Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
DIREITO
ANÁPOLIS – GO
2018
FACULDADE EVANGÉLICA RAÍZES
DIREITO
ANÁPOLIS – GO
2018
FACULDADE EVANGÉLICA RAÍZES
DIREITO
______________________________
Ana Paula
______________________________
Professor convidado
______________________________
Professor convidado
ANÁPOLIS – GO
2018
Aos meus pais, amigos, colegas e
principalmente orientadora, que
fizeram parte desse processo
acadêmico, que evoluiu este que
por tal trabalho é autor.
Não se pode percorrer duas vezes o
mesmo rio e não se pode tocar
duas vezes uma substância mortal
no mesmo estado; por causa da
impetuosidade e da velocidade da
mutação, esta se dispersa e se
recolhe, vem e vai.
Heráclito de Efeso
RESUMO
Este trabalho tem por fim analisar a teoria geral dos contratos, em suma, estudando a teoria do
adimplemento substancial e sua aplicabilidade no meio jurídico brasileiro, esclarecendo seus
requisitos, funcionalidade e importância na atualidade; uma vez que se trata de uma hipótese
provinda de um sistema legal estrangeiro,cujo judiciário se baseia em costumes e em análises
de casos concretos - cuja motivação das decisões é desprendida de qualquer codificação
positivada -, em si, tal teoria não foi totalmente inserida no ordenamento jurídico pátrio, pelo
menos não compilada em lei, tendo por esse fim, que se discutir a visão dos juristas e
operadores do direito em sua relação, em especial, quanto sua afetação nos contratos de
alienação fiduciária e sua relação à economia estatal. Ponderando entre os princípios
contratuais da equidade econômica entre as partes, função social do pacto, boa-fé objetiva e
afim, bem como o uso do bom senso na utilização de tal benesse, objetivando sua manutenção
e não desvirtuação.
Palavras-chave: Contratos, Adimplemento Substancial, Teoria, Economia, Princípios,
Alienação Fiduciária.
ABSTRACT
This monografy aims to analyze the general theory of contracts, basically, studying the theory
of substantial performance and its applicability in the Brazilian legal environment, clarifying
its requirements, functionality and importance at the present time; since it is a hypothesis
derived from a foreign legal system, whose legal system is based on customs and concrete
case analyzes – whose motivation for decisions is detached from any positive codification -,
in itself, such theory has not been fully inserted in the legal order, at least not compiled by
law, having for this purpose, to discuss the view of lawyers and legal operators in their
relationship, in particular, how much their affectation in fiduciary alienation contracts and
their relation to the state economy. Pondering between the contractual principles of economic
equity between the parties, social function of the pact, objective good faith and affine, as well
as the use of common sense in the use of such benesse, aiming at its maintenance and not
distortion.
Keywords: Substancial Performance, Contracts, Theory, Fiduciary Alienation, Principles.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
1. DOS CONTRATOS E SUA RELEVÂNCIA HISTÓRICA ........................................... 12
1.1. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS .................................................. 12
1.2. DOS PRINCÍPIOS CLÁSSICOS ................................................................................... 15
1.2.1. Princípio da Autonomia da Vontade e Liberdade Contratual ................................. 15
1.2.2. Princípio da Força Obrigatória dos Contratos ......................................................... 16
1.2.3. Princípio da Relatividade dos Contratos .................................................................... 17
1.3. DOS PRINCÍPIOS MODERNOS .................................................................................. 18
1.3.1. Princípio da Função Social dos Contratos ................................................................. 18
1.3.2. Princípio da Boa-Fé Objetiva ...................................................................................... 19
2. DA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ............................................................................ 21
2.1. DA PROPOSTA E ACEITAÇÃO ................................................................................. 21
2.2. LUGAR DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO.......................................................... 22
2.3. ELEMENTOS CONTRATUAIS ................................................................................... 22
2.3.1. Elementos Subjetivos.................................................................................................... 23
2.3.2. Elementos Objetivos ..................................................................................................... 24
2.4. DOS CONTRATOS PRELIMINARES ........................................................................ 25
2.5. DA EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ........................................................................... 26
3. DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL ................................................ 30
3.1. ORIGEM HISTÓRICA .................................................................................................. 30
3.2. DO INSTITUTO DA SUBSTANCIAL PERFORMANCE ......................................... 31
3.3. DA APLICAÇÃO DA TEORIA NA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA
.................................................................................................................................................. 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 42
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 44
9
INTRODUÇÃO
Ou como Carlos Roberto Gonçalves (2009, pág. 02) define, “contrato é uma
espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos
duas partes”; ainda seguindo essa linha de pensamento como traz Maria Helena Diniz (2009,
pág 11), o contrato nada mais é do que uma “espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral
ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, de encontro da vontade das partes, por ser
ato regulamentador de interesses privados”.
