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í

ARNALDO TONI
So u sa das C hagas

1 VI LU SAO
NO DISCURSO
da Auto-Ajuda
e o Sintoma Social

Editora Í!M!JÍ!¡
través d este livro o au tor propõe
um a reflexão crítica sobre a p rod ução d iscu rsiva
de au to-aju da. Ele faz um a a n á lise d esse
d iscu rso m ed ian te o exam e d o s tex to s escritos
d e várias obras do género; p ro b lem a tiza
su a a r tic u la ç ã o n o s o c ia l; se u s e f e it o s
e co n se q u ên cia s para as relações h um anas.
O estu d o realizado n o s p erm ite p ensar sobre
a lg u m a s d e t e r m i n a ç õ e s p s í q u i c a s q u e
co n d u zem o su jeito, p elas form ações im aginárias
e m ed ia n te sua crença , na d ireção da p rom essa
que ap on ta para um ideal impossível. E xam ina-se
ta m b é m a a r t ic u la ç ã o d e s s a p r o d u ç ã o
d is c u r s iv a c o m o d is c u r s o d o m in a n t e
da so c ie d a d e co n te m p o r â n e a , p ro cu ra n d o
c o m p r e e n d e r q u a l s e r ia s e u s e n t i d o
no m o m e n to em q ue se relaciona com algum as
id eo lo g ia s d o s d ias atuais. A partir d e en tão,
d iscu te-se a au to-aju da co m o um sin to m a
social.

issn ss-zqas-szs-s

9 788574 290782

Editora ÜNiJÍÜ
A
JL J L m a í d o To n i S o u s a
das Chagas nasceu a 25 de no­
vembro de 1962, em Santa María
(RS). E psicólogo, formado pela
UNIJUI. Mestrando em Psicología
Social e Institucional, na UFRGS.
Trabalha com a equipe de enfer­
magem no serviço de psiquiatria
do HUSM - UFSM, desde 1983,
onde trabalhou com pacientes
psicóticos internados: foi membro
da e q u ip e m u lt id is c ip l in a r
da u n id a d e de d e p e n d e n te s
q u ím ic o s ; f o i c o o r d e n a d o r
de grupos de alcoolistas e toxicó-
manos e atualmente desenvolve
atividades no ambulatorio de emer­
gencia psiquiátrica. Foi produtor
e apresentador do programa “Nosso
M undo M e n ta l”, pela Rádio
Universidade, da UFSM, e autor
de diversos artigos em jornais
e anais de congressos: “O Uso
de Drogas e a Sociedade de Con­
sum o”, “Auto-Ajuda: o Sujeito
e a Psicanálise”, “A Ilusão da Auto-
Ajuda”, “Crime , Justiça e Cons­
ciên cia”, “Tensões Intelectuais
entre Psicanálise e Psicologia”, entre
outros.
Q
ue razões podem levar
m ilh a r e s d e p e s s o a s
no mundo todo a consumirem livros
de auto-ajuda? Que sentido o ho­
mem contem porâneo encontra
nos conteúdos desses manuais para
conduzir-se na vida? Por que razões
as pessoas identificam-se com idéias
propostas pelos referidos autores?
Que fatores socioculturais suscitam
sua adesão ao referido discurso?
Que relações estruturais constituem
a valorização das promessas e receitas
contidas nas referidas literaturas?
Essas são algumas das indagações
pertinentes que se procura discutir
e de alguma forma esclarecer através
deste livro.
n •)i
da Auto-Ajuda
e o Sintoma Social

Editora UNIJUÍ
Ijuí - Rio Grande do Sul - Brasil
1999
© 1999, Editora UNIJUÍ
Rua do Comércio, 1364
Caixa Postal 560
98700-000 - Ijuí - RS
- Brasil -
Fone: (055) 332-7100, Ramais 217 e 612
F ax:(055) 332-9100
editora@main.unijui.tche.br

Capa: Elias Ricardo Schüssler


Responsabilidade Editorial eAdministrativa : Editora UNIJUÍ

Catalogação na Fonte
Biblioteca Central UNIJUÍ

C433d Chagas, Arnaldo Toni Sousa das


A ilusão no discurso da auto - ajuda e o sínto­
ma social / Arnaldo Toni Sousa das Chagas. — Ijuí:
Ed. UNIJUÍ, 1999. - 128 p.
ISBN 85.7429.078-5
1.Filosofia 2.Auto - ajuda I.Título.
CDU: 1
101
V J
DEDICATORIA
Ao Maurício e à Leticia,
que enfrentarão muitos
desafios no século 21
AGRADECIMENTOS
A Dolores,
pessoa muito especial.
umário
PREFÁCIO.............................................................................................13

APRESENTAÇÃO................................................................................. 15

C A P ÍT U L O I

O INDIVIDUALISMO E A AUTO-AJUDA
NA CULTURA MODERNA................................................................. 19
Das Sociedades Tradicionais à Independência
e à Autonomia Individual................................................................. 22
A "Libertação" do Homem e a Salvação
pelas Forças Interiores.......................................................................24
A Liberdade como Sensação de Autonomia Individual................... 27
A Auto-Ajuda e a Desintegração dos Referenciais
Coletivos e Certa Necessidade de Orientação................................. 31

C A P ÍT U L O II

AS CONFIGURAÇÕES DE AUTO-AJUDA
E AS RELAÇÕES SOCIAIS PELA ÉTICA DO CONSUMO ............... 35
Os Manuais de Auto-Ajuda e o Caráter
Manipulativo do C onsum o..............................................................38
A Liberdade Capitalista Traduzida pela Competição
e pelo Consumo 40
A Auto-Ajuda e a Tendencia de Julgar
o Homem pelos Objetos.................................................................... 44
A Manipulação Comunicativa e o Homem
como Utilidade e M eio...................................................................... 48
A Ética do Consumo, a Solene Diligencia aos Objetos
e a Instabilidade das Relações Sociais............................................ 53

C A P ÍT U L O III

A AUTO-AJUDA E A ILUSÃO PROMOVIDA PELO DISCURSO


SEDUTOR E FASCINANTE..................................................................61
O Sujeito Tomando a si Mesmo como Objeto
Idealizado pela Força da Fantasia .................................................. 64
O Efeito da Sedução e o Fascínio pelas
Convicções Imaginárias..................................................................... 66
O Discurso dos Pregadores da Auto-Ajuda
e o Jogo "Calculista" das Aparências.............................................. 71
A Realização Imaginária pelo Discurso Fascinante.......................74
A Influencia das Proposições da Auto-Ajuda
pelo Fascínio e pela Sedução............................................................. 77

C A P ÍT U L O IV

AS PROPOSIÇÕES DA AUTO-AJUDA COMO ILUSÃO:


UMA ABORDAGEM PSICANALÍTICA DAS ILUSÕES.......................81
As Proposições da Auto-Ajuda e a Promessa
que Não se Cumpre ............................................................................84
O Sujeito Aprisionado pelo Desejo, a Sua Crença
e a Ilusão da Felicidade...................................................................... 85
A Certeza nas Sentenças da Auto-Ajuda
e a Crença como Ilusão...................................................................... 88
A Realidade como Fonte de Sofrimento
e a Auto-Ajuda como Medida Paliativa......................................... 93
C A P ÍT U L O V

O DISCURSO DA AUTO-AJUDA COMO PROMESSA MODERNA


DE UMA REALIZAÇÃO IMPOSSÍVEL............................................. 95
A Receita da Perfeição Humana pela Promessa
que Não se Cumpre ........................................................................... 98
A Inscrição da Auto-ajuda no Discurso Dominante
e o Sintoma Social..............................................................................99
A Impossibilidade da Completude
pela Proibição do Incesto ................................................................ 101
A Auto-Ajuda como Orientação
para a Completude do S e r.............................................................. 104
A Manipulação Comunicativa e a Crise
das Relações H um anas.................................................................. 106
O Discurso da Auto-Ajuda e o Sintoma Social...........................107

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117


refácio
Com m uita satisfação aceitei o pedido de Arnaldo para fazer a
apresentação de sua investigação acerca da literatura de auto-aju-
da. Dois motivos me ligam à sua obra, A Ilusão no Discurso de
Auto-Ajuda*: de um lado, acompanhei de perto o nascimento e a
realização do texto, discutindo as dificuldades encontradas e tam­
bém dando minhas opiniões. De outro lado, sempre tive uma inten­
sa curiosidade em apreender os nexos lógicos que articulam os fe­
nômenos de ilusão, sugestão, hipnose, transe religioso, etc., tanto
dentro de um contexto religioso como não-religioso. Esta minha
curiosidade e, certamente, meu fascínio, encontraram solo fértil na
minha adolescência, quando me caiu nas mãos um dos livros de E.
R. Bourroughs, de sua série sobre Tarzan. A partir disso, foi-me
impossível deixar de percorrer toda a série. Eram meus primeiros
livros de auto-ajuda, pois, para nosso herói, nada era impossível e
isso, igualmente deveria valer para seus leitores. Infelizmente, en-
contrei-me com Karl May e seu herói, Winnetou, muito tarde, quando
então sua magistral obra já me era ilegível. Em compensação, foi
quando deparei-me com as Memórias de Casanova, o grande mestre
da prestidigitação e da ilusão. É mestre nessa arte, pois acabamos
não sabendo se ele mesmo não se encontra tomado em sua própria
artim anha. Olhando para trás, penso que Casanova m uito me ensi-

* Este livro é baseado no trabalho de conclusão do curso de Psicologia, apresen­


tado pelo autor, para a obtenção do grau de psicólogo, em 1998, na Universida­
de Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ, Ijuí, Rio
Grande do Sul), sob a orientação de Mario Fleig.

13
f/Aimaído Totti Sousa das Chagas

nou sobre a lógica da ilusão e igualmente me impediu de cair no


fascínio dos clássicos da auto-ilusão, como Carnegie, M urphy e
muitos outros; contudo, isso não significa que eu não tenha sido
tomado em ilusões.
Deste modo, quem partilha de algo da curiosidade e do fascí­
nio pelas ilusões contemporâneas, especialmente na forma da pro­
fícua literatura de auto-ajuda, que enche prateleiras nas livrarias,
supermercados e bancas de revistas, e igualmente quer decifrar os
meandros da lógica da ilusão, não pode deixar de ler este texto de
Arnaldo. O autor escreve a partir de um lugar especial, a cidade de
Santa Maria, um expressivo centro de produção de literatura de auto-
ajuda. Se uma obra não se produz sem a implicação de seu autor,
não podemos deixar de observar a sensibilidade do autor para o sin­
toma de sua cidade, que aparece como o fascínio pelas ilusões. Como
cada um lida com seu fascínio pela literatura de auto-ajuda?
Se cada um tem as ilusões que merece, igualmente pertence a
cada um a significação por essa forma de saber que exclui o outro e
a surpresa. Freud, apesar de duro crítico da ilusão, não retira o seu
valor, como nos aponta o autor em sua análise do texto freudiano.
Restam-nos sempre interrogações: que ilusão nos alimenta? Qual é
o futuro de nossas ilusões contemporâneas? Será que a promessa de
um gozo sem falhas, na ultrapassagem dos impossíveis, poderá cons­
tituir um laço social? Há possibilidade de se fazer laço social quan­
do a consistência do outro se degrada em objeto a ser consumido?
Certamente o leitor formulará suas próprias interrogações e isso
poderá abrir um caminho neste emaranhado de ofertas sedutoras,
em nosso mercado de felicidades.

Mario Fleig**

** Psicanalista, membro de Associação Psicanalítica de Porto Alegre, e mestre em


Filosofia.

14
presentacão
A literatura de auto-ajuda tem seus primeiros indícios em
meados do século XIX, entretanto, encontra seu apogeu em tempos
atuais. O referido fenômeno tem provocado opiniões conflitantes,
nos últimos tempos. É exaltado por uns e abominado por outros.
Esse gênero de publicação literária conquistou grande parte do mer­
cado editorial brasileiro e vem garantindo posições invejáveis entre
os best-sellers, em quase todos os países do mundo.
Os temas preferidos dos escritores de livros de auto-ajuda re­
almente são sedutores e fascinantes, ao menos pela forma que são
proferidos, isto é, falam daquilo que os indivíduos desejam alcançar
no decorrer da vida. As fórmulas apresentadas através dos conteú­
dos da referida literatura, de um modo geral, são espetaculares,
impositivas, totalitárias e miraculosas.
Os temas são os mais variados: Como Fazer Amigos e Influen­
ciar Pessoas; Como Conseguir Tudo o que Você Quer da Vida; O Sucesso
Não Ocorre por Acaso; O Poder Infinito da Sua Mente; Como Alcançar a
Realização Plena; 0 Poder do Pensamento Positivo; 0 Poder do Subcons­
ciente; Se os Outros Puderam Você Também Pode; A Mágica de Pensar
Grande e tantos outros.
De frente à exaltação do discurso da auto-ajuda, na atualida­
de, e pelo número expressivo de seguidores que crêem nesses pensa­
mentos e se orientam na vida por tais proposições, surge o interesse
por um a investigação exploratória através da pesquisa.

15
//A rmaído Toni Sousa das Chagas

Mas, afinal, que razões podem levar milhares de pessoas no


mundo todo a consumirem livros de auto-ajuda? Que sentido o ho­
mem moderno encontra nos conteúdos desses manuais para condu-
zir-se na vida? Por que razões as pessoas identificam-se com ideais
propostos pelos referidos autores? Que fatores socioculturais susci­
tam sua adesão ao referido discurso? Que relações estruturais cons­
tituem a valorização das promessas contidas nas referidas literatu­
ras? Essas são algumas das indagações pertinentes que se procura
discutir e, de alguma forma, esclarecer neste livro.
Diante da identificação da problemática, do desafio a ser ven­
cido, passou-se ao exame dos conteúdos das literaturas de auto-
ajuda, tendo como objetivo principal a realização de um a análise
crítica e reflexiva, no intuito específico de identificar os principais
pontos da articulação desse discurso com os discursos dominantes
da sociedade moderna. A referida problemática gira em torno da
produção de sentidos por meio de tais formações discursivas, de modo
especial, em torno do "assujeitamento" e dos tipos de relações que
possui o sujeito/leitor/imaginário, no que diz respeito à cultura e às
ideologias que o interpelam. O que se quer saber, também, são as
razões que perm itiram e permitem, como pano de fundo, sua
legitimação, sustentação e adesão social. Sendo assim, procura-se
situar o discurso de auto-ajuda dentro de um contexto maior, que o
determina. A reflexão sobre o individualismo, como movimento ideo­
lógico da cultura moderna, permite circunscrever o discurso de auto-
ajuda em um universo maior, procurando entender sua legitimação
social e, além disso, possibilita a compreensão de alguns fenôme­
nos - históricos, sociais e culturais - que permitiram a emergência
da referida literatura como um "fenômeno cultural de massa".
O estudo realizado levou em conta, sobretudo, alguns proces­
sos inconscientes que nos permitem pensar sobre a adesão do sujei­
to a essa produção discursiva, a partir da crença no poder das propo­
sições otimistas e fascinantes da auto-ajuda.
No primeiro momento, depois de situar o individualismo na
cultura ocidental, procura-se examinar e distinguir alguns aspectos
da sociedade de consumo, que são relevantes para a discussão do tema

16
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

proposto. Assim, será possível vincular alguns pontos inerentes à


aquisição e à acumulação de objetos (cultura-ideologia do consu­
mo), que, de um modo ou de outro, determinam algumas formas de
subjetivação do homem contemporâneo e, simultaneamente, suas
relações sociais de modo geral. Tais relações, por exemplo, apresen-
tam-se em nível de discurso. Portanto, as asserções da auto-ajuda,
pelo menos a partir das evidências pragmáticas encontradas em uma
parcela dessa literatura, vêm diretamente ao encontro do eudemo­
nismo, do utilitarismo. Elas respondem ao indivíduo pela busca de
referenciais identificatórios que, em última análise, garantem a ele
sua mais alta aspiração, em virtude de um juízo adquirido pelas
diferentes formas oferecidas de como conduzir-se no mundo para
viver bem, realizado e feliz.
A análise dos conteúdos da literatura de auto-ajuda permite
um a reflexão a respeito da ética contemporânea, da proposta de
autonomia e liberdade individual, enfim, de como o homem moder­
no deve adequar-se aos ideais do m undo capitalista, a seus desar­
ranjos intensificados pela ética do consumo. Além disso, autoriza
um a reflexão crítica, em nível dos efeitos e das conseqüências para
a vida comunitária, especialmente quando traz elementos de dis­
cussão relativos à crise ética, moral e institucional na qual se vive.
Diante disso, valendo-se de algumas teorizações e concepções sobre
0 desenvolvimento da categoria de indivíduo moderno, foi possível
encontrar elementos fecundos que proporcionam um a direção ao
percurso realizado.
Por outro lado, um dos motivos principais para a realização
deste trabalho foi a possibilidade de abordar a referida problemática
por um a dimensão que não se manifesta tão concretamente em ní­
vel da consciência. Desse modo, buscou-se, ao longo do percurso, a
partir da redefinição do problema, alguns aspectos relativos às for­
mas de subjetivação contemporânea, que determinam a adesão so­
cial desse discurso. Outrossim, o que os sistemas de auto-ajuda
vêm responder ao homem moderno (ou pós-moderno)1 e os efeitos
1 No decorrer do livro o leitor encontrará algumas variações entre os termos
indivíduo moderno e indivíduo pós-modemo. Ambas as referências podem ser pen­
sadas a partir de algumas noções gerais relativas aos termos modernidade e pós-
modernidade. Veja-se nota N° 7.

17
f/^ ,r n a ld o 1'oni Sousa das Chagas

provocados para sua subjetividade. Para tanto, realizou-se basica­


mente um percurso partindo de elaborações teóricas da psicanálise e
de literaturas que possuem relações e fazem referências a essas abor­
dagens. A partir desse referencial teórico, procura-se compreender
que determinações psíquicas conduzem o sujeito, mediante sua cren­
ça, na direção da promessa de um ideal impossível. Uma oferta que é
sustentada, nada mais, nada menos, do que por um discurso sedu­
tor e fascinante. Dessa forma, discorre-se sobre crenças e ilusões.
Além disso, em virtude da revisão de literatura e da análise de seus
conteúdos, verificam-se alguns elementos importantes para análi­
se, uma vez que envolvem o sujeito, pela sua demanda, ao que os
manuais de auto-ajuda oferecem como apropriado e legítimo. Exa-
mina-se também, a articulação dessa produção discursiva com o
discurso dominante da sociedade contemporânea, procurando com­
preender o sentido desta no momento em que se relaciona com a
ideologia dominante dos dias atuais e, a partir de então, discuti-lo
como um sintoma social.
O percurso da investigação desenvolveu-se, sobretudo, pela
literatura de auto-ajuda e análise feita pelo referencial teórico da
psicanálise. Outrossim, algumas do campo da Filosofia e da Socio­
logia fizeram-se necessárias para a fundamentação do tema.
O engajamento no trabalho de investigação se estabeleceu pelas
diferentes opiniões e críticas registradas sobre o tema. Porém, um
aprofundamento e um a análise mais precisa para as propostas des­
te trabalho somente foi possível e pertinente a partir do percurso
realizado através do referencial teórico da psicanálise ou referente a
ele.

18
O individualism o
e a A uto-Ajuda
na Cultura M oderna
17 ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Com a modernidade, como já se sabe, tem-se a ascensão do


individualismo. Por conseqüência, a categoria de indivíduo passa a
ter um lugar privilegiado, em oposição ao social.
Francisco Rüdiger leva a efeito um a reflexão pertinente e in­
teressante sobre A Literatura deAuto-Ajuda e Individualismo (1996).
Em sua obra, produz discussões esclarecedoras sobre o referido fe­
nômeno. Ele considera, nesse estudo, ao contrário do que muitos
pensam, que a literatura de auto-ajuda tem suas raízes no próprio
núcleo da tradição ocidental e, por suposto, na crise dessa e de seus
valores éticos, morais e institucionais.
Com efeito, a necessidade do homem de individualizar-se nasce
ou tem seus primeiros indícios aproximadamente na Renascença,
no período da Reforma. "O sentimento de individualidade, a consciên­
cia de constituir um a pessoa a parte, separada da sociedade, mas
habilitada a fazer julgamentos independentes a respeito dela e de si
mesma, só começou a [...] surgir com a Renascença e durante a
Reforma" (Bensman, Lilienfield, apud Rüdiger, 1996, p. 237). Toda­
via, percebe-se que, no decorrer do tempo, desenvolveram-se movi­
mentos que facilitaram o aumento das formas de individualidade
do homem moderno. Assim, a partir do século XIX, essa condição
torna-se bastante clara. A categoria de indivíduo surge como uma
das conseqüências da ruptura entre o mundo antigo e o mundo novo
e, como afirma George Simmel, faz parte de dois grandes movi­
mentos da civilização, ou cultura moderna: o capitalismo e sua ex­
pansão, a partir do século XVII, e a divisão técnica do trabalho, no
novo modo de produção. Rüdiger escreve que, do resultado da ex­
pansão e desenvolvimento do capitalismo como movimento indivi­
dualista é que se desenvolveu, concomitantemente, o processo "da
liberação do indivíduo das estruturas tradicionais, culminando com
a formação da personalidade livre e igual, no curso do século XVH".
(Simmel apud Rüdiger, 1996, p. 157). O indivíduo deste século, "li­
vre e autônomo", tem o direito exclusivo sobre si mesmo e suas
próprias habilidades. Essa concepção passou a ter forte influência
nos conceitos de direito, deveres e justiça da época, um a vez que

21
maído Toni Sousa das Chagas

achava-se que o indivíduo é livre na medida em que é proprie­


tário de sua pessoa e de suas capacidades. A essência hum ana é
ser livre da dependencia das vontades alheias, e a liberdade existe
como exercício da posse. A sociedade torna-se um a porção de
indivíduos livres e iguais, relacionados entre si com o proprie­
tários de suas próprias capacidades e do que adquiriram median­
te a prática dessas capacidades. (Macpherson, 1979, p. 15)

Das Sociedades Tradicionais


à Independência e à Autonomia
Individual
Em tempos remotos, os homens sustentavam-se e viviam
influenciados por aquilo que a própria cultura tradicional oferecia
como sistema de valores referentes ao grupo. A moral primitiva,
como afirma Vásquez, implicava um a regulamentação do compor­
tamento de cada um, de acordo com os interesses da coletividade,
sendo que, nessa relação, o indivíduo via a si mesmo somente como
parte da comunidade, ou como sua encarnação, ou seu suporte. Diz
o autor citado, que, naquela época, não existiam qualidades morais
pessoais, pois a moralidade do indivíduo, o que havia de bom, de
digno de aprovação no seu comportamento (seu valor, sua atitude
com respeito ao trabalho, sua solidariedade etc.) era qualidade de
todo membro da tribo. O indivíduo existia somente em fusão com a
comunidade e não se concebia que pudesse ter interesses pessoais,
exclusivos, que entrassem em choque com os coletivos. Essa absor­
ção do individual pelo coletivo, não deixava a possibilidade de um a
autêntica decisão pessoal (1997, p. 28). Assim sendo, suas vidas,
de modo geral, eram regidas pelos propósitos de vida comunal. De
fato, não existia o que se conhece hoje por independência, liberdade
ou autonomia individual.
A subjetivação é a penetração do Sujeito no indivíduo e, por­
tanto, a transformação - parcial - do indivíduo em Sujeito. O
que era da ordem do m undo torna-se princípio de orientação

22
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

das condutas. A subjetivação é o contrário da submissão do


indivíduo a valores transcendentais: o homem se projetava em
Deus; doravante, no m undo moderno, é ele que se torna o
fundamento dos valores, já que o princípio central da moralidade
se torna a liberdade, um a criatividade que é seu próprio fim e se
opõe a todas as formas de dependência. (Touraine, 1997, p.
222)

Nas sociedades tradicionais, portanto, o homem recebia uma


orientação da cultura, no que diz respeito à sua condução na vida
(assim era ajudado).
As sociedades tradicionais sustentavam-se moralmente no le­
vantamento de barreiras em volta das tendências e dos impul­
sos no sentido da independência individual. O potencial
destrutivo existente no eu era contido através da negação de
suas próprias energias, ou seu direcionamento para as tarefas
comunitárias (Rüdiger, 1996, p. 237)

É correto dizer que, em épocas passadas, o homem vivia dian­


te de um mundo que comportava certa ordem, uma regularidade
"embutida por Deus". Porém, com o advento da modernidade, o sen­
timento religioso (transcendental) sofre importantes transforma­
ções; as orientações oriundas da crença em Deus do Céu - retirado
do centro do universo, a partir da concepção de "sujeito individual",
por Descartes (1596-1650) -, predominantes no "mundo antigo",
cedem lugar para a crença num Deus da "razão", que, agora precisa
ser explicado. Stuart Hall (1998), tratando sobre a concepção (nas­
cimento e transformação) do "sujeito individual" na cultura do Oci­
dente, faz-nos lembrar que
a Reforma e o Protestantismo [...1 libertaram a consciência in­
dividual das instituições religiosas e da Igreja e a expuseram
diretamente aos olhos de Deus; o Humanismo Renascentista,
[...] colocou o homem [sic] no centro do universo; as revolu­
ções científicas, [...] conferiram ao Homem a faculdade e as
capacidades para inquirir, investigar e decifrar os mistérios da
Natureza; e o Iluminismo [centrou-se] na imagem do Homem
racional, científico, libertado do dogma e da intolerância, e dian­
te do qual se estendia a totalidade da história humana, para ser
compreendida e dominada, (p. 26)

23
f/Amaído Toni Sousa das Chagas

O "individuo moderno", agora, predsa obter um certo conven­


cimento sobre seu Deus e suas crenças. As boas razões para segui-
los precisam ser justificadas racionalmente. O homem tornou-se
independente, capaz de fazer suas escolhas. Nesses termos (tendo
em vista alguns fenômenos da sociedade contemporânea), além dos
diferentes deuses e crenças religiosas de que dispomos, hoje, como
medidas paliativas para nosso mal-estar, temos, ainda, inúmeras
outras novas e inspiradoras ofertas de orientação para a vida, as quais,
prescrevem o que devemos fazer para evitar medos, incertezas e
insuficiências. Elas oferecem, além de outras coisas, a quem procu­
ra, a receita da felicidade plena, "aqui e agora", "na Terra".

