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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

MARINO LUIZ BALBINOT

DA ÁFRICA PRÉ-COLONIAL À LEI 10.639/2003

IJUÍ
2015
MARINO LUIZ BALBINOT

DA ÁFRICA PRÉ-COLONIAL À LEI 10.639/2003

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de História da
Universidade Regional do Noroeste do
Estado – UNIJUI, como requisito parcial
para a obtenção do diploma de
Licenciatura em História.

Orientador: prof. João Afonso Frantz

IJUÍ
2015
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa da África Pré-Colonial ...................................................................... 7


Figura 2 – Mapa do Reino de Ghana .......................................................................... 8
Figura 3 – O rei de Ghana ......................................................................................... 10
Figura 4 – Rei Mansa Musa ...................................................................................... 12
Figura 5 – Mapa Império de Mali ............................................................................... 13
Figura 6 – Timbuktu, capital do Império de Mali ........................................................ 14
Figura 7 – Caravana chegando do Saara em Timbuktu, Mali ................................... 15
Figura 8 – Mapa do Reino de Songhai ...................................................................... 16
Figura 9 – Soni Ali Mansa e sua cavalaria ................................................................ 17
Figura 10 – Casas Cônicas ....................................................................................... 19
Figura 11 – Iemanjá, a rainha do mar ....................................................................... 22
Figura 12 – Terreiro Candomblé ............................................................................... 23
Figura 13 – Umbanda ................................................................................................ 25
Figura 14 – Roda de capoeira ................................................................................... 27
Figura 15 – Mestre Bimba ......................................................................................... 28
Figura 16 – Cultura e Sociedade ............................................................................... 31
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4
2 OS IMPÉRIOS DA ÁFRICA PRÉ-COLONIAL........................................................ 7
2.1 O IMPÉRIO DE GHANA ....................................................................................... 7
2.2 O IMPÉRIO DE MALI .......................................................................................... 11
2.3 O IMPÉRIO DE SONGAI .................................................................................... 16
3 A CULTURA AFRICANA ATRAVESSA O ATLÂNTICO. .................................... 21
3.1 A RELIGIÃO CANDOMBLÉ ................................................................................ 21
3.2 A RELIGIÃO UMBANDA ..................................................................................... 24
3.3 A CAPOEIRA ...................................................................................................... 26
4 A IMPORTÂNCIA DA CULTURA DA ÁFRICA NO BRASIL................................ 30
5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 33
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 35
4

1 INTRODUÇÃO

Imagine um continente com uma diversidade incrível, diferente de todos os


outros. Um lugar onde os extremos encontram-se, das altas temperaturas no deserto
do Seara à neve nas montanhas do Kilimanjaro, na Tanzânia; dos edifícios
modernos da cidade do Cabo, África do Sul às tribos Maasai, povo que vive igual há
mais de quatro mil anos; África dos reinos ricos em ouro, civilizações que possuíam
bibliotecas e universidades como o Reino de Mali. Foram vários impérios e
civilizações que, na Idade Média, eram mais avançados que muitos reinos da
Europa.

A África é um continente enorme, com uma grande diversidade geográfica.


Nela há de tudo: altas montanhas – algumas, como o monte Kilimanjaro,
com os picos permanentemente cobertos de neve: grandes desertos, como
o Saara: florestas que parecem sem fim, como a do Congo: grandes
extensões de matas baixas e estepes. (COSTA; SILVA, 2008, p. 11).

No ano de 2011, quando frequentava o 3º semestre do Curso de História, na


Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, Vale do Sinos, optei por fazer uma
disciplina nova, que se chamava, “África”. Foi o ponto de partida para me apaixonar
pelo continente africano. Fiquei surpreso quando meu professor falou que o
continente tinha neve, mais surpreso ainda com reinos antigos que tinham
universidade e bibliotecas, e as surpresas não pararam mais. A partir dali, livros,
filmes, documentários sobre a África começaram a fazer parte da minha vida.
Durante muito tempo, o preconceito determinou que ficasse ocultado pela
historiografia um continente que teve importância cultural para a formação de muitas
civilizações que se espalharam pelo planeta. Esse continente, quando descoberto
pelos europeus, foi tratado como inferior, por ter um povo de pele escura. Assim
também ocorreu na colonização da América, indígenas e africanos não foram
considerados seres humanos, mas sim animais selvagens que precisavam ser
domesticados com um único propósito, a escravidão.
Passaram-se séculos e, mesmo com a abolição, os negros são tratados como
inferiores, sofrem todo o tipo de discriminação. Mesmo com leis como a
10.639/2003, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
5

Africana para diminuir esses preconceitos, ainda temos um abismo social que
separa a população negra da população branca.
Esta pesquisa, por conseguinte, tem a finalidade de trazer um novo olhar
sobre a África, sua riqueza cultural e importância no contexto da história da
humanidade. É fundamental que, na educação básica e universitária, quebremos
paradigmas, conceitos que ficaram enraizados na sociedade, tais como a lembrança
de um continente miserável, de doenças, guerras, escravidão.
Portanto, este trabalho teve o intuito de conhecer uma nova África. Nessa
perspectiva, abordou-se, nesta pesquisa, a África pré-colonial, o continente antes da
chegada dos europeus, seus grandes reinos, como os Reinos de Ghana, Reino de
Songhai e o Reino de Mali. Essas três civilizações tiveram um reinado que duraram
do século VIII ao século XVI. Foram sociedades que tiveram regimes parecidos e até
melhores que muitos reinados europeus da mesma época. No Reino de Mali, por
exemplo, havia universidade e biblioteca.
Além desses reinos, foram abordadas, neste estudo, as religiões africanas
que junto com os negros escravos atravessaram o Atlântico e chegaram à América;
os achados científicos na África que deram outra visão desse continente, visto que
vários cientistas já têm teorias de que os ancestrais que deram os primeiros passos
na Terra surgiram do coração da África; estudos sobre os primeiros tambores, que
espalharam seus sons pela floresta africana e originaram muitas músicas ouvidas
até hoje; a África das temperaturas extremas, ”sessenta graus no deserto do Seara”,
e neve nas montanhas do Kilimanjaro; o continente, onde animais selvagens
circulam livremente como há milhares de anos, onde é falado mais de dois mil
idiomas, entre línguas e dialetos; as religiões, crenças, os mais de mil espíritos das
florestas cultuados; enfim, uma pluralidade de riquezas que foram ocultados por
muitos séculos, excluídas do ensino já que a educação era dominada por uma elite
branca europeia que não aceitava a cultura negra.
Quando o historiador estuda os povos da África Pré-colonial, na maioria das
vezes a historiografia é oral ou existem alguns escritos feitos por viajantes, na sua
maioria árabe. Além de outras fontes, esta pesquisa teve como fonte principal as
obras de dois especialistas no continente Africano e que já produziram vários livros
sobre a África – Alberto da Costa e Silva e Mario Maestri.
A UNESCO e o MEC, nas últimas décadas, têm direcionado o ensino da
África para valorizar essa importante cultura. Nesse sentido, este estudo pode
6

