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A CIDADE DE

TODOS OS
TEMPOS
Aos olhos da arqueologia, Santarém pode ser
considerada a povoação organizada mais antiga
do Brasil. Na confluência dos rios Tapajós
e Amazonas, encontram-se o passado remoto
e os dilemas atuais da grande floresta.

Uma estatueta antropomorfa típica da cultura tapajônica da cidade paraense.


Idade provável: início do segundo milênio. As maiores coleções da cerâmica local
estão hoje em Belém, em São Paulo, na Filadélfia (EUA) e em Gotemburgo (Suécia).
A localização estratégica atualiza a
importância econômica de Santarém.
Pequenas embarcações regionais
dividem as áreas de atracação
com cargueiros carregados de grãos
produzidos no Centro-Oeste.
Por Eduardo Góes Neves
Fotos de Maurício de Paiva

A ideia de arqueologia na Amazônia costuma evocar a


imagem de cientistas acampados na selva, isolados do
mundo, por semanas sem contato com o mundo exterior.
Muitos sítios históricos, no entanto, estão so- Afonso de Sousa, em 22 de janeiro de 1532. Con-
terrados sob as esparsas cidades da região. E há tudo, em outras partes do continente, cidades
um caso peculiar, em que tudo o que os cien- já eram espaços sociais importantes antes dos
tistas precisam fazer é sair de seus departa- europeus chegarem. Tenochtitlán, a capital dos
mentos e, literalmente, pisar no solo forrado astecas, localizada onde hoje está a Cidade do
de fragmentos cerâmicos de povos ancestrais: México, pode ser considerada uma das maiores
o campus da Universidade Federal do Oeste do metrópoles do mundo no século 16. Nos limi-
Pará (Ufopa), em Santarém. Ao lado de outros tes meridionais de Lima, o sítio de Pachacamac
colegas e de seus alunos, o casal de arqueólogos tem os restos de um centro religioso que aten-
Claide de Paula Moraes e Anne Rapp Py-Daniel dia peregrinos de diferentes partes dos Andes
caminha, todos os dias, por vestígios de centenas antes da formação do Império Inca, no século
de anos no caminho que vai do estacionamento 15. Tais cidades não foram oficialmente funda-
do campus ao Laboratório de Arqueologia. das, mas adquiriram tamanho e importância ao
Santarém não é a única cidade brasileira que longo dos tempos. Santarém se enquadra nesse
cresceu em cima de sítios pré-colombianos. grupo de povoações com profundas raízes pré- Pesquisadores caminham
Alenquer
Florianópolis, em Santa Catarina, tem um ver- colombianas: as evidências de ocupação humana Monte Alegre na área do sambaqui
P.E. DE
dadeiro tesouro de sambaquis (antigos depósi- na foz do Rio Tapajós com o Amazonas remon- MONTE Jauari (acima), em
tos de conchas e restos de utensílios humanos) tam a cerca de 7 mil anos e a área urbana atual ALEGRE
Alenquer, na margem
espalhados pela ilha. A área urbana de Manaus tem sido ocupada continuamente há pouco mais oposta do Amazonas,
apresenta mais de 40 sítios registrados por Car- de mil anos, desde o século 10. Do ponto de vis- Caverna onde foram encontrados
da Pedra
los Augusto da Silva, da Universidade Federal do ta da arqueologia, portanto, Santarém pode ser Pintada belos artefatos cerâmicos,
Amazonas – alguns deles, no bairro do Japiim, considerada a cidade mais antiga do Brasil. como charutos tubulares.
ficam em um pátio em que, todos os dias, ônibus Ama
zona
s
A localização estratégica,
fazem manobras sobre fragmentos de urnas fu- Os primeiros relatos produzidos por euro- na confluência de dois
Santar´em
nerárias com mais de mil anos. A diferença, no peus sobre a Amazônia já mencionam o local Alter do grandes rios, estimulou
caso de Santarém, é que há ali sinais claros de em que hoje está o município paraense. No ano Ch˜ao
Taperinha a ocupação da área da
ocupação humana contínua desde muito, muito de 1542, após uma longa e cansativa viagem que atual Santarém (mapa).
s
aj´o
tempo antes do descobrimento do Brasil. “Em havia se iniciado meses antes no alto da Cordi-
p
Ta

