KEMP, Tom. A Revolução Industrial na Europa do século XIX. Lisboa, Ed. 70, 1987. (cap. 2)
Segundo Tom Kemp, o período pré-industrial significou importantes mudanças na estrutura
agrária, mesmo que de maneira irregular. A agricultura tradicional, sustentada pelo campesinato, tinha que ser substituída por uma agricultura mais comercializada, produzindo em parte para o mercado, para que existisse condições pra a industrialização pretendida. Desse modo, a sobrevivência do campesinato significava que o processo de industrialização ainda não estava completo. O autor, através de uma perspectiva histórica, discorre sobre a estrutura europeia séculos antes de a industrialização começar. Tal estrutura se deu por comunidades agrícolas estáveis na maior parte das regiões da Europa, terras de cultivo pouco extensas e o estabelecimento de comunidades rurais limitadas em extensão, que produziam o suficiente para abastecer os proprietários de terra. Posteriormente, depois do declínio do Império Romano, desenvolveu-se a variedade especificamente europeia de feudalismo, que consistia na imposição da organização senhorial a toda a aldeia-comunidade. O feudalismo europeu, no entanto, consistiu na semente da mudança, para Tom. Para embasar a argumentação da obra, é feito um paralelo entre as estruturas presentes no Oriente e na Europa que os diferenciaram em seus processos de industrialização. No primeiro, o Estado era detentor de um maior poderio e a civilização, portanto, podia possuir uma autoridade política centralizada, porém tendiam ou para não mudar ou então para ruptura e decadência. Já na segunda, os poderes centrais eram fracos em comparação com os chefes senhoriais. Contudo, havia mais possibilidades de mudança e adaptação, por conta da descentralização do poder ter gerado oportunidades para um desenvolvimento autônomo, não só dos senhores, mas também das cidades e dos seus homens. A existência de mercados e o uso do dinheiro eram necessários aos senhores se estes queriam viver melhor e aumentar sua riqueza, sendo assim as cidades conseguiram privilégios que aumentaram a capacidade de se autogovernarem e expandiram as operações que os seus habitantes influentes estavam interessados. No momento mais adiante do capítulo, é desenvolvida uma definição do feudalismo agrário, uma classe de proprietários fundiários extrai, por meios coercivos, um excedente de uma população de cultivadores a eles submetida; e exposta sua estrutura. O feudo, consiste na população das comunidades aldeãs, onde essas possuíam proteção dos senhores, cujo monopólio de poder coercivo dava alguma garantia de tranquilidade. Os homens eram autorizados a usar parte da terra para a sua subsistência e da família, a maior parte do que produziam além do que precisavam, destinava-se a abastecer os senhores e a sua corte. Essa forma pela qual o excedente dos cultivadores era retirado na economia senhorial fornece o traço característico específico do feudalismo europeu. Um fator interessante destacado no texto diz respeito à ecologia da comunidade campesina na Europa. Essas possuíam estranhos processos de colheita, com perdas e ineficácia das práticas da comunidade aldeã, por conta de sua adaptação empírica dos meios e do ambiente físico. Possuíam poucos apetrechos, não possuíam conhecimento técnico e científico, trabalhavam com um baixo nível de reservas e eram extremamente vulneráveis às oscilações da natureza. Ademais, os animais tinham uma função indispensável na economia da aldeia europeia, uma vez que forneciam alimentos, puxavam os pesados arados e davam o estrume preciso para manter a fertilidade. A agricultura europeia, portanto, nada mais era do que um meio através do qual os senhores podiam reunir um excedente da produção agrícola, que era controlada por eles e que servia para os suportar materialmente, além de representar a estrutura necessária à existência de comunidades campesinas fechadas, caracterizadas por seus baixos níveis técnicos e o pouco capital às suas disposições. Consequentemente, o descontentamento camponês explodia de tempos e tempos em revoltas ou desordens, embasadas nas reinvindicações dos senhores e a luta dos camponeses para ficarem com uma maior parte do que produziam. Segundo Kemp, a maior força que fez evoluir a sociedade rural foi a externa, por meio do crescimento das cidades e do comércio, a expansão da economia monetária e o desejo dos senhores em aumentar seus rendimentos. No entanto, a forma de agricultura capitalista que emergiu, além de surgir em diferentes épocas a partir do século XVI, variou de região pra região. Por isso, é possível falar das