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CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
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João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida
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Ricardo Máximo Gomes Ferraz
Salo de Carvalho
Sérgio André Rocha
Sidney Guerra
Társis Nametala Sarlo Jorge
Victor Gameiro Drummond
TEMAS DE DIREITO
CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
PRODUÇÃO EDITORIAL
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Ao Rodrigo e ao Bruno, as maiores alegrias da
minha vida, com a gratidão por todos os momentos
felizes que vocês me proporcionam.
Sumário
vii
IX – O Princípio da Irretroatividade Tributária ................................................... 143
1) A Retroatividade das Leis e a Retroatividade Tributária ....................... 143
2) A Irretroatividade e o Fato Gerador Complexivo................................... 149
3) A Retroatividade no Direito Tributário .................................................. 151
3.1) As Leis Interpretativas ...................................................................... 152
3.1.1) A Interpretação Autêntica na LC nº 118/05 ......................... 155
3.2) A Norma Tributária Sancionatória................................................... 157
3.3) As Leis que Estabelecem Novos Critérios de Apuração e Fiscaliza-
ção do Tributo ................................................................................... 159
X– O Princípio da Proteção à Confiança Legítima No Direito Tributário ....... 163
1) O Princípio da Proteção à Confiança Legítima no Direito Tributário.. 163
2) A Proteção à confiança e a Mudança na Interpretação Administrativa .. 166
3) A Proteção à Confiança nos Atos Administrativos sem Fundamento
Legal e na Valoração dos Fatos ................................................................ 168
3.1) A Proteção à Confiança e os Benefícios Fiscais de ICMS sem
Convênio............................................................................................ 172
4) A Proteção à Confiança e o Controle da Constitucionalidade da Lei
Tributária................................................................................................... 173
5) Os Efeitos Prospectivos de Decisão sobre a Constitucionalidade de Lei
Tributária................................................................................................... 178
XI – O Princípio da Anterioridade Tributária ...................................................... 183
1) Introdução ................................................................................................. 183
2) Temporariedade, Anualidade e Anterioridade ....................................... 183
3) A Evolução no Brasil: da Anualidade à Anterioridade........................... 186
4) O Princípio da Anterioridade Tributária na Constituição de 1988....... 189
5) A Anterioridade Nonagesimal ................................................................. 192
6) A Noventena Constitucional.................................................................... 193
7) A Anterioridade e as Emendas Constitucionais...................................... 195
8) A Revogação de Isenção e a Anterioridade............................................. 200
XII – O Princípio da Capacidade Contributiva ...................................................... 203
1) Introdução ................................................................................................. 203
2) Breve Histórico da Capacidade Contributiva.......................................... 205
3) Fundamento, Conteúdo e Extensão do Princípio da Capacidade Con-
tributiva..................................................................................................... 211
4) Conflitos da Capacidade Contributiva com Outros Interesses Almeja-
dos pela Tributação................................................................................... 222
5) A Capacidade Contributiva como Princípio Interpretativo................... 226
6) Conclusões................................................................................................. 231
XIII – Competência Tributária ................................................................................. 235
1) Conceito .................................................................................................... 235
2) Competência Tributária e Sujeição Ativa. Indelegabilidade.................. 236
3) Classificação .............................................................................................. 236
viii
3.1) Competência Exclusiva ..................................................................... 237
3.2) Competência Comum........................................................................ 237
3.3) Competência Residual....................................................................... 238
3.4) Competência Extraordinária............................................................. 239
4) Critérios para Partilha da Competência Tributária ................................ 239
4.1) Nos Impostos – Fato Gerador ........................................................... 239
4.1.1) Impostos da União – art. 153 ................................................. 240
4.1.2) Impostos dos Estados – art. 155............................................. 240
4.1.3) Impostos dos Municípios – art. 156 ...................................... 240
4.2) Nos Tributos Vinculados – Competência para a Atividade Estatal . 240
5) Conflitos de Competência ........................................................................ 241
5.1) Bitributação........................................................................................ 242
6) Competência Tributária e Federalismo Fiscal......................................... 244
XIV – Federalismo Fiscal e Reforma Tributária ...................................................... 249
1) Introdução ................................................................................................. 249
2) Federalismo: Evolução Histórica ............................................................. 250
3) Federalismo: Conceito e Elementos Constitutivos ................................. 251
4) Formas de Federalismo no Estado Contemporâneo ............................... 254
5) Federalismo Fiscal e a Distribuição de Rendas e Atribuições................ 256
6) Federalismo e Centralização Fiscal no Brasil .......................................... 259
7) Conclusão .................................................................................................. 266
XV – A Interpretação da Lei Tributária ................................................................. 267
1) Introdução ................................................................................................. 267
2) Os Métodos de Interpretação e sua Evolução Histórica......................... 267
2.1) A Jurisprudência dos Conceitos e o Método Sistemático ............... 268
2.2) A Jurisprudência dos Interesses e o Método Teleológico ............... 270
2.3) A Jurisprudência dos Valores e a Pluralidade Metodológica.......... 275
3) A Interpretação no Direito Tributário Brasileiro ................................... 284
XVI – A Elisão Fiscal e a Cláusula Geral Antielisiva .............................................. 289
1) Introdução ................................................................................................. 289
2) O Combate à Elisão e a Teoria do Abuso de Direito .............................. 289
2.1) Conceito e Requisitos do Abuso de Direito..................................... 289
2.2) O Abuso de Direito no Direito Tributário....................................... 290
2.2.1) Requisitos da Elisão Abusiva ................................................. 290
2.2.2) Distinção entre Abuso de Direito e Simulação..................... 292
2.2.3) Modalidades de Elisão Abusiva ............................................. 293
2.2.4) Abuso de Direito e Licitude................................................... 296
3) O Combate à Elisão e as Cláusulas Antielisivas ...................................... 297
3.1) As Cláusulas Antielisivas no Direito Comparado............................ 298
4) As Cláusulas Antielisivas no Brasil.......................................................... 301
4.1) A Cláusula Geral Antielisiva do Parágrafo Único do Artigo 116 do
CTN .................................................................................................... 301
ix
4.2) A Ausência de Regulamentação da Cláusula Geral Antielisiva...... 304
5) Conclusões................................................................................................. 304
XVII – A Natureza Interpretativa do Art. 129 da Lei nº 11.196/05 e o Combate
à Elisão Abusiva na Prestação de Serviços de Natureza Científica, Artís-
tica e Cultural ................................................................................................. 307
1) Introdução ................................................................................................. 307
2) A Prestação de Serviços Científicos, Artísticos e Culturais e a Tutela
Trabalhista................................................................................................. 308
3) O Combate à Elisão Abusiva e seus Limites............................................ 311
4) O Art. 129 da Lei nº 11.196/05: Legitimidade, Alcance e Aplicação .... 315
5) Conclusão .................................................................................................. 318
XVIII – O Fato Gerador da Obrigação Tributária como Acoplamento Estrutural
entre o Sistema Econômico e o Sistema Jurídico ......................................... 319
1) Introdução ................................................................................................. 319
2) O Direito e a Economia na Teoria dos Sistemas Autopoiéticos............. 320
3) O Fato Gerador da Obrigação Tributária como Acoplamento Estrutu-
ral entre o Direito Tributário e a Economia ........................................... 321
4) Conclusão .................................................................................................. 338
XIX Os Elementos Constitutivos da Definição de Imposto .................................... 339
1) Introdução ................................................................................................. 339
2) Breve Histórico ......................................................................................... 340
3) Conceito de Imposto e os Elementos Constitutivos da Definição ......... 342
A) Elementos Comuns à Definição de Tributo....................................... 346
B) Elemento de Distinção em Relação a outras Espécies Tributárias: o
Fato Gerador......................................................................................... 347
C) O Elemento de Legitimação: a Capacidade Contributiva ................. 348
D) O Elemento Finalístico: a Destinação do Produto da Arrecadação do
Imposto................................................................................................. 353
XX – A Não-CCumulatividade do PIS e da Cofins................................................... 357
1) Introdução ................................................................................................. 357
2) A Não-Cumulatividade e a Tributação sobre o Faturamento ................ 357
3) A Não-Cumulatividade das Leis 10.637/02 e 10.883/03 e o Princípio da
Isonomia .................................................................................................... 360
4) O Creditamento das Despesas Necessárias: o Caso da Mão-de-Obra das
Pessoas Físicas ........................................................................................... 367
5) Conclusão .................................................................................................. 369
XXI – A Prescrição e a Decadência do Crédito Tributário..................................... 371
1) Introdução ................................................................................................. 371
2) Decadência e Prescrição e os seus Conceitos na Teoria Geral do Di-
reito............................................................................................................ 372
3) A Decadência e a Prescrição no Direito Tributário................................ 377
4) A Decadência Tributária no Direito Brasileiro....................................... 380
x
5) A Prescrição Tributária no Direito Brasileiro......................................... 383
5.1) Causas de Suspensão da Prescrição .................................................. 384
5.2) Causas de Interrupção da Prescrição ..................................................... 386
5.3) A Prescrição Intercorrente ..................................................................... 388
6) Conclusões .................................................................................................. 388
XXII – Tratamento Diferenciado para as Microempresas e os Regimes Simplifi-
cados na Constituição..................................................................................... 391
1) Introdução ................................................................................................. 391
2) Fundamento Constitucional do Tratamento Diferenciado para as Mi-
croempresas e Empresas de Pequeno Porte ............................................ 393
3) Vedações Legais à Adesão ao Regime Simplificado................................ 395
4) Exclusões do Regime Simplificado .......................................................... 398
5) O Regime Unificado e a Federação ......................................................... 400
6) Conclusões................................................................................................. 401
xi
Apresentação
xiii
I
A Constitucionalização do Direito Tributário
Sumário: 1) Introdução. 2) O Direito Tributário nos Dispositivos Constitucionais. 2.1) As
Declarações de Direitos dos Contribuintes. 2.2) As Repartições de Competências Tribu-
tárias. 3) Os Valores Constitucionais Tributários. 3.1) O Ressurgimento da Capacidade
Contributiva como Elemento Legitimador do Ordenamento Tributário. 3.2) Os Valores
Constitucionais Aplicados à Lei Tributária. 4) Conclusão.
1) Introdução
1 Aliomar Baleeiro, com Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar (Rio de Janeiro: Forense, 1951), e
Geraldo Ataliba, com Sistema Constitucional Tributário Brasileiro (São Paulo: Revista dos Tribunais: 1968),
produziram importantes obras num período em que o tema era pouquíssimo estudado aqui e alhures.
2 Melhor exemplo dessa tendência é a obra de Ricardo Lobo Torres, Tratado de Direito Constitucional
Financeiro e Tributário, Vol. II (Rio de Janeiro: Renovar, 2005).
1
Ricardo Lodi Ribeiro
O escopo deste trabalho é a análise das relações entre essas duas dimensões
(formal e material) do que se convencionou denominar de direito constitucional
tributário.
3 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tradução: Marco Aurélio
Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 13.
2
Temas de Direito Constitucional Tributário
4 NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualidade tributária”. Revista Forense 267: 75-94, p. 77.
5 Ibidem, p. 78.
6 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, vol. V. 2. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2000, p. 3.
7 Para TORRES: “É inútil procurar o tributo antes do Estado Moderno, eis que surge ele com a paulatina
substituição da relação de vassalagem do feudalismo pelos vínculos do Estado Patrimonial, com as inci-
pientes formas de receita fiscal protegidas pelas primeiras declarações de direitos” (A Idéia de Liberdade
no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1991, p. 2).
8 TORRES, Ricardo Lobo. Ibidem, p. 97.
3
Ricardo Lodi Ribeiro
4
Temas de Direito Constitucional Tributário
países que adotam outros paradigmas na interpretação da lei tributária. Tais consti-
tuições, a exemplo da nossa, também consagram o princípio da reserva legal.13
Na verdade, o que diferencia a Constituição Brasileira de 1988 dos textos
constitucionais supracitados é uma minuciosa repartição de competências entre os
entes federativos, o que só indiretamente é pertinente à matéria da legalidade. Na
verdade, o tema da competência se prende muito mais à delimitação do poder de
tributar entre os entes federativos, do que à forma, mais ou menos casuística ou
detalhada na definição do fato gerador. Buscar na repartição constitucional das
competências tributárias o arcabouço constitucional para uma metodologia herme-
nêutica formalista é extrair da Constituição uma sistemática que não só nela não é
prevista, como contraria todos os princípios por ela consagrados.
Mas se a Constituição brasileira não apresenta qualquer peculiaridade em
relação ao direito comparado no que tange à consagração do princípio da legalida-
de tributária, vamos encontrar na doutrina uma construção por demais formalista,
embalada por razões mais ideológicas que científicas. Como bem observado por
Ricardo Lodo Torres,14 a utilização das expressões tipicidade “fechada”, legalidade
“estrita”, e reserva “absoluta” de lei, não derivam da nossa Constituição, mas de
construção de nossa doutrina.
13 Nos EUA, o art. 1º, Seção VIII da Constituição de 1787, atribui ao Congresso Nacional a criação de tri-
butos. Na Alemanha, o artigo 105 da Constituição de 1949 garante que os impostos serão objeto da com-
petência legislativa exclusiva da Federação ou dos Landers (Estados). Na Constituição Espanhola de
1978, embora o artigo 31.3 admita a possibilidade de instituição de prestações patrimoniais ou pessoais
na forma da lei, o art. 133.1 dispõe que a potestade de estabelecer tributos é exercida mediante lei. Por
sua vez, a Constituição Francesa de 1958, em seu artigo 34, cumprindo o compromisso firmado pelo
povo francês desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, garante que a lei deva fixar os impos-
tos, taxas e as modalidades de sua cobrança. Na Argentina, a Constituição de 1994, em seu art. 4º, deter-
mina que todas as contribuições ingressas no Tesouro serão impostas pelo Congresso Nacional. No
Uruguai, a Constituição de 1966, em seu artigo 10, também subordina a criação de tributos à lei. A exce-
ção fica por conta da Itália, que por prever um dispositivo genérico para todas as prestações pessoais e
patrimoniais, adota, no artigo 23 da Constituição de 1947, o princípio da legalidade em sentido amplo,
a partir da cláusula em virtude do disposto em lei. Mas nem por conta dessa previsão constitucional, a
doutrina italiana admite a criação de tributos por outro instrumento que não a lei, e nem a delegação à
autoridade administrativa da fixação dos elementos da obrigação tributária. Pela necessidade de lei defi-
nindo todos os elementos da obrigação tributária mesmo em face do art. 23 da Constituição Italiana, vide
GIANNINI, A. D. (Instituzioni di Diritto Tributario. 3. ed. Milano: Giuffrè [194_], p. 12), PUGLIESE,
Mario (Instituciones de Derecho Financiero. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1939, p. 116) e
MICHELI, Gian Antonio (Curso de Direito Tributário. Tradução: Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano
Marrey Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 19).
14 “Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito Fundamentais do
Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série – nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 167-186, 2000,
p. 185.
5
Ricardo Lodi Ribeiro
15 Sobre a imposição de tributos pelos entes locais na Itália, Portugal e Espanha, vide RIBEIRO, Ricardo
Lodi. Federalismo Fiscal e Reforma Tributária. Disponível na Internet em www.mundojuridico.adv.br.
Acesso em 13/05/06.
6
Temas de Direito Constitucional Tributário
16 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 561.
17 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997.
18 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
19 TORRES, Ricardo Lobo. “Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista de Direito da Procuradoria-
Geral do Estado do Rio de Janeiro 53: 178-198, 2000, p. 179.
20 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 89.
7
Ricardo Lodi Ribeiro
tutela meramente individual do direito do contribuinte, uma vez que este não
é mais visto como uma figura mitológica desligada da realidade fática e nem o
Estado é mais aquele monstro orgânico de Hobbes, a ameaçar a liberdade do
cidadão de Locke, num maniqueísmo em completo descompasso com um
tempo onde a figura do Estado-Nação vai cedendo terreno e que a soberania é
flexibilizada.
Nesse contexto, contemporâneo da sociedade de risco, diagnostica-se o
fenômeno da ambivalência, com a resolução de determinados problemas
gerando outros.21 Nessa lógica ambivalente, cada medida adotada para a solu-
ção de problemas de determinado grupo de pessoas traz em si mesma a criação
de problemas para outro grupo de pessoas.22 Em conseqüência, a liberdade
crescente de uns pode representar, ou até mesmo ser a causa, de uma maior
opressão para outros.23
Diante da insuficiência dos modelos binários,24 tão caros à primeira moderni-
dade, o desafio na sociedade de risco é conviver com a ambivalência, a partir de
uma atitude calculista em relação às possibilidades de ação,25 e do controle dos ris-
cos pela probabilidade.26 Assim, pelo conhecimento da realidade passada, os agen-
tes sociais assumem os riscos e procuram se precaver em relação à possibilidade de
ocorrência dos perigos previstos por meio do seguro.
Se no Estado Liberal o seguro era limitado à segurança dos negócios privados,
no Estado Social evolui para a idéia de seguridade social, a prevenir os riscos advin-
dos da doença, da velhice, do desemprego etc. Em qualquer desses cenários, o papel
do segurador, seja a empresa seguradora a proteger os negócios privados, seja o
Welfare State a tutelar os cidadãos em relação às misérias sociais, é o de redistri-
21 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 227.
22 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da Modernidade Reflexiva. ” IN: GID-
DENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reim-
pressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 29.
23 GIDDENS, “Risco, Confiança e Reflexidade”, IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott.
Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 223.
24 GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco – Vínculos com o Futuro. Trad. Cristiano Paixão,
Daniela Nicola e Samantha Dobrowolski. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 197:
“Nessa situação, portanto, a razão clássica, sustentada pela lógica binária, vai desarmada de encontro ao
tempo. Nem a regularidade, nem a calculabilidade podem socorê-la. A precariedade da razão deve ser
assumida como ponto de partida. O risco, dessarte, é uma modalidade secularizada de construção do
futuro. Já que a perspectiva de risco torna plausível pontos de vista diferentes da racionalidade, na con-
dição de que estes sejam capazes de rever os próprios pressupostos operativos e na condição de que, haja
tempo para efetuar esta revisão, esta perspectiva é típica da sociedade moderna.”
25 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002, p. 33.
26 LASH, Scott. “A Reflexividade e seus duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”, IN: GIDDENS,
Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São
Paulo: UNESP, 1997, p. 170.
8
Temas de Direito Constitucional Tributário
27 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad.
Maria Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 35: “O welfare state, cujo desenvolvi-
mento pode ser retraçado até as leis de assistência social elisabetanas na Inglaterra, é essencialmen-
te um sistema de administração de risco. Destina-se a proteger contra os infortúnios que antes eram
tratados como desígnio dos deuses – doença, invalidez, perda do emprego e velhice.”(...) “Os que for-
necem seguro, seja na forma do seguro privado ou dos sistemas estatais de seguridade, essencialmen-
te estão apenas redistribuindo risco.”
28 Ibidem: “Os riscos e a insegurança da sociedade hodierna não podem ser eliminados, mas devem ser alivia-
dos por mecanismos de segurança social, econômica e ambiental. A solidariedade social e a solidariedade do
grupo passam a fundamentar as exações necessárias ao financiamento das garantias da segurança social.”
29 SILVA NETO, Francisco e IORIO FILHO, Rafael M. “A Nova Tríade Constitucional de Erhard
Denninger”. In: DUARTE, Fernanda e VIEIRA, José Ribas (org.), Teoria da Mudança Constitucional –
Sua Trajetória nos Estados Unidos e na Europa. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 282: “Esta diferença se
traduz na figura de um cidadão ativo no processo de decisão política e administrativa e na sua vigilân-
cia e responsabilidade na co-participação da efetiva proteção e tutela dos princípios basilares do ordena-
mento jurídico e dos princípios invioláveis da pessoa.”
30 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 22.
31 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente – A Atualidade de Weimar. São
Paulo: Azougue Editorial, 2004, p. 179: “A nova geopolítica monetária e a concentração de decisão sobre
investimentos, segundo Fiori, torna a sua capacidade de retaliação econômica o fundamento último da
soberania no que diz respeito às políticas econômicas dos Estados periféricos. Isto gera, no médio e no
longo prazos, a deslegitimação democrática, o esfacelamento do Estado e formas cada vez mais sofistica-
das de autoritarismo. Com a globalização, a instabilidade econômica aumentou, e o recurso aos poderes
de emergência para sanar as crises econômicas passou a ser mais utilizado, com a permanência do esta-
do de emergência econômico.”
32 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 15.
9
Ricardo Lodi Ribeiro
10
Temas de Direito Constitucional Tributário
lismo político com a participação decisiva da opinião pública e dos meios de comu-
nicação33 e com a razão comunicativa.34
Como conseqüência desse novo panorama, a transparência fiscal exige medi-
das legislativas de combate à evasão e à elisão fiscal, como as Leis Complementares
nº 104, que introduziu a cláusula geral antielisiva,35 e nº 105, que flexibilizou o sigi-
lo bancário em relação à fazenda pública.
33 CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente – A Partir del
Principio de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, 317.
34 A razão comunicativa, segundo Habermas, se traduz na capacidade humana dirigida ao entendimento,
em oposição à ação instrumental, dirigida à obtenção de objetivos. Deste modo, a pretensão de verdade
do proponente deve ser defensável a partir de argumentos que possam superar as objeções de possíveis
oponentes, e, ao final, contar com a aprovação de um acordo racional da comunidade (HABERMAS,
Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 32).
35 Sobre o tema, vide RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.
36 ALEXY. Epílogo a La Teoria de Los Derechos Fundamentales. Tradução de Carlos Bernal Pulido.
Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 2004, p. 49.
37 Sobre a distinção entre conceitos fechados e tipos abertos: RIBEIRO, Ricardo Lodi: “Legalidade
Tributária, Tipicidade Aberta, Conceitos Indeterminados e Cláusulas Gerais”. Revista de Direito
Administrativo 229: 313-33, 2002.
11
Ricardo Lodi Ribeiro
38 Direito Tributário e Meio Ambiente: Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 114.
39 Observe-se que os próprios seguidores da doutrina formalista reconhecem o caráter peculiar dessa opção
no panorama do direito comparado. Por todos, vide COELHO, Sacha Calmon Navarro (O Controle da
Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988. Belo Horizonte: Del Rey,
1992, p. 335) e MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In Martins.
Ives Gandra da Silva (coord.). Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série
– nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 45-81, 2000, pp. 77 e 79), que justifica a necessidade de o con-
tribuinte brasileiro ter maior proteção do que é conferido em outros países, em virtude da ganância do
Estado brasileiro, e do subdesenvolvimento das instituições nacionais, despreparadas para a utilização de
mecanismos de combate à elisão adotados alhures, numa apreciação que obviamente extrapola os limi-
tes da ciência do Direito.
12
Temas de Direito Constitucional Tributário
rios mais iníquos do mundo, onde os mais pobres suportam a maior parte da carga
tributária, e os mais ricos, utilizando-se do planejamento fiscal, não raro baseado na
elisão abusiva, desbotam o texto constitucional que elegeu os princípios da isonomia
e da capacidade contributiva como principais veículos da justiça fiscal.40
Alheios ao fenômeno, nossos tribunais e juristas, no afã de defender o contri-
buinte da forma mais simples, se apegam aos aspectos formais do direito tributário,
permitindo que passem despercebidas as maiores violações aos princípios vincula-
dos à justiça.
No entanto, como já se observou, o formalismo positivista, aqui com algum
atraso, vai cedendo lugar a uma visão que concebe o direito tributário de uma
forma mais condizente com o princípio da unidade da ordem jurídica, com a reu-
nião dos valores da segurança jurídica e da justiça, e a ponderação dos princípios da
legalidade e da capacidade contributiva, abrindo-se a uma interpretação axiológica
e atenta ao fenômeno da constitucionalização da disciplina. Dentro desse novo
contexto, ganham fôlego os questionamentos à teoria da tipicidade fechada, permi-
tindo-se ao legislador a adoção de descrições que melhor traduzem a manifestação
de riqueza do contribuinte, sendo possível a adoção de conceitos indeterminados e
cláusulas gerais pela lei definidora do fato gerador, bem como a introdução em
nosso ordenamento de cláusulas antielisivas genéricas e específicas.41
Mas não é só a legalidade que ganha novos contornos com a constitucionali-
zação do direito tributário, uma vez que a principal conseqüência desta tendência
é o ressurgimento do princípio da capacidade contributiva, em uma nova roupa-
gem, bem distante de suas cores fiscalistas do auge no Estado Social.
Durante o período de retomada formalista, nos anos 60, o princípio da capa-
cidade contributiva sobreviveu como mera vedação à arbitrariedade, ou seja, como
limite a distinções que não fossem razoáveis. Não resta dúvida que nessa fase o
legislador passou a ter uma maior liberdade para a definição dos fatos geradores, e
o princípio da capacidade contributiva entrou em crise.42
40 O fenômeno, que não é uma exclusividade brasileira, foi descrito com grande felicidade por Casalta
Nabais: “A falta de uma efetiva e eficaz fiscalização de tais declarações efetivamente a que se estabele-
çam, entre nós, na prática dois tipos de contribuintes: os que pagam os impostos determinados (com
base) na lei (maxime, os trabalhadores dependentes), e os que pagam os impostos determinados, ao fim
e ao cabo, com base no que eles desejam declarar (maxime, os profissionais liberais e as empresas), valen-
do assim para estes uma autotributação muito especial (já que, por um lado, direta e individualmente
exercida e, por outro, concretizada na inteira liberdade na fixação do quanto dos impostos) e que, a nosso
ver, suscita a questão de saber se não se está, de algum modo, perante uma manifestação, sui generis, da
lei sociológica de G. Gèze (segundo a qual a classe ou as classes detentoras do poder tendem a desone-
rar-se dos impostos) se e na medida em que estes contribuintes dominem o Parlamento (e o Governo)
em termos de constituírem o (verdadeiro) suporte duma ausência de adequada articulação entre a lei fis-
cal, preocupada com a tributação do rendimento real, e a correspondente fiscalização praticável”
(NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 391).
41 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
42 HERRERA MOLINA, Pedro M. Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento
español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 77.
13
Ricardo Lodi Ribeiro
43 Ibidem, p. 78.
44 Apud HERRERA MOLINA, Ob. cit., p. 78.
45 Le Basi Teoriche Del Princìpio della Capacità Contributiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 439.
46 MANZONI, Ignazio. Il Princìpio della Capacità Contributiva nell’Ordinamento Costituzionale Italiano.
Torino: G. Giappichelli, 1965.
47 MAFFEZONI, Federico. Il Princìpio della Capacità Contributiva nel Diritto Finanziario. Torino: UTET,
1970.
48 MOSCHETTI, Francesco. Il Princìpio della Capacità Contributiva. Padova: Cedam, 1973.
49 Ibidem, p. 238.
14
Temas de Direito Constitucional Tributário
Tella, na Espanha, que dão ao referido princípio uma nova dimensão, que vai bem
além da vedação ao arbítrio na escolha dos fatos geradores.50
Nessa nova diretriz, a capacidade contributiva representa não só um limite
negativo que exclui os fatos que não revelam manifestação de riqueza, como cons-
titui critério indispensável para a repartição da carga tributária pelos cidadãos. Essa
reabilitação do princípio não apenas superou o ceticismo formalista, como foi bem
além do causalismo economicista, buscando conteúdo no valor da igualdade, e no
direito fundamental de pagar tributo na mesma proporção daquele que possui a
mesma riqueza.
Contudo, o princípio não é, como foi considerado na época da jurisprudência
dos interesses, absoluto, devendo ser ponderado com outros interesses buscados
pela tributação, tais como a extrafiscalidade e a praticidade administrativa.51 Assim
– e é aqui que os juristas modernos superam o argumento dos céticos que enxerga-
vam no fenômeno da extrafiscalidade a negação da capacidade contributiva como
princípio cogente –, não basta a alegação de que determinada norma tributária
busca um fim econômico diverso da arrecadação para se driblar o princípio da
capacidade contributiva. É preciso que tais motivos sejam justificados, à luz do
princípio da proporcionalidade.
Vale reprisar que, ao contrário do que ocorria na fase áurea das teses causa-
listas, a capacidade contributiva, conforme se entende hoje, busca seu fundamen-
to em valores, como o da igualdade, e não mas numa visão economicista, vincu-
lada à necessidade de o Estado angariar recursos para promover as prestações
estatais garantidoras da justiça social. É essa característica que difere a justiça tri-
butária, na teoria da interpretação econômica do fato gerador, da sua acepção na
fase pós-positivista.
Nota-se aí uma mudança de paradigma. Não vale mais pesquisar quanto o
Estado vai gastar para se atingir o ideal de justiça social, e qual será o quinhão de
cada cidadão para atingir esse montante, como na era da jurisprudência dos inte-
resses. Ao contrário, o ideal da justiça fiscal, hoje, se realiza na investigação de
quanto cada cidadão pode contribuir com as despesas públicas,52 à luz dos valores
e princípios reatores do Estado Democrático e Social. Portanto, as despesas públi-
cas devem se limitar ao somatório da capacidade contributiva de cada um, sob pena
de as prestações estatais serem realizadas às custas de parcelas indispensáveis à vida
digna do homem. Resta-nos, assim, concluir que a justiça é um valor que já deve
15
Ricardo Lodi Ribeiro
16
Temas de Direito Constitucional Tributário
58 Constituição Imperial de 1824, art. 179, XV: “Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do
Estado em proporção dos seus haveres.”
59 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador, cit., p. 68. BALEEIRO extraía o princípio do art. 153, § 36, da EC nº
1/69, que prescrevia: “A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui
outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.” (Limitações..., cit., p.
687).
60 Constituição Federal de 1988, art. 145, § 1º: “Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
61 TIPKE, Klaus. “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito tributário”. In: Brandão
Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984,
p. 517. No mesmo sentido: LEHNER, Moris. “Considerações Econômicas e Tributação conforme a
Capacidade Contributiva. Sobre a possibilidade de Uma Interpretação Teleológica de Normas com
Finalidades Arrecadatórias.” In: SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordena-
dores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998,
pp. 143-154, p. 151.
62 Não que sejam impossíveis distinções baseadas em outros critérios diversos da capacidade contribu-
tiva, mas são as distinções baseadas na manifestação de riqueza as que se fundamentam no princípio
em estudo.
63 “Princípio da Igualdade...”, cit., p. 519.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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71 STF, 1ª Turma, AGRAG nº 142.348-1/MG, rel. Min. Celso de Melo, DJ de 24/03/95, p. 6.807.
72 Curso de Derecho Financiero..., cit., p. 62.
73 Defende Pedro Herrera Molina: “Ahora bien, la ineficácia administrativa lleva consigo uma aplicación
deficiente del sistema fiscal, y ésta supone necesariamente un reparto desigual de las cargas fiscales en
20
Temas de Direito Constitucional Tributário
No entanto, tais medidas simplificadoras não podem descambar para uma tri-
butação que, na maioria dos casos, não reflita a capacidade contributiva de cada um
dos contribuintes, e nem impingir a qualquer deles uma carga tributária radical-
mente distinta da que seria devida caso não houvesse a medida simplificadora.74
Há mais uma vez que se analisar a razoabilidade da medida simplificadora. Em
primeiro lugar, deve-se verificar se a mesma é realmente necessária para assegurar
a manutenção da isonomia tributária no cumprimento das obrigações pelos contri-
buintes, ou se a tributação pela capacidade efetiva já não seria suficiente para atin-
gir esse objetivo.
Quanto à adequação, deve-se perquirir se a medida simplificadora realmente
resulta em vantagens, no que tange à isonomia e à capacidade contributiva, a par-
tir do cumprimento das obrigações tributárias por todos os contribuintes, em rela-
ção à tributação pela riqueza efetiva, considerando que as dificuldades de controle
levariam a uma grande evasão fiscal.
Por fim, num exame de proporcionalidade em sentido estrito, resta verificar
se na maioria dos casos a capacidade contributiva efetiva é atendida pela medida de
simplificação e se nenhum contribuinte será tributado em valor significativamen-
te maior do que o determinado pela capacidade efetiva.75
É preciso ainda estabelecer uma relação de custo/benefício, a fim de evitar que
a tributação pela capacidade efetiva se revele tão cara para o Estado, e em última
análise para o conjunto dos contribuintes, que acabe por comprometer uma sistemá-
tica que pouco irá distinguir-se, em termos quantitativos, do regime simplificado.
4) Conclusão
Ao longo desse estudo procurou-se demonstrar que, nos dias atuais, a consti-
tucionalização do direito tributário, longe de ser garantia pela abundante previsão
de dispositivos legais que contemplem institutos tributários, vai se revelar pelo res-
gate dos princípios ético-jurídicos que informem a relação fisco-contribuinte, em
que o ideal de justiça tributária não se limita a uma mera figura de retórica a ilus-
trar o discurso do legislador constituinte. Ao contrário, a justiça é o valor que, ao
lado da segurança jurídica, deve alicerçar todo o ordenamento jurídico.
Esse ideal de justiça vai se realizar, não pela fixação de regras de ouro, mas por
meio da abertura do direito tributário aos valores e princípios da igualdade, da
capacidade contributiva e da generalidade, a partir de uma interpretação, que longe
beneficio de aquelloe menos honrados o con menos possibilidades de defraudar. A sensu contrario, la
eficacia del control administrativo constituye una condición necessaria (no suficiente) del sistema tri-
butario justo” (Ob. cit., p. 161).
74 Ibidem, p. 162.
75 Ibidem.
21
Ricardo Lodi Ribeiro
76 COSTA, Valdés. Instituciones de Derecho Tributário. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 127.
22
Temas de Direito Constitucional Tributário
23
II
Globalização, Sociedade de Risco e Segurança
1 O termo pós-modernidade é utilizado pela primeira vez, na Espanha, na década de 1930, por Federico
de Onís para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo na literatura. Como
expressão utilizada para designar uma época, é referida por Toynbee, em 1954, na Inglaterra, aludindo
ao período posterior à Guerra Franco-Prussiana, em tese que acabou caindo no esquecimento. Por isso,
o sentido contemporâneo da pós-modernidade começa a ser cunhado em 1951. O norte-americano
Charles Olson fala de um mundo pós-moderno, posterior à era imperial dos Descobrimentos e da
Revolução Industrial. Contudo, o termo só se consolidou a partir de 1959, quando C. Wright Mills e
Irving Howe o empregaram para designar uma época na qual os ideais do liberalismo e do socialismo
tinham falido. A despeito dessa consolidação paulatina, a noção de pós-modernidade só foi difundida a
partir da década de 1970, com vários pensadores autores como David Antin, Jean-François Lytard e
Jürgen Habermas (ANDERSON, Perry. As Origens da Pós-Modernidade. Trad. Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999, pp. 9-43).
2 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 14.
3 BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. Trad. Luiz
Antônio Oliveira Araújo. São Paulo: UNESP, 2002, pp. 19-20: “Primeiramente, seria preciso constatar
que a Pós-Modernidade nos deixa desamparados e sós em face da questão de como analisar a sociedade
pós-moderna. Ela se divorcia da ciência e, com isso, não nos ajuda a desenvolver novos conceitos; pelo
contrário, paralisa a tentativa científica de auto-renovação e de criação de quadros de referência, crité-
rios e instituições adequadas para compreender as mudanças sociais e superá-las politicamente. Além
disso, a palavrinha pós é a bengala de cego dos intelectuais. Estes só perguntam do que não se trata e não
dizem do que se trata. Nós vivemos na era do posismo, do alemismo e do posteriorismo. Tudo é pós, é
além, é posterior. Trata-se de um meio-diagnóstico, que simplesmente constata que já não podemos
empregar os antigos conceitos. Por trás disso se oculta a preguiça e, de certo modo, também a desones-
tidade e a hipocrisia intelectuais, pois a tarefa dos intelectuais é desenvolver conceitos com a ajuda dos
quais seja possível redefinir e reorganizar a sociedade e a política.” Contra, defendendo a superação da
Modernidade e o advento da Pós-Modernidade, por todos: SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de
Alice – O Social e o Político na Pós-Modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005, pp. 102-103: “Afirmar
que o projeto da modernidade se esgotou significa, antes de mais, que se cumpriu em excessos e défices
irreparáveis. São eles que constituem a nossa contemporaneidade e é deles que temos de partir para ima-
ginar o futuro e criar as necessidades cuja satisfação diferente e melhor que o presente. A relação entre
o moderno e o pós-moderno é, pois, uma relação contraditória. Não é ruptura total como querem alguns,
nem de linear continuidade com querem outros. É uma situação de transição em que há momentos de
ruptura e momentos de continuidade. A combinação específica entre estes pode mesmo variar de perío-
do para período ou de país para país.”
25
Ricardo Lodi Ribeiro
4 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da Modernidade Reflexiva”. In: GID-
DENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reim-
pressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 39.
5 Sobre o conceito de sociedade pós-industrial, vide MASI, Domenico de. A Sociedade Pós-Industrial.
Vários Tradutores. 4. ed. São Paulo: Senac, 2003.
6 Ulrich Beck chama de Primeira Modernidade o período que vai do início da revolução industrial, no
século XVII, até o começo do século XX (La Sociedad Del Riesgo Global. Trad. Jesús Alborés Rey.
Madrid: Siglo Veintiuno de España Editores, 2002, p. 221).
7 POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Tomo I. 3. ed. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1998, pp. 219-220. Para o filósofo liberal, “a sociedade fechada se acha caracterizada pela crença nos
tabus mágicos, enquanto a sociedade aberta é aquela em que os homens aprenderam, até certa extensão, a
ser críticos com relação a esses tabus, baseando suas decisões na autoridade de sua própria inteligência”.
8 BECK, Ulrich. O que é Globalização? – Equívocos do Globalismo, Reposta à Globalização. Trad. André
Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 26 e 46.
9 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Global. Trad. Jesús Alborés Rey. Madrid: Siglo Veintiuno de
España Editores, 2002, p. 125.
10 Ao mesmo tempo em que a Globalização fragiliza o Estado Nacional, cria as condições para o apareci-
mento de novos deles, a partir do desmembramento das regiões mais ricas, ou ainda da concessão de
maior autonomia aos entes periféricos. Nesse sentido: OFFE, Claus. “A Atual Transição da História e
Algumas Opções Básicas para as Instituições da Sociedade” In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM,
Jorge; e SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: UNESP, 2001, p. 125: “A
Globalização envolve incentivos para ‘comportamento de bote salva-vidas’ e separação subnacional dos
grupos e regiões (relativamente) mais ricos que, de forma bastante racional do seu ponto de vista, lutam
26
Temas de Direito Constitucional Tributário
para defender, explorar e isolar suas vantagens competitivas locais e regionais, em vez de dividir os avan-
ços com outras (e supostamente mais vulneráveis) unidades do Estado ao qual elas pertencem. Isso tem
se dado preferencialmente por meio de secessão e construção de estados separados, ou então por meio
de amplas formas de autonomia fiscal do conjunto da federação.”
11 BECK, Ulrich. O que é Globalização?..., pp. 31-32.
12 BECK, Ulrich. O que é Globalização?..., p. 225.
13 BECK, Ulrich. O que é Globalização?..., p. 36.
14 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente – A Atualidade de Weimar. São
Paulo: Azougue Editorial, 2004, p. 179.
15 FRANKENBERG, Günther. A Gramática da Constituição e do Direito. Trad. Elisete Antoniuk. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007, pp. 33-34: “Uma coisa é inequívoca, o capitalismo transnacional e, sob sua
guarita, a civilização ocidental ignoraram, inescrupulosamente, comunidades locais, sentimentos tradi-
cionais e outras instituições, sobretudo de cunho religioso. Sua estratégia de conquista secreta, porque
não abertamente militar, chamada de ‘modernização’ da terra arrasada, ou melhor, das sociedades co-
mercializadas, deixa para trás, na persecução da conquista político-econômica, uma cultura de ressenti-
mento latente que se alimenta de uma mistura brisante de tradicionalismo militar com religião intolerante
27
Ricardo Lodi Ribeiro
e nacionalismo étnico e que se pode desdobrar em um fogo aberto por qualquer ensejo. Unido à vonta-
de de poder de figuras carismáticas de liderança ou ao desejo de destruição dos Warlords, esse ressenti-
mento implanta-se em organizações terroristas e entrelaçamentos (redes) que querem defender sua
mentira vital, valores supostamente “antigos” e formas de vida fundadas religiosamente, com evidente
brutalidade e até agora, como a Al-Qaeda persistentemente demonstrou colocar em ação com precisão
simbólica cruel, apesar de não haver um motivo obrigatório para declarar o fim da cultura agonal de
conflito e entoar, novamente, um hino à teoria schmittiana da Política”.
16 BECK, Ulrich, “Autodissolução e auto-risco da sociedade industrial: o que significa?” In: GIDDENS,
Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São
Paulo: UNESP, 1997, p. 208.
17 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
18 GIDDENS, Anthony. “Risco, Confiança, Reflexidade”. In: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH,
Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 233.
19 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel
Jiménez e María Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 1998.
20 Vide crítica de Raffaele de Giorgi à expressão sociedade de risco, onde o autor italiano nega que o risco
seja uma categoria ontológica da sociedade moderna ou uma condição existencial do homem (GIORGI,
Raffaele de. Direito, Democracia e Risco – Vínculos com o Futuro. Vários tradutores. Porto Alegre:
Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, pp. 196-197). Também em sentido crítico à expressão de sociedade
de risco, vide: COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos – Teoria Social, Anti-Racismo, Cosmopolismo. Belo
Horizonte: UFMG, 2006, pp. 58-59: “Não se pode mesmo deixar de partilhar da crítica à periodização da
modernidade proposta por Beck. Não há dúvida de que o autor deixa, em seu roteiro de análise, pelo
menos dois nós mal atados que ricochetearão em suas explanações teóricas subseqüentes. O primeiro
problema está relacionado com a apresentação das diferentes modernidades numa linha cronológica,
como se a sociedade industrial se seguisse inevitavelmente a segunda modernidade; a primeira, coorde-
nada por um padrão de racionalidade simples, a segunda por uma racionalidade reflexiva. O segundo nó
mal atado relaciona-se com a tendência a tomar a sociedade industrial e modernidade simples como a
dimensão empírico-descritiva (o ser) e segunda modernidade e modernidade reflexiva como a dimensão
normativa (o deve ser) da sociedade de risco.” Porém, entendemos que as críticas não afetam a força das
idéias de BECK, mas constituem uma advertência contra o uso acrítico de sua teoria, a partir de uma
perspectiva universal que não considera as realidades díspares no que tange aos vários estágios de desen-
volvimento da modernidade em cada sociedade. Aliás, é o próprio Beck que alerta sobre a existência não
de uma, mas várias modernidades: BECK, Ulrich. Liberdade ou Capitalismo..., p. 20: “A diferença entre
a Primeira e a Segunda Modernidade – coisa que a própria denominação exprime – pressupõe que exis-
tam ‘as modernidades’, pressupõe uma comunhão de ‘modernidades’ que deve ser determinada, apreen-
dida, desenvolvida, investigada e conquistada transnacionalmente, no confronto das experiências e pro-
jetos da periferia e do centro, asiáticas, africanas, chinesas, sul-americanas e do Atlântico Norte.
Significa, pois, estabelecer uma diferença entre continuidade e ruptura. Em determinados elementos, há
de se pressupor uma continuidade (por exemplo, no significado dos caminhos do desenvolvimento, dos
direitos humanos e civis, assim como dos valores e dos pressupostos da democracia); outros em compen-
28
Temas de Direito Constitucional Tributário
A partir dessa idéia, Beck defende que a produção social de riqueza na moder-
nidade avançada vem acompanhada sistematicamente pela produção social de ris-
cos. Assim, os problemas e conflitos de repartição social de carências são substituí-
dos por problemas e conflitos que surgem da produção, definição e repartição dos
riscos produzidos de maneira tecnocientífica.21
Até o séc. XIX os progressos da ciência faziam com que o homem acreditasse
na possibilidade de se atingir a segurança total, com o desaparecimento da incerte-
za e do risco, evitando-se as catástrofes naturais, com base nos conhecimentos
advindos dos avanços tecnológicos. Hoje, a natureza é percebida como benevolen-
temente protetora, enquanto que a ciência é temida como ameaça maléfica,22 o que
acaba por romper o consenso social sobre o progresso.23 É que com o extraordiná-
rio avanço tecnológico experimentado no século XX, o homem, que nos primórdios
da Era Moderna tentava dominar a natureza, a fim de conter os riscos externos,
passa a sofrer os efeitos de sua ação, com a reação do planeta à intervenção huma-
na. É o que Anthony Giddens24 chama de risco fabricado, que, como bem salienta
Niklas Luhmann,25 não se confunde com o perigo, sempre exterior à ação do
homem. São exemplos ilustrativos dos riscos naturais causados pela ação desorde-
nada da humanidade, além do vazamento da usina nuclear de Chernobyl, o aque-
cimento global, a diminuição da camada de ozônio, o mau da vaca louca, na
Inglaterra, as vicissitudes nas experiências genéticas e a devastação humana provo-
cada pelos tsunamis na Ásia e na África.
Apesar da repercussão recente dessas idéias entre os pensadores modernos, os
riscos não são uma novidade de nossos tempos. A expressão risco surge nos idiomas
espanhol e português nos séculos XVI e XVII para designar os perigos representa-
dos pelo desconhecido a ser encontrado nas grandes navegações por mares nunca
dantes navegados. A precaução do risco nas navegações marítimas pela introdução
dos seguros levou a expressão ao mundo dos negócios, onde foi utilizada para desig-
nar a álea dos contratos bancários e de investimentos, até ser generalizada para
outras situações de incerteza.26 Ao contrário do que ocorria com os riscos naturais
que eram pessoais, nos dias atuais, o risco é global,27 e atingindo as grandes massas
29
Ricardo Lodi Ribeiro
28 GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991, p. 43.
29 GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco..., p. 43.
30 GIDDENS, “Risco, Confiança e Reflexidade”. In: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott.
Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 220.
31 Ulrich Beck chega a falar em Era dos Efeitos Colaterais. (BECK, Ulrich. “Autodissolução e auto-risco da
sociedade industrial: o que significa?” In: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Moder-
nização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 208).
32 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 229.
33 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y Derechos Fundamentales, p. 192.
34 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 227: “Cada resolução de problema gera novos
problemas. (Somos quase tentados a dizer: o que passa por solução do problema A é a formulação dos
problemas B, C, ... N que precisam ser resolvidos; o conhecimento aumenta durante a resolução de pro-
blemas, mas igualmente a quantidade de problemas.) De fato, é a ação voltada para um propósito que
tem a maior responsabilidade pela geração dos aspectos da condição humana sentidos como desconfor-
táveis, preocupantes e que precisam ser retificados. Perseguindo um remédio específico para uma incon-
30
Temas de Direito Constitucional Tributário
danos que afetam gerações inteiras por muito tempo ou são até mesmo irreversí-
veis.35 A apuração da técnica na sociedade industrial disponibilizou a especializa-
ção para a resolução dos problemas. E quanto mais específico e concentrado se
apresenta, o saber do especialista vai gerando a necessidade de novas especialida-
des para uma problemática que, até então, não era conhecida.36 Tamanha especia-
lização, além de originar a crescente dependência de especialistas, acaba por gerar
efeitos colaterais em outros campos da realidade, que não são dominados pela refe-
rida especialidade, gerando novos problemas, a exigir novas especialidades.37
Nessa lógica ambivalente, cada medida adotada para a solução de problemas
de determinado grupo de pessoas traz em si mesma a criação de problemas para
outro grupo de pessoas.38 Em conseqüência, a liberdade crescente de uns pode
representar, ou até mesmo ser a causa, de uma maior opressão para outros.39
Como corolários do racionalismo característico da modernidade, a inseguran-
ça e o desconforto causados pela ambivalência tinham como resposta as classifica-
ções binárias, tão caras aos juristas seguidores da Jurisprudência dos Conceitos, e
mais tarde, no século XX, aos positivistas normativistas. As classificações binárias
ou duais pareciam conferir segurança em relação à ambigüidade, num verdadeiro
culto à racionalidade.40
No entanto, essa incessante busca pela ausência de incerteza mais correspon-
de a um suporte emocional41 utilizado para aplacar a ansiedade gerada pela ambi-
veniência específica, a ação induzida pelo especialista está fadada a desequilibrar tanto o ambiente sistêmi-
co da ação quanto as relações entre os próprios atores. É o desequilíbrio artificialmente criado que se sente
mais tarde como um ‘problema’ e é visto assim como garantia para a formulação de novos propósitos.”
35 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y Derechos Fundamentales. Trad. Raúl Sanz Burgos e José Luis
Muñuz de Baena Simon. Madrid: Trotta, 2006, p. 192.
36 FARIA, José Eduardo. “Estado, Sociedade e Direito”. In: FARIA, José Eduardo e KUNTZ, Rolf. Qual o
Futuro dos Direitos? – Estado, Mercado e Justiça na Reestruturação Capitalista. São Paulo: Max
Limonad, 2002, p. 61, comentando sobre os efeitos dos avanços científico-tecnológicos: “Afinal, quanto
maior é a velocidade da sua expansão, de aumento da diversidade dos bens e serviços que sua evolução
contínua propicia e do potencial de exploração da natureza, maior é a possibilidade de resultados não
pretendidos e não previstos e maiores são as dúvidas, incertezas, perplexidades e perigos com relação aos
seus efeitos e à gestão de seus desdobramentos, especificamente em matérias relativas ao bem-estar
social e à segurança econômica.”
37 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 229.
38 A própria dinâmica do processo judicial revela essa ambivalência, como observado por Ulrich Beck: “A
ordem judicial não estimula mais a paz social, pois sanciona e legitima as desvantagens juntamente com
as ameaças e assim por diante.” (BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política ...”, p. 29).
39 GIDDENS, “Risco, Confiança e Reflexidade”, p. 223.
40 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 236: “O culto da racionalidade da escolha e da
conduta é em si mesmo uma escolha, uma decisão de dar preferência à ordem sobre a surpresa, à cons-
tância de resultados sobre a sucessão aleatória de perdas e ganhos. Ela repudia a contingência e glorifi-
ca a ausência de ambigüidade. Além disso, apresenta a clareza plena do mundo da vida e uma chance de
ganhos sem o risco de perdas como possibilidade real e um propósito sensato pelo qual lutar. Promete
um mundo livre de incerteza, de tormentos espirituais, de hesitações intelectuais.”
41 GIDDENS compara essa necessidade de proteção contra a ansiedade gerada pela ambigüidade dos tem-
pos modernos ao casulo protetor que os pais oferecem a seus filhos pequenos: “A confiança que a crian-
31
Ricardo Lodi Ribeiro
ça, em circunstâncias normais, investe nos que cuidam dela – argumento – pode ser vista como espécie
de inoculação emocional contra ansiedades existenciais – uma proteção contra ameaças e perigos futu-
ros que permite que o indivíduo mantenha a esperança e a coragem diante de quaisquer circunstâncias
debilitantes que venha a encontrar mais tarde. A confiança básica é um dispositivo de triagem em rela-
ção a riscos e perigos que cercam a ação e a interação. É o principal suporte emocional de uma carapa-
ça defensiva ou casulo protetor que todos os indivíduos normais carregam como meio de prosseguir com
os assuntos cotidianos” (GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 43). Em sentido mais radical, Jerome Frank, para quem a aspiração à cer-
teza do Direito representa o prolongamento em adultos imaturos da necessidade infantil de buscar segu-
rança na onipotência e infalibilidade do pai. Segundo o autor, típico representante do realismo norte-
americano, a falta de maturidade de determinados homens, seu temor diante da responsabilidade e da
liberdade, lhes faz projetar na lei, assim como na tutela jurisdicional, que encarnam a figura do pai-juiz,
seu alento por redescobrir a segurança paterna perdida. (FRANK, Jerome. Law and the Modern Mind.
New York-London: Stevens, 6ª reimpressão, 1949, p. 7, apud PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La
Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 62).
42 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 70: “Nenhuma classificação binária pode se
sobrepor inteiramente à experiência contínua e essencialmente não discreta da realidade. A oposição,
nascida do horror a ambigüidade, torna-se a principal fonte de ambivalência.”
43 A Lógica Fuzzy foi criada em 1965 por Lofti Asker Zadeh, e se baseia na teoria dos Conjuntos Fuzzy. De
acordo com a lógica formal aristotélica, uma proposição lógica tem dois extremos: ou “completamente
verdadeiro” ou “completamente falso”. Com a Lógica Fuzzy, uma premissa varia em grau de verdade de
0 a 1, o que leva a ser parcialmente verdadeira ou parcialmente falsa (KOSKO, Bart. Fuzzy Thinking.
New York: Hyperion, 1993, p. 263). A importância da Lógica Fuzzy é encontrada na possibilidade de
inferir conclusões a partir de informações vagas, ambíguas e imprecisas, aproximando os sistemas de
bases da lógica humana, o que a torna extremamente relevante para as ciências humanas, notadamente
a do Direito. Para Marco Aurélio Greco, a lógica Fuzzy melhor explica a realidade, que não mais se
caracteriza pela lógica binária de que ‘algo é’ ou ‘não é’ alguma coisa ao mesmo tempo, mas pela idéia de
que ‘algo é’ E ‘não é’ ao mesmo tempo. (GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui gene-
ris”). São Paulo: Dialética, 2000, p. 40): “O Homem é, por natureza, fuzzy”.
44 GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco..., p. 197: “Nessa situação, portanto, a razão clássica,
sustentada pela lógica binária, vai desarmada de encontro ao tempo. Nem a regularidade, nem a calcu-
labilidade podem socorrê-la. A precariedade da razão deve ser assumida como ponto de partida. O risco,
destarte, é uma modalidade secularizada de construção do futuro. Já que a perspectiva de risco torna
plausível pontos de vista diferentes da racionalidade, na condição de que estes sejam capazes de rever os
próprios pressupostos operativos e na condição de que, haja tempo para efetuar esta revisão, esta pers-
pectiva é típica da sociedade moderna.”
45 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade, p. 33.
46 LASH, Scott. “A Reflexividade e seus duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”. In: GIDDENS, Anthony,
BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo:
UNESP, 1997, p. 170.
32
Temas de Direito Constitucional Tributário
mização dos riscos, num equilíbrio entre confiança e risco aceitável, atinge-se a
idéia de segurança.47
No entanto, nem sempre é possível eliminar o risco, uma vez que este não se
confunde com o dano, mas com o fim da confiança na segurança,48 o que antecede
ao próprio dano, que muitas vezes acaba por não ocorrer. Assim, os riscos não são
enfermidades a serem evitadas, pois neles residem as oportunidades49 para a evo-
lução na sociedade de risco.
Porém, é preciso promover a sua adequada distribuição e a arquitetura da sua
definição, pois sua percepção quase nunca é imediata para a maioria das pessoas,
uma vez que eles, não raro, se mostram invisíveis. A definição do risco se dá, inicial-
mente, por meio do conhecimento científico. Até bem pouco tempo atrás, o espe-
cialista era aquele que detinha as respostas objetivas, a partir da ciência. Seu posicio-
namento era inquestionável. Contudo, na sociedade de risco, a racionalidade cien-
tífica não pode ser o único elemento dessa definição,50 dada a ambivalência gerado-
ra de efeitos colaterais a contrapor visões e interesses conflitantes na sociedade.
Assim, há uma disputa pública quanto às definições de risco, não só em relação às
conseqüências naturais e tecnológicas destes, mas especialmente sobre os seus efei-
tos secundários nos planos social, econômico e político.51 Portanto, na definição do
risco se rompe o monopólio da racionalidade científica, guardando um significativo
viés político.52 As constatações do risco são uma simbiose entre as ciências naturais
e as ciências do espírito, entre a racionalidade cotidiana e a racionalidade dos espe-
cialistas, entre os interesses e os fatos, a partir de uma colaboração interdisciplinar
dos grupos de cidadãos, empresas, governos, em que os pontos de vista dos diversos
47 GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade, p. 43: “Pode-se definir ‘segurança’ como uma
situação na qual um conjunto específico de perigos está neutralizado ou minimizado. A experiência de
segurança baseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e risco aceitável”. Tanto em seu sentido fac-
tual quanto em seu sentido experimental, a segurança pode se referir a grandes agregações ou coletivi-
dades de pessoas – até incluir a segurança global – ou de indivíduos.
48 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Global, p. 214.
49 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. Trad. Luis Villar Borda e Ana María Montoya. Bogotá:
Universidad Externato de Colombia, 1996, p. 530.
50 VEYRET, Yvette e RICHEMOND, Nancy Meschinet de. “Representação, Gestão e Expressão Espacial
do Risco”. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os Riscos – O Homem como Agressor e Vítima do Meio
Ambiente. Trad. Dílson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007, pp. 56-57.
51 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad, pp. 28 e 130. VIEILLARD-
BARON, Hervé. “Os Riscos Sociais”. In: VEYRET, Yvette (Org.). Os Riscos – O Homem como Agressor
e Vítima do Meio Ambiente. Trad. Dílson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2007, p. 305: “Tendo
em conta a pluralidade dos atores implicados, a gestão dos riscos não pode ser colocada somente em ter-
mos técnicos ou estritamente securitários. Agora, essa gestão está inscrita na ‘era da negociação’, era que
às vezes qualificamos ingenuamente como ‘nova’, mas que no decorrer da negociação coloca em evidên-
cia oposições manifestas entre interesses particulares, que são substituídos pelas associações com estrei-
ta base local, e interesses gerais, que são defendidos pelo Estado ou pelas grandes associações de utilida-
de pública.”
52 PARDO, José Esteve. Técnica, Riesgo y Derecho..., p. 68: “La opción sobre el tipo y nivel de riesgos que
uma sociedad asume há de ser una decisión política, a través de sus instancias representativas.”
33
Ricardo Lodi Ribeiro
autores e vítimas não podem deixar de ser considerados, numa verdadeira luta de
definições.53 Com isso, abre-se uma pluralidade conflitiva de definições sobre os ris-
cos civilizatórios, numa variedade quase infinita de interpretações individuais,54 a
ensejar a prevalência dos interesses dos grupos de pressão com maior poder econô-
mico, legitimada pela burocratização cevada no autoritarismo científico.55
É que em face da ambivalência da sociedade de risco, a concepção tradicional
de política perde a sua função de coordenação, tornando-se obsoleta, a partir da
transnacionalização da economia e dos problemas ambientais, econômicos, migra-
tórios e relativos à segurança pública. Nesse contexto, o Estado não mais consegue
prevenir os riscos sociais, sem a ajuda dos especialistas,56 sendo obrigado, na elabo-
ração normativa, a se valer de órgãos técnico-administrativos e organizações não-
governamentais, a fim de não ficar refém de interesses privados, sempre tão articu-
lados logística e tecnologicamente.
