-
ção, educação física e esporte, para compor a comis- RENÊ DREZNER é mestrando na área de Esportes
pela Escola de Educação Física e Esporte da USP e
são técnica responsável por garotos e adolescentes de colaborador do Gepeffs.
ambos os sexos.
CONRADO PEREIRA DA COSTA é especialista em
Países cuja extensão territorial é muito menor que
Fisiologia do Exercício, preparador físico do Clube
a do Brasil e com menos crianças motivadas para a Esportivo da Penha e colaborador do Gepeffs.
prática do futebol tiveram que investir em métodos e
ALEX RONEY RIBEIRO DE OLIVEIRA é professor da
aperfeiçoar procedimentos para estimular a adesão e Secretaria de Esportes de Guarulhos e colaborador do
o sucesso dos programas de treinamento. Gepeffs.
O equilíbrio observado nas diversas competições
CARLOS EDUARDO ARISSA VARGAS é pós-graduado
internacionais disputadas entre equipes e seleções em Fisiologia do Exercício pelo Cefe/Unifesp e
comprova que é possível formar bons jogadores atra- colaborador do Gepeffs.

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como uma das alternativas para ascensão social e en- Etapa de iniciação A fase de iniciação é carac-
contram mais facilidades para experimentar e praticar terizada pela descoberta e identificação com a mo-
outras modalidades esportivas coletivas e individuais. dalidade. Os primeiros contatos com a bola podem
Exemplos bem-sucedidos podem ser observados acontecer em vários lugares (família, escola, clube),
em países tradicionalmente fortes nas competições mas as escolinhas de futebol é que se destacam como
internacionais de futebol. A França, antes de sediar os espaços preferidos para o batismo.
a Copa de 1998, procurou organizar a formação das A literatura tem demonstrado que os jogadores que
crianças e adolescentes. Centralizou a supervisão do obtiveram êxito em suas carreiras iniciaram preco-
método de treinamento escolhido e implantado no cemente a prática específica do futebol. A iniciação
país, treinando os profissionais responsáveis pela sua aconteceu por volta dos 8 anos de idade e contraria o
aplicação nas diferentes regiões. que se recomenda sobre a necessidade de proporcionar
A Alemanha, ao encontrar dificuldades para re- múltiplas experiências motoras para essa faixa etária.
novar o potencial das suas equipes, sem recorrer à A surpreendente constatação gera interessante
contratação de estrangeiros, criou 29 centros espe- debate sobre a especialização prematura porque os
cializados distribuídos pelo país visando à busca e à estudos não avaliaram quantas crianças desistiram
formação do talento futebolístico. do futebol tão precocemente iniciado. Por outro lado
A Espanha, atual campeã do mundo, acumula vi- aumenta a responsabilidade dos treinadores das cate-
tórias nas categorias de base. O Barcelona é, sem dú- gorias menores. A antecipação dos treinos especiali-
vida, um dos clubes mais visitados pelos candidatos a zados precisa de respostas para questões relacionadas
treinar crianças e adolescentes. com métodos a serem aplicados, intensidade dos trei-
O modelo brasileiro de treinamento para crianças e nos, pressão por resultados, acompanhamento médi-
adolescentes, na maioria dos clubes de futebol, sempre co, psicológico e nutricional além de monitoração das
foi adaptado e regionalizado. Os profissionais respon- relações familiares.
sáveis pela formação dos garotos, remanescentes do
futebol profissional, ainda aplicam os mesmos tipos de “O treino tem que ser divertido. As crianças praticam
treino que aprenderam durante a fase em que atuaram esportes para se divertir, portanto as atividades pre-
como atletas. Poucos treinadores procuram conhecer cisam ser estimulantes” (Sports Illustrated For Kids
melhor os aspectos técnicos, táticos, físicos e psicoló- Readers).
gicos da modalidade para adaptá-los à faixa etária sob
sua responsabilidade. Inexplicavelmente continuamos No passado era diferente, as crianças participavam
atribuindo à diminuição dos espaços, dos campos de de brincadeiras de rua, e os campos de “pelada” eram
várzea, a falta de competência para formar talentos os espaços livres onde as irregularidades do terreno de
na proporção numérica dos praticantes de futebol. jogo e os diferentes tipos e dimensões da bola exigiam
São raros os treinadores que conhecem como fa- contínua improvisação. Com criatividade as crianças
cilitar a aprendizagem e o controle das habilidades se acomodavam em novas dimensões para o espaço
motoras aplicadas à modalidade, a maioria ignora a de jogo e se adaptavam a todas as formas esféricas
diferença entre idade fisiológica e idade cronológica, ou ovais ousando na originalidade dos movimentos.
bem como a importância de respeitar as etapas de O futebol era praticado com os pés descalços, com
crescimento e desenvolvimento motor. bolas improvisadas e regras consensuais. Os pais não
pressionavam os filhos porque a “profissão” de jogador