A “Libertação” do Homem
e a Salvação pelas Forças Interiores
As transformações sociais e culturais das sociedades moder­
nas e pós-modernas, associadas ao progresso do mundo técnico ra­
cional, como mencionou Stuar Hall (1998), no seu mais recente
trabalho2, abalaram os quadros de referência com que os indivíduos
se estabilizavam no mundo social. Ele afirma que as velhas identi­
dades que já estabilizaram o mundo social, hoje, estão em declínio e
que novas identidades surgem, deixando o indivíduo moderno cada
vez mais fragmentado. O homem apresentava um a identidade bem-
definida e localizada no mundo social e cultural, porém,

essas transformações estão [...1 abalando a idéia que temos de


nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um "sen­
tido de si" estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento
- descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social
e cultural quanto de si mesmos - constitui um a "crise de identi­
dade" para o indivíduo. (Hall, 1998, p. 9)

2 A identidade Cultural na Pós-Modemidad, de Hall (1998), nos permite, como ele


mesmo diz, explorar algumas das questões sobre a identidade cultural na
modernidade tardia e avaliar se existe uma crise de identidade, em que consiste
essa crise e em que direção ela está indo.

24
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

As grandes narrativas da modernidade já foram postas em


suspeita. A razão, a ordem e a certeza não são mais confiáveis. Não
temos mais um Deus que promete a felicidade para depois, um pa­
raíso póstumo. Criamos um mundo terreno onde a harmonia (a or­
dem), a paz e a felicidade podem ser alcançadas, entretanto, fica­
mos desprotegidos, pois, este mundo que criamos se transformou.
Vivemos inseguros e temerosos, portanto, se não temos mais um
Deus que promete a bem-aventurança, nem um mundo de felicida­
de terrena, então, precisamos (com certa urgência) criar diferentes
modos de vida e novos sentidos para poder explicar a realidade. As­
sim, o "sentimento religioso" - (concomitante com o espírito da
pós-modernidade) é imprevisível e irresoluto. Talvez esse seja penas
um dos efeitos do mal-estar que vivemos hoje. Assim sendo, pode­
mos concluir, no primeiro momento, que a insegurança vivida atual­
mente acerca da realidade é característica do mundo (instantâneo,
veloz...). Por conseguinte, da certeza do m undo moderno (que a ide­
ologia moderna anunciou), passamos para um cenário de dúvidas e
paradoxos.

O homem moderno perde a orientação característica das socie­


dades tradicionais, deste modo, com o desenvolvimento do indivi­
dualismo, cada qual buscando sua própria orientação. Uma das con­
dições incorporadas pela autonomia do sujeito é a busca em si mes­
mo (de forças interiores), para auto-ajudar-se. Isso quer dizer que o
sujeito deve buscar em si mesmo os recursos necessários para con-
duzir-se na vida, de tal modo, que possa conseguir, pelas suas for­
ças interiores e vontades individuais, alcançar seus objetivos a rea­
lização pessoal, a felicidade. Assim sendo, os conteúdos da literatu­
ra de auto-ajuda orientam como essa condição pode ser alcançada,
servem, dentre outras coisas, para proporcionar ao sujeito a espe­
rança de poder, um dia, alcançar a realização pessoal. Na mesma
proporção, os mestres pregadores da auto-ajuda procuram deixar
seus leitores informados de que essa condição somente será possível
se o sujeito realmente encontrar esses recursos que lhe são próprios

25
f/^ r n a ld o Toni Sousa das Chagas

e individuais. Sendo assim, depende unicamente deles e de mais


ninguém. Nesses termos, pela crença na ideologia da meritocracia3, é
que o escritor Lauro Trevisan alimenta a idéia de que

a felicidade, em si, só depende de você m esm o [...]. Não faças


nunca depender a tua felicidade de algo que não dependa de ti
[...]. Como se trata de ato intrínseco, tem a ver apenas com
você [...]. Treine-se para sentir-se bem consigo mesmo, com a
humanidade, com o universo e com Deus, aconteça o que
acontecer. (Trevisan, 1997, p. 3)

É importante salientar o fato de que inúmeros sentidos, valo­


res, concepções, necessidades e desejos do homem moderno são di­
versos daqueles da Antigüidade, isto é, de períodos que antecedem a
Renascença.

A partir do desenvolvimento da sociedade moderna, é possível


verificar que,

o que vale para a sociedade, vale para o indivíduo. Sua edu­


cação deve ser uma disciplina que o liberte da visão estreita,
irracional, que lhe impõem sua família e suas próprias pai­
xões, e a abra ao conhecimento racional e à participação em
uma sociedade que a ação da razão organiza. (Touraine, 1997,
p- 20)

Passa-se assim ao mundo racional, do conhecimento técnico


e do desenvolvimento científico, portanto, ao mundo do desenvolvi­
mento humano enquanto tal, de seu poder, de sua capacidade indi­
vidual etc.
Em uma das abordagens realizadas a respeito da teoria políti­
ca do individualismo possessivo, de Hobbes a Locke, Trevisan aborda
algumas suposições que são compreendidas pelo individualismo

3 Para Lorenzo Fischer, a meritocracia tem seus fundamentos no princípio do


achievement. Tudo quanto um indivíduo consegue na vida (ou não consegue)
depende exclusivamente dele. É assim que suas "posições sociais são conquista­
das, adquiridas: através da capacidade individual, pela virtude e inteligência
pessoais (N. Bobbio, apud Bittencourt, 1998)

26
n ilusão no iliscurso da auto-ajuda e o sintoma social

possessivo, que passa a ser de sensível importância para a finalida­


de deste trabalho, ou, precisamente, para um a reflexão mais pro­
funda sobre o tema. Desse modo, são declaradas sete proposições,
que podem assim ser resumidas:

o que confere aos seres o atributo de humanos é a liberdade de


dependência da vontade alheia; a liberdade da dependência alheia
significa liberdade de quaisquer relações com os outros, menos
as relações em que os indivíduos entram voluntariamente
visando a seu próprio proveito; o indivíduo é essencialmente o
proprietário de sua própria pessoa e de suas capacidades, pelas
quais ele não deve nada à sociedade. (Macpherson, 1979, p.
275)

Em relação à extensão de algum as "suposições sociais


identificáveis" no século XVII (como é mencionado no livro de
Travisan), tem-se a dizer da importância que tal abordagem apre­
senta, sobretudo, no sentido da melhor compreensão da sociedade
social democrática, que é politicamente conhecida como democra­
cia liberal. Contudo, as referências feitas, pelo que sugere o tema
deste trabalho, produzem reflexões específicas sobre a liberdade e a
autonomia individual que se estabelece mediante o essencial da "de­
mocracia liberal burguesa", um a vez que visa a respeitar "a livre
determinação dos indivíduos na base de seus interesses pessoais, e dei­
xar à concorrência natural e espontânea entre eles o ajustamento e
harm onização de seus interesses respectivos" (Prado Jr., 1989,
p. 17).

A Liberdade como Sensação


de Autonomia Individual
Em síntese, a liberdade individual da qual se fala, refere-se
aos acordos feitos (ou não) do indivíduo com seus semelhantes.
Consiste na liberdade, que agora possui, por exemplo, para negociar
os salários. Na verdade, pode decidir se vende ou não sua mão-de-

27
//Aimaído Toni Sousa das Chagas

obra, se aceita ou não o salário oferecido; pode escolher seu patrão,


suas atividades, etc. Porém, verifica-se que a decisão última de aceitar
ou não as ofertas no mercado de trabalhadores e patrões, está mais
com o patrão (liberal burguês) do que com os primeiros, à medida
que, em concorrência com outros indivíduos livres, eles também
farão o mesmo. Nesse sentido, a afirmação de que o indivíduo é
livre (e igual) passa a ser um a idealização, um a ilusão que permite
ao indivíduo obter a sensação de poder e autonomia.
Um dos grandes movimentos que ocorreram no passado e que
trouxeram conseqüências importantes para a vida social do homem
moderno foi o desenvolvimento do pensamento iluminista.
O liberalismo, como sabemos, sustenta-se no ideal de que é
possível existir igualdade entre os seres humanos. Ao mesmo tem­
po, acredita-se, através desse pensamento político, que todos os in­
divíduos possuam os mesmos direitos com relação à liberdade e à de­
fesa de seus interesses particulares. Defende-se a idéia de harmonia
entre os homens, exatamente por serem fraternos.
Levando em conta os tipos de regime político do mundo
atual, da globalização, do neoliberalismo e da social-democracia,
verifica-se a emergência de um a ideologia que vem diretamente ao
encontro do crescimento econômico, do progresso social e da con­
corrência do mercado livre. Os estados, que se sustentam pela de­
mocracia liberal, são estruturados em torno dos conflitos sociais,
assim, produzem discursos em torno da harmonia social. "A liber­
dade em todos os domínios sociais" é o que se afirma, o que predo­
mina nesse discurso. É, acima de tudo, a liberdade econômica median­
te o mercado livre. Assim sendo, a concorrência alcança grandes di­
mensões, seja entre nações ou empresas da mesma nação. Cresce a
rivalidade e a competição entre empresários, funcionários da mes­
ma empresa e, por que não, entre as pessoas de modo geral. Essa
pretensa liberdade de criação necessita, segundo Eugène Enriquez
(1991), do desenvolvimento dos meios de informação, educação e
cultura, e da proliferação dos gêneros literários e artísticos, assim
como da mídia, para poder garantir sua difusão e transmissão.

28
fji. ilusño no discurso ila auto-ajiula e o síntoma social

Em síntese, os aparelhos de poder é que determinam a referi­


da liberdade (por exemplo, de expressão política). Dentro dessa pers­
pectiva, as opiniões individuais, originais, não poderão estar em
jogo. Tais opiniões somente poderão ser ouvidas, ou reconhecidas,
se estiverem adequadas e submetidas a esse aparelho de poder insti­
tuído. Contudo, o que se percebe, nas diferentes relações sociais, é a
tendência, do homem (individualizado), de viver (como se fosse re­
almente possível) de modo autêntico, independente, livre e autônomo.
Mediante o processo de desenvolvimento da ideologia do indi­
vidualismo moderno, o homem viu-se obrigado a tom ar decisões
para as quais não encontrava mais apoio no social, passando a se
questionar sobre "Quem sou eu, o que desejo, como devo agir, o que é
justo e o que não é", questões que, até então, não lhe haviam sido
colocadas. Descobriu ele, que as decisões eram suas, bem como as
responsabilidades por elas. Assim, passa a procurar em si mesmo as
respostas para as suas questões. Dessa forma, quando o homem
passou a questionar-se acerca das causas e da significação de tudo o
que pensava, sentia e fazia, emergiu, nas organizações institucionais,
a necessidade de desenvolver práticas que possibilitassem lidar com os
sujeitos individuais.
Portanto, com o movimento do individualismo, o homem foi
à procura de sua autenticidade, "de ser ele por ele mesmo". Deste
modo, instaura-se a necessidade de ser único, legítimo. A "necessi­
dade do sujeito de se diferenciar e, ao mesmo tempo, ser reconhecido
por esta pretensa diferença, torna a todos cada vez mais parecidos".
Na sociedade ocidental, com o advento da modernidade, a na­
tureza passa a ser reconhecida no indivíduo. Logo, verifica-se uma
oposição entre sociedade e indivíduo. "Esta separação entre indiví­
duo e sociedade é, provavelmente, a melhor síntese do que constitui
o fundamento de nossa civilização" (Calligaris, 1993, p. 186). Nes­
se mesmo contexto, Calligaris, citando o antropólogo francês Louis
Dumont, afirma que "o valor fundamental da cultura ocidental é o
individualismo", assim sendo, "trata-se de apontar que, no centro
da cultura ocidental, está a primazia do indivíduo como valor cen­
tral" (Calligaris, 1993, p. 188).

29
¡/Amaído Toni Sousa das Chagas

A partir do desenvolvimento de movimentos individualistas,


conforme já foi mencionado, que trouxeram consigo a libertação do
homem das culturas tradicionais, o individuo precisa ser autónomo
e, para sua "sobrevivência psíquica", necessita distinguir-se dos de­
mais, ser alguém separado das outras pessoas. O sujeito moderno
tem o desejo de ser o único e o melhor de todos. Ele traz a marca da
busca de sua autenticidade, busca sua legitimação pela diferença.
Desse modo, procura seu reconhecimento ou valor social. "O indi­
viduo enquanto sujeito, como valor, não é meramente dado, precisa
ser construido e conservado, através de um trabalho sobre si mes­
mo, dialeticamente mediado pela pessoa" (Rüdiger, 1996, p. 238).
Como se sabe, por Dumont, a igualdade formal básica entre os ho­
mens e a autonomia tornam-se as metas e os meios para um a exis­
tência social plena. Nesse prisma, constatam-se as reivindicações
de direitos "naturais", a definição de cidadania, o exercício perma­
nente dos cuidados de si, o emprego de táticas de autocontrole, auto-
investimento, autovalorização, e a busca da realização pessoal. A
valorização da auto-estima e do conhecimento de "si mesmo" tor-
nam-se ingredientes essenciais da vida de cada um. A auto-realiza-
ção e o autoconhecimento, habitualmente encontrados como pro­
messas nos conteúdos dos manuais de auto-ajuda, dizem de um
ideal de onde o sujeito poderá sustentar-se a partir de suas aptidões
individuais e qualidades interiores desenvolvidas, componentes ine­
rentes ao fundamentos do individuo moderno. Algo sem o qual ele
abdicaria da sua identidade.
Na verdade, o homem contemporâneo, em linhas gerais, não
possui mais a convicção e a esperança nos deuses como possuía
outrora. Pelas suas concepções, crenças desenvolvidas e pela sua
conduta singular, passa a ser responsável por si mesmo. Conforme
Fernandes (1983), “quem confia em si, nofuturo e na própria capacida­
de de remover dificuldades tem mais chances de conquistar afelicidade, o
êxito e afortuna do que os sem esperanças [em si]" (p. 1).
No trabalho de Macpherson, em que ele discute a teoria polí­
tica do individualismo possessivo de Hobbes a Lock, encontra-se
um a citação que parece vir ao encontro do que se está discutindo. O
referido autor cita Overton, quando esse estabelece um a doutrina

30
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

abrangente do direito natural, afirmando que os direitos dos indiví­


duos originam-se "da propriedade natural da própria pessoa de cada
um". Nesse contexto, aborda-se apenas um a das partes de sua cita­
ção, onde diz:

A todo indivíduo na natureza é dada uma propriedade indivi­


dual pela natureza, que não deve ser invadida ou usurpada
por ninguém: pois cada um, com o ele próprio, e quanto a esta
nenhum outro pode presumir dela privar alguém, sem viola­
ção e afronta aos próprios princípios da natureza, como tam­
bém das regras da equidade e da justiça, entre homem e ho­
mem. O meu e o teu só pode ser assim. Ninguém tem poder
sobre m eus direitos e liberdades, nem eu sobre os de ninguém.
Posso ser apenas um indivíduo, usufruir de m im mesmo e da
propriedade de m im mesmo, e posso escrever para mim mes­
mo, não mais que para m im m esm o ou presumir mais além.
Se o fizer, sou um intruso e um usurpador do Direito de ou­
trem, ao qual não tenho o Direito. Porque, por seu nascimento
natural, todos os homens nascem iguais, para a igualdade da
propriedade, e da liberdade. E com o som os entregues por Deus,
pela m ão da natureza, a este m undo, cada qual com sua liber­
dade e sua propriedade inatas e naturais (como se fossem escri­
tas no quadro do coração de todos para não mais serem apaga­
das) assim devemos viver, cada qual usufruindo seu direito e
privilégio de nascença; assim aqueles a quem Deus por nature­
za fez livre. (Overton apud Macpherson, 1979, p. 150)

A Auto-Ajuda, a Desintegração
dos Referenciais Coletivos
e Certa Necessidade de Orientação
A literatura de auto-ajuda, conhecida como psicologia popu­
lar, é usada, nos dias atuais, fundamentalmente, como auxílio e
guiã de incentivo e orientação para a vida de muitas pessoas. Bauman,
com razão, afirma que os homens e as mulheres pós-modernos ne­
cessitam do "alquimista" que possua poder suficiente para trans­
form ar a incerteza de base, em preciosa auto-segurança. Nas entre­

31
/ / A rn a ld o Toni Sousa das Chagas

linhas, esses "mestres" (gurus) procuram demonstrar o poder que


possuem pelo conhecimento superior adquirido e o privilégio que
fora negado aos demais. É como se eles possuíssem a pedra filosofal.
Nesses termos, atuam como "guias de orientação", guias de condu­
ta. Eles "têm" o dom de provocar em cada um de nós um desejo
intenso de sermos reconhecidos, identificados e amados. Como bem
sabemos,

A pós-modemidade é a era dos especialistas em identificar pro­


blemas, dos restauradores da personalidade, dos guias de casa­
m ento, dos livros de auto-afirm ação: é a era do surto de
aconselhamento. Os homens e mulheres pós-modernos, quer
por preferência, quer por necessidade, são selecionadores. E a
arte de selecionar é principalmente em torno de evitar um peri­
go: o de perder uma oportunidade - por não vê-la bastante clara­
mente, ou por não persegui-la bastante incisivamente, ou por
ser um agente de demasiada inexperiência para capturá-la. Para
evitar esse perigo, os homens e mulheres pós-modernos preci­
sam de aconselhamento. (Bauman, 1998, p. 221)

É correto dizer que as rápidas transformações (sociais, cultu­


rais, econômicas, políticas e técnico-científicas) das sociedades
modernas e "pós-modernas" colocam-nos diante de um mundo
efêmero e instável. Esse cenário produz efeitos importantes na vida
psíquica dos seres humanos e as conseqüências podem ser verificadas
nas mais diferentes relações. Não é sem razão que Denise Bittencourt
nos faz lembrar de Alvin Toffler, pois, ele já havia nos alertado de
que tudo isso "implica profundas mudanças na psicologia humana, à
medida que essa efemeridade cria um contexto de precariedade e
transitoriedade nos sistemas de valores, tanto públicos como pesso­
ais, contribuindo para a quebra de consenso, a fragmentação e a
perda de sentido num a sociedade marcadamente individualista"
(Harvey apud Bittencourt, 1998).

"O ritmo acelerado das transformações econômicas, científi­


cas, sociais e tecnológicas, exigem o desenvolvimento de um a alta
capacidade de adaptação e de resposta às mudanças para não ficar
na margem desse processo [...]. Essa reformatação modernizante

32
Ti. ilusão no discurso da auto-ajuda e o síntoma social

envolve processos complexos de desconstrução e reconstrução de


estruturas, práticas político-sociais, identitárias e de instituições,
bem como de busca de novas referências. Neste novo cenário [...] de
fragmentação das condições de vida e de trabalho, de desagregação
social e de desorientação diante do mundo, e especialmente estando
enfraquecidas as possibilidades objetivas e subjetivas de organização
coletiva, cria-se, então, condições propícias ao aparecimento de
ideologias." (Bittencourt, 1998, p. 31 e 32).
Em última análise, o surgimento de novos estilos de vida acaba
afetando a produção, o trabalho e o dia-a-dia de cada indivíduo.
Acelera-se o ritmo de vida, da produção, do consumo, das operações
financeiras, dos serviços e da comunicação. Os valores se transfor­
mam: o que valia ontem não serve mais para hoje e os valores de
hoje poderão não ser mais empregados no dia de amanhã. Esse esta­
do de coisas acarreta, ao contrário de concepções antigas, novos modos
de estar no mundo, de pensar, sentir e agir. Sendo assim, ao que se
entende, parece mesmo ser esse um dos destinos do indivíduo pós-
moderno, isto é: viver intensamente em busca de medidas paliati­
vas para superar as agruras da vida, para aplacar seu mal-estar oriun­
do do cenário pós-moderno.
Fazendo referências à literatura de auto-ajuda, pode-se dizer
que ela teve seu início em meados do século XIX, no momento em
que se caracteriza o culto à singularidade do indivíduo moderno,
quando ele passa a ter, como até então nunca visto, um valor supre­
mo e central na cultura do Ocidente. Ela nasceu como resultado do
desenvolvimento do individualismo moderno e do deslocamento dos
referenciais coletivos para o individual, ou seja, surgiu (e se desen­
volveu como um fenômeno cultural de massa) pelo que caracteri­
zou as estruturas modernas das sociedades industriais (ou, como
dizem alguns, pós-industriais) capitalistas em seus novos modos
de produção industrial: produção em massa (que pode ser aqui
correlacionada como a indústria cultural), pelo funcionamento do
regime capitalista, do mercado, do consum o e, sobretudo, do
recalcamento da cultura tradicional, pela qual o sujeito já não mais

33
ff\rnaldo Toni Sousa das Chagas

pode orientar-se, visto que os referenciais coletivos não oferecem


mais um mundo seguro, ordeiro e estável. Desse modo, o sujeito
volta-se para si próprio, num a tentativa de sobreviver subjetiva­
mente ao seu mal-estar, outrossim, para que possa enfrentar as
adversidades do mundo contemporâneo, do progresso técnico e cien­
tífico, da competição e do consumo exagerado. Enfim, para enfren­
tar esse mundo que reserva aos homens um futuro incerto.
É dessa forma que os conteúdos da literatura de auto-ajuda
vêm tornar patente o indício da negação de qualquer compromisso
com a vida coletiva. Ela responde, na íntegra, ao que representa a
categoria de indivíduo e o individualismo na cultura moderna oci­
dental. A partir de então, aparece uma progressiva liberação da sub­
jetividade, a valorização dos desejos transforma-os em necessidades.
Em síntese, o homem converteu-se em um ser social, porém, com
os referenciais voltados para si, ou seja, um ser individual não ne­
cessariamente comunitário. Portanto, a auto-ajuda, ao que se en­
tende pelas suas proposições textuais, de modo geral, promove um a
idealização que vem intensificar a desintegração da vida comunitá­
ria à medida que reforça o individualismo.

34
As Configurações
de Auto-Ajuda
e as Relações Sociais
pela Ética do Consumo
ilusão no discurso chi auto-njuda e o sintoma social

Neste capítulo, vão ser examinados alguns elementos que


poderão auxiliar na discussão e na reflexão a respeito da temática
desenvolvida, especialmente, pela possibilidade de articular, em li­
nhas gerais, alguns aspectos sociais e culturais determinantes para
a conduta do homem contemporâneo e a sensível crise ética, moral
e institucional a que a ele se interpõe.

Constatou-se, durante a pesquisa, a existência de um a varie­


dade de manuais de auto-ajuda que despertam sentidos e influenci­
am seus leitores para algumas atividades específicas, que envolvem
e movimentam os indivíduos a procedimentos determinantes do
consumo. Em tal caso, são repetidamente incentivados pelas leitu­
ras dos referidos manuais, ao mesmo tempo em que, sem conheci­
mento de causa, empenham-se, dia a dia e com o maior interesse,
na aplicação das sugestões e técnicas extraordinárias que lhes são
ensinadas pelos seus pregadores, para a aquisição de bens materiais
e com a finalidade explícita de alcançar a riqueza e a felicidade. Essa
fração de conteúdos de auto-ajuda da qual se fala, submete o indi­
víduo a um a ordenação sentenciosa. Este, imaginariamente, cria a
fantasia de que encontrou o segredo que, excepcionalmente, leva-
lo-á ao êxito pelos objetos, pela riqueza.

Sem dúvida, a ética do consumo está na base do sistema


cultural vigente. Sumariamente, ela pode ser traduzida pelas ten­
dências características da sociedade capitalista moderna. O discur­
so dominante pronunciado, freqüentemente, vem reforçar a valori­
zação do consumo dos objetos, o reconhecimento do sujeito e a satisfação
pessoal pelo uso e pela acumulação de bens materiais, as satisfações
econômicas etc. Portanto, o prestígio relativo ao útil, ao utensílio
proveitoso, que serve de conforto a todos os homens, possui, queren­
do ou não, um a vez que é impositiva e totalitária, influência
proeminente e segura nas suas diferentes relações sociais e insti­
tucionais.