É importante ressaltar que a ação desses grupos economicamente poderosos em
escala global acaba sendo, em grande medida, facilitada pela lenta adaptação dos
movimentos sociais organizados aos instrumentos de luta da sociedade pós-indus-
trial, onde o conceito de classe,57 utilizado pela sociedade industrial para a divisão
dos direitos sociais, não é suficiente para a divisão dos riscos sociais, a atingir indis-
criminadamente (e em escala global) a todos os indivíduos, inclusive os causadores
da atividade perigosa, naquilo que Beck denominou de efeito bumerangue.
Não se está com isso sustentando uma postura ingênua de acreditar que a
sociedade de risco tenha suprimido a sociedade de classes. Ao contrário, esta resta
53 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad, p. 35: “Al ocuparse de los ries-
gos civilizatorios, las ciencias ya han abandonado su fundamento en la lógica experimental y han con-
traído un matrimonio polígamo con la economía, la política y la ética, o más exactamente: viven con
éstas sin haber formalizado el matrimonio.”
54 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad, p. 37.
55 FARIA, José Eduardo. “Estado, Sociedade e Direito”, p. 90: “Na medida em que provoca um deslocamen-
to das tradicionais competências do Estado para organizações não-estatais capazes de promover a arbi-
tragem em temas de alta complexidade técnica, forma encontrada pelo legislador para forjar consensos
e/ou tentar neutralizar o inevitável desgaste político de decisões jurídicas tecnicamente equivocadas do
ponto de vista material e com efeitos morais, sociais, econômicos e ambientais desastrosos, o problema
da abertura do processo de elaboração legislativa aos saberes especializados e a determinados setores da
sociedade está na sua ambigüidade. Em princípio, ela pode levar a um aprofundamento do regime demo-
crático, uma vez que aumenta os mecanismos participativos, alarga o alcance dos procedimentos consul-
tivos e amplia o escopo dos procedimentos deliberativos, permitindo assim maior envolvimento públi-
co na tomada de decisões vitais para a comunidade e, com isso, abrindo caminho para formas mais avan-
çadas de cidadania. Mas, por outro lado, encerra o risco de sua ‘captura’ pelos setores sociais, econômi-
cos e políticos interessados, que tendem a dispor e amplo controle da produção e circulação das infor-
mações específicas às suas respectivas áreas e campos de atuação, podendo assim resultar no retorno a
velhas práticas decisórias de natureza corporativa ou, então, numa autoprodução do direito em circuito
fechado e imune a controles externos.”
56 FRANKENBERG, Günther. A Gramática da Constituição e do Direito, pp. 27-29.
57 Para Beck, o consumidor começa a substituir, em certa medida, o trabalhador como elemento de pres-
são social (BECK, Ulrich. O que é Globalização?..., p. 46).
34
Temas de Direito Constitucional Tributário
35
Ricardo Lodi Ribeiro
65 BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007,
pp. 7-8: “Numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais não podem solidificar-se em pos-
ses permanentes, porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacida-
des, em incapacidades. As condições de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e se tor-
nam obsoletas antes de os atores terem uma chance de aprendê-las efetivamente. Por essa razão, apren-
der com a experiência a fim de se basear em estratégias e movimentos táticos empregados com sucesso
no passado é pouco recomendável: testes anteriores não podem dar conta das rápidas e quase sempre
imprevistas (talvez imprevisíveis) mudanças de circunstâncias. Prever tendências futuras a partir de
eventos passados torna-se cada dia mais arriscado e, freqüentemente, enganoso. É cada vez mais difícil
fazer cálculos exatos, uma vez que os prognósticos seguros são inimagináveis: a maioria das variáveis das
equações (se não todas) é desconhecida, e nenhuma estimativa de suas possíveis tendências pode ser con-
siderada plena e verdadeiramente confiável. Em suma: a Vida Líquida é uma vida precária, vivida em
condições de incerteza constante”.
66 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Global, p. 221.
67 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica, p. 23.
68 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 14-15: “E
quanto mais veloz e acentuada é essa Globalização, dando origem a situações em que a idéia de um sis-
tema econômico nacional auto-sustentado passa a ser visto como anacronismo, mais ela exerce um pro-
fundo impacto transformador nos sistemas políticos e normativos forjados em torno de determinados
postulados (como o do monopólio do exercício legítimo da violência pelo Estado) e determinados prin-
cípios (como os da legalidade, da hierarquia das leis e da segurança do direito), levando seu poder de
controle, decisão, direção e comando a ser crescentemente pressionado, condicionado e atravessado por
uma pletora de entidades multilaterais, organizações transnacionais, grupos nacionais de pressão, insti-
tuições financeiras internacionais, corporações empresariais multinacionais etc.”
36
Temas de Direito Constitucional Tributário
69 Para Kelsen, a norma fundamental é “o fundamento de validade das normas instituintes de uma ordem
jurídica ou moral positiva, é a interpretação do sentido subjetivo dos atos ponentes dessas normas como
de seu sentido objetivo” (KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas. Trad. José Florentino Duarte, Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, p. 329).
70 FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada, pp. 34-35, que defende um papel constitu-
cional na convergência de valores e princípios “em cujo âmbito teriam caráter absoluto apenas duas exi-
gências constitucionais: do ponto de vista substantivo, os direitos fundamentais da cidadania e a manu-
tenção do pluralismo axiológico, mediante a adoção de mecanismos neutralizadores de soluções unifor-
mizantes e medidas capazes de bloquear a liberdade e instaurar uma sociedade amorfa e indiferenciada;
do ponto de vista procedimental, as garantias para que o jogo político ocorra dentro da lei, isto é, de
regras jurídicas estáveis, claras e acatadas por todos os atores”.
71 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 58-59: “Segurança e
certeza, portanto, só existem em relação ao passado porque este já aconteceu; mas não existem seguran-
ça e certeza absolutas para o futuro. A idéia de segurança e certeza para o futuro vinha de uma concep-
ção de ciência objetiva que se apoiava numa idéia que via o mundo como algo estático e determinista.
Esta idéia de segurança e certeza,que vinha de uma ciência e de uma filosofia deterministas, foi desmen-
tida pela realidade porque o mundo está em mutação e a existência de sistemas longe do equilíbrio é algo
sempre possível de ocorrer. (...) Em suma, certeza e segurança não temos para o futuro porque só pode-
mos fazer previsões; e, para o passado, elas também são relativas porque vão depender dos documentos
que tivermos e da interpretação que deles fizermos.”
72 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole..., p. 35: “O welfare state, cujo desenvolvimento pode ser
retraçado até as leis de assistência social elisabetanas na Inglaterra, é essencialmente um sistema de
administração de risco. Destina-se a proteger contra os infortúnios que antes eram tratados como desíg-
nio dos deuses – doença, invalidez, perda do emprego e velhice”. (...) “Os que fornecem seguro, seja na
forma do seguro privado ou dos sistemas estatais de seguridade, essencialmente estão apenas redistri-
buindo risco.”
73 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política...”, p. 42: “Na sociedade de risco, as novas vias expressas, ins-
talações de incineração de lixo, indústrias químicas, nucleares ou biotécnicas, e os institutos de pesqui-
sa encontram resistência dos grupos populacionais imediatamente afetados. É isso, e não (como no iní-
cio da industrialização) o júbilo diante deste progresso, que se torna previsível. Administrações de todos
37
Ricardo Lodi Ribeiro
os níveis vêem-se em confronto com o fato de que o que planejam ser um benefício para todos é perce-
bido como uma praga por alguns e sofre a sua oposição. Por isso, tanto eles quanto os especialistas em
instalações industriais e os institutos de pesquisa perderam sua orientação. Estão convencidos de que ela-
boraram esses planos ‘racionalmente’, com o máximo do seu conhecimento e de suas habilidades, con-
siderando o ‘bem público’. Nisso, no entanto, eles descuram a ambivalência envolvida. Lutam contra a
ambivalência com os velhos meios da não-ambigüidade.”
74 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad, pp. 25-26.
75 GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y Derechos Fundamentales, p. 191.
76 PARDO, José Esteve. Técnica, Riesgo y Derecho..., p. 58. No mesmo sentido: GIORGI, Raffaele de.
Direito, Democracia e Risco..., p. 198: “O risco é modalidade de distribuição dos bads e não dos goods.
O risco baseia-se na suportabilidade, na aceitação e não na certeza das próprias expectativas: por isso, os
riscos não podem ser transformados em direito, ainda, que possam ser monetarizados. O risco sobrecar-
rega o direito: trata-se, no entanto, de estratégias de retardamento do risco, não de estratégias que evi-
tam o risco. O sistema mais diretamente interessado é a economia: isto ocorre seja porque os riscos
podem ser monetarizados, seja porque as possibilidades de dúvida são infinitas.”
77 SUSTEIN, Cass R. Risk and Reason – Safety, Law and the Environment. Cambridge: Cambridge
University Press, 2002, pp. 7-8: “A deliberative Democracy does not simply respond to people’s fears,
whether or not those fears are well-founded. Indeed, participants in a deliberative Democracy are alert
to the fact that people might be frightened of risk that are actually quite small and different to risks that
are extremely serious. In these circumstances, a quantitative analysis of risks, to the extent that it is pos-
sible, is indispensable to a genuinely deliberative Democracy. Deliberative democrats also know that
‘costs’ are no mere abstraction. When the costs of regulation are high, real people will be hurt, through
increased prices, decreased wages, and even greater unemployment. The key point is that the cost
should be placed ‘on-screen’, so that if they are to be incurred, it is with knowledge and approval rather
than ignorance and wishful thinking. An understanding of costs, no less than an understanding of bene-
fits, is crucial to democratic deliberation”.
78 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política...”, p. 43.
79 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, p. 60: “Só o pluralismo devolve a responsabilidade
moral da ação a seu natural portador: o indivíduo que age.”
80 TORRES, Ricardo Lobo. “O Princípio da Transparência no Direito Financeiro”, Revista de Direito da
Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. VIII. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001, p. 136: “A transparência é o melhor princípio para a superação das ambivalências da Sociedade de
risco. Só quando se desvenda o mecanismo do risco, pelo conhecimento de suas causas e de seus efeitos,
é que se supera a insegurança.”
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Temas de Direito Constitucional Tributário
81 TORRES, Ricardo Lobo. “O Princípio da Transparência no Direito Financeiro”, p. 136: “Os riscos e a inse-
gurança da sociedade hodierna não podem ser eliminados, mas devem ser aliviados por mecanismos de
segurança social, econômica e ambiental. A solidariedade social e a solidariedade do grupo passam a fun-
damentar as exações necessárias ao financiamento das garantias da segurança social”. Sobre a idéia do segu-
ro social como fundamento do sistema tributário, vide DWORKIN, Ronald Is Democracy Possible Here?
– Principles for a New Political Debate. Princeton: Princeton University Press, 2006, p. 116: “We can
design a tax system to correct that unacceptable source of inequality by imagining what the total premium
cost would be if everyone in the community bought that level of insurance and then by fixing aggregate
annual taxes to provide a sum equal to that aggregate hypothetical insurance premium. By hypothesis, the
aggregate premium would produce enough revenue that the community could then provide compensa-
tion to those with bad luck in the amount they would have been entitled to have if everyone had bought
insurance at that level. That compensation might take the shape of direct transfers – for medical cost reim-
bursements or unemployment compensation, for instance – or public spending to provide the benefits
such people would have insured to have through a single-payer health care system, for example.”
82 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – Estudos de Teoria Política. Trad. George Sperber, Paulo
Astor Soethe e Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2002, p. 170.
83 DENNINGER, Erhard. “Segurança, Diversidade e Solidariedade ao invés de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade”. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos 88: 21-45, 2003.
84 A nova tríade recebe a crítica de Habermas, para quem a proposta de Denninger não supera a tríade tra-
dicional, mas apenas torna explícito o que é inerente a esta nas circunstâncias atuais. (HABERMAS,
Jürgen, “Remarks on Erhard Denninger’s triad of diversity, security and solidarity”. In: Constellations,
v. 7, n.4, Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 2000, p. 524). Por sua vez, a proposta também é rechaçada
por Michel Rosenfeld, que preconiza que a tese seria fortemente refutada nos EUA, uma vez que a dou-
trina americana demonstra-se muito vinculada ao individualismo liberal lockeano (ROSENFELD,
Michel. “O Constitucionalismo Americano Confronta o Novo Paradigma Constitucional de Denninger”.
In: Revista Brasileira de Estudos Político 88: 47-79, 2003), muito embora, reconheça o autor americano,
em outra obra (ROSENFELD, A identidade do Sujeito Constitucional. Trad. Menelick de Carvalho
Netto. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, pp. 29-30), que o constitucionalismo moderno não pode
evitar o outro como conseqüência do pluralismo que lhe é inerente.
85 DENNINGER, Erhard. “Segurança, Diversidade e Solidariedade...”, p. 37: “Segurança não significa mais,
antes de tudo, a certeza da liberdade do cidadão individual, mas sim o prospecto da atividade ilimitada
e infindável patrocinada pelo Estado em favor da proteção dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos
e ambientais, bem como contra os perigos da criminalidade.”
86 DENNINGER, Erhard. “Segurança, Diversidade e Solidariedade...”, p. 32.
39
Ricardo Lodi Ribeiro
40
Temas de Direito Constitucional Tributário
93 GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. Trad. Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, pp. 302-303.
94 GRIMM, Dieter. Constituição e Política, p. 64: “o bem comum não mais pode ser aspirado apenas por
limitação do Estado, mas exige também ativação estatal.”
95 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica, p. 22.
96 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente..., p. 179: “A nova geopolítica
monetária e a concentração de decisão sobre investimentos, segundo Fiori, torna a sua capacidade de
retaliação econômica o fundamento último da soberania no que diz respeito às políticas econômicas dos
Estados periféricos. Isto gera, no médio e no longo prazos, a deslegitimação democrática, o esfacelamen-
to do Estado e formas cada vez mais sofisticadas de autoritarismo. Com a Globalização, a instabilidade
econômica aumentou e o recurso aos poderes de emergência para sanar as crises econômicas passou a ser
mais utilizado, com a permanência do estado de emergência econômico.”
97 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política, p. 15.
98 PIRES, Adilson Rodrigues. “O Processo de Inclusão Social sob a Ótica do Direito Tributário”. In: PIRES,
Adilson Rodrigues e TÔRRES, Heleno Taveira. Princípios de Direito Financeiro e Tributário – Estudos
em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 95.
99 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Global, p. 127.
100 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia uma nueva modernidad, p. 287.
41
III
A Segurança dos Direitos Fundamentais
do Contribuinte na Sociedade de Risco
Sumário: 1) Introdução: O Processo Histórico e a Segurança Jurídica. 2) A Sociedade de
Risco. 3) Direitos dos Contribuintes, Ambivalência Fiscal e Legalidade. 4) Conclusão: A
Segurança Jurídica Plural e suas Conseqüências no Direito Tributário.
1 Entre a escassa bibliografia que examina especificamente a segurança jurídica no direito tributário des-
tacamos: GARCIA NOVOA, César. El Principio de Seguridad Jurídica em Materia Tributaria. Barcelona:
Marcial Pons, 2000, CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente –
A Partir del Principio de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, e NOVELLI, Flávio
Bauer. “Segurança dos Direitos Individuais e Tributação”, Revista de Direito Tributário 25-26, pp. 159-
175, 1983.
2 TORRES, Ricardo Lobo. A Idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro:
Renovar, 1991, p. 1. De acordo com o referido autor, não há que se falar em tributo antes do Estado
Moderno.
3 HOBBES, Thomas. Leviatã ou A Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. Regina
D’Angina. 2. ed., São Paulo: Ícone, 2003, p. 123.
43
Ricardo Lodi Ribeiro
44
Temas de Direito Constitucional Tributário
cujo poder deve ser limitado para preservar a liberdade do cidadão. De outro, a
soberania popular de Rousseau, com o fortalecimento da vontade da maioria,
representada pelo Estado, e enaltecimento das virtudes cívicas do homem.10 Dessa
idéia de soberania popular, é que surge o princípio da legalidade em sua feição
moderna, como consagração dos ideais liberais e em reação à concepção monárqui-
ca de Estado.11
Os marcos de passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal são as
revoluções burguesas do final do século XVIII e da primeira metade do século XIX,
com destaque para a Independência Norte-Americana (1776) e a Revolução
Francesa (1789), que, passada a agitação revolucionária, acabaram por consagrar
modelos políticos que privilegiaram a visão iluminista Montesquieu12 mais ligada
ao ideário liberal, do que a soberania popular de Rousseau.
O triunfo das idéias liberais sobre a soberania popular na primeira metade do
século XIX, na França, se dá como resultado de um refluxo conservador no ideário
revolucionário francês, como contraponto ao Terror, de 1792-1793, de que a obra
de Benjamim Constant é exemplo paradigmático. Nesta, destaca-se a concepção
individualista de liberdade dos modernos, a superar a idéia publicista de liberdade
dos antigos.13
Com a vitória dessas revoluções burguesas, os ideais liberais, que antecediam
ao próprio Estado, foram positivados,14 acarretando o esgotamento do jusnaturalis-
mo15 e dando lugar ao triunfo do juspositivismo.16
De fato, há uma nítida vinculação da teoria da separação de poderes com o
liberalismo e o positivismo,17 na medida em que, estando os ideais individualistas
burgueses consagrados pelo direito positivo, a sua aplicação por um poder judiciá-
rio não eleito, se limitaria ao mero esclarecimento da vontade inequívoca contida
na obra do legislador.
10 Note-se que com todas as transformações pelas quais o mundo passou nesses últimos dois séculos, a dico-
tomia entre liberalismo e republicanismo ainda está presente nos debates políticos, especialmente após a
derrocada do socialismo real e o resgate, no final do século XX, dos idéias republicanos de Rousseau.
11 AUER, Andréas. “O Princípio da Legalidade Como Norma, Como Ficção e Como Ideologia”, In: HESPA-
NHA, Antônio. Justiça e Litigiosidade: História e Prospectiva. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1993, p. 125.
12 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O Espírito das Leis. Trad. Fernando Henrique Cardoso e
Leôncio Martins Rodrigues, Brasília: UnB, 1982.
13 CONSTANT, Benjamim. “Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos”. In: Filosofia Política 2.
Trad. Loura Silveira. Porto Alegre: L&PM, 1985, p. 11.
14 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo, Justicia y Seguridad Jurídica en um Mundo de Leyes Desbocadas.
Madrid: Civitas, 1999, p. 32.
15 LIMA, Viviane Nunes Araújo. A Saga do Zangão – Uma Visão Sobre o Direito Natural. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999.
16 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 29.
17 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 87.
45
Ricardo Lodi Ribeiro
18 Sobre o estudo do positivismo nos Estados Unidos, vide SEBOK, Anthony J., Legal Positivism in American
Jurisprudence. Cambridge: Cambridge Univertisy Press, 1998.
19 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000,
p. 392.
20 HART, Hebert L. A. O Conceito de Direito. Trad. de A. Ribeiro Mendes. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996, p. 137
21 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 117.
22 GARCIA NOVOA, César. El Principio de Seguridad Jurídica em Materia Tributaria. Barcelona: Marcial
Pons, 2000, p. 27.
23 CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente – A Partir del Principio
de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, p. 319.
24 Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
25 Ibidem, p. 92.
46
Temas de Direito Constitucional Tributário
26 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Moscou: Edições Progresso, 1987.
27 TORRES, Ricardo Lobo. “Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista de Direito da Procuradoria-
Geral do Estado do Rio de Janeiro 53: 178-198, 2000, p. 185.
28 LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Caloustre
Gulbenkian, 1997, p. 63.
47
Ricardo Lodi Ribeiro
29 Ibidem, p. 65.
30 MILL, Stuart. A Liberdade do Utilitarismo. Trad. Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.
187.
31 ELIAS, Nobert. Os Alemães – A Luta pelo Poder e a Evolução do Habitus nos Séculos XIX e XX. Trad.
Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 21: “Para entender a ascenção de Hitler ao
poder, é importante ter em mente que os grupos que apoiavam a República de Weimar eram, desde o
começo, muito restritos.”
32 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Trad. Francisco Ayala. Madrid: Alianza Editorial. 3. reimpres-
são da 1. ed, 2001, p. 62: “La tendencia del Estado burgués de Derecho va en sentido de desplazar lo polí-
tico, limitar en una serie de normaciones todas las manifestaciones de la vida del Estado y transformar
toda la atividad del Estado en competencias, limitadas en principio, rigorosamente circunscritas.”
48
Temas de Direito Constitucional Tributário
33 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003,
p. 58.
34 A discussão e a promulgação do nosso Código Tributário Nacional num período de transição entre a
influência, no Brasil, da teoria da interpretação econômica e a retomada formalista explica, em parte, suas
insuperáveis contradições no que tange à interpretação da lei tributária.
35 MASI, Domenico de. A Sociedade Pós-Industrial. Vários Tradutores. 4. ed , São Paulo: Senac, 2003, p. 84.
De acordo com o sociólogo italiano, nos anos 50 e 60 o aumento dos gastos sociais foi de 1/3 a 2/3 supe-
rior ao aumento do PIB (Ob. cit., p. 83).
49
Ricardo Lodi Ribeiro
36 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Trad. Roneide Majer. São Paulo: Paz e Terra. 7. ed., 2003, p.
189.
37 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 24. Imagem ilustrativa dessa situação é lembrada por
Ulrich Beck: nos estertores do império soviético, Boris Yeltsin, então presidente da República Russa, em
cima de um tanque, faz um discurso contra os líderes da URSS que golpearam Gorbatchev. Enquanto as
rádios do regime comunista censuravam o discurso, a CNN transmitia ao vivo para todo o mundo. Era o
triunfo da mídia global sobre o controle nacional dos meios de comunicação (BECK, Ulrich. O que é
Globalização? – Equívocos do Globalismo, Resposta à Globalização. Trad. André Carone. São Paulo: Paz
e Terra, 1999, p. 41).
50
Temas de Direito Constitucional Tributário
38 ACKERMAN, Bruce. “The Emergency Constitution”. In: The Yale Law Journal, vol. 113, nº 5, 05/03/04,
pp. 1029-1079, acessado em www.yalelawjournal.org, em 09/07/05.
39 TRIBE, Laurence H. e GUDRIDGE, Patrick O. “The Anti-Emergency Constitution”. In: The Yale Law
Journal, vol. 113, nº 8, 30/04/04, p. 1801-1870, acessado em www.yalelawjournal.org, em 09/07/05.
40 AGAMBEM, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci Poleti. São Pulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 19.
Entre nós, traçando um paralelo entre a situação da Alemanha da República de Weimar e a dos países em
desenvolvimento como o Brasil, Gilberto Bercovici fala em estado de exceção econômico: “Com a globa-
lização, a instabilidade econômica aumentou e o recurso aos poderes de emergência para sanar as crises
econômicas passou a ser mais utilizado, com a permanência do estado de emergência econômico” (BER-
COVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente – A Atualidade de Weimar. São Paulo:
Azougue Editorial, 2004, p. 179).
41 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Trad. Laura Motta. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 2000, p. 18: “A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega
liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria.”
51
Ricardo Lodi Ribeiro
42 MASI, Domenico de. A Sociedade Pós-Industrial. Vários Tradutores. 4. ed , São Paulo: Senac, 2003, p. 33.
43 VIEHWEG, Theodor. Tópica y Filosofia Del Derecho. Trad. Jorge M. Seña. Barcelona: Gedisa, 1991, p.
189.
44 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. Trad. Vergínia K. Pupe. São Paulo: Martins Fontes: 2000.
45 LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997.
46 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
47 WALZER, Michael. Esferas da Justiça – Uma defesa do pluralismo e da igualdade. Trad. Jussara Somões.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
48 TAYLOR, Charles. “La Política de Reconocimiento”. In: El Multiculturalismo y la Política de
Reconocimiento. Trad. Mónica Utrills de Neira. México: Fondo de Cultura Econômica, 1993.
49 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
50 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.
51 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A Teoria do Discurso Racional como Teoria da
Justificação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
52 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
53 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p. 335. 336.
52
Temas de Direito Constitucional Tributário
2) A Sociedade de Risco
54 GARCIA NOVOA, César. El Principio de Seguridad Jurídica em Materia Tributaria. Barcelona: Marcial
Pons, 2000, p. 89.
55 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 14.
53
Ricardo Lodi Ribeiro
56 BECK, Ulrich. O que é Globalização? – Equívocos do Globalismo, Reposta à Globalização. Trad. André
Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 46.
57 Ibidem, p. 26.
58 Ibidem, p. 31.
59 Ibidem, p. 32.
60 Ibidem, p. 225.
61 Ibidem, p. 36.
54
Temas de Direito Constitucional Tributário
62 BECK, Ulrich. “Autodissolução e auto-risco da sociedade industrial: o que significa?” IN: GIDDENS,
Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São
Paulo: UNESP, 1997, p. 208.
63 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
64 GIDDENS, Anthony. “Risco, Confiança, Reflexidade”. IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH,
Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 233.
65 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 24.
66 GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco – Vínculos com o Futuro. Trad. Lucia Silva, Sandra Vial
e Luiz Antônio Vial. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 233.
67 Ibidem, p. 32.
55
Ricardo Lodi Ribeiro
tão ou mais importantes do que aqueles gerados pela natureza.68 Então, o que há de
novo não é a incerteza ou o risco. Mas a origem deles. Muitas incertezas que vive-
mos hoje foram criadas pelo próprio homem.69
Outra característica peculiar aos nossos tempos reside na imprevisibilidade
desses riscos, o que se explica pelo incomparável avanço científico e tecnológico,
que, embora deixe desconcertadas as pessoas comuns, são planejados pelos especia-
listas. Mas, ao mesmo tempo, geram efeitos colaterais que não poderiam ser imagi-
nados sequer pelos idealizadores de tais conquistas.
Essa imprevisibilidade é mais óbvia quando consideramos que os riscos
criados pelo homem nem sempre são fruto de uma ação consciente como os efei-
tos devastadores da bomba atômica lançada sobre Hiroshima e Nagasaki. Quase
sempre os riscos são frutos de medidas concebidas de acordo com fins que são
caros à Era Moderna, como o desenvolvimento da ciência, o crescimento econô-
mico e a busca do pleno emprego. No entanto, as medidas adotadas, mesmo
quando atingem os seus esperados objetivos, acabam gerando efeitos colaterais
imprevistos.70
Com a expansão da industrialização, os riscos se multiplicaram de forma
nunca antes vista. O desaguadouro desse processo é a conjugação de crescimento
econômico com a necessidade de isolamento dos riscos que ele produz.71
Nesse contexto, diagnostica-se o fenômeno da ambivalência, com a resolução
de determinados problemas gerando outros problemas.72 A apuração da técnica na
sociedade industrial disponibilizou a especialização para a resolução dos proble-
mas. E quanto mais específico e concentrado se apresenta, o saber do especialista
vai gerando a necessidade de novas especialidades para uma problemática que, até
então, não era conhecida. Tamanha especialização, além de originar a crescente
dependência de especialistas, acaba por gerar efeitos colaterais em outros campos
da realidade, que não são dominados pela referida especialidade, gerando novos
problemas, a exigir novas especialidades.73
Nessa lógica ambivalente, cada medida adotada para a solução de problemas
de determinado grupo de pessoas traz em si mesma a criação de problemas para
68 Ibidem, p. 43.
69 GIDDENS, “Risco, Confiança e Reflexidade”, IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott.
Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 220.
70 Ulrich Beck chega a falar em era dos efeitos colaterais. (BECK, Ulrich. “Autodissolução e Autorisco na
Sociedade Industrial: O que significa isso?” IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott.
Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 208).
71 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 229.
72 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 227
73 Ibidem, p. 229.
56
Temas de Direito Constitucional Tributário
74 A própria dinâmica do processo judicial revela essa ambivalência como observado por Ulrich Beck: “A
ordem judicial não estimula mais a paz social, pois sanciona e legitima as desvantagens juntamente com
as ameaças e assim por diante” (BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da
Modernidade Reflexiva.” IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva.
Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 29).
75 GIDDENS, “Risco, Confiança e Reflexidade”, IN: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott.
Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo: UNESP, 1997, p. 223.
76 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 236.
77 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002, p. 43.
78 Nesse sentido BAUMAN: “Nenhuma classificação binária pode se sobrepor inteiramente à experiência
contínua e essencialmente não discreta da realidade. A oposição, nascida do horror a ambigüidade, torna-
se a principal fonte de ambivalência” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus
Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 70).
79 A Lógica Fuzzy foi criada em 1965 por Lofti Asker Zadeh, e se baseia na teoria dos Conjuntos Fuzzy. De
acordo com a lógica formal aristotélica, uma proposição lógica tem dois extremos: ou “completamente ver-
dadeiro” ou “completamente falso”. Com a Lógica Fuzzy, uma premissa varia em grau de verdade de 0 a 1,
o que leva a ser parcialmente verdadeira ou parcialmente falsa (KOSKO, Bart. Fuzzy Thinking. New York:
Hyperion, 1993, p. 263). A importância da Lógica Fuzzy é encontrada na possibilidade de inferir conclu-
sões a partir de informações vagas, ambíguas e imprecisas, aproximando os sistemas de bases da lógica
humana, o que a torna extremamente relevante para as ciências humanas, notadamente a do Direito.
80 GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002, p. 33.
81 LASH, Scott. “A Reflexividade e seus duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”, IN: GIDDENS, Anthony,
BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São Paulo:
UNESP, 1997, p. 170.
57
Ricardo Lodi Ribeiro
82 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 35.
83 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da Modernização Reflexiva”. In: GIDDENS,
Anthony, BECK, Ulrich. e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpressão. São
Paulo: UNESP, 1997, p. 42: “Na sociedade de risco, as novas vias expressas, instalações de incineração de lixo,
indústrias químicas, nucleares ou biotécnicas, e os institutos de pesquisa encontram resistência dos grupos
populacionais imediatamente afetados. É isso, e não (como no início da industrialização) o júbilo diante deste
progresso, que se torna previsível. Administrações de todos os níveis vêem-se em confronto com o fato de
que o que planejam ser um benefício para todos é percebido como uma praga por alguns e sofre a sua opo-
sição. Por isso, tanto eles quanto os especialistas em instalações industriais e os institutos de pesquisa perde-
ram sua orientação. Estão convencidos de que elaboraram esses planos ‘racionalmente’, com o máximo do
seu conhecimento e de suas habilidades, considerando o ‘bem público’. Nisso, no entanto, eles descuram a
ambivalência envolvida. Lutam contra a ambivalência com os velhos meios da não-ambigüidade.”
84 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo. Trad. Jorge Navarro. Barcelona: Paidós, 1998, pp. 25-26.
85 GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco – Vínculos com o Futuro. Trad. Cristiano Paixão,
Daniela Nicola e Samantha Dobrowolski. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 198: “O
risco é modalidade de distribuição dos bads e não dos goods. O risco baseia-se na suportabilidade, na acei-
tação, e não na certeza das próprias expectativas: por isso, os riscos não podem ser transformados em direi-
to, ainda, que possam ser monetarizados.”
86 SUSTEIN, Cass R. Risk and Reason – Safety, Law and the Environment. Cambridge: Cambridge
University Press, 2002, p. 6.
87 BACK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da Modernização Reflexiva”. In: GID-
DENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpres-
são. São Paulo: UNESP, 1997, p. 43.
88 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999, p. 60: “Só o pluralismo devolve a responsabilidade moral da ação a seu natural portador: o indiví-
duo que age.”
89 TORRES, Ricardo Lobo. “O Princípio da Transparência no Direito Financeiro”, in Revista de Direito da
Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Vol. VIII, pp. 133-156. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p. 136. “A transparência é o melhor princípio para a superação das ambivalências da
58
Temas de Direito Constitucional Tributário
Nesse diapasão, a idéia de segurança jurídica ganha uma nova dimensão, supe-
rando o modelo do Estado Liberal, onde representou a proteção do cidadão contra
o poder do Estado, com a idéia de segurança jurídica, e do Estado Social, em que,
na eterna busca da Justiça Social, ganhou a feição de seguridade social. No Estado
Democrático e Social, marcado pela sociedade de risco, a segurança se traduz em
seguro social.90
Nessa transição, que ainda não restou totalmente concluída nos dias atuais, a
idéia de liberdade, que desde a Revolução Francesa se baseia na segurança do indiví-
duo contra o poder do Estado, ganha uma dimensão plural com a garantia da liberda-
de em relação ao outro. É por isso que Denninger91 defende a superação do lema Li-
berdade, Igualdade e Fraternidade, pela tríade Segurança, Diversidade e Solidariedade.
De acordo com essa nova dimensão da segurança, o Estado garante proteção
aos cidadãos contra os riscos sociais, a partir de “uma nova comunhão de responsa-
bilidade entre o cidadão e o Estado, ou uma nova comunhão de riscos e chances”.92
Por esta perspectiva, a idéia de segurança se desamarra da mordaça individua-
lista liberal, bem como dos excessos sociológicos da jurisprudência dos interesses,
para atingir uma dimensão valorativa que vai atuar na legitimação de todos os
direitos do cidadão,93 não mais como um apanágio da defesa do indivíduo contra
um poderoso Estado-Nação, que, cada vez mais, vai perdendo importância como
fonte de poder no mundo globalizado, mas sim um mecanismo de garantia aos
direitos fundamentais de todos.
Como destaca Perez Luño, nos dias atuais, a segurança dos direitos do cidadão
é muito mais ameaçada pela falta de resposta do Estado aos seus misteres sociais do
que pela sua hipertrofia, como ocorria antes do advento do Estado Social.94 A inse-
gurança social gerada pela ausência de cumprimento das prestações estatais vincu-
ladas ao mínimo existencial é permanente motivo de crise que põe em risco o pró-
prio regime democrático.95 Assim, “a liberdade individual só pode ser produto do
trabalho coletivo”.96
Sociedade de Risco. Só quando se desvenda o mecanismo do risco, pelo conhecimento de suas causas e de
seus efeitos, é que se supera a insegurança.”
90 Ibidem.
91 DENNINGER, Erhard. “Segurança, Diversidade e Solidariedade ao invés de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade.” In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 88, 2003, pp. 21-45.
92 SILVA NETO, Francisco e IORIO FILHO, Rafael M. “A Nova Tríade Constitucional de Erhard
Denninger”. In: DUARTE, Fernanda e VIEIRA, José Ribas (org.), Teoria da Mudança Constitucional – Sua
Trajetória nos Estados Unidos e na Europa. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 282.
93 PECES-BARBA MARTÍNEZ, Gregório. Curso de Derechos Fundamentales – Teoría General. Madrid:
Universidad Carlos III de Madrid, 1999, p. 245.
94 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 22.
95 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente – A Atualidade de Weimar. São
Paulo: Azougue Editorial, 2004, p. 179.
96 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999,
p. 15.
59
Ricardo Lodi Ribeiro
97 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, pp. 79-80:
“La aplicación taxativa de leyes que consagran cualquier tipo de discriminación (racial, ideológica, sexual,
económica...), o que proscriben el ejercicio de las liberdades políticas o sindicales no puede suponer ningu-
ma garantía de seguridad jurídica. La seguridad empírica de un atentado legal a los valores y derechos
humanos entraña la seguridad de una iniquidad; es decir, la seguridad fáctica de una inseguridad jurídica.”
98 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 246.
60
Temas de Direito Constitucional Tributário
ficou na prévia autorização pelos representantes eleitos por aqueles que suportariam
o peso fiscal. É dessa aprovação legislativa que surge a concepção de autoconsenti-
mento da tributação, que fundamenta o princípio da legalidade tributária.
Porém, não se pode perder de vista que, modernamente, no Estado
Democrático e Social de Direito, os governos, a quem cabe exigir os tributos, são
também exercidos por representantes eleitos diretamente pelo povo. Portanto,
estamos num cenário bem distinto daquele contexto histórico em que se produzi-
ram as aspirações iluministas que fortaleceram o anseio de que só os representan-
tes do povo, reunidos no parlamento, poderiam criar obrigações, e de que o poder
executivo seria um mero executor das políticas por eles definidas.99
Em conseqüência, nesse novo contexto que ora se mostra presente, o princípio
da legalidade não guarda mais fundamento no autoconsentimento, mas da autonor-
matização.100 Ao contrário, passou a ter, como afirma Pérez Royo,101 um viés plu-
ral, como meio de garantir a democracia no procedimento de imposição das normas
de repartição tributária, bem como a igualdade de tratamento entre os cidadãos.
Essa legalidade baseada no pluralismo político extraído de um parlamento
onde estejam presentes representantes de todos os segmentos da sociedade, e onde
os movimentos sociais e econômicos tenham amplo espaço de atuação,102 é a prin-
cipal arma de combate a uma visão unívoca da realidade e negadora da ambivalên-
cia no âmbito fiscal, representada pela fixação das regras tributárias por aquele
poder encarregado de arrecadar e dar destino às receitas públicas.103
Deste modo, a legalidade tributária no Estado Democrático e Social de Direito
é marcada pela definição, num ambiente de pluralismo político, de um critério de
divisão dos encargos e benefícios sociais, a partir da composição dos interesses dos
mais variados segmentos do corpo social, e de acordo com a justiça fiscal, represen-
tada pela capacidade contributiva dos cidadãos, e com a prevenção dos riscos sociais.
Nesse cenário em que as despesas estatais são custeadas por receitas públicas,
em especial os tributos, que, por sua vez, hão de ser inexoravelmente, no Estado
capitalista, suportados pela sociedade, a questão passa a ser quem vai pagar, e quan-
99 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado Contempo-
râneo”, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53, 2000, p. 42.
100 CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente – A Partir del Principio
de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, p. 320.
101 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 42.
102 BECK, Ulrich. “A Reinvenção da Política: Rumo a Uma Teoria da Modernização Reflexiva”. In: GID-
DENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização Reflexiva. Trad. Magda Lopes. 2. reimpres-
são. São Paulo: UNESP, 1997, p. 41.
103 GARCIA NOVOA, César. El Principio de Seguridad Jurídica em Materia Tributaria. Barcelona: Marcial
Pons, 2000, p. 28. Dentro dessa ordem de idéias, é lamentável que a maioria das leis tributárias brasileiras
seja originada de medidas provisórias gestadas no âmbito da Secretaria da Receita Federal, órgão encarre-
gado de arrecadar e fiscalizar os tributos federais, sem qualquer discussão com a sociedade ou com o
Congresso Nacional.
61
Ricardo Lodi Ribeiro
104 CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente – A Partir del Principio
de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, 317.
105 A razão comunicativa, segundo Habermas, se traduz na capacidade humana dirigida ao entendimento, em
oposição à ação instrumental, dirigida à obtenção de objetivos. Deste modo, a pretensão de verdade do
proponente deve ser defensável a partir de argumentos que possam superar as objeções de possíveis opo-
nentes, e, ao final, contar com a aprovação de um acordo racional da comunidade (HABERMAS, Jürgen.
Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 32).
62
Temas de Direito Constitucional Tributário
106 TIPKE, Klaus. Moral Tributaria del Estado y de los Contribuyentes, Trad. Pedro Herrera Molina.
Barcelona: Marcial Pons, 2002, p. 25.
107 “Rechtsetzung durch Steuererichte und Steuervewaltungsbehörden?” Steuer und Writschaft 58 (3): 194,
1981, apud TORRES, Ricardo Lobo (“Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista de Direito da
Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53: 178-198, 2000, p. 179).
108 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 29.
109 Ibidem. No mesmo sentido, DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente –
Proporcionalidade, Tipicidade Aberta e Afetação de Receita. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 92.
110 PALMA FERNÁNDEZ, José Luis. La Seguridad Jurídica ante la Abundancia de Normas. Madrid, Centro
de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p. 38.
63
Ricardo Lodi Ribeiro
111 Vide UCKMAR, Vitor (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco Aurélio
Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 24), onde o autor revela que o princípio da legalidade
tributária é adotado em todos as constituições vigentes, exceto, à época, na da ex-URSS, e reproduz, inclu-
sive, o dispositivo constitucional de diversos países.
112 “Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito Fundamentais do
Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série – nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 167-186, 2000,
p. 185.
64
Temas de Direito Constitucional Tributário
É curioso observar que mesmo entre os setores médios que não se beneficiam
dos efeitos dessa opção pela acumulação de patrimônio, a idéia da supersegurança
jurídica encontra-se bem disseminada, já que essa sobrecarga de segurança oferece
conforto à ansiedade provocada pela incerteza, sem, no entanto atacar suas causas.113
113 BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.
56.
114 Sobre o tema, vide RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003.
65
Ricardo Lodi Ribeiro
115 COSTA, Valdés. Instituciones de Derecho Tributário. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 127.
116 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Legalidade Tributária, Tipicidade Aberta, Conceitos Indeterminados e Cláusulas
Gerais”. Revista de Direito Administrativo 229: 313-333, 2002.
117 No sentido do texto, recusando a possibilidade de uma única solução legal, vide ANDRADE, José Vieira
de (O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Coimbra: Almedina, 1992, p. 367).
Contra: GARCÍA DE ENTERRÍA (GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo/FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón.
Curso de Derecho Administrativo, vol. I. 10. ed. Madrid: Civitas, 2000, p. 460), defendendo a inexistên-
cia de uma pluralidade de soluções justas em cada caso.
118 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 216.
66
Temas de Direito Constitucional Tributário
visão, o que decerto extrapola os limites desse trabalho. Porém, é forçoso reconhe-
cer que, diante do novo quadro, se intensificam as discussões sobre o caráter abso-
luto da coisa julgada119 e do direito adquirido,120 bem como se redesenha o princí-
pio da proteção à confiança legítima,121 em função do ato jurídico perfeito e da
mudança dos critérios jurídicos do lançamento.
119 PONTES, Helenilson Cunha. Coisa Julgada Tributária e Inconstitucionalidade. São Paulo: Dialética, 2005.
120 SARMENTO, Daniel. Direito Adquirido, Emenda Constitucional, Democracia e Justiça Social. Artigo
publicado no site Mundo Jurídico em 01/02/05. Disponível na Internet: www.mundojuridico.adv.br.
Acesso em 10 de maio de 2005.
121 ÁVILA, Humberto. Benefícios Fiscais Inválidos e a Legítima Expectativa dos Contribuintes. Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 13, abril-maio, 2002. Disponível na
Internet: www.direitopublico.com.br. Acesso em 05 de maio de 2005.
67
IV
Da Legalidade à Juridicidade Tributária
1 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Luís S. Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio Amado,
1997; LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Etica Jurídica. Trad. de Luis Díez-Picazo. Madrid:
Civitas, 1985; e ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil – Ley, Derechos, Justicia. Trad. Marina
Gascón. Madrid: Trotta, 5. ed., 2003. Entre os administrativistas destacam-se: MAURER, Hartmut.
Elementos de Direito Administrativo Alemão. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2000; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho
Administrativo. V. I. 10. ed. Madrid: Civitas, 2000; e OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública
– O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003. Entre nós: MOREI-
RA NETO, Diogo de Figueiredo. “Juridicidade, Pluralidade Normativa, Democracia e Controle Social –
Reflexões sobre alguns rumos do Direito Público neste século”. In: ÁVILA, Humberto (org.), Fundamentos
do Estado de Direito – Estudos em Homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 91-113; ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de
Janeiro: Forense, 2007; e BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo – Direitos
Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. No Direito
Constitucional, vide GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte:
Del Rey, 2006; ZIPPELIUS, Reinhold. Introdução ao Estudo do Direito. Trad. Gersélia Batista de Oliveira
Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
1998; PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Universalidad de los Derechos Humanos y El Estado
Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2002; e CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedida, 1998. Entre nós: BARROSO,
Luís Roberto. “Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (pós-moder-
nidade, teoria crítica e pós-positivismo)”. In: BARROSO, Luís Roberto (org.), A Nova Interpretação
Constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003,
pp. 1-48; CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais – Ensaios
sobre o Constitucionalismo Pós-Moderno e Comunitário. Rio de Janeiro: Forense, 2003; CLÈVE,
Clemerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; 2000,
e SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
2 Entre eles, destaque para TIPKE, Klaus, Grenzen der Rechtsforbildung durch Rechtsprechung und
Verwaltungsvorschriften im Steuerrechts. Köln: O. Schmidt, 1982, apud TORRES, Ricardo Lobo,
Tratado..., v. II, p. 442; HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Metodología del Derecho Financiero y
Tributario, México: Porrúa, 2004; e NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos.
Coimbra: Almedina, 1998. Entre nós: TORRES, Ricardo Lobo, Tratado de Direito Constitucional
Financeiro e Tributário – V. II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e a Interpretação da Lei Tributária. São
Paulo: Dialética, 1998; e ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
69
Ricardo Lodi Ribeiro
3 De acordo com Moncada, a limitação do poder do rei na Inglaterra pela common law vem desde os tem-
pos medievais (MONCADA, Luís S. Cabral de. Lei e Regulamento. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.
608). Note-se, como observa Casalta Nabais, que o desenvolvimento da legalidade na Inglaterra é fruto
de um movimento paulatino, que tem raízes consuetudinárias e é afirmado pela Magna Carta (1215),
pela Petition of Rights (1628) e pelo Bill of Rights (1689). (NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental
de Pagar Impostos, p. 322).
4 VAZ, Manuel Afonso. Lei e Reserva da Lei – A Causa da Lei na Constituição Portuguesa de 1976. Porto:
Universidade Católica Lusitana, 1996, p. 124.
5 De acordo com Stahl, o princípio monárquico, cunhado em oposição à soberania popular e ao parlamen-
tarismo inglês, prescreve que o poder do príncipe a partir de direitos próprios, baseados na tradição,
encontra-se acima da representação popular, permanecendo como o centro da Constituição, como poder
positivo do Estado. (VAZ, Manuel Afonso. Lei e Reserva da Lei..., p. 116).
6 VAZ, Manuel Afonso. Lei e Reserva da Lei..., p. 122. No mesmo sentido, CLÈVE, Clemerson Merlin.
Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 54.
7 VAZ, Manuel Afonso. Lei e Reserva da Lei..., p. 139.
8 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia..., p. 304.
70
Temas de Direito Constitucional Tributário
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Ricardo Lodi Ribeiro
72
Temas de Direito Constitucional Tributário
mas a manutenção do poder é obtida pela ilusão de o Direito poderia servir de motor
da mudança social. É o que Boaventura Santos denominou de utopia jurídica que, em
alguns lugares, não deixou de ter um caráter meramente simbólico, como ocorreu nas
sociedades periféricas, em outros, atendeu a algumas demandas sociais, ainda que de
forma fragmentada. Assim, “todos os futuros seriam possíveis desde que estivessem
contidos num mesmo futuro capitalista”.18
A despeito da superficialidade e lentidão das transformações sociais, a classe
dominante se vê obrigada, para manter o poder político, a fazer concessões, confe-
rindo prestações positivas como a educação, a saúde e a assistência social, que
levam à intervenção estatal típica do Estado Social. A partir dessa atuação estatal
na área social resta diluída a separação rígida entre Sociedade reguladora da econo-
mia, e protegida pelo parlamento, e o Estado, senhor da política e identificado com
o Poder Executivo. A lei deixa de ser geral e abstrata, e não mais dá suporte à cren-
ça no seu caráter onipotente do passado, pelo que não está mais em condições de
assegurar uma justiça social a priori, como demonstram as leis-medidas de efeitos
concretos, a efetivar as providências governamentais; e a ação dos lobbys que pas-
sam a atuar no Parlamento, a demandar por tutelas específicas.19 Morre, assim, a
ilusão da lei como expressão da vontade geral da comunidade.
Corroborando com a perda do prestígio da sua obra, o legislador, como sus-
tenta Philipp Heck, não se vê mais capaz de dar cumprimento aos ideais da deter-
minação total e da plena adequação, mediante seus próprios preceitos, não só pela
insuficiência de sua capacidade de percepção, dada à imprevisibilidade do futuro e
à quase infinita complexidade da vida moderna; mas também pela limitação dos
seus meios de expressão, incapazes de reproduzir ou expressar suas idéias de modo
inequívoco e completo, ainda que pudesse perceber todos os casos da vida.20
De acordo com esse novo panorama, em que resta superada a dicotomia entre
Estado x Sociedade, tão cara ao Estado Liberal e às monarquias dualistas, a função
do Parlamento deixa de ser a limitação do Poder do Estado/Monarca, como forma
de garantir a liberdade individual e a propriedade, para viabilizar a participação do
cidadão na vontade formadora do Estado/Comunidade, destinado a atender às
necessidades da coletividade.
Paralelamente, os Governos passam a ser dotados de legitimidade democráti-
ca, sendo também exercidos por representantes eleitos diretamente pelo povo, num
cenário bem distinto daquele contexto histórico em que se produziram as aspira-
ções iluministas que fortaleceram o anseio de que só os representantes do povo,
73
Ricardo Lodi Ribeiro
21 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “Princípio da Legalidade e Poder Regulamentar no Estado Contem-
porâneo”, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 53: 42, 2000.
22 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil..., p. 37. No mesmo sentido: GRIMM, Dieter. Constituição
e Política, p. 18: “diante da acelerada mudança social, também aumenta a velocidade com a qual o direi-
to existente envelhece e precisa ser substituído por um novo. Por conseguinte, a alta produção de nor-
mas é, em sua maior parte, estruturalmente condicionada. Não se pode esperar de uma sociedade, que
tanto aumenta, e cada vez mais, sua capacidade de rendimento quanto sua sujeição a transtornos, que
ela possa subsistir com poucas regras ou regras jurídicas simples.” Entre nós: SARMENTO, Daniel.
Direitos Fundamentais e Relações Privadas, p. 39: “Se no Estado Liberal as normas eram feitas para durar
indefinidamente, agora a tônica são as ‘leis-medidas’, editadas para a solução de algum problema con-
creto, muitas vezes passageiro. A estabilidade das normas é substituída pela efemeridade, e o direito
positivo torna-se verdadeiramente caótico, afastando-se da placidez quase parnasiana do ordenamento
do Estado Liberal, que se resumia às codificações privadas e a algumas poucas leis processuais e penais.
Nessa babel jurídica, esvai-se a segurança, e a presunção do conhecimento das leis pelo cidadão torna-
se uma ficção absurda. Fala-se em declínio e até em morte do direito.”
74
Temas de Direito Constitucional Tributário
sejam substituídas por cambiantes grupamentos de interesses, gerando leis cada vez
mais compromissórias e, em conseqüência, contraditórias, caóticas, obscuras, dei-
xando a sensação de que, para a obtenção do acordo, tudo é transigível, até mesmo
os valores e direitos mais intangíveis. Esse pluralismo político-social gera também
o pluralismo de fontes do Direito, o que fragiliza o princípio da legalidade, diante
da pulverização e da incoerência da lei. Com a fragilização da função da lei na har-
monização da ordem social, a Constituição assume um papel inédito de assegurar a
consecução da unidade do ordenamento jurídico, se convertendo em objeto de
mediação.23 Nesse contexto, a unidade, a coerência e a hierarquia do ordenamen-
to jurídico deixam de constituir o ponto de partida do Direito, para estabelecer-se
como uma meta a ser alcançada.24
Dialeticamente, a lei reproduz o conflito de princípios espalmado pela Cons-
tituição, ocorrendo uma transfiguração da legalidade administrativa de um “direito
de regras” em um “direito de princípios”. Assim, um sistema tendencialmente fecha-
do de legalidade é substituído por um sistema aberto: a legalidade administrativa, a
semelhança do que sucede no sistema constitucional, torna-se predominantemente
principialista, atribuindo-se ao aplicador um poder de proceder a ponderação de
interesses. Há um ativismo constitucional de Administração, deixando a lei de ser-
vir de instrumento de certeza e segurança jurídica na atuação administrativa.25
Com a erosão do mito liberal de divinização e perfeição da obra legislativa ao
longo do século XX,26 a premissa positivista de que o Estado só pode fazer o que a
lei permite e o particular tudo o que ela não veda, é flexibilizado.27
Casalta Nabais28 sintetiza com grande felicidade esse processo de perda de
prestígio da lei, mostrando que o princípio da legalidade deixou de constituir a
garantia de produção de um Direito justo decorrente do consentimento do cidadão,
uma vez que:
a) a lei não está mais acima de qualquer suspeita, já que muitas vezes viola o
direito do cidadão, especialmente da minoria vencida no Parlamento;
23 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil..., p. 38; e GRIMM, Dieter. Constituição e Política, p. 62.
24 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Universalidad de los Derechos Humanos..., p. 67.
25 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 167. Segundo Tipke, passamos de um Estado
de Leis a um Estado de Princípios (TIPKE, Klaus. Steuerrechtsordnung. Köln: O. Schmidt, 2000, v. 1, p.
121, apud TORRES, Ricardo Lobo, Tratado..., v. II, p. 422).
26 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 198.
27 ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil..., p. 38. No mesmo sentido ARAGÃO, Alexandre Santos
de. Direito dos Serviços Públicos, p. 337: “hoje não mais se concebe que, na ausência de lei proibitiva,
possa o particular fazer o que quiser, ainda que contrariando valores e princípios constitucionais. A ação
do particular é, portanto, diretamente restringida, não só pela lei, como também pelos princípios cons-
titucionais.”
28 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pp. 339-340.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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Ricardo Lodi Ribeiro
40 GRIMM, Dieter. Constituição e Política, pp. 18-19: “Diferentemente da tradicional atividade estatal, na
qual se tratava de proteger de transtornos uma ordem social presumida, com relação às atividades de um
moderno Estado preocupado como bem-estar social, trata-se, em grande parte, da modificação das rela-
ções sociais com vistas a determinados objetivos estabelecidos politicamente. A primeira atividade é de
natureza pontual e retrospectiva, a segunda abrangente e prospectiva. Enquanto a primeira se movimen-
ta em terreno conhecido e dominado pelo Estado e, por isso, é normativamente regulamentável de
forma relativamente exata, a segunda realiza-se sob a incerteza e, além disso, depende de numerosos
fatores e recursos, dos quais o Estado só dispõe de forma limitada. Tal atividade é de tal modo comple-
xa, que, mentalmente, não pode mais ser antecipada por completo e, destarte, também não pode ser defi-
nitivamente regulamentada de forma normativa.”
41 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da
Proporcionalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 106: “Caracteriza-se o poderio e a superpre-
sença do Poder Executivo, tido como o departamento da soberania melhor habilitado para o trato dos
inúmeros e cambiantes aspectos da vida pós-moderna”.
42 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 313: “A norma não pode limitar-se a atribuir competência para a prática
de quaisquer atos administrativos sobre certa matéria. Isso equivaleria a conceder poderes ilimitados à
Administração. (...) A norma legal de competência ou ‘de ação’ (Handlungsnorm), que concede um
poder, tem de demarcar-lhe os limites. Esse é desde logo um corolário da função garantística da legali-
dade: na própria definição da competência reside a primeira garantia dos cidadãos.”
43 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos, pp. 327-329.
44 PESSOA, Robertônio Santos. Administração e Regulação. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 145.
45 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia..., p. 298.
46 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 168. Nesse sentido, “a legalidade deixa de ser
apenas aquilo que o legislador diz, segundo impunham os postulados teóricos do princípio da separação
78
Temas de Direito Constitucional Tributário
Mas será que a idéia de juridicidade se aplica ao Direito Tributário? Nos pare-
ce que a resposta é afirmativa.47 A rigor, não há, cientificamente, como assinala
Casalta Nabais,48 diferença substancial entre o princípio da legalidade tributária, e
o verificado no Direito Administrativo. Em ambos temos a submissão da atividade
administrativa à lei e ao Direito.
Isso significa que a atividade administrativa da Fazenda Pública sempre deve se
pautar não só pela lei, mas pela Constituição49 – não só quanto às limitações constitu-
cionais ao poder de tributar, mas também em relação a toda a sua pauta axiológica50 –,
pelos valores e princípios ainda que não elencados expressamente no Texto Maior.
Nesse contexto, a legalidade tributária, como assevera Humberto Ávila, tem
não só o sentido de regra, ao vedar a criação e majoração de tributo por outro meio
que não a lei, mas também o de princípio, na medida em que estabelece o dever de
um ideal de previsibilidade e determinabilidade para o exercício da atividade do
contribuinte. Ganha ainda a função de postulado, ao exigir do aplicador a fidelida-
de aos pontos de partida estabelecidos na própria lei.51
de poderes, podendo também ser aquilo que a Administração Pública ou os tribunais entendem que o
legislador diz ou o que a lei permite que eles digam ser o Direito vinculativo da Administração Pública”.
(OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 163).
47 TIPKE, Klaus. “Fundamentos da Justiça Fiscal”. In: TIPKE, Klaus e YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal
e o Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 16: “O Estado de Direito não
pode, contudo, esgotar-se em sua concepção formal. Ele não pode regular leis de conteúdo qualquer e
arbitrário. Suas leis, quando não se tratar de meras regras técnicas de conveniência, devem ser material-
mente justas. Isso vale, não por último, para as leis tributárias”. No mesmo sentido: SÁNCHEZ SERRA-
NO, Luis. Tratado de Derecho Financiero y Tributario Constitucional. T. I. Madrid: Marcial Pons, 1997,
p. 261: “en un ordenamiento jurídico cuya norma fundamental o suprema es la Constitución, el princi-
pio de legalidad, entendido en toda su amplitud, no puede quedar reducido o limitado, como es obvio,
al mero respeto de la legalidad ordinaria. De esa juridicidad forma parte asimismo, y ocupa un lugar
preeminente, la conformidad de cualquier actividad, pública o privada, a la propia Constitución, o inclu-
so, si se prefiere, al “bloque de la constitucionalidad”; e COSTA, Valdés. Instituciones de Derecho
Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1996, pp. 123-124.
48 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 382: “Com efeito, não é mais hoje
aceitável a contraposição, tradicionalmente admitida entre legalidade fiscal e a legalidade da adminis-
tração em geral, segundo a qual no direito administrativo (geral) não haveria nada de semelhante ao
princípio da tipicidade do direito dos impostos, que envolve tanto a proibição de qualquer margem de
livre decisão como o recurso à analogia na colmatação de lacunas. Ora uma tal idéia, para além do seu
caráter de algum modo impraticável no concernente à exclusão total de qualquer margem de livre deci-
são, afigura-se-nos defasada da realidade contemporânea, que nos brinda, por um lado, com uma admi-
nistração toda ela subordinada à lei e, por outro lado e sobretudo, com domínios em que a densidade do
princípio da legalidade se aproxima das exigências de determinabilidade tradicionalmente reivindicadas
e consagradas no concernente aos elementos essenciais dos impostos”.
