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capa Hello Oiticiea Relevo espacial 1959) (vor pigina 72) Fromtspicio Iygia Clark Espaco modulado 1958 ‘Tinta industlal sobre madeira 36x29 cm (Col. Ricard Akagawa Quata capa ygia Pape Lz (do Livro da criapio) 1960 {ver pagina 82) Espacos da arte brasileira/Neoconcretismo © Ronaldo Brito Primera edigio: FUNARTE/Instituto Nacional de Artes Plisticas 1985 © Cosae & Naify 1999 1 reimpressdo 2002 Projeto editorial Rodrigo Naves Edisio Alberto Martins Bdigio de arte e projeto grifico Fabio Miguez (ectigdo de imagens a partir de projeto grafico da primeira edigio de autoria de Sula Danowski) Produsio Camila Rocha Legendas € Notas biogrificas Célia Euvaldo Revisio Ricardo J, Oliveira Sérgio Alcides, Mara Valles Fotolltos Ponto & Melo Impressio R. R. Donnelley América Latina Direitos reservados i Cosac & Naify Edigdes Rua General Jardim, 770 2 andar (01223 010 Sdo Paulo SP Brasil TeL 55 11 3218-1444 Fax 55 11 3257-8168 info@cosacnaify.com.br wwwcosacnaify.com.br Atendimento ao professor 55 11 3218-1466 ygia Clark Ovo 1959 “Tana industrial sobre madeira O33em Col, Adolpho Leimer Ruptura neoconcreta ‘A nossa tese & que 0 neoconcretismo representou a um s6 tempo o vértice da consciéncia construtiva no Brasil e a sua explosio, £ um objeto de estudo com- plexo exatamente por causa disto: em seu interior estio os elementos mais sofis- ticados imputados & tradigo constrativa e também a critica e a consciéncia impli- cita da impossibilidade da vigéncia desses elementos como projeto de vanguarda cultural brasileira. £ um fato histérico que o neoconcretismo foi o ultimo movi- ‘mento plistico de tendéncia construtiva no pais € que, inevitavelmente, encerrou ‘um ciclo, Com ele termina 0 “sonho construtivo” brasileiro como estratégia cul- tural organizada, Como seqiiéncia do movimento concreto, € mais amplamente como se- agiiéncia da penetracio das estéticas construtivas, 0 neoconcretismo movia-se com facilidade em seu campo de acio. Formado por artistas de classe média alta as ve 2es, desligado de pressdes de mercado €, de certo modo, isolado pela defasagem cultural do ambiente onde operava, foi sobretudo uma série de experiéncias de laboratério: havia um passado construtivo local que Ihes permitia uma seguran- «a suficiente para que se colocassem as questes mais avangadas ¢ produtoras de rupturas da época. Ele & claramente o segundo movimento de uma sincronia, dat talvez sua maior liberdade em relagdo as matrizes (0 concretismo suigo ea Escola de Ulm, por exemplo) ¢ sua exigéncia de uma producio nacional mais especifi- ca. Grosso modo: 0 concretismo seria a fase dogmtica, o neoconcretismo, a fa- se de ruptura; 0 concretismo, a fase de implantacio, o neoconcretismo, os cho- ques da adaptagio local. Foi sem diivida em tomno da linguagem (visual e Literdria) que se estabe~ eceram os pontos centrais da polémica concretismo-neoconeretismo. De certo modo, o titimo deslocou o eixo das preocupacdes concretistas nesse sentido, Passou-se da semidtica saxOnica (Peirce) € da teoria da informacio (Norbert Wiener) para uma filosofia mais especulativa (Merleau-Ponty ¢ Suzanne Langer); passou-se do ambito da rigorosa manipulagio de elementos discretos para uma ‘rea que, sem renegar de todo esses postulados, recolocava questdes ontolbgicas no centro das teorizagdes sobre a linguagem. Como notou Frederico Morais, 0 neoconcretismo fez um retorno ao humanismo ante o cientificismo concreto, ss Em termos de linguagem visual, as criticas neo- concretas & produgio concreta eram andlogas as inves. tidas de Merleau-t ty, no terreno da filosofia, & teoria da Gestalt, Fsta no saberia, dadas as suas extremas limi- tagdes filos6ficas, extrair todas as conseqiiéncias con: ceituats de suas préprias descobertas cientificas. Fazia delas um uso pobre, redutivo, anedético, quando nao dogmitico. Por meio das criticas de Merleau-Ponty ao realis- mo € ao causalismo da psicologia behaviorista e da teo. ria da Gestalt, € possivel localizar algumas das princi pais divergéncias tedricas (¢, talvez mais do que isso, de formagio intelectual) entre os agentes concretos € neo- concretos, Uma passage de La structure du comporte- ment pode ser extremamente elucidativa nesse sentido alma que vé nao 0 cérebro; é através do mundo percebido e suas estru- turas prdprias que se pode explicar o valor espacial atribuido, em cada caso particular, a um ponto do campo visual. Os eixas de coordenadas do campo fenomenal, as diregSes que a cada instante recebem o valor de ‘vertical’ e de horizontal’, ‘direcio frontal’ ou ‘diregio lateral’, os