Criança e a Experiência Afetiva com a Natureza
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Este livro originou-se de uma pesquisa de doutorado, a qual analisou os documentos oficiais (1988 a 2014) que regulam e orientam a Educação Infantil no Brasil, e evidenciou que eles não demarcam uma concepção que permite a materialização da relação da criança com a natureza como experiência afetiva.
Essa escritora catarinense tem a perspicácia de analisar os impactos do pensamento moderno na sociedade contemporânea e na constituição dos sujeitos – as crianças – que são atendidos nas instituições de educação infantil de nosso país. Da menina, mulher, mãe, professora, emerge uma mediadora que dialoga com o mundo, consigo mesma, com a natureza e com as crianças.
Esta obra é, sem dúvida, a possibilidade para um caminho de mudanças, de quebra de paradigma na forma e no modo de conceber as práticas pedagógicas na educação infantil, na relação da criança com a natureza. A autora convida o leitor, por meio de suas anamneses infantis, a (re)visitar a infância, a traçar percursos que nos levam a amar e desejar, estar e cuidar da Natureza. Esta é uma obra inovadora, uma contribuição teórica concisa aos profissionais que atuam na educação infantil e aos familiares da sociedade contemporânea. Um pensamento lúcido, humanizado e consciente de seu papel na constituição das milhões de crianças cidadãs que são atendidas nas instituições de educação infantil no momento da escrita desta obra. A qualidade do trabalho faz do livro uma referência de leitura, que será de grande utilidade na educação institucional e familiar das crianças. E, acima de tudo, satisfaz um anseio de leitores sedentos por textos afetivos sobre a relação da criança com a natureza.
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Criança e a Experiência Afetiva com a Natureza - Zemilda do Carmo Weber do Nascimento dos Santos
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Às crianças, potências que deram sentido a estes escritos...
APRESENTAÇÃO
O crescente distanciamento entre a criança e a natureza na sociedade contemporânea foi o principal motivador para a escrita deste livro. Acerca dessa temática tão latente, muitos seriam os aspectos a ser estudados e apresentados à comunidade educativa. Porém, na impossibilidade do todo, como profissional atuante no campo da educação infantil, busquei nesse cenário o aporte para desenvolver reflexões importantes, que me permitissem pensar em possibilidades de como devolver às crianças o direito de vivenciar experiências afetivas na natureza, tanto nas instituições escolares como fora delas.
De acordo com dados do censo escolar realizado anualmente pelo Ministério de Educação no Brasil, no ano de 2014 foram matriculadas na educação infantil (0 a 5 anos) 7.855.991 crianças. Desse total, são 2.891.796 crianças que permanecem pelo menos sete horas por dia nas instituições (creches), em 200 dias letivos por ano. Ou seja, seria o mínimo de 1.400 horas de vida, em um ano, que uma criança na idade de 0 a 3 anos permanece nos espaços institucionais. Na pré-escola, esse universo compreende quase cinco milhões de crianças; apesar de elas permanecerem na instituição por quatro horas por dia, em 200 dias letivos, ainda assim são 800 horas de vida por ano dedicadas a frequentar esse espaço.
Esses dados referendam a necessidade de (re)pensar sobre o cenário educativo que se instaura em nossa sociedade em meados desta década.
Partindo dessas importantes questões, na primeira parte do livro apresento fundamentos que permitem a compreensão do humano, no caso específico desta obra, a criança, como ser que existe em um sistema de inter-relação com os demais sistemas de vida, seres vivos e não vivos. Nesse sentido, entendo que é necessário estabelecer uma relação afetiva da criança com a natureza.
Na segunda parte, apresento as concepções existentes nos documentos que orientam e regulam a educação infantil no Brasil no período de 1988 – ano da promulgação da Constituição federal, a qual traz pela primeira vez a definição de educação infantil – até 2014, ano da promulgação da Lei nº 13.005/2014, a qual institui o Plano Nacional de Educação para o decênio 2014-2024.
Por fim, na terceira parte, apresento um ensaio teórico, com fundamentos epistêmicos e filosóficos, os quais possibilitam instituir uma prática pedagógica que contempla a experiência afetiva na relação da criança com a natureza. Esses fundamentos são subsídios não apenas para os professores e profissionais que atuam na educação infantil, mas também para as famílias que desejam e se preocupam em oferecer uma infância rica de significados, valores e princípios para os seus filhos na relação afetiva com a natureza.