49 MONCADA. Luís S. Cabral. Lei e Regulamento, p. 936.
50 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “A Constitucionalização do Direito Tributário.” In: SOUZA NETO, Cláudio
Pereira e SARMENTO, Daniel (orgs.). A Constitucionalização do Direito – Fundamentos Teóricos e
Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 987-1009.
51 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, pp. 121 e 122. No mesmo sentido, CARRERA
RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero. V. I. Madrid: Tecnos, 1993, p. 100.
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Ricardo Lodi Ribeiro
80
V
A Tipicidade Tributária
Sumário: 1) Determinação e Abstração. 2) Os Conceitos de Direito. 2.1) Os Conceitos
Abstratos. 2.2) Os Tipos. 3) A Hipótese de Incidência Tributária e o Tipo.
1) Determinação e Abstração
1 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1978, pp. 92-94. “O princípio da tipicidade da tributação vai, porém, ainda mais longe: exige
que o conteúdo da decisão se encontre rigorosamente determinado na lei. É o princípio da determina-
ção (Grundsatz der Bestimmtheit) de que fala Friedrich. (...) Eis o que a segurança jurídica exige no
domínio tributário: pois não ficaria seriamente abalada a regra nullum tributum sine lege, se na aplica-
ção do Direito Tributário se pudesse recorrer a elementos ou critérios de valoração e decisão que não
estivessem já contidos na própria lei? (...) O princípio da determinação converte, pois, o tipo tributário
num tipo rigorosamente fechado: e tipo fechado não só no sentido que lhe atribuiu Oliveira Ascensão,
de tipo que exclui outros elementos juridicamente relevantes que lhe sejam exteriores, de tal modo que
o fato pode ter um conteúdo extratípico modelado pela vontade (o que é repelido pelo princípio do
exclusivismo), mas também no sentido que lhe atribuem Larenz e Roxin, de tipo que oferece elevado
grau de determinação conceitual, ou de fixação do conteúdo.”
2 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, pp. 92-99.
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Ricardo Lodi Ribeiro
3 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 119.
4 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Vol. II – Valores e
Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 469 e 479.
5 Para Humberto Ávila, o princípio da determinação se atende pela obrigatoriedade de o legislador “inse-
rir os elementos materiais da obrigação tributária com o maior detalhamento possível, por meio de ele-
mentos distintivos determinados ao máximo, naquelas matérias que possam ser normativamente padro-
nizadas, e que, portanto, não digam respeito a prerrogativas técnicas da administração nem sejam
incompatíveis com uma regulação com pretensão de permanência” (ÁVILA, Humberto. Sistema
Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 308).
6 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción en el Derecho y en la Ciência Jurídica Actuales. Trad. Juan José
Gil Cremades. Granada: Comares, 2004, p. 66.
7 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 489.
82
Temas de Direito Constitucional Tributário
8 É Geraldo Ataliba que propõe no Brasil a distinção quanto à nomenclatura do fato gerador, desdobran-
do-a em seus elementos empíricos e normativos. Em relação à descrição hipotética abstratamente pre-
vista em lei, o saudoso professor paulista denomina o fato gerador de hipótese de incidência. Já à base
fática ocorrida no mundo real, dá o nome de suporte fático. Quando este encontra uma discrição prévia
daquela, diz-se ocorrido o fato gerador da obrigação tributária (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de
Incidência Tributária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 71).
9 ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-brasileira.
2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 644; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento
Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 372-373.
10 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, p. 94, nota de rodapé n. 20.
11 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1988, pp. 63-64: “É sabido que Larenz admite os tipos no Direito, entendendo como tal a
ordem estruturada de forma flexível e fluida como temos visto até agora. O fato de ter denominado os
conceitos de classe de tipos fechados foi questão apenas terminológica, já superada. As edições mais
recentes de sua tão consultada Metodologia registram a alteração, pois para o jurista é tão-só aquele, por
sua própria natureza, aberto. A expressão ‘tipo fechado’ foi eliminada de sua obra.”
12 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 660 e 661: “Os usos do tráfego, os usos comerciais e a ‘moral social’,
enquanto tais, têm para os juristas o significado de standards, quer dizer, de ‘pautas normais de compor-
tamento social correto, aceites na realidade social’. Tais standards não são, como acertadamente obser-
va STRACHE, regras configuradas conceitualmente, às quais se possa efetuar simplesmente a subsunção
por via do procedimento silogístico, mas pautas ‘móveis’, que têm que ser inferidas da conduta reconhe-
cida como ‘típica’ e que têm que ser permanentemente concretizadas, ao aplicá-las ao caso a julgar.”
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Ricardo Lodi Ribeiro
13 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 286: “considerando as
tensões sempre existentes entre princípios jurídicos como segurança e justiça, conservadorismo – esta-
bilidade das relações jurídicas e permeabilidade às mutações sociais, individualidade e aplicação unifor-
me da lei em massa, reconhecemos, na Ciência do Direito Tributário, ser prevalente a tendência concei-
tual classificatória.” Em obra posterior, a autora reitera o posicionamento aplicando ao Direito Tribu-
tário a teoria fechamento operacional do sistema de Luhmann. (DERZI, Misabel de Abreu Machado.
“Mutações, Complexidade, Tipo e Conceito, sob o Signo da Segurança e da Proteção da Confiança”. In:
TÔRRES, Heleno Taveira. Tratado de Direito Constitucional Tributário – Estudos em Homenagem a
Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 272 e segs.). Porém, deve-se ressaltar que embo-
ra o sistema jurídico apresente, segundo Luhmann, um fechamento operativo, já que a compreensão do
que é ou não jurídico só se dá no âmbito das fronteiras do Direito a partir de suas próprias regras, ele se
abre cognitivamente para o seu entorno, e se relaciona com os outros sistemas por meio de um acopla-
mento estrutural que, ao mesmo tempo, admite a comunicação entre os sistemas, estabelece os limites
dos encargos que cada sistema é capaz de suportar sem sofrer corrupção (LUHMANN, Niklas “La costi-
tuzione come acquizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo, PORTINARO, Pier Paolo e
LUTHER, Jörg (org.), Il Futuro della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996, p. 112). Assim, se moderna-
mente a tributação se deita sobre a idéia de manifestação de riqueza, a partir do código econômico biná-
rio riqueza/escassez, no Estado Social e Democrático de Direito ela é regulada pelas normas estabeleci-
das pelo Direito Tributário, que se abre à realidade econômica.
14 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 300.
15 MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. Rio de
Janeiro: Renovar, 3. ed., 2005, p. 42: “O teor literal expressa o ‘programa da norma”, a ‘ordem jurídica’
tradicionalmente assim compreendida. Pertence adicionalmente à norma, em nível hierárquico igual, o
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Temas de Direito Constitucional Tributário
não pode ser conhecida sem o exame da realidade fática a que se destina, que deter-
mina o significado dos conceitos jurídicos nela contidos,16 já que nenhuma regra
pode regular inteiramente a sua própria aplicação.17
Como salienta Klaus Vogel, a norma por trás do texto é sempre reconhecível
de modo imperfeito, o que leva o juiz a estar vinculado a este, de acordo com a sua
interpretação e concretização.18 É que a lei não contém as próprias decisões, mas
apenas os parâmetros ou padrões em razão dos quais será tomada, sendo ilusória a
representação da tipicidade enquanto cálculo antecipado legal de todas as decisões
possíveis. Assim, a determinabilidade não é sinônimo de determinação prévia, mas
a possibilidade de fornecer pontos de partida para aquilo que é essencial a determi-
nado âmbito normativo.19
Ademais, a indeterminação das normas tributárias decorrem não só dos valo-
res e princípios fundamentais aplicáveis ao Direito Tributário, que pelas suas
características são fluidos e ambivalentes como a igualdade e a segurança jurídica,
mas também da natureza aberta da linguagem por elas utilizadas, tanto das leis de
incidência como das regras de competência, sobretudo quando empregadas
âmbito da norma, i. é, o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma
‘escolheu’ para si ou em parte criou para si com seu âmbito de regulamentação (como amplamente no
caso de prescrições referentes à forma e questões similares).
16 WITTGENSTEIN, L. Philosophische Untersuchungen, 1967, n. 43: “Die Bedeutung eines Wortes ist
sein Gebrauch in der Sprache”, apud: KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. Trad. Luis Villar
Borda e Ana María Montoya. Bogotá: Universidad Externato de Colombia, 1996, p. 204.
17 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 247: “Um estado de coisas conforme regras
só se constitui a partir do momento em que é descrito em conceitos de uma norma a ele aplicada, ao
passo que o significado da norma é concretizado pelo fato de ela encontrar aplicação num estado de
coisas especificado por regras. Uma norma ‘abrange’ seletivamente uma situação complexa do mundo
da vida, sob o aspecto da relevância, ao passo que o estado de coisas por ela constituído jamais esgo-
ta o vago conteúdo significativo de uma norma geral, uma vez que também o faz valer de modo sele-
tivo. Essa descrição circular caracteriza um problema metodológico, a ser esclarecido por toda a teo-
ria do direito.”
18 Segundo Klaus Vogel: “A ação concreta em situações concretas sempre só pode ser prefigurada de modo
imperfeito por um texto de norma. O número dos elementos distintivos que um texto de norma pode
descrever, sempre é finito; em contrapartida, o número dos elementos distintivos de um conjunto de
fatos é infinito. Por essa razão há sempre particularidades da situação que o texto da norma não consi-
dera e com vistas às quais se pode formular a pergunta se a situação ainda é como o texto da norma a
pressupõe” (VOGEL, Klaus. “Vergleich und Gesetzmäbigkeit der Verwaltung im Steuerrecht”. In: Der
offene Finanz-und-Steuerstaat. Heidelberg: C.F.Müller, 1991, pp. 310-311, apud ÁVILA, Humberto.
Sistema Constitucional Tributário, p. 298).
19 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, pp. 304 -305, citando OSTERLOH, Lerke: “Leis
não são nem deveriam ser nenhuma coleção de decisões individuais pré-fabricadas. Muito pelo contrá-
rio, elas contêm normas em princípio genericamente abstratas, mais ou menos abertas, cuja aplicação à
realidade, a conjuntos de fatos, individualmente concretos, não constitui apenas uma tarefa da identifi-
cação das informações já contidas na lei, mas exige um processo de múltiplas camadas de conhecimen-
to e decisão” (Gesetzesbindung und Typisierungsspielräume bei der Anwemdung der Steuergesetze.
Baden-Baden: Nomos, 1992, p. 94).
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Ricardo Lodi Ribeiro
2) Os Conceitos de Direito
20 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, pp. 175-176; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça,
Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 121-123.
21 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 377:
“o princípio da determinabilidade não se confunde com o suposto dever de pormenorizar o mais
possível ou de otimizar a pormenorização da disciplina dos impostos, uma vez que, quanto mais o
legislador tenta pormenorizar, maiores lacunas acaba por originar relativamente aos aspectos que
ficam à margem dessa disciplina, aspectos esses que, como facilmente se compreende, variarão na
razão inversa daquela pormenorização. Ou seja, as especificações excessivas, porque se enredam na
riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior
indeterminação.”
22 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 307.
23 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, pp. 193 e 244-246.
24 TIPKE/LANG. Steuerrecht. 15. ed. Köln: Otto Schmidt, 1996, p. 138: “Em todos os lugares nos quais se
trata em grau especial da segurança jurídica e da previsibilidade, o legislador deveria substituir o tipo
aberto com maior precisão possível por um conceito abstrato”. Apud: ÁVILA, Humberto. Sistema
Constitucional Tributário, p. 308.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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32 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 625: “A seleção das notas distintivas, que hão-de
ser recolhidas aquando da formação de um conceito abstrato na sua definição, é essencialmente co-
determinada pelo fim que a ciência em causa persegue com a formação do conceito.”
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36 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 650: “As contraposições pretensamente excluden-
tes revelam-se apenas opostas; o que conceitualmente está radicalmente separado está ligado entre si de
forma multímoda; a abstração levada ao extremo interrompe as concatenações de sentido e acaba por
conduzir-se ad absurdum, pela vacuidade dos conceitos supremos, que já nada dizem sobre a concate-
nação de sentido subjacente.”
37 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 649. Para Radbruch: “Precisamente, esa inadecua-
ción de los conceptos jurídicos a la realidad, ese ignorar los tonos medios, y el benévolo ‘casi’, el recha-
zar con acritud todo ‘no solo sino también’ o todo ‘más o menos’, ocasionan en muchos casos esa repug-
nancia por el derecho, en especial por el derecho romano”. (RADBRUCH, Gustav. Klassenbegriffe und
Ordnungsbegriffe im Rechtsdenken, “Internacionale Zeitschrift für Theorie dês Redchts”, XII, 1938, pp.
46 e segs., apud ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., p. 414).
38 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 650. Para Engisch, o Direito, assim como as ou-
tras ciências naturais e sociais, tende à tipificação, de acordo com a sua natureza normativa (ENGISCH,
Karl. La Idea de Concreción..., pp. 353 e 394).
39 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, pp. 247-248.
90
Temas de Direito Constitucional Tributário
tipos são mais concretos do que os conceitos, e, ao contrário destes últimos que são
definidos, só podem ser descritos.40
A realidade fática, por sua vez, se configurando em forma conceitual-norma-
tiva, idealiza-se e se constrói. A produção legislativa se revela como a acomodação
da idéia de Direito e das possíveis futuras circunstâncias fáticas da vida. Por sua vez,
o Direito harmoniza a norma legal e as circunstâncias de fato, revelando-se um ter-
tium a promover a mediação entre o “ser” e o “deve ser”. Assim, a norma e o fato
devem guardar relações de sentido, a fim de que possam ser levadas, reciprocamen-
te, à correspondência. Esse sentido, que não se esconde só no Direito, mas também
nas circunstâncias fáticas da vida, é o que Kaufmann designa como natureza das
coisas (ratio juris), que nos leva ao pensamento tipológico.41
Nesse processo de concretização da norma abstrata, os conceitos gerais devem
abrir-se às circunstâncias de fato da vida para chegar a uma decisão jurídica concre-
ta, o que acaba por conferir forma a essa norma abstrata, aumentando a sua dimen-
são lingüística. Com isso, os conceitos de classe, abrindo-se à realidade, acabam por
dar origem aos conceitos de ordem, que compreendem os conceitos globais de senti-
do (conceitos de função ou tipos). Deste modo, mesmo os conceitos abstratos, após a
sua concretização por uma decisão jurídica, não são mais unívocos, e nem poderiam
sê-lo, sob pena de não poderem cumprir sua função de equilibrar as tensões dentro
da idéia de Direito, atendendo a igualdade, a segurança jurídica e a equidade.42
2.2) Os Tipos
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Ricardo Lodi Ribeiro
a partir da classificação entre tipo ideal e tipo empírico. Nessa concepção, o tipo
ideal tem um valor essencialmente teleológico, não sendo algo que é, mas que deve
ser, e constituindo, portanto, a medida do valor dado. Por sua vez, ao tipo empíri-
co não se exige a expressão de um objetivo que transcenda a experiência, traduzin-
do-se apenas na unificação de notas entre os fenômenos, de acordo com os pontos
de vista que adote o investigador.46
Para Larenz,47 os tipos se classificam:
46 JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. de Fernando de los Rios. México: Fondo de Cultura
Económica, 2000, p. 79: “El concepto ‘tipo’ puede comprenderse en sentido de ser la expresión de la más
perfecta esencia del género. Se puede representar de un modo platónico, como la idea que vive en más
allá y solo de un modo imperfecto puede realizarse en el individuo, o concebírsele conforme a
Aristóteles, como la fuerza activa que crea y da forma a los ejemplos individuales de un género.”
47 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, pp. 657-660.
92
Temas de Direito Constitucional Tributário
93
Ricardo Lodi Ribeiro
rísticas gerais isoladas, por sua grande proximidade com a realidade, por sua clari-
dade gráfica e por sua objetividade. Com efeito, o tipo não se pode definir, mas
somente explicitar, pois embora tenha um núcleo fixo, mantém as fronteiras flexí-
veis, de tal sorte que a falta de um ou outro de seus muitos traços característicos,
não leva a sua descaracterização. Enquanto o conceito, seguindo a lógica do sim ou
não, separa o tipo, acomodando-se ao mais ou menos da realidade, une, tornando
conscientes as conexões de sentido, fazendo o geral ser compreendido de forma
clara e integral. Deste modo, os fatos não se subsumem ao tipo. Este se coordena,
ou se põe em correspondência, em maior ou menor grau, com um suposto fato con-
creto.52 Essa coordenação entre o tipo e a realidade fática baseia-se numa valora-
ção, que deve ser determinada eticamente por uma ponderação de finalidade, a
partir de uma análise minuciosa das condições reais, bem como de uma mensura-
ção dos próprios valores isoladamente aplicáveis.53
No entanto, se correspondência entre fato e tipo não depende da coincidên-
cia em relação a todos os traços particulares, mas sim da imagem global, a aludida
coordenação não deve ser reconhecida quando ausentes no caso particular as notas
distintivas isoladas, ou quando estas forem insignificantes, em nada contribuindo
para a compreensão da regulação.54 Deste modo, como assinala Humberto Ávila, a
abertura do tipo se caracteriza por dois elementos. O primeiro se revela pela pres-
cindibilidade de alguns elementos distintivos, sob pena de tornar o tipo vazio de
conteúdo, e o outro pelo sopesamento, que indica que a correlação não se dá ape-
nas de acordo com a relação dos seus elementos entre si, mas, principalmente, sob
uma perspectiva valorativa.55
Vale destacar que o tipo, assim como a abstração conceitual, extrai momentos
comuns de uma pluralidade de manifestações singulares, iguais ou semelhantes,
mas aquele, diferentemente desta, não leva a um conceito geral, mas a uma união
de traços perceptíveis, que certamente não poderão ser aplicados a um objeto indi-
vidual, mas a um objeto fictício, típico.56
Por outro lado, o tipo se posta “no meio-termo entre o indivíduo e o concei-
to”,57 distinguindo-se dos fenômenos isolados, pois algo único não pode ser típico,
52 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 250. No mesmo sentido: LARENZ, Karl. Metodologia
da Ciência do Direito, p. 645; e ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral –
Uma Perspectiva Luso-brasileira. 2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 647.
53 COING, Helmut. Elementos Fundamentais de Filosofia do Direito, pp. 280-281.
54 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 666: “Os desvios notórios da imagem global do
‘tipo normal’ classificar-se-ão como tipos especiais ou como ‘configurações atípicas’. Onde reside em
cada caso a fronteira, até onde é possível ainda uma coordenação a este tipo, não pode indicar-se de
modo geral; quando as fronteiras são fluídas, como é geralmente o caso tratando-se do tipo, a coordena-
ção só é possível com base numa avaliação global.”
55 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 194.
56 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., p. 384.
57 KRETSCHMER, Paul. Über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, p. 400, apud LARENZ,
Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 658. Para Radbruch: “Los tipos comparten, con los concep-
94
Temas de Direito Constitucional Tributário
tos individuales históricos, la plenitud concreta del contenido, y, al miesmo tiempo, con los conceitos
genéricos propios de las ciencias naturales, la possibilidad de comprender ampliamente manifestaciones
históricas individuales” (RADBRUCH, Gustav. Logos, II, 1911-2, p. 259, apud ENGISCH, Karl. La Idea
de Concreción..., p. 381).
58 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., p. 382.
59 MAIER, H. Philosophie der Wirklinchkeit, I, p. 202, apud ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción...,
p. 383.
60 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 250.
61 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 251.
62 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, pp. 660-661; KAUFMANN, Arthur. Filosofía del
Derecho, p. 251; ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais. Lisboa: 1968, p. 63;
CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia..., p. 315.
63 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 184.
95
Ricardo Lodi Ribeiro
plenitude de seu conteúdo concreto.64 Por isso, o tipo é mais concreto do que o
conceito abstrato.65
Por esta razão, não pode existir um sistema de Direito fechado, axiomático,
mas um sistema aberto e tópico. É falsa a opção entre o tipo e o conceito, pois como
observado por Kant, os conceitos sem tipos são vazios, os tipos sem conceitos são
cegos.66
Diante de todo o exposto, fica evidenciado que o tipo se diferencia do concei-
to abstrato pelos seguintes traços:
96
Temas de Direito Constitucional Tributário
ção a situações de fato, o que vai se dar de acordo com as regras de competência e
os princípios de ordem material.67
Por isso, tais normas de incidência, a exemplo das regras constitucionais que
delimitam competência, se manifestam por tipos, e não por conceitos classificató-
rios, dada a abstração desses últimos, incapazes de descrever com fidelidade toda a
riqueza e dinamismo realidade econômica.68
A utilização da estrutura tipológica pela norma tributária, segundo Engisch,69
desemboca na aproximação dos tipos que fundamentam as exações fiscais com as
relações da vida real, de modo a que o enquadramento dos fatos deve ocorrer con-
forme o seu sentido típico, e não de acordo com a vontade específica dos interessa-
dos. O que se leva em conta, segundo o autor alemão, não é uma individualização,
mas uma tipificação, em que o tipo se determina pela conduta normal, usual, que
se dá pelo termo médio, o que permite o combate à evasão e à elisão abusiva pela
via da interpretação. É que, quando o legislador tipifica, tem em vista a produção
de dado efeito prático.70 Deste modo, a descrição do fato gerador do tributo por
67 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, pp. 304-305: “Deve-se constatar, no caso concre-
to, se a hipótese de incidência atende às determinações constitucionais de competência e aos princípios
substancialmente conexos (inclusive aos direitos fundamentais no seu aspecto objetivo); qual a intensi-
dade da influência e da estrutura material das leis e como a norma e o conjunto de fatos estão estrutu-
ralmente ligados. Deve-se saber, sobretudo, se se trata de um caso normal ou de uma exceção sob os
princípios constitucionais substancialmente conexos, se as assim chamadas ‘correções de elementos
marginais’ [Randkorrekturen] se fazem necessárias em conformidade com a consideração do teor literal
e da finalidade concreta das normas legais a serem aplicadas, ou quais circunstâncias do caso individual
devem ser consideradas na aplicação do Direito.”
68 Não são poucos os autores que reconhecem a natureza tipológica da hipótese de incidência tributá-
ria: ENGISCH, Karl. La Idea..., p. 407; TIPKE, Klaus e LANG, Joachim. Steuerrecht. 17. ed.. Köln: O.
Scchmidt, 2002, p. 133, apud TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 473; VOGEL, Klaus. Zur
Konkurrenz zwischen Bundes – und Landessteuerrecht nach dem Grundgesetz. In StuW 1971, p.
315, apud: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 170; KIRCHOF, Paul.
“Steuergleichheit durch Steuervereinfachung. In: FISCHER, Peter (Ed.). Steuervereinfachung. Köln:
O. Schmidt, 1998, DSTJG 21:23, apud TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 474; KRUSE, H.
W. Lehrbuch des Steuerrechts. München: C. H. Beck, 1991, p. 71, apud TORRES, Ricardo Lobo.
Tratado..., v. II, p. 470: ”O objeto do imposto não se deixa definir, mas descrever”; BEISSE, Heinrich.
“O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência
Alemã”. In: Brandão Machado (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira.
São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27; e NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p.
334. Entre nós: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 483; GRECO, Marco Aurélio. Planeja-
mento Fiscal e a Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética, 1998, p. 68; ÁVILA, Hum-
berto. Sistema Constitucional Tributário, p. 170; DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e
Meio Ambiente, p. 126; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 34; e
ROCHA, Sérgio André. “Existe um Princípio da Tipicidade no Direito Tributário?” Revista Dialética
de Direito Tributário 136: 73, 2007. Contra: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário,
Direito Penal e Tipo, p. 286, para quem as hipóteses de incidência tributárias se manifestam prefe-
rencialmente por conceitos abstratos.
69 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., pp. 407-408.
70 ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais, p. 63. No mesmo sentido: CORREIA, José
Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia..., p. 315.
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Ricardo Lodi Ribeiro
meio de tipos promove a sua abertura à realidade econômica por meio da sua inter-
pretação teleológica.71
A compatibilização da segurança jurídica com a estrutura tipificante vem
sendo reconhecida pela jurisprudência, aqui e alhures. A Corte Constitucional
Alemã vem aceitando a tipificação pelo legislador tributário, desde que respeitados
os princípios da proporcionalidade e da igualdade e os objetivos da praticidade e da
simplificação fiscal.72 Conforme esclarece Klaus Tipke, o Tribunal Constitucional
Alemão, em diversos julgados, estabeleceu que a exigência da tipicidade é satisfei-
ta quando o legislador encontra a determinação essencial sobre o tributo com sufi-
ciente exatidão, sendo desnecessário decidir sobre todas as questões. Noticia, ainda,
o autor alemão que jamais a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade de
uma norma tributária por indeterminação.73 Casalta Nabais, registrando a mesma
notícia jurisprudencial, ressalta que a utilização pelo Tribunal Constitucional
Alemão de conceitos indeterminados, como “suficientemente” e “certa medida”
para definir o conteúdo do princípio da determinação, acaba por fazer deste, nas
palavras de Papier, uma flor de retórica.74
Em nosso país, o Supremo Tribunal Federal vem, aos poucos, abandonando a
idéia da abstração conceitual baseada na tipicidade fechada. No Direito Penal, seara
onde a segurança jurídica ocupa uma posição de destaque, o STF já admitiu a tipi-
ficação aberta em relação ao crime de tortura, o que demonstra que o referido valor
não é arranhado pelo uso dos tipos.75
No campo tributário, a orientação de nossa Corte Suprema vem se modifican-
do em direção ao reconhecimento de uma maior abertura do tipo. Após a declara-
ção de inconstitucionalidade, da Taxa de Fiscalização Ambiental do IBAMA (TFA)
instituída pela Lei nº 9.969/00,76 dentre outros motivos por ter a lei deixado a cargo
da autoridade administrativa a definição de quais empresas seriam potencialmente
poluidoras, a Corte passou a admitir, no caso do SAT – Seguro de Acidentes do
Trabalho, instituído pelo art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, alterada pela Lei nº
9.528/97, que, de acordo com a previsão legal de alíquota variável de 1 a 3% sobre
a sua folha de salários, de acordo com o grau de risco que a sua atividade prepon-
derante gera à saúde de seus empregados, a definição pelo regulamento dos concei-
98
Temas de Direito Constitucional Tributário
77 STF, Pleno, RE 343.446-SC, Rel. Min. Carlos Veloso, transcrito no Informativo STF nº 302.
78 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 244. No mesmo sentido: RIBEIRO, Ricardo Lodi.
Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 32: “A própria segurança jurídica restaria arranhada se os
fatos geradores tributários fossem veiculados por estruturas conceituais, uma vez que os tipos, como
manifestações da realidade social e econômica, são bem mais concretos do que aquelas, sendo portanto
mais adequados a descrever o fato-signo manifestador de capacidade contributiva”. Contra: DERZI,
Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 286.
79 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, pp. 308-309: “às vezes, mesmo a segurança jurí-
dica – no sentido de uma segurança jurídica material – vê-se bloqueada, quando o sentido concreto de
uma norma jurídica não pode ser ‘retrorreferido’ ao texto da norma, em virtude dos conjuntos de fatos
da vida, dos quais o texto da norma depende (e.g. igualdade na aplicação do direito).”
80 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 171.
99
Ricardo Lodi Ribeiro
sendo eliminados por uma legislação tributária que cria mecanismos para superar
as práticas evasivas e elisivas. Por outro lado, tal linha de pensamento formalista
acaba por se impor como obstáculo à efetivação dos princípios materiais que tute-
lam os direitos dos contribuintes, como o princípio da não-surpresa, o princípio da
capacidade contributiva, e o princípio da igualdade.81 Sem falar que a complexida-
de da legislação tributária muitas vezes subordina o cálculo de deduções e benefí-
cios fiscais, a conceitos, como o de despesas necessárias, por exemplo, que não
podem ser fixados previamente pelo legislador, e cuja interpretação formalista
acaba por violar os direitos do contribuinte.
Nesse sentido, a abertura dos tipos, assim como dos conceitos indeterminados,
permite ao Direito Tributário o exame da proporcionalidade da adequação da lei
tributária aos fins a que ela se destina constitucionalmente,82 viabilizando o com-
bate aos abusos de direito e fraudes fiscais. Ademais, o uso dessa estrutura tipoló-
gica atende à generalidade tributária, a partir de uma definição legal baseada na
simplificação. Porém, deve-se advertir que, não se confundindo a justiça tributária
com os interesses da arrecadação, a legitimidade de tais normas simplificadoras
dependerá da proporcionalidade dessas medidas vista sob o ângulo do princípio da
capacidade contributiva. Pouco adianta uma definição legal que, abstratamente,
seja fiel à capacidade contributiva efetiva, mas que, no entanto, dada a complexi-
dade na apuração da base tributável, seja de difícil controle pela Administração. E
diante de tal dificuldade, muitos contribuintes poderão deixar de recolher seus tri-
butos, o que provocará uma injusta repartição das despesas públicas e uma violação
do princípio da isonomia no plano da realidade fática. A rigor, sendo o princípio da
capacidade contributiva uma decorrência do valor da igualdade, uma norma sim-
plificadora que daquele se afaste em alguns casos individuais, mas que venha a
garantir a prevalência da isonomia (que poderia ser violada pela facilidade no des-
cumprimento da legislação tributária pelos contribuintes, ou pelo alto custo para a
sociedade na adoção de medidas que impeçam esse descumprimento), não atenta
contra o referido princípio. É que, como ressalta Pedro Herrera Molina, o próprio
princípio da capacidade contributiva é violado se não há possibilidade de se esta-
belecer mecanismos de controle do cumprimento das obrigações tributárias pelos
contribuintes menos imbuídos do dever de contribuir para as despesas públicas ou
quando o alto custo desses controles é suportado por toda a sociedade. No entanto,
81 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 306. “Muitas restrições materiais do poder de
tributar, porém – e aqui se evidencia o déficit de uma teoria geral dos conceitos classificatórios –, não
podem ser derivados dos ‘elementos constantes dos conceitos das normas’ por meio da ‘subsunção’, pois
dependem da concretização dos direitos fundamentais e de uma aplicação direta de um conceito abstra-
to no Direito. A proibição de excesso, a proporcionalidade e a razoabilidade, por exemplo, são limita-
ções que, ‘em princípio’, não resultam dos ‘conceitos’ de norma de uma lei, embora ‘em princípio’ deves-
sem determinar o conteúdo da relação obrigacional tributária.”
82 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 128.
100
Temas de Direito Constitucional Tributário
83 HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Capacidad Económica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamien-
to español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998, pp. 161-162: “Ahora bien, la ine-
ficacia administrativa lleva consigo una aplicación deficiente del sistema fiscal, y ésta supone necesaria-
mente un reparto desigual de las cargas fiscales en beneficio de aquello menos honrados o con menos
posibilidades de defraudar. A sensu contrario, la eficacia del control administrativo constituye una con-
dición necesaria (no suficiente) del sistema tributario justo.”
84 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, pp. 425-427; HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Meto-
dología del Derecho Financiero y Tributario. México: Porrúa, 2004, p. 109: “pensamos que en los tribu-
tos distintos de los impuestos la verdadera garantía para el ciudadano no radica en la mención indivi-
dualizada del supuesto de hecho de cada pretación por la ley, sino en la existencia de unos criterios de
cuantificación lo más precisos posibles, aunque lo sean medidate conceptos jurídicos indeterminados”.
85 STC 106/2000, apud SÁNCHEZ, Juan Ignácio Gomar. In: HERRERA MOLINA, Pedro Manuel.
Comentarios de Jurisprudencia Tributaria Constitucional – Años 2000-2001, Madri: Instituto de Estu-
dios Fiscales, 2003, p. 79.
86 A tendência da transformação de fatos geradores jurídicos em fatos geradores econômicos se verificou
também no Brasil, a partir da EC nº 18/65, como na substituição do IVC, que incidia sobre as vendas e
consignações, dando origem ao ICM, sobre circulação de mercadorias, e do imposto do selo, que onera-
va os negócios jurídicos, dando lugar ao IOF, a tributar as operações financeiras.
101
Ricardo Lodi Ribeiro
ria técnica. Porém, é preciso deixar claro que o grau de abertura, seja nos impostos,
seja nos demais tributos, será sempre definido pela própria lei tributária.
O mesmo fenômeno ocorre com a tributação extrafiscal que, embora
subordinada ao princípio da legalidade nos mesmos termos do que a tributação
fiscal, se amolda freqüentemente a um tipo legal que deixa, em larga medida,
ao regulamento a definição de aspectos vinculados à realidade fática que pre-
tende regular.87 Mais uma vez, cumpre ter cautela para verificar que esta maior
abertura também vai depender de uma definição legal que atribua maior espa-
ço para valoração objetiva do aplicador, o que vai variar de acordo com a reali-
dade regulada.88
Porém, embora se reconheça que na sociedade de risco ocorre a passagem do
Estado dos Impostos para o Estado das Taxas (em que as despesas públicas tendem
a ser custeadas por tributos contraprestacionais, ficando os impostos para as despe-
sas gerais do Estado), vivemos numa época de transição onde os impostos, justifica-
dos pela capacidade contributiva, ainda possuem importância central,89 como ins-
trumento do Estado Social destinado à redistribuição de riquezas. Assim, também
na seara dos impostos, são aplicadas as idéias oriundas do pós-positivismo tributá-
rio, com a sua juridicidade iluminada pelos valores e princípios, a partir da utiliza-
ção de definições legais que se abram a eles.
Mas se o princípio da legalidade tributária admite a utilização de tipos na des-
crição das hipóteses de incidência dos tributos, exige por outro lado que a lei tome
determinadas decisões a respeito dos seus aspectos essenciais. É verdade que a inde-
terminação da linguagem, que caracteriza a estrutura tipológica, abre a tributação
aos valores materiais consagrados constitucionalmente, mas é preciso determinar
até que ponto pode ir a abertura da norma sem que seja comprometida a reserva
legal, para não se pecar no extremo oposto, de modo a deixar que a autoridade
administrativa escolha as situações econômicas que serão tributadas com base na
abstração oferecida pelos princípios da isonomia e da capacidade contributiva,
afora dos casos previstos em lei.
No momento em que o Direito Tributário se abre aos princípios materiais
previstos em nossa Constituição, é necessário prevenir a tendência, que foi verifi-
cada também no Direito Constitucional e no Direito Administrativo, de pretender
resolver tudo com base nos princípios, esquecendo da importância da correta e
87 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 337; MONCADA. Luís S. Cabral. Lei
e Regulamento. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 939; e entre nós: DOMINGUES, José Marcos.
Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 133.
88 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, pp. 143 e 145, onde o autor defende
que no Direito Tributário ambiental não há o princípio da determinação, pois dada a extrafiscalidade
envolvida na matéria, a indeterminação é a regra, e não a exceção.
89 TORRES, Ricardo Lobo. “A Fiscalidade dos Serviços Públicos no Estado da Sociedade de risco”. In: TÔR-
RES, Heleno Taveira. Serviços Públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 124.
102
Temas de Direito Constitucional Tributário
segura aplicação das regras.90 Por isso, é essencial definir os limites da atribuição
de poder decisório à Administração Fazendária, a fim de preservar as decisões
estabelecidas pelo pluralismo político, que fundamenta a reserva legal tributária
na sociedade de risco.
A resposta a essas questões, se não pode ser universalmente dada a priori,
dependerá do exame da natureza e do grau de densidade normativa da linguagem
utilizada pelo legislador, a que o estudo da doutrina dos conceitos indeterminados
presta um efetivo auxílio.91
Os conceitos indeterminados, gênero do qual os tipos fazem parte, se caracte-
rizam pela indeterminação ou imprecisão da linguagem no plano abstrato da
norma, estabelecendo comandos que serão definidos no momento da aplicação. Sua
utilização não contraria o princípio da determinação, corolário da legalidade, desde
que não resvale para a discricionariedade.
Esses conceitos, quando tomados em sentido estrito se diferenciam da discri-
cionariedade, pois, enquanto nos primeiros o legislador estabelece a solução a ser
adotada no caso concreto, que poderá ser identificada pelo aplicador por meio da
interpretação efetivada a partir de uma valoração objetiva, que se baseará nas idéias
sociais dominantes no tempo e no espaço considerados, nos últimos, o legislador
transfere a decisão sobre o justo ao aplicador, que poderá decidir a respeito da solu-
ção correta com base numa valoração subjetiva.
Nos dias atuais, o princípio da legalidade tributária aceita a utilização dos con-
ceitos indeterminados, capazes de enfrentar a imprevisibilidade e a ambivalência
90 Tal tendência é diagnosticada no Direito Constitucional com grande acuidade por Daniel Sarmento: “Se
quisermos levar a sério a democracia, o impacto negativo que uma ‘panconstitucionalização’ do Direito
pode exercer sobre ela tem de ser devidamente sopesado, Portanto, entendemos que a Constituição não
pode ser vista como fonte da resposta para todas as questões jurídicas. Uma teoria constitucional mini-
mamente comprometida com a democracia deve reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de
liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais a autonomia política do povo e a autonomia
privada da pessoa humana podem ser exercitadas” (SARMENTO, Daniel. “Ubiqüidade Constitucional:
Os Dois Lados da Moeda”. In: SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,
p. 196). E prossegue o brilhante constitucionalista carioca, comentando os efeitos colaterais da inade-
quada compreensão da função dos princípios no Direto Pátrio: “E a outra face da moeda é o lado do deci-
sionismo e do ‘oba-oba’. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibili-
dade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça –, passaram a negligenciar do
seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu
espaço muito maior para a decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politica-
mente correto, orgulhoso com os seus jargões grandioqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sem-
pre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdadeiras ‘vari-
nhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (“Ubiqüidade
Constitucional...”, p. 200 ). Embora a lição se dirija ao decisionismo dos juízes, também se aplica às auto-
ridades administrativas fazendárias, notadamente quando essas baseiam na capacidade contributiva a
autorização para a tributação não prevista em lei.
91 Para Karl Engisch, o uso dos conceitos indeterminados, das cláusulas gerais, da eqüidade e dos elemen-
tos normativos nas hipóteses, constitui importantes mecanismos de aplicação da práxis jurídica em sen-
tido tipificador (ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., p. 411).
103
Ricardo Lodi Ribeiro
da sociedade de risco, mas não admite a adoção pelo legislador dos conceitos dis-
cricionários, pois violadores do pluralismo político e social que lhe serve de funda-
mento no Estado Social e Democrático de Direito.
104
VI
Conceitos Indeterminados,
Discricionariedade e Tributação
Sumário: 1) O Direito e a Imprecisão Conceitual. 2) Conceitos Indeterminados e Discricio-
nariedade. 3) Reserva Legal Tributária e os Conceitos Indeterminados. 4) Os Limites à
Atribuição Normativa ao Regulamento Tributário.
1 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. Trad. Luis Villar Borda e Ana María Montoya. Bogotá:
Universidad Externato de Colombia, 1996, pp. 228-229.
2 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 241.
3 JHERING, Rudolf Von. Geist dês römischen Rechts III. 4. ed., 1888, S. 321, apud COING, Helmut.
Elementos Fundamentais de Filosofia do Direito. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Fabris,
2002, p. 343.
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Ricardo Lodi Ribeiro
4 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 246. Para Kaufmann, os conceitos utilizados pelo
Direito podem ser: a) Conceitos impróprios de Direito, que provém direto da realidade, dando-lhes,
porém, o Direito um significado normativo mais ou menos impregnado, que não deriva de seu signifi-
cado corrente, já que a ciência jurídica, que deve ordenar, determinar, valorar, deve fundamentar em
“deve ser”, confere-lhe um significado normativo; são também chamados de conceitos jurídicos empíri-
cos, pois embora não sejam livres de valores ou descritivos, provém da experiência. b) Conceitos jurídi-
cos próprios, autênticos, ou das categorias jurídicas não provém da realidade extrajurídica, empírica,
sendo os que necessariamente se dão melhor com o Direito (KAUFMANN, Arthur. Filosofía del
Derecho, pp. 193, 202-204).
5 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 244: “Quien considera La Seguridad Jurídica como un
asunto serio tiene que confrontarse con la contradicción entre lenguaje y cálculo; el cálculo lógico, entre
tanto, excluye al lenguaje. El lenguaje aplicado a la realidad – y así también el lenguaje legal – no apun-
ta a la univocidad.”
6 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 304-305: “Deve-se
constatar, no caso concreto, se a hipótese de incidência atende às determinações constitucionais de com-
petência e aos princípios substancialmente conexos (inclusive aos direitos fundamentais no seu aspecto
objetivo); qual a intensidade da influência e da estrutura material das leis e como a norma e o conjunto
de fatos estão estruturalmente ligados. Deve-se saber, sobretudo, se se trata de um caso normal ou de
uma exceção sob os princípios constitucionais substancialmente conexos, se as assim chamadas ‘corre-
ções de elementos marginais’ [Randkorrekturen] se fazem necessárias em conformidade com a conside-
ração do teor literal e da finalidade concreta das normas legais a serem aplicadas, ou quais circunstân-
cias do caso individual devem ser consideradas na aplicação do Direito.”
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Temas de Direito Constitucional Tributário
tração. A incerteza ou imprecisão dos conceitos pode derivar não só das indetermi-
nações lingüísticas dos seus enunciados, como da indeterminação dos fatos subja-
centes à norma.7
Como observa Sérvulo Correa, a abertura oferecida pelos tipos se dá em duplo
grau: no primeiro, pela adoção de conceitos indeterminados; em outro, pela faculdade
de o órgão administrativo aditar aos pressupostos legalmente anunciados outros de
sua escolha para, em face desse conjunto, optar por um certo sentido de decisão.8
Nessa segunda hipótese, estamos diante da discricionariedade. Mas se esta é incom-
patível com o princípio da determinação, que dá conteúdo material à legalidade tri-
butária e exige um certo grau de densidade normativa na hipótese de incidência, a
primeira hipótese é decorrência natural da utilização da linguagem tipológica, sem-
pre marcada pelo sentido plurissignificativo dos conceitos indeterminados. A incer-
teza ou imprecisão dos conceitos pode derivar não só das indeterminações lingüísti-
cas dos seus enunciados, como da indeterminação dos fatos subjacentes à norma.9
Nesse sentido, longe de representarem realidades distintas, os tipos e os concei-
tos indeterminados guardam a mesma natureza, constituindo os primeiros espécie do
gênero representado pela indeterminação conceitual,10 vez que esta pode, por vezes,
ser encontrada até mesmo nos conceitos abstratos, quando essa imprecisão gramatical
no plano abstrato da norma não for suficiente para afastar o caráter binário, advindo
da reunião artificial de notas constitutivas da estrutura conceitual abstrata revelada
pela subsunção, ou, ao contrário, quando o plano de fechamento pela estrutura con-
ceitual acaba por ser traído pela vagueza da linguagem.11 No entanto, é forçoso reco-
nhecer que a indeterminação se traduz quase sempre na conceituação tipológica. Por
isso, nos tipos tributários é tão comum o uso dos conceitos indeterminados.
Como vimos, o uso de tipos se caracteriza pela imprecisão conceitual, que não
se releva só pelo uso dos conceitos indeterminados em sentido estrito, mas também
7 MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética,
1999, p. 59.
8 CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 322.
9 MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública, p. 59.
10 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 258. No mesmo sentido, RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça,
Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 44.
11 Exemplo de conceito abstrato marcado pela indeterminação nos é dado pelo art. 3º do Código Tributário
Nacional, onde o legislador, objetivando conferir maior segurança jurídica ao contribuinte por meio da
subsunção, procurou fechar o conceito de tributo, a partir de uma artificial reunião de notas da realida-
de, o que, de certa forma, revelou-se infrutífero, dada a indeterminação das palavras por ele utilizadas,
levando a intermináveis discussões jurisprudenciais a respeito da natureza tributária de inúmeras exações.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
ciário. De todo modo, nos parece que, independentemente da maior ou menor atuação judicial, cuja
eventual impropriedade se deve muito mais à incorreta compreensão da distinção do que à sua existên-
cia, é forçoso reconhecer que há elementos de diferenciação entre os dois institutos que guardam muita
importância prática, como se revelará ao longo do texto, especialmente quando se procura delinear o
espaço que o legislador pode deixar à complementação da autoridade administrativa, num ambiente
subordinado à reserva absoluta de lei.
17 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4. ed. Anotada e atualizada por
Geraldo Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 118.
18 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo.
Vol. I. 10. ed. Madrid: Civitas, 2000, p. 457: “La Ley utiliza conceptos de experiencia (incapacidad para el
ejercicio de sus funciones, premeditación, fuerza irresistible) o de valor (buena fe, estándar de conducta
del buen padre de familia, justo precio), porque las realidades referidas no admiten otro tipo de determi-
nación más precisa. Pero al estar refiéndos a suspuestos concretos y no a vaguedades imprecisas o contra-
dictorias, es claro que la aplicación de tales conceptos o la calificación de circusntancias concretas no
admite más que una solución: o se da o no se da el concepto; o hay buena fe o no la hay; o el precio es
justo o no lo es; o se ha faltado a la probidad o no se ha faltado. Tertium no datatur. Esto es lo esencial
del concepto jurídico indeterminado: la indeterminación del enunciado no se traduce en una indetermi-
nación de las aplicaciones del miesmo, las cuales sólo permiten una ‘unidad de solución justa’ en cada
caso, a la que se llega mediante una atividad de cognición, objetivable por tanto, y no de volición.”
19 MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública, p. 59.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
las, evoluiu de uma postura que reconhecia sua possibilidade quase total nos pri-
meiros e a negava aos últimos – o que acabou por levar ao artificial agigantamento
do Poder Judiciário a substituir as valorações administrativas, e ao escasso reconhe-
cimento das competências discricionárias38 –, para um modelo que, ao admitir o
controle tanto num quanto noutro, reabre o espaço para as valorações discricioná-
rias do Poder Executivo.
Todavia, não se pode negar a maior amplitude do controle judicial nos con-
ceitos indeterminados, vez que a sua utilização deriva de uma aplicação de uma
categoria legal, configurada com a intenção de acostar pressupostos concretos, a
despeito da imprecisão de limites, resultando em uma única solução justa, cuja
identificação pelo aplicador, pode ser controlada pelo juiz.39
Para García de Enterría, o controle jurisdicional é ilimitado na apreciação dos
conceitos advindos da experiência; enquanto nos conceitos de valor, técnico ou
político, há, dentro do halo conceitual, uma presunção relativa a favor da
Administração, podendo o juiz usar a prova pericial para fiscalizar a aplicação do
conceito indeterminado pela Administração quando os limites da margem de apre-
ciação forem ultrapassados. A presunção é juris tantum e será ilidida se, pelas pro-
vas apresentadas, o juiz verificar que o uso de potestade não foi razoável.40
A intensidade do controle jurisdicional será menor diante de uma matéria de
alta complexidade técnica, ou onde a legitimação democrática do Poder Executivo
deve preponderar, sobretudo quando a decisão tem a participação dos administra-
dos; será intenso quanto maior for o grau de restrição sobre os direitos fundamen-
tais, especialmente diante de ponderações desproporcionais, desde que respeitado
o espaço de conformação atribuído ao administrador pela diretriz normativa.41
Cumpre destacar que o preenchimento dos conceitos técnicos não se baseia
numa discricionariedade, pois não há espaço para várias soluções possíveis, nem
implica ponderação de interesses, vez que estão amarrados aos critérios objetivos
decorrentes da aplicação de tais normas extrajurídicas.42 Assim, o controle jurisdi-
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cional dos aspectos técnicos tem ainda a função de preservação democrática da uti-
lização deste, a fim de que não se transforme num pretexto para, a partir da prote-
ção por uma redoma tecnocrática, esconder o esvaziamento da vontade da maioria
em favor de uma relação paternalista de clientela com o cidadão.43 Essa tendência
tecnocrática muitas vezes é viabilizada pela pluralidade conflitiva de definições
sobre os riscos civilizatórios e sua quase infinita possibilidade de interpretações
individuais,44 o que quase sempre se associada aos interesses dos grupos de pressão
com maior poder econômico, legitimados pela burocratização sevada no autorita-
rismo científico. Contudo, em casos altamente duvidosos, a prerrogativa de avalia-
ção caberá à Administração Pública, que “está mais perto dos problemas e, de regra,
está mais aparelhada para resolvê-los”.45
Deste modo, embora tanto o conceito indeterminado quanto o conceito dis-
cricionário sejam submetidos ao controle jurisdicional, no último ele restringe-se
aos aspectos formais e externos, bem como aos seus pressupostos de validade, mas
não entra no juízo de conveniência e oportunidade da Administração, senão pela
via da proporcionalidade. No primeiro, ao revés, o controle é total, só esbarrando
na dificuldade fática quanto à cognição a respeito da correção da decisão, onde a
presunção milita a favor da decisão administrativa.46
Essa presunção a favor da Administração, nos casos de grande controvérsia
técnica, se baseia na carência de parâmetros suficientes que permitam aos juízes
proferirem, em estritos termos jurídicos, uma decisão de qualidade material pelo
menos igual à decisão administrativa que pretende corrigir, a fim de evitar a tute-
la da administração por tribunais que querem saber tudo melhor, o que ao invés de
43 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 40.
44 BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo – Hacia una nueva modernidad. Trad. Jorge Navarro, Daniel
Jiménez e María Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 1998, p. 37. PARDO, José Esteve. Técnica, Riesgo y
Derecho – Tratamiento del Riesgo Tecnológico en el Derecho Ambiental. Barcelona: Ariel, 1999, p. 26:
“el problema que a los tribunales se les plantea con mayor frecuencia, es el de la ausencia e indefinición
de norma jurídica o el de remisión, a través de la cláusula técnica, a los criterios y reglas de la técnica y
sus expertos. La certeza puede darse ahora no por desconocimiento comúnmente admitido, sino por la
presencia de criterios que no son unánimemente aceptados, con lo que cabe que se mantengan opinio-
nes del todo contrapuestas en los foros científicos y de la técnica.”
45 SILVA, Almiro do Couto e. “Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro”, p. 59; No
mesmo sentido: KRELL, Andréas, J. Discricionariedade Administrativa..., p. 38.
46 SILVA, Almiro do Couto e. “Poder Discricionário no Direito Administrativo Brasileiro”, pp. 59-60, onde
o autor ilustra com exemplos a distinção: “Ilustremos isso com dois exemplos. O ato do Governador do
Estado que nomeia juiz para o Tribunal de Alçada, escolhendo-o de lista tríplice que lhe foi apresenta-
da pelo Tribunal (CF, art, 94, parágrafo único), é típico exercício de poder discricionário. Não cabe ao
Judiciário dizer que atenderia melhor ao interesse público a nomeação de A ou B, que seriam mais capa-
citados para a função do que C, que foi nomeado. Competirá, porém, ao Judiciário examinar inteiramen-
te o ato administrativo que proibiu a venda de certo agrotóxico, por considerá-lo prejudicial à saúde
pública, só restringindo sua apreciação caso venha o próprio julgador a verificar que, a propósito da
nocividade do produto, há várias opiniões técnicas divergentes, não podendo ele dizer qual seria a mais
acertada.”
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Temas de Direito Constitucional Tributário
elevar o grau de segurança jurídica, o diminui. Num rol cada vez mais extenso de
matérias, existe uma maior e melhor preparação técnica do órgão administrativo
competente para realizar complexos juízos de caráter técnico.47
Porém, apenas o juiz, diante das circunstâncias fáticas do caso concreto, e da
viabilidade dele as conhecer profundamente, poderá decidir sobre a possibilidade
de controlar a correção da solução dada pela Administração.48
Na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, desde o fim da década
de 1980, o controle jurisdicional de decisões técnicas é maior conforme a afetação
dos direitos fundamentais, chegando o tribunal, com a ajuda de peritos, a modifi-
car gabarito de prova acadêmica.49 Para a jurisprudência administrativa portugue-
sa só há controle parcial dos atos administrativos que envolvam discricionariedade
técnica.50 Na jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Federal, já se encontra a
possibilidade de aferição dos juízos de certeza positiva e negativa que entremeiam
a zona de penumbra dos conceitos indeterminados, e a sua impossibilidade quanto
ao halo conceitual a cargo da administração, como se deu na apreciação do requi-
sito de notório saber jurídico para nomeação de conselheiro para o Tribunal de
Contas Estadual.51
Ao lado dos conceitos indeterminados, a lei utiliza ainda, como técnica des-
vinculadora, as chamadas cláusulas gerais, assim entendidas como formulações da
hipótese legal que, em função de sua grande generalidade, abrange todo um domí-
nio de casos subordinados a seu tratamento jurídico. São conceitos plurissignifica-
tivos que se contrapõem a uma elaboração casuística das espécies legais. A sua uti-
lização pelo legislador não significa uma opção por conceitos abstratos, discricio-
nários ou indeterminados, uma vez que não possuem qualquer estrutura própria,
embora quase sempre resultem em um conceito indeterminado. As cláusulas gerais,
ao deixar ao critério do aplicador as notas normativas da hipótese legal carecedo-
ras de valoração, estão em condições de acomodarem-se à situação individual con-
creta, mas pelo fato de serem indeterminadas, precisam ser concretizadas.52
Se a questão da distinção entre os conceitos indeterminados e os conceitos dis-
cricionários talvez não apresente mais tanta importância no Direito Adminis-
trativo, em razão da amplitude de atribuição de poder admitida pelo princípio da
115
Ricardo Lodi Ribeiro
legalidade contido no art. 5º, II, da CF, a ponto de vários autores, como se viu,
negarem a diferença no plano conceitual, o tema é de capital relevância para o
Direito Tributário, submetido aos ditames da legalidade mais rigorosa do art. 150,
I, da CF. Como se verificara a seguir, é exatamente na distinção entre conceitos
indeterminados e discricionariedade que reside a maior proteção aos direitos do
cidadão que o princípio da reserva legal absoluta oferece.
116
Temas de Direito Constitucional Tributário
deva ser definido com precisão e abundância quanto ao seu objeto, esta meta é sufi-
cientemente atingida pelos conceitos indeterminados e as cláusulas gerais.56 Para
Tipke: “À cláusula geral e aos conceitos indeterminados não se pode renunciar
totalmente.”57
Diante do sistema constitucional espanhol, que também consagra o princípio
da legalidade tributária como princípio da reserva legal,58 Perez Royo admite a uti-
lização de conceitos indeterminados, desde que sejam definidos pela lei os limites
e critérios da fixação tributária.59 Marta Villar Ezcurra os admite, desde que deter-
mináveis.60
Em Portugal, onde também a Constituição adota o princípio da reserva legal
para a instituição de tributos, José Casalta Nabais 61 defende a utilização dos con-
ceitos indeterminados a partir da ponderação do princípio da legalidade e do seu
corolário, o princípio da determinação, com o princípio da praticidade.62
No Uruguai, Valdés Costa63 – mesmo em face de sistema constitucional que
legalidade tributária se confunde com reserva legal mais absoluta, não admitindo
qualquer poder normativo originário ou delegado ao Poder Executivo – sustenta a
possibilidade de a lei tributária utilizar-se de conceitos indeterminados.
No Brasil, Amílcar de Araújo Falcão,64 Ricardo Lobo Torres,65 Marco Aurélio
Greco66 e José Marcos Domingues de Oliveira,67 entre outros, admitem a utiliza-
ção dos conceitos indeterminados pela norma de incidência.
56 KRUSE, Heinrich. Wilhelm. Derecho Tributario – Parte General. Trad. p. Yebra. Madrid: Edersa, 1978,
p. 97.
57 TIPKE, Klaus. Die Steurrechtsordnung. 2. ed. Köln: O. Smchmidt, 2000, p. 143, apud TORRES, Ricardo
Lobo. Tratado..., v. II, p. 485.
58 Art. 133.1 da Constituição de 1978.
59 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 46.
60 VILLAR EZCURRA, Marta. Las Disposiciones Aclaratorias en la Práctica Jurídica – Análisis crítico de
su aplicación en el Derecho Público Español y Comunitario. Barcelona: Cedecs, 1996, p. 33.
61 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 373.
62 A aplicabilidade do princípio da praticidade no Direito Tributário transcende, hoje, às suas origens eco-
nomicistas moldadas pelos cameralistas, de buscar uma maior produtividade com o menor custo. Ganha
modernamente o princípio uma dimensão axiológica que se prende ao princípio da isonomia e ao valor
da justiça, na medida em que o legislador tributário, ciente de que não é onipotente, busca a simplifica-
ção, por meio da adoção de conceitos mais abertos, capazes de captar toda a manifestação de riqueza por
ele considerada relevante, desprezando descrições pormenorizadas do fato gerador que se mostram pas-
síveis de ser facilmente elididas, ou cuja fiscalização, por demais complexa e cara, geraria um custo insu-
portável para a sociedade (NABAIS, Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 378).
63 COSTA, Valdés. Instituciones de Derecho Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 144.
64 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 112.
65 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,
p. 98.
66 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e a Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética,
1998, p. 70.
67 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 129.
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Ricardo Lodi Ribeiro
118
Temas de Direito Constitucional Tributário
75 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 113: “O conceito indetermina-
do não enseja uma opção ou liberdade de escolha entre várias soluções ou atividades possíveis. Pelo con-
trário, ao estabelecê-lo, quer o legislador que uma única solução seja adotada, a que resulta do comando
legal traduzido pelo conceito indeterminado: o problema no caso, para a concreta determinação do con-
ceito, é apenas, como acentuam os autores, de interpretação.” No mesmo sentido: DOMINGUES, José
Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 147.
76 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, pp. 236-237; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça,
Interpretação e Elisão Tributária, pp. 42-43.
77 Sobre tema, vide: CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. O Congresso Nacional e as Delegações Legislativas.
Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 94. Segundo o autor, a delegação consiste na “transferência da função
legislativa atribuída originária e constitucionalmente ao Poder Legislativo a órgãos ou agentes especia-
lizados do próprio Legislativo, ou integrantes dos demais Poderes do Estado”.
78 STF, Pleno, RE 343.446-SC, Rel. Min. Carlos Veloso, transcrito no Informativo STF nº 302: EMENTA:
– CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO –
SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92,
2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I. I. – Contribuição para o cus-
teio do Seguro de Acidente do Trabalho – SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alega-
ção no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improce-
dência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I.
Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. – O art. 3º, II, da
Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89
cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. – As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II,
definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O
fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e
“grau de risco leve, médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º,
II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. – Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a ques-
tão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitu-
cional. V. – Recurso extraordinário não conhecido”.
119
Ricardo Lodi Ribeiro
79 Vale transcrever trecho do voto do relator, Min. Carlos Velloso: “Finalmente, esclareça-se que as leis em
apreço definem, bem registrou a Ministra Ellen Gracie, no voto, em que se embasa o acórdão, ‘satisfato-
riamente todos os elementos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária válida’. O fato de a lei dei-
xar para o regulamento a complementação dos conceitos de ‘atividade preponderante’ e ‘grau de risco
leve, médio ou grave’, não implica ofensa ao princípio da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. Na ver-
dade, tanto a base de cálculo, que Geraldo Ataliba denomina de base imponível, quanto ‘outro critério
quantitativo que – combinado com a base imponível – permita a fixação do débito tributário, decorren-
te de cada fato imponível’, devem ser estabelecidos pela lei. Esse critério quantitativo é a alíquota.
(Geraldo Ataliba, “Hipótese de Incidência Tributária”, 3ª ed., pp. 106/107). Em certos casos, entretanto,
a aplicação da lei, no caso concreto, exige a aferição de dados e elementos. Nesses casos, a lei, fixando
parâmetros e padrões, comete ao regulamento essa aferição. Não há falar, em casos assim, em delegação
pura, que é ofensiva ao princípio da legalidade genérica (C.F., art. 5º, II) e da legalidade tributária (C.F.,
art. 150, I). No julgamento do RE 290.079/SC, decidimos questão semelhante. Lá, a norma primária, D.L.
1.422/75, art. 1º, § 2º, estabeleceu que a alíquota seria fixada pelo Poder Executivo, observados os parâ-
metros e padrões postos na norma primária.” (Transcrito no Informativo STF nº 302).
80 Sobre a fixação de alíquotas pelo Poder Executivo, a partir da definição legal: Em posição semelhante:
UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco Aurélio Greco.
2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 46, nota 90: “Na verdade, a alíquota normalmente é fixada pela lei,
mas por vezes resulta de fontes diferentes; isto é considerado legítimo, mas sempre sob condição de que
a lei indique critérios idôneos para limitar a discricionariedade do legislador.”
81 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., p. 767.
120
Temas de Direito Constitucional Tributário
82 Nesse sentido: MAYER, Otto. Deutsches Verwaltungsrecht, I, 3. ed, 1924, p. 316, apud: NABAIS, José
Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 352: “ o imposto como intervenção carece eviden-
temente de fundamento legal. Além disso (...) deve ser disciplinado juridicamente sem a concessão de
qualquer discricionariedade”; FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária, p.
112, onde o autor admite, como no texto, a adoção de conceitos indeterminados pela lei tributária, mas
não a discricionariedade. No mesmo sentido, afirmando que a atribuição legal ao Poder Executivo não
se confunde com discricionariedade: GONZÁLEZ, Eusébio e LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributario I.
2. ed. Salamanca: Plaza Universitaria, 2000, pp. 45-46. Contra, admitindo a discricionariedade: HENSEL,
Albert. Derecho Tributario. Trad. Andrés Báez Moreno, María Luisa González-Cuéllar Serrano e
Enrique Ortiz Calle. Barcelona: Marcial Pons, 2005, p. 143; NABAIS, José Casalta. O Dever Funda-
mental de Pagar Impostos, pp. 357 e 378; MONCADA. Luís S. Cabral. Lei e Regulamento. Coimbra:
Coimbra Editora, 2002, p. 936. Entre nós: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 494.
83 ALTAMIRANO, Alejandro. “Legalidad y Discrecionalidad”. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Tratado de
Direito Constitucional Tributário – Estudos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 167: “El principio de reserva de ley, como derivación del principio de legalidad, conl-
leva la necessidad de reglar todos los elementos esenciales del tributo, vedando a la administración que
integre el hecho imponible con supuestos datros derivados de razones de oportunidad, mérito o conve-
niencia por tanto en dicho ámbito no tiene acogimiento la discrionalidad, es decir, existe un someti-
miento pleno a la ley. Este es uno de los límites más adecuados para establecer.”
121
Ricardo Lodi Ribeiro
Isso não significa que essa definição legal não deixe margem para uma valora-
ção por ocasião da concreção da norma, mas que esta se dará a partir de uma deci-
são suficientemente clara do legislador, capaz de dar uma única opção ao aplicador,
que, por meio de um juízo objetivo irá identificar a solução preconizada pela lei
para aquele caso concreto. Deste modo, não cabe ao Fisco decidir quem paga ou
quem tem direito ao benefício fiscal; ou quanto cada um paga; ou se o pagamento
é à vista ou parcelado; ou ainda se a dedução legal deve ou não ser aplicada. Pode
quando muito chegar a essas conclusões a partir da interpretação dos conceitos
indeterminados adotados pelas normas tributárias e dos dados empíricos oferecidos
pela realidade fática.
Quanto ao uso da analogia84 pelo aplicador da norma tributária, é dominante
a doutrina, aqui e alhures, que enxerga no princípio da legalidade tributária e no
valor da segurança jurídica óbices instransponíveis ao seu uso gravoso, ou seja, na
aplicação da lei de incidência a uma situação não inserida dentro do seu sentido
literal possível.85
No entanto, na Alemanha, desde o início da década de 1980, a doutrina, ainda
que de forma não unissonante, tem admitido o uso da analogia gravosa, reconhe-
cendo as dificuldades de se promover a sua distinção em relação à interpretação
extensiva. Admitindo-a como método de integração da lei de incidência, Tipke
afirma que o recurso à analogia decorre dos princípios da igualdade e da capacida-
de contributiva e nega que seu uso contrarie o princípio da legalidade, porque “efe-
tiva a vontade do legislador manipulada de maneira imperfeita e com lacunas no
texto da lei”. No entanto, o Catedrático Emérito de Colônia adverte que, em nome
da segurança jurídica, a analogia só é lícita quando a lacuna e o princípio suscetí-
84 Para Norberto Bobbio, a analogia é “o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamen-
tado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante” (BOBBIO, Norberto. Teoria do
Ordenamento Jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1999,
p. 151).
85 Por todos: FERRERO LAPATZA. “La Interpretación en el Derecho Financiero Especial Referencia al
Derecho Tributario”. Revista de Direito Tributário 51: 7-20, p. 9; BEISSE, Heinrich. “O Critério
Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência Alemã”. In:
Brandão Machado (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo:
Saraiva, 1984, p. 24. Entre nós: FALCÃO, Amílcar. Introdução ao Direito Tributário. 6. ed. Atualizada
por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 84; e GRECO, Marco Aurélio. Planeja-
mento Fiscal e a Interpretação da Lei Tributária, p. 69. Contra, aceitando a analogia gravosa: BECKER,
Enno. Reichsabgabenordnung, pp. 54 e segs., apud: VANONI, Ezio. Natureza e Interpretação das Leis
Tributárias. Trad. Rubens Gomes de Sousa. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1952, p. 206; NABAIS,
José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 385; e VANONI, Ezio. Natureza e
Interpretação das Leis Tributárias, p. 329. Em termos, aceitando a integração analógica desde que pre-
vista em lei e promovida pelo regulamento: BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributario. Milano:
Dott. A. Giuffrè, 1952, pp. 88-91; COSTA, Valdés. Instituciones de Derecho Tributario, p. 137.
Aceitando a analogia gravosa como resultado da ponderação entre a segurança jurídica e a igualdade:
HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Metodología del Derecho Financiero y Tributario. México:
Porrúa, 2004, pp. 43-44.
122
Temas de Direito Constitucional Tributário
vel de aplicação analógica possam ser reconhecidos com segurança, pois, caso con-
trário, deve-se decidir contra o fisco.86 Outros autores admitem-na, em caráter
excepcional, como forma de combate à elisão abusiva.87
Como se vê, a vedação da analogia gravosa, que era dogma há algum tempo,
começa a ser questionada pela doutrina moderna, não havendo mais consenso
entre os autores. No entanto, a despeito da controvérsia, duas conclusões se reve-
lam claras. A primeira é a de que, sendo resultado da prevalência da igualdade
sobre a segurança jurídica, o que muitas vezes leva à ilegalidade, não deve ser uti-
lizada senão em casos excepcionais. A segunda conclusão é a de que, ainda que se
considere não haver vedação constitucional ao uso da analogia gravosa no Direito
Tributário, não há óbice a que a legislação infraconstitucional, num juízo de pon-
deração que privilegia o valor da segurança jurídica sobre o da justiça, estabeleça-
a expressamente. Essa última conclusão resta fortalecida pelas lições de Larenz,88
que ressalvam as regras proibitivas do uso da analogia da ineficácia das regras inter-
pretativas por ele sustentada. De acordo com Canaris,89 tais vedações, baseadas na
segurança jurídica, representam um limite válido à eliminação das contradições
valorativas. É de se observar que os próprios defensores da analogia gravosa no
Direito Tributário e da sua compatibilidade com o princípio da legalidade, como
Tipke90 e Vanoni,91 admitem a possibilidade de sua vedação pela lei de cada país.
Nesse sentido, não há obstáculo constitucional ou metodológico para que
nosso Código Tributário Nacional vede o uso da analogia, não só para a regra de
incidência – o que é por ele efetivado no § 1º do art. 108 –, como também para a
regra de isenção, tarefa levada a cabo pelo art. 111, II. No entanto, enquanto no pri-
meiro caso a vedação se dá exclusivamente com base no dispositivo do CTN, não
derivando da Constituição ou da natureza das coisas, no segundo, a proibição da
integração analógica é uma decorrência metodológica. Afinal, sendo a regra de
isenção uma exceção à norma de incidência, a não-ocorrência da situação configu-
rada na primeira não revelará uma lacuna. É que a não-inclusão da situação jurídi-
ca em exame no campo normativo na lei de isenção manterá sua base fática inseri-
da na esfera legal da hipótese de incidência.
Contudo, a despeito da impossibilidade dogmática da utilização da analogia
nas leis de incidência e de isenção, é forçoso reconhecer a dificuldade prática de
86 TIPKE, Klaus. “Limites da Integração em Direito Tributário”. In: NOGUEIRA, Ruy Barbosa (org.).
Direito Tributário Atual – Vol. 3. São Paulo Resenha Tributária, pp. 521-522.
87 ROSEMBUJ, Tulio. El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario.
2. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 114; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 568.
88 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 455.
89 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 2. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 212.
90 TIPKE, Klaus. “Limites da Integração em Direito Tributário”, p. 556.
91 VANONI, Ezio. Natureza e Interpretação das Leis Tributárias, p. 336.
123
Ricardo Lodi Ribeiro
124
Temas de Direito Constitucional Tributário
125
Ricardo Lodi Ribeiro
Por outro lado, cumpre notar que os aspectos técnicos são geralmente mais
bem atendidos pelo regulamento do que pela norma legislativa,106 seja em virtude
de seu maior aparelhamento burocrático, seja por meio da especificidade técnica de
seus órgãos e funcionários, ou ainda pela sua maior proximidade da realidade fáti-
ca. No entanto, para haver aplicação da norma técnica, é essencial que a lei faça
remissão a ela, numa renúncia implícita da normatividade, face à impossibilidade
de cognição daquela realidade. Em conseqüência, se as autoridades administrativas
desrespeitam o conteúdo dessas normas – que devem levar a decisões unívocas
como desdobramento de estudos técnico-científicos –, acabam por violar a própria
lei que lhes emprestou essa força normativa. É que o conteúdo da legalidade com-
preende um processo de juridificação da realidade técnica, que passa a assumir um
efeito vinculativo da atuação administrativa.107
A adequação da norma técnica aos pressupostos fáticos de incidência pelo
regulamento muitas vezes acaba por determinar o montante tributado, sem que
reste violada a legalidade, desde que os critérios para a quantificação sejam esta-
belecidos por lei, como foi admitido pelo STF no citado caso do SAT. Na mesma
linha, decidiu o Tribunal Constitucional Espanhol, também admitindo a quanti-
ficação da norma técnica pelo regulamento, desde que a lei precise um conteúdo
necessário.108
No entanto, cumpre destacar que, com o aumento da incerteza característica
da sociedade de risco, as normas que se vinculavam a explicações causais ofereci-
das pelo passado se mostram inócuas para enfrentar os novos e inesperados desa-
fios.109 Nesse contexto, a generalidade e a abstração da norma, ainda que regula-
106 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 340; UCKMAR, Victor. Princípios
Comuns..., p. 39; HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Metodología del Derecho Financiero y Tribu-
tario, p. 223; GONZÁLEZ, Eusébio e LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributario I, p. 47: “Los parlamentos
marcan las grandes directrices políticas, pero las leyes las hacen los técnicos; el poder legislativo, a modo
de coro griego, sierve sólo de contrapunto. Su papel se limita a decir ‘sí’ o ‘no’, cuando se trata de dictar
disposiciones legislativas. De lo anterior se deprende que los parlamentos conservan sus facultades den-
tro del ámbito de ‘lo político’, pero frente al elemento técnico corren el riesgo de perder toda posibili-
dad de control si no crean dentro de su seno las oportunas comisiones permanentes, que les libren de
caer en las manos de la alta burocracia, fugitiva no sólo del Parlamento, sino también del Gobierno.”
Entre nós: FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário, p. 50; DOMINGUES, José
Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 135; e ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional
Tributário, p. 167.
107 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública..., pp. 763-764, 766 e 1083.
108 STC 6/1983, apud CALVO ORTEGA, R. Curso de Derecho Financiero I – Derecho Tributario (Parte
General). 4. ed. Madrid: Civitas, 2000, pp. 95-96.
109 GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.
19: “Se as normas jurídicas clássicas podiam dirigir a aplicação do direito no modo de um programa con-
dicional, que ligava conseqüências jurídicas precisas e definidas à existência de pressupostos bem deter-
minados de fatos, as normas jurídicas de caráter novo devem se limitar a prescrever às instâncias aplica-
doras do direito, no modo de um programa final, o objetivo de sua atividade e citar vários aspectos que
devem ser considerados na perseguição do objetivo. Normas dessa espécie dirigem a aplicação do direi-
to em proporções muito menores do que os tradicionais programas condicionais. Examinando-se mais
126
Temas de Direito Constitucional Tributário
mentar, não são mais capazes de apreender todos os dados empíricos extraídos do
âmbito da norma, o que, não raras vezes, obriga o legislador a abrir espaço à tipifi-
cação casuística pelo aplicador.110 É o que ocorre, por exemplo, com o conceito de
despesas necessárias, utilizado pela legislação do imposto de renda para autorizar a
dedução dessas no lucro líquido para a apuração do lucro real tributável. Tanto o
art. 47, § 1º, da Lei nº 4.506/64, quanto o art. 299, § 1º, do Regulamento do IR,
embora estabeleçam que podem ser deduzidas as despesas que sejam usuais ou nor-
mais, de acordo com a atividade da empresa, não elencam quais seriam estas. E nem
poderiam fazê-lo, diante da variedade de atividades econômicas, financiadas pelas
mais diversas formas. Nesse exemplo, a tipificação no caso concreto é a única hipó-
tese capaz de não violar a realidade econômica e impedir que a lei ordinária tribu-
tasse algo que não se coaduna com o conceito constitucional de renda. E assim
ocorre na maioria dos casos. Como se vê, a tipificação casuística, longe de afastar a
segurança jurídica, muitas vezes é a sua única garantia.
de perto, resta, muitas vezes, apenas um aparente direcionamento por parte da lei, que exige dos desti-
natários da norma que ajam em direção ao objetivo, mas que coloca a seu critério a decisão sobre o tipo
de ação. Assim, o critério de ação ainda não está traçado na norma, mas é produzido pelo destinatário
da norma em sua execução, mediante constante adaptação a situações diversas.”
110 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 509.
127
VII
A Função da Lei Complementar Tributária
1 CRUZ, Diniz Ferreira da. Lei Complementar em Matéria Tributária. São Paulo: José Bushatsky, 1978, p. 90.
2 “Article 46: Les lois auxquelles la Constitution confère le caractère de lois organiques sont votées et
modifiées dans les conditions suivantes. Le projet ou la proposition n’est soumis à la délibération et au
vote de la première assemblée saisie qu’à l’expiration d’un délai de quinze jours après son dépôt. La pro-
cédure de l’article 45 est applicable. Toutefois, faute d’accord entre les deux assemblées, le texte ne peut
être adopté par l’Assemblée Nationale en dernière lecture qu’à la majorité absolue de ses membres. Les
lois organiques relatives au Sénat doivent être votées dans les mêmes termes par les deux assemblées.
Les lois organiques ne peuvent être promulguées qu’après la déclaration par le Conseil Constitutionnel
de leur conformité à la Constitution.”
3 Na Espanha, a Constituição de 1978, no seu artigo 81, previu que a lei orgânica, aprovada por maioria
absoluta, é reservada ao desenvolvimento dos direitos fundamentais e liberdades públicas, o regime elei-
toral geral, as aprovadas pelos Estatutos das Regiões Autônomas e outras previstas constitucionalmente.
4 O pano de fundo de tal previsão é a crise provocada pela renúncia do Presidente Jânio Quadros e pelo
veto dos ministros militares à posse do Vice-Presidente João Goulart, que se encontrava em visita ofi-
cial à República Popular da China. Para solucionar o impasse militar-institucional, o Congresso Nacional
aprovou, às pressas, emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista de governo. A propos-
ta, acordada entre lideranças civis e militares no dia 31/08/61, foi apresentada ao Congresso Nacional na
madrugada do dia 02/09/61, e no mesmo dia aprovada pelas duas casas, sendo promulgada no dia
03/09/61 (MARKUN, Paulo e HAMILTON, Duda. 1961 – Que As Armas Não Falem. 2. ed. São Paulo:
Senac, 2001, pp. 271-273). A urgência na elaboração e aprovação do texto justificou a delegação quanto
ao detalhamento da definição a uma lei que complementaria a emenda. Já a importância da matéria
explica o quórum de maioria absoluta.
5 Eram reservados à lei complementar na EC nº 18/65: a disciplina dos requisitos para a imunidade das
entidades de assistência social e de educação (art. 2º, IV, c); a instituição de empréstimo compulsório
129
Ricardo Lodi Ribeiro
quorum qualificado para a norma, uma vez que a EC nº 4/61 foi revogada pela EC nº
6/63, que restaurou o regime presidencialista, vitorioso em plebiscito.
Somente com a Constituição de 1967, no auge da preocupação centralizadora
da União em restringir, em nome da segurança nacional, a autonomia de Estados e
Municípios, a sua disciplina é institucionalizada com a exigência do quórum de
maioria absoluta (art. 53) e a previsão das matérias que seriam reservadas à lei com-
plementar. Assim, com a idéia de lei nacional,6 que interagiria com as três esferas
da Federação, preservava-se um arremedo desta, atendendo aos anseios de poder
total da elite militar.
Como se vê, a exigência da lei complementar, no contexto em que foi intro-
duzida no nosso ordenamento constitucional, longe de ter como escopo a garantia
dos direitos fundamentais, serviu de instrumento para satisfazer a ideologia da
segurança nacional e transformar a nossa Federação num modelo orgânico, com a
predominância da figura da União sobre os Estados e Municípios.7
Porém, com a promulgação da Constituição de 1988, a lei complementar
ganha um novo fundamento, que a reconcilia com sua inspiração francesa, no sen-
tido de estabelecer normas que são dotadas de importância suficiente para não fica-
rem subordinadas aos caprichos das apertadas maiorias parlamentares, mas não
possuem a dignidade, nem tampouco a aspiração à definitividade, do texto consti-
tucional.8 No entanto, o campo material reservado à lei complementar acabou, ao
menos em parte, sendo herdado do regime constitucional autoritário.
Deste modo, o constituinte de 1988, a exemplo dos anteriores, não estabeleceu
uma categoria de normas a serem, a priori, reservadas à lei complementar, mas ado-
tou um critério casuístico. Deste modo, somente são reservadas à lei complementar
as matérias expressamente indicadas no texto constitucional, podendo as demais ser
tratadas por lei ordinária. No entanto, se o Congresso Nacional estabelecer uma lei
complementar para regular uma matéria que a ela não foi reservada, este diploma
legal só será complementar do ponto de vista formal, tendo eficácia passiva de lei
(art. 4º); o critério de fixação pelo Senado Federal da alíquota interestadual do ICM (art. 12, § 1º); e a
disciplina da não-cumulatividade do ICM (art. 12, § 2º).
6 A discussão sobre lei nacional x lei federal remonta à criação da federação norte-americana, como se
denota em HAMILTON, MADISON e JAY. O Federalista. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo
Horizonte: Líder, 2003, p. 239.
7 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Federalismo Fiscal e Reforma Tributária. Disponível na Internet em
www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 13/05/06: “O federalismo orgânico se caracteriza por um mode-
lo em que os Estados-membros são obrigados pela Constituição Federal a reproduzir as regras definidas
pela União, até nos detalhes mais singelos.” Segundo Augusto Zimmermann, no federalismo orgânico:
“As leis estaduais acabam então sem relevância alguma, subordinadas que estão ao princípio sufocante
da hierarquização das normas jurídicas. Assim, transforma-se a autonomia estadual nesta espécie de
princípio desmoralizado, assistindo-se, ademais, à marcha centralizadora que põe termos finais às van-
tagens democráticas da descentralização política” (ZIMMERMANN, Augusto. Teoria do Federalismo
Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 65).
8 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p .168.
130
Temas de Direito Constitucional Tributário
ordinária, o que permite a sua alteração por esse diploma.9 É que não cabe ao legis-
lador infraconstitucional estabelecer as matérias que receberão a proteção especial
do quórum de maioria absoluta (proteção esta que se dirige contra o próprio legis-
lador ordinário). Tal decisão só cabe mesmo à Constituição Federal.
Por outro lado, existem leis que foram editadas como ordinárias, pois na época
da sua edição a matéria não estava reservada à lei complementar (ou por terem sido
editadas antes da aprovação da Constituição de 1967, quando o instituto foi consa-
grado), mas, por tratarem de temas reservados por constituição superveniente à lei
complementar, são recepcionadas com eficácia passiva desta espécie normativa, só
podendo ser alteradas por este tipo de diploma legislativo. É o caso do Código
Tributário Nacional,10 pois o seu objeto, as normas gerais de Direito Tributário, foi
reservado à lei complementar pelas Constituições de 1967 (art. 19, § 1º), de 1969
(art. 18, § 1º) e de 1988 (art. 146, III).
Cumpre registrar que a disciplina sobre normas gerais nem sempre é reserva-
da pela Constituição em vigor à lei complementar. Se assim se estabelece para o
Direito Tributário e para o Direito Financeiro (art. 163, I) é por expressa fixação
constitucional. No entanto, o mesmo tratamento constitucional não é deferido pelo
art. 22, XXVII, por exemplo, às normas gerais de licitações e contratos administra-
tivos, matéria regulada por lei ordinária da União (Lei nº 8.666/93).
Essas observações levam à conclusão de que não há qualquer relação hierárqui-
ca que possa se estabelecer de per si, entre a lei complementar e a lei ordinária,11 mas
131
Ricardo Lodi Ribeiro
12 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 166.
Na Espanha, a doutrina também não vê hierarquia entre a lei orgânica e a lei ordinária, como noticia CAR-
RERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero. Vol. I. Madrid: Tecnos, 1993, p. 71.
13 ATALIBA, Geraldo. “Normas Gerais na Constituição – Leis Nacionais, Leis Federais e seu Regime
Jurídico”. In: Estudos e Pareceres de Direito Tributário – Vol. 3. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1980,
pp. 15-16: “As normas gerais de direito financeiro e tributário são, por definição e pela sistemática cons-
titucional, leis nacionais; leis que não se circunscrevem ao âmbito de qualquer pessoa política, mas os
transcendem aos três. Não se confundem com a lei federal, estadual ou municipal e têm seu campo pró-
prio e específico, excludente das outras três e reciprocamente. Quer dizer, na mesma forma que domi-
nam o próprio campo constitucional, em caráter privativo, prevalecendo – em razão da delimitação
constitucional e não de hierarquia – sobre tentativas das demais leis de invadir-lhe essa faixa, não podem
estender-se validamente aos objetos próprios da legislação federal, estadual e municipal.”
14 “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária,
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais
ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamen-
to, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo
praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as
microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no
caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da con-
tribuição a que se refere o art. 239.”
15 “Art. 32, § 1º. Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal;
observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos
incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: I – meio-fio ou calçamento, com canali-
zação de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de ilu-
minação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de
saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.”
132
Temas de Direito Constitucional Tributário
16 Projeto de Lei Complementar nº 649/99, apresentado ao Senado Federal pelo Senador Jorge Bornhausen.
17 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Vol. II – Valores e
Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 430.
133
Ricardo Lodi Ribeiro
butários. Porém, cumpre lembrar que toda essa disciplina já era reservada à lei
complementar desde 1967, por estar inserida entre as normas gerais de Direito
Tributário.18 A inserção dessas matérias no rol das normas gerais de Direito
Tributário, juntamente com legislação e administração tributárias, disciplinas tam-
bém englobadas no Livro Segundo do Código, intitulado “Normas Gerais de Direito
Tributário”, já era reconhecida expressamente pelo CTN. Em conseqüência, todas
essas matérias, independentemente da previsão explícita nas alíneas a e b do inci-
so III do art. 146, CF, possuem caráter nacional a vincular os legisladores federal,
estaduais e municipais.
Todavia, a regra constitucional do art. 146, III, contém ainda um disposi-
tivo na parte final da alínea a, que estabelece a necessidade de definição em lei
complementar do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes dos
impostos.19 Essa norma tem como objetivo a uniformização da legislação tribu-
tária em todo o território nacional,20 constituindo óbice a um regramento fis-
cal que, por demais discrepante entre os vários Estados e Municípios da
Federação, acabe por promover um festival de pluritributações espaciais, de
guerras fiscais através de benefícios fiscais embutidos nas definições dos ele-
mentos centrais das obrigações tributárias. Assim, a lei complementar atuará
como limite à lei de incidência, no que se refere a esses três elementos da obri-
gação tributária. Não se exige que a lei ordinária reproduza literalmente a defi-
nição da lei complementar, mas se impede que os limites nacionais sejam extra-
polados. Melhor exemplo é o artigo 43 do CTN, que define o fato gerador do
imposto de renda como a disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou de
proventos de qualquer natureza, fenômeno que se traduz em acréscimo patri-
monial. A partir desta definição, o legislador ordinário estabelece centenas de
normas dispondo sobre a hipótese de incidência do IR, todas elas devendo guar-
dar conformação com a lei complementar.
18 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Os Prazos para a Constituição e a Cobrança do Crédito Tributário”. In:
ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Tributário – Estudos em Homenagem ao Professor
Aurélio Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 588.
19 Com relação aos impostos que já existiam em 1966, criados ou mantidos pela EC 18/65, a lei comple-
mentar é o próprio Código Tributário Nacional. Lá se encontram os fatos geradores, as bases de cálculo
e os contribuintes do II, IE IR, IPI, IOF, ITR, ITBI (aplicável também, no que couber, ao ITD ) e IPTU.
Para os novos impostos ou aqueles que sofreram grandes modificações posteriores, fez-se necessária uma
norma específica. Para o ICMS, é a LC 87/96; para o ISS, a LC nº 116/03. O IGF, por ser instituído pela
própria lei complementar, dispensa uma outra norma definidora desses três elementos. Quanto ao IPVA,
o STF, no AgRg nº 167.777/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 09/05/97, p. 18.134, enten-
deu, que a ausência de lei complementar não pode impedir que o Estado, pela inércia legislativa da
União, possa exercer sua competência de forma plena, com base no artigo 24, § 3º, da CF c/c artigo 34,
§ 3º, ADCT, uma vez que a ausência de lei de normas gerais não gerou, no caso, um potencial conflito
entre Estados.
20 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, p. 169.
134
Temas de Direito Constitucional Tributário
21 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001,
p. 23: “A missão da lei complementar, nos termos da alínea a do inciso III do art. 146 consiste na defi-
nição dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. ‘Definir’ significa determinar a
extensão e os limites de um conceito, enunciando de modo preciso os seus atributos essenciais e especí-
ficos. A ‘definição’ da lei complementar é, pois, uma função estritamente interpretativa do núcleo essen-
cial do conceito constitucional, de modo a torná-lo determinado.” E prossegue o festejado autor em nota
de rodapé na mesma página: “Pode, sem dúvida, afirmar-se que o art. 146, III, a, encerra uma proibição
explícita de indeterminação conceitual, incompatível com a ‘ordem de definição”. A indeterminação
conceitual começa onde termina a previsibilidade do cidadão. Repare-se que o art. 5º, XXXIX, utiliza
também a expressão definir para caracterizar a tipicidade dos crimes. Essas considerações respondem a
pergunta de MARCO AURÉLIO GRECO: ‘onde está na CF a tipicidade fechada?’ Cfr. Planejamento
Fiscal e interpretação da lei tributária, São Paulo, 1988, 68 ss.”. Ora, se a tipicidade fechada deriva do
art. 146, III, dispositivo constitucional que só foi inserido no Texto Maior em 1988 e se refere apenas aos
impostos, duas perguntas ficaram sem resposta. A primeira: ela só passou a existir a partir da promulga-
ção da atual Constituição? A segunda: ela só se aplica aos impostos? Na verdade, a tipicidade fechada não
só inexiste no Texto Constitucional brasileiro ou de qualquer país, como constitui uma impossibilidade
metodológica.
22 Sobre o princípio da conduta amistosa: HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,
1998, pp. 212 e segs., para quem o referido princípio se revela pela fidelidade para com a Federação, não
só dos Estados em relação ao todo e a cada um deles, mas da União em relação aos Estados. Segundo
HESSE, é inconstitucional a iniciativa que fira essa fidelidade federativa, uma vez que se rompe o dever
de boa conduta que deve presidir as relações entre os integrantes da Federação, baseada na colaboração
e cooperação recíprocas.
23 STF, Pleno, RE 138.284-8/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28/08/92, p. 13.456.
135
Ricardo Lodi Ribeiro
liza a expressão fato gerador para designar somente o aspecto material deste, não
se incluindo na sua regulação os elementos quantitativos e subjetivos, e muitas
vezes nem os de natureza espacial e temporal. A expressão fato gerador, pela pró-
pria previsão no mesmo dispositivo da necessidade de fixação da base de cálculo e
do contribuinte, automaticamente exclui a exigência quanto aos aspectos quanti-
tativos e subjetivos. Mas muitas vezes, a definição do fato gerador em lei comple-
mentar não estabelece o momento e o local de incidência, deixando a sua eleição
a cargo da lei ordinária, como acontece com a fixação do momento temporal da
hipótese de incidência do imposto de importação, estabelecido pelo art. 23 do DL
nº 37/66 como sendo a data de registro da declaração de importação na repartição
competente, uma vez que a definição do art. 19 do CTN, ao escolher a entrada do
bem no Brasil como fato gerador do II, é lacunosa a esse respeito, face aos inúme-
ros atos que compõem o procedimento de ingresso do produto em território nacio-
nal. Tal disciplina não fere a exigência de lei complementar, conforme já enten-
deu o STF, dada a compatibilidade entre os dois dispositivos.24 No entanto, em se
tratando de tributos estaduais e municipais que incidam sobre a circulação de bens
e serviços pelo território nacional, é indispensável que a definição em lei comple-
mentar do fato gerador, preveja o seu aspecto espacial, a fim de evitar a pluritri-
butação. Deste modo, é essencial a definição pelo art. 11 da LC nº 87/96 e pelo art.
3º da LC nº 116/03, quanto aos elementos espaciais dos fatos geradores do ICMS e
do ISS, respectivamente.
Em relação às alíneas c e d do inciso III do art. 146, que prescrevem, respecti-
vamente “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado por socieda-
des cooperativas” e “tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e
para as empresas de pequeno porte”, cumpre destacar que não se tratam de normas
gerais de Direito Tributário, mas de uma legitimação constitucional para um trata-
mento específico a cargo do legislador constitucional para essas empresas.25
Por fim, a EC nº 42/03, introduziu um art. 146-A, que estabelece que a lei
complementar “poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo
de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a
União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”. A norma aguarda uma regu-
lamentação capaz de esclarecer o caráter hermético da proposta.26
136
Temas de Direito Constitucional Tributário
137
VIII
A Medida Provisória em Matéria Tributária
1 Com a promulgação desta, introduziu-se uma limitação material de caráter negativo, com a fixação de
matérias que não podem ser reguladas por medida provisória, de acordo com o § 1º do art. 62: “§ 1º É
vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direi-
tos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressal-
vado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de
lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.”
139
Ricardo Lodi Ribeiro
2 Sobre as distinções entre o decreto-lei e a medida provisória, vide ÁVILA, Humberto. Medidas
Provisórias a Constituição de 1988. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, pp. 28 e segs.
3 ÁVILA, Humberto. Medidas Provisórias a Constituição de 1988. No mesmo sentido: SZKLAROWSKY,
Leon Frejda. Medidas Provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 29.
4 Por todos, vide: STF, Pleno, RE 62.739-SP, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJU 20/12/67, p. 4.408 (RTJ nº
44-01, p. 54).
5 Sobre o controle jurisdicional da discricionariedade, vide Capítulo 9.
6 STF, Pleno, ADI-MC nº 162-DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 19/09/97, p. 45.525.
7 CLÈVE, Clemerson. Medidas Provisórias. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 68.
140
Temas de Direito Constitucional Tributário
8 Por todos: ATALIBA, Geraldo. “Decreto-Lei em Matéria Tributária. Não Pode Criar Nem Aumentar
Tributo”. In: Estudos e Pareceres de Direito Tributário – Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980,
p. 45. No mesmo sentido: ROTHMANN, Gerd. W. “O Princípio da Legalidade Tributária”, Revista de
Direito Administrativo 109: 24, 1972.
9 Por todos: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense: 1991, p. 310, onde o autor só admite a edição de medida provisória para
instituir o imposto extraordinário de guerra e o empréstimo compulsório de guerra e calamidade públi-
ca. Quanto aos demais, a vedação derivaria da legalidade e anterioridade tributárias. No mesmo sentido:
MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 34; e ÁVILA, Humberto. Medidas Provisórias a Constituição de
1988, p. 127. Contra (aceitando a instituição de tributos por medida provisória): SZKLAROWSKY, Leon
Frejda. Medidas Provisórias, p. 55.
10 STF, Pleno, RE 138.284-8/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28/08/92.
11 “§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts.
153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido converti-
da em lei até o último dia daquele em que foi editada.”
12 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 ..., p. 310. No mesmo senti-
do: MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988.
2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 36; e SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Medidas
Provisórias, p. 58, que exigia quorum de maioria absoluta para a aprovação da medida provisória que
dispusesse sobre matéria reservada à lei complementar. Contra: GRECO, Marco Aurélio. Medidas
Provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 36; e ÁVILA, Humberto. Medidas Provisórias
a Constituição de 1988, p. 71.
141
Ricardo Lodi Ribeiro
13 STF, Pleno, ADIMC nº 1.397-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 26/07/97, p. 30.224.
142
IX
O Princípio da Irretroatividade Tributária
Sumário: 1) A Retroatividade das Leis e a Retroatividade Tributária. 2) A Irretroatividade
e o Fato Gerador Complexivo. 3) A Retroatividade no Direito Tributário. 3.1) As Leis
Interpretativas. 3.1.1) A Interpretação Autêntica na LC nº 118/05. 3.2) A Norma Tributária
Sancionatória. 3.3) As Leis que Estabelecem Novos Critérios de Apuração e Fiscalização do
Tributo.
1 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 124:
“A partir del Iluminismo, se entiende que la libertad de acción del ciudadano y la consiguiente posibi-
lidad de calcular los efectos de sus actos son incompatibles con normas que extiendan su validez a con-
ductas anteriores a su promulgación. Tales comportamientos fueron realizados en un momento en el
que, para su agente, resultaba imposible conocer el contenido de futuras leyes y, en consecuencia, pre-
ver sus repercuciones.”
143
Ricardo Lodi Ribeiro
orientar-se com base na norma vigente a cada momento, pelo que o conhecimen-
to e a certeza acerca do direito vigente, bem como a previsibilidade sobre a relati-
va permanência frente às mudanças sucessivas, constituem um elemento impres-
cindível à tributação segundo o Estado de Direito.2 Essa vinculação do Estado de
Direito com a certeza e previsibilidade da tributação se justificam pela idéia de que
os critérios de repartição dos custos da vida em sociedade em determinada época,
com base na tributação dos atos então praticados, deve ser definida pelos cidadãos
que nela viveram, e não por aqueles que se sucederam, com suas próprias visões e
prioridades e com sua responsabilidade pelo custeio da máquina estatal a eles des-
tinada. O princípio da responsabilidade que caracteriza a fraternidade na socieda-
de de risco, recomenda que tais custos não sejam transferidos nem às gerações pas-
sadas, nem às gerações futuras.
Quanto à extensão da proteção que o Direito positivo dá em face da retroati-
vidade da lei fiscal, vai variar com o ordenamento jurídico de cada país. A vedação
à retroatividade das leis, em regra, não é garantida, senão a área penal, pela maio-
ria das Constituições. Outras, como a Constituição da Espanha, prevêem generica-
mente o princípio da irretroatividade das leis que restringem direitos, sem que,
necessariamente, o preceito seja adotado automaticamente em relação às leis fis-
cais.3 No Direito Tributário, poucas são as Constituições que estabelecem a garan-
tia expressa da irretroatividade da lei tributária.4 Nem por isso a maioria dos países
deixa de vedar a retroatividade da lei fiscal, sendo a idéia construída pela doutrina
e jurisprudência, como se dá na Alemanha, a partir do princípio do Estado de
Direito, da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança Legítima.5 Porém, são
vários os dispositivos constitucionais que, diante da ausência de disposição expres-
144
Temas de Direito Constitucional Tributário
sa, são chamados a legitimar a irretroatividade da lei fiscal. A doutrina italiana vai
buscar seu fundamento da capacidade contributiva, na medida em que a
Constituição só admite a tributação da manifestação de riqueza presente, e não da
pretérita.6 Outros o fundamentam no princípio da legalidade, uma vez que, sendo
exigida a lei para a criação do tributo, inexistindo esta no momento da ocorrência
do fato econômico que daria suporte à tributação, não haveria incidência. Assim,
segundo esta corrente, o princípio da legalidade exigiria lei prévia.7
A Constituição Brasileira de 1988, expressamente, consagra:
a) o valor da segurança jurídica (art. 5º), que serve de fundamento para a irre-
troatividade das leis;
b) a proibição da retroatividade das leis em geral que venham a ofender o ato
jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido (art. 5º, XXXVI); e
c) o princípio da irretroatividade da lei tributária (art. 150, III, a).8
6 Nesse sentido: FANTOZZI, Augusto. Corso di Diritto Tributario. Torino: UTET, 2003, p. 95; TESAURO,
Francesco. Compendio di Diritto Tributario. Torino: Utet, 2002, p. 44; FALSITTA, Gaspare. Corso
Instituzionale Di Diritto Tributario. Padova: Cedam, 2003, p. 102; AMATUCCI, Andrea. “La
Interpretación de la Ley Tributaria”. In: AMATUCCI, Andrea (org.), Tratado de Derecho Tributario,
Bogotá: Temis, 2001, pp. 617-618; MOSCHETTI, Francesco. El Principio da Capacidad Contributiva.
Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 1980, pp. 348 e segs.; e GIARDINA, Emilio. Le Basi Teoriche del
Principio della Capacità Contributiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 442. Em Portugal, que também não
prevê o princípio da irretroatividade na Constituição, Casalta Nabais também fundamenta a proteção na
capacidade contributiva. (NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 401). O mesmo se dá na Espanha: RODRÍGUEZ BEREIJO, Álvaro. “Jurisprudencia
Constitucional y Principios de la Imposición”, p. 151; PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y
Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 80 e FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de
Derecho Financiero Español. Vol. I, 21. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 137.
7 CASÁS, José Osvaldo. Derechos y Garantías Constitucionales Del Contribuyente – A Partir del
Principio de Reserva de Ley Tributaria. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002, p. 861; JARACH, Dino. Finanzas
Públicas y Derecho Tributario. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996, p. 315.
8 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes
do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” As Constituições anteriores não
previram expressamente a irretroatividade tributária, salvo a Carta de 1934, que no seu art. 17, VII, reco-
nhecia a irretroatividade da lei tributária na figura da proteção ao ato jurídico perfeito: “É vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VII, cobrar, quaisquer tributos sem lei especial
que os autorize ou fazê-lo incidir sobre efeitos produzidos por atos jurídicos perfeitos.” No entanto,
durante a vigência das demais Constituições brasileiras, a irretroatividade também era extraída da pro-
teção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Nas Constituições de 1946 e 1967, é irretroativida-
de é prestigiada no princípio da anualidade, e na Carta de 1969 pela anterioridade (vide Capítulo 12),
além de ser reconhecida pelo art. 105 do CTN.
145
Ricardo Lodi Ribeiro
9 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 142-143.
10 NOVELLI, Flávio Bauer. “Segurança dos Direitos Individuais e Tributação”, Revista de Direito Tributá-
rio 25-26: 159-175, 1983, p. 165; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro
e Tributário – Vol. II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005,
p. 512; PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica, p. 124; CASÁS, José Osvaldo. Derechos
y Garantías Constitucionales Del Contribuyente..., p. 861; JARACH, Dino. Finanzas Públicas y Derecho
Tributario, p. 315. Contra: TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 341; NABAIS,
José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 399.
11 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 185-186.
12 VILLEGAS, Héctor Belisario. Curso de Finanzas, Derecho Financiero y Tributario. 8. ed. Buenos Aires:
Astrea, 2003, pp. 284-285.
13 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedida, 1998, p. 250; SILVA, Almiro do Couto e. “O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à
Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios
Atos Administrativos: o Prazo Decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei
nº 9.784/99)”. Revista de Direito Administrativo 237:273, 2004.
146
Temas de Direito Constitucional Tributário
147
Ricardo Lodi Ribeiro
regra, que como tal não deve ser ponderada.21 Assim, por aqui, não são admitidas
teses que foram consagradas em países em que a irretroatividade, não tendo dicção
constitucional expressa, acabou sendo extraída de outros princípios como a segu-
rança e o Estado de Direito, como vimos. A ausência de regra e a conseqüente res-
trição da idéia de irretroatividade ao mundo abstrato dos princípios vêm justifican-
do a sua ponderação por parte das Cortes Constitucionais dos citados países, com o
interesse coletivo na modificação legislativa. No Brasil, a regra não deve ser pon-
derada e nem excepcionada,22 uma vez que só a própria Constituição poderia fazê-
lo, o que não aconteceu em nosso país.
Ao contrário, quando a não-surpresa se apresenta em sua dimensão de princí-
pio, garantindo a segurança jurídica do contribuinte para além das regras da irre-
troatividade e da anterioridade, a fim de garantir a previsibilidade, a certeza do
direito e a proteção da confiança legítima, poderá ser ponderado com os interesses
que fundamentam as mudanças.23
No entanto, sendo um princípio que se destina à proteção da confiança do con-
tribuinte, não sendo aplicado a favor do Estado, não impede a retroatividade da lei
que conceda benefícios fiscais e a redução de tributo, desde que expressa nesse sen-
tido.24 Porém, há que atentar se a retroatividade dessas medidas, não viola o princí-
pio da isonomia, em razão do pagamento do tributo por muitos contribuintes.25 Ao
contrário, as revogações de isenção ou outros benefícios fiscais, deve respeitar o
princípio da irretroatividade,26 por se traduzirem em criação ou majoração de tribu-
to. Do mesmo modo, as leis que, embora não alterando os elementos da obrigação
tributária, representam um incremento no desembolso pelos contribuintes, como
aquelas que estabelecem normas mais gravosas relativas aos institutos relacionados
com a materialidade da obrigação e do crédito tributários, como as relativas à res-
21 No mesmo sentido, em Portugal, diante da previsão expressa do princípio com a revisão constitucional
de 1997: NABAIS. Direito Fiscal, p. 151.
22 No sentido do texto em relação à inexistência de exceção constitucional ao princípio da irretroativida-
de tributária no Brasil: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas de Atualização de BALEEIRO,
Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.p. 194; AMARO, Luciano.
Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 119.
23 NABAIS. Direito Fiscal, p. 151. Sobre a ponderação do princípio da proteção da confiança legítima e os
interesses na modificação do Direito, no plano da aplicação da norma, vide Capítulo 13.
24 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 342; NABAIS, José Casalta. O Dever
Fundamental de Pagar Impostos, p. 396; GARCIA NOVOA, César. El Principio de Seguridad Jurídica...,
p. 177; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 514. No mesmo sentido, jurisprudência pacífica dos
nossos tribunais. Por todos: STF, Pleno: ADIMC nº 712-2/DF. Rel. Min.: Celso de Mello, DJU 19/2/93,
p. 2.032.
25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 250; AMARO,
Luciano. Direito Tributário Brasileiro, p. 119.
26 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 343, citando em apoio à tese da necessida-
de de respeitar a irretroatividade na revogação de isenção decisão do Tribunal Constitucional Alemão.
Sobre a revogação de isenção e a necessidade de respeitar o princípio da anterioridade, vide Capítulo 12,
item 12.7.
148
Temas de Direito Constitucional Tributário
27 Sobre a retroatividade das leis que tratam dos aspectos procedimentais, vide item 11.3.3.
28 Contra: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 147.
29 STF, Pleno, RE nº 224.285-9-CE, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 28/05/99, p. 26.
30 PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica, p. 123.
31 Vide comentário crítico às exceções estabelecidas pelo Tribunal Constitucional Alemão à retroativida-
de própria em TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 345. No mesmo sentido crí-
tico: AMATUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 619.
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Ricardo Lodi Ribeiro
150
Temas de Direito Constitucional Tributário
atinge a operações cujo custo fiscal foi avaliado com base em leis que não serão mais
aplicadas, impedindo que essa despesa repercuta no preço dos produtos. Ainda que
o imposto de renda seja um tributo direto, incidindo sobre o lucro, não há como
negar que toda a despesa da empresa, incluindo a carga tributária composta de tri-
butos direitos ou indiretos (distinção cada vez menos relevante), é um dos princi-
pais componentes do custo, e, portanto, do preço. Alterar o custo depois que a ope-
ração já foi realizada significa tributar em desacordo com a legalidade e com a capa-
cidade contributiva presente, subvertendo toda a pauta axiológica do Direito
Tributário, em nome da ficção jurídica do fato gerador anual, que se destina ape-
nas a facilitar a fiscalização e apuração do imposto.42
No Brasil, o STF, embora não baseando a Súmula nº 584 na teoria da retroati-
vidade imprópria, acabou por consagrar as suas conclusões, ao admitir que o fato
gerador complexivo fosse tributado com base em lei alterada durante o seu curso.43
No mesmo sentido, o art. 105 do CTN, que admite a aplicação da lei tributária aos
fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos como aqueles que já se
iniciaram e ainda não terminaram por ocasião da alteração legal.
Embora o STF tenha chegado a abandonar, em alguns dos seus julgados, o
posicionamento veiculado pela referida súmula,44 acabou por voltar a aplicá-la
mais recentemente,45 fazendo do princípio da irretroatividade mais uma frustração
constitucional.
42 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 342: “Si se incrementra con retroactividad
la presión de los impuestos repercutibles, entonces no podrán ser trasladados sucesivamente. Por este
motivo se há opinado siempre que en derecho tributário es necesario tutelar la confianza, en cuanto a
que deben prevalecer las consecuencias jurídico-tributarias producidas en el momento de realizarse los
hechos.” No mesmo sentido: AMATUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 618.
43 A doutrina brasileira é praticamente unânime na condenação da Súmula nº 584. Por todos: AMARO, Lu-
ciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 119-120: “O fato gerador, aí, não
se traduz, isoladamente, nos fatos a ou b (rendimentos), ou no fato c (despesa). O fato gerador é a série “a
+ b + c”. A lei, para respeitar a irretroatividade, há de ser anterior à série “a + b + c”, vale dizer, a lei deve
preceder todo o conjunto de fatos isolados que compõem o fato gerador do tributo. Para respeitar o prin-
cípio da irretroatividade, não basta que a lei seja prévia em relação ao último desses fatos, ou ao término
do período durante o qual os fatos isoladamente ocorridos vão sendo registrados.” Contra, em posição
quase isolada na doutrina pátria: FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4.
ed. Anotada e atualizada por Geraldo Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 128.
44 STF, Pleno, ADIn nº 513-DF, Rel. Min. Célio Borja, DJU 30/10/92, p. 19.514 (RTJ 141/739); STF, Pleno,
RE nº 138.284-8-CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28/08/92, p. 13.456.
45 STF, Pleno, RE nº 181.664-3-RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 10/12/97, p. 57; STF, Pleno, RE nº
197.790-6-MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 21/11/97, p. 60.600.
151
Ricardo Lodi Ribeiro
46 “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente inter-
pretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se
de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de
tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento
e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos seve-
ra que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.”
47 “Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei
então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. “§ 1º Aplica-se ao lançamento a legis-
lação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de
apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administra-
tivas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito
de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. § 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impos-
tos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que
o fato gerador se considera ocorrido.”
48 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação do Direito Tributário. 4. ed., Rio de Janeiro: Renovar,
2006, pp. 3-4, onde são encontrados vários exemplos de normas que davam ao rei a exclusividade na
interpretação das leis, como o Corpus Juris, de Justiniano e a Ordonnance civil pour la reformation de
la justice, de Luís XIV.
49 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 91.
50 Conforme noticia Ricardo Lobo Torres, também eram comuns leis que puniam as interpretações abusi-
vas como, em Portugal, a Lei da Boa Razão, de 1769, que cominava a pena de multa de 50$000 réis e seis
152
Temas de Direito Constitucional Tributário
ser cada vez mais aceita a atividade hermenêutica da doutrina como principal meio
de esclarecimento do sentido das leis, passando a interpretação autêntica a ter
importância residual.51
Há vozes na doutrina que negam a existência de lei interpretativa no Brasil,52
uma vez que ou seria inócua, a repetir o sentido da lei anterior, ou direito novo, insus-
cetível, portanto, de sofrer retroação. Porém, a existência da lei interpretativa no
Direito pátrio, que já foi afirmada pelo STF53 e deriva do próprio CTN (art. 106, I), tem
como fundamento a pluralidade de sentidos possíveis oferecidos pela literalidade da
lei, sendo comum que haja controvérsia acerca de qual deles deve prevalecer.
Nesse contexto, a interpretação autêntica se dá quando o legislador procura
identificar, dentre os sentidos possíveis admitidos para a interpretação de uma lei,
qual deve prevalecer, excluindo todos os demais.54 Como conseqüência, as relações
jurídicas anteriores, ainda que pendentes de julgamento, deverão ser julgadas con-
forme a interpretação legislativa.55 Tal possibilidade se fundamenta pela incerteza
jurídica provocada pelo surgimento de diferentes linhas de interpretação, que
fazem com que o cidadão não consiga mais pautar o seu comportamento em fun-
ção da lei, senão de acordo com as cambiantes orientações jurisprudenciais.56
Em nome da segurança jurídica, a norma interpretativa, ainda que tenha efei-
tos retroativos, não atinge às relações jurídicas já esgotadas, devendo respeitar o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.57
Porém, é muito comum que o legislador, sob o pretexto de estar interpretan-
do a lei anterior, promova uma inovação no ordenamento jurídico a partir da impo-
sição de uma solução que não podia ser encontrada na lei interpretada, a fim de for-
çar a alteração da jurisprudência dos tribunais. Nestes casos, não há que se falar em
interpretação autêntica, mas em correção legislativa da jurisprudência, o que
obviamente, não produzirá efeitos retroativos.58
meses de suspensão ao advogado que, dolosamente, incorresse numa interpretação absurda que atentas-
se contra a majestade das leis. Em caso de reincidência, o advogado era punido com a privação de seus
graus universitários. Se ainda assim incorresse na mesma prática pela terceira vez, por meio da assina-
tura de outro advogado, seria degredado para Angola por 5 anos (TORRES, Ricardo Lobo. Normas de
Interpretação..., pp. 5-7).
51 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, p. 670.
52 Por todos: PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com a EC nº 1/69. 2. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 103.
53 STF, Pleno, ADIn nº 605-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 05/03/93, p. 252.
54 BETTI, Emilio. Interpretazione della Legge e degli Atti Giuridici. Milano: Giuffrè, 1949, p. 72.
55 FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987, p. 133.
56 AMATUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 614.
57 ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-brasileira.
2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 603.
58 Sobre a correção legislativa da jurisprudência, com a citação de vários exemplos concretos em nossa
legislação e no direito comparado, vide: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, pp. 447-458.
153
Ricardo Lodi Ribeiro
59 AMATUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 615; ASCENSÃO, José de Oliveira. O
Direito: Introdução e Teoria Geral..., p. 134; MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do
Direito, pp. 87-88.
60 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, p. 670. No mesmo sentido: ASCENSÃO, José de
Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral..., p. 600.
61 BETTI, Emilio. Interpretazione della Legge e degli Atti Giuridici, p. 80; AMATUCCI, Andrea. “La
Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 615.
154
Temas de Direito Constitucional Tributário
155
Ricardo Lodi Ribeiro
tese não se construiu, senão de forma tortuosa,64 com várias idas e vindas que dei-
xavam o contribuinte em completa insegurança diante do caráter pantanoso da
jurisprudência do STJ sobre a matéria. Por outro lado, ainda não havia, quando da
promulgação da LC nº 118/05, um posicionamento do STF a esse respeito, senão em
decisão monocrática.65 Nesse sentido, foi positiva a atuação do legislador, para pôr
fim à controvérsia, que extraía um sentido da letra do CTN, que não havia sido con-
cedido durante os seus 25 primeiros anos de vigência. No entanto, apesar do aci-
dentado caminho percorrido pela tese, e pela inconsistência de seus fundamentos
que não consideravam a prescrição de acordo com os seus alicerces vinculados à
idéia de actio nata,66 ela acabou por prevalecer na 1ª Seção do STJ, que uniformiza
a jurisprudência do Tribunal, gerando uma certeza, nos meios jurídicos nacionais,
em relação à sua correção, vez que aparentemente não tratava de matéria de índo-
le constitucional, a ser alterada pelo STF.
“Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º,
o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”.
64 Vale transcrever trecho de decisão monocrática, onde a Ministra Eliana Calmon sintetiza as fases por que
passou a “tese dos cinco mais cinco” na jurisprudência do STJ: “Sobre a prescrição dos tributos lançados
por homologação, a jurisprudência do STJ oscilou durante algum tempo, assumindo as seguintes posições:
1ª etapa – o Fisco tem até cinco anos para homologar o seu crédito e mais cinco para exigi-lo, na ausên-
cia de homologação. Por um raciocínio simplista, inaugurou-se a tese dos “cinco mais cinco”, contando-
se dez anos a partir do fato gerador (os cinco primeiros anos, prazo decadencial, e os cinco restantes, prazo
prescricional). Nesse sentido, dentre outros precedentes, citam-se os seguintes julgados: REsp 75.006/PR,
REsp 69.233/RN, EREsp 43.502/RS, REsp 266.889/SP, AgRg/AG 317.687/SP, AgRg/REsp 256.344/DF e
REsp 250.753/PE; 2ª etapa – inicia-se o prazo prescricional a partir da declaração de inconstitucionalida-
de pelo Supremo Tribunal Federal. Esta posição abrigava variantes, no que se refere ao termo a quo: data
do julgamento, do trânsito em julgado ou do ajuizamento da ação. Advirta-se que não importa, para os
adeptos desta tese, se a declaração de inconstitucionalidade ocorreu em controle difuso ou concentrado.
Daí os precedentes, dentre outros, o REsp 220.469/AL, REsp 209.903/AL, EREsp 43.205/RS e AgRg/REsp
252.846/DF; 3ª etapa – no REsp 329.444/DF, a Primeira Seção deliberou que o termo a quo em comento
inicia-se da data do trânsito em julgado no qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstituciona-
lidade da lei pela primeira vez; 4ª etapa – a Primeira Seção, no EREsp 423.994/MG, realinhou o entendi-
mento para concluir que, quando se tratar de controle difuso, inicia-se a contagem da data da Resolução
do Senado e, quando se tratar de controle concentrado, a partir do trânsito em julgado da ADIn.
Finalmente, no julgamento do EREsp 435.835/SC, cujo acórdão será lavrado pelo Ministro José Delgado,
consagrou-se definitivamente a tese dos “cinco mais cinco”, diante das perplexidades causadas pela a ado-
ção de outras teses. Portanto, considerando-se que o tributo em tela está sujeito ao chamado ‘autolança-
mento’, o Fisco pode homologá-lo expressa ou tacitamente. Não havendo prazo fixado em lei para a
homologação, ela será de até 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do
CTN). A extinção do crédito tributário ocorrerá com a homologação e não com o pagamento antecipado,
quando então deverá fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 168, inciso I, do CTN”
(STJ, 2ª Turma, REsp nº 917.179-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 18/04/07).
65 STF, Pleno, Pet. nº 3.221-RN, 3.221-RN, Rel. Min. Eros Grau, DJU 25/10/04, onde foi reconhecida a
plausibilidade jurídica da “tese dos cinco mais cinco”.
66 Sobre o princípio da actio nata como fundamento dos termos iniciais dos prazos de prescrição, vide
RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Os Prazos para a Constituição e a Cobrança do Crédito Tributário”. In:
ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Tributário – Estudos em Homenagem ao Professor
Aurélio Seixas Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 576.
156
Temas de Direito Constitucional Tributário
Por este motivo, a despeito da correção material da solução adotada pelo art.