Como supramencionado, seguindo a lógica dos conceitos, é nítido que o contrato
foi de grande valia para o desenvolvimento das sociedades em geral, evoluindo na medida em
que as mesmas cresciam, tendo elementos, conceitos e princípios adicionados em seu bojo ao
longo do tempo, inovações essas que fizeram tal preceito ser o que é hoje, algo imprescindível
para o Estado; assim como demonstra Lisboa (2013, pág 45):
In casu, a história contratual teve seu início junto às primeiras sociedades, porém
não há como “se indagar e identificar o preciso momento histórico em que na organização
13
A palavra 'contractus' significa unir, contrair. Não era o único termo utilizado em
Direito Romano para finalidades semelhantes. Convenção, de 'conventio', provém de
'cum venire', vir junto. E pacto provém de 'pacis si', estar de acordo.
Seguindo essa premissa, o sistema feudal era regido por contratos, que
basicamente eram uma espécie de “juramento de fidelidade” que controlava todo o acordo
entre o senhor feudal e os vassalos – o faziam por meio de rituais e cerimonias, pois a escrita
era algo realmente muito restrito e limitado nesse período. O aperfeiçoamento desse contrato
se dava com “a entrega do benefício, do feudo ao vassalo. Geralmente o senhor entregava-lhe
um objeto como símbolo de feudo outorgado. Este benefício dado ao vassalo quase sempre
era sinônimo de uma porção de terra, porém poderia também ser um castelo sem terras em
volta, uma portagem (tributo que se paga por carga e passagem), uma magistratura, etc.”
(CASTRO, Flávia Lages, 2007).
Até então, o contrato por si, fazia parte do ramo do direito das obrigações, não
possuindo sequer uma teoria geral; por exemplo, como supramencionado, no direito romano
as actiones não comportavam uma figura genérica a que se conduzissem, por subsunção, as
espécies contratuais. Se o magistrado não admitia a actio para determinadas convenções, elas
simplesmente não existiam como contratos, eram pactos nus (LÔBO, Paulo, 2014). O Código
Napoleônico foi a primeira grande codificação moderna – termo este utilizado por se tratar do
período do direito moderno (século XIX em diante) – e com isso, trouxe consigo uma grande
evolução no que diz respeito ao âmbito contratual, como ensina Lôbo:
Desse modo, para que não haja esse prevalecimento de forma onerosa, como
Villaça expõe, deve-se clausular todos os interesses pertinentes ao contrato de ambas as partes
em pé de igualdade, de modo a tentar ao máximo clarear a norma de que 'o direito de um
contratante vai até onde se inicia o direito do outro'; visto que na prática, a parte
economicamente mais forte, tende a diminuir a área de atuação do direito da parte mais fraca,
deixando-a assim, juridicamente desprotegida - caso em que muito se ocorre atualmente em
alguns contratos de adesão (como seguros, empréstimos bancários, etc), e que para tal, há o
princípio do equilíbrio contratual, que será tratado mais posteriormente.
Conclui-se que o princípio da autonomia da vontade, tem como fundamento, um
certo 'desligamento' do Estado (lato sensu) em função às relações contratuais privadas, não
podendo o mesmo intervir – de modo geral - nesses pactos, somente em casos de contradição
à própria legislação. Ao mesmo tempo, há o “Princípio da Prevalência da Ordem Pública”,
trazendo em seu bojo que a vontade individual não poderá ferir a vontade coletiva (a vontade
do Estado), havendo assim a predominância da ordem pública, que resta suprema
(AZEVEDO, Álvaro Villaça, 2009); quedando assim, de frente ao Princípio da Autonomia da
Vontade (de certa forma que também auxilia o mesmo preceito principiológico), como explica
Azevedo (2009, pág 13):
Tomado ipsis litteris, tal princípio poderia ser de certa maneira injusto, visto que
manifesta-se especialmente na imodificabilidade ou intangibilidade dos termos do contrato,
seria um instrumento muito forte de opressão econômica, desse modo, tido o mesmo alterado
com o passar do tempo, particularmente sob a égide dos ideais liberalistas do século XIX, não
sendo admitido que o mesmo fosse tratado de forma absoluta.