P
de futebol não era bem remunerada e nem bem-vista
ROCESSO DE FORMAÇÃO DO JOGA- pela sociedade.
DOR DE FUTEBOL O processo visando A ocupação imobiliária dos terrenos, a falta de se-
à formação de jogadores de futebol de gurança nas ruas e o aparecimento de novas formas de
ambos os sexos é muito longo e com- lazer contribuíram para dificultar a prática e a recrea-
plexo, contemplando diversas etapas de ção espontânea e sem cobranças.
treinamento e seleção até o nível de alto rendimento. As classes menos favorecidas foram deslocadas
Da infância até a adolescência duas fases se destacam: para núcleos residenciais distantes e desprovidos de
iniciação e especialização. qualidade de vida. A falta de condições de saúde, de

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Reprodução

CT do São Paulo Futebol Clube,


uma das poucas equipes brasileiras que
oferecem condições diferenciadas para emitidos pelas inúmeras faculdades de educação física
o treinamento das categorias de base e esporte, também são aprendizes e sem a experiência
necessária para desempenhar a função.

“É preciso ser professor. As crianças jogam por prazer,


educação e de segurança afastou as crianças do lazer mas, se perceberem que não estão evoluindo, perdem
e as aproximou da criminalidade. Nesse novo cenário a motivação” (Sports Illustrated For Kids Readers).
o futebol passou a ser uma opção de perspectiva de
promoção social, mas os vícios e a violência também A realidade é outra onde os pais pagam para os
disputavam, e continuam disputando, “os atletas” filhos, em grupos heterogêneos, aprenderem os fun-
para as agremiações do crime. Nas escolas públicas damentos do jogo com professores que adéquam a
da periferia, a falta de locais adequados e de material metodologia ao local da prática e material disponí-
esportivo para as aulas de educação física, quando vel. Mesmo assim, os maiores ídolos do futebol atual,
elas acontecem, contribuiu, ainda mais, para afastar Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, atraem para as
as crianças do esporte. escolinhas milhões de crianças, em todo o mundo, que
A classe média, movida pela necessidade de ocupar tentam executar pedaladas e outros dribles criados ou
o tempo das crianças em condições seguras e supervi- aprimorados por eles. São as ações de jogo com bola
sionadas, trocou a prática na informalidade pela alter- que motivam as crianças e despertam a vontade de
nativa formal proposta pelas escolinhas de esportes, aprender pela imitação.
em particular, de futebol. Nesses locais, crianças com Os professores dessas escolinhas contam, a seu
pés calçados com chuteiras de grife, tocando bolas favor, com os recursos da televisão e da internet, que
com o selo de qualidade Fifa em gramados sintéticos, permitem contato visual imediato e mais intenso com
tentam reproduzir as habilidades dos ídolos dos gran- os lances que acontecem em todos os estádios do mun-
des times do país e do mundo. Os responsáveis pela do, cujas imagens são repetidas à exaustão, facilitando
iniciação, jovens estagiários ou com diplomas recentes a aprendizagem.