Belterra
plena área urbana de Santarém estão os indícios lheira dos Andes, um bando de aventureiros es-
do que talvez tenha sido o maior aglomerado de panhóis – esfomeados, maltrapilhos, enfermos
pessoas vivendo na Amazônia no período pré- e, certamente, muito fedidos – viajava pelo Ama- P A R A AP

colonial”, comenta Claide Moraes. zonas em dois pequenos bergantins, embarca-


AM
Na história das Américas, é comum que cida- ções movidas a vela e remo, por eles construídos ÁREA
MA
des tenham, por assim dizer, data de nascimen- às margens de um afluente do grande rio. Em Legenda AMPLIADA

to. São Paulo, por exemplo, nasceu, oficialmente, 24 de junho, os espanhóis, chefiados por Fran- Sítio arqueológico PA
TO
em 25 de janeiro de 1554. A vila colonial mais cisco de Orellana, entraram em uma região que 0 km 15

antiga do país é São Vicente, fundada por Martin logo denominaram “Província de São João”, em

80  nat ional geo graphic • DE ZE MBRO 2015 MAPA DE LF MARTINI


FONTE: PER STENBORG 2010
A épica expedição de Orellana, em 1542, foi a primeira a nos legar uma descrição dos povos da Amazônia.

homenagem ao santo que aniversariava naquele Rio Amazonas. Ali, na Caverna da Pedra Pinta- seu compatriota Emilio Goeldi, no Museu Pa- ra, o patrimônio arqueológico tem significado
dia. Em vez de festas e rojões, os estrangeiros da, no município de Monte Alegre, a arqueóloga raense, em Belém (hoje, o consagrado Museu especial aos moradores – eles vivem sobre um
foram recebidos a flechadas. Uma delas atingiu americana Anna Roosevelt encontrou, nos anos Paraense Emilio Goeldi). A fazenda ainda per- sítio com muito ainda a ser explorado. Escava-
o olho do cronista da expedição, o frei Gaspar 1980, pinturas rupestres que evidenciam ocupa- tence aos descendentes de Hagmann. ções feitas na área urbana por Denise Gomes,
de Carvajal. Mesmo ferido, Carvajal pôde notar ção há estimados 11 mil anos – alguns dos sinais O ano de 1871 foi marcante para os pioneiros do Museu Nacional, da Universidade Federal do
que, naquela província, na margem sul do rio, humanos mais antigos de toda a América do Sul. arqueólogos amazônicos. O explorador ameri- Rio de Janeiro, mostram que as evidências dire-
havia “cidades muito grandes” em “uma terra A área é a única, fora da Cordilheira dos Andes, cano Joseph Steere esteve no Taperinha e visi- tas mais antigas de ocupação do local remontam
tão boa e fértil e tão natural” como a própria em que uma cadeia de montanhas chega às mar- tou um amontoado de conchas no sopé de um a 1 200 a.C. São cerâmicas elaboradas, decora-
Espanha. Graças à diligência de Carvajal, que gens do grande rio. “É um dos poucos lugares barranco. Enquanto coletava, notou a presença das por motivos antropomorfos e zoomorfos e
manteve ativa sua pena em meio aos contra- na Floresta Amazônica em que se observam de peças de cerâmica quebradas e intuiu: o local pintadas em diferentes cores (amarelo, verme-