colaborar com os currículos escolares para que a bela cultura afro-brasileira tenha o
lugar merecido. Também, com certeza, a profissão de Historiador ficará enriquecida
através do conhecimento e divulgação dessa cultura.
Para tanto, esta pesquisa visa à diversidade cultural da África. No capítulo I,
foram destacados os três impérios mais importantes – os Impérios de Ghana, de
Mali e de Songhai. No capítulo II, foram descritas as duas religiões – Umbanda e
Candomblé, e caracterizou-se a dança da Capoeira, praticada pelos escravos que
vieram da África para o Brasil, hoje patrimônio da UNESCO. No terceiro e último
capítulo, apresentou-se a Lei 10.639/2003, que introduziu nos currículos escolares
do Brasil o estudo da cultura indígena e africana.
7

2 OS IMPÉRIOS DA ÁFRICA PRÉ-COLONIAL

Figura 1 – Mapa da África Pré-Colonial

Fonte: Wikimedia Commons, 2015.

2.1 O IMPÉRIO DE GHANA

Ghana foi o nome dado a um antigo estado localizado na África Ocidental,


onde hoje temos o sudeste da Mauritânia e o oeste do Mali, e que teve seu apogeu
entre os anos de 700 e 1200 da Era Cristã. A capital do estado localizava-se na
cidade de Kumbi Saleh, hoje um sítio arqueológico na fronteira entre Mauritânia e
Mali, que de acordo com as pesquisas, já era habitado desde o século III, por povos
mandes.
A mais importante descrição do Império de Gana e comumente citada como
fonte testemunhal é o relato do espanhol AL-Bakri, em seu "Kitāb AL-Masālik wa-al-
Mamālik" (livro das estradas e reinos), escrito por volta de 1068 em Córdoba.
8

Relatava a grande opulência do monarca local, que controlava uma economia


bastante diversa a partir de uma capital rodeada por muros de pedra e que incluía
entre as suas riquezas, diversas minas de ouro sob monopólio real. Al-Bakri destaca
ainda a produção agrícola desenvolvida, a tecelagem, além do domínio da
metalurgia, com a qual se manufaturavam muitos equipamentos, armas e
ferramentas. A ideia obtida da leitura da descrição de Al-Bakri permite fazer a
imagem do Império de Ghana como um imenso oásis protetor na fronteira sul do
deserto do Saara, onde sua população rodeava-se de hortas, palmeirais, pepinos e
figueiras em uma imagem de luxúrias.
O Reino de Ghana ficava na região oeste da África, na área que compreende
hoje o Mali e o sul da Mauritânia, alcançou seu ápice entre os séculos VIII e XI.
Através da captação dos recursos naturais, principalmente ouro e metais preciosos
dos territórios dominados pelo reino, transformou-se na principal autoridade
econômica da região. Desde já, percebemos a instigante história de um reino que
prosperou mesmo não possuindo saídas para o mar e estando próximo a uma região
considerada economicamente inviável.

Figura 2 – Mapa do Reino de Ghana

Fonte: Turma 2.2, 2012.


9

O que surpreende quem pesquisa o reino de Ghana são as histórias que


contam os viajantes árabes de um Soberano Negro, de uma ampla túnica com um
turbante encimado por um gorro bordado em ouro. Trazia colares e pulseiras
também em ouro. Atrás dele ficavam dez escravos com espadas e escudos
ornamentados de ouro. Tudo era em ouro, os arreios dos cavalos do rei, a coleira
dos cachorros. Conta mais o árabe de que o rei amarrava um de seus cavalos em
uma pedra de ouro que pesava 14 quilos. Outras civilizações também têm histórias
que parecem surreais, mas é surpreendente a história desse soberano, em uma
época que esse metal, principalmente na Europa Medieval, era escasso.

O viajante Ibn Batuta viu esse rei, que tinha o titulo de mansa, dar audiência
a seus súditos, de manto vermelho e gorro bordado de ouro, sentado em
almofadas, sob um grande guarda-sol encimado por um grande pássaro de
ouro. Estava cercado por seus chefes militares, com espadas e lanças de
ouro. (COSTA; SILVA, 2008, p. 25).

O reino de Ghana foi o maior império fornecedor de ouro para os árabes e


europeus. Era para adquirir ouro e fazer comércio, troca de mercadorias, que as
caravanas com camelos carregados de mercadorias atravessavam o deserto do
Saara. Com o ouro africano, cunhavam-se moedas na Europa e no Oriente Médio.
Os africanos dominavam, já nessa época, as técnicas de mineração do ouro. O ouro
era obtido tanto nos leitos dos rios, quanto em minas. A mesma técnica foi usada
séculos depois na colonização europeia, na América.
10

Figura 3 – O rei de Ghana

Fonte: Faculdade Humanidades Pedro II, 2014c.

