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Raphael Spode
Centro Universitário de Brasília
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All content following this page was uploaded by Raphael Spode on 27 September 2015.
Colaboradores
X000
ISBN 978-85-7874-000-0
XXX – 000
Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais é punível
como crime, previsto no Código Penal e na Lei de direitos autorais (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).
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Editorial – editorial@conceitojur.com.br
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Sumário
Apresentação.....................................................................................................
Introdução
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a
dimensão prática das teorias
Eiiti Sato............................................................................................................
Abordagem Clássica
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA
TRAGÉDIA GREGA: os dilemas da política em As Suplicantes, de
Ésquilo
Marcelo Alves...................................................................................................
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
Gabriel Geller Xavier......................................................................................
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
Raphael Spode..................................................................................................
A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO
CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
Conrado da Silveira Frezza............................................................................
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE
JURÍDICA DOS ESTADOS
André Vinicius Tschumi.................................................................................
“Novas Abordagens”
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em
relações internacionais no século XXI
Frederico Seixas Dias......................................................................................
Apresentação
7
sional e o estudante poderão entrar em contato com os pressupostos da
disciplina e com as diferentes formas de abordá-la. É por isso que urge
no país uma rotina de estudos aprofundados em Teoria das Relações
Internacionais, com vistas a oferecer para aqueles que atuam na área um
conhecimento maior da abordagem com a qual operam, bem como, das
demais abordagens existentes e que podem ser uma alternativa melhor
de interpretar e interagir com o sistema internacional.
Neste contexto, o pesquisador em Relações Internacionais ganha
notável destaque, pois é ele que deve, com certa habilidade, tratar com
as forças que compõem o grande campo teórico da disciplina. Neste
livro, apresentamos textos que se amparam numa abordagem clássica
das Relações Internacionais, como bem nota Hedley Bull, uma aborda-
gem que propõe o resgate das tradições e instituições humanas e que é
responsável pela criação da disciplina. Por certo que a abordagem clás-
sica parece ter se ausentado um tanto do rol de discussões das Relações
Internacionais em detrimento do movimento que podemos chamar de
“contemporâneo”, por se afinar com um conjunto de questões e pro-
blemas positivistas e pós-positivistas. Embora a abordagem a maneira
clássica, pareça um tanto alheia ao modo como os temas tem sido apre-
sentados no âmbito da teoria, certamente, os problemas da qual se en-
carrega tal abordagem não se ausentaram, pois são questões universais
que podem ser encontradas em diferentes momentos históricos e que
circundam e circundarão por muito tempo as Relações Internacionais,
posto se tratarem de questões humanas.
As diferenças entre esses dois modos operar com a disciplina, a
saber, a abordagem clássica e as abordagens contemporâneas positivis-
tas e pós-positivistas, ficam bastante evidentes no debate metodológico
protagonizado por Hedley Bull e Morton Kaplan em meados do século
XX. Os dois – e com eles tradições distintas de pensamento – postula-
vam existir maneiras diversas de se constituir o conhecimento teórico
em Relações Internacionais, o que tinha consequências relativamente
sérias ao que se refere ao mundo acadêmico e ao prático. Os classicis-
tas, defendidos por Bull, propunham um retorno aos textos clássicos
da filosofia política, e uma leitura apurada da história, de modo que
pudéssemos fazer o resgate interpretativo das instituições humanas. No
auge do debate, seu preceptor, Martin Wight, sugere em Why is there
no international theory? uma certa impossibilidade de termos as teo-
8
rias do modo como os cientistas americanos pretendiam constituí-las,
por uma razão: porque o campo das Relações Internacionais se dedica
ao estudo de um domínio humano, composto por dúvidas, incertezas,
entregue às escolhas individuais e coletivas, e que, portanto, é incapaz
de ser estudado pela matemática e previsto pelos modelos científicos
behavioristas. Há, contudo, um modo de estudar este domínio, diz Wi-
ght, e esse modo é conhecido como a abordagem clássica descrita por
Bull durante o seu embate acadêmico com Kaplan. Essa abordagem pre-
tende um resgate das tradições de pensamento e das instituições, assim
como da estrutura histórica que constituiu essas tradições e instituições,
para a compreensão da sociedade internacional. Foi exatamente dentro
dessa perspectiva que reunimos os textos ora apresentados no livro. Na
tentativa de, através de uma perspectiva histórica e filosófica, resgatar
valores, instituições e práticas políticas de modo a mostrar como esse
conjunto de instituições, valores e práticas permanecem presentes na
sociedade internacional. Talvez mais do que isso, os textos aqui reu-
nidos manifestam a possibilidade de, a partir do resgate da tradição,
apresentar aspectos políticos fundamentais para a compreensão das Re-
lações Internacionais e que uma abordagem desse tipo oferece e enri-
quece muito àquele que pretende investigar a sociedade internacional.
Pelo livro ser, basicamente, composto de artigos que resgatam algumas
tradições clássicas do pensamento abrangendo a perspectiva histórica
da chamada Escola Inglesa é que o denominamos de abordagem clássica
das Relações Internacionais.
Evidente é que esse modo de abordagem sofreu severos ataques
daqueles que perseveravam em pesquisas aliadas ao desenvolvimento
científico que se seguiu a Segunda Grande Guerra, expressão disso são
as objeções de Kaplan a perspectiva clássica da Escola Inglesa. Este te-
órico aponta a necessidade de se implementar um estudo que analise, a
partir de métodos mais rigorosos, pontuais e exatos, o sistema interna-
cional e que este, por sua vez, é composto de sistemas particulares que
necessitam de teorias específicas. De acordo com a perspectiva positi-
vista/pós-positivista – e contra a objeção de Wight de que a política in-
ternacional é um domínio de saber humano que não pode ser estudado
por métodos das ciências naturais – Kaplan defende que é um equívoco
dos classissistas da Escola Inglesa a separação entre o âmbito físico e o
humano, entre as ciências naturais e a política. Essa separação se dava
9
na antiguidade quando a ciência tratava do domínio da natureza e a arte
do domínio da intuição humana. Contudo, a ciência moderna perse-
vera no caráter hipotético/intuitivo de toda investigação que forma o
conhecimento empírico, e por isso, não faria mais sentido a objeção dos
tradicionalistas ingleses contra o modelo científico de abordagem das
Relações Internacionais. A argumentação de Kaplan quer mostrar que a
maioria dos sistemas estudados no âmbito da política internacional po-
dem ser examinados por métodos científicos, não necessariamente pelos
métodos da física – que com suas equações pecam no poder explicativo
– mas algumas teorias matemáticas, como a dos conjuntos, podem vir
a auxiliar na formação de abordagens do sistema internacional, como a
teoria dos jogos; também métodos advindos da economia, como a teoria
da escolha racional. Estas são apenas duas das inúmeras abordagens de
cunho científico que surgiram na segunda metade do século XX. Aliás,
as perspectivas que começaram a surgir neste período para abordar pro-
blemas e compreender sob distintas visadas as Relações Internacionais
são várias e não cessam de surgir. Por esse motivo, incluímos o texto do
professor Frederico Seixas Dias que lança perspectivas para o estudo da
disciplina nesse cenário composto por múltiplas teorias.
•
Gostaríamos de registrar o importante papel que o curso de Re-
lações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí representou na
constituição desse livro. A maior parte dos artigos presentes nessa cole-
tânea foram elaborados por alunos e professores dessa instituição. A obra
é quase toda composta por artigos que resultam dos anos dedicados à
pesquisa e a orientação sempre exigente e presente do professor Marcelo
Alves, a quem gostaríamos de expressar nossa profunda gratidão.
De forma alguma poderíamos deixa de agradecer àqueles que nos
auxiliaram tão gentil e generosamente a tornar efetivo esse trabalho. Em
primeiro lugar a Fundação de Apoio à Pesquisa Científica do Estado de
Santa Catarina que viabilizou financeiramente meios para que esse tra-
balho pudesse ser concretizado. Em segundo lugar, mas tão importante
quanto, foram os autores dos artigos que compõem essa coletânea. Tam-
bém gostaríamos de agradecer ao nosso professor Marcelo Alves por
nos acompanhar nesta publicação, dando úteis conselhos e sugestões
muito eficazes. Não podemos deixar de mencionar a participação gene-
rosa e especial do professor Eiiti Sato, que tão solicitamente nos agraciou
10
com a introdução do livro. Por fim, queremos deixar expressa a nossa
gratidão a todos aqueles que viabilizaram e nos ajudaram a realizar esse
projeto, especialmente à professora Karine de Souza Silva que sustentou
o pleito junto a agencia de fomento, socorreu o projeto nos momentos
cruciais e garantiu que o recurso pudesse ser destinado ao financiamen-
to das duas publicações em Relações Internacionais: esta coletânea que
ora apresentamos, e também a obra Mercosul e União Europeia: o estado
da arte dos processos de integração regional, organizada pela mesma e
publicada pela editora Modelo. A todos esses fica o nosso agradecimen-
to, e aos leitores os votos de uma boa experiência com o livro.
Raphael Spode
Gabriel Geller Xavier
11
Introdução
RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
a reflexão, o debate de ideias e a
dimensão prática das teorias1
Eiiti Sato2
Introdução
Em todos os campos do conhecimento há momentos em que o
homem se depara com fatos e fenômenos para os quais não dispõe de
explicações. À época da peste negra, no século XIV, inúmeras explica-
ções baseadas em dogmas de fé e em crendices eram oferecidas para
as origens da peste assim como para sua cura. Também era motivo de
espanto o fenômeno do fogo fátuo cuja freqüência deve ter aumentado
com a enorme quantidade de corpos enterrados em valas comuns. A
precariedade dos conhecimentos de física, química e biologia não per-
mitia, à época, que se elaborassem teorias capazes de explicar de ma-
neira plausível esses fenômenos estranhos, mas visivelmente presentes e
associados a acontecimentos trágicos. O fato é que o desconhecimento
fazia disseminar um sentimento de temor e de impotência gerando rea-
ções que iam desde explicações fantasiosas até acusações e perseguições
a grupos considerados culpados por atrair a ira dos céus por seus pre-
1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada como texto de discussão para o seminário
organizado pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - IPRI em abril de 2005, em
Brasília, e depois publicado na Revista de Economia & Relações Internacionais (vol. 5, no. 9, 2006).
2 Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. E-mail para
contato: caputimperare@yahoo.com
15
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
16
Eiiti Sato
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
18
Eiiti Sato
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
20
Eiiti Sato
21
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
de seu pensamento uma vez que a realidade, com freqüência bem mais
complicada e mais cruel do que gostaríamos, se apresenta em desacordo
com aquilo que desejamos que fosse. É o que pode, em grande parte,
explicar porque as ciências sociais são caracterizadas por “debates teóri-
cos”, muito mais do que por teorias e paradigmas. No extremo, estão as
ideologias que constituem respostas prontas às quais as evidências de-
vem se ajustar. Numa analogia com o corpo humano, Mark Twain dizia
que “... as evidências são os ossos de uma opinião, sem os quais ela não
se sustentará”7 essa deve ser uma máxima a ser perseguida pelo cientis-
ta, pelo pensador, mas sempre há as ideologias e os preconceitos que se
alinham geralmente com o entendimento corrente e que tornam difícil
a aceitação e a adequada interpretação de evidências incômodas.
A segunda ordem de dificuldades – uma espécie de imagem
complementar da primeira – deriva do fato de que faz parte da crença
corrente achar que o conhecimento da verdadeira realidade consiste na
simples enumeração de eventos e das ações dos agentes neles envolvi-
dos. Ou seja, tal como apontado por Isaiah Berlin, é comum entender
que procurar no substrato dos fatos possíveis relações e encadeamentos
lógicos é apenas um exercício de erudição e de argumentação estéril,
sendo popular, mesmo entre pessoas instruídas, o entendimento de que
existe uma clara dicotomia entre a teoria e a prática. Esse entendimento
é que sustenta a crença bastante difundida de que o indivíduo sensa-
to e que realmente “sabe” o que ocorre na realidade seria aquele que
tem conhecimento de fatos e acontecimentos e não “perde tempo” com
construções intelectuais abstratas e fúteis sobre relações de causa e efei-
to, sobre influências ou forças subjacentes aos fatos visíveis. Em outras
palavras, o verdadeiro estudioso deveria simplesmente registrar os fe-
nômenos empiricamente observados. Tal atitude, retratada na angústia
de Isaiah Berlin, logicamente elimina a possibilidade de ver qualquer
utilidade na teoria, limitando o entendimento das questões sociais, en-
tre elas a guerra e a paz, a ações imprudentes de governantes, a variações
observadas nos fluxos de comércio, ao jogo de interesses ou a movi-
mentos sociais desagregadores. Assim, segundo esse entendimento, a
adequada compreensão dos fenômenos sociais decorreria da simples
enumeração de fatos e de ações conduzidas por indivíduos ou coletivi-
dades. O entendimento é que os fatos simplesmente vão se sucedendo e
7 TWAIN, Mark. Joana d’Arc. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001. p. 35.
22
Eiiti Sato
23
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
8 FEYNMAN, R. P. Deve Ser Brincadeira, Sr. Feynman! Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2000. pp. 225-245.
24
Eiiti Sato
25
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
10 Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial alguns estudiosos continuaram, em certa medida,
a interpretar a política internacional como a somatória das políticas e ações desenvolvidas pelos
Estados Nacionais. A abordagem do “processo decisório” de autores como R. C. Snyder e G. T.
Allison, não deixam de ter esse caráter. Snyder chegou a formular um modelo de análise que
procurava integrar o processo decisório dos países (SNYDER, R. C., et. al. (eds.). Foreign Policy
Decision-Making: An Approach to the Study of International Politics. New York, Free Press, 1962).
26
Eiiti Sato
11 CARR, E. H. Que é História. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982. p. 15.
12 Esses três estadistas ocuparam o posto de Primeiro Ministro da Grã-Bretanha em sucessivas
gerações, tendo que enfrentar diferentes problemas: Robert Cecil, Marquess of Salisbury (1830-
27
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
1903), foi eleito Primeiro Ministro 3 vezes; Arthur J. Balfour (1848-1930) sucedeu Lord Salisbury
sendo Primeiro Ministro de 1902 a 1905; David Lloyd George (1863-1945) era o Primeiro Ministro
britânico à época da Conferência de Versailles.
13 CARR, E. H. Vinte Anos de Crise, 1919-1939. Brasília: Editora Universidade de Brasília e
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2001. Parte I, caps. 1 e 2.
28
Eiiti Sato
14 Ver, por exemplo, Classical Theories of International Relations, editado por I. Clark & I. B.
Neumann (Macmillan Press, London, 1996) ou International Relations in Political Thought, editado
por C. Brown, T. Nardin & N. Rengger (Cambridge University Press, 2002) e outros livros que, como
esses, trazem textos de autores que, desde a Antigüidade, servem de referenciais para a construção
do pensamento em relações internacionais. No Brasil, a coleção “Clássicos IPRI”, publicado pelo
Intituto de Pesquisa de Relações Internacionais em conjunto com a Editora Universidade de
Brasília inclui autores como Tucídides, Francisco de Vitória, Vattel e Rousseau ao lado de autores
como Hans Morgenthau e Hedley Bull.
15 TOYNBEE, A. Experiências. Petrópolis: Editora Vozes, 1970. Capítulo 5, Trinta e Três anos em
Chattan House.
29
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
16 Essa origem dessas duas instituições é mencionada também por Cris Brown em Understanding
Inernational Relations. Macmillan Press, London, 1997. p. 24.
30
Eiiti Sato
17 “A ação internacional é política, e o trabalho científico não será genuinamente científico a
menos que a política seja mantida fora dele. Portanto, o primeiro artigo de constituição de nossa
sociedade deveria estabelecer que a sociedade não teria, enquanto corporação, qualquer política,
embora evidentemente isto não restringisse a liberdade de seus membros de, individualmente,
favorecer o promover esta ou aquela (política) … enquanto cidadãos e votantes” (Arnold Toynbee
sobre a constituição da sociedade anglo-americana para promover o estudo científico das relações
internacionais. TOYNBEE, A. Experiências, p. 71).
31
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
18 Trata-se da Carnegie Endowment for International Peace e essa fundação existe até hoje
(WHITAKER, B. The Foundations. An Anatomy of Philanthropic Bodies. Harmondsworth:
Penguin Books, 1974. pp. 75-6).
19 PRAZERES, O. A Liga das Nações. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922. p. v.
32
Eiiti Sato
20 A maioria dos manuais sobre o estudo das relações internacionais descreve e comenta essa
sucessão de “debates teóricos”. Particularmente em relação à abordagem pós-moderna, há uma
edição feita por um consórcio de universidades colombianas que reproduz o produto de um
seminário internacional que faz um balanço dessa corrente (NASI, C. (org.) Postmodernismo &
Relaciones Internacionales. Bogotá: Pontifícia Universidad Javeriana, Universidad de los Andes &
Universidad Nacional, 1998.
33
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
Além disso, embora não caiba aqui discutir esse aspecto, é im-
portante mencionar que o ambiente universitário brasileiro foi forte-
mente influenciado pela noção de que a função básica da universidade
seria a de formar “profissionais” para o mercado de trabalho e para áreas
consideradas “prioritárias para o desenvolvimento nacional”.21 Essa ob-
servação, no entanto, é relevante porque explica em grande medida a
verdadeira explosão dos cursos de relações internacionais no Brasil a
partir de meados da década de 1990, onde a principal expectativa é de
que os graduandos na disciplina se tornem “profissionais de relações
internacionais” e não especialistas capazes de compreender o meio in-
ternacional e seus fenômenos.
Na Universidade de Brasília criou-se primeiro o Curso de Bachare-
lado em Relações Internacionais, em 1974, e somente uma década depois
foi estruturado um programa de Mestrado especificamente voltado para
o estudo e a pesquisa em relações internacionais. Cabe destacar que a ini-
ciativa de Brasília tornou-se viável, em larga medida, graças à estreita co-
operação com o Ministério das Relações Exteriores que, particularmente
nos primeiros anos, forneceu a maioria dos docentes com expertise mais
específica em relações internacionais.22 Hoje, o corpo de pesquisadores
e docentes da Universidade de Brasília é composto essencialmente por
acadêmicos e há na universidade brasileira um crescente interesse pelo
estabelecimento de departamentos e de programas voltados especifica-
mente para o estudo e a pesquisa em relações internacionais.
O objetivo deste ensaio, contudo, não é o de produzir um balanço
do estudo e da pesquisa no Brasil em relações internacionais mas, princi-
palmente, levantar algumas indagações sobre as circunstâncias atuais em
que, aparentemente, o potencial dos recursos da teoria continua sendo
21 Esse aspecto tem sido abordado por autores variados, todavia, principalmente a partir dos
governos militares, esse entendimento de que o ensino universitário deve ser basicamente
“profissionalizante” tem prevalecido no Brasil. Ver, por exemplo, SCHWARTZMAN, S. Um
Espaço para a Ciência. A Formação da Comunidade Científica no Brasil. Ministério da Ciência
e Tecnologia, 2001; PAIM, A. A UDF e a Idéia de Universidade. Rio de Janeiro: Edições Tempo
Brasileiro, 1981; PROTA, L. Um Novo Modelo de Universidade, São Paulo: Editora Convívio, 1987.
22 Afonso Arinos de Melo Franco, José Guilherme Merquior, Ronaldo Sardenberg, Rubens
Ricúpero, Celso Amorin, Carlos Henrique Cardim, José Oswaldo de Meira Pena, Luiz Augusto
de Castro Neves, Sérgio Silva Amaral e Marcio F. Nunes Cambraia estão entre os diplomatas que
atuaram na consolidação da competência da Universidade de Brasília em relações internacionais. A
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro também estabeleceu um Programa de Mestrado
em Relações Internacionais em 1985.
34
Eiiti Sato
23 Um bom balanço da evolução dos estudos em relações internacionais é feito por S. Miyamoto
em O Estudo das Relações Internacionais no Brasil: o Estado da Arte, publicado na revista de
Sociologia e Política (Curitiba, Nº 12, 83-98, Junho, 1999).
24 Uma iniciativa notável nesse sentido foi a realização pelo Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais (IBRI) de um seminário de grande amplitude sobre conceitos e teorias de relações
internacionais para o início do século 21 onde se discutiu visões nacionais e regionais sobre a
ordem internacional. Os resultados foram publicados em SARAIVA, J. F. S. (ed.) Concepts,
Histories, and Theories of International Relations for the 21st Century. Regional and National
Approaches. Brasília: IBRI, 2009.
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RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
25 Professor Emérito da Universidade de Brasília, notabilizado por uma extensa obra especialmente
voltada para a área de história das relações exteriores do Brasil.
26 CERVO, A. L. Política Exterior e Relações Internacionais do Brasil: Enfoque Paradigmático.
Rev. Bras. de Política Internacional, Ano 46, nº 2, 2003 (pp. 5-25).
36
Eiiti Sato
37
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
27 Obras notáveis da época preconizavam uma era em que as questões da “low politics” teriam
passado a ter mais relevância do que as questões de segurança internacional (ROSECRANCE, R.
The Rise of the Trading State. New York: Basic Books, 1986), outras previam até mesmo a perda
de importância do Estado em razão da interdependência e da emergência de outros atores não-
estatais voltados essencialmente para a vida civil (OHMAE, K. The End of the Nation State: The Rise
of Regional Economies, New York: Free Press, 1996).
38
Eiiti Sato
28 Trata-se de um entendimento mais abrangente do que o de Robert Jervis (The Logic of Images in
International Relations, Princeton University Press, 1970) que discute a formação de imagens como
instrumento de política externa dos países.
29 Um caso interessante é relatado por Henry Kissinger quando compara as visões de Theodore
Roosevelt e de Woodrow Wilson. Ambos percebiam que os EUA haviam mudado sua posição na
cena internacional, tornando-se um ator de primeira grandeza. No entanto, enquanto Roosevelt
entendia que havia um novo equilíbrio de poder global dentro do qual os EUA deveriam atuar
na devesa de seus interesses, Wilson entendia que, nesse cenários, os EUA tinham o dever moral
de liderar a construção de um novo internacionalismo com seus valores e suas instituições.
(KISSINGER, H. A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1997. pp. 25-57)
39
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
30 BIANCHI, A. M. Of Clouds, Clocks, and the Hardest of the Soft Sciences. Trabalho apresentado
no Annual Meeting of the Allied Social Sciences Association, Anahelm, CA, 1993.
40
Eiiti Sato
41
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
Considerações finais
Em resumo, o analista das relações internacionais, em seu papel
de cientista social, não pode prescindir da teoria, ou melhor, das teorias
como instrumento que deve ajudá-lo a construir as interpretações pos-
síveis para os fenômenos que observa na cena internacional e identificar
as evidências, ainda que incômodas. Na verdade, são as teorias que o
ajudam a selecionar e a dispor, entre os muitos fatos disponíveis nos do-
cumentos, nos noticiários e nos dados estatísticos, aqueles que se cons-
tituem em evidências relevantes que permitem identificar significados e
tendências. Por outro lado, como cientista social, o analista de relações
internacionais também deve ter consciência de que, por melhor que seja
sua apreciação de um determinado fenômeno, essa apreciação sempre
será limitada tanto pelos valores e princípios que orientam sua cons-
trução teórica quanto pela própria limitação de seus conhecimentos.31
Além disso, a interdisciplinaridade pode ter servido para que uma even-
tual interpretação a respeito de um fenômeno da realidade internacional
apresente grau elevado de consistência e de capacidade explicativa, mas
será sempre uma entre outras visões possíveis. Numa metáfora visual,
os fenômenos sociais podem ser entendidos como um edifício que pode
ser observado sob vários ângulos diferentes. O mesmo edifício pode ser
visto a partir de sua face frontal, de seu perfil lateral ou mesmo de cima,
numa tomada aérea. O edifício pode ainda ser visto sob o ângulo de sua
concepção de engenharia estrutural ou de sua arquitetura ambiental. São
visões diferentes, que mostram aspectos reais presentes num mesmo
objeto. Cada uma das visões destaca uma faceta do edifício e, mesmo
supondo que todas as visões são bastante nítidas por terem sido cons-
truídas com grande competência e cuidado, ainda assim, para se ter uma
31 A tecnologia moderna trouxe os serviços de busca baseados na rede internet que mostram
que qualquer consulta resulta em centenas de milhares de itens e referências, uma quantidade
virtualmente impossível de ser consultada.
42
Eiiti Sato
Referências
BERLIN, I. Russian Thinkers. London: The Hogarth Press, 1978.
43
RELAÇÕES INTERNACIONAIS: a reflexão, o debate de ideias e a dimensão prática das teorias
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Eiiti Sato
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Abordagem Clássica
O NASCIMENTO DO CONCEITO
DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA
GREGA: os dilemas da política em
As Suplicantes, de Ésquilo
Marcelo Alves1
Introdução
Desde algum tempo, há uma tendência, presente em diferentes
campos do conhecimento, em buscar-se a origem de determinados con-
ceitos, práticas ou valores para muito além daquilo que seria, de um
ponto de vista crítico, razoável de se esperar. Trata-se, em alguns casos,
de verdadeira obsessão por assinalar, no ponto mais remoto da história,
a primeira configuração de um dado conceito, prática ou valor. Nesses
49
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
2 Na verdade, não apenas os templos, mas todo lugar tido como sagrado (altares, santuários,
mosteiros, cemitérios etc.) era percebido como um lugar submetido apenas às leis divinas e,
portanto, livre da jurisdição das leis humanas. Por isso, era potencialmente um refúgio para
aqueles perseguidos, justa ou injustamente, pelas autoridades civis, pela multidão ou por qualquer
leigo. Obviamente que, na prática, a acolhida do asilado dependia do sacerdote ou representante
religioso responsável por aquele lugar sagrado, o que sempre dava margem para diferentes
atitudes, dependendo da interpretação dos fatos e dos interesses em jogo, ainda que a regra fosse
acolher o perseguido.
50
Marcelo Alves
3 Cf. o verbete (asylos) e suas variações em, por exemplo, PEREIRA, Isidro. Dicionário
grego-português e português-grego. 6. ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1984, p. 88 e
BAILLY, Anatole. Le grand Bailly: dictionnaire grec-français. Paris: Hachette, 2000, p. 294-95.
51
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
4 Cf. VERNANT, Jean-Pierre. Tensões e ambiguidades na Tragédia Grega. In: VERNANT, Jean-
Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 1999.
p. 7-24.
52
Marcelo Alves
5 Cf. ROMILLY, Jacqueline de. La loi dans la pensée grecque. 2. ed. Paris: Les Belles Lettres, 2002.
p. 42.
53
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
54
Marcelo Alves
6 HOMERO. Ilíada. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, [198?]. Canto
III, v. 351-354, p. 84.
55
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
se aos seus joelhos e beijar sua mão, pedindo pelo corpo do filho e, para
sensibilizar o herói, comparando a sua condição de pai e de ancião com
a de Pélias, pai de Aquiles e com igual idade avançada. A súplica feita
por Príamo aplaca a ira de Aquiles e leva-o, condoído, a uma dura refle-
xão sobre a condição humana: “Viver sempre em tristeza é lote humano:
existir sem cuidados é dos deuses”7. O sofrimento aparece como aquilo
que, de um lado, separa homens e deuses e, de outro, como aquilo que
reúne os homens em uma mesma comunidade: a comunidade daqueles
que sofrem, e que, por isso, por compartilharem a mesma condição mi-
serável, devem estar dispostos a acolher uns aos outros, especialmente
aqueles que, dilacerados pelo destino, suplicam. Enquanto fala, Aquiles
ergue Príamo e faz com que ele se sente: fala e gesto convergem. Aceitar
a súplica significa acolher o outro, recebê-lo, tratá-lo com hospitalidade.
Aquiles entregará o corpo de Heitor, mas antes tratará de Príamo como
a um hóspede: providenciará uma ceia e preparará para ele um leito.
Depois, perguntará quanto dias serão precisos para os funerais de Hei-
tor e prometerá que os combates serão suspensos durante aquele tempo
— o que, como indica o mito, será cumprido. Assim, o último canto da
Ilíada condensa justamente aqueles quatro valores (dar funeral aos mor-
tos, acolher o suplicante, saber dar e respeitar a hospitalidade e cumprir
a palavra dada). Contudo, a súplica e a hospitalidade entre Príamo e
Aquiles é que dão o tom e o sentimento final do poema: é por meio delas
que Homero consegue fazer com que o seu ouvinte, hoje leitor, estabe-
leça, ao final, uma profunda relação de simpatia (literalmente, fique com
pathos, compaixão) pelos dois personagens e por seus destinos. A bem
da verdade, a simpatia é pela humanidade que os dois compartilham,
revelada em toda a sua extensão pela súplica e pela hospitalidade, que
abrem no coração da guerra esse terno instante, essa sagrada possibili-
dade, de reconhecimento e reconciliação.
Na Odisséia, súplica e hospitalidade continuam desempenhando
importante papel na trama e nos valores que a poesia homérica põe em
movimento e consagra, uma poesia que, vale lembrar, é reconhecida
7 HOMERO. Ilíada. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, [195?].
Canto XXIV, [versos 525-526]. Disponível em: http://www.consciencia.og/iliada-de-homero_
canto-xxiv. Acesso em: 06 set. 2010.
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Marcelo Alves
8 Cf., entre muitos outros, JAEGER, Werner. Homero como educador. In: ______. Paidéia: a formação
do homem grego. Trad. Arthur M. Parreira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 61-84.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
9 HOMERO. Odisséia. Trad. Manuel Odorico Mendes. São Paulo: Ars Poética, Edusp, 1992. Livro
IX, versos 205-206 [em muitas outras edições, corresponde ao verso 270], p. 181.