Se queremos realmente um mundo melhor e instituições de educação infantil de qualidade – que ofereçam tempos e espaços que permitam à criança a experiência afetiva na relação com a natureza –, é preciso que seja agora, pois no futuro as crianças de hoje já terão se tornado adultos e não teremos mais a possibilidade de devolver a elas a infância que lhes foi cerceada.
A autora
PREFÁCIO
Esta obra de Zemilda é fundamentada em um processo de pesquisa rigoroso, construído na confluência de sua rica experiência profissional no campo da educação da pequena infância e de uma trajetória de vida pessoal que a autora evoca com forte e bela autenticidade. Seu propósito está enraizado em uma profunda sensibilidade para com as crianças, com a vida e com a natureza. Ela reflete uma consciência aguçada sobre as problemáticas socioecológico atuais, cuja extensão e aceleração crescentes levantam muitas preocupações: resultam da ruptura entre os seres humanos e a matriz de vida à qual nós ainda pertencemos.
Nós tivemos o prazer de conviver alguns meses em intensa colaboração com Zemilda, no quadro dos trabalhos de nosso Centro de Investigação, no outono de 2015. Nossa equipe de pesquisadores e estudantes foi impulsionada, eu diria ensolarada
, por seu entusiasmo e convicção de que é absolutamente necessário e urgente promover uma educação enraizada na relação com a natureza, desde a mais tenra idade.
O trabalho de Zemilda se une às nossas preocupações de investigação no domínio da educação ambiental. No fundamento do nosso relacionamento individual e social com o meio ambiente encontra-se certa visão de mundo, um conjunto de atitudes e valores que determinam nosso agir; em contrapartida, a experiência com o mundo constrói nossa identidade ecológica, essa dimensão do nosso ser que nos inscreve no mundo vivo. Se a educação que oferecemos às crianças não inclui essa dimensão essencial do desenvolvimento humano, ela continua a ser um processo mutilado, e formaremos seres inacabados.
Em nossa equipe, nós valorizamos a estratégia de histórias de vida, ou trajetórias de vida, tanto como parte de uma metodologia de pesquisa como uma estratégia de aprendizagem e formação. A relação com o meio ambiente é um processo ontogenético: reavivar a memória e estimular a reflexão sobre as experiências do passado distante ou recente permite confirmar e esclarecer esse processo. As pessoas, os estudantes envolvidos em nossos projetos de pesquisa vivem esse exercício de retomar a memória com intensidade; eles são geralmente impelidos a retomar vestígios sensíveis que carregam dentro de si, dos encontros significativos com o mundo vivo, mais comumente em seus primeiros anos. Alguns também reconhecem o vazio deixado pela ausência de experiências em relação com a natureza.
Eu pude compartilhar com Zemilda as imagens
de meus verões da infância no rio, este grande caminho luminoso de água viva, onde eu me banhava todos os dias em minhas férias; nadava entre as plantas aquáticas, cruzando com uma estranha fauna que eu aprendi a conhecer. Ainda, as imagens
do parque urbano onde corriam esquilos e crianças, lugar em que eu adorava recolher as folhas caídas para empilhá-las formando uma cama macia onde me deixava cair, e a minha volta eu via as formas surpreendentes nas nuvens do céu de outono. Minha infância foi impregnada com todas essas luzes.
É mágico reviver as lembranças das diversas formas de impregnação da natureza, e reconhecer seus traços – definidos ou sutis – nas escolhas que fazemos ao longo de nossas vidas. Todas essas experiências rememoradas e recontadas mostram o quanto é importante conceber um ambiente educacional que permita às crianças viver em contato regular com a natureza. Mesmo que seja humilde, em um bairro urbano, toda experiência deve ser valorizada.
Daí a importância de insistir que as políticas públicas educativas levem em conta a relação com a natureza em programas que contemplem todas as idades, mas em particular a criança pequena, nessa fase delicada e determinante em suas vidas, quando elas são impregnadas pelo meio ambiente, pela natureza, de acordo com as oportunidades e experiências que são oferecidas a elas.
