Вы находитесь на странице: 1из 20

vocabulário crítico do valor

(em construção)

Nota de apresentação

Nada mais iluminista do que a idéia de esclarecer a "sociedade civil" através da opinião
pública – e, tal como no exemplo clássico, através da produção de um Dicionário:
lembre-se dos enciclopedistas franceses ou do Dicionário Filosófico de Voltaire. Este
vocabulário se inscreve dentro mas também fora desta tradição. Dentro porque se trata
da continuação de seu ensaísmo crítico. Mas é, ao mesmo tempo, uma tentativa de levar
a sério a crítica do Iluminismo, contra-argumentando por dentro de suas formas mais
sistemáticas, baseadas em sua filosofia naturalizante, sempre fundamentada no ponto de
vista reificado do sujeito burguês. Não há aqui, por exemplo, qualquer pretensão de
"esclarecer" autoritariamente as "massas".

Trata-se aqui, em primeiro lugar, da crítica do valor e de suas mediações fundamentais.


Neste sentido, ele só pode colocar-se como ferramenta na crítica imanente da sociedade
da mercadoria, mas não como portador da verdade absoluta ou positiva dos fatos. Lida-
se antes com conceitos críticos e negativos, historicamente determinados, que adquirem
significados flexíveis conforme demandem as análises concretas. A verdade ou correção
de seus termos será sempre relativa ao movimento objetivo dessa própria sociedade,
uma função de sua confrontação com os fenômenos empíricos concretamente
apreendidos.

Muitas vezes procura-se um dicionário para abreviar o pensamento próprio sobre os


termos que se usa numa leitura do mundo. Desta maneira, pode surgir a perspectiva
mentirosa de que tudo já foi pensado quando se "aplicou" os conceitos certos, numa
dispensa ilusória da análise conceitual historicamente refletida e contextualizada. Neste
vocabulário tentou-se evitar, por isso, o raciocínio preguiçoso da parte do leitor.

Após uma curta definição geral, avança-se um desenvolvimento do conceito que tenta
levá-lo até o seu limite lógico e histórico, apontando, na medida do possível, os focos do
movimento para além do próprio conceito. Por se tratar da crítica das categorias
fundamentais da sociedade moderna, ataca-se em especial o "marxismo tradicional"
enquanto paralisia da reflexão essencialmente histórica e dialética de Marx.

Por último, pretende-se dar a este vocabulário o caráter de uma "obra em progresso",
incorporando novos verbetes à lista, reformulando constantemente os já publicados ou
estabelecendo novas versões críticas para um mesmo verbete.

Alienação

Antieconomia
Anti-humanismo

Antipolítica

Capital

Coisificação

Crítica da forma-sujeito

Crítica do valor

Crítica imanente (negação determinada) / superação


(Aufhebung)

Crítica objetiva que desenvolve as contradições internas de seu objeto, até este se
constituir ou desaparecer, alcançando sua verdade.

Este é o nervo da dialética. Pois esta poderia ser definida como uma máquina de triturar
visões de mundo, concepções morais, ideologias ou utopias positivas e externas ao
tempo histórico. O grande mal da crítica externa é pensar que já tem previamente a
verdade, afirmando-a dogmaticamente contra o seu objeto, contra o próprio mundo
(protótipo disso é a religião).

"A refutação não deve proceder de fora, isto é, não deve partir de pressuposições que se achem fora
daquele sistema, às quais ele não corresponde (...). A verdadeira refutação tem que penetrar na força do
adversário, e colocar-se no âmbito de seu vigor; atacá-lo fora dele mesmo, e sustentar suas próprias
razões onde ele não se acha não adianta em nada no assunto" (Hegel, Ciência da Lógica).

E por isso que Hegel recomenda

"renunciar às incursões pessoais no ritmo imanente do conceito; não intervir nele com uma sabedoria
arbitrária adquirida alhures – esta abstenção é, ela mesma, um momento essencial da concentrada atenção
ao conceito" (Hegel, Fenomenologia do Espírito).

É por isso que em Marx não temos mais, a rigor, a afirmação de uma "filosofia", de uma
"moral" ou de uma "utopia" estranha ao assunto que visa criticar. A dialética marxiana
não parte de fundamentos ou essências ontológicas a priori. Seu objeto não é a práxis
humana em geral ou o Homem, pois este aliás ainda não é "real": ele vive ainda,
segundo Marx, sua pré-história* e como tal é apenas pressuposto em seu discurso
crítico. Restringe-se então a falar sobre um objeto plenamente histórico – o valor-
capital: trata-se de limitar-se à sua negação determinada, seguir e desenvolver o seu
movimento contraditório, e não professar suas próprias opiniões ou pontos de vista
subjetivos contrários.

Já o céptico que nega algo abstratamente, em bloco, sem examinar o conteúdo e as


razões de seu oponente, é sempre também dogmático. E é por isso que o oponente,
quando não é realmente negado por dentro e vencido por sua própria força, sempre
retorna das cinzas num infinito perverso (o "mau infinito" de Hegel).
Em Marx trata-se, então, da "crítica da economia política": do exame de uma doutrina
que tende a naturalizar todo o existente, partindo de seu conceito histórico fundamental
– o valor, o fetiche do tempo médio de trabalho social; trata-se, em suma, da crítica de
um conceito-realidade que determina e dá sentido à sociedade burguesa como um todo;
e, aqui, o principal: um crítica feita segundo os próprios critérios lógicos desta
sociedade:

"Verifica-se aqui", diz Marx em O Capital (no Cap. sobre a "Lei da Queda Tendencial
da Taxa de Lucro"), "no plano puramente econômico, isto é, do ponto de vista burguês,
dentro dos limites do juízo capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista,
sua limitação, sua relatividade, que ela não é nenhum modo de produção absoluto, mas
apenas histórico, um modo de produção correspondente a certa época, limitada, de
desenvolvimento das condições materiais de produção" (Livro III, t. I, p.186, S.Paulo,
Nova Cultural, 1988).

Isto significa que Marx não tirou da cartola qualquer "teoria do valor", nem a postula ou
a defende positivamente (como no marxismo tradicional), mas é porta-voz de sua crítica
interna. Assim, em O Capital, no processo de apresentação (Darstellung) do sistema –
da forma-mercadoria aos desenvolvimentos enlouquecidos do capital-fictício, passando
pelos porões sombrios da acumulação primitiva sanguinária –, as representações
(Vorstellungen) ideológicas da economia política perdem a cada momento suas
máscaras, vindo à tona toda sua inverdade (verdade relativa), quando não todo o seu
fingimento e dissimulação (Verstellung).

A crítica imanente é, portanto, sempre objetiva, opondo-se a pontos de vista externos,


moralizantes, fora do contexto. Neste tipo de crítica, portanto, temos a própria
racionalidade social, fundada no valor (ele mesmo "negado" e invertido em "sujeito
automático", ibid., Liv. I, t.1, p.126), se autocriticando através do confronto de sua
realidade com seus pressupostos ou ideais: assim, por exemplo, no processo de
acumulação do capital, na extração de mais-valia e monopolização de todos os meios de
produção pelo capital, os ideais sociais de igualdade e liberdade no mercado invertem-
se necessariamente em seu contrário – em desigualdade e coação, em miséria e
violência. Do mesmo modo também entende-se que "o próprio capital é a contradição
em processo" (Grundrisse): é o próprio capital que, na fome de se auto-valorizar, tende
à crise de sobre-acumulação e à auto-desvalorização no tempo histórico, corroendo seu
próprio fundamento determinado (trabalho). O capital não tende a cair por objeções
morais ou catástrofes naturais externas a ele, mas pela sua própria lógica contraditória.
O valor levado ao infinito tornar-se-ia riqueza social, o trabalho levado ao infinito torna-
se-ia tempo de não-trabalho social. Isto então depende da consumação da crítica
imanente.

