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EX LIBRIS: ESTUDOS JURÍDICOS DA

ULBRA CAMPUS CACHOEIRA DO SUL


DANIEL DOTTES DE FREITAS
JOÃO ALEXANDRE NETTO BITTENCOURT

Organizadores

EX LIBRIS: ESTUDOS JURÍDICOS DA


ULBRA CAMPUS CACHOEIRA DO SUL
5ª Edição

São Paulo
PerSe Editora
2015
Título
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul.

Todos os direitos reservados aos organizadores. Proibida a reprodução no todo ou em


parte, salvo em citações com a indicação da fonte.

Printed in Brazil/Impresso no Brasil

ISBN: 978-85-8196-941-1

Organização e diagramação: Organizadores

Capa: Felipe Bonoto Fortes

Autoria e revisão: Autores

É de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos e opiniões, bem como a


originalidade dos respectivos textos.

Ficha Catalográfica:
A866e Freitas, Daniel Dottes de; Bittencourt, João Alexandre Netto. (Orgs).
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul / Daniel Dottes
de Freitas; João Alexandre Netto Bittencourt. São Paulo: Perse, 2014.
185 p. 14 x 21
ISBN: 978-85-8196-941-1
1. A (in) validade da denúncia anônima no processo penal: uma leitura constitucional. 2.
Produção de provas mediante infiltração policial em organizações criminosas. 3.Colisão de
direitos fundamentais ou colisão de valores (?): Um problema para intérprete das leis. 4.
Trabalho doméstico e a evolução no âmbito legislativo observadas as alterações introduzidas
pela EC 72/2013. 5. Abandono afetivo e suas consequências na formação humana frente à
responsabilidade civil. 6. O dever de indenizar por dano afetivo nas relações paterno-filiais.
Título.
CDD: 342
Índice para catálogo sistemático
1. A (in) validade da denúncia anônima no processo penal: uma leitura constitucional:Produção de provas
mediante infiltração policial em organizações criminosas: Colisão de direitos fundamentais ou
colisão de valores (?): Um problema para intérprete das leis: Trabalho doméstico e a evolução
no âmbito legislativo observadas as alterações Introduzidas pela EC 72/2013: Abandono
afetivo e suas consequências na formação humana frente à responsabilidade civil : O
dever de indenizar por dano afetivo nas relações paterno-filiais. Título.
342
APRESENTAÇÃO

A presente publicação, denominada Ex Libris: Estudos


Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul é produzida pelo
seu Curso de Direito e tem por objetivo fomentar a pesquisa
discente e docente.
Nesta quinta edição foram publicados trabalhos que
apresentaram pesquisa em assuntos recentes, como a Lei do
Crime Organizado e o Dano Afetivo, dentre outros,
demonstrando a contribuição da publicação no
desenvolvimento do interesse do graduando na realização de
suas pesquisas ainda durante período normal do curso.
A ideia básica da publicação da quinta edição do livro
do direito é a mesma desde seu lançamento. É fomentar a
pesquisa na Universidade e entregá-la à comunidade, jurídica ou
alienígena. Não há dúvida que a pesquisa está ligada
intrinsecamente à educação e ao progresso da humanidade.
O direito é uma das ciências que mais sofre
transformações, pois indissociável, mesmo que com certa
lentidão, da evolução do homem. Diante disso a pesquisa
desenvolvida pelos jovens pesquisadores deve ser fomentada na
Universidade. Nessa senda o Curso de Direito da ULBRA,
campus Cachoeira do Sul tem se destacado, promovendo
semestralmente a premiação com a publicação das melhores
pesquisas desenvolvidas no templo do saber.

Os organizadores.
SUMÁRIO

A (IN) VALIDADE DA DENÚNCIA ANÔNIMA NO


PROCESSO PENAL: UMA LEITURA
CONSTITUCIONAL. Bárbara Nunes
Moura..........................................................................................................

PRODUÇÃO DE PROVAS MEDIANTE


INFILTRAÇÃO POLICIAL EM ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS. Bruna Trindade Machado...............................................

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS OU


COLISÃO DE VALORES (?): UM PROBLEMA PARA
INTÉRPRETE DAS LEIS. Juliana de Loreto
Colbeich...................................................................................

TRABALHO DOMÉSTICO E A EVOLUÇÃO NO


ÂMBITO LEGISLATIVO OBSERVADAS AS
ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA EC 72/2013.
Luciana Fortes Freitas...............................................................

ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


NA FORMAÇÃO HUMANA FRENTE À
RESPONSABILIDADE CIVIL. Magali Bilstein
Amaral......................................................................................

O DEVER DE INDENIZAR POR DANO AFETIVO


NAS RELAÇÕES PATERNO-FILIAIS. Rafaela
Florence.....................................................................................
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

A (IN)VALIDADE DA DENÚNCIA ANÔNIMA


NO PROCESSO PENAL: UMA LEITURA
CONSTITUCIONAL

Bárbara Nunes Moura1

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo


principal analisar se é possível o início de uma investigação
criminal com base em denúncias anônimas esua valoração na
sentença penal. Neste aspecto, também se questiona a carga
valorativa atribuída no processo penal aos depoimentos
policiais que forem baseados em denúncias anônimas ou
informação oriunda de informantes não identificados,
verificando a (in)validade das denúncias anônimas no âmbito do
processo penalcom base tão somente emsuspeitas não
identificadas. Salienta-se ainda que a pesquisa dará enfoque às
garantias do processo judicial, notadamente a plenitude de
defesa e o contraditório, consagrados na Constituição Federal
de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal.
Denúncia anônima. Processo penal. Garantias do processo
judicial. Investigação. Plenitude de defesa.

1Bárbara Nunes Moura, acadêmica do curso de Direito da Universidade


Luterana do Brasil - ULBRA, Campus Cachoeira do Sul. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de TCC II como requisito
parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor Orientador:
Robinson Fabiano da Silva Zahn.
9
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ABSTRACT: This study aims to analyze whether it is


possible to begin a criminal investigation based on anonymous
complaints Esua rating in criminal sentencing. In this respect,
also questions the evaluative load assigned in criminal
proceedings the police statements that are based on anonymous
complaints or information from a unidentified informant,
verifying the (in) validity of anonymous complaints under the
procedure penal com based simply em suspeitas unidentified .
Note also that the research will focus on the guarantees of the
judicial process, notably full defense and contradictory,
enshrined in the Federal Constitution of 1988.
KEYWORDS: Federal Constitution. Anonymous tip.
Criminal proceedings. Guarantees of judicial proceedings.
Research. Full defense.

SUMÁRIO:1 Introdução. 2 História da denúncia anônima. 3


Investigação preliminar policial iniciada a partir da denúncia
anônima . 4 Da ampla defesa, do devido processo legal e do
contraditório. 5 A prova obtida pelo agente/policial através de
denúncias anônimas ou de informação não identificada. 6 Da
possibilidade ou não da isenção da denúncia anônima. 7
Considerações finais. 8 Referências.

1 Introdução
A pesquisa que ora se apresenta tem por objetivo
principal analisar a inconstitucionalidade no agir do Poder
Judiciário ao aceitar as denúncias anônimas como início de
prova a dar ensejo à investigação criminal, bem como verificar
porque tais denúncias estão sendo incorporadas formalmente
nos autos processuais sem que seja observada a regularidade da
matéria processual constitucional e o direito do cidadão
10
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

enquanto suspeito de prática delitiva. Ainda há de se falar sobre


os depoimentos dos agentes policiais que são motivos
relevantes e (in)satisfatórios para fundamentar um decreto
condenatório,bem como seus efeitos frente ao ordenamento
jurídico.
Nesse sentido, faz-se necessário um breve relato sobre a
investigação preliminar policial como elemento necessário para
se iniciar o processo criminal, para posteriormente se ingressar
na análise dos direitos constitucionalmente assegurados da
ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório,
fazendo uma releitura constitucional, para que se possa, então,
analisar a prova obtida pelo agente policial através de denúncias
anônimas ou de informantes não identificados, notadamente,
quando são os únicos meios de prova encartados no processo
penal.
Por fim, cuidar-se-á da análise se é possível formular
uma sentença condenatória com base em denúncias anônimas,
relatos de informantes não identificados e depoimentos de
agentes policiais sem qualquer prova material do fato, porém
lastreados e com base em denúncias infundadas, notadamente
anônimas. O objetivo específico, neste aspecto, é apresentar ou
colaborar para indicar o caminho mais adequado e legalmente
justo conforme os direitos e garantias que temos assegurados na
nossa Constituição Federal.
Diante do exposto, nota-se que esta pesquisa busca
rediscutir a orientação jurisprudencial, notadamente de tribunais
inferiores, que autoriza e valida a prova obtida por meio de
denúncia anônima ou de informantes não autorizados. No
mesmo sentido, rediscute-se a validade dos depoimentos
prestados por agentes policiais e a presunção de legitimidade
11
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

dos referidos depoimentos e estabelecer parâmetros


constitucionais na valoração dessas provas.

2 História da Denúncia Anônima

A denúncia anônima teve origem no Brasil através do


programa ―disque denúncia‖, classificada como um serviço de
combate ao crime, operacional em alguns estados brasileiros,
sendo o que o primeiro disque denúncia surgiu em 1995 no
estado de Rio de Janeiro, idealizado por um grupo privado.
Conforme a lição de Cunha e Novelino:

O programa foi concebido no Rio de Janeiro, no ano de 1995,


quando a cidade vivia uma dramática onda de violência. A convite
do Movimento Rio de Combate ao Crime (MOVRIO), entidade
civil que arrecada doações privadas para dividir com o Governo do
Estado os custos do programa, José Antônio Borges Fortes, Zeca
Borges, engenheiro civil formado pela UFRJ, com experiência de
quase três décadas no mercado financeiro, idealizou um serviço de
atendimento telefônico que disponibilizasse ao cidadão um meio
para canalizar sua indignação, levando-o a colaborar com a polícia,
contribuindo para a integração entre esta e os cidadãos. Desse
modo, qualquer cidadão pode ajudar as autoridades a combater o
crime, e a segurança pública passa a ser uma questão não apenas de
polícia, mas de cidadania. 2

O resultado do programa foi visto de forma positiva,o


que provocou os outros estados brasileiros a adotarem e
organizarem seus próprios serviços de ―disque denúncia‖.

2CUNHA JÚNIOR, Dirley da. NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal


para concursos. 4ª ed. São Salvador: Jus Podvm, 2013.
12
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

No âmbito federal, tem-se o chamado ―disque 100‖3,


que é um serviço de proteção às crianças e aos adolescentes
com foco no combate à violência sexual, vinculado ao
Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual
contra Crianças e Adolescentes. Esse disque denúncia foi criado
em 1997 por organizações não governamentais que atuam na
promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Somente em 2003 o serviço passou a ser de responsabilidade do
governo federal. A coordenação e execução do Disque 100
ficou a cargo da Secretaria de Direitos Humanos, criada no
mesmo ano, vinculada à Presidência da República. O projeto
brasileiro foi baseado nas seguintes exigências: garantia
do anonimato do denunciante; garantia de que, mesmo sendo
financiado parcialmente com fundos públicos, não sofreria
qualquer ingerência política (todos os funcionários são
terceirizados4

3 Investigação Preliminar Policial iniciado a partir da


denúncia anônima

Inicialmente cumpre salientar que o modelo adotado


pelo Direito Brasileiro atribui à polícia a tarefa de investigar os
fatos ocorridos na notícia-crime, com o dever de realizar a
investigação preliminar, ou seja, a peça fundamental para a
determinação das provas preliminares e iniciais da persecução

3 http://www.sdh.gov.br/disque100/ouvidoria-disque-100
4 tp://pt.wikipedia.org/wiki/Disque_Den%C3%BAncia#Refer.C3.AAncias
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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

penal. O objetivo da investigação é colher provas e apurar se


houve a prática de uma infração penal e sua autoria.
Neste sentido, Tourinho Filho conceitua o inquérito
policial como sendo ―o conjunto de diligências realizadas pela Polícia
Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de
que o titular da ação penal possa ingressar em juízo‖5.
Dessa forma, entende-se que a investigação preliminar é
a base do processo penal, pois para iniciar um processo deve-se
averiguar o investigado e reunir todas as provas hábeis a
justificar a realização do inquérito, seguido pelo processo
penal.Ademais, o inquérito policial não tem valor probatório
para sentença condenatória, pois se trata de fase procedimental
administrativa, fase aliás, que não observa o direito à ampla
defesa e ao contraditório.
Conforme leciona Oliveira:

Convém insistir que o inquérito policial, bem como quaisquer


peças de informação acerca da existência de delitos, destina-se
exclusivamente ao órgão da acusação, não se podendo aceitar
condenações fundadas em provas produzidas unicamente na fase
de investigação. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria
manifesta‖.6

Assim, verifica-se que a denúncia anônima ou


informação de informantes não identificados é um dos meios
comumente usados para a autoridade tomar conhecimento de
um fato criminoso e começar uma investigação policial, a qual
denomina-se como delatio criminis inquelificado (denúncias de

5TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal. volume I, 26.


ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 196.
6 OLIVEIRA, Eugênio Pacellide,Curso de Processo Penal, 7. ed. rev. ampl. e

atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 11.


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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

terceiros). Após a denúncia a autoridade policial deverá conferir


a veracidade dos fatos narrados pela denúncia na forma de
investigações preliminares antes da abertura do inquérito
policial.

Neste sentido o entendimento de Oliveira:

Mas, no que respeita à fase investigatória, observa-se que, diante da


gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da informação, a
autoridade policial deve encetar diligências informais, isto é, ainda
no plano da apuração da existência do fato – e não da autoria –
para comprovação da idoneidade da notícia. É dizer: o órgão
persecutório deve promover diligências para apurar se foi ou não,
ou se está ou não, sendo praticada a alegada infração penal. O que
não se deve é determinar a imediata instauração de inquérito
policial sem que se tenha demonstrada nem a infração penal nem
mesmo qualquer indicativo idôneo de sua existência. 7

No entanto, as denúncias anônimas ou os informantes


não identificados não podem motivar o procedimento
investigatório por afrontar os direitos e garantias individuais,
pois a prova produzida a partir de um informante anônimo é
inconstitucional, trazendo em si uma nulidade patente na prova.
Imperioso mencionar que em nosso ordenamento jurídico o
anonimato é vedado, conforme dispõe o artigo 5º, inciso IV, da
CF8, sendo ilícito o uso de provas obtidas através de denúncias
anônimas ou informações escondidas através do anonimato.
Neste viés, cumpre observar que Supremo Tribunal
Federal, ao pronunciar-se sobre o tema em exame, deixou
consignado, com absoluta correção, que o procedimento
7OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 46.
8 Constituição Federal artigo 5° inciso IV.

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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

investigatório não pode sequer ser instaurado com base em


escrito anônimo:

‗INQUÉRITO POLICIAL. CARTA ANÔNIMA.. O Superior


Tribunal de Justiça não pode ordenar a instauração de inquérito
policial, a respeito de autoridades sujeitas à sua jurisdição penal,
com base em carta anônima. Agravo regimental não provido.9

Ademais, não se trata somente de erro da autoridade


policial, pois inúmeras vezes o Ministério Público solicita a
abertura de Inquérito para apuração de uma denúncia anônima.
Ainda, há de se falar que as denúncias anônimas, ou informação
oriunda de informante não identificado é apenas uma notícia ou
informação sem rosto, que deve ser averiguado previamente
antes de se iniciar o procedimento acusatório.

4 A garantia do devido processo legal, ampla defesa e


contraditório
A garantia do devido processo legal, ampla defesa e
contraditório, vêm estampada nos incisos LIV e LV do artigo
5º da Constituição Federal, o qual dispõe que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:
[...]
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal;

9Inq 355-AgR/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER


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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,


e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.10

Segundo o ensinamento de Bastos e Martins:


Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é
feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o
processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade.
É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá
na inquirição de testemunhas, ora na designação de um
defensor dativo, não importando, assim, as diversas
modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta
salientar o direito em pauta como um instrumento
assegurador de que o processo não se converterá em uma luta
desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das
armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar
negativas. Não, forçoso se faz que ao acusado se possibilite a
colocação da questão posta em debate sob um prisma
conveniente à evidenciação da sua versão.11

Sobre este aspecto, faz-se necessário mencionar a


necessidade de observância aos princípios constitucionais do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa,
especialmente em matéria que pode determinar o atingimento
direto de garantias fundamentais preconizadas pela Constituição
Cidadã. E também, logicamente, das garantias que vedam às
denúncias anônimas, as provas ilegais e as ilicitamente
incorporadas ao inquérito policial e ao processo penal.É por
esse motivo que se reconhece que a defesa ganha um caráter
necessariamente contraditório e garantidor.

10Constituição Federal artigo 5° incisos LIV e LV.


11inComentários à Constituição do Brasil, 2º Volume – Celso Ribeiro
Bastos e Ives Gandra Martins, Arts. 5º a 17, pág. 266
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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

No processo constitucional penal, nada poderá ter valor


inquestionável ou irrebatível. Além disso, não somente deve ser
assegurado o direito do réu de contraditar, mas de efetivamente
possibilitar que o mesmo possa contradizer, contraproduzir e
até mesmo de contra-agir processualmente.
Vicente Greco Filho sintetiza o princípio de maneira
bem prática e simples:

"O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos:


a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação;
b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido
inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a
prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar
presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as
observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão
desfavorável."1213

A obediência dos referidos princípios não se dá apenas


com o conhecimento dos atos processuais (publicidade), mas
também com a efetiva possibilidade de contestar, contrariar,
opor-se, impugnar todos atos processuais, possibilitando o
exercício pleno, em favor do réu, da mais ampla e possível
defesa. Todos os atos e circunstâncias veladas que não são
passados pelo contraditório e pela ampla defesa são
notadamente inconstitucionais. Não há devido processo legal
quando o juiz de direito não permite ao acusado tomar pleno
conhecimento das provas que existem contra si ou quando

12GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 2.º Volume. 11.ª
Edição atualizada. Editora Saraiva. São Paulo, 1996. p. 90.
13Vale notar que o Professor Vicente Greco Filho engloba, nos elementos

que compõem o Princípio do Contraditório, os próprios elementos do


Princípio da Ampla Defesa – indissociáveis dentro da natureza dos
princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

impossibilita o réu de usar todos os mecanismos de defesa que


estão ao seu alcance.
A Constituição Cidadã assegura o mais amplo direito de
defesa (com os meios e recursos inerentes), o contraditório e o
devido processo legal, como direitos e garantias fundamentais
do cidadão (Artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988). Acontece que ao
elencá-los como direitos e garantias fundamentais do cidadão
brasileiro, a Carta Magna está, ao mesmo tempo, assegurando
direitos e garantias fundamentais e impondo limites à atuação
do Estado. O Estado na persecução penal não pode violar
direitos fundamentais, assegurados pela Carta Política de 1988,
sob pena de violar todo o sistema constitucional vigente,
exatamente naquilo que é mais fundamental. Neste sentido
deve-se ter presente que os direitos fundamentais são direitos
eminentemente de defesa. E mais, são preponderantes, são
superiores à persecução penal do Estado. É exatamente este um
dos motivos de sua existência: para que sirvam de defesa contra
o próprio Estado.
Assim, os direitos fundamentais cumprem, no dizer de
J.J. GOMES CANOTILHO:

―a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla


perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas
de competência negativa para os poderes públicos, proibindo
fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica
individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de
exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e

19
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar


agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).‖14

Isto tudo, porque deve-se impedir a produção e a


utilização de ―prova‖ com base em informante não identificado,
por óbvia violação ao devido processo legal, conforme veremos
a seguir.

5 A prova obtida pelo agente estatal/policial através de


denúncias anônimas ou de informante não identificado

Na atualidade, tem se tornado prática comum os


agentes policiais, quando ouvidos em juízo, mencionarem que
tomaram conhecimento dos fatos por informantes não
identificados ou mesmo com base em denúncias anônimas. Se
de um lado os tribunais vêm reconhecendo a validade do
depoimento pessoal, esta validade deve ser afastada quando o
agente policial tomou conhecimento do fato por meio de
informantes não identificados ou por meio de denúncias
anônimas.
Na obra “A Constituição e o Supremo” é cristalino o
entendimento que denúncias anônimas não podem ser
incorporadas formalmente nos autos de processo criminal,
estabelecendo como exceção apenas quando os documentos
forem produzidos pelo próprio acusado, ou ainda quando
constituírem, eles próprios, o corpo de delito, cita-se:

14CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucinal. Coimbra: Almedina, 1993,


p. 541. No mesmo sentido: BARILE, Paolo. Diritti dell’uomo e liberta
fundamentali. Bolonha: Il Molino, p.13.
20
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

(...) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que
isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio
criminis, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas,
formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem
produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles
próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate
no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre com
cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que
corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o crimenfalsi,
p. ex.); (b) nada impede, contudo, que o Poder Público provocado
por delação anônima (‗disque-denúncia‘, p. ex.), adote medidas
informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação
sumária, ‗com prudência e discrição‘, a possível ocorrência de
eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o
objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados,
em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal
instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa
desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças
apócrifas; e (c) o Ministério Público, de outro lado,
independentemente da prévia instauração de inquérito policial,
também pode formar a sua opinio delicti com apoio em outros
elementos de convicção que evidenciem a materialidade do fato
delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde
que os dados informativos que dão suporte à acusação penal não
tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos
anônimos.15

Sobre este prisma, cumpre evidenciar que o sistema


jurídico do País e o seu ordenamento positivo não aceitam que

15Rel.Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11-


5-2005, Plenário, DJ de 11-11-2005, Rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, julgamento em 19-5-2011, DJE de 23-5-2011, Joaquim
Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011,
Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 23-3-2010, Primeira Turma, DJE de
30-4-2010; Rel. Min. MarcoAurélio, julgamento em 7-8-2007, Primeira
Turma, DJ de 23-11-2007. Vide, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 2-
2-2010, Segunda Turma, DJE de 26-3-2010.
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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

meras denúncias anônimas possam, em linha de princípio e por


si só, isoladamente, justificar a imediata instauração da persecutio
criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art.
5º, IV), daí resultando o inegável desvaler jurídico de qualquer
ato oficial de qualquer agente estatal que repouse o seu
fundamento sobre comunicação anônima.
Merece destacar, ainda, que, conforme já mencionado, a
Constituição Federal, veda o anonimato, devendo ser
reconhecida impropriedade das denúncias anônimas como
mecanismo para se iniciar uma investigação criminal. Da mesma
forma, deve ser invalidado o depoimento policial que,
embasado em denúncias anônimas ou em declarações de
informantes não identificados, contamina o processo com o
vício da inconstitucionalidade.
É lamentável e censurável que juízes, em inúmeras vezes
autorizem a autoridade policial a fazer referência expressa aos
documentos apócrifos, às denúncias anônimas e também à
informação obtida de pessoa não identificada, tudo no evidente
e claro propósito de ―criar‖ prova não obtida licitamente e em
inegável afronta ao texto constitucional.
Ressalte-se que, no que diz respeito ao anonimato e à
utilização desse tipo de prova em processos penais, o Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já
manifestaram segundo precedentes específicos, criando
entendimento consolidado, veja-se:

Investigação criminal (início). Delação (falta de assinatura).


Anonimato (vedação). Identificação posterior (irrelevância).
Incompatibilidade de normas (antinomia).

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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Em nosso conjunto de regras jurídicas, normas existem sobre


sigilo, bem como sobre informação; enfim, normas sobre segurança
e normas sobre liberdade.
Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de
princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a
liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida,
salvo à frente da própria vida.
É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato
(Constituição, art. 5º, IV). À vista disso, delação não assinada não
pode dar início a investigação criminal. Requer o ordenamento
jurídico brasileiro – e é bom que assim requeira – que também o
processo preliminar – preparatório da ação penal – seja iniciado
sem mácula.
Tampouco se admite, em razão de posterior identificação do autor,
venha à baila a figura da ressurreição, porque, se admissível fosse,
estar-se-ia admitindo o comportamento de quem se escondeu para
acusar.16
Anonimato – Notícia de prática criminosa – Persecução criminal –
Impropriedade. Não serve à persecução criminal notícia de prática
criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação
constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros
próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a
implemente.17
Os fundamentos que afastam a possibilidade de
validação de depoimento policial embasado em denúncia
anônima, como ato formal, reside, precisamente, no inciso IV
do art. 5º da Constituição da República. Conforme já
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, peças duvidosas
não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo. Da
mesma forma, depoimento policial que tem por base
informações obtidas de forma anônima, resta contaminado pelo
vício de inconstitucionalidade. A reprodução da
inconstitucionalidade, ainda que de forma sistemática, não
16 STF, Agravo na Sd 100/to, Relator. Ministro Marcio Ribeiro, julgado em
04/03/2009.
17 STF, HC 84.827, Relator. Ministro Marcos Aurélio, julgamento em 7-8-07,

Dj de23-11-07.
23
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pode, jamais, conduzir para a convalidação do erro. Se


denúncias e informações decorrentes de anonimato, sem
qualquer identificação e sem qualquer possibilidade de
contradição pela defesa, não são e não podem ser consideradas
sequer como um auxílio à prova, o depoimento policial que tem
por base provas ilícitas deve ser invalidado e desentranhadas
dos autos, uma vez que inconstitucionais desde sua origem.
Registre-se, também, que não há como contraditar uma
informação anônima obtida por um agente policial que gera
boa- fé, pois a defesa sequer vem a saber quem foi o
denunciante. Pode ter sido um inimigo do réu, ou pode ser, até
mesmo, um criminoso tentando imputar a sua própria prática
delitiva para terceira pessoa, na manifesta tentativa de desviar a
atenção e fugir de uma eventual investigação efetiva e concreta
contra si. Motivos pelos quais o entendimento doutrinário e
jurisprudencial majoritário são no sentido de que se deve
impedir a produção e a utilização de ―prova‖ com base em
informante não identificado, sob pena de gravíssima violação ao
direito de se contraditar a prova e exercitar efetivamente a
ampla defesa, garantias claramente asseguradas ao réu pela
Carta Magna.
Sobre o tema, vale mencionar, como referência no
direito processual brasileiro, a obra de Antonio Magalhães
Gomes Filho: Direito à prova no processo penal, especialmente
quando leciona que:

Um exemplo bem significativo da compreensão do direito à prova


nos ordenamentos ingleses e norte-americanos é fornecido pelo
tratamento dispensado à problemática introdução no processo de
elementos obtidos através da investigação policial: embora se
reconheça aos funcionários da polícia a faculdade de omitir a
identidade de seus informantes (informer’sprivilege), para maior
24
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

eficácia da repressão, entende-se não ser possível qualquer


referência aos dados obtidos por essa forma no testemunho
prestado pelo policial durante o julgamento, pois isso atentaria
contra a hearsayrule, permitindo ao júri tomar conhecimento de
18
provas oriundas de uma fonte não sujeita à crossexamination.

Com efeito, vale referir, também, o voto do eminente


Ministro Ari Pargendler, o qual entende que ―o artigo 5º, item
IV, da Constituição Federal garante a livre manifestação do
pensamento, mas veda o anonimato. A carta anônima não
pode, portanto, movimentar polícia e justiça sem afrontar a
aludida norma constitucional‖.19
Neste viés, incumbe rememorar, a precisa lição de
Marques:

No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação


caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código penal, arts. 339
e 340), o que implica a exclusão do anonimato na notitia criminis,
uma vez que é corolário dos preceitos legais citados a perfeita
individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que
possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente. 20

O referido autor, inclusive, faz referência ao italiano


Giovanni Leone, ao mencionar que não se deve incluir o escrito
anônimo entre os atos processuais, não servindo ele de base à
ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz.

18GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal.


Editora Sairaiva, São Paulo, 1997, p. 60-61.
19 STJ, Inq. 355 – AgR/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER.
20JOSÉ FREDERICO MARQUES (―Elementos de Direito Processual

Penal‖, vol. I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari,
2000, Millennium
25
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Faz-se imprescindível ressaltar que através do Decreto


nº 678, de 6 de novembro de 1992, foi promulgada no Brasil a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica) de 22 de novembro de 196921, sendo
determinado no artigo 1º do referido decreto que a mesma
deverá ser cumprida inteiramente no Brasil. Destarte a garantia
da defesa possui estatura e dignidade constitucionais, por força
do artigo 5º, §2º da Constituição Federal, na medida que
complementa e reforça o rol do art. 5º, caput, da Lei Maior22,
sabidamente exemplificativo.
Ora, havendo terceira pessoa (informante ou mesmo
denunciante anônimo) que poderia esclarecer os fatos, ou seja,
havendo outra pessoa que possa lançar luz sobre os fatos,
deveria a mesma ser convocada ao processo. Se não vier ao
processo judicial, deve-se entender não ser possível qualquer
referência aos dados obtidos por essa forma de obtenção ilícita
de prova, inclusive no que tange aos testemunhos prestados
pelos agentes policiais durante a instrução processual, por
violação do due processo law, e, ainda, por violação as garantias da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, recepcionadas

21Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, foi promulgada no Brasil a


Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica)
22Constituição Federal de 1988.

Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
26
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

pelo direito pátrio e que possuem a mesma força normativa das


normas constitucionais.
Sendo assim, pode-se afirmar que as condenações
baseadas em denúncias anônimas são totalmente ilícitas, pois,
conforme salientado acima, as denúncias anônimas são inválidas
e a denúncia apócrifa não constitui elemento de prova,
especialmente porque não garante ao acusado o direito de
exercitar a plenitude de defesa assegurada constitucionalmente
através dos princípios do devido processo legal, contraditório e
ampla defesa.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, de forma
paradigmática, vem consolidando essa orientação:

Competência do Superior Tribunal (originária). Notícia-Crime


(delação anônima). Anonimato (vedação). Relator (competência). 1.
Compete ao Superior Tribunal processar e julgar, originariamente,
nos crimes comuns, entre outras pessoas, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados. 2. O ordenamento jurídico
brasileiro, inquestionavelmente, requer – e é bom que assim
requeira – que também o processo preliminar – preparatório da
ação penal – inicie-se sem mácula. 3. Se as investigações
preliminares foram iniciadas a partir de correspondência anônima,
as aqui feitas tiveram início, então, repletas de nódoas, melhor
dizendo, nasceram mortas ou, tendo vindo à luz com sinais de vida,
logo morreram. 4. Cabe ao Ministério Público, entre outras
funções, a defesa da ordem jurídica, ordem que, entre nós, repele o
anonimato (Constituição, art. 5º, IV). 5. Questão de ordem que,
submetida pelo Relator à Corte Especial (Regimento, art. 34, IV),
foi pela Corte acolhida a fim de se determinar o arquivamento dos
autos. Votos vencidos".23

23STJ
- QO na NC 280/TO, Rel. Ministro NILSON NAVES, CORTE
ESPECIAL, julgado em 18/08/2004, DJ 05/09/2005 p. 194).

27
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Neste viés, calha mencionar que a orientação


jurisprudencial contemporânea vem gradativamente se
aperfeiçoando no sentido de assegurar as garantias
constitucionais, com um discurso de corte notadamente
constitucional, transformando o processo penal em um
processo constitucional penal.

6 Da possibilidade ou não da isenção do depoimento


policial baseado em denúncia anônima
O depoimento policial não vale isoladamente, no meu,
como prova para fundamentar uma sentença condenatória, pois
mesmo e apesar dos depoimentos dos agentes estatais serem
prestigiados pela doutrina e pela jurisprudência pátria, devem
ser analisados sob à luz da Constituição Federal de 1988,
assegurando os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.
Se é certo que os agentes policiais podem testemunhar o que
visualizaram, de outra forma, não lhes é autorizado agir de
forma inconstitucional, tomando como base provas
contaminadas pelo vício da inconstitucionalidade,
especialmente quando o conhecimento do fato pelos agentes
estatais se deve a informações anônimas ou oriunda de pessoas
não identificadas.
É necessário ter provas seguras, efetivas, concretas e
constitucionalmente encartadas no processo para que se possa
atingir a garantia da liberdade do cidadão, especialmente para
que ocorra fundamentação válida em eventual sentença penal
condenatória. Vale salientar que a condição de policial, por si
só, mesmo trazendo eventual credibilidade, não traz consigo
uma garantia ínsita de presunção de legalidade e legitimidade,
28
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

especialmente quando confrontada com o escopo


constitucional dos direitos do cidadão. Pensar de formar
contrária, seria legitimar a atuação policial inclusive contra a
Constituição Federal.
Ao ser contaminado por uma denúncia anônima ou por
informação decorrente de informante não identificado, a
investigação resta contaminada pelo vício da
inconstitucionalidade.
Em face de tais considerações, resta claro que uma
denúncia anônima, por inconstitucional, sequer deve ser
encartada nos autos de um procedimento penal, servindo tão
somente para investigações preliminares, jamais como
mecanismo de prova. Conforme já sustentado, ao não ter
identificação, o informante e a denúncia imprópria, padecem de
qualquer credibilidade constitucional, servindo, inclusive, para
afirmar fatos falsos, inconsistentes e, não raras vezes, para
obtenção de vantagens pessoais e/ou mudança de foco da
investigação policial. Ao ser incorporada inconstitucionalmente,
a respectiva denuncia contamina o processo constitucional
penal. Desta forma, se as denúncias anônimas não podem
sequer serem incorporadas formalmente aos autos de um
procedimento investigatório (que seria a fase pré-processual),
obviamente os agentes policiais não podem testemunhar em
juízo, fato que não visualizaram, mas que tomaram
conhecimento por denúncia anônima ou mesmo por
informante não identificado.
Neste sentido, um juiz de direito ao condenar um réu,
sob a alegação de validade da prova obtida por denúncias
apócrifas e de informantes não identificados, atribuindo
credibilidade aos agentes estatais, notadamente com base em
29
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

depoimentos policiais contaminados, acabaria por legitimar um


agir claramente inconstitucional. Seria a convalidação de um
agir inconstitucional em nome da defesa incondicional dos
agentes estatais. Eis uma carta branca ao agir inconstitucional.

7 Considerações Finais
Diante de toda análise realizada, verificamos que as
investigações estão sendo iniciadas em base das denúncias
anônimas e informações de informantes não identificados,
como se fossem válidas e materialmente constitucionais, em
que pese as mesmas não poderem ser incorporadas no
procedimento investigatório e movimentar a persecução penal
estatal, estando nesse caso em tela afrontando a aludida norma
constitucional garantidora de direitos fundamentais.
Além disso, tal circunstância priva do réu o direito de
contraditar, contradizer, contraproduzir e até mesmo de contra-
agir processualmente em relação a este tipo de prova
inconstitucional. Calha reforçar o entendimento que quando as
provas são obtidas por denúncias ou informações de pessoas
não identificadas não há como se saber qual é a prova e nem
mesmo sua procedência como prova. Isto acaba por não
garantir ao acusado o direito de exercitar a plenitude de sua
defesa, aliás, matéria assegurada constitucionalmente através
dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla
defesa.
Ademais a previsão constitucional exige que o autor do
pensamento se manifeste e assume formalmente os seus atos e
pensamentos. Só assim, afastando o anonimato é que será
possível assegurar o direito fundamental do réu, para que não

30
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

seja vítima de perseguições ou injustiças de difícil reparação.


Cumpre o processo penal ser lido sob a luz da nova ordem
constitucional, possibilitando ao réu o exercício pleno de seus
direitos, especialmente para que possa se defender,
amplamente, das acusações a ele direcionadas.
Dentro deste contexto, concluímos que o agente policial
ao prestar depoimento em juízo sobre os fatos ocorridos e
indícios baseados somente nas denúncias ou informações de
terceiros, acaba por agir de forma absolutamente
inconstitucional, o que deve ser inclusive evitado ou rechaçado
pela autoridade judicial. Tais circunstâncias sequer deveriam ser
encartadas no processo constitucional penal, devendo ser
consideradas como provas ilícitas. Caso colhida a prova em
violação aos preceitos constitucionais, devem as mesmas serem
ser invalidados e desentranhados dos autos, por decisão judicial
devidamente fundamentada.
Percebemos, também, que o assunto em tela é candente
e merece uma reflexão constitucional, sob pena de serem aceitas
provas ilícitas de forma absolutamente equivocadas e
inconstitucionais, inclusive em manifesta violação aos direitos
fundamentais de cada um dos cidadãos brasileiros.
Insta salientar, que investigações e sentenças
condenatórias devem ser feitas com base de fundamentos
concretos de forma solida, sempre preconizando o atendimento
pleno e efetivo dos direitos constitucionais, sob pena de
desrespeito ao sistema jurídico constitucional brasileiro.

31
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

8 Referências

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra.


Comentários à Constituição do Brasil, 2º Volume, Arts. 5º a
17, Saraiva, São Paulo, 1995.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucinal. Coimbra:


Almedina, 1993.

Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de


outubro de 1988, disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica
o.htm

CUNHA JÚNIOR, Dirleyda. NOVELINO,


Marcelo. Constituição Federal para concursos. 4ª ed. São
Salvador: Jus Podvm, 2013

Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, foi promulgada no


Brasil a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica)

32
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 2.º


Volume. 11.ª Edição atualizada. Editora Saraiva. São Paulo,
1996.

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual


Penal, vol. I, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari,
Millenium, 2000.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado.


10ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais LTDA, 2011.

OLIVEIRA, Eugênio Pacellide,Curso de Processo Penal, 7. ed.


rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 11ª ed.


Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional. 16ª Ed.,


São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal.


volume I, 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004.

33
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

STF, Agravo na Sd 100/to, Relator. Ministro Marcio Ribeiro,


julgado em 04/03/2009;

STF, HC 84.827, Relator. Ministro Marcos Aurélio, julgamento


em 7-8-07, Dj de23-11-07;

STJ, Inq 355-AgR/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER;

STJ - QO na NC 280/TO, Rel. Ministro NILSON NAVES,


CORTE ESPECIAL, julgado em 18/08/2004, DJ 05/09/2005
p. 194).

www.sdh.gov.br/disque100/ouvidoria-disque-100

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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

PRODUÇÃO DE PROVAS MEDIANTE


INFILTRAÇÃO POLICIAL EM ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS

Bruna Trindade Machado24

RESUMO: No Brasil, a criminalidade vem crescendo de


forma espantosa e a produção de provas para a incriminação do
indivíduo que comete atos ilícitos, torna-se imprescindível para
que a pena coercitiva seja aplicada. Com efeito, a polícia
brasileira, entre muitos dos métodos existentes, utiliza-se da
infiltração do agente policial em organizações criminosas, a fim
de detectar e combater as atividades ilícitas praticadas no
âmbito criminoso, bem como obter elementos probatórios a
serem utilizados em eventual propositura de ação penal contra
os acusados. Contudo, aponta-se a necessidade de averiguar os
limites da utilização dessa técnica investigativa, para que se
permita o uso em instrução processual.

PALAVRAS CHAVE: Infiltração Policial. Organização


Criminosa. Produção de Provas.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Histórico legislativo. 3 Conceito de


organização criminosa pelo advento da Lei 12.850/2013. 4
Infiltração policial como técnica investigativa da polícia. 4.1

24 Bruna Trindade Machado, acadêmica do Curso de Direito da


Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, campus Cachoeira do Sul.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de TCC II, como
requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor
Orientador: João Alexandre Netto Bittencourt.
35
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Modalidades da infiltração policial. 4.2 Requisitos para a infiltração


policial. 4.3 Sistematização do pedido de infiltração. 4.4 Conduta
do agente infiltrado. 5 Responsabilidade penal do agente infiltrado.
6 Produção de provas e sua valoração. 7 Conclusão. 8 Referências.

1 Introdução

O presente artigo científico propõe-se a analisar uma


das técnicas investigativas utilizadas pela polícia brasileira que
consiste na produção de provas por meio da infiltração de
agentes policiais em organizações criminosas, atualmente
amparada pela Lei nº 12.850/2013.
Seu principal objetivo é averiguar quais as atividades
ilícitas desenvolvidas no âmbito criminoso, de modo a prevenir,
repreender e utilizar as provas colhidas em possível ajuizamento
de persecução penal contra os acusados, objetivando a
condenação destes.
Com efeito, busca-se, também, averiguar a conduta do
infiltrado quando inserido na organização criminosa, de modo
que os atos praticados pelo policial não sejam desencadeadores
de mais crimes, frustrando o objetivo da operação, bem como
pretende verificar eventual responsabilidade do infiltrado em
caso de prática de condutas desproporcionais ao fim
pretendido.
Ainda, pretende analisar a possibilidade da utilização da
prova obtida por meio da infiltração dos agentes policiais como
base para a condenação do acusado.
Destarte, utilizará na sua abordagem o método
dedutivo, adotando como método de procedimento o histórico,
sendo que a pesquisa foi feita com a utilização de técnica
documental e bibliográfica, tendo como referência a utilização

36
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

de doutrina, legislação, e textos aplicáveis ao tema proposto,


com o objetivo de verificar como ocorre a produção de provas
mediante a infiltração do agente policial em organizações
criminosas.
Assim, ressalta-se a importância da exposição desse
método investigativo vez que, a partir do ano de 2013, a
legislação pátria supriu inúmeras pendências acumuladas no
decorrer de vários anos com a problemática da aplicação do
tipo penal àqueles que integravam às organizações criminosas,
bem como quanto à definição de ―organização criminosa‖.

2 Histórico legislativo

A utilização dessa prática, embora recente em nosso


ordenamento jurídico, foi discutida há alguns anos por meio do
Projeto de Lei 3.516/89. 25
Todavia, o inciso I, do art. 2º, desse Projeto de Lei, logo
foi vetado pelo Presidente da República, oportunidade em que
o Ministério da Justiça apresentou manifestação, salientando
que o dispositivo contrariava o interesse público, uma vez que
previa a infiltração do agente policial nas quadrilhas ou em
bandos independente da autorização do Poder Judiciário. 26
Citando Siqueira Filho, Pacheco sustenta que a
infiltração do agente policial em organizações criminosas, sem a
autorização judicial,

ficaria bastante difícil delimitar até onde iria o exercício daquela


atividade de ‗espionagem‘ e a partir de onde existiria,

25 PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e infiltração policial.


Curitiba: Juruá, 2011, p. 111.
26 Ibidem. p. 112.

37
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

verdadeiramente, uma colaboração ativa do agente infiltrado, na


própria prática delitiva, desvirtuando a razão de ser da infiltração. 27

Após o veto, no ano 2000, a discussão acerca da


infiltração policial veio à tona novamente.
Naquele período, conforme refere Pacheco, o Estado
do Rio de Janeiro era palco de grandes atividades criminosas
ligadas ao tráfico de entorpecentes, razão pela qual ―uma das
medidas propostas como parte da eventual solução para a crise
de (in) segurança pública, era a introdução do instituto da
infiltração de agentes, anteriormente rejeitada‖. 28
Resolvido o impasse da autorização judicial, o Projeto
de Lei 3.275/00 foi aprovado, passando a integrar em nosso
ordenamento jurídico a Lei 10.217/01, regulamentando a
infiltração de agentes policiais em ―tarefas de investigação‖,
mediante prévia autorização judicial. 29
Posteriormente, a respectiva técnica de investigação
criminal foi introduzida na Lei 10.409/02, ―como ferramenta de
repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes‖30, em seu art. 33,
inciso I.
Atualmente, esse método investigativo utilizado pela
polícia brasileira também é encontrado na Lei 11.343/06, Lei de
Tóxicos, tendo esta, revogado as Leis 6.368/76 e 10.409/02,
trazendo no texto do art. 53, inciso I, a seguinte determinação:

27 SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley Siqueira. Repressão ao crime organizado,


1995. Apud: PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e
infiltração policial. Curitiba: Juruá, 2011, p. 112.
28 PACHECO, 2011, p. 112.
29 BRASIL. Lei 10.217 de 11 de abril de 2001. Crime Organizado. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 01 nov 2013.


30 PACHECO, op. cit., p. 113.

38
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos


crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em
lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os
seguintes procedimentos investigatórios:
I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação,
constituída pelos órgãos especializados pertinentes. 31

Para Martins, no artigo da Lei de Tóxicos, acima


referido, são encontradas duas peculiaridades. Uma quanto à
permissão da infiltração tão somente para os agentes da polícia,
―que diverge da Lei nº 9.034/95, onde a permissão é
dada tanto para agentes de polícia como para agentes de
inteligência‖. E outra, atinente à oitiva do Ministério Público
em concorrência com a autorização do Poder Judiciário, o que
não era determinado na Lei nº 9.034/95 alterada pela Lei nº
10.217/01. 32
A permissão apenas para os agentes da polícia para fins
de investigação contida na Lei de Tóxicos (art. 53, inc. I, da Lei
11.343/06), diverge do disposto na já revogada Lei 9.034/95
(art. 2º, inc. V, alterado pela Lei 10.217/01) que permitia a
infiltração tanto dos agentes de polícia quanto dos agentes de
inteligência em tarefas de investigação, disposições estas que
afrontavam o texto legal contido no art. 144 da Constituição da
República.
Por sua vez, o art. 144 da Constituição da República
prevê quais as instituições policiais existentes no Brasil,

31 BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 mar 2014.
32 MARTINS, Priscila Maria Alcântara. Infiltração policial em organizações

criminosas. 2010. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito)


– Faculdade de Ciências Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba,
2010. Disponível em: <http://tcconline.utp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
39
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

elencando do inciso I ao V os órgãos policiais que garantirão a


segurança pública em nosso país.
Tal afronta, se justifica pelo fato de o §1º, inc. IV e §4º,
do art. 144 da CF/88, incumbirem às Polícias Federal e Civil a
apuração de infrações penais, exercendo, inclusive, funções de
polícia judiciária, legitimidade essa que os agentes de
inteligência não detêm, devido à natureza das funções distintas
desempenhadas por eles.
Em contrapartida, as funções desenvolvidas pelos
agentes de inteligência são regulamentadas pela Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN), criada pela Lei 9.883/99,
órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN),
regulamentado pelo Decreto nº 4.376/02, sendo competência
da ABIN,

planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as


atividades de Inteligência do País, obedecidas a política e as
diretrizes superiormente traçadas na forma da legislação específica.
Compete, ainda:
I - executar a Política Nacional de Inteligência e as ações dela
decorrentes, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e
Defesa Nacional, do Conselho de Governo;
II - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à
obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos
destinados a assessorar o Presidente da República;
III - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis,
relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade;
IV - avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional;
V - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da
doutrina de Inteligência; e
VI - realizar estudos e pesquisas para o exercício e o
aprimoramento da atividade de Inteligência. 33

33ABIN. Agência Brasileira de Inteligência. Competências. Disponível em:


<https://www.abin.gov.br>. Acesso em: 20 mar 2014.
40
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Dessa forma, podemos afirmar que o legislador errou ao


permitir a infiltração dos agentes de inteligência em tarefas de
investigação (art. 2º, inc. V, da Lei 9.034/95), visto que inviável,
em decorrência da incompatibilidade das funções incumbidas
aos agentes de polícia e agentes de inteligência.

3 Conceito de organização criminosa pelo advento da Lei


12.850/2013

A legislação de nosso país vinha acumulando inúmeras


tentativas e fracassos na criação de um tipo penal específico
para aplicabilidade de sanção aos membros de organização
criminosa. Para isso era necessário definir um conceito para o
termo ―organização criminosa‖, o que veio ocorrer com o
advento da Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013.
O §1º, do art. 1º, da referida lei denomina organização
criminosa como:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou


mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão
de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta
ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a
4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. 34

Destarte, com a criação do tipo penal, o qual determina


o que é organização criminosa, é possível a aplicação de sanção
penal aos que praticarem tal conduta ilícita.

34 BRASIL. Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. Organização Criminosa.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 mar 2014.
41
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Segundo Nucci, o objetivo principal da Lei 12.850/2013


é a conceituação de organização criminosa, com posterior
determinação de tipos penais inerentes a esse ilícito, bem como
a forma de investigação e produção de provas. 35
Além de definir ―organização criminosa‖, a Lei
12.850/2013 revogou a antiga Lei 9.034/1995. Esta tratava do
crime organizado, todavia não especificava o tipo penal para
essa prática. Assim, a maneira encontrada para aplicar sanção
penal a essa atividade, era utilizar o tipo penal disposto no art.
288 do Código Penal, que tratava da quadrilha ou bando.
Todavia, referido dispositivo legal também foi alterado
pela nova Lei da Organização Criminosa, alterando-se a redação
e tipo penal do art. 288 do Código Penal para ―associação
criminosa‖, anteriormente tratada como ―quadrilha ou bando‖.
36

Assim, sintetizada nas palavras de Nucci, Organização


Criminosa recebeu o conceito de,

associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim


de praticar infrações penais, devidamente estruturada em
organismo pré-estabelecido, com divisão de tarefas, embora
visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a
ser partilhada entre seus integrantes.37

A Lei 12.850/2013 aperfeiçoou a definição de


―organização criminosa‖ contida no art. 2º da Lei 12.694/2012,
passando, atualmente, a indicar a sanção penal a ser aplicada em
eventual cometimento desse ilícito penal, cujas características

35 NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa comentários à lei 12.850,


de 02 de agosto de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 17.
36 Ibidem. p. 20.
37 Ibidem. p. 13 e 14.

42
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

para sua identificação são a divisão de tarefas, estabilidade,


ânimo de lucro e o planejamento, conforme aponta Baltazar
Junior. 38

4 Infiltração policial como técnica investigativa da polícia

A infiltração policial é um método de investigação que


requer treinamento diferenciado, uma vez que o agente
infiltrado assume identidade fictícia, cria novos
comportamentos, muda sua aparência e atitudes, com o intuito
de assemelhar-se ao criminoso.
Para Nucci, a inovadora técnica investigativa tem o
cunho de inserir o agente policial em organizações criminosas
de forma legal, ―como integrantes, mantendo identidades falsas,
acompanhando as suas atividades e conhecendo sua estrutura,
divisão da tarefas e hierarquia interna‖ (sic). 39
De início, é necessário que o agente infiltrado conquiste
a confiança dos demais membros da organização. Nesse
sentido, conforme leciona Pinto, o policial infiltrado utiliza-se
de uma informação confidencial para apresentá-la aos
integrantes da organização criminosa, com o fito de ser
facilmente aceito por eles.40
Há operações policiais em que são inseridos mais de um
agente policial, todavia, é necessária cautela no sentido de que
estes agentes não sejam conhecidos uns pelos outros. Tal

38 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição de


insuficiência. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 120.
39 NUCCI, 2013, p. 75.
40 PINTO, Soraya Moradillo. Infiltração policial nas organizações criminosas. São

Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007, p. 73.


43
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

procedimento torna-se importante, a fim de se testar a


veracidade das provas colhidas. 41

4.1 Modalidades da infiltração policial

Leciona Jamile José que a técnica investigativa pode


assumir duas importantes modalidades, dependendo do
objetivo a ser alcançado. Tais modalidades poderão ser dividas
em light cover e deep cover, considerando o envolvimento do
infiltrado e duração da infiltração. 42
Essas modalidades fazem parte das chamadas undercover
operations, conforme apontado por Pacheco. 43
A denominação light cover diz respeito às infiltrações
menos arriscadas, cuja duração não ultrapassa o período de seis
meses, possui baixo grau de experiência, planejamento e
supervisão do infiltrado, o qual se mantém na estrutura policial.
Sua finalidade é objetiva, cuja obtenção de provas poderá
resumir em apenas um encontro, não sendo necessária a
permanência contínua do policial na organização.44

41 Ibidem. p. 73.
42 JAMILE JOSÉ, Maria. A infiltração policial como meio de investigação de prova
nos delitos relacionados à criminalidade organizada. 2010. 191 f. Dissertação de
Mestrado (Mestrado em Direito Processual Penal) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
43 PACHECO, 2011, p. 126.
44 JAMILE JOSÉ, Maria. A infiltração policial como meio de investigação de prova

nos delitos relacionados à criminalidade organizada. 2010. 191f. Dissertação de


Mestrado (Mestrado em Direito Processual Penal) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
44
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Ao contrário da light cover, a deep cover tem duração


superior a seis meses, exigindo total imersão no âmbito da
organização criminosa.
Com efeito, os infiltrados assumem identidades falsas,
afastam-se de suas famílias, sendo considerada a modalidade de
infiltração mais arriscada. 45

4.2 Requisitos para a infiltração policial

Essa técnica investigativa da polícia não é uma tarefa


fácil, visto que, além de ser conhecida a estrutura física do
ambiente que o policial será inserido, é necessário que o
infiltrado esteja em condição emocional favorável para o início
da operação.
No entendimento de Martins, o que caracteriza esse
método investigativo ―são os disfarces e comportamentos
adotados pelo agente infiltrado, com intuito de despistar,
afastando dúvidas surgidas pelos membros da organização
investigada‖46.
Quando infiltrado, o agente policial não pode
transparecer sua profissão, tampouco que faz parte da
organização tão somente para o colhimento de provas, sob
pena de sofrer risco iminente pelos membros da organização.
Pinto leciona que o agente policial trabalhará e viverá
temporariamente como se fosse um integrante do grupo
criminoso, cujo objetivo é verificar a forma de desenvolvimento

45 PACHECO, 2011, p. 127.


46 MARTINS, Priscila Maria Alcântara. Infiltração policial em organizações
criminosas. 2010. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito)
– Faculdade de Ciências Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba,
2010. Disponível em: <http://tcconline.utp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
45
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

da atividade desempenhada pela organização, pontos


vulneráveis, quem são os integrantes, bem como os cargos
hierárquicos ocupados dentro do grupo, fornecedores e
clientes, dentre outras atividades, que serão utilizados como
elementos probatórios em eventual persecução penal. 47
Necessário, ainda, segundo entendimento de Pinto, que
o agente infiltrado seja policial e tenha habilidades como ―auto-
domínio, coragem, agilidade mental, presença de espírito e
adaptabilidade ao serviço‖ 48
Nucci aponta outros requisitos para a infiltração policial,
tais como ser agente policial, estar em tarefa de investigação,
autorização judicial motivada, indícios de materialidade,
subsidiariedade da infiltração policial, prazo de seis meses,
relatório circunstanciado e momento para infiltração, que,
quando devidamente atendidos, o êxito da operação é salutar. 49
Normalmente, os novatos é quem são escolhidos para
serem os infiltrados, visto que ainda não adquiriram hábitos
típicos de policial veterano, bem como pelo fato de não serem
muito conhecidos por outros policiais que estão na atividade há
mais tempo. 50
Todavia, o inc. I, do art. 14 da Lei 12.850/2013, refere
que é permitida a recusa de o agente ser um infiltrado ou a
desistência daquele agente já inserido.

47 PINTO, 2007, p. 68.


48 Ibidem. p. 69.
49 NUCCI, 2013, p. 76, 77 e 78.
50 PINTO, op. cit., p. 69.

46
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

4.3 Sistematização do pedido de infiltração

A nova Lei da Organização Criminosa, Lei nº 12.850 de


2013, aponta a necessidade de autorização judicial para a
infiltração policial nas organizações criminosas.
O art. 11 da mencionada lei refere que o Ministério
Público poderá requerer a infiltração, bem como o delegado de
polícia, mediante representação à autoridade judicial.
Todavia, no respectivo requerimento ou representação,
deverá ser demonstrada a necessidade da medida, especificando
o alcance das tarefas dos infiltrados, e, quando possível, os
nomes ou apelidos das pessoas investigadas, bem como o local
onde ocorrerá a infiltração.
Em regra, quando do pedido de infiltração policial, o
inquérito já estará instaurado, sendo tal requerimento realizado
em apenso próprio, de forma sigilosa, como estabelece o art. 12
da Lei nº 12.850/2013.
Posteriormente, os autos serão remetidos diretamente
ao juiz, no prazo de 24 horas, após parecer do Ministério
Público em caso de representação do delegado de polícia,
oportunidade em que serão adotadas medidas para a obtenção
de êxito nas investigações e segurança do policial infiltrado. Tal
disposição poderá ser encontrada no § 1º, do art. 12, da
respectiva Lei de Organização Criminosa.

4.4 Conduta do agente infiltrado

Após sua inserção no âmbito da organização criminosa,


o agente policial necessita representar ser uma pessoa confiável
para que consiga estar próximo a determinadas informações, de

47
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

modo a dar prosseguimento ao colhimento de conteúdo


probatório.
Entretanto, o infiltrado não poderá agir como um
agente provocador, ensejando a prática de um ato ilícito por um
dos membros da organização, vez que comprometeria a
validação da prova obtida.
Por outro lado, há situações em que, para convencer o
grupo criminoso de que é uma pessoa confiável, o agente
infiltrado terá de participar de ações ilícitas consideradas graves,
mas seus superiores não apoiam tais práticas, vez que poderia
ensejar complicações perante a Justiça. 51
Contudo, pode haver momentos em que não restará
alternativa ao infiltrado, senão a prática de delitos graves, sendo
este amparado pela excludente de culpabilidade prevista no
parágrafo único, do art. 13 da Lei 12.850/2013, havendo
necessidade de observar a ―proporcionalidade entre a conduta
do agente e a finalidade da investigação‖, de modo que o agente
seja imunizado por ―inexigibilidade de conduta diversa‖, ou
seja, eventual ato ilícito praticado, desde que cometido
proporcionalmente ao fim pretendido, não será punível. 52

5 Responsabilidade penal do agente infiltrado

O agente infiltrado deverá se atentar quanto à


proporcionalidade da conduta praticada e a finalidade da
investigação, conforme refere o art. 13, caput, da Lei
12.850/2013.

