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BOA VISTA – RR
2017
HELYELSON SILVA DE OLIVEIRA
BOA VISTA – RR
2017
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
O48o
Oliveira, Helyelson Silva de.
As ordens religiosas na amazônia: os missionários beneditinos e os
conflitos políticos no Vale do Rio Branco (1840-1948) / Helyelson Silva de
Oliveira. – Boa Vista, 2017.
62 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Jaci Guilherme Vieira.
Monografia (graduação) - Universidade Federal de Roraima, Curso de
História.
1- Ordens religiosas. 2- Amazônia. 3- Índios. 4- Beneditinos - I- Título. II-
Vieira, Jaci Guilherme (orientador).
CDU – 2-76(811)
AS ORDENS RELIGIOSAS NA AMAZÔNIA:
OS MISSIONÁRIOS BENEDITINOS E OS CONFLITOS POLÍTICOS NO VALE DO
RIO BRANCO (1840-1948).
______________________________________________________
Professor Dr. Jaci Guilherme Vieira
Orientador – Curso de História/UFRR
______________________________________________________
Professora Dr. Shirlei Martins dos Santos
Membro – Curso de História/UFRR
______________________________________________________
Professora Me. Maria José dos Santos
Membro - Doutoranda pela UFPA
Dedico a satisfatória realização deste trabalho
À Deus, Fonte da Vida e fé, que nos inspira e nos guia em todos os passos.
Aproveito este espaço para homenagear e agradecer a essas pessoas, que fazem e fizeram parte
da minha vida, com certeza sou a pessoa mais privilegiada, honrada e abençoada pela amizade
de cada um de vocês.
Aos meus pais, Raimundo e Izabel, que sempre me apoiaram no que foi preciso e que sempre
acreditam na minha luta em continuar os estudos.
Ao meu orientador, professor Dr. Jaci Guilherme, que me instruiu durante a elaboração desta
pesquisa, sem o qual a realização deste trabalho não seria possível. Obrigado por ter lido e
relido nosso trabalho, ter acreditado em mim, acreditado no meu trabalho, que se tornou nosso
trabalho e principalmente acreditou que eu seria capaz de conquista-lo. Minha admiração e
respeito à você meu camarada.
E a todos do curso de História, que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, о
meu muito obrigado.
“ A fé na vitória tem que ser inabalável”
- Dexter
RESUMO
The religious orders in the Amazon, especially the Benedictine missionaries and the political
conflicts in the Rio Branco Valley are the object of this present research. The history of the
recent occupation of the Amazon is directly related to the encounter of religious cultures. The
current structures of the Catholic Church were born in Brazil in 1891, when the Republican
Constitution separated the Church from the State. As for the Benedictine mission in the Rio
Branco Valley, we will highlight the political disputes that took place in the region, the conflicts
between the farmers and the missionaries, as well as the new directions that the Church took
after the end of the empire. In Roraima the mission was characterized as a key institution in the
process of social organization of this region. But when they arrived in the Rio Branco Valley,
the monks found a society ruled by livestock coronelism and commanded by a local elite. The
past relations between religious missionaries, Indians and civilian colonists will be discussed,
as well as the importance of this mission in the social and economic development of the Rio
Branco Valley.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1. AS ORDENS RELIGIOSAS E A CONSTRUÇÃO SÓCIO-POLÍTICA NA
AMAZÔNIA ...........................................................................................................................16
1.1. As ordens religiosas na Amazônia ....................................................................................17
1.3. As ordens religiosas no Vale do Rio Branco e a construção da Igreja Matriz ..................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................58
13
INTRODUÇÃO
1
CARDOSO, Ciro Flamarion. e PEREZ, Hector. Os métodos da história. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2002,
p. 21-22.
14
Religião e política sempre caminharam lado a lado no processo histórico. Ora houve
separação, ora houve fusão entre ambas. No Brasil não foi diferente. Como se sabe,
até 1889 o catolicismo era a religião oficial. Ainda que hoje essa religião não seja
mais oficial, é inegável o papel que a Igreja Católica desempenha no cenário político
nacional (e internacional). (SANTOS, 2002, p.30)
I CAPÍTULO
Esse primeiro capítulo abordará alguns elementos que revelam a importância das
ordens religiosas na Amazônia e a construção sócio-política desta região. Assim, ao descrever
suas chegadas nesta região do Brasil, se fará referência sobre sua influência no Estado do
Amazonas, constatando que, a ação missionária estabelecida a partir do século XVII,
desempenha importante papel na formação de uma nova organização social, na afirmação da
soberania territorial estatal e na “nacionalização” da população local.
Iniciaremos uma discussão sobre o papel das ordens religiosas na Amazônia, além de
sua importância na configuração da sociedade amazônica.
Neste estudo nos propomos a analisar alguns recortes históricos referentes ao período
colonial e o império brasileiro, mais respectivamente sobre a relação da Igreja Católica na
Amazônia brasileira.
A Igreja Católica, com aproximadamente dois mil anos de existência, passou por
diversas provações e teve que se reinventar várias vezes para não ser extinta. Alicerçada no
tripé do magistério, tradição e doutrina, a Igreja se manteve firme em seus propósitos, mesmo
quando enfrentou algumas turbulências internas e externas.
Neste contexto, a Igreja Católica também estava inserida. Gondim (2007) enfatiza que
o pensamento religioso influenciava a visão de mundo dos viajantes europeus. Nas narrativas
desses viajantes, segundo a autora, a localização do paraíso e do inferno eram temas frequentes.
A flora e a fauna foram comparadas com o jardim do Éden. Logo, as histórias bíblicas foram
importantes na constituição do imaginário dos viajantes, dos cronistas e dos missionários. Suas
ideias e imaginações estavam arraigadas a conceitos religiosos difundidos pelo Catolicismo.
Com o passar do tempo, no interior da Igreja surgiram algumas instituições que
desenvolveram modelos próprios para o segmento do evangelho cristão, são o que chamamos
de ordens religiosas. Muitas dessas ordens vieram ao Brasil desde o início da colonização e
desenvolveram aqui um modo próprio de viver e propagar a sua fé.
Os religiosos de São Bento, que se aventuraram na empreitada de fundar mosteiros no
Brasil, estavam envoltos num ambiente de transformações e reformas que iriam influenciar na
concepção e no papel da vida monástica no século XVI. As antigas ordens tiveram que enfrentar
as críticas ferrenhas de que foram vítimas já a partir do século XIII2 e promover mudanças e
adaptações para vencer a decadência espiritual, a onda de secularização e, num grau menor, o
próprio protestantismo.
Durante os séculos XV e XVI são notórias, as várias tentativas de reforma das ordens
religiosas, pois se multiplicavam os “padres reformadores” e novas sociedades religiosas. Estas
“novas ordens” eram caracterizadas pela manutenção do espírito monástico, entretanto,
2
No século XIII, inovações na educação dentro das universidades com o predomínio da lógica seguida pelo direito
e pela teologia, desbancou a formação literária e de humanidades promovidas nos mosteiros. A cultura monástica
tem seus alicerces abalados quando deixa de ser a única forma de consagração a Deus com o desenvolvimento de
um novo sistema, o dos frades. (PIERRARD, Pierre. História da Igreja. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.)
18
3
DAVIDSON, N. S. A Contrarreforma. São Paulo: Martins Fonte, 1991, pp.36-37.
4
DEL PRIORE, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da história do Brasil: do descobrimento à
globalização. Rio de Janeiro, Ediouro, 2001, p. 40.
5
ALVES, Márcio Moreira. A igreja e a política no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1979, p. 17.
6
É a designação do conjunto de privilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal e de Espanha. Eles
também foram estendidos aos imperadores do Brasil. Tratava-se de um instrumento jurídico tipicamente medieval
19
que possibilitava um domínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos aspectos administrativos,
jurídicos e financeiros.
7
NETO, Carlos de Araújo Moreira. Os principais grupos missionários que atuaram na Amazônia brasileira
entre 1607 e 1759. In: CEHILA – HISTÓRIA DA IGREJA NA AMAZÔNIA. Editora Vozes. São Paulo, 1980.
p. 63 a 120.