37
//Amaído Toni Sousa das Chagas

Os Manuais de Auto-Ajuda e o Caráter


Manipulativo do Consumo
Verifica-se, atualmente, um culto público ao discurso da auto-
ajuda, de modo especial, no que diz respeito à progressão financeira
pela competição, exploração e "manipulação comunicativa". O re­
ferido discurso consiste em apresentar revelações atrativas referen­
tes às práticas de consumo de mercadorias e de como alguém deve
conduzir-se na vida para adquirir riquezas materiais e "se dar bem".
Mediante as inúmeras evasivas apresentadas pelas propostas conti­
das em milhares de manuais de auto-ajuda, tem-se a revelação e a
descrição de como cada indivíduo, em dias atuais, deve agir e se
comportar para "levar a melhor" sobre o seu semelhante, à medida
que pode obter ganhos secundários em cada situação vivida. Desse
modo, o que prometem é que esse indivíduo pode tornar-se um se­
nhor respeitado, admirado e todo-poderoso, um homem de sucesso
nos negócios, criativo, otimista, rico, ambicioso, feliz e realizado4.
Essa vasta parcela de proposições discursivas, encontradas nos
referidos manuais, muitos deles vulgares, é produzida e articulada
mediante as configurações de (imagens) ideais de auto-ajuda. Elas
exibem técnicas, experiências bem-sucedidas, modelos ou represen­
tações de homens de sucesso, tais como: instruídos, ricos, podero­
sos e dotados de capacidades superiores. Assim sendo, elas são exi­
bidas, ao público em geral, como dispositivos de um a idealização
social perfeita e adequada, em razão de despertar conveniências e
necessidades de viver pessoalmente bem. Tal indução provém de um a
combinação contemporânea, oportuna, de ideais comuns cultiva­
dos ao longo do tempo pelo indivíduo moderno de modo mais ou
menos geral. No entanto, tais circunstâncias, de que dependem
4 Em tais casos, a idéia é a de reforçar a "auto-estima", o narcisismo do indivíduo.
Desse modo, o valor a (força) moral torna-se elevado pela "sensação imaginá­
ria" provocada. Porém, o entusiasmo associado às imagens de poder e saber,
onipotência e sedução traz em sua estrutura uma proposta que vai ao encontro
do individualismo, da manipulação (entre os homens), competição, consumo,
etc.

38
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

muitas pessoas, resultam de alguns aspectos que podem determinar


a subsistência de um individualismo insensato e, simultaneamen­
te, de um egocentrismo pernicioso que reforça e mantém a competi­
ção e a manipulação lucrativa entre os homens. Cada um, a seu modo,
busca a própria salvação ou sobrevivência, sem levar em conta os
efeitos e as conseqüências que acaba estabelecendo nas suas mais
diferentes relações.
Mediante tais proposições, o que se apreende, em linhas ge­
rais, com os autores de auto-ajuda, é que deve-se deixar

de se preocupar com os outros [eles aconselham] que de hoje


em diante você tem que se preocupar com a pessoa número 1.
Você! [...] simplesmente não se pode andar pela vida na ponta
dos pés temendo pisar em alguns dedões. O referido autor afir­
ma, que ninguém vai andar cuidando para não pisar no seu
dedão [...] e que sente m uito em desiludir seus leitores [...] mas
a vida é que nem um a guerra, quem atirar primeiro vive mais.
Você nunca poderá obter sucesso [a riqueza, o poder, etc.] se
estiver se preocupando com os outros a todo m om ento.
(Thomas, 1979, p. 18-19)

Com efeito, a época em que se vive está marcada por um po­


deroso ideal de consumo, que é irresistível. A busca do bem-estar pes­
soal, do sucesso, da felicidade e da realização, a rigor, produz um
estilo de vida que envolve o homem na direção da aquisição de bens,
da riqueza material. Os meios usados para alcançar o que idealiza
são os mais diversos. Assim sendo, os conteúdos da literatura de
auto-ajuda, seus movimentos, trazem dados importantes de análi­
se da referida problemática, à medida que produzem um discurso
que vai exatamente ao encontro do que esse ideal imperativo de
consumo promete. Portanto, as questões a serem discutidas e o que
aqui se coloca em jogo, sobretudo, é o desenvolvimento da cultura
(ideologia) do consumo e as suas mais diferentes relações, que orga­
nizam e sustentam formas de subjetivação que determinam, de um
modo ou de outro, a condução do homem no m undo social como
um sujeito altamente consumista. Dessa forma, é possível exami­

39
f f A rn a ld o Toni Sousa das Chagas

nar e refletir sobre os conteúdos dessa literatura que, simultanea­


mente, avança na mesma proporção, pois os referidos conteúdos
servem como guia de conduta para milhares de pessoas em quase
todos os países do mundo, principalmente no que diz respeito às
suas proposições, que incitam a ideais de sucesso e realização pes­
soal pela riqueza.
A ideologia do livre mercado, concordando com Denise
Bittencourt (1998), defende basicamente o princípio de que a dimi­
nuição ou a eliminação das restrições governamentais sob o merca­
do resultam num a distribuição de recursos mais eficiente e social­
mente mais favorável. Seus partidários consideram que a ordem
social é melhor assegurada pelo jogo de um mercado auto-regulador
e pelo comportamento "consumista de indivíduos atomizados e
concorrenciais". Bittencourt afirma, ainda, que tudo isso está alia­
do à idéia de que a globalização econômica, o livre fluxo de merca­
dorias e capital para qualquer parte do mundo, estimula a competi­
ção, o crescimento econômico, cria empregos e é benéfico para todos
os indivíduos. Conclui a autora:

Embora essa ideologia, na verdade, denigra os valores e ideais


hum anos e sociais básicos, ela tem -se incrustado em nossos
valores, instituições e cultura a tal ponto de a aceitarmos quase
sem questionar. (Bittencourt, 1998, p. 36)

A Liberdade Capitalista Traduzida


pela Competição e pelo Consumo
Calligaris, em seu trabalho Crônicas do Individualismo Cotidia­
no", afirma que o homem moderno procurou realizar seu grande
sonho. Acreditou que pudesse, como indivíduo, fazer parte de uma
comunidade livre, fraterna, autônoma e igual. Porém, o que se esta­
beleceu de comum entre os homens modernos parece ter sido mes­
mo a cultura do consumismo. O que Calligaris aponta é a constatação
do controle social por um agente regulador das condutas sociais,

40
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

isto é, o consumo, o mercado. Assim, o autor conclui que as imagens


[sedutoras] comuns, que se têm hoje, "são as imagens de felicidades
que o mercado promete, ou melhor, com as quais ele nos garante
que acabamos coincidindo se tivermos acesso aos bens que ele nos
dispensa" (1996, p. 89). A publicidade e o marketing, em geral, tra­
balham sobre essas imagens, procurando dar um sentido aos pro­
dutos e às mercadorias pelos quais, dizem através de suas mensa­
gens, os homens poderão chegar à realização de seus mais íntimos
desejos e necessidades, enfim, à felicidade, à realização e ao suces­
so pessoal.
Os objetos deixam totalmente de estar em conexão com qual­
quer função ou necessidade definida, precisamente porque
respondem a outra coisa diferente, seja ela a lógica social, seja
ela a lógica do desejo, às quais servem de campo móvel e in­
consciente de significação. (Baudrillard, 1995, p. 11, 12)

Durante o estudo, foi examinada grande parcela da literatura


de auto-ajuda, que traz em seu conteúdo um discurso relacionado
com aquilo que todo homem moderno procura, isto é, a felicidade
e a realização pessoal através da aquisição de bens e riquezas mate­
riais. Logo, verifica-se que, culturalmente, o sujeito moderno tem
um reconhecimento social pela posse de objetos. Assim sendo, a
valorização das mercadorias pelo consumo ou pela aquisição, pare­
ce mesmo algo comum a todos os homens contemporâneos.
A busca de riqueza, de excedentes, de mercadorias de consu­
mo e de dinheiro como valor simbólico que possibilita a escolha, a
liberdade de investimento, etc., não é fato isolado ou determinado por
regimes específicos, como é o caso do capitalismo. Tudo isso é resul­
tado do desenvolvimento de valores sociais, políticos, científicos,
religiosos, culturais, educacionais, que, de fato, estão vinculados à
estrutura de um regime socioeconómico e político que vai-se orga­
nizando de modo emergencial em função de acontecimentos e tran­
sições que se sucedem em determinadas épocas e sociedades. Tais
eventos acontecem por razões diversas e o homem, querendo ou
não, passa a estar envolvido diretamente por essas relações estrutu­
rais.

41
//A rmldo Toni Soma ilus Chagas

Entre o século XIX e o século XX, ocorreram inúmeras modi­


ficações sociais que foram determinando, ao longo do tempo, rela­
ções circunstanciais com os objetos. As práticas populares de auto-
ajuda, tanto as do século XIX como as do século XX, foram envolvi­
das por movimentos reguladores de conduta de massa. Assim, pelas
forças da sugestão e de técnicas fantásticas e miraculosas, estendi­
das a qualquer indivíduo, foi proporcionado ao homem moderno
condições de realização dos seus mais ardentes desejos, alardeados
pelo discurso dominante. Apregoa-se a possibilidade de alcançar e
desfrutar (pelo pensamento positivo, pelas forças interiores, pelo
otimismo e pela motivação), em dimensões cada vez maiores, po­
der, liberdade e autonomia, mediante a aquisição de bens de uso e
consumo que proporcionam, ao máximo e de forma imediata, com
o menor esforço possível, bem-estar pessoal, desfrutando de riquezas
materiais.
No século XIX, verificou-se, em nível de (nova) distribuição,
alguns mecanismos reguladores do funcionamento do mercado (li­
vre) moderno. Esses novos mecanismos, aparentemente não opres­
sores, trataram de demonstrar que era desnecessário dividir a pro­
dução social pelo recurso à força, conforme se fazia em épocas an­
teriores. No entanto, a opressão, que parecia ter acabado, aparece
na sombra da liberdade proclamada. Os trabalhadores "livres" pas­
saram a negociar seus contratos com seus patrões. Portanto, a par­
tir dessas e de outras negociações, surgiu, de modo cada vez mais
intenso, a exploração da mão-de-obra, etc. Essa relativa liberdade
política do século XIX, mais precisamente na sua segunda metade,
está na base da democracia capitalista, conforme salientou o psica­
nalista Erich Fromm, ao afirmar que, naquela época, o funciona­
mento do mercado repousava sobre a competição de muitos indiví­
duos, que possuíam o (mesmo) desejo de vender suas mercadorias
no mercado correspondente. Essa atitude tornou-se cada vez mais
competitiva. Segundo o autor, o indivíduo sentia-se compelido pelo
desejo de ultrapassar o seu competidor, no que ficou totalmente in­
vertida a atitude característica da época do feudalismo, quando cada
um tinha na organização da sociedade o seu lugar tradicional, com

42
fü. ilusão no discurso cia auto-ajiula e o sintoma social

o qual devia contentar-se. Produziu-se, porém, em oposição à esta­


bilidade social do regime feudal, um a mobilidade social, na qual
todos lutavam para conquistar os melhores lugares, embora fossem
poucos os escolhidos para ocupá-los. "Nessa luta pelo sucesso ruíram
as regras sócias e morais de solidariedade humana; a importância da
vida consistia em ser o primeiro em um a corrida competitiva" (1974,
p. 95). Assim, partindo do princípio de que toda atividade econômi­
ca visa ao lucro, ao excedente, como meio para promover o cresci­
mento, o enriquecimento e o bem-estar, todos os homens já não
mais trabalhavam com diligência para ganhar seu sustento funda­
mental de sobrevivência. Desse modo, o que eles pretendiam era
alcançar as ofertas das vantagens lucrativas, um a vez que o resulta­
do financeiro relativo à produção deveria ser sempre maior do que o
investimento realizado. Na verdade, com o desenvolvimento do ca­
pitalismo e seus novos modos de produção, o homem capitalista
não mais estava interessado em produzir para a utilidade social. A
sua satisfação não se encontrava nessa perspectiva, contudo, se
encontrava na vantagem lucrativa resultante do investimento.

No sistema atual, a renda pode ser totalmente independente do


esforço ou do serviço pessoal. O dono do capital pode ganhar
sem trabalhar. A função hum ana essencial da troca de esforço
por dinheiro pode converter-se na manipulação abstrata do
dinheiro [e das pessoas] para obter mais dinheiro. (Fromm,
1974, p. 96).

No final do século XX, de modo mais transparente, tem-se


um m undo globalizado. Além da globalização da economia de
mercado, da reorganização de nações, ele também passa a caracte­
rizar-se

pela recomposição de idéias, crenças e valores. Neste sentido,


sob o contexto do que também tem sido denominado de pós
modernidade, desenvolvam-se, ao mesmo tempo, velhas e no­
vas ideologias e utopias, assim como novas formas de controles
socais [...]. Isso parece ser confirmado pela existência de inú­
meras correntes de idéias que se mesclam, formando um ver­
dadeiro patchwork de crenças, de culturas e ideologias, como o

43
//A nwltlo Toni Sousa das Chagas

empreendimentismo, o consumismo, a ideologia do sucesso in­


dividual, a presença de crenças holísticas, de utopias ecológicas,
de fundamentalismos religioso, político, económico, etc. [...]
A ideologia do livre mercado tem sido abraçada em todo o
m undo numa espécie de fundamentalismo religioso, pois
questionar sua doutrina passou a ser quase um a heresia.
(Bitttencourt, 1998, p. 35)

A Auto-Ajuda e a Tendência de Julgar


o Homem pelos Objetos
As conseqüências e os efeitos, relativos aos mecanismos de
valorização ou reconhecimento social desenvolvidos pela estrutura da
sociedade capitalista, são distintos e imprevisíveis. O salário da
maioria dos trabalhadores é discriminatório. Alguns exercem ativi­
dades que exigem esforços excessivos, com ganhos irrelevantes por
intenções especulativas. Segundo From m , há u m sensível
desequilíbrio entre o esforço, o trabalho de um indivíduo e a conside­
ração social que se lhe concede sob a forma de compensação finan­
ceira. Entretanto, a função social que ele exerce, ainda que desvalo­
rizada, é tão importante como qualquer outra função.
Acompanhando o raciocínio acima, seriam suficientes algu­
mas notas para acentuar alguns efeitos e conseqüências relativas à
moral, à ética e às relações de trabalhos instituídas, que são
vivenciadas, atualmente, nas relações sociais, pela desvalorização
do trabalho do homem, de sua mão-de-obra, de seus esforços e de
suas habilidades. Assim, "Se minha renda não é proporcional àquilo
que faço ou produzo, ou às minhas capacidades, não haverá limita­
ções para meus desejos".
Por fim, pode-se considerar que, no século XIX, os indivíduos
procuravam desenvolver atividades lucrativas, os bens eram adqui­
ridos para a produção e para o consumo. Havia, naquela época, real
necessidade, prazer e satisfação em adquiri-los e usá-los. Essa

44
\ ilusão no discurso chi auto-ajiula e o sintoma social

"exaltação do lucro, da propriedade e da riqueza" transformou-se,


também, em ideais das classes menos favorecidas economicamente.
É importante salientar que o aspecto fundamental da conduta hu­
mana, no século XIX, está diretamente relacionado com o desenvol­
vimento da ciência tecnológica, do progresso econômico etc. Entre­
tanto, a partir do século XX, o que passa a vigorar é "a quebra do
princípio tradicional da solidariedade humana [que conduziu o ho­
mem] as novas formas de exploração" (Fromm, 1974, p. 99). Antes,
o homem trabalhava, produzia e adquiria reconhecimento social e
proteção pelo valor de sua mão-de-obra (seu labor), que era compra­
da pelo dono do capital; hoje, já não se pode mais considerar assim,
já que a exploração do homem pelo homem é empregada, basicamente,
para a obtenção do lucro, da riqueza, com freqüência independente­
mente da sua mão-de-obra, de seu trabalho ou de sua produção.
O homem, sem posse do capital, sem poder econômico, passa a ser
útil (usado) ou "manipulado" para fins lucrativos de outros ho­
mens, isto é, dos donos do capital, daqueles que possuem maior
poder econômico, que produzem e desfrutam de somas maiores de
excedentes.

Todavia, o homem, agora como indivíduo livre e autônomo,


poderá escolher seu patrão, suas atividades. Não é mais obrigado a
produzir para um patrão, à medida que ele próprio pode ser seu
patrão, ou ainda, pode ser patrão dos outros. Para tanto, ele neces­
sita, segundo as regras da auto-ajuda, estar motivado para a rique­
za, uma vez que "a verdade fria, cruel e terrível é que, nesta idade do
materialismo, o homem que não se entrincheirar atrás da força do
dinheiro, vale tanto quanto a poeira que pode ser levada ao sabor de
qualquer vento" (Fernandes, 1985, p. 129).

Na sociedade capitalista contemporânea, o reconhecimento e


a importância social da autoridade (mediante as relações entre su­
perioridade e inferioridade) estão voltados sobretudo ao poder do
capital, à posse de dinheiro e de bens materiais, ao que se "pode
gastar, comprar, consumir".

45
f/^ r n a ld o Ttmi Sousa das Chagas

Assim sendo, o discurso da auto-ajuda, relativo à exaltação do


bem-estar pessoal pela riqueza, faz entender que

a maioria das pessoas nos julga pela conta corrente que temos
nos bancos, pelo carro e roupa que usamos, pelo restaurante
que freqüentamos, quem quer que sejamos [muitos manuais
de auto-ajuda reforçam a condição de que] se a pessoa tem
dinheiro, é bem recebida em todos os lares e casas comerciais e
as oportunidades não lhe faltarão. Todas as atenções lhes são
prestadas; é um príncipe e, com o tal, tem direito às melhores
coisas da terra (Fernandes, 1985, p. 123).

Maria Cristina Zanini, do Departamento de Sociologia e Polí­


tica da UFSM, declara num artigo de jornal, no qual escreveu sobre
o "consumo", que foi maravilhosamente bem tratada em situações
nas quais se dirigia bem vestida e, aparentemente, bem-intencionada
para as compras. Igualmente, foi m uito mal atendida, quando se
dirigia em “piores trajes", declarando-se apenas como um a simples
pesquisadora de preços. Logo, afirma que isso acontece porque os
seres sociais que lêem símbolos e vestimentas (imagens), cores e ati­
tudes, parecem apresentar indícios de bom ou mau consumidor. Zanini
continua declarando que, quem compra, deve ser tratado com res­
peito, interesse e educação, já que, por menosprezarem-se as relações
humanas contidas nas leis do mercado passa-se a desprestigiar o consu­
midor. Ao prosseguir, parece oportuna e esclarecedora, a seguinte
afirmação de Zanini:

Cfuando há muitas opções, com preços equivalentes, qual o


critério diferenciador na hora de consumir? Por certo que será
um sentim ento hum ano [negociado] que denom inam os de
empatia, de valorização pessoal, pois ao consumirmos, tam­
bém, buscando vínculos identificatórios... que não é mera­
mente material, o agrado, a simpatia [também é o que muitos
procuram na hora de fazer compras...]. Além disto, há pesso­
as para as quais o ato de consumir é, por si só, fonte de lazer e
prazer. Em suma, os consumidores não são autôm atos, são
seres hum anos inteligentes e repletos de sentimentos e, tam­
bém, de capital que, por fim, movimenta o mercado" (A Ra­
zão, 1998, p. 2).

46
} ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Tais afirmações fazem parte e vêm diretamente ao encontro


das configurações de auto-ajuda e das relações sociais determinadas
pela ética do consum o na sociedade contemporânea. Segundo
Fernandes, com um número considerável de livros de auto-ajuda
escritos sobre a riqueza, "a tendência de julgar as pessoas pelo dinhei­
ro que possuem, ou pelo poder de controlar o dinheiro, não é confina­
da apenas a um a classe da sociedade. Todos nós temos um pouquinho
dela, quer reconhecemos ou não tal fato" (1985, p. 129). Esse mes­
mo autor considera e ensina a seus leitores que não contrariar, nem
causar mal-estar em ninguém, pode gerar fortunas. Logo, conclui-se
que o contrário também pode ser verdadeiro.
Conforme o que foi exposto até aqui, pode-se verificar um
arranjo, mais ou menos ordenado, de um conjunto de acontecimen­
tos adjacentes, que possibilitam e favorecem a tamanha aceitação
das proposições de auto-ajuda em dias atuais; principalmente, no
que diz respeito à obtenção de riquezas e de orientações para as
relações humanas, mediante a manipulação comunicativa, que pode
ser traduzida pelo estabelecimento e reforço (social e cultural) de
alguns modelos discursivos de sedução, persuasão e fascínio.
As relações humanas, o trato com as pessoas, tornaram-se
negociáveis. Ao menos é o que, claramente, descrevem alguns auto­
res de livros de auto-ajuda. Essas técnicas ensinadas dizem como
alguém pode usá-las em seu favor, ou seja, como o indivíduo deve
se comportar para extrair vantagens lucrativas e "se dar bem na vida",
tudo por um a única e tão proclamada razão de auto-ajuda: alcançar
o bem-estar como meio de ser feliz e a realização pessoal pela riqueza
como intermediário autêntico de satisfação plena, ideal que se apresen­
ta como resultado do incentivo ao consumo dos objetos. Os objetos
como fetiche adquirem um valor privilegiado, não pelas necessida­
des de uso, mas pelo status consagrado a eles mediante a reputação
que lhes são atribuídas culturalmente como sentido e significação,
pela sua estética formal, pela sua marca proclamada, etc.
Em dias atuais, ao abrir um crediário, um a conta bancária,
ou, ao fechar um negócio, o homem, como alguém que possui ra­
zão, desejo, sentimentos, perde seu brilho, torna-se esquecido. Como

47
!/A maído Toni Sousa das Chagas

se percebe, os valores aqui passam a ser de outra natureza, de tal


sorte que ele passa a ser concebido como competidor mediante as
configurações do mercado livre, como um fim comercial, como um
meio de negócios, de lucros, um a mercadoria, um valor financeiro,
um meio de capital.

A Manipulação Comunicativa
e o Homem como Utilidade
e Meio
São inúmeros os livros de auto-ajuda, no mercado editorial,
que, de forma exagerada, cultivam a competição, o consumo, e re­
forçam o individualismo. Pela manipulação comunicativa, de um
modo ou de outro, enfraquecem os laços sociais e acabam produzindo
o deslocamento da vida comunitária para a vida individual. À medi­
da que, cada vez mais, torna-se intrincada a convivencia social,
aumenta, entre os homens de hoje, a insegurança para estabelecer
trocas ou fechar negocios. A confiança que se atribuía ao caráter à
"moral", parece mesmo insuficiente, na relação com os amigos, com
os colegas de trabalho, com os familiares, entre os políticos partidá­
rios, nos meios de comunicações... Portanto, não subsistindo uma
"prescrição cultural" na sociedade contemporânea, mais ou menos
modelar e segura, que caracterize confiança pela "conduta moral e
pela ética" nas relações entre os homens, resta, para muitos, en­
quanto indivíduos, tom ar conhecimento e seguir as prescrições dos
manuais de auto-ajuda, por exemplo, de como fazer amigos e influen­
ciar pessoas, como edificar o futuro, como enriquecer, como conseguir o
que você quer dos outros sem fazer força, como persuadir falando, como
interessar as pessoas, como fazer as pessoas gostarem de você mediata­
mente, como obter cooperação, como criticar e não ser odiado, como ven­
der qualquer coisa a qualquer um, como assegurar um futuro maravilho­
so, como progredir no emprego etc.

48
f l ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

A manipulação comunicativa, como procedimento de auto-


ajuda, visa, a na maioria das vezes, como já foi mencionado, tirar
proveito das situações para "levar a melhor sobre seu semelhante",
que passa a ser vítima de tal psicologismo.
Dale Carnegie foi o escritor do gênero que mais vendeu livros
na década de 60 e continua vendendo até os dias de hoje. Sua espe­
cialidade, ou intenção principal, é auxiliar o leitor a resolver um dos
maiores problemas da atualidade, ou seja, familiarizar-se com as
pessoas e influenciá-las no recíproco contato diário, tanto nos ne­
gócios como na sociedade. Além disso, procura preparar as pessoas
para o enfrentamento de problemas sem preocupação e viver bem. É
considerado pelos seus adeptos como um mestre habilidoso em en­
sinar técnicas de relações humanas. Seus cursos foram muito co­
nhecidos na cidade de Nova Iorque e, por muitos seguidores, ele é
colocado num a posição superior a de qualquer pedagogo. Mediante
seus ensinamentos, segundo informações contidas na dobra da capa
de seu livro, chamado Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, muitas
empresas obtiveram vantagens nas relações comerciais e nas grandes
organizações fabris, comprovando, assim, o valor de seu método.
Seus cursos, em determinado período, tom aram -se obrigatórios aos
funcionários e sócios dessas empresas.
Esse livro, em sua composição, agrupa dados referentes ao
(bom) trato com as pessoas e o proveito que se pode tirar disso para
"obter cooperação, realizar mais vendas, conseguir novos clientes e
novos fregueses". Esse livro engendra, sedutoramente, uma espécie
de conquista e domínio sobre os outros. Para tanto, usa as "armas"
da comunicação. A idéia é a da conquista. Só assim, segundo o que
sugere o autor, o leitor será capaz de dominar os outros e levar a
melhor sobre eles sem provocar ressentimento algum. O que ele
pronuncia é que todos os indivíduos, sem exceções, poderão ser con­
quistados através de um controle exercido pela simpatia, pelo carisma
e pela bondade.
O projeto ideológico-cultural do capitalismo global, é persua­
dir as pessoas a consumir muito além de suas necessidade para
garantir a reprodução e a perpetuação do capitalismo global.