características específicas do sistema agrário em diferentes países, sustentando assim, a característica de irregularidade que lhe foi agregado. Em certos casos, o desenvolvimento da produção para o mercado conduziu a uma intensificação da servidão, como sucedeu na Inglaterra no século XII, ou como aconteceu, cinco séculos depois, com a chamada "segunda servidão" no Leste da Europa. Em algumas zonas, portanto, surgiram muitos dos traços característicos de uma agricultura capitalista, em que a produção já não visava a subsistência, mas sim a venda no mercado. As diferentes médias de desenvolvimento do capitalismo, determinam a que nível, e em que período, as regiões em questão viriam a amadurecer para a industrialização. Em nenhum outro lugar aconteceu como na Inglaterra, no século XVIII, das relações agrárias conformarem-se tão exatamente às necessidades do capitalismo industrial. A transformação do feudalismo começou cedo e as condições eram favoráveis ao fortalecimento das forças de mercado e da propriedade individual. O sistema inglês começou cedo a eliminar a posição do campesinato, e uma combinação de forças econômicas e de pressões institucionais enfraqueceu a comunidade aldeã e fez decair o controle dos camponeses sobre a terra. Em outras partes da Europa, no entanto, as operações agrícolas continuavam nas mãos dos camponeses. Por isso, segundo o autor, que a evolução do progresso agrícola era lenta. Todo o curso da evolução da agricultura inglesa a partir do fim da Idade Média foi, portanto, favorável ao desenvolvimento do capitalismo: campesinato enfraquecido, distinção entre proprietários e não-proprietários, propriedade de terra ganha uma nova forma. Sendo assim, a remodelação das relações agrárias é uma condição indispensável para a industrialização de qualquer sociedade. Uma sociedade predominantemente agrária mostrará poucas potencialidades para o crescimento, seja qual for a sua forma de organização social, partindo do princípio de que a quantidade de terra é limitada. Desse modo, em países, como a Inglaterra, onde diferentes condições favoreceram um ritmo mais rápido de crescimento econômico, o crescimento da população constituiu um novo fator favorável, uma vez que representou novos contingentes de força de trabalho. Para Tom Kemp, o tipo de reforma mais propício à aceleração do crescimento econômico era o que expunha o campesinato às forças de mercado, conforme aconteceu no modelo inglês. O campesinato da Inglaterra, enquanto classe, desapareceu para se transformar na força de trabalho para os agricultores capitalistas e no contingente de recrutamento para as atividades urbanas. Enquanto na França, a erosão constante da velha sociedade campesina pelas forças do mercado e pelo individualismo agrário manteve-se ao longo do século XIX até que, já no final desse século, a extensão do êxodo rural levantou problemas e preocupações generalizados. Muito da velha estrutura agrícola sobreviveu num ambiente que, em outros aspectos, era favorável à industrialização. Segundo o autor, é possível que a via francesa para a industrialização tenha sido mais humana, além de voluntariamente escolhida e, de qualquer modo, mais típica da experiência europeia global do que a via britânica. O fato é que na maior parte da Europa o campesinato sobrevivia e certas zonas prosperavam em consequência das oportunidades que lhes eram oferecidas de produzirem para o mercado. Durante o século XIX, uma série cada vez maior de melhorias técnicas ficou à disposição dos agricultores europeus, e como a rede de transportes se alargou, a especialização e a produção para o mercado tornaram-se mais generalizadas. Desse modo, o desenvolvimento da indústria exigia uma série de materiais que não podiam ser produzidos, por completo ou em parte, na Europa. Consequentemente, através dos mercados europeus de mercadorias, a agricultura do mundo passou a estar ligada às necessidades dos países industriais avançados. Entretanto, o problema era obscurecido pelo fato de a indústria também ser protecionista: as preocupações com a competição estrangeira, que provocaram alianças entre os industrialistas e os agrários, significavam a adoção de medidas que diminuíam a transferência de recursos do setor rural para o industrial. Tom Kemp, então, estabelece a existência de um paradoxo nesse processo, onde os interesses dos próprios industrialistas foram os que ajudaram a manter viva uma agricultura inflacionada e apenas parcialmente modernizada. Só na Grã-Bretanha é que a agricultura era "sacrificada" à causa da indústria e à integração da economia na divisão internacional do trabalho.