20
8
Incursão da igreja católica a regiões de difícil acesso, praticando a caquetese e oferecendo os sacramentos a
pagãos. Disponível em: < https:// http://www.dicionarioinformal.com.br/desobriga/ >. Acesso em: 24 de julho de
2017.
22
regulamento que não permitia que o missionário permanecesse por mais de três anos em uma
única aldeia.
Desse modo, os missionários – padres, sacerdotes, bispos, freis – percorriam os rios e
a densa floresta “desobrigando” a população local de seus pecados e de seus compromissos
canônicos (pendências ritualísticas), também casavam, batizavam, celebravam missas e
ensinavam os costumes católicos como: o culto aos santos, a importância da eucaristia e as
orações Ave Maria e o Pai Nosso. Para desempenharem essas atividades, reuniam os indígenas
em aldeamentos ou reduções onde recebiam a catequese e os sacramentos.
Os missionários andavam de aldeia em aldeia. Toda a população local deveria ser
batizada, participar das missas e outros atos religiosos como as procissões, a reza do terço e das
ladainhas em latim. Ao cumprirem essas atividades, os missionários partiam para a aldeia
seguinte, achando que sozinhos, os indígenas cumpririam os preceitos cristãos católicos. Nesse
tempo houve pouco controle eclesial, configurando assim em um tipo de Catolicismo que
evidenciava também as tradições indígenas.
De acordo com Maués (2000), a catequese foi o principal instrumento de
evangelização utilizado pelos missionários. Ele caracteriza esse sistema religioso de “pedagogia
catequética” e enfatiza que um dos aspectos da catequese era a violência contra os indígenas,
principalmente contra suas práticas tradicionais. Por exemplo, a proibição de danças, a nudez,
a incorporação de espíritos em público, a pajelança, costumes como a poligamia, a antropofagia,
dentre outros. Para o autor, trata-se de uma atividade doutrinária católica que destruiu de certa
maneira a vida tribal dos povos indígenas.
Na região amazônica muito por conta da Igreja Católica, o Cristianismo tornou-se a
religião predominante na Amazônia. A cultura cristã é uma das “essências” que constitui a
identidade das populações locais. Essa cultura se manifesta em muitos dos costumes (valores,
crenças, ritos, saberes, poder) deste povo, mas isso só foi possível por meio de uma
evangelização profunda, tornando o Cristianismo parte da cultura amazônica.
Segundo Araújo (2003), o homem da Amazônia é, na sua totalidade, católico. Grande
é o número de igrejas, capelas, paróquias e prelazias no interior da região. Onde não há capela
ou igreja, padre ou missão, há sempre homens e mulheres do Apostolado da Oração que se
encarregam de fazer as ladainhas, as missas aos domingos e de rezar o terço. As festas do
Divino, as pastorinhas de Natal, a missa do galo, as procissões, a semana santa, os novenários,
os terços, as bênçãos do Santíssimo, os quadros com a imagem de Cristo ou de algum santo
católico pendurado nas paredes das casas dos moradores são os sinais da influência da Igreja
Católica na vida religiosa da população amazônica.
23
A região do rio Branco, uma área que até no final do século XVII é praticamente
desconhecida pelos portugueses e as notícias são extremamente vagas e escassas, muito pela
falta de documentação produzida no período.
Contudo, a região somente aparecerá com maior destaque na documentação
portuguesa a partir de meados do século XVIII com a implantação dos aldeamentos e a extração
das drogas do sertão e a criação das fazendas nacionais. Será também a partir desse século que
teremos mais referências sobre a região nos relatos de viagens.
9
O monge Alcuíno Meyer (OSB) produziu uma vasta documentação registrando a sua atuação missionária no
Vale do Rio Branco, de que faz parte uma coletânea de mitos (editada pela Diocese de Roraima em 2011), como
também, um extenso vocabulário Makuxi, dezenas de volumes manuscritos compondo um diário de viagens
redigido ao longo de décadas, além de centenas de cartas (em grande parte destinadas aos monges de seu mosteiro
de origem), e ainda diversas crônicas, cuja versão original encontra-se depositada no arquivo do Mosteiro São
Bento do Rio de Janeiro. Dos escritos de Dom Alcuíno, cabe destacar aqui as publicações de três mitos constantes
da presente coletânea pela UNESCO, com a iniciativa de A. Métraux - "LENDAS MACUXIS" in Extrait du
Journal de la Société des Americanistes, Nouvelle Série, t. XL, 1951, pp.67-87. Musée de L'Homme - Palais de
Chaillot / Place du Trocadero, Paris, XVI.e, 1951 - e, pelo Arquivo Nacional - "PAUXIANA - Pequeno ensaio
sobre a tribo Pauxiana e sua língua, comparada com a língua Macuxi" - Ministério da Justiça e Negócios Interiores,
Rio de Janeiro, 1956. Sobre a atuação missionária e a vida de Alcuíno Meyer, o monge beneditino, e irmão de
família monacal, Dom Jerônimo de Lemos, elaborou um cuidadoso trabalho, editado pelo Colégio de São Bento
do Rio de Janeiro em 1985 - "D. Alcuíno Meyer O.S.B. 1895 - 1985". (SANTILLI, 2014 p. 57 e 58)
24
De acordo com Barros (1995), “ o navegável rio Branco foi a via de acesso usada pelos
padres para estabelecerem os aldeamentos de índios no século XVIII, pelos apresadores destes
nativos, pelas tropas portuguesas que estabeleceram a fronteira colonial nos limites da sua bacia
no fim do século XVIII e estabeleceram as primeiras fazendas, e pelos pecuaristas que fundaram
mais e mais fazendas nos meados do século XIX até a segunda metade do século XX para
fornecer gado vivo ao vale amazônico, então no auge da borracha. Foi também o rio Branco a
via de chegada dos mineiros, dos colonos e da massa em geral. O rio Branco é então por isto
um elemento emblemático e central na paisagem da Roraima pré-rodoviária”.
O rio Branco é formado pelo encontro de dois outros rios, o Tacutu e o Uraricoera,
seguindo, após, para desaguar no rio Negro, do qual é afluente. No encontro desses dois
formadores, deu-se a construção do Forte São Joaquim, que foi utilizado como ponto estratégico
militar em meados do XVIII para impedir a entrada de britânicos e espanhóis na região.
As ordens do governo colonial foram cumpridas à risca: entre 1775 e 1776 os militares
iniciaram a construção do Forte São Joaquim, à margem esquerda do Tacutu, no ponto
de junção deste rio com o Uraricoera para forma o Rio Branco, posição esta
recomendada pelos estrategistas portugueses por permitir o controle da passagem de
ambos os rios ao Branco [...] (FARAGE, 1991 p. 123) .
De acordo com Farage, a falta de formação dos indígenas que não passaram pelos
estágios das congregações religiosas e que os aldeamentos missionários servem para corrigir
um equívoco da historiografia da área, quando se atribui aos Carmelitas a formação dos
aldeamentos na região. Ela afirma que de fato, a Ordem do Carmo tinha projetos de atuar junto
com os índios do rio Branco na segunda metade do século XVIII, porém não teve tempo de
efetivá-los, simplesmente pelo fato de as missões terem sido secularizadas com a reforma
pombalina. Outro fator a ser destacado são os aldeamentos, que foram construídos no Rio
Branco, sob as bases das leis do Diretório Pombalino.
Conforme Farage (1991, p. 129), a evangelização, está visto, perdia assim muito de
seu peso na organização da vida dos aldeamentos: munidos de “altar portátil”, os padres
empreendiam ocasionalmente viagens de desobriga, celebrando a missa e batizando quantos
pudessem.
Segundo Paulo Santilli (2014, p, 35 -36), “ Muitos sacerdotes católicos percorreram o
Vale do Rio Branco desde o século XVIII. Nessa região limítrofe com os domínios coloniais
espanhol e holandês, missionários carmelitas acompanharam os militares portugueses nas
práticas de ‘descimento’ da população indígena para a formação dos aldeamentos articulados a
partir do Forte São Joaquim; ao longo do século XIX, o frei carmelita José dos Santos Innocente
25
(1832/52), o frei capuchinho Gregório José Maria de Bene (1852/54), e de modo mais
esporádico, clérigos franciscanos (1880/83) e jesuítas estenderam as viagens eclesiais pelas
povoações ribeirinhas da paróquia do Rio Negro até seus principais afluentes e, mesmo, por
ocasião do estabelecimento de fronteiras nacionais, foram enviados padres diocesanos para
batizar os índios e atestar os limites territoriais brasileiros até as cabeceiras do rio Branco. No
entanto, dada a violência secular no recrutamento da população indígena e a efemeridade da
presença dos missionários na região, ainda ao final do século XIX.10
Para a antropóloga Nádia Farage (1991, p. 186), os registros dão conta de que apenas
os capelães do Forte São Joaquim pertenciam a essa ordem religiosa.