10 “Le suppliant se confond avec l’étranger dans la mesure où ils implorent tous les deux une
protection dont ils se trouvent exclus, le premier par quelque injustice dont il est la victime ou par
suite d’un délit dont il est l’auteur, et le second parce qu’il est le nouveau venu, l’homme en quête
d’un foyer qui l’accueille” (BEAUJON, Edmond. Le dieu des suppliants: poésie grecque et loi de
l’homme. Neuchâtel: Editions de La Baconnière, 1960. p. 57). A identificação entre suplicante e
estrangeiro ainda é reforçada pela palavra grega (hikétis), usada para designar o suplicante
e que significa, no sentido próprio, “recém-chegado”. Enfim, suplicante e estrangeiro compartilham
uma mesma condição: a daquele que precisa ser acolhido, a daquele que, recém-chegado, clama
por hospitalidade. Nesse sentido, portanto, é bastante compreensível que a mesma divindade os
proteja (e que ora ela seja designada como Zeus Xénios ora como Zeus Hikésios, ou ainda como
Zeus Aphíktor, variação poética, usada por Ésquilo, que igualmente preserva aquela polissemia) e
que súplica e hospitalidade sejam indissociáveis no mundo grego antigo.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
11 Tradução livre de: “le suppliant est l’homme qui propose au regard quelque vérité terrible et
secrète, quelque problème dont on ne peut esquiver la solution en évitant simplement de le voir; la
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soufrance est là, elle s’avoue; elle se dépouille; il faut, bon gré mal gré, jeter les yeux sur elle, il faut
répondre au défi qu’elle lance aux gens heureux. Comme le suppliant est l’homme auquel manque
le pouvoir de conclure, il doit trouver moyen de la provoquer, cette conclusion. En d’autres termes,
il faut que le suppliant, qui, au premier regard, ne pèse pas grand-chose, prenne la gravité d’un
symbole; une réponse efficace s’impose dès lors, si seulement l’esprit fait acte de préseance à la
réalité humaine qui lui est proposée. Répondre au suppliant, c’est reconnaître le poids qui est le sien
dans le monde des valeurs; c’est entrevoir ce que signifie un homme et jusq’où porte un symbole”
(BEAUJON, Edmond. Le dieu des suppliants, p. 59).
12 Tradução livre de: “The Greek world was fundamentally governed by the institution of
hospitality, which not only linked individual households within a city but provided a framework
for relations between cities.” (ZAIDMAN, Louise Bruit; PANTEL, Pauline Schmitt. Religion in the
Ancient Greek City. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 80).
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
13 BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego: tragédia e comédia. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
p. 10.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
se opõe, embora em parte permaneça solidário com eles” (VERNANT, Jean-Pierre. O Momento
Histórico da Tragédia na Grécia: Algumas Condições Sociais e Psicológicas. In: ______; VIDAL-
NAQUET, Pierre. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 03).
16 Cf. VERNANT, Jean-Pierre. O momento histórico da Tragédia na Grécia, p. 03.
17 O Coro é um importante elemento da estrutura da tragédia e que vincula intimamente o mito
e a pólis, pois ele representa frequentemente o conjunto dos cidadãos, a voz do povo. Mas As
suplicantes, de Ésquilo, é uma interessante exceção: nesta peça, o coro é composto não pelo povo,
mas por aquelas que, juntamente com o rei de Argos, protagonizam o drama.
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Marcelo Alves
18 Cf. MEIER, Christian. De la tragédie grecque comme art politique. Paris: Belles Lettres, 1991.
p. 08-13.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
sua carreira como tragediógrafo, mas apenas de seu maior feito como
cidadão: “de seu bem reputado valor poderia falar o recinto sagrado de
Maratona e o medo [persa] de espessa cabeleira que o conhece bem”19.
Ésquilo escreveu cerca de 91 peças, das quais chegaram até nós
apenas sete: Os persas, As suplicantes, Os sete contra Tebas, Prometeu
acorrentado e a Trilogia Orestéia, composta pelas peças Agamemnom,
Coéforas e Eumênides20. Na Orestéia, por exemplo, o olhar de Ésquilo
para a sua cidade apresenta de modo inequívoco, por meio das trans-
formações sofridas no universo jurídico, a profunda transição de men-
talidade que se processa e que esperançosamente aponta para um futu-
ro repleto de glórias para Atenas. Para isso, é preciso, entende Ésquilo,
combater a violência no interior da pólis, violência esta que ameaça a
sobrevivência da cidade, na medida em que promove a insegurança, o
caos social e, no limite, a anarquia. Na Orestéia, o Tribunal é o grande
símbolo dessa nova mentalidade jurídica que vigora na pólis, enquanto
uma instituição capaz de garantir que os crimes praticados de forma
dolosa sejam punidos, mas por um caminho ponderado, uma via ra-
cional e política, e não pela vingança cega e automática — tal como a
concepção arcaica de justiça promovia e que autorizava um verdadeiro
morticínio em cadeia — que sempre coloca em risco a ordem social e
não favorece a criação e o fortalecimento dos laços cívicos.
A bem da verdade, Ésquilo não estava propriamente inovando ao
se preocupar em combater a violência em nome da justiça e da pólis. Ele
faz parte de uma longa tradição de poetas e pensadores gregos que reco-
nhecem a necessidade de combater a violência21 e defender a existência
de uma íntima relação entre justiça e política. Já em fins do século VIII
a.C., Hesíodo apresenta todos os males a que está sujeita a cidade que
não reconhece o império de Díke (Justiça), e as bênçãos que se derra-
19 Apud: JURADO, Enrique Ángel Ramos. Introducción. In: ÉSQUILO. Tragedias. Trad. Enrique
Ángel Ramos Jurado. Madrid: Alianza, 2001. p. 09. Eis o epitáfio na íntegra: “A Ésquilo, el hijo de
Euforión, ateniense, contiene este sepulcro de Gela, la rica en cereales. Y de su bien reputado valor
podría hablar el recinto sagrado de Maraton y el medo de espesa cabellera que le conoce bien.”
20 Entende-se como Trilogia três tragédias escritas e apresentadas em um mesmo festival, que
geralmente apresentam uma continuidade de fatos. Além disso, a Trilogia costuma ser completada
por um drama satírico. No caso da trilogia Orestéia, única a chegar até nós na íntegra, os fatos
iniciam-se em Agamemnom, são intermediadas por Coéforas e terminam em Eumênides. Proteu
seria o título do drama satírico que a completava, e que infelizmente se perdeu.
21 Cf. ROMILLY, Jacqueline de. La Grèce Antique contre la violence. Paris: Editions de Fallois,
2000. Sobretudo os capítulos I e II, p. 37-110.
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Marcelo Alves
mam sobre aquela pólis que se mantém obediente aos limites impostos à
ação humana pela implacável deusa. Uma injustiça cometida no interior
da cidade, e por ela tolerada, incorpora-se ao seu espírito, maculando-o
e atraindo sobre si a fúria de Díke. O erro individual é como uma do-
ença, uma peste que, se não for prevenida e combatida, contamina toda
a pólis. A cidade que se mantém justa goza de boas colheitas, de crian-
ças que nascem valorosas e perfeitas, de vitórias sobre os inimigos, de
bem-aventurança. Em contrapartida, a cidade que admite a injustiça no
seu seio viverá sob os desfavores da deusa, sofrendo com a miséria, as
adversidades climáticas, as pestes e as derrotas nas batalhas, enfim, com
a desventura. A ordem divina recompensa ou castiga a ordem humana
de acordo com a medida da justiça22.
Assim como Hesíodo, Sólon, o legislador responsável por uma
grande reforma política, jurídica e social em Atenas, em 594 a.C., en-
tende que, se a justiça não for rigorosamente observada no interior da
pólis, seus habitantes sofrerão consequências terríveis, mas se dela não
descuidarem, conhecerão os benefícios que só a justiça é capaz de trazer
para os homens: a promoção da vida em sociedade e, por extensão, de
todos aqueles bens, materiais e espirituais, que apenas a cooperação e a
cumplicidade entre os homens torna possível — conforto, prosperida-
de, segurança, amizade, solidariedade, arte, conhecimento etc. Porém,
diferentemente de Hesíodo, Sólon se afasta do argumento religioso para
explicar o papel da justiça no destino da pólis. Para ele, a hybris (desme-
dida) cometida pelos homens, e por eles não prevenida ou controlada,
arrasta paulatinamente a cidade para a ruína, para a sua dissolução. O
raciocínio implícito em Sólon pode ser exemplificado nesses termos:
ao admitir, por exemplo, que um cidadão viole o direito de outro, ou
seja, que ocorra um desequilíbrio na relação entre as duas partes, sem
que qualquer atitude seja feita no sentido de restabelecer o equilíbrio
original que foi rompido, a injustiça tolerada pela cidade facilmente irá
se alastrar, incitando a discórdia entre os cidadãos, a um ponto tal que,
22 HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. 4. ed. São Paulo:
Iluminuras, 2002. p. 35-45. Ver, também, JAEGER, Werner. “Hesíodo e a vida no campo”. In:
_____. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1994. p. 85-105.
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
23 Cf., sobretudo, JAEGER, Werner. “Sólon: começo da formação política de Atenas”. In:____.
Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1994. p. 173-189.
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24 PODLECKI, Anthony J. The political background of Aeschylean tragedy. 2. ed. Londres: Bristol,
2000. p. 42.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
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Marcelo Alves
pode ser a melhor forma de engajar uma cidade em uma súplica. Assim
procede Ulisses, quando, às escondidas, adentra no palácio de Alcínoo
com o propósito de, logo após abraçar os joelhos da rainha e suplicar-
lhe uma escolta para levá-lo de volta à Ítaca, ir sentar-se “à lareira, na
cinza, junto do fogo”, gerando um constrangedor silêncio em todos os
presentes, rompido apenas pelo velho e sábio Equeneu, cujo discurso dá
a exata medida do profundo significado e valor da súplica junto à lareira
e do compromisso gerado entre o suplicante e o dono da casa, obrigan-
do este a acolher aquele como seu hóspede:
Ó rei Alcínoo, não julgo decente [bom, conforme aos costumes], nem belo,
deixarmos que um estrangeiro [hóspede] se sente no chão e na cinza, à lareira.
Os circundantes aguardam somente que dês tu o exemplo.
Vamos! Levanta o estrangeiro [hóspede] e o conduz a sentar-se em poltrona
cheia de ornatos de prata; em seguida aos arautos dá ordens
para que o vinho misturem, e todos a Zeus ofertemos,
fulminador, que acompanha em seus passos os nobres pedintes.26
Assim será feito e Ulisses receberá dos Feácios, por meio de seu
rei, um barco, víveres e tripulação para que possa retornar à sua terra.
Do mesmo modo procederá, já em pleno século V a.C., o famoso general
grego Temístocles, segundo o relato de Tucídides. Supostamente envol-
vido numa traição aos Gregos e a favor dos Persas, o general ateniense é
punido primeiro com o ostracismo e depois, uma vez confirmado o seu
envolvimento, perseguido por atenienses e espartanos, que queriam, por
fim, matá-lo. Em fuga de cidade em cidade, Temístocles se viu em dado
momento forçado a suplicar refúgio a Ádmetos, rei dos Molossos, com
quem, dado interessante, não mantinha boas relações: “Na ocasião Ád-
metos não estava em casa, mas Temístocles se dirigiu à sua mulher como
suplicante e foi instruído por ela a pegar um de seus filhos e sentar-se em
frente à lareira”. Quando o rei chega, Temístocles lhe faz a sua súplica:
“Ádmetos ouviu e fez Temístocles levantar-se juntamente com seu filho”.
Posteriormente, os atenienses e espartanos chegaram para levar Temís-
tocles, mas “Ádmetos não o entregou e, como ele desejasse ir ao encontro
26 HOMERO. Odisséia. Trad. Carlos Alberto Nunes. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. Canto
VII, versos 143-165 (inclui a citação anterior e demais elementos narrados no corpo do texto). No
original, sem os acréscimos entre colchetes.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
do Rei [dos Persas], deu-lhe uma escolta para ir por terra até Pidna”27.
Entretanto, é preciso que estes exemplos não criem ilusões em relação à
eficácia da súplica e ao respeito pela hospitalidade. A própria insistência
com que uma e outra são abordadas pelo mito, pela poesia e pela tragédia
indica, além de sua importância, que se trata de valores que precisavam
ser inculcados ou defendidos, isto é, valores que não raramente eram
ignorados, desrespeitados, pervertidos. De fato, Herótodo e Tucídides
nos fornecem inúmeros relatos de episódios em que súplica e hospita-
lidade são valores infringidos ou manipulados em nome, por exemplo,
de interesses políticos28. Portanto, as Danaides de Ésquilo não ignoram
27 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Trad. Mario da Gama Kury. 4. ed. Brasília:
EdUNB, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001. Livro I, caps. 136-37, p.
80-81. No original, sem o acréscimo entre colchetes.
28 O caso de Páctias, narrado por Heródoto, é exemplar, pois apresenta uma situação em que até
mesmo um oráculo — portanto, um dos símbolos da religião grega antiga — desrespeita a lei da
súplica e da hospitalidade e mostra como a entrega de um suplicante/hóspede ao seu perseguidor
podia facilmente se transformar em um negócio entre cidades. Vale retomar a narrativa. Para fugir
da perseguição de Ciro, Páctias busca refúgio na cidade de Cimo. Intimados a entregar o fugitivo,
os Címios consultam o oráculo de Branquides, que lhes orienta a entregá-lo aos Persas. No entanto,
um dos cidadãos, Aristódico, solicita uma “nova consulta ao oráculo, na qual ele figuraria entre os
delegados, certamente porque desconfiava da infidelidade destes ou do próprio oráculo”. Indagado
novamente, o oráculo repete a resposta que já dera. De maneira calculada, Aristódico caminha em
volta do templo e espanta todas as aves que ali tinham os seus ninhos. “Ó celerado, tens a audácia de
arrancar do meu templo os meus suplicantes?”, repreende-o o oráculo, e Aristódico o desmascara:
“Então, grande deus, socorreis os vossos suplicantes e ordenais aos Címios que entreguem ao
inimigo o deles?”. A solução encontrada pelos Címios é enviar Páctias para Mitilene, de modo que,
assim, não o entregavam a Ciro e nem corriam o risco de ficarem sitiados ou de serem atacados
por seus poderosos exércitos. O representante de Ciro, Mazarés, exige a devolução do fugitivo e
os Mitilênios aceitam entregá-lo mediante recompensa, mas, antes disso, os Címios conseguem
retirar Páctias de Mitilene e enviá-lo para Quios. Porém, “os habitantes dessa ilha arrancam-no
do templo de Minerva [Atena] Polioucos e o entregam a Mazarés com a condição de este lhes dar
Atarnéia, país da Mísia, defronte de Lesbos” (HERÓDOTO. História. Trad. J. Brito Broca. 2. ed.
São Paulo: Ediouro, 2001. Livro I, Caps. CLVII-CLX, p. 144-146). Tucídides narra três episódios
de desrespeito da súplica e da hospitalidade que são usados como pretextos políticos nas mãos de
Esparta e de Atenas na situação inicial da Guerra do Peloponeso. Certa vez um cidadão ateniense
chamado Cílon invadiu, juntamente com uma pequena tropa e alguns amigos, a Acrópole para
tornar-se tirano de Atenas, mas o povo se revoltou e sitiou os invasores. Com a falta de alimentos
e água, a situação tornou-se insuportável, levando Cílon e seus irmãos a fugir. No entanto, a
maioria de seus cúmplices não conseguiu evadir-se do local e foram sentar-se como suplicantes
no principal altar da Acrópole, aquele dedicado à padroeira da cidade, Atena. Quando estavam
desesperados e alguns já morrendo de fome, os guardas fizeram-nos se levantar com a promessa de
que seriam poupados, “mas começaram a matá-los após os terem levado para longe; alguns foram
mortos no trajeto, diante do próprio altar das Deusas Veneráveis [Eumênides]. Por aquele ato, tanto
os encarregados da guarda quanto os seus descendentes foram declarados malditos e pecadores
contra a deusa”. O episódio ficou conhecido como a “maldição da deusa” e foi usado politicamente
pelos espartanos: eles formularam uma queixa exigindo que Atenas afastasse de si aquela maldição,
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Marcelo Alves
ou seja, que se purificasse banindo aqueles que descendessem daqueles amaldiçoados, e entre os
descendentes estava justamente Péricles, o principal nome da política ateniense. Em resposta,
Atenas exigiu que os Espartanos se livrassem de duas maldições semelhantes: a de Tênaros —
cidade onde um suplicante fora por eles obrigado a deixar o seu asilo no Templo de Poseídon e logo
em seguida executado, e a maldição da Atena do Templo de Bronze. No momento em que seria
preso por trair os Gregos na guerra contra os Persas (na mesma trama que envolveu o ateniense
Temístocles), Pausânias, o grande general espartano, foge para o Templo de Bronze e lá permanece
asilado. Os éforos (magistrados de Esparta) então decidem cercar o templo com uma muralha para
que ele morresse de fome. Quando estava agonizante, os éforos o levam para fora do templo, mas já
era tarde: ele morre logo após ser retirado (TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, Livro
I, caps. 126-128 e 134, p. 73-75 e 79-80).
73
O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
29 ÉSQUILO. As suplicantes. In: ______. Tragédias. Estudos e traduções de Jaa Torrano. São Paulo:
Iluminuras: 2009. v. 340-347, v. 354-358, p. 275-277. Todas as citações em português são extraídas
desta tradução. Para as principais passagens citadas, também ofereço em nota, como complemento,
a reconhecida tradução francesa de Paul Mazon: “Le Roi. — Comment puis-je, avec vous, satisfaire
à la loi des dieux? Le Coryphée. — S’ils me réclament, ne me livre pas aux fils d’Égyptos. Le Roi.
— Mots terribles! soulever une guerre incertaine! Le Coryphée. — La justice combat avec qui la
défend. Le Roi. — Oui, si du premier jour elle fut avec vous. Le Coryphée. — Respecte pareilles
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Marcelo Alves
offrandes à la poupe du vaisseau argien. Le Roi. — Je fremis à voir nos autels ombragés de ces
rameux. Le Coryphée. — Avoue-le: il est terrible aussi le courroux de Zeus Suppliant! […] Le Roi.
— Je vois à l’ombre de rameux frais coupés d’étranges fidèles devant les dieux de ma cité. Puisse la
cause de ces concitoyens-étrangers ne point créer de maux! Que nulle querelle, à l’improviste, par
surprise, n’en résulte pour Argos: Argos n’en a pas besoin.” (ESCHYLE. Les suppliantes. Traduction
par Paul Mazon. 6. ed. Paris: Les Belles Lettres, 1953. p. 25-26).
30 A palavra “hóspede” aqui está traduzindo (astoxénun), que literalmente significa
“cidadão nascido fora”, e por meio da qual Pelasgo parece estar reconhecendo a origem argiva
das Danaides, mas, ao mesmo tempo, conferindo-lhes uma fraca cidadania, especialmente se
confrontada com o tamanho da ameaça que sua estada em Argos representa para a cidade. A
tradução oferecida por Paul Mazon para aquela palavra preserva esta ambiguidade, que claramente
aponta para o delicado estatuto político das suplicantes: as Danaides são encaradas como
“concitoyens-étrangers”, concidadãos-estrangeiros. A questão política implícita no raciocínio de
Pelasgo pode ser assim formulada: é razoável colocar a pólis em risco apenas para proteger estas
quase-argivas, estas quase-estrangeiras?
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
31 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 365-375, p. 277. Eis a tradução de Paul Mazon para a mesma
passagem: “Le Roi. — Vous n’êtes pas assises à mon propre foyer: si la souillure est pour Argos,
pour la cité entière, que le peuple entier s’occupe d’en découvrir le remède. Pour moi, je ne saurais
te faire de promesse, avant d’avoir communiqué les faits à tous les Argiens. Le Chœr. — C’est toi,
la cité, c’est toi, le Conseil; chef sans controle, tu es le maître de l’autel, foyer commun du pays; il
n’est point d’autres suffrages que les signes de ton front, d’autre sceptre que celui que tu tiens sur ton
trône; toi seul décides de tout: garde-toi d’une souillure.” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 26).
32 O dever religioso de acolher o suplicante é tão ostensivamente apresentado pelas Danaides que
chega a soar como a reivindicação de um direito de ter o seu pleito atendido a todo custo, ainda que
Danao tivesse insistido anteriormente para que as filhas respondessem “falas reverentes, ternas,
76
Marcelo Alves
úteis, aos hóspedes, como convém a forasteiros” e que na voz delas houvesse timidez e modéstia,
pois “não convém aos mais fracos falar audaz” (v. 194-203). A súplica delas é quase uma exigência
e, de fato, elas não hesitarão, como será visto, em forçar o suplicado, por meio de uma ameaça de
suicídio, a atendê-las, o que revela o lado desmedido, violento, a hybris dessas donzelas: manipulam
as leis da súplica e da hospitalidade, transformando benevolência em obrigação, piedade em
coerção. As mesmas jovens que se queixam reiteradamente de que são vítimas do uso da força
(bias) por parte dos Egípcios, não se constrangem em lançar mão da coerção para serem acolhidas
e protegidas. Mais um forte indício de que “elas permanecem, apesar de sua ancestralidade argiva,
essencialmente bárbaras” (BURIAN, Peter. Pelasgus and politics in the Danaid Trilogy. In: LLOYD,
Michel (Ed.). Aeschylus. Oxford: Oxford University Press, 2007. p. 205. Tradução livre de: “They
remain, despite their Argive ancestry, profoundly barbarian.”).
33 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 376-386, p. 277-79, sem o acréscimo entre colchetes. Eis a tradução
de Paul Mazon: “Le Roi. — La souillure soit pour mes ennemis! Mas vous secourir, je ne le puis sans
dommage. Et pourtant il m’est pénible aussi de dédaigner vos prières. Je ne sais que faire; l’angoisse
prend mon coeur: dois-je agir ou ne pas agir? Dois-je tenter le Destin? Le Chœr. — Regarde vers
celui qui d’en haut tout regarde, le protecteur des mortels douloureux qui, aux genoux de leurs frères,
n’obtiennent pas le droit que la loi leur donne. Songes-y: le courroux de Zeus Suppliant attend tous
ceux qui restent insensibles aux plaintes de qui souffre” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 26-27).
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
34 Pelasgo está aludindo a um instituto jurídico grego chamado “epiclerado”, e que talvez, sugere o
rei, tivesse algum equivalente no país de origem das Danaides. Quando a descendência de uma família
encontra-se ameaçada pela falta de um filho homem, a filha (ou filhas), se houver, é uma epicler, ou
seja, poderá ser desposada pelo parente homem mais próximo disponível, que terá, portanto, poder
sobre ela e sua herança. A situação das Danaides preenche estes requisitos e, por isso, a pretensão dos
Egípcios não seria, ao menos a princípio, considerada ilegítima no mundo grego.
35 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 397-401, p. 279. Eis a tradução de Paul Mazon: “Le Roi. — Décider ici
n’est point facile: ne t’en remets pas à moi pour décider. Je te l’ai dit déjá: quel que soit mon pouvoir, je
ne saurais rien faire sans le peuple. Et me garde le Ciel d’ouïr Argos me dire un jour, si pareil malheur
arrivait: ‘Pour honorer des étrangers, tu as perdu ta cité!’” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 27).
36 De fato, esta é a interpretação predominante. Mas há também quem proponha que a Argos da
peça se refira tanto à Atenas quanto à Argos contemporânea a Ésquilo (MEIER, Christian. De la
tragédie grecque comme art politique, p. 111). Há até mesmo quem entenda que o foco de Ésquilo
seja fundamentalmente a Argos de seu tempo, e por duas razões : porque a cidade dos argivos
estaria bastante presente na pauta política do dia em Atenas, pois ali começavam fortes discussões
sobre a possibilidade de fazer uma aliança não com Esparta, mas sim com Argos (aliança que
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Marcelo Alves
ocorrerá em 461 a.C., cerca de dois anos após a apresentação de As suplicantes) e, sobretudo,
porque a peça evocava o fato, ocorrido alguns anos antes da sua apresentação, referente ao asilo
que Argos concedeu, sob certo risco, ao general ateniense Temístocles, acusado e perseguido por
traição (esta criativa hipótese é formulada por PODLECKI, Anthony J. The political background
of Aeschylean tragedy, 42-62). De todo modo, a Argos que teria interessado a Ésquilo é aquela
bastante aparentada politicamente com a sua Atenas: a Argos democrática, e não aquela governada
pela aristocracia.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
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39 No início da peça, o coro reconhece que “O desejo de Zeus não se pode caçar: as densas e
sombrias sendas do seu pensar se prolongam imperscrutáveis” (ÉSQUILO. As suplicantes, v. 88-90,
p. 261).
40 “Devois-je tenter le Destin?” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 27).
41 ARISTÓTELES. A política. Trad. Mário da Gama Kury. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. Livro III, cap. IV, 1279a, p. 90.
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
42 Do ponto de vista de um grego do período clássico, trata-se de uma relação idêntica àquela que
vigorava junto aos povos bárbaros e que Ésquilo apresenta como sendo a visão que as Danaides,
estas bárbaras recém-chegadas das margens do Nilo, têm da política, ao conceberem Pelasgo
como se fosse um Ciro ou um Xerxes (ver v. 370-375), um rei todo poderoso, cuja vontade pessoal
é lei e, portanto, sua relação com os governados é uma relação de mando e não de co-mando.
O tema é caro a Ésquilo, que enfatiza, em Os Persas, o contraste entre o modo como helenos e
bárbaros estabelecem as relações entre governante e governados. O tragediógrafo e guerreiro da
famosa Batalha de Salamina, na qual o poderoso exército de Xerxes sofre uma terrível derrota, faz
dessa diferença um dos fatores que levaram os Persas a serem derrotados pelos Gregos: enquanto
estes lutavam como homens livres, aqueles lutavam como escravos (Cf. ÉSQUILO. Os persas. In:
______. Tragédias. Estudos e traduções de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras: 2009. versos 192-
196, 241-244, 402-405).
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Marcelo Alves
me sigam”, eis tudo o que ele deseja que esteja ao seu lado43. Pelasgo
passa a agir como mais um dos muitos políticos contemporâneos de
Ésquilo, dos quais a própria democracia parece não poder prescindir:
o tragediógrafo não ignora que o campo da política tem a sua lógica, os
seus procedimentos, os seus valores e as suas mazelas.
É por meio de Danao que o espectator/leitor fica sabendo do re-
sultado da assembleia e do teor do decreto que foi proposto para vota-
ção, bem como do papel desempenhado pelo rei:
Votaram os argivos, não ambiguamente,
mas a rejuvenescer meu velho coração.
O céu eriçou mãos destras unânimes
dos que têm o poder desta palavra:
que nós residamos nesta terra, livres,
sem resgaste, com o asilo de mortais,
e que nenhum nativo, nem forasteiro,
nos leve; mas, se houver prepotência,
quem dentre os nobres não nos socorrer,
seja desonrado com exílio desta região.
Com tal fala por nós podia persuadi-los
o rei Pelasgo, advertindo que nunca
no porvir a cidade criasse grande ira
de Zeus Súplice, e dizendo que no país
dupla poluência, hóspeda e cidadã,
seria insuperável pasto de sofrimento.
Ao ouvi-lo, o povo argivo com as mãos
decretou sem arauto que assim fosse.
O povo pelasgo ouviu dócil os volteios
da fala ao povo, e Zeus decretou o termo. 44
43 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 523, p. 285. Eis a tradução de Paul Mazon: “Le Roi. — [...] Que la
Persuasion m’accompagne et la Chance efficace!” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 32).
44 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 605-624, p. 291-293. Eis a tradução de Paul Mazon: “Danaos. —
Argos s’est prononcée d’une voix unanime, et mon vieux coeur s’en est senti tout rajeuni. De ses
droites levées le peuple entier a fait frémir l’éther, pour ratifier ces mots: nous aurons «la résidence
en ce pays, libres et protégés contre toute reprise par un droit d’asile reconnu; nul habitant ni
étranger ne pourra nous saisir; use-t-on de violence, tout bourgeois d’Argos qui ne nous prête aide
est frappé d’atimie, exilé par sentence du peuple». Telle est la formule qu’a défendue notre patron,
le roi des Pélasges, en invitant la cité à ne pas fournir d’aliment pour les jours à venir au terrible
courroux de Zeus Suppliant et en évoquant la double souillure, à la fois nationale et étrangère, que
la ville verrait alors venir à elle, monstre indomptable, qu’il faudrait nourrir des douleurs. A ces
mots, les mains du peuple argien, sans attendre l’appel du héraut, ont prononcé dans ce sens. La
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
nation pélasge s’est rendue aux persuasives raisons d’une adroite harangue; mais Zeus est l’auteur de
la décision dernière” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 35).
45 Em seu famoso Dictionnaire Grec-Français, Bally indica justamente este verso 610 de As
suplicantes, de Ésquilo, como a passagem que serve de fonte primeira, no conjunto dos textos
clássicos, para se entender “asilia” no sentido de “inviolabilidade de uma pessoa” (p. 294).
46 A propósito, será que uma tal mácula, presenciada por seus concidadãos, não afetaria a
legitimidade do rei e, desse modo, ele no fundo cedeu às suplicantes não apenas por razões
religiosas, mas também pessoais e políticas, isto é, por razões complexas como são aquelas que
de fato movem os seres humanos? Esta hipótese é aquela comumente confirmada nas tragédias
gregas (ver, por exemplo, os motivos de Creonte na Antígona, de Sófocles, indicados em ALVES,
Marcelo. Antígona e o direito. Curitiba: Juruá, 2007. p. 73-79). Por sinal, não é raro nem mesmo
que o motivo alegado pelo protagonista dissimule outros que também o levam efetivamente a agir:
como Agamêmnon, que sacrifica a própria filha, Ifigênia, em troca de ventos favoráveis para levar
a frota grega à Tróia, e alega que é o bem da pólis que o força a ceder, mas que aceita oferecê-la em
sacrifício também porque deseja retornar da batalha coberto de glórias, conforme estava previsto
por um oráculo (ver Ifigênia em Áulis, de Eurípides, e Agamêmnon, a primeira peça da Oréstéia,
de Ésquilo) ou como Clitemnestra, sua esposa, que o mata sob o argumento de que devia vingar a
morte da filha, mas que tem um amante e o faz subir ao trono após o assassinato de Agamêmnon
(ver Agamêmnon, de Ésquilo).