Atualmente, há mecanismos jurídicos que possibilitam um maior equilíbrio
contratual, como o princípio da imprevisibilidade (ou teoria da imprevisão) ou ainda, cláusula
rebus sic stantibus (do latim, estando assim as coisas), que representa uma exceção ao
princípio da força obrigatória dos contratos, regendo que o mesmo pode ser revisado e
alterado por força de algum acontecimento imprevisto que possa causar excessiva onerosidade
à uma das partes, como diz Pamplona e Stolze (2017, pág 79):
dignidade da pessoa humana, bem como os “princípios sociais dos contratos" – ou princípios
contratuais modernos (2017, PAMPLONA e STOLZE), que serão tratados a seguir.
Tal preceito é tão importante, que como já dizia Clóvis Beviláqua, em se tratando
de função social, o dever de manter a própria palavra é uma das maiores conquistas da
19
Como visto, o contrato veio mudando e evoluindo com o passar do tempo, tendo
em sua bagagem uma vasta carga histórica, carga esta que possibilitou um sutil rompimento
do direito das obrigações (diz-se 'rompimento' porque até certo período os contratos não
possuíam uma tese apartada, sendo inteiramente englobada no capítulo dos direitos das
obrigações, mesmo ainda fazendo parte do mesmo livro na codificação civil brasileira) e
criação de uma requintada teoria geral contratual, cujo foco se dá quanto a formação
contratual, tendo apoio no âmbito da doutrina brasileira para uma explicação didática, desde
sua concepção até sua extinção, bem como a conceitualização de asserções necessárias para o
percebimento do presente tema – a teoria do adimplemento substancial.
(...) forma-se o contrato, enquanto ato bilateral, pelo encontro concordante de duas
declarações de vontade, podendo essa manifestação ser expressa ou tácita. Assim, a
proposta do proponente (policitante) aceita por quem a mesma foi dirigida (oblato)
forma o contrato, (...).
Como supra explicitado e de acordo com a legislação brasileira (artigo 427 e ss,
Código Civil) haverá três fases para a formação de qualquer contrato – a oferta, o
conhecimento pela outra parte interessada e o encontro de vontades das mesmas -, podendo
ser expressos - Que pode se revelar por palavras, tanto de forma verbal, quanto escrita, por
instrumento público ou particular (dependendo do caso, até mesmo por gestos) - ou tácitos -
22
Quando o agente age em conformidade com o negócio entabulado, demonstrando ter aceitado
a proposta -, este último, diferente do silencio (ou não demonstrar nada), que é, nem declínio,
nem aceitação da proposta – aquela máxima que diz que “quem cala consente”, juridicamente
não vale absolutamente nada – não constituindo por fim o pacto.
Mas há, contudo, exceções à regra, contratos nos quais não bastam tão somente os
três passos descritos anteriormente, como exemplo, existem os contratos reais, que necessitam
da tradição do bem para que haja o aperfeiçoamento do negócio jurídico – tais como os
contratos de comodato, depósito, doação, compra e venda e etc. (MELO, 2014, pág. 37).
É legítimo às partes, por força dos princípios contratuais – tal como o da primazia
das vontades entre as partes -, bem como com a Codificação Civil Brasileira em seu artigo
435 – “Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.” – proporem o local
em que será celebrado o negócio, sendo considerado para fins jurídicos o mesmo como o local
do contrato. Tal determinação influencia na competência de julgamento em uma possível
propositura de ação futura.
Para além do local que haverá o pacto, é permitido às partes convencionarem
acerca de um “foro de eleição”, foro este que deverá julgar as ações futuras (caso em que haja
alguma), independente do local do contrato, como explica Nehemias Domingos (2014, pág.
37):
Vale ressaltar que, de acordo com o artigo 9º, § 2º da Lei de Introdução às normas
do Direito Brasileiro (Decreto-lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942) é incisivo ao asseverar
que, no âmbito do Direito Internacional Privado, “a obrigação resultante do contrato reputa-
se constituída no lugar em que residir o proponente”; nesta feita, se um brasileiro contrata
com um italiano (sendo o brasileiro o proponente), por exemplo, será aplicada a legislação
brasileira para o negócio (AZEVEDO, 2009).