Tais ensinamentos e práticas cristãs, na qual os padres que atuavam no rio Branco
praticavam, iam de encontro com o modo pelo qual os indígenas exerciam em seus costumes e
suas religiosidades. Sob outro aspecto, os padres Carmelitas não compreendiam as razões que
levavam os indígenas a resistirem em aceitar os ensinamentos administrados, voltando-se
sempre para as velhas tradições indígenas, contrariando assim, os dogmas cristãos impostos
pelos Carmelitas.
Outrossim, para os Carmelitas, a disciplina vinha em primeiro lugar, e principalmente,
a desenvolvida pela ocupação desempenhada pelo trabalho. Quando este não estava sendo
praticada, cabia o desempenho das atividades religiosas, o que para os indígenas era algo difícil
de ser seguido, uma vez que culturalmente não compreendia estes valores impostos pelos
Carmelitas.
No entanto, no período em que estiveram à frente dos aldeamentos, ou seja, até meados
do século XVIII, a presença de padres Carmelitas no rio Branco não se deu apenas como
evangelizadores. Houve também outra atividade, da qual os Carmelitas seriam acusados, que
contribuiu diretamente para a expulsão deles da região.
Outras práticas não religiosas são as “entradas” feitas pelas “tropas de resgate”, cujo
objetivo era capturar índios para a sua comercialização ou utilizá-los como mão-de-obra
escrava. Estas entradas eram compostas por auxiliares como, índios aculturados, oficiais de
fazenda, militares e funcionários públicos, além dos padres que atuavam como juízes dos
chamados “resgates”, definindo se era justa ou injusta a captura dos indígenas.
De acordo com Beozzo (1983), em meio a estas questões, os próprios missionários
comercializavam os prisioneiros confinados com os holandeses e espanhóis. O que colocou em
dúvida o propósito da Igreja nos aldeamentos administrados pelos religiosos. Entre aqueles que
10
SANTILLI, Paulo. Política e Ritual: a faina missionária beneditina entre os Makuxi no Vale do Rio Branco.
São Paulo, Unesp, v. 10, n. 2, p. 35-61, julho-dezembro, 2014
26
mais foram acusados de cometer atos contrários aos princípios cristãos, estão o Carmelita
Jerônimo Coelho e o jesuíta Aquiles Maria.
Conforme Vieira (2014 p. 32), com a expulsão dos jesuítas, em 1759, e a efetivação
das reformas pombalinas em 1757, passaram os aldeamentos a ter um caráter secular. A reforma
invalidou o Regimento da Missões que estavam em vigor desde 1686, extinguiu a administração
eclesiástica, transformou as antigas aldeias em vilas e restituiu a liberdade aos índios. Dessa
forma a política indigenista passava diretamente para as mãos do Estado metropolitano, cuja
preocupação foi uma só: integrar o índio à sociedade luso-brasileira, transformando-a em
súditos portugueses.
De modo semelhante, A. Limbourd11 (1908, p. 515 apud SANTILLI, 1989, p. 58-59)
compreende como efêmera a presença desses religiosos católicos na região, ao julgar:
Em suma, o campo religioso na Amazônia brasileira está marcado, com a chegada dos
colonizadores, foi fortemente influenciado pelo Cristianismo, considerado um dos principais
movimentos religiosos introduzido na região, a princípio pela Igreja Católica e mais tarde pela
Igreja Protestante. Estas Igrejas são instituições históricas presentes durante o processo de
ocupação de toda a Amazônia brasileira.
De fato, não se pode narrar o surgimento de Boa Vista sem lembrar a importância
histórica da Igreja Católica. A presença do Cristianismo na bacia do Rio Branco ocorreu em
meados do século XVIII.
Em Roraima, no entanto, segundo Repetto (2008), a Igreja Católica passou a agir em
prol das populações indígenas, pois através da evangelização e da educação escolar buscaram
integrar os índios ao contexto “cultural” da sociedade nacional.
11
O padre RR.PP. François Xavier Libermann, superior-geral da Congregação do Espírito Santo e do Sagrado
Coração de Maria, foi incumbido pela Santa Sé no ano de 1896 de recolher informações sobre as missões católicas
na Amazônia e averiguar a localização prioritária para o estabelecimento de novas missões apostólicas. Com esta
incumbência, percorreu o Rio Uraricoera, onde se situava o Forte São Joaquim, construído nos limites ao extremo
norte da colonização portuguesa em 1775. Na crônica de viagem, Libermann relatava as tribos existentes no Rio
Branco no ano de 1989, juntamente com o padre Berthon, até a confluência de seus formadores, os rios Tacutu e
região, que se distinguiam em índios bravos – como os Jaricuna no rio Uraricoera – e índios mansos – como os
Macuchis, Mapichianos e Aturians no rio Tacutu –, os quais, então advertia, estavam sendo evangelizados pelos
missionários anglicanos na fronteira com a Guiana Inglesa. (LIMBOUR, 1908, p. 515).
27
12
Com a reforma administrativa de 18 de julho de 1835, surge a estrutura civil da Junta de Paróquia, autonomizada
da estrutura eclesiástica; os seus limites territoriais, no entanto, eram geralmente coincidentes com os das paróquias
eclesiásticas que vinham desde a Idade Média. Com a Lei n.º 621, de 23 de junho de 1916, as paróquias civis
passam a designar-se freguesias (e a Junta de Paróquia passa a designar-se Junta de Freguesia), fixando-se assim
a diferença entre a estrutura civil (freguesia) e a estrutura eclesiástica (paróquia); no entanto, em linguagem
popular, é vulgar falar da pertença a determinada freguesia quando, de facto, se pretende falar da pertença a uma
comunidade paroquiana.
13
A Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo é uma construção do século XIX, está localizada na Rua Floriano
Peixoto, s/n, no Centro. A primeira paróquia foi erguida em 1856 e elevada à condição de Igreja Matriz em 1858.
Seu primeiro vigário foi o Cônego José Henrique Felix da Cruz Daoia, seu sucessor o padre Manoel Furtado de
Figueiredo que ocupou a função até 1909 quando foi passada a igreja para a Ordem Religiosa dos beneditinos. O
bem é tombado pela prefeitura Municipal, Lei n° 230, de 10 de setembro de 1990 e Decreto n° 2614, de 15 de
outubro de 1993.
28
II CAPÍTULO
Neste capítulo achamos por bem fazer uma explanação sobre Dom Gerardo Van
Caloen e a missão beneditina no Vale do rio Branco. Nesse processo, realizou-se uma reflexão
acerca dos conflitos e os interesses locais desse período, além da violência por parte de um dos
membros da oligarquia local que acabou por cruzar com a experiência missionária dos
beneditinos.
Analisaremos em especial Dom Gerardo Van Caloen e a missão Beneditina no Vale
do rio Branco além do processo de separação entre o Estado e a Igreja, com a implantação do
Novo Regime Republicano no Brasil no final do século XIX, procurando entender a
importância da vinda da ordem beneditina com o propósito da reestruturação da igreja e
dedicando-se à evangelização dos povos indígenas.
A obra missionária no campo social é imensa. A sua dedicação à conquista dos povos
indígenas é uma conquista espiritual, social e cultural. Em Roraima a missão caracterizou-se
como uma instituição chave no processo de organização social dessa região. Porém ao
chegarem no Vale do Rio Branco, os monges encontraram uma sociedade regida pelo
coronelismo pecuário e comandado por uma elite local.
A recepção hostil aos missionários pelo Coronel Bento Brasil14, chefe político do rio
Branco e representante da câmara de deputados do Amazonas, antecipou as tensões e os
conflitos com os beneditinos, que em uma determinada fase do processo evangelizador proposto
pela missão vão acirrar as relações entre Igreja e as elites locais.