51 PACHECO, 2011, p. 74.


52 NUCCI, 2013, p. 82 e 83.
48
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Havendo desproporcionalidade entre a conduta do


agente e o objetivo da investigação, o policial responderá
criminalmente pelo ato praticado.
Este deverá agir nos limites estabelecidos. E para ser
amparado pela excludente de culpabilidade, a conduta do agente
deve ser proporcional ao objetivo pretendido, caso contrário,
responderá pelos excessos cometidos, consoante art. 13, caput,
da Lei 12.850/13.
Dessa forma, verificamos que é possível a aplicação de
pena àquele infiltrado que praticou atos desproporcionais ao
fim desejado.
Contudo, a nova Lei da Organização Criminosa, no
parágrafo único, do art. 13, trouxe uma exceção. A prática de
crime pelo infiltrado, no curso da investigação, não será punível
quando inexigível conduta diversa.
Assim, vejamos dois exemplos, um quanto à exclusão da
culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa e outro
atinente à conduta excessiva, a qual acarretaria a
responsabilidade do infiltrado pelos excessos cometidos no
curso da investigação.
Cunha exemplifica, no primeiro caso, um agente
infiltrado no grupo criminoso especializado em roubo de
automóveis que, em determinado momento, ―dá cobertura à
ação dos ―comparsas‖, permanecendo atento à eventual
aproximação da polícia‖, ou, em outra situação, com o objetivo
de tomar o automóvel da vítima, tenha que apontar uma arma
para esta. Nessas duas situações referidas neste exemplo, ―o
policial infiltrado comete ações que são próprias da
criminalidade na qual se encontra imerso e sua negativa em

49
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

auxiliar os demais autores poderia mesmo denunciar sua


condição de infiltrado‖. 53 No segundo caso, Cunha aponta que,

após se infiltrar em associação criminosa dedicada ao tráfico de


drogas, o agente se apodera de certa quantidade de droga e passa a
vendê-la, em ação que não guarda qualquer liame com a infiltração
e que nem mesmo é conhecida pelos demais integrantes do grupo.
54

Com efeito, no primeiro exemplo temos a exclusão de


culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa, visto que
foram atos praticados dentro do que a lei autoriza.
No segundo caso, por sua vez, a conduta exemplificada
foi praticada com abuso, cuja consequência é a
responsabilização na esfera criminal deste agente pelos excessos
cometidos.
Dessa forma, verifica-se que o agente infiltrado
responderá criminalmente pelas condutas praticadas
excessivamente ao fim pretendido, ou seja, o agente que matar
alguém durante a infiltração, por exemplo, conduta esta
praticada quando desnecessária, caracterizada como excessiva e
abusiva este responderá por homicídio. Todavia, será excluída a
culpabilidade deste, quando praticar ato em que for constatado
ser inexigível conduta diversa daquela realizada, bem como será
isento de pena pelo fato de integrar a organização criminosa.

53 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado:


comentários à nova lei sobre o crime organizado: lei nº 12.850/2013. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 112.
54 Ibidem. p. 112.

50
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

6 Produção de provas e sua valoração

Ao final da investigação policial, os resultados obtidos


consistem no conteúdo probatório produzido no curso da
infiltração policial.
A prova a ser utilizada em eventual persecução penal
contra o(s) acusado(s) é de suma importância, pois sua
finalidade é convencer o juiz na formação de sua convicção,
podendo resultar na aplicabilidade de sanção.
Utilizando-se das palavras de Greco Filho, Pacheco
sintetiza que:

A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu


destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma
ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja,
convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é
sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção
do Magistrado. 55

Para a admissibilidade das provas obtidas, é necessário


analisar se o conteúdo probatório foi produzido de forma lícita
ou ilícita, bem como se atendeu aos requesitos legais. Lícito, no
sentido de a prova coletada ter sido obtida nos limites
estabelecidos e de acordo com o ordenamento jurídico,
conforme referido anteriormente, e ilícito, se as provas foram
produzidas fora dos parâmetros determinados, de forma
abusiva e reprovável.

55GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 1997. Apud:


PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e infiltração policial.
Curitiba: Juruá, 2011, p. 137.
51
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Por outro lado, há algum tempo atrás, a doutrina de


nosso país dividiu-se quanto à admissibilidade, ou não, das
provas obtidas ilicitamente. Contudo, a doutrina dominante
tinha posicionamento contrário à admissibilidade dessas provas
ilícitas, tendo alguns autores optado pelo meio termo,
posicionando-se a favor da teoria da proporcionalidade,
resultante da jurisprudência alemã.
A teoria da proporcionalidade permite ao juiz admitir a
valoração da prova ilícita quando ―verificar a desproporção
entre sua admissão e o resultado danoso provocado pela sua
rejeição. Essa teoria pro societate vem sendo admitida nos
tribunais alemães para a repressão de crimes considerados
graves‖. 56
Todavia, em nosso ordenamento jurídico, a prova ilícita
não é admitida, conforme se depreende do art. 157, caput, do
Código de Processo Penal, onde refere que as provas ilícitas
deverão ser desentranhadas do processo.
Explica Martins que a prova ilícita viola a norma
constitucional e leis ordinárias, infringido normas de direito
material.57
Martins ainda refere que as provas serão ilegítimas,
quando produzidas com o fito de infringir normas de direito
processual. 58

56 PINTO, 2007, p. 62.


57 MARTINS, Priscila Maria Alcântara. Infiltração policial em organizações
criminosas. 2010. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito)
– Faculdade de Ciências Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba,
2010. Disponível em: <http: //tcconline.utp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
58 MARTINS, Priscila Maria Alcântara. Infiltração policial em organizações

criminosas. 2010. 70f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito)


52
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Destarte, cumpre ressaltar que as provas obtidas pelos


agentes infiltrados deverão ser produzidas em atenção à
legislação pátria, a fim de que sejam admitidas no processo.
No art. 3º, incisos I ao VIII, da Lei 12.850/2013, estão
especificados os meios de obtenção de provas que serão
permitidas no curso da persecução penal, sem prejuízo de
outros já previstos em lei. São elas:

[...]
I - colaboração premiada;
II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos;
III - ação controlada;
IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados
cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a
informações eleitorais ou comerciais;
V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos
termos da legislação específica;
VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos
termos da legislação específica;
VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na
forma do art. 11;
VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais,
estaduais e municipais na busca de provas e informações de
interesse da investigação ou da instrução criminal. 59

Contudo, Nucci pondera que esses outros meios de


obtenção de provas já previstos em lei, referem-se à prova
testemunhal, documental, pericial, as que envolvem confissão e

– Faculdade de Ciências Jurídicas, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba,


2010. Disponível em: <http://tcconline.utp.br>. Acesso em: 17 out 2013.
59 BRASIL. Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. Organização Criminosa.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 mar 2014.


53
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

interrogatório, bem como ―indício, acareação, reconhecimento


de pessoa ou coisa, busca e apreensão‖. 60
Ainda, a infiltração policial em organizações criminosas,
será permitida somente quando os elementos probatórios não
puderem ser colhidos por outros meios disponíveis,
necessitando, ainda, que haja indícios veementes de infração
penal, consoante determinação do parágrafo 2º, do art. 10, da
Lei 12.850/2013.
Quanto ao §2º, do art. 12 da Lei nº 12.850/2013, Nucci
pondera que tal dispositivo deve ser analisado de forma
cuidadosa, visto que o pedido da infiltração policial é
distribuído apensado ao inquérito policial, de forma sigilosa.
Contudo, uma vez que há denúncia pelo Ministério Público,
apontando como integrantes da organização criminosa
determinados indivíduos, estes terão direito ao contraditório e à
ampla defesa, momento em que surge certo problema quanto à
preservação da identidade do policial infiltrado, em razão de o
defensor do acusado ter acesso aos autos. 61
Ainda, Wolff pondera que o infiltrado, prestará
depoimento como testemunha, sendo que o fato de sua
profissão ser policial, seu testemunho não enfraquecerá, ―pois
nenhuma prova no direito brasileiro tem força absoluta e todas
devem ser ponderadas com os demais elementos presentes nos
autos‖. 62
A solução apontada por Nucci ―para que todo o
material produzido por esse agente se torne válido é a sua
identificação à defesa do acusado, possibilitando o uso dos

60 NUCCI, 2013, p. 38.


61 Ibidem. p. 81.
62 WOLF, Rafael. Agentes infiltrados. São Paulo: Almedina, 2012, p. 126.

54
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

recursos cabíveis‖, competindo ao Estado garantir a segurança


dos infiltrados, ―não se podendo prejudicar o direito
constitucional à ampla defesa por conta disso‖. 63
Cabe ressaltar que se houver a constatação de que o
infiltrado sofre risco iminente, a operação policial será
cancelada por meio de pedido do Ministério Público, momento
em que o magistrado terá ciência do respectivo pedido, ou,
ainda, pelo delegado de polícia, ocasião em que o juiz e
Ministério Público serão cientificados do ato, conforme
determinação do parágrafo 3º, do art. 12, da Lei 12.850/2013. 64
Assim, tendo em vista que a vida do infiltrado é um
bem a ser protegido pelo Estado, qualquer resquício de perigo
iminente a este, a operação policial será cancelada.
Cumpre destacar, que cabe à autoridade policial
diligenciar para a obtenção de êxito nas investigações, bem
como para que a segurança do agente seja mantida.

7 Conclusão

Verifica-se que a Lei 12.850/2013 passou a suprir as


pendências e fracassos acumulados com as criações e
revogações de leis anteriormente referidas, ao criar uma
definição para ―organização criminosa‖, bem como um tipo
penal para impor sanção aos integrantes de organização
criminosa.
Dessa forma, depreende-se que o objeto dessa lei é a
definição de ―organização criminosa‖ e consequente

63 NUCCI, 2013, p. 82.


64 CUNHA, 2013, p. 108.

55
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

determinação dos tipos penais inerentes, bem como a forma da


investigação e produção de elementos probatórios.
Uma vez preenchidos todos os requisitos para que o
agente infiltrado possa integrar o grupo criminoso, este deverá
produzir provas de forma idônea, atendendo as disposições
legais mencionadas, para que o conteúdo probatório seja
valorado e admitido na persecução penal ajuizada contra o
acusado, momento em que a técnica investigativa terá atingido
os objetivos traçados.
Por fim, foi possível observar, ainda, que a infiltração
do agente policial, além de objetivar a produção de provas,
consiste também em detectar, prevenir e repreender os crimes
cometidos no âmbito criminoso.

8 Referências

ABIN. Agência Brasileira de Inteligência. Competências.


Disponível em: <https://www.abin.gov.br>. Acesso em 20
mar 2014.

BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição de


insuficiência. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2010.

BRASIL. Lei 10.217 de 11 de abril de 2001. Crime Organizado.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 29
nov 2013.

BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Tráfico Ilícito de


Entorpecentes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 29 nov 2013.

56
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

BRASIL. Lei 12.694 de 24 de julho de 2012. Processo e


julgamento colegiado de crimes por Organizações Criminosas.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 28
abr 2014.

BRASIL. Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013. Organização


Criminosa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 29 nov 2013.

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime


organizado: comentários à nova lei sobre o crime organizado: Lei nº
12.850/2013. Salvador: Juspodivm, 2013.

JAMILE JOSÉ, Maria. A infiltração policial como meio de investigação


de prova nos delitos relacionados à criminalidade organizada. 2010. 191
f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Direito Processual
Penal) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br>.
Acesso em: 17 out 2013.

MARTINS, Priscila Maria Alcântara. Infiltração policial em


organizações criminosas. 2010. 70 f. Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharel em Direito) – Faculdade de Ciências Jurídicas,
Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2010. Disponível em:
<http://tcconline.utp.br>. Acesso em: 17 out 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa comentários à


lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.
57
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

PACHECO, Rafael. Crime organizado: medidas de controle e


infiltração policial. Curitiba: Juruá, 2007.

PINTO, Soraya Moradillo. Infiltração policial nas organizações


criminosas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007.

WOLF, Rafael. Agentes infiltrados. São Paulo: Almedina, 2012.

58
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS OU


COLISÃO DE VALORES (?): UM PROBLEMA PARA
OS INTÉRPRETES DAS LEIS

Juliana de Loreto Colbeich65

RESUMO: O presente trabalho tem por objeto utilizar


a chamada colisão de direitos fundamentais como exemplo
daquilo que se pode denominar de colisão de valores,
quando o intérprete das leis examina cada caso em
concreto. Tenta considerar, assim, que o que ocorre não
é uma colisão de direitos, mas uma colisão de conteúdo
produzido pelo intérprete sobre o que ele considera ser
o direito presente numa determinada norma. Para que
se possa produzir esse raciocínio, será utilizada como
instrumento a chamada teoria do princípios, que divide
a norma em princípios e regras e que considera a
existência de conteúdos subjetivos (valores) dentro
delas.
PALAVRAS-CHAVE: Colisão. Direitos fundamentais.
Hermenêutica Jurídica. Valores.

ABSTRACT: This paper's purpose is to use the so-


called collision of fundamental rights as an example of
what may be called collision of values when the

65 Juliana de Loreto Colbeich, acadêmica do curso de Direito da


Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, campus Cachoeira do Sul.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de TCC II como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor
Orientador: Ms. Daniel Dottes de Freitas.
59
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

interpreter examines the laws in specific cases. Tries


thus consider that what happens is not a collision of
rights, but a collision of content produced by the
interpreter about what he considers to be the right gift
at a certain standard. To be able to produce that
reasoning, the so-called theory of principles, which
divides the norm of principles and rules, and
considering the existence of subjective contents (values)
within them will be used as a tool.
KEIWORDS: Collision. Fundamental rights. Legal
hermeneutics. Values.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Direitos fundamentais e teoria dos


princípios: elementos essenciais. 3. Como a hermenêutica se ocupa
da teoria dos princípios. 4. Colisão de direitos fundamentais ou
colisão de valores (?): um problema para os intérpretes das leis. 5.
Considerações Finais. 6. Referências.

1 Introdução

Este trabalho pretende utilizar a denominada colisão de


direitos fundamentais, uma construção teórica vivida no direito
brasileiro, como exemplo daquilo que se pode denominar de
colisão de valores, que é uma situação de fundo que ocorre quando
o intérprete das leis examina cada caso em concreto e aplica o
direito. Tenta considerar, assim, que o que ocorre não é uma
colisão de direitos, mas uma colisão de conteúdo produzido
pelo intérprete sobre o que ele considera ser o direito presente
numa determinada norma.
Na verdade, parte da ideia de que a norma jurídica não
possui seu conteúdo jurídico, a não ser depois que é
60
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

interpretada, o que acontece quando do exame do caso


concreto. E isso fica ainda mais evidente quando se trata da
colisão de direitos fundamentais, cuja importância e grau de
subjetividade (por se tratarem de princípios) tornam a
comprovação ainda mais evidente.
Para que se possa produzir esse raciocínio, será utilizada
como instrumento a chamada teoria dos princípios, que divide a
norma em princípios e regras e que considera a existência de
conteúdos subjetivos (valores) dentro delas. Com tal
nomenclatura e construção teórica, será possível demonstrar
que não existe um conteúdo absoluto (aproximado, sim) nas
normas do direito positivo vigente.
Assim, o trabalho começará explicando as bases da
teoria dos princípios. Depois, como se coloca o problema a
partir de tal teoria. No segundo item demonstrará via estudo de
precedentes (casos), como a hermenêutica confronta os direitos
fundamentais, ou seja, como ocorre a colisão de direitos
fundamentais, todavia, mais especialmente na colisão de
princípios (dada sua importância e maior visualização no
contexto aqui pretendido). Finalmente, no terceiro e último
item, tentará demonstrar que a colisão havida entre os direitos
fundamentais, embora ocorrendo no âmbito judicial, nada mais
é do que colisão de valores que sustentam o direito que se
invoca por leis e dispositivos legais.
Como referido antes este trabalho científico parte da
denominada teoria dos princípios. A teoria dos princípios é o
principal recurso científico utilizado na atualidade, aqui no
Brasil, para explicar a chamada colisão de direitos fundamentais.
Depois do reconhecimento dos chamados direitos
fundamentais no Brasil (a partir da Constituição Federal de
61
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

1988 (CF)), evoluiu-se para a sua aplicação prática. A teoria dos


princípios está sendo utilizada para dizer que a norma jurídica
se divide em princípios e regras e que os princípios são de
ordem subjetiva, seu conteúdo é subjetivo. Mesmo que haja um
entendimento dominante sobre o conteúdo e o alcance do
princípio, em cada caso há um grande grau de subjetividade que
permite avaliações feitas pela mente do julgador (mas também
pelos demais operadores do direito).
É assim que ocorre hoje em dia nos julgamentos dos
tribunais brasileiros. A teoria dos princípios relata a existência
de princípios/direitos fundamentais, permitindo sua aplicação
em cada caso com certo grau de flexibilidade. Assim, por
exemplo, ocorre com o meio ambiente e com o direito à
moradia, que podem colidir em determinados casos, mas que
quando do julgamento terão um dimensionamento que decorre
de um conteúdo que não está previsto na CF ou nas leis. Os
princípios são considerados mandamentos de otimização do
sistema e dos casos julgados pelos tribunais.
Quando ocorre a chamada colisão de direitos
fundamentais, utiliza-se a teoria dos princípios para se invocar o
próprio princípio, digamos, construindo seu conteúdo e
aplicando-o ao caso concreto. É assim que se coloca o
problema da colisão de direitos fundamentais, que, por estarem
em mesma condição de igualdade, dependem de construção
feita pelo julgador, mediante o chamado trabalho de
interpretação das leis (leia-se, ―normas‖). Mas antes de se
apresentar alguns elementos mínimos sobre a teoria dos
princípios, serão examinados os temas da trajetória dos direitos
fundamentais e o dos direitos fundamentais enquanto

62
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

princípios, tudo como precedentes científicos necessários ao


trabalho.

2 Direitos fundamentais e teoria dos princípios: elementos


essenciais

Para que se chegue à proposta principal do trabalho,


neste item serão tratados os temas da trajetória dos direitos
fundamentais. Depois, tais direitos enquanto princípios. E, por
último, a diferença entre princípios e regras.
Para estudo dos conflitos entre os direitos, necessário se
faz o entendimento sobre o que são considerados direitos
fundamentais. Como seres humanos, desde o nascimento
somos detentores de direitos e garantias, alguns destes são
criados pelo ordenamento jurídico que nos cerca, outros são
manifestações de vontade da sociedade.
Os direitos conquistados pelos homens, não se tratam
de resultados de lutas instantâneas e sim fruto de todo um
processo da evolução social humana. Os direitos fundamentais
encontraram notoriedade nos séculos XVII e XVIII com o
jusnaturalismo racional.66
Nesta fase o homem foi adotado como principal fonte
originária dos direitos fundamentais. O homem, ao vir ao
mundo, era detentor de direitos individuais e inalienáveis,
direitos estes que travariam o poder do Estado no que se refere
a limitação no direito de legislar. Assim, no decorrer do século

66 RODRIGUES, Arthur Martins Ramos, A Colisão entre os direitos


fundamentais. Disponível em:
www.conpedi.org.br/manaus/.../bh/arthur_martins_ramos_rodrigues.pdf;
Acesso em: 28 de maio de 2014.
63
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

XVIII, surgiram renomadas declarações que efetivaram a


consagração dos direitos naturais aos indivíduos como uma
esfera autônoma de atuação, limitando o poder do Estado.67
Embora ainda não considerados direitos fundamentais,
depois da revolução francesa em 1789, os direitos do homem
com ideais de liberdade e dignidade expandiram-se a quaisquer
cidadãos independentes de classe social. Nesse sentido
demonstra Paulo Bonavides que:

―enquanto as declarações de direitos dos ingleses e americanos


ganhavam concretude, porém atingiam principalmente as classes
sociais privilegiadas (senhores feudais), a declaração francesa de
1789 tinha por destinatário o gênero humano.‖ 68

Somente após a positivação desses direitos eles enfim


ganharam o predicado de ―direitos fundamentais‖, estes direitos
passariam a ser incorporados em um ordenamento jurídico
através de leis normativas. Leis estas que deveriam vir
positivadas na lei maior de um Estado, ou seja, a Constituição
Federal. Conforme esclarece Canotilho:

―A positivação dos direitos fundamentais significa a incorporação


na ordem jurídica positiva dos direitos considerados individuais e
inalienáveis do indivíduo‘, ou seja, somente com esta positivação os
direitos fundamentais deixam de ser meramente ideais e esperanças,
passando a ser tratados como normas constitucionais expressas.‖ 69

67 FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de direitos. 2ª ed., Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1996, p.58.
68 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed., São Paulo:

Malheiros, 2001 p.516.


69 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.

Coimbra: Almedina, 1998, p. 377.


64
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Após breve explanação da origem histórica dos direitos


fundamentais, cabe aqui o apontamento de Comparato onde
versa que os Direitos Fundamentais:

―são os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades,


às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no
interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos
humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos Tratados
Internacionais.‖70

Direitos fundamentais são direitos e posições jurídicas


preponderantes no âmbito do direito constitucional de um
determinado ordenamento Estatal. Têm natureza declaratória e
trazem vantagens prescritas na norma constitucional. Para
Canotilho são os direitos do homem, jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espaço-
71
temporalmente.
Para os doutrinadores, como é o caso de Comparato, no
sentido de que só passam a existir os direitos fundamentais com
a positivação deles nas Constituições, a positivação dos direitos
fundamentais é o produto de uma dialética constante entre o
progressivo desenvolvimento das técnicas de seu
reconhecimento na esfera do direito positivo.72
Podemos verificar nos apontamentos supracitados que
para alguns autores, se não há positivação dos direitos
fundamentais, estes não fazem parte do ordenamento do país,
podem tratar-se de demais direitos tais como direitos humanos,
tratados de paz, etc, porém, só se fala em direitos fundamentais

70 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2.


ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 56.
71 CANOTILHO, idem, p. 359.
72 Ibidem, Loc. Cit.

65
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

quando se trata de um país com uma Constituição vigente que


elenca tais direitos e garantias.
Registre-se a dificuldade buscada em encontrar uma
definição para o que seriam os direitos fundamentais tendo em
vista a falta de consenso entre os doutrinadores atuais. Alguns
se utilizam de terminologias diferenciadas como, por exemplo,
direitos humanos, direitos individuais ou até mesmo liberdades
fundamentais, entre outros.
Mas este significado de ―fundamental‖ que alguns
direitos têm, inclusive por serem reconhecidos como direitos
humanos que integram a Constituição brasileira, Ingo Sarlet
indica o que seria a chamada nota de fundamentalidade (formal
e material):

Como já frisado alhures, intrínseca à noção de direitos


fundamentais está, justamente, a característica da
fundamentalidade, que, de acordo com a lição do
jusfilósofo alemão R. Alexy, recepcionada na doutrina
lusitana por Gomes Canotilho, ‗aponta para a especial
dignidade e protecção dos direitos num sentido formal e
num sentido material‘.73

No Brasil, O artigo 5º da Constituição Federal de 1998,


traz os direitos fundamentais individuais e coletivos em seu §1º,
onde se determina que as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata, cabendo aos
poderes públicos (Judiciário, Legislativo e Executivo)
desenvolver esses direitos, porém a tal artigo não se restringem

73 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 9 ed.,


revista, atualizada e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.
86.
66
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

podendo ser encontrados também em demais leis e tratados


internacionais.
A chamada nota de fundamentalidade serve para
oferecer, então, uma dimensão de importância para os direitos.
E são estes direitos tidos como os mais importantes, que são
elevados à condição de princípios.
A capacidade extremamente valorativa dos direitos
fundamentais dá a eles uma estruturação complexa e é através
da hermenêutica jurídica que estes são considerados como
princípios. Portanto, são considerados normas de caráter
principiológico. Para Bonavides os princípios tidos como
valores fundamentais, governam a Constituição74, ou seja, tem
força de norma.
Diferentemente das regras, que para Canotilho
correspondem às normas que, diante do seu suposto de fato,
exigem, proíbem ou permitem algo em termos categóricos75, ou
seja, não pode se obter no ordenamento jurídico conflito de
regras, os princípios, quando conflitantes, são analisados
conforme o caso concreto, a interpretação do fato busca a
satisfação de um bem jurídico maior, devendo os princípios ser
aplicados em diferentes graus, buscando o que mais traz
benefício e acordo com o ordenamento.
Salienta-se que ao haver desacordo entre os direitos
fundamentais se está falando em um conflito de princípios, já
que estes se assemelham. Para isso necessário se faz o estudo
sobre a teoria dos princípios, que será destacada no item
posterior.

74 BONAVIDES,idem, p.518.
75 CANOTILHO, idem, p.380.
67
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Princípios são normas de importante relevância no


ordenamento jurídico, eles são subjetivos, têm conteúdo
axiológico e dão fundamento às normas do Direito.
A norma como princípio aponta um caminho a seguir
de acordo com as disposições constitucionais, porém este
caminho dependerá da situação fática, a aplicação de um
princípio leva em conta o caso concreto, e têm uma dimensão
de peso, para cada situação em conflito, pesa-se o princípio de
valor que menos será lesado.
Marçal Justen Filho caracteriza os princípios no âmbito
jurídico, como aqui se pretende estabelecer, referindo:

Em vista de sua natureza, os princípios jurídicos não são criados do


nada. Refletem valores. Mais ainda, traduzem o modo como a
Nação concebe e vivencia os valores. Portanto, os princípios são
produzidos pelas instituições sociais, e é usual estarem
explicitamente consagrados na Constituição. Mas isso não é
obrigatório. Existem princípios implícitos, que são aqueles
derivados ou pressupostos em face da ordem legislativa. 76

Nota-se que os princípios representam os valores


fundamentais do sistema constitucional, e para o Brasil, que é
um estado democrático de direito, onde o direito de cada
cidadão possui extremo caráter valorativo, a evolução da
aplicação e definição dos princípios seguiu o caminho dos
direitos fundamentais, passando os preceitos fundamentais
pesarem de maneira diferenciada quando da aplicação concreta.
Os princípios possuem caráter normativo e às normas
se equiparam, porém não há de se falar em igualdade entre
princípios e regras, para isso se faz necessário o entendimento

76JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:


Saraiva, 2005, p. 53.
68
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

de tal distinção. Pois é no âmbito dos princípios que se


examinará a colisão jurídica, para posteriormente identificar a
colisão de valores que orientam os princípios colidentes em
cada caso concreto.

Márcio Yukio Tamada, explica de forma bastante clara a


clássica diferença entre regras e princípios, como interesse neste
trabalho:

―[...] o Direito se expressa por meio de normas. As normas se


exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam
uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma
tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as
regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas
regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será
aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras
deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei
especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc..
Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou
de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o
das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando
colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são
(Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes,
concomitantemente dois ou mais deles).‖77

As normas jurídicas são imperativas, os princípios e


regras são abstratos, ou seja, são alheios e subjetivos, porém os
princípios são mais abrangentes enquanto as regras mais
específicas. O julgador ao aplicar um princípio pode refletir

77TAMADA, Marcio Yukio. Princípios e regras: diferenças. In: Âmbito


Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97, fev 2012. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1
1088>. Acesso em: 30 de maio de 2014.

69
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

entre ele e o caso em ênfase, a regra não da ao aplicador da lei


essa hipótese. Ela é clara.
Se houver um conflito entre princípios, nenhum será
excluído, o que acontece é que se afasta o que menos é atinente
ao caso concreto. Já em relação à regra, não pode haver em um
determinado caso, o embasamento em duas ou mais regras que
se contradigam, devendo no estudo, excluir uma delas, somente
prevalecerá a que mais diz respeito à situação apresentada.
O princípio é tratado como um fundamentador, ele
serve de base para as decisões, já a regra tem característica
proibitiva ou permissiva, dando-se a ela uma interpretação mais
rígida na aplicação. Mas o que é importante registrar para os
fins deste artigo científico, é que os princípios possuem uma
dimensão qualitativa, considerada de peso, em que são
superiores, mais importantes que as regras. Os princípios são a
última ratio para exame do fundamento jurídico da norma ou
das normas aplicáveis aos casos judiciais.

3 Como a hermenêutica jurídica se ocupa da teoria dos


princípios

É reconhecido o caráter estático do direito positivo, não


se admitindo mais a subsunção do fato à norma, ou seja, a
adequação do fato à norma. O que deve ocorrer é o contrário.
As normas se adéquam aos fatos. Para que isso ocorra é preciso
que o direito tenha suas normas flexibilizadas. E nas normas
são flexibilizadas via caráter subjetivo contido nos princípios.
Assim, soma-se a tarefa do intérprete no sentido de envolver
fatos e normas, adequando-os via instrumentos de
interpretação.

70
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Por intermédio de uma análise pontual é que o


intérprete da lei, através de critérios objetivos e subjetivos,
verifica qual o valor que o ordenamento jurídico deseja
preservar naquele caso, sempre buscando conciliar os princípios
em colisão.

