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Administragao Publica no Estado Contemporadneo — Eficiéncia e Controle Droco ve Ficuminepo Moreira Nero SUMARIO I — Sociedade Pluralista, Polarquia e Estatlo Plu- iT — Problemas de ‘Gi Dilidade. IIT — A Vi — Ejicléncta do Controle: Regras para a Garantia da Plenitude #tica. VIi — Conclusdes. 1. Sociedade pturalista, poliarquia e Estado Plurictasse Ontem, tinhamos um Estado simples com complexes doutrinas de atuagio; hoje, temos uma doutrina de atuagio simples para Estados complexes. Ontem, agitavam-se no cenério politico complicados modelos, sistemas ¢ ideologias procurando estabelecer uma conciliagiio entre o interesse publi- co € 0 privado, entre o dominio do Estado ¢ 0 mbito da sociedade. Hoje, embatem-se no cenério politico interesses diversificadissimos, satisfagio nfo mais depende de receitas politicas substantivas, mes existéncia de férmulas instrumentais que permitam um amplo e flexivel didlogo e a livre negociagao entre as partes interessadas. Ontem, em razio das normais dificuldades de conciliago entre os interesses piblicos ¢ privados, proliferavam os modelos, sistemas e regimes radicais, com caracteristicas totalit despéticas, ideologizadas cu auto- ritétias, sacrificando a negociagéo politica em aras de uma apregoada racio- nalidade decisional. Hoje, por fim, até maravilhados, constatamos a faléncia dos radicalis- mos politicos e o triunfo, ao menos parcial, do primado do diélogo, da moderagao ¢ da tolerAncia politicas, resultando tudo na consectéria afirma- gio das condigdes de legalidade, como essencial da construgiio do Estado de Direito, da legitimidade, como bésica para a existincia do Estado Demo- tética © da licitude, como fundamental para a realizagSo plena da morali- dade e do Estado de Justica. KR. Inf, legis, Bresilia @. 300m, 117 jom/mer, 1993 a Essas transformagées juspoliticas, que hoje vemos em pleno curso, nao vieram, todavia, sem o 6nus de um alto prego em guerras, sofrimentos € vidas humanas e néo lograram afirmar-se sendo depois da Segunda Guerra Mundial , por fim, o reconhecimento de sua inevitabilidade, sendo depois dos funerais da dltima grande ideologia do século, com a derrubada do muro de Berlim e a derrocada do império soviético marxista-leninista. A razio dessas mudancas politicas esté na propria transformagio das sociedades contemporineas, que evoluiram dos modelos de hegemonia bur- guesa, caracterizados por poucos centros de interesse politicamente defini- dos, a modelos destituidos de centros de interesse hegeménicos. Essa evolugao de sociedades de classe, nas quais uma delas detinha o poder, o que, em tiltima anélise, fazia do Estado o seu instrumento — um Estado Monoclasse, para sociedades pluralistas, nas quais o poder é compat- tilhado entre dezenas de classes ou de concentragées organizadas de interes- ses — um Estado Plurictasse, resultou da multiplicagio ¢ da diversificaga dos interesses, todos reclamando afirmagao politica ¢ protegio juridica. A ninguém, nesta geragéo, notadamente aos que cultivam as Ciéncias Sociais, passou despercebido esse fenémeno da multiplicacdo e da diversifi- cago dos interesses; a tal ponto, que a tradicional classificagao romanista, que havia prevalecido no Direito por toda a Antigiidade, dade Média, Renascenca e havia chegado intacta 4 Idade Moderna, consagrando a summa divisio entre interesses publicos e privados, se tornou insuficiente para enquadrar uma nova tipologia de interesses em expansio, a principio, com 08 interesses coletives e, logo, depois, com os difusos. Nas sociedades de classe, os individuos se alinham em grandes grupos de interesse predominante, como a nobreza, a burguesia, o campesinato ¢ 0 proletariado, a cada classe correspondendo um status juridico e politico determinado, com pouca ou nenhuma mobilidade ou variego de uma para outra, Na sociedade pluralista, os individuos podem assumir varios alinhamen- tos simulténeos, segundo a gama, mais ou menos extensa, de interesses privados, piiblicos, coletivos e difusos de que sejam titulares, ou de sua especial combinagao, o que produz, conseqiientemente, diversificadas situa- ges juridicas e politicas, e, até mesmo, necessidade de tomadas de posicao sucessivas em relagéo a seus préprios interesses eventualmente antag6nicos, com uma intensa mobilidade social. Foi, portanto, como resposta e adaptagdo & sociedade pluralista, em termos de interesses, ¢ polidrquica, em termos de poder, que se desenvolveu © Estado Pluriclasse, sucedendo ao Estado Monoclasse, em que o Poder Pti- blico era exercido em representagdo e em beneficio dos interesses de uma fragio hegemnica da sociedade. A formaco do Estado Pluriclasse, na visto de MASSIMO SEVERO GIANNINI, se deu porque os préprios parlamentos passaram a refletir o e7y B Inf, legial. Brasilia. 