tempos da jornada, a expedição de Orellana foi afloramentos rochosos expostos em superfície era um antigo sambaqui. Naquele mesmo ano, lho e vinho), conhecidas como pocó. Sítios com
a primeira a nos legar uma descrição escrita da e cavernas”, diz Claide Moraes. Steere encontrou-se com Charles Hartt, que vol- peças assemelhadas são encontrados em uma
Amazônia e dos seus povos. Essa geografia singular atraiu vários natu- tava à região, e mencionou a presença de cerâmi- ampla área, que inclui a região do Rio Trombe-
Carvajal ficou caolho, mas viveu depois em ralistas no século 19, entre eles Alfred Russel cas, ossos humanos e de peixe-boi no sambaqui. tas, o entorno das cidades de Manaus e Tefé, no
outras partes da América do Sul, como em Tu- Wallace, um dos mentores da teoria da seleção O caso é emblemático do curso da arqueologia Amazonas, a Cachoeira de La Pedrera, na Ama-
cumán, na Argentina, e Lima, no Peru. Embora natural, no final da década de 1840. Pouco mais brasileira no século 20. Após os trabalhos ini- zônia colombiana, e as margens do Rio Branco,
vago, o texto do religioso, quando lido juntamen- de dez anos depois, Louis Agassiz, professor da ciais de Hartt, Steere e do botânico mineiro João em Roraima. Uma característica das ocupações
te com as evidências arqueológicas disponíveis, Universidade Harvard, viajou à Amazônia justa- Barbosa Rodrigues, o sambaqui ficou inexplora- pocó é a associação desses sítios a solos escuros
atesta que a área da atual Santarém já era ocu- mente em busca de provas contrárias aos prin- do durante mais de um século e foi reescavado conhecidos como “terras pretas de índio”.
pada antes da chegada dos europeus. Em 1637, cípios geológicos da seleção natural. Com ele, apenas no fim dos anos 1980, por Anna Roose- As terras pretas são familiares aos arqueólo-
o português Pedro Teixeira refez a viagem de viajava um jovem geólogo canadense, Charles velt. Anna, bisneta do ex-presidente Theodore gos da Amazônia desde o século 19 e têm uma
Orellana e Carvajal no sentido oposto: partiu Frederick Hartt, que viria a ser um pioneiro da Roosevelt, deparou, nos arquivos do Peabody característica importante: são áreas extrema-
de São Luís e subiu os rios Amazonas e Napo arqueologia brasileira. Uma das primeiras pu- Museum, da Universidade Harvard, com uma mente férteis e produtivas que não perdem seus
em direção a Quito. Portugal e Espanha estavam blicações de Hartt, de 1871, revelou ao mundo a tradução em inglês de Contribuição para a nutrientes ao longo do tempo. Solos tropicais
unidos desde 1580, o que facilitava o trânsito arte rupestre nas serras de Monte Alegre – re- Etnologia do Vale do Amazonas, livro de Hartt são normalmente ácidos e lixiviados, o que faz
entre as colônias de ambos os países. Ao passar presentações do Sol, de figuras antropomorfas lançado em 1885 e uma das primeiras sínteses com que tenham de ser fertilizados, e seu pH,
pela foz do Tapajós, Teixeira notou a presença de e geométricas. As pinturas em vermelho, laranja antropológicas sobre a Amazônia e seus povos neutralizado. Terras pretas, por outro lado, são