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Esse modelo de escola pode não ser o melhor para desconhecimento desses fatores que influenciam nas
o aprimoramento da compreensão do jogo, estratégia e respostas neuromusculares faz com que a maioria dos
tática, mas tem papel importante no desenvolvimento treinadores exclua jogadores habilidosos e potencial-
das relações sociais, formação do caráter, melhora da mente talentosos do processo de formação.
aptidão física, das habilidades motoras e do prazer A especialização esportiva, a busca do talento e a
pela prática esportiva. excessiva competitividade podem levar a um esgota-
Do ponto de vista organizacional, as boas esco- mento prematuro da capacidade de rendimento, preju-
linhas devem contar com pessoal qualificado para a dicando o processo de formação esportiva. As situações
atividade fim, que não é formar garotos para o esporte estressantes associadas à fadiga física podem afetar
profissional. A criança, independente do seu potencial, negativamente o crescimento e o desenvolvimento.
deve percorrer etapas no processo de formação espor- Fato comum que ocorre nas competições organiza-
tiva. Planos de treinamento intensos, com exigências das para as categorias de base no futebol é a não ade-
físicas e psicológicas estressantes, prejudicam o pro- quação das regras e regulamentos, do local da prática e
cesso de ensino-aprendizagem. da bola. A falta de padronização dos procedimentos e
As escolas formadoras vinculadas aos grandes clu- da adequação do tamanho e peso da bola, dimensões do
bes de futebol em nada se assemelham aos modelos ci- campo e das metas, etc., para as diferentes faixas etárias, é
tados. Para fazer parte dos programas de treinamento incompreensível porque deixa, a critério de pessoas nem
das categorias de base dos principais clubes, o garoto sempre qualificadas, a responsabilidade para decidir.
já passou por etapas anteriores. A estrutura seleciona-
dora que encaminha as crianças e os adolescentes para Modelos europeus A escola de futebol da Holanda,
o profissionalismo é composta por olheiros, empresá- particularmente a do Ajax, um dos clubes mais tradi-
rios, franquias de escolinhas com o nome de times, etc. cionais daquele país, é um dos exemplos do sucesso da
competência dos responsáveis pela seleção e formação
Etapa de especialização A etapa de especia- de garotos talentosos. Cada jogador é avaliado de acor-
lização deve priorizar, com mais frequência, o aper- do com o sistema denominado TIPS, que engloba técni-
feiçoamento técnico, tático e da condição física. Os ca, inteligência, personalidade e velocidade (speed). A
treinos são caracterizados pelo aumento da carga de avaliação da personalidade é centrada em aspectos tais
trabalho (maior número de sessões semanais) e pela como criatividade, audácia, carisma e autoconfiança.
especificidade (situações de jogo). Os jovens, entre 14 A escola de futebol da Real Federação Espanhola
e 20 anos, são mais testados emocionalmente, com também parte de uma fórmula idealizada por Iñaki
maior exposição às situações de competição. Sáez (treinador da seleção espanhola entre 2002 e
O delicado período de crescimento e desenvolvi- 2004) para a seleção de talentos. As crianças precisam
mento na faixa etária entre 13 e 16 anos de idade, que ser diferenciadas em relação:
não acontece na mesma velocidade para todos, exi-
ge individualização de procedimentos considerando n aos três Cs – calidad, carácter e competitividad;
a precocidade de alguns e o desenvolvimento mais n aos dois Vs – velocidad física e velocidad mental;
tardio de outros. n a um E – equilibrio psíquico.

Nessa fase, os jogadores com desenvolvimento


mais precoce apresentam grande vantagem física Os resultados brilhantes conquistados pelo futebol
momentânea em relação aos jogadores de matura- espanhol começaram nas categorias de base do Barce-
ção tardia. A diferença influencia demasiadamente lona, onde treinadores competentes lapidam os garotos
no rendimento e na seleção dos atletas. Os jogadores habilidosos e os preparam para enfrentar as pressões
de maturação precoce e os jogadores que nasceram do futebol profissional. Desde muito cedo, sem serem
nos primeiros meses do ano levam vantagem quando cobrados por conquistas imediatistas nas divisões
comparados com os nascidos no final do ano e com de formação, os garotos descobrem que o passe é o
aqueles cuja maturação é mais tardia. Em esportes fundamento mais importante do jogo coletivo. Perce-
coletivos como o futebol, encontramos numa mesma bem que a movimentação constante facilita a ação do
equipe crianças com a mesma idade cronológica, mas companheiro que tem a posse de bola, aumentando o
apresentando diferentes graus de desenvolvimento. O número de alternativas para retê-la.