Em um último momento, dentro da abordagem do cotidiano, de que forma os monges
beneditinos se adaptaram aos costumes da população, assim como ao clima e à alimentação,
isto sob uma perspectiva de análise da percepção desses religiosos sobre o Novo Mundo e,
também, quais mudanças tiveram que fazer no seu dia-a-dia e nos seus hábitos para continuarem
seus projetos na bacia do rio Branco?
14
O Coronel Bento Brasil era filho de um Capitão que comandou o Forte São Joaquim em 1855. Tornou-se, um
dos maiores proprietários de terras no Vale do Rio Branco, como também um rico comerciante. Foi eleito como
Deputado Estadual do Amazonas por quatro legislaturas, representando o Município de Boa Vista, sua grande base
eleitoral.
29
Ou seja, identificar a visão que os monges tinham do povoado do Vale do rio Branco,
como eles lhe davam, os índios e a elite local.
A missão beneditina no rio Branco foi instalada em junho de 1909, inserida no cenário
ainda marcado pela separação entre o Estado e a Igreja, com a implantação do Regime
Republicano no Brasil no início do século XX. Destacaremos a importância dessa missão na
reestruturação da Igreja e a dedicação à evangelização dos povos indígenas, além do processo
de atividades econômicas desenvolvidas pelos missionários e da perseguição política que eles
presenciaram.
As primeiras notícias documentais de um trabalho eclesiástico, exercido no rio Branco
de forma mais ou menos regular, encontram-se nos livros de batismos e casamentos a partir de
1840 (VIEIRA, 2003). Os trabalhos eclesiásticos eram então confiados a missionários
apostólicos.
Com a desanexação da prelazia do rio Branco da Diocese do Amazonas, o patrimônio
da Capela de Nossa Senhora do Carmo na Vila de Boa Vista passou a ser gerenciado pelos
beneditinos. Um desses patrimônios foi a Fazenda de São Bento, entregue ao vigário da prelazia
do rio Branco no dia 19 de maio de 1909, durante ato solene na Matriz de Manaus com a
presença do Coronel Bento Brasil, até então administrador da fazenda.
Em janeiro de 1907, Dom Miguel Kruse enviou ao Cardeal Merry Del Von, secretário
de Estado do Papa Pio X, um relatório em que descrevia as condições precárias do trabalho
missionário no Vale do Rio Branco. Dom Miguel afirmava, na ocasião, que [...] “tribos” inteiras
já teriam caído, presas dos "missionários da heresia", como preferia dirigir-se aos pastores
anglicanos que se estabeleceram na fronteira do Brasil com a Guiana Inglesa a partir da segunda
metade do século XIX (VIEIRA, 2007, p.89).
De acordo com dados históricos analisados pelo antropólogo Carlos Alberto Marinho Cirino
destaca outro fator que contribuiu para a tensão vivida pelos missionários estava ligado à
fundação da loja maçônica “Paz e Progresso do Rio Branco”, em 1909 com 48 membros
pertencentes ao ciclo das amizades do Coronel Bento Brasil.
Como ainda havia restrições por parte da Igreja Católica, as confrarias maçônicas no
início do século XX, os monges em Boa Vista não aceitaram como padrinhos na cerimônia de
30
batismo de uma criança membros da loja maçônica, que por sua vez eram parentes e
apadrinhados do Coronel Bento Brasil. A perseguição aos monges beneditinos teve uma enorme
repercussão tanto na imprensa da cidade de Manaus como na imprensa da cidade carioca. Sabe-
se, porém, que o grande motivo da perseguição não foi a realização do ritual religioso pelos
monges beneditinos, mas sim a posse da fazenda (VIEIRA, 2003).
Contudo, com o Decreto nº 119, art. 3º do Governo Provisório – que previa uma
liberdade que abrangeria também as “igrejas, associações e institutos em que se acharem
agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente,
segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público” 15, foi permitido à
Igreja reabrir os noviciados e Abade Geral Fr. Domingos da Transfiguração Machado escreveu
ao Papa Leão XIII e ao Secretário de Estado quanto à necessidade de restabelecer a Ordem
Beneditina Brasileira.
De acordo com Morais (2013, p. 116), define a expansão das missões pelo mundo:
“ação localizada dos Beneditinos na Bacia do rio Branco mantêm confluência com o quadro
geral de expansão das missões pelo mundo, caracterizado pela forte cooperação entre Igreja e
o Estado desde o século anterior. Sobre a conjugação dos empreendimentos cristianizadores e
colonizadores”.
A antropóloga Melvina Araújo (2006, p. 52) destaca:
De qualquer modo a posição hegemônica do século XIX percebia a missão como uma
atividade que visava conformar as populações nativas aos valores, hábitos e
moralidades europeias. Não foi, pois, sem motivos, que [...] as missões fizeram,
muitas vezes, parte das políticas dos governos coloniais, num período em que a
separação entre Igreja e Estado estava na ordem do dia.
15
(DECRETO Nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890.)
31
religiosas. Outro motivo seriam os interesses individuais que os monges tinham em relação à
ascenderem na hierarquia religiosa.
Os caminhos entre o Rio Branco e os interesses do monge Dom Geraldo Van Caloen,
nomeado chefe da missão, pareciam se cruzar a partir deste momento. Filho de nobres
alemães, Dom Gerardo, ao que tudo indica, tinha ambição que o fazia procurar meios
para subir na hierarquia religiosa o mais rapidamente possível. Deste modo,
possivelmente sabendo da divisão do espaço religioso amazônico, apresentou
concomitantemente a sua nomeação, projetos ao Papa Pio X, no sentido de criar uma
missão junto aos povos indígenas do Rio Branco 16
16
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a
1980/Jaci Guilherme Vieira. 2. Ed. Revista e ampliada. Boa Vista: Editora da UFRR, 2014. p. 96
32
XX e que tinha como principal objetivo a proteção dos indígenas da região, não medindo
esforços para alcançar este intento. Para a realização dessa empreitada, utilizaram-se da
catequese e do trabalho educacional, é tanto que os mesmos foram os responsáveis pela
construção das principais escolas da região, além de uma escola agro técnica.
O SPI criou uma escola agrícola para inserir as crianças indígenas nos paradigmas
educacionais produzidos pela cultura não-indígena, passando a exercer forte influência sobre
grupos indígenas dessa região. 17
O etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg esteve na missão em 1911 e descreveu em
detalhes suas instalações e atividades:
A missão foi construída pelo dinâmico Pe. Bonaventura com grande habilidade
estratégica, bem próxima à fronteira política de dois Estados e na zona fronteiriça de
quatro tribos principais: Makuschí, Wapischána, Taulipáng e Arekuna [...] A sede da
missão consiste em algumas construções térreas e provisórias, com paredes de pau-a-
pique e telhados em parte de palha de palmeira, em parte de folha canelada.
Compreendem a capela, as celas dos padres e irmãos, a sala de aula, que também serve
de refeitório, a cozinha, a despensa e outros recintos pequenos. Atrás da construção
principal há um bonito jardinzinho com flores campestres alemãs 18.
Por motivos de saúde, os padres tiveram que abandonar a missão na região do Surumu.
Os monges contraíram febre amarela e malária na região e foram para Belém a procura de ajuda.
Nesse processo, os monges transferiram a missão para as margens do rio Cauamé e em seguida
para a Serra Grande, onde voltaram a se dedicar ao processo de desobriga nas fazendas e aldeias.
Em 1918, os beneditinos voltam ao Vale do rio Branco onde retomam seu trabalho após o
período de desavenças com os fazendeiros.
Nas primeiras décadas do século XX, os beneditinos introduziram uma série de
investimentos no município, no qual o sítio do Calungá receberia esse polo industrial de grande
porte, com alto investimento financeiro de propriedade da ordem beneditina.