Desse modo, em observação às palavras de Caio Mario (2017), não se requer, tão
somente, aquela capacidade genérica, que sofre as restrições contidas nos arts. 3º e 4º do
Código Civil; exigindo até que nenhuma das partes seja portadora de inaptidão específica para
contratar, tal como é descrito pelo mesmo autor:
indicar, será necessário forma específica, sob pena de nulidade do ato jurídico, como visa o
artigo 166, IV do mesmo dispositivo legal.
(...) em muitos casos, o ajuste entre as partes é conseguido mediante laboriosa fase
pré-contratual, em que os interessados, de transigência em transigência, vão
eventualmente chegando a um acordo final. (...) Em rigor, se as partes se
encontraram ainda na fase de negociações preliminares, por definição mesmo não
contrataram, não se havendo estabelecido entre elas, desse modo, qualquer laço
convencional. (...) De maneira que, se no curso do debate uma delas apura o
inconveniente do negócio, é justo que dele deserte, recusando-se a prestar sua
anuência definitiva. Nenhuma responsabilidade lhe pode daí advir, pois as
negociações preliminares ordinariamente não obrigam os contratantes.
partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu
perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o
equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”, e a súmula
412 do STF, mais especificamente aos contratos de compra e venda, in verbis, “No
compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por
quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a
título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.”; seguindo as
mesmas normas de qualquer outro contrato, com a única diferença do objeto, que por ser um
contrato acessório, segue dependendo do principal para existir.
Nesse tocante, de forma resumida, para uma boa assimilação do presente assunto,
dividir-se-á a extinção em três partes: extinção por cumprimento pactual – que pode ser
instantâneo, diferido ou continuado -, extinção por fatores anteriores à celebração – que
podem gerar nulidade, anulabilidade ou ineficácia ao pacto – e por fatores posteriores –
motivo de resolução, resilição, cessação ou caducidade contratual -, esses últimos,
geralmente, sendo extintos judicialmente.
No que concerne aos fatores anteriores à celebração pactual, são os que afetam a
validade ou a eficácia do contrato, que de alguma maneira infringem normas imperativas,
sendo nulos, anuláveis e/ou ineficazes – como, por exemplo, anulação por vício de defeito
27
A cessação é quando ocorre a morte de uma das partes, que em regra, no direito
contratual, não extingue o mesmo, exceto os casos de serem acordos personalíssimos (intuitu
personae), fato o qual torna tal ocorrido como incapacidade superveniente de cumprimento
pactual; de certa maneira, não é possível afirmar-se que resolve o contrato, mas impossibilita
sua execução, ou faz cessá-la definitivamente (daí o nome de tal instituto), desta maneira, não
pode ser considerada inexecução involuntária, porque seus efeitos não se igualam aos do caso
fortuito. Não se justifica, também, enquadrá-la entre as causas de resilição, como procede a
doutrina francesa, pois a resilição se caracteriza por ser conseqüência de manifestação da
vontade de um ou dos dois contratantes (GOMES, 2007, p. 227).
E, por fim, a resolução, o meio de extinção que enseja à teoria em análise no
presente trabalho; é a inexecução do contrato por uma das partes, podendo ocorrer por:
inexecução voluntária, involuntária e por onerosidade excessiva. Basicamente, trata-se de um
“remédio jurídico” que a parte prejudicada se vale para terminar o acordo.
Na primeira hipótese, quando há inexecução voluntária (com dolo ou culpa em
inadimplir), haverá responsabilidade civil contratual pelas perdas e danos e,
28
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Cassettari (2013, pág. 259) em suas
palavras explica tal instituto como:
cabe a exceptio rite adimpleti contractus - quando não cumprido corretamente, de maneira
inexata, defeituosa e divergente da obrigação pactuada - onde a outra parte também não será
obrigada a cumprir a dela. E em ambos os casos, podem ser excluídas por cláusula expressa
denominada solve et repete (paga e depois pede). Disposto nos arts. 476 e 477 do CC, exceto
no que tratar de contratos de adesão - art. 424, CC – (CASSETTARI, 2013, p.259).
30
(…) a prestação principal já havia sido adimplida substancialmente, razão pela qual
não se admitiu o direito de resolução, com a perda do que havia realizado o devedor,
sendo devida a contraprestação por parte do credor que consistia no pagamento do
preço pela transação efetuada. Ao credor coube apenas o direito de indenização em
relação à parte mínima descumprida, por ter sido considerado, no caso, o direito de
resolução como abusivo.