Mas é neste momento, então, e somente aí, que surge o impulso para o momento
transcendente da crítica: o passo fora do sistema totalitário, para levar além da forma-
valor dos produtos, além de toda sociedade burguesa. Entrava aqui a ação
revolucionária dos "indivíduos livremente associados", para ir além de mercado e
Estado, muito além, enfim, de toda centralidade imposta por um metro único que sujeita
a todos, tal como faz o trabalho social abstrato. Ainda aqui este seria, segundo Marx, o
resultado pressuposto criado pelas próprias leis internas do capital: seu executor final
seriam os homens proletarizados, conscientes de que um outro mundo já é possível,
através da luta pelo uso social das forças produtivas desenvolvidas no seio do próprio
capitalismo.

No entanto, neste ponto, é preciso quebrar o feitiço da crítica dialética puramente


imanente. É suficientemente claro para todos que a verdadeira emancipação não virá do
colapso do sistema, por inércia de sua lógica contraditória imanente. Mas é claro
também que uma "espiritualização dialética" forçada do proletariado, posto como
sujeito-objeto idêntico da história, não rompe o laço do fetiche dialético, da realidade
monetarizada que se automovimenta. Pois pode-se acusar o materialismo histórico de
logicizar metafisicamente (ou se quisermos dialetizar ontologicamente*) o papel das
forças produtivas* (proletariado incluso): daí toda sorte de teleologias abstratas
imputadas ao processo histórico. O "marxismo ortodoxo" de Lukács, que fazia
predominar o "método dialético" sobre todo o conteúdo histórico, abraça aqui o
positivismo e a metafísica.

A teoria do colapso* e da revolução proletária não significam ainda emancipação, pois


esta não pode ser deduzida de nenhuma teoria – antes será um fenômeno puramente
social consciente e não uma conseqüência natural da dialética do valor. Tal momento
interno da consciência só é realmente transcendente e emancipatório se levar além da
abstração real* do valor, isto é, se realmente suprimi-lo (aufheben): não se trata de
repor a lei do valor intacta sobre seus próprios pés (a utopia histórica de uma circulação
simples não "desviada" e "envenenada" pelo capital), mas talvez de negá-la mais
profundamente que apenas uma negação determinada (limitada ainda ao interior da
forma-valor), típica da superação (Aufhebung) hegeliana (que é sempre, como lembra
Adorno, a negação de uma negação: portanto sempre afirmativa, ontologizante,
conservadora do conceito criticado, sem conseguir romper a imanência).

Tal momento interno transcendente tem, assim, dívida para com o materialismo*,
jogando-o contra a dialética, sempre fundada num sujeito transcendental. Pois esse
momento interno da consciência e da organização prática anti-sistêmica tem algo de
externo, espontâneo e contingente, absolutamente não fundado num Sujeito a priori ou
na mera realidade material. É somente um pressuposto não fundado, um possível
realizável na consciência e na ação histórica real, vivida, corporal, desejante,
comunicativa e talvez mesmo não-racional (por oposição à "razão instrumental"
moderna). Depende sobretudo do entendimento mútuo sobre a produção e o consumo da
riqueza social livre do cárcere de ferro do valor.

Atenta à história e a suas possibilidades mais ricas, esta "consciência" (que já não é
mais uma consciência, mas práxis social comunicativa) se intromete no livre curso do
mundo, questionando também de fora sua racionalidade abstrata, fundada no valor, isto
é, no sujeito burguês monadológico, trocador privado de mercadorias. Tal parece ser,
enfim, a novidade da superação marxista (e, a bem dizer, adorniana) em relação à
superação hegeliana. Só isso leva além da dialética, além do mundo preso ao feitiço
moderno da totalidade e da contradição social.

Neste sentido, para concluir, a crítica do valor torna-se uma metacrítica: a crítica da
crítica objetiva que o valor-capital, enquanto sujeito automático, faz a si mesmo; ou em
outros termos, a crítica materialista, prático-sensível, que leva além das leis imanentes
da "metafísica real" do valor-capital.
Dialética

Num sentido materialista*, é a teoria e o método de exposição do automovimento do


dinheiro na sociedade capitalista – ou, melhor dizendo: "dialético", num sentido
rigoroso, é tão somente o movimento objetivo e auto-reflexivo da valorização do
Valor*, erigido em sujeito (capital). A dialética sistematizada por Hegel é tão-somente a
especulação metafísica* e ideológica*, historicamente exata e conseqüente, do
movimento econômico cego e fetichista* da sociedade burguesa moderna. Falsa é,
portanto, a tentativa de imortalizá-la como condição humana ontológica* ou princípio
positivo demiurgo da natureza e da vida em geral. A dialética torna-se então uma teoria
historicamente determinada, tal como a teoria do valor.

Pois como método, a dialética sempre dependerá da Razão (Vernunft) especulativa, vale
dizer, do postulado teórico da unidade dos contrários – e aquilo que isso significa
concretamente: a totalização e unificação coercitiva violenta das diferenças reais num
fundamento* subjetivo abstrato. E é desta unificação racional especulativa de todas as
determinações analíticas, postas pelo Entendimento (Verstand), que se pensa qualquer
movimento como superação (Aufhebung): todo o Ser, toda a realidade natural e cultural
é deduzida a partir da razão do sujeito monadológico, e assim forçosamente
espiritualizada e reconciliada na Idéia transcendente. A "filosofia do sujeito" e o
panlogismo são congênitos ao pensamento dialético. A dialética, assim, mesmo que
invertida pelo materialismo, é inseparável do idealismo* absoluto de Hegel. Pois o
materialismo não pode recusar o idealismo metafísico de forma abstrata, mas precisa
restringir-se à sua crítica imanente* (seguindo a lição da própria dialética hegeliana): é
assim que o valor apresenta-se como fundamento "metafísico-real" da sociedade
moderna, pois esta opera verdadeiramente como uma metafísica social, historicamente
determinada, tal como pressupõe a teoria marxista do fetichismo da mercadoria*.

Assim, o postulado metafísico do desenvolvimento histórico-natural das contradições -


de que tudo na realidade está em proccesso de construção ou destruição - remete
socialmente ao movimento cego e contraditório do valor, feito "por trás das costas" dos
agentes reais que, fazem sim a história, mas sem o saber. Por isso, deve-se levar a sério
o teorema hegeliano de que "a substância é sujeito" (Fenomenologia do Espírito,
Introdução): o valor – cuja substância é o trabalho – é a fonte originária do Negativo
que, erigido em Sujeito (valor capitalizado), a tudo transforma, mobiliza, inter-relaciona
e subsume, estabelecendo mediações, superando as contradições que ele mesmo pôs
para si, enfim, reproduzindo seus pressupostos e sobrevivendo mumificado, como que
repousando em si mesmo, como o único sujeito verdadeiro da modernidade. E se para
Hegel isto era o triunfo da Razão, para o materialismo trata-se da destruição da
realidade social-natural e da própria racionalidade ocidental. Com a forma dialética de
pensar, o Iluminismo projeta pela última vez a esperança da reconciliação social, mas
também o cativeiro da imanência eterna à forma-valor, assegurado inclusive, nos
Princípios da Filosofia do Direito, pelos cães de guarda do Estado forte.

O mistério social constituído pelo fetichismo é esclarecido pelo pensamento dialético


materialista justamente através da pesquisa da mediação real dos vários momentos da
vida – aparentemente isolados, positivos e externamente diferenciados – pela
totalidade* do processo de valorização do capital. Para o materialismo isso corresponde
ao rebaixamento de tudo a simples meio instrumental da valorização, e por isso, ele
dirige-se, tal como diz Adorno na Dialética Negativa, ao particular, àquilo que resiste
sob o peso esmagador do falso universal, isto é, àquilo que nega, se move e escapa às
redes da troca mercantil. A contradição é sentida dolorosamente. Não pode ser
simplesmente apagada por um furtar de olhos, para o desejado reino da pura diferença e
do imediato (como no pensamento pós-moderno atual), mas tem de ser enfrentada pela
crítica imanente. Pois quem pensa sem dialética na sociedade da mercadoria é vítima da
contradição lógica, e cedo ou tarde é obrigado a se contradizer subjetivamente. Pois
tudo no capitalismo tende a se inverter em seu contrário: a troca de equivalentes torna-
se troca de não-equivalentes e desigualdade social, a racionalidade individual torna-se
irracionalidade social, a atividade concreta "consciente" torna-se trabalho abstrato
inconsciente, o humanismo torna-se anti-humanismo*, ou, este último, o anti-
humanismo, pretensamente destruidor da metafísica, torna-se a apologia das condições
sociais realmente metafísicas do existente (pós-modernismo). O próprio valor
desvaloriza-se no tempo e torna-se potencialmente riqueza material sem valor.