Nesse sentido, estudiosos como Luis Eduardo


Nogueira Guimarães, frisam:

―No tocante a colisão de princípios constitucionais duas soluções


foram desenvolvidas pela doutrina. A primeira é a da concordância
prática (Hesse); a segunda, a da dimensão de peso ou importância
(Dworkin), seguindo o princípio da proporcionalidade como meta-
princípio.‖78

A interpretação jurídica dada ao caso concreto leva em


consideração o entendimento do julgador, para que este
mantenha uma decisão amistosa com o sistema jurídico vigente,
baseada nas regras e princípios constitucionais, utiliza-se
principalmente de duas fontes: uma, a técnica aprimorada pelos
julgadores brasileiros definida como técnica da ponderação,
outra, seria o princípio da proporcionalidade.
Para que entendamos a aplicabilidade da hermenêutica
no caso concreto, mister que demonstremos a conceituação
destas duas formas de interpretação.
As técnicas utilizadas para colocar fim aos conflitos dos
direitos fundamentais tornaram insuficientes no sentido que o

78 GUIMARÃES, Irmes & Araújo, Advogados Associados. A Colisão de


Direitos Fundamentais e a Ponderação de Valores (concordância prática e
proporcionalidade). Disponível em
http://www.guimaraesirmesearaujo.adv.br/?p=147; acesso em: 15 de abril
de 2014.
71
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

tradicionalismo deixou de satisfazer a demanda social neste


sentido. Para isso os doutrinadores desenvolveram a técnica da
ponderação, conforme George Marmelstein Lima:

―A ponderação é uma técnica de decisão empregada para


solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções
políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de
hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que
ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso,
não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico,
nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.‖ 79

A ponderação surgiu para solucionar os conflitos mais


difíceis que precisavam de uma atenção especial no que diz
respeito à hermenêutica. Para melhor entendimento
buscaremos socorro nas palavras de Ana Paula Barcelos, onde
afirma que:

―O propósito da ponderação é solucionar esses conflitos


normativos da maneira menos traumática para o sistema como um
todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver,
sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso
concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes.‖ 80

No instituto da ponderação, primeiramente o julgador


identifica as normas de direito fundamentais conflitantes,
segundo, examina as normas de acordo com a situação fática e
por fim se abstém de demais normas constitucionais para que a
decisão atribua pesos as diferentes matérias em colisão. O peso
atribuído a cada vai depender da intensidade com que estiverem

79 LIMA, George Marmelstein. Colisão de direitos fundamentais: visão do


Supremo Tribunal Federal. In: Âmbito Jurídico. Disponível em:
www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link; Acesso em: 20 de abril de 2014.
80 BARCELOS, 2003, p. 57.

72
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

sendo afetados os interesses tutelados por cada um dos direitos.


Com isso, pode-se afirmar que estes pesos emprestados só
podem ser mensurados mediante um caso concreto.81
O intérprete empreenderá, concretamente, uma
ponderação acerca dos direitos em conflitos optando, naquele
caso concreto, pelo bem que possuir maior peso, o que
obviamente não implicará na retirada do direito preterido do
ordenamento jurídico.82
Juntamente com a técnica da ponderação, o princípio da
proporcionalidade visa terminar com o embate entre os direitos
fundamentais, tal princípio deve ser empregado de tal maneira
que as soluções encontradas sejam proporcionais ao fato. Tal
princípio trata-se de importante instrumento utilizado para
aplicação da ordem e proteção dos direitos fundamentais.
O princípio da proporcionalidade que o faz instrumento
de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos
fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o
princípio é indubitavelmente apropriado. Este princípio
funciona como meio de controle dos atos estatais, através da
contenção dos mesmos dentro de limites razoáveis e
proporcionais aos fins públicos.83

81 RODRIGUES, Arthur Martins Ramos, A Colisão entre os Direitos


Fundamentais. Disponível em:
www.conpedi.org.br/manaus/.../bh/arthur_martins_ramos_rodrigues.pdf),
p. 3458.
82 LIMA, George Marmelstein. O Direito Fundamental à Ação. Disponível em:

www.georgemlima.xpg.com.br/odfa;pdf. Acesso em: 05 de junho de 2014.

83Guimarães, Irmes & Araújo, Advogados Associados, Colisão de Direitos


Fundamentais e a Ponderação de Valores. Disponível em
http://www.guimaraesirmesearaujo.adv.br/?p=147. Acesso em: 15 de abril
de 2014.
73
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O princípio da proporcionalidade significa igualdade,


equilíbrio, simetria e concordância. Na Constituição Federal
Brasileira de 1988, vem de maneira implícita através da cláusula
do devido processo legal, prevista no artigo 5º, inciso LIV.Para
Daniel Sarmento, ―o emprego do princípio da
proporcionalidade busca otimizar a proteção aos bens jurídicos
em confronto, evitando o sacrifício desnecessário ou exagerado
de um deles em proveito da tutela do outro‖.84
Em palestra proferida na sede da Escola Superior da
Magistratura Federal (ESMAFE), em 07 de dezembro de 1998,
Robert Alexy explicou como ocorre a colisão de direitos
fundamentais e sua realização no Estado Democrático de
Direito. Tal palestra foi publicada no ano seguinte, na Revista
de Direito Administrativo. Segue o pensamento do autor sobre
o conceito de colisão de direitos fundamentais:

O conceito de colisão de direitos fundamentais pode ser


compreendido estrita ou amplamente. Se ele é compreendido
estritamente, então são exclusivamente colisões nas quais direitos
fundamentais tomam parte colisão de direitos fundamentais. Pode-
se falar aqui de colisões de direitos fundamentais em sentido
estrito. Em uma compreensão ampla são, pelo contrário, também
colisões de direitos fundamentais com quaisquer normas ou
princípios, que têm como objeto bens coletivos, colisões de direitos
fundamentais.85

Verifica-se, então, que a hermenêutica jurídica se ocupa


da teoria dos princípios mediante a aplicação da técnica da

84 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio


de Janeiro:Lúmen Júris, 2000, p. 87.
85 ALEXY, Robert. Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de

Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. Tradução de


Luiz Afonso Reck. In: Revista de Direito Administrativo, nº 217. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 67-80.
74
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ponderação entre princípios em colisão, o que ocorre em cada


caso julgado. O exame de alguns casos confirma essa
problemática e o que dela decorre, o será examinado agora.
Em várias situações concretas, os direitos fundamentais
entram em conflito entre si, alguns deles são mais comuns no
nosso ordenamento jurídico, momento em que os julgadores
abstêm-se das decisões já formuladas a fim de garantir o
cumprimento da lei com primordial respeito aos dispositivos
constitucionais e os julgamentos já encerrados. Isto
obviamente, levando em consideração a identidade de cada
ação.
Porém, há conflitos mais difíceis de serem solucionados,
quando o caso concreto deve ser analisado de forma mais
minuciosa, isso porquê, os direitos fundamentais são
interpretados com uma hermenêutica mais complexa. O fato de
não poder medir os direitos fundamentais, eis que, possuem a
mesma valoração e ordem, torna a matéria ainda mais difícil.
Por isso a eles são levados em conta o critério do peso e da
importância.
Para Alexy quando da colisão entre dois ou mais
princípios reconhecidamente válidos em nosso sistema
normativo, dar-se-á prevalência ao princípio de maior peso,
levando-se em conta as circunstâncias do caso concreto, em
detrimento dos demais. Em uma relação de precedência
condicionada, o princípio de maior densidade, em determinado
caso, prevalece sobre os demais.86

86 RODRIGUES, Arthur Martins Ramos, A Colisão entre os direitos


fundamentais, disponível em
www.conpedi.org.br/manaus/.../bh/arthur_martins_ramos_rodrigues.pdf.
Acesso em: 28 de maio de 2014.
75
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Quando um cidadão, ao acionar o ordenamento jurídico


do Estado, que ter cumprido o seu direito à liberdade de
expressão, eis que atento às discordâncias em relação à matéria
realizada, acaba por ferir direito de outrem no sentido de
publicação de imagens e informações pessoais.
Nesse caso o conflito deve ser analisado de maneira a
não desconsiderar nenhum princípio constitucional, levando em
consideração os valores sociais atinentes à situação, vale mais o
direito a liberdade de expressão ou o direito à privacidade?
Quais os valores sociais e éticos levados em consideração na
análise do caso?

Constituição Federal, art, 5º, inciso X – são invioláveis a


intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação. Constituição Federal, art, 5º, inciso IV
– é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato, e inciso IX – é livre a expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de sua
violação.87

O julgador deve buscar o valor que a CF pretende


proteger, para isso de acordo com a hermenêutica jurídica,
valora-se a atuação das partes, como por exemplo, o cidadão
que se sentiu lesado trata-se de pessoa pública e utiliza-se de sua
imagem para garantir seu sustento e status social, não há óbice
em sentir-se prejudicado com a matéria sobre sua pessoa eis que
a própria comunidade começa a cobrar dos meios de
comunicação tais informações. Claro que se deve atentar para
que a obra ou reportagem não denigram a imagem da pessoa
com informações inverídicas e fantasiosas, para isso serve o

87 Constituição da República Federativa do Brasil.


76
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

trabalho de interpretação jurídica. Nesse sentido afirma o


teólogo Wagner Francesco: ―O princípio constitucional da
liberdade de imprensa que é intenso, mas não absoluto, deve ser
exercitado com consciência e responsabilidade em respeito à
dignidade alheia.‖88
Outro caso de extrema relevância social é quando um
paciente internado, necessita de maneira vital de transfusão
sanguínea, porém não permite que os profissionais levem
adiante o procedimento por fazer parte de uma religião que não
aceita este tipo de procedimento. É o caso dos fiéis da religião
testemunhas de Jeová. Nesse caso o direito à liberdade de
religião, atribuído ao paciente entra em conflito com o direito à
vida que é um pilar da profissão médica, pois para estes
profissionais, o bem maior a ser buscado é a vida. Nesse
sentido o juiz Ricardo Façanha esclarece que este caso imposto
à apreciação do juízo não seria novidade, entretanto, segundo
ele, trata-se de discussão das mais tormentosas, na medida em
que recai sobre esse tema, acalorada discussão acerca da
possibilidade de sobreposição do direito fundamental à
liberdade de crença religiosa sobre o direito à vida ou vice-
versa.89

88Opinião do teólogo e estudante de direito Wagner Francesco. In:


JUSBRASIL. Disponível em:
(http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/noticias/121360863/videocasseta
da-do-domingao-do-faustao-toma-uma-cacetada-e-paga-
indenização?utm_campain=newsletter&utm_medium=email&utm_source=
newsletter). Acesso em: 08 abril de 2014.
89 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL.. Decisão

aborda direito a vida versus liberdade de crença. JUSBRASIL. Disponível


em: http://tj-ms.jusbrasil.com.br/noticias/986092/decisão-aborda-direito-a-
vida-versus-liberdade-de-crenca. Acesso em: 08 de abril de 2014.
77
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

No caso concreto que foi estudado, a decisão do


magistrado envolveu demais direitos como responsabilidade
civil de médicos e hospital, mas a base da decisão foi o
princípio fundamental do direito à vida (CF/88 art. 5º) sobre o
direito da crença religiosa (CF/88 art. 5º, inciso VI), pois para o
ordenamento jurídico o bem maior do ser humano é a vida e o
princípio da dignidade humana sobrepõe o outro.
Porém, os valores religiosos, que são aqueles que
respeitam a busca da pureza e perfeição conflitam com os
valores vitais à saúde e força, no caso em ênfase se priorizou os
valores religiosos por parte do paciente. Ao hierarquizar seus
valores morais o cidadão optou por colocar em primeiro lugar a
sua religião, e o magistrado optou por valores éticos, políticos e
vitais em relação à vida do ser humano.
Nota-se que os valores que compreendem o
entendimento humano em muito se assemelham com os
princípios constitucionais, isto porque, o Estado baseia-se nos
valores sociais, religiosos, éticos e morais do povo para que se
construa uma nação que dá ao povo o direito de escolha, como
é exemplo em um Estado democrático de Direito.
Relacionado aos direitos fundamentais em conflito,
chama atenção a notícia publicada no site JUSBrasil,90 onde
denota-se um garoto suspeito de nove estupros é solto por falta
de local para cumprir pena. O alarmante nessa reportagem é
que o menino de dezessete anos, com problemas sociais

90JUSBRASIL. Disponível em:


(http://vann.jusbrasil.com.br/noticias/121113734/garoto-suspeito-de-9-
estupros-e-solto-por-falta-de-local-para-cumprir-
pena?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsl
etter). Acesso em: 09 de abril de 2014.
78
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

aparente, que causa medo até a sua família, suspeito de nove


estupros, alguns confirmados, foi solto por não haver
instalações apropriadas na fundação em que seria recolhido.
Alegou-se que a maneira de alojamento provisória das
instalações não poderia mais atender o menor. Ocorre que o
direito fundamental à segurança constitucionalmente positivado
(CF art. 144) que nesse caso, atenderia a função social não
obteve relevância em confronto com o direito do infrator em o
estado puxar para si a responsabilidade pela vida e mantença do
menor.
Por isso, a hermenêutica jurídica de estudo e avaliação
dos casos não pode ser estudada de forma casual. Casos
complexos que não ganham a magnitude necessária acabam por
prejudicar direitos dos demais. Nesse caso se tratam de direitos
fundamentais em que os direitos da coletividade devem
prevalecer sobre os individuais.
Há determinados casos em que o julgador pode limitar
os direitos conflitantes, casos de maior facilidade na resolução
do conflito, como exemplo podemos destacar um direito à
propriedade. Uma reforma em uma determinada casa (CF/88,
art5º, inciso XXII e art. 6º caput) causa prejuízo à parte vizinha
que busca no direito a resolução do conflito por julgar sofrer
danos causados por barulho e falta de sossego (CF/88 art. 5º
incisos X e XI). Nesse caso o órgão julgador poderá conciliar os
direitos em conflito, passando a limitar os direitos pleiteados,
porém sem afastá-los, determinando, como por exemplo,
horários para a realização da obra.
Vários são os casos propostos que demonstram
conflitos de direitos e valores éticos e de conduta que afetam a
sociedade, cabendo ao julgador levar em consideração os
79
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

valores que atingem a todos como igualdade, cidadania,


liberdade.
Por isso quando estamos falando de conflitos de direitos, o
mais correto a demonstrar são os valores que cercam a nossa
sociedade que na verdade estão em desacordo com estes
direitos.
Em um país de grandes dimensões territoriais como o
Brasil, onde há uma grande população, também onde existem
tantas diferenças sociais, tornam-se comuns estes conflitos,
cabendo ao ordenamento jurídico vigente estudar cada caso
aplicando as técnicas de hermenêutica jurídica levando em
consideração os valores sociais e direitos fundamentais
positivados.

4 Colisão de direitos fundamentais ou colisão de valores


(?): um problema para os intérpretes das leis

Mas, enfim, o que o exame dos casos acima nos indica,


uma vez associados aos institutos examinados? Por se tratarem
de casos extraídos do cotidiano forense, numa observação
meramente classificatória, realmente significam colisões de
direitos fundamentais entre si.
Todavia, as palavras escritas (enquanto signos), mesmo
representando princípios, não guardam em si seu significado. O
conteúdo da letra da lei não está na lei. Está no conjunto de
significações valorativas do intérprete. O intérprete é que dá
conteúdo para o princípio. Exemplifica-se: o princípio da
proteção ambiental contém sua dimensão de peso, importância,
preponderância sobre outro, ou mesmo sua natureza, quando
apenas se lê sua palavra? Obviamente que não!
80
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O conteúdo do princípio jurídico, presente ele ou não


na letra da lei, não está nele, senão subjetivamente no âmbito
dos valores que cercam a mente e o entendimento dos
julgadores.
São os julgadores que atribuem significado para os
signos. São eles que dizem da preponderância, justificando-a via
argumentos que traduzem valores escolhidos. A colisão é,
assim, de valores presentes nos princípios jurídicos.
Sabe-se que a Constituição Federal do Brasil é
caracterizada pela absorção de valores éticos e políticos, por
isso a afirmação que o poder emana do povo.91 O país detém
diretrizes que são traçadas entre o Estado e o cidadão e os
cidadãos com eles mesmos. Estes caminhos são determinados
pelos valores que tem particularidade com princípios
constitucionais. Os valores constitucionais têm força
constitucional na hora da interpretação do fato e na aplicação
da lei.
Por isso quando se fala em conflito de direitos na
verdade esta se falando em conflito de valores, eis que os
direitos fundamentais são de caráter axiológico, ou seja,
altamente valorativos.
Os valores constitucionais são aqueles que costuram o
que vem positivado na Constituição Federal, nesse sentido Luis
Roberto Barroso elucida:

―[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos


valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição [...] não é

91MELLO, Artur. A impossibilidade da solução abstrata ante a colisão de valores da


norma fundamental. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/22209/a-
impossibilidade-da-solucao-abstrata-ante-a-colisao-de-valores-da-norma-
fundamental#ixzz34GfIKGTe. Acesso em: 14 de maio de 2014.
81
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se


superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes
que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores
superiores e diretrizes fundamentais que ‗costuram‘ suas diferentes
partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas
básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o
sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem
percorridos.‖92

E ainda:
―Na aplicação dos princípios, o intérprete irá determinar, in concreto,
quais são as condutas aptas a realizá-los adequadamente. Nos casos
de colisão de princípios ou de direitos fundamentais, caberá a ele
fazer as valorações adequadas, de modo a preservar o máximo de
cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual
interesse deverá circunstancialmente prevalecer. Um intérprete que
verifica a legitimidade de condutas alternativas, que faz valorações e
escolhas, não desempenha apenas uma função de conhecimento.
Com maior ou menor intensidade, de acordo com o caso, ele
exerce sua discricionariedade. Para que não sejam arbitrárias, suas
decisões, mais do que nunca, deverão ser racional e
argumentativamente fundamentadas.93

Este é o trabalho desenvolvido pelo jurista, seja


advogado, juiz ou outro operador do Direito. Ele aplica um
determinado princípio jurídico, mesmo em colisão com outro,
sustentando-o, mas levando-o consigo toda a carga de valores
que dão conteúdo às palavras da lei.

92 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição.


São Paulo: Saraiva, 1996, p. 142-143.
93 BARROSO, Luis Roberto, 2001, Colisão entre Liberdade de Expressão e

Direitos da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação


Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa
disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-
01.htm

82
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O problema que emerge vem no sentido de que as


escolhas valorativas que fundamentam, que dão conteúdo ao
princípio jurídico – inclusive em sede de importância – são as
escolhas construídas ao longo da vida do operador. Toda sua
cultura, suas tendências e entendimentos sobre o mundo,
influenciam seu posicionamento.
Como conseqüência desse situação, surgem os mais
variados entendimentos – inclusive sobre casos que poderiam
ser julgados do mesmo modo – que acabam fragilizando a
própria atividade jurisdicional, em que a discórdia nos
entendimentos gera a denominada insegurança jurídica e parte
da crise do Direito.

5 Considerações finais

Neste trabalho discorreu-se sobre a trajetória dos


direitos fundamentais, sua classificação enquanto princípios,
seguindo-se para a sua aplicação a partir da conhecida teoria
dos princípios, diferenciado-os das regras.
Posteriormente, examinou-se como a hermenêutica
jurídica aplica a teoria dos princípios, fazendo-se a vinculação
de ambos segundo a atividade prática dos operadores do
direito. Assim, como conseqüência foram examinados casos de
conflitos de direitos fundamentais, para se chegar ao tema final
que sugere um questionamento se a colisão existente é de
princípios jurídicos ou é de conteúdo valorativo destes
princípios, o que seria, então, um problema para os intérpretes
do direito.
A conclusão da pesquisa é no sentido de que mesmo
dentro dos debates jurídicos ocorridos nos processos judiciais,
83
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

em que se invocam princípios e em que ocorre colisão entre


eles, esta situação não encontra uma resposta puramente
jurídica. Não se extrai diretamente do texto legal o conteúdo do
princípio. O conteúdo de cada princípio jurídico, mesmo nos
casos de colisão entre princípios, está no âmbito dos valores.
Existe colisão de valores, em âmbito subjetivo, em que o
intérprete indica o conteúdo de sua preferência para informar,
densificar, o princípio jurídico. Quando se examina o conteúdo
subjetivo de um princípio jurídico, se atribui ao intérprete a
tarefa de indicar toda a carga valorativa que envolve aquele
princípio, ocasião em que o mesmo pode tomar os mais
variados contornos em cada caso a ser julgado.
O trabalho foi gratificante, pois permitiu estudo e
pesquisa de caráter pessoal, favorecendo o crescimento do
pesquisador. Por outro lado, permitiu que se trouxesse à tona
um tema árido e pouco examinado, relacionado ao que está por
trás do ato de julgar casos com base em normas jurídicas
positivadas.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO DO SUL..


Decisão aborda direito a vida versus liberdade de crença.
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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

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Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

TRABALHO DOMÉSTICO E A EVOLUÇÃO NO


ÂMBITO LEGISLATIVO OBSERVADAS AS
ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA EC. 72/2013

Luciana Fortes Freitas94

RESUMO: O presente artigo aborda a evolução


histórica no âmbito legislativo dos direitos do
trabalhador doméstico, esta categoria é regida tanto por
dispositivos constitucionais quanto por normas
infraconstitucionais, em especial pela lei nº 5859, de 11
de dezembro de 1972, com a promulgação da
constituição da República em 1988, alguns direitos
foram garantidos a estes trabalhadores, recentemente
por força da Emenda Constitucional n° 72, de 02 de
abril de 2013, foram estendidos aos domésticos alguns
direitos, mas outros ainda dependem de regulamentação
pela via legislativa infraconstitucional, para se
estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os
trabalhadores domésticos e os trabalhadores urbanos e
rurais.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Doméstico. Evolução
Legislativa. Emenda Constitucional 72/2013.

94Luciana Fortes Freitas, acadêmica do Curso de Direito da Universidade


Luterana do Brasil – ULBRA, campus Cachoeira do Sul. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de TCC II, como requisito
parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor
orientador: Carlos Henrique Selbach.
89
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ABSTRACT: KEYWORDS: This article discusses the


historical evolution of the legislative framework of the
rights of domestic workers, this category is governed by
both constitutional provisions and by infra-
constitutional norms, in particular by Law No. 5859, of
December 11, 1972, with the promulgation of the
Constitution of the Republic in 1988, some rights were
granted to these employees, recently under the
Constitutional Amendment No. 72, dated 02 April
2013, were extended to some domestic duties, but
others still subject to regulation by legislation infra, to
establish the equal labor rights for domestic workers
and urban and rural workers.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Empregado doméstico. 3


Evolução histórica do trabalho doméstico. 4 Direitos dos
empregados domésticos decorrentes de fonte legislativa e da
Emenda constitucional nº 72 de 03 de abril de 2013. 5
Considerações finais. 6 Referências.

1 Introdução

O objetivo geral desta pesquisa será analisar o sistema


jurídico envolvendo o trabalho doméstico no Brasil,
considerando as diferentes legislações que fazem referência ao
tema, além da norma constitucional, revelando que o labor
prestado pelos empregados domésticos encontrava-se em total
desamparo legal, evoluindo gradativa e lentamente para uma
proteção inicial muito tímida, com a assimilação de alguns
direitos esparsos ao longo do tempo, até sua quase equiparação

90
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

aos demais empregados urbanos e rurais, com significativa


alteração decorrente de nova ordem constitucional.
Será feita abordagem dedutivo, com técnica direta de
pesquisa decorrente de consulta à doutrina, à jurisprudência,
aos diferentes textos legais e ao texto constitucional, por meio
de leitura em livros, em periódicos e no sistema eletrônico,
assim podendo ser verificadas as mais recentes discussões e
entendimentos sobre o tema especifico.
Os métodos utilizados na elaboração do presente
trabalho serão o histórico e o comparativo. O método
histórico é essencial para a investigação do trabalho doméstico
no Brasil, desde as primeiras legislações que fizeram referência a
esta específica classe de trabalhadores até sua regulamentação
pela Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972, sua inclusão no
texto constitucional, com inserção no capítulo dos Direitos
Sociais, a evolução legislativa, considerando, inclusive, as
Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
culminando com a edição da Emenda Constitucional n° 72, de
02 de abril de 2013. Já a utilização do método comparativo é
necessária para demonstrar a eficácia da norma constitucional,
antes e após a alteração das disposições do parágrafo único do
art. 7º da Constituição da República, em virtude da publicação
da mencionada emenda constitucional, além de salientar os
benefícios que dela decorrem à categoria dos domésticos.
Com objetivo de alcançar o propósito deste estudo,
haverá divisão em três partes.
Na primeira delas, será feita uma breve demonstração
histórica do trabalho doméstico no Brasil, colacionando os
diferentes textos legislativos que referem, especificamente, o
conceito de trabalhador doméstico, realizando minucioso
91
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

estudo dos requisitos que o caracterizam, com o objetivo de


evidenciar sua distinção em relação aos demais trabalhadores,
urbanos e rurais.
Na segunda parte, a análise que se fará sobre a totalidade
dos textos legais que previram alguma disposição protetiva aos
trabalhadores domésticos, inclusive com a inédita atribuição de
direitos, mesmo que de forma limitada, decorrente de sua
expressa inclusão nas disposições do parágrafo único do art. 7º
da Constituição da República, a partir de sua promulgação, em
05 de outubro de 1988, evoluindo até a alteração de sua redação
pela entrada em vigor, em 02 de abril de 2013, da Emenda
Constitucional nº 72.
Por derradeiro, na terceira parte, o objetivo será destacar
o panorama atual, ressaltando a forma como modernamente
encontram-se arrolados os direitos atribuídos aos empregados
domésticos, decorrente de sua aplicação imediata ao
ordenamento jurídico, bem como indicar aqueles que ainda
dependem de regulamentação pela via legislativa
infraconstitucional.