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
Nem uma palavra sobre o rei Pelasgo e todo o seu empenho para
convencer os concidadãos! As Danaides agradecem e lançam bênçãos
sobre aqueles aos quais coube a decisão de acolhê-las na cidade, ao mes-
mo tempo em que passam a reconhecer estes como os verdadeiros go-
vernantes de Argos. O raciocínio implícito parece o seguinte: se, no âm-
bito da casa (oikos), quem pode decidir conceder ou não hospitalidade é
aquele que dela é seu senhor, no âmbito da pólis, quem pode decidir pela
hospitalidade é aquele (ou aqueles) que a governa(m). Dito em outros
termos: se, para um Carl Schmitt, por exemplo, quem decide sobre o
estado de exceção é aquele que detém efetivamente o poder soberano48,
para as Danaides, mutatis mutandis, quem decide pela hospitalidade,
quem decide conceder ou não asilo, este é, então, o soberano49. Mas a
aplicação desse raciocínio ao caso de Argos leva as suplicantes a fazerem
uma declaração surpreendente para o contexto em que se passa a peça,
e que reforça o quanto a tragédia está apresentando ao seu espectador/
leitor a instituição mítica de alguns novos procedimentos e concepções
político-jurídicas correntes à época, sobretudo em Atenas: ao proferir
as suas bênçãos sobre “o povo que governa a cidade”, as Danaides estão
se referindo a algo impensável no contexto puramente mítico e a algo
47 ÉSQUILO. As suplicantes, v. 698-703, p. 297. Eis a tradução de Paul Mazon: “Que le Conseil
qui commande en cette cité garde sans trouble ses honneurs, pouvoir prévoyant qui pense pour le
bien de tous! Qu’aux étrangers, avant d’armer Arès, on offre, pour éviter des maux, des satisfactions
réglées par traité!” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 38).
48 “Soberano é quem decide sobre o estado de exceção.” (SCHMITT, Carl. Teologia política. Trad.
Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 07).
49 O próprio papel de Pelasgo, nesse contexto, é ressignificado, torna-se similar àquele do
sábio Equeneu junto ao rei Alcínoo: ele aconselha aquele a quem cabe acolher as súplicas e dar
hospitalidade, propõe-lhe o que deve ser feito, lembra-o sobre os deveres do suplicado e a infalível
vingança de Zeus contra quem não respeita e acolhe o suplicante, mas tudo isso sem esquecer a
quem, em última instância, compete decidir. A democrática Atenas de Ésquilo conheceu muito
bem este tipo de “conselheiro” do povo nas figuras de Temístocles, Címon e Efialtes, cujo poder
dependia diretamente de sua habilidade para convencer e conquistar a opinião favorável dos
cidadãos à sua causa, ou ao menos da maioria, mas uma maioria, note-se bem, jamais conquistada
de uma vez por todas e que, por exemplo, votou a favor do ostracismo dos dois primeiros. Ésquilo
conheceu apenas no início de sua carreira política aquele que seria o mais bem sucedido desses
“conselheiros” atenienses, Péricles, cuja excelência nesse papel fez com que ele fosse percebido
por Tucídides como o verdadeiro governante de sua cidade: “Atenas, embora fosse no nome uma
democracia, de fato veio a ser governada pelo primeiro [melhor] de seus cidadãos.” Tamanho
prestígio, contudo, não evitou que fosse aprovada contra ele, em assembleia, uma pesada multa
(TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, Livro II, caps. 65-66, p. 125-126).
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50 Cf., por exemplo, MEIER, Christian. De la tragédie grecque comme art politique, p. 111, 121.
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
diz estar apenas reavendo o que havia perdido, e isso sob a proteção
de Hermes, o “patrono máximo da busca” (v. 920), afirmação esta ime-
diatamente denunciada como oportunista pelo rei de Argos — “Tendo
falado com Deuses, não os veneras” (v. 921).
A perda das duas outras peçam que integravam a trilogia não per-
mite saber como era o seu desenvolvimento e desfecho. Entre as várias
hipóteses, uma das mais consistentes, que procura articular as versões
do mito das Danaides com o modo como termina As suplicantes e com o
fragmento que sobrou da última peça, é que em Os egípcios haveria uma
guerra, da qual os argivos sairiam de algum modo derrotados e as filhas
de Danao capturadas. Na terceira peça, As danaides, haveria a prática
do assassinato dos maridos na noite de núpcias — reforçando aquela
atitude de contrariedade em relação ao matrimônio e o caráter desme-
dido da conduta das suplicantes — e todas elas acabariam de algum
modo punidas (por exemplo, forçadas a se casar: elas seriam colocadas
como prêmio em uma corrida, em que cada competidor, à medida que
chegasse, pudesse escolher com qual se casaria), com exceção de Hiper-
mnestra, que poupou o seu marido, Linceu, e que, portanto, diferente-
mente de suas irmãs, honrou a deusa Afrodite, aquela que, como o coro
complementar (o coro das servas) de As suplicantes enfatiza, desperta os
desejos, traz consigo a “encantadora persuasão” e promove a harmonia
(v. 1034-1041), aquela que aproxima os casais, que os alicia para o ca-
samento e promove, na mulher, o gosto pela maternidade, sem a qual a
espécie e a comunidade não se perpetuam51.
Mas, à primeira vista, essa hipótese talvez incomode o senso de
justiça do leitor contemporâneo, pois, afinal, Argos teria atendido à sú-
plica e, mesmo assim, acabado injustamente punida, o que, ademais,
comprometeria o elogio feito à soberania do povo e à sua capacidade de
cuidar do bem comum. Se for relembrado que na Tragédia Grega nada
51 Raciocínio que seria reforçado pelo conteúdo dos versos do fragmento preservado de As
danaides, apresentado diretamente na voz de Afrodite: “Holy heaven longs to pierce the ground
and love seizes the earth to join in marriage; the rain, falling from fair-flowing heaven, impregnates
the earth. She brings forth for mortals food for the herds and Demeter’s vital gift, and the fruit of
trees; and all that comes from that watery marriage is accomplished, and of these things I am the
cause.” (AESCHYLUS. Fragment TGF 44 (Danaids). In: GAGARIN, Michael; WOODRUFF, Paul
(Ed.). Early greek political thought from Homer to the Sophists. Cambridge: Cambridge University
Press, 2007. p. 46-47). Vale a pena conferir na íntegra esta interessante interpretação proposta por
MURRAY JR., Robert Duff. The motif of Io in Aeschylus’ Suppliants. Princeton: Princeton University
Press, 1958.
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52 “Grande prole de augusta mãe / escape — è é — / inupta, indômita, ao leito de varões. / Se
não, — gente de negra tez / brunida de sol, / junto ao térreo / hospitaleiro de muitos / Zeus dos
defuntos, / suplicaremos com ramos, / morta nos laços, — / se não tocarmos Deuses Olímpios.”
(ÉSQUILO. As suplicantes, v. 151-161, p. 265). Eis a tradução de Paul Mazon: “(Un peu retenu.) Que
les enfants d’une auguste mère échappent aux embrassements des mâles, libres d’hymen, libres de
joug! (Vif et mordant.) Sinon, avec nos teints brunis des traits du soleil, nous irons, nos rameaux
suppliants en mains, vers le Zeus des enfers, le Zeus hospitalier des morts: nous nous pendrons,
puisque nos voix n’ont pu atteindre les dieux olympiens.” (ESCHYLE. Les suppliantes, p. 18).
53 ÉSQUILO. Agamêmnon. Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, FAPESP,
2004. p. 114-115, v. 177 (no texto em grego). Torrano traduz esta passagem assim: “saber por
sofrer” (v. 178).
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
54 A passagem direta do mundo grego para a Idade Média, operada aqui, não significa que súplica
e hospitalidade, assim como o asilo religioso, não tenham também ocorrido entre aqueles dois
períodos históricos (por exemplo, entre os Romanos) ou mesmo em outras culturas. Trata-se
apenas de um recorte feito pelo fato de o asilo religioso tal como é concebido e praticado pelo
medievo ser aquele imediatamente contra e por meio do qual, em certa medida, se constitui o asilo
político, como será visto.
55 Sem contar aqueles que — simplesmente esmagados por sua “cruz”, por seu destino —
suplicavam junto às igrejas e demais locais sagrados por comida, roupa ou guarida. A súplica dos
mendigos da Cristandade também reproduz a mesma estrutura daquela feita pelos mendigos da
Grécia Antiga: eles pedem em nome de uma divindade (no caso, Deus) e em seu nome agradecem
e abençoam (ou replicam e amaldiçoam). São várias as narrativas populares em que Deus (ou
Jesus, ou qualquer outra divindade) testa a piedade de alguém (normalmente, de um homem rico e
poderoso, mas avarento, ou de alguém sem posses, mas piedoso) apresentando-se a ele disfarçado
de mendigo — exatamente o mesmo expediente usado por Zeus e outras divindades gregas, e que
Homero faz Aquiles usar na Odisséia. Episódio curioso em que um mito grego da hospitalidade
tem repercussão direta no Novo Testamento é aquele narrado em Atos 14: 8-18. Paulo e Barnabé
estavam de passagem pela cidade de Listra, pregando o evangelho. Após Paulo curar um aleijado
de nascença, a multidão entra em alvoroço e grita: “Fizeram-se os deuses semelhantes aos homens,
e desceram até nós”. A Barnabé chamavam de Júpiter (Zeus) e a Paulo, por ser aquele que pregava,
de Mercúrio (Hermes, o mensageiro). Houve até mesmo a tentativa de lhes oferecer sacrifício no
Templo de Júpiter, do qual a multidão foi por fim demovida pelos dois homens, perplexos diante
do que ocorria. Esta reação do povo de Listra deve-se ao mito de Filêmon e Báucis, narrado por
Ovídio, em suas Metamorfoses, e que teria se passado na região onde se encontrava aquela cidade:
Júpiter e Mercúrio teriam descido à terra e após serem várias vezes rechaçados pelos moradores da
região, finalmente receberam a hospitalidade de uma casal de velhos, que foram recompensados,
enquanto o restante dos habitantes foi exemplarmente punido. Diante do milagre operado, os
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Marcelo Alves
habitantes de Listra recordam do mito e se apressam para não correr o risco de cometer novamente
o mesmo erro. Mas a própria bíblia é pródiga na valorização da hospitalidade e também possui
narrativas de semelhantes situações em que hóspedes se revelam divindades. No Novo Testamento,
por exemplo, Pedro, em I Pedro 4:9, e Paulo, em Romanos 12:13, recomendam explicitamente a
prática da hospitalidade. Em Gênesis 18: 1-8 (vale lembrar que este livro do Antigo Testamento
também integra a bíblia hebraica, referência para o judaísmo), Abraão acolhe três estranhos com
uma hospitalidade sem qualquer reserva. Depois, os estranhos revelam-se seres divinos: dois anjos
e o próprio Senhor, que lhe concede a oportunidade de ter um filho, apesar da avançada idade
que ele e sua esposa, Sara, já tinham. Em Gênesis 19: 1-8, é a vez de Ló acolher dois daqueles três
estrangeiros com uma hospitalidade exemplar e, quando os habitantes de Sodoma batem a sua
porta para terem relações sexuais com os estrangeiros, ele lhes oferece as próprias filhas virgens
no lugar de seus hóspedes. Ló será avisado pelos anjos sobre a destruição de Sodoma e poderá,
juntamente com sua família, se salvar.
56 As informações oferecidas neste parágrafo podem ser encontradas reunidas em, por exemplo,
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito de asilo. In: ______. Curso de direito internacional
público. 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Cap. XXXVII, p. 1091-1109.
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os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
57 Tradução livre de: “[...] la tragédie naisse en Occident chaque fois que le pendule de la civilisation
se trouve à égale distance d’une société sacrée et d’une société bâtie autour de l’homme.” (CAMUS,
Albert. Conférence prononcée à Athènes sur l’avenir de la tragédie. In: ______. Théâtre, récits,
nouvelles. Paris: NRF/Gallimard, 1995. p. 1708).
58 Quanto ao papel da religião na política, basta lembrar de um dos principais conselhos que o
pensador florentino dá para o seu príncipe: “E há que se entender o seguinte: que um príncipe, e
especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens
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Marcelo Alves
considerados bons, sendo frequentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade,
a fé, a humanidade, a religião. [...] O príncipe deve, no entanto, ter muito cuidado em não deixar
escapar da boca expressões que não revelem as cinco qualidades acima mencionadas, devendo
aparentar, à vista e ao ouvido, ser todo piedade, fé, integridade, humanidade, religião. Não há
qualidade de que mais se careça do que esta última.” (MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Trad. Lívio
Xavier. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Cap. XVIII, p. 74-75).
59 HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. Respectivamente, Introdução, p. 12 e cap. XVII, p. 147.
60 Ver, principalmente, os capítulo XXIX, XLII e XLIII do Leviatã.
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
61 REZEK, Francisco. Asilo político. In: ______. Direito internacional público. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 214-215.
62 Exemplar, nesse sentido, é a formulação do artigo I da Convenção Interamericana sobre Asilo
Territorial (Caracas, 1954): “Todo Estado tem direito, no exercício de sua soberania, de admitir
dentro de seu território as pessoas que julgar conveniente, sem que, pelo exercício desse direito,
nenhum outro Estado possa fazer qualquer reclamação.” De igual teor e explicitude, é a formulação
do artigo II da Convenção Interamericana sobre Asilo Diplomático (Caracas, 1954): “Todo Estado
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Marcelo Alves
tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que
o nega.” O parágrafo 1° do artigo I e o parágrafo 2° do artigo III da Declaração das Nações Unidas
sobre o Asilo Territorial também vinculam explicitamente o asilo político ao exercício da soberania
estatal. Entre os doutrinadores brasileiros, ver, por exemplo, a interpretação de MELLO, Celso D.
de Albuquerque. Direito de asilo, p. 1092-1093. O comentário de Rezek sobre este ponto assinala o
quanto o direito de asilo é condicionado pelas circunstâncias da política: “Conceder asilo político
não é obrigatório para Estado algum, e as contingências da própria política — exterior e doméstica
— determinam, caso a caso, as decisões de governo.” (REZEK, Francisco. Asilo político, p. 215).
63 O artigo II da Convenção Interamericana sobre Asilo Territorial não poderia ser mais explícito:
“O respeito que, segundo o Direito internacional, se deve à jurisdição de cada Estado sobre os
habitantes de seu território, deve-se igualmente, sem nenhuma restrição, à jurisdição que tem
sobre as pessoas que nele entram, procedentes de um Estado, onde sejam perseguidas por suas
crenças, opiniões e filiação política ou por atos que possam ser considerados delitos políticos.
Qualquer violação da soberania, consistindo em atos de um governo ou de seus agentes contra a
vida e a segurança de uma pessoa, praticados em território de outro Estado, não se pode considerar
atenuada pelo fato de ter a perseguição começado fora de suas fronteiras ou de obedecer a motivos
políticos e a razões de Estado.”
64 Eis o artigo IV da Convenção Interamericana sobre Asilo Territorial: “A extradição não se aplica
quando se trate de pessoas que, segundo a classificação do Estado suplicado, sejam perseguidas
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
asilo para aqueles que tenham praticado “atos contrários aos objetivos e
princípios das Nações Unidas”, ela sequer é aludida, por exemplo, pelas
Convenções Interamericanas — que lhe são posteriores — sobre Asilo
Territorial e Asilo Diplomático. E isso talvez tenha ocorrido pela pressu-
posição de que a qualificação desses atos também fosse de competência
do Estado (pelo menos enquanto não houvesse algo como uma conde-
nação lavrada por um Tribunal Internacional, sem o que a qualificação
e a atribuição desses atos permaneceria apenas no plano da acusação,
pois pressupõem, respectivamente, interpretação — ainda que o pará-
grafo 2 do artigo 1º. procure oferecer um critério objetivo para realizar
esta qualificação: “como definido nos instrumentos internacionais que
contêm disposições relativas a estes crimes” — e comprovação dos fatos
e da autoria), ou que já estivessem de algum modo contemplados pela
restrição anterior ou, ainda, que estes atos simplesmente teriam sido ig-
norados por aquelas Convenções, o que, de qualquer modo, indica a
tendência para pensar o asilo político no estreito contexto do exercício
da soberania nas relações interestatais. Sintomaticamente, o máximo
que a ONU conseguiu produzir no que diz respeito às diretrizes para
a prática do asilo político foi uma Declaração sobre o Asilo Territorial,
por meio da qual a Assembleia Geral tão-somente “recomenda que os
Estados se inspirem” nos princípios ali indicados. Em seu parágrafo 1°
do artigo III, a Declaração esboça uma tentativa de estabelecer algum
direito de asilo ao solicitante (o direito de não ter a sua admissão recu-
sada na fronteira ou, após ter adentrado as fronteiras de outro Estado, o
direito de não ser expulso ou devolvido para qualquer Estado onde pos-
sa sofrer perseguição), que logo sucumbe às exceções reconhecidas pelo
parágrafo seguinte, pois elas restituem ao Estado solicitado a decisão
última sobre a concessão de asilo: “Poderá haver exceções ao princípio
por delitos políticos ou delitos comuns cometidos com fins políticos, nem quando a extradição
for solicitada obedecendo a motivos predominantemente políticos.” O poder unilateral do Estado
asilante em relação à qualificação dos pressupostos para o asilo (ou para sua recusa) é reforçado
pelo artigo XI, que reza: “Em todos os casos em que, segundo esta Convenção, a apresentação de
uma reclamação ou de um requerimento seja procedente, a apreciação da prova apresentada pelo
Estado suplicante dependerá do critério do Estado suplicado.” O texto do artigo IV da Convenção
Interamericana sobre Asilo Diplomático é breve e inequívoco: “Compete ao Estado asilante a
classificação da natureza do delito ou dos motivos da perseguição.” (ver também o artigo IX da
mesma convenção). O parágrafo 3° do artigo I da Declaração das Nações Unidas sobre o Asilo
Territorial preserva, apesar de sua redação intencionalmente mais abrangente, o mesmo espírito:
“Caberá ao Estado que concede o asilo determinar as causas que o motivam.”
96
Marcelo Alves
65 É com desalento que Albuquerque Mello diagnostica: “Na ONU, em 1967, foi aprovada apenas
uma declaração sobre asilo territorial, mas que não é obrigatória e permite ao Estado recusar a
entrada de pessoas perseguidas se tal fato ameaçar a sua segurança nacional, a sua população ou
em caso de afluxo em massa de perseguidos, o que lhe dá quase nenhum alcance.” (MELLO, Celso
D. de Albuquerque. Direito de asilo, p. 1095).
66 Exceção é, por exemplo, a constituição da Guatemala, que assegura ao indivíduo o direito de
asilo. Em contrapartida, um cidadão de um país da União Europeia não está autorizado a pedir
asilo a outro país membro daquele bloco regional, como está consignado em suas Normas mínimas
para la acogida de los solicitantes de asilo en los Estados miembros, de 2003: “La Directiva será
aplicable a todos los nacionales de países terceros así como a las personas apátridas que presenten
una solicitud de asilo en la frontera o en el territorio de un Estado miembro.” Mas aqui, neste
ensaio, interessa a visão predominante, aquilo que ainda marca a compreensão e a prática do asilo
político em termos gerais, do que, aliás, nem mesmo a UE parece conseguir escapar, pois o Estado,
segundo aquelas Normas Mínimas, poderá “limitar las condiciones de acogida o privar al solicitante
de las mismas si este último”, por exemplo, “representa una amenaza para la seguridad nacional”, e
ainda é assegurado ao Estado “el control total del mercado nacional de trabajo, puesto que pueden
determinar los tipos de empleo a los que pueden acceder los solicitantes de asilo, el número de horas
o días al mes o al año durante el cual están autorizados a trabajar, las cualificaciones que deben
poseer, etc.”. A soberania, como se vê, ainda desempenha um papel fundamental para o conceito de
asilo político, mesmo em uma União Europeia, que conferiu aos Estados um poder que nenhum
dos outros documentos da ONU ou da OEA sobre a mesma matéria haviam ousado explicitamente
formular: um controle total sobre o mercado de trabalho em detrimento do asilado, o que gerou
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
mal-estar e uma proposta de revisão desse ilimitado poder conferido ao Estado (ver “Propuesta de
Directiva del Parlamento Europeo y del Consejo de 3 de diciembre de 2008 por la que se aprueban
normas mínimas para la acogida de los solicitantes de asilo (Refundición) – COM(2008) 815 final
– no publicada en el Diario Oficial”. In: CE. Normas mínimas para la acogida de los solicitantes
de asilo en los Estados miembros, 2003. Disponível em:<http://europa.eu/legislation_summaries/
justice_freedom_security/free_movement_of_persons_asylum_immigration/l33150_es.htm>.
Acesso em: 20 nov. 2010. ).
67 O que era arte da prudência para o indivíduo suplicado no mundo grego torna-se, como foi
visto na análise de As suplicantes, arte da política quando aplicado ao âmbito da pólis ou ainda,
respeitadas as diferenças, quando aplicado ao Estado-Nação.
98
Marcelo Alves
68 É de se notar, por exemplo, que o asilo já foi usado explicitamente como arma político-jurídica
para promover e reforçar uma dada concepção política, uma dada ideologia: a Constituição Francesa
de 1793 assegurava o asilo aos estrangeiros perseguidos por defenderem a causa da liberdade, assim
como as constituições dos Estados do bloco soviético consagravam o asilo territorial aos defensores
da liberdade e das classes trabalhadoras (ver MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito de asilo,
p. 1107, notas 8 e 10).
69 Eis o texto do artigo: “Quando um Estado encontrar dificuldade em conceder ou continuar
a conceder asilo, os Estados, individualmente ou em conjunto, ou por intermédio das Nações
Unidas, considerarão, com espírito de solidariedade internacional, as medidas necessárias para
aliviar a oneração desse Estado.”
70 Artigo XVIII da Convenção Interamericana sobre Asilo Diplomático. Não é demais lembrar
que o asilo diplomático é aquele que, segundo o artigo I desta mesma convenção, pode ser dado
nas legações (sede de toda missão diplomática ordinária, a residência dos chefes de missão, e os
locais por eles destinados para esse efeito, quando o número de asilados exceder a capacidade
normal dos edifícios), navios de guerra, acampamentos e aeronaves militares. Observe-se ainda
que se trata de instituto amplamente praticado e reconhecido como direito apenas no âmbito dos
países latinoamericanos, entre eles, o Brasil, que protagonizou, por exemplo, em 2009, o episódio
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O NASCIMENTO DO CONCEITO DE ASILO POLÍTICO NA TRAGÉDIA GREGA:
os dilemas da política em As Suplicantes, de Ésquilo
envolvendo Manuel Zelaya, presidente de Honduras: após deposto e enviado para fora do país, ele
retorna e fica asilado na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Durante o episódio, Zelaya se mostrou
um péssimo “hóspede” — de dentro da própria embaixada, ele proferiu discursos veementes e
procurou mobilizar a população para retornar ao poder — e o nosso governo foi bastante conivente
com a flagrante transgressão deste mesmo artigo XVIII da Convenção Interamericana sobre Asilo
Diplomático, o que confirma a subordinação do instituto do asilo político, ainda mais do asilo
diplomático, às circunstâncias políticas.
71 As duas primeiras citações referem-se, respectivamente, aos artigos VII e VIII da Convenção
Interamericana sobre Asilo Territorial, e a terceira citação é extraída do artigo IV da Declaração das
Nações Unidas sobre o Asilo Territorial.
100
Marcelo Alves
72 Naquele sentido que Hobbes estabeleceu, citando justamente o Livro de Jó, para comparar o
Estado (Commonwealth) ao Leviatã bíblico: “Não há nada na Terra, disse ele [Deus], que se lhe possa
comparar.”(HOBBES. Thomas. Leviatã, cap. XXVIII, p. 271). Em termos hobbesianos, significa
dizer: não há poder maior que possa ser criado pelos homens e, ao mesmo, ao qual se deva maior
obediência, pois foi por um ato voluntário que os homens decidiram a ele se submeter e é a ele
que eles devem, de modo imediato, a proteção e a promoção de suas vidas. São, como se pode ver,
motivos humanos, causas humanas que produzem e alimentam este poder irresistível do Estado.
73 “Não se pode falar em extraterritorialidade da missão, uma vez que o asilado se encontra dentro
do Estado de cujas autoridades ele foge; apenas ele não se encontra sujeito à jurisdição do Estado
territorial. A teoria da extraterritorialidade foi completamente abandonada. Atualmente fala-se em
inviolabilidade e imunidade de jurisdição dos imóveis da Missão Diplomática, o que fundamenta
o asilo diplomático, uma vez que o Estado territorial não pode mais submeter o asilado à sua
jurisdição.” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito de asilo, p. 1101). Em relação ao asilo
territorial, não há dúvidas, como já foi visto, de que a soberania, especialmente no que diz respeito
à jurisdição do Estado asilante, é determinante para a concessão ou recusa de asilo. De todo modo,
é instrutivo reler o paradigmático artigo II da Convenção Interamericana sobre Asilo Territorial,
citado na nota 63.
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Referências
Fontes e comentários
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Documentos jurídicos
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TUCÍDIDES E AS
RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
um breve ensaio1
Gabriel Geller Xavier2
Introdução
As relações internacionais se consolidaram como área de conhe-
cimento alicerçando-se sobre duas correntes teóricas, o realismo e o
idealismo. A primeira surgiu como resposta ao período idealista3 que o
1 Devo, antes de tudo, agradecer a aquelas pessoas e instituições que viabilizaram e contribuíram
para a elaboração deste ensaio: ao Estado de Santa Catarina que através da bolsa de pesquisa
concedida com base no Art. 170 de sua Constituição fomentou o desenvolvimento da pesquisa
inicial deste ensaio; ao Prof. MSc. Marcelo Alves, pela imprescindível orientação, sem a qual este
trabalho não seria possível; ao Prof. MSc. Raphael Spode, que com prestimosa atenção e gentileza
acolheu-me como orientando, apoiando e incentivando a elaboração final deste trabalho; ainda,
ao Núcleo de Filosofia Antiga da Universidade Federal de Santa Catarina, em especial a Profa.
Dra. Arlene Reis, presença constante, pela incansável atenção e estímulo no estudo da Filosofia e
História Grega Antiga; e ao Prof. Dr. Nazareno Eduardo de Almeida que, com suas aulas, mostrou-
me que é possível aprender o grego antigo.
2 Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí e bacharel em
Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é mestrando em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Grupo de Pesquisa do Núcleo de Filosofia
Antiga. E-mail para contato: ggx@ibest.com.br
3 O período idealista localiza-se entre as duas grandes guerras e pretendia introduzir no cenário
internacional projetos inspirados em ideais éticos, como a Liga das Nações. Para uma exposição
aprofundada do surgimento e do modo de pensar do período idealista e realista, ver: CARR.
Edward H. Vinte Anos de Crise 1919 – 1939: uma introdução ao estudo das Relações Internacionais.
Trad. Luiz Machado. 2ª Ed. Brasília: UnB, IPRI, 2001.
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
108
Gabriel Geller Xavier
4 Os problemas de uma séria tradução, direta do grego clássico para um idioma vernáculo, da
Guerra do Peloponeso começam pelos problemas de manuscritos inevitavelmente enfrentados
por aquele que pretende realizar uma tradução com precisão conceitual. O fato de existirem
diversos manuscritos do texto de Tucídides exige daquele que quer maior rigor em sua tradução
conhecimento filológico, pois somente assim, diante de um conjunto de manuscritos conseguirá
justificadamente estabelecer o texto grego, para então iniciar a tradução. A problemática dos
manuscritos é salientada por Hemmerdinger: “A tradição dos manuscritos de Tucídides é
contaminada, o que para a sistemática filológica é um mal sem remédio. Todavia, não estamos
completamente desarmados diante a contaminação, pois podemos, ao menos, demonstrar
sua existência. Com efeito, para provar que uma tradição de manuscritos é contaminada e que
perderíamos tempo em querer estabelecer um sistema filológico preciso e completo, é suficiente
demonstrar a instabilidade das constelações, ou seja, dos grupos de manuscritos apresentando
a mesma lição”. Tradução livre de: HEMMERDINGER, Bertrand. Essai sur l’histoire du texte de
Thucydide. Paris, Les belles lettres, 1955. p. 10. Há, contudo, aqueles que realizam suas traduções
da Guerra do Peloponeso a partir de textos já estabelecidos, que também são diversos, e que se
consultados aleatoriamente para compor uma tradução podem comprometê-la, uma vez que os
estabelecimentos são feitos de diversos manuscritos e com perspectivas distintas. Diante dessa
dificuldade do tradutor frente à obra de Tucídides, optou-se sempre que possível, pela tradução
francesa de Jacqueline de Romilly em razão de a tradutora fazer o trabalho filológico de consultar
os diversos manuscritos e estabelecer o texto grego, para, então, fazer a tradução, bem como, pelo
texto ser apresentado em uma edição bilíngüe oferecendo um recurso a mais para o leitor, além de a
tradutora possuir reconhecido conhecimento do autor grego em questão. No Brasil há, para o livro
I da Guerra do Peloponeso, uma boa edição bilíngüe com tradução de Anna Lia Amaral de Almeida
Prado do texto estabelecido por Jacqueline de Romilly, assim, optou-se pela utilização desta edição
na elaboração desse ensaio. Para o desenvolvimento do terceiro momento do trabalho foi adotada
a tradução italiana de Luciano Canfora do episódio entre os Mélios e Atenienses publicada em
edição bilíngüe e acompanhada de minucioso estudo, feita a partir do texto estabelecido por J. E.