3º da LC nº 118/05, que nos parece ter adotado a solução hermenêutica correta em
face da redação do art. 168, I, do CTN, é imperioso reconhecer, em face da certeza
jurídica que a posição do STJ se revestia na época da interpretação autêntica, que o
seu caráter retroativo feriu a proteção legítima do contribuinte. Assim, está corre-
ta a aplicação prospectiva que lhe deu a 1ª Seção do STJ.67 Porém, não nos parece
correto o termo inicial atribuído pelo Tribunal aos efeitos da nova lei. Segundo a
referida decisão, a nova interpretação seria aplicada para os processos ajuizados a
partir do dia 09/06/05, data em que entrou em vigor a LC nº 118/05. No entanto,
cumpre destacar que o ajuizamento da ação é fato inteiramente irrelevante para o
nascimento do direito à repetição. Se for correto o entendimento de que a seguran-
ça jurídica exige que a nova interpretação só seja válida a partir da entrada em vigor
da lei, afastando-se os seus efeitos retroativos, deve-se reconhecer que todos aque-
les que já tinham direito a pleitear a repetição até aquela data não são por elas atin-
gidos. Como o direito à repetição surge com o pagamento indevido, ainda que por
antecipação, não devem ser atingidos pela interpretação autêntica os contribuintes
que fizeram pagamentos indevidos até o dia 09/06/05. Quem, até a véspera, efetuou
pagamento de tributo e pretender repeti-lo judicialmente, terá direito, em nome da
proteção da segurança jurídica, a se beneficiar da “tese dos cinco mais cinco”.
Ao contrário da norma que disponha sobre tributos que, como vimos, ainda
que mais benigna ao contribuinte não retroage, senão expressamente e se não vio-
lar o princípio da isonomia, a lei que estabelece penalidade pecuniária mais favo-
rável ao agente, possui efeitos retroativos.
A sistemática, que é consagrada no art. 106, II, do CTN, se baseia em preceito
do Direito Penal, consagrado no art. 5º, XL, da Constituição e no art. 2º, parágrafo
único, do Código Penal, originada da ausência de legitimidade no estabelecimento
67 STJ, 1ª Seção, EREsp nº 327.043/DF, Rel. Min. João Otávio Noronha, j. 27/04/05 (Aguardando publicação).
No mesmo sentido da aplicação prospectiva do art. 3º da LC nº 118/05: CARVALHO, Paulo de Barros. “O
art. 3º da Lei Complementar nº 118/05, Princípio da Irretroatividade e Lei Interpretativa.” In: PIRES,
Adilson Rodrigues e TÔRRES, Heleno Taveira. Princípios de Direito Financeiro e Tributário – Estudos em
Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 759. Peculiar é a posição
de Sacha Calmon Navarro Coêlho que, além de não dar efeitos retroativos ao art. 3º da LC nº 118/05, sequer
lhe confere efeitos prospectivos no sentido de corrigir a jurisprudência. Assim, para o autor, a “tese dos
cinco mais cinco” continua válida. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro e LOBATO, Valter. “Reflexões sobre
o art. 3º da Lei Complementar 118. Segurança Jurídica e a Boa-fé como Valores Constitucionais. As Leis
Interpretativas no Direito Tributário Brasileiro”. Revista Dialética de Direito Tributário 117: 123, 2005.
Nesse mesmo sentido: TROIANELLI, Gabriel. Lacerda. “A Lei Complementar nº 118/05 e o Prazo Inicial
para a Repetição ou Compensação do Indébito”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes
Questões Atuais do Direito Tributário. Vol. 9. São Paulo: Dialética, 2005, p. 143.
157
Ricardo Lodi Ribeiro
de sanção em relação à conduta que não merece mais censura do ponto de vista do
Direito objetivo, em razão da modificação da valoração desta na consciência jurí-
dica da sociedade, ou que, de acordo com esta, merece uma punição mais branda.68
Embora as aludidas normas penais só se apliquem como regras ao chamado
Direito Penal Tributário, que regula os crimes fiscais, na seara do Direito Tributá-
rio Penal, que dispõe sobre as sanções pecuniárias decorrentes do descumprimen-
to das obrigações tributárias acessórias, tais idéias acabam impondo-se como prin-
cípio que ilumina a legislação tributária, a partir da idéia de retroatividade da lei
sancionatória mais benigna ao infrator.
É em conformidade com o princípio da retroatividade da lei sancionatória
mais benigna que deve ser interpretado o art. 106, II, do CTN, que, expressamente
determina a aplicação retroativa da lei que:
68 GARCÍA BELSUNCE, Horácio A. Derecho Tributario Penal. Buenos Aires: Depalma, 1985, p. 108;
ALTAMIRANO, Alejandro. “As Garantias Constitucionais no Processo Penal Tributário”. In: FERRAZ,
Roberto (Coord.). Princípios e Limites da Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 169.
69 Sobre a inexistência da distinção: GIULIANI FONROUGE, Carlos M. Derecho Financiero. 7. ed.
Atualizada por Susana Camila Navarrine e Rubén Oscar Asorey. Buenos Aires: Depalma, 2001, p. 682;
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da Sanção Tributária. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 11-12.
70 ALTAMIRANO, Alejandro. “As Garantias Constitucionais no Processo Penal Tributário”, p. 171.
158
Temas de Direito Constitucional Tributário
extração dos “melhores momentos” de cada uma das normas, mas na opção pela
equação legislativa mais favorável ao acusado, uma vez que o legislador pode ter
considerado o abrandamento de determinada situação em função do agravamento
de outra, em conformação que não pode ser quebrada pelo aplicador.
De acordo com a redação dada ao artigo 106, II, a retroatividade da lei sancio-
natória mais benigna não se dá em relação a atos já definitivamente julgados. Ato
não definitivamente julgado é aquele que ainda pode ser questionado, seja na esfe-
ra administrativa, seja no âmbito judicial.71 Assim, enquanto não houver sido
extinto o direito do contribuinte propor ação para questionar a legitimidade da san-
ção, é possível a retroatividade da lei mais benigna.
A retroatividade aplica-se tanto às multas de ofício, impostas pelo descumpri-
mento de obrigações acessórias, quanto à multa de mora, uma vez que o art. 106,
II, não faz distinção quanto à natureza da sanção que será atingida pela lei mais
benigna.72 Porém, por não se tratarem de sanção, os juros de mora e a correção
monetária não são atingidos pela retroação benigna.
Assim como ocorre no Direito Penal, não se aplica a retroatividade da lei tri-
butária penal mais benigna quando a lei que impôs a sanção mais severa tinha
vigência temporária ou excepcional, uma vez que estas normas são ditadas como
exceção, subordinadas a situações de política legislativa muito particulares.73
71 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. V. II (Artigos 96 a 138). São
Paulo: Atlas, 2004. No mesmo sentido: STF, 2ª Turma, RE 95.900/BA, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJU
08/03/85, p. 2.602; STJ, 1ª Seção, EREsp nº 184.642/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 16/08/99, p. 41,
onde o tribunal entendeu que o questionamento pode se dar inclusive em sede de embargos do devedor.
72 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas de Atualização de BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário
Brasileiro, p. 194. No mesmo sentido: STF, 2ª Turma, RE nº 98.393-RJ, Rel. Min. Décio Miranda, DJU
17/08/84, p. 12.911; STJ, 1ª Seção, EREsp nº 184.642/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 16/08/99, p. 41.
73 ALTAMIRANO, Alejandro. “As Garantias Constitucionais no Processo Penal Tributário”, p. 173. No
mesmo sentido: STF, 1ª Turma, RE nº 71.947-GB, Rel. Min. Luiz Gallotti, DJU 19/11/71, p. 6.482.
159
Ricardo Lodi Ribeiro
tais, de acordo com o princípio processual tempus regit actus, é a lei do tempo do
lançamento que será aplicada, retroagindo à data da ocorrência do fato gerador.
Essa retroatividade quanto aos aspectos procedimentais, contando que se limi-
te a esses, não viola o art. 150, III, a, da Constituição Federal, uma vez que não estão
sendo alterados quaisquer dos elementos necessários a conferir previsibilidade em
relação a que evento vai suscitar a obrigação de pagar, nem ao valor a ser pago, tam-
pouco a quem vai pagar. Tais normas procedimentais e processuais, não se relacio-
nando com a capacidade contributiva definida pela hipótese de incidência, podem
ter efeitos retroativos e até serem aplicadas analogicamente.74
A fim de evitar a discussão sobre quais seriam os aspectos procedimentais em
relação aos quais pode haver retroatividade da lei de regência, esclarece o § 1º do
art. 144 do CTN, que são os relacionados com:
74 FANTOZZI, Augusto. Diritto Tributario 2. ed. Torino: UTET, 1998, p. 131; TOSI, Lori. “El Principio de
Efectividad: Aspectos Subjetivos y Objetivos de la Capacidad Contributiva”, p. 317.
75 “Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclu-
sive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrati-
vo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela
autoridade administrativa competente.”
160
Temas de Direito Constitucional Tributário
76 “Art. 11, § 3º. A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o
sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo
tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lança-
mento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o dis-
posto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.”
77 STJ, 1ª Seção, EREsp nº 726.778-PR, Rel. Min. Castro Meira, DJU 05/03/07, p. 255, cuja ementa se trans-
creve em parte: “3. A Lei 10.174/2001 revogou o § 3º do artigo 11 da Lei nº 9.311/91, permitindo a uti-
lização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal, a fim de
possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos. 4. Outra alteração
legislativa, dispondo sobre a possibilidade de sigilo bancário, foi veiculada pela o artigo 6º da Lei
Complementar 105/2001. 5. O artigo 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais
ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material, que somente alcançariam
fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. 6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados
da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são nor-
mas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja,
incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor.
Precedentes.”
78 STJ, 1ª Turma, MC nº 7.513-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 30/08/04, p. 199, cuja ementa se transcreve em
parte: “8. A exegese do art. 144, § 1º, do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da
norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição
de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da
Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador
se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do cré-
dito em si não esteja alcançada pela decadência. 9. Inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de
negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário, a Autoridade Fiscal tem
o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal.”
161
X
O Princípio da Proteção à Confiança
Legítima No Direito Tributário
Sumário: 1) O Princípio da Proteção à Confiança Legítima no Direito Tributário. 2) A Pro-
teção à confiança e a Mudança na Interpretação Administrativa. 3) A Proteção à Confiança
nos Atos Administrativos sem Fundamento Legal e na Valoração dos Fatos. 3.1) A Proteção
à Confiança e os Benefícios Fiscais de ICMS sem Convênio. 4) A Proteção à Confiança e o
Controle da Constitucionalidade da Lei Tributária. 5) Os Efeitos Prospectivos de Decisão
sobre a Constitucionalidade de Lei Tributária.
1 Sobre o tema, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte – Legalidade, Não-
surpresa e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 63 e segs.
163
Ricardo Lodi Ribeiro
2 MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão, Trad. Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000, pp. 68-69.
3 MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão, pp. 72-73.
4 SILVA, Almiro do Couto e. “O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito
Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos:
o Prazo Decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99)”. Revista
de Direito Administrativo 237: 273.
5 SILVA, Almiro do Couto e. “O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança)...”, p. 300, onde
o autor gaúcho critica a adoção da teoria por sua falta de precisão em relação à evidência: “O Critério da
evidência não é, porém, muito preciso. Evidente para quem? Para o jurista? Para qualquer do povo? O
standard geralmente admitido é o da pessoa atenta e de bom senso. Mas a dificuldade também não pára
aí: o que se deverá entender por vício grave? Tem-se afirmado que será o vício formal ou substancial
absolutamente inconciliável com a ordem jurídica. Mas, já se disse, a gravidade, per se, não é suficiente
para conduzir à nulidade. Deverá estar associada à evidência.” A despeito dos argumentos apresentados,
deve-se considerar que, como destacado no texto, a evidência vai depender das circunstâncias reveladas
pelo caso concreto.
164
Temas de Direito Constitucional Tributário
165
Ricardo Lodi Ribeiro
ce, 1992), é forçoso reconhecer que tais situações revelam a evidência e gravidade da ilegitimidade dos
atos, critérios que não podem deixar de ser considerados no exame da boa-fé do administrado.
8 MAURER, Hartmut. Elementos de Direito Administrativo Alemão, p. 73.
9 SILVA, Almiro do Couto e. “Princípios da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica
no Estado de Direito Contemporâneo”. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul
27: 14, 2004.
10 SILVA, Almiro do Couto e. “O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança)...”, p. 306.
11 “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judi-
cial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somen-
te pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posterior-
mente à sua introdução.”
166
Temas de Direito Constitucional Tributário
12 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”. In: AMATUCCI, Andrea (org.), Tratado de
Derecho Tributario, Bogotá: Temis, 2001, p. 351: “A la hora de aplicar es necesario considerar, como
regla general, que se debe decidir de manera que no se incline em forma desfavorable al contribuyente,
según los criterios de interpretación que han guiado su propio comportamiento.”
13 Pela extensão da proteção do contribuinte contra a mudança de critério adotado pela Administração
para além do lançamento: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Notas de Atualização de BALEEIRO,
Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 1999, p. 812: “Mas o ideal – por razões de segurança jurídica e equidade – seria que
estendêssemos à Administração, o princípio da irretroatividade de forma mais ampla (e não apenas
quando já efetuado o lançamento tributário). Trata-se de erro grave limitar o princípio da irretroativi-
dade às leis, como alerta Klaus Tipke, na Alemanha, e, em geral, a Corte Suprema daquele país”. No
mesmo sentido: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2001, p. 660; AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 354; e MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. V. III
(Artigos 139 a 218). São Paulo: Atlas, 2005, p. 126.
14 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. “Revisão da Legalidade do Lançamento Tributário e a Coisa Julgada
Administrativa em Matéria Fiscal”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais
do Direito Tributário. Vol. 9. São Paulo: Dialética, 2005, p. 34.
15 Sobre a vinculação da Administração ao resultado da consulta fiscal: STF, 2ª Turma, RE nº 131.741, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJU 24/05/96, p. 243.
167
Ricardo Lodi Ribeiro
16 Sobre os sentidos possíveis da literalidade da lei como limite da interpretação: LARENZ, Karl.
Metodologia da Ciência do Direito. Trad. de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997, p. 501; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 97.
17 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 352; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de
Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Vol. II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 571. Nesse sentido o art. 176, 1, do Código Tributário Alemão de 1977:
“Na anulação ou alteração de ato de lançamento notificado, não pode ser considerado em detrimento do
contribuinte o fato de: 1. a Corte Constitucional Federal declarar a nulidade de uma lei, em que até então
se baseava o lançamento; 2. um tribunal superior federal não aplicar uma norma em que até então se basea-
va o lançamento, por considerá-la inconstitucional; ter-se alterado a jurisprudência de um tribunal supe-
rior federal a que havia sido aplicada pela autoridade fiscal nos lançamentos anteriores.”
18 Vide item 4.
168
Temas de Direito Constitucional Tributário
19 De acordo com o texto quanto à distinção entre a mudança de critério jurídico adotado pela Adminis-
tração, dentre as possibilidades oferecidas pela letra da lei (merecedora da tutela do art. 146 do CTN), e
o erro de direito a partir da completa desconsideração da norma (que não merece a tutela do dispositi-
vo legal), vide: MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. V. III, p. 128.
169
Ricardo Lodi Ribeiro
obrigações que o contribuinte teve que cumprir para ter direito ao favor legislati-
vo. É que estes possuem uma natureza bilateral que não pode ser desconsiderada.20
Não seria lícito que a Administração atraísse o particular para que investisse em
projeto onde está presente também o interesse público e, num momento seguinte,
cumpridas as condições pelo particular, considerasse ilegítima a concessão do favor
fiscal, motivador da atuação do contribuinte.
Sob outro prisma, é necessário perquirir se a manutenção do ato ilegal não
brindará o contribuinte em questão com uma vantagem fiscal que irá desequilibrar
a livre concorrência no mercado em que atua, em razão de os demais integrantes
deste não possuírem o mesmo tratamento favorecido.
Nessa seara, é imprescindível também o exame da boa-fé do contribuinte, que
não mais se esgota, como nos casos tutelados pelo art. 146 do CTN, na ausência de
conluio, mas exige ainda o desconhecimento pelo sujeito passivo dos vícios conti-
dos no posicionamento fazendário. Aqui, embora se presuma a boa-fé do contri-
buinte, a presunção é ilidida pelo seu conhecimento quanto à ilegalidade da con-
cessão ou à ausência dos requisitos legais no caso concreto, bem como pela culpa
grave quanto ao desconhecimento da contrariedade ao Direito no deferimento do
privilégio. Embora correta a idéia de que a presunção da boa-fé reside no desco-
nhecimento do Direito Tributário pela esmagadora maioria dos contribuintes, por
outro lado, é preciso ter a cautela de pesquisar o âmbito da norma e as condições
subjetivas, status social e a cultura do seu destinatário, não se admitindo a aplica-
ção subsuntiva do standard do homem médio extraído do plano ideal.21
Deste modo, presume-se que os benefícios concedidos a pessoas físicas e
pequenas empresas, que quase sempre não têm condições para avaliar o quadro
jurídico aplicável, geram uma crença maior na sua legitimidade por parte dos seus
170
Temas de Direito Constitucional Tributário
171
Ricardo Lodi Ribeiro
22 Para Ricardo Lobo Torres, o erro da valoração dos fatos também é, em nome da proteção à confiança legí-
tima, abrangido pela irreversibilidade do lançamento (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 575).
23 Art. 155 e seu parágrafo único, art. 155-A, § 2º, art. 172, parágrafo único, art. 179, § 2º, e art. 182, pará-
grafo único, todos do CTN.
172
Temas de Direito Constitucional Tributário
No que se refere à relação entre a decisão que declara a lei tributária incons-
titucional (ou constitucional) e os atos de aplicação da referida norma pela Admi-
24 “Art. 8º. A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I – a nulidade do ato e
a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; II – a exigibilidade
do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito corres-
pondente. Parágrafo único – As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irre-
gularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspen-
são do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos refe-
ridos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição Federal.”
25 Contra, defendendo a aplicação do princípio da proteção à confiança legítima na concessão de incenti-
vos fiscais no ICMS, sem a aprovação do CONFAZ, a partir de argumentos eruditos e instigantes:
ÁVILA, Humberto. “Benefícios Fiscais Inválidos e a Legítima Expectativa dos Contribuintes”. In:
Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 13, abril-maio, 2002.
Disponível na Internet no sítio: www.direitopublico.com.br. Acesso em 05 de maio de 2005.
173
Ricardo Lodi Ribeiro
nistração Tributária, deve-se atentar para a sede e os efeitos da decisão.26 Caso seja
extraída do controle difuso da constitucionalidade, só valerá para o caso concreto,27
a menos que exista resolução do Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da
Constituição, que retire a norma do ordenamento jurídico, em decisão, que por ter
efeitos ex nunc,28 só vale para fatos geradores ainda não ocorridos. Quanto aos fatos
geradores pretéritos, cada contribuinte deverá buscar a declaração da inconstitu-
cionalidade no caso individual, salvo o reconhecimento por parte da
Administração Tributária, como ocorre nos casos previstos no art. 19 da Lei nº
10.522/02.29
Quando a manifestação do STF, seja pela constitucionalidade ou pela incons-
titucionalidade, é exarada no controle concentrado de constitucionalidade, a deci-
são vincula os demais órgãos do Poder Judiciário, bem como a Administração
Pública, de acordo com o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.868/99, e terá efei-
tos ex tunc, salvo a aludida faculdade da Corte Suprema, nos termos do art. 27 da
Lei nº 9.868/99 e do art. 11 da Lei nº 9.882/99, conferir efeitos prospectivos à deci-
são. Neste caso, o juízo de ponderação entre a proteção à confiança e a supremacia
da Constituição é todo do STF. Assim, se nossa Corte Suprema decidir que a lei de
incidência é inconstitucional, a Administração deve devolver os valores pagos por
todos os contribuintes, respeitada a prescrição qüinqüenal, exceto nos casos em que
o Tribunal determinar a produção de efeitos prospectivos para a sua decisão, na
forma prevista nos aludidos preceitos legais.
A decisão do STF (que decide pelos efeitos prospectivos da decisão que decla-
ra o tributo inconstitucional) vai retirar a norma de incidência do ordenamento
jurídico, impedindo, porém, a repetição do indébito dos tributos pagos antes da sua
edição, sendo fruto da ponderação entre a supremacia da Constituição, que afasta a
norma que a contrarie, e a segurança jurídica baseada no risco para as finanças
públicas na devolução dos tributos para todos os contribuintes.
Parte da doutrina critica a adoção de efeitos prospectivos para a decisão que
declara o tributo inconstitucional,30 sob argumento de que a norma inconstitucio-
26 Contra: TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 351, para quem, em nome da pro-
teção à confiança legítima, os tribunais superiores devem dar efeitos retroativos a declaração de incons-
titucionalidade da lei tributária e prospectivos para a declaração gravosa ao contribuinte.
27 Muito embora os efeitos da decisão judicial só tenham validade para o caso individual, não há dúvidas
de que a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores estabelece uma certeza quanto à interpretação
da lei, podendo gerar efeitos de precedente em relação aos demais casos, a despertar a tutela da confian-
ça do contribuinte, nos termos expostos no item 5.
28 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 499; TAVARES, Ale-
xandre Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 300.
29 GRECO, Marco Aurélio e PONTES, Helenilson Cunha. Inconstitucionalidade da Lei Tributária –
Repetição do Indébito. São Paulo: Dialética, 2002, p. 35.
30 GARCIA NOVOA, César. La Devolución de Ingresos Tributarios Indebidos. Madrid: Marcial Pons,
1993, p. 138; FALCÓN Y TELLA, Ramón. “Comentario General de Jurisprudencia”. In: Revista Española
de Derecho Financiero 83: 588, 1994, apud TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 542. Entre nós:
174
Temas de Direito Constitucional Tributário
nal, sendo inexistente, não poderia gerar tributo. Porém, não se pode esquecer que
a declaração prospectiva tem justamente o condão de convalidar os atos praticados
durante o tempo em que, em nome da presunção de constitucionalidade das leis,
esta foi aplicada. Há quem defenda também que os efeitos prospectivos, sendo fun-
dados na proteção à confiança do cidadão, não poderiam ser utilizados em favor do
interesse social, como autorizado pelo art. 27 da Lei nº 9.868/99,31 sendo aplicados
apenas a favor do contribuinte, mas nunca da Fazenda Pública.32 Contudo, dada a
dimensão plural que a segurança jurídica adquire na sociedade de risco, é preciso
prevenir, como destaca García de Enterría,33 a catástrofe financeira ocasionada, em
alguns casos, pela inconstitucionalidade retroativa. Afinal, não tendo o Estado
capitalista recursos próprios e nem adicionais disponíveis para a devolução de tri-
buto a todos os seus contribuintes, deverá optar entre duas alternativas sombrias:
ou estabelece a moratória no atendimento das prestações públicas essenciais para a
população, o que acaba sempre prejudicando mais os extratos de menor renda que
dependerem das ações estatais para a subsistência; ou busca novas receitas na cria-
ção ou majoração da mesma ou de outras exações, o que torna inócua a devolução.
Se todos têm direito à devolução, todos pagarão mais para custear a repetição do
indébito. Assim, o Estado devolve com uma mão e tira com outra, como aconteceu
com a criação do adicional ao FGTS pela LC nº 110/01. Tais situações acabavam por
inibir os tribunais superiores a declarar a inconstitucionalidade de tributos, o que
torna o instrumento da declaração de inconstitucionalidade com efeitos prospecti-
vos um instrumento adequado à ponderação dos interesses em jogo pelo STF.
Quanto aos conflitos entre a decisão do STF sobre a legitimidade da lei tribu-
tária e a coisa julgada inconstitucional, cumpre afastar de plano as soluções aprio-
risticamente favoráveis à retroação das decisões de inconstitucionalidade da norma
de incidência e, ao revés, pelos efeitos prospectivos da que confirma a legitimida-
de da norma. Tais posicionamentos costumam se basear no argumento de que a
tutela constitucional dos direitos individuais deve ser exercida contra o Estado.
Deste modo, este não poderia se valer de institutos como o da coisa julgada e dos
efeitos prospectivos da inconstitucionalidade da lei para deixar de reconhecer a
prevalência da tutela da confiança no caso individual.34
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar
na Constituição de 1988. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 134.
31 Nesse sentido: SILVA, Almiro do Couto e. “O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança)...”,
p. 283.
32 TIPKE, Klaus “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 351.
33 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. “Justicia Constitucional. La Doctrina Prospectiva en la Declaración
de Ineficacia de las Leyes Inconstitucionales”. Revista de Direito Público 92: 14, 1989.
34 Por todos, partindo do pressuposto que o Estado não pode invocar a coisa julgada contra o cidadão: FIS-
CHER, Octavio Campos. Os Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Tributário
Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, pp. 291-292: “havendo conflito entre (i) uma decisão judicial
prejudicial ao contribuinte (que declarou constitucional ou inconstitucional uma norma), já transitada
175
Ricardo Lodi Ribeiro
em julgado (e com o prazo da rescisória já superado) e (ii) uma decisão do Supremo Tribunal Federal que
beneficie aquele (por ter declarado inconstitucional ou constitucional uma norma), esta última deve
prevalecer. Assim, o contribuinte poderia propor ação com o fim de rever a decisão que lhe é desfavo-
rável. Entretanto, ao contrário, se houver conflito entre (i) uma decisão judicial benéfica ao contribuin-
te (que declarou constitucional ou inconstitucional uma norma), já transitada em julgado (ainda que não
tenha decorrido o prazo da rescisória) e (ii) uma decisão do Supremo Tribunal Federal que o prejudique
(por ter declarado inconstitucional ou constitucional uma norma), esta não deve prevalecer nesse caso
específico, não podendo o fisco utilizar-se de ação rescisória. Em suma, não se forma coisa julgada a favor
do fisco e contra os interesses do contribuinte”. No mesmo sentido: PONTES, Helenilson Cunha. Coisa
Julgada Tributária e Inconstitucionalidade. São Paulo: Dialética, 2005, p. 169.
35 Sobre a ambivalência da lei fiscal e do caráter plural da segurança jurídica, vide RIBEIRO, Ricardo Lodi.
“A Segurança dos Direitos Fundamentais do Contribuinte na Sociedade de Risco”. In: SARMENTO,
Daniel e GALDINO, Flavio. Direitos Fundamentais – Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo
Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 731-767.
36 No mesmo sentido do texto, defendendo a prevalência da decisão do STF (seja pela constitucionalidade
ou pela inconstitucionalidade da lei tributária) sobre a coisa julgada individual, em nome do princípio
da livre concorrência, vide: SCAFF, Fernando Facury. “Efeitos da Coisa Julgada em Matéria Tributária
e o Princípio da Livre Concorrência”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais
do Direito Tributário. Vol. 9. São Paulo: Dialética, 2005, p. 135. Registre-se a posição de Júlio César Rossi
176
Temas de Direito Constitucional Tributário
que defende a possibilidade de afastamento da coisa julgada inconstitucional com base no art. 146-A da
CF, com o manejo da ação rescisória, dos embargos do devedor e da ação declaratória para o enfrenta-
mento da questão. (ROSSI, Júlio César. “O Controle da Constitucionalidade e seus Efeitos sobre a Coisa
Julgada em Matéria Tributária”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do
Direito Tributário. Vol. 9. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 394-395).
37 MACHADO, Hugo de Brito. “Coisa Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária”.
In: MACHADO, Hugo de Brito. Coisa Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária.
São Paulo: Dialética, 2006, pp. 168-169: “O direito à segurança jurídica, do qual a proteção à coisa jul-
gada é desdobramento, é, como todo direito fundamental, relativo. Encontra limite em outros direito
fundamentais, com os quais deve ser ponderado e conciliado. Um deles é o princípio da isonomia.
Prestigiar a coisa julgada mesmo em relação a fatos futuros, em relação jurídica continuativa, como ocor-
re no caso de que se cuida, geraria uma situação de profunda e permanente desigualdade entre o consu-
lente e outros contribuintes em situação equivalente. A solução que, a nosso ver, é a mais adequada, e
que tende a prevalecer, é a de considerar a decisão do STF como direito novo. Trata-se de alteração no
contexto fático/jurídico à luz do qual o acórdão foi proferido, e que impede a produção de sues efeitos
quanto a fatos posteriores que ocorrem no âmbito das relações continuativas. Assim, parece-nos que a
decisão com trânsito em julgado, que tenha apreciado a questão de saber se determinado tributo é devi-
do, ou indevido, e qual o respectivo montante, produz seus efeitos até a data em que se torna definitiva
a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sentido oposto.”
177
Ricardo Lodi Ribeiro
centrado, ou, no controle difuso, por ação declaratória, embargos do devedor e até
ação rescisória.38
38 Para Leonardo Greco a superação da coisa julgada em nome da isonomia e da prevalência da posição do
STF só caberia em sede dos casos e prazos da ação rescisória (GRECO, Leonardo. “Coisa Julgada,
Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária”. In: MACHADO, Hugo de Brito. Coisa
Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária. São Paulo: Dialética, 2006, p. 298).
39 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”, p. 351.
178
Temas de Direito Constitucional Tributário
40 STJ, 1ª Seção, AgRgREsp nº 382.736-SC, Rel. p/acórdão: Min. Francisco Peçanha Martins, DJU 22/02/04,
p. 91. Voto disponível na Internet no sítio do tribunal: www.stj.gov.br, na seção inteiro teor, acesso em
28/04/07.
41 STF, Pleno, MC Rcl nº 2.518/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 10/02/04; STF, Pleno, MC Rcl nº 2.475/MG,
Min. Carlos Velloso, j. 10/02/04; STF, Pleno, Rcl nº 2.517-9/RJ, Min. Joaquim Barbosa, j. 18/12/03.
179
Ricardo Lodi Ribeiro
42 STF, Pleno, RE nº 377.457-PR e RE nº 381.694/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, que no momento apre-
senta oito votos favoráveis à constitucionalidade da revogação da isenção (Ministros Gilmar Mendes,
Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Cezar Peluso, Sepúlveda
Pertence e Celso de Mello) e um contra (Min. Eros Grau), tendo os referidos julgamentos sido suspen-
sos em virtude do pedido de vista do Min. Marco Aurélio.
43 No presente momento em que se escreve, embora a maioria dos Ministros do STF já tenha decidido, em
Plenário, pela constitucionalidade da revogação da isenção concedida pelo art. 6º da LC nº 70/91, o jul-
gamento ainda não terminou (vide nota anterior). Na 1ª Turma, a primeira publicação de decisão no sen-
tido da constitucionalidade da revogação da isenção se deu em 30/06/06 (STF, 1ª Turma, RE nº 419.629-
DF, DJU 30/06/06, p. 16). Na 2ª Turma, ainda não se registra decisão publicada nesse sentido. Assim, de
acordo com o posicionamento adotado no texto, os efeitos da Súmula 276 do STJ ainda estão valendo até
a publicação de acórdão da 2ª Turma, ou do Plenário do STF, o que ocorrer primeiro.
44 A questão foi discutida no Plenário do STF, no RE nº 353.657, onde o Ministro Ricardo Lewandowski
suscitou questão de ordem sobre a possibilidade da Corte conferir efeitos prospectivos à decisão que
negou ao contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o direito ao crédito do valor do
tributo incidente sobre insumos (matérias-primas) adquiridos sob regime de isenção, não tributados ou
tributados à alíquota zero, em nome da proteção à confiança legítima do contribuinte, face à mudança
de posição do Tribunal (STF, Pleno, RE nº 353.657-PR, Min. Marco Aurélio). A questão foi conhecida
180
Temas de Direito Constitucional Tributário
manter sua posição, mesmo diante da possibilidade concreta de sua superação pelo
STF, em face do precedente da ADC nº 1-1/DF.
Por outro lado, se o peso da dignidade da confiança nesse juízo de ponderação
é alto quando se discute o dever de pagar tributo em relação a fatos geradores que,
na data da propositura da ação, eram futuros, mas que hoje são pretéritos, o mesmo
não se dá em relação a demandas a respeito do direito de repetir ou compensar tri-
butos que já foram recolhidos pelo contribuinte. Tal distinção se justifica pelo maior
grau de lesão à segurança jurídica quando o novo posicionamento jurisprudencial
determina o pagamento de tributos que, ancorados por decisões judiciais anteriores,
não foram recolhidos no tempo próprio e que, por isso mesmo, provavelmente45 não
compuseram a equação de custos dos contribuintes. Já no pedido de restituição ou
compensação, pago o tributo no momento previsto em lei, a repercussão econômi-
ca faz com que esses custos sejam absorvidos pelos consumidores, sendo a negativa
de sua devolução pelo novo posicionamento dos Tribunais, frustração que represen-
ta uma baixa dignidade da confiança, nos termos defendidos no texto.
Assim, nos parece que os Tribunais Superiores não devem, com base no prin-
cípio da proteção à confiança, conferir efeitos prospectivos às decisões que, modifi-
cando posicionamento anterior, negam o direito ao crédito do valor do IPI inciden-
te sobre insumos (matérias-primas) adquiridos sob regime de isenção, não tributa-
dos ou tributados à alíquota zero,46 bem como às que passaram a considerar extinto
o crédito-prêmio criado pelo DL nº 491/69 em relação ao referido imposto.47
pelo Tribunal, porém, rejeitada no mérito, uma vez que o reconhecimento de efeitos prospectivos no
caso subverteria o resultado do julgamento da matéria, uma vez que o direito ao referido creditamento
era discutido somente em relação ao passado.
45 Ainda que o princípio contábil do conservadorismo determine a provisão desses recursos e, em conse-
qüência, a sua repercussão econômica nos preços praticados, a realidade das empresas nacionais, subme-
tidas a uma carga tributária asfixiante, revela, na prática, o imediato aproveitamento nos custos das van-
tagens fiscais obtidas por decisões judiciais provisórias baseadas na jurisprudência pacífica dos Tribunais
Superiores, já que, nestes casos, o grau do risco de perda é considerado baixo pelas auditorias contábeis.
46 Vide nota nº 43.
47 Contra: BARROSO, Luís Roberto. “Mudança da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Matéria
Tributária. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais”. Revista de
Direito do Estado 2: 284, 2006: “nos termos do sistema constitucional em vigor no Brasil, não se pode
admitir a aplicação retroativa de eventual nova decisão do STF que modifique seu entendimento ante-
rior acerca do direito ao creditamento de IPI e gere, do ponto de vista econômico, majoração do tribu-
to a ser pago.”
181
XI
O Princípio da Anterioridade Tributária
Sumário: 1) Introdução. 2) Temporariedade, Anualidade e Anterioridade. 3) A Evolução no
Brasil: da Anualidade à Anterioridade. 4) O Princípio da Anterioridade Tributária na Cons-
tituição de 1988. 5) A Anterioridade Nonagesimal. 6) A Noventena Constitucional. 7) A
Anterioridade e as Emendas Constitucionais. 8) A Revogação de Isenção e a Anterioridade.
1) Introdução
1 TIPKE, Klaus. “La retroactividad en Derecho Tributario”. In: AMATUCCI, Andrea (org.), Tratado de
Derecho Tributario, Bogotá: Temis, 2001, p. 342.
2 NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualidade tributária.” Revista Forense 267:77.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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11 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Atualizada por Misabel de
Abreu Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 185, onde o autor noticia que alguns estados norte-ame-
ricanos adotam o princípio da anualidade, como Califórnia, Indiana, Kansas, Mississipi, Nebraska e
Tennessee.
12 NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualidade tributária”, p. 81.
13 SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda Y Derecho. Tomo I, p. 325.
14 SANCHES, J. L. Saldanha. Manual de Direito Fiscal. Lisboa: Lex, 1998, p. 49, onde o autor sustenta que
a não-previsão do tributo no orçamento impede a sua cobrança por se traduzir na cessação da autoriza-
ção contida na lei instituidora.
15 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, p. 52, onde o autor também sus-
tenta que o princípio da anualidade estava previsto, conforme concebido pela Constituição Francesa de
1791, no Projeto de Antônio Carlos discutido pela Constituinte de 1823, dissolvida por D. Pedro I.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
23 Nesse sentido, a maioria da doutrina. Por todos: ATALIBA, Geraldo. Interpretação no Direito Tri-
butário. São Paulo: Saraiva, 1975, pp. 36-37. Contra: NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualida-
de tributária”, p. 75, onde o autor defende a sobrevivência do princípio da anualidade na ordem consti-
tucional de 1969 como princípio implícito, decorrente do art. 62 da EC nº 1/69, que estabelecia a anua-
lidade orçamentária.
24 A doutrina majoritária advoga a substituição constitucional do princípio da anualidade tributária pelo
da anterioridade tributária. Por todos: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional
Financeiro e Tributário – Vol. II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 557; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 30. Contra: NOVELLI, Flávio Bauer. “Anualidade e Anterioridade na Constituição
de 1988”. Revista de Direito Tributário 51: 22, 1990, que defende ser a anualidade tributária princípio
implícito, decorrente da anualidade orçamentária, da legalidade e do regime democrático. Tal posição,
embora fundamentada de forma instigante e erudita, nos parece demasiada, a medida que tais princí-
pios, que estão presentes em diversas constituições, não levam, necessariamente, à anualidade tributá-
ria, instituto em extinção em todo o mundo.
25 STF, Pleno, RE nº 85.373-SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra, RTJ 83/501.
26 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja
sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;”
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Ricardo Lodi Ribeiro
fatos geradores ocorridos no mesmo exercício financeiro em que tenha ela sido
publicada. Assim, não basta que o pagamento do tributo seja previsto para o ano
seguinte, mas se exige que o fato gerador ocorra no ano seguinte ao da alteração
legislativa. No entanto, em relação a fatos geradores complexos ocorre um esvazia-
mento do seu conteúdo, também no que concerne ao princípio da anterioridade,
em razão da aplicação da Súmula nº 584 do STF, que admite a aplicação da lei tri-
butária no mesmo ano em que ocorreu o fato gerador do imposto de renda.
Embora exista abalizada doutrina27 que lhe atribua eficácia também de prin-
cípio,28 com fundamento na previsibilidade a ser buscada pelo legislador, a anterio-
ridade é eminentemente uma regra,29 uma vez que a tutela das situações que não
estão por ela protegidas, quando baseadas na proteção da confiança legítima em
relação às alterações do ordenamento jurídico-tributário, fundamenta-se no prin-
cípio da não-surpresa, faceta axiológica da irretroatividade. Deste modo, a previsi-
27 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 34: “O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituição ou aumento
de tributos, então só pode haver cobrança no exercício seguinte àquele em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou, é aplicado como regra se o aplicador entendê-lo como mera exigência de
publicação de lei antes da ocorrência do fato gerador do tributo, e pode ser aplicado como princípio se
o aplicador concretizá-lo com a finalidade de realizar o valor segurança para proibir o aumento de tri-
buto no meio do exercício financeiro em que a realização do fato gerador periódico já se iniciou, ou com
o objetivo de realizar o valor confiança para proibir o aumento individual de alíquotas, quando o Poder
Executivo publicou decreto anterior prometendo baixá-las”.
28 No texto é adotada a concepção de Alexy e Dworkin para a distinção entre princípios e regras: ALEXY,
Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 2002, p. 86: “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es
que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro
de las possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimiza-
ción, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la
medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurí-
dicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos. En
cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de
hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinacio-
nes en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y prin-
cipios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio.” DWORKIN, Ronald.
Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, pp. 39-40: “A dife-
rença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões
apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas dis-
tinguindo-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-
ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela
oferece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. (...) Mas não é
assim que funcionam os princípios apresentados como exemplo nas citações. Mesmo aqueles que mais
se assemelham a regras não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quan-
do as condições são dadas.” Vale o registro da posição de Humberto Ávila, para quem a distinção nem
sempre pode ser aceita, uma vez que as regras também podem ser ponderadas, enquanto existem situa-
ções onde o princípio se aplica ou não (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios..., pp. 41 e segs.).
29 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000, p. 51; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003, p. 22.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
a) no caso do II, IE, IPI, IOF, ICMS e CIDE sobre combustíveis, pelo caráter
extrafiscal de tributos que funcionam como verdadeiros instrumentos de
política econômica do Governo, que precisa ser dotada de agilidade, a fim
de que tenha eficácia;
b) no caso do empréstimo compulsório de guerra e calamidade pública e no do
imposto extraordinário de guerra, pela urgência exigida pelas despesas a
que se destinam esses tributos, o que os torna incompatíveis com a idéia de
anterioridade.
30 Embora tendo sido uma criação da jurisprudência do nosso STF, e, por conta disso, uma exclusividade
nacional por muito tempo, o princípio da anterioridade é, hoje, também previsto na Constituição da
Colômbia (1991), art. 338, § 3º, com redação dada pela reforma constitucional de 2004.
31 Por todos: FANUCCHI, Fabio. Direito Tributário – Comentários ao CTN. Vol. 3. São Paulo; J. Bushatshy,
1977, p. 15.
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Ricardo Lodi Ribeiro
5) A Anterioridade Nonagesimal
32 NOVELLI, Flávio Bauer. “O princípio da anualidade tributária”, p. 90. No mesmo sentido: FERRAZ JR.,
Tércio Sampaio. “Anterioridade e Irretroatividade no Campo Tributário”. In: TÔRRES, Heleno Taveira.
Tratado de Direito Constitucional Tributário – Estudos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 237.
33 “Art. 62, § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos
nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001).”
34 Contra: LOPES, Mauro Luís Rocha. “O Princípio da Anterioridade e a Reforma Tributária – E.C.
42/2003”. In: ROSA, Eugênio (Coord.), A Reforma Tributária da Emenda Constitucional nº 42/2003. Rio
de Janeiro, Lumen Juris, 2004, p. 153, que sustenta a aplicação do dispositivo a todos os tributos.
35 STF, Pleno, RE nº 138.284-CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 28/08/92, p. 13.456.
192
Temas de Direito Constitucional Tributário
de uma norma em relação a fatos geradores que seriam encerrados após a conclu-
são da noventena, mas que englobava situações fáticas iniciadas antes do referido
prazo, com o que resta esvaziada a regra.36
Conforme também já decidido pelo STF, nas contribuições instituídas por
medida provisória que foi reeditada (o mesmo vale para a que teve o seu prazo
prorrogado com base na EC nº 32/01), o prazo de noventa dias começa a fluir da
primeira edição da norma, e não da publicação da lei de conversão, desde que não
haja alterações significativas e nem solução de continuidade entre as edições.37
Entendeu também o STF que a anterioridade nonagesimal só se aplica em
relação aos tributos instituídos ou majorados pela lei nova e não aos que tiveram
sua vigência prorrogada, como a CPMF.38 Ressalte-se que o entendimento esposa-
do na decisão – embora nos pareça equivocado, uma vez que a prorrogação da
vigência da lei tributária temporária equivale à criação de tributo em relação ao
tempo posterior a previsão original – também se aplica às limitações constitucio-
nais do art. 150, III, b e c.
6) A Noventena Constitucional
36 STF, Pleno, RE nº 197.790/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 21/01/97, p. 60.600.
37 STF, Pleno, RE 169.740/PR, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 17/11/95, p. 39.217.
38 STF, Pleno, ADIn nº 2.666/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 06/12/02, p. 51: “Ocorrência de mera pror-
rogação da Lei nº 9.311/96, modificada pela Lei nº 9.539/97, não tendo aplicação ao caso o disposto no §
6º do art. 195 da Constituição Federal. O princípio da anterioridade nonagesimal aplica-se somente aos
casos de instituição ou modificação da contribuição social, e não ao caso de simples prorrogação da lei
que a houver instituído ou modificado.”
39 GRECO, Marco Aurélio. “Anterioridade Nonagesimal na EC nº 42/2003”. In: SARAIVA FILHO,
Oswaldo Othon (Org.). Reforma Tributária – Emendas Constitucionais nº 41 e nº 42, de 2003, e nº 44,
de 2004. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 216.
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Ricardo Lodi Ribeiro
40 Como noticia Ricardo Mariz de Oliveira, o texto original da PEC nº 41/03, que deu origem à EC nº 42/03,
não previa a regra da noventena, que foi inserida nas emendas substitutivas aprovadas na Câmara dos
Deputados. Porém, tais emendas não previam a exclusão do IR, o que só veio a se dar com a Emenda
Aglutinativa nº 27, de 03/09/2003. (OLIVEIRA, Ricardo Mariz. “Ampliação do Âmbito do Princípio da
Anterioridade das Leis Tributárias”. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon (Org.). Reforma Tributária –
Emendas Constitucionais nº 41 e nº 42, de 2003, e nº 44, de 2004. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 267).
41 Registre-se a posição de Ricardo Lobo Torres, que defende que, mesmo em face da redação dada a EC nº
42/03, a noventena não se aplica ao IPI (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado...., v. II, Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 563).
194
Temas de Direito Constitucional Tributário
Quanto à conjugação da nova regra do art. 150, III, c, com a do § 2º do art. 62,
que dispõe que as medidas provisórias que instituírem ou majorarem impostos só
poderão ser aplicadas no exercício seguinte ao da conversão em lei, de modo a exi-
gir que a aplicação da norma editada pelo Presidente da República esteja condicio-
nada não só à sua conversão em lei no exercício anterior ao da incidência, mas tam-
bém que a promulgação legislativa se dê noventa dias antes da cobrança, nos pare-
ce construção que, embora desejável, e até já defendida em doutrina,44 não se possa
extrair do atual Texto Constitucional.
195
Ricardo Lodi Ribeiro
Tal decisão, pela sua amplitude, foi criticada em doutrina, por Flávio Bauer
Novelli, que entendeu, com razão, não ser o referido princípio uma cláusula pétrea,
e nem ter a EC nº 3/93, ao excepcionar a anterioridade em relação ao IPMF, che-
gado a violar o núcleo essencial do aludido direito individual.46 De fato, a decisão
do STF parece se apoiar numa tendência, muito difundida no Brasil após a promul-
gação da Constituição de 1988, de universalização das cláusulas pétreas a situações
que não merecem ser protegidas contra a alteração do legislador futuro. Porém, é
de se notar que a banalização das cláusulas pétreas não encontra adesão pacífica no
próprio STF, como revela o voto do Min. Joaquim Barbosa, no julgamento da cons-
titucionalidade da contribuição dos servidores aposentados, em discussão que tan-
genciou o tema da proteção ao direito adquirido como cláusula pétrea.47
A discussão sobre as cláusulas pétreas se insere no conflito entre a Soberania
Popular e o Constitucionalismo, com a primeira representada pelo predomínio da
vontade da maioria, e o último com a contenção jurídica do poder em nome da
liberdade do cidadão.48 A sua adoção, em nosso ordenamento constitucional, se por
46 NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da
Emenda Constitucional nº 3/93”. Revista de Direito Administrativo 199: 21-57, 1995.
47 STF, Pleno, ADIn nº 3.105-8/DF, Rel. p/Acórdão: Min. Cezar Peluso, DJU 18/02/05, trecho do voto do
Min. Joaquim Barbosa, obtido no sítio do STF (www.stf.gov.br, acesso em 03/05/07): “Contudo, ante a
amplitude desmesurada que se lhe quer atribuir, vejo a teoria das cláusulas pétreas como uma constru-
ção intelectual conservadora, antidemocrática, não razoável, com uma propensão oportunista e utilita-
rista a fazer abstração de vários outros valores igualmente protegidos pelo nosso sistema constitucional.
Conservadora porque, em essência, a ser acolhida em caráter absoluto, como se propõe nesta ação dire-
ta, sem qualquer possibilidade de limitação ou ponderação com outros valores igualmente importantes,
tais como os que proclamam o caráter social do nosso pacto político, a teoria das cláusulas pétreas terá
como conseqüência a perpetuação da nossa desigualdade. Constituiria, em outras palavras, um formidá-
vel instrumento de perenização de certos traços da nossa organização social. A Constituição de 1988 tem
como uma das suas metas fundamentais operar profundas transformações em nosso quadro social. É o
que diz seu art. 3º, incisos III e IV. Ora, a absolutização das cláusulas pétreas seria um forte obstáculo
para a concretização desse objetivo. Daí o caráter conservador da sua pretendida maximização. Essa teo-
ria é antidemocrática porque, em última análise, visa a impedir que o povo, por intermédio de seus
representantes legitimamente eleitos, promova de tempos em tempos as correções de rumo necessárias
à eliminação paulatina das distorções, dos incríveis e inaceitáveis privilégios que todos conhecemos. O
povo tem, sim, o direito de definir o seu futuro, diretamente ou por meio de representantes ungidos com
o voto popular. Além de antidemocrática, a tese que postula a imutabilidade perpétua de certas caracte-
rísticas de nosso pacto é ilusória. No constitucionalismo moderno, somente por intermédio dos procedi-
mentos da emenda constitucional e da jurisdição constitucional, fenômeno jurídico hoje quase univer-
sal, é que se consegue manter a sincronização entre a Constituição e a realidade social, cuja evolução é
contínua e se dá em ritmo avassalador. Ou seja, é insensato conceber que o constituinte originário possa
criar aquilo que o professor Canotilho qualifica como uma ‘constituição imorredoira e universal’. A evo-
lução do pacto constitucional deve ser a regra, sob pena de se criar um choque de gerações, que pode até
mesmo conduzir à esclerose do texto constitucional e do pacto político que ele materializa”.
48 SARMENTO, Daniel. “Direito Adquirido, Emenda Constitucional, Democracia e Justiça Social”. In:
SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 5. Sobre a fundamentação
das doutrinas que, historicamente, censuravam e defendiam as mudanças no texto constitucional, vide:
ZAGREBELSKY, Gustavo. Historia y Constitución. Trad. Miguel Carbonell. Madrid: Trotta, 2005, pp. 38
e segs. Para o exame do tema nos EUA, onde a Constituição não prevê cláusula pétrea, vide: ACKER-
MAN, Bruce. Nós, o Povo Soberano – Fundamentos do Direito Constitucional. Trad. Mauro Raposo de
196
Temas de Direito Constitucional Tributário
um lado não deixa de impor uma limitação dos poderes de decisão das gerações futu-
ras sobre temas que foram petrificados pela geração que elaborou a Constituição,49
por outro, torna-se fundamental na sustentação do Estado Democrático de Direito
e dos direitos fundamentais que não podem ficar à mercê das paixões de maiorias
legislativas eventuais, a fim de “evitar que pela via formal-legalista de uma lei de
reforma constitucional, o ordenamento constitucional vigente venha a ter suprimi-
dos (beseitigt) sua substância e seus fundamentos, e possa ser indevidamente usado
para posterior legalização de um regime totalitário”.50
Embora sejam achados registros de casos isolados de dispositivos constitucionais
protegidos contra o poder de reforma desde o séc. XIX, é com desmoronamento dos
direitos fundamentais consagrados pela Constituição de Weimar, diante da ascensão
dos nazistas, a partir de um regramento constitucional que não encontrava qualquer
limite material ao poder de reforma, é que o tema das cláusulas pétreas ganhou
importância nos textos constitucionais promulgados após a II Guerra Mundial.51
Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, pp. 9-21, onde o autor se opõe ao fundamentalismo na defesa dos
direitos fundamentais contra as alterações constitucionais, defendido por Dworkin e Rawls, e também ao
monismo dos que sustentam a supremacia da vontade popular expressada no Parlamento sobre aqueles
direitos, como Oliver Holmes e John Ely, propondo um dualismo, em que o Congresso é livre para alte-
rar as regras cotidianas, salvo nos temas em que o povo se mobiliza para alterar e redefinir sua própria iden-
tidade política, em julgamentos que devem ser da “corrosão ilegítima, por meio de decisões estatutárias de
um governo regular”. Sobre o debate entre o dualismo de Ackerman e o fundamentalismo de Dworkin e
Rawls, vide também: CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva – Elementos da
Filosofia Constitucional Contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. 167-170.
49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra:
Almedida, 1998, p. 943: “O verdadeiro problema levantado pelos limites materiais do poder de revisão
é este: será defensável vincular gerações futuras a idéias de legitimação e a projetos políticos que, pro-
vavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o legislador constituinte? Por outras palavras que se
colheram nos Writings de Thomas Jefferson: ‘uma geração de homens tem o direito de vincular outra?’
A resposta tem de tomar em consideração a evidência de que nenhuma constituição pode conter a vida
ou parar o vento com as mãos. Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos histó-
ricos, e, conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa. Mas há
também que assegurar a possibilidade de as constituições cumprirem a sua tarefa, e esta não é compatí-
vel com a completa disponibilidade da constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o
órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário. Não deve banalizar-se a sujeição da lei fundamental à
disposição das maiorias parlamentares de ‘dois terços’. Assegurar a continuidade da constituição num
processo histórico em permanente fluxo implica, necessariamente, a proibição não só de uma revisão
total (desde que isso não seja admitido pela própria constituição), mas também de alterações constitu-
cionais aniquiladoras da identidade de uma ordem constitucional histórico-concreta. Se isso acontecer
é provável que se esteja perante uma nova afirmação do poder constituinte mas não perante uma mani-
festação do poder de revisão.”
50 STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland. V. I, 2. ed. Munique: C. H. Bech, 1984,
p. 167, apud: NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitucional?..., p. 47.
51 De acordo com Oscar Vilhena Vieira, apenas a Constituição da Noruega de 1814 e a Constituição
Francesa de 1875, após a Reforma de 1884, previam a limitação do poder de reforma em relação a deter-
minadas matérias, sendo a importância para o tema despertada após a ascensão do nazifascismo: “Nesse
contexto de Constituições flexíveis e de um Estado com pretensões de neutralidade, que atravessa todo
o século XIX, a idéia de cláusulas constitucionais intangíveis é quase inconcebível. Mesmo as Consti-
tuições rígidas do início do século XX, que não foram outorgadas por um monarca, como a Constituição
197
Ricardo Lodi Ribeiro
Deste modo, a interpretação das cláusulas pétreas deve limitar a sua proteção,
como afirma Daniel Sarmento, ao “que é realmente necessário para a continuidade
do projeto constitucional de construção de uma democracia substancial, de cida-
dãos livres e iguais”.52 E não impor decisões conjunturais do constituinte originá-
rio às gerações futuras, incluindo direitos absolutamente secundários para a preser-
vação da democracia e da dignidade humana.53
Nesse diapasão, é de se perquirir se o princípio da anterioridade constitui uma
das garantias fundamentais para a manutenção do Estado Social e Democrático de
Direito e dos compromissos materiais assumidos pelo Texto Maior de 1988.
Considerando a imprevisibilidade do futuro, evidenciada pela sociedade de risco,
onde a segurança se volta para o passado, não podendo ser garantida de forma abso-
luta em relação ao futuro,54 a resposta a essa pergunta nos parece negativa,55 vei-
culando a Constituição uma regra que não se insere entre os elementos essenciais
do Estado Social e Democrático de Direito, pois não constitui nem em garantia da
sua manutenção, nem da preservação da própria idéia de segurança jurídica do con-
tribuinte, muito mais bem agasalhada pelos princípios da irretroatividade e da pro-
teção da confiança legítima. Como bem ressaltou o Min. Francisco Rezek em voto
de Weimar, de 1919, não estabelecem limites materiais ao poder de reforma exercido extraordinaria-
mente pelo Parlamento. As Constituições de diversos países europeus apenas irão se familiarizar com o
conceito de cláusulas dotadas de uma rigidez superior às demais normas da Constituição após a II Guerra
Mundial, como reflexo do nazismo e do fascismo. A tomada do poder por Mussolini e as alterações do
Estatuto Albertino de 1848, levadas a cabo para legalizar o regime fascista, do ponto de vista constitu-
cional não oferecem muitos problemas, visto tratar-se esse Estatuto de uma Constituição de caráter fle-
xível. Assim, a alteração da base da soberania pôde ser realizada sem que houvesse qualquer ruptura com
a Constituição formal. Nesse sentido serão as alterações do sistema constitucional de Weimar, realiza-
das dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição, logo nos primeiros meses de governo de
Hitler, que alertarão para a necessidade de construção de barreiras mais seguras contra a erosão consti-
tucional” (VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça – Um ensaio sobre os limi-
tes materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 90-91).
52 SARMENTO, Daniel. “Direito Adquirido, Emenda Constitucional...”, p. 14. Para Konrad Hesse, a limi-
tação ao poder de reforma veda a modificação capaz de “abolir a identidade da ordem histórico-concre-
ta que fundamenta a Lei Fundamental. Isso seria o caso, em uma modificação do núcleo material da
Constituição, isto é, dos elementos fundamentais da ordem democrática e estatal-jurídica da Lei
Fundamental” (HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da
Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, p. 512).
53 VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça..., p. 246.
54 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 58.
55 NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitucional?..., p. 33: “a anterioridade, embora
consubstancie, enquanto limitação do poder de tributar, garantia constitucional do contribuinte, não
constitui, entretanto, rigorosamente falando, verdadeiro direito fundamental, ou seja, tal como a “fina-
da” anualidade tributária, não constitui um dos direitos fundamentais ou individuais invioláveis direta
e imediatamente tutelados contra o exercício do poder de emenda, pelo art. 60, § 4º, nº IV, da
Constituição Federal. Segue-se daí, ao nosso ver, necessariamente, que uma emenda constitucional, tal
como a Emenda nº 3/93, poderia, em princípio, não apenas restringi-la, limitá-la, suspendê-la ou derro-
gá-la, mas até mesmo aboli-la, desde que, assim fazendo, não viria a afetar-se o núcleo intangível, o con-
teúdo essencial do direito fundamental também por ela garantido, no caso, o direito individual inviolá-
vel à segurança jurídica”.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
56 STF, Pleno, ADInMC nº 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 17/12/93, p. 28.066, trecho do voto do
Min. Francisco Rezek, , obtido no sítio do STF (www.stf.gov.br, acesso em 03/05/07): “Mas não acho que
a regra da anterioridade seja um princípio intocável pelo próprio Congresso Nacional, em trabalho de
emenda à Carta. Começaria a ver nessa regra algo parecido com um princípio em favor do cidadão, do
contribuinte, se pelo menos ela pretendesse, para evitar o fato surpresa, estabelecer para nós todos uma
garantia de acomodação, dizendo que não se nos pode exigir um tributo que não tenha sido inventado,
pelo legislador, pelo menos seis, doze ou vinte e quatro meses antes. Embora sujeitos, os brasileiros, a
surpresa de toda ordem no seu dia-a-dia, a regra nos soaria como um princípio que nos previne contra
a surpresa ocasionada pelo Estado enquanto entidade tributante. Mas, não, a regra não diz nada disso.
Ela diz que não se cobra, em certo exercício, aquilo que não tenha sido concebido legislativamente no
exercício anterior. Assim, nenhum de nós está livre de ser legitimamente cobrado, na primeira semana
de janeiro, de um tributo que se tenha inventado na última semana de dezembro. Santo Deus! Isso não
é garantia para ninguém. O que há aí é mera regra de comodidade orçamentária, para que as empresas
se organizem, para que o erário se organize em função do ano civil. Não vejo aí uma regra que venha
estabelecer um intervalo cronológico, justo e razoável, entre o momento em que se institui o tributo e
o momento em que se cobra o tributo. Não vejo, por isso, como dizer que a emenda constitucional ora
em exame viola um princípio concebido para dar segurança aos cidadãos.”