Na agricultura, o Reino de Ghana desenvolveu uma agricultura de cereais,


devido ao solo fértil que permitiu um acelerado crescimento demográfico e a
implantação de importantes comunidades de agricultores e pastores. Com secas e
solo pobre, os africanos foram obrigados a desenvolver práticas agrícolas
complexas.
As comunidades aldeãs de Gana conheceram o modo de produção de
linhagem ou doméstico. Esse modo determinava a formação das famílias e
comunidades organizadas em torno da família ampliada (patriarca, filhos casados e
solteiros, cativos, etc.) que praticavam a agricultura e o artesanato. Eram
comunidades semiautárquicas, que se dedicavam a uma agricultura desenvolvida
com instrumentos simples de ferro, com o fogo e força humana. A posse da terra era
coletiva: sua utilização podia ser associada ou individual. Essas comunidades
conheciam as formas produtivas da pesca, caça, coleta, mineração. Havia divisão do
trabalho: pastores, ferreiros, mercadores. Eram trabalhadores semiespecializados.
A estrutura político-ideológica funcionava com as relações de parentesco, que
justificavam as relações sociais de produção. O patriarca, por ser o mais velho da
11

família, recebia tributos de seus filhos, agregados e cativos. Ele também geria os
bens familiares e concedia as esposas e os dotes matrimoniais. As mulheres eram
subordinadas aos homens, os jovens aos patriarcas, os agregados e cativos, mesmo
quando velhos e casados, continuavam eternos “jovens‟”.
Na época de seu maior desenvolvimento, o monarca e os seus súditos
praticavam uma religião baseada no culto aos ancestrais e manifestações da
natureza, algo parecido com as religiões animistas atuais praticadas na África
Ocidental. Por outro lado, o islamismo fazia-se presente, especialmente entre os
habitantes dos subúrbios das grandes cidades. Aliás, Al-Bakri dá ênfase à influência
muçulmana neste estado animista, provavelmente pelo fato de ser ele também
muçulmano.
O império começou a declinar por volta de meados do século XI. Não existe
um dado preciso, a versão popular é que os Almorávida, povos Bérberes
muçulmanos vindos de onde hoje é o atual Marrocos, começaram a invadir Ghana
pelo norte até conquistar totalmente o império. Também se acredita que disputas
internas foram fatores para sua decadência.

2.2 O IMPÉRIO DE MALI

Se perguntasse quem já foi, na história da humanidade, o homem mais rico


do mundo? Com certeza, seriam lembrados alguns nomes, tais como: Henry Ford,
com seus 199 bilhões, Bill Gates, Rainha Elizabeth, entre outros. Mas o homem mais
rico que já passou pelo planeta foi o rei Mansa Musa, que comandou um dos
impérios mais ricos da África do século XIII e XIV. A fortuna dele foi estimada de
US$ 400 bilhões, segundo levantamento da Celebrity Networth, que ajustou os
valores pela inflação em dólares até 2012. Musa viveu entre 1280 e 1337 e
governou o Império de Mali, onde atualmente são os países de Gana e Mali, na
África Oriental.1

1
A epopeia do rei Sundiata Keita do Mali foi a inspiração para o filme da Disney “O Rei Leão”. No
entanto, o filme apenas “dá uma pincelada” na riqueza da cultura, do patrimônio e da história real.
(PROFISSÃO HISTÓRIA, 2013)
12

Figura 4 – Rei Mansa Musa

Fonte: Grimes, 2015.

A riqueza deste império comercial ficou registrada quando da viagem de


Mansa Kanku Mussa, em 1307 a Meca. Sua viagem marcou por anos a
imaginação dos povos islâmicos. Afirmou-se que ele teria levado consigo,
na viagem, milhares de servos e de 10 a 12 toneladas de ouro. Sua entrada
no Cairo foi precedida de milhares de escravos ricamente vestidos. Em
Meca, comprou casas e terrenos para abrigar futuros peregrinos negros
(MAESTRI, 1988, p.30).

O Reino de Mali foi um dos mais importantes do continente africano, pois em


plena escuridão da Idade Média teve universidades e bibliotecas. Começou seu
apogeu por volta do século XI. Sua composição era formada por doze pequenos
reinos, ligados entre si, a capital era Kangaba. Foram muitos anos de guerras com
Gana, com os almorávidas e os sossos até o império conseguir se estabilizar e se
tornar um dos mais poderosos da região. Pelo contato com mercadores vindo do
norte da África, Mali acabou adotando o islamismo como religião. Em meados do
século XII, Mali conseguiu sua independência. Depois de conquistar todo o território
que pertencia a Ghana, o império expandiu-se sob a liderança de Maghan Sundiata,
que recebeu o título de Mansa, que na língua mandinga significa imperador dos
mandingas, povo de Mali. Ele impôs uma forma centralista de governar, estabeleceu
13

fronteiras, formulou leis por meio de assembleias, compostas pelo diversos povos do
império.
Percebe-se que o império de Mali teve uma organização politica mais
avançada que o de Gana. Em vez de se preocupar em manter os povos dominados.
Mali tornou-se uma civilização conhecida como um lugar onde a lei era implacável
com os injustos. Muitos viajantes comentavam que esse povo negro foi o que mais
odiava injustiças. Outro dado interessante é que se acredita que Mali tenha tido uma
extensão territorial do tamanho da Europa Ocidental.

Figura 5 – Mapa Império de Mali

Fonte: Faculdade Humanidades Pedro II, 2014a.