um povoado com “15 mil moradores para cima”. ou cor de vinho continuam tão vivas que pare- – o impacto da obra foi muito além da ciência, estáveis porque conseguem manter, ao longo
Mas a fundação oficial da cidade só ocorreu cem ter sido feitas há poucos anos. inspirando posteriormente artistas e intelec- dos séculos, pHs neutros e altíssima fertilidade.
com a chegada dos missionários católicos, em Em uma fazenda não muito distante da área tuais como Mario de Andrade. Motivada pela Algumas das informações mais antigas dispo-
22 de junho de 1661, pelo padre João Felipe urbana de Santarém, Hartt encontrou as cerâ- leitura, a arqueóloga organizou um projeto para níveis sobre terras pretas vêm da região de San-
Bettendorf. O jesuíta construiu uma capela micas mais antigas já identificadas no conti- reescavar Taperinha. No final dos trabalhos, um tarém. Até hoje, no bairro da Aldeia, é comum
para Nossa Senhora da Conceição, 250 metros nente. A sede da propriedade onde fica o sítio resultado surpreendente: a idade das cerâmicas que moradores encontrem esses solos nos quin-
a oeste do local em que se encontra a atual igreja arqueológico de Taperinha é hoje um casarão antecipava em pelo menos mil anos as peças si- tais de suas casas. No Platô de Belterra, ao sul
dedicada à santa, no Centro. O nome original do centenário, construído pelo barão de Santarém milares até então encontradas no continente. da cidade, o holandês Wim Sombroek mapeou,
povoamento, Vila dos Tapajós, foi substituído em um local próximo à várzea do Amazonas. Por “O sambaqui registra o que talvez sejam as ce- nos anos 1960, uma grande área dessas terras.
por Santarém em 1758, como parte da política um tempo, o barão dividiu a sociedade da fazen- râmicas mais antigas das Américas, com datas Desde o século 19, Charles Hartt já associava a
pombalina de conferir nomes de cidades portu- da com Romulus John Rhome, um refugiado da em torno de 7 mil anos”, avalia Claide Moraes. formação desse solo às atividades dos índios no
guesas às povoações amazônicas – outros exem- Guerra de Secessão americana que emigrou do passado. Embora não existam ainda hipóteses
plos são Barcelos, Óbidos, Soure e Bragança. sul dos Estados Unidos para a Amazônia. Após Qualquer santareno, cavando no quintal de definitivas sobre seu processo de formação, as
a morte do barão, a propriedade foi abando- sua casa, encontra enterrados cacos de cerâmica terras pretas mostram que os povos indígenas
uma saga ainda mais antiga de ocupação da nada até ser adquirida, em 1911, por Gottfried e objetos de pedra que foram produzidos pelos da Amazônia antiga tinham a capacidade de
região, contudo, se iniciou 100 quilômetros a Hagmann, um naturalista suíço que, em 1900, ancestrais habitantes do lugar. É por isso que modificar, através do manejo, as condições na-
leste de Santarém, em uma zona de várzea do veio ao Brasil para trabalhar em parceria com ali, mais que em qualquer outra cidade brasilei- turais dos locais em que habitavam. “Onde se