Esse caso consistiu no ajuizamento de um processo de cobrança em que Boone, na
qualidade de autor, demandou contra Eyre, pois este atrasou o pagamento estipulado
no contrato. O contrato firmado estabelecia a obrigação de Eyre do pagamento de
500 libras e uma renda anual de 160 libras a Boone desde que este transferisse a
propriedade de uma plantação nas Antilhas, inclusive com os escravos trabalhadores
naquela terra, garantindo seu domínio e posse pacíficos durante todo o período em
que Eyre fosse proprietário. Ocorre que Eyre atrasou o pagamento, sob o
fundamento de existir um descumprimento da obrigação por parte de Boone, uma
vez que os escravos haviam se evadido do local. Esse argumento foi refutado por
Boone, que estava cobrando, em juízo, o que tinha de direito: o valor combinado
pela renda anual.
hermenêutica jurídica quanto aos negócios analisados, como explica Lys Porto (2009, pág.
83):
Enquanto a obrigação pode ser realizada e continua proveitosa para o credor, está-se
diante da mora ou inadimplemento relativo; a partir do instante em que a execução
da obrigação torna-se inviável ou inútil para o credor, está-se diante do
inadimplemento absoluto. (...)
É de se consignar que a utilidade ou inutilidade da prestação depende dos termos do
contrato e das circunstâncias do caso concreto. Não se reconhece ao credor direito
potestativo de recusar a prestação posteriormente ofertada pelo devedor em se
1 Art. 395: Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores
monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único: Se a
prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e
danos.
34
Nesse sentido, o uso da teoria não é uma prática excessivamente abusiva para
nenhuma das partes, sendo pelo contrário, um meio de trazer equilíbrio das partes, devendo
este ser buscado a todo instante, “de modo que o devedor não seja encarado como um lacaio
cujo primeiro e último dever consista em anuir com todos os propósitos satisfativos do credor
a qualquer custo e por qualquer meio” (FURTADO, 2014), sendo tal afirmação baseado não
só no princípio da igualdade contratual, como na função social do contrato e boa-fé objetiva,
princípios estes basilares para o tema deste trabalho, como explica Gabriel Rocha:
exemplo, entende que quitados 85% no financiamento é causa para afastar a extinção de ação
de busca e apreensão (TJ-MG - AC: 10191130018838001), já o TJ/AM bem como a 1ª
Câmara Cível do mesmo Estado, também em sede de Apelação Cível entende que o
pagamento de apenas 75% do valor do contrato já é o suficiente (TJ-AM - APL:
06022155520138040001 AM 0602215-55.2013.8.04.0001).
A grande adversidade em foco é a última decisão do STJ no tocante à utilização
da teoria nos processos de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária (regidos pelo Decreto-
Lei 911/69); O caso era, o consumidor pagou 44 parcelas de 48, cumprindo, assim, cerca de
91% do pacto, mas não conseguiu adimplir por completo o mesmo, motivo pelo qual foi
composto no pólo passivo de uma ação de busca e apreensão, cujas decisões em instancias
inferiores (1º e 2º grau) foram protetivas, porquanto não permitiram a apreensão do bem;
tendo a instituição financeira então recorrido, e no RECURSO ESPECIAL Nº 1.622.555 -
MG (2015/0279732-8), sob a relatoria do Sr. Ministro Marco Buzzi, que defendeu a tese da
utilização do presente instituto nos demais processos, mas que teve seu voto vencido ante aos
demais ministros, Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze, os Srs. Antonio Carlos Ferreira,
Nancy Andrighi, Maria Isabel Gallotti, que votaram a favor do provimento, em prol da busca
do bem, provendo, desta feita, o recurso em acórdão que diz:
os princípios da boa-fé objetiva, função social dos contratos, vedação ao abuso de direito, e ao
enriquecimento sem causa; tendo em vista de que tal teoria não visa fazer desaparecer a dívida
não paga, afinal, permanece possibilitado o credor fiduciário de perseguir seu crédito
remanescente, valendo-se, inclusive, de instrumento ínsito na norma jurídica disciplinadora da
matéria, que oportuniza solucionar o conflito de modo eficaz e razoavelmente mais equânime.