conjuntos que se revestem do indice “imével’ e em relagio aos quais o resto do campo aparece ‘em mo- vimnento’, os stimuli coloridos que sfo vistos como ‘neutros’ ¢ determinam a distribuigdo das cores aparentes no resto do campo, os limites de nossa per cepeio espacial e cromitica nio resultam, na qualidade de efeitos, de um cru- zamento reciproco de ages mecinicas, no sio uma fioncao de certas variéveis fisicas. A teoria gestalt crer que uma explicagio causal ¢ mes que se reconhecesse na fi era possivel conta das ages m struturagio, Mas -cinicas, 08 processos de ¢ fornecem uma explicagio 4 as leis fisicas nao estrutu- ras, elas representam uma explicacio nas estruturas, Elas exprimem as estruturas menos integradas, aquelas em Lyla Clark Planos em superficie riodulads n? § 1957 Tinta industrial sobre madeira 80x 70cm Col, Adolpho teirner Josef Albers Lygia Pape que as relagdes simples, de fungdo a varivel, podem ser estabelecidas, Desde 1988. entio elas se tornam inadequadas no dominio ‘acausal’ da fisica moderna. No ilogravura funcionamento do organismo, a estruturacao se faz segundo novas dimensdes 18,5 x 40 em Col da artista —a atividade tipica da espécie ou do individuo, e as formas privilegiadas da da percepsio podem ainda menos ser tratadas como o resultado soma- interagées parciais, Hi no neoconcretismo uma critica semelha mento mecanicis- ta em arte e mesmo uma preocupagao com os procedimentos “abertos” da clén- Aluisio Carvao cia contemporanea (vejam-se as especulagdes em torno das geometrias nio- Chro-vermelho 1959 euclidianas e, mais precisamente, a atragio que a cinta de Moebius exercia sobre Olco sobre ls Lygia Clark e Lygia Pape, por exemplo). A visio neoconcreta do campo de per- 68x 81.cm cepeio, com o tipo de fruigio que prescrevia para o trabalho de arte, considera Col, Luis Antonio de Almeida Braga va até certo ponto irris6rios os dados puros da Gestalt. Voltava de certo modo a um vetor imponderivel — a expressio, algo que nio podia ser determinado pela estrita mani. pulagdo de informagdes visuals. Com Merleau-Ponty, para Gullar 0 prin- cipal te6rico de suas manobras anticoncretas, vinha nio apenas a fenomenologia, mas até um. certo existencialismo, Enquanto 2 episteme con- creta inclufa o homem sobretudo como agen- te social & eco: mico, apesar da_propalada autonomia da cultura, o neoconcretismo re- punka a colocagio do homem como ser no mundo e pretendia g snsar a arte nesse contex- to: tratava-se de pensé-lo enquanto totalidade. Era 6 retorno das intengdes expressivas ao centro do trabalho da arte, Resgatava-se 2 nogao tradicional de subjetividade contra o privilégio da objetivida- de concreta Hoje parece claro que, diante do reducionis- ‘mo tecnicista, 0 grupo neoconcreto encontrou ape- nas a saida do “humanismo”, em duas vertentes amplas: na ala que aspirava a representar 0 vértice da tradigio construtiva no Brasil (Willys de Castro, Franz Weissmann, Hércules Barsotti, Aluisio Carvio € até certo ponto Amilcar de Castro), esse humanis- mo tomava a forma de uma sensibilizagio do tra- balho de arte e significava um esforgo para conser- var sua especificidade (e até sua “aura”) € para for- necer uma informacio qualitativa 4 produgio in- dustrial; na ala que, conscientemente ou no, ope- rava de modo a romper os postulados construtivis- tas (Oiticica, Clark, Lygia Pape), ocorria sobretudo uma dramatizagio do traba- Tho, uma atuaggo no sentido de transformar suas fungdes, sua razdo de ser, e que colocava em xeque o estatuto da arte vigente, Ambas tinkam em comum, é claro, uma posicdo critica diante do empirismo concretista (que se manifestava por um teoricismo até, mas que nem por isso deixava de ter uma idéia mecinica da producio de arte) € temiam especialmente a perda da especificidade (e da “aura”) do trabalho. Se, através da sensibilizacio e da dramatizagéo, os neoconcretos procura- vam escapar a0 reducionismo concreto, lutando contra a esterilizacio das lin- guagens geométricas, esses conceitos sio insufictentes para explicar a razio da dissidéncia neoconereta dentro do ambiente brasileiro, De alguma maneira, & licito supor, havia uma diferenca no modo como os dois movimentos se inscre viam nesse ambiente e projetavam seus lances no real. £ preciso estudar em que medida a “politica” desses dois movimentos presos até certo ponto a um mesmo quadro de referéncias inicial ~ a tradigio construtiva ~ diferiam e em que medi 88 Lygia Clark. Planos em superficie modulada no 1 1987 Tinta industrial sobee madeira 87 x 60.em Col. Adolpho Leimmer Franz Weissmann Sem titulo © 1954 erro pintado