Powell. A única tradução integral da obra de Tucídides até então disponível em português é a de
Mário da Gama Kury, uma boa tradução por ser bastante acessível, porém, adota mais de um texto
estabelecido e carece de uma relação maior com os manuscritos.
5 Cf. ROMILLY, Jacqueline de. História e Razão em Tucídides. Trad. Tomás Rosa Bueno. Brasília:
UnB, 1998. p. 61.
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6 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I. Trad. Anna Lia Amaral de Almeida
Prado. São Paulo: Martins Fontes, 1999. cap. I, p. 3.
7 Cf. ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. O logos de Tucídides sobre a guerra. Clássica. São
Paulo, Ano 2. V-2, 1989. p. 10.
8 ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. O logos de Tucídides sobre a guerra, p. 11.
9 ROMILLY, Jacqueline de. História e Razão em Tucídides, p. 37.
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
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Gabriel Geller Xavier
manter neutra nesta rusga, pois qualquer divergência que pudesse vir a
acontecer neste tenso cenário acabaria por se refletir no antagonismo de
forças representadas por Esparta e Atenas, desde as guerras médicas.
Em razão do êxito obtido no confronto entre os corcireus e os co-
ríntios, os atenienses – temendo a vingança de Corinto – ordenaram aos
que habitavam Potidéia12, importante colônia dos coríntios, a se entrega-
rem como reféns. Tal fato comprometeu definitivamente as relações en-
tre Corinto e Atenas, pois ao ver sua colônia sitiada pelos atenienses, os
coríntios se posicionaram como liderança ante às outras poleis, as quais
se sentiam intimidadas e em perigo com a expansão do império atenien-
se, impelindo-as a se apresentarem diante de uma assembléia espartana.
Na assembléia, os representantes das várias cidades-estado apre-
sentaram suas queixas aos espartanos. Em seguida, vieram os coríntios e
dessa forma incitaram os lacedemônios à guerra contra os atenienses:
Muitas vezes, quando anunciávamos de antemão os danos que iríamos sofrer
por parte dos atenienses, do que cada vez vós instruíamos não tirastes uma
lição; antes suspeitáveis que os oradores falassem por causa de suas próprias
divergências; e foi por isso que, não antes de serdes afetados, mas quando
estávamos já no decurso da ação, convocastes os aliados aqui presentes. Entre
eles não é a nós que menos cabe falar, tanto mais que motivos muito graves
temos nós que dos atenienses sofremos a violência e, de vós, a indiferença.
[...] A custo agora reunimo-nos, mas nem agora com disposições claras. Não
deveríamos estar ainda examinando se nossos direitos são feridos, mas como
nos defenderemos: os que agem deliberadamente contra indecisos não hesitam
em atacar. [...] Que este momento, portanto, marque o fim de vossa lentidão:
agora aos outros e aos potideatas sobretudo, como prometestes, prestai auxílio
invadindo com rapidez a Ática para não abandonar aos piores inimigos homens
que são amigos e consangüíneos vossos e para não levar a nós outros a procurar
pelo desânimo uma outra aliança.13
Os coríntios, com este discurso, mostram que os aliados a Esparta
veem-se ameaçados por Atenas e os episódios com Córcira e Potidéia,
os quais aparentemente motivaram a assembléia, são, na verdade, parte
de um plano que os atenienses estavam preparando, pois o aumento da
frota e o apoio de um maior número de colônias representam o crescen-
te poder ateniense. Por isso, exigem que os lacedemônios voltem seus
ouvidos para as queixas e considerem o perigo de uma guerra iminente.
12 Colônia de Corinto, estabelecida no istmo de Palene. Cf. TUCÍDIDES. História da Guerra do
Peloponeso: livro I, cap. LVI, p. 75.
13 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, cap. LXVIII–LXXI, p. 89-95.
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
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Gabriel Geller Xavier
15 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, notas 184 e 187, p. 219.
16 Cf. ROMILLY, Jacqueline de. Thucydide et l’Imperialisme Athénien: la pensée de l’historien et la
gênese de l’œuvre. 2 ed. Paris, Les Belles Lettre, 1951. p. 213-214.
17 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, cap. LXXX, p.113.
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
Sabiam muito bem que não eram deuses, [...] e que os deuses não demoravam
a abater sem piedade os que tentavam imitar a divindade, e que de todas as
qualidades dos homens, gostavam sobretudo da modéstia e do respeito.18
Para o rei lacedemônio era necessário comedimento, em outras
palavras, medida, prudência para enfrentar uma guerra de tamanho
porte, como a que se encontrava em iminência. Além disso, era propício
clamar por comedimento, visto que Atenas havia sido há pouco acusada
de desmedida. Assim, a fala espartana ganha a dimensão de um pedido
por cautela e serve como um aviso aos atenienses para se precaverem
com a sua desmedida e orgulho.
Tucídides deixa nítido esse caráter ambicioso e desmedido de
Atenas ao dedicar uma boa parte do livro I à apresentação da formação
do império Ateniense19, lá o historiador narra como se formou a Liga
de Delos, bem como, a forma com que Atenas liderava a liga. Nessa
parte da narrativa fica claro aos olhos do leitor a postura ambiciosa e
dominadora de Atenas diante dos aliados da liga: submissão, cobranças
de altos tributos e recursos militares eram as suas principais exigências.
Tucídides evidencia isso ao escrever:
Tendo os atenienses assumido dessa maneira o comando com o beneplácito
dos aliados por causa da hostilidade contra Pausânias, fixaram quais cidades
deveriam contribuir com dinheiro para a luta contra o bárbaro e quais com
navios, a pretexto de devastar os territórios do Rei como represália do que
haviam sofrido. Foi então que pela primeira vez entre os atenienses se instituiu
a magistratura dos helenotâmios que recebiam o fóros; foi esse o nome dado
a contribuição em dinheiro. O primeiro fóros foi fixado em quatrocentos
e sessenta talentos, Delos era a cede do tesouro e as reuniões se faziam no
santuário. [grifou-se]20
A partir desse trecho narrado pelo historiador grego pode-se per-
ceber a natureza dominadora e ambiciosa da ação ateniense, pois insti-
tuiu de forma arbitrária o pagamento de altos tributos (fóros) e recursos
18 KITTO, H. D. F. Os Gregos. Trad. José Manuel Coutinho e Castro. 3. ed. Coimbra: Armênio
Amado, 1990. p.16.
19 Essa parte da obra é conhecida pelos comentadores como Pentecontaetia por narrar os cinco
decênios que separa as guerras médicas da Guerra do Peloponeso, ou seja, uma breve história de
como Atenas formou o seu império. Cf. TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I. Cap.
LXXXIX – CXVIII e VIDAL-NAQUET, Pierre. Razão e contra-senso na história. In:_________.
Os Gregos, Os Historiadores, A Democracia: o grande desvio. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. p. 97.
20 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, cap. XCVI, p. 129.
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Gabriel Geller Xavier
21 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, p. 222, notas 223 e 224.
22 O helenista inglês Kitto expõe como Atenas se utilizou dos fundos da liga: “Os Fundos da Liga
estavam a acumular-se e os templos [atenienses] destruídos pelos Persas não tinham ainda sido
reconstruídos. Parte da política de Péricles – continuação da de Pisístrato – destinava-se a tornar
Atenas o centro artístico, tanto como intelectual e político, da Grécia, e a cidade via-se a braços
com o problema do desemprego. O Pártenon, a magnífica entrada para a Acrópole, flanqueada
de galerias de pintura – estes e outros edifícios eram o resultado dessas necessidades e aspirações.
Houve protestos, mesmo na cidade, mas Péricles respondeu que os aliados pagavam a Atenas para
que ela os protegesse, e não pagavam quantias exorbitantes; eram protegidos, a esquadra ateniense
era altamente eficiente e havia uma reserva substancial de dinheiro. Atenas achava-se no direito
de gastar os excedentes em tais edifícios e estátuas, que dignificavam a cidade e toda a Grécia”.
(KITTO, H. D. F. Os Gregos, p. 198-199).
23 KNOX, Bernard. Édipo em Tebas: o herói trágico de Sófocles e seu tempo. Trad. Margarida
Goldsztyn. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 50-51.
24 KNOX, Bernard. Édipo em Tebas: o herói trágico de Sófocles e seu tempo, p. 47.
117
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
Logo, a polis ateniense era tyrannos pela forma como realizara sua
política externa, guiada pela ambição ao qual decidiu por iniciar uma
guerra para manter o que conquistou, bem como para conquistar mais
poder e fomentar seu imperialismo. São estas características da polis
tyrannos que fazem de Atenas alvo de temor, hostilidade e desconfiança
por parte das demais cidades-estado gregas.
Para Tucídides, foi a hostilidade e a desconfiança para com Ate-
nas que levou os coríntios a se apresentarem queixosos na assembléia
espartana, da mesma forma que foi o temor motivo da entrada de Es-
parta na guerra, como revela o seguinte trecho:
Os lacedemônios votaram que o tratado [Tratado de Paz de Trinta Anos
acordado em 446 a.C.] estava rompido e que se deveria fazer a guerra, não tanto
por terem sido persuadidos pelos discursos dos aliados, mas porque temiam
que fosse mais longe o poder dos atenienses vendo que eles já tinham em suas
mãos a maior parte da Hélada.25
O temor, portanto, se configura como a motivação que arrasta
Esparta para o início da guerra. Como bem assinala a helenista francesa
Jacqueline de Romilly,
[…] os lacedemônios se atemorizavam não com a sorte que os esperava ou
com as tentativas que Atenas imediatamente faria, mas com a vantagem que ela
levava pouco a pouco.26
Ou seja, o que os espartanos temem é a maximização paulatina
do poder ateniense e decidem entrar na guerra para colocar barreiras à
expansão da polis tyrannos. Ao fazer isso, os lacedemônios promovem a
chamada política de “equilíbrio de poder”, pois é na tensão gerada pelo
conflito que se produz o equilíbrio de forças. 27
118
Gabriel Geller Xavier
28 De acordo com Marshall Sahlins “Tucídides referia-se ao império ateniense como arché, a
substantivação do verbo ‘comandar’, e alguns classicistas, reconhecendo a peculiaridade do caso
adotaram esse nome. […] a originalidade do poder ateniense é tal que o vocabulário moderno
não fornece um nome apropriado para ele.” (SAHLINS, Marshall. História e Cultura: apologias
a Tucídides. Trad. Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p. 103). A
palavra grega arché tem múltiplos sentidos, e parece que Tucídides a emprega para designar um
tipo peculiar de poder exercido por Atenas na Hélade, cuja característica é o exercício de uma
liderança, de um predomínio fundado na força, no medo e na admiração sobre as cidades-estado
gregas. Imperialismo talvez não seja a melhor tradução para arché, mas na falta de outra palavra
que remeta a um sentido mais próximo ao que, de fato, a palavra grega expresse, optou-se por
utilizá-la. Sobre o termo arché, consultar também nota 40 e 63.
29 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso: livro I, cap. XXIII, p. 33. Esse pensamento
em Tucídides ganha contornos mais claros na assembléia em Esparta na qual “os quatro discursos
que comporta tratam do imperialismo ateniense em seu conjunto, mais que de conflitos precisos
resultantes de recentes diferenças”. Tradução livre de: “[…] les quatre discours qu’elle comporte
traitent de l’impérialisme athénien dáns son ensemble, plus que des conflits précis résultant des récents
différends”. (ROMILLY, Jacqueline de. Thucydide et l’Imperialisme Athénien: la pensée de l’historien
et la gênese de l’œuvre, p. 24-25).
30 AUBENQUE, Pierre. A prudência em Aristóteles. Trad. Marisa Lopes. São Paulo: Discurso
Editorial, 2003, p. 7.
119
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
31 Jacqueline de Romilly em sua já clássica obra Thucydide et L’Impérialisme Athénien tem por
objetivo demonstrar essa tese, a saber, de que a guerra é o desdobramento do imperialismo ateniense
em curso: “Estabelecemos assim qual lugar do imperialismo na sua história [de Tucídides] e sob
quais aspectos ele se apresenta: essa dupla delimitação nos fornecerá indicações sobre a forma com
que ele considera”. Tradução livre de: “Nous établirons ainsi quelle place l’impérialisme athénien
ocuppe dans son histoire, et sous quel aspect il se présente: cette double délimitation nous fournira déjà
des indications sur la façon dont il le juge” (ROMILLY, Jacqueline de. Thucydide et l’Imperialisme
Athénien, p. 20).
120
Gabriel Geller Xavier
havia aquelas pessoas de satisfações rápidas, tendendo a seus prazeres, pois eles
próprios [sómata] como seus bens estavam, a seus olhos, sem futuro. Lutar com
antecedência para uma finalidade considerada bela não inspira zelo a ninguém,
pois dizem que não poderiam saber se, antes de conseguir sua finalidade, não
teriam morrido: a aprovação imediata e tudo o que, qualquer que seja a origem,
poderia vantajosamente contribuir, viola o que tomou o lugar [a natureza]
do belo [kalón] e do útil. Medo dos deuses ou das leis dos homens, nada os
detinham: de um lado, julgavam igual se mostrar piedosos ou não, desde que
viram todos perecerem de igual modo, e, em caso de atos criminais, ninguém
esperava viver o suficiente para que o julgamento tivesse vez e submeter-se a sua
pena: por outro lado, pesada era a ameaça da peste a qual estavam já condenadas;
e, antes de verem-se abatidos, achavam normal apreciar um pouco da vida.32
Nessa passagem da descrição da peste, é bastante nítida a preocu-
pação de Tucídides não somente com as perdas humanas, mas, sobre-
tudo, com o ambiente caótico que a peste suscita. Uma vez que a peste
se estabeleceu na polis, introduziu consigo a anomia, palavra que para
os gregos tem um sentido amplo, pois a nomos, comumente traduzi-
da como lei, significa mais do que atualmente entende-se por lei, inclui
não somente a lei escrita como também todos os hábitos do cidadão33.
Assim, o que Tucídides já adverte no início da passagem citada, e que
é apresentada na seqüência de sua exposição, é que a peste não atinge
somente a estrutura fisiológica do homem, como também a estrutura
psicológica e moral do cidadão, adoecendo também o corpo político,
a polis. Essa desordem moral se dá devido à instabilidade que a peste
causa, nessa situação em que muitas mortes acontecem e a vida pode, a
32 Tradução livre de: “D’une façon générale, la maladie fut, dans la cite, à l’origine d’un désordre
moral croissant. L’on était plus facilement audacieux pour ce à quoi, auparavant, l’on ne s’adonnait
qu’en cachette: on voyait trop de retournements brusques, faisant que des hommes hier sans ressources
héritaient aussitôt de leurs biens. Aussi fallait-il aux gens des satisfactions rapides, tendant à leurs
plaisir, car leurs personnes comme leurs biens étaient, à leurs yeux, sans lendemain. Peiner à l’avance
pour un but jugé beau n’inspirait aucun zèle à personne, car on se disait que l’on ne pouvait savoir si,
avant d’y parvenir, on ne serait pas mort: l’agrément immediat et tout ce qui, quelle qu’en fût l’origine,
pouvait avantageusement y contribuer, violà ce qui prit la place et du beau et de l’utile. Crainte de
dieux ou loi des hommes, rien ne les arrêtait: d’une part, on jugeait égal de se montrer pieux ou
non, puisque l’on voyait tout le monde périr semblablement, et, en cas d’actes criminels, personne ne
s’attendait à vivre assez pour que le jugement eût lieu et qu’on eût à subir sa peine: autrement loude
était la menace de celle à laquelle on était déjà condamné; et, avant de la voir s’abattre, on trouvait
bien normal de profiter un peu de la vie” (THUCYDIDE. La guerre du Péloponese: livre II, cap. LIII.
Trad. Jacqueline de Romilly. Paris, Les Belles Lettre, 1962. p. 39).
33 Werner Jaeger resgata o sentido de nomos: “[...] nomos, no sentido original da palavra: uma
tradição oral válida, da qual apenas algumas leis fundamentais e solenes – as rhetra – foram fixadas
por escrito” (JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 110).
121
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
34 Tradução livre de: “[...] the unseemly use that desperate people made of their own lawful property.
Here, as throughout his account of the plague, Thucydides looks back to Perikles’ famous funeral
oration, which immediately precedes it. Perikles had praised the Athenians for eschewing conspicuous
consumption, and for instead regarding their considerable wealth as a resource for public action”.
(ORWIN, Clifford. Stasis and plague: Thucydides on the Dissolution of Society. The Journal of
Politics, vol. 50, n.4, nov. 1988. p. 831-847. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=0022-
3816%28198811%2950%3A4%3C831%3ASAPTOT%3E
2.0CO%3B2-K>. Acesso em: 27 jun. 2007, p. 841).
35 PLATÃO. A República. Trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes,
2006. 435c, p. 158.
36 Kalón ou belo tem um significado amplo para os gregos, quer dizer o que é digno de honra,
nobreza e fineza.
122
Gabriel Geller Xavier
é violada e onde ela pairava, o que toma o lugar é o que é mais desprezível
no comportamento humano. Com colapso do que é digno de beleza e
com a emergência do comportamento vil do homem advém à ausência
de medo das leis tanto dos homens quanto dos deuses, pois
se os deuses não podem ou não protegem seus devotos, porque pensar que
eles puniriam transgressores? [E] as leis dos homens falham porque lei é lei
(o que quer dizer é efetiva como lei) somente quando são comandadas e não
meramente conselhos, e é comando somente onde é punível.37
Ou seja, no ambiente desordenado da peste, do homem é arran-
cada sua suscetibilidade ao que é belo, seu sentido de honra e justiça,
nesse contexto o homem perverte - inverte - esses valores em troca da
satisfação imediata dos seus prazeres. Dessa forma, através do relato de
um fato ocorrido em Atenas e da narrativa do comportamento humano
diante do acontecimento é que Tucídides evidencia de maneira clara, a
importância da organização política interna da polis, uma vez que so-
mente nesta esfera é possível a instalação de ideais éticos que norteiam
a conduta humana ao convívio pacífico e a busca ordenada por seus
interesses, que por serem conduzidos por ideais éticos, beneficia a toda
a polis. Todavia, não é este o único momento em que Tucídides tentando
mostrar a importância da organização política interna da polis apresenta
a inversão dos valores morais vigentes na cidade-estado.
Depois da eclosão da guerra, em Córcira acontece uma terrível
e sangrenta guerra civil devido à insurgência dos cidadãos contra os
oligarcas. Uma rebelião (stasis) envolveu Córcira assim que os coríntios
libertaram prisioneiros corcireus, com o intuito de fazer com que esta
voltasse novamente para o seu lado. Os prisioneiros, por sua vez, haviam
sido pagos para induzir o povo a rebelar-se contra Atenas. Em conferên-
cia, o povo resolveu continuar a ser aliado dos atenienses. Diante desse
desfecho, os prisioneiros que haviam voltado de Corinto submeteram
Pítias38 a julgamento, acusando-o de tentar escravizar Córcira a Ate-
nas, mas este foi absolvido e, logo, levou a julgamento os cinco homens
mais abastados da polis, alegando que estavam cortando cepa de terras
37 Tradução livre de: “If the gods cannot or will not protect their worshippers, why think that they
would punish transgressors? Law of men fails because law is law (that is to say is effective as law) only
when it commands and not merely counsels, and it commands only where it can punish”. (ORWIN,
Clifford. Stasis and plague:Thucydides on the Dissolution of Society, p. 842).
38 Próxeno voluntário de Atenas em Córcira e membro do senado corcireu.
123
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
39 Tradução livre de: “La mort revêtit toutes les formes et, comme cela se produit en pareil cas, on ne
recula devant rien, - et pis encore. Le père tuait son fils, les suppliants étaint arrachés des sanctuaires
ou tués sur place, certains périrent meme emmurés dans le sanctuaire de Dionysos” (THUCYDIDE.
La guerre du Péloponese: livre III, cap. LXXXI, p. 56).
40 Em grego génos significa família, mas também gênero, geração, descendência e nascimento. Ou
seja, a palavra é utilizada para determinar um grupo que tenha a mesma proveniência, origem,
124
Gabriel Geller Xavier
começo e princípio. A palavra grega utilizada para designar o “começo” e o “princípio” é arché que
segundo Werner Jaeger significa “começo” não apenas como início temporal, “mas ainda arché,
origem ou fonte espiritual, a que sempre, seja qual for o grau de desenvolvimento, se tem de regressar
para encontrar a orientação”. (JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego, p. 5).
41 Tradução livre de: “[...] keeping the struggle for private good within reasonable bounds”. (ORWIN,
Clifford. Stasis and plague: Thucydides on the Dissolution of Society, p. 837).
42 Tradução livre de: “En vérité, la parenté même devint un lien moins étroit que le parti, où l’on
était prêt davantage oser sans détour; car ces réunions-là, au lieu de respecter les lois existantes en
visant à l’utilité, violaient l’ordre établi, au gré de la cupidité. Et les engagements mutuels tiraient
moins leur force de la loi divine que de l’illégalité perpétrée em commun”. (THUCYDIDE. La guerre
du Péloponese: livre III, cap. LXXXII, p. 58).
125
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
guerra. Essa parte da obra a que se segue da guerra civil de Córcira é co-
nhecida entre os comentadores como Patologia (cap. 82-3 do livro III),
é a respeito de tais acontecimentos que o historiador começa a tecer suas
considerações atingindo um nível mais abstrato de reflexões, segundo
Anna Lia Almeida Prado,
43 Tradução livre de: “[...] trust disapears from society, and with it society itself. Stasis destroys
nothing less than the infrastructure of civil trust. Seem as it might that trust among citizens must
depend upon their treating one another decently, in fact it is rather their decent behavior which
proves to turn upon their mutual trust”. (ORWIN, Clifford. Stasis and plague: Thucydides on the
Dissolution of Society, p. 837).
44 E aqui não se pode esquecer que o conflito interno em Córcira foi, de certa maneira, agravado por
motivos externos, a guerra fez com que uma facção defendesse a submissão da colônia a Atena e a
outra certa neutralidade conveniente aos Lacedemônios, e as duas potências, ávidas pela submissão
da cidade, cercavam-na para garantir que nenhuma fosse tomar a Cidade, fragilizada pela revolta
civil. (THUCYDIDE. La guerre du Péloponese: livre III, caps. LXXVI–LXXXI, p. 53-56).
126
Gabriel Geller Xavier
45 ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. O logos de Tucídides sobre a guerra. Clássica, p. 12.
46 ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. O logos de Tucídides sobre a guerra. Clássica, p. 13.
47 Tradução livre de: “A la faveur des troubles, on vit s’abattre sur les cités bien des maux, comme il s’en
produit et s’en produira toujours tant que la nature humaine restera la même, mais qui s’accroissent ou
s’apaisent et changent de forme selon chaque variation qui intervient dans le conjonctures. En temps
de paix et de prospérité, les cités e les particuliers ont un esprit meilleur parce qu’ils ne se heurtent pas
à des necessités contraignantes; la guerre, qui retranche les facilités de la vie quotidienne, est un maître
127
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
aux façon violentes, et elle modele sur la situation les passions de la majorité” (THUCYDIDE. La
guerre du Péloponese: livre III, cap. LXXXII, p. 57).
48 Marshal Sahlins sobre essa passagem da obra comenta: “Para Tucídides, as atrocidades com
os corcireus eram sobretudo antiestruturais [no sentido em que corroi as estruturas básicas da
sociedade]. Representavam a inclinação humana natural para o auto-interesse implacável contra
o qual toda convenção e moralidade se tornavam impotentes” (SAHLINS, Marshall. História e
Cultura: apologias a Tucídides, p. 28).
49 ALMEIDA PRADO, Anna Lia Amaral de. O logos de Tucídides sobre a guerra. Clássica, p. 13.
128
Gabriel Geller Xavier
50 Tradução livre de: “On changea jusqu’au sens usuel des mots par rapport aux actes, dans les
justifications qu’on donnait. Une audace irréfléchie passa pour dévouement courageaux à son parti,
une prudence reservée pour lâcheté déguisée, la sagesse pour les masque de la couardise, l’intelligence
em tout pour une inertie totale; les impulsions précipitées furent comptées comme qualité virile, et les
délibérations circonspectes comme un beau pretexte de dérobade. Les mécontents obtenaient toujours
la confiance, et leurs contradicteurs la défiance. Intelligent était celui dont l’intrigue avait réussi, plus
habile encore qui avait su la pénétrer; mais qui avait d’avance réussi, lui, à dispenser de telles menées,
était un briseur de parti, épouvanté par l’adversaire. Bref, être le premier dans cette course au mal
vous valait des louanges, et aussi d’y pousser qui n’y songeait pas. […] La plupart des hommes aiment
mieux être appelés des sots en étant honnêtes: de ceci, ils rougissent, de l’autre, ils s’enorgueillissent”
(THUCYDIDE. La guerre du Péloponese: livre III, cap. LXXXII, p. 58).
129
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
51 Sobre o paralelo entre o episódio da peste e da stasis, bem como o posicionamento de Tucídides
diante desses fatos, Werner Jaeger afirma que o historiador descreve “[...] o enorme efeito político
de um acontecimento elementar como a peste, que destrói toda a disciplina e acarreta danos
incalculáveis, e tira partido dos horrores da revolução de Corcira, intimamente ligados à evocação
da peste, para explicar amplamente a decomposição moral da sociedade e a transmutação de todos
os valores, originada por uma guerra longa e pelas lutas desenfreadas dos partidos. É precisamente
o paralelo com a peste que sublinha a atitude de Tucídides nestes assuntos. Não é uma atitude
moralizante. Como na questão das causas do conflito, a solução por ele apresentada é análoga a um
diagnóstico médico perspicaz. A sua descrição da decadência da ética política é uma contribuição
para a patologia da guerra”. (JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego, p. 458-9).
52 KITTO, H. D. F. Os Gregos, p. 124.
130
Gabriel Geller Xavier
grega é descrever a totalidade da vida dos Gregos. [...] A polis é o marco social
da história da formação grega53.
A extrema importância conferida à unidade política e ao papel
do cidadão encontra voz na famosa concepção aristotélica de homem
como zoon politikon, ou seja, o homem como animal político-social:
[...] a cidade é uma criação natural, e [...] o homem é por natureza um animal
social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte
de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade (como o
‘sem clã, sem leis, sem lar’ de que Homero fala com escárnio, pois ao mesmo
tempo ele é ávido de combates), e se poderia compará-lo a uma peça isolada do
jogo de gamão54.
A vida em sociedade é ao que o homem naturalmente tende, já
que é um animal social e é somente na polis que pode exercer plenamen-
te suas capacidades, pois é na unidade política que o homem deixa de
ser um indivíduo e passa a ser parte de um contexto social, fora do qual
ele não faz sentido55.
Tucídides é um cidadão ateniense que viveu o “período de ouro”56
de sua polis, e tem em si a consciência de que – como bem observou Aris-
tóteles – sem leis não há como um homem ser integrado em um contexto
sócio-político. Sem a justiça não há possibilidade da vida em sociedade.
Por isso, o episódio da peste e a stasis são tão valorosos, já que nestes
momentos da obra se pode ter medida da importância da organização
política interna e os seus pressupostos: a confiança mútua que constitui
as bases da sociedade e instituições fortes e justas – o que a stasis leva à
falência – e a disciplina, a ordem e o respeito às leis que garantem o de-
senvolvimento coletivo e individual dos cidadãos – o que a peste retira da
polis, ou seja, fortes ideais de liberdade, justiça e bem-comum.
Essa postura de máximo respeito à vida em sociedade alia-se a
um forte sentimento de justiça e através desta aliança feita pelos cida-
131
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
57 ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001. p. 17-18.
58 Tucídides afirma que “uma vez que a terra revestiu os mortos, é escolhido pela cidade um
homem com distinção intelectual e dono de uma estima eminente pronuncia em suas honras
um elogio apropriado; depois, do qual se retira. Assim têm lugar esses funerais; e durante toda a
guerra, cada vez que [os mortos chegavam] era aplicado o uso [da cerimônia fúnebre]. Quanto aos
primeiros mortos, é Péricles, filho de Xantipo, que foi escolhido para falar deles”. Tradução livre de:
“une foi que la terre a recouvert les morts, un homme choisi par la cité, qui passe pour n’être pas sans
distinction intellectuelle et jouit d’une estime eminente, prononce en leur honneur un éloge approprié;
après quoi, l’on se retire. Ainsi ont lieur ces funérailles; et, pendant toute la guerre, chaque foi que cela
se trouvait, on appliqua l’usage. Quant à ces premiers morts, c’est Périclès, fils de Xanthippe, qui fut
choisi pour parler d’eux”. (THUCYDIDE. La guerre du Péloponese: livre II, cap. XXXIV, p. 25-26).