49
¡/Amaído Toni Soma das Chagas

(...) A ideologia-cultura do consum ism o proclama, literalmen­


te, que o sentido da vida é encontrado mas coisas que possuí­
mos. Consumir, portanto, é estar plenamente vivo, e para
permanecer plenamente vivo é preciso consumir continuamen­
te. (L. Sklair, apud Bittencourt, 1998)

Outro escritor de livros de auto-ajuda, o conhecido professor


Marques Oliveira, advogado, administrador e professor de oratoria,
além de auditor de contas do Distrito Federal, escreveu um livro
denominado Como Persuadir Falando, editado pela Ediouro. Nesse li­
vro, ele fornece técnicas, racionalmente bem-elaboradas, de "mani­
pulação", isto é, de como persuadir, controlar e conseguir o que se quer
dos outros, através das referidas práticas, as quais, segundo ele, são
logicamente "infalíveis". O referido autor procura ensinar seus alu­
nos e leitores como se deve fazer para convencer alguém de alguma
coisa, ensina como preparar o terreno para que esse fato se concre­
tize e, ainda, como usar a malicia mediante aquilo que ele chamou
de arte de persuasão e de dissuasão. Ele afirma que, se a pessoa
sabe como e quando convencer ou persuadir alguém, é possível fe­
char mais negocios, realizar mais vendas, encontrar mais harmo­
nia no trabalho e na família, mais alegria de viver etc. Sem nenhum
constrangimento, Oliveira escreve, nesse livro, que os vigaristas, os
camelôs e os políticos são os mestres da comunicação. Diz, de modo
persuasivo e simpático, que, com relação aos vigaristas, não há
dúvida nenhuma, mas que seus leitores, não sendo nem camelôs e
nem vigaristas, precisam saber como convencer os outros a respeito
daquilo de que eles mesmos estão convencido. Diz, ainda, a seus
leitores, que isso será, para eles, "a mais plena realização".
As recomendações encontradas nesse livro, a propósito, são
para profissionais de várias áreas de atividades, tais como médicos,
gerentes, vendedores, professores, filósofos, advogados e líderes em
geral. Entretanto, nas últimas páginas de seu livro, o autor faz
um a advertência e oferece um conselho a seus seguidores: diz que
tais ensinamentos podem ser armas terríveis quando usados para o
mal, ou quando a persuasão for "empregada com apelos baixos [pois]
acabará desmoralizando o persuasor e seu castigo será o descara­

50
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

mento de suas intenções e a onda de desconfiança em torno da sua


pessoa!" (Oliveira, 198-, p. 240). A idéia central, nesse caso, é a de
que o leitor saiba fazer a coisa certa, do contrário, estará envolvido
por complicações.
Lair Ribeiro, com "onipotência de pensamento" e agudeza de
espírito invejável a qualquer fascinador, baseado na programação
neurolingüística, agora também em fitas cassete gravadas e edita­
das pela Sony Music, ensina como adquirir habilidades para "mani­
pular" pessoas através da comunicação. Chamou a comunicação
global como a mágica da influência. O que ele ensina, como um mes­
tre criterioso da comunicação e da persuasão, são técnicas surpre­
endentes e fascinantes de como implicar os outros naquilo que "eu"
desejo e como fazer com que os outros pensem e se comportem da
maneira que "eu" quero, para assinar contratos e fechar negócios.
Esse pregador de auto-ajuda nega qualquer relação hum ana que es­
teja calcada naquilo que se conhece, em senso comum, como os
"bons princípios de moral e ética", que diga respeito às relações de
honestidade, amizade e confiança mútua.
As relações sociais na ordem do dia, como se verifica, estão
sendo usadas, freqüentemente, entre os indivíduos, como oportuni­
dades para o "crescimento pessoal", para o ganho nos negócios e
para bons lucros. Tais sugestões culminarão, segundo o que dizem
os autores de manuais de auto-ajuda, na obtenção de objetos que
determinarão a riqueza material, a satisfação e a felicidade de seus
seguidores. A idéia básica é a de que todos os indivíduos, de um
modo ou de outro, poderão progredir, pois é "tentador rejubilar-se
com o progresso, o adiantamento e a prosperidade de todos os ho­
mens" (Fernandes, 198-, p. 18). Portanto, os meios para conseguir o
progresso e o sucesso nas relações humanas, para obter colabora­
ção, podem ser encontrados nos livros de auto-ajuda, nas suas pro­
duções discursivas.
O homem comum da sociedade contemporânea tende a espe-
cializar-se cada vez mais na manipulação do outro para seu próprio
benefício. Este passa a ser visto como um "objeto de uso", como

51
//Amaído Toni Sousa das Chagas

urna máquina, como um instrumento qualquer. As trocas sociais tor-


nam-se problematizadas; a solidão hum ana aumenta; a solidarie­
dade torna-se muito mais escassa, "o ser hum ano vivente deixa de
ser um fim em si e torna-se um meio para os interesses econômicos de
outro homem, ou de si mesmo, ou de um gigante impessoal - a máqui­
na econômica" (Fromm, 1974, p. 100).
As diversas formas de reconhecimento e os sistemas de re­
compensa estão calcados no consumo, nas imagens, nas negociações
de objetos. Assim, estimulam a competição entre os indivíduos em
direção aos degraus do sucesso e das riquezas materiais através do
lucro, das vantagens econômicas de uns sobre os outros. As relações
entre os homens, cada vez mais, têm merecido menos cuidado, como
afirm ou Moscovici: "o relacionamento humano está passando por
um a crise aguda de conseqüências imprevisíveis. À medida que a
mecanização do m undo prossegue aceleradamente, a relação h u ­
mana fica abalada, deformando-se em direção à sua própria meca­
nização. Aumenta a tendência de ver o outro como objeto, instru­
mento de sua própria satisfação” (1993, p. 1). A autora continua
dizendo, com propriedade, que a relação Eu - Tu transformou-se na
relação Eu - Isto (pessoa-objeto). Na verdade, como fica explícito, a
outra pessoa passa a ser usada como instrumento para atingir obje­
tivos e promover satisfação. Entretanto, se levar em conta a con­
cepção de que os indivíduos são iguais e livres, então, pode-se consi­
derar a ocorrência de um a guerra de um contra todos e todos contra
todos.
Cada qual deseja, a seu modo, um "espaço ao Sol", "todos
querem brilhar", já que possuem os mesmos direitos. Em síntese, o
que se observa, como resultado dessa condição, ou desse pacto fir­
mado entre os indivíduos "autônomos", é um poder maior de posse
e satisfação de uns em detrimento do de outros, que continuarão
lutando, através do trabalho, do esforço, para um dia alcançar o que
os outros já conseguiram e, então, obter o êxito, o sucesso e a rique­
za. As promessas oferecidas e tão proclamadas aos homens da so­
ciedade contemporânea são diversas. Todavia, o problema mais evi­
dente está na possibilidade de em que elas possam ser realmente
cumpridas .

52
ilusão no discurso ilti auto-ajiula e o sintoma social

As imagens de marketing, as configurações de auto-ajuda


massificantes, orientam os indivíduos sempre na direção de uma
vida melhor. Assim, ninguém poderá desistir dessa caminhada, que,
como os autores de auto-ajuda afirmam, é maravilhosa por si mes­
ma, porque "seu desejo de ser rico é um anseio por um a vida melhor
e mais feliz, significa a sua libertação da necessidade. Significa be­
leza, luxo, abundância e destaque". (Fernandes, 198-, p. 15)
Com Kant,

na fundamentação da metafísica dos costumes, em seu segun­


do imperativo categórico, ele afirma o seguinte: "procede de
maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como
pessoa de todos os outros, sempre ao m esm o tempo com o
fim, e nunca com o meio" (Kant, apud, Pessini, 1991, p. 46).
Nessa perspectiva procura-se compreender que, de fato , "tra­
tar com o meio é manipular, tratar o outro com o coisa, como
número; é servir-se do outro em função dos próprios interes­
ses. Tratar com o fim é colocar o bem da pessoa como objetivo
primeiro da nossa ação [por exemplo] da nossa atividade pro­
fissional. (Pessini, 1991, p. 46)


A Etica do Consumo, a Solene Diligência
aos Objetos e a Instabilidade
das Relações Sociais
Pelo mundo da abundância e do consumo, os objetos e seus
valores multiplicaram-se. Todos os homens são convocados, cada
vez mais, a trocar, constantemente, objetos e consumi-los como
um a necessidade fundamental a ser satisfeita. É evidente que esse
fato não ocorre apenas para suprir as necessidades essenciais de
sobrevivência do homem, mas por tantas outras coisas que as ima­
gens de marketing, por sua vez, prestam solenes diligências e por
onde são, perfeitamente, acumuladas, de modo associativo, ao juízo
de todos os homens consumistas.

53
//A r n a ld o limi Sousa das Chagas

Os objetos deixam totalmente de estar em conexão com qual­


quer função ou necessidade definida, precisamente porque res­
pondem a outra coisa diferente, seja ela a lógica social seja ela a
lógica do desejo, às quais servem de campo móvel e inconscien­
te de significação. (Baudrillard, 1995, p. 11, 12)

Vázquez, quando tratou da moral e da ética, afirmou que,

Enquanto o valor de uso põe o objeto num a relação clara e


direta com o homem (com a necessidade hum ana que vem
satisfazer), o valor de troca aparece superficialmente como uma
propriedade das coisas, sem relação alguma com ele. Mas o
valor de troca, como o valor de uso, não é uma propriedade do
objeto em si, mas o objeto como produto do trabalho hum a­
no. O que acontece é que, numa sociedade da qual se produz
para o mercado e se comparam os produtos fazendo abstra­
ções das suas propriedades úteis, bem como do trabalho con­
creto que encarnam, sua significação humana, social, se ocul­
ta e o valor de troca se apresenta sem relação com o homem,
como um a propriedade da coisa. Assim, a mercadoria assume
um aspecto de coisa estranha, alheia ao homem, quando é a
expressão ou a materialização de um a relação social, humana.
O produto do trabalho hum ano se transforma em fetiche e esta
transformação de um produto do trabalho hum ano em algu­
ma coisa alheia ao homem, estranha e enigmática, no m omen­
to em que assume a forma de mercadoria, é chamada por Marx
de fetichismo da mercadoria. (1997, p. 115)

Destarte, o que provém do bem ou do mal pode ser constan­


temente relativizado em torno da questão ética (nesse caso, espe­
cialmente em torno da ética do consumo). As intervenções nessa
estrutura, que correspondem ao valor utilitário e ao consumo dos
objetos na vida comum de todos os homens, produzem sentidos
quiméricos de satisfação plena pelos seus bons usos, um a vez que

os homens da opulência não se encontram rodeados, como


sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objetos.
O conjunto de suas relações sociais já não é tanto o laço com
seus semelhantes quanto, no plano estatístico segundo uma
curva ascendente, a recepção e a manipulação de bens e de men­
sagens [...1 no fundo, começamos a viver m enos nas proximi­
dade dos outros homens, na sua presença e no seu discurso; e

54
m ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

mais sob o olhar m udo de objetos obedientes e alucinantes que


nos repetem sempre o mesmo discurso - isto é, o do nosso
poder medusado, da nossa abundância virtual, da ausência
m útua de uns aos outros. (Baudrillard, 1995, p. 15)

O resultado das conjunções impostas pelo ritmo do mundo


dos objetos é internalizado pelo sujeito e transforma-se em regras
de procedimentos; o domínio súbito fica do lado da máquina, do
instrumento. A subtração do homem, pela sua remissão e atenção
exagerada aos objetos, às suas utilidades e também ao seu melhor
desempenho, produção e rendimento, alcança, quase sempre, uma
dimensão de conseqüências imprevisíveis para as instituições e re­
lações sociais em geral. Os problemas "essencialmente" humanos,
como m uito se ouve falar na atualidade, quase não existem mais, já
que transformaram-se em problemas técnicos, existenciais, admi­
nistrativos, funcionais, de inadequação, inadaptação, reeducação,
ineficiência etc. Se somos, de fato, avaliados pelo que fizemos ou
produzimos, então a ordem é: "temos que funcionar bem, o melhor
que pudermos" do contrário, "somos desacreditados pelo sistema,
pela máquina administrativa, pelos amigos e familiares, um a vez
que, estamos fora da corrida, pois já fazemos parte de outra classe,
a classe dos perdedores, dos derrotados, dos improdutivos, dos fra­
cassados..." (grifo meu). A ordem social e institucional, realmente,
já é outra. Como disse Baudrillard, "pouco a pouco nos tornamos
funcionais". Segundo a visão do sociólogo francês, existimos de acordo
com o ritmo dos objetos e, em conformidade com a sua sucessão
permanente, somos nós que os vemos "nascer', produzir e morrer,
ao passo que todas as civilizações anteriores eram os objetos, ins­
trum entos ou monumentos perenes, que sobreviviam às gerações
humanas.
Baudrillard, em seu trabalho sobre a sociedade de consumo
(1995) analisa as sociedades ocidentais contemporâneas, concen-
tra-se "no fenômeno de consumo dos objetos". Nele, Baudrillard não
hesita em afirmar que "o consumo surge como modo ativo de relação
(não só com os objetos, mas ainda com a coletividade e o mundo),
como modo de atividade sistemática e de resposta global, que serve
de base a todo o nosso sistema cultural (1995, p. 11).

55
//A>maído Toni Sousa das Chagas

A Revolução Industrial, o desenvolvimento das grandes


corporações tecnocratas, a valorização da máquina como símbolo
de conforto, o poder utilitário das coisas de modo geral, o valor do
dinheiro e dos objetos de uso e consumo como símbolos de poder, de
bem-estar e prestígio e a produção em massa acabaram estabelecen­
do, ao longo do tempo, a cultura do consumo. Com ela, desenvol­
veu-se, concomitantemente, a idéia de dirigir os homens como se
fossem máquinas, pela manipulação. Do mesmo modo, desenvol­
veu-se o mercado da personalidade. Assim, os efeitos e as conseqüên-
cias sociais e institucionais foram imprevisíveis, um a vez que o
capital humano passa a ser explorado a partir de um mercado livre,
ou seja, a partir da valorização da capacidade humana, do progresso
e do sucesso pessoal, pela ascensão da indústria da personalidade.

Hoje, acentua-se mais a agilidade do que a habilidade, o saber


levar (a melhor] num ambiente de colegas, superiores e regras,
do que o levar adiante num mercado livre; mais pessoas que
você conhece do que as coisas que você sabe; mais as técnicas de
autopromoção e o jeito de lidar com as pessoas do que a inte­
gridade moral, as realizações substanciais e a solidez de cará­
ter; a lealdade, ou mesmo a identificação com a firma, do que o
virtuosismo do empreendedor. (Mills apud Rüdiger, 1996,
p. 129)

Em síntese, o homem da sociedade contemporânea está às


voltas com a valorização necessariamente exagerada dos objetos, de
seu uso e de sua utilidade; sofre de um a angústia provocada por
esse controle enlouquecedor, do qual não encontra saída. O discurso
da auto-ajuda, em forma de subjetivação, pode apresentar-se como
um meio de dar sentido a fenômenos que o sujeito não compreende
bem, são estranhos a ele. Assim sendo, nos referidos manuais, pode
encontrar "razões" suficientes para justificar aquilo que, para ele,
era tão complexo, distante e desorientador. Agora, valendo-se da
auto-ajuda, o sujeito sente-se protegido e em condições de formular
teorias sobre os acontecimentos do mundo.
O que se tem hoje, como características do sistema capitalis­
ta, são as relações de mercado e a competição generalizada entre os
homens, a privacidade absoluta de cada um, o individualismo, o livre

56
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

desenvolvimento das capacidades pessoais e a concentração de bens


(riquezas materiais). Desse modo, o discurso da auto-ajuda sobre a
riqueza, o poder e o sucesso nos negócios, em sua autenticidade,
vem diretamente ao encontro do discurso dominante da sociedade
capitalista, ou seja, do consumismo.

Diz-se que todos os livros de auto-ajuda motivam o sujeito a


caminhar na busca de um ideal. A maioria propõe-no pela aquisição
de bens materiais (da riqueza). Porém, para obter o que se deseja, o
sujeito terá de se envolver com o psicologismo que a auto-ajuda
prega, isto é, terá de controlar melhor a si, para depois controlar os
outros. Em tal caso, todos os leitores estão convocados, de modo
"um tanto perverso", a aniquilar seu semelhante pela manipulação e
pela competição estabelecida pela ética do consumo .

Ora, no sistema capitalista, ao relacionarmo-nos com as coi­


sas, com os produtos, acabamos adotando a visão geral do
mundo, a metafísica do capitalismo. Nessa visão, os critérios
de verdade acabam sendo o dinheiro. A atividade profissional
acaba tendo com o finalidade, não o homem concreto, mas o
lucro. Toda a vida, inclusive a atividade profissional, submete-
se ao Capital com o a um fetiche. (Pessini & Barchifontaine,
1991, p. 46)

A idéia de ser o melhor, o mais eficiente, querido, esperto,


inteligente, rico, o mais tudo, acaba provocando nas relações hum a­
nas um a competição demasiada e um a espécie de "paranóia genera­
lizada" entre as pessoas.
Lair Ribeiro, a propósito, afirmou, mediante um a entrevista
realizada por Álvaro Teixeira (através da revista Caras n.162), que
“sempre foi o melhor em tudo", que sempre tirou primeiro lugar nos
concursos e que o único concurso em que não conseguiu alcançar o
primeiro lugar, mas apenas o segundo, foi no vestibular para Medi­
cina. Esse "comunicólogo", como também é chamado, continua afir­
mando, na entrevista, que sua natureza já era de sucesso, que só
não sabia transm itir isso, mas que, agora, sabe. Com relação à vida

57
nmhlo Toni Sousa das Chagas

de médico cardiologista, ele diz que ela já não lhe faz falta, urna vez
que, em vez de cuidar do coração, ele cuida da mente das pessoas.
"Hoje, com uma dezena de livros, atinjo mais pessoas e causo mais
impacto", diz Ribeiro. Um dos sonhos audaciosos desse escritor de
livros de auto-ajuda é o de inaugurar no Brasil a primeira Universi­
dade da Mente. Disse, também, que vai ser a primeira vez em que os
estrangeiros virão ao Brasil para aprender (auto-ajuda) e não para
ensinar. Para tanto, não vai pedir dinheiro a ninguém, nem mesmo
ao governo, mas vai arcar com todas as despesas.
Outro escritor brasileiro, Hermes Fernandes, faz, em um de
seus livros, Edifique Seu Futuro, uma ligeira leitura da sociedade con­
temporânea, para dizer que existem pessoas ambiciosas, esforça­
das, criativas, que lutam, com ardor e persistentemente, por prestí­
gio pessoal e social, por bens de raiz e duráveis, conforto material e
domínio econômico. Por outro lado, segundo o autor, existem, nessa
ordem hierárquica, aquelas pessoas que pertencem à segunda clas­
se, a classe "B". Esses indivíduos são aqueles que se conformam e
"dizem amém ao estreito horizonte de um salário minguado; sem
bens, sem meios, habitam apartamentos espremidos, respiram ares
de dificuldades". Essa classe apenas vive. Suas aspirações são, em
alto grau, limitadas. Nessa ordem, segundo a visão de Fernandes,
existem também as pessoas da classe "C", ou pobre, os milhões de
miseráveis que povoam o planeta. Assim, categoricamente, ele afir­
ma que "essas pessoas não aspiram nem poder, nem fama, [diz que
elas] não aspiram altos padrões de vida, que se entregam a confor­
mação de não dispor da fartura e conforto, que não conhecem a
importância que existe no aproveitamento do tempo; que a pregui­
ça, desânimo e a descrença são suas constantes companheiras"
(1983, p. 8). Esse autor, de forma semelhante a muitos outros, espe­
cializou-se em escrever livros de auto-ajuda sobre a riqueza, mais
especificamente, sobre os meios usados para enriquecer-se e desfru­
tar de uma vida feliz, saudável e de sucesso. Entretanto, como tanto
outros autores que tratam do assunto, ensina como usar a comuni­
cação e a apresentação pessoal para influenciar as pessoas; descreve
idéias intuitivas sobre as relações humanas, especialmente no que

58
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

diz respeito às relações comerciais; ensina, em cada livro, como as


pessoas devem apresentar-se e comportar-se para chegar à vitória e
ao sucesso.
I lortência, jogadora da seleção brasileira de basquete, que ga­
nhou, nos jogos de Atlanta, a medalha de prata, atualmente, tam ­
bém aderiu à auto-ajuda e está percorrendo todo o país, realizando
palestras com mensagens de que "as vitórias não vêm de bandeja, que
épreciso aproveitar oportunidades" etc. Em seus cursos realizados no
Rio Grande do Sul, nas cidades de Santa Maria, Erechim, Passo Fun­
do, Lageado e Novo Hamburgo, Hortência afirma que "o mundo
está cada vez mais competitivo e quem não estiver bem preparado, vai
ficar para trás". Ela diz que "é preciso fazer tudo no [controle do]
tempo certo" (Souza, 1997). Destarte, se o discurso dominante da
sociedade contemporânea vem apontar para os ideais propostos pelo
estabelecimento da cultura moderna, não existe outro modo para o
sujeito ser reconhecido no social, senão vinculando-se a esse discur­
so, pois

o importante, para os grupos, organizações ou indivíduos, é


o sucesso nos negócios e na vida, sucesso reconhecido e invejado
pelos outros, indispensável, de qualquer forma, para se manter
na corrida e não se tornar desacreditado pelo sistema I...1 todo
mundo, pensando ter chance de fazer parte dos vencedores [...]
os bons triunfam e os maus sucumbem." (Enriquez, 1991, p.
285)

Os pregadores de auto-ajuda, de um modo geral, colocam em


evidência o estímulo à competição e à manipulação entre as pesso­
as. Também estabelecem um a espécie de estado paranóico no sujei­
to, principalmente, quando passam a transmitir a idéia de que a
vida passa a ser um a desilusão se o indivíduo não souber agir ade­
quadamente, ou seja, se não souber competir, lutar e vencer. A hones­
tidade, a inteligibilidade de propósitos, deve sempre partir ou ser
concedida, primordialmente, pelo outro, ainda mais hoje, quando se
vive num a espécie de jogo, competição permanente. Fbrtanto, al­
guém tem de levar a melhor, triunfar, provar que é o melhor, o mais
esperto, o mais inteligente, o mais feliz. Entretanto, para "entrar

59
ff ^ r n a ld o Toni Sousa das Chagas

nesse jogo" e sair vencedor, é necessário utilizar os instrumentos ou


as "armas" de que se dispõe hoje. Para muitos, tais alternativas são
perfeitas e oportunas, pois produzem nos indivíduos a mais alta
aspiração. Elas são manifestadas pelas alusões específicas que os
referidos autores de auto-ajuda consagram. Nesse caso, eles assu­
mem tal expediente como algo fundamental para qualquer pessoa
que busca ideais dignos de apreço.
Nos meios de comunicação de massa, observa-se um reforço
permanente da competição entre as pessoas. Torna-se cada vez mais
evidente a falta de conexão dos valores morais e éticos com as ima­
gens publicitárias de marketing continuamente espalhadas pelo ima­
ginário social. Distintamente, o que se sobressai em muitos anún­
cios de publicidade, não são os valores humanos que exprimem re­
lações de cidadania, respeito e dignidade de uns para com os outros,
por exemplo, mas, sim, conexões de objetos com as imagens ideali­
zadas, que reúnem encantamento perfeito e que são cotidianamen­
te colocadas à vista dos consumidores para que não possam se con­
tradizer. São imagens associadas à sensação de liberdade, de poder e
de satisfação de gozo sem limites. Imagens ou configurações com
idealizações perfeitas para o esquecimento de "qualquer" mal-estar
ou fracasso humano, portanto, de defesa, de resistência, de subter­
fúgio, de ilusões.