Como sempre, o marxismo tradicional* quis ontologizar aquilo que é historicamente


determinado: agora a dialética. Em suas mãos ela virava bruxaria metodológica. Como
"dialética do processo de trabalho" (o próprio Marx nas linhas em que segue as
especulações hegelianas a respeito da atividade produtiva em geral), como "dialética da
luta de classes" (o proletariado convertido em "sujeito oculto" da modernidade, tal como
em Lukács), como "dialética da natureza" (Engels) ou ainda, talvez no pior dos casos,
como no "ABC da dialética materialista" (Trotsky) ou nas "leis da dialética (do
socialismo científico)" (Engels, Stalin etc.) temos a conversão da dialética num método
subjetivo, como pura Forma platônica que se aplica a qualquer conteúdo da realidade. O
marxismo falsamente ontologizado simplesmente ignorava que jazia sob seus pés
apenas o fetichismo da mercadoria, vale dizer, a projeção neurótico-obsessiva dos
desvarios da forma-valor sobre a mera materialidade do mundo.

Dominação sem sujeito

Duplo Marx

Emancipação

Conceito consolidado no Iluminismo* e que correspondia ao mero auto-esclarecimento


dos indivíduos (Kant) e à instituição da condição moral cidadã e "civilizada" dos
sujeitos no meio naturalmente contraditório da sociedade burguesa, totalmente
explorador e dominador. Era um conceito ideológico*, portanto, pois impossível de
alcançar. Tal conceito limitado deixava na sombra, isentas de crítica, as formas
fundamentais da socialização pelo valor*.

No Marx maduro, ele corresponde à passagem da Pré-história* à História do Homem ou


à constituição da "sociedade comunista". Sabe-se como Marx foi "econômico" em dizer
qual seria o conteúdo emancipatório concreto, restringindo-se à crítica resoluta do
mundo existente. Mas freqüentemente esta posição auto-refletida e bastante avançada
para a época vinha ainda misturada com conteúdos predeterminados por um certo
humanismo* e racionalismo (ver iluminismo*) da sociedade do trabalho*, tal como no
mito do "homem total" ou da "reconciliação universal de homem e natureza".

Hoje, muito se fala em emancipação, a começar por aqueles que acusam a "esquerda" de
incapaz de dar-lhe um conteúdo concreto... há também os que abandonaram o conceito,
engavetando-o nos mitos racionalistas dos séculos XVIII e XIX. Mas há também os da
velha guarda marxista ou anarquista, aqueles que parecem já ter um plano da "vida
justa" pronto, saindo da própria teoria marxista ou anarquista consolidada, num
dogmatismo empoeirado e anacrônico.

Uma crítica do valor, consciente de seus limites teóricos de fundamentação (ver


Relação teoria e práxis*), procura restringir-se a um conceito crítico-negativo de
emancipação social: não tira da cartola um programa pronto, positivo, utópico, dos
conteúdos da sociedade emancipada concreta, mas limita-se a um juízo crítico-negativo:
a partir da crise do valor, limita-se a dizer que a sociedade verdadeiramente emancipada
é somente aquela que suprime – e portanto não é mais – um sistema produtor de
mercadorias*; trata-se portanto de resumir-se a superar as contradições específicas da
socialização pelo valor*. Visa apenas à totalidade histórica da modernidade, não à
construção autoritária de um "novo ser humano" ou de uma sociedade perfeita. A teoria
deixa, assim, de subordinar a prática. A emancipação concreta, se ela vier, será
construída na discussão coletiva, no próprio fazer-se diário da práxis, para além do valor
e do trabalho.

Essa posição crítico-negativa é negada abstratamente hoje por dois tipos de reação
teórica e prática que sabotam a noção radical de emancipação. Debatendo-se com os
resultados funestos da "emancipação negativa" feita pelo capital, temos: a) uma
tentativa constante de administração da crise e de reformas internas à sociedade do
trabalho (humanismo de "esquerda responsável" ressurrecto: neokeynesianismo, New
Labour, habermasianos etc. ) ou: b) o clima festivo pós-moderno em meio ao colapso
da modernização*, uma apologia do sujeito narcísico pretensamente descentrado e
liberado das cadeias repressivas da modernidade (anti-humanismo pós-moderno, pós-
estruturalista). Tal recusa abstrata recai assim nas contradições do humanismo* e do
anti-humanismo*, como duas figuras idênticas à emancipação negativa* do valor: uma
definindo a emancipação como mero controle externo dos abusos do "capital"
(definindo, assim, o "homem emancipado" como aquele que tem dinheiro para viver
dignamente), outra jogando simplesmente o conceito no lixo.

Em nossa definição do conceito procuramos evitar tais becos sem saída. Restrito à
realização prática da negação do valor, o conceito de emancipação é, também, "formal"
ou "aberto", pois livre de conteúdos predeterminados por um sujeito ou essência
humana dados, típicos do humanismo: o conteúdo conceitual do termo "Homem
emancipado" fica aberto e disposto à diferença social, espacial e temporal, às múltiplas
necessidades e desejos, e assim, à organização social consciente – concretamente
situada e cambiante – das forças produtivas sociais. A vida concreta de cada um não
cabe à teoria determinar. Mas diferente do anti-humanismo contemporâneo, o homem se
determina minimamente, preenche historicamente de conteúdo sua forma, e nesta
medida afirma sua autonomia flexível e consciência histórica – mas sem subjugar as
diferenças, sem ilusões de totalidade*.

Emancipação negativa

Quando as forças produtivas crescem, socializam-se pelo mundo, fazendo a forma-valor


perder sua substância (trabalho social abstrato), desponta no horizonte a possibilidade
real de emancipação da sociedade da mercadoria. Mas se ainda assim o valor* e o
trabalho* continuam a se impor de modo fetichista como as condições fundamentais de
relação entre os homens, alcança-se apenas uma sociedade mais selvagem, de
reprodução vital cada vez mais miserável (fome, desemprego), precária (subempregos,
destruição de direitos) e conflituosa (violência, guerra civil, militar). Tais são os frutos
podres da crítica automática que o capital faz a si mesmo. Temos assim, na expressão de
Robert Kurz, uma "emancipação negativa", um "comunismo das coisas" e não dos
homens (Kurz, O Colapso da Modernização).

Espetáculo (sociedade do espetáculo)

Predomínio completo da abstração real da forma-mercadoria sobre as várias esferas da


vida, transformando-a num mundo de imagens cada vez mais alienadas e distantes do
controle social consciente.

O conceito surge com Guy Debord e os situacionistas franceses para designar o caráter
extremamente alienado das relações sociais modernas, especialmente no período da
acumulação fordista* e da guerra fria entre capitalismo e socialismo de Estado. A
superprodução de mercadorias do período levou à necessidade das políticas estatais
keynesianas* contra a crise (evitando a superprodução de capital e o subconsumo). Os
situacionistas, apesar dos traços de marxismo tradicional, levaram a sério a crítica do
fetichismo da mercadoria*.