Assim como Ghana, o povo de Mali tem muitas histórias contadas pelos
viajantes, que cruzavam o deserto do Saara para comercializar trocas de
mercadorias. Uma delas conta que entre 1324 e 1325, Mansa Mussa, em
peregrinação a Meca, parou para uma visita ao Cairo e teria presenteado tantas
pessoas com ouro, que o valor desse metal se desvalorizou por mais de 10 anos.
O reinado de Mali foi grandioso, a capital do reino, a cidade de Timbuktu foi
uma das mais ricas e importantes da região. Nela havia uma universidade, que
surpreende todos que a visitavam. Era um dos mais belos centros culturais
muçulmano da época. Produzia várias traduções de textos gregos que ainda
14

circulavam nos séculos XIV e XV. Na biblioteca visitada por muitos viajantes
muçulmanos, havia milhares de livros principalmente da teologia muçulmana.
Incrível e surpreendente é saber que, em um continente esquecido, tenha
uma sociedade com universidades, bibliotecas, ruas e casas com esgoto. A África
teve reinos mais avançados do que muitos que existiram na Europa da Idade Média.
Os próprios portugueses, que começaram a chegar ali por volta do século XI,
surpreenderam-se com essas civilizações. Há relatos de navegadores portugueses
que, quando chegaram a comunidades aldeãs que pertenciam a esse reino,
surpreenderam-se com casas feitas de barro e areia de cor branca que muito se
pareciam com as moradias das aldeias portuguesas.2

Tombuctu, nos fins do séc. XVI, possuía em torno de 25 mil habitantes, 26


alfaiatarias, com até 200 aprendizes cada uma, e nada menos do que 150
escolas alcoranistas. Há muitos médicos, juízes e letrados e todos recebem
bons estipêndios do rei, que tem grande respeito pelos homens do saber.
Tem ali grande procura por livros que é um comércio lucrativo. (MAESTRI,
1988, p. 32).

Figura 6 – Timbuktu, capital do Império de Mali

Fonte: Maurer Júnior, 2012.

Como era a organização social e política de Mali? As fontes orais africanas e


escritas muçulmanas permitem narrar algo sobre a mesma, até porque a
historiografia sobre a África Negra, só recentemente começou a ter interpretações.

2
Tratado como grande e inútil, o deserto do Saara foi, na África Pré-colonial, usado como transporte
de mercadorias. Sobre o lombo dos camelos, era feita a travessia de ligação entre o norte e o sul do
continente africano. (TURCI, 2010)
15

Mali tinha uma formação tributária mais acabada que Ghana. A classe dominante (os
keitas) assentava seu poder sobre a extração do excedente. As comunidades aldeãs
pagavam tributos diretamente ao rei. Os agricultores e artesãos pagavam tributos
em forma de dízimos. Esses impostos eram recolhidos em espécie, por caravanas
imperiais, quando das colheitas. As comunidades eram divididas por castas
produtivas por Sundiata – artesãos, camponeses, servidores domésticos, etc. Em
relação aos ferreiros, por exemplo, por ano a família tinha que entregar cem flechas
e cem lanças; os pescadores, dez pacotes de peixe seco. Outro tributo rentável era
o comércio transaariano. O deserto do Saara sempre foi tratado como grande e
inútil, mas esse deserto desprezado pela historiografia teve uma grande importância
de ligação comercial entre a África Negra e a África do norte. Durante muitos
séculos, milhares de caravanas atravessavam o Saara para trazer e levar
mercadorias nos lombos dos camelos. Muitos árabes ficaram ricos trabalhando com
o transporte saariano. Por ali era transportado ouro, escravos, tecidos, sal,
artesanatos, etc. Esse comércio pelo Saara perdeu força em razão da chegada dos
europeus pelo mar Atlântico.

Figura 7 – Caravana chegando do Saara em Timbuktu, Mali

Fonte: Vilar, 2011.


16

O Império de Mali entrou em crise a partir do final do século XIV, em função


das disputas de políticas internas e das incursões dos tuaregues, que assim como
em Ghana também eram povos Berberes. Foi conquistado, no século XV, pelos
Songhais (povo africano até então dominado por Mali). Nesse século, os
portugueses, em pleno processo de expansão marítima pelo Atlântico, conheceram
o já decadente Mali.

2.3 O IMPÉRIO DE SONGAI

Foi o último grande império do Sudão Ocidental que rompeu a ascensão dos
impérios negros da região africana. As origens desse império são desconhecidas.
Alguns textos árabes falam de um príncipe Soni, chamado de Ali, o grande. Ele
derrotou o Império de Mali e fundou o mais importante império comercial-tributário da
região.

Figura 8 – Mapa do Reino de Songhai

Fonte: Wikipédia, 2015a.


17

Songhai foi um grande império da África pré-colonial, século XV ao século


XVI. Songhai veio do nome de seu grupo étnico, os Songhai. A capital do império
era a cidade de Gao, onde já existia um pequeno estado Songhai no século XI. O
poder de Songhai estava sobre a volta do rio Níger, que hoje é onde se situam os
países africanos Níger e Burkina Faso.
Desde quando era um estado pequeno, Songhai vivia da pesca e do comércio
local do ouro e do sal, pois essa região possuía grandes minas de ouro e sal.

O ouro e o sal serviam de moeda corrente em Songhai, mas a principal


moeda eram os cauris, conchas de moluscos utilizadas como moeda de
troca até meados do século XIX – e isso do Sudão à China. De qualquer
modo, os imperadores Askias procederam a uma unificação de pesos e
medidas para evitar fraudes (MAESTRI, 1988, p. 39).

Assim como Mali, o Reino de Songhai escolhia letrados com experiência na


área mercantil, pessoas que tinham conhecimento na troca de mercadorias.
Geralmente, eram contratados árabes comerciantes muçulmanos para conduzirem a
política comercial.

Figura 9 – Soni Ali Mansa e sua cavalaria

Fonte: Faculdade Humanidades Pedro II, 2014b.

