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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA II
PROFA. MINISTRANTE: CARLA BRANDALISE

ENSAIO SOBRE A LITERATURA ÍDICHE NA UNIÃO SOVIÉTICA STALINISTA

SALOMÃO NICILOVITZ

PORTO ALEGRE
2018

Introdução
Walter Benjamin foi um pensador de morte precoce, mas cuja obra apresenta vasta
relevância aos que se dedicam ao pensamento e à ação emancipadora. O passado para
Benjamin não está morto, somente desativado. Cabe aos que vivem no presente ativá-lo,
acionando os encontros secretos entre a geração do presente e as gerações passadas,
amplificando as vozes emudecidas dos que lutam e lutaram por justiça e liberdade.
“O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio
exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão
em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de
vencer.” (BENJAMIN, 2012, p.224)
A história da União Soviética coloca dura ambiguidade de sentimentos aos que, como
Benjamin, acreditam nesse devir do historiador. Afinal, faz-se necessário erguer as vozes que
foram oprimidas justamente por um regime que, por muito tempo, apresentou-se como o
redentor dos subalternos. Mais do que isso, foram fuzilados pelo Stalinismo indivíduos que
estavam ao lado dos revolucionários, mas que por circunstâncias daquele tempo não foram
considerados como tal. Ou devemos pensar que, em verdade, tais fuzilados estavam de outro
lado, o de fato emancipador?
Dentre estas vozes suprimidas pelo Stalinismo (1922-1953), diversas figuram entre
escritores e artistas judeus que viviam em território soviético, boa parte destes engajados com
o socialismo e, inclusive, com o Stalinismo. No presente ensaio, pretendo analisar o impacto
que a Revolução de Outubro e a póstuma chegada de Stálin ao poder causaram à vida judaica
na Europa Oriental e à Literatura Ídiche, dando enfoque às histórias de autores judeus que,
em virtude dos diversos expurgos realizados pela política stalinista, se tornaram um foco de
perseguição cultural. A fim de realizar tal balanço, analisarei os destinos de alguns autores
idichistas, ressaltando o caráter cultural de tal expurgo.
Através deste ensaio, pretendo, por fim, trazer à prática a incumbência lançada por
Benjamin: apropriar-se do nosso passado, fazendo ecoar nomes e vozes emudecidas.