17
LIMA, Galvani Pereira de; SANTOS, Raimundo Nonato G. dos. A criança indígena e sua relação com a
sociedade do Vale do Rio Branco nas primeiras décadas do século XX. In: VIEIRA, Jaci Guilherme (Org.) O Rio
Branco se enche de história. Boa Vista: UFRR, 2016
18
KOCH-GRüNBERG, Theodor. Del Roraima al Orinoco. Tomos I e II. Caracas: Ediciones del Banco Central
de Venezuela, 1979-1982. p. 120
33
que ligaria Boa Vista a Caracaraí, com uma extensão de 160 km, em plena selva
amazônica.19
Até o final do século XIX, as ações missionárias não faziam parte do cotidiano da
Ordem de São Bento, que se estabeleceu no Brasil em 1581. A expansão da sua congregação
deu-se pela região litorânea e a sua subsistência provinha da comercialização da produção de
suas fazendas, chamadas de “propriedades rústicas”. O seu compromisso com a religião era
com a manutenção da disciplina e de um ordenamento monástico em um espaço que propunha
19
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a
1980/Jaci Guilherme Vieira. 2. ed. Revista e ampliada. Boa Vista: Editora da UFRR,2014. p. 117-118
34
A ordem beneditina no Brasil foi pouco missionária, pois dedicava-se antes à vida
contemplativa. A cultura monástica da época não criava harmonia entre missão e
contemplação como tinha acontecido diversas vezes antes na história da Igreja. Ela
era rica, possuía opulentos edifícios urbanos e numerosas fazendas mantidas por
escravos: em 1871 houve a emancipação de 4000 escravos de São Bento, no dia 29
de setembro. Finalmente ela viva bastante fora da problemática brasileira, constituída
por pessoas estrangeiras que transplantaram para o Brasil a vida e a cultura
portuguesas. Tudo isso fez com que a ordem beneditina vegetasse apoiada no trabalho
escravo, fosse uma instituição estranha à problemática que agitava a vida da maioria
do povo, um “outro mundo” fora dos problemas diários, sem irradiação no plano
missionário.20
De acordo com Cirino (2008, p. 34), a Ordem de São Bento foi fundada há mais de 14
séculos por Bento de Núrsia (480-540). Nas cartas de Gregório, o Grande, nos Diálogos II,
relata-se que São Bento de Núrsia depois de ter levado uma vida eremítica cedeu a vida
cenobítica e redigiu uma regra que se expandiria no período carolíngio, tornando-se, a partir de
então a regra fundamental dos beneditinos. As atividades dos monges beneditinos estavam
relacionadas ao exercício da vida contemplativa, a meditação, a leitura espiritual, a vida
litúrgica, segundo as regras ditadas por São Bento, cuja filosofia era a busca de Deus no silêncio
e na solidão, no ascetismo e na simplicidade. “Mais tarde, os monges adotaram atividades fora
do claustro relacionado não só a cura das almas, mas também a vida paroquial, a educação de
jovens, a catequese de índios e a vida missionaria”.
Porém, de acordo com Vieira, o motivo que teria contribuído para a vinda dos monges
para o Vale do Rio Branco seriam outros, pois além de associados à reestruturação da Ordem
Beneditina no Brasil, seriam interesses individuais (promoções na hierarquia religiosa) ligados
à principal autoridade beneditina eclesiástica do Brasil na época, Dom Gerardo Van Caloen. 21
20
HOONAERT, Eduardo. Primeiro período: a evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. In:
HOONAERT, E. [et al.] (org.). História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo: primeira
época, Período colonial. 5º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 56-57
21
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980.
Boa Vista. 2004. p. 92
35
O projeto de Dom Gerardo fez com que o Papa, então Pio X, unisse ao mosteiro do
Rio de Janeiro o Território do Rio Branco. Foi dessa forma que o simples Abade do
Rio se tornou Bispo Titular de Phocea e Prelado do Rio Branco, título que lhe foi
22
FRAGOSO, Hugo. A Igreja na Formação do Estado Liberal. In: BEOZZO, José Oscar. História da Igreja
no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980. Vol. II, p. 204.
23
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980.
Boa Vista. 2014. p.97
36
conferido quando criou de direito a Missão no Rio Branco em 1907. Isso aconteceu
porque, de acordo com a legislação eclesiástica, não era então permitido a uma Abadia
Nullius que, ao pé da letra, significa ligada a nada, e sim diretamente ao Papa, como
era a do Rio de Janeiro, comportar um bispo, seria necessário tornar-se uma Abadia
territorial, o que foi possível com a construção de uma missão territorial no ponto
extremo do país.24
Em 1905, a Santa Sé transferiu Dom Gerardo Van Caloen do mosteiro de Olinda para
abade do Rio de Janeiro, onde ainda havia a necessidade de aumentar o número de religiosos.
Com os projetos aprovados, Dom Gerardo Van Caloen, já na qualidade de Bispo titular de
Phocea, região da Alemanha, criou e enviou uma missão religiosa para a região do Amazonas,
respectivamente o Vale do Rio Branco. Entretanto, Dom Gerardo permaneceu no Rio de Janeiro
como Bispo Prelado do Rio Branco e superior da Ordem Beneditina no Brasil.
Quando saíram do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, rumo a Amazônia, a
missão seguiu chefiada pelo vigário geral da Prelazia Dom Acário Demycnk. Junto com ele,
acompanharam três outros monges e dois irmãos confessos. A chegada da missão a Manaus
ocorreu em 19 de maio de 1909 e foi recepcionada pelo Bispo do Amazonas, Dom Frederico
Costa, que após os cerimoniais de praxe, falou e expôs aos monges quanto às condições
religiosas, sociais e políticas que haviam no rio Branco. Os monges, amparados pela tradição,
partiram com firme propósito e um método próprio.
De acordo com Vieira (2014), a primeira Missão beneditina enviada para o rio Branco
foi composta por os seguintes religiosos: Dom Acário Demuynk, que passaria a ser o vigário
geral da Prelazia, Dom Boaventura Barbier, Dom Beda Goppert, Dom Adalberto Kaufmelh, os
irmãos confessos Melquior Doering e Irmão Gaspar Elsenbusch e por último, o próprio
Arquiabade do Mosteiro do Rio de Janeiro, Bispo Dom Gerardo Von Caloen. Este por último
acabou preferindo, neste primeiro momento, ficar na capital Manaus.
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980.
24
A elite local do rio Branco associada à presença da maçonaria, constituiu-se como uma
forte oposição as intenções dos monges restauradores, que se tornaram proprietários de uma
fazenda de gado pertencente ao patrimônio da capela doado, até então administrada pelo coronel
Bento Brasil, maior proprietário de terras, chefe político do rio Branco e Deputado Estadual da
região.
A perseguição aos monges beneditinos teve uma enorme repercussão tanto na
imprensa da cidade de Manaus como na imprensa da cidade carioca. Sabe-se, porém, que o
grande motivo da perseguição não foi a realização do ritual religioso pelos monges beneditinos,
mas sim a posse da fazenda (VIEIRA, 2003).
O desejo de “manter boas relações” com a oligarquia local foi dissipado logo na
chegada dos beneditinos à vila de Boa Vista. A tensão vivida pelos monges em relação à
ocupação da terra e à propriedade do gado bovino teve início em 1906, quando Dom Gerardo
solicitou ao governo brasileiro a área da fazenda São Bento para a organização da missão
beneditina26.
De acordo com Vanthuy Neto (2000 p. 80), os fazendeiros não aceitam muito esta
ideia de padres fundarem missão no meio de índios, pois na pele que o elo de todos os entraves
25
MORAIS, Vângela Maria Isidoro de. FILHOS DE DEUS E NETOS DE MAKUNAIMA: Apropriações do
catolicismo em terras makuxi. Tese (doutorado), Universidade Federal do Ceara. Fortaleza – 2013. p. 116
26
“A administração desta fazenda passou ao vigário geral; da Prelazia, quando no dia 19 de maio de 1909 lhe foi
entregue o governo da dita Prelazia pela autoridade diocesana do Amazonas. O ato da entrega realizou—se na
matriz de Manaós e em presença do proprietário Snr. Bento Brasil, procurador da fazenda”.
38
e questões no rio Branco é o gado e a fazenda. Primeiro quando solicitaram os bens (gado) da
fazenda da paróquia, da qual era procurador aquele que Dom Gerardo recomendava de ter boas
relações, Bento Brasil, o mesmo não quer devolver, pois terra não havia. Em busca do lugar
chamado S. Bento, que havia sido requisitado ao governo federal para o mosteiro e primeiro
núcleo missão, descobriram que estava retalhado por usurpação e apropriação de vários
fazendeiros. Dom Gerardo aconselha-os a não brigarem com ninguém, pois desde maio estava
à espera do parecer do inspetor de Manaus, para que o ministro assinasse o pedido.