Sendo que no caso prático, o credor escolheu a medida pelo meio mais gravoso para satisfazer
seu crédito.”, cuja decisão acolheu parcialmente o mérito, para que não se extingua o processo
sem resolução de mérito, mas sim, que se devolva os autos à origem, para que querendo, a
parte autora emendasse a petição inicial, tornando-a em ação de cobrança ou algo que
ressarcisse seu crédito de maneira menos gravosa ao devedor; entendimento este que foi
vencido pela grande maioria dos eméritos ministros.
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Antonio Carlos Ferreira e as Sras.
Ministras Nancy Andrighi, Maria Isabel Gallotti fundamentaram em seus votos que,
primeiramente, não se trata de caso de incidência do Código Civil, que tão somente é utilizado
nos casos de propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que sejam móveis infungíveis,
deste modo devendo-se utilizar apenas do DL 911/69, que por sua vez, não tece qualquer
restrição à utilização da ação de busca e apreensão, independente da extensão da mora ou da
proporção do inadimplemento (que pode ser ínfimo ou substancial), sendo expresso em exigir
a quitação integral do débito como condição imprescindível para que o bem alienado
fiduciariamente seja remancipado ao devedor; sendo, por conseguinte, deveras inadequado
exigir que o credor opte por outra via judicial menos eficaz, por estar sob a égide da
legislação e em pleno gozo de seus direitos de intentar ação de busca e apreensão, pois esta de
modo algum pretende extinguir a relação contratual, mas sim, tem o propósito imediato de dar
cumprimento aos termos do contrato, na medida em que se utiliza da garantia fiduciária
ajustada para compelir o devedor fiduciante a dar cumprimento às obrigações faltantes,
assumidas contratualmente, concluindo assim, que a presente teoria estaria sendo desvirtuada
em seu âmago. Por fim, dando provimento ao recurso, remetendo os autos ao tribunal de
origem para que prosseguisse com a ação de busca e apreensão.
Tal recurso não foi julgado pelo Rito de Recursos Repetitivos (Art. 1036 CPC)2, o
que denota que o uso de tal entendimento não é necessariamente obrigatório nos outros
2 Quando houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica controvérsia, cabe ao
presidente ou vice-presidente do tribunal de origem selecionar dois ou mais recursos que melhor representem a
questão de direito repetitiva e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça para afetação, devendo os demais
recursos sobre a mesma matéria ter a tramitação suspensa. Após o julgamento e publicação da decisão colegiada
38
tribunais, sendo de suma, facultativo a cada caso em análise, visto que por não ter gerado
precedentes indispensáveis, os outros casos podem possuir particularidades que gerariam
efeitos diversos aos julgados. Porém, o STJ, na grande maioria de suas turmas, utiliza desta
mesma concepção para o tema, que é da negativa de aceitação da teoria em função aos
processos de busca e apreensão, como demonstra a decisão monocrática do ministro Moura
Ribeiro da 3ª Turma, na Resp nº 1.655.078/TO.
Ele embasou seu julgamento no Resp nº 1.418.593/MS, que foi julgado pelo rito
de repetitivos, que reza que “nos contratos firmados na vigência da Lei nº. 10.931/2004,
compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e
apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e
comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel
objeto de alienação fiduciária.”; ou seja, é impossível a purgação parcial da mora quanto à sua
extensão e parcelas inadimplidas, nos contratos firmados em alienação fiduciária, sendo
necessário, que se quite a dívida integralmente; se utilizou ainda, do julgado supracitado,
Resp nº 1.622.555/MG da 4ª Turma, para reafirmar a questão de celeridade processual, uma
vez que a ação de busca e apreensão não visa extinguir o processo, mas sim dar execução ao
mesmo, sendo inviável a utilização de outra via judicial menos eficaz para satisfazer o crédito
– uma ação de cobrança, por exemplo.
Esse entendimento da inviabilidade da teoria quanto aos processos de busca e
apreensão vem reverberando o tribunal superior de maneira bem inovadora, uma vez que vem
de encontro com algumas decisões mais antigas dessa mesma corte, que eram favoráveis
quanto ao uso ta teoria nos processos supra referidos, como, por exemplo, a Resp nº
272.739/MG da 4ª Turma, sob a relatoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar, cujo acórdão
diz:
sobre o tema repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça a mesma solução será aplicada aos demais processos
que estiverem suspensos na origem.