132
Gabriel Geller Xavier
59 Tradução livre de: “Notre regime politique ne se propose pas pour modèle les lois d’autrui, et
nous sommes nous-mêmes des exemples plutôt que des imitateurs. Pour le nom, commes les choses
dépendent non pas du petit nombre mais de la majorité, c’est une démocratie. S’agit-il de ce qui
revient à chacun? La loi, elle, fait a tous, pour leurs différends prives, la part égale, tandis que pour
les titres, si l’on se distingue en quelque domaine, ce n’est pas l’appartenance à une catégorie, mais le
mérite, qui vous fait accéder aux honneurs; [...] Nous pratiquons la liberte, non seulement dans notre
conduit d’ordre politique, mais pour tout ce qui est suspicion réciproque dans la vie quotidienne: nous
n’avons pas de colère envers notre prochein, s’il agit à as fantaisie, et nous ne recourons pas à des
vexations, qui, même sans causer de dommage, se présentent au dehors comme blessantes. Malgrés
cette tolérance, qui régit nos rapports prives, dans le domaine public, la craintes nous retient avant
133
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
tout de rien faire d’illégal, car nous prêtons attention aux magistrats qui se succèdent et aux victims
de l’injustice, ou qui, sans être lois écrites, comportent pour sanction une honte indiscutée. Avec cela,
pour remède à nos fatigues, nous avons assure à l’esprit les délassements les plus nombreux: nous avons
des concurs et des fêtes religieuses qui se succèdent toute l’année, et aussi, chez nous, des installations
luxueuses, dont l’agrément quotidian chasse au loin la contrariété. Nous voyons arriver chez nous,
gracê à l’importance de notre cite, tous les produits de toute la terre, et les biens fournis par notre pays
ne sont pas plus à nous, pour en jouir, que ne sont ceux du reste du monde. Nous nous distinguons
également de nos adversaries par notre façon de nous préparer à la pratique de la guerre. Notre ville,
en effet, est ouverte à tous, et il n’arrive jamais que, par des expulsions d’étrangers, nous interdisions à
quiconque une étude ou um spectacle, qui, em n’étant pas cachê, puísse être vu d’um ennemi et lui être
utile: car notre confiance se fonde peu sur les préparatifs et les stratagèmes, mais plutôt sur la vaillance
que nous puisons em nous-mêmes au moment d’agir. [...] Nous cultivons le beau dans la simplicité,
et les choses de l’esprit sans manquer de fermeté. Nous employons la richesse, de préférence, pour agir
avec convenance, non pour parler avec arrogance; [...] car en autre mérite qui nous distingue est de
pouvoir tout ensemble montrer l’audace la plus grande et calculer l’entreprise à venir: chez les autres,
l’ignorance porte à la resolution, et le calcul à l’hésitation. [...] en resume, j’ose le dire: notre cite, dans
son ensemble, est pour la Grèce une vivante leçon, cependant qu’individuellement nul mieux que
l’homme de chez nous ne peut, je crois, présenter à lui Seul une personnalité assez complète pour
suffire à autant de rôles et y montrer autant d’aisance dans la bonne Grace. [...] contemplez plutôt
chaque jour, dans as réalité, la puissance de la cité, soyez-em épris, et, quand elle vous semblera
grande, dites-vous que les hommes qui ont acquis cela montraient de l’audace, discernaient leur devoir,
et, dans l’action, observaient l’honneur, qu’enfin, si jamais ils échouaient dans quelque tentative, ils
n’estimaient pas pour cela devoir priver la cite de leur valeur: ils lui em faisaient abandon comme s’ils
acquittaient une quote-part, la plus belle de toutes” (THUCYDIDE. La guerre du Péloponese: livre
II, XXXVII–XLIII, p. 27-32).
134
Gabriel Geller Xavier
60 Tradução Livre de: “[…] elles se groupent, d’ailleurs, en un idéal fortement cohérent: l’idée de
liberté vient en tête et commande presque tout l’exposé; mais elle se fonde elle-même sur l’exercice
de l’intelligence et se tempère par l’équilibre. Cet idéal si général reçoit, d’ailleur, la plus concrète des
sanctions, puisque la puissance athénienne devient, dans l’exposé, une confirmation des mérites
athéniens ainsi dégagés. En retour, cette puissance et ces mérites se fondent ensemble pour se transposer
en une gloire - c’est-à-dire en un souvenir - qui justifie et qui compense les plus grands sacrifices
que l’on peut faire à sa patrie” (ROMILLY, Jacqueline de. Notice. In: THUCYDIDE. La guerre du
Péloponese: livre II, p. 27).
135
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
61 CARR. Edward H. Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Trad. Luiz Machado. Brasília: UnB, 1981.
p. 31.
62 Sobre a organização política interna espartana Werner Jaeger aponta que “a única garantia de
sua origem é a reputação de rígido conservadorismo que fez dos Lacedemônios o ideal de todos os
aristocratas e a abominação dos democratas do mundo inteiro. [...] A assembléia do povo espartano
não é outra coisa senão a antiga comunidade guerreira. Não há nela qualquer discussão. Limita-
se a votar SIM ou NÃO em face de uma proposta definida do conselho dos anciãos. Este tem
direito a dissolver a assembléia e pode retirar da votação as propostas com resultado desfavorável.
O eforato é a autoridade mais poderosa do Estado e reduz ao mínimo o poder político da realeza.
A sua organização representa um poder moderador no conflito de forças entre os senhores e o
povo. Concede ao povo um mínimo de direitos e conserva o caráter autoritário da vida pública
tradicional”. (JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego, p.110-112).
136
Gabriel Geller Xavier
beleza a todos encanta, senão por meio da dominação, pois foi a política
externa praticada ao modo realista de imperialismo e expansão cada vez
maior do poder que garantiu a Atenas recursos financeiros – adquiridos
através de tributos pagos por colônias subjugadas, os chamados (fóros)
– utilizados para a construção de templos luxuosos, aumento de sua
frota naval, tanto militar quanto comercial, bem como para implemen-
tar as políticas que a tornaram a grande rival hegemônica de Esparta63.
Também não se pode deixar de mencionar que os recursos militares que
as colônias enviavam para Atenas em troca de proteção fomentaram o
considerável aumentou da frota ateniense e fez com que crescesse seu
poderio bélico. Atenas, de fato, a todos envolvia com sua grandeza e
superioridade, disso orgulhava-se Péricles e o povo ateniense:
[...] da magnificência de sua arquitetura e arte, do esplendor de seu teatro, das
reluzentes procissões e cerimônias, dos ginásios e simpósios. Mesmo aqueles que
nunca viram Atenas podiam conhecer sua superioridade pela reputação de seus
poetas e filósofos, seus políticos e atletas. Uma “cidade tirana”, é verdade, mas,
ainda assim, “a escola da Hélade”. Por meio de numerosos e admiráveis espetáculos,
alguns ultrapassando todos os limites quanto ao dinheiro gasto, Atenas dedicou-
se a atrair o mundo para ela: “Nossa cidade, durante todo o tempo”, conclui
Isócrates, “é um festival para aqueles que vêm visitá-la”. Os povos vassalos, em
especial, visitavam-na com seus tributos anuais na época do importante festival
religioso urbano, a Dionísia, que era também a temporada teatral.64
Exatamente essa glória que Atenas vivenciava internamente e ex-
portava para toda a Grécia é que fundamentava a implementação de
uma política externa de cunho realista-imperialista, pois como bem
Péricles afirmou no final de seu discurso, os homens que em Atenas vi-
vem contemplam a beleza e esplendor da cidade e apaixonam-se, não se
63 Sobre o imperialismo ateniense e a utilização dos recursos advindos de sua política de expansão
o helenista Pierre Vidal-Naquet afirme que “costuma-se traduzir o termo grego arkhé por império
e fala-se de imperialismo ateniense. Predomínio seria, talvez, uma tradução melhor, mas não
posso sozinho, impô-lo. Esse predomínio se estabeleceu em conseqüência das guerras medas. Ele
agrupa, em torno de Atenas – que graças ao tributo (phóros), recolhe enormes recursos com os
quais constrói seus templos e seus navios – as ilhas do mar Egeu (com exceção de Milo, de Tera e
de Creta), as cidades da Ásia Menor costeira e as que ladeiam os Dardanelos e o Bósforo”. (VIDAL-
NAQUET, Pierre. Razão e contra-senso na história. In:_____________. Os Gregos, Os Historiadores,
A Democracia: o grande desvio, p. 99-100). O termo hegemonia, que significa liderança, mantém
uma estreita realção com o termo arkhé, pois arkhé é um predomínio que exerce certo tipode
liderança.
64 SAHLINS, Marshall. História e Cultura: apologias a Tucídides, p. 106.
137
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
65 Página 22, final da citação do discurso de Péricles. Cf. THUCYDIDE. La guerre du Péloponese:
livre II, cap. XLIII, p. 32.
138
Gabriel Geller Xavier
66 O imperialismo é um traço bastante fundamental da política ateniense, sendo alvo de estudo
de grandes intérpretes, como a clássica tese de doutoramento da helenista francesa Jacqueline
de Romilly, Thucydide et l’Imperialisme Athénien: la pensée de l’historien et la gênese de l’œuvre,
publicada em 1951, e o livro do filólogo e historiador clássico italiano Luciano Canfora, Tucidide e
l’Impero: la presa di Melo, publicada em 1992.
67 Deve-se recordar que Tucídides mesmo relata que Esparta entrou na guerra por medo da
expansão crescente ateniense. E não é sem motivo que Péricles afirma e justifica em sua oração
fúnebre a admiração que Atenas suscita em toda a Hélade. Marshall Sahlins afirma que Atenas
não criou seu império por conquista e nem o governava diretamente, e deste modo “exercia
hegemonia sem soberania. No entanto, isso não significava que o domínio fosse suave, apenas que
se baseava no respeito e no medo, o que significava dizer, numa reputação de poder, confirmada
por demonstrações estratégicas. Em vez de moderados, os atenienses poderiam ser até mais brutais,
e ficar conhecidos por isso.” Assim, recorria “tanto ao mortífero quanto ao maravilhoso para
produzir efeitos-demonstração”. (SAHLINS, Marshall. História e Cultura: apologias a Tucídides,
p. 102;108.)
139
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
que não apenas as vítimas – e que poderia fazer com que fossem mais
cruéis ainda que o requerido pela situação.”68 Ou seja, a violência era
potencializada por também ser simbólica. A força brutal que era empre-
gada por Atenas tinha um caráter pedagógico, uma vez que se prestava a
difundir sua reputação de poder implacável. As demonstrações da força
terrorística ateniense deveriam servir de exemplo, “uma lição viva para
a Hélade”, como fica claro no discurso de Cléon, ao argumentar a favor
de massacrar os mitilênios rebeldes e escravizar as mulheres e crianças:
Pensai de outro modo em vossos aliados: se os casos de constrangimento
impostos pelo inimigo e as rebeliões voluntárias forem atingidas com a
mesma pena, o que aprenderá, diga-me, [se] ao menor pretexto de rebelião,
a pena [em caso] de sucesso for a libertação e a [pena] da falha um infortúnio
não irreparável? […] Não devemos oferecer-lhes a esperança – confiante na
eloqüência ou descontar da riqueza – de que seu erro, bem humano, obtenha
indulgência. Para mim, então, hoje, como o fiz da primeira vez, levo a batalha
afim que vós eviteis o erro de escutar os três sentimentos mais nocivos ao
império: a compaixão, o prazer da eloqüência, a clemência. […] Resumo em
uma palavra: se vós me escutais, vós tomais justas medidas contra os mitilênios
e úteis ao mesmo tempo, enquanto que outra decisão, sem que vós ganheis seu
favor, será, em vez disso, outra condenação. [Pois] se fizeram bem em rebelar-se,
vós não deveis exercer o império. […] Castigai-os como eles merecem e mostrai,
ao mesmo tempo, a vossos outros aliados, como um exemplo indiscutível, que
toda rebelião será punida com a morte. Se eles o entenderem, vós seríeis menos
negligentes com os inimigos para combater os próprios aliados. 69
Nessa passagem, pode-se perceber como Atenas empregava sua
força de maneira violenta, punindo exemplarmente os transgressores e,
ao mesmo tempo, utilizando da punição severa tanto como uma exibi-
140
Gabriel Geller Xavier
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
73 Tradução livre de: “Le mécanisme en est très clair: ce qui encourage à vouloir plus, c’est en effet
tout ce qui fait croire que l’on pourra avoir plus, c’est-à-dire les succès et, parmi les succès, certains plus
particulièrement: ceux qui semblent dus à la chance (on se dit: pourquoi pas encore, une autre fois?),
ou ceux qui viennent brusquement et, par la surprise, endorment la raison” (ROMILLY, Jacqueline
de. Thucydide et l’Imperialisme Athénien, p. 270).
74 De acordo com Jacqueline de Romilly: “A tentação que leva o homem a querer mais, a despeito
de toda razão, é a desmedida, a hybris. Esta, que é bem conhecida dos gregos; tal como ela aparece
em Tucídides, pode ser formulada da seguinte forma: a natureza humana é tal que o homem é
levado pelo sucesso a conceber desejos imoderados. Esta lei serve para explicar na sua obra todas
as falhas políticas, e as de Atenas em particular.” Tradução livre de: “La tentation qui pousse l’homme
à vouloir plus, au mépris de toute raison, est celle de la démesure, de l’hybris. Celle-ci est bien connue
des Grecs; telle qu’elle apparait chez Thucydide, elle peut se formuler ainsi: la nature humaine est ainsi
faite que l’homme se laisse entraìner par le succès à concevoir des désirs immodérés. Cette loi sert à
expliquer dans son œuvre toutes les fautes politiques, et celles d’Athènes em particulier” (ROMILLY,
Jacqueline de. Thucydide et l’Imperialisme Athénien, p. 268).
142
Gabriel Geller Xavier
75 Tradução livre de: “La cause de tout cela, c’etait le pouvoir voulu par cupidité et par ambition; de ces
deux sentiments provenait, quand les rivalités s’instauraient, une ardeur passionnée”. (THUCYDIDE.
La guerre du Péloponese: livre III, caps. XXXIX–XL, p. 26-28).
76 Sabe-se que os discursos e diálogos que Tucídides narra, não ocorreram exatamente como
foram narrados, muitas vezes se desconfia até mesmo do real acontecimento dos discursos e
diálogos. Contudo, se por um lado esses discursos e diálogos não fornecem um dado histórico fiel,
por outro lado são de extrema importância no que diz respeito ao ensinamento político que trazem
consigo. O diálogo entre os mélios e os atenienses é, segundo Luciano Canfora, um “[...] diálogo
que Tucídides imagina desenvolver entre o legado do exército invasor ateniense e os magistrados de
Melos é um dialogo fictício centrado sobre o tema da violação da neutralidade”. Tradução livre de:
“[...] il dialogo che Tucidide immagina svolgersi trai legati dell’esercito invasore ateniese ed i magistrati
di Melo è un dialogo fittizio incentrato sul tema della violazione del neutrale”(CANFORA, Luciano.
Tucidide e l’Impero: la presa di Melo. 2 ed. Roma: Editori Laterza, 2000. p. 5).
77 Tradução livre de: “[…] to satisfy its insatiable desire for expansion and to create an object lesson
for other states that might resist”. (NIELSEN, Donald A. Pericles and the plague: Civil Religion,
Anomie, and Injustice in Thucydides. Sociology of Religion. New York: ano 4. V-57; 1996. p. 403).
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TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
78 Cf. TUCIDIDE. Il dialogo: V, 84-116. In: CANFORA, Luciano. Tucidide e l’Impero: la presa di
Melo, p. 33.
79 Tradução livre de: “Ateniesi: […] consapevoli entrambi del fatto che la valutazione fondata sul
diritto si pratica, nel ragionare umano, solo quando si è su di una base di parità, mentre, se vi è
disparità di forze, i più forti esigono quanto è possibile ed i più deboli approvano. Melli: secondo noi
è utile - necessariamente ci esprimiamo così, dal momento che voi, con questo intervento, avete scelto
di ignorare la giustizia e di parlare di utilità -, è utile dunque che voi non distruggiate un principio
che è bene comune per tutti: è utile che, a chi volta a volta si trova in pericolo, vengano garantiti i
normali diritti, e che si venga incontro a chi, coi suoi argomenti, non ha attinto il necessario rigore”
(TUCIDIDE. Il dialogo: V, 84-116. In: CANFORA, Luciano. Tucidide e l’Impero: la presa di Melo,
p. 34-35).
144
Gabriel Geller Xavier
Atenienses: [...] O que propomos demonstrar é que estamos aqui para ajudar o
nosso império, e ao mesmo tempo, as propostas que fazemos visam à salvação
de modo conveniente para ambos: para vós e para nós. […]
Melios: e não aceitaríeis que nós, em vez de inimigos, fôssemos vossos amigos,
sem combater ao lado de nenhum dos dois lados?
Atenienses: Não. Porque a vossa hostilidade não nos prejudica tanto quanto a
vossa “amizade”: a qual aparece como um sinal de nossa fraqueza, e vosso ódio
seria para os súditos a prova da nossa força. […] Pensam que, em termos do
direito, nem um nem os outros argumentos falham, mas que com relação à força
de um sobrevivente autônomo, nós por temor não os atacamos. […] Uma vez
que não está em vigor entre nós e vós a coragem, [não se trata de] igualdade,
[mas] eventos com o objetivo de evitar a desgraça! O tema em discussão é a
salvação, o que significa não se oporem àqueles que são muito mais fortes.80
Essa parte do diálogo em que os atenienses tentam convencer os
mélios de que para ambas as cidades é interessante a rendição da peque-
na ilha sem o combate é de significante importância, pois nela aparece,
de maneira evidente, o que motivou os atenienses a realizarem o cerco, a
saber, fazer uma demonstração espetacular de sua força com fins a pro-
duzir, através de efeito-demonstração, medo e respeito em suas colônias
subjugadas e inimigos. Em outras palavras, os atenienses queriam a ren-
dição de Melos e, caso não conseguissem, entrariam em combate para
fazer uma exibição evidente e convincente de seu poder perante a Héla-
de, por isso não era útil a Atenas a amizade que os mélios propunham.
O cerco à pequena ilha tratava-se da manutenção de seu poder por meio
da exibição da sua força, o que levava o império a alimentar seu desejo
incessante por mais poder (pleonéxia). Desse modo, Atenas revela sua
lógica imperialista de dominação, assim como desnuda a forma com
que pratica sua política externa no conselho que dá aos mélios: “[…]
não está em vigor entre nós e vós a coragem […]. O tema em discussão
80 Tradução livre de: “Ateniesi: […] Quello che ci proponiamo di dimostrarvi è che siamo qui per
soccorrere il nostro impero e che, al tempo stesso, le proposte che stiamo per fare mirano alla salvezza
in modo conveniente per entrambi: per voi e per noi. […] Melii: E non accettereste che noi, anzichè
nemici, siamo vostri amici, senza però combattere al fianco di nessuno dei due schieramenti? Ateniesi:
No. Perchè la vostra ostilità non ci danneggia quanto la vostra ‘amicizia’: la quale apparirebbe come
un segno della nostra debolezza, mentre il vostro ódio sarebbe per i sudditi la prova della nostra
forza. [...] Pensano che, sul piano del diritto, né agli uni né agli altri manchino argomenti: ma che
in base ai rapporti di forza gli uni sopravvivono autonomi, e noi per timore non li attacchiamo. […]
Giacché non è in atto tra noi e voi una garra di coraggio, alla pari, evente come obietivo di evitare il
disonore! L’oggetto in discussione è la salvezza: il che significa, non opporsi a chi è di gran lunga più
forte.” (TUCIDIDE. Il dialogo: V, 84-116. In: CANFORA, Luciano. Tucidide e l’Impero: la presa di
Melo, p. 35-36).
145
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
é a salvação, o que significa não se oporem àqueles que são muito mais
fortes”. Assim os atenienses apresentam, sem subterfúgios eloqüentes,
a linguagem da força e da dominação, próprias do império, deixando
claro o que está, de fato, em vigor: a lei do mais forte, sendo a liberdade
somente possível àqueles que têm força para sobreviverem autônomos.
Segundo o filólogo italiano Luciano Canfora, os atenienses
[…] se manifestam à luz de uma lógica condenável, mas são coerentes com
ela. E o que dizem não diz respeito somente a Melos, é mais geral, vale para o
império. O império para funcionar deve, designadamente, eliminar o escândalo
da neutralidade em uma área (as ilhas) sob seu estreito controle, deve, pelo
contrário, exercitar uma repressão exemplar tomando em consideração também
as outras ilhas81.
De fato, os atenienses conduziam sua política de forma coeren-
te, ainda que moralmente condenável, pois a lógica imperialista exige a
eficácia da ação sem considerar o seu valor moral. Essa política realista
praticada no âmbito externo tem por objetivo, através da dominação pela
força, a expansão do poder a todo o custo. No cenário externo à polis a
política é conduzida de maneira distinta a do âmbito interno, a política
realista de maximização do poder fomenta a política interna idealista,
enquanto essa legitima a expansão. Por isso, é vã a tentativa dos mélios de
clamarem pela amizade, já que nessa esfera a política a ser implementada
é a da dominação pela força, não havendo espaço para a amizade, assim,
aos mélios somente cabe ouvir e ter esperança na fortuna:
Mélios: Mas nós sabemos que os eventos bélicos, por vezes, têm sorte menor,
independente da proporção da força em campo. Quanto a render-se agora sem
combate significaria renunciar de súbito a toda esperança, e com a ação há ainda
esperança de salvar-se.
81 Tradução livre de: “essi si esprimono alla luce di una logica condannabile, ma sono coerenti con
essa. E quel che essi dicono non riguarda soltanto Melo, vale più in generale per l’impero. L’impero c’è: e
per funzionare deve, tra l’altro, eliminare lo escandalo della neutralità in un’area (le isole) sotto stretto
controllo ateniese, deve anzi esercitare una repressione esemplare che tenga in rispetto anche gli altri
isolani” (CANFORA, Luciano. Tucidide e l’Impero: la presa di Melo, p. 18).
146
Gabriel Geller Xavier
Mélios: Também nós, devem saber, pensamos que é difícil o combate contra vossa
potência e conta a fortuna, se não for justa. No entanto, confiamos na boa sorte
que provém da divindade: que não será menos, porque nós, sem culpa, pois não
falhamos e enfrentamos os injustos; e quanto a inferioridade da força, confiamos
na aliança com Esparta: aliança que não pode não se manifestar, sem falar de
outros [motivos], ao menos pela relação de descendência que nos une e pela
vergonha que recai sobre eles. E, portanto, não é irracional nossa confiança.
Atenienses: Não só entre os homens, como é bem notório, mas, por quanto se
sabe, também entre os deuses, um necessário e natural impulso empurra-os a
dominar sobre aqueles que podem vencer. Esta lei, não a havíamos estabelecido
nós, nem somos nós os primeiros a valer-se dela, tínhamos recebido daqueles
em nossa volta e entregaremos a quem virá depois, e terá valor eterno. 82
A fala dos melianos, clamando pela justiça e sua liberdade, rei-
vindica clemência aos atenienses diante de sua situação desfavoreciada,
ao que os representantes de Atenas não se apiedam. Estes não parecem
dispostos a conceder aos mélios a clemência que Péricles exalta na ora-
ção fúnebre como sendo uma das qualidades de Atenas: “[…] presta-
mos atenção aos magistrados que se seguem e as vítimas de injustiças,
ou que, sem existirem leis escritas, comportam sanção pela vergonha
indiscutível”. Este forte tom de justiça presente no discurso de Péricles,
na qual também defende os valores da liberdade e da igualdade, salien-
tando que foram esses ideais que transformaram Atenas na grandiosa
hegemonia do séc. V a.C. , bem como o real motivo que mobiliza os
atenienses à guerra, não está presente na fala dirigida aos mélios, pois
no âmbito em que ocorre o diálogo os atenienses sabem que não po-
82 Tradução livre de: “Melii: Ma noi sappiamo che le vicende belliche talolta hanno sorti meno
divaricate rispetto alla sproporzione delle forze in campo. Quanto a noi, cedere senza combattere
significherebbe rinunciare subito ad ogni speranza; invece con l’azione c’è ancora la speranza di
salvarci. Ateniesi: Speranza! La speranza, abituale lenimento del pericolo, danneggia ma non travolge
chi le si affida come ad un più. Ma chi le si appoggia tutto (essa è per sua natura dissipatrice), nel
momento stesso in cui ne conosce, ormai travolto, la natura, comprende anche che contro di lei, ormai
svelata, non ha risorse. […] Melii: Anche noi, sappiatelo, pensiamo che sia duro combattere contro
la vostra potenza e contro la fortuna, se non vorrà essere equanime. Nondimeno confidiamo nella
buona sorte che promana dalla divinità: che non ci verrà meno, perché noi, senza colpa, ci troiamo
ad affrontare degli ingiusti; e quanto all’inferiorità delle forze, confidiamo nell’alleanza con Sparta:
allenza che non può non manifestarsi, a tacer d’altro, almeno per il rapporto di stirpe che ci lega e
per la vergogna che ricadrebbe, altrimenti, su di loro. E dunque non è poi così irrazionale la nostra
fermezza. Ateniesi: [...] Non solo tra gli uomini, come è ben noto, ma, per quanto se ne sa, anche tra gli
dèi, un necessario e naturale impulso spinge a dominare su colui che puoi sopraffare. Questa legge non
l’abbiamo stabilita noi né siamo stati noi i primi a valercene; l’abbiamo ricevuta che già c’era e a nostra
volta la consegneremo a chi verrà dopo, ed avrà valore eterno”. (TUCIDIDE. Il dialogo: V, 84-116. In:
CANFORA, Luciano. Tucidide e l’Impero: la presa di Melo, p. 36-37).
147
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
83 CHAUÍ, Marilena. Amizade, Recusa do Servir. In: BOÉTIE, Etienne de la. Discurso da Servidão
Voluntária. Trad. Laymert Garcia dos Santos. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. p. 174.
148
Gabriel Geller Xavier
Considerações finais
Tucídides abre seu texto anunciando o que o motivou a escrever
a Guerra do Peloponeso, a saber, deixar o relato para as gerações futuras,
pois lhes será de muita importância, uma vez que os fatos mudam, mas
a natureza humana, que engendra os acontecimentos, essa, é sempre a
mesma. Ou seja, o historiador grego quer mostrar as verdadeiras cau-
sas, os reais motivos dos fatos que narra, e é por isso que sua narrativa
terá valor para as gerações futuras. A forma como é escrita a obra, deixa
isso claro, pois evidencia ao leitor as causas dos êxitos, dos fracassos e
acontecimentos, encadeando-os em uma série cronologicamente com-
preensível e coerente. E essa maneira de apresentar os fatos confere a
cada parte da obra uma unidade que justapostas formam uma unidade
maior, a própria obra. Esse método com que Tucídides compõe sua nar-
rativa, bem como a forma literária com que escreve, dá a ela o tom do
teatro trágico de seu tempo, mostrando que as desmedidas, o excesso
(hybris), oriundas da natureza desejosa e interesseira do homem, são a
causa, por excelência, dos infortúnios tanto privados, quanto públicos.
É exatamente por sua ambição excessiva, desejo pelo poder e orgulho
desmedidos que Atenas é movida à guerra contra Esparta, já esta, é mo-
tivada pelo temor - outra das paixões humanas - do aumento do poder
ateniense. Ainda que Tucídides não tenha acompanhado, com sua nar-
rativa, o desfecho final da guerra, sabe-se que foi a Liga do Peloponeso
a vitoriosa e que Atenas encontrou seu final trágico86. A lição trágica de
149
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
que o homem não deve querer ocupar um lugar que não lhe pertence,
querer ser mais do que é, não reconhecendo que é apenas um mortal, e
pagando muito caro por sua falta de comedimento perpassa pela Guerra
do Peloponeso de mãos dadas com a narrativa histórica.
Atenas, a heroína trágica do relato de Tucídides, desmedidamente
pretensiosa, almejando se transformar na soberana da Grécia, naquela
que predomina (arché) preponderantemente sobre as demais cidades-
estado gregas, começa a praticar uma política externa imperialista-re-
alista, anexando colônias à Liga de Delos e utilizando dos recursos da
mesma, tanto militares, quanto financeiros para implementar políticas
internas. Exatamente nesse período, em que Péricles era o governante, é
que Atenas chegou ao seu apogeu, o famoso século V a.C., o “século de
ouro”. A polis ateniense era considerada uma lição para toda a Grécia,
pois, como bem Péricles põe a vista em sua oração fúnebre, seu regime
de governo, a democracia, é imitado e observado por todas as demais
cidades-estado, por ser um regime justo em que todos têm o mesmo
acesso às leis e a liberdade, então, impera. A cidade também é palco das
mais belas festividades religiosas e espetáculos culturais, e tudo o que,
na Grécia era produzido, pode ser encontrado em Atenas, além da pro-
dução local também ter grande prestígio entre as demais cidades. Atenas
era vista como a capital da Grécia. É exatamente porque a política in-
terna ateniense é guiada por ideais como estes de liberdade e igualdade,
proferidos por Péricles em seu discurso, e valores intelectuais, culturais
e religiosos, que se pode afirmar a política interna ateniense como sendo
idealista, uma vez que idealismo diz-se toda a política que submete a
realidade à ideais. Isso é, de fato, o que ocorre com a política interna ate-
niense e isso fica claro quando Tucídides apresenta um episódio como o
da Peste, em que com a conflagração de uma epidemia, grande parte da
população é consumada e os que restam, vendo a morte se aproximar
perdem os ideais que guiavam suas ações e passam a ser guiados por
suas paixões e tentativa fugaz de satisfazerem seus desejos momentâ-
neos. Ao relatar esse caso, o historiador grego mostra a dissolução da
polis que acontece quando esses ideais que a constituem são extintos e
substituídos pelo auto-interesse, característico da natureza humana. E
mesmo Tucídides não fazendo nenhum juízo de valor ao narrar o episó-
dio da peste – assim como o episódio da stasis em Córcira, pois somente
relata o comportamento humano diante de situações em que nada tem
150
Gabriel Geller Xavier
151
TUCÍDIDES E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: um breve ensaio
Referências
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152
Gabriel Geller Xavier
153
AS DUAS FACES DA PAZ DE
WESTPHALIA (1648)
Raphael Spode1
Introdução
O presente ensaio tem por objetivo apontar para um aspecto
contraditório da paz de Westphalia. Apesar de muito se falar sobre este
evento, pouco se sabe sobre as nuanças dos congressos westphalianos.