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Pinturas rupestres na vizinha região de
Monte Alegre atestam antiga presença
humana. Edithe Pereira, do Museu
Paraense Emilio Goeldi, de Belém, tem
realizado pesquisas que permitirão
estabelecer a cronologia dos desenhos.
Um novo conjunto habitacional em obras: como em outras cidades da Amazônia, o crescimento urbano O casario remonta ao passado colonial. Oficialmente, Santarém tem 354 anos. Mas relatos de cronistas
acelerado de Santarém tem levado, em alguns casos, à destruição do patrimônio arqueológico. dos séculos 16 e 17 e achados antigos atestam uma história de ocupação da região com mais de mil anos.

vê uma mancha de terra preta, há a certeza de achados fortuitos de peças em quintais das casas No início da década de 20, Nimuendajú pes- conectando esses sítios. Muitas dessas vias estão
achar também evidência de antiga ocupação. ou de pesquisas na zona rural. quisou para o Museu Etnográfico de Gotembur- hoje sendo destruídas por lavouras de soja.
Em Itaituba, Diamantino, Panema, Pau-Pixuna É então que entra em cena um personagem go, na Suécia. Fez muitas viagens por Santarém De todos os sítios explorados por Nimuenda-
e Taperinha, o chão é cheio de fragmentos de fascinante da arqueologia amazônica: Curt e seu entorno. Suas andanças resultaram no jú, o maior fica no bairro da Aldeia, onde achou
louça, às vezes até a profundidade de 1 ou Nimuendajú. Nascido Kurt Unckel na Alemanha, clássico Arqueologia da Bacia Amazônica, obra depósitos a 1,5 metro de profundidade. Não é
2 metros”, escreveu o geólogo canadense. em 1883, mas mais conhecido pelo nome dado seminal para os futuros pesquisadores, e em difícil encontrar por ali, no dia a dia de Santa-
Se os sítios com cerâmicas pocó estão asso- pelo povo Ñandeva Guarani, Nimuendajú (cujo relatórios que contêm um tesouro de informa- rém, Márcio Amaral, uma espécie de herdeiro
ciados ao início da produção de terra preta, foi significado é “aquele que constrói sua própria ções – mapas, perfis de escavações, desenhos, natural do alemão e um dos maiores peritos em
em Santarém, com as ocupações posteriores casa”) emigrou para o Brasil em 1903, ansioso fotos de peças. Desse estudo, baseado na lei- identificar fragmentos das cerâmicas produzi-
a partir do final do primeiro milênio, que tais para conhecer os modos de vida dos índios. Pas- tura de autores do século 17, o alemão conclui das pelos antigos tapajós. O interesse de Ama-
solos aumentaram em tamanho e distribuição. sou a maior parte de sua vida entre diferentes que, mesmo antes de sua fundação original, ral pela arqueologia vem desde a sua infância,
Os grupos indígenas que realizaram essas ocu- povos, até morrer, no alto Solimões, em 1945. Santarém tinha pelo menos 2 500 habitantes mas a pesquisa parecia um sonho distante até
pações foram os ancestrais dos povos que viviam Embora sem educação formal, Nimuendajú foi – para efeitos de comparação, a cidade do Rio que, numa tarde de sábado em 2000, andando
no lugar da cidade quando por ali passou o es- talvez a maior liderança científica em etnologia de Janeiro, em 1650, contava com cerca de mil. pela área do porto, Amaral deparou com Anna
panhol Francisco de Orellana e que flecharam e arqueologia no país na primeira metade do Em abril, julho e agosto de 1923, ele localizou Roosevelt e sua equipe. A partir daí, o apaixona-
o olho de Gaspar Carvajal. Quem foram eles? século 20. Apesar disso, nunca teve posição fixa 48 sítios arqueológicos sob a área urbana e no do pela história da cidade encontrou estímulo
É comum que sejam chamados de tapajós – daí o em nenhuma instituição de pesquisa ou ensino, entorno de Santarém, todos associados a terras para seguir carreira, até realizar sua graduação
nome do rio. Pelo próprio fato de a cidade estar e passou a maior parte da vida ocupado em fazer pretas. Contudo, os achados mais interessantes na Universidade Federal do Oeste do Pará.
hoje localizada sobre o principal assentamento coleções para museus ou em trabalhos pontuais de Nimuendajú talvez digam respeito à rede de “Cerâmicas tapajônicas têm estilo único
dos tapajós, muito do que se sabe deles vem de para o Serviço de Proteção aos Índios (SPI). caminhos ou “estradas”, como ele mesmo disse, e são facilmente reconhecíveis”, explica Amaral.

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A chegada de navios de cruzeiro encanta os moradores. Muitos turistas estrangeiros buscam as águas A pesca hoje e ontem: dados arqueológicos mostram que os primeiros habitantes da área eram caçadores,
claras e as praias de areias brancas do Tapajós, considerado um dos mais belos rios da Amazônia. coletores e pescadores, que exploravam recursos diversificados, sem padrão claro de especialização.