2 Empregado doméstico

No Brasil o trabalho doméstico surge com os escravos,


que, além de trabalhar nas fazendas, eram utilizados para fazer
os trabalhos domésticos, principalmente as mulheres, servindo
de criadas aos seus senhores, realizando todos os afazeres da
casa, cozinhando, limpando e cuidando das crianças.
Enfatiza Sérgio Pinto Martins que ―com a abolição da
escravatura muitas pessoas continuaram nas fazendas, em troca

92
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

de local para dormir e a comida, porém na condição de


empregado doméstico‖.95
O trabalhador doméstico, em tempos passados, teve
características especificas de pessoas em situação de pobreza e
que apresentavam dificuldades diversas no seu cotidiano, sendo
que na maioria das vezes não tinham condições de concorrer a
vagas melhores no mercado de trabalho.
Para desempenhar a profissão de doméstico nunca foi
necessário ter qualquer diploma ou ser detentor de um currículo
vasto e qualificado, bastando saber cumprir ordens e ter muita
disposição física para desempenhar todos os afazeres
domésticos.
Observado o perfil das pessoas que desde os primórdios
da história do Brasil desempenham tarefas domésticas,
fundamental que, primeiramente, se busque uma definição
dentro da esfera legislativa para que se possa conceituar, com
exatidão, quem efetivamente detém a condição de empregado
doméstico no contexto laborativo, a ponto de atrair a necessária
proteção legal.
Assim, destaca Vólia Bomfim Cassar que:

As primeiras leis aplicáveis aos domésticos foram as Ordenações do


Reino. Mais tarde, o Código de Posturas de São Paulo de 1886, art.
263, autorizava a contratação para os serviços domésticos ―pessoas de
condição livre‖. O Código Civil (1916) passou a reger qualquer tipo
de ―locação de serviços‖, aí incluído o trabalho doméstico (art. 1.216
e segs., CC)‖.96

95 MARTINS, Sergio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. 5ª ed. São Paulo:


Atlas, 2000, p. 18.
96 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 2ª ed. Niterói: Ímpetos, 2008,

p. 348.
93
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O Decreto nº 16.107, de 30 de julho de 1923, que


regulamentou a locação de serviços domésticos no Distrito
Federal, na época ainda no Rio de Janeiro, especifica que estes
trabalhadores seriam cozinheiros e ajudantes, copeiros,
arrumadores, lavadeiras, engomadeiras, jardineiros, hortelões,
porteiros ou serventes, enceradores, amas-secas ou de leite,
costureiras, damas de companhia.
Nesse contexto, estavam incluídos na definição os
empregados de hotéis, restaurantes, bares, pensões, entre outros
estabelecimentos comerciais, verificando-se que o texto legal
considerou, exclusivamente, a natureza da atividade, sem
qualquer preocupação a quem era destinada a prestação de
serviços, tampouco o local de sua execução.
O Decreto Lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, que
dispunha sobre a locação dos empregados em serviço
doméstico, em seu art. 1º define como empregados domésticos
―todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante
remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a
beneficio destas‖, observando-se se aqui um conceito muito
amplo e pouco preciso, entretanto, com expressa referência à
prestação de labor em residências.
O Decreto-lei nº 5.452, de 1° de maio de 1943, que
aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na alínea
a de seu art. 7º, conceitua empregados domésticos ―de um
modo geral, os que prestam serviços de natureza não-
econômica à pessoa ou a família, no âmbito residencial destas.‖
Em obra publicada no ano de 1971, Orlando Gomes e
Elson Gottschalk, comentando o conceito derivado da alínea a
do art. 7º da CLT, afirmam que: ―É uma definição satisfatória,
pois compreende todos os elementos que a doutrina moderna
94
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

destaca para caracterizar esta espécie de emprego. Com efeito,


trata-se de uma atividade de mero consumo, não-produtiva. O
empregado insere-se no âmbito familiar [...]‖.97
A Lei n° 605, de 05 de janeiro de 1949, que dispõe sobre
repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias
feriados civis e religiosos, estabelecia em seu art. 5º, que a
mencionada ―[...] lei não se aplica às seguintes pessoas: a) aos
empregados domésticos, assim considerados, de modo geral, os
que prestem serviço de natureza não econômica e pessoa ou a
família no âmbito residencial destas‖, ressaltando-se que tal
disposição foi revogada pela Lei nº 11.324, de 19 de julho de
2006, mas que, de toda forma e em relação à definição de
empregado doméstico, tinha praticamente a mesma redação da
alínea a do art. 7º da CLT.
No mesmo sentido estabelecia o art. 8º da Lei nº 4.214, de
08 de junho de 1963, conhecida como Estatuto do Trabalhador
Rural, que ―Os preceitos desta lei, salvo determinação expressa
em contrário, em cada caso, não se aplicam: a) aos empregados
domésticos, assim considerados, de modo geral, os que prestem
serviços de natureza não econômica a pessoa ou à família, no
âmbito residencial destas‖, sendo oportuno salientar que a lei
em comento foi revogada pela Lei nº 5889, de 08 de junho de
1973.
Já a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe
sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras
providências, em seu art. 1°, define que empregado doméstico é
―(...) aquele que presta serviços de natureza continua e de
finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito

97GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 4ª


ed. São Paulo: Forense, 1971, p. 101.
95
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

residencial destas‖, não mais se traduzindo a conceituação de


empregado doméstico em razão da função exercida, como fazia
o Decreto nº 16.107/23.
Com a edição da mencionada lei, específica para a
categoria dos domésticos, é constatada a inclusão, pela primeira
vez em textos legais, da necessidade que os serviços prestados
sem finalidade lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas, seja de natureza contínua.
A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre
a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e
dá outras providências, estabelece no inciso II de seu art. 12,
que empregado doméstico é ―aquele que presta serviço de
natureza continua à pessoa ou a família, no âmbito residencial
desta, em atividades sem fins lucrativos‖.
O inciso II do art. 9º do Decreto nº 3.048, de 6 de maio
de 1999, que aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá
outras providências, afirma que empregado doméstico é ―aquele
que presta serviço de natureza continua, mediante remuneração
mensal, à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, em
atividades sem fins lucrativos‖.
A natureza da função do empregado não é determinante
para caracterização de sua qualidade de doméstico, pois muitas
funções são desempenhadas tanto em empresas, para pessoas
jurídicas, como em residências, para pessoas físicas, tendo-se
como exemplo o trabalho prestado pela cozinheira, pela
copeira, pela enfermeira, entre outros, constatando-se que não é
a simples natureza do trabalho que irá caracterizá-lo como
doméstico, mas sim o fato de ser prestado à pessoa ou à família,
no âmbito residencial, e que não tenha caráter econômico,

96
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

traduzido na impossibilidade de existência de lucratividade na


atividade do empregador.
Logo, será empregada protegida pela CLT, a cozinheira
de um restaurante, a copeira de um hotel e a enfermeira de um
hospital, bem como estarão excluídos da proteção Consolidada
e integram-se à definição do art. 1º da Lei nº 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, a cozinheira, a copeira ou a enfermeira, que
prestam seus serviços de natureza continua e de finalidade não
lucrativa, à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas.
Necessário ressaltar que o conceito de âmbito residencial
é mais amplo que o de residência, pois compreende tanto o
trabalho interno como também o trabalho externo, mas sempre
para a pessoa ou para a família, e isso ocorre quando o labor
não se restringe aos limites da residência, mas tem por
finalidade exatamente o cumprimento de atividade externa à
residência.
Gomes e Gottschalk manifestam que o trabalho
executado pelo doméstico: ―Não se restringe às paredes do lar,
mas se desenvolve no âmbito da família, podendo, assim,
compreender aqueles trabalhadores que servem à família fora
do lar, como os motoristas particulares, os jardineiros etc.‖98
Verifica-se que em relação à questão, não há divergência
doutrinária, sendo no mesmo sentido a lição de Alice Monteiro
de Barros, ao sustentar que estão compreendidos no conceito
de empregado doméstico os que prestam serviço ―nas
dependências ou em prolongamento da residência, como o
jardineiro, o vigia, o motorista, o piloto ou o marinheiro
particular, os caseiros e zeladores de casas de veraneio ou sítios

98 GOMES; GOTTSCHALK, 1971, p. 101.


97
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

destinados ao recreio dos proprietários, sem qualquer caráter


lucrativo.‖99
Além dos requisitos mencionados, devem ser observados
também para a configuração de um relacionamento como de
emprego doméstico, os constantes do art. 3° da CLT, onde
definido o conceito de empregado urbano: ―Considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário‖.
Logo, a subordinação, a pessoalidade e a percepção de
salário, integram-se aos requisitos definidores e específicos dos
empregados domésticos, de modo que para configurar a relação
de emprego doméstico, deve ser levado em configuração que os
serviços sejam de natureza continua e de finalidade não
lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas,
prestados pessoalmente, de forma subordinada e mediante o
recebimento de salário.
Há total convergência doutrinária no que refere à
correspondência entre tais requisitos, havendo divergência
conceitual, no entanto, quanto à equivalência, ou não, das
expressões, ―serviços de natureza não eventual‖, no caso de
empregados submetidos ao regramento da CLT, e ―serviços de
natureza continua‖, para os empregados domésticos.
Na verdade, necessário destacar que sequer há
unanimidade entre os doutrinadores relativamente ao
significado de cada uma das expressões.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6ª ed. São Paulo:
99

LTr, 2010, p. 340-341.


98
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Com efeito, para Amauri Mascaro Nascimento, serviços


de natureza não eventual correspondem a trabalho contínuo,
afirmando que:

Eventual é o trabalho que, embora exercitado continuadamente e em


caráter profissional, o é para destinatários que variam no tempo, de
tal modo que se torna impossível a fixação jurídica do trabalhador em
relação a qualquer um deles. [...] Já o empregado destina o seu
trabalho de modo constante, inalterável e permanente a um
destinatário, de modo a manter uma constância no desenvolvimento
da sua atividade em prol da mesma organização, suficiente para que
um elo jurídico seja mantido, resultante, muitas vezes, dessa mesma
continuidade. [...] Portanto, há a necessidade de uma certa fixação
vinculando o trabalhador à fonte de trabalho, sem o que não
estaremos diante da figura do empregado. Pode-se denominar essa
fixação de continuidade. Muitos falam em ineventualidade; ou, ainda,
em permanência.100

Em sentido contrário, manifesta Barros que:

O pressuposto da não eventualidade traduz-se pela exigência de que


os serviços sejam de natureza não eventual, isto é, necessários à
atividade normal do empregador. Observa-se que o legislador não se
utilizou do termo ―continuidade‖. Logo, mesmo que descontínuo,
isto é, intermitente, o serviço executado pelo empregado poderá ser
de natureza não eventual. Basta para isso que seja necessário ao
desenvolvimento da atividade normal do empregador. É o que
ocorre com os professores que comparecem aos estabelecimentos de
ensino para ministrarem determinada disciplina durante dois ou três
dias da semana.101

Comungando do mesmo entendimento, refere Carmen


Camino que:

100 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 620-621.
101 BARROS, 2010, p. 266.

99
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Serviços não-eventuais são os serviços rotineiros da empresa, por


isso, necessários e permanente, vinculados ao objeto da atividade
econômica, independentemente do lapso de tempo em que prestado,
antítese dos serviços eventuais, circunstancialmente necessários,
destinados ao atendimento de emergência, quando interessa a
obtenção do resultado ou a realização de determinado serviço e não
o ato de trabalhar. [...] Portanto, alguém pode ser empregado
trabalhando durante diminuto espaço de tempo e não o ser, mesmo
trabalhando durante largo espaço de tempo. Daí traduzir-se a não-
eventualidade, referida no art. 3º da CLT, como expressão da
habitualidade, da rotina natural da empresa. Diríamos que o trabalho
não-eventual é aquele naturalmente inserido na atividade da empresa
e é esse trabalho que constitui objeto da relação de emprego. 102

Considerando as expressões ―serviços de natureza


continua‖ e ―serviços de natureza não eventual‖, frisa Luciano
Martinez a criação de duas correntes interpretativas:

A primeira afirma que a lei não utiliza vocábulos ociosos e que o


lançamento da palavra ―contínua‖ na Lei dos Domésticos, de 1972,
em oposição à palavra ―não eventual‖ da CLT, 1943, visou à
descaracterização da qualidade de doméstico a todo aquele que,
prestando serviços de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família,
no âmbito residencial destas, não trabalhasse com continuidade; a
segunda corrente, mais reflexiva, considera que a palavra ―contínua‖
deve ser apreciada em seu contexto histórico, notadamente porque,
na época em que foi publicada a Lei dos Domésticos, estes não
tinham direito ao repouso semanal remunerado, o que, de certo
modo, justificava a ―continuidade‖ como característica de todo o
serviço realizado em favor das famílias. 103

102 CAMINO, Carmem. Direito individual do trabalho. 4ª ed. Porto Alegre:


Síntese, 2004, p. 188-189.
103 MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais

e coletivas do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 196.


100
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Vólia Bomfim Cassar, salientando a diversidade de


redação em ambos os textos legais, igualmente ressalta a
formação de duas correntes de interpretações:

A primeira corrente entende que é irrelevante a diferença e que os


critérios para apreciação do trabalho contínuo são os mesmos para o
trabalho não eventual da CLT, isto é, o que importa é a necessidade
permanente da mão-de-obra do doméstico, que é demonstrada pela
repetição de seu trabalho durante todo o contrato, mesmo que
exercida uma só vez por semana, por quinzena ou mês, mas durante
muitos meses ou anos. [...] Outra corrente entende que foi proposital
a distinção, porque o conceito de trabalho não eventual previsto na
CLT (art. 3º da CLT) relaciona-se com a atividade empresarial, com
seus fins e necessidades de funcionamento e o empregador
doméstico não explora atividade econômica lucrativa, não é empresa.
Neste sentido, o trabalho ―contínuo‖ relaciona-se com o seu
conceito lingüístico, isto é, vincula-se com o tempo, a repetição, com
o trabalho sucessivo, sem interrupção, como conceitua o Dicionário
Aurélio. Segundo a doutrina e a jurisprudência majoritária, a
repetição dos trabalhos domésticos deve ser analisada por semana,
desprezando o tempo de duração do contrato, de forma que o
trabalhador doméstico execute seus serviços três ou mais dias da
semana, por mais de quatro horas por dia. [...] A doutrina e a
jurisprudência majoritárias adotaram o princípio de que o trabalho
prestado num só dia da semana para tomador doméstico, como por
exemplo, a faxineira, a passadeira, a congeleira etc., não gera vínculo
de emprego, por não contínuo o serviço prestado. Para três ou mais
dias de trabalho na semana a jurisprudência consagrou como
contínuo, logo, acarreta no vínculo.104

A par da enorme dissensão doutrinária, há convergência


para os demais requisitos, sinalando-se que a subordinação, na
relação de emprego doméstico, é com a família, pois nesta
relação todos dão ordens ao empregado doméstico, que acaba
se subordinando às ordens dos integrantes da unidade familiar,

104 CASSAR, 2008. p. 351-353.


101
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

argumentando Martins que ―[...] embora nem todos paguem seu


salário‖.105
A natureza do contrato de trabalho doméstico é onerosa,
aliás, como todos os demais, pois não existe contrato de
trabalho a título gratuito, decorrente da necessidade do
pagamento de salários e demais consectários legais, como férias
e 13º salários.
A prestação de serviços deve ser feita com pessoalidade,
não podendo o empregado doméstico se fazer substituir por
outra pessoa.
Por fim, tratando-se de atividade em que não há
produção econômica, prestada exclusivamente à pessoa ou à
família, no âmbito da residência, resulta evidente que o
empregador doméstico nunca poderá deter a condição de
pessoa jurídica.

3 Evolução histórica do trabalho doméstico

Em nosso sistema jurídico não havia regulamentação


específica para o trabalho doméstico, até a entrada em vigor do
Decreto Lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, que dispondo
sobre a locação dos empregados em serviço doméstico, previu
alguns poucos direitos a esta específica categoria de
trabalhadores, como por exemplo, a obrigatoriedade, em todo o
país, do uso de carteira profissional para o empregado em
serviço doméstico; que o contrato de locação de serviço
doméstico se rescindisse pela simples manifestação da vontade
de qualquer dos contratantes, sendo que após seis meses de
serviço permanente e exclusivo, a restrição só se daria mediante

105 MARTINS, 2000, p. 40.


102
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

o aviso prévio de oito dias por parte daquele que a pretendesse,


bem como que a falta de aviso prévio obrigaria à parte que
rescindisse a locação a uma indenização correspondente a oito
dias de salário, podendo a respectiva importância ser pelo
patrão descontada dos salários vencidos; o empregado deveria
dar quitação de seus salários na própria carteira, que, na falta de
qualquer pagamento pelo empregador, seria instrumento hábil
para a reclamação ao Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio; obrigatoriedade de o empregador anotar na carteira
do empregado o dia do início do serviço, a natureza deste e o
salário ajustado, seguindo-se a data e as assinaturas das partes
contratantes e, ainda, terminado o contrato, fazer a respectiva
anotação na carteira.
O mencionado decreto estabeleceu ainda, que
constituíam deveres do empregador: tratar com urbanidade o
empregado, respeitando-lhe a honra e a integridade física; pagar
pontualmente os salários convencionados; assegurar ao
empregado as condições higiênicas de alimentação e habitação
quando tais utilidades lhe sejam devidas.
Por outro lado, determinou como deveres do empregado:
prestar obediência e respeito ao empregador, às pessoas de sua
família e às que vivem ou estejam transitoriamente no mesmo
lar; tratar com polidez os que se utilizarem eventualmente dos
seus serviços; desobrigar-se dos seus serviços com diligência e
honestidade; responder pecuniariamente pelos danos causados
por sua, incúria ou culpa exclusiva e zelar pelos interesses do
empregador.
Todavia, oportuno ressaltar que o Decreto Lei nº 5.452,
de 1º de maio de 1943, editado com o fito de aprovar a
Consolidação das Leis do Trabalho, regulando as relações
103
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

individuais e coletivas do trabalho, aos empregados domésticos


não se aplicava, conforme disposto em seu art. 7º, letra a:
Art. 7º os preceitos constantes da presente consolidação, salvo
quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrario
não se aplicam:
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo
geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa
ou a família, no âmbito residencial destas;

Com efeito, em 1943, quando a CLT entrou em vigor,


havia passado apenas 55 anos da abolição da escravatura, assim
muitos domésticos eram filhos de escravos ou mesmo tinham
nascidos escravos, e foram meros espectadores deste momento
histórico, pois o art. 7º da CLT excluiu taxativamente a sua
tutela ao trabalhador doméstico, revelando como o trabalho
doméstico, pelo menos até então, vinha sendo desvalorizado
perante a sociedade.
A discriminação do legislador da época quanto ao
trabalho doméstico é clara, pois quando definiu o empregador,
art. 2º da CLT, equiparou a estes, em seu § 1º, outras entidades
que não têm atividade econômica como ―as instituições de
beneficência, as associações recreativas ou outras instituições
sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores‖, dando
origem à inequívoca contradição legal, tendo em vista que tanto
o empregador doméstico como uma instituição beneficente não
têm finalidade lucrativa, porém os empregados de ambas não
têm a mesma atenção legislativa.
A desigualdade de tratamento se evidenciava injusta se
considerado que um empregado, contratado para ser faxineiro
de um condomínio de apartamentos, teria todos os direitos
trabalhistas assegurados pela CLT, enquanto a faxineira de um

104
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

apartamento especifico do mesmo condomínio, não teria a ela


dispensada a mesma garantia de proteção legal.
Necessário enfatizar que exceto as poucas disposições do
Decreto Lei nº 3.078, de 27 de fevereiro de 1941, não havia
nenhuma legislação que amparasse o trabalhador doméstico no
Brasil, assim o trabalho desempenhado pelo doméstico não
gerava nenhum direito trabalhista ou previdenciário, muito
menos era regulamentada esta profissão.
Apenas com a entrada em vigor da Lei n° 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, é que houve efetivamente o
reconhecimento da profissão de empregado doméstico, com
poucas disposições, é verdade, mas sem dúvida
consubstanciando um marco dentro do quadro evolutivo das
legislações aplicáveis a uma categoria tão ignorada.
O art. 1° da mencionada lei estabeleceu o conceito de
empregado doméstico que é aceito até os dias atuais,
ressaltando que: ―Ao empregado doméstico, assim considerado
aquele que presta serviços de natureza continua e de finalidade
não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito residencial destas,
aplica-se o disposto nesta lei‖.
Portanto, a partir da edição da Lei 5.859/72, além de ser
confirmada a necessidade de registro do contrato de trabalho
em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), aos
domésticos foi conferido o direito à fruição de férias anuais
remuneradas de 20 dias úteis após cada período de 12 meses de
trabalho, prestado à mesma pessoa ou família, bem como lhes
foram assegurados os benefícios e serviços da Lei Orgânica da
Previdência Social na qualidade de segurados obrigatórios.
Longo período transcorreu sem que houvesse qualquer
mudança no quadro legislativo acima descrito, até que a Lei nº
105
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

7.418, de 16 de dezembro de 1985, instituiu a concessão de vale


transporte pelo empregador, pessoa física ou jurídica, ao seu
empregado, para utilização efetiva em despesas de
deslocamento de sua residência ao trabalho e vice-versa, sendo
regulamentado pelo Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de
1987, com expressa menção aos empregados domésticos como
beneficiários da vantagem.
Com a promulgação da Constituição da República, em 05
de outubro de 1988, houve alteração nos direitos destinados aos
domésticos, visto que restou definido no parágrafo único de seu
art. 7º que: ―São assegurados à categoria dos trabalhadores
domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV,
XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à
previdência social.‖
Dessa forma, a partir de 05 de outubro de 1988, foi
garantido à categoria dos domésticos a percepção do salário
mínimo; irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção
ou acordo coletivo; décimo terceiro salário; repouso semanal
remunerado, preferencialmente aos domingos; gozo de férias
anuais remuneradas com, pelo menos um terço a mais do que o
salário normal; licença a gestante, sem prejuízo do emprego e
do salário, com duração de 120 dias; licença paternidade; aviso
prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de
30 dias e aposentadoria.
Decorrido mais um grande lapso temporal sem que nada
fosse alterado em relação aos empregados domésticos, até que
em 23 de março de 2001, foi aprovada a Lei nº 10.208,
acrescentando dispositivos à Lei n° 5.859/72, para facultar ao
empregador doméstico a inserção do seu empregado doméstico
ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, por
106
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

consequência, vir a ter direito ao seguro desemprego, na


hipótese da despedida sem justa causa, dispondo
especificamente:

Art. 1°- A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, fica acrescida


dos seguintes artigos:
Art. 3°- A É facultada a inclusão do empregado doméstico no Fundo
de Garantia do tempo de Serviço- FGTS, de que trata a lei n° 8.036,
de 11 de maio de 1990, mediante requerimento do empregador, na
forma do regulamento.
Art. 6°-A o empregado doméstico que for dispensado sem justa
causa fará jus ao beneficio do seguro-desemprego, de que trata a lei
7.998, de 11 de janeiro de 1990, no valor de um salário mínimo, por
um período máximo de três meses, de forma continua ou alternada.§
1º. O benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS que
tiver trabalhado como doméstico por um período mínimo de quinze
meses nos últimos vinte e quatro meses contados da dispensa sem
justa causa.

Nesse sentido, assevera Nascimento que:

A inclusão é irretratável com relação ao respectivo vínculo


contratual e sujeita o empregador às obrigações estabelecidas para
todo empregador quanto ao FGTS, como preencher guias e enviar
informações aos órgãos de fiscalização, efetuar recolhimentos
mensais no valor correspondente a 8% dos salários e, se despedir
sem justa causa, pagar indenização de 40% incidentes sobre o total
dos depósitos que efetuou, obrigações que não terá o empregador
doméstico que não inscrever o empregado nesse regime. Se o
doméstico estiver inscrito no FGTS, terá direito ao seguro-
desemprego.106

Já em 19 de julho de 2006, a Lei nº 11.324, alterando


dispositivos da Lei nº 5.859/72, concedeu aos domésticos o
direito a férias anuais remuneradas de 30 dias com, pelo menos,
um terço a mais que o salário normal, após cada período de 12

106 NASCIMENTO, 2009, p. 757.


107
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

meses de trabalho, prestado à mesma pessoa ou família; vedou


a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada
doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 05
meses após o parto; vedou ao empregador doméstico efetuar
descontos no salário do empregado por fornecimento de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia, sendo que em
relação à moradia, permitiu o desconto das despesas quando
essa se referir a local diverso da residência em que ocorrer a
prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha sido
expressamente acordada entre as partes.
A referida lei, ainda, revogou a alínea a do art. 5º da Lei
nº 605, de 05 de janeiro de 1949, passando, a partir de então, a
ser vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos,
garantida, entretanto, aos empregados a remuneração
respectiva, sendo que se houver trabalho em tais dias, a
remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador
determinar outro dia de folga.
É de extrema importância destacar que é proibido no
Brasil para menores de 18 anos o trabalho doméstico desde que
entrou em vigor o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, o
qual regulamenta os arts. 3º, alínea d, e 4º, da Convenção 182 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da
proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata
para sua eliminação, onde coloca o trabalho doméstico no
mesmo patamar da categoria de extração de madeira, da
produção de carvão vegetal, da fabricação de fogos de artifícios,
da construção civil e da extração de sal, pois considera os

108
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

esforços físicos do trabalho doméstico como intensos e com


sobrecarga muscular entre outros.107
Em 16 de junho de 2011, a OIT aprovou a Convenção
189, equiparando os direitos dos trabalhadores domésticos com
as demais categorias de trabalhadores, definindo, entre outros,
direito a jornadas de trabalho razoáveis e descanso semanal de
pelo menos 24 horas consecutivas; direito à informação clara
sobre as condições de emprego, a cobertura básica de
seguridade social e ao respeito dos direitos laborais
fundamentais, sendo esta a primeira convenção dedicada com
exclusividade ao trabalho doméstico, tornando-o parte
integrante do desenvolvimento social, estabelecendo padrões de
direitos humanos.
Comentando a mencionada convenção, Elizabeth
Tinoco, Diretora Regional da OIT para a América Latina e
Caribe, afirma que:

O trabalho doméstico tem grande relevância para nossa região e por


isso é importante tomar medidas para que tenham os mesmos
direitos básicos que outros trabalhadores.
A entrada em vigor da nova norma internacional constitui um feito
sem precedentes, pois pela primeira vez se trata de forma específica
de um setor laboral no qual predomina a informalidade. 108

107 PALÁCIO DO PLANALTO. Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008.


Dispõe sobre a regulamentação dos artigos 3o, alínea “d”, e 4o da Convenção 182 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas
de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/decreto/d6481.htm. Acesso em: 14 mar 2014.
108 OIT- Organização Internacional do Trabalho. Convenção sobre o trabalho

doméstico. Disponível em: http:// www.oit.org.br/content/entra-em-vigor-


convencao-sobre-trabalho-domestico-da-oit. Acesso em: 05 jun 2014.
109
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Em conformidade com um estudo realizado pela OIT em


janeiro de 2013, intitulado ―Trabalhadores Domésticos em todo
o mundo‖, pelo menos 52,6 milhões de pessoas no planeta —
principalmente as mulheres — são empregadas como
trabalhadoras domésticas. Somente 10% destas estão cobertas
pela legislação geral do trabalho em igualdade com profissionais
de outras categorias.109
Dentro desse contexto, Sandra Polaski, Subdiretora Geral
da OIT, alerta que:

Aos trabalhadores domésticos frequentemente se exige que trabalhem


mais horas que outros trabalhadores e em muitos países não
desfrutam do mesmo direito ao descanso semanal que outros
trabalhadores. Junto à falta de direitos, a dependência extrema de um
empregador e a natureza isolada e desprotegida do trabalho
doméstico podem torná-los vulneráveis à exploração e ao abuso. [...]
As grandes disparidades entre os salários e as condições de trabalho
dos trabalhadores domésticos comparados com os outros
trabalhadores no mesmo país enfatizam a necessidade de ação em
nível nacional por parte de governos, empregadores e trabalhadores
para melhorar a vida laboral destas pessoas vulneráveis [...]. 110

Registra-se que em estudo feito em 117 países, também


em janeiro de 2013, concluiu a OIT que o Brasil tem o maior
número de domésticas do mundo, divulgando que: ―O Brasil
tem 7,2 milhões de empregados domésticos, sendo 6,7 milhões
de mulheres e 504 mil homens, e aparece como o país com a

109 ONU- Organização das Nações Unidas. Trabalhadoras domésticas ampliam


direitos no Brasil. Disponível em: http://www.onu.org.br/66-milhoes-de-
trabalhadoras-domesticas-ampliam-direitos-no-brasil-destaca-oit. Acesso em:
26 mar 2014.
110 OIT- Organização Internacional do Trabalho. O mundo tem hoje mais de 52

milhões de trabalhadores domésticos. Disponível em:


http://www.oitbrasil.org.br/content/mundo-tem-mais-de-52-milhoes-de-
trabalhadores-domesticos. Acesso em: 26 mai 2014.
110
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

maior população de trabalhadores domésticos do mundo em


números absolutos [...]‖.111
Em virtude dessa realidade constatada em nível mundial,
o Congresso Nacional passou a discutir propostas de emenda à
constituição com o fito de ampliar o rol de direitos destinados à
categoria dos domésticos, justamente por estar limitado em
relação àqueles previstos aos demais trabalhadores urbanos e
rurais, em decorrência da redação restritiva do parágrafo único
de seu art. 7º, como anteriormente examinado.
A Proposta de Emenda Constitucional nº 478, de 2010,
teve como propósito a revogação do parágrafo único do art. 7º
da Constituição da República, para estabelecer a igualdade de
direitos trabalhistas entre os empregados domésticos e os
demais trabalhadores urbanos e rurais.112
Já a Proposta de Emenda Constitucional nº 114 de 2011,
pretendia não apenas a revogação do parágrafo único, mas a
alteração de redação do art. 7º, justamente para que passasse a
viger, dispondo: "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos
e rurais, inclusive os domésticos, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social‖.113

111G1. GLOBO.COM. Brasil tem o maior numero de domésticas do mundo.


Disponível em: http://g1.globo.com/concursos-e-
emprego/noticia/2013/01/brasil-tem-o-maior-numero-de-domesticas-do-
mundo-diz-oit.html. Acesso em: 14 mar 2013.
112 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Atividades legislativas: Propostas de EC

nº478. Disponível em: HTTP ://WWW.camara


.gov.br/proposiçõesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=473496. Acesso
em: 05 jun 2014.
113 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Atividade legislativa. Proposta de EC nº

114.Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposiçõesWeb/fichadetramitacao?idProposic
ao=529036. Acesso em: 05 jun 2014.
111
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Como resultado de amplo debate ante o Congresso


Nacional, foi editada a Emenda Constitucional nº 72, de 02 de
abril de 2013, alterando a redação do parágrafo único do art. 7º
da Constituição da República para estabelecer a igualdade de
direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os
demais trabalhadores urbanos e rurais.114
Resulta evidente que após a alteração ocorrida em abril de
2013, diversas dúvidas surgiram e diferentes interpretações
foram dadas à nova ordem constitucional, impondo-se
minuciosa análise quanto ao particular.

4 Direitos dos empregados domésticos decorrentes de


fonte legislativa e da Emenda Constitucional nº 72 de
03 de abril de 2013

A Emenda Constitucional nº 72, de 02 de abril de 2013,


foi editada com a seguinte redação:

Altera a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição


Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os
trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos
termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a
seguinte Emenda ao texto constitucional:
Artigo único. O parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal
passa a vigorar com a seguinte redação:

114PALÁCIO DO PLANALTO. Emendas à constituição da República. PEC


72/2013.Disponível em :http://WWW.planalto.gov.br
/ccivil_03/constituição/ Emendas/Emc/ emc72 .htm. Acesso em: 26 mai
2014.