60
f//k apítulo III
A Auto-Ajuda e a Ilusão
Promovida pelo Discurso
Sedutor e Fascinante
3 ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Os líderes da auto-ajuda, por intermédio de suas afirmações,


condutas e procedimentos, demonstram segurança e determinação
naquilo que acreditam, sobretudo quando subsiste a tentativa de
convencer ou de persuadir as pessoas para seu modo de pensar, de
modo especial, quando fazem referências à existência de uma força
ou poder interior, que autoriza o indivíduo para o caminho da
concretização de seus ideais e conseqüentemente da realização pes­
soal.
Segundo o que eles entendem, esse recurso é o único que po­
derá levar as pessoas à felicidade, pois, pela auto-sugestão,
autoconfiança, determinação e pensamento positivo, o sujeito al­
cançará a glória. Assim sendo, todos os seus desejos serão satisfei­
tos, alcançará todos os seus objetivos na vida, tornar-se-á rico, físi­
co e mentalmente sadio, feliz e capaz de superar quaisquer dificul­
dades. Contudo, dizem seus pregadores, para isso ser possível, é
necessário que o sujeito tenha fé, otimismo e acredite em si mesmo,
em seu potencial, um a vez que as forças interiores poderão estar
sempre a seu favor. Nesse caso, o principal segredo para os indiví­
duos desfrutarem de seus poderes interiores, consiste em manter
perfeita harmonia com eles.
Conclui-se, mediante o discurso dos autores de auto-ajuda,
que o caminho mais seguro para a realização pessoal, está dentro de
cada indivíduo, de tal modo que o maior esforço dos pregadores da
auto-ajuda é encontrar meios e manobras para convencer seus se­
guidores de que é possível promover grandes realizações em suas
vidas. Entretanto, é importante chamar a atenção para o fato de
que, nesse caso, sendo eles os possuidores dos segredos e das orien­
tações seguras para tais realizações, então a única alternativa para
os adeptos desse discurso é seguir, fielmente, suas orentações e
técnicas. Portanto, aqueles que são seduzidos pelo psicologismo fas­
cinante da auto-ajuda, habitualmente passam a apresentar com­
portamentos, casuista pela auto-alienação (desejo de auto-aliena-
ção), em detrimento do juízo crítico e reflexivo do pensamento.

63
f/J \rn a ld o liini Sousa das Chagas

O Sujeito Tomando a si Mesmo como


Objeto Idealizado pela Força da Fantasia
É correto dizer que "os indivíduos [seduzidos pelo discurso da
auto-ajudal vão, então, se encontrar em estado de alienação
frente a esse objeto. Eles entraram na fantasia com um que
lhes é proposta e que lhes garante um estado não conflitual do
psiquismo, um coerência entre o que pensam e realizam e as
exigências do mundo exterior. Eles manterão o objeto idealiza­
do, pronto a desidealizar o que eles são [quando está presente
um desejo de auto-alienaçãol". (Enriquez, 1991, p. 310)

O próprio indivíduo, na auto-ajuda, cria a fantasia e toma a


"si mesmo" como objeto idealizado, porque acredita, um dia, poder
encontrar o que tanto deseja e, finalmente, ser um sujeito livre, rea­
lizado e feliz. Ele sente prazer em admirar-se pela autoconfiança e
"auto-estima" imediatamente adquirida e fortalecida; sente segu­
rança e acredita que essa condição estará sempre presente em sua
vida. Assim, como recompensa por ter aderido ao discurso da auto-
ajuda, passa a viver num mundo de sonhos, de liberdade, de auto­
nomia e confiança, portanto, num mundo de fantasias e ilusões.
Como em qualquer ilusão, o sujeito passa a negar o mal-estar que a
realidade cotidiana provoca. Dessa forma, a sensação de felicidade,
ainda que seja passageira, parece que permanecerá para sempre em
sua vida, à medida em que o sujeito a reforça pela auto-sugestão,
na maioria das vezes, em alusão às leituras dos livros de auto-
ajuda, às reivindicações de um a verdadeira revolução psíquica, don­
de suscitará um novo homem, um herói consagrado, um senhor
todo-poderoso que pode igualar-se aos deuses. Essa sensação de
onipotência adquirida, de poder e, ao mesmo tempo, de consolo, que
o sujeito apresenta na auto-ajuda, pode estabelecer-se pela crença
ou a ilusão de ter encontrado o caminho da verdade, que o levará ao
êxito.
O discurso da auto-ajuda, que é pronunciado pelos seus líde­
res, possui uma "tonalidade" que encanta e fascina. Contudo, não
há necessidade, por parte de seus seguidores, de exigir um a declara-

64
m n ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

ção suficientemente precisa, que explique e justifique, por uma ló­


gica convincente, por um saber cuidadoso, qual é a estrutura desse
discurso, o seu embasamento, a sua real finalidade, etc. Se, por
outro lado, fosse exigida um a explicação convincente, ou, ainda, se
fosse necessária (e possível) um a tentativa de fundamentação lógi­
ca, que explicasse suas contingências e justificasse seus efeitos e
suas conseqüências, tal discurso, certamente, cairia no ridículo, por
ser um discurso do impossível, arbitrário, fechado, repetitivo, um
discurso sustentado, acima de tudo, pela promessa que não se cum­
pre, isto é, pela fantasia.
Os pregadores de auto-ajuda, com a insolência inabalável de
seus posicionamentos e pelo seu discurso atrativo, acabam movi­
mentando o sujeito na direção de um ideal soberbo, pelo ânimo pro­
vocado. A imaginação torna-se ativa, o estado de espírito já é outro.
Assim, pela excitação e pela criatividade de raciocínio, as ambigüi-
dades de opiniões e de crenças parecem desaparecer, o sujeito passa
a "gozar" de um a sensação de prazer, obtém tranqüilidade pelo re­
forço da certeza que o discurso da auto-ajuda apresenta. O sujeito,
então, ávido, procura alcançar suas metas, não lida mais com as
dúvidas. As incertezas não fazem parte dessa estrutura ou desse
sistema de pensamento. A fantasia movimenta o sujeito, produz
coragem e algum significado ou sentido para suas ações, das mais
comuns às mais complexas. A fraqueza, a vulnerabilidade hum ana
e as inúmeras situações conflituosas da vida cotidiana passam a ser
percebidas como desafios interessantes para quem sente os efeitos
imaginários do êxito que procura. Tal sujeito sonha por delegação,
acredita na promessa de seu pregador, na dádiva de como se auto-
ajudar para alcançar o sucesso e a realização plena, pois seu poder
interno desapareceu.
No mundo moderno "fragmentado" dos objetos fetiches, o
homem acaba sendo despersonalizado, isto é, perde a imagem de si.
Eugène Enriquez (1991) vem dizer que essa imagem perdida provo­
ca duas reações nos indivíduos: "uma reapropriação deles próprios
por um a vontade de normalidade e um a concepção de vida plena sem

65
//Amaído Toni Sonsa das Chagas

tempos mortos". No primeiro caso, a fim de não perecerem no maior


desespero, as pessoas voltam-se para as imagens que os outros lhes
atribuem, recorrem àqueles que possam dar-lhes conselhos sobre
"como devo comportar-me para estar dentro das normas e ser reco­
nhecido socialmente?" Diante da concepção de vida plena, Enriquez
afirma que, na vida fetichizada, funcional e racional, "tempo é di­
nheiro". Cada qual deve mostrar sua eficiência e utilizar o tempo
(plenamente) da melhor maneira possível. Da vida do trabalho, pas­
samos à vida dos prazeres, do sexo e da comunicação. O autor con­
clui que "ambos os modelos refletem a obsessão da plenitude". A nor­
malidade e a obsessão da plenitude é o resgate de um mundo no
qual os fetiches substituem os seres humanos. Desse modo, se os
objetos são todo-poderosos, o homem também pode ser. Assim, tro­
ca sua limitada potência por um a "onipotência imaginária". Por­
ta n to , essa "vontade de on ip otên cia" realizada, a fa n ta sia d o d o m í­
nio total, é o que, em última análise, o discurso da auto-ajuda pro­
põe a seus leitores

O Efeito da Sedução e o Fascínio


pelas Convicções Imaginárias
Dito isso, procura-se, a partir de agora, fazer um a reflexão
crítica relativa ao que está em jogo na relação entre os pregadores da
auto-ajuda e os seus seguidores, de modo especial, no que diz res­
peito às implicações psíquicas que determinam, de um modo ou de
outro, a crença e a adesão a esse discurso.
Freud (1974d) trabalha o conceito de ideal do eu (ou ideal em
seu potencial l do ego) quando tratou do narcisismo (1914). Assim,
é correto afirmar que Freud
apresenta o Ideal do eu sobre o modo totalmente específico de
uma formação intra-psíquica autônoma, que parece desem­
penhar, face ao eu, o papel de um modelo de referência capaz de

66
ílusao no discurso da auto-ajuda e o síntoma social

avaliar suas realizações efetivas. Freud ainda acrescenta que se


trata de uma instância de origem essencialmente narcísica, por­
tanto diretamente oriunda das inflações infantis do eu. A repres­
são dos pais, exercida sobre as idéias de grandeza desenvolvidas
pela criança, induziría uma interiorização instituída em ins­
tância psíquica, a qual contribuiria para a função de censura
sobre o modo de um auto-exame. Portanto o eu observar-se-
ia, em seus impulsos narcísicos, confrontando-se com um va­
lor ideal que constituiría o substrato do Ideal do eu. (Dor, 1992,
p. 33)

Outrossim, o referido conceito também foi trabalhado em


Psicologia de Massas e Análise do Eu (1974c), de 1921. A respeito
desse texto, verifica-se a afirmação de que Freud "apresenta essa
instância principalmente como formação muito singular em rela­
ção ao eu, que lhe permitirá dar conta de manifestações psíquicas
quanto ao fascínio amoroso, à submissão ao líder, à dependência face
ao hipnotismo e à sugestão" (Dor, 1992, p. 33). De qualquer forma, se
entende em Psicanálise como ideal do eu (em alemão: Ichideal; em
francês: idéal du moi; em inglês: ego ideal) a "instância psíquica que
escolhe, entre os valores morais e éticos exigidos pelo supereu,
aqueles que constituem um ideal ao qual o sujeito aspira" (Chemama,
1995, p. 99). O autor citado é claro em afirmar que, para Freud, o
fanatismo, a hipnose e o estado amoroso representam três casos nos
quais um objeto exterior: o chefe, o hipnotizador, o amado, vão ocu­
par o lugar do ideal do eu. Também afirma que Jacques Lacan con­
sidera o ideal do eu um a instância da personalidade, cuja função, no
plano simbólico, é a de regular a estrutura imaginária do eu, as iden­
tificações e os conflitos que regem suas relações com seus seme­
lhantes.
Em Sobre o Narcisismo: uma Introdução (19 74d), texto de 1914,
Freud escreve que o ideal do eu aparece como formação autônoma,
servindo de referência ao ego. Ele pode ser considerado como "subs­
tituto do narcisismo perdido na infância". Na verdade, o que o ho­
mem projeta, conforme Freud, como seu ideal é o substituto desse
narcisismo. Naquele tempo ele era, para si mesmo, seu próprio
ideal.

67
//Amaído Toni Sousa das Chagas

A partir do que foi exposto, verificar-se-á que o fascínio amo­


roso, a sedução e a hipnose, por sua vez, são conceitos similares, que
poderão proporcionar a este estudo um a avaliação mais precisa no
que diz respeito às determinações subjetivas que fazem com que os
sujeitos coloquem, por exemplo, mediante o "controle do amor",
pessoas estranhas no lugar de (seus) líderes ou mestres orientadores,
guias e reguladores de suas condutas. Assim o fazem, comumente,
nada a mais e nada a menos do que através das atitudes manifesta­
das por essas pessoas, isto é, pelo jeito de ser, pelas frases bem-
articuladas e pronunciadas, pela postura diferenciada diante dos
outros e pela capacidade de mostrar-se poderoso, procurando sem­
pre forjar uma identidade que, na maioria das vezes, é vivida e revivida
ao redor da admiração e da demonstração de autoridade e esplendor.
Tanto na hipnose quanto no fascínio amoroso ou na sedução,
o sujeito passa a submeter-se a um objeto externo: líderes. Essa ati­
tude de submissão faz com que perca o sentido crítico sobre sua posi­
ção. Nesse caso, diz-se que o hipnotizador, ou aquele que está no
lugar de mestre orientador, tom ou ou ocupou o lugar do ideal do eu.
Entretanto, nos dois modos de funcionamento do discurso
amoroso, em Freud, fascínio e sedução, observa-se o controle do amor
pelo qual o sujeito é submetido. Assim, ele passa a tornar-se facil­
mente sugestionável. No fascínio, afirma-se que
pela fusão amorosa com o ser fascinante, o indivíduo deixa seu
invólucro corpóreo e torna-se um membro do grande tudo,
seu ego se dilata e absorve, com o faz o bebê, o m undo exterior;
ele torna-se diáfano e, por isso mesmo, um deus; na perda de
suas referências habituais, o indivíduo vai além de si próprio.
O ser fascinante lhe apresenta teatral e diretamente o que ele,
pequeno ser homem, poderia vir a ser [ou a ter], Ele o faz viver
por delegação seu heroísmo escondido, devolve-lhe seu mais
profundo desejo de ser reconhecido, identificado, amado, e pode
levá-lo a se transformar e a se transcender. (Enriquez, 1991, p.
287)

Com relação ao discurso do sedutor, o que se verifica, dentre


outras coisas, é a onipotência do pensamento (esse termo foi utilizado
por um paciente de Freud, que a partir desse momento passou a

68
2ilusão no discurso da auto-ajuda e o síntoma social

empregá-lo em algumas de suas teorizações). Ele procura demons­


trar que sabe tudo, tudo pode e que o fracasso não faz parte de sua
historia. O sedutor apresenta-se como aquele que possui o dominio
sobre as dificuldades da vida. Assim, seus seguidores, movidos pelo
seu poder de sedução, sugestão e persuasão, passam a crer em suas
afirmações e promessas. Eles acreditam poder alcançar um dia o
que foi prometido. "O sujeito, então, cai completamente na armadi­
lha de seu próprio desejo e não terminará nunca de pagar a dívida ao
fascinador" (Enriquez, 1991, p. 287). O fascinador habitualmente
ocupa a "função paterna" (como modelo) e "ensina" o caminho que
leva o sujeito que o segue a um novo mundo, um mundo de felicida­
de e realizações. É habilidoso em fazer isso e assim o faz, como se
ele mesmo tivesse vivenciado esse mundo de maravilhas. Nas en­
trelinhas, procura demonstrar que tem o segredo de como alguém
poderá alcançá-lo, exatamente por isso, ele afirma que "não, não é
utopia. Existe um caminho seguro pelo qual você chegará ao paraí­
so perdido” (Trevisan, 1980, p. 22).
Lauro Trevisan5, escritor de livros de auto-ajuda, é um dos
mais conhecidos entre os escritores brasileiros (desse gênero literá­
rio). Esse escritor, semelhante a muitos outros, apresenta-se para
seu público e leitores, de forma tal, que revela sua capacidade de um
bom orador, isto é, demonstra pelo seu discurso uma grande habili­
dade em persuadir e seduzir. Entretanto, faz isso não m uito mais do
que pelas suas proposições fantásticas e espetaculares. O referido
autor, apenas como exemplo, não hesita em afirmar que, através de
seu livro, o leitor "aprenderá a usar os meios infalíveis e fáceis para
chegar lá. Você vai aprender [diz o autor] a usar o poder infinito de
sua mente, poder este que lhe alcançará tudo aquilo que você dese-

5 Lauro Trevisan reside em Santa Maria, cidade do interior do Rio Grande do Sul.
É sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana e pertence à Sociedade do
Apostolado Católico. Esse autor tornou-se conhecido internacionalmente atra­
vés de seu livro O Poder Infinito da Sua Mente, lançado em 1980 pela Editora da
Mente, de sua propriedade. Esse livro tornou-se um best-seller e vendeu, até hoje,
com suas 310 edições, mais de 770 mil exemplares (dados encontrados na Internet
através de sua home-page (www.infoway.com.br/laurotrevisanl em dezembro
de 1998 e também nos catálogos de preços da Editora e Livraria da Mente).

69
rnahlo Toni Sousa das Chagas

ja" (Trevisan, 1980, p. 15). Em última instância, o discurso dos


mestres pregadores de auto-ajuda consiste basicamente em prome­
ter aquilo que conhecemos como ilusões caraterísticas das fantasias
e das imaginações do sujeito moderno.
O discurso dos mestres sedutores da auto-ajuda se sobressai
por um conjunto de convicções imaginárias que não admitem incer­
tezas de qualquer ordem. Muitos autores dos livros de auto-ajuda
costumam afirmar categoricamente, embora sem justificar muito,
que, basicamente, é necessário crer. Assim, tudo o quanto a pessoa
deseja se concretizará, ou ainda, tudo o que ela desejar que aconteça
na sua vida, de fato acontecerá, pois "tudo o que é pensável é reali­
zável. Tudo o que um a pessoa pode desejar, pode conseguir. Inclusi­
ve você." (Trevisan, 1980, p.14). As referidas afirmações, contidas
nos conteúdos dos manuais de auto-ajuda, sustentam-se a partir de
um discurso eminentemente autocrático. Os escritores desses livros
fazem uso de expressões (ou frases) definitivas e totalitárias, pois é
preciso convencer os leitores, de um a vez por todas e a cada livro
editado, sobre seus fracassos (e, concomitantemente sobre suas pos­
síveis vitórias).
Quando os leitores são persuadidos, isto é, quando se con­
vencem de sua infelicidade, de seu insucesso, desamparo, fracasso,
angústia, vulnerabilidade, etc, passam, imediatamente, a crer que
podem superá-los pelas receitas encontradas. Bauman vai mais além,
pois acredita que "os homens e mulheres assombrados pela incerte­
za de estilo pós-moderno não carecem de pregadores para lhes dizer
da fraqueza do homem e da insuficiência dos recursos humanos.
Eles precisam de reafirmação de que podem fazê-lo - e de um resu­
mo a respeito de como fazê-lo" (1998, p. 221).
Por outro lado e ironicamente, muitos autores dos manuais
de auto-ajuda, que vendem milhares de livros no mercado editorial,
se convencem cada vez mais de suas afirmações e receitas. Basica­
mente por isso, adquirem êxito e reputação. Se o marketing pessoal -
termo usual hoje em dia entre os empresários de sucesso -, com
seus atributos (boa apresentação, capacidade de liderar e persuadir,
ter carisma, dinheiro, poder, fama, beleza, etc) é o que determina

70
I ilusão no discurso da auto-aluda e o sintoma social

"liberdade, saber, poder, verdade", então, em última análise, pode


considerar-se que esses são os atributos que o homem busca para
obter reconhecimento social, ser forte, admirado, feliz... Nesse sen­
tido, as configurações de auto-ajuda, de um modo geral, vêm ao
encontro dessas imagens de marketing e representações sociais do­
minantes, que, combinadas e reforçadas pelo discurso da mídia,
adquirem, cada vez mais (adesão e) força da evocação.
Através da análise dos conteúdos dos livros de auto-ajuda,
verificou-se que a tendência desse discurso (existe um cuidado em
relação a isso) é manifestar-se sempre em benefício das pessoas. Os
referidos autores demonstram benevolência a seus seguidores e fa­
zem isso comumente pelas expressões excepcionais e representa­
ções mágicas que acabam por induzir os leitores para a crença des­
sas realizações magníficas. É desse modo que muitas proposições
são apresentadas (diretamente) aos leitores, tais como: "Há um po­
der em você que jamais foi utilizado plenamente. Esse poder, exis­
tente em seu íntimo, é o mesmo que move o mundo e governa as
galáxias do espaço" (Murphy, 198-, p. 13).

O Discurso dos Pregadores


da Auto-Ajuda e o Jogo “Calculista”
das Aparências
O sedutor, caracteristicamente, sabe jogar com as palavras
para seduzir e conquistar os outros para seu modo de pensar. Parece
que as ações, as experiências e as reflexões críticas das pessoas real­
mente não interessam a ele, pois podería trazer dúvidas e incertezas
e, assim, concomitantemente, o esclarecimento. Em conseqüência
disso, as pessoas não mais cairiam nas armadilhas do mestre pre­
gador que sabe fascinar, persuadir e "vender ilusões". Parece
esclarecedor a esse respeito o que escreve Eugène Enriquez, referin­
do-se à sedução, um a vez que essa citação traz dados importantes e
esclarece algumas reações e comportamentos dos leitores diante do

71
maído Toni Sousa das Chagas

discurso sedutor dos mestres da auto-ajuda. Portanto, especificam-


se, assim , alguns dados precisos p ara u m m aio r e m elhor
aprofundamento da análise da delimitação da problemática estuda­
da no momento:

A sedução reside na aparência e no jogo das aparências. O dis­


curso pronunciado não precisa significar coisa alguma, nem
convidar à ação; ele se apóia sobre outras coisas: palavras bem
escolhidas, fórmulas chocantes, frases bem equilibradas, dic­
ção evocadora, sorriso aliciador, urna certa capacidade de
banalização dos problemas, idéias gerais e generosas que não
podem provocar desacordo... e que não são feitas para pertur­
bar ninguém. A palavra sedutora é lisa, sem asperezas. O se­
duzido se sente forçado, ele é atraído por esta aptidão à
desdramatização dos problemas, por esse tom ao mesmo tem ­
po próximo e distante. Na verdade ninguém é vítima: o sedu­
tor sabe que a sedução faz parte da mentira, o seduzido sabe
que essas palavras são ditas para apaziguá-lo. E, no entanto,
os dois o são - o sedutor bem que gostaria de seduzir pela
primeira vez, não utilizar palavras desvalorizadas, e quanto à
sedução- que é também, a sedutora-, ela se convencerá facil­
mente de que o sedutor nunca deu a essas palavras tal entonação
e tal força de evocação. (Enriquez, 1991, p. 287)

Pode-se dizer, por exemplo, que Dale Carnegie, Lair Ribeiro,


Lauro Trevisan, Napoleão Hill, Joseph Murphy, David Schwartz,
Ermes Fernandes e tantos outros, são autores habilidosos em arti­
cular frases que não provocam descontentamento em nenhum de
seus leitores. É evidente em seus discursos a capacidade de anuncia­
rem a boa nova, de trazerem a benevolência e a esperança de dias
melhores aos desesperançados e oprimidos. Assim, escreve Trevisan
num artigo de jornal de sua cidade:

não se deixe levar por impulsos desesperadores. Aguente só


mais um pouco, que amanhã será melhor. Você não é o pri­
meiro e nem o único que viveu e vive dias de tempestade into­
lerável. Lembre-se do sábio ditado que diz que, depois da tem ­
pestade, vêm os mais lindos dias de sol. Não tome decisões
insanas e espere que amanhã será melhor.

72
ilusão no discurso da auto-ojuda c o sintoma social

Nesse m esm o artigo, o autor continua orientando seus leitores


com expressões que dificilmente viria em desacordo com opini­
ões de alguém. Assim, com mestria, faz as seguintes orienta­
ções: nas horas de descontrole emocional, saia a caminhar, en­
tre num a igreja para rezar, peça conselhos a amigos do peito,
chegue a um psicólogo ou sacerdote ou pastor, leia livros de
auto-ajuda. E essencial que mude os padrões mentais, criando
nova vida e entusiasmo para dias melhores (Trevisan, 1997,
p. 6).

Desse modo, constantemente produzem e repetem as promes­


sas de benevolência e a esperança de dias melhores para todos. Os
referidos autores proclamam e prometem um a vida de abundância,
de bem-estar, e cheia de realizações. Eles são especialistas em escre­
ver frases maravilhosas, fascinantes e repetitivas. Dizem somente
aquilo que os homens precisam e desejam ouvir. Assim, são ouvidos
e reconhecidos por milhares de pessoas, em vários países do mundo.
Há muitos anos, esse gênero de literatura vem alcançando destaque
mundial como os livros mais vendidos, muitos destacam-se como
verdadeiros best-sellers.
Os autores dos livros de auto-ajuda são profetas da sociedade
contemporânea, produtos da modernidade, ou, como preferem alguns
autores da pós-modernidade6, enfim, são mestres modernos que usam,
ou se ocupam, como tantos outros, de referenciais da cultura mo­
derna e contemporânea para proferir seus discursos atrativos,
imediatistas, miraculosos e superficiais. Os seguidores da auto-

6 Pelo propósito desse trabalho preferimos não entrar (a fundo) no terreno espe­
cífico dos conceitos sobre modernidade e pós-modernidade, os quais são motivo
de muitas discussões e controvérsias. Preferimos apenas afirmar, em linhas
gerais e desde já, que a modernidade, sendo entendida como Nova Era (a partir
do rompimento completo com o mundo antigo), significou tempo de progresso
sem precedentes para a humanidade. Sua grande narrativa anunciou, além de
outras coisas, a conquista da autonomia e liberdade individual sob a orientação da
razão. Com relação à pós-modernidade, trata-se de considerá-la como ruptura,
ou, pelo menos, como enfraquecimento substancial - como bem nos lembra Barry
Smart (1993) - das convicções, valores e objetivos do iluminismo que informaram o
projeto da modernidade, ou ainda, como nos lembra Guiddens (1991), trata-se
de um novo e diferente tipo de ordem social, cuja trajetória está-nos tirando das
insituições da modernidade.