57 STF, Pleno, ADIn nº 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 18/03/94, p. 5.165, trecho do voto do Min.
Sepúlveda Pertence, obtido no sítio do STF (www.stf.gov.br, acesso em 03/05/07): “Creio que na demar-
cação de qual seja a extensão da limitação material ao poder de reforma constitucional, que proíbe a deli-
beração sobre propostas tendentes a abolir direitos e garantias individuais, o intérprete não pode fugir a
uma carga axiológica a atribuir, no contexto da Constituição, a eventuais direitos e garantias nela inse-
ridos, E não consigo, por mais que me esforce, ver, na regra da anterioridade, recortada de exceções no
próprio Texto de 1988, a grandeza de cláusula perene, que se lhe quer atribuir, de modo a impedir ao
órgão de reforma constitucional a instituição de um imposto provisório que a ela não se submeta.”
58 NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitucional?..., pp. 45-46 e 49: “os limites do poder
de emenda não são em absoluto transgredidos (e, portanto, que uma emenda não viola a constituição)
tão-somente porque se dê às matérias postas ao abrigo daqueles limites uma diversa disciplina, ou por-
que sejam elas até mesmo eventualmente restringidas em favor de determinado interesse constitucio-
nalmente valioso. Tais limites propriamente não se transgridem, senão quando a modificação ou a res-
trição trazida pela lei constitucional (emenda), por atingir o cerne constitucional intangível” (PONTES
DE MIRANDA), o chamado conteúdo essencial dos interesses valores ou princípios por ele tutelados,
comprometa – para repetir SCHMITT – a identidade e a continuidade da Constituição, ao ponto de des-
figurá-la, de torná-la uma outra. Assim, uma emenda constitucional viola substancialmente a
Constituição se, por exemplo, por meio dela, um direito fundamental, tal como direito à segurança jurí-
dica é – para usar a mesma expressão empregada por SCHMITT – suprimido ou aniquilado (vernichtet),
199
Ricardo Lodi Ribeiro
200
Temas de Direito Constitucional Tributário
61 Súmula nº 615: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revo-
gação de isenção do ICM” (DJU 29/10/1984).
62 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 155.
201
Ricardo Lodi Ribeiro
202
XII
O Princípio da Capacidade Contributiva
Sumário: 1) Introdução. 2) Breve Histórico da Capacidade Contributiva. 3) Fundamento,
Conteúdo e Extensão do Princípio da Capacidade Contributiva. 4) Conflitos da Capacidade
Contributiva com Outros Interesses Almejados pela Tributação. 5) A Capacidade Contri-
butiva como Princípio Interpretativo. 6) Conclusões.
1) Introdução
1 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Havard University Press, 1980, p. 24.
2 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés: Centro de
Estúdios Constitucionales, 1993, p. 86.
3 LARENZ, Karl. Derecho Justo – Fundamentos de Etica Jurídica. Tradução de Luis Díez-Picazo. Madrid:
Civitas, 1985, p. 32.
4 Sobre a distinção de princípio e regra, diz J. J. CANOTILHO: “As diferenças qualitativas traduzir-se-ão,
fundamentalmente, nos seguintes aspectos. Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impo-
sitivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condiciona-
mentos fáticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência
(impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-
or-nothing fashion);” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedida, 1998, p. 1.035.
203
Ricardo Lodi Ribeiro
Maior o próprio valor da Igualdade, com toda a sua carga abstrata, demandando
uma concretização e integração pela regra. De outro lado, temos princípios, como
o da anterioridade, que se revelam verdadeira regra inspirada no princípio da segu-
rança jurídica.5
Ao contrário das regras, que convivem de forma antinômica, e por isso ado-
tam, quanto à sua aplicabilidade, a lógica do all-or-nothing, os princípios, consti-
tuindo exigências de otimização, são ponderáveis, permitindo o balanceamento de
valores e interesses.
Com efeito, constituindo-se a Segurança Jurídica e a Justiça os valores supre-
mos do ordenamento jurídico, o tributo justo passa a ser aquele que cumpre os
princípios da legalidade e da capacidade contributiva. Não havendo hierarquia
entre os dois princípios, eventuais tensões entre eles são resolvidas pela pondera-
ção. A ponderação de princípios, segundo Daniel Sarmento,6 se dá em duas etapas:
na primeira o intérprete que se depara com uma possível colisão entre eles verifi-
ca, a partir dos limites imanentes, a existência da real contradição. Se esta foi cons-
tatada passa-se à segunda fase, onde o intérprete irá verificar o princípio de maior
peso, que irá prevalecer sobre o outro. Tratando-se de interesses que na escala de
valores apresentada pela Constituição apresentam o mesmo peso genérico, restará
ao intérprete verificar o peso específico que a legalidade e a capacidade contributi-
va possuem no caso concreto.
Na passagem do Estado Liberal para o Estado Democrático e Social de Direito,
o valor da Segurança Jurídica passou a ser efetivado não apenas pela legalidade
numa acepção individualista, mas a partir da sua reaproximação com o valor da
Justiça, vinculou-se com os interesses da sociedade.7
Mediante a aproximação da Segurança Jurídica com a Justiça, a ponderação
entre esses dois valores promove a convivência pacífica entre os princípios deles
decorrentes, em especial, o da legalidade e o da capacidade contributiva.8 Em con-
seqüência, será revelada uma norma tributária que será interpretada de acordo com
a manifestação de riqueza do contribuinte, a partir de uma atividade valorativa, e
5 Nesse sentido SARMENTO, Daniel na obra A Ponderação de Interesses na Constituição Federal (Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 51), onde o autor sustenta ser o princípio da anterioridade, previsto no
art. 150, III, b, da Constituição de 1988, uma verdadeira regra, e não um princípio.
6 Ibidem, p. 102.
7 Para PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique: “La aproximación entre seguridad y justicia se produce ahora a
partir de una concreción de ambos valores. El primero deja de identificarse con la mera noción de lega-
lidad o de positividad del Derecho, para conectarse inmediatamente com aquellos bienes jurídicos bási-
cos cuyo “aseguramiento” se estima social y políticamente necessario. La justicia pierde su dimensión
ideal y abstracta para incorporar las exigencias igualitarias y democratizadoras que informan su conteni-
do em el Estado social de Derecho” (La Seguridad Jurídica. 2. ed. Barcelona: Ariel Derecho, 1994, p. 72).
8 TORRES, Ricardo Lobo. “Legalidade Tributária e Riscos Sociais”. Revista de Direito da Procuradoria-
Geral do Estado do Rio de Janeiro 53, 2000, p. 179.
204
Temas de Direito Constitucional Tributário
9 Nesse sentido, a obra de Aristóteles (Ética A Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000) é um marco.
10 Exemplo extraído de CONTI, José Maurício (Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da
Progressividade. São Paulo: Dialética, 1997, p. 37).
11 Tratado da Justa Exacção do Tributo. In: AMZALAK, Moses Bensabat. Frei Pantaleão Rodrigues
Pacheco e o seu “Tratado da Justa Exacção do Tributo” . Lisboa: Academia de Ciências, 1957, p. 82.
12 PALAO TABOADA, Carlos. “Isonomia e Capacidade Contributiva”. Revista de Direito Tributário 4,
1978, p. 126.
13 Riqueza das Nações. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, vol. II, p. 485.
205
Ricardo Lodi Ribeiro
Segundo ela, a riqueza passa a ser menos útil ao seu titular na medida em que
aumenta, o que seria o fundamento da progressividade.14
A visão utilitarista de Stuart Mill inspirou os juristas vinculados à jurisprudên-
cia dos interesses a identificar a capacidade contributiva como a causa do tributo.
Dentro dessa visão economicista, a preponderância da Economia sobre o Direito
influenciaria sobremaneira os tributaristas alemães do início do século XX, como
Enno Becker e Albert Hensel, que a partir de uma visão causalista de capacidade
contributiva, criaram a teoria da interpretação econômica do fato gerador, consa-
grada pelo Código Tributário Alemão de 1919. Embora baseada teoricamente na
justiça e na capacidade contributiva, a doutrina da consideração econômica do fato
gerador, que ignorava a forma jurídica do ato praticado pelo contribuinte, para
atingir os fins econômicos almejados, acabou – num ambiente político em que o
Estado precisava arrecadar cada vez mais para fazer frente às suas novas obrigações
como provedor das necessidades sociais – por desqualificar o fim almejado pela
norma confundindo-o com a necessidade de angariar mais recursos.
Na verdade, o que se buscava nessa visão utilitarista de justiça, não era a sua
condição enquanto valor jurídico, mas uma forma de arrecadar mais recursos, devi-
do ao aumento da demanda das prestações estatais, inerentes ao Estado Social.
Com a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha, a doutrina da conside-
ração econômica do fato gerador foi apropriada pelo novo regime, que introduziu
a sua visão do mundo como elemento teleológico a ser seguido pelo intérprete.
Diante de tamanhas contradições com os objetivos que a inspiraram, a teoria da
consideração econômica do fato gerador entrou em declínio, na Alemanha, a par-
tir de 1955, dando-se a retomada ao formalismo do método sistemático.15
Na Itália, as idéias causalistas influenciaram muitos juristas, especialmente os
da Escola de Pavia, como Benvenutto Griziotti, Dino Jarach e Ezio Vanoni, que
desenvolveram a interpretação teleológica por meio da visão funcionalista.
Deve-se a Griziotti, o desenvolvimento da tese da causa do imposto, a partir
na noção de causa utilizada por Ranelletti.16 Segundo Griziotti, a causa jurídica do
imposto se traduziria no fornecimento de serviços e bens capazes de dar satisfação
às necessidades públicas. No entanto, seu seguidor, Dino Jarach, desenvolveu a tese
segundo a qual a causa jurídica do imposto seria, antes de tudo, a capacidade con-
tributiva.17 Desta forma, em obra posterior, Griziotti18 reviu sua posição e passou a
206
Temas de Direito Constitucional Tributário
207
Ricardo Lodi Ribeiro
encontrado apoio em Aliomar Baleeiro, tais idéias nunca penetraram em nosso país
com a radicalidade verificada nos ordenamentos de seus precursores.
De fato, a teoria da consideração econômica do fato gerador na obra de Falcão
não chegou aos extremos verificados na Alemanha, com o afastamento da legalida-
de e a confusão entre as idéias de capacidade contributiva e da busca do aumento
da arrecadação. Segundo Falcão,29 a interpretação econômica se daria diante da ati-
picidade da forma jurídica adotada pelo contribuinte com a finalidade exclusiva de
evitar o fato gerador, a partir da prática de ato com os mesmos efeitos econômicos
daquele descrito pela lei. Na verdade, o pensamento de Falcão se aproxima muito
mais das idéias hoje defendidas pelos juristas pós-positivistas do que com os segui-
dores da escola funcionalista, o que denota a modernidade, ainda nos dias atuais, da
obra do autor brasileiro.
Por outro lado, Baleeiro, ao adotar as teorias causalistas, não descurou no res-
peito à legalidade tributária como limite à ação do aplicador da lei em busca do
princípio da capacidade contributiva – principal equívoco incorrido pelos juristas
da Escola de Pavia.
Durante o período de retomada formalista, o princípio da capacidade contri-
butiva sobreviveu como mera vedação à arbitrariedade, ou seja, como limite a dis-
tinções que não fossem razoáveis. Não resta dúvida de que nessa fase o legislador
passou a ter uma maior liberdade para a definição dos fatos geradores, e o princí-
pio da capacidade contributiva entrou em crise.30
A redução do princípio da capacidade contributiva a mera vedação à arbitra-
riedade degenerou no Tribunal Constitucional Alemão na simples exigência de
fundamentação. Assim, qualquer justificativa para o afastamento do referido prin-
cípio era aceita, como, por exemplo, a necessidade financeira do Estado, a tradição
do Direito Tributário alemão, a convicção do legislador e a paciência do contri-
buinte. Fenômeno não muito diverso se deu nas jurisprudências constitucionais
espanhola e italiana, onde a simples finalidade extrafiscal do tributo era motivo
suficiente para o afastamento da capacidade contributiva.31
A inocuidade do princípio da capacidade contributiva perante o Tribunal
Constitucional Alemão levou ao seu descrédito frente à doutrina daquele país. A
posição cética de Kruse constitui o melhor exemplo dessa situação. De acordo com
o citado autor tedesco, não existem critérios objetivos para ordenar a tributação,
mas apenas necessidades financeiras que precisam ser atendidas.32
29 Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4. ed. Anotada e atualizada por Geraldo Ataliba. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977, p. 71.
30 HERRERA MOLINA, Pedro M. Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento
español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 77.
31 Ibidem, p. 78.
32 Apud HERRERA MOLINA, Op. cit., p. 78.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
33 Le Basi Teoriche Del Princìpio della Capacità Contributiva. Milano: Giuffrè, 1961, p. 439.
34 MANZONI, Ignazio. Il Princìpio della Capacità Contributiva nell’Ordinamento Costituzionale Italiano.
Torino: G. Giappichelli, 1965.
35 MAFFEZONI, Federico. Il Princìpio della Capacità Contributiva nel Diritto Finanziario. Torino: UTET,
1970.
36 MOSCHETTI, Francesco. Il Princìpio della Capacità Contributiva. Padova: Cedam, 1973.
37 Ibidem, p. 238.
38 HERRERA MOLINA. Op. cit., pp. 73 a 77.
39 Ibidem.
209
Ricardo Lodi Ribeiro
40 Segundo TIPKE: “O princípio da capacidade contributiva não investiga o que o Estado e comunidades
podem fazer pelo cidadão isolado, senão o que o cidadão isolado, com base na sua capacidade contribu-
tiva, pode fazer por seu Estado e sua comunidade” (“Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In:
SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos
em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 64).
41 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tradução: Marco Aurélio
Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 53.
210
Temas de Direito Constitucional Tributário
42 Como salienta Klaus Tipke: “Muitas constituições citam expressamente o princípio da capacidade con-
tributiva como parâmetro. Mas mesmo quando isso não ocorra, o princípio da capacidade contributiva
é o único princípio justo no âmbito tributário; é, portanto, o único parâmetro justo de comparação para
a aplicação do princípio da igualdade. Todas as constituições dos estados democráticos reconhecem o
princípio da igualdade” (“Sobre a Unidade...”, cit., p. 64).
43 PÉREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 35.
44 Para uma visão mais ampla da capacidade contributiva na constituição de vários países vide UCKMAR,
Victor (Op. cit., pp. 66-67).
45 Constituição Federal de 1946, art. 202: “Os tributos terão o caráter pessoal sempre que isso fôr possível,
e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.”
46 Constituição Imperial de 1824, art. 179, XV: “Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do
Estado em proporção dos seus haveres.”
47 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador, cit., p. 68. BALEEIRO extraía o princípio do art. 153, § 36, da EC nº 1/69,
que prescrevia: “A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros
direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota” (Limitações..., cit., p. 687).
48 Constituição Federal de 1988, art. 145, § 1º: “Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
211
Ricardo Lodi Ribeiro
49 TIPKE, Klaus. “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito Tributário”. In: Brandão Machado
(coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 517.
50 Não que sejam impossíveis distinções baseadas em outros critérios diversos da capacidade contributiva,
como se demonstrará ao longo do texto, mas são as distinções baseadas na manifestação de riqueza as
que se fundamentam no princípio em estudo.
51 “Considerações Econômicas e Tributação conforme a Capacidade Contributiva. Sobre a possibilidade de
Uma Interpretação Teleológica de Normas com Finalidades Arrecadatórias”. In: SCHOUERI, Luiz
Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a
Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 151.
52 “Princípio da Igualdade...”, cit., p. 519.
53 HERRERA MOLINA, Op. cit., p. 92.
54 Ibidem, p. 82.
55 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 88.
212
Temas de Direito Constitucional Tributário
Segundo Ricardo Lobo Torres, o princípio determina: “que cada um deve con-
tribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual
disponibilidade financeira.”56 Para Aliomar Baleeiro, “a capacidade contributiva do
indivíduo significa sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do
indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do
custo total dos serviços públicos”.57
Deste modo, a capacidade contributiva consiste na manifestação econômica,
identificada pelo legislador, como signo presuntivo de riqueza a fundamentar a tri-
butação. E embora as expressões capacidade econômica e capacidade contributiva
sejam utilizadas como sinônimas, é correta a distinção de Carrera Raya,58 segundo
a qual a primeira designa a disponibilidade da riqueza, ou seja, de meios econômi-
cos, enquanto a última se refere à capacidade econômica eleita pelo legislador
como fato gerador do tributo.
Assim, como não é possível ao legislador identificar a capacidade contributiva
de cada pessoa, ele visualiza situações que a revelam: são os fatos geradores dos
impostos.59 É por esse motivo que a existência de um sistema tributário melhor
atende ao princípio da capacidade contributiva, do que a idéia de imposto único,
desde que, como é óbvio presumir, tal sistema seja concebido à luz de fatos gerado-
res que se revelem em signos de manifestação de riqueza e que sejam harmônicos
entre si, e não por simplesmente se moldarem a uma arrecadação menos complexa.
Dentro da concepção de que o fato gerador se traduz em signo de manifesta-
ção de riqueza é possível vislumbrar-se a acepção objetiva da capacidade contribu-
tiva. E para que esta seja efetivada, o legislador deve escolher como fato gerador do
tributo, um ato que seja revestido de conteúdo econômico. Violada será, portanto,
quando houver tributação de atos que não se revelem em signos presuntivos de
riqueza, como os do uso de barba e bigode, por exemplo.60
56 Ibidem, p. 79.
57 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 259.
58 Manual de Derecho Financiero. Madrid: Tecnos, 1993, vol. I , p. 92
59 Não que os demais tributos também não se subordinem ao princípio da capacidade contributiva, como
abaixo se demonstrará.
60 Com toda a propriedade, assinala Dino Jarach:“Todas as situações e todos os fatos aos quais está vincu-
lado o nascimento de uma obrigação impositiva possuem como característica a de apresentar um estado
ou um movimento de riqueza; isto se comprova com a análise indutiva do direito positivo e correspon-
de ao critério financeiro que é próprio do imposto: o Estado exige uma soma de dinheiro em situações
que indicam capacidade contributiva. É certo que o Estado por capricho, pelo seu poder de império,
poderia exigir impostos com base em qualquer pressuposto de fato, mas o Estado, afortunadamente, não
age assim” (O Fato Imponível – Teoria Geral do Direito Tributário Substantivo. Traduzida por Dejalma
de Campos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, pp. 95-96). No mesmo sentido, Victor Uckmar:
“Ademais, o dimensionamento à capacidade contributiva exclui ‘graduações da carga tributária que não
sejam relacionadas a diferenças na condição econômica dos indivíduos’. Único elemento para diferen-
ciar as cargas tributárias entre várias pessoas é a sua capacidade econômica: portanto, não seria consen-
tido estabelecer que ‘os loiros devem pagar mais que os morenos’ ou que todas as pessoas calvas ou mío-
pes devam, enquanto tais, pagar um tributo” (Op. cit., pp. 69-70).
213
Ricardo Lodi Ribeiro
61 PEREZ DE AYALA, Jose Luis. Derecho Tributario I. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1968, p. 89.
62 Segundo o referido autor: “Todo cidadão deve pagar impostos em conformidade com o montante de sua
renda disponível para o pagamento de impostos; toda empresa deve pagar impostos de acordo com o
montante de seu lucro” ( “Sobre a Unidade ...” , cit., p. 64).
63 HERRERA MOLINA. Op. cit., p. 94.
64 TIPKE. “ Sobre a Unidade...”, cit., p. 63.
65 Ibidem, p. 65.
214
Temas de Direito Constitucional Tributário
215
Ricardo Lodi Ribeiro
social, a progressividade dos impostos sobre a renda é medida exigida pelos princí-
pios da liberdade, da igualdade eqüitativa de oportunidades e da diferença.72
Nesse mesmo sentido, Tipke entende, na esteira do Tribunal Constitucional
Alemão, que a progressividade rompe com a igualdade, mas este rompimento é jus-
tificado pelo princípio do Estado Social, que tem por objetivo a distribuição de
riquezas.73
Deste modo, numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais
como a nossa, a progressividade é, em vários impostos, o instrumento mais adequa-
do à aplicação do princípio da capacidade contributiva, baseando-se na justiça
social. É que a proporcionalidade, embora seja uma manifestação da capacidade
contributiva, uma vez que não adota um valor fixo na tributação, se traduz num
instrumento bastante tímido na distribuição de rendas. Como bem observa Luciano
Amaro,74 a capacidade contributiva não se esgota na proporcionalidade, uma vez
que aquela exige “a justiça da incidência em cada situação isoladamente considera-
da e não apenas a justiça relativa entre uma e outra das duas situações”.
No mesmo sentido, Pedro Herrera Molina, para quem é a progressividade que
confere conteúdo ao princípio da capacidade contributiva, uma vez que aquela
deriva dos valores da igualdade75 e da solidariedade.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a progressivi-
dade não é decorrência natural do princípio da capacidade contributiva, que por
sua vez, se realiza pela proporcionalidade, a não ser que o próprio texto constitu-
cional determine expressamente a utilização de alíquotas progressivas.76
Porém, a posição de condicionar a aplicação da progressividade à expressa
previsão constitucional esvazia mortalmente o princípio da capacidade contributi-
va, que encontra, no Estado Democrático Social de Direito, a progressividade como
mecanismo mais eficaz para sua realização, mormente numa sociedade tão desigual
quanto a brasileira.
No entanto, como a tese da necessidade de previsão constitucional expressa
para a aplicação da progressividade foi vitoriosa essa posição no STF, este subprin-
cípio, como instrumento realizador da capacidade contributiva, se limita ao impos-
to de renda, e após a EC nº 29/00, ao IPTU.
Por outro lado, também já entendeu o STF pela impossibilidade de aplicação
de alíquotas progressivas nos impostos reais.77 No entanto, nos parece inexistir qual-
216
Temas de Direito Constitucional Tributário
quer óbice à progressividade dos impostos reais, uma vez que o patrimônio do con-
tribuinte é índice de riqueza hábil a ser quantificado na fixação do aspecto subjeti-
vo do princípio da capacidade contributiva, como se extrai do próprio art. 145, § 1º,
da Constituição Federal, e, mais recentemente, da EC nº 29/00, que, dando nova
redação ao art. 156, § 1º, do Texto Maior, previu a progressividade no IPTU, vincu-
lada à capacidade contributiva e calculada em razão do valor venal do imóvel.78
Outro subprincípio que vai dar efetividade ao princípio em estudo é a seleti-
vidade, que se materializa pela variação de alíquotas em função da essencialidade
do produto ou da mercadoria, e que representa a modalidade mais adequada à apli-
cação do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos, como o
ICMS e o IPI, pois afere o índice de riqueza do contribuinte de fato, a partir do grau
de indispensabilidade do bem consumido. Dentro dessa lógica, o consumo de bens
populares é gravado com alíquotas menores, como ocorre com os produtos da cesta
básica. Já os bens supérfluos são tributados com base em alíquotas maiores, como
se dá com cigarros, bebidas e perfumes.
Sendo assim, não é difícil perceber que a aplicação da proporcionalidade nos
impostos incidentes sobre os bens de consumo popular, como gêneros alimentícios
de primeira necessidade, acaba gerando um efeito regressivo, pois retira das classes
menos aquinhoadas, relativamente, mais do que é suportado pelos abastados,79 não
se resguardando o mínimo existencial.
Por sua vez, situação parecida ocorreria na aplicação da progressividade aos
impostos sobre o consumo, uma vez que não suportando o sujeito ativo a carga tri-
butária, a tributação de acordo com a sua riqueza, teria o condão de transferir para
o consumidor, contribuinte de fato, um encargo que não seria necessariamente
adequado à sua capacidade contributiva.80
Por fim, o subprincípio da personalização, que segundo a Constituição Fede-
ral, no art. 145, § 1º, deve ser aplicável sempre que possível, determina que o legis-
lador leve em consideração dados pessoais da vida do contribuinte para mensurar
a tributação, como ocorrem com as deduções de despesas com dependentes, médi-
cas, e de instrução, no imposto de renda. Como parece óbvio, são nos impostos pes-
soais que o princípio da personalização terá aplicabilidade plena. Daí a dicção cons-
titucional do sempre que possível. Porém, há hoje uma tendência à personalização
também dos impostos reais, quando o legislador leva em consideração dados pes-
soais do contribuinte, como ocorre na isenção de IPTU para ex-combatentes e apo-
78 Já existem importantes vozes que se levantam contra a constitucionalidade do IPTU progressivo previs-
to na EC nº 29/00. Por todos, Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 83). Embora a
discussão do tema não seja objeto desse trabalho, entendemos não ter a referida emenda constitucional,
nesse ponto, violado qualquer cláusula pétrea, sendo compatível com nossa Lei Maior, pelas razões
expostas no texto.
79 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução..., cit., p. 211.
80 VALDÉS COSTA. Instituciones de Derecho Tributário. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 455.
217
Ricardo Lodi Ribeiro
sentados que percebam até determinada renda. Embora tais medidas não importem
na transformação do aludido tributo em um imposto pessoal, vez que suas caracte-
rísticas principais continuam vinculadas ao bem imóvel, há dados de personaliza-
ção que prestigiam o referido princípio constitucional.
Vale ainda advertir que o aspecto subjetivo do princípio da capacidade contri-
butiva encontra como limites o mínimo existencial e a vedação do confisco, que se
revelam como verdadeiras fronteiras delimitadoras do referido princípio em suas
porções mínimas e máximas. Não se pode tributar abaixo do mínimo existencial,
pois não há riqueza disponível. Não se tributa acima dos limites confiscatórios,
onde a seara da capacidade contributiva exaure-se.
Embora não possua dicção constitucional própria, o mínimo existencial deri-
va, segundo Ricardo Lobo Torres,81 da idéia de liberdade, de igualdade e dos direi-
tos humanos, e tem seus contornos definidos pela linha que separa a vida simples
do cidadão humilde da pobreza absoluta que deve ser combatida pelo Estado, não
só por meio de abstenção na tributação, como também por prestações positivas,
envolvendo além dos direitos individuais, os sociais, relativos à saúde, à alimenta-
ção, à educação e à assistência social. Assim, no campo tributário, o mínimo exis-
tencial deixa o contribuinte livre de qualquer tributação até o limite em que sejam
atendidos os requisitos mínimos para uma vida humana digna.82
De acordo com Tipke, o mínimo existencial não deve ser fixado em patamar
inferior ao estabelecido como benefício de aposentadoria, pois, em regra, o cidadão
ativo possui mais necessidades vitais que o aposentado.83 Sustenta ainda o profes-
sor emérito da Universidade de Colônia, que o mínimo existencial não se aplica
somente ao imposto de renda, mas a todos os tributos, e que as parcelas que fica-
rem isentas do imposto de renda não podem ser tributadas por impostos especiais.84
Por seu turno, os impostos indiretos também devem respeitar o mínimo existen-
cial, o que é viabilizado, pelo mecanismo da seletividade, por meio da isenção dos
bens de primeira necessidade.85
No outro extremo, como limite máximo da tributação de acordo com a capa-
cidade contributiva encontra-se o princípio da vedação ao confisco que deriva do
próprio direito de propriedade.86
81 Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário, v. III. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 146.
82 LEHNER, Moris. Op. cit., p. 151, citando precedente do Tribunal Constitucional Alemão que delineou
os contornos do mínimo existencial.
83 TIPKE. “Sobre a Unidade...”, cit., p. 61. No mesmo sentido, HERRERA MOLINA (Op. cit., p. 144).
84 TIPKE. “Sobre a Unidade...”, cit., p. 67.
85 HERRERA MOLINA, Op. cit., p. 144.
86 VOGEL, Klaus. “Tributos Regulatórios e Garantia da Propriedade no Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha”. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy
Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 550, onde o autor alemão informa que naquele país, dada
a inexistência de dispositivo constitucional expresso que proíba a tributação confiscatória, o excesso tri-
butário é vedado pelo art. 14 da Lei Fundamental, que consagra o direito de propriedade.
218
Temas de Direito Constitucional Tributário
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Temas de Direito Constitucional Tributário
98 STF, Pleno, RE nº 177.835/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 25/05/01, p 18.
99 TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro..., cit., p. 87.
100 CALVO ORTEGA. Curso de Derecho Financiero I – Derecho Tributario (Parte General). 4. ed. Madrid:
Civitas, 2000, p. 85.
101 SEIXAS FILHO, Aurélio. Taxa. Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 58.
102 RE nº 177.835, já citado.
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103 OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direito Tributário – Capacidade Contributiva..., cit., p. 109.
104 Ibidem, p. 112.
105 HERRERA MOLINA. Op. cit., p. 77.
106 Ibidem, p. 158.
222
Temas de Direito Constitucional Tributário
imóvel (art. 156, § 1º, da CF , com redação dada pela EC nº 29/00). Se tal diferen-
ciação se traduzir em uma alíquota majorada para os bairros mais nobres, a aplica-
ção desta alíquota aos imóveis de baixo valor, ainda que localizados nesses bair-
ros,107 revelar-se-á desastrosa à capacidade contributiva. A solução desse conflito,
nesse exemplo, se daria pelo afastamento da progressividade.
Podem, por vezes, esses conflitos internos ser resolvidos por meio de uma hie-
rarquização dos elementos internos da capacidade contributiva. Deste modo, uma
progressividade não poderá dar à tributação um caráter confiscatório, do mesmo
modo que a proporcionalidade não pode atingir o mínimo existencial. Em tais
exemplos fica fácil perceber tal hierarquização, pois tanto a vedação ao confisco
como também a imposição de respeito ao mínimo existencial, constituem limites à
capacidade contributiva. No entanto, no mais das vezes, tais facilidades não se
apresentam na prática, devendo o aplicador resolver o impasse pela ponderação
entre os elementos em jogo no caso concreto.
Os conflitos externos ocorrem entre a capacidade contributiva e outros princí-
pios e normas do nosso sistema constitucional. A Justiça e a Igualdade, concretizadas
pelo princípio da capacidade contributiva, podem entrar em tensão com o valor da
Segurança Jurídica e com o princípio da legalidade. A ponderação entre capacidade
contributiva e legalidade, sem que a priori se possa defender a prevalência de qual-
quer delas, não dá margem para que o juiz possa tributar o contribuinte apenas com
base na capacidade contributiva, sem que haja previsão legal do tributo. A capacida-
de contributiva que será tributada estará prevista na lei, em respeito à Segurança
Jurídica. Por sua vez, o legislador definirá o fato gerador do tributo de acordo com a
capacidade contributiva, e o aplicador do direito irá interpretar a lei de acordo com
o referido princípio. As cláusulas antielisivas e a adoção de conceitos indeterminados
e de cláusulas gerais na definição de fato geradores de tributos constituem exemplos
da tendência à ponderação entre legalidade e capacidade contributiva, pelo próprio
legislador, com a primeira cedendo espaço à última. Já a vedação ao uso da analogia
para a criação de tributo pelo § 1º do art. 108, do CTN, constitui exemplo de preva-
lência da segurança jurídica sobre a capacidade contributiva.
Os conflitos externos também aparecem no fenômeno da extrafiscalidade,
tensão muitas vezes não compreendida pela doutrina. Muitos autores, ainda hoje,
defendem o afastamento da capacidade contributiva em nome do estabelecimento
de uma política extrafiscal nos campos social, econômico, ambiental, e da saúde por
meio da tributação.108 E foi justamente essa tendência que ocasionou o desprestí-
107 Vide o caso das favelas localizadas nos morros da Zona Sul do Município do Rio de Janeiro: se adotado
o regime progressivo em razão da localização do imóvel, de acordo com o bairro, teriam os imóveis ali
localizados uma alíquota maior do que imóveis bem valorizados da Zona Norte da cidade, estabelecen-
do-se uma verdadeira regressividade. Registre-se que, até o momento, o Município do Rio de Janeiro
não adotou a progressividade do IPTU na forma da EC nº 29/00.
108 Por todos: CARRERA RAYA. Op. cit., p. 94.
223
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224
Temas de Direito Constitucional Tributário
114 Defende Pedro Herrera Molina: “Ahora bien, la ineficácia administrativa lleva consigo uma aplicación
deficiente del sistema fiscal, y ésta supone necesariamente un reparto desigual de las cargas fiscales en
beneficio de aquelloe menos honrados o con menos possibilidades de defraudar. A sensu contrario, la
eficacia del control administrativo constituye una condición necessaria (no suficiente) del sistema tri-
butario justo” (Op. cit., p. 161).
115 Ibidem, p. 162.
116 Ibidem.
225
Ricardo Lodi Ribeiro
117 STF, Pleno, ADIN nº 1.851/AL, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 08/05/02, noticiado no Informativo STF nº
271 (acórdão pendente de publicação).
226
Temas de Direito Constitucional Tributário
118 Nesse sentido, TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário.
3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 224, e LEHNER, Moris. Op. cit., p. 152.
119 Nesse sentido, LEHNER, Moris (Op. cit., p. 149) e BEISSE, Heinrich (Op. cit., p. 7).
120 Derecho Tributario..., cit., p. 114.
227
Ricardo Lodi Ribeiro
121 Moris Lehner reproduz uma citação de Enno Becker, onde fica clara a associação que o autor do ante-
projeto de Código Tributário Alemão de 1919 faz entre os interesses da arrecadação e a interpretação
econômica: “Diante da importância para a coletividade do procedimento da tributação”, seria “um requi-
sito de primeiríssima ordem que, pouco importando a forma escolhida pelas partes, (...) ou a roupagem
de qualquer caso, fosse encontrada, pelo imposto, seu significado econômico (...) A valorização da situa-
ção fática conforme seu significado econômico e a interpretação da lei tributária conforme sua finalida-
de se encontram em casos como esses” (Op. cit., pp. 147 e 148).
122 Ibidem, p. 148.
123 Op. cit., p. 6.
124 PEREZ DE AYALA. Derecho Tributário..., cit., p. 119.
125 Op. cit., p. 21.
126 Na doutrina italiana funcionalista, representada especialmente pelos autores da Escola de Pavia, também
predominou uma tendência que se caracterizou por não enxergar na lei um limite à atividade herme-
nêutica. Nesse sentido, é emblemática a posição de Ezio Vanoni: “Quando o intérprete pesquisa a von-
228
Temas de Direito Constitucional Tributário
tade da lei, ainda que vá além da vontade dos órgãos legislativos que elaboraram a norma, não cria direi-
to, mas atribui à lei todo o valor, que o ambiente no qual se movimenta lhe confere. Desta maneira, a
extensão da lei tributária a hipóteses não expressamente previstas por ele, quando ocorra segundo as
regras jurídicas e lógicas de interpretação que temos mencionado, não pode contrariar a disposição do
art. 30 da Constituição, porque essa extensão não representa a criação de um novo tributo, mas a inte-
gral realização da norma tributária” (Op. cit., p. 189).
127 No sentido do texto foi a interpretação autêntica do dispositivo pela EC nº 20/98, que equiparou aos
empregadores as empresas e entidades assemelhadas.
229
Ricardo Lodi Ribeiro
cida pela lei civil. A definição do fato gerador do ITR constitui exemplo
bem ilustrativo desta categoria jurídica. De fato, do próprio texto da lei, se
extrai que será tributada a propriedade imóvel por natureza, conforme defi-
nida na lei civil.128
Ricardo Lobo Torres, em lição que não discrepa da sistemática de Beisse, susten-
ta que a interpretação será mais ou menos vinculada ao critério econômico, de acor-
do com o tributo em exame. Assim, os impostos sobre a propriedade se baseiam numa
interpretação que preserva os conceitos de Direito Privado; já os impostos sobre a
renda e o consumo, por se constituírem de conceitos tecnológicos ou elaborados pelo
próprio Direito Tributário, melhor se abrem à interpretação econômica.129
Como é sabido, o objetivo da lei de incidência é a identificação da manifesta-
ção de riqueza capaz de suportar determinado quinhão do custeio das despesas
públicas. Deste modo, mais do que a forma jurídica adotada, o operador do Direito
Tributário deve se preocupar com a essência econômica efetivamente praticada.
Não é outra a posição de Tipke: “Juristas não raro se equivocam, no Direito
Tributário, quando tomam por bem tributável o pressuposto técnico-jurídico, em
lugar do pressuposto econômico-tributário.”130
Portanto, num sistema jurídico orientado por valores, e donde deriva a con-
seqüente necessidade de o intérprete evitar contradições valorativas, a acepção
econômica há que prevalecer, em caso de dúvida, sobre a interpretação civilísti-
ca.131 A essa afirmação não deve ser oposto o princípio da unidade da ordem jurí-
dica, uma vez que esta não é realizada pelo primado do Direito Civil.132 Ademais,
a idéia de unidade do sistema jurídico repousa muito mais no plano axiológico do
que no lingüístico, não havendo portanto qualquer óbice para que determinada
palavra tenha um sentido diferente no Direito Tributário.
Como se vê, a capacidade contributiva como princípio interpretativo, decor-
rente da aplicação do método teleológico, no Direito Tributário, manifesta-se pela
análise das normas criadoras de tributos a partir do critério econômico,133 tão caro
à revelação da manifestação de riqueza do contribuinte.
No entanto, não se deve confundir a consideração do critério econômico, reco-
mendado pelo princípio da capacidade contributiva, com a teoria causalista da inter-
pretação econômica do fato gerador, uma vez que aquela não parte, como esta, da
interpretação tributária para os negócios jurídicos previstos no Direito Civil, mas da
230
Temas de Direito Constitucional Tributário
6) Conclusões
231
Ricardo Lodi Ribeiro
de direito, em suas mais variadas nuances. Tal combate pode ser efetivado por meio
da atividade hermenêutica, e ainda da atividade legislativa que promova o fecha-
mento das brechas legais e estabeleça cláusulas antielisivas.
Sem tais providências, o Estado brasileiro continuará indo buscar os seus recur-
sos por meio de tributos que não rendem homenagem ao princípio da capacidade
contributiva efetiva, mas que se coadunam com práticas simplificadoras de comba-
te à evasão e à elisão, como a CPMF, a COFINS e o PIS. Da mesma forma, as pessoas
físicas, especialmente os assalariados e os consumidores, continuarão suportando a
parte mais pesada da carga tributária, consolidando contradições valorativas que
inutilizam todo o discurso constitucional por uma sociedade justa e solidária.
Tais conclusões se baseiam em várias proposições defendidas ao longo deste
trabalho, em especial nas seguintes idéias, a seguir relacionadas.
232
Temas de Direito Constitucional Tributário
233
Ricardo Lodi Ribeiro
234
XIII
Competência Tributária
Sumário: 1) Conceito. 2) Competência Tributária e Sujeição Ativa. Indelegabilidade. 3) Clas-
sificação. 3.1) Competência Exclusiva. 3.2) Competência Comum. 3.3) Competência Resi-
dual. 3.4) Competência Extraordinária. 4) Critérios para Partilha da Competência Tribu-
tária. 4.1) Nos Impostos – Fato Gerador. 4.1.1) Impostos da União – art. 153. 4.1.2) Impostos
dos Estados – art. 155. 4.1.3) Impostos dos Municípios – art. 156. 4.2) Nos Tributos
Vinculados – Competência para a Atividade Estatal. 5) Conflitos de Competência. 5.1) Bi-
tributação. 6) Competência Tributária e Federalismo Fiscal.
1) Conceito
1 Por todos: GONZÁLEZ, Eusébio e LEJEUNE, Ernesto. Derecho Tributario I. 2. ed. Salamanca: Plaza
Universitaria, 2000, pp. 119 e segs.
2 A única exceção prevista constitucionalmente é o art. 156, § 3º, II, que atribui à lei complementar a fun-
ção de conceder isenção de ISS quanto às operações destinadas ao exterior, o que foi levado a efeito pela
LC nº 116/03, art. 2º, I. Até a EC nº 42/03, também era possível que a lei complementar concedesse isen-
ção de ICMS para os produtos industrializados e semi-elaborados (art. 155, § 2º, XII, e), mas a nova reda-
235
Ricardo Lodi Ribeiro
competência tributária, que o deve fazer por lei específica (art. 150, § 6º, CF). Note-
se que essa disciplina é válida não somente para isenções, mas também para qual-
quer regra que estabeleça tratamento fiscal privilegiado a determinado grupo de
contribuintes. Assim, só a lei de cada entidade federativa pode estabelecer anistias,
remissões, parcelamentos, compensações etc. Nesse sentido, são inconstitucionais
os artigos 152, I, b, e os §§ 3º e 4º do art 155-A, introduzidos pela LC nº 118/05, por
constituírem modalidades heterônomas de moratória e parcelamento, o que preci-
saria ser autorizado pela Constituição.
O não-exercício da competência tributária pelo ente competente não a defe-
re a outra entidade federativa (art. 8º do CTN), ainda que esta seja beneficiária, no
todo ou em parte, do produto da arrecadação.
3) Classificação
ção dada pela referida emenda ao art. 155, § 2º, X, a, imunizou o ICMS na exportação de quaisquer mer-
cadorias. Logo, não há que se falar mais em isenção, mas em imunidade.
3 Contra a orientação dominante contida no texto, Ruy Barbosa Nogueira, que defende ser o sujeito ativo
o titular da competência tributária (NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 11. ed. São
Paulo: Saraiva, 1993, p. 144).
236
Temas de Direito Constitucional Tributário
• os impostos previstos no art. 153 da CF (II, IE, IR, IPI, IOF, ITR e IGF);
• os empréstimos compulsórios (art. 148, CF);
• as contribuições parafiscais (art. 149, CF);4
4 Exceto as contribuições previdenciárias dos servidores públicos, que segundo a regra do parágrafo único
do art. 149, são da competência comum, e a contribuição de iluminação pública, que é reservada aos
Municípios (art. 149-A).
5 Vide item 4.2, onde será estudado o critério utilizado pela Constituição Federal para a repartição da
competência tributária nos tributos da competência comum.
237
Ricardo Lodi Ribeiro
6 STF, Pleno, RE nº 228.321, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 1º/10/98, DJU 30/05/2003, p. 30.
7 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 97.
238
Temas de Direito Constitucional Tributário
ção de fatos geradores pela Constituição, e logo, não se concebe competência para
instituir exações não previstas.8
É a prevista no artigo 154, II, CF, que atribuiu à União competência para ins-
tituir, “na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, com-
preendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gra-
dativamente, cessadas as causas de sua criação”.
Observe-se que o imposto só pode ser instituído no caso de conflito externo,
não sendo legítima a sua cobrança por ocasião de distúrbios internos, como revo-
luções ou guerras civis.
O art. 154, II, da CF, permite expressamente que o Imposto Extraordinário de
Guerra tenha fatos geradores e bases de cálculo de outros tributos previstos na
Constituição, ainda que atribuídos aos Estados e Municípios. Temos aqui uma bitri-
butação expressamente admitida pelo Texto Maior. Assim, o seu fato gerador pode
ser o mesmo do ICMS ou do ISS, por exemplo.
O IEG deve ser gradativamente suprimido quando cessarem as causas de sua
criação, não havendo um prazo preestabelecido para tal.9
8 Contra a posição esposada no texto, Hugo de Brito Machado, que defende ser residual a competência do
Estado para instituir taxas, na medida em que o poder para instituir esta modalidade tributária se pren-
de à competência material remanescente, prevista no art. 25, § 1º, da CF (MACHADO, Hugo de Brito.
Curso de Direito Tributário, 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 320).
9 Na Constituição de 1946, o imposto só poderia ser cobrado até 5 anos da celebração da paz.
10 AMARO, Luciano, Ob. cit., p. 94.
11 AMARO, Luciano, Ob. cit., p. 95.
239
Ricardo Lodi Ribeiro
12 Para maior compreensão sobre a classificação entre tributos vinculados e não vinculados: cf. ATALIBA,
Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, terceira parte,
capítulos II e III.
240
Temas de Direito Constitucional Tributário
5) Conflitos de Competência
13 Súmula nº 563: “O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único, do art 187, do Código
Tributário Nacional, é compatível com o disposto no art 9, inciso I, da Constituição Federal.”
241
Ricardo Lodi Ribeiro
5.1) Bitributação
14 Sobre a contribuição dos autônomos ver STF, Pleno, RE nº 228.321, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 1º/10/98,
DJU 30/05/2003, p. 30. Quanto ao AFRMM, ver STF, Pleno, RE nº 177.137-2/RS, Rel. Min. Carlos
Velloso, DJU de 18/04/95.
242
Temas de Direito Constitucional Tributário
fatos geradores atribuídos pela Constituição aos Estados e Municípios, uma vez que
tal bitributação enseja uma invasão de competência não admitida pelo constituin-
te. O mesmo raciocínio deve ser adotado em relação ao empréstimo compulsório
que, salvo em caso de guerra externa ou sua eminência, não pode ter como fatos
geradores aqueles que a Constituição atribuiu aos Estados e Municípios pelos arti-
gos 155 e 156.15 A exceção aos casos de guerra externa é justificada pela autoriza-
ção que a Constituição Federal dá à invasão de competência nesses casos no art.
154, II. É bem verdade que tal dispositivo se refere somente ao imposto extraordi-
nário de guerra. Mas se é admitida a invasão de competência por medida provisó-
ria e sem direito à restituição em caso de conflito bélico, o mesmo deve-se admitir
quando a instituição se dá por lei complementar e há restituição, como ocorre no
empréstimo compulsório.
Não se deve confundir o fenômeno da bitributação com o bis in idem que ocor-
re quando a mesma pessoa jurídica de direito público, titular da competência tribu-
tária para instituir determinado tributo, exerce essa competência através de duas
normas, sobre um mesmo sujeito passivo, em relação a um mesmo fato gerador.
Diferencia-se da bitributação pela unicidade da entidade tributante. No bis in
idem não há que se cogitar em invasão de competência, mas no exercício desta por
duas normas jurídicas diversas, por razões legislativas. Economicamente a sua ins-
tituição produz os mesmos efeitos do aumento de alíquota, que dele se diferencia
no aspecto normativo unificado. Geralmente a lei denomina impropriamente o bis
in idem de adicional, que se diferencia do primeiro pela relação de acessoriedade
com o imposto principal. A diferença é que no bis in idem, temos dois impostos que
incidem sobre a mesma base de cálculo. No adicional, a base de cálculo é o valor
pago a título de imposto principal. Assim, o chamado adicional de imposto de
renda das pessoas jurídicas, instituído pelo § 2º do art. 2º da Lei nº 9.430/96, não é
na verdade um adicional, mas uma nova incidência do IR, um bis in idem admiti-
do pelo nosso ordenamento jurídico-tributário.16
O bis in idem será constitucional sempre que a incidência representada pelas
duas normas não resulte em montante tributado com violação de qualquer outro
princípio constitucional, como o não-confisco, a capacidade contributiva, ou a li-
mitação de alíquota contida na Constituição ou em norma nacional por esta conce-
bida. Assim, o bis in idem será constitucional toda a vez que a carga tributária exer-
15 Em sentido contrário o STF, que, nos julgados citados na nota anterior, considerou a impossibilidade de
a União instituir outros impostos sobre os fatos geradores previstos nos artigos 155 e 156 da CF, e não
outros tributos.
16 A alíquota imposto de renda pessoa jurídica é de 15%, segundo o artigo 3º da Lei nº 9.249/95, para todas
as empresas. No entanto, o § 1º do mesmo artigo, com redação dada pela Lei nº 9.430/96, estabelece um
adicional de 10% incidente sobre o montante do lucro que exceder R$ 20.000,00 por mês. Na verdade,
embora a lei o considere um adicional, trata-se de um bis in idem, uma vez que os dois incidem sobre
uma mesma base de cálculo.
243
Ricardo Lodi Ribeiro
cida através das duas normas seja legítima quando fosse efetivada por uma única lei.
Porém, será inconstitucional quando servir de mecanismo de burla a um dos dis-
positivos constitucionais anteriormente aludidos.
17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional. 22. ed., São Paulo: Saraiva,
1995, p. 48.
18 NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da
Emenda Constitucional nº 3/93”. Revista de Direito Administrativo 199, 1995, p. 39: “É bem verdade –
ninguém entende negá-lo – que a autonomia financeira da União e dos Estados-membros indiscutivel-
mente representa um elemento vital da complexa autonomia federativa, e que, conseqüentemente, não
pode deixar de considerar-se a existência daquela como impreterível à substância da própria federação.
Não é menos verdade, porém – e parece ter sido demonstrado – que, em última instância, e mormente
num ordenamento tributário como o nosso, no qual a Constituição federal veda taxativamente os tribu-
tos discriminatórios e confiscatórios, ao amparo dum sistema de amplo controle jurisdicional de consti-
tucionalidade das leis – a autonomia financeira dos entes políticos independe da existência e do alcance
da garantia da imunidade tributária recíproca. Ela tem sim, como se percebe, o seu fundamento mate-
rial e sua verdadeira medida na distribuição da competência legislativa (autonomia normativa) em maté-
ria tributária, ou seja, na atribuição, diretamente pela Constituição Federal, de poderes impositivos pró-
prios e de fontes de receita, independentes e adequadas, respectivamente, à União e às unidades federa-
das.” No mesmo sentido BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Financeiro e Tributário. 3. ed, São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 125.
244
Temas de Direito Constitucional Tributário
haja vista que o exercício das competências materiais conferidas aos Estados não
pode depender exclusivamente do exercício da competência tributária da União.
É ínsita à idéia de autonomia, a descentralização territorial do poder, permi-
tindo que os Estados definam suas próprias prioridades, independentemente das
políticas definidas pela União.19 Sem que haja a eleição de suas próprias priorida-
des por parte dos Estados, inútil é a federação.20
Portanto, só através do exercício de sua própria competência tributária, o Estado
pode garantir o cumprimento de suas prioridades, e não as da União, preservando sua
autonomia em relação a esta. Assim, se, hipoteticamente, toda a arrecadação dos
Estados, ou quase toda, dependesse de tributos federais, a concessão de benefícios fis-
cais pela União, atendendo a um interesse que os poderes federais consideram prioritá-
rio, como o incentivo às exportações, poderia impedir que os Estados atingissem as suas
próprias prioridades, como o aumento dos investimentos na área social, por exemplo.
É justamente essa competência tributária própria que vai diferenciar a repar-
tição das receitas tributárias ocorridas na Federação das encontradas nos estados
unitários descentralizados. Há uma tendência à descentralização de recursos e
competências nos estados unitários como Portugal, Espanha e Itália, inclusive com
a criação de regiões autônomas, que possuem competências próprias e muitas vezes
até impostos próprios.
Na Espanha, segundo o art. 142 da Constituição, as fazendas locais devem dis-
por dos recursos suficientes para o desempenho das funções que a lei lhes atribuir,
e se nutrirão de tributos próprios e de participação nos tributos do Estado espanhol.
Salienta Carrera Raya,21 com apoio em decisão do Tribunal Constitucional, que
esses recursos suficientes para que as entidades locais atendam às suas necessidades
não são integralmente arrecadados por tributos próprios, mas também de tributos
do Estado espanhol. Porém, como salienta Ferreiro Lapatza,22 a atribuição de auto-
nomia total e absoluta aos territórios autônomos em matéria de ingressos públicos
é incompatível com a existência do Estado unitário.
Em Portugal, as regiões autônomas possuem também, segundo o artigo 227 da
Constituição, um regime de autonomia político-administrativa, com a competên-
cia de criar seus próprios impostos, mas trata-se de um poder tributário secundá-
rio, dependente de lei do Estado português quanto ao seu conteúdo e limites.23
19 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 4. ed., São Paulo: Malheiros,
1993, p. 81.
20 DALLARI, Dalmo de Abreu. “Competências municipais”, in “Estudos de Direito Público”, Revista da
Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo, 1983, nº 4, p. 7, apud CARRAZZA,
Ob. cit., p. 82.
21 CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero, vol. I, Madrid: Tecnos, 1995, p. 63.
22 FERREIRO LAPATZA, José Juan, Curso de Derecho Financiero Español, vol. I, 21. ed., Madrid: Marcial
Pons, 1999, p. 108.
23 CAMPOS. Diogo Leite de. e CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário, Coimbra:
Almedina, 1998, p. 98.
245
Ricardo Lodi Ribeiro
24 HESSE, Konrad, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís
Afonso Heck, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998, pp. 205-207.
246
Temas de Direito Constitucional Tributário
247
XIV
Federalismo Fiscal e Reforma Tributária
Sumário: 1) Introdução. 2) Federalismo: Evolução Histórica. 3) Federalismo: Conceito e
Elementos Constitutivos. 4) Formas de Federalismo no Estado Contemporâneo. 5) Fede-
ralismo Fiscal e a Distribuição de Rendas e Atribuições. 6) Federalismo e Centralização
Fiscal no Brasil. 7) Conclusão.
1) Introdução
249
Ricardo Lodi Ribeiro
1 RAMOS, Dircêo Torrecillas. O Federalismo Assimétrico. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 26.
2 GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 7. ed., Madrid: Manuales de la
Revista Occidente, 1964, p. 216.
3 ZIMMERMANN, Augusto. Teoria do Federalismo Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, pp.
217-223.
250
Temas de Direito Constitucional Tributário
251
Ricardo Lodi Ribeiro
7 ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho. 3. ed.,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 510.
8 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p. 451.
252
Temas de Direito Constitucional Tributário
9 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 483.
10 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 181.
11 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 322.
12 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 4. ed., São Paulo: Atlas, 1998, pp. 244-247.
253
Ricardo Lodi Ribeiro
254
Temas de Direito Constitucional Tributário
mais poder decisório se encontrar nas comunidades inferiores, tanto maior será a
medida em que os indivíduos se podem afirmar na vida comunitária.”
No Brasil, o federalismo cooperativo é adotado a partir da Revolução de 1930,
acabando por se deformar em um centralismo usurpador da autonomia dos
Estados-membros, com a Constituição de 1937, caracterizando o denominado fede-
ralismo orgânico.
O federalismo orgânico se caracteriza por um modelo em que os Estados-
membros são obrigados pela Constituição Federal a reproduzir as regras definidas
pela União, até nos detalhes mais singelos.
Segundo AUGUSTO ZIMMERMANN, no federalismo orgânico: “As leis esta-
duais acabam então sem relevância alguma, subordinadas que estão ao princípio
sufocante da hierarquização das normas jurídicas. Assim, transforma-se a autono-
mia estadual nesta espécie de princípio desmoralizado, assistindo-se, ademais, à
marcha centralizadora que põe termos finais às vantagens democráticas da descen-
tralização política.”15
Representativos do federalismo orgânico, são os regimes autoritários estabele-
cidos na América Latina, e nos países do socialismo real, onde o centralismo polí-
tico transformou a idéia federalista em mera retórica constitucional.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Brasil retorna, depois
dos anos de trevas institucionais, a um federalismo cooperativo, que se revela, entre
outros aspectos, pela definição, no artigo 23, da competência comum para União,
Estados e Municípios legislarem sobre um rol mais amplo de matérias, em relação às
Cartas anteriores, levando em consideração, segundo o parágrafo único do mesmo
artigo, normas para a cooperação entre eles, definidas em lei complementar, tendo
em vista o equilíbrio do desenvolvimento e bem-estar social em âmbito nacional;
bem como pela previsão de competência concorrente entre União e Estados-mem-
bros. Sob o viés do direito financeiiro, o cooperativismo se dá pela repartição, mais
condizente com as atribuições materiais, das receitas tributárias de impostos fede-
rais com Estados e Municípios e de impostos estaduais com os Municípios.
Por outro lado, as experiências federalistas em países com grande diversidade
cultural, lingüística, social, e religiosa entre os Estados-membros, despertaram a
necessidade de um regime em que fosse possível um tratamento diferenciado entre
eles, em razão de suas distinções. É o que chamamos de federalismo assimétrico.
Segundo DIRCÊO TORRECILLAS RAMOS, o conceito de simetria relevante
para o tema do federalismo se traduz no: “nível de conformidade e do que tem em
comum nas relações de cada unidade política separada do sistema para com o siste-
ma como um todo e para com as outras unidades componentes. Isso em outras pala-
vras significa a uniformidade entre os Estados-membros dos padrões destes relacio-
255
Ricardo Lodi Ribeiro
256
Temas de Direito Constitucional Tributário
19 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional. 22. ed., São Paulo: Saraiva,
1995, p. 48.
20 NOVELLI, Flávio Bauer, “Norma Constitucional Inconstitucional? A propósito do art. 2º, § 2º, da
Emenda Constitucional nº 3/93”, RDA 199, p. 39.
21 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Financeiro e Tributário. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 125.
257
Ricardo Lodi Ribeiro
nistração, haja vista que o exercício das competências materiais conferidas aos
Estados não pode depender exclusivamente do exercício da competência tribu-
tária da União.
É ínsita à idéia de autonomia a descentralização territorial do poder, permi-
tindo que os Estados definam suas próprias prioridades, independentemente das
políticas definidas pela União.22 Sem que haja a eleição de suas próprias priorida-
des por parte dos Estados, inútil é a federação, como bem salientado por DALMO
DE ABREU DALLARI:23 “O reconhecimento desse poder de fixar sua própria esca-
la de prioridades é fundamental para a preservação da autonomia de cada governo.
Se um governo puder determinar o que o outro deve fazer, ou mesmo o que deve
fazer em primeiro lugar, desaparecem todas as vantagens da organização federati-
va. Realmente, pode ocorrer que a escala de prioridades estabelecida pelo governo
central não coincida com o julgamento de importância de assuntos feito pelo
governo regional ou local. Pode também ocorrer que um governo pretenda que
outro cuide de outros problemas que, no seu julgamento, deveriam merecer prefe-
rência. (...)“Assim, pois, a decisão sobre as prioridades, dentro de sua esfera de com-
petência e afetando seus recursos financeiros, é uma decorrência da autonomia e
cabe a cada entidade política, por preceito constitucional, não se podendo exigir
comportamento diverso sob alegação de ser mais conveniente.”
Portanto, só através do exercício de sua própria competência tributária, o
Estado pode garantir o cumprimento de suas prioridades, e não as da União, pre-
servando sua autonomia em relação a esta. Assim, se, hipoteticamente, toda a arre-
cadação dos Estados, ou quase toda, dependesse de tributos federais, a concessão de
benefícios fiscais pela União, atendendo a um interesse que os poderes federais
consideram prioritário, como o incentivo às exportações, poderia impedir que os
Estados atingissem as suas próprias prioridades, como o aumento dos investimen-
tos na área social, por exemplo.