30 n. 117 Jon./mer. 1999 pluralismo dos interesses da sociedade, deixando, pouso a pouco, de ser representagio de uma ou duas classes para stJo de todas as categorias de interesses em intercurso na sociedade*, Com essa multiplicagdo de interesses e, por isso, de centros de poder para sustenté-los, ficou no paseado a configuragao simplista da luta de classes, que havia servido de fundamento & vis8o dialética e mecanicista da Historia, dando lugar a uma complexissima ¢ generalizada disputa de inte- resses que se trava ora no campo politico ora no campo juridico, cada vez mais interagindo um sobre o outro. Com efeito, o Direito, que nas sociedades de clasye custodiava os inte- resses do estamento hegeménico ou, no maximo, em fase mais recente, que refletia 0 equilfbrio politico entre duas, no méximo trés classes de maior expressio, perdeu, nas sociedades pluralistas, esse papel, para garantir quaisquer interesses, desde que fossem recolhidos pela ordem juridica como valiosos. Em outros termos: a fria interpretagio dogmética, que prestigiava a exegese gramatical e Iogica, perdeu expressio para a interpretagio finalistica, que perquire os fins da norma ¢ sustenta os seus valores sociais. No quadro do Estado Pluriclasse, a sociedade politica perde a exclusi- vidade da representagtio hegeménica que detinha e passa a repartir o poder com a sociedade civil, que, teoricamente, como “povo”, deveria ser a prdpria origem de qualquer poder, mas que, na verdade, funcionava apenas Eomo 6rgio de logitimaydo periSdica dos governantes. Dilarga-se, com isso, ‘9 conceito juspolitico de povo para corresponder, no méximo de amplitude possfvel, a0 proprio conceito de sociedade. Observe-se que tal evolugdo s6 se tornou possivel porque @ sociedade civil passou a se articular em defesa de seus rmiltiplos interesses ¢ a diver- sificar seus centros de poder, refletindo-se, essa poliarquia, no préprio Estado, que, passando a ser Pluriclasse, renovou-se através de um neocon- tratualismo, io mais de individuos, mat de grupos organizados de interesses ?. Nesse novo modelo pluralista, poliérquico ¢ pluticlasse de organizacao politica, a participago da sociedade civil néo fica mais restrita aos processos ticos de acesso ao poder, com & periodicidade considerada satisfatéria 1 MASSIMO SEVERO GIANNINI dedica ao tema grande parte do primero volume do recentissimo Trattato @t Diritto Ammésistrattoo, sob = denominagio de LiAmministrasione Pubblica dello Stato Contemporaneo, Ed. Cedam, Pédus, 1968, p. 83. 2 A reapeito, 8. FRACAPANE, om Contrattualismo 2 Sociologia Contempo- renea, oltado por NORBERTO BOMBED, O Futuro da Democracis, Bd. Pas © ‘Terra, Bho Paulo, 1967, p. 9. inf, legit. Drevita ©, 30 m. 117 fom /mer. 1993 3 para legitimar os governos, mas se estende a todos os demais processos do poder: a atribuicdo, a destinagao, a distribuigao, o exercicio e a contengao®, © acesso 20 poder, sem diivida, havia sido um marco importante na conquista da legitimidade, mas o processo atendja muito mais ao princfpio do rodizio pessoal no poder que & necessidade de representagdo de interes- ses, pois nas sociedades de classe e, assim, nos Estados Monoclasse, dava-se, por definicéo, a garantia dos interesses da classe hegeménica e, no méximo, dos rentanes do equlfrio entre ws povns clases que repartiam 0 poder es No quadro da poliarquia, passou a ser igualmente importante nfo apenas definir quem detém o poder, mas para que o detém, estendendo-se a disputa legitimatéria A decisio fundamental sobre a destinagdo do poder, para exprimir os fins sociais do proprio Estado; a atribuiedo do poder, para partilhélo entre a sociedade e o Estado; 0 exercicio do poder, para decidir como empregé-lo; a distribuigao do poder, para reparti-lo entre entidades Grgios da sociedade politica; e a conteneao do poder, para limitar e controlar 0 poder concentrado, notadamente, no Estado. Em suma, & pluralizagio dos interesses sucedeuse a da organizagio social para sustentélos, multiplicando-se as entidades © Srgios dotados de “poder piblico” além do proprio Estado, que, para esse efeito, também passou a redistribuir seu’ poder estatal. O Estado perdia o monopétio do poder na sociedade para se tornar seu centro hegemdnico, dotado da dltima palavra sobre o Direito que