Estas características gerais respondem sumariamente pelo que ficou conhecida como
a primeira fase da missão Beneditina na bacia do rio Branco. No tocante à visão dos religiosos
sobre os problemas com a expropriação das terras indígenas, numa arrojada frente de expansão
em nome da civilização do país, há evidências de que os Beneditinos conheciam e conviviam
com as tensões que opunham de um lado, os grandes criadores de gado e, de outro, os índios.
Porém, se o ideal da missão era criar as condições estruturais para o rio Branco
incrementar o desenvolvimento da pecuária, ciente de que o progresso material aceleraria o
processo de cristandade civilizadora dos índios, é possível deduzir que o lugar ocupado pelos
indígenas no novo cenário de evangelização estava cada vez mais suscetível à premissa da
integração pela desproteção de suas terras e de suas culturas.
Segundo Vanthuy Neto (2000, p. 95), em 13 de maio de 1921, os missionários
Beneditinos retomam as atividades religiosas na região, sob o signo da ascensão do novo
prelado do rio Branco, Dom Pedro Eggerath. A sua atuação à frente da missão foi marcada por
um ousado projeto desenvolvimentista que levou a uma série de construções, benfeitorias,
despesas e dívidas. Prevaleceu o espírito empreendedor de fazer da região um campo de
desenvolvimento material, onde a cultura do gado aparece como artéria condutora do progresso
e da entrada do Rio Branco na economia nacional.
Percebe-se que o interesse de Dom Gerardo na missão da bacia do rio Branco era
extremamente particular, ora, a região que nunca despertou maiores interesses por parte da
Igreja. Sabe-se que Dom Gerardo tinha ambição pessoal em escalar de maneira mais rápida
cargos hierárquicos na Igreja Católica.
39
A introdução de gado vaccum nos férteis campos do Rio Branco, deve produzir um
artigo do commercio ao interior da capitania, que lhe traria muitas vantagens a
primeira: A de ter açougue a capital, e evita-se o estrago que se faz nas tartarugas; [..]
segunda. As carnes seccas com que se poderiam fornecer as differentes povoações da
capitania [...] terceira. A sola fabricada na capitania sahiria a melhor preço aos seus
habitantes [...] quarta. Cresceriam as rendas reaes com o dízimos do gado [...] Destas
vantagens, e outras que este ramo de commercio pode produzir ao interior da
capitania, se demonstra quanto é conveniente, e se necessária a introdução de gado
vaccum; para a producção do qual tem todas as propriedades, os imensos e férteis
campos do Rio Branco. ( D’ ALMADA, [s.d.], p. 663
40
Assim sendo, as fazendas de gado bovino foram instaladas na região nesse período,
fruto de uma estratégia para ocupar a região e garantir a posse de um vasto território disputado
e pretendido por outras metrópoles além de Portugal, no caso da Inglaterra e da Espanha.
Na margem occidental, foi fundada ha, mais ou menos, trinta annos, quando para o
ponto em que Ella está se transferiu a pequena povoação de S. Joaquim que demorava
á sombra das baterias do forte do mesmo nome. É cabeça da Comarca do Rio Branco,
Capital do Municipio, e mantem, com regular frequencia, duas escolas primarias para
os dous sexos. Além dessas, ha duas outras escolas no Alto Rio Branco, uma na
Capella e outra no Igarapé Grande do Uraricoera. Do seu commodo porto, cortado
pela natureza em curva regular no barranco da margem, sobe-se por suave ladeira até
o chapadão, em pleno campo, onde está construida a villa.Seu conjuncto apresenta
perspectivas em geral encantadoras e, de alguns pontos de vista, realmente bellas.
Possue boas casas, algumas de alvenaria e uma capella edificada singellamente, mas
com relativa elegancia. Pode-se considerar Boa Vista como o centro mais importante
de todo o movimento commercial, industrial e agricola do Alto Rio Branco
(OURIQUE, 1906, p.13)
27
“Tomemos a lancha a vapor de pequeno calado como meio de conducção, por ser o mais empregado naquelle
rio, visto poder augmentar facilmente sua capacidade de transporte, pelo additamento de batelões apropriados a
essa navegação, além de outras vantagens. De ordinario a lancha navega com um só batelão amarrado ao costado,
lateralmente, levando tambem uma ou mais montarias a reboque” (OURIQUE 1906, p.9)
41
Cirino (2008, p. 60), aponta os conflitos políticos na região do rio Branco, “nas
primeiras décadas do século XX, a região do rio Branco foi marcada pela violência, cuja origem,
podemos afirmar, era decorrente do tipo de estrutura fundiária que se estabelecera. Foi neste
quadro político e econômico que os monges se estabeleceram na vila de Boa Vista e
imediatamente foram envolvidos no conflito”.
Nesse sentido podemos destacar a atuação dos padres junto aos indígenas nas
atividades de catequese. Inicialmente, com a ajuda dos índios das aldeias nas redondezas, os
missionários construíram barracões e deram início ao trabalho de evangelização, ou em suas
palavras, “cristianização metódica”, que consistia basicamente na celebração dos ritos
litúrgicos, cânticos religiosos, leituras da bíblia e aulas de catecismo.
28
CIRINO, Carlos Alberto Marinho. A "Boa Nova" na língua indígena: contornos da evangelização dos
Wapischana no século XX. Boa Vista: Editora da UFRR. 2008. p.: 76-77
42
CAPÍTULO III
O Jornal do Rio Branco foi o único periódico a circular na região nesse período.
Durante os anos de 1916 e 1919 o periódico tinha a proposta de manter os habitantes do Vale
do Rio Branco em conexão uns com os outros e o mais importante, com o país que o Governo
Republicano estava criando.
O modelo jornalístico que se desenvolveria mais tarde em torno dos padrões de escrita
objetivos era totalmente diferente do modelo aplicado no Vale do Rio Branco, nas edições feitas
pelos Beneditinos, pois nesse período o papel do jornalista ainda é visto como um
comprometimento patriótico e religioso com a comunidade que está sendo construída,
vinculando-a aos modelos de cidades em torno de um poder centralizado.
Trata-se do Jornal do Rio Branco: Órgão mensal dos interesses dos moradores do rio
Branco29, de propriedade da Prelazia do Rio Branco e Dias Medeiros e Cia, que surgiu e
circulou entre os anos de 1916 a 1919. Impresso na oficina tipográfica São Bonifácio na Vila
de Boa Vista, em posse dos missionários beneditinos.
A Igreja, que funcionava como núcleo da cidade, também orientava o caráter da
publicação, buscando assimilar os vários habitantes da localidade, evitando, por exemplo, as
práticas consideradas abusivas. A assinatura do Jornal do Rio Branco acontecia na Casa
Sempre-Serve pertencente ao cidadão Mizael Guerreiro.
O jornal possuía quatro páginas divididas entre as colunas fixas “Parte Editorial”,
assinada pelo Bispo Dom Gerardo Van Caloen; “Parte Diocesana”, com reflexões sobre o
espiritismo e divulgando os nomes das pessoas que contribuíram com esmolas para a Matriz;
“Parte Variada”, com decretos municipais e audiências públicas e, por fim, as colunas de
informações nacionais e internacionais “Várias Notícias do Brasil” e “Várias Notícias do
Estrangeiro”.
Em geral a população do Vale do Rio Branco baseia-se fundamentalmente na
agropecuária, fator que só começou a ser revertido a partir das iniciativas de sociabilidade
aplicadas pelos beneditinos e o processo de urbanização que começou em meados da década de
29
As cópias microfilmadas do Jornal do Rio Branco (1916 a 1919) encontram-se no Centro de Documentação e
Apoio a Pesquisa – CENDAP na Universidade Federal do Amazonas.
Para esse trabalho utilizaremos o cervo digital (do ano de 1917) disponível no Núcleo de documentação histórica
– NUDOCHIS na Universidade Federal de Roraima.
45
40. Presume-se também que, em virtude do poder financeiro, também esse era o público
principal do jornal local entre 1916 e 1919.
Imagem fac-similar 01 - Medindo 30cm por 40cm o Jornal do Rio Branco era dividido em quatro colunas.