O império de Songhai tinha a economia baseada na mão de obra de escravos


disponíveis para o trabalho no campo. Aqui há uma divergência entre alguns
historiadores, que tratam esses escravos como servos, parecidos com o feudalismo
europeu. Uma terra com duzentos escravos, por exemplo, deveria produzir cerca de
250 toneladas de arroz por ano. Outros historiadores descartam essa possibilidade
de comparação desse sistema escravocrata com o feudalismo europeu, embora
18

defendam semelhança entre os dois. O senhor da terra mantinha o sistema religioso-


simbólico de dádiva, com isso existia a opressão escravocrata. O importante para o
senhor era ter o maior número de famílias e aldeias de servos, não apenas a
exploração econômica.
Com a morte do Soni Ali Mansa, em 1492, assumiu um dos seus filhos, mas
que não ficou um ano no poder, pois um ex-general de Ali, o Askia Mohammed
derrotou o novo rei e assumiu o poder. Esse general transformou o reino de
Songhai. Foi sob sua dinastia que o império expandiu-se. Ele dividiu o império em
quatro vice-reinos, organizou o sistema de impostos, unificou pesos e medidas,
explorou as minas de sal. Formou pela primeira vez no império um exército regular
constituído por escravos e prisioneiros.
Songhai também foi um sucessor do reino de Mali e Ghana. Contudo, ele foi
bem mais qualificado, visto que ultrapassou os dois anteriores no nível administrativo
e político. Viveu plenamente uma organização estatal que aos poucos se distanciava
da organização tribal. Teve pela primeira vez na história dos reinos africanos um
exército profissional e uma arrecadação sistemática de impostos. A dinastia Askia
continuou sendo a etnia base do império. O islamismo foi a religião oficial, mas o rei
permitia outras crenças desde que não entrassem em conflito com a religião oficial.
Songhai foi um império que também fez mudanças na sociedade dos
nômades berberes e as das fronteiras do mundo negro; inovou no modo e na tática
de guerrear com seus inimigos. Esse reino inovou também nos seus exércitos.
Acrescentou três fileiras de arqueiros. A Europa cristã só depois é que praticou igual
medida, ou seja, constituição de uma infantaria de arqueiros. Também incluiu grupos
com grandes tambores, com o intuito de fazer muito barulho e aterrorizar os
inimigos.
19

Figura 10 – Casas Cônicas

Fonte: Nishikawa, 2009, apud COSTA, 2015.

Os tipos de “casas cônicas” descritas por Al-Bakri em sua obra ainda podem
ser vistas no Mali, como mostra a fotografia acima da Vila de Songo, no Mali.
Nas últimas décadas do século XVI, assim como a história dos outros grandes
impérios que existiram, Songhai não foi diferente, inimigos de outras regiões do
continente começaram a tentar invadir o reino. Além disso, os portugueses já tinham
feitorias na costa africana e já afetavam o comércio pelo deserto do Saara, pois as
caravelas, além de levar uma maior quantidade de mercadorias, eram bem mais
velozes.
Outro fator para a decadência foi a substituição do grande líder Mohammed
aos 86 anos, pelo seu filho, que governou com tirania, impondo terror às sete
cidades-estados dos Hauçás, povos que falavam línguas semelhantes e pertenciam
ao Reino de Songhai. Essa tirania começou a causar revoltas nos povos Hauçás. De
olho nas riquezas de Songhai, os senhores muçulmanos de Marrocos, após várias
tentativas, conseguiram invadir pelo Saara e se apoderar do império. Os invasores
armados de fuzis venceram em 1591, na batalha de Tondibi, o último grande império
20

africano. Essa região ocidental da África, onde os três grandes impérios


prosperaram, era muito rica. O território de Ghana, conquistado por Mali, era
praticamente o mesmo.
No próximo capítulo, apresenta-se o comércio escravista e a América, que por
mais de três séculos transformou a vida de milhões de escravos africanos. Ao
mesmo tempo, uma bela cultura atravessou o Atlântico e transformou a vida dos
brasileiros.
21

3 A CULTURA AFRICANA ATRAVESSA O ATLÂNTICO

No Brasil, existe um mito de que aqui temos uma democracia racial, ou seja,
uma sociedade pluriétnica, onde não existe preconceito contra os afro-brasileiros. O
futebol e o carnaval ajudam a expor esse mito racial, no qual uma multidão de
negros e brancos se mistura, com largos sorrisos. Uma imagem de classe de iguais,
mas que não é verdadeira.
Essa mistura de etnias começou com a colonização e a vinda décadas depois
de milhões de africanos como escravos. Todavia, mesmo depois da abolição,
continuaram a sofrer uma segregação social, que uma elite branca tenta esconder.
Contudo, infelizmente, ela está aí e precisa ser mostrada e combatida.
As caravelas começaram a atravessar o Atlântico com os porões lotados de
escravos africanos, em condições piores que o transporte de animais. Vieram junto
com os escravos várias religiões e danças que, mesmo com a repressão feita pelos
seus donos, sobreviveram e passaram a fazer parte da vida de milhões de
brasileiros, mesmo com preconceitos e perseguições.
Assim como no capítulo I sobre os reinos, aqui neste capítulo também foram
selecionadas duas religiões e a dança de capoeira. Foram dezenas de religiões e
danças, mas foram abordadas aqui as duas principais religiões africanas que têm
milhões de adeptos no Brasil – o Candomblé e a Umbanda. Por outro lado, as
danças também foram muitas, trazidas com os escravos africanos; uma delas, em
especial, depois de perseguida e tratada como crime, virou patrimônio da UNESCO
e, atualmente, é muito praticada no Brasil: a Capoeira.

3.1 A RELIGIÃO CANDOMBLÉ

O Candomblé, diferente da Umbanda, é uma religião unicamente africana.


Candomblé significa Nação. A mãe África é muito diversificada e seu povo é dividido
em diferentes nações. Quando os escravos foram trazidos ao Brasil, vieram grupos
de diferentes lugares. Por isso, a religião do Candomblé também é dividida em
Nações.
22

Assim como os cristões acreditam em almas, santos, vida após a morte, as


religiões africanas também incorporam santos e espíritos. O Candomblé cultua os
Orixás, incorporando-os, deixando no corpo e na alma de seus filhos os axés de
amor, coragem e esperança. Os orixás são incorporados e não falam nada, apenas
se fazem sentir. As consultas são feitas através do jogo de búzios, não aceitando a
comunicação de espíritos e nem sua incorporação.