O "espetáculo" é a forma de exposição última e mais desenvolvida do poder alienado do


mercado e do Estado, isto é, da lei do valor e suas várias mediações, sobre todos os
homens; estes foram, assim, reduzidos a meros seres contemplativos de todo este poder,
através da forma suprema da abstração em imagens, sobretudo as imagens midiáticas,
fragmentadas e descontextualizadas. "Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação" (Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo, §1, 1967).

Desde então a ideologia não é mais um discurso autônomo nos reinos da abstração
filosófica. Os espectadores passivos vivem realmente a "ideologia materializada", uma
espécie da "religião do vulgar" (Marx), cínica e positivista*, da economia clássica.
Quando se olha por trás da cortina vê-se o mundo capitalista exatamente como ele é: "o
mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois seu movimento é idêntico ao
afastamento dos homens entre si e em relação a seu produto global" (ibid. § 37). O
fetichismo não é uma mera ilusão, mas uma ilusão real. Como compensação e adorno à
vida degradada, estendem-se as formas de pseudo-uso e pseudo-atividade, não de uma
sociedade da abundância, mas de uma "sobrevivência ampliada" (ibid., § 40).

O "espetáculo" não é portanto o reino do consumo (como na leitura jornalística,


universitária ou pós-moderna dos situacionistas), mas o da produção das abstrações
mercantis que penetram todas as esferas da vida cotidiana, até a liqüidação do
indivíduo. "O espetáculo, que é o apagamento dos limites do eu e do mundo pelo
esmagamento do eu que a presença-ausência do mundo assedia, é também a supressão
dos limites do verdadeiro e do falso pelo recalcamento de toda verdade vivida, diante da
presença real da falsidade garantida pela organização da aparência. Quem sofre de
modo passivo seu destino cotidianamente estranho é levado a uma loucura que rege de
modo ilusório a esse destino, pelo recurso a técnicas mágicas. O reconhecimento e o
consumo das mercadorias estão no cerne dessa pseudo-resposta a uma comunicação
sem resposta. A necessidade de imitação que o consumidor sente é esse desejo infantil,
condicionado por todos os aspectos de sua despossessão fundamental. Segundo os
termos que Gabel aplica em outro nível patológico, 'a necessidade anormal de
representação compensa aqui o sentimento torturante de estar à margem da existência' "
(ibid. § 219).

Estranhamento

Fetichismo (Fetiche da mercadoria)

Forças produtivas

É tudo aquilo que constitui meios para a produção social: as condições naturais, as
ferramentas, as máquinas, a própria atividade prático-sensível dos homens, e hoje
sobretudo os robôs e os saberes tecnológicos da 3ª Revolução Industrial*. No marxismo
tradicional e sua doutrina do materialismo histórico*, as forças produtivas foram
destacadas e autonomizadas do contexto social e cultural, num movimento objetivo,
fixo e ontológico* a priori, que "prevalece sobre as relações sociais e culturais".
Estabelece-se assim uma metafísica* da história e do inexorável progresso, fundados
otimisticamente numa metafísica do trabalho e das forças produtivas.

Fordismo

Processo automatizado de trabalho, onde os empregados ocupam postos de trabalho


fixos, numa fortíssima divisão técnica do trabalho que acaba acarretando enorme
produtividade (gestos repetitivos e cansativos, brutal divisão de trabalho manual x
intelectual etc.).

Designação sociológica moderna para a fase de desenvolvimento da produção moderna


de mercadorias que se estende aproximadamente de 1920 até 1980. Denominação em
homenagem a Henry Ford, que inventou a esteira rolante na montagem de automóveis.
Com isto podiam ser eliminados do processo de trabalho industrial os últimos restos de
habilidade artesanal. Os "fundamentos da direção científica das empresas", do
engenheiro americano Taylor, isto é, a decomposição de processos de produção e sua
recomposição sintética, sob o comando da lógica econômica do entrelaçamento "ótimo",
somente podiam ser realizados em grande escala em virtude da produção na esteira
rolante de Ford. Assim tornou-se possível, para muito além da indústria automobilística,
a produção em massa em muitos setores que até então escapavam ao cálculo de
valorização da administração de empresas. Somente após a Segunda Guerra Mundial
impôs-se o fordismo universalmente. As novas indústrias de produção em massa não
apenas se tornaram o centro de uma acumulação de capital sem par, mas também o de
um "modelo social", de um modo de viver "racionalizado", marcado pela totalização do
trabalho abstrato em combinação com uma "cultura do tempo livre" compensatória e
uniformizada. Desde o início dos anos 80, o fordismo está se esgotando em todos os
aspectos: crises ecológicas, desemprego industrial em massa, terciarização ("sociedade
de serviços") e novas técnicas de organização "flexível" da produção (o chamado pós-
fordismo), além das recentes formas de pauperização e colapsos sistêmicos em várias
partes do mundo provocaram críticas numerosas do modo de vida fordista.

Formas embrionárias
Termo usado por Robert Kurz (Antieconomia e Antipolítica) para designar a
constituição de formas sociais antagônicas e emancipatórias* dentro do sistema
produtor de mercadorias*. Poderia incluir desde as formas de resistência e crítica
teórica até as formas de produção e consumo para além desse sistema.

Fundamento

Humanismo

Idealismo

Filosofias que pressupõem que a Consciência e a Razão precedem o ser, a realidade


efetiva, formando um mundo à parte, racional em si mesmo, constituindo e
determinando a realidade efetiva. Torna-se assim, um fundamento ontológico a priori,
possuindo todos os defeitos da ontologia e da metafísica.

Ideologia

O lado espiritual-discursivo da reprodução do fetichismo da mercadoria*. Enquanto


discurso preso à lógica da identidade, a ideologia é uma tendência à abstração
idealizante e parcial do processo econômico-social ou, ainda, uma tendência científica
(de base positivista*) à naturalização completa da totalidade* deste processo social de
alienação e coisificação, realmente produzido pela lógica da valorização do capital*.

No tradicional conceito de ideologia do marxismo sempre apareceu a noção de uma


mistificação de classe, forjada por um grupo de ideólogos relativamente isolados da
práxis pela divisão do trabalho – um véu discursivo que se antepõe e oculta a
totalidade* essencial das coisas, legitimando a sociedade existente (o interesse de uma
classe se apresentando como interesse geral). É, portanto, o discurso de uma "aparência
socialmente necessária": uma visão de mundo necessariamente classista, presa nas
superfícies do processo social, incorreta e parcial pois incapaz de concebê-lo e narrá-lo
na sua integridade prática. Mas isso não por déficit de universalidade ou generalidade,
ao contrário – antes por excesso, ou seja, por falta de concretude e materialidade
histórica das representações. Como aparência necessária também era menos uma
vontade de manipulação do que uma "consciência falsa" inerente à posição de classe.
Neste sentido, Marx reservava o termo à religião e à filosofia idealista*, a hegeliana e
suas derivações alemãs em particular; alfinetava assim, sobretudo, suas abstrações
fraseológicas morais transcendentes, que não davam quase nenhum sinal do processo
econômico "real". Este era posto, então, como a base real de onde emana o discurso
ideológico, o que significa que para os comunistas não bastava combater um discurso
mas a práxis que lhe dá sustentação necessária. Ideólogo por excelência é o que
combate apenas idéias e não a prática existente que as constitui.