deve equilibrar todo o sistema. A observagio deste fenémeno é que levou M. S. GIANNINI a concluir que “existem, assim, 08 Poderes Publicos das coletividades pluriclasse; um desses poderes piblica € 0 Estado”, ¢ O grande fenémeno s6cio-politico deste fim de século, no Direito Po- Iftico ou, se preferir, mais restritamente, na Teoria do Estado, vem a ser, assim, o desabrochar do ilimitado potencial de associagio e de organizagéo da sociedade civil, além do Estado e de suas proprias organizagées de Estado, talvez como um inicio da sociedade global que um dia surgird. No fimbito do Estado Pluriclasse, a sociedade civil ganba condisées, até entio sonhadas em utopias, de desenvolver fungées politicas diversifica- das em todos os campos ¢ setores decisionais. Muito além, portanto, de seu papel conquistado no infcio do liberalismo de selegdo de representantes. Nessa eyolugao, a sustentacdo ¢ a defesa dos mais diversificados inte- resses, antes de tutela inexistente, imprecisa, ¢ até mesmo imposstvel, pro- vyocou a criaglo de inimeras formas de articulagao de segmentos da socie- -$ Remote-se o leitor, para aprofundamento, a nosso ensaio Metodologia Constitucional, na Revista de Informacéo Legisiatioa do Senado Fe- deral, a, 23, n° 91, jul-/set, -886, pp. 63 © ss. 4 Existono quindi 1 pubblici poteri di collettivita pluriclasse; uno ai quest pubblici poteri ¢ lo Stato (op. elt, p. 61). 26 R. Inf, tegisl, Brasitia a. 30 m. 117 jen./mar. 1993 dade, que, anteriormente, nfo o poderia fazé-Jo, sem confranto com aqueles interesses solidamente sedimentados e garantidos pelos estamentos hege- ménicos. Na socitdade plurictasse a mesma pessoa pode ser titular de interesses t&o diversificados que, por vezes, S80 dificeis de conciliar: 0 interesse civico de garantir o Estado mais eficiente com o interesse financeiro de pagar menos tributos; o interesse de consumidor em pagar bens ¢ servigos mais baratos com interesse de cidaddo em preservar a indéstria nacional; o inte- resse ecolégico de manter o meia ambiente com o interesse econdmico de desenvolver atividades industriais potencialmente poluidoras, ¢ assim por diante. Em suma, a sociedade pluralista tornou-se poliirquica 4 medida em que se organizou, ¢ esta tornou o Estado pluriclasse, & medida em que o desfigu- Tou enquanto centro de poder de estamentos dominantes. 2. Problemas de governabilidade Embora Governo, em sentido lato, venha a ser um dos elementos estruturais do Estado, € mais comum reservat-se a expresso para definir © conjunto de Grgiios ¢ entidades que exercem a fangéo executiva estatal desdobrada na diregdo superior da administragdo piiblica e na sua reali- zagio.® E nesse sentido que o desaparecimento do Estado Monoclasse, a0 qual corresponde um modelo governamental relativamente simples, cedeu lugar a um sistema de administracgio publica cada vez mais complexo, que se pode considerar ainda em pleno curso de organizasiio. Deixou de existir, assim, sublinha GIANNINI, “um Estado corres- pondente 20 modelo que tinham elaborado os grandes tedricos da tradigao cléssica”, aquele que “se acreditava fosse a poss{vel teorizagdo universal tanto da ciéacia jurfdica quanto das instituigdes juridicas”. * Na verdade, esse autor foi buscar na Ciéncia da Administracéo a nogéo do aparato, como 0 “complexo de homens ¢ de meios a servico de ums figu- ra subjetiva (uma entidade, uma empresa, uma associagio, etc.) com os quais exta prové o desempenho de sua propris atividade”. * © aparato administrativo piblico é, portanto, a resposta organizativa a demandas de uma entidade de cardter piblico, devendo corresponder a0 volume e aos tipos de interesses que lhe sao cometides. Enquanto no Estado Monoclasse ease atendimento estava reduzido & solusio do antagonismo ptiblico-privado, no Estado Pluriclasse, as novas formas de conilitualidade 8 V. SERGIO DE ANDRA FERREIRA. Comentérios 6 Constituigto, Livra- via Freitas Bastos 6/A, Filo, 1091, § volume, p. 17, 6 M. 8. GIANNINI — op. eit, p. 30. 