Figura 11 – Iemanjá, a rainha do mar

Fonte: Orixá Yemanjá, 2015.

A imagem acima mostra Iemanjá, identificada como a “rainha do mar”, de


maior popularidade no Brasil. Essa divindade é tida como a deusa-mãe da
humanidade. Existe um sincretismo entre as santas católicas Nossa Senhora dos
Navegantes, Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Glória e a orixá da
Mitologia Africana Iemanjá. Em alguns momentos, inclusive em festas, as santas
católicas e africanas se fundem. No Brasil, tanto Nossa Senhora dos Navegantes
como Iemanjá têm sua data festiva no dia 02 de fevereiro. Costuma-se festejar o dia
que lhe é dedicado, com uma grande procissão fluvial.
Uma das maiores festas ocorre em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul,
devido ao sincretismo com Nossa Senhora dos Navegantes. No mesmo estado, em
Pelotas, a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes vai até o Porto de Pelotas.
23

Antes do encerramento da festividade católica, acontece um dos momentos mais


marcantes da festa de Nossa Senhora dos Navegantes em Pelotas, que em 2015
chegou a 85ª edição. As embarcações param e são recepcionadas por umbandistas
que carregavam a imagem de Iemanjá, proporcionando um encontro ecumênico
assistido da orla por milhares de pessoas.

No Brasil, a religião dos orixás fez adeptos não só entre originários de


outras nações africanas, mas também entre descendentes de guaranis,
pataxós, portugueses, espanhóis. Sua história não é, assim, diferente da
história do cristianismo e do islamismo, que começaram como religiões
locais- de um punhado de judeus, num caso, e de um grupo de árabes no
outro e se expandiram pelo mundo (COSTA; SILVA, 2008, p. 64).

Foi no Nordeste, principalmente no Estado da Bahia, que o Candomblé


começou a ser cultuado e desde aí tem sido sinônimo de tradições religiosas afro-
brasileiras em geral. Durante a escravidão, com a proibição do culto aos orixás, os
adeptos passaram a associar os orixás aos santos católicos. Hoje, o Candomblé é
praticado por todas as regiões do Brasil e, assim como ele, dezenas de outras
religiões africanas se fazem presente entre os afrodescendentes.
Com a abolição, os cultos africanos puderam ser cultuados com mais
liberdade. Mas era uma liberdade restrita, porque o preconceito e as perseguições
continuaram. Muitos africanos puderam voltar para a África, outros viajaram para lá,
onde foram iniciados no culto dos Orixás e quando voltaram para o Brasil, fundaram
terreiros para a prática religiosa.

Figura 12 – Terreiro Candomblé

Fonte: Imprensa1, 2011.


24

O Candomblé é hoje uma religião muito praticada no Brasil nas áreas onde
mora grande quantidade de populações afro-brasileiras. Como é o caso de Salvador,
na Bahia, e a zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Foi na Bahia que, em 1830,
surgiu o primeiro terreiro. Essas novas religiões apareceram primeiro na periferia
urbana brasileira, onde os escravos tinham maior liberdade de movimento e eram
capazes de se organizar em nações. Daí eles se espalharam por todo o país, e
tomaram diversos nomes como Catimbó, Tambor de Minas, Xangó, Candomblé,
Macumba e Batuques.
Cada divindade preside uma família em particular e um aspecto da natureza.
No Brasil, os escravos eram vendidos e separados de suas famílias, assim essas
divindades se tornaram protetores dos indivíduos. As festas tinham como ponto
central as divindades, como os Orixás e Vodus. Nessas festas, são feitas oferendas,
como o sacrifício de animais.

3.2 A RELIGIÃO UMBANDA

Essa religião sofreu uma „desafricanização‟, no início do século XX, e foi


apresentada como uma manifestação da supremacia branca. Recentemente, essa
religião e outras africanas estão tendo uma mudança de „reafricanização‟. A
umbanda teve origem nas senzalas em reuniões nas quais os escravos vindos da
África louvavam os seus deuses através de danças e cânticos e incorporavam
espíritos.
Ela se originou no sudeste brasileiro e se espalhou. Nos dias atuais, encontra
seguidores em todas as regiões do Brasil. A palavra umbanda deriva de m‟banda,
que em quimbundo (idioma banto) significa “sacerdote” ou “curandeiro”.
Os terreiros e centros são os locais dos cultos, onde os praticantes cantam
músicas e usam instrumentos musicais como o atabaque. Apesar disso, quando a
umbanda foi criada, não existiam manifestações musicais, como cânticos e utilização
de instrumentos. Um chefe masculino ou feminino preside o culto durante as
sessões. Nelas são realizadas consultas de apoio e orientação a quem recorre ao
terreiro, práticas mediúnicas com incorporações de entidades espirituais e outros
rituais. O culto assemelha-se ao candomblé. No entanto, são religiões que possuem
25

práticas distintas. Ao longo do tempo, a umbanda passou por transformações e foi


incorporando outras religiões e, assim, também criou ramificações,
As religiões africanas praticadas no Brasil não são politeístas, são
monoteístas. Ioruba Olodum are é o nome do único Deus Supremo. É o juiz eterno,
criador onipotente. Quando um africanista vai orar, inicia por „Axé‟ (se Deus puder
aceitar esta minha oração).

Figura 13 – Umbanda

Fonte: Umbanda, 2015.

A religião umbanda trabalha com entidades do plano astral superior. É a


incorporação dos caboclos, pretos-velhos, exus, entre outros. São guias espirituais
que abrem o caminho da luz, que se manifestam na vibração dos Orixás. Por
exemplo, o caboclo Ogum Rompe Mato manifesta-se na vibração do Orixá Ogum,
que tem como elemento o ferro e as matas. O mesmo ocorre com uma cabocla de
Oxum que se manifesta na vibração do Orixá Oxum, que tem como elemento os rios
e as águas doces. São guias que trabalham para a cura das pessoas que buscam
ajuda.
A umbanda é uma religião natural que segue ensinamentos de várias
vertentes da humanidade. Ela traz lições de amor e fraternidade. É considerada uma
26

religião brasileira, mas com um sincretismo que mistura o catolicismo, os espíritos de


origem indígenas e os orixás africanos. O dia 15 de novembro é considerado a data
do surgimento da umbanda pelos seus adeptos.
Para entender melhor as duas religiões, o quadro abaixo traz um resumo das
suas principais características.