73
rnaldo Toni Sousa das Chagas

ajuda, que se orientam pelas sugestões imponentes e fascinantes de


seus líderes, não buscam, não toleram e nem preferem experimen­
tar a verdade, que produz mal-estar e incerteza. Na realidade, como
casuistas, necessitam de ilusões, de promessas. É, desse modo, que
são levados às influências das proposições dessas literaturas, tor­
nando-se, pois, tolerantes aos seus ensinamentos e, conseqüente-
mente, a seus mestres. Portanto, são facilmente sugestionáveis e
seduzidos. O julgamento crítico dos indivíduos sugestionáveis ou
seduzidos são debilitados, superficiais, e as sensações sentidas a
partir de um imaginário "dilatado" passam a ser de júbilo e de satis­
fação. O impossível que a realidade apresenta a cada indivíduo pas­
sa a ser sempre adiado. Portanto, na crença de poder superar qual­
quer dificuldade pelos pensamentos positivos e pelos poderes inte­
riores de que dispõe, o homem se lança num caminho muitas
vezes obsédante e sensivelmente ilusório, já que os pensamentos
positivos e otimistas provocam, pelos presságios e motivações, o
consolo, a fé e a certeza de um dia poder realizar todos os seus
desejos e sonhos. Assim, se a massa realmente necessita de ilusões
e não de esclarecimentos ou de verdades, como afirmou Freud, ti­
nha razão ao dizer que, por isso mesmo, ela estaria condenada à
ignorância.

A Realização Imaginária
pelo Discurso Fascinante
O sujeito influenciado ou sugestionado pelos efeitos dos con­
teúdos fascinantes dos textos das referidas literaturas dedicam-se a
um ideal de realização imaginária (e imediata) pela força de padrões
morais, que passam a ser elevados. Portanto, encontraram um sen­
tido no júbilo da autonomia imaginária. Os líderes da auto-ajuda,
por sua vez, oferecem formas de significação que permitem ao su­
jeito apropriar-se "dessa imagem idealizada de realização". Confor­
me Lacan,

74
fü ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

o objeto do fantasma (da fantasia) não coincide com o objeto de


amor [...] Ao contrário do objeto do fantasma, o objeto de
amor é com freqüência marcado pela idealização, ou ainda
pelo narcisismo, o que leva mais de um apaixonado a consta­
tar que aquilo que ele ama no outro é o reflexo de sua própria
imagem, mais ou m enos idealizada. (Lacan, 1966-67)

O discurso dos líderes sedutores da auto-ajuda é preenchi­


do, como já foi mencionado, por palavras e frases persuasivas
que, de modo geral, não provocam desacordo em ninguém. Trazem,
pois, na sua estrutura, conteúdos de certezas e convicções inabalá­
veis, como se, de fato, fossem experiências testadas e aprovadas
pelas pessoas. Nesse discurso não existem indagações ou dúvidas.
O que eles trazem é a resposta de um a promessa dogmática e defi­
nitiva.
Os conteúdos discursivos dessas literaturas produzem um
nível de atração característicamente autoritário em sua imponência
e convicção. Não existe interesse pela reflexão do pensamento críti­
co, visto que sua proposta é a de dar certo, jamais falhar. Não existe
interesse em demonstrar resultados obtidos pelo esforço de um tra­
balho consistente e sistematicamente bem-elaborado. Mais do que
demonstrar, esse discurso visa fascinar, nada mais, nada menos, do
que pelas expressões maravilhosas de seus líderes, que evocam pa­
lavras e frases de persuasão, as quais vão ao encontro do narcisismo
do sujeito. As palavras ou frases proferidas orientam o sujeito para
as ações.
Assim, todo e qualquer orador que vem promover o otimismo
e a motivação pela auto-ajuda, não permite sequer um a análise ou
reflexão crítica sobre as fórmulas e técnicas ensinadas. O que os
líderes fascinadores da auto-ajuda indicam, através de seus discur­
sos (muitas vezes provocativos), é que todos os sonhos, isto é, todas
as ilusões, podem tornar-se realidades, de forma semelhante, como
acontece nos contos de fadas e como num passe de mágicas. Por
fim, quem adere a essas "verdades discursivas" (será um vencedor)
deve, acima de tudo, crer e seguir (como tantos outros leitores) o
caminho fascinante que tais discursos promovem, um a vez que,

75
maído Toni Sousa das Chagas

Se os outros puderam você também pode, porque as leis do


u n iverso, do qual você faz parte, são ju sta s, corretas
indiscriminatórias e infalíveis Aquelas pessoas que alcançaram
enorme sucesso na vida, aquelas pessoas que realizaram mara­
vilheis, aquelas pessoas que obtiveram verdadeiros milagres, se
tivessem usado a mente de forma errônea como você a usou,
não seriam agora mais do que você. (Trevisan, 1980, p. 14)

Nesse ponto, verifica-se com clareza (pela identificação) a ilu­


são que os conhecidos mestres da auto-ajuda promovem em seus
seguidores. Certamente, os leitores dos livros de auto-ajuda ou par­
ticipantes de cursos ou treinamentos promovidos por eles não se­
guem suas proposições, porque conhecem razoavelmente "bem" os
escritores dessas literaturas (suas ações), ou porque verificaram seus
grandes empreendimentos e milagres, ou, ainda, os modos específi­
cos de realizar tais façanhas. O que os leitores, em geral, possuem
de informações sobre eles, no máximo, são os dados recolhidos atra­
vés de publicidade em livros, jornais, e revistas, que, na maioria das
vezes, apresentam-se como autobiografias (bem) elaboradas pelos
próprios escritores, em outros momentos, o que é muito comum.
Tais leitores ficam conhecendo os autores dessas literaturas, nada
mais, nada menos do que por alusões sensacionalistas redigidas pelos
seus editores e que são encontradas nas capas dos referidos livros. Por
outro lado, os mestres da auto-ajuda também são reconhecidos por
alguns truques (técnicas, mágicas) ou proposições lógicas e espetacu­
lares que, de algum modo, são convincentes para o público em geral.
Sendo assim, dificilmente alguém discordará dessas proposições,
exatamente pela convicção como são apresentadas e também pelos
motivos ou intenções pelas quais são proferidas ou articuladas.
"Em geral, acredita-se que os líderes se fazem notados por
meio das idéias em que eles próprios acreditam fanaticamente" (Le
Bon apud Freud, 1974c, p. 105). Le Bon, autor que Freud cita em
seu trabalho sobre a Psicologia das Massas e Análise do Eu, faz distin­
ção entre dois tipos de prestígio que estão relacionados com os líde­
res e seus seguidores, isto é, prestígio artificial e prestígio pessoal.
Considera o autor que o prestígio é resultado de um poder misterio­
so e irresistível. Ambos os conceitos podem ser atribuídos aos mes­
tres da auto-ajuda, mediante suas especificações.

76
¡n ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

O primeiro se liga às pessoas em virtude de seu nome, fortuna,


reputação e opinião, obras de arte, etc, já o prestígio pessoal
liga-se a poucas pessoas, que se tom am líderes por meio dele,
e tem o efeito de fazer com que todos os obedeçam como se fosse
pelo funcionamento de alguma magia [especial] magnética. Todo
prestígio contudo, depende também do sucesso e se perde em
caso de fracasso. (Freud, 1974, p. 105)

O prestígio, segundo o autor citado, é reconhecido por sua


capacidade de evocar a sugestão.

A Influência das Proposições


da Auto-Ajuda pelo Fascínio
e pela Sedução
Em última análise, o que está em jogo na sedução e no fascí­
nio, além de outras coisas, e que se verifica na relação desses escri­
tores com seu público (ou vice-versa) é a identificação e,
concomitantemente, a ilusão que as sugestões produzem em cada
um de seus adeptos. Os pregadores da auto-ajuda têm a pretensão e
sabem, como ninguém, se posicionarem como "senhores absolu­
tos", como seres dotados de dons superiores que, a qualquer preço,
farão todos os seus seguidores viverem em torno de si, crendo na­
quilo que prometem. Como qualquer sedutor, procuram causar boa
impressão e persuadir a todos. Eles anunciam um novo mundo novo,
cheio de esperanças e de felicidades, provocam no sujeito os mais
profundos desejos, procuram a todo o custo provar que um dia todos
os seus sonhos e desejos se realizarão e, pelo discurso (de mestre),
oferecem a cada um que acreditar neles ou naquilo que eles prome­
tem, a certeza da realização pessoal.
Em síntese, dizem a seus seguidores das possibilidades para
chegaram à riqueza e ao sucesso pessoal. Desse modo, apresen­
tam-se socialmente como homens de sucesso, trazem exemplos de
grandes realizações, procurando testemunhar suas façanhas, esfor­

77
f / ^ m a l d o Toni Soma das Chagas

çam-se em apresentar-se, não por aquilo que pode ser considerado


como o "melhor de alguém", mas com o melhor que podem represen­
tar aos outros. Seguramente, vivem como se fossem atores dramá­
ticos numa tram a de suspense. Procuram fazer o mais que podem
para causar impacto, através daquilo que dizem, naqueles que ou­
vem.
Enriquez nos ensina que a força do sedutor é a de não temer
nenhum obstáculo, por isso afirma e "demonstra" às outras pesso­
as que o admiram, que tudo épossível. Ele se apresenta como aquele
a que ninguém pode ofender. O referido autor salienta que a crença
no amor (narcísico) de um ser tão seguro de si, reforça nos outros
que o escutam o sentimento de serem "amáveis" e providos de todas
as qualidades. Então, quanto mais o sedutor for violento, sarcástico
(sabendo ser, vez por outra, adulador), mais ele joga com a ternura e
a rejeição, mais ele acumula os sucessos e os proclama, mais ele se
torna aquele que esconde todo o horizonte. O resto, os outros hu­
manos, tornam-se apagados. Eugène Enriquez continua afirmando
que o sedutor é aquele que é o senhor do saber. Como um super­
homem, sabe tudo e tudo pode. Ele ocupa um a posição didática.
Nesse contexto, é importante lembrar que, atualmente, m ui­
tos escritores de livros de auto-juda estão "atacando" um novo pú­
blico para vender seus livros. Agora, é pela educação das crianças,
ou seja, estão ensinando como os pais e professores devem fazer
para educar seus filhos. Essa ideologia propõe modelos, ordenamentos
(de sabedoria), como se, de fato, fosse possível existir a melhor for­
ma de educar alguém.
Os pregadores de auto-ajuda, pelo discurso fascinante e sedu­
tor, despertam os sonhos (e fantasias, por vezes adormecidas) dos
seres humanos. Eles dizem que o gozo é possível, deleitável e legíti­
mo; eles os autorizam a viverem sem culpa. Porém, uma advertên­
cia apenas, o sedutor e o fascinador morrerão só. Eles, com certeza,
um dia fracassarão. Os outros, seduzidos, saberão sobre o seu fra­
casso. Muitos deles despertarão e conceberão sua insignificância,
serão motivo de riso, cairão no ridículo. Na velhice, na doença, nos

78
11 ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

fenômenos imprevisíveis e previsíveis da natureza, que afirmam


sobre nosso não saber. Daquilo que não podemos deter, exatamente
pela nossa condição limitada de seres humanos, enfim, diante da
castração, da vulnerabilidade, da nossa fraqueza, do nosso mal-
estar, é ali que se encontra, às vezes, um tanto demorado, o desper­
tar para os "fracos". A força que "possuía" era demasiado forte para
suportar. O poder adquirido não permaneceu sem limites, era ilimi­
tado pelo desejo, pela ilusão e pela fantasia. Contudo, seu limite esta­
va na realidade (no corpo, por exemplo), mas o seduzido não sabia,
ou não tinha a intenção de saber. Todos estavam adormecidos,
adiavam as vivências cotidianas, das mais simples às mais comple­
xas. Sonharam demasiado alto, entretanto, ela nunca foi cumprida,
não passou de presságios.
Os pregadores da auto-ajuda, identificados pela pesquisa como
se d u to r es e fascin ad ores, p ela d im e n sã o da fa n ta sia e da im a g in a ­
ção, procuram superar o reino dos mortais e suscitam adoradores.
Pelo discurso proferido, são equiparados aos deuses, aos heróis, pois,
comumente, permitem-se um saber que possibilita grandes sonhos
e superação de qualquer dificuldade humana pelos segredos da mente,
seja pela energia interior, pela harmonização cósmica, ou pela força
do pensamento, da fé e da confiança em si mesmo.

O chefe ou os senhores são aqueles que têm a possibilidade de


sonhar e de inscrever seus sonhos, até os mais grandiosos ou
mais loucos, na realidade. Para o comum dos mortais que só
tem sonhos acanhados [...] um nível de aspiração relativamen­
te baixo e possibilidade de ação limitada que alegria é viver por
procuração os sonhos grandiosos e aderir pela necessidade a
esses sonhos que os elevam aos cumes! (Enriquez, 1991, p.
310)

79
apítulo IV
As Proposições da
Auto-Ajuda como Ilusão:
uma Abordagem
Psicanalítica das Ilusões
ilusíw no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Em O Futuro de uma Ilusão, Freud trabalha sobre a noção de


ilusão quando levanta a seguinte hipótese, referindo-se à natureza
do sentimento religioso:

não poderia ser de natureza semelhante |à da religião] outros


predicados culturais de que fazemos alta opinião e pelos quais
deixamos nossas vidas serem governadas? Não devem as su­
posições que determinam nossas regulamentações políticas
serem também chamadas de ilusões? E não acontece que, em
nossa civilização, as relações entre os sexos sejam perturbadas
por uma ilusão erótica ou um certo número dessas ilusões?
(1974a, p. 47)

Foi basicamente essa hipótese freudiana que norteou o tema


deste trab alh o , sobretudo no que diz respeito a um m aior
aprofundamento das investigações em nível dos conteúdos das lite­
raturas de auto-ajuda (sua produção discursiva), permitindo identi­
ficar sugestões, promessas e influências miraculosas, no que se re­
fere à condução da vida das pessoas e, de modo especial, à vida de
seus seguidores. A hipótese freudiana posssibilita, logo de início e à
mesma medida, um a indagação fundamental, isto é: seria, então, a
auto-ajuda, que propõe influências miraculosas para a vida das pessoas
a partir dos conteúdos de sua literatura, um fenômeno cultural de que
seus seguidores fazem alta opinião? Sendo assim, a auto-ajuda poderia
ser considerada como ilusão à medida que seus adeptos crêem em suas
promessas, e por isso permitem a orientação de suas proposições?
Partindo dos pressupostos de que a auto-ajuda, enquanto li­
teratura de psicologia popular, tem seus primeiros indícios em me­
ados do século XIX, alcança seu apogeu no século XX e milhares de
seguidores, em todo o mundo, aderem, cada vez mais, a essa litera­
tura que vem tentando transform ar subjetividades no sentido de
que o homem moderno possa conseguir um a posição de conforto,
sucesso e realização pessoal, então é possível considerá-la um fenô­
meno cultural de que muitas pessoas fazem alta opinião e que de
um modo ou de outro, as governam, pelas suas propostas ou pro­
messas.

83
rnaldo Toni Sousa das Chagas

Assim sendo, pode-se levantar a hipótese de que os sistemas


de auto-ajuda, de modo geral, não são, nada mais, nada menos, do
que ilusões modernas ou contemporâneas, principalmente se consi­
derar-se o fato de que, na base de seu funcionamento encontra-se
um a natureza que é semelhante à das doutrinas religiosas, a que,
por essa razão, os sujeitos passam a se sujeitar e a crer em seus
princípios de orientações.
Para tratar desse assunto, além de outros textos que foram
analisados durante o estudo, recorreu-se também ao texto escrito
por Freud, 0 Mal-Estar na Civilização. Nele, o referido autor retoma
e continua discutindo a questão da ilusão, da busca da felicidade e
das razões que impossibilitam essa realização. Em última análise,
Freud vem discutir a impossibilidade de que o homem seja verdadei-
ramente feliz.

As Proposições da Auto-Ajuda
e a Promessa que Não se Cumpre
As promessas encontradas no conteúdo dos textos da litera­
tura de auto-ajuda baseiam-se, sobretudo, "no princípio de que você
tem no seu interior todos os recursos necessários para obter o su­
cesso, a concretização de seus objetivos, felicidade e qualquer outra
coisa necessária para desfrutar de um a vida completa" (Adans apud
Rüdiger, 1996, p. 11).
O que se verifica, outrossim, é a existência de uma espécie de
especialização dessas literaturas:
no mercado americano [por exemplo] estão à disposição livros
para cada tipo de situação: desde os deprimidos passando por
quem recentemente sofreu uma separação, obesos insatisfei­
tos, quem perdeu um filho, quem teve suicidas na família,
para quem tem AIDS, ou para quem convive com aidéticos,
enfim para qualquer dos reveses do destino há sempre uma
obra para orientar com o sair-se melhor. (Corso, 1994, p. 7)

84
t l ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Entretanto, para que seus seguidores possam encontrar tais


segredos, existem no mundo, a seu dispor, milhares de livros de
auto-ajuda que apresentam diversos recursos e possibilidades. Veri-
ficou-se, no decorrer desta pesquisa, que os conteúdos dessas litera­
turas não podem ser caracterizados ou divididos com muita preci­
são. Na verdade, eles se apresentam com muitas designações, ainda
que, em determinados momentos alguns desses gêneros possam
destacar-se mais do que outros. Procura-se, neste estudo, de modo
especial, discutir e refletir sobre alguns desses gêneros, que passam
a ser problematizados e que estão, característicamente, mais relacio­
nados com sugestões ostensivas e persuasivas, os quais dizem das
fantasias e imaginações do sujeito, enfim, das ilusões humanas,
como afirmou Freud, sem as quais não podemos viver. Muitos au­
tores de livros de auto-ajuda dedicaram um longo tempo de suas
vidas escrevendo sobre temas dessa natureza. Este estudo, porém,
embora as investigações tenham sido exaustivas, visto que são mi­
lhares de livros de auto-ajuda à disposição no mercado, limita-se a
discorrer específicamente sobre alguns deles. Entre esses, alguns dos
mais conhecidos, no Brasil e na atualidade, foram escritos por Lauro
Trevisan, Joseph Murphy, David J. Schwartz, Dale Carnegie, Napoleón
Hill e Lair Ribeiro.
Assim sendo, baseado particularmente nas articulações teó­
ricas de Freud, em suas mais diferentes relações, resta discutir e
aprofundar o que para ele significa, ou quais as questões que estão
em jogo, no que diz respeito à questão das ilusões e crenças. Deste
modo, será possível correlacionar os fatos com os propósitos
miraculosos e transcendentes da auto-ajuda.

O Sujeito Aprisionado pelo Desejo,


a Sua Crença e a Ilusão de Felicidade
Para Freud, "o que é característico das ilusões é o fato de deri­
varem de desejos humanos". Argumenta também, que "as ilusões
não precisam ser necessariamente falsas, ou seja, irrealizáveis ou
em contradição com a realidade" (1974a, p. 44). O que ele quer

85
//Amaído Toni Sousa das Chagas

dizer é que, de fato, as ilusões não necessitam ser um engano ou


um erro, à medida que algumas delas podem ser realizadas e outras,
talvez a maioria delas (em que mais se faz investimento) possam
estar em contradição com as provas da realidade.

Constata-se que a crença do sujeito em algumas proposições


imaginárias ou fantasmáticas, a partir de algumas condições espe­
cíficas, atua em muitas dimensões, na vida das pessoas. Assim,
afirma-se a questão relativizadora levantada por Freud. Ele diz que
as ilusões ou crenças não são, de todo, um a idéia falsa, um erro, ou
que sempre estão em contradição com a realidade. Nesse contexto,
pode-se conceber a ilusão como um fenômeno comum a todos os
homens, ou seja, as ilusões podem ser concebidas como algo neces­
sário para a vida humana.

As crenças e ilusões passam a estar correlacionadas funda­


mentalmente com nossos mais diferentes desejos e reações, um a
vez que dizem da construção imaginária do sujeito. Portanto, a ilu­
são desenvolve-se desde tempos remotos mediante a experiência
subjetiva que se tem do mundo externo e do mundo interno. Em
determinado limite pode-se dizer que a ilusão é um fenômeno fun­
damental à vida de qualquer sujeito, um a vez que, sem ela, seria
praticamente impossível suportar as imposições, os desafios da re­
alidade e as ameaças constantes de sofrimento, que são apresenta­
das aos homens pela civilização. Por sua vez, o sentimento de feli­
cidade, mediante o prazer que o homem sente em alguns momentos
da vida, encontra nas ilusões um "lugar importante de satisfação";
ou ainda, nas ilusões, o homem busca evitar o sofrimento ou o
desprazer que é imposto pela natureza e, nelas, procura encontrar
um refúgio do mundo como se transcendesse a ele.

Cabe aqui salientar o que Freud afirmou sobre a arte quando


teorizava sobre o mal-estar do homem na cultura. Essa afirmação
freudiana, à mesma medida, merece consideração e, portanto, pode
ser levada em conta para o tema em estudo.

86
} ilusão no discurso da auto-ajuda e o síntoma social

Freud ensina que o homem cria medidas paliativas para poder


superar as agruras da vida e insiste que a arte produz ilusões pelas
satisfações substitutivas que ela oferece para o homem em contras­
te com a realidade, mas que, nem por isso, diz o pai da psicanálise,
"se revelam menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que a
fantasia assumiu na vida mental." Na verdade, acredita-se que o
sistema de auto-ajuda, que é um sistema de promessas e de orienta­
ções, possa ser apresentado como medida paliativa, ou como cons­
trução auxiliar que possibilita condições (imaginárias) para que os
indivíduos possam se orientar, viver e sobreviver (psiquicamente)
aos seus mais diferentes sofrimentos e decepções.
A tentativa hum ana é a de "ser feliz e assim permanecer". O
homem caminha sempre no caminho que possa levá-lo à sua reali­
zação. Entretanto, ele somente poderá fazê-lo mediante os meios
(auxiliares) que a civilização oferece. De passagem, pode-se dizer
que, no m undo pós-moderno, além de inúmeras religiões, seitas e
filosofias de vida que existem para que o homem possa sobrepujar
seu mal-estar, também encontram-se muitos outros subterfúgios,
tais como: a auto-ajuda e seus mestres; os gurus, seus diferentes
auspícios e ensinamentos; os curandeiros milagrosos e suas curas
etc. Como se pode observar as estratégias (oferecidas) e utilizadas
pelo indivíduo pós-moderno, na tentativa de superar suas imperfei­
ções, impossibilidades, inseguranças e medos, são as mais diversas
- tem para todos os gostos.
Verificam-se em um dos ramos da literatura de auto-ajuda,
inúmeras proposições ou promessas que permitem aos sujeitos uma
montagem considerável de fantasmas, crenças e imaginações, que,
praticamente, não produzem (ou pelo menos não se constata) um
valor funcional na realidade ou na experiência das pessoas, uma
vez que
o recurso à proteção enganadora é uma constante tentação
que ressurgirá sempre que a distância entre o sonho e a realida­
de for fonte de grande insegurança e angústia. São estas as
características [específicas 1 da ilusão: a crença, motivada pelo
desejo, e a indiferença à realidade, ambas constituem a seiva da
qual a ilusão retira sua força. (Enriquez, 1991, p. 89)

87
maído Toni Sousa das Chagas

A Certeza nas Sentenças


da Auto-Ajuda e a Crença como Ilusão
Nesse momento, surge o principal interesse em problematizar
a ilusão promovida pelo discurso da auto-ajuda, isto é, problematizar
as proposições das literaturas de auto-ajuda que provocam desejos
intensos no sujeito, mediante suas promessas sedutoras e fascinan­
tes. Este, por sua vez, tomado pelas referidas proposições, passa a
acreditar nelas como uma verdade possível de realizar-se. Em tal
caso, porém, a experiencia dessas pessoas ou as provas da realidade
que se apresentam a elas, ou mesmo o trabalho do pensamento que
requer reflexão e produz dúvidas, não são levados em conta.
No conjunto de textos da literatura de auto-ajuda, encontram-
se inúmeras maneiras e sugestões para que o sujeito possa orientar­
se na vida e sair-se bem das situações problemáticas, persuadir e
manejar pessoas, curar-se das doenças físicas e mentais, desfrutar o
máximo da vida, ganhar muito dinheiro e alcançar riquezas mate­
riais, resolver problemas de modo fácil e imediato, evitar preocupa­
ções, aumentar a capacidade cerebral e mental e, finalmente, alcan­
çar a felicidade através do sucesso e da realização pessoal. Contudo,
como afirmou Freud, a crença, como ilusão, faz com que o sujeito
despreze ou rejeite as provas da realidade, isto é, ele perde, pela sua
crença, a capacidade de dar valor à verificação. Desse modo,

diremos que a ilusão provoca o desaparecimento do trabalho


do pensamento, o qual comporta interrogação, dúvida, exer­
cício, experiência. Pensar implica um processo doloroso, infi­
nito, que só pode levar a respostas temporárias, as quais des­
tinam-se a serem um dia superadas. Mas o pensamento é tam ­
bém descoberta, alegria frente ao desconhecido, excitação dian­
te a percepção de novos caminhos, entusiasmo ao encontrar,
enfim, aceitação e elaboração dos conflitos nos quais se debate.
Quanto a crença, ela é obstrução, ponto de chegada, resposta
dogmática e definitiva (Enriquez, 1991, p. 87)

A crença, considerada por Freud como ilusão e que também


pode ser atribuída à auto-ajuda, parece estar em consonância com o
processo das crenças religiosas e fazer parte, como ele mesmo refe­
riu, da mesma natureza.