1 Op. elt, p aL. A. taf, lopial, Brasilia 0, 30 a. 107 fom/mer. 1993 a envolvendo interesses individuais, coletivos, difusos, piblicos ¢ privados passaram a demandar um aparato administrativo publico muito mais com- plexo, de maior capilaridade social e com maior entrosamento com os indimeros apatatos administrativos desenvolvidos na sociedade civil que o complementam. ‘A ausfncia ou tardanga na adequagio do aparato administrative as novas demandas caracteriza a crise de governabilidade que hoje vem preocupando cientistas politicos ¢ juridicos. Perdida a eficiéncia gover- namental das instituigdes do Estado Monoclasse, tornou-se problemética a readaptacio do aparato administrativo para satisfazer as tumultuadas deman- das polfticas do Estado Pluriclasse. O Estado, para lembrar DANIEL BELL, havia se tornado grande demais para os pequenos problemas ¢ pequeno demais para os grandes problemas. Na raiz dessa inadequacio, todavia, esté a inconfiabilidade ética do aparato administrative pablico, reconhecido como ainda preso a interesses persistentes de algumas classes, inclusive do proprio estamento conformado por politicos burocratas profissionais. Mirado com suspicicia pela sociedade pluralista, o aparato do Estado Monoclasse nfio 86 nfo pode como nfo se esforga muito para mudar, mas somente essa mudanca, que poderd tomélo o aparato déctil de um Estado Pluriclasse, lograré devolver-lhe a necessdria autoridade, Esse aspecto ético da inadequagao do aparato administrative pablico se prolonga como uma perda da capacidade técnica de atuar na solucGo dos interesses emergentes nas sociedades pluralistas. Derandados por miltiplos segmentos, os recursos se diluem sem nada produzir, pois falta a correta decisio polltica para alocé-los bem. Assim, a falta de autoridade legitimatéria leva a falta de eficécia deci- séria, gerando o perverso cfreulo vicioso da ingovernabilidade, tendo, num setor, a crise ética, com a demanda néo correspondida da sociedade sobre a administrag3o pifblica, para a observincia de referéncias morais e, no setor antfpoda, simultaneamente, como causa ¢ efeito, a crise técnica, com 8 demanda nao correspondida da sociedade sobre a administragéo publica, para a solugdo de problemas que se acumulam, nas éreas econdmicas © sociais, fortemente comprometedores da seguranga publica. Embora reconhecendo que os problemas de governabilidade sejam, na sua integralidade, por demais complexos para serem reduzidos, geometrica- mente, as duas crises apontadas, nelas, sem divida, est4 muito de sua expli- cago, notadamente no campo ético, em razio das novas exigtncias da legi- timidade democrética, no que estamos na confortadora companhia de NORBERTO BOBBIO, que assim magistralmente os resume: 1.°) a maior sobrecarga de demandas da sociedade nos regimes democréticos, em compa- rag&o com os regimes autocréticos. Isso nfo s6 porque elas afloram mais facilmente como porque se acumulam mais rapidamente nos meandros dos 28 R. Inf, fogiel. Brasilia «. 30 #. 117 jen./mor, 1993 procestos decisérios; 2.°) a maior conflitualidade social nos regimes demo- créticos e pluralistas, em oposico aos sistemas fechados, nos quais as demandas ¢ conflitos si0 reprimidos; ¢ 3.°) 2 maior distribuiggo e descon- centragdo do poder existente nas sociedades democréticas, caracterizadoras da demanda polidrquica, que, se de um lado possibilita uma sauddvel con- corréncia entre centros de poder, termina, por outro, por “criar um conflito entre os préprios sujeitos que deveriam resolver os conflitos, uma espécie de conflito & segunda poténcia” §. A essa devolucdo da eficiéncia — ética e técnica — nessa ordem, é que se pode denominar cosrentemente de modernizacio, escoimada de conote- des emocionais ¢ até mesmo ideolégicas, que teimam em conspurcar-lhe o verdadeiro sentido, que no hé de ser outro,que no © que se refere A tarefa, jamais conclufda, de adaptar ¢ readaptar o aparato administrativo do Estado, ¢ o préprio Estado, as realidades politicas, sociais e econémicas das sociedades que deve reger. 3. A crise ética A crise ética tem, por isso, avassaladora preferéncla em nossas preocupagées modernizantes. A ordem jurtdica contemporanea nao se limita & dimensio da legalidade, estendendo-se 2 legitimidade e 2 licitude. Foj dédiva do liberalismo oitocentista o conceito de Estado de Direito, s0b o império da legalidade, tio brilhantemente desenvolvido pelos juristas do século seguinte. Foi érdua conquista deste século, o Estado Democritico, que se realiza pela legitimidade, hoje afirmado nas Constitwiges contem- Ppordneas, como a brasileira, de 1988. Tem sido a wiltima fronteira ética, 0 Estado de Justica, que vem nos prometer a licitude nos processos politico- administrativos. A legalidade submeteu a sociedade e, depois, o Estado, & vontade lei, como “‘o minimo ético indispensével que a sociedade exige de seus mem- bros”.* A legitimidade submeteu o Estado ¢ a lei 4 vontade da sociedade, como expresso de um consenso democrético sobre o poder '°. Finalmente. a licitude pretende reslizar a derradeira submissio, a mais ambiciosa das conquistas éticas: a sujeigfo do Estado. notadamente de seu aparato admi- nistrativo, & moral. 