112
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

"Art. 7º ...Parágrafo único. São assegurados à categoria dos


trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI,
VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV,
XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições
estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das
obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação
de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III,
IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência
social. Brasília, em 02 de abril de 2013.115

Portanto, os direitos garantidos pela Emenda


Constitucional que tiveram vigência imediata, a partir de em 03
de abril de 2013, são: salário mínimo, fixado em lei,
nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades
vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem
o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer
fim; irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção
ou acordo coletivo; garantia de salário, nunca inferior ao
mínimo, para os que percebem remuneração variável; décimo
terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor
da aposentadoria; proteção do salário na forma da lei,
constituindo crime sua retenção dolosa; duração do trabalho
normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo,

115PALÁCIO DO PLANALTO. Emendas à constituição da República. PEC


72/2013. Disponível em: http:
//www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/Emendas/Emc/emc72.htm.
Acesso em: 26 mai 2014.
113
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

em cinqüenta por cento à do normal; gozo de férias anuais


remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e
do salário, com a duração de cento e vinte dias; licença-
paternidade, nos termos fixados em lei; aviso prévio
proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta
dias, nos termos da lei; redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
aposentadoria; reconhecimento das convenções e acordos
coletivos de trabalho; proibição de diferença de salários, de
exercício de funções e de critério de admissão por motivo de
sexo, idade, cor ou estado civil; proibição de qualquer
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do
trabalhador portador de deficiência; proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos.
Os direitos que ainda necessitam de regulamentação pela
via legislativa infraconstitucional são: relação de emprego
protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos; seguro-desemprego, em
caso de desemprego involuntário; fundo de garantia do tempo
de serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do
diurno; salário-família pago em razão do dependente do
trabalhador de baixa renda; assistência gratuita aos filhos e
dependentes desde o nascimento até 5 anos de idade em
creches e pré-escolas; seguro contra acidentes de trabalho, a
cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Oportuno evidenciar que a ampliação dos direitos
assegurados aos empregados domésticos pela alteração da
114
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição da


República, não modifica a redação do art. 7º, alínea a, da CLT,
que expressamente exclui os empregados domésticos de sua
proteção legal.
Assim, é incorreto interpretar que a totalidade dos direitos
assegurados aos trabalhadores urbanos serão imediatamente
estendidos à categoria dos domésticos, muito antes pelo
contrário, porquanto não foi nesse sentido a alteração imposta
pela Emenda Constitucional nº 72/2013.
Todavia, não seria totalmente equivocado defender a
possibilidade de extensão de determinados direitos sociais,
assegurados exclusivamente pelo regramento contido na CLT,
aos empregados domésticos, pois como o próprio caput do art.
7º da Constituição da República enuncia, além dos direitos que
prevê aos trabalhadores urbanos e rurais, reconhece a
possibilidade de ―outros que visam a melhoria de sua condição
social‖, sendo nesse mesmo sentido que se devem direcionar as
disposições de seu parágrafo único e, portanto, ser admitida a
aplicação analógica das disposições Consolidadas, ante eventual
lacuna legislativa.
Logicamente que somente o tempo dirá o exato rumo em
que irão se voltar às interpretações doutrinárias e
jurisprudenciais acerca da matéria, sendo muito prematura
qualquer dedução acerca do particular.
Entretanto, considerando as disposições da totalidade da
legislação anteriormente mencionada, associadas ao quanto
disposto na Emenda Constitucional nº 72/2013, é possível
afirmar que já está em vigor à obrigatoriedade de registro do
contrato de trabalho em CTPS, com especificação de todos os
dados do empregador, além da data de admissão, salário mensal
115
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ajustado entre as partes e dos respectivos períodos de férias,


salientando-se que não havendo regramento específico, e por
aplicação analógica das disposições do art. 29 da CLT, as
anotações devem ser feitas no prazo de 48 horas a contar da
data de admissão corresponde ao primeiro dia de trabalho.
Garantia de percepção de pelo menos o valor do salário
mínimo, sendo considerado crime sua retenção dolosa, além da
irredutibilidade salarial, salvo disposto em convenção ou acordo
coletivo, vedado a diferença de salários ou qualquer
discriminação relativa a critérios de admissão ou salário ao
portador de deficiência e, em caso de labor em jornada inferior
a oito horas diárias ou carga semanal inferior a quarenta e
quatro horas é ilícito o pagamento proporcional, respeitando
salário mínimo hora conforme Orientação Jurisprudencial nº
358 da Seção de Dissídios Individuais – I, do Tribunal Superior
do Trabalho (TST).116
Aos domésticos encontra-se assegurado, também a
fruição de intervalos para repouso e alimentação, de no mínimo
quinze minutos para quem trabalha em jornada que não exceda
de seis horas e no mínimo uma hora para quem presta labor em
jornada de oito horas, art. 71 da CLT, além de intervalo de no
mínimo onze horas entre o término de uma jornada e o início
da jornada seguinte, art. 66 da CLT.
Direito à fruição de descanso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos e, ainda, direito à inatividade

116OJ- SDI-I TST. 358. Salário mínimo e piso salarial proporcional à jornada
reduzida. Possibilidade. Havendo contratação para cumprimento de jornada
reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta
e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo
proporcional ao tempo trabalhado.
116
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

em dias feriados civis e religiosos, alertando-se que se trabalho


houver, deverá ser pago em dobro ou concedida folga
compensatória dentro da mesma semana, sem prejuízo da
remuneração devida pelo repouso remunerado, em
conformidade com as disposições do art. 9º da Lei nº
11.324/2006, combinado com art. 9º da Lei nº 605/49,
observada, ainda, a Súmula 146 do TST.117
A duração da jornada de trabalho não poderá ser superior a
oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultada
a compensação de horários e a redução de jornada, conforme
acordo ou convenção coletiva de trabalho, sendo que as horas
extraordinárias serão remuneradas com adicional de no mínimo
50% sobre a hora normal, sinalando-se que o simples fato de o
empregado dormir no local da prestação de seus serviços não
implica em imediata conclusão de prestação de labor em horas
extras, mas se houver solicitação de trabalho, será devida
contraprestação como extraordinário, implicando no acréscimo
do adicional de 50%.
As férias anuais remuneradas de trinta dias terão acréscimo
de pelo menos um terço a mais que o salário normal, após cada
período de doze meses de trabalho, prestado à mesma pessoa
ou família, conforme art. 4º da Lei nº 11.324/ 2006, observadas,
ainda, no que couberem, as disposições contidas nos arts. 129 e
seguintes da CLT, o que implica, dessa forma, que o período
seja fixado de acordo com critérios do empregador nos doze
meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido

117Súmula TST. 146. Trabalho em domingos e feriados, não compensado. O


trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago
em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal.

117
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

o direito, sendo possível a conversão de um terço de seu valor


em abono pecuniário.
Sempre que não observado o prazo máximo para concessão
das férias, estas e o terço constitucional deverão ser pagos em
dobro, bem como quando do término do contrato de trabalho
será devido ao empregado o pagamento de férias proporcionais
quando não completado o período aquisitivo de doze meses.
O 13º salário anual, correspondente a 1/12 da remuneração
devida em dezembro, por mês de serviço ou fração igual ou
superior a quinze dias trabalhados no ano de sua verificação,
pode ser pago em duas parcelas, a primeira entre os meses de
fevereiro e novembro e, a segunda, até 20 de dezembro, ou em
pagamento único em dezembro, sendo que para receber o
adiantamento do 13º salário nas férias, o empregado precisa
requerer no mês de janeiro do ano corrente, tudo como se vê
do art. 1º, § 1º e § 2º, da Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962,
combinado com arts. 1º e 2º, § 2º, da Lei nº 4.749, de 12 de
agosto de 1965.
O vale transporte será devido quando houver a utilização de
meios coletivos de transporte, devendo o empregado declarar a
quantidade de vales necessárias para o deslocamento, obedecido
o regramento definido na Lei nº 7.418/85, regulamentada pelo
Decreto nº 95.247/87.
O aviso prévio, proporcional ao tempo de serviço, será de
no mínimo trinta dias, esclarecendo-se que a cada ano de
trabalho prestado ao mesmo empregador serão acrescidos três
dias até o máximo de sessenta dias, observado o limite de
noventa dias, conforme disposto no art. 7º, inciso XXI e
parágrafo único, da Constituição da República, combinado com
as disposições da Lei nº 12.506, de 11 de outubro de 2011, bem
118
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

assim que se o empregado deixar de conceder aviso prévio


poderá o empregador descontar os salários correspondentes ao
respectivo período.
O trabalho doméstico está sujeito a muitos acidentes, pois
há o manuseio de produtos de limpeza, óleos de cozinha, cortes
causados por facas, queda de escadas ou até mesmo choques
elétricos, queimaduras entre outros, assim o melhor a fazer é
prevenir os acidentes, devendo o empregador orientar
constantemente o seu empregado e adotar medidas especificas
de proteção para cada trabalho desempenhado, exatamente para
que haja redução dos riscos inerentes ao trabalho.
A empregada doméstica grávida tem garantido seu
emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após
o parto, tal como estabelecido no art. 4º-A da Lei nº 5859/72,
em virtude das alterações introduzidas pela Lei nº 11.324/06,
sendo assegurada, igualmente, a percepção da licença à gestante
sem prejuízo do salário e do emprego com duração de 120 dias,
paga diretamente pela Previdência Social à doméstica, em valor
correspondente ao ultimo salário de contribuição, sendo que no
período do salário maternidade caberá ao empregador recolher
apenas a parcela da contribuição a seu encargo, destacando-se
que a parcela devida pela empregada doméstica será descontada
pelo INSS no beneficio. O salário maternidade é devido
independentemente de carência, com qualquer tempo de
serviço, na forma do art. 30, inciso II, do Decreto nº 3.048, de
06 de maio de 1999.
É de cinco dias a licença paternidade a contar do
nascimento do filho, art. 10, § 1º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.

119
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O trabalho doméstico não poderá ser exercido por menor


de 18 anos, conforme Decreto nº 6.481, de 12 de junho de
2008, que dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil,
complementando o inciso XXXIII do art. 7º da Constituição da
República a proibição do trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos.
O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho, desde que não contravenham as normas de proteção
ao trabalho.
A integração à Previdência Social, tal como determinado
no art. 7º, parágrafo único, da Constituição da República,
estabelecendo o art. 4º da Lei nº 5859/72 que aos empregados
domésticos são assegurados os benefícios e serviços da Lei
Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados
obrigatórios, condição que se verifica do art. 12, inciso II, da
Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a
organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá
outras providências.
A aposentadoria por idade dos empregados domésticos é
devida ao segurado homem que completar 65 anos e à segurada
mulher que completar 60 anos, sendo necessário que o
empregado doméstico ou a empregada doméstica tenham feito,
no mínimo, 180 contribuições mensais à Previdência Social. A
aposentadoria por invalidez é devida aos empregados
domésticos que tenham feito 12 contribuições mensais e
depende de exame médico pericial a ser realizado pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) para verificar a condição de
incapacidade e será automaticamente cancelada quando houver
retorno ao trabalho. A aposentadoria por tempo de
contribuição é um direito dos empregados domésticos que
120
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

tenham feito o pagamento mensal da Previdência Social durante


35 anos para os homens ou 30 anos para as mulheres.118
Muito embora a Emenda Constitucional nº 72/2013
defina a obrigatoriedade do FGTS, este é um dos direitos que
necessita ser regulamentado por legislação infraconstitucional.
Todavia, o art. 3°-A, da Lei n° 5.859/72, faculta a
inclusão do empregado doméstico no FGTS, mediante
requerimento do empregador, e se este assim o fizer, seu
empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará
jus ao beneficio do seguro-desemprego, no valor de um salário
mínimo, por um período máximo de três meses, de forma
continua ou alternada, desde que tiver laborado como
doméstico por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24
meses contados da dispensa sem justa causa, tal como definido
no art. 6°-A, § 1º, da mencionada lei.

5 Considerações finais

Com o objetivo de examinar os principais aspectos


relacionados aos empregados domésticos no Brasil, o presente
artigo realizou pesquisa acerca da evolução histórica dessa
categoria de trabalhadores, derivada dos serviços prestados por
escravos, que por muitos anos foi abandonada à própria sorte,
sem que houvesse qualquer legislação que lhes assegurasse
alguma proteção.
Aliás, apenas em 1941, pela edição do Decreto Lei nº
3.078, é que se enunciou pela primeira vez em texto legal o

118 PREVIDÊNCIA SOCIAL. Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999. Dispõe


sobre a aprovação do regulamento da previdência social. Disponível em:
http://www.trabalhodomestico.ba.gov. br/interno/previdencia-social.htm.
Acesso em: 26 mai 2014.
121
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

conceito de empregados domésticos, sendo definidos ―como


todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante
remuneração, prestem serviços em residências particulares ou a
beneficio destas‖, revelando-se extremamente vago, por sua
amplitude, conferindo alguns poucos direitos.
Outros conceitos foram insertos em diferentes
disposições legislativas, contudo, ali constaram exatamente para
que fossem excluídos da proteção legal delas derivada, como
por exemplo, o Decreto-lei nº 5.452, de 1° de maio de 1943,
que aprovou a CLT; a Lei n° 605, de 05 de janeiro de 1949, que
dispôs sobre repouso semanal remunerado e o pagamento de
salário nos dias feriados civis e religiosos e a Lei nº 4.214, de 08
de junho de 1963, conhecida como Estatuto do Trabalhador
Rural.
Somente em 11 de dezembro de 1972, com a entrada em
vigor da Lei nº 5.859, que dispõe sobre a profissão de
empregado doméstico e dá outras providências, foi cunhado o
conceito de empregado doméstico que é aceito até os dias atuais
como sendo ―(...) aquele que presta serviços de natureza
continua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no
âmbito residencial destas‖.
Foi extremamente lento, gradual e esparso o surgimento
de disposições legais que contemplassem alguma garantia ao
exercício da profissão dessas pessoas que trabalham junto às
residências, pois apenas em 16 de dezembro de 1985, foi
instituída a concessão de vale transporte pela Lei nº 7.418,
regulamentada pelo Decreto nº 95.247, de 17 de novembro de
1987, com expressa menção aos empregados domésticos como
beneficiários da vantagem.

122
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Os empregados domésticos tiveram mais alguns direito


incluídos na Constituição da República, em 05 de outubro de
1988, sem que houvesse, contudo, equiparação aos demais
trabalhadores urbanos e rurais.
Posteriormente, novos direitos foram sendo acrescidos,
como os decorrentes da Lei nº 10.208, de 23 de março de 2001;
da Lei nº 11.324, de 19 de julho de 2006 e do Decreto nº 6.481,
de 12 de junho de 2008
Finalmente, em 02 de abril de 2013, foi editada a Emenda
Constitucional nº 72, alterando a redação do parágrafo único do
art. 7º da Constituição da República para estabelecer a igualdade
de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os
demais trabalhadores urbanos e rurais, pelo menos em nível
constitucional.
A partir de então, de forma imediata, aos domésticos
foram garantidos diversos direitos, sendo que alguns outros
dependem da regulamentação pela via legislativa
infraconstitucional.
Sem dúvida, a Emenda Constitucional nº 72 representa
inegável e importante avanço no conjunto dos direitos e
garantias estendidos aos empregados domésticos, todavia não
se pode olvidar que, mesmo assim, essa categoria de
trabalhadores não é destinatária da totalidade da proteção
assegurada aos demais empregados, sejam urbanos ou rurais.

Provavelmente longo tempo ainda decorrerá até que se


possa avançar rumo à total equiparação de direitos, sem
distinções entre os trabalhadores, necessitando a ocorrência de
maior amadurecimento e conscientização de todos os
envolvidos para que se possa editar alteração legislativa que

123
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

acabe definitivamente com essa nefasta diferenciação, em


virtude da natureza da profissão que exercem.

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127
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128
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


NA FORMAÇÃOHUMANA FRENTE À
RESPONSABILIDADE CIVIL

Magali Bilstein Amaral119

RESUMO: A indenização por abandono afetivo no


âmbito do direito civil tem como objetivo restaurar o
equilíbrio moral e salvaguardar o filho como sujeito de
direito a uma vida digna, onde possa crescer
desfrutando do convívio familiar, o qual contribuirá
para a sua formação como ser humano, bem como de
coibir a falta de responsabilidade dos pais ou
responsáveis perante aos filhos, imputando aos
faltantes, pagamento pelo prejuízo moral ocasionado.
PALAVRAS CHAVE: Abandono Afetivo.
Indenização. Responsabilidade.

ABSTRACT: The compensation for emotional


abandonment under the civil law aims to restore the
moral balance and safeguard the child as a subject of the
right to a dignified life, where I can grow up enjoying
the familiar conviviality which will contribute to its

119Magali Bilstein Amaral, acadêmica do curso de Direito da Universidade


Luterana do Brasil – ULBRA, campus Cachoeira do Sul. Trabalho de
Conclusão de Curso apresentado à disciplina de TCC II como requisito
parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor orientador
– João Alexandre Netto Bittencourt.
129
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

formation as a human being, as well as to curb the lack


of responsibility of parents or guardians to their
childrenimputing the missing payment, for moral harm
caused.
KEYWORDS: Affective Abandonment.
Indemnification.Liability.

SUMÁRIO:1Introdução. 2 Evolução Jurídica da Família no


Direito Brasileiro. 3Conceitos de Família.4Análise do
Princípio da Afetividade. 5 Conceito de Abandono Afetivo.
5.1 Conceito Jurídico de Abandono Afetivo.6 As Implicações
Jurídicas e Psicológicas Advindas do Abandono Afetivo. 7O
Afeto Transformado em Preço.8 Requisitos para
Configuração do Dever de Reparação Cível.9 Análise
Jurisprudencial. 10Considerações Finais.11Referências.

1 Introdução

O presente trabalho abordará as relações familiares,


enfocando o abandono afetivo e a responsabilidade civil no
Direito de Família, observando a área um todo. No decorrer,
serão elencadas questões relacionadas à responsabilidade civil
com o intuito de averiguar a possibilidade de incidência de dano
moral e possíveis danos psíquicos derivados do abandono
afetivo e da infração dos direitos dos filhos e deveres dos pais
enquanto na criação dos mesmos.
Ainda dentro desse assunto, serão descritas algumas
considerações sobre a estrutura sentimental da filiação,
embasadas na Constituição Federal e outros institutos jurídicos,
bem como os princípios da afetividade e dignidade humana.
Será dado ênfase ao papel da Psicologia como ciência auxiliar
130
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do Direito de Família, nas questões relacionadas aos problemas


psicológicos decorrentes da falta de afeto e do abandono. Além
disso, alguns aspectos infraconstitucionais relacionadas à
jurisdição da filiação serão abordados.
A pesquisa será feita com a utilização de técnica
documental e bibliográfica, tendo como referência a utilização
da doutrina, legislação, textos, artigos, periódicos,
jurisprudência, aplicáveis ao tema proposto com o objetivo de
verificar e analisar a importância e as consequências do
abandono afetivo na formação humana frente à
responsabilidade civil, expondo uma nova forma de pensar
sobre as relações familiares, considerando o interesse da criança
e do adolescente, enfocando a afetividade, bem como as
implicações jurídicas e psicológicas advindas do abandono
afetivo, abordando assim, o tratamento legislativo e
jurisprudencial a respeito, como elementos preponderantes no
Direito de Família Contemporâneo sem o intuito de esgotar o
assunto sobre o tema.

2 Evolução Jurídica da Família no Direito Brasileiro

Com o advento da Constituição Federal de 1988, nasceu


a possibilidade da família ter origem matrimonial ou
extramatrimonial. Além disso, pelo princípio da igualdade entre
os cônjuges, rompe-se com o caráter eminentemente patriarcal
das relações familiares, destacando-se o poder familiar como
instrumento de divisão mútua das orientações familiares entre
os genitores.
Nesta esteira, a noção de filiação já não se limitava à
necessidade do matrimônio vinculado, via de consequência, à
131
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noção de legitimidade, hierarquizado em um modelo clássico


familiar. Inobstante a igualdade dos genitores, a Carta Magna e
o Código Civil de 2002 prestigiaram a igualdade entre os filhos,
proibindo designações discriminatórias sobre a filiação, seja
qual for sua origem.
Surgiu a idealização de uma filiação timidamente presente
na legislação, mas primordialmente existente nas civilizações,
qual seja a sócioafetiva. A verdade sociológica da filiação se
constrói, não apenas na descendência, na consanguinidade, mas
no cuidado que é dispensado a outrem, no carinho que se faz
fortalecer uma relação de afeto, e principalmente no
reconhecimento de um vínculo paterno ou materno além de um
laço biológico.
Embora a globalização esteja presente em nosso
cotidiano, as relações familiares continuam recorrendo ao afeto
como base para o crescimento da personalidade humana e
formação do caráter, pois é na família que se encontra a
sustentação da vida, considerando a efetivação dos direitos
humanos para o bem estar comum.
Restringir este direito subjetivo inerente à pessoa,
impossibilitando a convivência, omitindo-se de propor atenção
e amor, configura o abuso de um direito, um dano. Muito
embora o dano psíquico seja um dos resultados da falta de
afetividade, o sentimento de desprezo também auxilia a
construir traumas difíceis de reparar.
Nesse sentido, existem duas correntes doutrinárias: a
primeira, positiva, que defende a condenação ao pagamento de
indenização pelo abandono afetivo e a segunda, negativa, que
nega essa possibilidade. A discussão insurge-se na configuração
de um ato ilícito, que se opõe aos princípios da dignidade
132
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

humana, seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, ainda que exclusivamente moral, seja violado o
direito e causar dano a outrem.
A regulamentação da responsabilidade civil aprofunda-
se no direito de família, justamente para não permitir que atos
considerados ilícitos, passem impune,sejam eles meramente
considerados de ordem afetiva ou abuso de um direito alheio,
mesmo que na esfera familiar. A indenização de ordem
meramente moral tem o objetivo de compensar o filho
ofendido, à medida que possa ser observada a aplicação da
penalidade ao genitor que causou o dano.
Em razão disso, ao discorrer sobre essa concepção
materialmente aberta de reparação, surge à necessidade de
apreciar mais acerca da sua aplicação.
O Direito de Família, ramo que merece atenção
especial, por envolver pessoas e seus afetos, trata de assuntos
delicados que requerem uma sensibilidade, atenta às
especificidades do ser humano.
Já o Código Civil de 2002 prestigia a igualdade entre os
filhos, proibindo discriminações, sejam quais forem as origens,
contribuindo assim com o surgimento das famílias sócio
afetivas120, onde a consanguinidade já não é considerada como
único vínculo familiar, e sim o carinho, que fortalece a relação
afetiva e constitui conexão materno ou paterno, além de um
laço civil e afetivo.
O estudo do abandono e das vinculações afetivas
ultrapassa a seara jurídica, em razão dos aspectos emocionais
próprios do ser humano. Assim sendo, faz-se necessário buscar

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora
120

dos Tribunais, 2007, p 65.


133
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suporte nos estudos da Psicologia sobre o tema, no intuito de


se compreender com maior propriedade as implicações
subjetivas nos sujeitos envolvidos.
Várias são as hipóteses para esta questão, entre elas as
relações de amor e afeto na família, indispensáveis para uma
relação harmoniosa, uma vez que proporciona segurança e
autoestima. Também pode-se relacionar aqui que o abandono
afetivo traz sérias consequências, tanto psicológicas como
sociais e até mesmo econômicas, uma vez que a criança ou
adolescente conviva em uma família onde predomine a
desordem, a falta de cuidados e carinho, dificilmente conseguirá
atingir seus objetivos no que refere aos aspectos morais,
intelectuais . O ser humano necessita de amparo, carinho,
proteção para enfrentar os seus desafios.

3 Conceitos de Família

Os conceitos de família, bem como sua caracterização,


sofreram muitas alterações no decorrer dos tempos. Nas
civilizações primitivas, o grupo familiar não se apresentava em
relações individuais. Tendo como exemplos tribos indígenas,
onde as relações sexuais aconteciam entre todos os membros
que integravam aquela tribo, fato conhecido por
―endogamia‖.121 Neste sistema, a mãe sempre era conhecida,
porém desconhecia-se o pai, dando início a uma família com
caráter matriarcal, onde a criança permanecia sempre junto à
mãe, que a alimentava e educava. Por outro lado, nasciam
algumas variações paulatinamente, conforme salienta Venosa:

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 5ª ed São


121

Paulo: Editora Atlas, 2005, p.19.


134
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Essa posição antropológica que sustenta a promiscuidade não é


isenta de dúvidas, entendendo ser pouco provável que essa
estrutura fosse homogênea em todos os povos. Posteriormente, na
vida primitiva, as guerras, a carência das mulheres e talvez uma
inclinação natural levaram os homens a buscar relações com
mulheres de outras tribos. [...] os historiadores fixam nesse
fenômeno a primeira manifestação contra incesto no meio social
(exogamia).122

Acompanhando o curso da história, neste contexto, o


homem inicia sua marcha para as relações individuais, com
caráter de exclusividade, embora algumas civilizações
mantivessem situações de poligamia, surge então como regra
geral, a família monogâmica:

A monogamia desempenhou um papel de impulso social em


benefício da prole, ensejando o exercício do poder paterno. A
família monogâmica converte-se, portanto, em fator econômico de
produção, pois esta se restringe quase exclusivamente aos interiores
dos lares, nos quais existem pequenas oficinas. Essa situação vai
reverter-se somente com a Revolução Industrial, que faz surgir um
novo modelo de família perde sua característica de unidade de
produção. Perdendo seu papel econômico, sua função relevante
transfere-se ao âmbito espiritual, fazendo-se da família a instituição
na qual mais se desenvolvem os valores morais, afetivos, espirituais
e da assistência recíproca entre seus membros. 123

Constata-se, primeiramente, que a família teve como


característica a promiscuidade, não havendo, no entanto, uma
exata comprovação científica sobre isso. Até porque, no
passado, a promiscuidade não tinha o significado que tem hoje,

122VENOSA,2005, p.19-20.
123BOSSERT, Gustavo A.; ZANNONI, Eduardo A. Manual de derecho de
família. 4ªed. Buenos Aires: Astrea, 1996, p. 48.
135
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ou seja, não significava infidelidade. Verificou-se ainda que a


segunda fase da família foi o matriarcado, onde a mulher era
responsável por cuidar e educar os filhos. Já na terceira fase
denominada patriarcado, o homem passa a exercer a liderança
do grupo.
Com essas alterações do grupo familiar, torna-se
evidente que a família do século XXI é bastante diferente
daquela do passado, pois no mundo moderno a mulher luta por
seus ideais, não mais se dedicando exclusivamente ao marido e
aos filhos, impondo-se no mercado de trabalho. Portanto a
família passou por uma fase de ajustes entre o homem e a
mulher, surgindo então a monogamia, tida como uma condição
ou regra, condicionando seus membros a um dia chegarem a
um relacionamento próximo ou igualitário. Os valores morais,
afetivos, espirituais começam a ser desenvolvidos no grupo
familiar.
Ao salientar que a filiação envolve todas as relações é
compreensível dizer que os ―filhos‖, independentemente de
serem frutos de uma gestação natural, de uma inseminação
artificial ou até mesmo adotivos, têm seus direitos perante a lei.
Entre as formas de filiação existentes nos fatos sociais está a
biológica, a civil e a afetiva.
Para melhor compreensão faz-se necessário destacar o
papel de cada uma das espécies de filiação,nas três acepções
biológica, civil e afetiva. A filiação biológica é a mais comum
nos lares brasileiros e consistente na relação estabelecida pela
consanguinidade. A partir do vínculo biológico estabelece-se o
vínculo jurídico, cuja a proteção é prestada pelo Direito a fim
de assegurar a estabilidade nas relações familiares. A
paternidade civil decorre da adoção, cujo instituto jurídico
136
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

enseja a constituição da filiação civil, através da formação de


uma família, possibilitando que a criança ou o adolescente
desamparado material e moralmente, tenha oportunidade de se
tornar um cidadão. Na filiação socioafetiva, ao contrário da
biológica,que impõe à paternidade, ocorre uma construção
através da verdade sociológica. Tal relação se constrói pelo
vínculo de afeto e amor existentes entre pai, mãe e filho, existe
assim uma relação além dos laços de sangue.Para compreender
esses tipos de paternidade a citação que segue traz as devidas
explicações:

[...] o biológico estabelece que o marido da mãe é presumivelmente


o genitor (autor genético da fecundação); o jurídico consagra que o
marido da mãe, é por presunção, pai do filho da mulher com quem
se casou; e o sócio afetivo configura que o marido da mãe trata a
criança por filho, enquanto o enxerga como pai. 124

É importante que nas três acepções de filiação, a


afetividade esteja presente, pois é base para uma formação
familiar digna e sadia. Onde os direitos e deveres do ser
humano sejam respeitados.

4 Análise do Princípio da Afetividade

Analisando os tipos de filiação, verifica-se que o ser


humano, para se desenvolver plenamente, necessita de uma
estrutura familiar, a qual deve ter embasamento no aspecto
biológico, civil e afetivo. A CF/88 elenca um rol de direitos
individuais e sociais como forma de garantir a dignidade a

124 QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade aspectos jurídicos e técnicos –


inseminação artificial. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2001, p. 49.
137
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

todos. Isso nada mais é do que o compromisso de assegurar


afeto a seus cidadãos pelo próprio Estado, de acordo com os
princípios.
Conforme Dias125, o afeto foi consagrado na
legislação pátria como direito fundamental para garantir a
dignidade de todos. O reconhecimento do afeto como princípio
é de máxima importância e dignidade, o qual, além de dar
igualdade entre os irmãos, biológicos ou adotivos, respeitou
seus direitos fundamentais como patrimônio e alimentos.
Estabeleceu o direito de convivência entre pai e filho.
O princípio jurídico da afetividade,faz despontar a
igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus
direitos fundamentais, além do forte sentimento da
solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo
prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto à frente da
pessoa humana nas relações familiares.126
Os fundamentos essenciais do princípio da afetividade,
valorizam assim o papel social da família. Logo, os mesmos
estão previstos, explicita e implicitamente nos artigos 227 §§ 4º,
5º e 6º e 229 da Constituição Federal:

Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar


à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de

125DIAS,2007,p.78.
126 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus
Navegandi, Teresina, n.41, mai2000. Disponível em:
http://wwwjusnavigandi.br. Acesso em: 7 dez 2013.
138
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,


crueldade e opressão.
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração
sexual da criança e do adolescente.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei,
que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de
estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Art. 229 – Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade.127

A filiação biológica era nitidamente recortada entre


filhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética
nunca foi, rigorosamente, a essência das relações familiares.
Contudo, verifica-se através dos artigos acima citados que a
Constituição não tutela apenas a família constituída através do
matrimônio e consequentemente não estabelece mais distinção
entre os filhos biológicos e adotivos. As pessoas que se unem
em comunhão de afeto, que não podem ou não querem ter
filhos, formam uma família protegida constitucionalmente.128
Lôbo129, ao complementar esta temática, salienta que,
com a igualdade entre filhos biológicos e adotivos, surgiu o
fundamento da filiação na origem genética. A concepção de
família a partir de um único pai ou mãe e seus filhos, eleva-os à
mesma dignidade da família matrimonializada. O que há de

127 BRASIL. Constituição Federal, Coletânea de Legislação do Direito


Ambiental/Organizadora Odete Medauar. Obra coletiva de autoria da Editora
Revista dos Tribunais. 4ª ed. rev. atual. São Paulo: Editora dos Tribunais,
2005, p. 144 e 145.
128LÔBO,1989,p.41.
129 Ibidem, p. 68.