O trabalho de Zemilda vai ao encontro de uma grande preocupação da nossa equipe de investigação: promover a institucionalização da educação ambiental. Não para bloquear iniciativas educacionais em um requisito obrigatório e uma visão única do processo educacional, mas para abrir espaços de responsabilidade e de criatividade pedagógica para que cada professor(a) seja encorajado(a) a ancorar a educação das crianças no meio ambiente, na natureza (seja urbana), e para promover, com efeito, instalações adequadas. O meio educativo da pequena infância poderá, assim, não somente contribuir para um desenvolvimento mais integral das crianças, mas também incitar a transformação dos espaços urbanos e escolas, a fim de promover a biodiversidade, a convivência e a experiência de imersão. É a comunidade inteira, o bairro todo, toda a cidade que também igualmente se beneficiaria.
O compromisso da autora deste livro é eminentemente político, voltado para a uma ética da responsabilidade educativa e ambiental. Os Centros de Educação Infantil – como a escola – não são ilhas isoladas da sociedade em que operam. Por um lado, a educação da pequena infância depende das escolhas dessa sociedade; mas, por outro lado, ela pode contribuir para a transformação dela mesma. É o desejo muito forte que expresa Zemilda e que se une ao nosso.
Nesse sentido, é importante estimular e celebrar as iniciativas criativas e inspiradoras de educadores(as) que já estão contribuindo para integrar a relação com a natureza em suas comunidades educativas, mas também é preciso enfatizar o desenvolvimento de políticas públicas adequadas para o efeito e promover o acesso a recursos adequados.
Enfim, é importante assinalar que, em conexão com o seu compromisso educativo e político, Zemilda tem também um compromisso epistemológico: em seu trabalho, a ideia de conhecimento, de saber, abre-se para uma pluralidade de formas de experiência e consciência de mundo, incluindo, por exemplo, a experiência afetiva, sinestésica e artística. Ela também cruza as vozes de diferentes autores que inspiraram ou dão ressonância ao que ela propõe. Zemilda sabe criar conexões. Valoriza os caminhos rizomáticos que a levam além, mais longe, como ela explica tão bem.
Este livro reflete toda a luz e o impulso que traz sua autora. Nós desejamos que todas as crianças no Brasil, Quebec e em todos os lugares possam desfrutar das abordagens educativas que aqui são propostas.
Boa leitura!
Lucie Sauvé, Ph.D.
Professora do Departamento de Didática
Diretora do Centro de Pesquisa em Educação e
Formação Relativas ao Meio Ambiente e à Ecocidadania
Universidade de Quebec em Montreal
PRÉFACE
Cet ouvrage de Zemilda do Carmo Weber do Nacimento dos Santos s’appuie sur une démarche de recherche rigoureuse, construite à la confluence de sa riche expérience professionnelle dans le domaine de l’éducation auprès de la petite enfance et d’une trajectoire de vie personnelle dont l’auteure témoigne avec une fort belle authenticité. Son propos prend racine dans une profonde sensibilité à l’égard des enfants, de la vie, de la nature. Il reflète une conscience aigüe que les problématiques socio-écologiques actuelles, dont l’ampleur et l’accélération croissante soulèvent tant d’inquiétudes, sont tributaires de la rupture entre l’humain et la matrice de vie à laquelle il appartient pourtant.
Nous avons eu le grand plaisir de vivre quelques mois de collaboration bien intense avec Zemilda dans le cadre des travaux de notre Centre de recherche à l’automne 2015. Notre équipe de chercheurs et d’étudiants a été dynamisée, je dirais « ensoleillée », par son enthousiasme et sa conviction qu’il est absolument nécessaire et prioritaire de promouvoir une éducation qui soit ancrée dans le rapport à la nature, dès le plus jeune âge.
Les travaux de Zemilda rejoignent en effet nos préoccupations de recherche dans le domaine de l’éducation relative à l’environnement. Au fondement de notre rapport individuel et social à l’environnement, se trouve une certaine vision du monde, un ensemble d’attitudes et de valeurs qui déterminent notre agir; et en retour, l’expérience du monde construit notre identité écologique, cette dimension de notre être qui nous inscrit dans le monde vivant. Si le projet éducatif que nous offrons aux enfants n’intègre pas cette dimension essentielle du développement humain, l’éducation reste un processus tronqué et nous formons des êtres inachevés.