8 NORBERTO BOBBIO, Litercliemo ¢ Democracia, Ed. Brasiliense, S80 Paulo, 1688, pp. 92 2 97. 9 & de JOGL DA SILVA PACHECO a expresso, referindo-se & doutrina JELLINEK sobre as relaces entre moral e direito (in Enciclopédico, verbote “moral”, p. 295). 10 Embors o conosito de legitimidade tenha surgido com as primeiras ma- nifestagies da conscténcia polities, conctedo so tipo de relacionamento de poder ‘tipleo do patriarcalismo primitivo, que MAX WEBER dsnominou de “daminacko tradicional", hoje ele estd definitivamente ligado & nogio de institigdo, Blof, legicl. Brasilia ©. 30 m. TIT jan/mer. 1993 2 Essas etapas de aperfeigoamento ético da ordem juridica nao se subs- tituiram uma a outra sendo que se acresceram, pois cada uma delas necesita da convalidagao da anterior, numa trajet6ria para a plena submissao ética do poder, tendo passado, nessa evolugio do direito modemo, que parte da Revolugdo Francesa e da derrubade do Estado Absolutista, absolutamente aético, pois obedecia & vontade do soberano, da jurisprudéncia dos con- ceitos & dos interesses e, por fim, 3 dos valores. A jurisprudéncia dos conceitos ancorou numa sélida dogmética, a lega- Tidade necesséria para que medrasse o Estado de Direito; a jurisprudéncia dos interesses foi buscar nas razdes sociolégicas a legitimidade exigida para que o Estado Democrético se tornasse possivel; a jurisprudéncia dos valores faz sos rincfpios morais a base de licitude capaz de realizar 0 Estado de Justiga. Assim & que, no obstante as milenares vicissitudes ¢ decepgdes que marcam a vida politica e que tanto a aviltam aos alhos do homem comum, € fora de dtivida que o senso fundamentalmente ético da humanidade *? vai lentamente triunfando sobre o arbitrio ¢ a injustiga, incorporando-se & ordem juridica e tornando-a, pouco a pouco, efetiva. A introdug&o de diferentes e sempre mais exigentes valores na ordem juridica dos povos civilizados, como luzeiros orientadores de toda atividade do Estado, e nao somente na administrativa, responde as mais lidimas exigéncias do progresso humano, superando as doutrinas artificiais, forjadas no passado, dogmatizadas ¢ ideclogizadas . O progresso nfo se confunde com a racionalidade pura, nem com o crescimento econémico, nem com as conquistas materiais: ele brota natu- ralmente da alma humana, iluminado pelos valores éticos que s6 se desen- volvem no pluralismo e na tolerancia. 4. A crise técnica A crise técnica apopta duas vertentes no campo da administragio pi- blica: a perda de eficiéncia na execugdo e a perda da eficigncia no controle. A perda de eficiéncia na execugao decorre do inadequado tratamento politico-administrativo dos interesses pablicos, seja por excessiva centra- lizagéo das decisées, que emperram o aparato administrativo publico, seja pelo excesso de concentragéo de interesses a defender por este aparato. 31_Referdncia as etapas evolutivas do Direlto Moderno, expostes por MIGUEL REALE (in Nova Fase do Direito Moderno, Saraiva, 1990, pp. 92 © a1). 12 JOHN RAWLS, formulador de uma teoria da justiga, insta que acreditemos nna prevaléncla desse imperativo, pols, segundo ele, a humanidade tem uma natureea moral e, dadas as necessirias condic6es objetivas, muitas das quais ‘instituctonais, os homens stuario, comprovadamente, de acordo com seus prin- ofpioa (A Theory of Justice, Belknap Press, Harvard University Prees, Cambridge, ‘Massachussete, 1980, p. 880). 30 R. Inf. legisl, Brositia @. 30 nm. 117 jan/mar. 1993 0 excesso de concentragio de interesses cometidos a0 Estado se supera pela desestatizagao, enquanto que a excessiva centralizagéo deciséria, se supera pela descentralizacdo. Se mirarmos a experiencia dos paises a vanguarda das transformagées modernizadoras do sparato administrativo pdblico, encontramos exstamente esas duas tendéncias dominando 0 cenério contemporineo e mudando 0 que M, S. GIANNINI denomina o “quadro de referéncia” do que hoje se deve entender por administragéo piblica. A idéia de uma administraco publica exclusiva ou quase que exclusi- ‘vamente centralizada no Estado, vem cedendo, inexeravelmente, neste s6- culo, & pressiio dos fatos: o Estado nfo se mostrou eficiente para atender a todas as demandas administrativas que dele se esperou no passado e 0 aparato administrative nao se mostrou eficiente para solucionac satisfato- riamente a todas as demandas publicas exigides de um ou poucos centros de poder decisério. Despontam, portanto, duas novas tendéncias, a serem acompanhadas, estudadas ¢ compreendidas racionalmente, sem interferéncia emocional ou preconceito ideolégico: a desestatizagHo — que, no caso, vem a ser a administracéo fora do Estado, e a descentralizapdo, que vem a ser a desa- ‘gregaciio dos centros de decisfio ou de execugéo no interior do Estado. Quanto ao surgimento de tipos de administragio publica fora do Estado — a descentralizagéo — o quadro de referéncia debuxado por MASSIMO SEVERO GIANNINI nos fornece uma impressionante lista, da qual destacamos: a) a administragio internacional, através da qual o Estado ¢ a sociedade recebem da comunidade internacional organizada as normas sobre vatios setores de atividade, como aviagio civil, telecomunicagées, correios ¢, em alguma medida, comércio internacional e patentes. Os Es- tados se limitam a dar-lhes aplicaco em seu Ambito; b) a administragao supra-estatal ndo estatal, como sio as convengées internacionais de caréter profissional (industrial, empresarial do terciéric, operérios), a UNESCO, © Comité Olfmpico Internacional ¢, de modo geral, as federagdes esportivas; ¢) aadministracdo das comunidades das nagées, tal camo jé a tem a Europe, se desenvolve na América do Norte, na Asia e se esboga no Cone Sul, deixan- do o Estado como executor de normes concertadas em centros de poder cada vez mais distintos dos parlamentos nacionais; e d) as estruturas empresariais transnacionaia, que desnacionalizam o capital e 2 tecnologia e que os loca- lizam nos Estados que escolhem, com eles negociando regras administrativas simbi6nticas, como nos exemplos do NECS asifticos, Quanto & desagregago da administragéo publica dentro do Estado — a descentralizagao — ainda a partir das indicacdes do mesmo autor, temos: @) os entes territoriais locais, que etabora inseridos na 6rbita estatal, cada vez mais reclamam e obtém poderes autdnomos de decisiio administrativa sobre uma extensa gama de interesses identificados como das circunscrigdes tetritoriais menores, como o dos busgos,, das cidades, dos municipios, dos R. Inf, lepil. Bresilig ©, 30 =, 317 jan,/mer. 1993 a distritos e até dos bairros, em ultima e profunda correlago com as corres- pondentes fragGes da sociedade. No Brasil isso é particularmente observdvel no reforgo da autonomia dos Municipios, hoje constitucionalmente guindados a membros sui generis da Federacdo, juntamente com a Unifo, os Estados e ‘ Distrito Federal (arts. 1.° e 18 da Constituigao de 1988); b) os partidos politicos, néo s6 por serem os canais oficialmente reconhecidos do acesso ao poder, como por neles terem origem as propostas de decisfio eventual- mente executadas, assim como por neles se iniciar, sem interferéncia estatal, a escolha dos candidatos aos oficios estatais da administracdo publica e, néo menos importante, por exercerem, eles proprios, parcelas de poder, enquanto instituigdes auténomas, ao comporem colegiados administrativos de toda sorte; c) as associagdes profissionais, sindicatos ou federagdes de classe de todo tipo, as quais se reservou, por lei, o poder de policia admi- nistrativa com exclusio da ingeréncia direta do Estado, com competéncia desde o reconhecimento da habilitagio profissional até a negociagiio cole- tiva de contratos em representacio classista; d) as entidades delegatdrias de todo o género, néo s6 as tradicionais concessiondrias e permissiondrias de servicos piblicos como as modernissimas entidades de gestao privada de interesses piblicos, as auditorias privadas das contas piblicas e, final- mente, nfo sem menor importancia, as entidades que executam atividades reconhecidas como de interesse piiblico, que conformam a categoria em expansiio da descentralizagao social, na qual o Estado, em vez de delegar, limitase a reconhecer eficécia de pablica administragao as atividades pre- ticadas por entes de colaborago, que gerem certos interesses de natureza ptiblica, como ocorre, por exemplo, com os chamados cruves de servigo, com as associagdes de bombeiros voluntarios, com as associag6e$ de mora- dores, com as associagées civis e as associagdes assistenciais, em geral. J& se pode observar, apenas com esses elementos, que os fendmenos se tangenciam € que a descentralizagao, nas suas express6es mais avancadas, das delegagdes para a gestao privada de interesses publicos e das delegagdes sociais, se aproximam da desestatizagdo, se nfio que com ela se confundem, pelo menos dando lugar a uma zona de transicao, em que a edministragao publica e privada se sobrepéem e se interpenetram. Ora, a medida em que esses fendmenos ganham expressiio, o Estado