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QUADRO 1
Copa São Paulo de Futebol Júnior

Participações 1 2 3 4 5

Equipes 66 32 17 15 43

% 38,15% 18,50% 9,83% 8,67% 24,86%


Ver o Barcelona jogar é aprender que um passe Atualmente os pequenos que se destacam são as-
bem-feito é um drible, não dá chance para o adversário sediados pela rede de olheiros ligados a empresários
se antecipar e não facilita ações faltosas de jogadores e, muitas vezes, os pais aceitam ficar presos a compro-
limitados. Na Europa as equipes só contratam técnicos missos na esperança de oportunidades para os filhos.
que se habilitaram nas escolas de formação de treina- Equipes são formadas sem a menor perspectiva de su-
dores e vocacionados para o trabalho com crianças. cesso porque os alicerces não são construídos sobre
estruturas de apoio sólidas e nem com a mão de obra
No Brasil O Brasil é caracterizado mundialmente especializada para o trabalho com jovens.
como o grande exportador de jogadores. Além disso, A frágil arquitetura que sustenta empresários am-
o país possui milhares de equipes de diferentes níveis biciosos, comissão técnica leiga e mal remunerada e
competitivos espalhadas por todo o território nacional. garotos sonhadores, mas sem embasamento físico, téc-
Todas elas, mais os olheiros nacionais e interna- nico e emocional, nasce fadada ao insucesso.
cionais, formam uma grande rede de captação de jo- A Copa São Paulo de Futebol Júnior é um reflexo
gadores modulada pela força econômica. dessa desastrosa realidade. Mais de noventa equipes,
Desde cedo os clubes mais fortes fazem processos de diferentes regiões do Brasil, não conseguem reve-
seletivos para a formação de suas equipes de futebol lar jogadores diferenciados na proporção do número
e futsal, e os melhores jogadores, que se destacaram de participantes. Bem diferente daquilo que acontecia
defendendo equipes menores, são seduzidos pelas quando o futebol era praticado com mais liberdade.
agremiações de maior prestígio. As crianças, preco- Recente levantamento realizado pelos membros do
cemente introduzidas no sistema competitivo, ou so- Grupo de Estudos e Pesquisas em Futebol e Futsal
frem pela frustração de serem descartadas ou ficam (Gepeffs) da Escola de Educação Física e Esporte da
inseguras quando são obrigadas a viver longe de suas USP mostrou que 38% das 173 equipes que participa-
famílias em alojamentos coletivos. ram de cinco (2008, 2009, 2010, 2011 e 2012) das seis
A pressão sobre elas aumenta com a chegada de últimas edições da Copa São Paulo só se apresentaram
novos candidatos, com mudanças de técnicos e diri- uma vez na competição (Quadro 1).
gentes e, principalmente, com a cobrança dos empresá- Se contabilizarmos as equipes que só participaram
rios responsáveis pelas carreiras das jovens promessas. de uma das edições com aquelas que marcaram pre-
No passado os clubes do interior e os campos da sença em duas, chegaremos a 56% do total. Portanto,
várzea formavam gerações espontâneas de craques mais da metade das equipes não tem tradição e é mon-
que jogavam sem ser persuadidos e controlados por tada apenas para explorar a visibilidade proporcionada
empresários ávidos pelo lucro imediato. Os jovens pela importância da Copa São Paulo.
não eram premidos pela sociedade consumista e nem A maioria delas pertencia a empresários que con-
pela necessidade de proporcionar melhores condições seguiram a inscrição de equipes com pouca chance de
financeiras para a família. O prazer de jogar e a li- sucesso e nítida intenção de colocar, na maior vitrine
berdade para criar eram a receita para a formação de do futebol, garotos que sonham com a possibilidade
jogadores versáteis e descontraídos. de jogar em grandes clubes.

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O que se viu foi que, das 66 equipes que só par- O objetivo do curso nível A, treinador básico, que
ticiparam de uma das copas, 63 foram eliminadas na visava à formação de especialistas para trabalhar
primeira fase e, pior, algumas saíram sem conquistar na iniciação e especialização, tinha como discipli-
uma única vitória (Quadro 2). nas teóricas obrigatórias:
Nossos clubes investem muito e errado nas equipes n c rescimento e desenvolvimento das crianças e ado-

principais e se esquecem que os grandes responsáveis lescentes;


pela formação trabalham nas categorias de base. Pa- n objetivos do treinamento em diferentes segmentos

gam fortunas para treinadores da elite, nem sempre de instrução;


competentes, e salários irrisórios, que desestimulam n métodos de ensino;

a presença de especialistas no treinamento de crianças n concepção e evolução do jogo;

e adolescentes. n comportamento da equipe (higiene, alimentação, etc.);