"Esta soma de forças de produção, de capitais, de formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e
cada geração encontram como algo dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos representaram
como ‘substância’ e ‘essência do homem’, aquilo que eles endeusaram e combateram (...). A dissolução
real, prática, desta fraseologia, a remoção destas representações da consciência dos homens, só será
efetivada por circunstâncias alteradas e não por deduções teóricas" (Marx e Engels, A ideologia Alemã (I-
Feuerbach). São Paulo, Hucitec, 1984, pp.56 e 59).
Em si mesma, porém, a ideologia não era totalmente falsa, pois conceitos genéricos
como homem, autoconsciência ou liberdade não eram em si mesmos puro engodo, mas
apenas abstratos e fantasiosos face à "miséria alemã": inverdade era apenas a sua
pretensão de corresponderem à prática efetiva. A crítica da ideologia era então
concebida como crítica imanente* de fraseologias idealistas do tipo "o homem" ou "o
espírito absoluto" faz a história (e não o processo material de produção), i.é, crítica das
especulações filosóficas sem lastro social, visando suprimi-las e, assim, realizá-las
("supressão e realização da filosofia"). A crítica da ideologia, em suma, era um ataque
às visões de mundo genéricas e utopias* morais que não levavam em conta o processo
econômico real enquanto tal, mas simplesmente projetavam lógicas subjetivas na
história social. Se há um momento de verdade na ideologia, no entanto, na prática ele é
quase insignificante: é que a Ideologia Alemã reduz todos os pressupostos lógico-
conceituais a meros fatos genéricos com interesse limitado apenas na "ordenação do
conhecimento". Daí também, a recusa historicista (nominalista e mesmo pragmática)
quase total da lógica conceitual hegeliana, dos pressupostos conceituais do discurso
crítico, apesar do uso do termo hegeliano "superação" *:

"O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade
efetiva terá que se dirigir. Denominamos comunismo o movimento efetivo que supera o estado de coisas
atual" (ibid. p.52).

O proletariado vive, no entanto, segundo a Ideologia Alemã, em meio das idéias


dominantes da sua época, tal como reproduzidas pela classe dominante. Não obstante,
teria em suas mãos, em larga medida, a arma objetiva para furar a nuvem ideológica
filosófica liberal; nesse sentido, a economia política e sua crítica era o antídoto à
ideologia:

"Para a massa de homens, isto é, para o proletariado, tais representações não existem e não necessitam,
portanto, ser dissolvidas, e embora esta massa ainda tenha representações teóricas desse tipo, tais como a
religião etc., há muito tempo estas foram dissolvidas pelas circunstâncias" (ibid. p.59).

A ideologia, enquanto discurso relativamente autônomo de uma classe intelectual


dominante, teria assim seus dias de alienação* contados. Pois o proletariado, pela sua
posição objetiva no processo de trabalho, estaria mais ou menos imune a ela: a própria
modernização se encarregaria de derrubar as quimeras idealistas.

[No entanto, no marxismo tradicional (Lenin, Stalin, Gramsci) e na sociologia do


conhecimento alemã (Karl Manheim), confundiu-se o conceito de ideologia com
"interesses de classe": surge assim a noção de ideologia proletária, ideologia
camponesa, ideologia burguesa etc.]

***

Em certo sentido, o marxismo da Ideologia Alemã é positivista* ou no mínimo um


materialismo histórico* vulgar que reduz tudo ao plano econômico empírico: "ali onde
termina a especulação, na vida real, começa também a ciência real, positiva, a exposição
da atividade prática, do processo prático de desenvolvimento dos homens (..) A filosofia
autônoma perde, com a exposição da realidade, seu meio de existência" (ibid. p. 38). E
ainda: "todo problema filosófico resolve-se simplesmente num fato empírico" (ibid.:
p.68).
É só no discurso marxiano da maturidade – o da crítica da economia política – que a
história vai ser apresentada com a armação lógico-conceitual da dialética*. E é aqui que
o conceito de "fetichismo"* tende a completar ou superar a noção de ideologia. Pois
aqui, o reino do abstrato é tanto espiritual quanto real: a média abstrata do tempo de
trabalho social realmente se impõe por trás das costas dos indivíduos como aparente
força natural. Isto tem múltiplas conseqüências para o conceito de ideologia.

1) A forma-mercadoria ou forma-valor, inicialmente mera aparência (troca de


equivalentes na circulação simples), torna-se fundamental e se inverte, na produção
capitalista de mercadorias, negativamente em essência (troca de não-equivalentes na
exploração da mais-valia e produção do capital). A ideologia assim é apenas o lado
espiritual da reprodução do fetichismo da equivalência dos trabalhos. Em certo sentido
(dialético), os ideais normativos da equivalência geral (justiça e igualdade social), da
liberdade individual do sujeito (da livre iniciativa e concorrência) e da associação
fraterna dos sujeitos (cidadania, Estado democrático) já se realizaram. São frutos
derivados da exposição dialética da forma-valor. Se assim é, não se trata mais de
realizar a filosofia iluminista*, burguesa e liberal (igualdade, liberdade, fraternidade)
mas de suprimir a sua falsa realização. Não que o discurso ideológico tenha
desaparecido portanto, mas se descobre agora que a "ideologia" estará operando, por
assim dizer, no interior do próprio processo produtivo do capital, como "sujeito
automático", na célula da própria socialização radical feita pelo mercado. O maior
ideólogo e crítico de si mesmo é a força violenta e negativa do capital: o sujeito que
destroça tudo que é sólido: ética, tradição, pensamentos bem fundados ou utopias,
planos políticos, inclusive capitais menos produtivos etc. Os homens apenas
reproduzem passiva ou ativamente, com suas representações imanentes ao sistema, as
diferentes e contraditórias posições do movimento do capital.

2) A verdade discursiva (e a inverdade real) está no todo do processo contraditório de


valorização (apresentado e narrado inicialmente por Marx). O proletariado, assim,
distante de ter a arma intelectual objetiva ou, digamos, o acesso privilegiado à totalidade
para furar a nuvem ideológica, está inserido no cerne do processo ideológico-fetichista
da valorização: é obrigado a pensar por equivalência, se comportar produtivamente,
concorrer entre si no mercado, lutar por status etc. No processo de modernização, o que
se dissolve para ele são as idealizações filosóficas mais especulativas de uma vida
autônoma no reino do espírito. Aparentemente, o "proletariado" – a forma mais
miserável do sujeito burguês – tem a tendência ao pragmatismo, ao realismo político, ao
individualismo possessivo, que acaba por dissolver a própria noção de classe e interesse
de classe. O sofrimento coletivo é sublimado ou reprimido/deslocado (Freud) como
questão psíquica individual.

3) Deste modo também, não é simplesmente mais uma classe onipotente que pensa de
forma incorreta a totalidade do processo e domina a sociedade com suas idéias, brotadas
de sua "falsa consciência", ou mesmo através de planos maquiavélicos conscientes, mas
é o próprio processo social autonomizado que é cego e dominador em si mesmo,
criando a necessidade de sujeitos que pensem processos estratégicos de dominação
individuais, grupais ou de classe. O processo ideológico torna-se assim muito mais
contraditório, obscuro e difícil de captar em seus múltiplos aspectos e interesses. Em
certo sentido, a economia política clássica, com status científico, como em Smith e
Ricardo (diferente da mera apologia da economia vulgar), mostra positivamente as
coisas "como elas realmente são": "como relações coisificadas entre as pessoas e relação
social entre as coisas" (Marx). Esclarece realmente processos, embora de forma
limitada. Desta perspectiva, o pensamento fetichista é o pensamento correto (positivista)
de uma práxis falsa. O problema é que, ideologicamente – aí o interesse do conceito de
ideologia – ele transforma a coisificação fetichista num processo totalmente natural e
intransponível.

4) Ideologia não é mais questão, também, de uma consciência intelectual que têm certa
autonomia frente à práxis econômica, mas de uma práxis economicista usurpadora,
materialista vulgar, que vai ganhando autonomia completa frente à consciência dos
homens em geral, cindindo e determinando todos os níveis da vida moderna (política,
arte, direito, moral, religião, família, gêneros, psiquismo etc.).

5) Por fim, não se trata mais de ideais éticos e morais subjetivos que não têm
correspondência prática efetiva, mas de uma práxis tautológica, fundada no trabalho
abstrato, que anula sistematicamente as tentativas de normatização e legitimação social
exteriores, se colocando como sentido de si mesma (o trabalho com fim em si mesmo),
exigindo instituições, comportamentos e rituais de obediência incondicional às leis da
valorização do valor e suas derivações ou mediações políticas, morais etc. (Pode-se
pensar, assim, por exemplo, em ideologias filosóficas, políticas, artísticas, religiosas etc.
que reproduzem e adaptam em graus diferentes as coerções da realidade fetichista).