139
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação


entre eles fundada no afeto, mais especificamente, no amor que
os une.
O Estado tem por função resguardar os direitos das
crianças e adolescentes, bem como da própria família, seja ela
composta por apenas um dos genitores ou por companheiros.
Uma vez ultrapassadas as discriminações sociais, a formação da
família releva simplesmente a situação afetiva em que se
encontram seus membros e esta situação e o equilíbrio
necessários para o desenvolvimento político,social, emocional,
econômico e tecnológico da sociedade.
Nesta caminhada referente à filiação, não se pode
esquecer do papel importante do Estatuto da Criança e do
Adolescente130 como instituto que contempla os direito
fundamentais da criança e do adolescente e é com essa
convicção que se torna fundamental conhecer o conteúdo
jurídico dos artigos a seguir relacionados:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam


de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e
do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;

130ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069 de 13/07/1990.


Disponível em : http://www.planato.gov.br. Acesso em: 15 nov 2013.
140
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de


relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude;

Com base no exposto, verifica-se que o ECA é um


estatuto indispensável para auxiliar na proteção e amparo da
criança e do adolescente, pois através dos seus artigos, em
especial os acima relacionados, procura valorizar a pessoa do
filho, esclarecendo aos pais suas obrigações e cuidados no seio
da família.

5 Conceito de Abandono Afetivo

O abandono afetivo é conceituado como exercício


inadequado da paternidade/maternidade, interferindo de
maneira danosa no desenvolvimento do filho. O abandono
afetivo, que tem por característica o desprezo, a indiferença, a
falta de afeto, a negação de paternidade, e a despreocupação,
situação que interfere na formação da personalidade do filho e
gera como consequência a agressividade, a insegurança e
infelicidade, o uso de drogas, o aumento da criminalidade, e
ainda contribui para que a criança fique marcada pela amargura
do vazio.
Apesar do abandono material ser danoso, ele não se
equipara ao abandono afetivo, pois no que refere ao material, o
Estado tem meios legais de cobrar a pensão alimentícia,
podendo até mesmo o pai ser preso caso não cumpra com a

141
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

obrigação de alimentos. No entanto, o abandono afetivo gera


deficiência e frustração psicológica.131
O abandono afetivo caracteriza-se pelo abuso de direito,
ainda que exclusivamente moral. É inconcebível admitir que um
pai não tenha ciência das consequências do comportamento
adotado, do fato de estar deliberadamente negando ao próprio
filho o exercício de um direito que lhe é legalmente conferido.
Dessa forma, os artigos 186 e 187 do Código Civil132 vêm, em
seu conteúdo, esclarecer essa realidade. Quando se refere ao ato
ilícito esclarece que sempre que um direito for violado ao
exceder limites impostos tendo por consequência um dano, tal
atitude se enquadra nos artigos citados.
Após a explanação dos direitos da personalidade bem
como da importância do poder familiar, cabe analisar a
importância dos sentimentos humanos no seio da família, a fim
de se educar os filhos e manter uma harmonia dentro do
próprio lar e da sociedade.
Conforme Groeninga:

Quem ama não proporciona somente o amor, literalmente, mas sim


atenção, afeto e respeito aos filhos a fim de que conduzam
futuramente suas vidas, em todos os sentidos da forma que mais
lhe traga felicidade, paz, saúde e sucesso. Conforme a psicóloga

131OLIVEIRA, Rafaele Ferreira Rocha; Gleick Meira. IBDFAM


ACADÊMICO Paternidade Sócio-afetiva: O Afeto faz apelo à
Paternidade22/09/2008.Disponível em: http://www.ibdfam.org.br. Acesso
em: 7 dez 2013.
132 Art. 186.Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.

142
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Giselle Câmara Groeninga e o jurista Rodrigo da Cunha Pereira, é


durante a infância, dentro da família, e também no decorrer da
vida, que se estabelece a distinção entre fantasia e realidade, entre
culpa e responsabilidade. Inicialmente, dentro da família,
aprendemos os afetos, a balizar a agressividade e desenvolvemos
formas de dar e receber amor, as quais vão se transformar em
solidariedade, um capital essencial para o exercício da cidadania. 133

Portanto, é durante a infância que se formam os valores


morais, o afeto e o respeito, os quais devem ser são gerados
dentro da família, conforme o convívio e a harmonia, para que
o mundo seja brindado com cidadãos mais conscientes a
respeito da importância da afetividade.

5.1 Conceito Jurídico de Abandono Afetivo

Existe também o conceito jurídico de abandono afetivo,


pois se vive a valorização jurídica do afeto. A afetividade entrou
no prescrito dos juristas para explicar as relações familiares
contemporâneas. O Direito de Família instalou uma nova
ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto.
Sabe-se que o abandono afetivo pode gerar consequências
jurídicas no âmbito da responsabilidade civil, trazendo à tona a
culpa, o dano e o respectivo nexo causal. O afeto passou a ser
um benefício legal e um princípio constitucional, que procura
proporcionar e estabelecer as relações entre pessoas.

15GROENINGA, Giselle Câmara. O direito a ser humano: Da culpa à


responsabilidade. In: GROENINGA, Gisele Câmara; PEREIRA, Rodrigo da
Cunha (coord.). Direito de Família e Psicanálise: Rumo a uma nova epistemologia.
Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.102.

143
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Assim como na separação, os filhos nada poderiam


sofrer, pois a questão é entre os pais; também no abandono
afetivo o filho é o prejudicado, sendo que, na maioria das vezes,
são desentendimentos ocorridos entre pais que acabam
afastando um deles da vida do filho. Diante de questões tão
controvertidas, o Judiciário tem o dever de interferir para
salvaguardar o filho como sujeito de direito a uma vida digna,
onde possa crescer desfrutando das condições que o Estado lhe
assegura.
Tal dever decorre, aliás, do princípio constitucional da
inafastabilidade da jurisdição, entre outros, conforme consta do
inciso XXXV, do art. 5º, da Carta Magna. Como se pode ver,
vige, pois, uma espécie de conceito sócio jurídico de abandono
afetivo.

6 As Implicações Jurídicas e Psicológicas Advindas do


Abandono Afetivo

Dentro das implicações advindas do abandono afetivo,


devem ser considerados com especial cuidado, os dispositivos
jurídicos e psicológicos para tentar, considerando apenas a seara
jurídica, justificar a importância da afetividade e da inclusão da
pessoa humana no grupo familiar.
Apesar de algumas correntes não admitirem a
indenização oriunda desse dano moral em virtude do abandono
afetivo, como se verificará posteriormente; é imprescindível
expor que vários estudos científicos já foram promovidos, com
o intuito de comprovar e detalhar os danos mentais sofridos
por menores negligenciados pelos pais.

144
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Essas análises e observações foram realizadas durante


anos tanto em bebês, como em crianças e adolescentes
abandonados moralmente pelos pais.
Durante esses estudos, inúmeras teorias foram
utilizadas. Entretanto o maior consenso entre os especialistas,
de acordo com Melvin, girou em torno da essencialidade das
relações entre pais, filhos,pessoas próximas em prol do bem
estar psicológico do infante, a fim de evitar prejuízos
emocionais tanto a longo, como a curto prazo.134

Conforme ensinamentos de Melvin Lewis:

No que tange, a ocorrência de possíveis deficiências devido à


negligência direcionada aos bebês e às crianças, Melvin Lewis,
destaca que os pais como modelos e guias, possuem um papel
central de contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade
sadia, controladora de seus impulsos e comportamentos, cuja
ausência ou disfunção severa acarreta abalo na personalidade. As
pesquisas realizadas sobre a importância do afeto, concluiu-se
quando os cuidadores falham em atender as necessidades afetivas
no primeiro ano de idade, a inibição do crescimento intelectual,
social e afetivo de um bebê fatalmente ocorrerá. Alega que a
experiência clínica está repleta de exemplos de consequências de
privações e separações traumáticas, descritas como atrasos,
síndromes ou transtornos e que distúrbios como pouca
expressividade emocional, social, falta deversatilidade em lidar com
desafios e dificuldade em reconhecer prazer e alegria, atingem as
crianças enjeitadas.135

134 LEWIS, Melvin.Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Tradução


Irineo C. S. Ortiz. Artes Médicas. Porto Alegre. 1995.p.387
135 LEWIS,Melwin. Tratado de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Tradução:

Irineo C. S. Ortiz. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995,p. 392.


145
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O abandono cometido por pais comprometidos com


drogas e álcool, também ocorre com frequência. De acordo
com Melvin, os pais ou responsáveis tomados totalmente por
esses vícios, são incapazes de proporcionar cuidado que
promova o desenvolvimento da criança, tanto por causa de sua
indisponibilidade, quanto pelo mau controle de
comportamentos agressivos que podem redundar em
abusos.136
Na averiguação do cometimento do dano moral, outros
importantes fatores devem ser levados em consideração além da
própria ausência de assistência psicológica. Deve-se se verificar,
pois, como ensina o médico psiquiatra, o grau de
vulnerabilidade da criança diante do abandono moral, as
influências biológicas de cada ser humano, a idade, o nível de
organização da personalidade, a eficácia dos mecanismos de
defesa para lidar com stress, raiva, medo, angústia, aliados ao
meio ambiente em que vive.137
Para a comprovação desse dano moral sofrido,
Groeninga elencou as principais indagações a serem feitas,
respondidas e analisadas por meio de perícia, a saber:

Qual a importância do pai na formação da identidade e no


desenvolvimento da personalidade dos filhos? Qual o efeito da
ausência paterna no desenvolvimento da personalidade dos filhos?
Há diferenças quando a ausência caracteriza-se como abandono ou
como rejeição explícita? Qual a importância do pai no
desenvolvimento da capacidade de adaptação e na inserção dos
filhos no meio social? Quais as consequências do exercício das
funções parentais de forma não complementar? E quando houver
filhos de outras uniões: quais as consequências emocionais quando

136Ibidem,p.395.
137Ibidem, p. 396.
146
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

há diferença no reconhecimento e no exercício da paternidade


entre os filhos?138

Em alguns casos, pode o menor, vir a não sofrer danos,


nessa questão moral de abandono afetivo. Isso acontece
geralmente, quando outras pessoas acabam fazendo o papel dos
pais biológicos ou afetivos que consequentemente exercem os
deveres negligenciados pelo genitor. São os chamados, pais
sociais e não naturais, que com sua atuação amorosa para com
o menor, evitam a formação de danos psíquicos e transtornos
psicológicos.
Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, estabeleceu:

É essa função paterna exercida por um pai que é determinante e


estruturante dos sujeitos. Portanto o pai pode ser uma série de
pessoas ou personagens: o genitor, o marido da mãe, o amante
oficial, o companheiro da mãe, o protetor da mulher durante a
gravidez, o tio o avô, aquele que cria a criança, aquele que dá seu
sobrenome, aquele que reconhece a criança legal ou ritualmente,
aquele que fez a adoção, enfim, aquele que exerce uma função de
pai.139

Acerca do assunto, ressalta-se sobre o surgimento de


inúmeras correntes favoráveis e desfavoráveis a concessão de
dano moral ocasionado por rejeição paterna ou materna se
valendo de muitas fundamentações diversas. A maior parte
delas se fundamenta no enquadramento dos requisitos da

138 GROENINGA, Giselle Câmara.Descumprimento do dever de convivência: danos


morais por abandono afetivo. A interdisciplinar sintonizada com o direito à família. In:
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (coord.). A outra face do
Poder Judiciário: Decisões inovadoras e mudanças de paradigmas. São Paulo: Del Rey,
2005.p.417.
139 PEREIRA, Rodrigo da Cunha.Direito de Família uma abordagem

psicanalítica.Belo Horizonte. Editora Del Rey, 2003.p.121.


147
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

responsabilidade civil, a fim de imputar ao faltante o pagamento


pelo prejuízo moral ocasionado.140
De acordo com Flávio Tartuce,141podem ser citados a
título de exemplo, alguns doutrinadores favoráveis à
indenização por danos morais nesses casos, como Giselda
Maria Fernandes Novaes Hironaka e Paulo Lobo, sendo
contrários a esse entendimento, Regina Beatriz Tavares da Silva
e Judith Martins Costa.
Para constatar a responsabilidade civil do abandono
moral do filho negligenciado, é necessário que se faça, um
estudo profundo do caso onde a rejeição afetiva dos pais pelos
filhos se comprove.

7 O Afeto Transformado em Preço

Primeiramente convém esclarecer que o dano moral


destina-se, na sua forma de reparação, essencialmente a
compensar um mal-estar ou uma indisposição de natureza
espiritual. Assim ensina Inácio de Carvalho Neto, 142
diferenciando, fundamentalmente o dano material do
moral.Portanto, a reparação de danos materiais, tem como
objetivo possibilitar à vitima a aquisição de outro bem
semelhante ao destruído. O mesmo não ocorre, no entanto,
com relação ao dano eminentemente moral. Neste é impossível
repor as coisas ao seu estado anterior.

140 TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil – Volume Único. 4ª ed. São
Paulo. Editora Método,2014 p. 56.
141 Ibidem. P 87.
142NETO, Carvalho Inácio. Responsabilidade Civil no Direito de Família – 5ª ed.

2013. Editora Juruá – Paraná. p 73.


148
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

A reparação,em tais casos, reside no pagamento de uma


pena pecuniária, arbitrada pelo consenso do juiz, que possibilite
ao lesado uma satisfação compensatória da sua dor íntima.O
Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack se ateve a
demonstrar que:

A indenização por danos morais possui função diversa daquela


exercida pela dos danos patrimoniais, não podendo ser aplicados
critérios iguais para sua quantificação, uma vez que a reparação de
tal espécie de dano procura oferecer compensação ao lesado para
atenuar a lesão havida e, quanto ao acusador do dano, objetiva
infringir lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à
personalidade de outrem.143

Assim, a fixação de um montante indenizatório por


gravames morais, deve-se buscar atender à duplicidade de fins a
que a indenização se presta, atentando para a condição
econômica da vítima, bem como para a capacidade do agente
causador do dano. A reparação pela falta de afetividade pelo
filho, embora expressa em pecúnia, não busca qualquer
vantagem patrimonial em benefício da vítima. Na verdade,
revela-se como uma forma de compensação diante da ofensa
recebida, que em sua essência é de fato irreparável, atuando ao
mesmo tempo em seu sentido educativo, na medida em que
representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando daí seu
efeito preventivo.144

143 TJRS. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível


70020746475 da 5ª Câmara Cível, relator Umberto Guaspari Sudbrack, DJRS
em 16out 2007. Disponível em:www.odiretoriodobrasil.com. Acesso em 03
de jun 2014.
144 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família, 1ª ed.

2006.Editora Método, São Paulo, p. 116.


149
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Cumpre expor que para Renan Kfuri


Lopes, mencionado no artigo Laura Affonso da Costa Levy,146
145

diferentemente do que entende a maioria da doutrina, a


responsabilidade civil não pode ser aplicada ao Direito de
Família, sustentando que a violação aos deveres familiares gera
apenas as sanções no âmbito do Direito de Família, refletindo,
evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação.
Todavia, esse entendimento contraria totalmente a efetiva e real
possibilidade de interligação entre todos os ramos do Direito.
Isso porque a reparação civil está amparada pelo
ordenamento jurídico como um todo, podendo obviamente ser
inserida no âmbito familiar, tendo em vista a harmonização de
todo o ordenamento jurídico, constituído de princípios, valores
e normas de família muitas delas contidas na própria Magna
Carta, regedora das demais leis, sendo, portanto, aplicável a
todos os outros ramos do direito seja ele civil, familiar,
sucessório ou obrigacional.
Além disso, a Constituição Federal contempla em seu
artigo 5º, o direito à indenização por danos morais, a qualquer
cidadão, podendo então a reparação civil adentrar em qualquer
ramo, enquanto a Lei Maior é a base para todas as demais leis
infraconstitucionais que devem estar em conformidade com ela.

145 LOPES, Kfuri Renan, Prática Jurídica, 2ª ed. – 2012.Editora Del Rey – São
Paulo, p 45.
146 LEVY, Costa Affonso Laura. Abandono Afetivo e Responsabilidade Civil :

utilizar com moderação. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em


http://www.ambito-jurídico.com.br. Acesso em: 28 mai.2014.
150
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O magistrado Alexandre Miguel,147expôs que a


obrigação de indenizar decorrente de ato ilícito absoluto
também é aplicável ao direito de família. Não se pode negar a
importância da responsabilidade civil que invade todos os
domínios de ciência jurídica, e, tendo ramificações em diversas
áreas do direito, é de se destacar, dentro das relações de
natureza privada, aquelas de família, em que igualmente devem
ser aplicados os princípios da responsabilidade civil.
Diante do exposto, é indispensável indagar, então, o que
se busca por meio da reparação moral, aliada aos princípios e
deveres inerentes na criação do infante.
Através desses princípios, carregados de valores
tocantes à necessidade e à importância de se educar com amor,
afeto, carinho e atenção que se buscareintegrar um equilíbrio
moral do direito violado, por meio da condenação pecuniária. A
fim de que o incidente, não se torne um fator de inquietação
social, compensando-se o dano ocasionado na medida certa,
realizando justiça.

8 Requisitos para a Configuração do Dever de Reparação


Civil

Para configurar a obrigação de indenizar


subjetivamente, devem estar presentes, de acordo Sílvio
Rodrigues, os seguintes elementos: ação ou omissão
voluntária,culpa, dolo, relação de causalidade (nexo causal) e

147MIGUEL, Alexandre. Responsabilidade Civil decorrente do Abandono Afetivo.


Disponível em: http://ibdfam.org.br/img/artigos/Responsabilidade. Acesso
em 28mai2014.
151
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

dano.148Do mesmo entendimento, compartilha Caio Mário, que


para a configuração da obrigação de indenizar no campo da
responsabilidade subjetiva, exige-se a presença de três
elementos: em primeiro lugar, a verificação de uma conduta
antijurídica, que abrange comportamento contrário a direito,
por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se
houve ou não o propósito de malfazer; b) em segundo lugar, a
existência de um dano, tomada a expressão no sentido de lesão
a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de
natureza patrimonial ou não patrimonial;c) e em terceiro lugar,
o estabelecimento de um nexo de causalidade entre um e outro,
de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta
antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do
comportamento contrário a direito não teria havido o atentado
ao bem jurídico.149
Os requisitos que tratam da responsabilidade subjetiva,
sem exigência de contrato,estão presentes principalmente no
artigo 186 do Código Civil e são aplicáveis nos casos de
abandono moral e servem de fundamento, nas ações que
postulam esse tipo de ressarcimento por abandono afetivo.
A partir do ano 2000, especialmente, inúmeras ações de
danos morais foram postuladas por filhos de pais que os
abandonaram. Existem, portanto, muitas decisões em vários
sentidos, emitidas de todas as partes do país, procedentes das
varas, dos Tribunais, do Superior Tribunal de Justiça. Em 2009

148 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Parte Geral. 9ª ed.São Paulo: Editora
Saraiva, 1979,p.303.
149 SILVA, Caio Mário Pereira da.Teoria Geral do Direito Civil. In Instituições de

Direito Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p.661.


152
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

têm se conhecimento da chegada das petições até o Supremo


Tribunal Federal.

9 Análise Jurisprudencial

Entre algumas análises, está a sentença que ocorreu em


2003, deferida pelo juiz de direito Mário Romano Maggioni, da
2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa, localizada aqui no Rio
Grande do Sul, na qual o mesmo condenou um genitor revel a
pagar uma quantia relevante em reais à filha, que apresentou em
sua defesa que o genitor deixou de conviver com a mesma
ainda com poucos meses de vida, quando separou-se de sua
mãe, e constituiu nova família, composta da nova esposa e três
filhos por ele gerados, com quem convive. Afirmou, ainda que
sentiu-se rejeitada em virtude do tratamento frio dispensado a
ela pelo pai. Durante o trâmite processual, o Ministério Público
se manifestou aduzindo que não cabia ao Judiciário condenar
alguém por falta de afeto, tendo a referida sentença transitada
em julgado, sem a propositura de recurso.
Em sua fundamentação, o magistrado explanou que a
educação abrangia não somente a escolaridade, mas também a
convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar
futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar
condições para que a criança se autoafirme. Afirmou, ainda, ser
menos aviltante, ao ser humano dizer ―fui indevidamente
incluído no SPC‖ a dizer ―fui indevidamente rejeitado por meu
pai‖.150

150TJRS.Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Processo número


141/1030012032-0. Juiz de direito Mário Romano Maggioni, da 2ª. Vara da
153
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Em 1º de abril de 2004, proferiu-se em segunda


instância, em caráter de reforma, pelo, então, Relator
Desembargador Unias Silva, uma das decisões favoráveis, mais
famosas, atinentes ao tema, envolvendo o menor na época,
A.B.F., de Minas Gerais, abandonado pelo pai, com seis anos
de idade, após o nascimento de sua irmã, fruto do novo
casamento de seu pai, o qual foi condenado ao pagamento de
R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais)por danos morais.151.
O recurso de apelação foi interposto por A.B.F., contra
a respeitável sentença que, nos autos da ação de indenização
por danos morais ajuizada contra seu pai, na cidade de Belo
Horizonte, julgou improcedente o pedido inicial, alegando o
fundamento de inexistência o nexo causal entre o afastamento
paterno e o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos pelo
autor, o qual alegou que só queria do pai o amor e o
reconhecimento como filho, mas que recebeu apenas
abandono, rejeição e frieza, inclusive em datas importantes,
como aniversários, formatura e por ocasião da aprovação no
vestibular. Em seu voto, proferido em segunda instância, o
desembargador Unias, salientou:

A relação paterno - filial em conjugação com a responsabilidade


possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente
justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos
que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta

Comarca de Capão Redondo- RS, sentença proferida em 16 out2003.


Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em 02 jan2014.
151 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes: Os contornos jurídicos da

responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos além da obrigação legal de caráter
material. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (coord.). A outra
face do Poder Judiciário: Decisões inovadoras e mudanças de paradigmas. São Paulo:
Del Rey, 2005.p.450-453.
154
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o


amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna
ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios
da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e
garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação
social, o que por si só, é profundamente grave. [...]. Assim
depreende-se que a responsabilidade não se pauta tão somente no
dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o
desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da
dignidade humana da pessoa humana. No caso comentado, vê-se
claramente, da cuidadosa análise dos autos que o apelante foi de
fato, privado do convívio familiar com seu pai, ora apelado. [...]
Assim, encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo
autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo
réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e
educação, a fim de, através da afetividade, formar laço paternal com
seu filho, e o nexo causal entre ambos. 152

Outro episódio de abandono foi julgado favoravelmente


pela Oitava Câmara de Direito Privado, do Tribunal de São
Paulo, por meio da análise da Apelação Cível com Revisão n.
511.903-4/7, figurando como Relator o Desembargador
Caetano Lagrasta. Nesse caso, o relator trouxe à baila institutos
do Direito Penal, perfeitamente aplicáveis ao Direito Civil,
demonstrando mais uma vez a viabilidade e legalidade da
interligação de todos os ramos do Direito. Quanto ao caso,
alertou o relator que a atitude do pai biológico ao abandonar o
menor e não registrá-lo, traduziu-se em dolo eventual, à medida
que o genitor apesar de prever a ocorrência do resultado como
provável ou possível, agiu mesmo assim e assumiu o risco de
produzi-lo, colocando seu filho em posição econômica
vexatória. Isso porque mesmo tendo admitido a prática de

152TJMG. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível número 408.550-


7, Sétima Câmara Cível. Disponível em: www.tj.mg.gov.br. Acesso em 02abr
2014.
155
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

relações sexuais com a genitora e sabendo ser o pai biológico,


se negou três vezes a realizar o exame de DNA, omitindo-se de
forma consciente à responsabilidade moral e financeira de sua
relação extra matrimonial.153
Diante ao exposto, convém ressaltar que as
condenações impostas destinadas aos filhos que realmente
foram vítimas de abandono, devidamente comprovado nos
autos, e com o preenchimento dos requisitos da reparação civil,
certamente não se constituirão em uma restituição total da
amargura sofrida e nem proporcionarão o afeto não dado, mas
poderão com certeza promover o mínimo que seja de conforto
e reparo na dignidade humana abalada.

10 Considerações Finais

Com base no tema estudado, pode se perceber que a instituição


familiar, foi a que mais se modificou posteriormente aos
avanços da Constituição de 1988 e ao Código Civil.
O pátrio poder, foi então substituído pelo poder
familiar, evidenciando principalmente a inexistência de posições
nas famílias, preponderando assim, a igualdade entre todos os
membros. Já, as responsabilidades, passaram a ser divididas
com a mãe e os demais membros, destituindo assim a figura
paterna, de seu trono. E em conseq6uência, a socioafetividade
começou a se desenvolver, e o laço consanguíneo já não era
mais o único vínculo que unia família. Timidamente, surgiu o
princípio da afetividade ao qual, o Estado começou a dar
153TJSP. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível com Revisão n.
511.903-4/7, julgada pela Oitava Câmara de Direito Privado, Relator
Desembargador Caetano Lagrasta, publicado em 12 mar 2008. Disponível
em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 28 fev 2014.
156
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ênfase, considerando assim, a possibilidade de reconhecer a


importância da dignidade da pessoa humana e seus direitos de
personalidade.
Nos dias de hoje, não há como justificar a falta de afeto à
uma criança, devido a uma gravidez indesejada por exemplo, ou
seja, por motivo algum, pois os meios de comunicações estão
acessíveis a todas as classes e a lei é clara, quando se refere aos
deveres dos pais com seus filhos.
A responsabilidade civil surgiu no Direito de Família
justamente para aperfeiçoar os princípios fundamentais
inerentes às relações familiares, com compromisso único de
respeito à justiça, até mesmo por que esta compõe a única
forma de o Judiciário adentrar no âmbito familiar.
A indenização por abandono afetivo não pode servir
como uma busca de um lucro fácil, frente ao descaso de um
genitor com seu papel de ascendente, nem mesmo como uma
busca de vaidade ou meramente de vingança. A reparação deve
ser vista como nos outros campos do direito onde a violação, a
omissão gera um ato ilícito, papel de indenização.
Ao se avaliar o dano, a culpa e o nexo causal nesta
relação de abandono, completando então os elementos do
dever de indenizar, busca-se a ausência de impunidade de
genitores que, muitas vezes abusam de seus poderes familiares,
não se importando nem mesmo com uma futura destituição
desta posição.
Convém salientar, no entanto, que a destituição do poder
familiar não serve, neste caso, como uma punição do Direito
Civil. Muito pelo contrário, servirá como um prêmio para um
genitor que se omitiu voluntariamente de sua posição,

157
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

reiterando-se assim a obrigação que, frente seus atos, não fez


questão alguma de exercer.
Desta forma, deve haver a reparação do dano pela falta
de afetividade, sim! Não para que insurja um afeto que já não se
fazia presente na relação familiar, mas para que gradativamente
seja estabelecida uma consciência de genitores mais conscientes
de suas responsabilidades e que saibam valorizar a importância
que o afeto tem na vida de uma personalidade em formação.
Para que o filho não sirva meramente como objeto na relação
conjugal ou extraconjugal, mas que principalmente sejam
respeitados os direitos inerentes ao ser humano.
Concluo, fazendo menção ao reflexo do afeto que
tanto foi exposto neste trabalho no trecho da música de Elis
Regina: ―nós ainda somos os mesmos, os mesmos e vivemos.
Ainda somos os mesmos, e vivemos como nossos pais‖.
Haja o que houver, passe o tempo que for, a base
familiar e o afeto são indispensável para a formação do caráter
do ser humano.

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5ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.

_____.Direito Civil: Responsabilidade Civil.7ª ed.São Pa Paulo:


Editora Atlas S.A, 2007.