Entre autres, au sein de notre équipe, nous valorisons la stratégie des histoires de vie ou des récits de vie, à la fois comme élément d’une méthodologie de recherche et comme stratégie d’apprentissage et de formation. Le rapport à l’environnement est un processus ontogénique : raviver la mémoire et stimuler la réflexion sur des expériences d’un passé lointain ou plus récent permet de le confirmer. Les étudiant.e.s ou les personnes qui collaborent à nos projets de recherche vivent cet exercice de remontée de la mémoire avec intensité; ils sont généralement saisi.e.s de prendre conscience des traces qu’ils portent en eux des rencontres signifiantes avec le monde vivant, le plus souvent dans leur jeune âge. Certains reconnaissent aussi le vide que laisse l’absence de telles rencontres.
J’ai ainsi pu partager avec Zemilda ces images de mes étés d’enfance au bord du fleuve, cette grande coulée d’eau vivante et inondée de lumière, dans laquelle je me suis baignée chaque jour des vacances, frôlant les plantes aquatiques et croisant toute une faune étrange que j’apprenais à connaître. Et puis, ces images du parc urbain où couraient les écureuils et les enfants, et où j’aimais rassembler en tas les feuilles tombées pour en faire un lit moelleux où se laisser tomber sur le dos et regarder passer les formes étonnantes des nuages dans le ciel d’automne. Mon enfance a été imprégnée de toutes ces lumières.
Il est magique de raviver le souvenir de ces formes d’imprégnation de la nature, dans la nature, et d’en saisir l’empreinte – marquée ou subtile – sur les choix que l’on fait tout au long de la vie. Toutes ces expériences remémorées et racontées montrent à quel point il est important de concevoir un milieu éducatif qui permette aux enfants de vivre un contact régulier avec la nature. Même très humble, au creux d’un quartier urbain, toute expérience en ce sens doit être valorisée.
D’où l’importance d’insister pour que les politiques éducatives incitent à prendre en compte le rapport à l’environnement dans les programmes destinés à tous les groupes d’âge, mais en particulier auprès des enfants, à cette étape fragile et déterminante de leur vie où ils s’imprègnent de leur environnement, de la nature, selon les possibilités et les expériences qui s’offrent à eux.
Les travaux de Zemilda do Carmo Weber rejoignent ici une préoccupation majeure de notre équipe de recherche : celle de promouvoir l’institutionnalisation de l’éducation relative à l’environnement. Il ne s’agit pas d’enfermer les initiatives pédagogiques dans une prescription contraignante et une vision unique de l’action éducative, mais au contraire, d’ouvrir l’espace de responsabilité et de créativité pédagogiques pour que chaque éducateur, chaque éducatrice soit encouragé.e à ancrer l’éducation des enfants dans le milieu de vie, dans la nature (si urbaine soit-elle), et à promouvoir à cet effet des aménagements adéquats. Le milieu de la petite enfance pourrait ainsi non seulement contribuer à un développement plus intégral des enfants, mais aussi, il pourrait inciter à transformer les espaces urbains et scolaires de façon à favoriser la biodiversité, la convivialité, l’expérience d’immersion. C’est toute la communauté, tout le quartier, toute la ville qui en bénéficierait également.
L’engagement de l’auteure de cet ouvrage est donc éminemment politique, axé sur une éthique de la responsabilité éducative et environnementale. Les centres de la petite enfance – comme l’école en général – ne sont pas des ilots isolés de la société où ils s’insèrent. D’une part, l’éducation auprès de la petite enfance est tributaire des choix de cette société; mais d’autre part, elle peut contribuer à la transformation de celle-ci. C’est le souhait très vif que formule Zemilda do Carmo Weber, et qui rejoint le nôtre. En ce sens, il importe à la fois de stimuler et de célébrer les initiatives créative et inspirantes des éducateurs et éducatrices qui contribuent déjà à intégrer le rapport à la nature dans leurs milieux, mais il faut insister aussi sur le développement de politiques publiques appropriées à cet effet et favorisant l’accès à des ressources adéquates.
Enfin, il importe de signaler qu’en lien avec son engagement éducationnel et politique, Zemilda a aussi un engagement épistémologique : dans ses travaux, l’idée de connaissance, de savoir, s’ouvre à une pluralité d’expérience et de conscience du monde, incluant par exemple l’expérience affective, kinésique et artistique. Elle sait aussi croiser les voix des différents auteurs qui l’ont inspirée ou qui donnent résonnance à son propos. Zemilda do Carmo Weber sait créer des liens ; elle sait accueillir la