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UMBANDA:
ABRAÇANDO AS LUZES E SOMBRAS
NA CULTURA BRASILEIRA
PSICOLOGIA ANALÍTICA
CURITIBA
2014
Objeto de Análise
Elementos do Culto
Os rituais na Umbanda são praticados em locais que seus praticantes chamam
de Terreiros e também carinhosamente referenciados como “casa”. Este espaço
geralmente é composto por um altar no fundo da sala, chamado de Congá, onde se
encontram as imagens dos Orixás e das principais entidades reverenciadas na casa. A
sala deve ser ampla, praticamente vazia, pois o culto acontece com os praticantes em
pé. Ao fundo há o espaço para a Assistência - público que assiste à gira e pode realizar
consultas com as entidades. Há também um espaço reservado para os tambores,
chamados de Curimba. Sua direção é executada pelos chamados Mães e Pais de Santo
que presidem as Giras – nome dado a cada culto realizado. Os praticantes são
chamados de médiuns integrantes da corrente, e devem trajar branco.
O culto é todo executado ao som dos atabaques, que considerado a “Alma
Musical”, prepara o ambiente ou as energias para as incorporações das entidades. Ao
contrário do Candomblé, onde as incorporações ou transes se dão pela assimilação da
energia dos Orixás, portanto energias divinas e arquetípicas puras, a Umbanda se
baseia na incorporação de entidades – alma ou espírito de seres humanos
desencarnados que já possuíram um corpo físico e hoje encontram-se em um outro
plano astral. Estas entidades correspondem a grupos que representam diferentes ramos
das minorias brasileiras que serão comentadas posteriormente.
Não há uma doutrina específica, sendo considerada muitas vezes a doutrina
Espírita de Kardec como referência espiritual.
Origens
Prática relativamente recente, a Umbanda teve seu início em um Centro Espirita,
em 1908, e mais tarde foi incorporando diferentes elementos das práticas do Catimbó e
do Candomblé.
Do Catimbó – culto afro-religioso que misturava cultos indígenas e africanos,
trouxe a incorporação de entidades indígenas – Caboclos – e escravos negros – Pretos
Velhos, bem como os Malandros.
Do Candomblé – também um culto afrodescendente – trouxe a reverência a
alguns Orixás específicos, já sincretizados com os Santos do Catolicismo, que são:
Oxalá (sincretizado com Jesus Cristo), Iemanjá (Nossa Senhora da Conceição), Oxum
(Nossa Senhora), Iansã (Santa Bárbara), Oxóssi (São Sebastião), Ogum (São Jorge),
Xangô (São Pedro).
Podemos concluir, portanto que a Umbanda é o resultado do sincretismo de
várias vertentes religiosas que permearam a construção da sociedade brasileira.
Do ponto de vista sociológico constatamos que a alma mestiça brasileira se formou
quer pelo acasalamento do europeu branco o com a mulher índia, quer pelo
acasalamento do europeu branco com a mulher negra. Destes dois tipos de
acasalamento surgiram mestiços de origem ameríndia e mulatos. “Um povo mestiço
na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado”.
(BOECHAT, 2014, p. 46)
Método de Análise
Contextualização
O interesse cada vez mais crescente nestes cultos nos sugere que há uma
tendência dos indivíduos a viverem e respeitarem estes padrões que até então estavam
relegados à sombra do inconsciente coletivo brasileiro. Através da espiritualidade, a
Umbanda realiza hoje um resgate destes elementos que foram negados e rechaçados
pela cultura ocidental hegemônica no processo de formação da sociedade brasileira.
É fato que seu culto lembra muito os antigos cultos aborígenes e por isso mesmo
parece reservar aos seus praticantes alguns meios interessantes de se acessar o
conteúdo inconsciente.
O inconsciente é um universo maravilhoso composto de energias invisíveis, forças,
formas de inteligência - até personalidades distintas - que não são percebidas mas
que vivem dentro de nós. (...) Na maioria de nós só uma pequena porção deste
deposito de energia bruta foi assimilada na personalidade consciente. (...) Se vamos
a esse reino conscientemente, é pelo nosso trabalho interior: nossas preces
meditações trabalho com os sonhos cerimônias e imaginação ativa.
(JOHNSON, 1989, p. 15)
Mas existe outra diferença básica entre nós e os aborígenes: eles mantiveram as
formas antigas de adoração e de acesso ao mundo interior. Quando vão ao encontro
do espiritual eles usam formas preestabelecidas para invocar os espíritos para
entender seus sonhos e visões cerimônias preestabelecidas para encontrar seus
deuses no círculo mágico ou no altar. Para nós a maior parte desses velhos caminhos
está perdida. (JOHNSON, 1989, p. 19)
Música
A música tem papel importantíssimo durante o culto. São estas, que chamadas
de Ponto, iniciam e finalizam os trabalhos e permitem a incorporação. Sua presença
ativa as camadas mais profundas da psique, como referencia Clarissa Pinkola Estes:
Pretos Velhos
A linha mais alta dentro de um Terreiro de Umbanda e que geralmente dá nome
ao mesmo são os Pretos Velhos. Entidades femininas e masculinas são formados por
entidades que quando encarnadas eram em sua maioria escravos ou ex-escravos do
período colonial brasileiro. Estas figuras apresentam o arquétipo do Velho Sábio. Quase
sempre acompanhado das crianças, estas duas linhas nos falam do eixo puer-senex.