Fonte: Acervo do Núcleo de documentação histórica – NUDOCHIS na Universidade Federal de Roraima.
O jornal possuía quatro páginas, cada uma delas com quatro colunas. Segundo o
redator, a tipografia era proveniente da Itália, motivo pelo qual não tinha disponível o sinal
gráfico “til” (Janeiro-fevereiro de 1917, p. 1). O redator define-se ainda como um jornalista
cujo propósito é integrar o rio Branco ao resto do país sob o signo da religião católica já que,
além de jornalista, também é um bispo (junho de 1917, p. 1). Para ele, o dever de jornalista é
ser porta-voz da opinião pública, convertendo o seu conhecimento em suporte para o
desenvolvimento da comunidade como um todo. Ele define o seu papel pedagógico, por
exemplo, alertando a população para a necessidade de ferver a água:
46
É nosso estrito dever de jornalista preocupado do bem geral deste povo, de insistir
novamente sobre esta recomendação tão séria do sábio clínico, que aliás, o ‘Jornal’
tinha feito já aos seus leitores. Pedimos, pois, encarecidamente, a todo o povo do Rio
Branco, de nunca mais beber água que não tenha sido fervida (JORNAL DO RIO
BRANCO, janeiro de 1917, p. 3, grifos nossos).
Fazendo uma análise do periódico de abril a maio de 1917, no qual os padres destacam
a falta de ensino público no rio Branco.
Evidentemente, educar-se a partir dos padrões morais católicos e urbanos implicava
num esforço sistemático de alfabetização por parte das autoridades. De nada adiantaria o bispo
esforçar-se para inserir “doutrinas corretas” no cotidiano da população se estar nem sequer
estava apta para a leitura.
Ainda de acordo com o “Jornal do Rio Branco” de abril - maio de 1917, em todo o Rio
Branco, havia apenas três escolas de caráter público, mas devido à falta de pagamentos aos
funcionários e aos professores as duas tiveram de ser fechadas:
Depois de ter gozado, por muitos anos, de escolas públicas estaduais e municipais
para ambos os sexos, o Rio Branco chegou pouco a pouco a não possuir mais escola
pública alguma tendo desaparecido todas, uma depois da outra, por supressão ou por
falta de pagamento do ordenado aos professores (JORNAL DO RIO BRANCO, 1917,
p. 1).
Sabe-se que o projeto educacional encabeçado pela Igreja e o SPI voltado para o
domínio da língua portuguesa, por parte dos indígenas, proporcionado pela educação escolar,
adquiria alto valor para o projeto indigenista.
47
Quanto às missões que os religiosos estão dispostos a cumprir, dá-se importância para
a presença do bispo nas mais longínquas vilas que sucedem pelo baixo rio Branco:
Não é possível perceber apenas pelo aviso o motivo de julgamento a essas áreas mais
importantes que outras, sabe-se que são vilas com uma população considerável para
evangelizar. A presença do bispo é uma forma direta de influenciar na presença da igreja em
tais locais, uma espécie de solenidade para fortalecer os vínculos entre a população e a Igreja
Católica.
30
ALBUQUERQUE, Virginia Guedelho. Memória da Freguesia de Nossa Senhora do Carmo – Em busca de
nossas raízes. UFRR – 2004. Dissertação de monografia.
48
locais, pois se o Brasil passara por crises junto ao término do funding-loan31, isso traria graves
consequências estruturais e econômicas para o distante município de Boa Vista do Rio Branco.
Bem longe vivemos aqui do coração de nossa pátria, brasileiros somos, porém,
brasileiros sinceros, apesar de desprezados, ciosos pelo surgimento do Brasil,
consolados, quando aparece algum sinal de regeneração e de levantamento para esta
nação da qual somos parte [...] A nós, agora cidadãos brasileiros, á nos habitantes do
Rio Branco como a quaisquer outros mais favorecidos, compete cooperar com
esforços do Governo que nos rege, para a regeneração da Pátria. (JORNAL DO RIO
BRANCO, abril-maio de 1917, Parte Editorial, p. 01).
Se por um lado informava acontecimentos nacionais, por outro lado, o jornal publicava
acontecimentos locais e solicitava através dos textos jornalísticos soluções para as autoridades
com base no contexto narrado. Ao longo do periódico, observa-se essas solicitações e através
dela, analisa-se a situação que a região passava através de tais notícias. Uma espécie de ‘’mão
dupla’’ onde se informava e solicitava às autoridades, providências.
Além de solicitar, como forma de cortejo, agradecia quando o poder público fazia algo
em prol da comunidade. A construção de uma estrada de rodagem que ligava a algumas regiões
foi de grande motivo de satisfação por parte da população e principalmente aos beneditinos,
que como interesse subjetivo, pode-se perceber o interesse na construção de uma cidade ideal
aos moldes dos clérigos quando exaltavam os seus pedidos ligados ao desenvolvimento
econômico.
Depois da estrada de rodagem das Cachoeiras, hoje concedido pelo governo da União,
nada é mais necessário ao desenvolvimento do nosso Rio Branco senão uma
navegação fluvial á épocas certas, subsidiadas pelo Governo, vantagem de que gozam
todos os demais rios do Estado das amazonas. (JORNAL DO RIO BRANCO, abril-
maio de 1917, p. 02).
31
O funding loan foi uma medida econômica tomada pelo quarto presidente republicano brasileiro, Campos
Sales e seu Ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, em 1898. Na prática, o funding loan era um esquema para
dar folga e garantir, através de um novo empréstimo, o pagamento dos juros e do montante de empréstimos
anteriores. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Funding_loan>. Acesso em: 21 de julho de 201.
49
Além das mazelas estruturais que o município passava, o mesmo tinha de enfrentar a
confusão dos nomes com a cidade no Acre de Rio Branco. O município que fora amazonense,
detinha o nome a mais tempo que a cidade do Acre e os embates para a mudança de nome deram
um certo desconforto entre os entes federativos. O barão do Rio Branco negou o pedido de
mudança e o Prelado do Rio Branco fez severas acusações de intromissão por parte dos padres
em mudar tais nomes alegando a falta de competência destes. Tal desconforto não aprofunda
na análise do município, mas subentende-se que havia repulsa por parte de jornais sectários a
respeito das atitudes dos clérigos. É visível o embate até em instâncias jurisdicionais, onde o
orgulho do fazendeiro em carregar o nome de Rio Branco e a repulsa de algumas elites com a
igreja em detrimento com as ações clericais que também enfrentavam divergências na região
do município de Boa Vista do rio Branco. (Final da página 2 e início da página 3 do Jornal do
Rio Branco, abril-maio 1917)
A preferência que o S. Ex.ª concede à nossa pobre região, tão flagelada e abandonada
até hoje, sobre todas as mais do vasto Estado, faz nascer nos nossos corações a doce
esperança de tempos melhores, para nós e para o Amazonas. S. Ex.ª parece que tem a
intuição de que o levantamento do Rio Branco será o caminho mais seguro para chegar
ao levantamento do Estado inteiro; pois o Rio Branco, há dois séculos que se escreve
isto, é destinado a ser o celeiro do Amazonas, e o Amazonas à de ser o celeiro do
mundo, como disse o grande sábio Humboldt (JORNAL DO RIO BRANCO, abril-
maio de 1917, p. 04).
50
Nesse sentido, o uso do jornal na cultura letrada em Boa Vista demostra as vertentes
nas quais os beneditinos denunciavam nos jornais, as relações de poder entre Igreja e os
políticos locais da vila de Boa Vista do Rio Branco. Tendo em vista, que o Jornal do Rio Branco,
tinha uma preocupação sempre constante com a inclusão do Vale do Rio Branco na civilização
brasileira.
32
(JORNAL DO RIO BRANCO, abril-maio de 1917, p. 04).
51
pela Santa Sé, que fazia a entrega às suas Congregações e Ordens religiosas dos novos
territórios, que se constituíam em Prelazias, um espaço administrativo da Igreja.
