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Não é só a Bíblia que está nessa situação, outros documentos antigos que chegaram
até nós também estão. A vantagem do Novo Testamento, principalmente quando
comparado com outros escritos antigos, é que muitas cópias sobreviveram.
Quanto maior o número de cópias em harmonia umas com as outras, sobretudo se
provêm de áreas geográficas diferentes, tanto maior a possibilidade de confrontá-las,
o que nos permite visualizar como seriam os documentos originais. A única forma
possível de harmonizá-los seria pela ascendência de todos eles à mesma árvore
genealógica que representaria a descendência dos manuscritos.
— Mas e quanto à idade dos documentos? Não há dúvida de que isso também
é importante, não é verdade?
É importante, mas esse elemento é outro dado que favorece o Novo Testamento.
Temos cópias que datam de algumas gerações posteriores ao escrito dos originais, ao
passo que, no caso de outros textos antigos, talvez cinco, oito ou dez séculos tenham
se passado entre o original e as cópias mais antigas que sobreviveram. Além dos
manuscritos gregos, temos também a tradução dos evangelhos para outras línguas
numa época relativamente antiga: para o latim, o siríaco e o copta. Além disso, temos
o que podemos chamar de traduções secundárias feitas pouco depois, como a armênia
e a gótica. Há várias outras além dessas: a georgiana, a etíope e uma grande variedade.
Veja o caso de Tácito, o historiador romano que escreveu os Anais por volta de 116
d.C. Seus primeiros seis livros existem hoje em apenas um manuscrito, copiado
mais ou menos em 850 d.C.
Os livros 11 a 16 estão em outro manuscrito do século XI. Os livros 7 a 10 estão
perdidos. Portanto, há um intervalo muito longo entre o tempo em que Tácito
colheu suas informações e as escreveu e as únicas cópias existentes. Com relação a
Josefo, historiador do século I, temos nove manuscritos gregos de sua obra Guerra
dos judeus, todos eles cópias feitas nos séculos X a XII. Existe uma tradução latina
do século IV e textos russos dos séculos XI ou XII.
— Só para comparar, quantos manuscritos do Novo Testamento grego
existem ainda hoje?
Os mais antigos são fragmentos de papiros, que era um tipo de material para escrita
feito da planta do papiro que crescia às margens do delta do Nilo, no Egito. Existem
atualmente 99 fragmentos de papiros com uma ou mais passagens ou livros do Novo
Testamento. Os mais importantes já descobertos são os papiros Chester Beatty,
achados por volta de 1930. Destes, o número 1 apresenta partes dos quatro
evangelhos e do livro de Atos, datando do século III d.C. O papiro número 2 contém
grandes porções de oito cartas de Paulo além de trechos de Hebreus, e a data gira em
torno de 200 d.C. O papiro número 3 compreende uma seção enorme do livro de
Apocalipse, com data do século III d.C. Um outro grupo de manuscritos de papiros
importantes foi comprado por um bibliófilo suíço, Martin Bodmer. O mais antigo deles,
de aproximadamente 200 d.C, contém cerca de dois terços do evangelho de João. Um
outro papiro, com partes dos evangelhos de Lucas e João, é do século III d.C.
Qual é o manuscrito mais antigo? Será que é possível chegar aos manuscritos
originais, que os especialistas chamam de "autógrafos"?
— De todo o Novo Testamento, qual é a parte mais antiga que temos hoje?
Um fragmento do evangelho de João com parte do capítulo 18. Tem cinco versículos,
três de um lado, dois de outro e mede cerca de 6,5 por nove centímetros.
— Como foi descoberto?
Foi comprado no Egito em 1920, mas passou despercebido durante anos em meio a
outros fragmentos de papiros semelhantes. Em 1934, porém, C. H. Roberts, do Saint
Johris College, de Oxford, trabalhava na classificação de papiros na Biblioteca John
Rylands, em Manchester, na Inglaterra, quando percebeu imediatamente que havia
deparado com um papiro em que se achava preservado um trecho do evangelho de
João. Pelo estilo da escrita, ele foi capaz de datá-lo.
— É muito antigo?
Ele concluiu que o manuscrito era de cerca de 100 a 150 d.C. Muitos outros
paleógrafos famosos, como sir Frederic Kenyon, sir Harold Bell, Adolf Deissmann, W. H.
P. Hatch, Ulrich Wilcken e outros, concordam com sua avaliação. Deissmann estava
convencido de que o manuscrito remontava pelo menos ao reinado do imperador
Adriano, nos anos 117 a 138 d.C, ou até mesmo ao do imperador Trajano, entre os
anos 98 e 117 d.C.
Era uma descoberta formidável, porque os teólogos alemães céticos do século passado
haviam postulado enfaticamente que o quarto evangelho não fora redigido pelo
menos até o ano 160 — numa época já bem distante dos eventos do tempo de Jesus
para que pudesse ter alguma utilidade histórica. Com isso, influenciaram gerações de
estudiosos, que zombavam da confiabilidade desse evangelho.