Desenvolvimento

Até o século XVIII a Rússia contava com poucos judeus em seu território, e foi
somente após a conquista de parte da Polônia que a população judaica saltou para cerca de
um milhão de indivíduos. Deste momento até a Revolução de 1917, os judeus que viviam em
território russo não eram portadores dos mesmos direitos que os cristãos, sofrendo severas
restrições. (ETTINGER, 1997, p. 757)
Sob o domínio do Império Russo e dos czares, as comunidades judaicas só podiam se
estabelecer na Zona de Residência criada em 1791 por Catarina, a Grande, constituída pelas
províncias anexadas da Polônia, algumas áreas do sul da Ucrânia e pelo litoral do Mar Negro.
Além disso, os judeus viviam em aldeias segregadas, os shtetels, e sofriam ataques populares
estimulados com frequência pelos próprios czares (CLEMESHA, 1998, p.90). No que diz
respeito à análise que farei, o resultado mais importante deste isolamento foi a manutenção
do dialeto falado pelos judeus da região, o ídiche.
O ídiche é um dialeto surgido por volta do século X nas áreas fronteiriças franco-
germânicas e que, até o século XVIII, estava ligado a uma tradição popular de fala, sem
qualquer disciplina gramatical de “língua”.Com o advento do Iluminismo Judaico na Europa,
os judeus ilustrados passaram a escrever no dialeto, cristalizando, aos poucos, normas
gramaticais e literárias que logo se popularizaram nos ciclos socialistas, populistas e
sionistas. O idioma se transformou rapidamente na segunda língua do povo judeu, não mais
relegado somente à esfera da fala, florescendo na europa a partir da sedimentação de ciclos
literários voltados a produção no idioma. (GUINSBURG, 2004, p. 145) Entre o final do
século XVIII e a metade do século XIX, a Europa - e principalmente os territórios do Império
Russo - viveu o desenvolvimento de uma rica literatura ídiche, vindo a lançar grandes nomes
da literatura mundial como Isaac Bashevis Singer, I. L. Peretz e Sholem Aleichem.
No que diz respeito aos movimentos socialistas judaicos, e mais especificamente à
Rússia, o ídiche desenvolveu um papel fundamental. Judeus socialistas se juntaram em torno
da criação da União Judaica Trabalhista da Lituânia, Polônia e Rússia, conhecida como Bund.
Devido às peculiaridades da vida judaica na Europa Oriental, tais movimentos reivindicaram
um setor judaico exclusivo no Partido Operário Social Democrata Russo, bem como uma
autonomia nacional cultural, já que reclamavam sofrer uma dupla opressão, como proletários
e como judeus.(CLEMESHA, 1998, p. 126) Tal movimento tomava como referência
identitária o ídiche, por considerarem este o idioma do povo, falado pelos trabalhadores, em
oposição ao hebraico, idioma dos eruditos. Em virtude dessa segmentação, os atritos
ocorridos entre o Bund e o POSDR foram diversos, até que em 1917, com a Revolução de
Outubro, o Bund é dissolvido no território russo e os seus membros são aderidos ao partido
bolchevique, o que gerará uma grande mudança na literatura idichista.
Se no Império Czarista existia um unidade política e comunicacional da Literatura
Ídiche assegurada pela unidade territorial, dentro da União Soviética, nos primeiros anos após
a Revolução, essa harmonia se mantêm. Os judeus faziam parte dos processos políticos,
sociais e culturais que estavam acontecendo na Rússia, e o novo Regime, a partir da
concessão da igualdade de direitos aos judeus, estimulou a participação destes na vida
política e cultural, garantindo a manutenção e a intensificação da produção literária. Este
espaço não foi apenas concedido pelas autoridades, mas construído pelos próprios judeus, que
foram parte ativa no processo revolucionário, tendo ampla participação nos congressos do
Partido Bolcheviques e nas demais organizações (JOHNSON, 1988, p.42). Nesse sentido, a
Literatura Ídiche também “se submeteu a tendência geral de apagar em tudo o passado e
começar tudo a partir da estaca zero, sem outra influência” (GUINSBURG, 1991, p. 35),
disposta a ser partícipe na edificação soviética de uma nova sociedade e de um novo ser
humano. No princípio, a União Soviética via com bons olhos tal participação, interessada na
expansão das mais diversas potencialidades etnoculturais, que traziam significativas
contribuições à literatura soviética em geral. Os judeus contribuíram com obras sobre os
judeus no Exército Vermelho, na Guerra Civil e etc.
A partir de 1924, porém, as diretrizes do Partido Bolchevique se transformam,
crescendo o controle em relação às diferentes manifestações culturais, e a Literatura Ídiche é
profundamente afetada. As novas diretrizes incluem a supressão de diversas expressões e
locuções tradicionais do ídiche, tendo em vista que estas, na visão do Partido, garantiam a
manutenção da “psicologia pequeno-burguesa”, responsável por garantir o domínio
comunitário por parte de setores clericais, aristocráticos e burgueses. (GUINSBURG, 1991,
p. 36) Além dessa mudança, o Partido proíbe o intercâmbio entre círculos literários idichistas
soviéticos e do exterior, a fim de garantir um purismo em relação aos valores revolucionários
que deveriam se cristalizar sem a interferência de agentes externos.
Os autores ídiches fizeram, nos anos seguintes, um grande esforço para adaptar a sua
literatura as novas exigências do Partido, realizando, inclusive, sacrifícios pessoais e
artísticos. Autores da literatura ídiche como David Bergelson e Der Nister, por exemplo,
distanciaram-se da escrita simbolista, repleta de técnicas requintadas, fragmentações literárias
e referências místicas (no caso de Nister) e caminharam em direção a uma literatura realista,
que trazia como protagonistas dos texto as massas trabalhadoras judaicas e as suas lutas.
Autores da poesia ídiche também aderiram às novas diretrizes, como foi o caso dos