6) Mas, mesmo que se tenha consciência do fetiche coisificado e automático, ele


continuará operando e se reproduzindo. Como Marx já tinha proposto para o conceito de
ideologia, somente a prática social transformadora, para além do trabalho e da
mercadoria, pode suprimir a "aparência socialmente necessária".

Iluminismo

Keynesianismo

Nome dado à doutrina econômica desenvolvida pelo economista inglês John Maynard
Keynes. Em seu livro A teoria geral do emprego, do juro e da moeda (1936), defende
que o Estado deve intervir na economia capitalista com o objetivo de evitar crises como
a de 1929. Contraria-se, portanto, a tese liberal da supremacia do mercado, através dos
pesados gastos públicos na economia, especialmente nos setores com maior capacidade
de geração de emprego, tal como a construção civil. A experiência soviética de
planejamento estatal e o keynesianismo influenciaram muito a política econômica dos
EUA ("New Deal") na década de 30 e, mais tarde, no pós-guerra, ajudaram a consolidar
a ordem mundial através do chamado "Estado de Bem-Estar Social", principalmente nos
países desenvolvidos. Elevou-se ao máximo, assim, o fim em si mesmo irracional do
trabalho abstrato, a título de manutenção da estabilidade social, do crescimento e da
modernização.

O marxismo tradicional, com simpatias estatizantes, hoje se identifica como marxismo


neokeynesiano, contrapondo-se diretamente ao neoliberalismo monetarista. Alista-se
voluntariamente na reprodução da sociedade da mercadoria e do trabalho, agora em
trapos e farrapos, através da utopia da geração de empregos, do estímulo à economia
mercantil simples (micro-empresas, subempregos "regulamentados", popularização do
crédito), do planejamento e produção do espaço (infraestrutural, urbano, turístico-
hoteleiro etc.) e diversas outras atividades de simulação do valor (que postergam ao
máximo a sua realização como trabalho produtivo), dando estímulo ao crescimento
econômico nacional – aparentemente infinitamente sustentável pela dívida pública.

Marxismo Tradicional

Caracteriza-se pelas doutrinas do materialismo histórico*, pela ontologia* do trabalho e


do valor, pela crítica circunscrita à exploração e distribuição da mais-valia* e pela
relação positiva para com o processo de modernização*, que poderia ser supostamente
"controlado" ou "invertido" através da política* e da democracia estatista.

Materialismo

Filosofias que pressupõem que o ser, a natureza, os objetos materiais, a linguagem, as


relações sociais são dados objetivos anteriores ao mundo subjetivo, condicionando a
consciência e a prática social. Neste sentido, contrapõe-se a idealismo. O termo
"materialismo histórico" foi usado pelos marxistas tradicionais para caracterizar o
pensamento de Marx e Engels, baseando-se na doutrina do predomínio ontológico das
condições sociais objetivas (principalmente econômicas) sobre a consciência social.
Estabelecem-se assim as famosas teses do predomínio das forças produtivas (base)
sobre as relações sociais (estrutura) e a consciência (superestrutura jurídica, ideológica,
cultural) e a da história como a história da luta de classes e a sucessão de modos de
produção. O processo de trabalho é posto como fundamento trans-histórico do homem,
eternizando-se assim relações historicamente transformáveis. Neste sentido, o
materialismo possui todos os males de um pensamento historicamente necessário que
foi injustificadamente ontologizado (ver ontologia*). O próprio materialismo
"histórico", portanto, pode se tornar metafísico, um princípio doutrinário violento-
inviolável.

Mais-valia

Mobilidade do trabalho

Característica essencial da força de trabalho abstrato no moderno sistema produtor de


mercadorias: ser móvel, flexível, adaptável às demandas da valorização e acumulação
de capital. Implica a mobilidade do trabalhador tanto no sentido espacial (migrações)
quanto no sentido profissional (mudanças de emprego, de setor etc.) e formativo
(desqualificação e requalificação constantes etc.).

A força de trabalho no capitalismo se determina formalmente, segundo Marx, por uma


dupla "liberdade":
- liberdade para se vender no mmercado de trabalho;
- liberdade (despossessão) dos meios de produção fundamentais.

Essa dupla sujeição formal do trabalho ao capital é a razão de sua "mobilidade forçada",
sendo esta a condição fundamental da própria acumulação de capital. O conceito de
"mobilidade do trabalho" foi reconstruído pelo sociólogo francês Jean-Paul de
Gaudemar a partir desse desenvolvimento marxiano. Em seu sentido mais amplo, a
"mobilidade do trabalho" seria a flexibilidade imposta à mercadoria força de trabalho
através de seu uso capitalista. Este uso é sempre um "uso dos corpos", o disciplinamento
dos homens para torná-los trabalhadores no sentido pleno da palavra: meras "forças de
trabalho", simples "mãos-de-obra". Por isso Gaudemar fala na produção de "corpos
dóceis", seguindo Michel Foucault (Vigiar e Punir).
"A tendência geral", diz Gaudemar, é "produtivizar todo o trabalho, para fazer estender
pouco a pouco sobre todas as coisas a esfera do trabalho produtivo" (Mobilidade do
trabalho e acumulação de capital. Lisboa, Ed. Estampa, 1977, p.14). O conceito de
"trabalho abstrato"* implica a abstração e redução de todas as atividades humanas à
produção de mercadorias. O autor aponta assim o movimento histórico de deslocamento
do trabalho para as esferas de valorização do capital (a passagem da subsunção formal à
subsunção real do trabalho ao capital*) e os modos de intensificação e produtivização
desta mão-de-obra (a transição e a composição da mais-valia absoluta e mais-valia
relativa*). Nesse movimento os homens tiveram de aprender à força a ser flexíveis,
adaptáveis, móveis e indiferentes ao conteúdo concreto de sua atividade. "Ser móvel
quer dizer estar apto para os deslocamentos e modificações de seu emprego, no limite,
tão indiferente ao conteúdo de seu emprego como o capital o é em relação a onde
investe, desde que o lucro extraído seja satisfatório. Pouco importa o emprego, desde
que o salário recebido em troca seja satisfatório" (ibid., p.190).

A economia política clássica, segundo Gaudemar, sempre pressupôs de forma


naturalizada e reificada* a mobilidade perfeita da mercadoria força de trabalho,
associando-a à manutenção do equilíbrio econômico e ao aumento da produtividade em
geral. O autor indica como o Estado usa a mobilidade do trabalho como instrumento de
administração e adaptação da mão-de-obra disponível para os fins da acumulação:
incentivando ou vedando movimentos (i)migratórios, assegurando a produção de força
de trabalho (expropriação, acumulação primitiva) e reproduzindo diretamente as
condições de vida do trabalhador, controlando natalidade e mortalidade, regulando
jornadas e contratos de trabalho, desenvolvendo formação técnico-profissional
adequada ao capital, travando fluxos excessivos para o setor terciário etc. No limite
estamos com a administração da população trabalhadora como um todo, diante daquilo
que Foucault denominou "bio-poder". O trabalho tem de estar permanentemente
disponível para o uso do capital, desterritorializado, móvel, abstraído das condições
objetivas do trabalho (meios de produção), neste sentido, "sujeito"*, "livre como os
pássaros" (Marx). Interessante notar, no entanto, é como tal flexibilidade ou mobilidade
do trabalho aparece na superfície social (discurso ideológico) como direito do sujeito
trabalhador à livre locomoção, à liberdade de melhores condições de compra e venda de
sua força de trabalho etc.

A essa mobilidade forçada, segundo Gaudemar, podem contrapor-se estratégias de


contra-mobilidade, de auto-mobilidade ou imobilidade coletiva do trabalho: lutas
operárias contra as demissões, luta pela auto-gestão ou contra as formas de divisão
técnica capitalista do trabalho, lutas da imigração, lutas urbanas (contra despejos, recusa
de segregação espacial periférica, luta por melhoria nos transportes, etc.), lutas no
campo educacional (pela formação ampla e não puramente técnica e voltada para o
mercado), até o limite, talvez, da paralisação da produção capitalista - o salto do
continuum da história sonhado por Walter Benjamin.