Quadro 1 – Quadro comparativo das características


UMBANDA CANDOMBLÉ/NAÇÃO
É uma religião tipicamente brasileira, com
influência africana, indígena e europeia É um culto, de raiz unicamente africana.
(Kardecismo).
Incorpora caboclo, preto-velho, crianças,
Incorpora somente Orixás.
exus, etc.
O caboclo e o preto-velho são guias O caboclo e o preto-velho são considerados
espirituais. oguns.
É uma religião essencialmente brasileira, É dividida por Nações: Queto, Angola,
que trabalha com o sincretismo. Xangô, Djedji.
Fonte: elaborado pelo autor.

3.3 A CAPOEIRA

Uma linda dança ao som de uma bela música é praticada no Brasil há 500
anos. Só recentemente, nas últimas décadas, a capoeira começou a ganhar seu
lugar merecido. No ano passado, foi transformada pela UNESCO em patrimônio
cultural. Foi ocultada por cinco séculos, devido ao racismo contra os negros. Mesmo
com a abolição, no Brasil, a capoeira foi tratada como crime até o início do governo
de Getúlio Vargas.
A história da capoeira começou com a vinda, no século XVI, dos primeiros
escravos angolanos para trabalharem no cultivo da cana de açúcar. No início, os
escravos praticavam lutas ao ritmo de tambores na senzala das fazendas; alguns
senhores de engenhos deixavam que os escravos praticassem em volta da fogueira.
Mas logo os africanos começaram a usar essas lutas como forma de defesa contra a
violência de seus donos. Sabendo disso, os senhores dos engenhos reprimiram
violentamente, proibindo qualquer tipo de luta praticada por escravos.
27

Figura 14 – Roda de capoeira

Fonte: UC 725 Anos, 2015.

Nos terreiros próximos aos galpões onde os escravos dormiam, chamados de


senzala, a capoeira era praticada. Às vezes, as lutas aconteciam em campos com
pequenos arbustos, chamados de capoeirão. Foi aí que surgiu o nome capoeira. Ela
servia para aliviar o estresse do trabalho, manter a saúde física dos escravos e
também manter a cultura africana.
Para enganar seus donos, os escravos utilizaram o ritmo e os movimentos de
suas danças africanas, adaptando a um tipo de luta. Foi assim que surgiu a
capoeira, uma arte marcial disfarçada de dança. Ela foi usada como um instrumento
importante da resistência cultural e física dos escravos brasileiros.
Na Velha República, os negros foram proibidos de praticar a capoeira no
Brasil, pois era vista como uma luta violenta e subversiva. Foi só a partir de 1930,
que a capoeira começou a ser reconhecida. Um capoeirista, chamado mestre Bimba,
apresentou a luta para Getúlio Vargas. Após assisti-la, Getúlio transformou-a em
esporte nacional brasileiro.
A capoeira foi dividida em três estilos:
a) Capoeira Angola: esse estilo foi criado na época da escravidão. As
características são o ritmo musical lento, golpes jogados mais baixos,
próximos ao solo e muita malícia.
28

b) Capoeira regional: nesse estilo, há uma mistura da malícia da capoeira


angola com o jogo rápido de movimentos, ao som do berimbau. Os golpes
são rápidos e secos, sendo que as acrobacias não são utilizadas.
c) Capoeira contemporânea: esse estilo une um pouco da capoeira Angola e
regional. A contemporânea é o estilo de capoeira mais praticado na
atualidade.

Figura 15 – Mestre Bimba

Fonte: Wikipédia, 2015.

A imagem acima é de um grande líder, referenciado por capoeiristas como um


rei. Manoel dos Reis Machado, conhecido como Bimba, nasceu em 23 de novembro
de 1899 e faleceu em 5 de fevereiro de 1974. Foi o grande defensor e criador da
Capoeira Regional na Bahia. Quando viu que a capoeira estava perdendo seu valor
cultural, misturou elementos da capoeira tradicional com o batuque, criando uma luta
com movimentos mais rápidos e acompanhados de música.
A capoeira virou uma dança nacional praticada em vários setores da
sociedade. Na Semana da Consciência Negra, no mês de novembro, as
apresentações dessa dança intensificam-se por todo o Brasil.
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNESCO, em 26 de novembro de 2014, declarou a roda de capoeira como sendo
um patrimônio imaterial da humanidade. De acordo com a organização, a capoeira
29

representa a luta e resistência dos negros brasileiros contra a escravidão durante os


períodos colonial e imperial. A data de comemoração do dia do capoeirista é 3 de
agosto.
30

4 A IMPORTÂNCIA DA CULTURA DA ÁFRICA NO BRASIL

A lei 10.639/2003 estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação das Relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana. Já temos doze anos da criação da lei, mas poucas mudanças
aconteceram na educação sobre a cultura afro-brasileira. Para a escola, é vista
apenas como mais uma lei, muito boa na teoria, mas que na prática pouca coisa
mudou. Esse é um dos objetivos desta pesquisa, isto é, resgatar uma linda cultura e
colocá-la no lugar que sempre mereceu estar.
A lei 10.639/2003 traz ações básicas acerca da importância da cultura Afro-
brasileira. Destacam-se três do Ensino Básico e uma do Ensino Superior.
No Ensino Básico:
a) Assegurar formação inicial e continuada aos professores desse nível de
ensino para a incorporação dos conteúdos da cultura afro-brasileira e
indígena e o desenvolvimento de uma educação para as relações
etnicorraciais;
b) Abordar a temática etnicorracial como conteúdo multidisciplinar e
interdisciplinar durante todo o ano letivo, buscando construir projetos
pedagógicos que valorizem os saberes comunitários e a oralidade, como
instrumentos construtores de processos de aprendizagem.
No Ensino Superior:
- Implementar as orientações do Parecer nº 03/2004 e da Resolução nº
01/2004, no que se refere à inserção da educação das relações
etnicorraciais e temáticas que dizem respeito aos afro-brasileiros entre as
IES que oferecem cursos de licenciatura.