poetas Leib Kvitko, Dovid Hofschtein e Peretz Markisch. Enquanto Bergelson e Nister,
porém, não haviam se submetido a nova literatura com facilidade - em um primeiro
momento, ambos saíram da Rússia, descontentes com as novas orientações, voltando aos seus
locais de origem somente alguns anos depois - os poetas estavam muito mais convictos da
Revolução. De acordo com Guinsburg,
eram comunistas convictos que seguiam ao pé da letra a orientação do
Partido, inclusive no que tange o culto da personalidade. Sua produção
encerrava as devidas oferendas ao princípio da genialidade infalível do
“guia”. ((GUINSBURG, 1991, p. 39)
De forma geral, o ciclo literário era focado em três cidades: Moscou, Kiev e Minsk.
Moscou, porém, tinha uma centralidade político-ideológica ainda maior, e os rumos tomados
pela literatura ídiche nos anos 1930 ficam evidenciados pela postura de Moshe Litvakov,
redator da principal revista ídiche Emes(Verdade), que defendia que a nova literatura judaico-
soviética só deveria acolher o que condissesse com as metas e os valores das massas
trabalhadoras em seu processo revolucionário de transformação social, reafirmando, dessa
maneira, a centralidade de Moscou.
Quando a literatura ídiche no exterior trilhar o caminho para Moscou e
alcançar os seus momentosos resultados, nós nos rejubilaremos com isso e,
se estiver à altura, não disputaremos por ela hegemonia. Mas até então a
hegemonia pertence a nós, Moscou. (GUINSBURG, 1991, p. 47)
Apesar das profundas mudanças e das tentativas de enquadramento aos novos
critérios do Partido, todos os autores citados até então foram mortos, em algum momento,
pelo Regime. Bergelson é preso em 1949 por seu suposto nacionalismo e enviado a um
campo de concentração, sendo executado em 1952 pelo crime de judaização; Nister é preso
em 1949 e morre na prisão em 1950; Leib Kvitko é acusado de conspiração e é fuzilado em
1952 junto a outros trinta poetas e romancistas da língua ídiche; Dovid Hofschtein morre em
1952 após ter sido mandando para um campo na Sibéria, e Peretz Markisch foi preso em
1948 após condenação por nacionalismo judaico, sendo morto em 1952.
De forma geral, a maior parte dos idichistas soviéticos teve um destino semelhante,
demonstrando que seus esforços adaptativos não foram suficientes. Desde o princípio, a
relação da União Soviética de Stálin com as populações judaicas foi controversa. De acordo
com Saul Kirschbaum, tais
relações se baseavam nas intenções emancipatórias e igualitárias
programáticas dos bolcheviques; por outro, iam de encontro às tendências
assimilatórias imanentes dos bolcheviques, que reintroduziram métodos de
russificação que acabaram por criar a base para um antissemitismo direto.
(2017, p.5)
Tal complicada relação entre os bolcheviques e os judeus bolcheviques é bem
ilustrada no conto de Isaac Bábel chamado “Guedali”. No conto, o narrador, que vive no
período da Guerra Polaco-Soviética(1919-1921) está relembrando de forma nostálgica as
noites de Shabat(sábado, dia festivo para os judeus) que passava ao lado dos avós na infância.
Ele encontra-se com Guedali, judeu que vive em Jitómir, cidade na Lituânia, e começam a
conversar sobre a Revolução. O conflito entre a Revolução e a tradição judaica, vivido pelos
idichistas, me parece evidente na passagem em que Guedali questiona o narrador “— À
Revolução? Nós diremos sim a ela. Mas e ao sabá, por acaso teremos que dizer não ao sabá?”
(BÁBEL, 2006, p. 56).
De acordo com os acontecimentos narrados até aqui, parece evidente que os esforços
do Partido Bolchevique eram os de acabar definitivamente com a cultura ídiche,
demonstrando que a resposta a Guedali, então, seria negativa. A perseguição aos autores
idichistas é clara; Babel, inclusive, teve o mesmo destino dos seus colegas, sendo acusado em
1939 de conspiração e tendo sido fuzilado em 1941.
A fim de fortalecer a ideia de que a perseguição tinha um cunho cultural e não étnico,
gostaria de contrastar a história de Bábel e dos demais autores idichistas com a de um autor
judeu, não idichista, que salvou-se do expurgo. Não pretendo auferir um juízo totalizante a
partir da análise de um caso particular, mas acredito que, somado a outras histórias similares,
essa biografia pode contribuir para uma futura análise mais conclusiva. Farei, portanto, uma
breve ponderação sobre a história de Vassili Grossman.
Grossman nasceu em 1905, em Berditchev, cidade ucraniana que abrigava uma das
maiores comunidades judaicas da Europa. Os pais de Grossman eram judeus assimilados, que
não viviam nos shtetels, não falavam ídiche e guardavam pouquíssimo da tradição religiosa.
Grossman vai estudar em Moscou, se forma químico mas em seguida começa sua prática
literária, se tornando, anos depois, um dos grandes escritores soviéticos.
Grossman, apesar de assimilado, escreve muito sobre os judeus na sua obra. Entre
1943 e 1946, trabalha junto ao Comitê Antifascista Judaico na escrita do Livro Negro,
conjunto de relatos documentais a respeito das atrocidades nazistas realizadas contra os
judeus em solo soviético e polonês. O livro acaba sendo censurado por Stálin por apresentar
“um quadro distorcido da real natureza do fascismo já que dá a impressão de que os alemães
lutaram contra os soviéticos apenas para aniquilar os judeus”(ARAD, 2009, p.543 apud
CHANDLER e BIT-YUNAN, 2015, p.71) . Além deste material, diversos outros textos do
autor são censurados, e no mesmo período, diversos dos amigos judeus de Grossman,
incluindo o próprio Bábel, são perseguidos e assassinados. Essa situação realmente deixa uma
dúvida de por que o próprio Grossman não teria sido perseguido, fato que levou a morrer
somente em 1964 em virtude de um câncer no estômago. Se Grossman escrevesse em ídiche
e fizesse parte dos círculos literários idichistas da época, teria ele se livrado do expurgo?