De um modo geral, os congressos de Munster e Osnabruck organizaram
um novo consenso das práticas políticas e sociais que deveriam orientar
a relação tensa de um período no qual a religião ainda se confundia com
a política. Aparentemente, neste ato de inauguração da ordem interna-
cional da modernidade surgem dois aspectos ambíguos e antagônicos:
de um lado, os congressos de Westphalia organizam uma sociedade in-
ternacional ao informar os interesses, os valores, as regras e os princípios
comuns de um grupo de autoridades; de outro lado, é justamente o reco-
nhecimento mútuo de um princípio comum – da soberania – que desloca
o imperador habsburgo e o papa como figuras medianeiras das relações
internacionais, conduzindo o conjunto a uma situação anárquica.
A ambiguidade da Paz de Westphalia está nisso: ao estabelecer
um direito comum à soberania, a ideia de sociedade nascente é ime-
diatamente relativizada pelo princípio da razão de Estado. Quem revela
155
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
A paz de Westphalia
Os congressos de Westphalia reuniram 16 estados europeus, 140
sociedades políticas do sacro império germânico e 38 principados e ci-
dades livres. Em Osnabruck, estavam os suecos e os príncipes protes-
tantes alemães; em Munster, os franceses, o imperador habsburgo e os
príncipes católicos alemães. Naturalmente, a paz de Westphalia tem um
sentido de concertação social. A distância entre as duas cidades – circa
45 km – representa o quadro da ruptura social em que vivia a cristanda-
de ocidental. Isso é devido, em boa medida, a uma percepção difundida
atualmente de que a Guerra dos Trinta anos havia sido ocasionada por
uma discórdia religiosa entre católicos e protestantes. Contudo, alguns
relatos afirmam que essa percepção não era tão difundida na época:
contam que um ano inteiro passou desde as cerimônias de abertura dos
congressos (1644) até que as autoridades revelassem e descobrissem o
subjecta belligerentia, ou melhor, a causa da guerra como um problema
de intolerância religiosa.2 Daí em diante, os encontros em Osnabruck e
Munster acontecem para reconstruir uma relação social desgastada por
questões de fé.
Em termos gerais, o tratado de Osnabruck assegurou, juntamente
com o tratado de Munster, um estado de paz entre o sacro imperador
e alguns reinos ocidentais, assim como entre estes reinos e os eleitores,
príncipes e duques de pequenas sociedades políticas do império ger-
2 Cf. WEDGWOOD, C.V. The thirty years war. Londres: Pimlico, 1992, pp. 479 – 491. O tratado de
Osnabruck, assinado em 15 de maio de 1648, apresenta de forma clara um reconhecimento nesse
sentido, de que a Guerra dos Trinta Anos havia sido ocasionada pela discórdia religiosa: “Now
whereas the Grievances of the one and the other Religion, which were debated amongst the Electors,
Princes and States of the Empire, have been partly the Cause and Occasion of the present War…”
(Treaty of Osnabrück. Disponível em: http://www.homepages.ucl.ac.uk/~ucrabjk/Hist4178readings/
Treaty of Osnabruck/PoW-art-V-VII-(01).jpg; V [Point of Ecclesiastical G.ievances, or of Religion].
Acessado em: 20 de agosto de 2008).
156
Raphael Spode
157
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
5 É o que acerta o tratado de Osnabruck: “that there be an exact and reciprocal Equality amongst
all the Electors, Princes and States of both Religions, conformably to the State of the Commonweal,
the Constitutions of the Empire, and the present Convention: so that what is just of one side shall
be so of the other, all Violence and Force between the two Parties being for ever prohibited” (Treaty
of Osnabrück. Disponível em: http://www.homepages.ucl.ac.uk/~ucrabjk/Hist4178readings/Treaty
of Osnabruck/PoW-art-V-VII-(01).jpg; I [Confirmation of the Pacification of Paffau, and that of
Religion]. Acessado em: 20 de agosto de 2008).
158
Raphael Spode
uma regra, uma limitação e uma noção de direito e dever num conjunto
heterogêneo composto por unidades autônomas.
No entanto, a ideia de sociedade cristã balizada sob o princípio da
tolerância é relativizada pela própria solução encontrada nos congressos,
como medida para terminar a guerra. A solução proposta nos tratados
era oferecer a cada autoridade o direito a um território autônomo e livre
de intervenções por questões de diferença religiosa. Em outras palavras,
era difundido um direito à soberania e uma garantia de não intervenção
nos territórios do príncipe católico ou do príncipe protestante. No Tra-
tado de Osnabruck, a cláusula VIII dá origem ao direito de soberania e
emancipa parcialmente os príncipes das amarras imperiais:
And in order to prevent for the future all Differences in the Political State, all and
every the Electors, Princes, and States of the Roman Empire shall be so establish’d
and confirm’d in their ancient Rights, Prerogatives, Liberties, Privileges, free
Exercise of their Territorial Right, as well in Spirituals and Temporals, Seigneuries,
Regalian Rights, and in the possession of all these things, by virtue of the present
Transaction, that they may not be molested at any time in any manner, under any
pretext whatsoever. I. That they enjoy without contradiction the Right of Suffrage
in all Deliberations touching the Affairs of the Empire, especially in the matter
of interpreting Laws, resolving upon a War, imposing Taxes, ordering Levies and
quartering of Soldiers, building for the publick Use new Fortresses in the Lands of the
States, and reinforcing old Garisons, making of Peace and Alliances, and treating
of other such-like Affairs [...] That, above all, each of the Estates of the Empire shall
freely and for ever enjoy the Right of making Alliances among themselves, or with
Foreigners, for the Preservation and Security of every on of them.6
Essa noção de autonomia de territórios confessionais vem da Paz
de Augsburg (1555), quando é codificado o princípio cuius regio eius
religio que conferia aos príncipes o poder de decidir e escolher a religião
de seus domínios. A cláusula de número quinze do pacto de Augsburg,
por exemplo, estabelece uma garantia de liberdade religiosa soberana
aos eleitores, príncipes e duques sobre os seus domínios. Ao lhes con-
ferir o direito de optar pela religião de sua terra e estipular uma ordem
política que lhes permitisse praticar livremente sua confissão sem inter-
ferência externa, o tratado concede a essas entidades políticas o direito
de soberania.
159
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
In order to bring peace to the Holy Roman Empire of the Germanic Nation between
the Roman Imperial Majesty and the Electors, Princes and Estates, let neither his
Imperial Majesty nor the Electors, Princes, etc., do any violence or harm to any
estate of the empire on the account of the Augsburg Confession, but let them enjoy
their religious belief, liturgy and ceremonies as well as their estates and other rights
and privileges in peace; and complete religious peace shall be obtained only by
Christian means of amity, or under threat of punishment of the Imperial ban.7
Por essa razão é que no tratado de Osnabruck aparece implícito
e esboçado o princípio quod principi placuit legis habet vigorem (o que
agrada ao príncipe tem eficácia de lei).8 Por esse princípio, o príncipe
passa a ter o monopólio da produção jurídica, independente de fontes
jurídicas externas, fossem elas provenientes de outras autoridades cristãs
ou de um governo supranacional. O príncipe passa a ter o direito de co-
brar taxas, recrutar soldados, construir fortalezas, fazer a guerra, fazer a
paz e estabelecer alianças com os príncipes do império ou do exterior.
Em resumo, Osnabruck e Munster trabalham para unir partes
autônomas de uma sociedade dividida pela força da fé. O trabalho era
realizado no sentido de traçar os limites, os direitos e deveres de cada
príncipe na sua relação mútua. Os tratados de Westphalia sugerem que
a contenção desta relação deveria acontecer sob o amparo de um prin-
cípio universal. A ideia era que um valor abstrato, um princípio moral
como a tolerância, impusesse limitações às ações dos católicos e protes-
tantes em contato recíproco. Como solução ao problema da guerra, os
plenipotenciários decidem a favor da regra do respeito recíproco pelo
território soberano, seja de príncipe católico ou protestante. Esse era o
termo de garantia da harmonização de uma sociedade cristã, perdida
há tanto tempo.
Mas ao aparecimento de um direito à soberania, a ideia de socie-
dade coesa e harmônica é imediatamente relativizada, não pela razão
universal que o princípio moral pretendia impor a esta sociedade, mas
pela razão particular, privada do príncipe que assumia um território es-
pecífico e respeitado por uma sociedade ocidental cristã. O notável é o
7 A análise do tratado de paz de Augsburg deve ser vista como um antecedente importante da
paz de Westfália, no sentido de emancipação das primeiras entidades políticas em nome de uma
sociedade limitada por um princípio universal. (The Religious Peace of Augsburg. Disponível em:
http://www.uoregon.edu/~sshoemak/323/texts/augsburg.htm; § 15. Acessado em: 20 de agosto
de 2008).
8 Cf. LUIGI, Ferrajoli. A soberania no mundo moderno. Trad. Carlo Coccioli e Márcio Lauria
Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.20.
160
Raphael Spode
O Leviatã
Em síntese, a solução encontrada para pacificar a sociedade cris-
tã ocidental foi dar aos príncipes – católicos e protestantes – o direito
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AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
9 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 3.
ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 77.
10 Ver, HASLAM, Jonathan. A necessidade é a maior virtude. O pensamento realista nas relações
internacionais. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 85 – 102.
162
Raphael Spode
Haslam apóia essa afirmativa numa carta que Hobbes envia ao conde de
Devonshire, em 2 de agosto de 1641. Nesta carta, Hobbes afirma que “a
disputa por [precedência] entre o poder espiritual e civil, mais do que
qualquer outra coisa no mundo, vem sendo recentemente a causa de
guerras civis em todos os cantos da cristandade”.11 É um indício, no mí-
nimo, interessante e coincidente com a situação vivenciada por aqueles
príncipes discordantes.
Discussão à parte, a descrição que Hobbes faz das relações entre
os príncipes e autoridades políticas do período westphaliano, demons-
tra que eles não estavam unidos numa sociedade fundamentada pelo
princípio da tolerância – como sugere uma leitura contratualista da paz
de Westphalia. Não há tampouco uma sociedade criada em torno de in-
teresses comuns, valores recíprocos ou fundamentos universais. O que
liga os príncipes é a desconfiança mútua, ou seja, o que existe é um clima
de guerra entre príncipes independentes, o imperador habsburgo e o
papa. A verdade é que Hobbes está descrevendo uma situação ocasio-
nada pelo nascimento do estado moderno como solução encontrada ao
problema da guerra civil – em parte, ocasionada pela intolerância reli-
giosa, tanto na Inglaterra como na França. Ao surgimento deste agente
político independente, o estado de natureza, que antes acontecia entre
os indivíduos, passa a existir no âmbito das relações entre os príncipes.
A descrição aponta para isso: os príncipes independentes e soberanos
no seu território, livres da obediência ao imperador habsburgo e ao
papa, passam a agir de acordo com os seus interesses, o que constitui
uma atitude de guerra.
Hobbes faz um sinal de aquiescência à noção da razão de Estado.
Sua percepção da paz de Westphalia – se ela realmente existe – é dife-
rente daquela noção social que aparentemente prevalece numa leitura
contratualista da paz de 1648. Em Hobbes, o princípio determinante
e organizador da paz de 1648 é a razão do príncipe e não a razão uni-
versal. Naturalmente, Hobbes propõem uma descrição mais prática do
comportamento político westphaliano.
A verdade é que ao fim da Civitas Christiana ou Corpus Christia-
num, período marcado pelo surgimento do estado absoluto e secular,
houve a substituição de uma ética baseada em princípios transcendentes
163
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
164
Raphael Spode
Considerações finais
A paz de Westphalia é uma ilustre desconhecida. Embora a literatu-
ra corrente se refira com freqüência a um sistema westphaliano, os acon-
tecimentos envolvendo os congressos de Westphalia, de 1644 a 1648, são
muito pouco conhecidos. Neste ensaio, buscou-se desvendar um pouco
este período tenso e controverso, mas fundamental para a compreensão
da nossa realidade. No final, os congressos de Westphalia constroem a
atual estrutura social das relações internacionais, embora exista um gru-
po de teóricos que já falam de um sistema pós-Westphaliano.
A contradição da paz de Westphalia é em boa medida a contra-
dição do nosso tempo. Reafirmam-se constantemente os interesses e al-
gumas regras comuns à comunidade de nações. Nem por isso, as coisas
parecem dar certo e o conflito sempre ressurge. O próprio Hedley Bull
revelou que uma característica das relações internacionais modernas são
os seus elementos antagônicos: trata-se da sociedade anárquica, um con-
ceito contraditório, mas que revela um sistema internacional constituído
por antagonismos: algumas vezes conflito, outras vezes cooperação.
15 MAGNOLI, Demétrio (org.). A história da paz. São Paulo: Contexto, 2008, p. 13.
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AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
166
Raphael Spode
natureza, onde os homens são todos iguais, e juízes do acerto de seus próprios
temores, é impossível ser suposto. Portanto aquele que cumpre primeiro não faz
mais do que entregar-se a seu inimigo, contrariamente ao direito (que jamais
pode abandonar) de defender sua vida e seus meios de vida.17
Com o passar do tempo e na ausência de um poder centraliza-
dor, a própria definição de justiça desaparece, assim como os termos
originários da sociedade. Os príncipes passam a estar ligados somen-
te por um aspecto: qualquer quantidade de homens reunidos por um
interesse ou por um negócio. Neste caso, ao mesmo tempo em que a
noção de soberania associada ao Estado foi uma solução encontrada
para os conflitos religiosos, somada ao tempo revelou-se ambígua e até
mesmo contraditória.
Referências
ALVES, Marcelo. Leviatã o demiurgo das paixões. Uma introdução ao
contrato hobbesiano. Cuiabá: UNICEN Publicações e Florianópolis:
Letras Contemporâneas, 2001.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. 5. ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília e São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado, 2000.
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Tradução de Sérgio Bath. São
Paulo: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2002. (Col. Clássicos IPRI, 5).
HASLAM, Jonathan. A necessidade é a maior virtude. O pensamento
realista nas relações internacionais. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria
Beatriz Nizza da Silva. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
LUIGI, Ferrajoli. A soberania no mundo moderno. Trad. Carlo Coccioli
e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
MAGNOLI, Demétrio (org.). A história da paz. São Paulo: Contexto,
2008.
167
AS DUAS FACES DA PAZ DE WESTPHALIA (1648)
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
A PARTIR DO CONCEITO
HOBBESIANO DE ESTADO DE
NATUREZA
Conrado da Silveira Frezza1
Introdução
No decorrer do século XX, a teoria das Relações Internacionais
foi marcada pela influência de doutrinas conhecidas como “idealistas”.
Seu objetivo declarado era a construção de um projeto de paz por meio
da ética e da confiança entre os governos. Os horrores causados pela
1ª Guerra Mundial levaram os idealistas a tentar desenvolver uma ma-
neira de evitar os desastres causados pelos conflitos internacionais. Os
estudos e ações políticas derivadas dessa perspectiva constituíram a pri-
meira grande corrente de pensamento no campo científico da política
mundial. Porém, essa concepção perdeu muita credibilidade devido aos
seus insucessos no plano prático, dentre os quais destacam-se a derro-
cada de um de seus maiores símbolos, a Liga das Nações, e o início da 2ª
Guerra Mundial. Desta feita, uma nova corrente passou a se constituir
como oposição contra a aparente ingenuidade dos idealistas: a escola
Realista. Esta corrente passa a defender que a ética é, na verdade, um
1 Bacharel em Relações Internacionais e Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail para
contato: conradodasilveira@gmail.com
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
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Conrado da Silveira Frezza
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2 “A concepção de homem como zoon politikon, animal social, defendida por Aristóteles em
sua obra A Política, permaneceu amplamente aceita sem maiores contestações até o século XVII.
Maquiavel, em seu O Príncipe (1513), inaugura uma forte corrente de oposição a essa pretensa
sociabilidade inerente à natureza humana. [...] A política como ciência, anunciada por Maquiavel,
consolida-se em Hobbes. O autor do Leviatã (1651) dedica a primeira parte de sua obra a uma
minuciosa descrição da natureza humana, na qual tanto a razão como as paixões são igualmente
reconhecidas enquanto faculdades humanas e analisadas livres de qualquer juízo de valor moral.
Trata-se de fazer aquilo que os pensadores políticos da Antigüidade e da Idade Média não haviam
ousado: ‘ler’ os homens sem idealizá-los, e assim constatar que as paixões predominam naturalmente
no agir humano [...]. Com Hobbes, as paixões emergem, revelam sua força incontida, mostram-se
contraditórias e insubmissas, destruidoras; enfim, fazem do homem um ser de conflito. O homem
natural hobbesiano é insociável, rebela-se contra os outros seus iguais, pois vê neles não auxílio,
mas espoliação. Isso porque é o egoísmo que move tais homens, e cada qual desconfia do outro,
percebe-o como um inimigo, são feras que se espreitam.” (ALVES, Marcelo. Leviatã o demiurgo das
paixões. Uma introdução ao contrato hobbesiano. Cuiabá: UNICEN Publicações; Florianópolis:
Letras Contemporâneas, 2001. p. 19-20, grifo do autor).
3 HOBBES, Thomas. The elemens of law natural and politic. 2. ed. New York: Oxford University
Press, 1999. p.78-80.
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Conrado da Silveira Frezza
4 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São
Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 115, grifo do autor.
5 ALVES, Marcelo. Leviatã o demiurgo das paixões, p. 55.
6 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 51-56.
7 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 91.
8 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 57-58.
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
9 As paixões existem em todo o gênero humano, mas manifestam-se de formas distintas nos
diferentes indivíduos, pois “dado que a constituição do corpo de um homem se encontra em
constante modificação, é impossível que as mesmas coisas nele provoquem sempre os mesmos
apetites e aversões, e muito menos é possível que todos os homens coincidam no desejo de um só
e mesmo objeto” (HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 58).
10 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 172.
11 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 33. Essa concepção é o fundamento que Hobbes utiliza para
criticar a possibilidade de existir o livre-arbítrio, que era amplamente defendido pela Cristandade
(ver HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 171-172). É importante lembrar que, ao contrário da
interpretação popularmente feita sobre o determinismo, ele não implica necessariamente na
impossibilidade do homem influenciar o futuro. Nesse sentido, um equívoco recorrente nas
análises feitas sobre a obra de Hobbes é a tendência de igualar o determinismo hobbesiano com
uma espécie de pessimismo ou fatalismo. Como ficará claro ao longo deste trabalho, Hobbes
certamente acredita na capacidade do homem, no sentido de ele ser capaz de promover melhorias
na sua própria vida e na vida da coletividade.
12 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 109.
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17 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 110. Esse estado de guerra permanente que Hobbes afirma existir
no estado de natureza não significa que os homens estariam entregues a um combate violento
sem fim uns contra os outros. Na verdade, a guerra seria permanente no sentido de que a todo o
momento haveria para o homem o risco de espoliação e morte violenta, em virtude de existir entre
os indivíduos uma permanente disposição para o ataque; mas não que o conflito violento direto, a
batalha, ocorra sem trégua, incessantemente (HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 110).
18 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 113.
19 BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1991. p. 35.
20 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 110.
21 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 110.
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Conrado da Silveira Frezza
30 MESSARI, Nizar; NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais: correntes e
debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 23.
31 DONNELLY, Jack. Realism and international relations, p. 13-14. Tradução livre. No original:
“presents a fine example of a strong realism that gives roughly equal weight to egoism and anarchy”.
32 HOBBES, Thomas. Do cidadão. 3. ed. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 3-4. Nesta obra, como lembra Renato Janine, Hobbes chama o que hoje dizemos
“Estado” de cidade, em um sentido que nada tem a ver com sua extensão geográfica. Portanto, nessa
passagem, Hobbes está claramente se referindo às relações entre os Estados.
33 MESSARI, Nizar; NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais, p. 3-4.
34 HOFFMANN, Stanley. Politics among the nations; the struggle for power and peace. The Atlantic.
No. 256, p. 131-134, nov. 1985 (publicação sem número de páginas). Disponível em: <http://find.
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Conrado da Silveira Frezza
38 HASLAM, Jonathan. No virtue like necessity. Realist thought in international relations since
Machiavelli. Great Britain: Yale University Press, 2002. p. 186-187. Nesta mesma passagem, Haslam
aponta que, ironicamente, Carr já havia sido um idealista: “Some of the best cynics were once great
but later deeply disappointed idealists. Carr fits this picture.”
39 CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Tradução de Luiz Alberto Figueiredo
Machado. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2001. p. 146.
40 CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise, p. 147-148.
41 HOFFMANN, Stanley. Politics among the nations; the struggle for power and peace (publicação
sem número de páginas).
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42 MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Tradução de
Oswaldo Biato. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2003. p. 116.
43 MALCOLM, Noel. What Hobbes really said. The National Interest, Vol. 81, Fall 2005, p.122-
127, 2005. (publicação sem número de páginas). Disponível em: <http://find.galegroup.com>.
Acesso em: 16 fev. 2006. Tradução livre. No original: “both Carr and Morgenthau saw Hobbes as an
advocate of a kind of international power politics that must necessarily involve wars of expansion
and aggression […]”.
44 MESSARI, Nizar; NOGUEIRA, João Pontes. Teoria das Relações Internacionais: correntes e
debates, p. 40.
45 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo: Editora Universidade
de Brasília e São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. p. 58.
46 “[os Estados], da mesma forma que os indivíduos, só são capazes de uma vida social ordenada
se, nas palavras de Hobbes, sentem respeito e temor em relação a um poder comum. No caso do
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Conrado da Silveira Frezza
próprio Hobbes e dos seus sucessores, a analogia com a sociedade nacional assume simplesmente a
forma da afirmativa de que os estados, ou os príncipes soberanos, como os indivíduos que vivem
fora da jurisdição de um governo, encontram-se no estado natural, que é o estado de guerra.
(BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 57, grifo nosso).
47 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 32-33 (grifo nosso).
48 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 35-37. É importante ressaltar que, apesar de
defender a existência de uma sociedade internacional, Bull não nega que a anarquia é também
uma realidade entre os Estados: “É óbvio que, ao contrário dos indivíduos que vivem no seu
interior, os estados soberanos não estão sujeitos a um governo comum, e que neste sentido existe
uma ‘anarquia internacional’ [...]” (BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 57).
49 Bull adota como fundamento de sua análise sobre a política mundial a concepção de que o
cenário internacional é caracterizado por uma sociedade de Estados. Para Bull, essa idéia deriva
essencialmente da tradição grociana de interpretação das relações internacionais: “A chamada
tradição grociana ou internacionalista coloca-se entre a realista e a universalista, e descreve a política
internacional em termos de uma sociedade de estados ou sociedade internacional. Diferentemente
183
A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
da tradição hobbesiana, os grocianos sustentam que os estados não estão empenhados em uma
simples luta, como gladiadores em uma arena, mas há limites impostos a seus conflitos por regras e
instituições mantidas em comum.” (BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 34-35).
50 MERLE, Marcel. Sociologia das relações internacionais. Tradução de Ivonne Jean. Brasília:
Universidade de Brasília, 1981. p. 25.
51 MERLE, Marcel. Sociologia das relações internacionais, p. 19.
52 MERLE, Marcel. Sociologia das relações internacionais, p. 19 (grifo nosso).
53 BEITZ, Charles R. Political Theory and International Relations. Princeton: Princeton University
Press, 1979, p. 28-31.
54 BEITZ, Charles R. Political Theory and International Relations, p. 37.
55 “The problem posed by Hobbes’s theory is how to create conditions in which the laws of nature
would be effective, that is, would oblige “in foro externo.” Hobbes thinks that a common power is
needed to assure each person that everyone else will follow the laws of nature. The dilemma is that
creating a common power seems to require cooperation in the state of nature, but cooperation, on
Hobbes’s account, would be irrational there. (Who could rationally justify taking the first step?)
There appears to be no exit from the state of nature despite the fact that any rational person in that
state could recognize the desirability of establishing a common power and bringing the state of
nature to a close. Thus, while there are moral principles or laws of nature in the state of nature, they
184
Conrado da Silveira Frezza
do not bind to action in the absence of a common power.” (BEITZ, Charles R. Political Theory and
International Relations, p. 31).
56 Carr, por exemplo, afirma que a essência mesma da ciência está na sua capacidade em identificar
a realidade e distingui-la daquilo que não passa de mera aspiração. Para o autor, qualquer ciência
só pode ser assim chamada se puder “distinguir a análise do que é, da aspiração do que deveria ser”
(CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise, p. 13).
185
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61 No Do cidadão, Hobbes comenta que durante o “tempo em que o monarca dorme […] cessam
os atos de mando, mas o poder permanece”. Assim, ao contrário dos indivíduos no estado de
natureza, que ficam vulneráveis durante seu sono, os Estados estão, em regra, permanentemente
em situação de alerta. Isso gera um certo desestímulo a um Estado que pretendesse atacar outro
Estado, pois nesse caso o agressor não contaria com o elemento da surpresa proporcionado pelo
sono do seu adversário (HOBBES, Thomas. Do cidadão, p. 131-132).
62 HOBBES, Thomas. Leviatã. p. 27.
63 RIBEIRO, Renato Janine. État de nature et relations internationales dans la pensée de Thomas
Hobbes, [2005?]. Disponível em: <http://www.renatojanine.pro.br/LEstrangeira/etatdenature.
html>. Acesso em: jun. 2007. (publicação sem número de páginas). Tradução livre. No original:
“c’est précisément la menace réciproque de guerre qui les permet de ne pas se livrer à des batailles
perpétuelles”.
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Conrado da Silveira Frezza
64 RIBEIRO, Renato Janine. État de nature et relations internationales dans la pensée de Thomas
Hobbes (publicação sem número de páginas). Tradução livre. No original: “La guerre entre les
individus était marquée par un mouvement ininterrompu, chaotique, frénétique, ne leur accordant
nul répit, nul repos; mais pour parler des États Hobbes emploie des mots qui soulignent l’immobilité
des acteurs: les rois sont comme figés ‘dans la situation et la posture des gladiateurs, leurs armes
pointées, les yeux de chacun fixés sur l’autre’ (chap. XIII, p. 126). La situation est loin d’être heureuse,
mais une relative immobilité prévaut ici sur la mobilité, et c’est justement ce qui distingue la bataille
quasi-perpétuelle inter homines, menant rapidement à la mort violente, de la guerre internationale,
à laquelle on peut plus ou moins s’accomoder.” (grifo do autor).
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
dos continua sendo um fator que torna o conflito propício e, por isso,
quando os interesses vitais dos soberanos estiverem em jogo, o estado
de guerra internacional tem grande chance de degenerar em batalha. O
que deve ficar claro é que, para Hobbes, o conflito internacional ocorre
com menor freqüência do que o conflito no seu modelo de estado de
natureza entre os homens, por existirem menos fatores que impelem
os Estados para o combate direto, para a batalha. Conseqüentemente
é possível que para Hobbes haja uma certa ordem, ainda que tensa, nas
relações internacionais65.
Poder-se-ia argumentar que, apesar dessas considerações, a con-
cepção de Hobbes sobre as relações internacionais ainda careceria de
um parâmetro objetivo que orientasse a conduta dos soberanos, cuja
existência pudesse fazer com que fosse efetivamente diminuída a pro-
babilidade de conflito. De fato, essa é a objeção que Bull faz ao afirmar
que “a prescrição hobbesiana correspondente é a de que o estado tem
liberdade para perseguir suas metas com relação aos outros estados,
sem quaisquer restrições morais ou legais.”66. Mas esse aparente quadro
de completa falta de moralidade nas relações internacionais parece não
levar em conta a existência de um conjunto específico de regras de com-
portamento que Hobbes diz se aplicar tanto no estado de natureza dos
indivíduos como na relação entre os soberanos. Essas normas de condu-
ta são as “leis de natureza”:
65 Renato Janine Ribeiro chega a ir além: ele propõe que, em Hobbes, o estado de guerra entre os
soberanos não só transforma-se com pouca freqüência em batalha como também é produtivo, por
permitir relações comerciais lucrativas com o exterior. Se, por um lado, Hobbes descreve o estado
de natureza entre os homens como uma situação tal que não é possível a existência de indústria, e
como conseqüência não há desenvolvimento de atividades produtivas (HOBBES, Thomas. Leviatã,
p. 109.), por outro lado, Hobbes afirma que, no plano interestatal, apesar de existir um estado
de guerra, os soberanos “protegem a indústria de seus súditos” (HOBBES, Thomas. Leviatã, p.
110). Isto possibilita trocas pacíficas de mercadorias entre os Estados, afinal, Hobbes considera
o comércio internacional como um meio de “nutrição” do corpo político (HOBBES, Thomas.
Leviatã, p. 195). Ou seja, o estado de guerra entre os indivíduos é essencialmente destrutivo – por
disseminar indiscriminadamente a morte violenta e não permitir o estabelecimento de atividades
produtivas –, mas o estado de guerra entre os Estados é precisamente o que lhes faz viver, por
permitir o desenvolvimento da indústria interna e, ao mesmo tempo, o comércio com o exterior. As
trocas comerciais entre os Estados, ainda que desvantajosas para algum dos lados, permitem que
as vidas dos súditos no interior das fronteiras sejam asseguradas e promovidas (RIBEIRO, Renato
Janine. État de nature et relations internationales dans la pensée de Thomas Hobbes, publicação
sem número de páginas).
66 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 33, grifo nosso.
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
tante das leis de natureza é que elas são objetivas, imutáveis e universais,
isto é, não podem ser determinadas pela vontade dos indivíduos, nem
mesmo do soberano: “As leis de natureza são imutáveis e eternas, pois a
injustiça, a ingratidão, a arrogância, o orgulho, a iniqüidade, a acepção
de pessoas e os restantes jamais podem ser tornados legítimos”72. Por-
tanto, só pelo fato de existir um parâmetro fixo de comportamento que
se aplica a “todos os homens”73, já se pode dizer que Hobbes não defende
o subjetivismo moral no estado de natureza, o arbitrarismo moral do
soberano com relação aos seus súditos74 e a amoralidade nas relações
internacionais. Em qualquer desses casos, a desobediência às leis de na-
tureza implica em graves punições naturais para quem as descumpre.