Crianças
A linha de incorporação dos Erês ou das crianças é sincretizada com os Santos
Católicos São Cosme e Damião, e é considerada uma das incorporações que mais
trazem paz e “limpeza das energias” ao médium. Apesar de se tratarem de crianças,
seus conselhos são extremamente respeitados por se acreditar que sua pureza traz
consigo inocência e sabedoria.
O motivo da criança não apresenta apenas algo que existiu no passado longínquo, mas
também algo presente; não é somente um vestígio, mas um sistema que funciona ainda,
destinado a compensar ou corrigir as unilateralidades ou extravagâncias inevitáveis da
consciência. (JUNG 2011, p.124)
Não admira, portanto, que tantas vezes os salvadores míticos são crianças divinas. Isto
corresponde exatamente às expectativas da psicologia do indivíduo, as quais mostram
que a criança prepara uma futura transformação da personalidade. No processo de
individuação, antecipa uma figura proveniente da síntese dos elementos conscientes e
inconscientes da personalidade. É, portanto, um símbolo de unificação dos opostos, um
mediador, ou um portador da salvação, um propiciador de completude. (JUNG, KERENYI
2011 pg. 127)
Caboclos
A linha de incorporação dos caboclos refere-se aos índios, pajés, curandeiros e
feiticeiros das mais variadas origens, podendo ser tanto femininas quanto masculinas.
O principal arquétipo explorado aqui é o xamã.
Quimbanda
Com licença da Umbanda
Pra Quimbanda eu vou virar.
Vou chamar todos os Exus
Para todo mal levar.
Esta não é uma entidade, mas uma parte da Umbanda chamada de linha de
“Esquerda” que honra justamente as entidades que representam mais fortemente o
arquétipo da Sombra da sociedade ocidental. Apesar de suas imagens fazerem
referências claras a demônios, caveiras e diabos, e se tratarem de entidades que
quando encarnadas levaram uma vida de crimes, corrupção ou lascívia, estas entidades
são consideradas “da Lei” e sua missão é purificar seus karmas através da caridade e
maior consciência.
Cada um de nós tem uma multidão de personalidades distintas que coexistem no
mesmo corpo, que partilham a mesma psique. Sabemos também que a mente
humana vivencia o mundo de forma dual; dividimos o mundo e o nosso próprio ser
entre escuridão e a luz, o bom e o mau, e permanecemos julgando tudo eternamente,
ficando primeiro com um lado, depois com o outro, mas raramente assumindo o
grande desafio de integrar todas as partes em um todo. (JOHNSON, 1989, p. 46)
É deles a missão de guarda e proteção dos médiuns contra o seu próprio lado
sombrio. Uma vez que já tiveram uma vasta experiência em sua própria escuridão e
pagam agora por estas atitudes, eles servem de guia para que o médium se aventure
em seu lado mais sombrio. Estão associados ao Orixá Exú, que na mitologia africana
carrega características do deus Mercúrio romano.
Este aspecto do diabo, que também é o do deus Mercúrio, trai sua estreita
identificação com o inconsciente, que também tem uma natureza de Mercúrio, sendo
primeiramente uma coisa e depois outra, assumindo primeiro uma forma simbólica e
depois outra. O inconsciente tem realmente uma qualidade demoníaca. Contém, as
qualidades desagradáveis da nossa natureza, que rejeitamos do consciente. (...) É
também um embusteiro. (STANFORD, 1988, p. 148)
Malandros
Pomba-Giras
A sombra
A redenção do diabo é uma importante tarefa psicológica a ser realizada, pois não
podemos ser íntegros se não recuperarmos as partes perdidas de nós mesmos.
Entretanto, os perturbadores Dionísio, Pã e Afrodite deveriam estar na atitude cristã
convencional e também pertencem à totalidade humana Eles não são maus em si
mesmos, mas acrescentam a cor, a vitalidade e o eros de que necessitamos para que
nos tornemos pessoas íntegras. (STANFORD, 1988, p. 151)
Conclusão
Podemos concluir então que a Umbanda nos traz vários elementos interessantes
sob a ótica da Psicologia Analítica, como fenômeno social que se propõe a aproximar
os brasileiros contemporâneos de suas raízes e proporcionar uma vivência
transcendente que integre suas luzes e sombras.
O material apresentado foi obviamente limitado devido ao escopo do trabalho,
mas muito poderia ser analisado diante do vasto material arquetípico e simbólico que o
tema encerra.
Embora a Umbanda não seja considerada por alguns como uma verdadeira
religião, e não apresente fundamentos escritos ou dogmatizados, ela vem cumprindo
seu papel de re-ligar o homem ao divino.
Acredito que o sentimento despertado em um Umbandista quando questionado
sobre sua fé, seja melhor explicado por uma das muitas histórias de Joseph Campbell:
ESTES, C. P. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.