Conclusão

No presente ensaio, tentei fazer uma ponderação a respeito da situação da Literatura


Ídiche na União Soviética, chamando atenção à perseguição realizada pelo Partido
Bolchevique liderado por Stálin ao grupo. É evidente que o expurgo não foi direcionado
somente ao grupo judaico, tendo em vista que as perseguições foram direcionadas a
sociedade ampla, mas penso ser possível afirmar, com as informações trazidas até aqui, que a
perseguição foi direcionada à cultura judaica que se desenvolvia, calcada no ídiche. A
manutenção de uma cultura particular não poderia ser coerente a ideia totalizante levada a
cabo por Stálin. Por fim, retorno o ensaio por onde comecei. Mais do que somente ponderar,
é necessário a nós, historiadores, reviver a memória dos que foram oprimidos, encontrando os
ecos entre os que sofreram no passado e os que sofrem hoje, mirando, a partir deste encontro,
construir uma sociedade nova e redimida.

Bibliografia

BÁBEL, Isaac. O exército de cavalaria. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012
(Obras escolhidas; v. 1).

CLEMESHA, Arlene. Marxismo e Judaísmo: história de uma relação difícil. São Paulo:
Boitempo, 1998.

ETTINGER, Shmuel. The Modern Period. In: BEN-SASSON, Haim Hillel (Org.). A History
of the Jewish People. Cambridge: Harvard University Press, 1997.

GUINSBURG, Jacó. “Uma Língua-Passaporte: O Ídiche”. São Paulo: Revista Espaço


Acadêmico, n.37, Junho de 2004.

__________. À Sombra do Stalinismo: A Literatura Ídiche na União Soviética. São Paulo:


Revista USP, Junho, Julho e Agosto, 1991.
GROSSMAN, Vassili. A Estrada. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2015.

JOHNSON, Paul. A History of the Jews. New York: Harper Collins Publishers, 1988.

KIRSCHBAUM, Saul. A Revolução Russa e a Emancipação dos Judeus: reflexos na


literatura. Belo Horizonte: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG, v. 11, n. 21, nov.
2017

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