A característica marcante das peças são a deco- Quem entra na Catedral de Nossa Senhora com a princesa Leopoldina, da Áustria, em 1817. os atributos paisagísticos. “A região de Santarém
ração modelada, que inclui figuras humanas e de da Conceição, uma bela igreja em azul-claro no Para cumprir a promessa, feita no momento de é como um microcosmo da diversidade amazô-
animais, e o uso da incisão e da pintura detalha- Centro de Santarém, observa, no lado direito da desespero em meio a um temporal assustador nica. Aqui temos as águas barrentas do Ama-
da, com destaque para os chamados “vasos de nave, uma placa de metal com a seguinte inscri- no Rio Amazonas, Von Martius encomendou na zonas e as claras do Tapajós”, comenta Claide
cariátides”, muito elaborados, compostos pela ção: “O cavalleiro Carlos Fred. Phil. De Martius, Baviera um crucifixo de ferro fundido que hoje Moraes. O Amazonas joga no Oceano Atlântico
superposição de figuras modeladas e outras membro da Academia R. das Sciencias de Munich, adorna o centro do altar da catedral. O alemão cerca de 20% de toda a água doce superficial do
técnicas de ornamentação plástica. Também fazendo de 1817 a 1820 de ordem de Maximiliano mandou fazer apenas a figura de Cristo, pois planeta. De todos os rios que compõem a bacia,
marca a cerâmica tapajônica a produção de es- José Rei da Baviera uma viagem scientifica pelo pensou, com razão, que madeira não faltaria o Tapajós é um dos mais belos.
tatuetas antropomorfas, homens e mulheres, al- Brazil, e tendo sido aos 18 de setembro de 1819 em Santarém para a construção da cruz. No en- Os povos que viveram em Santarém no passa-
gumas delas grávidas, normalmente adornadas salvo por misericórdia divina do furor das ondas tanto, após chegar à cidade, a figura ficou ainda do pré-colonial – guerreiros orgulhosos, artis-
com pintura corporal, penteados elaborados e do Amazonas junto a villa de Santarém, mandou, guardada durante muito tempo na caixa em que tas sofisticados – deram seu nome ao rio. Mas
adereços, dentre os quais se destacam os muira- como monumento de sua gratidão ao todo pode- fora enviada – ao que parece, ninguém queria a Bacia do Tapajós, assim como o patrimônio
quitãs – objetos típicos da arqueologia do baixo roso, este crucifixo nesta igreja de Nossa Senhora ser responsável por crucificar Jesus outra vez. arqueológico local, está hoje ameaçada pelo pro-
Amazonas, embora sejam também encontrados da Conceição, no anno de 1846”. Von Martius foi mais um de uma ilustre lista jeto de sete usinas hidrelétricas em seu curso. Se
nas Guianas e no Caribe. Um dos achados mais O cavaleiro em questão, Carl von Martius, é de cientistas brasileiros e estrangeiros que ti- as obras forem realizadas, populações indígenas
interessantes de Amaral é um grupo de peque- um dos pais da ciência brasileira. Sua viagem de veram sua trajetória intelectual ligada a Santa- como os mundurukus e os caiabis serão desalo-
nos artefatos de pedra dura que parece ser um três anos, do Rio de Janeiro à Amazônia, reali- rém e seu entorno. É certo que a localização da jadas e sítios históricos poderão ser destruídos.
kit para confecção de muiraquitãs. Embora se- zada com Johann Baptist von Spix, permitiu a cidade, a meio caminho entre a foz do Solimões A tradição de lutas dos povos indígenas do Tapa-
jam mais conhecidos os que têm forma de sapo coleta de importantes dados botânicos, zoológi- e o Rio Negro, a tornasse um ponto importante jós é conhecida. Orellana e Carvajal foram rece-
e confeccionados em pedras esverdeadas, exis- cos e de povos indígenas do interior da colônia. de apoio àqueles que se aventuraram pelo Ama- bidos ali a flechadas há quase 500 anos. Tomara
tem também muiraquitãs feitos em cerâmica Von Spix e Von Martius fizeram parte de uma zonas acima, em um tempo no qual as viagens que essa cultura ancestral de resistência possa
ou pedra, com formas de outros animais, como comissão de cientistas que veio ao Brasil por eram bem mais demoradas que hoje. A essa impulsionar os atuais tapajônicos no esforço
morcegos ou seres humanos. ocasião do casamento do príncipe dom Pedro I questão logística deve-se também acrescentar pela proteção do rio e seus habitantes.  j

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Devotos celebram o Dia de Nossa Senhora
da Conceição do Tapajós, mostrando que
também na Amazônia a imagem da Virgem
Maria tem poder. A fé cristã chegou com
os missionários católicos europeus, que
oficialmente fundaram a cidade, em 1661.

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