A construção da identidade na Amazônia foi atravessada, durante o período
republicano, por ambiguidades que resultaram na incompatibilidade da paisagem regional com
a identidade nacional. Esse, aliás, tornou-se o grande problema do século XX: a maioria dos
grandes projetos nacionais de integração foram incapazes de penetrar as fronteiras instáveis ou
nem sequer imagináveis da Amazônia. A ocupação do Vale do Rio Branco exprime um destes
dramas. Vinculada ao crescimento de Manaus, a cidade tornou-se responsável por fornecer
produtos agropecuários para os polos produtores do ouro branco 33. Essa ocupação revelou,
numa escala menor, os próprios conflitos que implicavam a chegada da civilização nas regiões
remotas da selva amazônica. A capital de Roraima na época denominada vila de Boa Vista do
Rio Branco permaneceu durante muito tempo um experimento agropecuário, clamando às
autoridades situadas em Manaus pelo contato mais frequente com a civilidade.
No que concerne aos aspectos sociais e urbanos, a configuração do povoado de Boa
Vista, segundo o eclesiástico Joaquim Gondim, apesar da sua limitação populacional ainda
subsistia de forma estável, possuindo até disponibilidade de energia elétrica:
Se o ideal da missão era criar as condições estruturais para o Rio Branco incrementar
o desenvolvimento da pecuária, ciente de que o progresso material aceleraria o
processo de cristandade civilizadora dos índios, é possível deduzir que o lugar
ocupado pelos indígenas no novo cenário de evangelização estava cada vez mais
33
Ouro branco era a expressão denominada ao apogeu do ciclo da borracha na Amazônia.
53
34
MORAIS, Vângela Maria Isidoro de. FILHOS DE DEUS E NETOS DE MAKUNAIMA: Apropriações do
catolicismo em terras makuxi. Tese (doutorado), Universidade Federal do Ceara. Fortaleza – 2013. p. 118.
35
VIEIRA. Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a
1980/Jaci Guilherme Vieira. 2. Ed. Revista e ampliada. Boa Vista: Editora da UFRR, 2014. p. 102-103
36
MORAIS, Vângela Maria Isidoro de. FILHOS DE DEUS E NETOS DE MAKUNAIMA: Apropriações do
catolicismo em terras makuxi. Tese (doutorado), Universidade Federal do Ceara. Fortaleza – 2013.
54
irmãs foi fundamental na reaproximação das pessoas leigas junto ao trabalho missionário feito
pelos monges em Boa Vista.37
Segundo Santilli (1989, p. 441), os missionários beneditinos atuaram junto aos índios
Macuxi, Jaricuna, Taurepan e Uapixana de 1909 até 1947. Fundaram um “Patronato”, internato
para as crianças indígenas que funcionou durante todos os anos da missão. Nesse patronato os
missionários ministravam aulas de primeiras letras, carpintaria, marcenaria e “serviços de
lavoura e criação de gado”.
Em contramão a chegada das irmãs, se dava a construção de uma casa que serviu de
hospital, escola e posteriormente tornou-se a residência das irmãs. Anexo a esta construção, as
irmãs mantinham vários cursos de trabalhos manuais (costura, bordado, prendas domésticas e
etc.), destinado à moças e senhoras, que segundo afirmavam as irmãs: vai sendo sempre bem
frequentados. Ainda afirmavam que os cursos tornariam os seus frequentadores membros úteis
à sociedade.38
Neste período, as relações entre índios e não índios se intensificaram e interagiram de
diversas maneiras. Não só na fazenda, mas também com o trabalho dos missionários na região.
A ordem beneditina, como aqui já mencionado, passaram a fazer investimentos na região do
Rio Branco, com o intuito de desenvolverem seus projetos econômicos. Tais projetos
alavancariam o progresso da missão, pois o desenvolvimento dessa região era a justificativa
dos beneditinos em obter, o quanto antes, um patrimônio para a Missão do Rio Branco, o que
tornaria definitivamente a missão independente do Rio de Janeiro e a consolidação de tal
projeto.
Conforme Vieira (2014, p. 117-118) destaca que durante esse período a obra da
catequese dos índios ficaria sob responsabilidade de apenas um monge, Dom Alcuino Meyer,
visto que os religiosos passaram a se aventurar no campo empresarial. Já em 1925, passava a
funcionar a primeira experiência industrial no Rio Branco. Ligada à atividade agroindustrial,
constituía-se essa indústria de vários departamentos entre eles: navegação, charqueada,
curtume, fábrica de gelo, eletricidade, sala de cinema, casa comercial e, o grande sonho dos
beneditinos, o que retiraria de vez o Rio Branco do isolamento: a construção de uma estrada
que ligaria Boa Vista a Caracaraí39, com uma extensão de 160 km, em plena selva amazônica.
37
Notas históricas sobre a Missão Beneditina do Rio Branco, por Dom Alcuíno Meyer O.S.B p. 04
38
Relatório S/A. Rio de Janeiro, 13/05/1944. “Obras da prelazia”. p. 02. Arm. 11. Gaveta B. Pasta 01.
39
De tal modo que, a conclusão desta estrada só foi realizada em 1947, com recursos federais quando o Rio Branco
já tinha sido elevado à condição de território federal.
55
Superando de vez o obstáculo das cachoeiras, era um projeto de grande envergadura para a
época que consumiria boa parte do capital investido na indústria.
Tais empreendimentos como Vieira (2014, p. 120-121) destaca, em sua grande
maioria, audaciosos, geraram um grande endividamento para a Ordem de São Bento,
principalmente porque todos decretaram falência, e todos os departamentos das empresas
tiveram que fechar suas portas com pouco tempo de atividades. Tal fato criou uma crise interna
na Ordem, levando inclusive a renúncia de Dom Pedro Eggrath em 1929 e sua substituição por
Dom Gregório Erzogg. Para Dom Pedro, o que faltava para a consolidação da Missão entre as
populações indígenas no Rio Branco não era a indústria, mas uma Igreja decente, um hospital
e finalmente uma escola, que pudesse acolher o espirito da catequese na região, o que, segundo
ele, estaria mais de acordo com as atividades inerentes a uma Ordem Religiosa.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do texto exposto acreditamos ser possível afirmar a importância das Ordens
Religiosas para a formação e consolidação do catolicismo brasileiro em especial na Amazônia
brasileira. Além disso, ficou claro a inter-relação entre as ordens religiosas e o Estado, além do
papel fundamental da Ordem dos Missionários Beneditinos no Vale do Rio Branco.
Em 1909, chegam ao Vale do rio Branco os monges beneditinos, a nova ordem
religiosa que teria a incumbência da catequese indígena no Rio Branco. De certa forma, os
Beneditinos tentaram até o último ano de sua permanência nessa região (1948), realizar
trabalhos junto à população indígena.
A atuação dos religiosos, à medida que estreitavam relações com os índios, parece ter
repercutido rapidamente, chegando até mesmo a incomodar os fazendeiros mais distantes pela
influência que detinham sobre a população indígena na região. O papel dos religiosos no Vale
do rio Branco, seria marcado por um novo comportamento diante da população indígena local.
A ação destes abalou a relação entre as elites locais e os indígenas instalados nesta região.
Foi possível observar que as Ordens que vieram para a Amazônia brasileira, em
especial a Ordem Beneditina na qual trabalhamos com mais ênfase durante a pesquisa. Ficou
evidente que os beneditinos tinham objetivos bem claros, como o de conseguir novos campos
de evangelização, a reestruturação da ordem, interesses individuais (promoções na hierarquia
religiosa) ligados à principal autoridade beneditina eclesiástica do Brasil na época, Dom
Gerardo Van Caloen.
Essa administração parece ter conduzido a missão não pelo trabalho, mas pelos
interesses econômicos que se estabeleceram a partir desse movimento de restauração, contudo,
apoiados por verbas estaduais, a ordem beneditina preservaria o “objetivo” de educar para o
trabalho.
57
Sabe-se que a Missão Beneditina durante um período consecutivo mais longo, até o
ano de 1948, permitiu que houvesse um progresso nos trabalhos de catequização e
evangelização entre as comunidades indígenas no Rio Branco.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho jamais teve como pretensão esgotar o assunto,
nem tão pouco concluir o estudo desta temática, pois entendemos que todo trabalho é
inconclusivo, ou seja, está sempre aberto para outras análises, investigações, pesquisas, e para
o “debruçar-se sobre” a partir de um olhar sócio analítico.
58
REFERÊNCIAS
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01