A formação dos treinadores de futebol para as ca- n primeiros socorros;

tegorias de base n motivação psicológica dos jovens;

n regras e regulamentos do jogo e arbitragem;

“O futebol brasileiro precisa de técnicos novos, dife- n análise de jogo;

rentes, que gostem de vencer e de bons espetáculos, n t reinamento físico, técnico e tático (sistemas e orga-

que sejam intuitivos, sonhadores e também racionais, nização coletiva).


científicos e que saibam observar, imaginar, e não
apenas repetir informações, estatísticas e estratégias” O treinador deveria se capacitar para ser o respon-
(Tostão, in Folha de S. Paulo, 2012). sável e contribuir com o desenvolvimento da perso-
nalidade para tomar decisões além de reconhecer os
Em fevereiro de 1993 uma comissão composta jogadores talentosos e ajudá-los a progredir.
por membros representantes de vários países filiados O que fica evidente é que, no início da década de
à Union of European Football Associations – Uefa se 1990, os países europeus se mobilizaram para dar
reuniu para estabelecer uma proposta definitiva para melhores oportunidades de formação para todos os
a criação de uma licença europeia para treinadores de treinadores, inclusive para os responsáveis pelas eta-
futebol. Naquela oportunidade: pas iniciais do treinamento de futebol. No Brasil, só
em 1993 é que foi sancionada, pelo então presidente
1) em comum acordo, as federações nacionais, sob a Itamar Franco, a lei que determinava que os contratos
direção da Uefa, decidiram padronizar e aperfeiço- dos treinadores com os clubes deveriam ser registrados
ar a formação dos treinadores do futebol europeu; nas respectivas federações estaduais. A lei nunca foi
2) publicar instruções relacionadas com as estruturas cumprida, e os treinadores não têm direito, até hoje,
dos cursos para técnicos de futebol organizados sob aos benefícios trabalhistas. Sem garantias, não exis-
o patrocínio da Uefa; te estabilidade profissional e muito menos condições
3) regulamentar, em três níveis de categorias, a for- para o aperfeiçoamento.
mação dos treinadores (níveis A, B e Licenciado); A realidade aqui é outra. A própria CBF e as fede-
4) melhorar o status do treinador europeu e a qualida- rações de futebol ligadas a ela nunca se preocuparam
de da formação dos treinadores vinculados à Uefa. com a formação dos treinadores que atuam no futebol

QUADRO 2
Equipes que participaram UMA vez

Colocação 1F 2F 4F

Equipes 63 2 1

% 95,45% 3,03% 1,52%


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Reprodução

Atacante do São Paulo


em partida contra É importante destacar que a Escola de Educação
a Portuguesa pela Copa Física e Esporte da Universidade de São Paulo diplo-
São Paulo de Futebol Júnior mou vários treinadores no final da década de 1960 e
início da década de 1970 em cursos técnicos de es-
pecialização para diferentes modalidades. Na época
chegou a receber alunos de países da América Latina
profissional e muito menos com a formação dos técni- que eram atraídos pelo sucesso do futebol brasileiro
cos responsáveis pelas categorias de base. e pelo prestígio dos professores Mário Miranda Rosa,
A CBF, só recentemente, a partir de 2011, começou Clodoaldo Mesquita e José de Souza Teixeira.
a oferecer Curso Oficial de Treinadores em parceria O curso foi interrompido durante muitos anos e só
com a PUC Minas. Entre as disciplinas abordadas es- voltou a ser ministrado em meados da década passada
tão psicologia, gestão, direito e táticas do esporte. O como pós-graduação lato sensu.
curso é dividido em três níveis: A falta de apoio da Federação Paulista de Futebol
e a dificuldade para atrair candidatos devido à não
n Nível 1 – qualificação básica; obrigatoriedade do diploma para atuar como treinador
n Nivel 2 – categoria de base; acabaram justificando o encerramento do curso.
n Nível 3 – categoria profissional. A carência de profissionais devidamente habilita-
dos para atuar no treinamento de crianças e adolescen-
A iniciativa está longe de atender às necessidades tes no país pentacampeão de futebol explica, em parte,
de um país com dimensões continentais como o nosso. os motivos que justificam a fuga de garotos talentosos
Para preencher essa lacuna, os grandes clubes bra- para o exterior. Técnicos leigos sem conhecimento pe-
sileiros construíram modelos próprios de métodos de dagógico, didático e psicológico para elaborar estraté-
treinamento quando começaram a mesclar a experiên- gias de intervenção são os grandes responsáveis pelo
cia de ex-jogadores de futebol com o conhecimento teó- abandono precoce de jovens que se desiludiram com
rico-prático dos profissionais formados nas faculdades. a carreira futebolística.