A Lei 10639, o Parecer do Cne03/2004 e a resolução 01/2004 são


instrumentos legais que orientam ampla e claramente as instituições
educacionais quanto a suas atribuições. No entanto, considerando que sua
adoção ainda não se universalizou nos sistemas de ensino, há o
entendimento de que é necessário fortalecer e institucionalizar essas
orientações, objetivos desse documento (RADAD, 2009, p. 05).

A lei traz dezenas de ações para que seja instituído, de fato, no Brasil, o
estudo da cultura afro-brasileira. Destacam-se essas três principais para justificar
31

esta pesquisa. Conhecendo melhor a África, os historiadores estarão mais


preparados para ensinar a cultura africana.
Um continente com uma diversidade incrível, com mais de duas mil línguas e
dialetos, povo que ama cantar e dançar, não pode ter toda essa riqueza cultural
ocultada ou esquecida. O continente e toda essa riqueza cultural são milenares, mas
a lei que implementa essa diversidade cultural, infelizmente, é recente.

Figura 16 – Cultura e Sociedade

Fonte: O Polvo, 2008.

Passaram-se cinco séculos e só agora estamos tentando reparar danos e


erros que prejudicaram a identidade e direitos de brasileiros negros e pardos. É
importante dizer que a história da cultura afro-brasileira e africana não se restringe
apenas à população negra, mas sim a todos os brasileiros. Para termos um país
democrático, precisamos ter uma sociedade multicultural e pluriétnica.
O que é para ser uma solução para a cultura afro-brasileira, pode se tornar
um problema. Já se tem noticias de adolescentes evangélicos, em escolas,
negando-se a fazer atividades com temas sobre as religiões africanas. Esses alunos
alegam que essas religiões fazem adorações ao demônio, que isso seria tentativas
de demonização. Afinal, de quem é a culpa? Esse problema surgiu pela falta de
conhecimento e educação. Por isso, é importante que o professor conheça o tema, a
complexidade e a abordagem que deve ser feita com seus alunos.
O povo afro-brasileiro, mesmo sofrendo exclusão, segregado em todos os
setores da sociedade, é um povo alegre, que samba e canta; sua cultura se faz
32

presente todos os dias na vida dos brasileiros, nas roupas coloridas, nos cabelos
rastafári, Black Power, trançados; nas comidas, como o acarajé, vatapá, feijoada,
entre tantas outras; nas religiões, como o Candomblé e a Umbanda. Nessa
assertiva, é uma cultura que precisa ser vista com um olhar diferente.
33

5 CONCLUSÃO

É comum escutarmos que o Brasil é uma sociedade complexa, plural, de


grande diversidade cultural, mas uma sociedade muita desigual. Precisamos
incentivar nossos professores a conhecer a diversidade cultural que a sociedade
negra criou. Não adianta só criarmos vagas, cotas para afrodescendentes,
precisamos valorizar a história e a cultura desse povo.
Esta pesquisa foi de grande importância, visto que trouxe um estudo mais
aprofundado sobre a África Pré-colonial; os grandes reinos de Ghana, Mali e
Songhai; suas religiões, como a Umbanda e o Candomblé; danças como a Capoeira
que se tornou um símbolo da cultura afro-brasileira. Essa prática trouxe um reforço
no aprendizado e um conhecimento que me auxiliará como professor de história, na
minha profissão docente.
As pesquisas e observações realizadas mostraram como um continente, que
possui uma riqueza cultural, foi ocultado por séculos, devido a preconceitos contra a
sociedade negra. A complexidade da África é grande, mas muito bela e valiosa para
ficar escondida. A África é um tema que exige conhecimento e preparação do
professor em sala de aula. Os temas são muitos, por isso o professor precisa estar
sempre atualizado, ou seja, fazer muitas leituras, pesquisas, cursos de atualização.
Esta pesquisa foi dividida em três capítulos. Mesmo assim, foram mais de
vinte páginas que me surpreenderam e me deram subsídios para continuar a
pesquisar e aprofundar esse tema. Com certeza, depois de formado, farei uma pós-
graduação a fim de aprofundar mais o conhecimento acerca do continente Africano.
Alguns Reinos da África Pré-colonial têm legados muito importantes para a
historiografia, portanto, precisam sair do anonimato e se mostrarem ao mundo.
Esta pesquisa, além de representar uma qualificação, fez-me ter uma nova
compreensão da importância de ter, nos currículos escolares, a cultura africana. A
temática da África tem um valor cultural e precisa ganhar seu espaço na comunidade
escolar para que a exclusão e os preconceitos saiam de cena, dando lugar a uma
sociedade plural, tolerante com todas as diferenças.
A lei 10.639/2003 é muito boa, visto que institui o estudo de uma bela cultura.
Contudo, é necessário conhecer melhor os povos da África. Este trabalho
apresentou a história de um continente que tem muito ainda para mostrar. Talvez eu
34

tenha plantado uma semente para que outros colegas também pesquisem acerca
dessa temática. A minha intenção foi que este trabalho não seja como muitos que
são produzidos por mera obrigação formal e acadêmica. Quero que ele fique na
minha estante de livros para que possa usá-lo como uma ferramenta nas minhas
aulas de história.
35

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<http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Bimba>. Acesso em: 13 de maio de 2015.

Correção ortográfica.
Profª Me. Eliana Müller de Mello
Mestre em Educação, especialista em Linguística Aplicada, pós-graduada em
Metodologia de Ensino, graduada em Letras - Língua Portuguesa e Literatura.

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