Essas punições são as conseqüências naturais – que geralmente se mani-
festam a longo prazo, se considerado o tempo de vida dos indivíduos –
da ação humana:
Não existe nesta vida nenhuma ação do homem que não seja o começo de
uma cadeia de conseqüências tão longa que nenhuma providência humana é
suficientemente alta para dar ao homem um prospeto até o fim. E nesta cadeia
estão ligados acontecimentos agradáveis e desagradáveis, de tal maneira que
quem quiser fazer alguma coisa para seu prazer tem de aceitar sofrer todas as
dores a ele ligadas; e estas dores são as punições naturais daquelas ações que
são o início de um mal maior que o bem. E daqui resulta que a intemperança é
naturalmente castigada com doenças, a precipitação com desastres, a injustiça
com a violência dos inimigos, o orgulho com a ruína, a covardia com a opressão,
o governo negligente dos príncipes com a rebelião, e a rebelião com a carnificina.
Pois uma vez que as punições são conseqüentes com a quebra das leis, as punições
naturais têm de ser naturalmente conseqüentes com a quebra das leis de natureza
e portanto seguem-nas como seus efeitos, naturais e não arbitrários.75
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
que não existem as noções de bem e mal no estado de natureza, ele está
claramente referindo-se apenas ao nível de avaliação psicológico, não ao
moral. O autor explica a transição entre esses dois níveis de avaliação da
seguinte maneira:
O bem e o mal são nomes que significam nossos apetites e aversões, os quais
são diferentes conforme os diferentes temperamentos, costumes e doutrinas dos
homens. [...] Portanto enquanto os homens se encontram na condição de simples
natureza (que é uma condição de guerra) o apetite pessoal é a medida do bem e
do mal. Por conseguinte todos os homens concordam que a paz é uma boa coisa,
e portanto que também são bons o caminho ou meios da paz, os quais [...] são
a justiça, a gratidão, a modéstia, a eqüidade, a misericórdia e as restantes leis de
natureza; quer dizer, as virtudes morais; e que seus vícios contrários são maus.
Ora a ciência da virtude e do vício é a filosofia moral, portanto a verdadeira
doutrina das leis de natureza é a verdadeira filosofia moral.78
A transição do nível moral para o jurídico ocorre porque uma das
leis de natureza determina que cada indivíduo renuncie à sua liberdade,
juridicamente ilimitada, de fazer tudo aquilo que bem entender – desde
que os outros também o façam e na medida em que cada um conside-
re isso necessário para sua própria conservação79 –, e a transfira para
um soberano80. Dessa forma, o nível jurídico entra em vigor na teoria
hobbesiana a partir da criação do Estado. Neste nível, Hobbes utiliza
termos como “justo”, “injusto”, “certo” e “errado” para referir-se a ações
virtuosas e viciosas: “injusto”, nesse caso, significa o descumprimento de
uma lei estabelecida pelo soberano81. Em uma comunidade jurídica, os
cidadãos têm direitos de exigir sobre o comportamento uns dos outros,
de acordo com o parâmetro estabelecido pela lei civil promulgada pelo
soberano. Os súditos agora gozam, por exemplo, de direitos de proprie-
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as leis de natureza devem ser seguidas. Por isso, quando Hobbes diz que,
na falta de um poder superior capaz de manter a ordem, a desconfiança
freqüente de uns em relação aos outros gera uma situação na qual “ne-
nhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação; isto é,
pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que
puder”91, ele está operando ao mesmo tempo com dois conceitos dis-
tintos e independentes: a liberdade jurídica e o direito de natureza. Ou
seja, ele está descrevendo uma situação na qual, além de não haver um
poder comum superior com autoridade e poder para manter a ordem,
também não existe, devido às circunstâncias particulares que cercam a
ação do indivíduo, a segurança necessária para que ele se comporte de
acordo com as leis de natureza. De fato, Hobbes diz que as leis de natu-
reza obrigam à ação apenas quando existe segurança: “cada um respeita
[as leis de natureza] [...] quando pode fazê-lo com segurança”92. Porém,
como aponta Malcolm, “segurança aqui não significa a condição geral
do estado civil, mas as circunstâncias particulares que cercam a ação de
um indivíduo”93.
Hobbes realmente descreve situações nas quais pode haver a se-
gurança necessária para agir de acordo com as leis de natureza, mesmo
quando não há um poder civil estabelecido acima dos autores dessas
ações. Um exemplo importante fornecido pelo autor é o caso de um
acordo em que uma das partes já tenha cumprido seu lado primeiro:
nessa situação é racional (e um ditame da lei de natureza) que a outra
parte cumpra também seu próprio lado do acordo94. Uma das razões
pelas quais Hobbes sustenta essa idéia é que, nesse caso, aquele que des-
197
A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
o benefício do outro, cumprir a sua parte, ou se o não é. E eu afirmo que não é contra a razão”
(HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 124-125).
95 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 125.
96 “E se um príncipe mais fraco assina uma paz desvantajosa com outro mais forte, devido ao
medo, é obrigado a respeitá-la, a não ser [...] que surja algum novo e justo motivo de temor para
recomeçar a guerra.” (HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 119).
97 Com relação à posição de Hobbes sobre o direito internacional, Malcolm faz uma importante
observação. Ele aponta que nos debates no século XVII havia uma divisão fundamental entre aqueles
que defendiam que o direito internacional derivava de uma lei positiva e aqueles que acreditavam
que ele era diretamente derivado de uma lei natural. Esse foi um debate real, no qual Hobbes era
claramente identificado como um “naturalista”, argumentando contra os “positivistas”. Até mesmo
aqueles que rejeitavam o ponto de vista de Hobbes sobre este assunto o consideravam um sério
argumento sobre como classificar o direito internacional, não como se Hobbes simplesmente
negasse a existência do direito internacional como tal. Esse fato demonstra, segundo Malcolm, que
ao contrário do que muitos críticos sustentam, Hobbes certamente não defende a inexistência do
direito internacional, ainda que o conceba essencialmente como um direito natural e não positivado
(MALCOLM, Noel. Hobbe’s theory of International Relations, p. 439-440).
198
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
estar dos seus súditos: “Porque nenhum rei pode ser rico ou glorioso,
ou pode ter segurança, se acaso seus súditos forem pobres, ou desprezí-
veis, ou demasiado fracos, por carência ou dissensão, para manter uma
guerra contra seus inimigos”101. Portanto, de acordo com Hobbes, para
o soberano de reta razão o maior objeto de poder será, em regra, aquele
que proporcione a maior segurança ao seu Estado102, e não necessaria-
mente aquele que ofereça maior capacidade de domínio ou ataque103.
Em sua obra Diálogo entre um filósofo e um jurista, Hobbes afirma que
os soberanos, quando movidos pela glória e pelo desejo de empreender
conquistas incessantes, comprometem o bem-estar do seu povo, e por-
tanto põem em risco sua própria capacidade de preservação:
Os súditos desses reis que aspiram à glória e imitam as ações de Alexandre, o
Grande, não têm sempre a vida mais confortável e nem esses reis normalmente
desfrutam por muito tempo suas conquistas. Eles andam perpetuamente de um
lugar para outro, como se sobre uma prancha apoiada apenas no meio, na qual a
elevação de uma das extremidades leva a outra a se abaixar.104
Hobbes inquestionavelmente condena, de forma contundente, as
atitudes dos soberanos que visam alargar insaciavelmente seus domí-
nios. O autor coloca essa tendência como uma das causas de enfraqueci-
mento ou dissolução do Estado. Assim, dentre as “doenças” que podem
atingir os Estados:
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
108 Como já foi visto, a justiça propriamente dita, para Hobbes, consiste no cumprimento dos
pactos. Mas, nas passagens das obras do autor em que ele emprega o termo “justa guerra” (ver, por
exemplo, HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 195), tudo leva a crer que o autor está se referindo a um
tipo de guerra conforme à eqüidade, à razão.
109 A respeito da “regra geral da razão”, ver HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 113-114. E com relação
à validade dessa regra para os soberanos, ver HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 262.
110 “É lícito ou não é lícito conforme for a intenção daquele que faz isso. [...] A intenção pode ser
lícita em vários casos, de acordo com o direito natural; um desses casos é quando ele é forçado a
isso pela necessidade de sobrevivência. Assim, os filhos de Israel, assim como seus chefes, Moisés e
Josué, tinham uma ordem direta de Deus para destituir os canaanitas e também tinham uma justa
pretensão, com base no direito natural, de fazer o que fizeram, tendo de preservar a vida e sendo
incapazes de sobreviver de outro modo. E assim como sua preservação, também a sua segurança
é uma pretensão justa para invadir aqueles que eles têm justas razões de temer [...]” (HOBBES,
Thomas. Diálogo entre um filósofo e um jurista, p. 176, grifo nosso).
111 MALCOLM, Noel. Hobbes’s theory of international relations, p. 449.
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Conrado da Silveira Frezza
112 MALCOLM, Noel. Hobbes’s theory of international relations, p. 449. Tradução livre. No
original: “A just fear is an assessment of danger that must, presumably, be based on some empirical
judgment about matters of fact”.
113 HOBBES, Thomas. Do cidadão, p. 201.
114 HOBBES, Thomas. Do cidadão, p. 201.
115 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 178.
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
116 No capítulo em que trata das cortes em vigor na Inglaterra, Hobbes escreve que na Court
of Admiralty: “[...] o juiz profere a sentença de acordo com as leis imperiais [direito romano],
que antigamente vigoravam por toda esta parte da Europa e agora são leis [na Inglaterra] não
por vontade de qualquer outro imperador ou poder estrangeiro mas pela vontade dos reis da
Inglaterra, que lhes deram força em seus próprios domínios; a razão disso parece ser que muito
freqüentemente as causas surgidas no mar são entre nós [os ingleses] e as pessoas de outras nações,
que na maior parte são governadas por essas mesmas leis imperiais” (HOBBES, Thomas. Diálogo
entre um filósofo e um jurista, p. 66).
117 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 195, grifo do autor.
118 Importa ressaltar que apesar do autor colocar a “justa guerra” como uma das alternativas para
o Estado conseguir os recursos necessários à sua sobrevivência, essa hipótese é restrita, porque,
como foi dito anteriormente, não é qualquer guerra que é considerada legítima – isto é, “racional”
– para o autor. Assim, quando não houver um justo motivo para um Estado empreender guerra
contra outro Estado (como um risco de segurança bem fundamentado ou a necessidade vital de
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Conrado da Silveira Frezza
recursos), a opção da violência com o fim de conseguir os recursos necessários para a manutenção
da vida do povo fica indisponível, e a única maneira legítima de obtê-los é por meio do comércio
internacional.
119 HOBBES, Thomas. Behemoth or the long parliament. Editado por Ferdinand Tönnies. Chicago,
The University of Chicago Press, 1990. p. 144. Tradução livre. No original: “It is methinks no great
polity in neighbouring princes to favour, so often as they do, one another’s rebels, especially when
they rebel against monarchy itself. They should rather, first, make a league against rebellion and
afterwards, (if there be no remedy) fight one against another.”
120 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 107.
121 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 142.
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Conrado da Silveira Frezza
Considerações finais
É realmente possível reconhecer e justificar fenômenos de coope-
ração internacional a partir do conceito hobbesiano de estado de natu-
reza. Pelo que foi exposto até aqui, pode-se concluir que a interpretação
desse conceito feita pela “tradição hobbesiana”, isto é, por autores como
Carr e Morgenthau, não reflete de maneira precisa o pensamento do
próprio Thomas Hobbes sobre as relações internacionais. Isto porque,
para Hobbes, o conflito humano não é causado necessariamente pelo
fato de o homem ter um inesgotável desejo por poder, como argumen-
tam esses autores. O poder pode, segundo Hobbes, tomar formas varia-
das dependendo das características psicológicas individuais de quem o
almeja, e por isso não significa necessariamente a vontade de domínio
sobre os outros homens. Hobbes claramente condena os soberanos que
buscam fama e riquezas por meio de conquistas sobre os povos estran-
geiros, pelo fato desse tipo de guerra, tida pelo autor como desnecessá-
ria, implicar um sério risco para o Estado que a empreende. Assim, uma
vez que Hobbes não tem como premissa a idéia de que o desejo de poder
é o motor das guerras de expansão, a possibilidade de auxílio mútuo
no plano internacional torna-se possível. Ainda mais pelo fato de que a
analogia que o autor faz entre as relações dos indivíduos no estado de
natureza e as relações entre os Estados ser apenas parcial: o estado de
guerra entre os soberanos degenera muito mais raramente em batalha,
permitindo inclusive o comércio entre os Estados, por meio do qual a
vida dos súditos no interior das fronteiras é assegurada e promovida.
Desse modo, pode haver uma certa ordem, ainda que tensa, nas relações
entre os Estados.
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A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A PARTIR DO CONCEITO HOBBESIANO DE ESTADO DE NATUREZA
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Conrado da Silveira Frezza
Referências
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Nations. Aldershot: Avebury, 1989.
ALVES, Marcelo. Leviatã o demiurgo das paixões. Uma introdução ao
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Letras Contemporâneas, 2001.
ARANTES, Abelardo. 14 Pontos de Wilson: aula ministrada no Instituto
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BEITZ, Charles R. Political Theory and International Relations. Princeton:
Princeton University Press, 1979.
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Tradução de Sérgio Bath. São
Paulo: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2002. (Col. Clássicos IPRI, 5).
CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Tradução de
Luiz Alberto Figueiredo Machado. 2. ed. Brasília: Editora Universidade
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO
CONCEITO DE IGUALDADE
JURÍDICA DOS ESTADOS
André Vinicius Tschumi1
Introdução
A proposta desse artigo é descrever a genealogia do conceito de
igualdade jurídica dos Estados, desde a sua origem até os dias atuais. Em-
bora esse conceito tenha sofrido mutações ao longo do tempo, ele con-
siste de modo geral em uma regra que objetiva garantir que todos os Es-
tados, independentemente de seu poder político, econômico ou militar,
recebam, nas mesmas condições, um tratamento igualitário pelo direito
internacional.2 O foco central da pesquisa é a Segunda Conferência de
Paz de Haia, realizada em 1907, auge das discussões a respeito do tema.
Embora a maioria dos juristas concorde ao afirmar a existência
deste princípio, há uma grande divergência sobre as implicações do
conceito de igualdade dos Estados no plano do direito internacional.
Do ponto de vista legal, será possível aceitar que um Estado com mais
de 1,3 bilhões de habitantes como a China possua na Assembléia Geral
da ONU um voto equivalente ao de um Estado como Tuvalu, com pou-
co mais de 12 mil habitantes? Não será o poder de veto no Conselho de
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
3 Cf. ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. p. 200-201.
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André Vinicius Tschumi
4 “Portanto, se a natureza fez todos os homens iguais essa igualdade deve ser reconhecida; e se a
natureza fez os homens desiguais, como os homens, dado que se consideram iguais, só em termos
igualitários aceitam entrar em condições de paz, essa igualdade deve ser admitida”. (HOBBES,
Thomas. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 3. ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1983, p. 129.)
215
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
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André Vinicius Tschumi
9 Os Tratados de Vestfália encerraram duas longas guerras na Europa: a Guerra dos Oitenta Anos ou
Revolta Holandesa (1568-1648) e a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A principal conseqüência
decorrente da Paz de Vestfália foi a secularização do poder político, aceitando-se a diversidade
religiosa e política que permitiu a formação de uma multiplicidade de Estados soberanos.
10 O princípio de mútua abstenção consiste na aplicação da regra da soberania absoluta às relações
entre os Estados. O pós-Vestfália consolidou “a concepção de que a independência de qualquer
autoridade externa no controle do seu território e da sua população era um direito inerente de
todos os estados”. (BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Tradução de Sérgio Bath. São Paulo:
Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002. (Col.
Clássicos IPRI, 5). p. 40.) Conseqüentemente, cada Estado se abstém de interferir nas questões
internas dos demais.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
11 VATTEL, Emerich de. The Law of Nations. 1753. Disponível em: < www.constitution.org/vattel/
vattel.htm >. Acesso em: 27 jul. 2002. Seção 18 e 19.
12 Cf. REUTER, Paul. Direito Internacional Público. Lisboa: Presença, 1981. p. 103.
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André Vinicius Tschumi
13 ACCIOLY, Hidelbrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE,
1956. p. 57.
14 No século XIX a doutrina ortodoxa dos internacionalistas positivistas sustentava que a
sociedade internacional era uma associação européia, a que os estados de outras regiões só podiam
ser admitidos se e quando atingissem o padrão de civilização ditado pelos europeus. (BULL,
Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 43.)
15 A título de exemplo, as relações entre as potências européias e a China no século XIX eram
marcadas por uma flagrante desigualdade jurídica, baseada em tratados que previram a abertura
unilateral do comércio chinês e o princípio da extraterritorialidade para os cidadãos europeus que
estivessem no país asiático.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
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André Vinicius Tschumi
18 Segundo o Protocolo de Troppau, os Estados que passassem por uma troca de governo em
virtude de uma ação revolucionária, cujas conseqüências ameacem outros Estados, estavam
sujeitos a sofrer uma intervenção por parte da Santa Aliança com a finalidade de recolocar no
poder o governo deposto.
19 “Em 1812, por exemplo, no caso da escuna Exchange, decidido pela Suprema corte dos Estados
Unidos, o Chief Justice Marshall já proclamava a “perfeita igualdade e absoluta independência” dos
Estados soberanos; e anos depois, no caso Antelope, o mesmo Marshall dizia: “Nenhum princípio
de direito geral é mais universalmente reconhecido do que o da perfeita igualdade das nações. A
Rússia e Genebra têm direitos iguais. Resulta dessa igualdade que nenhuma pode, legitimamente,
impor uma regra à outra”. Por outra parte, na Grã-Bretanha, em 1817, Sir William Scott, no caso
do navio francês Le Louis, julgado pela alta corte do almirantado britânico, também já se referia à
“perfeita igualdade e inteira independência de todos os Estados”, considerando-as como o principal
fundamento do direito internacional”. (Fenwick, apud ACCIOLY, Hidelbrando. Tratado de Direito
Internacional Público, p. 223.)
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
o modo mais eficaz e mais eqüitativo para a solução de questões que não
pudessem ser resolvidas pelos meios político-diplomáticos.20
Graças aos Estados latino-americanos, ausentes na Primeira Con-
ferência, a Segunda contou com a participação de 44 países (18 países
a mais que em 1899), o que abrangeu praticamente toda a comunidade
internacional. Os principais temas tratados em 1907 discorriam sobre:
o direito de captura; o bloqueio naval; o uso de minas e a questão dos
bens particulares durante a guerra marítima; a transformação de navios
mercantes em embarcações bélicas; o papel dos países neutros durante
os conflitos; a questão da cobrança dos empréstimos internacionais pe-
los Estados; a formação do Tribunal de Presas e de um novo tribunal de
arbitragem ou a criação de uma corte internacional de justiça.
A participação do Brasil na Segunda Conferência ocorreu no auge
do prestígio de Rio Branco como ministro das relações exteriores, que
ocupou o cargo de 1902 até 1912. A política da delegação brasileira em
Haia foi caracterizada pela defesa das mesmas idéias que caracterizaram
a administração do Barão de Rio Branco: a utilização em larga escala da
arbitragem internacional, a política pragmática de interesses (sem ali-
nhamentos automáticos com qualquer país) e a defesa da igualdade jurí-
dica dos Estados. A constante comunicação e a grande afinidade de po-
sições entre Rio Branco e Rui Barbosa, chefe da delegação brasileira em
Haia, sobrepujaram as diferenças ideológicas entre ambos.21 Enquanto
Rui Barbosa era um liberal convicto e um dos líderes do movimento
republicano no Brasil, Rio Branco era um árduo defensor e admirador
do regime monárquico.
20 A Convenção de Haia de 1899 estabeleceu a Corte Permanente de Arbitragem, em vigor até os
dias de hoje. Entretanto, ao longo de sua história a corte trabalhou com apenas 26 casos. Após o
estabelecimento da Corte Permanente Internacional de Justiça em 1923 e, posteriormente, da Corte
Internacional de Justiça em 1945, o uso da Corte Permanente de Arbitragem se tornou cada vez
mais raro. (MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 1165.)
21 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya. 3. ed. Rio de Janeiro: Nacional, 1912,
p. 8. Graça Aranha apud VIANA FILHO, Luís. Três estadistas no Império: Rui-Nabuco-Rio Branco.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. v.2, p. 117.
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André Vinicius Tschumi
22 Cf. RODRIGUES, José H; SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma história diplomática do Brasil: 1531-
1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 260.
23 Cf. CARVALHO, Delgado de. História diplomática do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1959. p. 258.
24 O único litígio territorial envolvendo o Brasil e outro país sul-americano resolvido através da
arbitragem foi a Questão Palmas, contra a Argentina. A decisão de submeter este litígio a arbitragem
foi tomada pelo Brasil em 1889, quando Rio Branco era apenas cônsul em Liverpool. Apesar de não
ter exercido influência alguma na decisão de encaminhar esse litígio à arbitragem, sendo inclusive
contrário a tal medida, Rio Branco não apenas aceita defender o Brasil como vence também a
disputa com a Argentina. (LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do Rio-Branco); bibliografia pessoal
e história política. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1965. p. 196.)
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
25 De acordo com a proposta Porter, os Estados recorreriam à força armada apenas nas três hipóteses
seguintes: a) Quando o Estado devedor recusasse ou ignorasse o oferecimento de arbitragem; b)
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André Vinicius Tschumi
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
29 Nas palavras de Rui Barbosa: “Um tribunal permanente, por mais alta que fosse a imparcialidade
dos seus membros, correria o risco de assumir, aos olhos da opinião universal, o caráter de uma
representação de Estados; e os governos, podendo suspeitar de exposto a influências políticas, ou
a correntes de opinião, não acederiam em comparecer a sua presença como a de uma jurisdição
inteiramente desinteressada.” (STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 133).
30 Em 1905, Rio Branco eleva a categoria da representação brasileira em Washington, tornando-a
a primeira embaixada brasileira do mundo. (Cf. LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do Rio-Branco),
p. 334).
31 Cf. CERVO, Amando L; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo:
Ática, 1992. p. 165.
226
André Vinicius Tschumi
32 Em 1905, o navio de guerra da Alemanha Panther desembarcou no porto de Itajaí (SC) para
fazer averiguações a respeito de um desertor alemão. As buscas feitas pelos marinheiros daquele
país no Brasil constituíram uma grave violação da soberania brasileira. O incidente diplomático foi
resolvido com um pedido formal de desculpas escrito pelo governo do Kaiser alemão Guilherme II
(Cf. LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do Rio-Branco), p. 343-348).
33 Cf. LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do Rio-Branco), p. 329.
34 Cf. CERVO, Amando L; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil, p. 163.
35 Na questão do Acre, as boas relações entre Brasil e EUA foram fundamentais para evitar que
o governo ianque viesse a intervir em favor do Bolivian Syndicate, empresa de capitais norte-
americanos e ingleses que havia adquirido com o governo boliviano o direito de concessão sobre
a zona em disputa por Bolívia, Brasil e Peru. Mais tarde, o Bolivian Syndicate aceitou retirar-se das
terras em litígio mediante ao pagamento de 110 mil libras efetuado pelo governo brasileiro (Cf.
RODRIGUES, José H; SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma história diplomática do Brasil: 1531-1945,
p. 255).
227
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
36 Uma parte do discurso encontra-se disponível em: STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil
em Haya, p. 13.
37 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 21, 110-119.
38 Cf. LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do Rio-Branco), p. 378.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
1909 o Brasil assinou um tratado com o Uruguai que cedeu a esse país,
espontaneamente e sem compensações, o condomínio da lagoa Mirim
e do rio Jaguarão. Desde 1801, tomara o Brasil aquelas fronteiras que,
premido pelas lutas internas, o Uruguai reconhecera em 1852.44 A ati-
tude do Barão eliminou um tratado desigual, com mais de meio século,
que estabelecia uma fronteira fluvial comum entre os dois países, conce-
dendo, entretanto, a apenas um deles o direito a livre navegação naque-
las águas. Ao firmar tal gesto, Rio Branco contribuiu não apenas para a
afirmação do princípio da igualdade jurídica dos Estados, mas também
afastou o Uruguai da órbita de influência da Argentina e manteu a coe-
rência com a doutrina da livre navegação na bacia do Rio da Prata.
Em Haia, a defesa do princípio da igualdade jurídica dos Estados
foi a base da conduta do Brasil ao longo de toda a conferência. A dele-
gação brasileira fez mais do que apenas criticar as propostas apresenta-
das pelos outros governos que não seguiam esse princípio. Rui Barbosa
apresentou um projeto para a composição de um novo tribunal de ar-
bitragem. A proposta brasileira respeitava o princípio da igualdade ju-
rídica, mas não obteve muito respaldo na assembléia. A firme oposição
de Rui Barbosa às propostas sobre o novo tribunal apresentadas pelas
grandes potências dificultaram para o Brasil obter o apoio desses países
para a sua idéia.45
O Tribunal Permanente de Arbitragem criado na Primeira Con-
ferência de Paz, em 1899, possuía um grande prestígio durante os seus
primeiros anos, decorrente do significativo número de casos então re-
solvidos.46 Contudo, persistia o problema de que, embora o tribunal
fosse permanente, o mesmo não acontecia com os seus juízes, escolhi-
dos, caso a caso, pelos países litigantes. Podiam participar do tribunal
tríplice dois juízes nacionais, respectivamente, de cada um dos Estados
44 Cf. VIANA FILHO, Luís. Três estadistas no Império: Rui-Nabuco-Rio Branco, p. 1157.
45 “Pelo projeto brasileiro os 44 Estados seriam divididos em três categorias formadas por ordem
alfabética. Cada Estado elegeria seu juiz por nove anos, mas cada juiz só tomaria assento no
tribunal por três anos. Os juízes não efetivos constituiriam uma espécie de reserva na qual qualquer
litigante poderia escolher seu juiz, se assim o entendesse. Destarte o direito de ser cada Estado
julgado por juízes de sua própria eleição, ficaria ressalvado como na Corte Permanente de 1899 que
desapareceria com este plano. Entretanto haveria sempre um tribunal em vigor, composto para os
primeiros três anos de juízes do primeiro grupo alfabético, começando pela Alemanha. O segundo
triênio constituir-se-ia do segundo grupo e assim por diante, devendo os respectivos membros
achar-se a 24 horas de Haia” (STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 24).
46 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 1165.
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47 Cf. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Estudos de direito internacional, p. 129.
48 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 16.
49 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 16.
50 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 126-127.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
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60 Para se ter uma idéia do ritmo do processo de mudanças na capacidade naval de cada país,
em 1889 (menos de vinte anos antes da Conferência de Haia) a marinha dos Estados Unidos era
inferior a de países como Argentina, Brasil e Chile. (KISSINGER, Henry A. A Diplomacia das
Grandes Potências. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999. p. 36).
61 Cf. STEAD, William; BARBOSA, Rui. O Brasil em Haya, p. 142.
62 No jornal Tribune de Londres, lia-se, por exemplo, no dia 11 de outubro de 1907: “A princípio
o homem da Conferência era o Barão Marschall von Bierberstein. Sua estrela declinou enquanto
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
a do Sr. Rui Barbosa elevou-se continuamente até o zênite” (LINS, Álvaro. Rio Branco (o Barão do
Rio-Branco), p. 386).
63 Cf. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Estudos de direito internacional, p. 132.
64 Cf. MELLO, Rubens Ferreira. Textos de direito internacional e de história diplomática de 1815
a 1914. Rio de Janeiro, 1950. p. 116.
65 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica, p. 49.
236
André Vinicius Tschumi
66 A idéia de que o conceito de igualdade jurídica dos Estados era a base do sistema internacional
até 1914 exclui desse sistema excluí as nações da Ásia e da África, as quais foram em sua grande
maioria transformadas em colônias e protetorados europeus.
67 Cf. KAPLAN, Morton A; KATZENBACH, Nicholas de B. Fundamentos Políticos do Direito
Internacional. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964. p. 49-50.
68 Cf. BARBOSA, Rui. Os conceitos modernos do direito internacional. Rio de Janeiro: Casa de Rui
Barbosa, 1982. p. 31.
69 Cf. FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL; ODEBRECHT. Notícias de Rui Barbosa: um brasileiro
legal. [s.l.]: Emporium Brasilis Memória e Produção cultural, 1999. p. 26.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
70 Cf. KISSINGER, Henry A. A Diplomacia das Grandes Potências, p. 261, 406.
71 Cf. KISSINGER, Henry A. A Diplomacia das Grandes Potências, p. 257.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
74 A tese da representação continental defendia que cada um dos três grandes continentes,
Europa, América e Ásia, deveria possuir pelo menos um membro permanente no Conselho. Com
a não-adesão dos EUA à Liga, a América passou a ser o único dos três continentes a não possuir
um representante fixo no Conselho.
75 GARCIA, Eugênio V. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926): vencer ou não perder. Porto
Alegre/Brasília: UFRGS/FUNAG, 2000. p. 96.
76 GARCIA, Eugênio V. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926), p. 119.
77 Lindolfo Collor apud GARCIA, Eugênio V. O Brasil e a Liga das Nações (1919-1926), p. 127.
A não-aceitação da reivindicação brasileira levou o país a vetar a entrada da Alemanha no Conselho
em 1926, fato que tornou insustentável a permanência do Brasil, não apenas no Conselho, mas
também na Liga das Nações como um todo. Assim, ainda em 1926, o Brasil retira-se da Liga.