É justamente essa competência tributária própria que vai diferenciar a repar-
tição das receitas tributárias ocorridas na Federação das encontradas nos estados
unitários descentralizados. Há uma tendência à descentralização de recursos e
competências nos estados unitários como Portugal, Espanha e Itália, inclusive com
a criação de regiões autônomas, que possuem competências próprias e, muitas ve-
zes, até impostos próprios.
Na Espanha, segundo o art. 142 da Constituição, as fazendas locais devem
dispor dos recursos suficientes para o desempenho das funções que a lei lhes atri-
22 CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 4. ed., São Paulo: Malheiros,
p. 81.
23 DALLARI, Dalmo de Abreu, “Competências municipais”, in “Estudos de Direito Público”, Revista da
Associação dos Advogados da Prefeitura do Município de São Paulo, 1983, nº 4, p. 7, apud CARRAZZA,
Ob. cit., p. 82.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
24 CARRERA RAYA, Francisco José. Manual de Derecho Financiero, vol. I, Madrid: Tecnos, 1995, p. 63.
25 CAMPOS. Diogo Leite de e CAMPOS, Mônica Horta Neves Leite de. Direito Tributário, Coimbra: Al-
medina, 1998, p. 98.
26 FERREIRO LAPATZA, José Juan, Curso de Derecho Financiero Español, vol. I, 21. ed., Madrid: Marcial
Pons, 1999, p. 108.
27 HESSE, Konrad, Ob. cit., pp. 205-207.
259
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Entre as medidas que contribuíram para essa sobrecarga fiscal dos entes par-
tes, podemos destacar:
260
Temas de Direito Constitucional Tributário
261
Ricardo Lodi Ribeiro
35 Em sentido contrário à decisão do STF na ADIn 939, vide FLÁVIO BAUER NOVELLI, na obra já cita-
da, onde o autor sustenta que a legitimidade de certas derrogações pelo constituinte derivado às normas
contidas nos artigos 150 a 152.
36 CANOTILHO, J. J. Gomes, Ob. cit., p. 470.
37 SILVA, José Afonso da, Ob. cit., pp. 69 e 98.
262
Temas de Direito Constitucional Tributário
Como é de todos sabido, o ICMS representa mais de 85% das receitas arreca-
dadas pelos Estados.38 Portanto, o exercício da competência tributária relativa ao
ICMS é vital para a sobrevivência financeira dos Estados, no que tange à sua auto-
nomia administrativa, conforme anteriormente abordado.
Ocorre que, embora sendo o principal imposto dos Estados, e de longe a sua
principal fonte de recursos, o ICMS é um tributo cujo exercício da competência tri-
butária pelos seus titulares é bastante limitado pela Constituição Federal, a fim de
evitar a danosa para a Federação e suicida para o Erário estadual “guerra fiscal”
entre os Estados.
Os mecanismos principais utilizados pelo constituinte originário para evitar a
guerra fiscal foram:
38 No ano de 1998 as receitas arrecadadas pelo Estado de São Paulo totalizaram pouco mais de 30 bilhões
de reais, sendo o ICMS responsável por mais de 26 bilhões, segundo dados da Secretaria de Estado da
Fazenda, disponíveis na Internet.
263
Ricardo Lodi Ribeiro
sar ao largo da questão, deixando para um momento posterior, há uma grande preo-
cupação, até certo ponto louvável, em evitar a guerra fiscal entre os Estados, cada
vez mais ousados na concessão de incentivos numa disputa fratricida pela instala-
ção de empresas estrangeiras em seus territórios, muitas vezes utilizando de expe-
dientes inconstitucionais como a concessão de financiamentos pelo Estado, cujos
recursos não são entregues ao contribuinte, mas compensados com tributos esta-
duais. Na verdade, trata-se de isenções condicionadas concedidas sem autorização
de convênio.
Ocorre que nas propostas hoje em discussão, com vistas ao aumento das limi-
tações ao exercício da competência pelos Estados no que tange ao ICMS, inspiradas
no combate à “guerra fiscal”, há uma verdadeira supressão da competência tributá-
ria dos Estados, que passam a ser tão-somente titulares da capacidade tributária
ativa e destinatários de parte da arrecadação do tributo.
Vale recordar a distinção entre os dois conceitos. Competência tributária é o
poder de instituir o tributo. Ou seja, de criar o tributo através de lei, legislando
sobre todos os elementos necessários à imposição tributária, inclusive no que tange
à concessão de benefícios fiscais. O exercício dessa competência é pleno sendo,
porém, limitada pelas restrições contidas da Constituição Federal.
Já a capacidade tributária ativa se traduz no poder de exigir o tributo, ou seja,
de arrecadar, fiscalizar e executar a legislação tributária, não envolvendo, no
entanto, o poder de legislar sobre ele.39
Há uma terceira figura: a do beneficiário da arrecadação, que não necessaria-
mente é o titular da competência tributária ou o da capacidade tributária ativa.
Como já demonstrado, a autonomia dos entes da Federação exige que estes
possuam competências tributárias próprias, não bastando a mera capacidade tribu-
tária ativa e a posição de destinatário da arrecadação, pois estes últimos não podem
definir as regras relativas à incidência e, em conseqüência, ficam impossibilitados
de estabelecer uma política fiscal condizente com as suas prioridades político-
administrativas.
Na sistemática desse ICMS nacional, a competência para legislar sobre o tri-
buto seria também da União, através de lei complementar. O regulamento do
imposto também seria elaborado pela União. Aos Estados caberia a fiscalização e a
arrecadação do imposto, sem prejuízo da fiscalização suplementar da União.
Quanto aos benefícios fiscais, que hoje são aprovados através de convênios
entre todos os Estados, passam a ser vedados no ICMS cobrado pelos Estados.
Assim, a proposta retira dos Estados e do Distrito Federal a competência sobre
o ICMS, atribuindo-a à União, ferindo a cláusula pétrea da Federação, à medida que
264
Temas de Direito Constitucional Tributário
265
Ricardo Lodi Ribeiro
7) Conclusão
266
XV
A Interpretação da Lei Tributária
Sumário: 1) Introdução. 2) Os Métodos de Interpretação e sua Evolução Histórica. 2.1) A
Jurisprudência dos Conceitos e o Método Sistemático. 2.2) A Jurisprudência dos Interesses
e o Método Teleológico. 2.3) A Jurisprudência dos Valores e a Pluralidade Metodológica.
3) A Interpretação no Direito Tributário Brasileiro.
1) Introdução
267
Ricardo Lodi Ribeiro
Surgida num mundo liberal e individualista em que o Direito tinha como obje-
tivo maior a preservação da segurança das relações jurídicas, a jurisprudência dos
conceitos do Século XIX tem em Puchta seu criador e principal defensor. Segundo
Puchta, a ciência do direito se organiza a partir de um sistema lógico no estilo de
uma pirâmide de conceitos, onde cada conceito superior autoriza certas afirmações;
assim, se um conceito inferior se subsume a um de ordem superior, serão necessa-
riamente válidas para aquele todas as afirmações que se fizerem para este.1
A jurisprudência dos conceitos do século XIX lança as bases para a retomada do
formalismo jurídico que depois, no século XX, seria desenvolvido por Hans Kelsen,
em reação ao positivismo sociológico da jurisprudência dos interesses de Philipp
Heck, e do movimento para o Direito Livre, preconizado por Herman Kantorowicz.2
O que há de comum entre a jurisprudência dos conceitos no século XIX e a
obra de Kelsen é o positivismo formalista, que se caracteriza pelo corte entre o
Direito e a Moral, redutor da realidade jurídica à norma. Segundo Kelsen, o que
não está na norma não interessa ao Direito. Assim, para jurista austríaco, a inter-
pretação se limita a estabelecer o significado da norma jurídica:
1 Para um exame detalhado da evolução das idéias da jurisprudência dos costumes, vide LARENZ, Karl.
Metodologia da Ciência do Direito, pp. 21 e segs.
2 Segundo CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (Hermenêutica e Argumentação – Uma Contribuição ao
Estudo do Direito, p. 94), a Escola do Movimento para o Direito Livre promove o ressurgimento do direi-
to natural de molde histórico-jusnaturalista.
3 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 395.
268
Temas de Direito Constitucional Tributário
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Ricardo Lodi Ribeiro
“Como já se viu, uma reserva absoluta de lei impõe que a lei contenha não só
o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério
de decisão que, desta sorte, se obtém por mera dedução da norma, limitando-
se o órgão de aplicação do direito a nela subsumir o fato tributário.”14
270
Temas de Direito Constitucional Tributário
ca, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento’. Na toma-
da de consciência disto, garante-nos HECK, reside ‘o cerne da Jurisprudência
dos interesses’, sendo também daí que ele extrai a sua fundamental exigência
metodológica de ‘conhecer com rigor histórico, os interesses reais que causa-
ram a lei e de tomar em conta, na decisão em cada caso, esses interesses’ (GA,
pág. 60). Deste modo, também para HECK, como para JHERING, o legislador
como pessoa vem a ser substituído pelas forças sociais, aqui chamadas ‘interes-
ses’ (o que é justamente uma forma de sublimação), que através dele, obtive-
ram prevalência na lei. O centro de gravidade desloca-se da decisão pessoal do
legislador e da sua vontade entendida psicologicamente, primeiro para moti-
vos e, depois, para os ‘factores causais’ motivantes. A interpretação, reclama
HECK, deve remontar, por sobre as concepções do legislador, ‘aos interesses
que foram causais para a lei’. O legislador aparece simplesmente como um
‘transformador’, não sendo já para HECK nada mais do que a ‘designação
englobante dos interesses causais’ (GA, págs. 8 e 64) – fórmula que STOLL
também viria a fazer sua.”16
271
Ricardo Lodi Ribeiro
“Na interpretação das leis tributárias, devem ser observadas sua finalidade, seu
significado econômico e o desenvolvimento das relações.”18
272
Temas de Direito Constitucional Tributário
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Ricardo Lodi Ribeiro
274
Temas de Direito Constitucional Tributário
275
Ricardo Lodi Ribeiro
Porém, sempre que os métodos literal e sistemático derem margem para mais
de uma interpretação, deve-se lançar mão do método histórico, que se traduz na
intenção reguladora do legislador, a partir da situação histórica que deu motivo à
regulação. É por isso que Larenz denomina tal método de histórico-teleológico. A
intenção do legislador reguladora vai se revelar não só pelas exposições de motivos,
mas principalmente pelo próprio conteúdo da regulação, desde que inequivoca-
mente orientada para um fim, sendo de pouca valia as idéias normativas das pes-
soas envolvidas na elaboração da lei, uma vez que não se traduzem na verdadeira
vontade do legislador, que só pode ser extraída da própria norma.42
Deste modo, a interpretação histórica vai ao contexto da elaboração da norma
para buscar o seu sentido, que não é necessariamente aquele almejado pelo legisla-
dor histórico, dado o caráter objetivo desta, como salientado por Carlos
Maximiliano:
276
Temas de Direito Constitucional Tributário
Se todos esses critérios não forem suficientes para a interpretação, deve ser
utilizado o método teleológico, que vai buscar os fins almejados pela norma. Não é
necessário que o legislador tivesse consciência desses fins, mas devem resultar das
estruturas materiais da norma e dos princípios jurídicos imanentes ao ordenamen-
to jurídico. Por isso Larenz denomina tal método de teleológico objetivo.44
Segundo Ricardo Lobo Torres a interpretação teleológica também demanda a
utilização dos outros métodos:
277
Ricardo Lodi Ribeiro
“Ao sentido literal possível e ao contexto cabe, nestes termos, sobretudo uma
função delimitadora. Adentro dos limites assim traçados são, com freqüência,
possíveis várias interpretações. Então são decisivos, antes do mais, os critérios
teleológicos. Às idéias normativas dos autores da lei há-de recorrer-se de
modo complementar; estas podem alcançar importância decisiva quando, por
exemplo, o legislador se tenha afastado, por motivos de outro modo dificil-
mente perceptíveis, da sua concepção numa questão particular, ou os autores
da lei tenham ocorrido em equívoco na formulação da lei.”47
Vale trazer o comentário de Ricardo Lobo Torres, que traduz com precisão a
pluralidade metodológica adotada no Direito Tributário pela jurisprudência dos
valores:
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Temas de Direito Constitucional Tributário
“No mundo concreto em que vivemos, nenhum Estado cria impostos cujo
pressuposto de fato consista, por exemplo, em serem inteligentes ou estúpidos,
ou serem loiros ou morenos, possuir nariz grego ou aquilino, as pernas direi-
tas ou tortas. Não dizemos que o Estado deva ou não cobrar impostos segun-
do esses critérios caprichosos; só dizemos que nenhum Estado, pelo que resul-
ta do direito positivo, obra de tal maneira, dizemos que há um critério segun-
55 Nesse sentido SARMENTO, Daniel, na obra A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, p. 51,
onde o autor sustenta ser o princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, b, da Constituição de 1988,
uma verdadeira regra, e não um princípio.
56 SARMENTO, Daniel. Ob. cit., p. 102.
57 TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 79.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
283
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ção tem o intuito de arrecadar a receita exigida pela justiça, devendo o governo
receber os recursos necessários para fornecer os bens públicos para que o princípio
da diferença seja satisfeito.66
Por outro lado, a questão da autonomia dos conceitos de Direito Tributário aos
institutos do Direito Civil fica superada pela Teoria da Unidade da Ordem Jurídica.
Segundo Klaus Tipke, a unidade da ordem jurídica significa que esta deve ser uma
ordem racional, baseada em critérios de justiça, e que constitua uma unidade.
Segundo Tipke, a unidade se dá:
284
Temas de Direito Constitucional Tributário
De fato, a primeira parte do artigo 109 do CTN parece optar pelo método sis-
temático ao determinar que os princípios gerais do Direito Privado são utilizados
para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos
e formas. Mas dá outra na ferradura, acenando ao método teleológico ao determinar
que os efeitos tributários de tais institutos podem ser definidos pela lei tributária.
Qualquer conclusão fica ainda mais tormentosa, se interpretarmos a referida
norma juntamente com o art. 110 do CTN, segundo o qual a lei tributária não pode
69 Como a de Alfredo Augusto Becker, que considerou que os textos constitucionais, ao consagrarem o prin-
cípio da capacidade contributiva, constitucionalizaram o equívoco (Ob. cit., p. 442).
70 Legalidade Tributária – O Princípio da Proporcionalidade e a Tipicidade Aberta, In Revista da Procurado-
ria Geral do Estado do Rio de Janeiro nº 51, p. 114.
71 Ob. cit., p. 188.
285
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286
Temas de Direito Constitucional Tributário
Porém, nesse início de século, começa a despertar, ainda que de forma inci-
piente, uma consciência nos meios jurídicos tributários para a importância do tema
da justiça para a defesa do direito do contribuinte, não só sob uma perspectiva indi-
vidual, para principalmente com vistas à criação de um sistema tributário nacional
efetivamente justo.
287
XVI
A Elisão Fiscal e a Cláusula Geral Antielisiva
Sumário: 1) Introdução. 2) O Combate à Elisão e a Teoria do Abuso de Direito. 2.1) Con-
ceito e Requisitos do Abuso de Direito. 2.2) O Abuso de Direito no Direito Tributário.
2.2.1) Requisitos da Elisão Abusiva. 2.2.2) Distinção entre Abuso de Direito e Simulação.
2.2.3) Modalidades de Elisão Abusiva. 2.2.4) Abuso de Direito e Licitude. 3) O Combate à
Elisão e as Cláusulas Antielisivas. 3.1) As Cláusulas Antielisivas no Direito Comparado.
4) As Cláusulas Antielisivas no Brasil. 4.1) A Cláusula Geral Antielisiva do Parágrafo Único
do Artigo 116 do CTN. 4.2) A Ausência de Regulamentação da Cláusula Geral Antielisiva.
5) Conclusões.
1) Introdução
289
Ricardo Lodi Ribeiro
exercício de uma atividade que, embora seja formalmente permitida ao agente, está
sendo realizada com base em um fim diverso daquele que a norma jurídica tinha
em vista quando a tutelou.1
São requisitos do abuso de direito: o exercício de um direito subjetivo, a par-
tir de um dispositivo previsto estritamente no direito objetivo; o caráter antijurídi-
co desse exercício, revelado pela intenção de causar um dano ou pela inadequação
aos fins almejados pelo legislador; e o dano causado a direito de terceiro.
De acordo com Díez Picazo, o abuso de direito representa um limite implíci-
to à autonomia privada, consistente na inadmissibilidade do exercício desta sempre
que o seu resultado não seja amparado pelo ordenamento jurídico.2
1 SAN TIAGO DANTAS. Programa de Direito Civil – Teoria Geral. 3. ed. Rio Janeiro: Forense, 2001, p.
318. Para Fernando Augusto Cunha de Sá, o abuso de direito traduz-se “num ato ilegítimo, consistin-
do a sua ilegitimidade precisamente num excesso de exercício de um certo e determinado direito sub-
jetivo: hão-de ultrapassar os limites que ao mesmo direito são impostos pela boa-fé, pelos bons costu-
mes ou pelo próprio fim social ou econômico do direito exercido” (Abuso de Direito. Coimbra:
Almedina, 1997, p. 103).
2 El Abuso del Derecho, p. 216, apud ROSEMBUJ, Tulio. Op. cit., p. 40.
3 “Evasão do Imposto e Tributação segundo os Princípios do Estado de Direito”. In: Brandão Machado
(coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 298.
290
Temas de Direito Constitucional Tributário
291
Ricardo Lodi Ribeiro
Cumpre destacar que a elisão praticada com abuso de direito não se confunde
com a simulação fiscal. De acordo com o § 1º, do artigo 167, do Código Civil
Brasileiro (Lei nº 10.406/2002),8 há simulação nos negócios jurídicos quando:
6 TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada ‘Interpretação Econômica do Direito Tributário’, a Lei Comple-
mentar nº 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.).
O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 240.
7 Op. cit., p. 102.
8 Correspondente ao artigo 102 do Código Civil de 1916.
9 La Simulación de los negocios jurídicos, p. 55, apud ROSEMBUJ (Op. cit., p. 48).
292
Temas de Direito Constitucional Tributário
293
Ricardo Lodi Ribeiro
294
Temas de Direito Constitucional Tributário
te diluído nas prestações, restando uma parcela insignificante para que o arrenda-
tário exercesse sua opção de compra, ao final do contrato. Hoje, com a tipificação
do contrato e de sua tributação pelo ISS, ainda há a possibilidade da elisão abusiva,
quando o leasing for utilizado como cobertura a uma compra e venda, dada a des-
proporção entre os valores do “arrendamento”, e o preço residual.
Com o exemplo citado, fica clara a grande proximidade entre as figuras da
fraude à lei e do abuso de forma, que muitas vezes se confundem. Poderiam as duas
situações ser extremadas pelo critério da atipicidade. É que no abuso de forma, na
visão de Falcão, haveria uma atipicidade na forma do negócio escolhido pelo con-
tribuinte. Já na fraude à lei, havendo, segundo a maioria dos autores,17 a necessida-
de de uma norma de cobertura, teríamos um outro negócio jurídico tipificado, a
dissimular o negócio jurídico efetivamente praticado no mundo econômico. No
entanto, reconhecemos que nem a atipicidade é requisito indissociável da teoria do
abuso de forma, e nem a existência de norma de cobertura é essencial à fraude à
lei,18 o que torna praticamente impossível a distinção entre as duas modalidades de
abuso de direito, constituindo a primeira uma subespécie da segunda.19
USO ABUSIVO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – A teoria
da desconsideração da personalidade jurídica ou do disregard of legal entily, oriun-
da dos países da common law, e utilizada inicialmente no direito privado, autoriza
o levantamento do véu da personalidade da empresa a fim de atingir a substância
do negócio jurídico praticado pelos sócios. Estes, protegidos pela ficção legal da
autonomia da personalidade jurídica da empresa, praticam atos abusivos, fraude e
o descumprimento de obrigações contratuais ou legais.
A utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica das empre-
sas no direito tributário, já é uma realidade em vários países, especialmente na
Argentina, onde, ao amparo da Lei nº 11.683, a Corte Suprema a vem aplicando.20
No entanto, no Brasil, a utilização da teoria ainda esbarra no excesso de for-
malismo representado pela idéia de tipicidade fechada, e na exigência de lei expres-
sa autorizando a desconsideração da pessoa jurídica. A despeito da resistência dou-
trinária, a teoria foi consagrada no artigo 135 do CTN, que estabelece a responsa-
bilização pessoal dos sócios, administradores, dentre outros, nos casos de violação
da lei, do contrato social ou de ação com excesso de poderes. Assim sendo, consti-
tui exemplo da teoria do disregard of legal entily no direito tributário brasileiro a
responsabilização pessoal dos sócios pelos tributos devidos pela sociedade, em caso
17 Por todos, DE LA VEGA (Teoría, Aplicación, y Eficacia en las Normas del Código Civil, p. 232, apud
ROSEMBUJ, op. cit., p. 41).
18 Pela desnecessidade de uma norma de cobertura na fraude à lei, manifestam-se ESTÉVEZ, José Lois (Op.
cit., p. 189) e RODRIGUES, Silvio (Direito Civil, v. 1. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 222).
19 Registre-se que o próprio FALCÃO (Op. cit., p. 73) considerava ser o abuso de forma uma modalidade de
fraude à lei.
20 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação..., cit., p. 154.
295
Ricardo Lodi Ribeiro
21 STF, 2ª Turma, RE nº 110.597/RJ, Rel. Min. Célio Borja, DJU de 07/11/86, p. 21.561.
22 CTN, art. 118.
23 FALCÃO. Fato Gerador..., cit., pp. 84/85.
296
Temas de Direito Constitucional Tributário
24 Para Fernando Cunha Sá (Op. cit., p. 626), o ato abusivo produz os mesmos efeitos que o ato ilícito, ou
seja, é passível de nulidade. No Brasil, Silvio Rodrigues (Op. cit., p. 315) considera que o abuso de direito
se enquadra no âmbito dos atos ilícitos, posição que restou consagrada no novo Código Civil Brasileiro (Lei
nº 10.406/2002, art. 187). Já Caio Mario da Silva Pereira extrema o ato ilícito do abuso de direito
(Instituições de Direito Civil, v. 1. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 468).
25 Evasão Fiscal, Infração Fiscal e Processo Penal Fiscal. 2. ed. Lisboa: Rei dos Livros, 2000, p. 78.
26 No sentido do texto, é indiscrepante a posição de tributaristas como ROSEMBUJ (Op. cit., p. 103),
GOMES, Nuno Sá (Op. cit., p. 78), GALLO, Franco (“Elisão, Economia de Imposto e Fraude à Lei”. Revista
de Direito Tributário 52: 7-18, 1990, p. 14) e AMORÓS RICA (“O Conceito de Fraude À Lei no Direito
Espanhol”. In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 433), onde este autor noticia que, na Espanha, o Real Decreto nº 1.919/79 veda a
aplicação de penalidades em caso de reconhecimento de elisão abusiva. No direito alemão, a conseqüên-
cia do reconhecimento da elisão abusiva também se limita ao pagamento do tributo, sem a imposição de
sanções; no entanto, na França, o reconhecimento do abuso de direito gera a imposição de multa no valor
de 80% do valor do tributo devido, como informa ROSEMBUJ (Op. cit., pp. 364 e 369). No Brasil, a MP
nº 66/02, prescreve que o procedimento antielisivo não é aplicável em casos de dolo, fraude e simulação,
e exclui a imposição de multa de ofício, caso o contribuinte pague o tributo e os encargos moratórios após
o julgamento da representação que reconheça o abuso de direito (art. 17, § 2º, da MP nº 66/02). No entan-
to, caso o contribuinte não recolha o tributo em trinta dias da notificação desta decisão, haverá o lança-
mento do tributo e da multa de ofício (art. 18 da MP nº 66/02).
297
Ricardo Lodi Ribeiro
298
Temas de Direito Constitucional Tributário
30 Ibidem.
31 Nesse sentido TIPKE e LEHNER (apud TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação..., cit., p. 151).
32 SAINZ DE BUJANDA. Hacienda Y Derecho. Madrid: Institutos de Estudios Politicos, 1955, t. 4, p. 603.
33 ROSEMBUJ. Op. cit., p. 363.
34 GOMES, Nuno de Sá. Op. cit., p. 77
35 ROSEMBUJ. Op. cit., p. 367; e TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada Interpretação Econômica...”, cit., p.
243, nota 30.
36 ROSEMBUJ. Op. cit., p. 376.
37 Ibidem, p. 377.
299
Ricardo Lodi Ribeiro
Segundo Höhn,38 o Tribunal Federal suíço exige para a configuração da elisão abu-
siva que a forma jurídica do ato se mostre inadequada para a operação econômica;
que a escolha do negócio tenha se dado apenas em razão da economia do imposto;
e que o procedimento escolhido represente uma considerável economia da exação.
Na Itália, também não há cláusula antielisiva geral, mas apenas regras especí-
ficas para determinados tributos. Não obstante, a doutrina majoritária defende o
combate à elisão abusiva, a partir da teoria da fraude à lei, extraída do artigo 1.344
do Código Civil italiano, como sustenta Fraco Gallo.39
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, países do sistema da common law, o com-
bate à elisão abusiva se faz por meio de construção pretoriana da teoria da inten-
ção negocial. Porém, se os dois sistemas apresentam bastante semelhança, possuem
também suas distinções. No sistema inglês, a partir das posições liberais de Lord
Tomlin, predominava a ampla possibilidade da elisão fiscal lícita (tax avoidance),
punindo-se apenas a ilícita (tax evasion). Houve, no entanto, uma grande virada,
na década de 80, com a prolação de decisões judiciais que, baseadas na doutrina
francesa do abuso do direito, constituíram relevante instrumento de luta contra a
elisão abusiva.40
Já nos Estados Unidos predomina a teoria do business purpose test, com o
exame, pela administração fiscal, da intenção negocial do contribuinte. Assim, se
os negócios jurídicos carecem de motivação econômica, senão à economia fiscal,
pode haver a requalificação pela Fazenda Pública. No sistema norte-americano pri-
vilegia-se, por um lado, a realidade econômica sobre a fórmula jurídica adotada;
por outro, procura-se respeitar a conservação dos contratos, em cumprimento ao
princípio da legalidade.41
A teoria da intenção negocial foi introduzida por obra do próprio legislador
na Suécia, na Austrália e no Canadá.42
Na Argentina, a elisão abusiva é combatida a partir da interpretação econômi-
ca do fato gerador, admitida pelo artigo 1º, da Lei nº 11.683/32,43 com todo o tem-
pero que o princípio da legalidade e a superação histórica das idéias causalistas exi-
gem. O artigo 2º da mesma lei consagra a teoria da desconsideração da personali-
dade jurídica da empresa, traduzindo-se numa verdadeira cláusula antielisiva,
baseada no abuso de direito.44
38 “Evasão do Imposto e Tributação segundo os Princípios do Estado de Direito”. In: Brandão Machado
(coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 285.
39 Op. cit., p. 9.
40 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão – Rotas Nacionais e Internacionais do Planejamento Tributário.
São Paulo: Saraiva, 1997, p. 197.
41 ROSEMBUJ. Op. cit., p. 385.
42 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., pp. 160 e 161.
43 HUCK, Hermes Marcelo. Op. cit., p. 215.
44 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação ..., cit., p. 17.
300
Temas de Direito Constitucional Tributário
Todos esses países, cada um por seu meio, e de acordo com sua tradição jurí-
dica, modificaram suas legislações ou consolidaram o trabalho profícuo da doutri-
na a da jurisprudência, no sentido de impedir o abuso de direito na atividade do
contribuinte, tendente a afastar ou reduzir o pagamento do tributo, por meio da
prática de um negócio jurídico que, a despeito de sua aparente não-incidência,
reflete a substância econômica inserida na norma legal como fato tributável, per-
mitindo à administração fiscal que os atos sejam requalificados e tributados, de
acordo com a previsão legal.
Ao seu turno, o Brasil, em que pese todo o formalismo da sua doutrina tribu-
tária, não restou incólume a essa onda moralizadora, introduzindo, pela Lei
Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, um parágrafo único ao artigo 116
do CTN, que consagrou uma cláusula geral antielisiva, inspirada na sistemática
francesa, baseada na teoria do abuso de direito.
301
Ricardo Lodi Ribeiro
palavra, um sentido bem mais amplo do que o de simulação contido no art. 102 do
Código Civil de 1916.
Por isso, não assiste razão àqueles que vêem no parágrafo único do artigo 116
do CTN uma inócua cláusula de combate à evasão fiscal, idéia que parte da confu-
são entre os conceitos de simulação e dissimulação.47
Contudo, o dispositivo em tela, a despeito de sua recente introdução no orde-
namento, já foi alvo de uma série de críticas da doutrina positivista formalista, que
considera ser inconstitucional a adoção de cláusula antielisiva no Brasil, em razão
do princípio da legalidade.48
No entanto, como já vimos ao longo desse trabalho, os princípios da legalida-
de e da tipicidade não são exclusividades da Constituição brasileira. Todos os paí-
ses que adotaram as cláusulas antielisivas também consagram a legalidade tributá-
ria. Negar a possibilidade constitucional da adoção de cláusulas antielisivas consti-
tui muito mais uma simplificação mistificadora do que, propriamente, o resultado
de uma construção científica no direito tributário.
Na verdade, a introdução da cláusula antielisiva em nosso ordenamento é
fruto da aplicação do valor da segurança jurídica em conjunto com o da justiça. A
segurança jurídica revela-se pela certeza da aplicabilidade das regras, e efetiva-se
pelo princípio da legalidade, dentro da perspectiva de que a obrigação tributária é
ex-lege, não resultando da vontade das partes. Assim, não é lícito ao contribuinte
que pratica o fato econômico, identificado pelo legislador como indicador de capa-
cidade contributiva, se livrar do pagamento do tributo por meio do abuso no exer-
cício do seu direito.
Portanto, torna-se fácil constatar que a norma antielisiva não viola o princí-
pio da legalidade, mas visa, antes de qualquer coisa, garantir o império da lei.
Também não prospera, pelas razões já apresentadas no decorrer deste estudo,
o argumento daqueles que enxergam na cláusula geral brasileira um recurso à ana-
logia. Vimos que o combate à elisão não se confunde com a analogia, uma vez que,
naquele caso, inocorre a aplicação de uma lei ao fato por ela não previsto, mas sim
a subsunção da própria lei tributária, cuja aplicabilidade ao caso foi ocultada pelo
47 Em sentido contrário ao do texto, entendendo o dispositivo como uma norma antievasão: TROIANELLI,
Gabriel Lacerda “O Parágrafo Único do Artigo 116 do Código Tributário Nacional como Limitador do
Poder na Administração”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei
Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 102.
48 Nesse sentido, entre outros, MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Norma Antielisão é Incompatível com o
Sistema Constitucional Brasileiro” In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e
a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 123); MACHADO, Hugo de Brito (“A Norma
Antielisão e o Princípio da Legalidade – Análise Crítica do Parágrafo Único do do Art. 116 do CTN”. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 115); e COELHO, Sacha Calmon Navarro (“Os Limites Atuais do Planejamento
Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar
104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 304).
302
Temas de Direito Constitucional Tributário
contribuinte. Ainda que assim não fosse, restou claro que a integração analógica
não constitui uma violação à legalidade tributária, estando proibida somente pelo
CTN, e não pelo texto constitucional. Ora, se a analogia é vedada pela Lei nº
5.172/66, e o combate à elisão resvalasse para a analogia, a sua previsão pelo pró-
prio Código tem o condão de derrogar, em relação à matéria, a norma vedatória,49
a exemplo do que se dá com a Ley General Tributaria da Espanha, como também
já tivemos oportunidade de apreciar.
Indaga-se ainda se a aplicação da cláusula antielisiva é automática ou vai
depender da introdução da lei ordinária, que estabelecerá os procedimentos a
serem observados pela fiscalização. No caso, há que se considerar que, ocorrendo o
fato gerador, que é, no entanto, escamoteado por expedientes abusivos do contri-
buinte, é imperiosa a tributação com base no ato dissimulado, independentemente
da lei ordinária prevista no parágrafo único, do art. 116 do CTN, que deverá regu-
lar, por meio de procedimentos a serem adotados, a forma pela qual a autoridade
irá afastar a dissimulação.
Afinal, conforme vimos no estudo do combate à elisão no direito comparado,
a aplicação da teoria do abuso de direito à elisão fiscal não prescinde de um dispo-
sitivo explícito, derivando dos princípios gerais do direito civil, como os da proibi-
ção do abuso e da boa-fé, e dos princípios constitucionais tributários da legalidade,
da igualdade e da capacidade contributiva.
Embora a introdução da norma no direito brasileiro não seja supérflua, espe-
cialmente numa cultura extremamente formalista, onde a eficácia dos valores e
princípios está condicionada à sua previsão pelo legislador, por meio de regras – e
até muito pelo contrário, uma vez que a administração tributária foi dotada de
importante arcabouço legislativo para coibir o planejamento fiscal abusivo –, é for-
çoso reconhecer que o combate a este não depende da regulamentação da lei.50
Registre-se que o dispositivo em tela constitui o típico caso de norma de efi-
cácia contida, de aplicabilidade imediata e direta, na clássica definição de José
Afonso da Silva,51 também aplicável aos dispositivos de lei complementar.
A função da referida lei ordinária será a de estabelecer um procedimento
para a desconsideração do ato praticado pelo contribuinte e a sua requalificação,
pressupostos para a tributação, conforme a previsão legal contida na hipótese de
incidência.
49 Nesse sentido: TORRES, Ricardo Lobo (Normas de Interpretação..., cit., p. 244). Também defendendo que
as cláusulas antielisivas constituem exceção à vedação ao recurso da analogia: LEHNER, Moris (apud
TORRES. Ibidem, p. 151).
50 Em sentido contrário ao do texto GRECO, Marco Aurélio (“Constitucionalidade do Parágrafo Único...”,
cit., p. 202).
51 Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 116.
303
Ricardo Lodi Ribeiro
5) Conclusões
52 Por todos, vide MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Norma Antielisão é Incompatível com o Sistema
Constitucional Brasileiro” In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei
Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 123); MACHADO, Hugo de Brito (“A Norma Antielisão
e o Princípio da Legalidade – Análise Crítica do Parágrafo Único do do Art. 116 do CTN”. In: ROCHA,
Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética,
2001, p. 115); e COELHO, Sacha Calmon Navarro (“Os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 304). Para o estudo das várias posições doutrinárias sobre a introdução do instrumento
em nosso direito tributário, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p.
162-170.
53 Como exemplificação, vide acórdãos do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
proferidos pela 1ª Câmara, nos Recursos nos 150.450 (j. 01/03/07), 145.171 (j. 24/05/06), 151.995 (j.
29/03/07), e 142.607 (j. 23/03/05) e pela 7ª Câmara no Recurso nº 137.256 (j. 14/04/04).
304
Temas de Direito Constitucional Tributário
02) A elisão abusiva viola o valor da justiça, bem como os princípios da igual-
dade e da capacidade contributiva, obrigando o Estado a criar tributos
que, independentemente de revelarem capacidade contributiva, não são
passíveis de planejamento fiscal.
03) A elisão fiscal que deve ser afastada é a prática abusiva, baseada na dissi-
mulação do fato gerador, que não pressupõe necessariamente a prática de
ato ilícito como ocorre na simulação.
04) O combate à elisão abusiva efetiva-se por meio da interpretação aberta
aos valores, da utilização da teoria do abuso de direito e das cláusulas
antielisivas.
05) O abuso de direito ocorre quando o contribuinte lança mão de uma
norma com intenção não adequada à sua finalidade. Os requisitos para a
sua configuração são: a) exercício de um direito previsto em determina-
do dispositivo legal; b) caráter antijurídico do exercício; c) dano causado
a direito de terceiro.
06) Ocorre a elisão abusiva quando há: a) desarmonia entre a forma do ato e
a finalidade da lei que o ampara ou entre a vontade e os efeitos do negó-
cio jurídico; b) intenção elisiva como única ou preponderante motivação
do negócio; c) identidade ou semelhança entre os efeitos econômicos do
fato gerador e do negócio praticado pelo contribuinte; d) proteção for-
mal do ordenamento ao ato praticado; e) economia fiscal.
07) O abuso de direito não se confunde com a simulação, pois nesta os atos
são fictícios e não queridos pelo contribuinte, que oculta a verdade; já no
abuso de direito, o negócio é sério e real, e é praticado com o intuito de
burlar uma norma proibitiva ou imperativa.
08) A dissimulação é a expressão verbal das condutas que dão origem ao
abuso de direito, e engloba a fraude à lei, o abuso de forma, a desconsi-
deração da personalidade jurídica e o teste da intenção negocial.
09) No abuso de direito não há, necessariamente, uma ilicitude, uma vez que
a ocorrência do fato gerador não depende da validade formal do ato jurí-
dico; o que ocorre é a ineficácia do ato em relação ao fisco.
10) Em conseqüência, o simples reconhecimento de elisão abusiva não auto-
riza a imposição de penalidade pecuniária.
11) O combate à elisão abusiva vem, em diversos países, sendo levado a efei-
to por meio das cláusulas antielisivas, cuja configuração legal, embora
varie de acordo com a tradição jurídica de cada ordenamento, não apre-
senta distinções metodológicas significativas.
12) O Brasil, por meio do parágrafo único, do art. 116 do CTN, introduzido
pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, adotou o mode-
lo francês, ao eleger uma fórmula ampla de combate ao abuso de direito,
o que é revelado pela utilização da expressão dissimulação, contida no
305
Ricardo Lodi Ribeiro
306
XVII
A Natureza Interpretativa do Art. 129 da Lei nº
11.196/05 e o Combate à Elisão Abusiva na Prestação
de Serviços de Natureza Científica,
Artística e Cultural
Sumário: 1) Introdução. 2) A Prestação de Serviços Científicos, Artísticos e Culturais e a
Tutela Trabalhista. 3) O Combate à Elisão Abusiva e seus Limites. 4) O Art. 129 da Lei nº
11.196/05: Legitimidade, Alcance e Aplicação. 5) Conclusão.
1) Introdução
307
Ricardo Lodi Ribeiro
1 Sobre os conceitos de Sociedade Industrial e Pós-Industrial, vide: MASI, Domenico de. A Sociedade Pós-
Industrial. Vários Tradutores. 4. ed., São Paulo: Senac, 2003.
308
Temas de Direito Constitucional Tributário
Não são poucas as vozes que procuram justificar a pesada contribuição dos tra-
balhadores mais bem remunerados e que não recebem os correspondentes benefí-
cios estatais, no princípio da solidariedade social, a fim de promover o atendimen-
to das prestações estatais positivas para a maioria dos trabalhadores que depende da
tutela estatal. Porém, se a solidariedade constitui valor legitimador de todo o orde-
namento jurídico, não se confunde com uma autorização constitucional para a cria-
ção de tributos, senão por meio da solidariedade de grupo, revelada pela relação
que une o grupo dos que pagam e o grupo dos que contribuem, tal como ocorre na
contribuição previdenciária devida pelos empregadores, a custear a seguridade
social de seus empregados.2
Por outro lado, cumpre destacar que as características da prestação de servi-
ços científicos, artísticos e culturais quase sempre passam bem ao largo da subordi-
nação característica da relação de emprego, uma vez que tais atividades, em geral,
são fruto do espírito livre do prestador, que não é fiscalizado quanto à execução do
trabalho, que não se dobra a um acompanhamento técnico do tomador, mas que é
controlado pelo seu resultado.
Ainda que assim não fosse, deve-se destacar que as expressões que o legislador
tributário utiliza a partir de uma definição anterior do direito trabalhista não têm,
necessariamente, o mesmo sentido nas duas searas da ciência jurídica. É que, como
destaca Beisse,3 a interpretação da lei tributária, a partir de conceitos definidos por
outros ramos do direito segue três princípios:
2 Sobre o tema da solidariedade social como idéia legitimadora do ordenamento jurídico, mas não como
autorização constitucional para a cobrança de contribuições exóticas, que não guardam a referência ao
grupo, vide: TORRES, Ricardo Lobo. “Existe Um Princípio Estrutural da Solidariedade”, in: GRECO,
Marco Aurélio e GODOI, Marciano Seabra. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética,
2005, pp. 198-207.
3 BEISSE, Heinrich. “O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente
Jurisprudência Alemã.” In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa
Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, pp. 21-23.
309
Ricardo Lodi Ribeiro
4 No sentido do texto foi a interpretação autêntica do dispositivo pela EC nº 20/98, que equiparou aos
empregadores às empresas e entidades assemelhadas.
5 Artigo 29 do Código Tributário Nacional.
6 TIPKE, Klaus. “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito Tributário”. In: Brandão Machado
(coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 522.
7 BEISSE, Heinrich. “O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente
Jurisprudência Alemã”, p. 37.
8 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 123.
310
Temas de Direito Constitucional Tributário
9 Por todos, vide MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Norma Antielisão é Incompatível com o Sistema
Constitucional Brasileiro” In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei
Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 123); MACHADO, Hugo de Brito (“A Norma
Antielisão e o Princípio da Legalidade – Análise Crítica do Parágrafo Único do do Art. 116 do CTN”. In:
ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 115); e COELHO, Sacha Calmon Navarro (“Os Limites Atuais do Planejamento
Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar
104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 304). Para o estudo das várias posições doutrinárias sobre a introdu-
ção do instrumento em nosso direito tributário, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e
Elisão Tributária, pp. 162-170.
10 Como exemplificação, vide acórdãos do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
proferidos pela 1ª Câmara, nºs Recursos nºs 150.450 (j. 01/03/07), 145.171 (j. 24/05/06), 151.995 (j.
29/03/07), e 142.607 (j. 23/03/05) e pela 7ª Câmara no Recurso nº 137.256 (j. 14/04/04).
311
Ricardo Lodi Ribeiro
312
Temas de Direito Constitucional Tributário
14 TORRES, Ricardo Lobo. “A Chamada ‘Interpretação Econômica do Direito Tributário’, a Lei Comple-
mentar nº 104 e os Limites Atuais do Planejamento Tributário”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira
(Coord.). O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 240.
15 ROSEMBUJ, Tulio. El Fraude de Ley, La Simulación, y El abuso de Las Formas en Derecho Tributario,
p. 102.
16 Vide decisões citadas na nota nº 10.
313
Ricardo Lodi Ribeiro
17 Embora o Código Civil de 2002 (art. 187) tenha equiparado, quanto à invalidade dos efeitos, o ato ilíci-
to ao abuso de direito, é forçoso reconhecer que ainda sobrevivem distinções quanto aos seus elementos
formadores. Sobre o tema, com a distinção entre a dissimulação abusiva e a simulação ilícita, vide:
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 148.
314
Temas de Direito Constitucional Tributário
Como vimos, a introdução do art. 129 na Lei nº 11.196/05 nada mais represen-
tou do que a inserção no nosso ordenamento jurídico de uma cláusula antielisiva
específica, a partir da ponderação de interesses entre a legalidade e a capacidade
contributiva, estabelecendo uma solução que se adequa ao regime constitucional tri-
butário brasileiro, cuja fase de legitimação é também marcada pela ponderação entre
a segurança e a justiça fiscal, e que fundamenta um sistema onde os dois interesses
sejam reconhecidos de forma ótima pelos princípios específicos e as regras.18
A solução de ponderação adotada pelo legislador não admite a desconsidera-
ção da personalidade jurídica das empresas prestadoras de serviços científicos,
artísticos e culturais sem que reste caracterizado o abuso de direito com todos os
seus requisitos de configuração, afastando a interpretação que vinha sendo efetiva-
da pela fiscalização, que desconsiderava a personalidade jurídica pela mera identi-
dade (nem sempre bem demonstrada) de efeitos econômicos entre a atividade do
prestador de serviços e o regime empregatício.
Não é outro o sentido da remissão do artigo em comento com o art. 50 do
Código Civil, que admite o afastamento da personalidade jurídica nos caso de abuso
18 Sobre a ponderação entre a segurança jurídica e a justiça fiscal na fase de legitimação do ordenamento
jurídico, vide: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Vol.
II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 227. No mesmo
sentido: RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do Contribuinte (Legalidade, Não-surpresa e
Proteção à Confiança Legítima). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 27.
315
Ricardo Lodi Ribeiro
316
Temas de Direito Constitucional Tributário
20 AMATUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”. In: AMATUCCI, Andrea (org.), Tratado
de Derecho Tributario, Bogotá: Temis, 2001, p. 615; ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução
e Teoria Geral..., p. 134; MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1991, pp. 87-88.
21 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 670. No mesmo sentido: ASCENSÃO, José de Oliveira. O
Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-brasileira. 2. ed. brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, p. 600.
22 BETTI, Emilio. Interpretazione della Legge e degli Atti Giuridici. Milano: Giuffrè, 1949, p. 80; AMA-
TUCCI, Andrea. “La Interpretación de la Ley Tributaria”, p. 615.
23 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 531.
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5) Conclusão
318
XVIII
O Fato Gerador da Obrigação Tributária
como Acoplamento Estrutural entre
o Sistema Econômico e o Sistema Jurídico
Sumário: 1) Introdução. 2) O Direito e a Economia na Teoria dos Sistemas Autopoiéticos.
3) O Fato Gerador da Obrigação Tributária como Acoplamento Estrutural entre o Direito
Tributário e a Economia. 4) Conclusão.
1) Introdução
1 Nesse sentido, a obra de Aristóteles (Ética A Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000) é um marco.
2 PALAO TABOADA, Carlos. “Isonomia e Capacidade Contributiva”. Revista de Direito Tributário 4, 1978,
p. 126.
3 Riqueza das Nações. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, vol. II, p. 485.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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8 Moris Lehner reproduz uma citação de Enno Becker, onde fica clara a associação que o autor do antepro-
jeto de Código Tributário Alemão de 1919 faz entre os interesses da arrecadação e a interpretação econô-
mica: “Diante da importância para a coletividade do procedimento da tributação”, seria “um requisito de
primeiríssima ordem que, pouco importando a forma escolhida pelas partes, (...) ou a roupagem de qual-
quer caso, fosse encontrada, pelo imposto, seu significado econômico (...) A valorização da situação fática
conforme seu significado econômico e a interpretação da lei tributária conforme sua finalidade se encon-
tram em casos como esses” (“Considerações Econômicas e Tributação conforme a Capacidade Contribu-
tiva. Sobre a possibilidade de Uma Interpretação Teleológica de Normas com Finalidades Arrecadatórias”.
In: SCHOUERI, Luiz Eduardo/ZILVETI, Fernando Aurélio (Coordenadores). Direito Tributário. Estudos
em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, pp. 147 e 148).
9 Ibidem, p. 148.
10 “O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência
Alemã.” In: Brandão Machado (coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São
Paulo: Saraiva, 1984, p. 6.
11 PEREZ DE AYALA. Derecho Tributário..., cit., p 119.
12 Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
322
Temas de Direito Constitucional Tributário
13 Como a de Alfredo Augusto Becker, que considerou que os textos constitucionais, ao consagrarem o prin-
cípio da capacidade contributiva, constitucionalizaram o equívoco (Teoria Geral do Direito Tributário.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 442).
14 Direito Tributário e MeioAmbiente ..., cit., p. 114.
15 Para XAVIER: “A tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade
fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos fatos e produção dos efeitos, sem carecer
de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou
acresça à contida no tipo legal. (...) Como já se viu, uma reserva absoluta de lei impõe que a lei contenha
não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão que, desta
sorte, se obtém por mera dedução da norma, limitando-se o órgão de aplicação do direito a nela subsumir
o fato tributário” (Os Princípios da Legalidade..., cit., p. 92).
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Temas de Direito Constitucional Tributário
22 No sentido do texto LARENZ, Metodologia..., cit., p. 656, citando Karl Engisch em defesa de sua posição.
23 De acordo com LARENZ: “O que o jurista freqüentemente designa, de modo logicamente inadequado,
como ‘subsunção’, revela-se em grande parte como apreciação com base em experiências sociais ou numa
pauta valorativa carecida de preenchimento, como a coordenação a um tipo ou como a interpretação da
conduta humana, particularmente do sentido juridicamente determinante das declarações de vontade. A
parte da subsunção lógica na aplicação da lei é muito menor do que a metodologia tradicional supôs e a
maioria dos juristas crê. É impossível repartir a multiplicidade dos processos da vida significativos sob
pontos de vista de valoração jurídicos num sistema tão minuciosamente pensado de compartimentos
estanques e imutáveis, por forma a que bastasse destacá-los para encontrar um a um em cada um desses
compartimentos. Isso é impossível, por um lado, porque os fenômenos da vida não apresentam fronteiras
tão rígidas como as exige o sistema conceitual, mas formas de transição, formas mistas e variantes numa
feição sempre nova. É impossível, ainda, porque a vida produz constantemente novas configurações, que
não estão previstas num sistema acabado. É também impossível, por último, porque o legislador, como
várias vezes sublinhamos, se serve necessariamente de uma linguagem que só raramente alcança o grau de
precisão exigível para uma definição conceitual. Não pode portanto causar espanto que o ideal de um sis-
tema abstrato, fechado em si e isento de lacunas, construído com base em conceitos abstratos, nem mesmo
no apogeu da ‘Jurisprudência dos conceitos’ tenha sido plenamente realizado” (Ibidem, pp. 644 e 645).
24 Em sentido contrário ENGISCH, Karl (Ob. cit., p. 259), que entende ser possível a utilização da expressão
subsunção para designar aquilo que Larenz designa como coordenação do fato ao tipo. Observe-se, no
entanto, que a divergência é muito mais de nomenclatura, não constituindo a posição de Engisch uma
oposição real às conclusões de Larenz.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
gerar, mais cedo ou mais tarde, a necessidade do Estado negar prestações positivas
a outro cidadão, ou, o que é mais freqüente, a imposição tributária a quem não
revela capacidade contributiva.29
A consagração da teoria da tipicidade fechada na doutrina brasileira represen-
tou o triunfo de uma peculiar opção, fora do contexto histórico mundial e sem
paralelo em outros ramos do direito pátrio, da segurança jurídica como valor abso-
luto e insuscetível de ponderação com qualquer outro.30
A adoção do princípio da legalidade tributária pela nossa Constituição Federal
– que longe de representar uma peculiaridade nacional, como parecem sustentar
alguns, brota como fruto da evolução da ciência do direito em todo o globo31 – não
é desprestigiada pela superação das teorias ligadas ao positivismo formalista que
recomendam a vinculação absoluta do aplicador do direito à norma.
Na verdade, a maior prova de que essa tão propalada legalidade tributária
absoluta não deriva da Constituição brasileira é o exame dos textos constitucionais
dos países que adotam outros paradigmas na interpretação da lei tributária. Tais
constituições, a exemplo da nossa, também consagram o princípio da reserva legal.
Nos EUA, o art. 1º, Seção VIII da Constituição de 1787, atribui ao Congresso
Nacional a criação de tributos. Na Alemanha, o artigo 105 da Constituição de 1949
garante que os impostos serão objeto da competência legislativa exclusiva da
Federação ou dos Landers (Estados). Na Constituição Espanhola de 1978, embora o
artigo 31.3 admita a possibilidade de instituição de prestações patrimoniais ou pes-
soais na forma da lei, o art. 133.1 dispõe que a potestade de estabelecer tributos é
exercida mediante lei. Por sua vez, a Constituição Francesa de 1958, em seu artigo
34, cumprindo o compromisso firmado pelo povo francês desde a Declaração dos
Direitos do Homem de 1789, garante que a lei deva fixar os impostos, taxas e as
modalidades de sua cobrança. Na Argentina, a Constituição de 1994, em seu art. 4º,
29 No Brasil, o fenômeno é por demais conhecido, como se verá adiante, com a criação de tributos que a des-
peito de não se adequarem ao princípio da capacidade contributiva, são prestigiados pelo legislador pela
menor suscetibilidade à elisão fiscal.
30 Observe-se que os próprios seguidores da doutrina formalista reconhecem o caráter peculiar dessa opção
no panorama do direito comparado. Por todos, vide COELHO, Sacha Calmon Navarro (O Controle da
Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988. Belo Horizonte: Del Rey,
1992, p. 335) e MARTINS, Ives Gandra da Silva (“Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In Martins.
Ives Gandra da Silva (coord.). Direito Fundamentais do Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série
– nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 45-81, 2000, pp. 77 e 79) que justifica a necessidade do contri-
buinte brasileiro ter maior proteção do que é conferido em outros países, em virtude da ganância de o
Estado brasileiro, e do subdesenvolvimento das instituições nacionais, despreparadas para a utilização de
mecanismos de combate à elisão adotados alhures, numa apreciação que obviamente extrapola os limites
da ciência do Direito.
31 Vide UCKMAR, Vitor (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Tradução: Marco Aurélio
Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 24), onde o autor revela que o princípio da legalidade
tributária é adotado em todos as constituições vigentes, exceto, à época, na da ex-URSS, e reproduz, inclu-
sive, o dispositivo constitucional de diversos países.
327
Ricardo Lodi Ribeiro
32 Pela necessidade de lei definindo todos os elementos da obrigação tributária mesmo em face do art. 23 da
Constituição Italiana, vide GIANNINI, A. D. (Instituzioni di Diritto Tributario. 3. ed. Milano: Giuffrè,
[194_], p. 12), PUGLIESE, Mario (Instituciones de Derecho Financiero. Mexico: Fondo de Cultura
Economica, 1939, p. 116) e MICHELI, Gian Antonio (Curso de Direito Tributário. Tradução: Marco
Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 19).
33 “Direitos Fundamentais do Contribuinte”. In MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito Fundamentais do
Contribuinte. Pesquisas Tributárias – Nova Série – nº 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 167-186, 2000,
p. 185.
328
Temas de Direito Constitucional Tributário
34 FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financero Español, vol. I. 21. ed. Barcelona: Marcial
Pons, 1999, p. 53.
35 CALVO ORTEGA, Rafael. Curso de Derecho Financero I – Derecho Tributario (Parte General). 4. ed.
Madrid: Civitas, 2000, p. 100.
36 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Trad. Roneide Majer. São Paulo: Paz e Terra. 7. ed., 2003, p. 189.
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37 GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O que a Globalização Está Fazendo de Nós. Trad. Maria
Luiza Borges. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 24. Imagem ilustrativa dessa situação, é lembrada por
Ulrich Beck: nos estertores do império soviético, Boris Yeltsin, então presidente da República Russa, em
cima de um tanque, faz um discurso contra os líderes da URSS que golpearam Gorbachev. Enquanto as
rádios do regime comunista censuravam o discurso, a CNN transmitia ao vivo para todo o mundo. Era o
triunfo da mídia global sobre o controle nacional dos meios de comunicação (BECK, Ulrich. O que é
Globalização? – Equívocos do Globalismo, Reposta à Globalização. Trad. André Carone. São Paulo: Paz e
Terra, 1999, p. 41).
38 ACKERMAN, Bruce. “The Emergency Constitution”. In: The Yale Law Journal, vol. 113, nº 5, 05/03/04,
pp. 1029-1079, acessado em www.yalelawjournal.org, em 09/07/05.
330
Temas de Direito Constitucional Tributário
39 TRIBE, Laurence H. e GUDRIDGE, Patrick O. “The Anti-Emergency Constitution”. In: The Yale Law
Journal, vol. 113, nº 8, 30/04/04, pp. 1801-1870, acessado em www.yalelawjournal.org, em 09/07/05.
40 AGAMBEM, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci Poleti. São Pulo: Boitempo Editorial, 2004, p. 19.
Entre nós, traçando um paralelo entre a situação da Alemanha da República de Weimar e a dos países em
desenvolvimento como o Brasil, Gilberto Bercovici fala em estado de exceção econômico: “Com a globa-
lização, a instabilidade econômica aumentou e o recurso aos poderes de emergência para sanar as crises
econômicas passou a ser mais utilizado, com a permanência do estado de emergência econômico” (BER-
COVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente – A Atualidade de Weimar. São Paulo:
Azougue Editorial, 2004, p. 179).
41 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Trad. Laura Motta. Rio de Janeiro: Companhia das
Letras, 2000, p. 18: “A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega
liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria.”
42 MASI, Domenico de. A Sociedade Pós-Industrial. Vários Tradutores. 4. ed., São Paulo: Senac, 2003, p. 33.
331
Ricardo Lodi Ribeiro
332
Temas de Direito Constitucional Tributário
cidade contributiva, a não ser que da própria norma se extraia uma acepção suge-
rida por outros princípios a ela imanentes, tais como as soluções baseadas na segu-
rança jurídica e as sugeridas pela extrafiscalidade ou pela praticidade administrati-
va, a partir de um juízo de ponderação entre os princípios fundados na justiça e
aqueles alicerçados nos outros valores objetivados pelo legislador.
E justamente dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da
generalidade, utilizados como parâmetros da interpretação da lei fiscal, vai derivar,
segundo Perez de Ayala,46 o princípio da luta contra a evasão fiscal. Em conseqüên-
cia, o aplicador, irá adotar a solução que não permita ao contribuinte evadir-se da
obrigação de pagar o tributo previsto em lei, com o que se estaria usando o direito
contra o direito.
Por outro lado, deverá o intérprete atentar para a estrutura material do domí-
nio da norma, que deflui da natureza das coisas. No direito tributário, tal idéia irá
permitir ao aplicador a busca do verdadeiro conteúdo econômico do negócio jurí-
dico praticado, independentemente da forma exterior escolhida pelo contribuinte.
Assim, há uma íntima ligação entre o método teleológico – a partir da inter-
pretação dos fatos jurídicos praticados pelo contribuinte, com base na consideração
econômica destes, revelada pela estrutura material do domínio da norma e pelo
princípio da luta contra a evasão fiscal- e o combate à elisão fiscal abusiva.
Se é verdade que o legislador tributário não pode alterar a natureza do ato pra-
ticado pelo contribuinte, não é menos verdade que este também não pode escamo-
tear os efeitos tributários que brotam do ato por ele praticado, por meio da escolha
de uma forma jurídica que não se coaduna à sua intenção negocial, aos resultados
pretendidos com a prática daquela atividade – em suma, com a realidade econômi-
ca subjacente.
Dessa forma, o traço fundamental de distinção entre a teoria da consideração
econômica do fato gerador desenvolvida por Enno Becker e o exame do critério
econômico realizado no âmbito do próprio fato gerador da obrigação tributária.
Enquanto Becker e seus seguidores se inclinavam, como observou Beisse,47 para a
livre criação do direito, sem vinculação estreita com a lei,48 os seguidores da con-
333
Ricardo Lodi Ribeiro
49 No sentido do texto foi a interpretação autêntica do dispositivo pela EC nº 20/98, que equiparou aos
empregadores às empresas e entidades assemelhadas.