88
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

No livro do escritor Lauro Trevisan, Os Outros Puderam Você


Também Pode, encontram-se alguns aspectos que comprovam o que
aqui se está tentando demonstrar. Logo no início do livro, ele procu­
ra despertar um desejo intenso em seus leitores, afirmando que eles
estão "pondo a mão num dos livros mais fantásticos de sua vida".
No decorrer desse livro, os leitores encontram resumos de casos es­
petaculares de curas de câncer, alcoolismo, depressão, toxicomanía,
tabagismo e "tantas outras coisas", como o próprio autor anuncia na
primeira página do livro. Trevisan afirma, categoricamente, median­
te um poder infinito que existe no subconsciente, que tudo o que
um a pessoa deseja na vida (seja lá o que for) poderá ser alcançado
através das meditações: a casa própria, o seu apartamento mobilia-
do, o pagamento das dívidas, a cura de seus males etc. Na verdade,
ele tenta provar essa condição pelos depoimentos de seus leitores
que se encontram nas páginas do livro. Entretanto, o autor queixa-
se de que muitas pessoas o chamam de vendedor de ilusões e que até
as autoridades religiosas têm lhe chamado a atenção "entendendo
que estou [diz ele] exagerando ao dizer que uma pessoa tudo pode"
(198-, p. 15, 16).

O referido livro, como muitos outros, traz inúmeras proposi­


ções, que podem ser consideradas, conforme se entende pela psica­
nálise, nada mais e nada a menos do que ilusões. Mesmo sendo um
livro de auto-ajuda "contemporâneo", ele traz, em seu conteúdo,
uma m istura de crenças ou pensamentos religiosos antigos (que
procura atualizar) e, ainda, outros conceitos que, habitualmente,
são utilizados nas literaturas do gênero, nos dias atuais, tais como:
subconsciente, mentalização, energia infinita, eu superior, poder
cósmico da mente, etc. (diz o autor, que o nome pode ser qualquer
um, fica por conta do leitor).

Para o objetivo aqui proposto, tomam-se alguns dados a par­


tir de um a análise feita a respeito dos conteúdos dos referidos li­
vros, onde se caracteriza, de modo evidente, o que se podem chamar
de ilusões, um a vez que, se a ilusão não dá valor à verificação e se

89
rnaldo Toni Sousa das Chagas

Freud está correto em afirmar que "a crença como ilusão se estabe­
lece mediante um a realização de desejo que constitui fator proe­
minente em sua motivação" então, o conteúdo desses livros (como
tantos outros) traz importantes colaborações para o tema aqui
problematizado.
Trevisan tenta provar, pelas suas afirmações, que a fé e a
crença movem montanhas e que até mesmo milagres podem acon­
tecer. Ele encontra sustentação para fazer tais afirmações, sobretu­
do, nas parábolas da Bíblia, através das afirmações de Jesus Cristo
e, ainda, nos relatos (registrados nos livros) de alguns de seus se­
guidores. É desse modo, basicamente, que tenta dar conta daquilo
que prega. Outrossim, Trevisan costuma dizer que somos limitados
apenas pela mente, pois se um a pessoa for capaz de romper com
essa limitação, certamente, ela alcançará tudo quanto deseja da vida.
0 autor continua a declarar repetidamente, em seus livros, baseado
na afirmação de Cristo, de que "tudo o que pedirdes, seja o que for
que desejardes, [conseguireis]", ou, ainda, "pedi, e dar-se-vos-á",
que qualquer pessoa poderá alcançar qualquer objetivo na vida e que
é possível a cura de qualquer doença. Por fim, faz a seguinte per­
gunta: "pode haver afirmação mais límpidamente clara do que esta?"
(1980, p. 17).
É bem provável que muitos indivíduos possam continuar acre­
ditando cada vez mais nos ensinamentos dos referidos livros. No
entanto, essa condição somente será possível se o sujeito for capaz
de "transcender" a realidade do m undo externo, ou dizendo de outro
modo, a reflexão crítica do pensamento. Ora, se o sujeito nega a
realidade a ele apresentada, já que ela provoca mal-estar e angústia,
nesse caso, é bem provável que o faça pelo caminho da ilusão, seja
ele apresentado como uma escapatória ou como um a saída possível
para negá-la ou superá-la.
Que as provas da realidade não têm valor na ilusão, parece
ser, por assim dizer, um a referência habitual e comum na vida des­
sas pessoas. A crença em alguns fenômenos, por mais estranhos
que possam parecer, vem demonstrar, de alguma forma, a força do
desejo que motiva o sujeito para certas realizações e, sem dúvida,
quanto mais intenso for a necessidade de realizá-lo, mais vulnerá­
vel o sujeito se torna ao "assujeitamento".

90
fü. ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

Outro conteúdo importante para essa problematização e que


foi objeto de investigação e análise neste estudo, encontra-se num
dos livros de David Schwartz, A Mágica de Pensar Grande. A Força
Mágica do Pensamento Construtivo". Nesse livro, o autor propõe inú­
meras condições por onde o sujeito poderá alcançar o que deseja na
vida. Faz isso de modo mais ou menos semelhante a Lauro Trevisan.
Aliás, verificou-se, através de investigação em diferentes manuais
de auto-ajuda, que os títulos desses livros se apresentam de modos
diversos, contudo, é muito comum encontrar asserções ou suges­
tões idênticas a partir de um a análise de seus conteúdos.

David Schwartz também faz afirmações que não levam em


conta a prova da realidade ou as experiências do sujeito. Isso fica evi­
dente em algumas de suas colocações. O que ensina o autor é que
não existe necessidade alguma de verificação nos fatos. Logo, da
mesma maneira como se comporta Trevisan, procura a todo custo
provar ou demonstrar que suas proposições são verídicas e que (com
certeza) funcionam para qualquer indivíduo, basta que tenha fé,
que acredite naquilo que deseja que aconteça. Diz Schwartz: "Nada
há de mágico ou de místico no poder da crença. A crença age da
seguinte maneira. Acredite que a atitude de - Eu sou positivo - Eu
sou capaz - gera o poder, a habilidade e a energia necessária para
realizar qualquer coisa. Quando você crê que pode realizar algo,
surge [o milagre] o modo de como realizá-lo". O autor insiste (em­
bora não defina bem o que significa) que a crença é capaz de forne­
cer à pessoa a capacidade para resolver qualquer problema e conse­
guir grandes feitos na vida. 'Aqueles que se acreditam capazes de
mover montanhas fazem-no. Os que procedem de modo contrário
não conseguem. A crença desencadeia a força para realizar [mas
não para pensar ou duvidar]" (1995, p. 22).

Em outro livro de auto-ajuda, verifica-se a mesma problemá­


tica. Em A Força do Poder Cósmico do Subconsciente, de Joseph Murphy
(que tem a mesma linha de pensamento de Lauro Trevisan e de
Schwartz), observa-se a certeza, a convicção e a sedução nas pro­

91
f/Á .n u ü i\o Toni Sousa das Chagas

messas e nas idéias onipotentes e maravilhosas do autor. Assim,


fala sobre o que seu livro vai fazer pelos seus leitores. Usa para isso
afirmações tais como:

tudo aquilo que você deseja na vida pode ser alcançado através
do poder cósmico latente em seu cérebro [...] este poder cósm i­
co é a maior de todas as forças do mundo [...]. Muito já se
escreveu sobre os poderes da mente, mas neste livro está explí­
citamente exposto o modo de usar esse poder para transfor­
mar inteiramente sua vida (... ] À medida em que você for apren­
dendo, neste livro, os processos e as técnicas simples de estabe­
lecer contato com esse poder cósmico e passar a aplicá-lo em
sua vida, começará a progredir e a subir na vida, aproximan­
do-se de Deus, etc. (1968, p. 5, 6)

Os indivíduos que, com fidelidade, dão crédito a essas propo­


sições, que "dizem saber" como alguém pode alcançar tudo o quan­
to deseja da vida, inclusive a cura de doenças físicas e mentais,
através das orações, sugestões e meditações, em geral ensinadas
pelos livros de auto-ajuda, não se dão conta que foram tomados pela
ilusão. Isso acontece exatamente pelo desejo intenso de superar suas
angústias e sofrimentos. Certamente, "a vida, tal como a encontra­
mos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimen­
tos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la, não pode­
mos dispensar as medidas paliativas. Não podemos passar sem cons­
truções auxiliares" (Freud, 1974b, p. 93). Aqui parece ser bem-lem-
brado uma máxima freudiana: "Somos feitos de carne, mas temos
de viver como se fôssemos de ferro".

92
} ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

A Realidade como Fonte de Sofrimento


e a Auto-Ajuda como Medida Paliativa
Freud afirma, também, quando discute sobre qual seria o pro­
pósito da vida humana, que os homens, de modo geral, esforçam-se
para serem felizes e assim permanecerem. Por um lado, diz ele, o
homem visa a um a ausência de sofrimento e de desprazer e, por
outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer.
Em Mal-Estar na Civilização (Freud), verifica-se que a reali­
dade apresenta-se como a única inimiga e a fonte de todo o sofri­
mento. Com a realidade é impossível viver, de maneira que, se qui­
sermos ser, de algum modo felizes, temos de romper todas as rela­
ções com ela. Assim, pode-se tentar recriar o mundo, em seu lugar
construir outro mundo, no qual os seus aspectos mais insuportáveis
sejam eliminados e substituídos por outros mais adequados a nos­
sos próprios desejos.
O escritor Lauro Trevisan, no livro que o tornou conhecido em
outros países, denominado "O Poder Infinito da Sua Mente", escreve o
seguinte:
no fundo de sua mente você acredita que deve existir realmente
o reino dos céus e que é possível atingi-lo. Felizmente, você
parou para pensar que a vida seria um absurdo se nos abrisse
as portas da imaginação e dos desejos e, depois, não pudesse
atender as promessas de felicidade, de paz, de amor, de riqueza,
de bem-estar, de harmonia, de segurança, de alegria e de saúde.
A partir desse m omento você está começando uma viagem fa s ­
cinante e vai entrar na aventura mais fantástica de sua vida: a
descoberta de um novo mundo, o m undo (da fantasiai de seus
sonhos. (1980, p. 7)

Porém, Freud adverte a qualquer um que se aventure "numa


atitude de desafio desesperado [e que] se lance por este caminho em
busca da felicidade, geralmente não chega a nada. A realidade é
demasiado forte para ele. Torna-se um louco; alguém que, na
maioria das vezes, não encontra ninguém para ajudá-lo a tornar
real o seu delírio" (1974, p. 100).

93
f//k apítulo V
O Discurso da Auto-Ajuda
como Promessa Moderna
de uma Realização Impossível
\ ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

O discurso da auto-ajuda, como se pode perceber, propõe ao


sujeito o encontro daquilo que ele tanto procura, ou, dizendo de
outro modo, apresenta um a promessa a ser cumprida, que contém a
receita da felicidade, da realização de todos os desejos e sonhos, da
perfeição, ou seja, da plenitude.

Trevisan diz que "a coisa que mais espanta as pessoas é ouvi­
rem que elas têm o poder de alcançar tudo que desejam" (1980, p.
28). Segundo o referido autor, "a vida não é imprevisível, nem
incontrolável e nem irrealizável, porque existe, esparso pelo mundo
[portanto ela proporciona] tudo o que o ser hum ano deseja para en­
trar em estado de felicidade e de plenificação." (1980, p 21). Entre­
tanto, o sujeito deve-se preparar, educar-se, autoconhecer-se e, so­
bretudo, acreditar que "existe mágica em se pensar de maneira posi­
tiva" (Schwartz, 1995, p. 9). Tais autores procuram demonstrar que
existem instrumentos que levam seus leitores, quem quer que seja,
ao caminho do êxito. Esses instrumentos, que alguns dos autores
indicam, são os ensinamentos que os livros de auto-ajuda contêm.

David Schwartz, dirigindo-se a seus leitores, faz a seguinte


afirmação: "o fato de estar com este livro nas mãos mostra que você
tem inteligência para procurar os instrumentos que o ajudarão a ir
para onde deseja. Para construir [ou conseguir] qualquer coisa" (1995,
p. 9).

As asserções desses manuais, conforme salta à vista, expres­


sam quase sempre frases que provocam estímulo ao poder pessoal
de cada indivíduo, movem-se pelas suas expressões sedutoras e em
direção ao narcisismo de cada um. Logo, o sujeito persuadido pelo
texto, pelo discurso bem-pronunciado e tomado pelo sentimento de
poder (provocado), se lança na busca daquilo que fora prometido, na
esperança de um dia efetivá-lo.

97
f/J\rm ld o Toni Sousa das Chagas

A Receita da Perfeição Humana


pela Promessa que Não se Cumpre
Muitos leitores, influenciados pela exaltação dos enigmas da
auto-ajuda e sem perceber, acabam sendo persuadidos pelas pro­
messas contidas nos livros. Estas, são mencionadas de um a forma
aparentemente simples, porém, são enaltecidas em cada livro por
intermédio da capacidade de persuasão dos autores. Eles repetem a
cada livro, a receita para quem deseja alcançar o sucesso e a realiza­
ção pessoal. Dizem, nas entrelinhas, da possibilidade da perfeição
humana, ou daquilo que, como se sabe pela psicanálise, é um desejo
impossível de ser realizado, ou seja, o desejo de alcançar a felicidade
plena, da reconciliação consigo mesmo e com os outros.
Se nós pudéssemos reunir, num a só pessoa [e Trevisan acredi­
ta que sim] todas as boas coisas que ocorrem em separado, nos
indivíduos de todo o mundo, por certo a soma de todos esses atribu­
tos seria a satisfação e plenificação de todos os desejos possíveis ao
ser humano. Se reuníssemos num a só pessoa a sabedoria dos sábi­
os, a riqueza dos ricos, a felicidade dos felizes, o am or dos que amam
plenamente, a paz dos que estão em paz, a harmonia dos harmonio­
sos, a saúde dos saudáveis, a honestidade dos honestos, a liberdade
dos livres, o poder dos poderosos, o conforto dos que vivem em ha­
bitações luxuosas e confortáveis, a simplicidade dos simples, a con­
fiança dos autoconfiantes, a calma dos calmos, a energia dos cheios
de energia, a certeza dos seguros de si, a limpeza mental dos men­
talmente limpos, os positivismos dos positivos, o otimismo dos oti­
mistas, a clarividência dos clarividentes, a fé dos confiantes, a feli­
cidade de ir e vir dos que podem estar onde quiserem, o prazer pere­
ne dos melhores momentos de prazer - então, não seria exagero em
dizer que essa pessoa é feliz. (Trevisan, 1980. p. 21)
O autor, como se verifica, faz tamanho esforço para afirmar
que "essa pessoa teria fechado todo o abismo existente entre a sua
realidade atual e os seus anseios" e conclui, levantando a seguinte
questão: "Põis bem, se esses atributos existem esparsos pelo m un-

98
1 ilusao_.no discurso da auto-ajuda e o síntoma social

do, significa que são possíveis de existir num a só pessoa, porquanto


tudo o que um ser hum ano pode, todos os outros podem" (1980, p.
21, 22). Em síntese, como se pode observar (semelhante ao paranoi­
co), o autor acredita na igualdade, na autonomia do homem para
fazer suas escolhas, na harmonia, na perfeição hum ana e na possi­
bilidade de qualquer indivíduo alcançar tudo o quanto desejar. Essa
condição, semelhante ao que acontece na paranóia, a princípio, tem
influência sobre o imaginário, sobretudo, quando se constata que
essa estrutura

nos coloca simultaneamente no socius e no imaginário, en­


quanto portador da vontade de onipotência. Ela [a paranóia]
não se refere unicamente a um indivíduo, mas à tentação de
criação totalmente livre, à vontade de fornecer respostas defini­
tivas, ao desejo de gerar sem ter sido gerado: logo, à tentação
divina e à tentação social [...] [quando na sociedade os líderes
desejam ocupar o lugar dos deuses]. Esta tentação, m uitos
assumirão e confirmarão, principalmente se ela for considera­
da com o legítima, ou com o a única saída possível para os
conflitos que os habitam. (Enriquez, 1991, p. 19)

A Inscrição da Auto-Ajuda
no Discurso Dominante
e o Sintoma Social
Valendo-se do que foi exposto até o momento, é possível fa­
zer um a análise crítica através da psicanálise, no que diz respeito à
produção discursiva (FD) de auto-ajuda, sua emergência na cultura
moderna ocidental e o ápice desse fenômeno literário na sociedade
contemporânea. Na mesma medida, será possível, também, anali­
sar e discutir o que a estrutura dos sistemas de auto-ajuda respon­
dem ao homem contemporâneo no que se refere aos inúmeros efei­
tos e conseqüências para sua subjetividade e, por conseguinte, para
sua conduta social. Sendo assim, verifica-se a importância de levar

99
¡/Amaído Toni Sousa das Chagas

em conta a historicidade, a cultura e as ideologias dominantes em


determinada época; pois, dessa forma, é possível compreender um
pouco mais como o sujeito se filia a determinados discursos e como
se articula em dada cultura.

Desse modo, discorrendo sobre o campo discursivo de auto-


ajuda, procurou-se entender, durante o processo de análise, a posi­
ção desse sujeito na sua articulação com o referido discurso, como
ele é afetado (em linhas gerais) pela ideologia e como os sentidos se
estabelecem, isto é, de onde se originam cultural e socialmente. Di­
ante disso, discute-se a seguinte questão: como as promessas e
receitas de auto-ajuda (um fenômeno cultural), através da estrutu­
ra de seu discurso, se inscrevem no(s) discurso(s) dominante(s) da
sociedade contemporânea? Imediatamente, surge um a nova inter­
rogação: a auto-ajuda, um fenômeno que se apresenta, por exem­
plo, como o "avesso" da psicanálise, seria, em última instância, um
sintoma social? Portanto, a discussão que se sucede a respeito desse
fenômeno diz respeito a: o que está em jogo nessa relação? O que a
psicanálise poderia trazer ou, quem sabe, lançar como luz sobre
essa problemática, que tem sua emergência na cultura moderna
ocidental e sobrevive na sociedade contemporânea?

Destarte, o fenômeno da auto-ajuda vem justificar ou res­


ponder, dentre outras coisas, alguns aspectos que a psicanálise (do
vínculo social) vem, atualmente, discutindo exaustivamente, isto é,
o enfraquecimento dos laços sociais e suas conseqüências para a
vida comunitária, em virtude da valorização dos bens de uso, de
consumo, da autonomia e liberdade individuais, especialmente, no
que se refere ao sintoma social.

100
} ilusão no discurso da auto-ajada e o sintoma social

A Impossibilidade da Completude
pela Proibição do Incesto
Tratando-se do texto de Freud, escrito em 1913, Totem e Tabu,
encontra-se a hipótese de um a "horda primeva" (de Charles Darwin.
Ele faz referências a um estado primitivo de sociedade, de organiza­
ção de grupo.) O autor utiliza essa hipótese para elaborar questões
que dizem respeito aos desejos incestuosos. Assim, é dito que exis­
tiu na "horda primeva", um pai forte que tinha poder e mantinha
controle sobre todos os seus filhos. Esse chefe da horda guardava
todas as fêmeas para si e, pelo ciúme, expulsava seus filhos quando
esses cresciam. Porém,

certo dia os irmãos que tinham sido expulsos retornaram jun­


tos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à
horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo e fo­
ram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível fazer indi­
vidualmente. O violento pai primevo fora sem dúvida o temi­
do e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos. (Freud,
1974, p. 170)

O que Freud sustenta, nessa hipótese, é que, no momento em


que os filhos m atam e devoram seu pai, procuram introjetar as suas
qualidades (modelo-identificação). Esse fato acontece com o intuito
de que cada um deles pudesse, então, adquirir parte de sua força.
Todavia, com o assassinato do pai da horda, as fêmeas ficariam à
deriva. Portanto, se cada um deles, acreditando ter adquirido o poder
do pai, desejasse manter o controle sobre elas, teria de expulsar os
outros irmãos, para ocupar o lugar do pai, o que seria uma tarefa
impossível, porque todos eles teriam de lutar uns contra os outros e
acabariam morrendo. A saída, então, foi repartir as fêmeas e
relativizar o poder entre eles. Contudo, como disse Freud, "o ato não
pode ter dado um a satisfação completa àqueles que o cometeram.
De certo ponto de vista, fora executado em vão. Nenhum dos filhos,
na realidade, pudera realizar seu desejo original [isto é] tom ar o
lugar do pai" (1913). O que se pode dizer, é que

101
ff x n a là o Totti Soasa das Chaga

devido aos desejos incestuosos dos filhos para com as fêmeas


da horda, esse pai é alvo de sentimentos ambivalentes: ódio em
relação ao pai, por ele ser o único possuidor dessas fêmeas, e
amor em relação ao pai admirado pelo que mostra ser. Esses
sentimentos contraditórios persistem até hoje, seja em relação
ao pai ou à mãe, para cada ser hum ano que se estrutura num a
neurose: questão edípica. (Henckel, 1993, p. 42)

O que esta elaboração teórica demonstra, especialmente, é a


"proibição do incesto". Para a psicanálise, todavia,

a questão do incesto não se restringe ao ato sexual entre paren­


tes, pois que se coloca como uma tentativa de completude, por
exemplo na relação mãe e bebê, uma tentativa de perfeição,
situando nessa dimensão, podemos concluí-lo como impossí­
vel, o que não quer dizer que aí não instaure um desejo (muito
pelo contrário). (Henckel, 1993, p. 41)

Jacques Lacan, retomando Freud, elabora algumas teorizações


que podem ser esclarecedoras para o que se está discutindo. O con­
ceito da castração, segundo a definição lacaniana, diz respeito à
operação simbólica que determina a estrutura subjetiva. A castra­
ção, nessa abordagem, não se refere ao órgão real (pênis), como
Freud descreve no complexo de castração “quando relata a teoria se­
xual infantil [...] A castração refere-se ao falo, enquanto um objeto não
real, mas imaginário [...] A criança, menino ou menina, quer ser o falo
para captar o desejo de sua mãe [...] A proibição do incesto deve desalojá-
lo da posição ideal dofalo materno. Essa proibição éfeita pelo pai simbó­
lico, isto é, por uma lei." (Chamama, 1995, p. 30, 31) Pergunta-se
então, o que seria a proibição do incesto para Lacan? Em síntese,
seria a impossibilidade de completude entre a mãe e o bebê. Antes
disso, o que existia era uma possibilidade de perfeição. Entretanto,
depois do efeito de um a intervenção terceira (da função paterna), a
criança emerge na condição de sujeito desejante e, portanto, jamais
poderá sair dessa posição... dt f altante, etc.
Freud, por sua vez, observou um a criança de dezoito meses
(seu neto) que brincava com o jogo dofort-da. Assim, propôs em
suas teorizações o modo pelo qual o sujeito entra na linguagem, ou

102
fü. ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

seja: a criança, observou Freud, jogava para longe de seu berço os


brinquedos que estavam ao alcance de suas mãos e pronunciava um
som prolongado o-o-o-o (fort, que significa, em alemão, "longe").
Como bom observador, percebeu, também, ao longo dos dias, que
seu neto, tendo em um a das mãos um barbante amarrado a um
carretei, jogava para fora do berço e depois puxava-o em sua dire­
ção, exclamando a palavra "da!" (que, em alemão, significa aqui).
Freud, inteligentemente, comparou essa experiência da criança com
a posição em que ela se encontrava diante de sua mãe que ausenta­
va-se e que demorava a reaparecer. O referido autor, entendendo que
a criança sofria com esse movimento de presença e desaparecimen­
to da mãe, concluiu que o jogo do fort-da tinha a função de repro­
duzir o desaparecimento e o reaparecimento da mãe e, desse modo,
seu sofrimento desaparecería. Foi esse o meio encontrado pela crian­
ça para conseguir suportar a falta da mãe. Entretanto, quando a
criança (agora já ativa) toma sua iniciativa para lidar com essa si­
tuação que provoca mal-estar, conseguindo perceber sua "real" posi­
ção, então, passa a sentir o júbilo de poder estar lidando (sozinha)
com aquela situação, faz isso como se não precisasse realmente
mais da presença de sua mãe. Jacques Lacan trabalha essa mesma
referência, porém, dá mais atenção à relação da perda. Ele conclui
que "esta perda é estruturalmente mais um a perda da relação direta
com a coisa, contemporânea do acesso à linguagem "a palavra é o
assassinato da coisa." (1953-54).