vai perdendo a administragdo dos interesses publicos para se concentrar na sua diregéo, & semelhanga do que GEORGES LANGROD observou, em meados do século, quanto a legislacdo, cujo monopélio da elaboracao saia dos Parlamentos para que esses pudessem se concentrar no monopélio da politica legistativa. Hoje, os Executivos, da mesma sorte, perdem 0 mono- Polio da execusao administrativa para bem desempenharem 0 monopélio da decisdo administrativa. nto, nesse complexo quadro de referéncia, da sociedade plura- E, porta lista e polifrquica e de seu produto, o Estado Pluriciasse no qual a prestagao da administragéo piblica perde em importancia para a sue diredo, que az R. Inf, Hegisl, Brasilia @. 30 m. 117 janJ/mar. 1999 se deve examinar o tratamento constitucional do tema em nosso Pais, for- mulando para uma contribuiggo doutrinéria moderna e vigorosa para sua revisio, A propria modernidade do tratamento constitucional dado a adminis. ttagho pablica em 1988, j4 nos demanda uma superaco de antigos tabus ¢ (preconceitos, mesmo sém considerarmos a vertiginosa evolugao, que partiu de um quadro relativamente simples e geometrizada do Estado Monoclatse ¢ de suas Constituiges para o Estado Pluriclesse ¢ suas novas exigéncias constitucionais. E necessério que 0 critério da ptiblica administragio e, assim, de seu contrasteamento com a ordem juridica, para efeito de seu controle de juri- dicidade, cada vez mais se oriente nfo pela execugdo, mas pela definigzo de um interesse piblico em jogo ¢ pelo cometimento ac Estado de alguma forma de poder de direcdo, incluido o de correo. E neste sentido que, em vez de reduzirse, aumenta a importancia do Estado, desde que saibamos distinguir bem o que seja a decisio, o exercicio, ¢ 0 controle, exatamente como na ), jd cldssica, de A, LOWENSTEIN sobre as novas fungdes do Estado: policy formulation, policy execution ¢ policy control. Muito préxima a essas consideragées, a perda da eficiéncia no controle, a segunda vertente da crise técnica, também exige um tratamento adequado, com pleno conhecimento de que significam hoje us institutos juspoliticos da participagfo e da provedoria institucional de justica. Efetivamente, de um lado, os institutos da participagao politica, pres- tigiados pelo legislador constitucional de 1988, hoje so tidos coma um direito da mais alta hierarg condic&éo sine gua non da realizacio da legitimidade, mas também essenciais a todo o sistema de preservagio da jegalidade e da licitude. Somente pela participagiio, expressei em obra espectfica sobre o tema, “é possivel gerantirse que o Govern venha a decidir, seja abstrata ou concretamente, de acordo com a vontade do povo, superando a antiquada férmula da representaggo, que se baseia mais na presungio de legitimidade que na sua efetiva aferigdo”. #8 A extensiio do alcance desses institutos ¢ praticamente ilimitada: basta que a lei organica discipline qualquer das multipias formas de que podem se revestir ¢ 14 teremog uma vigorosa expressiio de controle prévio, con- temporfineo ou posterior das atividades da administragio piblica, néo im- Porta quem a decida ou quem a execute. E o povo, destinatdrio da admi- nistrado publica, dela participando. 13 Para aprofundar ne tems tascluante do Direito Politico atusl, supere-so moseo trabalho Direito da Representagdo Politics — Lepislatioa, Administrative @ Judicial — Pundomentos Técnicos Constttucionats da Democracis, Ed. Renavar, TR. Inf, logicl, Bresitin a, 30°. 117 jom/mer. 1972 3 Por outro lado, as fungdes essenciais 4 justiga, situadas constitucio- nalmente fora dos trés Poderes tradicionais, mas atuando sobre todos eles, na provedoria de interesses individuais, coletivos, difusos, piblicos ¢ priv. ‘dos, constituem uma extensa e profissionalizada rede, apta a atuar contra ameacas ¢ violagGes & ordem juridica. Tais fungdes, genericamente cometidas & advocacia, séo especifica- mente confiadas a quatro ordens de instituigdes estatais, funcionando como uma linha de frente da preservago da ordem juridica e a defesa da cida- dania, Sao instituigdes estatais, por certo, dotadas de parcelas de poder do Estado, mas destinadas a atuar na realizagao e na defesa de interesses determinados, , em fungdes de provedoria de justiga, ** © segmento da advocacia privada se volta preferentemente, ainda que nao exclusivamente, & defesa singular dos interesses individuais, coletivos e difusos das pessoas fisicas, juridicas e formais da sociedade, sendo prati- cada pelos profissionais de dircito em carter contratual, constituindo-se, por isso, num