50 Artigo 29 do Código Tributário Nacional.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
51 Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 206.
52 “Princípio da Igualdade e a Idéia de Sistema no Direito Tributário”. In: Brandão Machado (coord.).
Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 522.
53 BEISSE. Ob. cit., p. 23.
54 Ibidem, p. 37.
55 Segundo TORRES: “O art. 109 do CTN é ambíguo e contraditório, pois pretende hierarquizar métodos de
interpretação de igual peso, sem optar com clareza pelo sistemático ou pelo teleológico. Demais disso, mis-
tura posições teóricas divergentes, se filia a correntes doutrinárias conflitantes e emburilha as conseqüên-
cias das opções metodológicas, confundindo as relações entre o Direito Tributário e o Privado e entre
diversas fontes do Direito” (Normas de Interpretação..., cit., p. 188).
335
Ricardo Lodi Ribeiro
56 Ibidem, p. 197.
57 Ibidem, p. 270.
336
Temas de Direito Constitucional Tributário
58 TORRES, Ricardo Lobo. “Princípio da Transparência Fiscal”. Revista de Direito Tributário 79: 7.
59 Salvo nos casos de empréstimo compulsório (art. 148, CF), de imposto sobre grandes fortunas (art. 153,
VI, CF) e de tributos residuais (art. 154, I, e art. 195, § 4º, ambos da CF), em que sendo a lei de incidên-
cia uma lei complementar, esta é que deverá definir o fato gerador.
60 Art. 146, III, a, da Constituição Federal.
61 No direito comparado, só a Constituição alemã apresenta uma repartição constitucional de competências
entre os entes da Federação semelhante, embora não tão detalhada como a nossa.
62 Espécie normativa só encontrada no Brasil.
337
Ricardo Lodi Ribeiro
ra do fato gerador, da base de cálculo e dos contribuintes, bem como com o dispo-
sitivo constitucional definidor da competência tributária.
4) Conclusão
Desse modo, é forçoso concluir que, nos dias atuais, superados os excessos do
positivismo formalista e dos economicistas, a definição do fato gerador da obriga-
ção tributária se traduz no acoplamento estrutural entre o sistema jurídico e o
entorno econômico, dando a segurança de que os contribuintes precisam, a partir
de operações realizadas pelo próprio direito. Com isso, não se tributará a riqueza
que não é descrita pelo fato gerador da obrigação tributária.
No entanto, sob pena de ser corrompido pelas manobras formais pelos contri-
buintes, o sistema jurídico se abre cognitivamente ao entorno econômico na medi-
da em que a aplicação da lei tributária se nutre dos elementos vinculados à função
do direito tributário, que é a regulação da captação das manifestações de riquezas
que irão financiar as despesas comuns. Assim, a aplicação da lei tributária não se
dará em conformidade à capacidade contributiva de cada cidadão.
338
XIX
Os Elementos Constitutivos da Definição de Imposto
Sumário: 1) Introdução. 2) Breve Histórico. 3) Conceito de Imposto e os Elementos Cons-
titutivos da Definição. A) Elementos Comuns à Definição de Tributo. B) Elemento de Dis-
tinção em Relação a outras Espécies Tributárias: o Fato Gerador. C) O Elemento de Legi-
timação: a Capacidade Contributiva. D) O Elemento Finalístico: a Destinação do Produto
da Arrecadação do Imposto.
1) Introdução
1 MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. Traduzida por Marco Aurélio Greco e Pedro
Luciano Marrey Jr., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 75.
2 FERREIRO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español. 21. ed., Barcelona: Marcial
Pons, 1999, p. 199.
3 SOARES MARTÍNEZ, Pedro Mário. Direito Fiscal. 9. ed., Coimbra: Almedina, 1997, p. 37.
4 Contra a posição de SOARES MARTÍNEZ, encontram-se CAMPOS, Diogo Leite/CAMPOS, Mônica
Horta Neves Leite (Direito Tributário. Coimbra: Almedina, 1997, p. 20) que assinalam a aplicabilidade
do regime do Direito Tributário em relação às taxas.
5 A Constituição Portuguesa de 1976, em seu art. 106, nº 2, só submete ao princípio da legalidade a insti-
tuição de impostos, e não de outras exações.
6 Constituição Federal de 1988, art. 145.
339
Ricardo Lodi Ribeiro
2) Breve Histórico
7 A respeito da evolução histórica da tributação, incluindo detalhado estudo sobre os impostos na Grécia,
na Macedônia, em Roma, entre os visigodos, nas Idades Média, Moderna e Contemporânea, incluindo a
disciplina nos regimes totalitários fascista, nazista e soviético, vide SAINZ DE BUJANDA, Fernando.
Hacienda Y Derecho. Madrid: Institutos de Estudios Politicos, 1955, v. 1.
8 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 116.
9 BALEEIRO, Op. cit., p. 255.
10 SAINZ DE BUJANDA, Op. cit., p. 142.
340
Temas de Direito Constitucional Tributário
“é inútil procurar o tributo antes do Estado Moderno, eis que surge ele com a
paulatina substituição da relação de vassalagem do feudalismo pelos vínculos
do Estado Patrimonial, com as incipientes formas de receita fiscal protegidas
pelas primeiras declarações de direitos.”13
11 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Traduzida por Marco Aurélio
Greco, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 11, onde o autor registra interessante caso de autoriza-
ção prévia para cobrança de tributos, quando, em 1192 foram realizadas assembléias e reuniões, na
Inglaterra, para discutir a cobrança de tributos para o pagamento de cem mil libras esterlinas para o resga-
te de Ricardo I, aprisionado pelo Duque da Áustria, o que acabou sendo autorizado pelos contribuintes.
Assinala o autor que, embora fosse um direito consuetudinário exigir tributos dos vassalos para o resgate
do senhor feudal, em tal oportunidade a soma exigida foi tão pesada que não prescindiu da autorização.
12 UCKMAR, Op. cit., p. 13.
13 TORRES, Ricardo Lobo. A Idéia de Liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Fiscal, Ed. Renovar,
Rio de Janeiro, 1991, p. 2.
14 TORRES, Ricardo Lobo, Ob. cit., p. 97.
15 Segundo o financista norte-americano Walker, o imposto neutro é aquele que não dá origem a qualquer
alteração na situação material relativa dos contribuintes (apud SAINZ DE BUJANDA, op. cit., p. 94).
341
Ricardo Lodi Ribeiro
Sendo a espécie típica de tributo, o imposto tem o seu conceito muito marca-
do pela própria definição do gênero tributário, tendo os dois institutos alguns ele-
mentos constitutivos comuns. No entanto, há traços característicos do imposto que
o distinguem das demais espécies tributárias.18
É clássica a definição de ACHILLE DONATO GIANNINI de que o imposto é
a prestação pecuniária que a entidade pública tem o direito de exigir em virtude de
seu poder de império, originário ou derivado, no caso, na medida e no modo esta-
belecido pela lei, tendo em vista conseguir uma certa entrada. A grande contribui-
ção de GIANNINI foi de apontar o fato gerador como elemento identificador dos
tributos, destacando o do imposto como um fato vinculado exclusivamente à pes-
soa do obrigado e à sua esfera de atividade.19
Na esteira da definição de GIANNINI, preconizou GIULIANI FOUROUGE
que são impostos as prestações em dinheiro ou em espécie exigidas pelo Estado em
virtude do poder de império, de quem se ache nas situações consideradas pela lei
como fatos imponíveis.20
342
Temas de Direito Constitucional Tributário
a) o imposto é uma obrigação legal; sendo a lei não só a sua fonte, como ainda
quem determina o fato gerador, e os demais aspectos objetivos, subjetivos e
quantitativos;
b) é uma obrigação de direito público; é o interesse público subjacente que
determina a sua classificação como obrigação de direito público;
c) é uma obrigação pecuniária; normalmente satisfeita em dinheiro;
d) é devida a um ente público fixado pela lei;
e) surge através de um fato gerador realizado exclusivamente pelo sujeito pas-
sivo.
343
Ricardo Lodi Ribeiro
“o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de
qualquer atividade específica, relativa ao contribuinte.”
25 SOUSA, Rubens Gomes, ATALIBA Geraldo, CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao Código
Tributário Nacional (Parte Geral). 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 136.
26 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed., atualizada por Misabel Abreu Machado
Derzi, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 197.
27 MORAES, Bernardo Ribeiro. Op. cit., p. 422.
28 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 28.
29 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 11. ed., São Paulo: Saraiva, 1993, p. 157.
30 FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 4. ed., 11. tiragem, São Paulo: Resenha
Tributária, 1986, vol. I, p. 70.
31 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999,
p. 441.
32 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 80.
33 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Tributário. 11. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, p. 338.
34 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 13. ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 204.
344
Temas de Direito Constitucional Tributário
“O imposto caracteriza-se por ter como fato gerador um fato da vida comum
tomado como índice de capacidade econômica, de modo que, por isso mesmo,
o tributo se destina ao custeio de serviços gerais da administração ou, pelo
menos, não tem sua cobrança condicionada à utilização do serviço público.”35
35 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 4. ed., anotada e atualizada por
Geraldo Ataliba, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 36.
36 TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 308.
345
Ricardo Lodi Ribeiro
co, embora possam existir em outros tributos, são características que melhor se
verificam na espécie tributária em estudo.
37 Admite o STF a criação de tributos por medida provisória (STF, PLENO, RE nº 138.284-8/CE, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJU de 28/08/92).
346
Temas de Direito Constitucional Tributário
38 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4. ed., 2. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1991, pp. 121 e ss.
39 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1972, p. 338.
40 FERREIRO LAPATZA. Op. cit., p. 197.
347
Ricardo Lodi Ribeiro
que a lei instituidora da taxa não pode identificar como base de cálculo uma
situação relativa à vida do contribuinte, tendo que ser preservada a referibilida-
de com a atividade do Estado, de forma que o critério adotado pelo legislador
para fazer variar a taxa tem que estar relacionado com a prestação estatal. Por
isso, o STF considerou inconstitucional que taxas de lixo tivessem como base de
cálculo o tamanho do imóvel, pois esse critério reflete a riqueza do contribuin-
te (base de cálculo de imposto), e não a atividade estatal.41 Pelo mesmo argu-
mento, o STJ considerou inconstitucional a taxa de expediente exigida pela
CACEX pela expedição de guia de importação, que embora tivesse como fato
gerador o exercício regular do poder de polícia, tinha como base de cálculo o
valor da mercadoria importada.42
Ao revés, o imposto, por não se relacionar com qualquer atividade estatal, tem
sua base de cálculo vinculada à atividade do contribuinte, e não a qualquer atuação
estatal.43 Por isso a sua base de cálculo vai refletir, à luz da capacidade contributi-
va, a expressão de riqueza que será tributada.
41 Acórdão do STF, Pleno, RE nº 204.827, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 25/04/97, p. 15.213.
42 Acórdão do STJ, 2ª Turma, REsp 45.757/ES, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJU de 20/06/94, p. 16.092.
43 Nesse sentido: SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Taxa – Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de
Janeiro, Forense, 1990, p. 3.
44 RANELLETTI. Natura Giuridica dell’imposto, 1898, apud BALEEIRO, Aliomar. Limitações..., p. 714.
348
Temas de Direito Constitucional Tributário
45 JARACH, Dino. O Fato Imponível – Teoria Geral do Direito Tributário Substantivo. Traduzida por
Dejalma de Campos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, pp. 99-100.
46 GRIZIOTTI, Riflessioni di diritto internacionale, politica, economia e finanza, R. Univ. di Pavia, 1937,
apud PUGLIESE, Mario, Instituciones de Derecho Financiero, tradução mexicana de José Silva, Mexico:
Fondo de Cultura Economica, 1939, p. 111.
47 PUGLIESE, Mário. Op. cit., p. 112.
48 BUHLER, Ottmar. Apud BALEEIRO, Limitações..., p. 727.
49 TROBATAS, Louis. L’a applicacione della Teoria della causa nel Diritto Finanziario, apud BALEEIRO,
Limitações..., p. 725.
50 BALEEIRO. Limitações..., op. cit., pp. 740-741.
51 GIANNINI, A.D. Il rapporto giuridico dell’imposta, apud PUGLIESE, Mario, Instituciones de Derecho
Financiero, p. 111.
52 BLUMENSTEIN, Ernst. System des Steuerrechts, Zurich, 1951, vol. I, p. 8, apud GUIMARÃES, Carlos
da Rocha, O Problema da Causa no Direito Tributário, RDA 45/1.
53 GIULIANI FONROUGE Derecho Financiero, p. 452.
54 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Edição Póstuma, São Paulo: Resenha
Tributária, 1975, p. 99.
55 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário, p. 93
56 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias, p. 82.
57 CANTO, Gilberto de Ulhoa. “Causa da Obrigação Tributária”, publicada em Temas de Direito
Tributário. Rio de Janeiro: Financeiras, vol. I, p. 330.
349
Ricardo Lodi Ribeiro
350
Temas de Direito Constitucional Tributário
desde a Constituição de 1824, no seu art. 179, XV.62 Embora ausente nos textos
autoritários da Constituição de 1967 e da EC nº 1/69, após ser suprimido pela EC nº
18/65, o princípio era extraído do princípio da isonomia.63 Hoje previsto nas cons-
tituições de diversos países e aceito por vários autores brasileiros e estrangeiros,
como demonstra JOSÉ MARCOS DOMINGUES DE OLIVEIRA,64 o princípio res-
surge no art. 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988.65
Segundo RICARDO LOBO TORRES, o princípio da capacidade contributiva
determina “que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres,
independentemente de sua eventual disponibilidade financeira”.66
O princípio tem uma acepção objetiva, significando que o legislador deve
escolher como fato gerador do tributo, um ato que seja revestido de conteúdo eco-
nômico, sendo destituída de capacidade contributiva a tributação de atos que não
se traduzam em signos presuntivos de riqueza, como o uso de barba e bigode, por
exemplo. Nessa acepção objetiva, o princípio da capacidade contributiva se traduz
em pressuposto ou fundamento jurídico do imposto e diretriz para a eleição das
hipóteses de incidência deste.
Em seu aspecto subjetivo, o princípio se destina a aferir a capacidade de paga-
mento de cada um, graduando-a de acordo com o fato gerador de cada tributo e
limitando a tributação, a fim de preservar o mínimo existencial. Assim, a capacida-
de contributiva no IPTU é mensurada pela propriedade de imóveis urbanos, e não
pela renda. Então, se uma senhora viúva possui um patrimônio imobiliário vasto,
herdado do falecido marido, que, no entanto lhe deixou uma pífia pensão do INSS,
há capacidade contributiva para pagar o imposto sobre a propriedade, embora não
haja disponibilidade financeira. No sentido objetivo, o princípio funciona, portan-
to, como critério de graduação do imposto e limite à tributação.67
Embora a Constituição se refira somente aos impostos, uma vez que nesse tri-
buto só existe a riqueza do contribuinte a se mensurar, o princípio também é apli-
cado aos tributos vinculados, como a taxa, conforme já reconheceu o Pleno do STF
62 Constituição Imperial de 1824, art. 179, XV: “Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do
Estado em proporção dos seus haveres.”
63 FALCÃO, Amílcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária, p. 68. BALEEIRO extraía o princípio do art.
153, § 36, da EC nº 1/69, que prescrevia: “A especificação dos direitos e garantias expressos nesta
Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota.”
(Limitações..., p. 687).
64 Sobre o tema da capacidade contributiva é indispensável a consulta à obra do referido autor, Direito
Tributário: Capacidade Contributiva – Conteúdo e Eficácia do Princípio.
65 Constituição Federal de 1988, art. 145, § 1º: “Sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais
e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
66 TORRES, Ricardo Lobo, Curso..., p. 79.
67 DERZI, Misabel Abreu Machado, nota de atualização à obra Limitações..., de BALEEIRO, p. 691.
351
Ricardo Lodi Ribeiro
68 Acórdão cuja ementa foi transcrita no RE nº 198.868/DF, publicado no DOU de 06/09/99, p. 60.
69 TORRES, Ricardo Lobo, Op. cit., p. 83. No mesmo sentido, OLIVEIRA, José Marcos Domingues de, op.
cit. pp. 91 e ss., onde o autor sustenta a aplicação do princípio não só em relação às taxas, contribuições
de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições parafiscais, mas ainda em relação aos preços
financeiros.
70 Acórdão do STF, Pleno, RE nº 153.771/MG, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 05/09/97, p. 41.892.
352
Temas de Direito Constitucional Tributário
353
Ricardo Lodi Ribeiro
Pela lógica tricotômica adotada pelo art. 5º do CTN, tais tributos se utilizam
dos fatos geradores dos impostos, taxas e contribuições de melhoria, mas deles se
distinguem pela destinação legal do produto da arrecadação. Por isso, não teriam
natureza jurídica própria, uma vez que o elemento distintivo seria irrelevante para
definir a natureza jurídica do tributo. Ocorre que mesmo os tricotômicos atual-
mente aceitam a existência de distinções normativas entre as contribuições parafis-
cais e empréstimos compulsórios, de um lado, e os demais tributos, de quem tomam
emprestado o fato gerador, de outro. Tais distinções são exigidas pelos artigos 148,
149 e 195, da Constituição Federal.72 Assim, a destinação legal do produto da arre-
cadação será relevante para determinar o regime jurídico do tributo, como por
exemplo, quanto à aplicação da anterioridade do art. 153, III, b, da CF, ou a nona-
gesimal, prevista no art. 195, § 6º. Ou em relação às imunidades tributárias, se apli-
cam-se as do art. 150, VI, ou a do art. 195, § 7º, ambos da CF.
Registre-se inclusive que o Plenário do STF, no julgamento do RE nº
138.284-8,73 relatado pelo Ministro Carlos Velloso, considerou que as contribui-
ções da seguridade social não precisam ter seus fatos geradores, base de cálculos e
contribuintes definidos em lei complementar, conforme exigido pelo art. 146, III,
a, da CF, em relação aos impostos, por se constituírem espécie diferente destes, a
despeito de possuírem o seu fato gerador e dele só se distinguirem pela destinação
legal do produto da sua arrecadação à seguridade social.
Como se vê, independentemente da teoria que se adote a respeito das espécies
tributárias,74 é forçoso reconhecer que no nosso direito constitucional positivo, a
destinação legal do produto da arrecadação é relevante para determinar a aplicação
de determinadas regras jurídicas ao tributo.
Deste modo, o imposto cujo produto da arrecadação seja legalmente destina-
do às despesas urgentes previstas no art. 148 da CF, e num segundo momento à res-
tituição ao contribuinte, será empréstimo compulsório. Por sua vez, se o imposto
tiver sua receita destinada pela lei às finalidades parafiscais, previstas no art. 149 da
CF, será uma contribuição parafiscal, submetendo-se às regras constitucionais pró-
prias dessas exações.
Porém, os impostos que não se caracterizem em empréstimos compulsórios e
contribuições parafiscais pela destinação, não podem, segundo o art. 167, IV, da
Constituição Federal, ter as suas receitas vinculadas a despesas, órgãos ou fundos,
salvo exceções previstas expressamente pela CF, a saber:
354
Temas de Direito Constitucional Tributário
75 Acórdão do STF, PLENO, RE nº 183.906-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 30/04/98, p. 18.
355
XX
A Não-Cumulatividade do PIS e da COFINS
Sumário: 1) Introdução. 2) A Não-Cumulatividade e a Tributação sobre o Faturamento.
3) A Não-Cumulatividade das Leis 10.637/02 e 10.883/03 e o Princípio da Isonomia. 4) O
Creditamento das Despesas Necessárias: o Caso da Mão-de-Obra das Pessoas Físicas.
5) Conclusão.
1) Introdução
1 Observe-se que, como ressaltado pelo Plenário do STF no RE nº 230.337/RN, relatado pelo Min. Carlos
Veloso: “o fato gerador do PIS não se identifica com o fato gerador do ICMS, tampouco a hipótese de
357
Ricardo Lodi Ribeiro
incidência do PIS se constitui, conforme vimos, em operações relativas a minerais, de forma específica,
mas sobre o faturamento, que é abrangente de inúmeras operações” (DJU 28/06/02, p. 93).
358
Temas de Direito Constitucional Tributário
Como bem observa Marco Aurélio Greco, “o referencial das regras legais que
disciplinam a não-cumulatividade de PIS/COFINS são eventos que dizem respeito
ao processo formativo que culmina com a receita e não eventos que digam respei-
to ao processo formativo de determinado produto”.2
Desse modo, o estabelecimento de sistemática verdadeiramente não cumula-
tiva no PIS e na COFINS não levaria em consideração a incidência das contribui-
ções na entrada e saída de bens e serviços, lógica própria dos tributos incidentes
sobre a circulação econômica. Mas as receitas auferidas pela empresa e as despesas
inerentes aos fatores de produção pertinentes a essas receitas.3
Como se vê, o que se pode extrair da não-cumulatividade aplicada pela nossa
Constituição aos tributos sobre o faturamento, foge da lógica da tributação sobre
mercadoria ou produto, aproximando-os da tributação sobre a renda ou o lucro. No
entanto, com esta não se confunde, à medida que a matriz constitucional de PIS e
COFINS não se liga ao conceito de acréscimo patrimonial, peculiar ao Imposto de
Renda e, em conseqüência, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
Portanto, se as receitas consumidas no processo de aquisição de novas recei-
tas configuram uma realidade que se aproxima das despesas necessárias que podem
ser deduzidas na apuração do lucro real no IR, a mesma semelhança não é encon-
trada na comparação de renda com o faturamento sob a ótica não-cumulativa, defi-
nição que não exclui, por exemplo, as receitas de caráter indenizatório. Estas,
embora não integrando a base de cálculo do IR, por não constituírem acréscimo
patrimonial, compõem o faturamento das empresas, ainda que sob a sistemática
não-cumulativa.
Assim, se em relação às mercadorias e produtos, a não-cumulatividade signifi-
ca que o imposto a ser pago na operação de saída é a diferença entre o imposto inci-
dente nesta e os que foram pagos nas operações anteriores, o mesmo não acontece
quando o instituto é transmutado para os tributos incidentes sobre a receita bruta
ou faturamento. Nestes, não-cumulatividade significa que o tributo a pagar é encon-
trado pela aplicação da alíquota sobre a diferença entre as receitas auferidas e as
receitas necessariamente consumidas pela fonte produtora (despesas necessárias).
A conclusão referida é afiançada pela impossibilidade de se considerar crédi-
tos referentes à contribuição incidente sobre bens e serviços ingressos no estabele-
cimento, uma vez que a COFINS e o PIS não incidem sobre a circulação destes. Em
outras palavras, a única possibilidade constitucionalmente viável de se conjugar
não-cumulatividade e tributação sobre o faturamento é a adoção do sistema “base
sobre base”, a partir da tributação das receitas após a dedução das despesas indis-
pensáveis à sua produção, pois outra coisa não tributa a COFINS e o PIS – e isto é
2 GRECO, Marco Aurélio. “A Não-Cumulatividade no PIS e na COFINS”, in: PAUSEN, Leandro. A Não-
Cumulatividade no PIS e na COFINS. São Paulo: IOB Thomson, 2004.
3 Ibidem.
359
Ricardo Lodi Ribeiro
uma decisão constitucional que não restou modificada pela EC nº 42/03 – do que o
faturamento ou a receita.
Estabelecido este pressuposto, evidencia-se que a solução adotada pelo legis-
lador ordinário, ao definir o regime de crédito sobre a contribuição incidente sobre
alguns bens e serviços, enquanto determina a tributação de todas as receitas aufe-
ridas, afasta-se do pressuposto constitucional das referidas contribuições, que dei-
xam de incidir sobre o faturamento das empresas para buscar um esboço capenga
de tributação sobre valor agregado em tributos que não incidem sobre circulação
econômica. Desse modo, restam violados o artigo 195, I, b, e seu parágrafo 12, e o
art. 239 da Constituição Federal.
Por outro lado, a previsão constitucional de que o regime não cumulativo no
PIS e na COFINS será aplicado aos segmentos econômicos definidos em lei, não
autoriza ao legislador a criação de um regime, que sobre a capa de uma suposta não-
cumulatividade, esconde uma tributação que se afasta das acepções possíveis do
conceito de faturamento. Cumulativo ou não, PIS e COFINS só podem incidir
sobre faturamento ou receita, nunca sobre circulação de bens.
Ademais, cumpre destacar que a equação legislativa que introduziu a novida-
de em nosso direito positivo está indissoluvelmente acompanhada de um penoso
aumento de alíquota, que procura se justificar numa dinâmica não-cumulativa de-
bilmente definida, vício que acaba por comprometer toda a fórmula legal.
360
Temas de Direito Constitucional Tributário
361
Ricardo Lodi Ribeiro
que o objetivo extrafiscal seja razoável,6 e que prevaleça diante de um juízo de pon-
deração de valores com a capacidade contributiva,7 a fim de que não sejam criados
privilégios odiosos sob o pano da extrafiscalidade.8
De fato, a quebra do tratamento igualitário conferido pelo legislador aos que
revelam a mesma capacidade contributiva só pode se dar em função da finalidade
extrafiscal, como observa Ferreiro Lapatza,9 caso estejam presentes os requisitos
mínimos do referido princípio e quando os fins extrafiscais almejados sejam tam-
bém amparados pela Constituição.
Deste modo, num juízo de ponderação entre a capacidade contributiva e os
interesses extrafiscais almejados, os últimos não podem simplesmente suprimir a
primeira, de forma a atribuir a determinado segmento um ônus fiscal que, afas-
tando-se significativamente de sua capacidade contributiva efetiva, se traduza
numa situação de grande discriminação odiosa em relação aos demais segmentos
econômicos.
Embora o desenvolvimento econômico e o incentivo às exportações sejam
medidas tuteladas constitucionalmente, não podem servir de pretexto ao aniquila-
mento dos direitos constitucionais de vários segmentos econômicos discriminados
pela medida, de proporcionalidade duvidosa, vez que não passou, como se viu, de
estratégia para o aumento da já insuportável carga tributária, o que é incompatível
com o desenvolvimento econômico, utilizado como pretexto para o inconfessável
objetivo de aumento de arrecadação.
Ademais, a superação da capacidade contributiva dos contribuintes que não
possuem créditos significativos, aliada ao grande aumento de alíquota das duas con-
tribuições, acarreta um efeito confiscatório, vedado pelo artigo 150, IV, da Consti-
tuição Federal, consubstanciado numa tributação de quase 10% sobre o faturamen-
to, o que eleva ainda mais a carga tributária total das empresas, inviabilizando o
funcionamento da fonte produtora de riqueza.10
6 PEREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 37.
7 HERRERA MOLINA, Pedro M. Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento
español a la luz del Derecho aléman. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 100.
8 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,
p. 86.
9 Curso de Derecho Financiero Español. 21. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 62.
10 No julgamento da ADIn nº 2.010-MC/DF, o Plenário do STF entendeu que o efeito confiscatório é verifi-
cado em função da carga tributária como um todo, como consta da ementa do acórdão, relatado pelo Min.
Celso de Mello (DJU de 12/04/02, p. 51): “A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em fun-
ção da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte –
considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os
tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver
instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade
econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutra-
lizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o cará-
ter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas in-
362
Temas de Direito Constitucional Tributário
Em outro giro, não procede a alegação de que o artigo 195, § 9º, da Constituição
Federal estaria a autorizar tal distinção ao dispor que as contribuições sociais das
empresas poderão ter alíquotas e bases de cálculo diferenciadas em razão da ativida-
de econômica ou da intensidade da mão-de-obra utilizada. É preciso entender a
mens legis da Emenda Constitucional nº 20/98, que introduziu tal dispositivo no
Texto Maior. O que se pretendia com tal disciplina, à época, era rechaçar as alega-
ções das instituições financeiras, que questionavam a elevação de alíquota da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Por outro lado, a emenda procurou evi-
tar que os setores que não empregam trabalhadores tenham uma carga tributária
total menor, em razões da não-incidência das contribuições sobre folha de salários.
Por isso o § 9º do art. 195 não autoriza distinções anti isonômicas em razão da
atividade econômica e do grau de mão-de-obra utilizada, mas, ao contrário, se des-
tina a esclarecer que tal princípio cardeal não exige que todas as empresas tenham
as mesmas alíquotas e bases de cálculo. Exige sim uma equação legislativa que não
provoque privilégios ou discriminações odiosas entre contribuintes integrantes dos
vários segmentos econômicos. Deste modo, quando as instituições financeiras não
sofriam a incidência da COFINS, poderia se alegar a necessidade, por essa lógica, de
uma alíquota compensatória de CSLL. Do mesmo modo que as empresas que não
possuem empregados poderiam ter outras obrigações tributárias que restabeleces-
sem o regime legislativo equânime.
Portanto, o § 9º do art. 195 não se traduz numa exceção ao princípio da iso-
nomia. Se assim fosse seria repelido pelo sistema constitucional, por ferir a cláusu-
la pétrea do art. 60, § 4º, IV. Mas, ao revés, deve a obra do constituinte derivado
ser interpretada de acordo com a igualdade tributária.
Neste contexto, poderão ser legítimas distinções de alíquota e base de cálculo
em razão da atividade econômica e do grau de mão-de-obra utilizada nas contri-
buições ou em outros tributos, já que tal disciplina deflui diretamente do art. 150,
II, tendo o § 9º do art. 195 sentido meramente declaratório do arcabouço axiológi-
co há muito consagrado constitucionalmente em todo o mundo.
No entanto, deve-se advertir que tais distinções somente serão válidas quan-
do tais fatores, identificados no § 9º do art. 195, CF, estabelecerem características
que resultem numa diferenciação de carga tributária que não se funde na capacida-
de contributiva ou na extrafiscalidade legítima, o que não se apresenta em relação
às Leis nºs 10.637/02 e 10.883/03, que elevaram, desarrazoadamente, a carga tribu-
tária de vários segmentos para estimular as exportações.
Como vimos, a promulgação da Emenda Constitucional nº 42/03, com a intro-
dução do § 12º ao artigo 195, que autorizou a lei a definir os setores de atividade
cidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira
irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte.”
363
Ricardo Lodi Ribeiro
364
Temas de Direito Constitucional Tributário
365
Ricardo Lodi Ribeiro
11 Art. 14 da Lei nº 9.718/98, com redação dada pelo art. 46 da Lei nº 10.637/02.
12 Solução de Consulta nº 5 da COSIT (DOU de 16/05/02), apud HIGUCHI, Hiromi e HIGUCHI, Celso
Hiroyuki. Imposto de Renda das Empresas. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 423.
366
Temas de Direito Constitucional Tributário
367
Ricardo Lodi Ribeiro
aos tributos incidentes sobre as saídas, mas da dedução das despesas necessárias do
montante da receita auferida.
Deste modo, a vedação ao creditamento das despesas necessárias à produção
do resultado fere a não-cumulatividade constitucional e a própria idéia de fatura-
mento. Como corolário desta premissa, a lei reguladora do regime não-cumulativo
deve admitir o aproveitamento como crédito de todos os insumos da atividade eco-
nômica, a partir de uma acepção bem mais ampla do que a adotada nos tributos
incidentes sobre a circulação de bens.
Assim, só uma interpretação extensiva da expressão insumo, contida no arti-
go 3º da Lei nº 10.833/03 como geradora do direito ao crédito, a despeito de não sal-
var a referida norma de todos os vícios apontados, é compatível com a não-cumu-
latividade estabelecida constitucionalmente para as contribuições sobre o fatura-
mento.
Em conseqüência, a vedação de dedução das despesas com a contratação de
mão-de-obra prestada por pessoas físicas acentua a discriminação odiosa contra os
que estão inseridos no regime não-cumulativo, especialmente as empresas presta-
doras de serviço, cuja carga tributária elevou-se assustadoramente, sem o devido
crédito de seu principal insumo.
Muitos têm sustentado o acerto da medida, considerando que não incidem
COFINS e PIS sobre os pagamentos efetuados a pessoas físicas, o que justificaria a
inexistência do direito ao crédito. No entanto, cumpre esclarecer, de logo, que tal
raciocínio só faz sentido na sistemática da não-cumulatividade do ICMS e do IPI,
onde o imposto incide sobre mercadorias e produtos saídos do estabelecimento
contribuinte. Nesse universo, gera direito a crédito, o imposto incidente sobre as
mercadorias e produtos entrados no estabelecimento.
Porém, a mesma lógica não pode ser adotada no PIS e na COFINS, uma vez
que, como visto, estas incidem sobre toda a receita bruta da empresa, que passou a
ser tributada de forma majorada em razão do novel direito de crédito. Logo, como
visto, a vedação ao creditamento de todas as despesas necessárias à obtenção da
receita é violadora do artigo 195, I, b e seu § 12, c/c o art. 239 da CF.
Ademais, a vedação em questão constitui um velado incentivo à artificiosa
criação de pessoas jurídicas prestadoras de serviços, que teriam como único objeti-
vo a terceirização da mão-de-obra. Se esta empresa puder optar pelo lucro presu-
mido, a contratante, embora retendo a COFINS e o PIS na fonte, vai obter grande
vantagem fiscal, pois será onerada em apenas 3,65% sobre tais receitas. Mais uma
vez, o legislador das Leis 10.637 e 10.833 estaria prestigiando valores constitucio-
nalmente consagrados. Neste caso, olvidados estaria o primado do trabalho, pilar
do nosso ordenamento constitucional econômico (art. 170, VIII), provocando
redução dos direitos trabalhistas dos empregados.
368
Temas de Direito Constitucional Tributário
5) Conclusão
369
XXI
A Prescrição e a Decadência do Crédito Tributário
Sumário: 1) Introdução. 2) Decadência e Prescrição e os seus Conceitos na Teoria Geral do
Direito. 3) A Decadência e a Prescrição no Direito Tributário. 4) A Decadência Tributária
no Direito Brasileiro. 5) A Prescrição Tributária no Direito Brasileiro. 5.1) Causas de Sus-
pensão da Prescrição. 5.2) Causas de Interrupção da Prescrição. 5.3) A Prescrição
Intercorrente. 6) Conclusões.
1) Introdução
371
Ricardo Lodi Ribeiro
revela maior dificuldade à luz de uma Constituição Federal, como a nossa, que atri-
bui a disciplina da prescrição e da decadência tributárias à lei complementar.
Tratando-se de institutos que, em nome da segurança jurídica, admitem a pre-
valência de uma situação de injustiça, a prescrição e a decadência devem ter seus
prazos – bem como os termos iniciais destes – expressamente fixados em lei.
Outrossim, tal lei não deve perder de vista os contornos que os referidos institutos
possuem na teoria geral do direito, especialmente quanto ao princípio da actio nata.
Por todas essas dificuldades, a matéria revela-se extremamente controvertida,
não se encontrando, seja na doutrina, seja na jurisprudência, uma posição consen-
sual a seu respeito, o que torna o tema, embora por diversas vezes já explorado,
sempre atual.
“a) a prescrição supõe uma ação, cuja origem é distinta da origem do direi-
to, tendo, por isso, um nascimento posterior ao nascimento do direito;
b) a decadência supõe uma ação, cuja origem é idêntica à origem do direi-
to, sendo, por isso, simultâneo o nascimento de ambos.”2
1 Por todos, Silvio Rodrigues. Direito Civil. Vol. 1, 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 326.
2 LEAL, Antônio Luis da Câmara. Da Prescrição e da Decadência. 2ª edição. Rio de Janeiro: Rio, 1959, p. 114.
372
Temas de Direito Constitucional Tributário
3 AMORIM FILHO, Agnelo. “Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e Para
Identificar as Ações Imprescritíveis.” Revista Forense nº 193, Rio de Janeiro: Forense, p. 30.
4 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, traduzida da 2ª edição italiana por J.
Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1965, pp. 15 e 16.
5 Ibidem.
6 Exemplos extraídos de AGNELO AMORIM JÚNIOR, ob. cit., p. 35.
373
Ricardo Lodi Ribeiro
segundo, o poder coativo do sujeito ativo sobre o devedor, ou seja, o direito de exi-
gir o cumprimento da obrigação.7
Fixada a distinção entre pretensão e sujeição, e por conseqüência, entre direi-
tos a uma pretensão e direitos potestativos, Agnelo Amorim Júnior estabelece que
os direitos a uma pretensão, por serem passíveis de uma violação por parte daque-
le que deve prestar, têm extintas as ações que os revestem pela prescrição, enquan-
to que os direitos potestativos, por não poderem ser violados pelo sujeito passivo,
que nada pode fazer para evitar a produção de efeitos da declaração de vontade do
titular do direito, são extintos pelo decurso do prazo para o seu exercício.
Prossegue Agnelo Amorim Júnior estabelecendo a disciplina da decadência e da
prescrição em relação às sentenças constitutivas, condenatórias e declaratórias.
Seguindo mais uma vez as lições de Chiovenda, o mestre paraibano leciona que as ações
condenatórias são as que visam à obtenção de uma prestação (positiva ou negativa) do
réu, pois a condenação é corolário da existência de uma prestação. Por sua vez, a ação
constitutiva não se destina à obtenção de uma prestação, mas à criação, modificação ou
extinção de um estado jurídico. Já as ações declaratórias têm como objeto o estabeleci-
mento de uma certeza jurídica, certificando a existência ou não de um direito.8
Como conseqüência, se as ações condenatórias visam a uma prestação, e são os
direitos à prestação atingidos pela prescrição, esta as extinguirá. Nas ações, em que
não haja prestação, mas criação, extinção e modificação de um estado, a extinção se
opera pela decadência, que atingirá a sujeição decorrente do estado que se criou,
modificou ou extinguiu. No entanto, as ações declaratórias não são atingidas pela
prescrição ou pela decadência,9 uma vez que o seu objeto se limita a conferir cer-
teza jurídica. A sentença declaratória nada modifica no mundo jurídico. Não sujei-
ta o réu a uma pretensão, nem cria, modifica ou extingue qualquer direito. Se não
se relaciona a uma pretensão ou sujeição, não se compatibiliza com os institutos da
prescrição ou da decadência.
A razão pela qual a decadência extingue o direito e a prescrição a ação é escla-
recida por mais uma lição de Agnelo Amorim Júnior:
374
Temas de Direito Constitucional Tributário
Parece-nos correta a distinção, desde que, e isso não fica evidente na obra de
Agnelo Amorim Júnior, se dê uma concepção mais ampla ao vocábulo ação, afinal,
a prescrição atinge não apenas a possibilidade do titular do direito prescrito utili-
zar-se de uma ação judicial para exigir seus direitos; perece com a prescrição a pró-
pria pretensão jurídica.11
Seguindo essa linha, o Código Civil de 2002, estabelece em seu art. 189, que a
prescrição extingue a pretensão.
Segundo Pontes de Miranda a pretensão é:
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Temas de Direito Constitucional Tributário
19 GIULIANI FONROUGE, Carlos M. Derecho Financiero. Vol. 1. 7. ed. Buenos Aires: Depalma, 2001, p.
611.
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20 MARTÍNEZ, Pedro Mário Soares. Direito Fiscal. 9. ed. Coimbra: Almedina, 1997, p. 308.
21 GIULIANI FONROUGE. Ob. cit., p. 611.
22 VILLEGAS, Héctor. Curso de Direito Tributário. Tradução por Roque Antônio Carrazza. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 142.
23 A utilização pelo nosso CTN da expressão obrigação tributária provoca grande confusão na doutrina, que
acaba por lhe conferir conteúdo privatista que ela não possui, como bem observa SEIXAS FILHO,
Aurélio (Estudos de Procedimento Administrativo Fiscal Estudos de Procedimento Administrativo
Fiscal. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2000, p. 21).
24 “O Lançamento Tributário e a Decadência”, cit., p. 35.
25 Pela tese da extinção do direito de lançar pela decadência MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito
Tributário. Tradução por Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1978, p. 260. Contra FERRERO LAPATZA, José Juan. Curso de Derecho Financiero Español.
21. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 430, que defende ser o prazo prescricional.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
ziar tais institutos daquilo que eles possuem de mais genuíno: a proteção à seguran-
ça jurídica.
Por isso, e pelo exame da estrutura adotada pelo CTN, o prazo para lançar o
tributo se traduz em direito potestativo da Fazenda Pública constituir o crédito tri-
butário em face do contribuinte. Revela-se aí uma sujeição do contribuinte a uma
declaração do Fisco. Ocorrido o fato gerador, o Estado tem o direito potestativo de
efetuar o lançamento, sujeitando o contribuinte – que nada poderá fazer para evi-
tar os efeitos próprios a este procedimento. Este se tornará então devedor do cré-
dito lançado. A partir daí – após o lançamento – é que surgirá o direito de cobrar o
crédito, exigindo-se do contribuinte a prestação tributária. Logo, de acordo com a
classificação proposta por Agnelo Amorim Júnior, o direito de lançar seria extinto
pela decadência e o direito de cobrar pela prescrição.26
O CTN elenca tanto a prescrição, quanto à decadência como causas de extin-
ção do crédito tributário. De fato, ambas têm esse efeito extintivo sobre o crédito.
Assim como se dá no direito civil, a prescrição tributária extingue a pretensão, a
exigibilidade, que é justamente o que o crédito, segundo a sistemática do CTN, tem
de plus em relação à obrigação. Porém, a decadência extingue o próprio direito de
lançar, atingindo a obrigação tributária em seu cerne. Extinta a obrigação, extin-
gue-se em conseqüência o crédito. Assim, dentro da sistemática adotada pelo nosso
CTN, a prescrição extingue o crédito tributário, como prescreve o seu art. 156, V,
mas não atinge a obrigação, ou seja, o débito. Logo, quem paga tributo prescrito não
tem direito à restituição.27
A questão de saber se a prescrição tributária pode ser reconhecida pelo juiz,
ganha novos contornos com a edição da Lei nº 11.051/04, que inseriu um § 4º ao
artigo 40 da LEF (Lei nº 6.830/80) e da Lei nº 11.280/06, que alterou o § 5º do art.
219 do CPC. Chegamos a defender, antes da edição das referidas leis, a impossibi-
26 Partindo da mesma classificação proposta por Agnelo Amorim Júnior, SEIXAS FILHO, Aurélio (Ob. cit.,
p. 35), conclui que o direito de lançar não gera uma sujeição, mas uma prestação, extinguindo-se pela
prescrição. No mesmo sentido do texto, Hugo de Brito Machado: “A diferença essencial entre decadên-
cia e prescrição, no Direito Tributário, está em que a primeira diz respeito ao direito de lançar, ou de
rever o lançamento, enquanto a segunda diz respeito ao direito de haver o tributo lançado. O direito de
lançar é da categoria dos direitos potestativos, pois sua satisfação depende exclusivamente de seu pró-
prio titular. Ficando este inerte até o final do prazo fixado em lei para o exercício do direito, este pere-
ce pela decadência. O direito de haver o crédito tributário, vale dizer, o direito de haver o tributo lan-
çado, é da categoria dos direitos a uma prestação, pois sua satisfação depende da colaboração de outrem.
O direito que tem a Fazenda de receber o valor do tributo lançado depende da colaboração do sujeito
passivo da obrigação tributária, vale dizer, depende de que este efetue o pagamento. Se tal não ocorre, a
Fazenda Pública precisa da ação de execução, para compelir o sujeito passivo ao pagamento. Assim, a
morte do direito de ação, pela inércia da Fazenda em promovê-lo no prazo que a lei estabelece para esse
fim, denomina-se prescrição (“Lançamento Tributário e a Decadência”. In MACHADO, Hugo de Brito
(coord.). Lançamento Tributário e Decadência, cit., p. 236).
27 Nesse sentido FANCCHI, Fábio. A Decadência e a Prescrição em Direito Tributário. 4. ed., 11. tiragem.
São Paulo: Resenha Tributária, 1986, vol. I, p. 126. Contra MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de
Direito Tributário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, vol. I, p. 472.
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lidade de reconhecimento de ofício pelo juiz.28 Nossa posição, que inclusive encon-
trava apoio na jurisprudência do STJ,29 se baseava no argumento de que a prescri-
ção podia ser renunciada pela parte a quem aproveita. Assim, representando a pres-
crição extinção da pretensão, e não do tributo, não caberia ao juiz a iniciativa de
reconhecê-la.
No entanto, hoje é forçoso reconhecer que a alteração do § 5º do artigo 219 do
CPC pela Lei 11.280/06 produziu uma revolução em todo o sistema legislativo que
cuida da prescrição, projetando seus efeitos também sobre o subsistema tributário,
onde alteração análoga já havia sido produzida pela Lei 11.051/04. É bem verdade
que esta se referiu apenas à prescrição intercorrente, aplicada no caso de suspensão
da execução fiscal por impossibilidade fática de constrição patrimonial do devedor
(art. 40 da LEF). Contudo, tendo o legislador processual tributário adotado critério
que hoje é a regra geral de todo o sistema jurídico, e inexistindo qualquer outra
norma em sentido contrário na legislação tributária, não há antinomia a reconhe-
cer. Assim, a partir da vigência da Lei nº 11.51/04, a prescrição tributária pode ser
reconhecida de ofício pelo juiz, mesmo fora dos casos previstos no artigo 40 da LEF.
Quanto à decadência, nunca houve óbice ao reconhecimento de ofício pelo juiz.
28 RIBEIRO, Ricardo Lodi. “A prescrição e a decadência no direito tributário”, Revista Tributária nº 52. São
Paulo: Revista dos Tribunais: 2003, p. 194.
29 Nesse sentido era a jurisprudência pacífica do STJ, de que constituia exemplo o RESP nº 8381, da 2ª
Turma, DJU de 29/04/91, p. 5.259.
30 FANUCCHI, Fábio, Ob. cit., p 142.
31 “Art. 173 – O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos,
contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento
anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do
prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela
notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”
33 “Art. 150 – O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-
380
Temas de Direito Constitucional Tributário
se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obri-
gado, expressamente a homologa.
§ 4º – Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato
gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologa-
do o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude
ou simulação.”
34 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 384. Aurélio
Seixas Filho sustenta que o parágrafo único representa o termo inicial do prazo para lançar, para aque-
les contribuintes que não estejam cadastrados junto ao Fisco. Contudo, nos parece que o referido dispo-
sitivo deve ser interpretado de acordo com o inciso I do mesmo artigo; ou seja, não dá início a qualquer
prazo após o primeiro dia do exercício seguinte ao que o tributo poderia ter sido lançado.
35 Entre os impostos apenas IPTU, IPVA e ITD não são lançados por homologação.
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36 Nesse sentido AMARO, Luciano (Ob. cit., p. 385) e FANUCCHI, Fábio (Ob. cit., p. 129).
37 STJ, Corte Especial, Argüição de Inconstitucionalidade no Recurso Especial nº 2003/0229004-0 (AI no
Resp 616348/MG), Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 15.10.2007, p. 210.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
38 DJU de 25/10/99.
39 DJU de 08/05/2000.
40 Ressalte-se que até o presente momento, a despeito da edição da LC nº 118/05, que pôs termo à tese dos
cinco mais cinco para repetição do indébito, o STJ continua adotando o prazo de dez anos para o lança-
mento, como demonstra decisão da Primeira Seção em Embargos de Divergência no REsp nº
572.603/PR, julgado em 08/06/05 e publicado em 05/09/05.
41 STF, 2ª Turma, RE nº 95.365/MG, DJU de 04/12/81, p. 12.322.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
Ocorre que das três causas previstas em lei, apenas a primeira é veiculada por
lei complementar. De fato, as causas que suspendem o crédito tributário estão pre-
vistas no artigo 151 do CTN, que, como é sabido, possui eficácia passiva de lei com-
plementar.
O problema se apresenta nas duas outras, previstas na Lei de Execução Fiscal
(Lei nº 6.830/80), uma vez que a Constituição de 1988, em seu artigo 146, III, b,
determina que as normas gerais de direito tributário, especialmente as que dizem
respeito a crédito, obrigação, lançamento, prescrição e decadência, sejam previstas
em lei complementar.
Estaria a suspensão do crédito tributário englobada nessa reserva à lei comple-
mentar? A resposta é afirmativa, uma vez que o reconhecimento da prescrição é
matéria indissolúvel dos seus prazos de suspensão e interrupção.47
385
Ricardo Lodi Ribeiro
No entanto, sendo a exigência fixada pela Constituição de 1988, esta não teria
recepcionado com eficácia passiva de lei complementar, os dispositivos da Lei de
Execução Fiscal que tratam da matéria, dada a inexistência de inconstitucionalida-
de formal superveniente? A resposta é negativa, uma vez que o tema já era reser-
vado à lei complementar desde da Constituição Federal de 1967. Embora aquela
Carta, como também a Emenda Constitucional nº 01/69, fizesse menção apenas às
normas gerais de direito tributário, tem-se que a dita expressão genérica já englo-
bava a matéria relativa à obrigação e ao crédito tributário, onde estão incluídas a
prescrição e a decadência. A menção expressa de tais institutos na Constituição de
1988 é meramente declaratória e exemplificativa.
Deste modo, são válidas as causas de suspensão da prescrição previstas no CTN,
como as do artigo 151, ou as decorrentes do princípio da actio nata, cuja aplicabili-
dade é inerente à própria previsão do instituto da prescrição pelo nosso código.48
Já as duas outras causas de suspensão da prescrição, previstas na Lei de
Execução Fiscal, além de ausentes do CTN ou de qualquer lei complementar que
disponha sobre normas gerais de direito tributário, não decorrem da actio nata e
nem representam qualquer impedimento à possibilidade da Fazenda Pública cobrar
o crédito tributário. Na inscrição em dívida ativa, o prazo de 180 dias de suspensão
da prescrição era justificado pela existência de cobrança amigável no âmbito dos
órgãos responsáveis pela cobrança judicial do crédito tributário. No entanto, esta
nunca se mostrou eficaz, tendo hoje caído em desuso no âmbito das procuradorias
responsáveis por tal mister. Hoje, o ajuizamento, na prática, se dá logo após a ins-
crição do débito em dívida ativa, não havendo qualquer razão que justifique a sus-
pensão da prescrição nos moldes do artigo 2º, § 3º, da LEF.
Quanto à suspensão da execução fiscal prevista no artigo 40 da LEF, também
não há que se buscar socorro no princípio da actio nata, vez que a suspensão do
processo de execução fiscal a fim de que a Fazenda encontre bens do devedor, não
constitui qualquer óbice ao direito de ação. Na verdade, pretender suspender a
prescrição por um ano, sem que também ocorra suspensão do direito de ação, sig-
nifica transformar um prazo que o CTN fixou em cinco anos, em um prazo de seis
anos, o que obviamente viola o artigo 146, III, b, da Constituição Federal.
48 Em sentido contrário FANUCCHI, Fábio (Ob. cit., p. 132), que sustentava poder a lei ordinária prever
outras causas desde que não fosse contrariado o CTN, bem como o STJ, que vem admitindo as causas de
suspensão da prescrição previstas na LEF por não contrariarem o artigo 174 do CTN (Por todos,
Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 37.087, DJU de 08/11/98, p. 04).
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dor, ou a evasão do seu domicílio. Porém, a LEF adotou outro caminho, o do art.
40, que tem se revelado totalmente inócuo e em descompasso com o CTN.
Já a quarta causa de interrupção traduz-se no reconhecimento do devedor, o
que ocorre, por exemplo, na confissão irretratável do débito por ocasião do reque-
rimento do parcelamento, ou na declaração do tributo, quando não há pagamento.
Tal reconhecimento interromperá a prescrição, desde que esta já tenha tido o seu
termo iniciado pela constituição definitiva do crédito tributário.
6) Conclusões
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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XXII
Tratamento Diferenciado para as Microempresas
e os Regimes Simplificados na Constituição
Sumário: 1) Introdução. 2) Fundamento Constitucional do Tratamento Diferenciado para
as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. 3) Vedações Legais à Adesão ao Regime
Simplificado. 4) Exclusões do Regime Simplificado. 5) O Regime Unificado e a Federação.
6) Conclusões.
1) Introdução
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Temas de Direito Constitucional Tributário
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sua riqueza, como exige o princípio da capacidade contributiva, pois uma tributa-
ção menor já derivaria de uma base de cálculo menos expressiva.
No entanto, a capacidade contributiva não é a única fonte de diferenciação
tributária admitida pelo nosso ordenamento constitucional, e nem o fator determi-
nante no caso concreto. Também as razões extrafiscais podem servir de fundamen-
to para a atribuição de carga tributária que se afaste da capacidade contributiva efe-
tiva. No entanto, deve-se ter cuidado com os meros pretextos extrafiscais que visam
apenas o afastamento do aludido princípio, a partir de criação de privilégios ou dis-
criminações odiosas.
Ainda que o legislador entenda ser necessário utilizar a tributação como estí-
mulo ou desestímulo a determinada conduta, deve-se considerar que não se pode
afastar a aplicação da capacidade contributiva diante de um mero objetivo extrafis-
cal. É preciso, ao contrário, que o objetivo extrafiscal seja razoável,2 e que prevale-
ça diante de um juízo de ponderação de valores com a capacidade contributiva,3 a
fim de que não sejam criados privilégios odiosos sob o pano da extrafiscalidade.4
De fato, a quebra do tratamento igualitário conferido pelo legislador aos que
revelam a mesma capacidade contributiva só pode se dar em função da finalidade
extrafiscal, como observa Ferreiro Lapatza,5 caso estejam presentes os requisitos
mínimos do referido princípio, e quando os fins extrafiscais almejados sejam tam-
bém amparados pela Constituição.
Desse modo, num juízo de ponderação entre a capacidade contributiva e os
interesses extrafiscais almejados, os últimos não podem simplesmente suprimir a pri-
meira, de forma a atribuir a determinado segmento um ônus fiscal que, afastando-se
significativamente de sua capacidade contributiva efetiva, se traduza numa situação
de grande discriminação odiosa em relação aos demais segmentos econômicos.
No caso em questão, os objetivos extrafiscais são representados pelo especial
tratamento que o legislador constituinte determinou às micro e pequenas empre-
sas, visando a facilitar a sua criação e desenvolvimento. Note-se que o estímulo às
pequenas empresas é um dos princípios que alicerçam a ordem constitucional eco-
nômica, devendo o desenvolvimento desses setores ser perseguido pelo legislador
infraconstitucional.
Cumpre enfatizar que o adequado tratamento legislativo ao tema, não deve
visar apenas atender ao critério de justiça, que determina uma tributação compatí-
vel com a menor capacidade contributiva dessas empresas. O legislador constituin-
2 PEREZ ROYO, Fernando. Derecho Financiero y Tributario – Parte General. 10. ed. Madrid, 2000, p. 37.
3 HERRERA MOLINA, Pedro M. Capacidad Econômica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento
español a la luz del Derecho aléman. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 100.
4 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002,
p. 86.
5 Curso de Derecho Financiero Español. 21. ed. Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 62.
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Temas de Direito Constitucional Tributário
te exige mais. Quer que o Estado estimule o crescimento dessas empresas de forma
a transformá-las em um dos principais pilares do nosso desenvolvimento econômi-
co, sintonizado com a distribuição de riquezas. Além desse objetivo, o constituinte
apresenta os caminhos dessa jornada no campo tributário, com a simplificação dos
procedimentos para a administração tributária por parte dessas empresas e a redu-
ção ou eliminação da carga fiscal incidente sobre as suas atividades.
Como é fácil perceber, tais objetivos prevalecem, num juízo de ponderação de
interesses, sobre a proporcionalidade tributária, vez que os pressupostos mínimos
de atendimento do princípio da capacidade contributiva se mantêm presentes, pois
os contribuintes que apresentam menor riqueza são desonerados.
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7 “Sociedade Profissionais e Tributação Fixa frente à Lei Complementar nº 116/2003”. In: ROCHA, Valdir
de Oliveira (Coord.), O ISS e a LC 116. São Paulo: Dialética, 2003, p. 48.
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não agasalhada pela nossa ordem constitucional econômica, que trata tal empresa
como brasileira.
A mesma discriminação às microempresas e empresas de pequeno porte é
verificada em relação aos investimentos realizados por entidades públicas, que não
podem participar do capital das empresas optantes do regime.
Dentre as vedações encontramos regras que visam a evitar que o empresário
ou sociedade empresária que não se enquadrem nos limites quantitativos do SU-
PERSIMPLES procurem participar do programa a partir da constituição de várias
empresas que individualmente se enquadrariam nos requisitos legais. Deste modo,
é vedada a adesão de empresas cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do
capital de outra empresa, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite admi-
tido para a adesão; ou a participação da empresa optante no capital social de outra
empresa, e vice-e-versa. Veda-se ainda a participação de empresa que seja resultan-
te de cisão ou qualquer outra forma de desmembramento da pessoa jurídica.
A legitimidade de tais regras, no entanto, se limita aos casos em que as empre-
sas em questão pertençam ao mesmo ramo de atividade econômica. Apesar de tal
restrição à limitação não constar da lei, é a única forma de compatibilizar as nor-
mas em questão com o regramento constitucional das microempresas, uma vez que
o escopo constitucional é a tutela aos pequenos empreendimentos, sem restrições
quanto à maior ou menor atividade econômica dos seus sócios, como se extrai da
disciplina constitucional analisada.
Se deve o legislador evitar que uma empresa que, pelo volume de suas ativi-
dade não poderia optar pelo SUPERSIMPLES, o faça por meio de mais de uma pes-
soa jurídica, a lei fiscal não deve desestimular que um empresário invista seus
recursos em diferentes empresas nos mais variados segmentos econômicos, pois
neste último caso fica evidente a inexistência do intuito fraudulento.
Ainda há vedações quanto à adesão em relação à situação fiscal da empresa e de
seus sócios. É vedada a adesão de empresas inscritas em dívida ativa da União ou do
INSS, com débito sem suspensão de exigibilidade. Parece óbvio que tal disposição
carece de legitimidade, pois não se pode negar o tratamento constitucionalmente mais
benéfico no caso de dificuldades econômicas que levam ao inadimplemento fiscal.
Se no regime da Lei nº 9.317/96 tais vedações já se revelavam de duvidosa
constitucionalidade, com a promulgação da EC nº 42/03, que estabeleceu, como
vimos, um direito constitucional à adesão, resta inequívoca a incompatibilidade
destas com o Texto Maior.
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6) Conclusões
8 Sobre os limites das clásulas pétreas tributárias, vide: RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Segurança Jurídica do
Contribuinte – Legalidade, Não-surpresa e Proteção à Confiança Legítima. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, pp. 219 e segs.
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