No que concerne, enfim, à castração, a falta que ela interpreta


é uma falta simbólica, na medida em que ela remete à interdição
do incesto, que é a referência simbólica por excelência. É por
isso que a função paterna é operatoria, determinando, para a
criança, seu próprio acesso ao simbólico. A falta significada
pela castração é, antes de mais nada, com o formula Lacan,
um a dívida simbólica. Mas, na castração, o objeto faltante é
radicalmente imaginário e, em nenhum caso, pode ser um ob­
jeto real. (Dor, 1992, p. 83)

103
f/j\r n a ld o Toni Sousa das Chagas

A Auto-Ajuda como Orientação


para a Completude do Ser
Na utilização de algumas conceituações psicanalíticas, veri-
ficou-se que o discurso habitual dos líderes da auto-ajuda é um
discurso de lei de referência. São eles os detentores da "função pater­
na", como um a espécie de modelo perfeito, oferecendo ao sujeito,
pelas sugestões e promessas, a possibilidade de se permitir um a
montagem considerável de fantasmas a partir de seu desejo incons­
ciente que tende a realizar-se. Assim, o homem moderno "individua­
lizado", narcisista, encerrado em si mesmo pela ilusão de autono­
mia individual (e os mestres da auto-ajuda, implicitamente, "com­
preendem" bem essa condição do homem contemporâneo), monta
seus sonhos e os caminhos para suas realizações, não indo além
daquilo que a cultura (moderna) oferece, isto é, um mundo moderno
(e pós-moderno), extrem am ente técnico, veloz, instantâneo e
consumista.
O discurso totalitário, sedutor e fascinante da auto-ajuda pro­
põe condições e orienta o sujeito na direção da completude do Ser.
"Existe no interior da criatura hum ana riquezas imensas [...]. No
mundo insondável do subconsciente está a mina inesgotável, que
contém a satisfação de tudo o que o homem sonha e deseja para si"
(Trevisan, 1980, p. 22). Na verdade, seus pregadores, valendo-se da
crença na existência de forças interiores, dizem da possibilidade da
realização pessoal e do encontro (consigo mesmo) com a felicidade,
enfim, de "tamponar a falta". Dessa maneira, usam os mais dife­
rentes recursos para "promover ilusões" e o fazem, muitas vezes,
afirmando que não importa saber (ou não saber) sobre esse poder
interior: o que o leitor tem de fazer é "acionar o poder divino, a fé
[...]. Fé é a certeza de que o seu pensamento é verdadeiro. Acreditar
é aceitar definitivamente um a coisa como verdadeira" (Trevisan,
1980, p. 32 ).
Esse discurso opera, sobretudo, em nível do imaginário. Ele é
impositivo, imediatista, totalitário. Assim, apresenta aquilo que
promete, o fim de todo e qualquer mal-estar humano, seja referente

104
fj. ilusão no discurso da auto-ajuila e o sintoma social

à angústia do dia-a-dia, aos traum as psíquicos, às neuroses co­


muns, etc. Se faltar saúde, dinheiro, amor, esperança, confiança no
futuro, fé, ou qualquer impossibilidade de viver feliz, realizado e
com sucesso na vida, segundo o que afirmam os pregadores de auto-
ajuda, o sujeito ainda terá um a saída. Segundo eles, "isso é muito
simples", basta que o sujeito se convença da certeza de que "tudo é
possível ao homem que crê", especialmente, se seu desejo é sincero e
intenso.
Com efeito, o sujeito que adere à auto-ajuda e que, portanto,
segue na "íntegra" seus princípios e ensinamentos, acredita na pos­
sibilidade de um dia poder "vir a ser" ou "vir a ter". Ele acredita na
promessa e passa a voltar-se para si, negando qualquer compromis­
so com um mundo social "estável e mais seguro". Conseqüente-
mente, não admite qualquer obstáculo psíquico e material que pos­
sa suceder-se nas experiências ou na realidade de cada um. Assim, o
sujeito, mediante identificação, encontra um sentido ou um reconhe­
cimento social. Entretanto, passa a articular-se discursivamente pelos
padrões que a cultura moderna oferece como uma das razões princi­
pais de sua existência: a busca do êxito, do esplendor, da perfeição a
qualquer preço. À mesma medida, a cultura de massa, a mídia, o
individualismo, as imagens comuns e gerais de marketing, o consu­
mo e o narcisismo passam a marcar e delimitar seus territórios.
São muitos os objetos oferecidos e utilizados na tentativa de
suprir a falta. "Os sujeitos se utilizam de objetos para tentar dar conta
da falta, da incompletude do Ser" (Künzel, 1993, p. 110). Portanto, o
sujeito, na auto-ajuda, de um modo, vive na ilusão de um dia poder
chegar à felicidade ou à completude, de não ser mais faltante. A
partir dessa caracterização, pode-se deduzir que essa promessa, da
qual se fala, jamais poderá ser cumprida, visto que não passa de um
ideal genérico de perfeição humana. Esse estado de coisas, funda­
mentalmente, constitui-se pela (e na) ilusão. Assim sendo, é exata­
mente essa condição, a qual se estabelece pela instauração da falta,
que o torna hum ano e (na castração) que institui o desejo, a impos­
sibilidade do sujeito ser perfeito e completo... Como mencionou Hegel,
reforçado por Lacan: "o desejo é o efeito da presença de uma
ausência"

105
//jfjn a là o Tcmi Sousa das Chagas

A Manipulação Comunicativa
e a Crise das Relações Humanas
O sujeito, diante das orientações dos manuais de auto-ajuda,
a qualquer preço, procura sobreviver ao mal-estar do indivíduo m o­
derno. Ele vive intensamente, buscando prestígio e reconhecimento
ao te n ta r sair-se bem, pelas patéticas técnicas e sugestões
miraculosas. As influências subjetivas, referentes às asserções do
discurso dos mestres da auto-ajuda (seja através do estímulo à aqui­
sição de objetos, pela "manipulação comunicativa", pelo controle de
situações em geral), produzem efeitos e conseqüências imprevisíveis
aos indivíduos, de modo especial, se fosse levar a termo e específi­
camente as questões éticas e morais referentes às relações humanas
que se manifestam na sociedade contemporânea.
No livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, Carnegie, ela­
borando títulos atraentes, ensina como o indivíduo pode sair-se bem
experimentando suas técnicas de "relações humanas". Esse autor
traz sugestões precisas sobre como isso pode ser feito. Assim, a
propósito, faz suas declarações:
faça isso e será recebido em toda parte, seis maneiras de fazer
com que as pessoas gostem de você, um meio simples de
causar um boa impressão, com o fazer com que as pessoas
gostem de você imediatamente, com o conquistar as pessoas
para seu modo de pensar, um apelo de que todos gostam, o
cinema faz isto. A televisão também. Porque você não faz o
mesmo? (1995, p. 22)

As idéias básicas da auto-ajuda, em dias atuais, são: "viva


[...] viva intensamente e seja feliz, sinta o máximo de prazer em
menos tempo possível, mantenha o controle e leve a melhor sobre
tudo e sobre todos, sobreviva a tudo e a todos, seja um vencedor,
saiba sobre os segredos de como você poderá se transform ar em um
super-homem". Trevisan, não hesita em afirmar, que "você tem for­
ças interiores para isso [...] Tudo é possível ao homem que crê [...]".

106
ilusão no discurso da nuto-ajuda e o sintoma social

Esse discurso, alicerçado em promessas, induz o sujeito na direção


da possibilidade de encontrá-las, um a vez que sofre influências da
produção discursiva da cultura moderna de um modo geral, ou seja,

uma cultura do narcisismo no seguinte sentido: na recusa do


que constitui para nós herança, resta-nos, para sermos sujei­
tos, a constituição de um self, de um eu privado, único, que
não seja efeito do relacionamento social, que possa se sustentar
num a espécie de racionalização da diferença eu sou o único.
(Calligaris, 1993, p. 191)

O Discurso da Auto-Ajuda
e o Sintoma Social
Em Psicanálise e Sintoma Social, encontra-se um texto de
Jaqueline Künzel que trata do marketing como o avesso da Psicaná­
lise. À mesma medida a autora indaga sobre o sintoma social. As­
sim, valendo-se de alguns dados dessa abordagem, verifica-se a se­
melhança do discurso do marketing com o discurso da auto-ajuda e,
além disso, o que essas produções discursivas respondem ao ho­
mem contemporâneo. Por conseguinte, para um melhor esclareci­
mento, faz-se necessário algumas discussões a respeito.
Como no marketing, o discurso da auto-ajuda traz, em sua
ética, a promessa de completude. Esse discurso apresenta-se como o
"avesso da psicanálise", ou seja: "é da mesma ordem do discurso
religioso, onde privilegia o SI, o lugar do todo, onde se tenta preen­
cher a falta. A psicanálise vem justamente trabalhar com essa falta,
vem m ostrar que ela existe, que está em todos os sujeitos" (Künzel,
1993, p. 110).
Com base no que foi exposto acima e valendo-se da afirma­
ção de que o neurótico busca incessantemente e durante toda a sua
vida se defender da castração, de sua falta, pode-se dizer que o neu­
rótico adere ao discurso da auto-ajuda como receita para livrar-se

107
f/A y m ü d o Ton i Sousa das Chagas

do seu mal-estar. O mestre pregador da auto-ajuda, ocupando o


lugar da "função paterna", sabe orientar sobre o que o sujeito tem de
fazer para alcançar a felicidade e nela permanecer. Esse discurso
fala de forças interiores e de técnicas que podem ser usadas para o
bem ou para o mal. O bem estaria na direção do sucesso e da reali­
zação pessoal, da obtenção dos bens de uso e consumo, da riqueza,
da inteligência, da sabedoria, um a vez que, "se você tem dinheiro
[em dias atuais] todos lhe atribuem sabedoria, cultura, simpatia e
bondade; se é pobre, além de ignorante, inculto e antipático, você
ofende com sua presença a sociedade" (Fernandes, 1983, p. 67). O
autor citado, semelhantemente a Napoleón Hill e outros, escreveu
inúmeros livros sobre a riqueza. Em seus conteúdos, encontram-se
inúmeras orientações (alienantes e egocêntricas) de como os leitores
deverão relacionar-se com os objetos, com o dinheiro e com outras
pessoas, para que, assim, possam alcançar a fortuna e chegar ao
ápice da riqueza.
Seria, então, o discurso da auto-ajuda um sintoma social?
Betts afirmou, na jornada Função Paterna e o Sintoma Social (POA,
1993),

que um sintoma é social quando sua articulação discursiva


subjetiva encontra uma inscrição específica no discurso social
dominante (Betts, 1993, apud Künzel).

Desse modo, considerando a "linguagem como ponto de amar­


ração do sujeito no social", pode-se considerar que o sujeito, de al­
gum modo, está situado com seu sintoma no social ou, dizendo de
outro modo, todo sintoma é social. "O sintoma é aquilo que se repete,
que tenta encobrir a falta" (Künzel, 1993, p. 115). O marketing ofe­
rece os objetos para tamponar essa falta. A produção discursiva da
auto-ajuda, por conseguinte, motiva o sujeito a caminhar na busca
dos objetos que satisfaçam todos os desejos humanos.
Chemama, quando trabalha o conceito de discurso e aborda o
quinto discurso proposto por Lacan, denominado o "discurso do ca­
pitalista", vem dizer que "de fato, é um dos principais traços do

108
I ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

discurso corrente dos nossos dias: prometer a todos a satisfação de


todos os desejos, desde que se coloque neles o preço a pagar, a dife­
rença entre o objeto do desejo e o objeto da consumação." (1995, p.
49).
Destarte, pode constatar-se, no decorrer deste trabalho, que
um dos ramos da auto-ajuda prega a saída do mal-estar e o cami­
nho da realização pessoal basicamente pela aquisição de bens ma­
teriais (visando à riqueza), pela aquisição de objetos, pelo
consumismo. Dessa forma, verifica-se que, de algum modo, seu
discurso se articula ou se inscreve no discurso corrente dos dias
atuais. Portanto, o caráter constituinte do discurso da auto-ajuda
na sociedade contemporânea, seja qual for sua articulação ou pro­
dução, traz consigo um a promessa a ser cumprida, isto é, um a pro­
posta (como foi discutido no decorrer deste trabalho) de perfeição
sem falhas, de completude. Talvez, em certa medida, seja uma pro­
messa semelhante à da ciência moderna e tecnológica, a qual tam ­
bém ainda não foi cumprida.

109
onsiderações
m Finais

A categoria da auto-ajuda designa, nesse fenômeno, como


disse Francisco Rüdiger, em Literatura de Auto-Ajuda e Individualis­
mo, um conjunto de práticas articuladas textualmente que, embora
variada em sentido e campo de aplicação, baseia-se em um mesmo
motivo: o princípio de que possuímos um poder interior, passível de
ser empregado na resolução de problemas. O denominador de todas
essas práticas é um individualismo, segundo o qual o indivíduo pre­
cisa procurar dentro de si os recursos necessários para resolver as
suas dificuldades. Portanto, o discurso da auto-ajuda promove no
indivíduo, em detrimento da vida comunitária, um estímulo que o
impulsiona constantemente para a busca do sucesso social e um
sentimento de bem-estar consigo mesmo, a condição de poder e de
onipotência em direção ao sucesso pessoal e à riqueza. Igualmente,
ensina a seduzir, a manipular e controlar os outros para seu próprio
benefício. Parte do pressuposto imperativo e indiscutível de que to­
dos os indivíduos modernos buscam os bens materiais de consumo
para o reconhecimento social, a realização pessoal, a felicidade.
No decorrer deste estudo, pode comprovar-se, além de outras
coisas, que o que determina atualmente a adesão do sujeito às prá­
ticas de auto-ajuda, de um modo geral, é, de fato, o individualismo,

111
f/Amaído Toni Soma das Chagas

à medida que, do mesmo modo, diferentemente das sociedades tra­


dicionais, vive-se num a intensa busca de orientação e de reconheci­
mento social que se caracteriza, sobretudo, pela aquisição de obje­
tos, bens de uso e consumo.
A felicidade, concordando com Baudrillard, em seu livro A
Sociedade de Consumo, constitui a referencia absoluta dessa socieda­
de. O autor afirma que a força ideológica da noção (do mito) de
felicidade advém de um processo sócio-histórico "que recolhe e
encarna, ñas sociedades modernas, o mito da igualdade" (1995, p.
47). Destarte, os pregadores da auto-ajuda, através do conteúdo de
seus livros, fazem a manutenção desse discurso quando, implícita
ou explícitamente, dirigem-se aos homens de sucesso que respon­
dem de modo autêntico ao ideal da sociedade capitalista e promo­
vem em seus leitores a condição de felicidade pela igualdade, à me­
dida que se "os outros puderam você também pode, ser rico é um
direito seu". Assim sendo, se os outros consomem objetos, merca­
dorias, e alcançam o sucesso e a "realização pessoal", então, o que
resta ao sujeito senão avaliar-se pelos outros, um a vez que precisa
ser reconhecido socialmente (pelos irmãos do mesmo clã)? Esse re­
conhecimento do qual se fala se estabelece pelos objetos de uso e de
consumo.
Outrora, o conceito-chave de auto-ajuda não visava, sobre­
tudo, à felicidade, realização pessoal ou prazer, mas sim, ao caráter,
isto é, visava ao cultivo dos bons hábitos. O caráter, naquela época,
estava voltado específicamente à moral. 'A vida bem sucedida que a
doutrina da auto-ajuda pregava não se baseava na satisfação indi­
vidual dos desejos mas confundia-se com a prática do trabalho e o
cumprimento dos deveres estabelecidos pela sociedade. A felicidade
individual e o sucesso, caso queira empregar o termo, não eram
conseguir qualquer coisa da vida mas form ar um bom caráter"
(Rüdiger, 1996, p. 33). Assim, o que restou hoje ao sujeito contem­
porâneo, como afirmou Mario Corso, foi uma grande crise de valo­
res éticos e morais, onde, "em resumo, [...] os canais de reconheci­
mento, de alteridade, estão mais estreitos, e de um a ética do traba­

112
ilusão no discurso da auto-ajuda e o sintoma social

lho [do caráter] está se passando para um a ética do consumo [da


sedução das imagens] do acesso aos objetos" (1994, p. 6). Por con­
seguinte, "a felicidade [tão sonhada] surge primeiramente como exi­
gência de igualdade. [...] Sendo assim, a felicidade distancia-se [...]
da exaltação coletiva, já que alimenta-se por uma exigência iguali­
tária, funda-se nos princípios individualistas" (Baudrillard, 1995,
p. 48).
Para que os sujeitos modernos venham a "aderir" ao discurso
da auto-ajuda e passem a acreditar no que seus mestres pregam,
estes últimos terão de lançar mão de alguns recursos que a cultura
oferece. Assim, a saída para ao sujeito é aderir ao discurso domi­
nante da sociedade contemporânea, onde "não há mais ninguém
que comanda, todo mundo faz negócios e ali encontra seu ganho.
Não se trata mais de responsabilizar qualquer um que comanda [...]
o que comanda cada um é o gozo, o objeto, na medida em que cada
um ali encontra seu gozo" (Melmam, 1992, p. 77).
Constatou-se, durante esta pesquisa, de modo especial, a exis­
tência, o significado e a ressonância do "discurso do impossível" na
sociedade contemporânea. Sua essência está na onipotência. A ten­
tativa comum de qualquer sujeito é a de escapar ou evitar a castra­
ção. Tais produções discursivas articulam-se exatamente para ir ao
encontro da subjetividade dos seus ouvintes (seu inconsciente). Esse
discurso, como afirmou Enriquez, somente reconhece os poderosos,
os heróis, os senhores, portanto, todos deverão um dia ocupar esse
lugar e assim ser reconhecidos. O discurso da auto-ajuda, con­
clui-se, influencia e produz efeito no imaginário do sujeito, isto é,
vai ao encontro dos seus fantasmas, das suas ilusões (contemporâ­
neas), exatamente porque promete ao sujeito o alcance de seus
ideais pelas suas forças interiores, donde nega qualquer relação com
o m undo externo, com o mal-estar que ele provoca.
Contudo, como já foi citado anteriormente, a mediação do
sujeito com os objetos se faz pelo consumo de mercadorias. Essa
afirmação vai de encontro exatamente ao que m uito hoje se discute
em razão do esvaziamento do espaço simbólico nas relações sociais,

113
fA,maído Toni Sousa das Chagas

urna vez que todos os sujeitos m odernos estão expostos ao


consumismo, às promessas de felicidade e às ilusões contemporâ­
neas. "A normalidade e a obsessão de plenitude são o resgate de um
mundo no qual os fetiches substituem os seres humanos, onde a
morte negada [que remete o sujeito à castração direta, no real] tem
a última palavra" (Enriquez, 1991, p. 262). A ordem discursiva que
proclama "a obsessão da plenitude", da fantasia ou da ilusão do
domínio total, vem demonstrar o resgate de um mundo de raciona­
lizações e requinte, no qual os objetos-fetiches, de modo geral, subs­
tituem os seres humanos.
Com efeito, o discurso da auto-ajuda, que proporciona a cren­
ça no potencial humano, na felicidade pelo êxito e pelo sucesso pes­
soal (nitidamente imaginário) não permite qualquer impossibilidade
e, a todo custo, orienta o sujeito como escapar à castração. Na adesão
desse discurso, o sujeito adquire um sentimento de onipotência (oce­
ânico), procura controlar a si mesmo e ao mundo. A auto-ajuda faz
com que o indivíduo sinta, pense e conduza-se na vida de modo
autônom o, livre e inflexível e passe a sujeitar-se pelo caminho
obsédante da busca daquilo que lhe falta e que, portanto, poderia
(como a referida literatura promete) proporcionar-lhe gozo pleno, ab­
soluto. Essa atividade fantasmática, imaginária, é sustentada pelo
gozo fálico, já que, pela busca de objetos, aponta exatamente para o
horizonte fálico do sujeito, para a realização pessoal, para o êxito
(social) etc. O sujeito, na auto-ajuda, se enlaça, na tentativa de re­
alização desse gozo fálico.
Lembramos, aqui, do sujeito neurótico, que procura safar-se
de seu sofrimento psíquico pela busca da felicidade. O que procura,
na vida, é ser feliz e, assim, permanecer, o que vai ao encontro
exatamente do que prometem as literaturas de auto-ajuda.
Depois de todas as discussões apresentadas neste estudo, res­
ta fazer algumas considerações a respeito do sujeito e o gozo na
cultura, levando em conta, sobretudo, a produção discursiva da auto-
ajuda e sua articulação com o discurso dominante dos dias atuais,
para discuti-la como sintoma social.

114
n ilusão no discurso da auto-ajuda c o sintoma social

As formas de gozo atêm-se( de alguma forma, ao imperativo


egotista da cultura atual, que diz ao sujeito: goze! O gozo da
modernidade é a promessa de um gozo pleno, sem falhas. É isso que
vai organizando o discurso dominante. Assim, as articulações
discursivas da auto-ajuda estão vinculadas a esse gozo. Em psica­
nálise, quando o sujeito encontra-se em posição de afirmar que tem
um saber absoluto sobre o objeto do gozo do outro, em síntese, fala-
se de um laço perverso. Nessa dimensão, Calligaris afirma que "na
perversão, temos demanda imaginária do Outro e a posição imagi­
nária do sujeito" (1985, p. 35 -36). Esse fato de fechar a resposta
com a demanda cria um "semblante" perfeito de adequação, confor­
me fundamenta o autor; porque possibilita a fantasmagoría de fa­
zer gozar o Outro. Esse saber está na posse do sujeito. Por dominar
o saber sobre o gozo do Outro, pode-se dizer que é todo "semblante"
dele mesmo refletido no espelho, de quem goza.
O gozo fálico tem períodos intermitentes e está no campo da
linguagem. Ele é tão pouco, que acabamos retornando sempre a ele
na ilusão de readquirirmos o objeto total, que nunca tivemos, pois
ele é a nostalgia de um a experiência original que foi apenas um
engodo mítico. Onde o gozo fálico não tem mais sentido, o gozo do
Outro nos deixa transtornados, pois este é absurdo, sem lógica. Ar­
rasta para a morte, pois o desejo não se detém diante do limite. Isso
produz o gozo, que não é sinônimo de prazer.
A nossa cultura está tomada pelo imperativo "Goze!" e não
tem defesa, pois não está protegida contra esse imperativo egótico,
de caráter paradoxal: está na cultura, constituído no simbólico, a
partir dos ideais, mas ordena de tal modo que cesse a lei. Essa con­
dição torna-se clara no discurso da auto-ajuda quando ela diz que é
possível realizar tudo o quanto se quer da vida, de que tudo é possí­
vel ao homem, que existe dentro dele um poder sem limites, etc.
Entretanto, responder ao imperativo "Goze!" é responder ao preen­
chimento da demanda materna, realizar a mãe como um todo, é ser
o falo.
O que incomoda singularmente o sujeito faz parte de toda a
cultura; de modo genérico, todo o sintoma é social, desde que esteja
de alguma forma articulado com o discurso dominante. Para o dis-

115
f/A>maído Toni Soasa das Chagas

curso dominante que circula no social é um discurso que traz consi­


go, implícita ou explicitamente, um a promessa de um gozo sem
falta, entretanto, como uma promessa a ser cumprida. Nesse senti­
do, entende-se que o discurso da auto-ajuda é, de fato, um sintoma
social.
Em última análise, percebe-se que na sociedade moderna a
tendencia é de estabeleceram-se relações duais, eliminando o tercei­
ro, a função paterna (a lei, o limite). O sujeito fica à mercê do sem­
blante, perdendo com isso as dimensões da lei. Quer eliminar a fen­
da que o afasta do outro. A promessa do encurtamento das distân­
cias, com o advento do instantâneo, facilita essa possibilidade de
eliminar o intervalo e elege o sujeito-semblante, ficando sob o im­
pério da semelhança do outro. Busca, incessantemente, capturar o
objeto perdido, a fim de gozar permanentemente. Sem mediador ter­
ceiro, o sujeito não tem mais lugar para trocas e se afoga na relação
sujeito-objeto.
Sendo assim, o sujeito, uma vez entregue narcisicamente a
seu semblante, torna-se vulnerável ao discurso da auto-ajuda, que
vem reforçar essa condição. Já que seus mestres pregadores, ocu­
pando de alguma forma "a função paterna como modelo", impri­
mem sem constrangimentos em seu mandato totalitário e impositivo,
a reafirmação do que propõe (de modo sedutor, fascinante e persua­
sivo) o discurso dominante na cultura atual; ou seja, aquilo que se
tem hoje como traço marcante no sintoma da cultura moderna: a
promessa e a receita para o sujeito preencher o vazio para que possa
gozar plenamente.
Porém, pelo que foi constatado durante este trablho, a pro­
messa teve sua força pelo discurso bem-articulado (todos estavam
adormecidos), pois a dádiva presumida, que gerou grandes expecta­
tivas, não pôde ser cumprida, não passou de presságios. "O gozo,
realmente, não era possível, não era legítimo". Contudo, à medida
que existe uma esperança (no social) de que o vazio humano possa
ser preenchido, o sujeito, já instrumentalizado, não tem muitas al­
ternativas senão lançar-se nessa busca pelo caminho da ilusão. Um
deles, com certeza, é o da auto-ajuda.

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