162
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

O DEVER DE INDENIZAR POR DANO AFETIVO


NAS RELAÇOES PATERNO-FILIAIS

Rafaela Florence154

RESUMO: O presente trabalho trata da possibilidade


de reparação de dano por meio de ação indenizatória
movida pelo filho em desfavor do pai moralmente
ausente. Diante da importância do princípio da
afetividade nas relações familiares, devem estar todos
conscientes da importância do cumprimento desse
dever e das responsabilidades pelo não cumprimento
das obrigações decorrentes desse compromisso, em
razão da exacerbada função social que lhe é exigida
diante dos preceitos relativos à família. Ressalta-se que,
embora o abandono moral possa ser cometido tanto
pelo pai quanto pela mãe, focou-se este trabalho apenas
nas relações entre genitores do sexo masculino (os pais)
e seus filhos.
PALAVRAS CHAVE: Abandono. Dano. Moral.
Família. Indenização.

154
Rafaela Florence, acadêmica do Curso de Direito da Universidade
Luterana do Brasil - ULBRA, campus Cachoeira do Sul. Trabalho de
conclusão de Curso apresentado à Disciplina de TCC II, como requisito
parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professora
Orientadora: Rosana Izara Luchese Willig.
163
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

ABSTRACT: This paper deals with the possibility of


damage repair through indemnity lawsuit filed by the
son to the detriment of the morally absent father. Given
the importance of the principle of affection in family
relationships, should all be aware of the importance of
this duty and responsibility for breaches of the
obligations under this commitment, given the
heightened social function they are required before the
provisions relating to the family. It is noteworthy that
although the moral abandonment can be committed by
both the father and the mother, this study focused only
on the relationship between male parents (parents) and
their children.
KEYWORDS: Abandonment. Damage. Moral. Family.
Indemnification.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Da Responsabilidade Civil 3. Do


Dano Moral 4. Os Casos de Abandono e o Efetivo Dano Causado
5. Possibilidade Jurídica de Conversão do Dano em Indenização 6.
Dos Crimes de Abandono e o Novo Projeto Almejando a
Criminalização do Abandono Afetivo 7. Conclusão 8. Referências.

1 Introdução
O direito é uma ciência que está em constante evolução
e raramente nos deparamos com algo absoluto e incontroverso.
E, não fugindo a esta regra, temos como um tema moderno e
extremamente polêmico, já que envolve não apenas conceitos
jurídicos, mas também relações sentimentais, os casos em que
há abandono afetivo por parte dos pais em relação aos filhos e
estes, por se sentirem gravemente lesados, interpõem ações

164
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

pleiteando indenização por dano moral em face de seus


genitores.
Até há pouco tempo não se discutia o direito à
indenização por abandono afetivo uma vez que o entendimento
predominante sempre foi o de que ninguém é obrigado a amar
alguém, ainda que se trate de um filho. Esse entendimento
sempre foi pacífico na doutrina e na jurisprudência. Nos
últimos anos, todavia, a corrente oposta vem ganhando força e
cada vez mais é objeto de apreciação pelo Poder Judiciário já
que se revela muito coerente e bem fundamentada.
O pensamento tradicional sempre foi no sentido de que
os pais não podem ser compelidos a amar, conviver, dispensar
carinho e atenção aos seus filhos se esta não for realmente a sua
vontade, tendo, portanto, somente obrigações quanto ao seu
sustento e educação, ou seja, o mínimo necessário para uma
―vida digna‖. A nova linha de pensamento, no entanto, vem
defendendo que o convívio dos filhos com os pais,
principalmente na fase de crescimento, é de suma importância
na vida de qualquer ser humano, sendo dever dos pais
acompanhar e prestar todo o suporte necessário para o
desenvolvimento de suas proles.
Por óbvio, frequentemente nos deparamos com
situações em que as crianças são extremamente carentes de pai,
de mãe, ou de ambos. No mundo atual o número de gravidezes
indesejadas, apesar dos inúmeros métodos contraceptivos
existentes no mercado, é cada vez maior. Um filho não
planejado é um potencial vítima de abandono afetivo. Não que
esta seja uma regra, já que muitos filhos inesperados podem ter
toda a atenção dos seus pais enquanto outros tão aguardados
acabam sendo vítimas do descaso de seus genitores.
165
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Essa possível situação de abandono afetivo gera a


discussão jurisprudencial, acadêmica e doutrinária para definir
se o pai ou a mãe que abandonou o seu filho tem o dever de
indenizá-lo pelos prejuízos causados em face da sua ausência.
Esse debate vem ganhando maiores proporções nos últimos
anos e ainda está aparentemente longe de ser pacificado. No
que diz respeito ao abandono efetivamente, deve-se ressaltar
que o abandono paterno será objeto do presente estudo,
conforme veremos a seguir.

2 Da Responsabilidade Civil

Antes de adentrar especificamente na discussão acima


demonstrada, mister traçarmos algumas premissas básicas
acerca da responsabilidade civil. Cavalieri Filho leciona que:

Em sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de


obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o
vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de
reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico.
Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico
sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação
de um dever jurídico originário. 155

Agregando o artigo 186 do Código Civil156 vigente a este


conceito proposto por Sérgio Cavalieri pode-se dizer que a
responsabilidade civil está vinculada ao dever em que alguém

155 CAVALIERI FILHO, Sergio.Programa de Responsabilidade Civil. 8ª


ed.São Paulo: Atlas, 2008, p.2.
156 Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que,


exclusivamente moral comete ato ilícito.
166
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

tem de reparar o dano, seja material ou moral, causado a


outrem.
Percebe-se, portanto, que a responsabilidade civil está
intimamente ligada com o tema em questão, já que o que se
busca discutir é se um filho afetivamente abandonado por um
pai tem direito à indenização já que sofre, indiscutivelmente,
graves danos em razão dessa circunstância. Logo, para melhor
compreender a matéria, imprescindível se faz a diferenciação
entre responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil
subjetiva.
Na primeira, o dolo e a culpa são elementos
juridicamente irrelevantes, haja vista que somente será
necessária a existência do nexo de causalidade entre o dano e a
conduta do agente responsável para que surja o dever de
indenizar. A segunda, por sua vez, é decorrente do dano
causado em função do ato doloso ou culposo. No que diz
respeito a esta última teoria da responsabilidade civil, Gagliano
afirma que “por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão
reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do
réu”.157
Ainda, segundo o mesmo autor :

Assim, a nova concepção que deve reger a matéria no Brasil é de


que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil, em que
temos a responsabilidade subjetiva, regra geral inquestionável do
sistema anterior, coexistindo com a responsabilidade objetiva,
especialmente em função da atividade de risco desenvolvida pelo
158
autor do dano.

157 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo.Novo curso


de direito civil – Responsabilidade Civil. Volume 3. 12ª. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 58.
158 Ibidem, p. 59.

167
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Considerando, ainda, a possibilidade de


responsabilização frente aos casos de abandono afetivo e sua
correlação com os princípios fundamentais, o autor
complementa dizendo: “todas essas considerações vêm à baila em
decorrência de violação ao preceito fundamental do neminem laedere, ou
seja, de que ninguém deve ser lesado pela conduta alheia”.159
Além das duas teorias supramencionadas (objetiva e
subjetiva), oportuna, ainda, a análise dos elementos da
responsabilidade civil, quais sejam: conduta, dano e nexo de
causalidade. Inicialmente, no que tange à conduta humana,
temos como um dos pontos mais marcantes a voluntariedade
na conduta do agente (seja esta conduta positiva ou negativa, ou
seja, ação ou omissão), que resulta exatamente da liberdade de
escolha do agente imputável com discernimento necessário para
ter consciência daquilo que faz. Neste panorama, essa
voluntariedade: “não traduz necessariamente a intenção de causar o
dano, mas sim, e tão somente, a consciência daquilo que se está
fazendo”.160
Com relação ao elemento dano, devemos ter sempre em
mente que ele pode ser patrimonial quando lesa bens e direitos
economicamente apreciáveis; extrapatrimonial ou moral, que
será tratado no próximo capítulo de forma mais minuciosa, ou;
estético que é de pouca relevância para este estudo, mas que,
para fins de registro, não tem previsão legal sendo, porém,
considerado pelo Superior Tribunal de Justiça como uma
modalidade autônoma de dano que consiste na lesão ao direito

159 Ibidem, p. 60.


160 GAGLIANO, 2014, p. 74.
168
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

constitucional de imagem (art. 5º, V, CF). Por oportuno,


cumpre salientar que:

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil.


Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se
não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas
não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade
objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de
fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado e etc. -,
o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que,
sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha
sido culposa ou até dolosa.161

Por fim, no que diz respeito ao terceiro elemento da


responsabilidade civil (nexo de causalidade), a doutrina costuma
defini-lo como sendo o elo etiológico entre a conduta do agente
e o dano efetivamente causado. Deve-se ressaltar, no entanto,
que este é, evidentemente, um conceito primário de nexo
causal, já que há várias teorias explicativas acerca deste
elemento. Todavia, já se apresenta de maneira satisfatória para
boa compreensão deste estudo.

3 Do Dano Moral

O dano moral, também chamado de dano


extrapatrimonial ou, ainda, de dano não material, consiste,
segundo Gagliano, na lesão de direitos cujo conteúdo não é
pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, ou seja, é
aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa.162 Com
efeito, o dano moral é traduzido na violação dos direitos da

161 CAVALIERI FILHO, 2008, p.70.


162 GAGLIANO, 2014, p.107.
169
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

personalidade constitucionalmente previstos no artigo art. 5º,


X,163 da Constituição Federal de 1988, quais sejam: a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Muito embora o dano moral seja constitucionalmente
previsto, ainda há árduas críticas quanto à sua existência e
aplicabilidade. Zulmira Pires de Lima, no pioneiro estudo
acerca dos problemas decorrentes da aceitação do dano moral,
sintetiza as objeções à reparabilidade do dano extrapatrimonial
em oito tópicos, sendo eles: falta de um efeito penoso durável; a
incerteza nesta espécie de danos, de um verdadeiro direito
violável; a dificuldade de descobrir a existência do dano; a
indeterminação do número de pessoas lesadas; a
impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; a
imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; o ilimitado
poder que tem de conferir-se ao juiz e; a impossibilidade
jurídica de admitir-se tal reparação164.
Em que pese as supracitadas críticas quanto ao dano
moral, é fato que ele é, acertadamente, aceito no Brasil pela
doutrina e pela jurisprudência em grande escala, sendo cada vez
mais objeto de demandas judiciais e acarretando diversas
condenações por violação aos direitos da personalidade. Não se
discute que o dano moral é muito mais difícil de ser verificado e
avaliado pelo magistrado do que o dano patrimonial, porquanto

163 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito á vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] X – são invioláveis intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
164 LIMA, Zulmira Pires de. Algumas considerações sobre a responsabilidade

civil por danos morais. Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de


Coimbra. In: Gagliano, 2014, p. 120.
170
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

a violação deste último pode ser facilmente comprovada e


valorada, ao passo que no dano não material a prova de um
dano efetivo e, principalmente, a conversão do sofrimento em
pecúnia é algo extremamente temerário.
Todavia, apesar de toda complexidade envolvendo o
dano moral, é certo que ele atinge milhares de pessoas e, em
última análise, pode-se dizer que ele age de forma tão grave,
senão mais, do que o próprio dano patrimonial. Nesse sentido,
qualquer pessoa que tenha seu patrimônio atingido sofrerá certo
impacto na sua vida como um todo, mas, na maioria dos casos,
tal problema pode ser facilmente resolvido com a consequente
reparação dos danos, retornando tudo ao status quo ante. O dano
moral, por outro lado, é algo que atinge o psicológico, o
emocional, o mais profundo sentimento da vítima, que pode
perdurar por dias, meses, anos ou, até mesmo, uma vida inteira,
não se podendo simplesmente apagar um fato de sua memória.
Venosa ainda menciona que ―dano moral é o prejuízo
que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima‖,165
determinando de forma precisa que ―será moral o dano que
ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma
inconveniência de comportamento ou, como definimos, um
desconforto comportamental a ser examinado caso a caso‖.166
O pai que deixa de garantir ao filho a convivência
familiar em função de sua omissão, gerando um vazio no
desenvolvimento sócio-afetivo, moral e psicológico de sua
prole, direito garantido a ele pela legislação pátria, deverá, por

165 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. São Paulo:
Atlas, 2000, p.33
166 Ibidem, p.34.

171
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

conseqüência ser obrigado a reparar este dano ainda que seja


exclusivamente moral.
Esta indenização pecuniária, contudo, não visa à
apenas reparar o dano que, de certa forma, em muitos casos se
torna irreparável, mas também objetiva desestimular outros pais
a terem a mesma conduta, diminuindo-se, então, os casos de
crianças afetivamente abandonadas pelo pai.

4 Os Casos de Abandono e o Efetivo Dano Causado

A ausência do pai na vida da criança e do adolescente


pode gerar grandes prejuízos em seu desenvolvimento
emocional, cognitivo e comportamental. Apesar da dor inerente
ao abandono de um pai, não são todas as pessoas que
conseguem exprimir e ainda superar os traumas e as
dificuldades causados em face do abandono.
Há crianças e adolescentes que conseguem suprir a
ausência do pai ao transferir o seu papel a um avô, tio ou até
mesmo um atual companheiro de sua mãe, crescendo, assim,
sem maiores danos psicológicos. Nestes casos, não haveria, em
tese, o dever de indenizar uma vez que ausente um dos
elementos da responsabilidade civil, qual seja, o dano. Cumpre
ressaltar, entretanto, que também há casos de crianças que até
podem ―substituir‖ a presença do pai com outras pessoas
citadas anteriormente, mas, ainda assim, sentirão que há uma
lacuna em suas vidas. Nestes casos, o pedido de reparação
deverá ser analisado com ainda mais cautela pelo juiz.
De outra banda, nem todas as crianças apresentam
estrutura emocional ou uma figura masculina que lhes faça as
172
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

vezes de pai. Algumas desenvolvem sérios danos em razão do


descaso do genitor e, não superando o trauma, passam a vida
atormentadas.
Neste sentido, Freud referiu em uma de suas frases que:
“aquilo que não foi compreendido inevitavelmente reaparece, como um
fantasma que não pode descansar até que o mistério tenha sido resolvido e o
encanto quebrado”.167
As consequências do abandono podem se revelar por
meio de distúrbios de comportamento, baixa autoestima,
problemas escolares, de relacionamento social ou, até mesmo,
pela sensação da perda de uma chance, mesmo que ilusória, de
ser completo e mais feliz168. Certo é que a carência de um dos
genitores (ou de ambos) pode trazer efeitos devastadores e
perpétuos na vida de um filho (a), fazendo com que estes
passem a vida perambulando com ―fantasmas‖ atrás de
explicações para a sua dor, ou, ao menos, de um pouco de
afeto, ainda que de pessoas estranhas.
Sem sombra de dúvidas estas crianças e adolescentes
devem receber a devida atenção do Poder Judiciário, o qual
deverá analisar e julgar com cautela as suas ações, visto que se
trata não apenas do dinheiro, mas, por vezes, de uma vida
inteira de sofrimento causado por este pai moralmente ausente.

167 THORMAN, Nora. Como superar os efeitos do divórcio – um guia para


pais e filhos. Editora Age, 2000. Disponível em:
http://books.google.com.br/books. Acesso em: 19 mai 2014.
168 SOUZA, Ionete de Magalhães. Responsabilidade civil e Paternidade

Responsável: Análise do Abandono Afetivo no Brasil e na Argentina, 2010,


p. 119.
173
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

5 Possibilidade Jurídica de Conversão do Dano em


Indenização
Considerando que este é um tema polêmico e ainda
muito recente, é demasiadamente contestada a possibilidade de
indenização por dano moral nos casos de abandono afetivo.
Dentre os diversos argumentados ventilados por aqueles que
são contra a possibilidade de reparação podemos encontrar:
banalização do instituto do dano moral; impossibilidade de
converter sentimento em pecúnia e; impossibilidade de
submissão a um convívio forçado.
A primeira tese suscitada (banalização do instituto do
dano moral) mostra-se, de imediato, como a mais incoerente.
Ora, é sabido que o número de demandas pleiteando
indenização por danos morais cresceu consideravelmente nos
últimos anos. Desde juízes de primeiro grau até os Tribunais
Superiores têm admitido indenizações por danos
extrapatrimoniais em casos absolutamente irrelevantes. A
verdade há de ser dita: o dano moral já foi banalizado há um
bom tempo no Brasil.
Atualmente, a grande ―fábrica‖ de danos morais reside
nas relações de consumo. Qualquer pessoa que tenha um
crédito injustificadamente negado ou o nome indevidamente
inscrito nos bancos de dados de mal pagadores já está apto a
pleitear indenização por danos morais. Tal reparação é tão banal
que até já foi estipulada pelos Tribunais uma média de valores,
ou seja, sequer é avaliada a extensão do dano, se é que ele
ocorreu. É incomparável o dano sofrido por alguém que teve o
seu nome inscrito no SPC, por exemplo, por um determinado
período de tempo ao dano sofrido por aquele que foi a vida

174
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

inteira vítima de abandono afetivo. Portanto, incabível falar em


banalização do instituto.
No que tange ao segundo e terceiro argumentos
supracitados, importante salientar, inicialmente, a obrigatória
incidência dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Vejamos, sendo o Direito uma ciência que
regula a vida em sociedade, inimaginável seria a solução de
qualquer lide sem a aplicação de tais princípios. Exceto casos
excepcionais, quando se pleiteia a indenização por abandono
afetivo não se está buscando um fácil enriquecimento, mas sim
a reparação de um efetivo prejuízo. Além disso, não se
pretende, aqui, realizar a defesa de condenações milionárias ou
algo do gênero, mas objetiva-se tão somente o reconhecimento
do mínimo necessário, do plausível, do razoável para a
reparação do dano.
Segundo Pablo Stolze, “soa verdadeiramente hipócrita”169 o
argumento de que não é possível a conversão de sentimento em
pecúnia, pois, segundo ele, mais imoral do que compensar uma
lesão com dinheiro é, sem dúvida alguma, deixar o lesionado
sem qualquer tutela jurídica e o lesionador “livre, leve e solto”170
para causar outros danos no futuro.
Nas palavras de Zenun, a grande discussão é no sentido
de que ―a dor não tem preço, a dor não pode ser avaliada em
dinheiro, no equivalente‖. 171 No entanto tal entendimento pode
ser contestado, uma vez que para tudo há solução e não se trata

169 GAGLIANO, 2014, p. 126.


170 Ibidem, p. 126.
171 ZENUN, Augusto. Dano Moral e sua Reparação. 4ª. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1996, p. 46-47.


175
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

de equivalência em dinheiro, mas de se exigir algo, ainda que


pecuniário, para se dar satisfação ao ofendido moralmente.
Para Melo Da Silva, no entanto, a falta de reparação do
dano moral mais adequada é aquela que não deixa a vítima sem
reparação qualquer, afirmando para isso que:

a falta de reparação mais adequada, do dano moral, de uma


reparação ideal quase impossível na espécie, que não se deixe a
vítima sem reparação qualquer. O contrário seria a negação dos
próprios postulados, superiores, da Justiça. Dificuldade não é
impossibilidade. E se não se pode banir por completo, da alma do
lesado, a grande dor sentida, que se procure por todos os meios,
uma atenuação, ao menos, para seu sofrimento. Que algo se faça
em seu proveito, ainda que com a ajuda mesma, subsidiaria, do
dinheiro, com o qual se propicia a ele algum lenitivo, algum prazer,
alguma distração, alguma sensação outra, neutralizadora, de euforia
ou bem estar.172

Ainda, cumpre salientar que não há qualquer


imoralidade na compensação da dor moral com dinheiro, tendo
em vista que não se está ―vendendo um bem moral, mas sim
buscando a atenuação do sofrimento, não se podendo
descartar, por certo, o efeito psicológico dessa reparação, que
visa a prestigiar genericamente o respeito ao bem violado‖.173
Muito embora ainda seja um entendimento amplamente
minoritário, alguns juízes já estão decidindo favoravelmente aos
filhos e condenando os pais moralmente ausentes ao
pagamento da tão discutida indenização. Um exemplo de
julgado que retrata os argumentos trazidos no presente trabalho
é o Processo nº. 141/1030012032-0, da Comarca de Capão da

172 SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação. 3ª. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 374.
173 GAGLIANO, 2014, p. 130.

176
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

Canoa do Rio grande do Sul. Na sentença, o Juiz Mario


Romano Maggioni indica com muita propriedade que:

A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a


convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar
futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar
condições para que a criança se autofirme. Desnecessário discorrer
acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da
criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao
filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a
sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que
grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e
carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte
se a inclusão no SPC dá a margem à indenização por danos morais
pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. 174

Tal decisão foi fundamentada nos artigos 330, II, e 269,


I, ambos do Código de Processo Civil, no artigo 5º, inciso X da
Constituição Federal e no artigo 22 da Lei nº 8.069/90, e
condenou o pai moralmente ausente ao pagamento de quarenta
e oito mil reais corrigidos e acrescidos de juros monetários e
partir da citação.
Outro exemplo da mesma natureza é encontrado na
Apelação Cível nº 408.550-5 de 01.04.2004 do Tribunal de
Minas Gerais. Neste caso, o nobre julgador aduziu que:

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade


possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente
justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos
que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta
imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o

174 TJRS.Comarca de Capão da Canoa. Processo nº 141/1030012032-0.


Sentença Prolatada pelo Juiz Mario Romano Maggioni. Disponível em:
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index. Acesso em: 20 mai 2014.
177
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna


ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios
da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e
garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação
social, o que, por si só, é profundamente grave.175

O STJ também já decidiu da seguinte maneira:


EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA.
ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO
MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à
responsabilidade civil e o consequente dever de
indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com
locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como
se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi
descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude
civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge
um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de
criação, educação e companhia – de cuidado – importa em
vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se
pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de
pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe
um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero
cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à
afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de
excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem
revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de e
avaliação na estreita via do recurso especial.

175 TJMG. Tribunal De Justiça do Estado de Minas Gerais. APELAÇÃO


CÍVEL Nº 408.550-5 – BH. 7ª Câmara Cível. Relator Des. Unias Silva.
Julgado em 01.04.2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/12987//.
Acesso em: 14 mai 2014.
178
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos


morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a
quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou
exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido 176.

Vislumbra-se, portanto, que não há qualquer


impedimento moral, social ou, principalmente, jurídico para não
reconhecer o direito de um filho ver-se indenizado em razão da
ausência afetiva de um pai. O que se verifica ainda é ampla
resistência pela doutrina e pela jurisprudência em reconhecer tal
direito por ainda se tratar de um assunto novo e que exige uma
análise casuística muito minuciosa.

6 Dos Crimes de Abandono e o Novo Projeto Almejando a


Criminalização do Abandono Afetivo

A palavra ―abandono‖ possui diversas acepções e, como


exemplo, podemos citar: indiferença, desamparo, desapego etc.
Considerando, então, as diversas exegeses que se pode atribuir à
expressão, conclui-se, assim, que o abandono pode ocorrer de
diversas formas. Dentre elas, em face do tema que ora se
discute, temos como mais relevante, por óbvio, o abandono
afetivo, mas também é interessante lembrar as figuras do
abandono material e do abandono intelectual.
Tanto o abandono material quanto o abandono
intelectual já são condutas tipificadas como crime ao teor dos

176STJ. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242-


SP. 3ª Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Disponível em:
Https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?
?componente=ATC&sequencial=15890657&num_registro=200901937019
&data=20120510&tipo=5&formato=PDF
179
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

artigos 244177 e 246178 do Código Penal vigente. Além disso,


tamanha é a importância do tema em pauta que já se encontra
em tramitação o Projeto de Lei do Senado nº. 700, de 2007 que
propõe a modificação da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente) para caracterizar
também o abandono moral como ilícito civil e penal. A
justificação desse projeto expõe que:

A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode
prevenir e solucionar os casos intoleráveis de negligência para com
os filhos. Eis a finalidade desta proposta, e fundamenta-se na
Constituição Federal, que, no seu art. 227, estabelece, entre os
deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a
família, o de assegurar a crianças e adolescentes - além do direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer - o direito à
dignidade e ao respeito.179

Importante salientar que a proposta deste projeto é


acrescentar ao art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente
de que considera conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,
177 Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou
de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de
ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes
proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de
pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem
justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o
maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único - Nas mesmas penas
incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive
por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão
alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
178 Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho

em idade escolar: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.


179 BRASIL. Projeto de Lei nº 700 de 2007. Propõe a modificação da Lei nº

8.069/1990. Disponível em: http://legis.senado.gov.br. Acesso em: 13 mai


2014.
180
Ex Libris: Estudos Jurídicos da ULBRA campus Cachoeira do Sul

sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou omissão que


ofenda direito fundamental de criança ou adolescente, incluindo
no respectivo artigo do mencionado Estatuto os casos de
abandono moral.
Além deste, há também o projeto de lei que trata do
abandono afetivo nº 4294/2008, em tramitação na Câmara dos
Deputados, que pretende acrescentar parágrafo único ao art.
1632 do Código Civil de modo a estabelecer a indenização por
dano moral nestes casos.
Diante deste contexto, forçoso reconhecer que a
corrente defensora da possibilidade de indenização por
abandono afetivo nas relações paterno filiais vem ganhando
força no Brasil. Além de já haver um expressivo número de
doutrinadores defendendo o instituto, percebe-se que o
legislador também já está inclinado a acolher a tese levantada
neste artigo.

7 Conclusão

O Direito de Família é um tema extremamente


complexo e capaz de sofrer sensíveis mutações na medida em
que a sociedade evolui. A família propriamente dita se origina
na união contínua de pessoas, matrimonial ou não, prestigiado
pelo Estado, onde a paternidade e a maternidade devem estar
ligados à afetividade. Neste atual modelo de família,
preocupado mais com a felicidade e o bem-estar de seus
membros do que com a instituição em si, as crianças e os
adolescentes ganharam relevância, passando a serem, então,
sujeitos de direitos.
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Deve-se dizer: a família é um dos mais preciosos ―bens‖


na vida de uma pessoa. Portanto, a sua constituição e,
principalmente, a sua preservação deve ter máxima proteção.
Fala-se muito, atualmente, no direito dos pais em visitar e
conviver com os seus filhos, mas e quanto ao direito dos filhos
em visitarem e conviverem com os seus pais? É preciso que o
tratamento de ambos seja isonômico, conforme prevê o art. 5º,
XX da Constituição Federal de 1988.
Perceba que sequer estamos falando em tratar de modo
desigual os que são desiguais, já que os filhos menores são
inegavelmente hipossuficientes em relação aos pais, mas apenas
em garantir exatamente o mesmo direito a ambas as partes.
Ademais, além do princípio da isonomia, inarredável a aplicação
do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como dos
subprincípios que dele decorrem, tais como princípio da
afetividade e da paternidade responsável, nos casos tratados
neste trabalho. Ora, é dever do Estado garantir o crescimento
de uma pessoa com todo o respeito e dignidade que ela merece.
Não se pode olvidar que há duras críticas quanto ao
dever de indenizar nos casos de abandono afetivo. Mas então se
pergunta: qual a função social do Direito de Família senão
justamente a proteção da família? A constituição deste instituto
tão nobre não pode ser fruto de mera irresponsabilidade.
Quando uma pessoa pensa em constituir família ela deve estar
ciente de que tal decisão gera direitos e, principalmente,
deveres.
Os pais têm um papel extremamente importante para o
bom desenvolvimento da criança, sendo as consequências de
uma má criação a principal fonte para o desajuste social e
psicológico de toda e qualquer pessoa. Para que a criança tenha
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um bom desenvolvimento é necessário que ela viva em um


ambiente saudável e harmonioso dentro do seio familiar.
Infelizmente o abandono afetivo não é algo que se
possa extinguir da nossa sociedade e, por isso, é absolutamente
plausível e justificável a proposta que assegura o direito à
indenização nos casos em que ele ocorrer. Conforme vimos,
não há nenhum argumento jurídico que impeça a aplicação de
tal reparação. Presente a conduta, o dano e o nexo de
causalidade, não há razões para não incidir o direito à
indenização.
Se analisarmos o tema sob a ótica da sociedade,
acredita-se que, da mesma forma, a indenização nos casos de
abandono afetivo seria majoritariamente aceita. A conduta do
pai que abandona moralmente um filho é condenável, é
repudiável, e não é o que se espera do homem comum. A regra
deve ser o amor e o carinho pela família, e jamais o descaso.
Importante registrar, ainda, que, ao contrário do que
certos juristas alegam, a indenização por danos morais em casos
de abandono afetivo não banaliza o instituto do direito
extrapatrimonial, pelo contrário, o valoriza. Ou seja, se no
Brasil é admitido o direito à indenização por danos morais em
casos de absoluta irrelevância (conforme abordado no capítulo
5), não se revela muito lógica nem coerente a idéia de não
admiti-lo nos casos em tratados neste trabalho que, sem sombra
de dúvidas, causam um efetivo dano ao agente.
Por fim, conforme já mencionado ao longo do trabalho,
ainda é minoritário o setor da doutrina e da jurisprudência
favorável ao direito à indenização, no entanto, deve-se admitir
que esta é uma forma de se garantir a dignidade da pessoa
humana e o respeito a instituição familiar.
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