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78 Cf. SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1997. p. 90.
79 Cf. KELSEN, Hans. La paz por medio del derecho, p. 73.
80 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 427.
81 Cf. CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. Tradução de Luiz Alberto Figueiredo
Machado. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília e São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2001. (Col. Clássicos IPRI, 1). p. 156.
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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
82 Blum apud CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939, p. 156.
83 “Mesmo que presumamos que igualdade de direitos ou privilégios signifique igualdade
proporcional, e não absoluta, teremos avançado pouco, na medida em que não existe nenhum
critério aceito para determinar a proporção. Ainda assim, isto nos adiantaria pouco. O problema
não é o fato de que os direitos e privilégios da Guatemala sejam apenas proporcionalmente, e não
absolutamente, iguais aos dos EUA, mas que tais direitos e privilégios da Guatemala só sejam
gozados devido à boa vontade dos EUA. A constante intromissão, ou intromissão em potencial,
das potências torna quase sem sentido qualquer concepção de igualdade entre os membros da
comunidade internacional” (CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939, p. 156).
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84 “Na Conferência de São Francisco, os quatro poderes (EUA, URSS, UK e China) elaboraram
uma lista de certas questões entendidas como questões processuais (como, por exemplo, as
decisões sob os artigos 28-32 da Carta e questões referentes à agenda) e questões não processuais
(como, por exemplo, recomendações para a solução pacífica das disputas, e as decisões para tomar
enforcement action). No caso de dúvida, a questão preliminar seria a questão não processual. Esse
critério resultou em duplo veto. O membro permanente do CSNU poderia vetar qualquer tentativa
de tratar a questão como processual, e, em seguida, vetar qualquer proposta de resolução que trate
dessa questão” (JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000. p. 317).
243
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
a ação imediata e eficaz prevista pelo Art. 24, § 1º.85 Apesar de atualmen-
te ser considerado um mecanismo anacrônico pela maioria dos Estados,
refletindo a estrutura de poder do pós-Segunda Guerra, e não aquela
existente hoje em dia, a reforma do Conselho de Segurança (e a eventu-
al abolição do veto) esbarra na falta de interesse dos membros perma-
nentes e na ambição das pequenas potências em conquistar um assento
permanente. Nesse aspecto, os problemas observados no Conselho da
Liga repetem-se nas Nações Unidas.
Uma das justificativas para o poder de veto é o fato de que as
grandes potências possuem também obrigações maiores do que os de-
mais Estados no que diz respeito à contribuição para o orçamento das
Nações Unidas. Os recursos com os quais cada Estado-membro deve
contribuir são fixados pela Assembléia Geral (artigo 17), conforme o
PNB de cada Estado.86 De acordo com essa interpretação, não existente
desigualdade jurídica entre os membros da ONU. Afinal, existe certa
proporcionalidade de direitos e deveres entre os Estados. Aqueles que
possuem mais direitos (poder de veto) possuem também maiores deve-
res (contribuição maior); uma desigualdade anula a outra. Através dessa
mesma lógica pode-se argumentar que tal desigualdade de deveres en-
tre os Estados é um reflexo de suas desigualdades econômicas. Logo, em
vez de duas desigualdades, o que existe é uma outra igualdade de pro-
porções. Por exemplo, os EUA contribuem com cerca de 25% do orça-
mento regular da ONU porque o país responde por aproximadamente
25% da economia mundial.
A opinião de que não há desigualdade jurídica entre os Estados-
membros da ONU, mas sim uma equivalência entre direitos e deveres
com as capacidades de cada país segue a linha moderna e relativa de
interpretação desse princípio, afirmada por Kelsen. Essa é, logicamente,
a posição dos Estados que possuem o poder de veto. Porém, na inter-
pretação tradicional e absoluta do conceito (conforme a visão de Vattel
e de Rui Barbosa), há duas violações a norma da igualdade jurídica na
ONU: uma no Conselho de Segurança e outra na contribuição dos Esta-
244
André Vinicius Tschumi
87 No âmbito do continente americano, a menção ao princípio da igualdade jurídica dos Estados
ocorreu 15 anos antes da criação da OEA, em 1933, na 7º Conferência Internacional Americana
(MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 424).
245
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
88 O voto ponderado é utilizado também por outras organizações internacionais, como o BID –
Banco Interamericano de Desenvolvimento e o CERN – Conselho Europeu de Pesquisas Nucleares
(Cf. SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais, p. 40-41).
89 MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 676.
90 Cf. SEITENFUS, Ricardo A. S. Manual das organizações internacionais, p. 147.
91 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 676.
246
André Vinicius Tschumi
92 ALMEIDA, Paulo Roberto de. Os primeiros anos do século XXI: O Brasil e as relações
internacionais contemporâneas. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 122.
247
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
93 Para maiores informações sobre esses autores, confira a lista de referências citadas ao final do
artigo.
94 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 75.
95 O artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) estabelece que “é nulo
um tratado que, na época de sua conclusão, esteja em conflito com uma norma imperativa de direito
internacional geral”. Infelizmente, não existe uma definição de quais normas se enquadram nessa
categoria. O artigo 53 esclarece apenas que “para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa
de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos
Estados, em sua totalidade, como uma norma da qual não se admite derrogação e que só pode ser
modificada por uma nova norma de direito internacional geral da mesma natureza”.
248
André Vinicius Tschumi
96 Cf. ACCIOLY, Hidelbrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2. ed. Rio de Janeiro:
IBGE, 1956. p. 223
97 A opinião de Carr a respeito da igualdade jurídica dos Estados encontra-se em: CARR, Edward
Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939, p. XX.
98 Cf. BRIERLY, James Leslie. Direito Internacional. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1963. p. 128.
249
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
99 MORGENTHAU, Hans J. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Tradução de
Oswaldo Biato. Brasília: Editora Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2003. (Col. Clássicos IPRI), p. 574.
250
André Vinicius Tschumi
251
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
252
André Vinicius Tschumi
104 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 1397.
105 Cf. ALMEIDA, Paulo Roberto de. Os primeiros anos do século XXI, p. 122.
253
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
Considerações finais
O princípio da igualdade jurídica das nações surge em conjunto
à consolidação do Estado moderno e evolui em consonância com as
transformações do direito internacional. Quando esse era composto por
regras que apenas pautavam uma relação de mútua abstenção entre os
povos, a igualdade jurídica entre as nações era um princípio importante
para o sistema internacional e não havia dificuldades para se aplicá-lo.
Porém, com o passar dos séculos o direito internacional começa a se
ocupar das relações de coordenação e, mais tarde, de cooperação entre
os povos. Como conseqüência, surge a contradição dos tratados e da
doutrina tradicional, os quais confirmam a existência desse princípio,
com a prática internacional dos Estados, que transgride a idéia original
do conceito de igualdade jurídica dos Estados.
O desenvolvimento da sociedade internacional tornou equivoca-
da a comparação entre homens e nações que originou o conceito de
igualdade jurídica dos Estados. As nações, ao contrário dos homens,
não possuem um poder coercitivo superior a si, capaz de julgar e impor
penas aos Estados, como ocorre nos sistemas jurídicos nacionais. Ade-
mais, o Estado é uma construção abstrata, produto do contrato social
254
André Vinicius Tschumi
106 Para maiores informações sobre a ordem internacional baseada no equilíbrio de poder e
aquela existente no pós-Primeira Guerra, consulte: TSCHUMI, André V. Princípio da Segurança
Coletiva e a Manutenção da Paz Internacional. Curitiba: Juruá, 2007. p. 73-147.
255
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
256
André Vinicius Tschumi
107 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 445.
108 Abi Saab apud MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público,
p. 445.
109 De acordo com JO essa meta foi acordada na UNCTAD (United Nations Conference on Trade
and Development) para a Official Development Aid (ODA), sendo um dos temas fundamentais da
Agenda 21. (Cf. JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional, p. 427).
257
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
a maioria dos Estados africanos não possui condição alguma para pres-
tar atividades de cooperação (auxílio econômico) internacional.
O exemplo da Conferência de Estocolmo de 1972, onde tem início
as discussões sobre as metas que devem ser assumidas pelos países mais
desenvolvidos na preservação do meio ambiente, demonstra o consenso
acerca da idéia de que os Estados mais ricos devem ter assumir maior
responsabilidade na resolução dos problemas globais. A respeito desse
assunto, a grande maioria dos tratados elaborados (como o Protocolo
de Kyoto) estabelece deveres desiguais entre os Estados, o que viola o
princípio da igualdade jurídica dos Estados como foi interpretado por
Rui Barbosa. O discurso retórico a respeito desse princípio, associado
aos ideais de soberania e independência dos Estados, continuará a ser
invocado por alguns tratados internacionais. Porém, nas questões prá-
ticas os exemplos mais atuais demonstram que a igualdade jurídica é
adaptada em função dos interesses dos Estados, como na questão do
desarmamento, de um comércio internacional mais justo e na partici-
pação dos Estados tanto nas organizações internacionais de cooperação
(ONU, OEA e etc.) como nas de integração (como a União Européia).
Se em questões como o poder de veto no Conselho de Seguran-
ça, ou o sistema de votação ponderada do FMI, a igualdade jurídica é
manipulada em favor das grandes potências, o fenômeno inverso tem
ocorrido quando se trata de questões econômicas. Como atualmente
os países em desenvolvimento dominam as comissões que elaboram o
direito internacional, esses têm reivindicado uma “igualdade vantajosa”,
isto é, que seja dado a eles um tratamento mais benéfico em termos
de comércio e de aplicação de recursos110. A alegação utilizada é que
não se pode tratar de modo igualitário Estados que possuem níveis de
desenvolvimento amplamente desiguais. Logo, a verdadeira igualdade
residiria em tratar de modo diferenciado os países com padrões sócio-
econômicos desiguais. Esse seria o caso, por exemplo, do SGP, criado
pela UNCTAD em 1968.
Percebe-se assim que, independentemente da condição de de-
senvolvimento, os Estados procuram explicar o princípio da igualda-
de jurídica de acordo com seus objetivos políticos. A igualdade formal,
que tornava inflexível a interpretação desse princípio, foi substituída no
110 Cf. MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público, p. 55.
258
André Vinicius Tschumi
Referências
ACCIOLY, Hidelbrando. Tratado de Direito Internacional Público. 2. ed.
Rio de Janeiro: IBGE, 1956.
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Os primeiros anos do século XXI: O Brasil e
as relações internacionais contemporâneas. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ARISTÓTELES. A Política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BARBOSA, Rui. Os conceitos modernos do direito internacional. Rio de
Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1982.
BOBBIT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos
grandes conflitos e da política na formação das nações. Rio de Janeiro:
Campus, 2003.
259
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
260
André Vinicius Tschumi
261
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS
VATTEL, Emerich de. The Law of Nations. 1753. Disponível em: < www.
constitution.org/vattel/vattel.htm >. Acesso em: 27 jul. 2002.
VIANA FILHO, Luís. Três estadistas no Império: Rui-Nabuco-Rio
Branco. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. v.2
262
“Novas Abordagens”
SÍNTESE: oportunidades e
desafios para o ensino e pesquisa
em relações internacionais no
século XXI
Frederico Seixas Dias1
Introdução
Ao longo do século XX, o campo de estudos de Relações Inter-
nacionais (RI) ganhou autonomia na estrutura universitária de vários
países. Foram consolidadas instituições de alcance nacional, regional e
global, formalizando suas práticas cada dia mais. Sua expansão é no-
tável, não só nas regiões desenvolvidas do planeta, mas também, nas
sociedades emergentes e mesmo naquelas com grandes dificuldades
para encontrar um caminho sustentado de desenvolvimento. RI chega
ao século XXI mais globalizada do que nunca. E é a própria globaliza-
ção contemporânea a fonte de desafios (reconhecidos como) cada vez
mais exigentes de soluções que escapam das simplificações modelares e
das visões unilaterais, acadêmica e socialmente falando – problemas de
natureza e manifestação extremamente intrincada tais como a AIDS, a
fome, a crise climática, o narcotráfico, o controle da venda de armas e
a não-proliferação, o terrorismo, crises econômicas, o desenvolvimento
265
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
266
Frederico Seixas Dias
2 DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks in the disciplinary walls. International Social
Sciences Journal, n. 153, set. 1997.
267
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
3 A inspiração principal para o uso desse termo é o texto de Bruce Tow e David Gilliam, Synthesis:
an interdisciplinary discipline (TOW, Bruce e GILLIAM, David. Synthesis: an interdisciplinary
discipline. The Futurist , maio-jun, 2009), em que os dois autores fora do mainstream acadêmico
e muito mais próximos das questões ligadas à tecnologia no mundo empresarial e à resolução de
problemas complexos enfrentados pelas organizações, oferecem uma das leituras mais instigantes e
práticas para o tema. Apesar de simples e, apesar da discussão não ser nova, o argumento colocado
pelos autores na defesa da modalidade de síntese para a eficaz utilização dos conhecimentos
especializados na análise e resolução dos problemas de uma prática crescentemente complexa foi
suficientemente sedutor. Contudo, o endereçamento do texto dos autores exigia um tratamento
menos denso e um ritmo mais dinâmico das questões conceituais e contextuais que definem a
síntese. Adensar a proposta é o intuito dessa seção do texto.
268
Frederico Seixas Dias
4 GANTZ, John; REINSEL, David. As the Economy Contracts, the Digital Universe Expand. In:
International Data Center: White Papers. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/15748837/
IDC-Multimedia-White-Paper-As-the-Economy-Contracts-the-Digital-Universe-Expands>.
Acesso em: 09 nov. 2010.
5 TOW, Bruce; GILLIAM, David. Synthesis: an interdisciplinary discipline.
6 YOUNG, Jeffrey R. Crowd Science Reaches New Heights. In: The Chronicle of Higher Education.
Postado em: 28/05/2010. Disponível em: <http://chronicle.com/article/The-Rise-of-Crowd-
Science/65707/>. Acesso em: 09/11/2010.
7 O site do projeto é <http://creativecommons.org/science>. Acesso em: 09/11/2010.
8 Apud in: MARKOFF, John. A Deluge of Data Shapes a New Era in Computing. In: The New
York Times. Postado em 14/12/2009. Disponível em: < http://www.nytimes.com/2009/12/15/
science/15books.html?scp=5&sq=data%20explosion&st=cse>. Acesso em: 09 nov. 2010.
9 WALLERSTEIN, Immanuel. Diferenciação e reconstrução nas ciências sociais. In: _____. O fim
do mundo como o concebemos: ciência social para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002.
269
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
10 NISBET, Robert A. Social Science. In: Encyclopaedia Britannica Online. Disponível em: <http://
www.britannica.com/EBchecked/topic/551385/social-science>. Acesso em: 12 de outubro de 2010.
11 NOBRE, Sérgio. Uma introdução à história das enciclopédias – a enciclopédia de matemática
de Christian Wolff de 1716. Revista da SBHC, v. 5, n. 1, 2007; NISBET, Robert A. Social Science.
12 NISBET, Robert A. Social Science.
13 MILLER, Matthew; MANSILLA, Veronica. Thinking across perspectives and disciplines.
Goodwork Report, n. 27. Interdisciplinary Studies Project, Project Zero, Harvard Graduate
School of Education, 2004. Disponível em: <http://www.pz.harvard.edu/interdisciplinary/pdf/
270
Frederico Seixas Dias
ThinkingAcross.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2010; DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks
in the disciplinary walls.
14 LEIS, Héctor Ricardo; VIOLA, Eduardo. América Del Sur en el mundo de las democracias de
mercado. Rosario: Homo Sapiens Ediciones: Centro para La apertura y el desarollo de América
Latina – CADAL, 2008.
15 KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph. Power and Interdependence. 3. ed. New York: Harper
Collins College, 2001.
16 HURREL, Andrew. Hegemony, liberalism and global order: what space for would-be great
powers? International Affairs, n. 82, v. 1, 2006; BADIE, Bertrand. Da soberania à competência do
Estado. In: SMOUTS, Marie-Claude. As novas relações internacionais. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 2004.
271
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
17 WALLERSTEIN, Immanuel. The inter-state structure of the modern world-system. In: SMITH,
Steve; BOOTH, Ken e ZALEWSKI, Marysia (orgs.) International theory: positivism and beyond.
Cambridge: Cambridge University, 1996.
18 FUNTOWICZ, Silvio; RAVETZ, Jerry. Post-normal science. Internet Encyclopaedia of Ecological
Economics. International Society for Ecological Economics, 2003. Disponível em: <http://www.
ecoeco.org/pdf/pstnormsc.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2010.
19 SALORANTA, Tuomo. Post-normal science and the global climate change issue. Climatic
Change, n. 50, pp. 395–404, 2001.
272
Frederico Seixas Dias
20 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.
mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576>. Acesso
em: 14/11/2010.
21 FUNTOWICZ, Silvio; RAVETZ, Jerry. Post-normal science, p. 2.
22 O critério da falseabilidade desenvolvido por Karl Popper exige que qualquer teoria que se
pretenda científica tem que apresentar as possibilidades de que dados disponíveis possam refutar
hipóteses deduzidas de suas generalizações explicativas. Esse é um dos pilares fundamentais que
marcam o Positivismo contemporâneo, dominante entre as demais epistemologias nas Ciências
Sociais. Cf. POPPER, Karl. The Logic of Scientific Discovery. Londres: Routledge, 2002.
23 GOUGH, Clair; CASTELLS, Nuria; FUNTOWICZ, Silvio. Integrated Assessment: An emerging
methodology for complex issues. Environmental Modeling and Assessment. v. 3, 1998; RAVETZ,
Jerome. Post-normal science and the complexity of transitions towards sustainability. Ecological
complexity, n. 3, pp. 275-284, 2006; GALLOPÍN, Gilberto; FUNTOWICZ, Silvio; O’CONNOR,
Martin; RAVETZ, Jerry. Science for the 21st century: from social contract to the scientific core.
International Journal of Social Science, n. 168, jun. 2001. Disponível em: <http://governance.jrc.it/
jrc-docs/s21c.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2010.
24 FUNTOWICZ, Silvio; RAVETZ, Jerry. Post-normal science; RAVETZ, Jerry. Post-normal
science and the complexity of transitions towards sustainability; GALLOPÍN et al. Science for the
273
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
274
Frederico Seixas Dias
27 DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks in the disciplinary walls.
28 Idem, pp. 12-13.
275
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
29 KRATOCHWIL, Friedrich. The monologue of “science”. In: HELLMANN, Gunther. Are
dialogue and synthesis possible in International Relations? International Studies Review, v. 5, n. 1,
mar., 2003.
30 WITTROCK, Björn; WAGNER, Peter; WOLLMANN, Hellmut. Social science and the modern
state: policy knowledge and political institutions in Western Europe and the United States. In:
WAGNER, Peter; WEISS, Carol; WITTROCK, Björn; WOLLMANN, Hellmut. Social sciences and
modern states: National experiences and theoretical crossroads. Cambridge: Cambridge University
Press, 1991.
31 JEFFREY, Paul. Smoothing the waters: observations on the process of cross-disciplinary
research collaboration.
32 DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks in the disciplinary walls.
276
Frederico Seixas Dias
33 NEUMANN, Iver. International Relations as emergent bakhtinian dialogue. In: HELLMANN,
Gunther. Are dialogue and synthesis possible in International Relations? International Studies
Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
34 HELLMANN, Gunther. In conclusion: Dialogue and synthesis in individual scholarship and
collective inquiry. In: _____. Are dialogue and synthesis possible in International Relations?
International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
35 KRATOCHWIL, Friedrich. Constructivism as an approach to interdisciplinary study. In:
FIERKE, Karin; JOERGENSEN, Knud (orgs.). Constructing International Relations, the next
generation. Armonk, N.Y./London: M.E. Sharpe, 2001.
36 GOUGH, Clair; CASTELLS, Nuria; FUNTOWICZ, Silvio. Integrated Assessment: An emerging
methodology for complex issues.
37 JEFFREY, Paul. Smoothing the waters: observations on the process of cross-disciplinary
research collaboration.
277
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
278
Frederico Seixas Dias
279
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
45 SATO, Eiiti. Relações Internacionais como área do conhecimento e sua consolidação nas
instituições de ensino e pesquisa. Trabalho preparado para a V Semana de Relações Internacionais
da UNESP, 2007; GUIMARÃES, Lytton. Relações Internacionais como campo de estudos: discurso,
raízes e desenvolvimento, estado da arte. Cadernos do REL. Brasília: UnB - Depto. de Relações
Internacionais, n. 17, 2001.
46 Para o caso de RI no Reino Unido, ver RICH, Paul. Reinventing Peace: David Davies, Alfred
Zimmern and Liberal Internationalism in Interwar Britain. International Relations, v. 16, n. 5,
2002. Para o caso americano, ver KENNAN, George. American Diplomacy. Chicago: University
of Chicago, 1984, Cap. 6.
47 Alguns exemplos dessas obras são MORGENTHAU, Hans. Politics among Nations: the struggle
for power and peace. New York: Mc Graw-Hill, 1993; WALTZ, Kenneth. O homem, o estado e a guerra:
uma análise teórica. São Paulo: Martins. Fontes, 2004; _____. Theory of international politics. New
York: McGraw-Hill, 1979; BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2002; WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999; BALDWIN, David (org.). Neorealism and Neoliberalism: The
contemporary debate. New York: Columbia University Press, 1993.
280
Frederico Seixas Dias
48 Críticas exemplars podem ser encontradas em ASHLEY, Richard. The Poverty of Neorealism. In:
KEOHANE, Robert (org.). Neorealism and its critics. New York: Columbia University Press, 1986;
WALKER, Robert. Speaking the language of exile: Dissidence in International Studies. International
Studies Quarterly, v. 34, n. 3, 1990; _____. The double outiside of the modern international.
Ephemera: Theory and politics in organization, v. 6, n. 1, 2006; SMITH, Steve. The United States and
the discipline of International Relations: “hegemonic country, hegemonic discipline”.
49 Ver KRATOCHWIL, Friedrich. Constructivism as an approach to interdisciplinary study.
50 MILLER, Matthew; MANSILLA, Veronica. Thinking across perspectives and disciplines;
BUANES, Arild; JENTOFT, Svein. Building bridges: Institutional perspectives on interdisciplinarity,
Futures, v. 41, pp. 446–454, 2009.
281
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
51 LAPID, Yosef. Through dialogue to engaged pluralism: The unfinished business of the Third
Debate. In: HELLMANN, Gunther. Are dialogue and synthesis possible in International Relations?
International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003, p. 128.
52 VASQUEZ, John. The post-positivist debate. In: BOOTH, Ken; SMITH, Steve (orgs.).
International Relations Theory Today. Pensylvania: The Penn State University, 1995.
53 KATZENSTEIN, Peter; KEOHANE, Robert O. e KRASNER, Stephen D. International
Organization and the study of word politics. International Organization, v. 52, n. 4, 1998.
54 GEYER, Robert. Globalization, europeanization, complexity, and the future of Scandinavian
exceptionalism. Governance: An International Journal of Policy, Administration, and Institutions, v.
16, n. 4, out., 2003.
282
Frederico Seixas Dias
55 Idem.
56 HELLMANN, Gunther (org.). Are dialogue and synthesis possible in International Relations?
International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
57 MORAVCSIK, Andrew. Theory synthesis in International Relations: Real not metaphysical.
In: HELLMANN, Gunther (org.). Are dialogue and synthesis possible in International Relations?
International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
58 KEOHANE, Robert. Apud in SMITH, Steve. Positivism and beyond. In: SMITH, Steve;
BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (orgs.) International theory: positivism and beyond. Cambridge:
Cambridge University, 1996.
59 SMITH, Steve. Dialogue and the reinforcement of orthodoxy in International Relations. In:
HELLMANN, Gunther (org.). Are dialogue and synthesis possible in International Relations?
International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
283
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
60 HARVEY, Frank; COBB, Joel. Multiple dialogues, layered syntheses, and the limits of expansive
cumulation. In: HELLMANN, Gunther. Are dialogue and synthesis possible in International
Relations? International Studies Review, v. 5, n. 1, mar., 2003.
61 KRATOCHWIL, Friedrich. The monologue of “science”; _____. Constructivism as an approach
to interdisciplinary study.
62 MORAVCSIK, Andrew. Theory synthesis in International Relations: Real not metaphysical.
63 KING, Gary; KEOHANE, Robert; VERBA, Sidney. Designing social inquiry: Scientific inference
in qualitative research. Princeton: Princeton University Press, 1994.
284
Frederico Seixas Dias
285
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
69 SMITH, Steve. Dialogue and the reinforcement of orthodoxy in International Relations, p.
143.
70 DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks in the disciplinary walls, p. 6.
71 HELLMANN, Gunther. In conclusion: Dialogue and synthesis in individual scholarship and
collective inquiry.
286
Frederico Seixas Dias
72 WAEVER, Ole. The sociology of a not so international discipline: American and European
developments in International Relations; SARAIVA, José Flávio (org.). Concepts, histories and
theories of international relations for the 21st century: national and regional approaches. Brasília:
IBRI, 2009.
73 SMITH, Steve. The United States and the discipline of International Relations: “hegemonic
country, hegemonic discipline”.
287
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
74 SATO, Eiiti. Relações Internacionais como área do conhecimento e sua consolidação nas
instituições de ensino e pesquisa, p. 35.
75 Censo da Educação Superior, INEP/MEC. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/
censosuperior/sinopse/default.asp >. Acesso em: 14 jan. 2011.
288
Frederico Seixas Dias
289
SÍNTESE: oportunidades e desafios para o ensino e pesquisa em relações internacionais no século XXI
78 ACHARYA, Amitav (2006). International Relations and Area Studies, Towards a New
Synthesis? State of Security and International Studies, n. 2. Singapore: Institute of Defence and
Strategic Studies, 2006.
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80 SATO, Eiiti. Relações Internacionais como área do conhecimento e sua consolidação nas
instituições de ensino e pesquisa.
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desejado por Cervo, pois, como ele chama atenção em seu livro, o fim é
o “de abrir o debate intelectual a respeito de conceitos e teorias”.84
Cervo relata que a trajetória do pensamento brasileiro aplicado à
inserção internacional do país passou pelas contribuições originais da
CEPAL, nos anos, 1960, pelos debates das teorias do desenvolvimento e
da dependência, o neoliberalismo dos anos 1990 e a reação de ceticismo
em relação aos discursos sobre os impactos positivos da globalização.
Na diplomacia brasileira, registra-se um acumulado de princípios que
dão previsibilidade à política externa e grande continuidade mesmo com
as trocas de poder e de regimes. Entre esses princípios, a autodetermi-
nação e não-intervenção, o juridicismo e a solução pacífica de contro-
vérsias, a cordialidade oficial e o não-confrontacionismo, o multilatera-
lismo, as parcerias estratégicas e o desenvolvimento como vetor. O autor
já refletia especificamente sobre essa questão desde, pelo menos, 1994.
Em artigo introdutório de uma obra coletiva organizada por ele, afirma-
va que, não considerando as teorias da dependência ou derivações da
teoria do imperialismo como teorias de RI, “nenhuma desenvolveu-se
naquele país relativamente ao objeto de estudo. Convém, pois, falar de
um pensamento sem teoria, quando se cogita na bases conceituais ou
explicativas para as relações internacionais do Brasil”.85 Isso parece não
ter essencialmente mudado, tendo em vista seu argumento de 2008.
Do outro lado do debate (não necessariamente em conflito), pa-
rece estar uma diversidade de manuais de TRI escritas por autores brasi-
leiros que inundam as livrarias do país.86 Em geral, não fazem qualquer
menção a esses desenvolvimentos teóricos nacionais e regionais (sem
contar as tais contribuições às teorias da dependência, que já aparecem
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87 SARAIVA, José Flávio (org.). Concepts, histories and theories of international relations for the
21st century: national and regional approaches.
88 CERVO, Amado. Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros; SARAIVA, José
Flávio. Are there regional and national approaches to International Relations? In: ______ (org.).
Concepts, histories and theories of international relations for the 21st century: national and regional
approaches. Brasília: IBRI, 2009.
89 DOGAN, Mattei. The new social sciences: cracks in the disciplinary walls.
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90 HONNETH, Axel. Teoria Crítica. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (orgs.). Teoria
social hoje. São Paulo: Editora UNESP, 1999.
91 WALLERSTEIN, Immanuel. Teoria dos Sistemas Mundiais. In: GIDDENS, Anthony; TURNER,
Jonathan (orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: UNESP, 1999.
92 CHECKEL, Jeffrey. The constructivist turn in international relations theory. World Politics, v.
50, pp. 324-348, 1998.
93 KRATOCHWIL, Friedrich. The monologue of “science”.
94 GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XVII.
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Considerações finais
Certamente, a especialização cumpre um papel importante no
avanço do conhecimento humano, seja pelos limites das capacidades
cognitivas individuais, seja pela possibilidade de lidar com determinado
conjunto de aspectos da realidade que gozam de relativa estabilidade
e especificidade. Apesar dessas vantagens, é necessário reconhecer os
perigos que ameaçam a plenitude das possibilidades de ganhos a serem
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dial pode se tornar muito mais estimulante para seus praticantes e re-
levante para a sociedade, beneficiando, inclusive, outras especialidades
com esse sucesso, enquanto pode resultar na condenação de outras ao
ostracismo. O objetivo do texto foi o de refletir sobre a proposta diante
do campo de RI, com foco na academia brasileira. Mais do que apon-
tar políticas e práticas didáticas específicas, espera-se que o empreen-
dedorismo de pares inspirados pela discussão desenvolvida aqui traga
inovações na condução da pesquisa e do ensino do campo que podem
tornar o estudo da política mundial muito mais estimulante para seus
praticantes e, antes disso, relevante para a sociedade, mundial e local.
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Towards a New Synthesis? State of Security and International Studies, n.
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