Modernização

Na sociologia universitária marxista e seus parentes, foi admitida positivamente como


um conjunto de etapas sucessivas do desenvolvimento econômico-industrial e social
capitalista que levaria para além das sociedades rurais tradicionais. Guardava todo o
otimismo no progresso inexorável da humanidade. Para a crítica do valor, implica a
imposição social de todas as formas historicamente fundamentais da socialização pelo
valor*: trabalho, mercadoria, dinheiro, capital, política, Estado e as formas abstratas,
fetichistas ou mor(t)almente cínicas, do pensamento racionalista moderno (razão,
equivalência, identidade, verdade, fundamento, sujeito etc.). São todas essas formas
sociais modernas que perdem o seu referencial com o abalo da valorização do valor. Daí
a idéia de "colapso da modernização" (Kurz).

Ontologia

Positivismo

Forma de doutrina materialista vulgar, com origem na filosofia de Auguste Comte, que
tende a reduzir toda a realidade, inclusive a social e a psicológica, aos fenômenos
empíricos, sensíveis à observação e à experimentação, passíveis assim de serem
estudados com os mesmos métodos "objetivos" das ciências naturais. A realidade social-
natural coisificada é então constatada e aceita como algo dado e sujeito a leis naturais
regulares e previsíveis. O positivismo é uma forma de naturalismo cientificista,
engendrando a pior parte do Iluminismo autoritário e tecnocrático ao reduzir todas as
questões práticas (éticas) às deliberações pretensamente neutras da Ciência e da
Técnica. A realidade histórica e natural, caracterizada pela pluralidade, ambigüidade,
pelo devir, pelo conflito e antagonismo social (como no caso do capitalismo), é descrita
e catalogada em categorias fixas, isoladas e sem mediação, num processo sintético
arbitrário e externo à própria coisa. É a forma última do desencantamento iluminista do
mundo, totalmente inconsciente de si – o modelo "científico" da consciência fetichista.
No positivismo a teoria e a crítica dialética* são dispensadas como o último bastião da
metafísica. Elas são trocadas pela confirmação do realmente existente e pelo auxílio na
administração eficaz da maquinaria social. Daí seu lema clássico: "ordem e progresso".

O marxismo tradicional sempre teve um forte traço de positivismo, seja na recusa


abstrata da "negatividade dialética" do processo de valorização ou no seu inverso, na
admissão das leis da valorização como totalmente naturais, positivas e racionais do
progresso social; ou ainda, na solução de compromisso com tais leis: na repulsa pela
idéia de transformação radical do existente, tal como indicada por aquela dialética
(trocada assim pela administração "social-democrática" do capital, como originado no
marxismo de Kautsky).

Pré-história / história

Marx diferencia a sociedade burguesa como "a última forma antagônica do processo
social de produção" (...). Daí que com essa formação social se encerra a "pré-história da
sociedade humana" (Grundrisse). Segundo Marx, portanto, estaríamos em plena pré-
história* do homem - mais uma razão para aplicarmos o conceito de fetichismo, e todas
as suas selvagens conseqüências, às relações sociais modernas. A História começaria lá
onde a sociedade humana se emancipasse do sistema produtor de mercadorias*. O
conjunto pré-história e história corresponde ao esquema pressuposição/posição da teoria
dialética*.

Proletariado
Produtividade

Relação Teoria / práxis

Relação capital / trabalho (mais-valia)

Riqueza

A moderna sociedade do trabalho* foi a que mais produziu riqueza em toda a história.
Em Marx, o conceito de riqueza se contrapõe imediatamente ao valor, à forma-
mercadoria.

"A riqueza no modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de
mercadorias" (Marx, O Capital, Cap. 1, §1).

Riqueza é, em primeiro lugar, o conjunto qualitativo de valores de uso*, ou seja, o lado


material da forma-mercadoria, produto direto do trabalho concreto*. Mas tal riqueza é
medida pelo valor, portanto em mercadoria e dinheiro. O móvel do sistema é acumular
riqueza abstrata (valor). É assim que o trabalho passa a ser divinizado moralmente pois
é a fonte de toda a riqueza. Novamente o marxismo tradicional entronizou o trabalho
como a riqueza ontológica própria do homem.

Mas o próprio Marx, em especial nos Grundrisse, pressupõe que a riqueza deve se
libertar do valor e do trabalho: trata-se de realizá-la como riqueza das necessidades e
desejos humanos, riqueza da cultura e formação dos indivíduos, agora plenamente
diferenciados e autônomos, riqueza conseguida através do tempo livre e da reflexão
coletiva, para além do "reino da necessidade" da produção e seus objetos materiais.

Segunda natureza

Conceito hegeliano que servia para designar o "Espírito Objetivo", isto é, a Cultura
objetivada ou materializada nas obras e produtos feitos pela sociedade. A natureza
ganha assim forma humana, torna-se matéria dotada de consciência e intencionalidade,
pois não é mais puramente natural, mas objeto produzido, e, deste modo, é a "efetivação
do reino da liberdade" (Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, § 4). O meio
fundamental dessa objetivação social necessária e alienada do espírito, segundo Hegel, é
o trabalho humano (manual e intelectual), considerado como ontológico, próprio do
homem: restava então a superação (sublimação) dessa materialidade externa para o
Espírito se reconciliar consigo mesmo na Filosofia e no Saber Absoluto. O trabalho e
sua segunda natureza, portanto, é um momento alienado e falso, embora necessário, da
Verdade do Espírito.

No marxismo tradicional, a crítica desse último passo idealista de Hegel levou a uma
apologia "materialista" inocente da segunda natureza, na esteira da ontologia do
trabalho e do valor da economia política clássica e do próprio Hegel.

Na verdade, Marx usa o conceito de segunda natureza de modo crítico e irônico quando
fala em "leis histórico-naturais do desenvolvimento capitalista", em "leis objetivas"
(como a lei do valor) ou em coisificação* das relações sociais. Pois apesar de toda
atividade cultural produtiva conter um aspecto consciente e intencional, o resultado
histórico disso no capitalismo, regido pelo princípio da lei do valor e do lucro, é a
realização de um meio social totalmente inconsciente, violento, cego e desumano. A
produção não parte da discussão coletiva, mas dos interesses privados e isolados dos
produtores; a própria atividade humana torna-se trabalho* em seu duplo aspecto.

A "segunda natureza" passa a ser assim o "reino da necessidade", pois a sociedade


aparece realmente como o império da coerção social abstrata, impessoal, quase-objetiva
do fetiche da forma-valor. Na filosofia (ver ideologia*) e na realidade esta aparência se
petrifica em essência social ontológica, as abstrações históricas valem como realidades
fantasmagóricas que comandam os próprios produtores destas relações, a cultura se
torna segunda natureza imutável.

Sistema produtor de mercadorias

Conceito crítico mais geral procurando designar a moderna socialização pelo valor, isto
é, a constituição histórica de uma sociedade que funciona como se fosse uma máquina
cibernética fetichista* de produção de (mais-)valor, através do elo recorrente "trabalho-
mercadoria-dinheiro-capital-política". Aponta assim para além da crítica do
"capitalismo", pois coloca a base do capital na própria forma-valor (ou mercadoria) dos
produtos do trabalho. Existem, desta maneira, conceitos paralelos que enfatizam um ou
outro aspecto desse sistema: "sociedade burguesa", "sociedade da mercadoria",
"sociedade do trabalho", "sociedade capitalista", "sociedade de mercado e Estado", e,
em certo sentido, "modo de produção capitalista" ou "formação econômico-social
capitalista", entre outros. A idéia de sistema (totalidade*) aqui é crítico-negativa: como
objeto de crítica, a noção de sistema é irônica, pois é também o perfeito mundo caótico
das contradições sociais inconscientes e fetichistas*.