Temos aqui um fragmento muito antigo do evangelho de João proveniente de uma
comunidade das margens do rio Nilo, no Egito, muito distante de Éfeso, na Ásia
Menor, onde o evangelho provavelmente foi escrito.
Essa descoberta fez com que os pontos de vista populares da história fossem revistos,
colocando o evangelho de João muito mais próximo dos dias em que Jesus caminhou
pela terra.
Uma Abundância de Provas
De acordo com Metzger, além dos documentos gregos existem milhares de outros
manuscritos antigos do Novo Testamento em outras línguas. Existem entre 8 e 10 mil
manuscritos da Vulgata latina, mais um total de 8 mil em etíope, eslavo antigo e
armênio. No total, há cerca de 24 mil manuscritos.
Exato.
— Então é provável que existem milhares de variações nos manuscritos
antigos que possuímos?
Exato.
— Isso significa então que não podemos confiar neles?
Não significa que não podemos confiar neles. Em primeiro lugar, os óculos só foram
inventados em 1373, em Veneza. Tenho certeza de que muitos dos antigos escribas
sofriam de astigmatismo. Acrescente-se a isso a dificuldade que era,
independentemente das circunstâncias, ler manuscritos já apagados, cuja tinta havia
perdido a nitidez. Havia também outros perigos — falta de atenção da parte dos
escribas, por exemplo. Portanto, embora a maior parte dos escribas fosse
escrupulosamente cuidadosa, alguns erros acabavam passando.
Mas há outros fatos que compensam isso. Por exemplo, às vezes a memória do escriba
pregava-lhe peças. Entre olhar o que tinha de copiar e, em seguida, escrever o que lera,
ele podia acabar mudando a ordem das palavras. Ele escrevia exatamente as palavras
que lera, porém na sequência errada. Isso não deve ser motivo para se alarme, já que o
grego, ao contrário de outras línguas, como o inglês ou o português, é uma língua que
admite flexões.
Que faz uma enorme diferença em português se você disser: "O cachorro morde o
homem" ou: "O homem morde o cachorro". A ordem das palavras é importante em
português, mas não no grego. Uma palavra pode funcionar como sujeito da oração
independentemente de onde esteja colocada. Consequentemente, o significado da
oração não fica truncado se as palavras não estiverem na ordem que consideramos
correta. Existe, portanto, uma certa variação entre um manuscrito e outro, mas, em
geral, são variações de menor importância. As diferenças de grafia seriam um outro
exemplo.
O número parece grande, mas engana um pouco pelo modo como as variações são
computadas — Tanto é que, se uma única palavra for escrita incorretamente em 2 mil
manuscritos, contabilizam-se 2 mil variações.
Em segundo lugar, havia o critério de conformidade com o que era conhecido como
regra de fé. Isto é, o documento estava em harmonia com a tradição cristã básica que
a igreja reconhecia normativa. E, em terceiro lugar, procurava-se estabelecer se um
documento em especial gozara de aceitação e uso contínuos por toda a igreja.
Bem, não seria muito correto dizer que esses critérios eram simplesmente aplicados de
modo automático. É claro que havia diferentes opiniões sobre quais critérios deveriam
pesar mais. O que chama mais a atenção, porém, é que, apesar que os arredores do
cânon ter permanecido instável durante algum tempo, havia um alto grau de
unanimidade no tocante à maior parte do Novo Testamento durante os dois primeiros
séculos. Foi o que aconteceu em diversas congregações espalhadas em uma área muito
ampla.
Os quatro evangelhos que temos no Novo Testamento pautaram-se por esses critérios,
ao passo que os outros não?
Sim. Foi, como se fosse uma espécie de "sobrevivência do mais apto". Quando se referia
ao cânon, Arthur Darby Nock costumava dizer aos seus alunos em Harvard: "As estradas
de maior trânsito da Europa são as melhores; por isso o trânsito é tão intenso". É uma
boa analogia.
O comentarista britânico William Barclay formulou o pensamento da seguinte maneira:
'A verdade pura e simples é que os livros do Novo Testamento entraram para o cânon
porque não havia como impedi-los de entrar". Podemos estar certos de que nenhum
outro livro antigo pode se comparar ao Novo Testamento em termos de importância
para a história ou a doutrina cristã.
Quando estudamos a história primitiva do cânon, saímos convencidos de que é no Novo
Testamento que encontramos as fontes mais fidedignas para a história de Jesus. Os que
fixaram os limites do cânon tinham uma perspectiva clara e equilibrada do evangelho
de Cristo. Leia os outros documentos e veja por si mesmo.
Eles (apócrifos) foram escritos depois dos quatro evangelhos, nos séculos II a VI, muito
tempo depois de Jesus, e, em geral, são muito banais. Seus nomes, como o Evangelho
de Pedro e o de Maria, não correspondem aos autores verdadeiros. Por outro lado, os
quatro evangelhos do Novo Testamento foram prontamente aceitos com notável
unanimidade como portadores de conteúdo autêntico.