ministério privado de funcoes publicas.. A advocacia ptiblica, Jato sensu, se volta & defesa dos interesses indi- viduais, coletivos e difusos da sociedade como um todo (Ministério Pi- blico), da Unio, dos Estados e do Distrito Federal (Advocacia-Geral da Unifio e Procuradoria dos Estados e do Distrito Federal) ¢ dos necessitados (Defensoria Publica), voltadas a trés conjuntos de interesses caracterizados constitucionalmente, conformando um ministério piiblico de fungdes pui- blicas . G primeiro conjunto de interesses abrange, basicamente, dois impor- tantes subconjuntos: os interesses difusos da defesa da ordem juridica e do regime democratico ¢ os interesses sociais e individuais indispon{veis (art. 127, caput, da Constituicao), detalhados em rol de fungSes (art. 129, CF), em relagao aberta, pois pode ser acrescida de outras fungdes, desde que compativeis com a finalidade institucional (art. 129, 1X). Para esse Conjunto, » fung&o essencial & justica que Ihe corresponde € a advocacia da sociedade, e a procuratura que a tem a seu cargo € 0 Ministério Publico, em seus ramos federais, distrital federal e estaduais. © segundo conjunto de interesses so os interesses piblicos, assim en- tendidos os estabelecidos em lei e cometidos ao Estado, em seus desdobra- mentos politicos (Unido, Estados e Distrito Federal). Para esse conjunto, ‘a fungdo essencial & justica que the corresponde é a advocacia do Estado {art. 131, para a Unido, e 132, para os Estados e Distrito Federal) e as Procuraturas que a tém a seu cargo so a Advocacie-Geral da Uniiio (érgio 14 SERGIO DE ANDR&A FERREIRA, em seus recentes e valiosos Comentd~ ios, caracteriza-as como “instituieGes governamentais complementares, aos. Poderes Polfticos (p, 112), detxando nftido que a modema pertitha constitucional de Poderor Go iatade fnciut ean TungSca ‘no sistema Ge poli control, refergo Por ‘LOWENSTEIN. ” R. Inf, legisl. Sravilio a, 30m, 117 janSmor, 1993 coletivo) ¢ os Procuradores dos Estados ¢ do Distrito Federal (6rgios sin- gulares). © terceiro conjunto de interesses sio individuais, coletivos ¢ até difusos, mas todos qualificades pela insuficiéncia de recursos daqueles que devam ou queiram defendé-los: sic os interesses dos necessitados (art. 5.°, LXXIV, da Constituigéo). Para esse conjunto, 2 fungao essencial 2 justipa que The corresponde € & advocacia dos necessitados © a prcuratura que a tem @ seu cargo € a Defensoria Publica, federal, distrital federal ¢ estadusl (artigo 134, CF). So, portanto, quatro tipos de advocacia, no sentido lato, aqui em- pregado: a advocacia-geral, prestada singularmente abs individucs em card- ter privado, ¢ as trés advocacias publicas especificas: a da sociedade, a da Unido, dos Estados e do Distrito Federal, ¢ a dos necessitados, discrimina- das na Constituigéo, com o sentido de criar um sistema constitucional de provedoria da justia, supostamente amplo ¢ capilarizado para ministrar todos os interesses garantidos pela ordem juridica a necesséria protesiio. Esse complexo sistema, destacado dos demais Poderes, no exercicio de fungies de fiscalizago e de provocacdo, € essenclal @ justiga, no sentido de que, sem ele, néo se lograré a necesséria afirmaydo da ordem juridica, desiderato que caracteriza o Estado Democratico de Direito ¢ 0 vocaciona para ser um Estado de Justiga. 5. Bficiincia da Administragito Piblica através de regros de ohuaglo uniforme A Constituigo brasileira de 1988 institulu no Pais, & semelhanga das anteriores Cartes republicanas, um sistema de mais de quatro mil Direitos Administrativos Positivos: 0 federal, os estaduais ¢ o do Distrito Federal ¢ um para cada Municipio **. Essa complexidade, por si sé, j4 representa uma grande dificuldade para estabelecer-se um controle simples, cficiente, seguro ¢ de todos conhe- cido. Mas a ela ainda vem se somar nova complexilade do proprio aparato administrativo de cada uma das suas unidades, alcancadas 8 pelo ‘processo contemporéneo da desestatizagio e da descentrelizagfo, conforme jf se expés. £ natural, assim, que subsistam duvidas, vacilagdes ¢ imprecisdes de todo tipo, a comprometer a eficiéncia da administracio piiblica brasileira de todos os nfveis, abrangendo as bases de deciséia, de execugiio ¢ de con- trole. Eis ai a razZo, bastante e suficiente. de ter, 0 constituinte de 1988, se preocupado com a uniformizacdo de principios e preceitos para a admi- 19 SERGIO DE ANDREA FERREIRA, op. cit, p. XXXII. TR Int, Negi, Brasilia ©. 30 nw. 117 jon/mor, 1993 35

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