Teoria Crítica

Teoria que autolimita historicamente suas próprias condições de efetividade e validade


no tempo e no espaço, sabendo que, como diz Marx, o que importa é transformar o
mundo, sem adormecer na teoria tradicional, contemplativa, com pretensões
ontológicas positivas*, supostamente neutra e separada ideologicamente da realidade.
Ao mesmo tempo, não faz a simples apologia da práxis* social existente: sabe que a
transformação prática do mundo da mercadoria não se dará sem uma teoria
coerentemente sustentada como crítica imanente* deste mundo. Leva a sério, por isso, a
dialética da forma-valor* desenvolvida por Marx.

O termo originou-se do nome "Teoria Crítica da Sociedade" dado ao grupo que reuniu
pensadores europeus, nas décadas de 1930-60, na chamada Escola de Frankfurt
(Instituto para a Pesquisa Social): Horkheimer, Adorno, Pollock, Neumann, Marcuse,
Benjamin, Lowenthal, Grossman, Sohn-Rethel e outros. Dedicavam-se a uma leitura
mais filosófica e crítica do próprio marxismo tradicional* – aquilo que o filósofo
francês Merleau-Ponty denominou "marxismo ocidental". Colocaram, assim, o acento
na crítica do fetichismo das relações sociais, na esteira de Georg Lukács de História e
Consciência de Classe, mas, numa posição independente dos Partidos Comunistas,
anteviram os fenômenos de coisificação* da consciência do proletariado e de sua
integração na "sociedade administrada" (tecnocrática e positivista*), através da
formação daquilo que Adorno e Horkheimer chamaram de "Indústria Cultural" e das
políticas de pleno emprego do Estado forte do pós-guerra, o chamado "Estado
Autoritário" (nazi-fascista) e o "Estado de Bem-Estar Social" fordista*. Caíram, assim,
numa certa ilusão do "predomínio da política", isto é, das formas de "dominação" sobre
a mera exploração – historicamente bastante frutífera e justificada (tirando assim o foco
central da simples distribuição de mais-valia, escavando a história sombria do
Iluminismo* e da razão instrumental na gênese da forma-mercadoria e da
pseudoformação pela experiência degradada da sociedade do trabalho) – contudo, numa
posição mais ou menos irrefletida pela falta de uma crítica mais bem focalizada nos
desenvolvimentos subterrâneos contraditórios da forma-valor. Se hoje a integração feita
pelo alto fica interrompida dada a crise do valor agora tornada fenômeno da vida diária
(tal como eles mesmos chegaram a dizer no final dos anos 60), a questão do fetichismo
da mercadoria torna-se mais central do que nunca, tal como a Teoria Crítica
valentemente sustentou nos seus melhores momentos.

Terceira Revolução Industrial

O termo refere-se às novas tecnologias que surgem, sobretudo, a partir do final dos anos
70, com base nas pesquisas do chip microeletrônico, dando origem à informática e à
robótica. Além desses setores, surgem, atrelados, as novas telecomunicações (Internet,
celular), as novas pesquisas científicas da engenharia genética e da biotecnologia
(manipulação de genes a fim de produzir espécies de plantas e animais mais produtivos)
e as novas fontes de energia (nuclear, solar) e materiais (fibras óticas, cerâmicas, novos
plásticos etc.).

O conjunto destas novas tecnologias, regulado pelas novas formas de gestão pós-
fordista do capital (toyotismo, "just in time", produção "enxuta", "terceirização", quebra
de hierarquias internas à empresa, "qualidade total" etc.), promove um aumento máximo
da produtividade, racionalizando e economizando trabalho humano de modo
vertiginoso. As técnicas exigidas na produção social de mercadorias são cada vez mais
sofisticadas – chips, robôs, satélites, computadores, telefones celulares, laboratórios etc.
–, cujo conteúdo básico é informação, conhecimento, pesquisa e desenvolvimento
técnico-científico de um número restrito de cientistas e técnicos, financiados por
recursos públicos e privados. Tais foram os frutos contraditórios dos anos de guerra fria
(a própria tecnologia informacional surge das pesquisas bélicas e aeroespaciais) e
acumulação monopolista aparentemente estável.

As toneladas de mercadorias barateadas produzidas pelas tecnologias da Terceira


Revolução Industrial impulsionam como nunca a concorrência, a globalização produtiva
e financeira (ver capital-fictício*) e a aceleração contemporânea de todas as
transformações da vida social (desemprego, subemprego, flexibilização e qualificação
permanente do trabalhador etc.). Mas é este incremento capitalista das forças
produtivas* que promove, ao mesmo tempo, a crise da socialização pelo valor* e o
colapso da modernização*, forçando os homens a tomarem uma posição: ou libertar-se
do valor e do trabalho ou tentar reproduzi-los e simulá-los, deixando as forças
produtivas tornarem-se forças destrutivas.

Totalidade

Trabalho (abstrato-concreto)

Valor
Valor de uso

Conceito originário da economia política clássica que se referia à capacidade de um


bem de satisfazer necessidades humanas. O valor de uso é o aspecto material, concreto,
qualitativo e utilitário da mercadoria. O outro aspecto da mercadoria é totalmente social,
abstrato e quantitativo: o valor* (de troca). Após serem vendidas, mercadorias como
ferro, papel, madeira ou edifício servem para atender necessidades humanas. Donde a
falsa positividade que ganhou tal conceito no marxismo tradicional, tal como seu
conceito gêmeo, o "trabalho concreto" (ver trabalho*).

Ora, o valor de uso é apenas o lado concreto da forma-valor, seu suporte material e
forma de manifestação qualitativa, assim como o trabalho concreto é a forma de
manifestação qualitativa do trabalho abstrato. Isso significa que o valor de uso tende a
ser a plasmação material dos interesses lucrativos e destrutivos do capitalismo. É assim
que, por exemplo, o capitalismo produz mercadorias "úteis" (pois sempre funcionam
para algo) completamente absurdas, irracionais e destrutivas, de um ponto de vista
ecológico e social consciente (armamentos, alimentos transgênicos, a própria cidade
capitalista com sua enorme quantidade de vias impermeabilizadas, automóveis, latas de
cerveja, piscinas privadas, prédios horríveis, bairros miseráveis etc.). Nenhum bem ou
riqueza produzido como mercadoria fica intacto ou isento da qualidade adulterada pela
forma-valor, pelo interesse trapaceiro e mesquinho do lucro. A técnica da
"obsolescência programada" dos produtos – mercadorias feitas para quebrar em pouco
tempo – há muito passou a ser a base da produção nas grandes empresas, da mesma
maneira como a organização concreta do processo de trabalho nas empresas contém, em
sua estrutura técnica planejada, várias determinações coercitivas do trabalho social
abstrato: a organização concreta dos postos de trabalho (esteira rolante, ritmos velozes
de produção, esquema de vigilância e disciplina, extrema divisão do trabalho etc.) visa
especificamente ao controle do funcionário, ao aumento máximo da produtividade e do
lucro.

Da mesma forma, o valor de uso não é qualquer "bem" inocente que é simplesmente
"apagado" ou momentaneamente "suspenso" pelo valor de troca na hora da compra e
venda para então ressuscitar intacta e livremente na casa de seu feliz comprador, mas,
ao contrário, uma figura histórica moldada diretamente pelo valor abstrato desde sua
origem. Trata-se então de criticar a própria materialidade técnica e qualitativa do mundo
produzido pelo trabalho mercantil moderno, pois esta materialidade é apenas uma das
potencialidades da técnica conquistada pela humanidade: até hoje a mais desastrosa para
o homem e a natureza. Um outro mundo material, uma outra técnica, outras
necessidades humanas poderiam ser desenvolvidas para além da forma-valor.

Valor de troca

por Cláudio R. Duarte

Вам также может понравиться