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O desenvolvimento de qualquer modalidade se mo. O grande diferencial é contabilizar os resultados


alcança, entre outras variáveis, mediante o fortaleci- positivos que contribuíram para o acesso à cidadania.
mento educacional e a formação mais completa dos O treinamento supervisionado por especialistas re-
seus atores. munerados condizentemente e estimulados ao aperfei-
Os treinadores são importantes no processo de for- çoamento constante tira do mercado os oportunistas,
mação em esportes como o futebol. Eles são os res- que se contentam com pouco porque muito menos
ponsáveis por guiar o desempenho dos jogadores no podem oferecer.
campo de jogo e também são líderes fora dele. Devem Conhecer as alterações funcionais, morfológicas
ser os verdadeiros maestros cujos ensinamentos alcan- e psicológicas da criança e do adolescente deveria ser
çam todos os âmbitos de suas relações com jogadores, um dos diferenciais dos candidatos a trabalhar com
colegas, dirigentes, imprensa, etc. qualquer modalidade esportiva. No futebol, como em
todos os esportes, poucos garotos e garotas se mos-
“É importante formar treinadores que contagiem os trarão aptos a fazer parte da elite, mas todos precisam
aprendizes com alegria e amor à arte e não destaquem encontrar treinadores aptos a estimular a prática sau-
os aspectos menos agradáveis do jogo que exigem sa- dável do esporte.
crifícios, mas sim seu lado mais luminoso e estimu- A formação multidisciplinar do treinador das ca-
lante” (Cruyff). tegorias de base deveria ser obrigatória nas condições
atuais, em que a competitividade é cada vez maior e
O treinador acompanha as crianças que praticam as etapas são cada vez mais reduzidas na busca do
futebol em viagens e, muitas vezes, assume a posição de sucesso em curto prazo.
pai – o que ensina poderá marcar condutas para sempre. A orientação especializada, desprovida de interes-
A formação de treinadores cultos e éticos, com co- ses imediatistas e não refém dos empresários da bola,
nhecimentos específicos e capacidade para o desempe- estimula a prática espontânea e encoraja a criança a
nho profissional, deveria ser prioridade das federações construir ideias e valores indispensáveis à formação
em parceria com as universidades. Quem sabe agora, humana nas diferentes situações que o esporte pro-
com a criação da Federação Brasileira dos Treinadores porciona.
de Futebol, a profissão conquiste o respeito e a va- A competitividade sadia e não excludente, em que
lorização dos profissionais que, amparados pelas leis se aprende a importância da cooperação, do comparti-
trabalhistas, possam encontrar motivação para estudar lhamento, da possibilidade de criar e opinar, coloca o
e aperfeiçoar seus métodos de trabalho. futebol e as modalidades coletivas em evidência den-

C
tro do processo educacional.
ONCLUSÃO “Toda criança tem direi- O modelo vigente, em que se buscam o alto rendi-
to de ser ou não um campeão” (Carta mento, vitórias, status e satisfação da vaidade e dos ob-
dos direitos da criança no esporte ela- jetivos financeiros dos pais e dirigentes, afasta grande
borada por treinadores esportivos de número de praticantes. Muitos garotos talentosos não
Genebra). se submeteram a lideranças autoritárias e abandona-
ram, precocemente, o futebol. Aos clubes formadores,
No processo de formação para a prática de futebol, cabe a responsabilidade de oferecer estruturas compa-
tanto na etapa de iniciação quanto na de especialização, tíveis com as necessidades das diferentes faixas etárias
o sucesso não se dimensiona, apenas, pelo número de e a contratação de profissionais competentes compro-
garotos e adolescentes que chegaram ao profissionalis- metidos com a qualidade dos procedimentos de treino.

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