39
Tendo o relator justificado seu voto dizendo que a “extinção do contrato por
inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal
envergadura que não lhe interessa mais o recebimento da prestação devida, pois a economia
do contrato está afetada. Se o que falta é apenas a última prestação de um contrato de
financiamento com alienação fiduciária, verifica-se que o contrato foi substancialmente
cumprido e deve ser mantido, cabendo ao credor executar o débito. Usar do inadimplemento
parcial e de importância reduzida na economia do contrato ara resolver o negócio significa
ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido no Direito e consagrado pela
Convenção de Viena de 1980, que regula o comércio internacional.”.
O intuito da mudança da linha de pensamento do tribunal foi a de preservar o
equilíbrio econômico, de modo que o uso da teoria em função dos processos fiduciários não
seja banalizada a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. Afinal, o
“normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma
integral e regular. Conforme diz o acórdão do Resp. nº 1.581.505/SC da 4ª Turma:
processos de alienação fiduciária, tal “solução” é apenas um colírio aos olhos da teoria, visto
que na maioria dos casos o devedor será onerado de maneira desproporcional quando da
apreensão do bem. E se tratando de um instituto que não existe regulamentação legal
(especificando a extensão da mora ou quais processos sua utilização é devida) é imperioso
que se analise cada caso isoladamente, justamente pela falta de norma regulamentadora.
Apesar dessa peleja enraizada nos preceitos do Decreto – Lei nº 911/69, o STJ é
bastante favorável quanto a utilização da teoria nos demais contratos de prestação continuada,
como por exemplo, o arrendamento mercantil, como demonstra o Resp nº 1.051.270/RS da 4ª
Turma, em relatoria do ministro Luis Felipe Salomão:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tão somente o meio de realização do crédito escolhido pela instituição financeira que deverá
ser adequado e proporcional à extensão do inadimplemento; uma ação de cobrança poderia
ainda satisfazer o crédito da instituição (posto que a legislação ainda lhe pemitite peticionar
em função de danos morais e materiais), tendo em vista sua grande vantagem de um
congraçamento voluntário, que ad initium é uma das melhores maneiras de se solucionar
qualquer litígio, seguindo ainda o principio da conciliação pelo magistrado.
Essa composição pacífica traria muitos benefícios ao trâmite processual geral,
como celeridade, e maior equidade em relação às partes, certo de que o porcesso de busca de
apreensão não seria hábil a realizar tal feita, pois trata-se de um meio de dar direta e
inequívoca execução ao bem.
44
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral dos contratos típicos e atípicos, 3ª edição. Atlas,
08/2009.
CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil - DIG, 5th edição. Editora Saraiva,
2013.
CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e Brasil, 5ª Edição. Lumen Juris, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – vol. 3 – Teoria das obrigações
Contratuais e Extracontratuais, 25ª edição. Saraiva, 2009.
FIUZA, César. DIREITO CIVIL – Curso Completo. 17ª edição. Ed. Revista dos tribunais/
Ed. Del Rey, 2014.
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. 4,
t. I – Contratos: Teoria geral, 13ª edição., 13ª edição. Editora Saraiva, 2017.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Vol. 3 – Contratos, 7ª edição. Saraiva,
2013.
MELO, Nehemias domingos de . Lições de Direito Civil: Dos Contratos e dos Atos
Unilaterais, (V. 3). Atlas, 05/2014.
NADER, Paulo. Curso Direito Civil - Vol. 3 - Contratos, 8ª edição. Forense, 12/2015.
PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil - Vol. III - Contratos, 21ª edição.
Forense, 01/2017.
RULLI NETO, Antônio. Função Social Contrato, 1ª edição. Saraiva, 01/2010. pág. 102/103.
SILVA, Vivien Lys Porto da. Extinção dos Contratos Limites e Aplicabilidade, 1ª edição.
Saraiva, 12/2009.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil - Vol. 3 - Teoria Geral dos Contratos e Contratos em
Espécie, 12ª edição. Forense, 12/2016.
TJ-RS - AC: 588012666 RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Data de Julgamento:
12/04/1988, Quinta Câmara Cível. Disponível em: <https://tj-
rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5263708/apelacao-civel-ac-588012666-rs-tjrs>.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Vol. 2 – Teoria Geral das Obrigações e Teoria
Geral dos Contratos, 11ª edição. ATLAS, 2011.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – vol. 3 - Contratos em Espécie, 12ª Edição.
ATLAS, 2012.
WALD, Arnoldo. Direito Civil - Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, vol.
2. 20ª edição. ed. Saraiva, 2011.