aprox, 36 x SOx $0 em Galeria aM, Belo Horizonte willys de Castro Pincura 1957 leo sobre tela 58x78 cm ol, Adolpho Leirner da as suas produgdes tinham efeitos diversos, colocaram questées diversas, abri- ram caminhos diversos. Nao resta diivida quanto a estreita ligacdo entre a penetragio construtiva € 0 projeto desenvolvimentista brasileiro. Nesse sentido, concretismo € neocon cretismo eram parte de uma mesma estratégia cultural. Mas, evidentemente, néo formavam um bloco, € 0 fato de se oporem formalmente no deixa de ser escla- recedor quanto as possiveis diregdes para onde apontavain © concretismo, por exemplo, pretendia intervir diretamente no centro da produgio industrial e se preocupava explicitamente em levar adiante 0 “sonho suigo” de transformar 0 ambiente social contemporineo. Estava aberto e avid pelas transformagdes culturais que 0s mass media podiam promover. Como ja dissemos, ele inte- grava-se ao esforgo da superagio do subdesenvolvimento € atacava frontalmente os arcaismos do poder humanista tradicional no ambiente cultural brasileiro. Mobilizava-se totalmente no sentido de estabelecer uma dinimica pro gressista no campo cultural do pais. A idéia de cultura do concretismo era simetricamente oposta § mentalidade aca Jémica vigente e sua concepcdo do campo cultural como lugar das verdades espirituais imutiveis, Pranz Weissmann a5x 45x Les Marques Fercera arte enquanto pratica experim mum espaco menos abrangente mais tradicional do que a conereta, levando-se em conta estritamente a participacdo do artista na produgio social. Na verdade, essa diferenca neoconcreta, embora circunstancial, era signifi- ativa. Indicava, no minimo, que para um grupo de vanguarda construtiva situa- do no Rio de Janeiro, predominantemente, nio havia possibilidades de exercer os seus postulados construtivos numa area social mais ampla. Dado o nivel de exi- géncia estética do movimento, ele passava simplesmente ao largo de qualquer projeto nesse sentido. C' ado, porém, nesses termos, 0 processo esti mais ou menos Invertido: o que houve em verda: & que o proprio surgimento do neo- uu, resultou dessa situacdo. Ocorren, entio, concretismo, nos moldes em que se esse paradoxo tio brasileiro ¢ to proprio do subdesenvolvimento: uma vanguar da construtiva que nfo se guiava diretamente por phum plano de transforma- ‘do social e que operava de um modo quase marginal. Mas, notemos, Os conecretistas citavam Marx e Engels, mas estavam sem dt vida longe da maxima proposta por Walter Benjamin: politizar a arte. A sua ver dadeira teoria de produsio, as delimitagdes conceituais de seus esquemas de lei- tura do real, podiam ser encontradas no racionalismo positivista ~ no pragmatis- mo progressista de Wiener, com sua concepso cibernética das relagies sociais, no formalismo de Bill e Maldonado e suas idéias acerca da civilizagio contempord. nea. Os concretos estavam fora de diivida muito mais perto de estetizar a politica A sua arte buscava eficicia sobretudo no plano das informagées de m criadora de matrizes ¢ como método de investigagio de processos semidticos liga- dos a esse plano ~ e acreditava arcaicamente na positividade desse plano. A famo- sa manipulagio dos mass media pelo sistema, a necessiria correlagio entre a ideo- Jogia das classes dominantes e os mass media nao cram preocupacbes retas, neoconcretismo, por sua vez, obedecia 4s prescricdes do sistema acer ca da atividade cultural: era praticamente apolitico, mantinha-se no terreno re- servado, era timido ¢ desconfiado com relacdo & participagio da arte na produ: ¢fo industrial. Comparados aos agentes da arte concreta, investidos muitas vezes 10 publicitarios e designers, os artistas neoconcretos de fungdes priticas enqua eram quase amadores — por mais que projetassem transformages sociais a partir Franz Weissmann sem cftulo ¢. 1958 Ferzo pintade aprox. 80 x 80 x 80 em Galeria avs Belo Horizonte Essa marginalidade, ou melhor, essa lateralidade neoconcreta é uma de suas principais especificidades. Foi ela que permitiu a explosio dos postulados cons- trutivos e abriu caminho para uma critica ao proprio estatuto social da arte, criti- ca que estava sistematicamente ausente dos movimentos construtivos. Ela tam- bbém é que tornava hibrido esse movimento, que o “existencializava”; e que “des- racionalizava” até certo ponto as linguagens geométricas. Daf porque Max Bense definiu 0 movimento como “o grupo que se distingue do noigandres sobretudo pelo fato de que seu construtivismo admite, a0 lado dos racionais, também ele- _mentos irracionais, ¢ toma em consideracio o folclorismo do pais”. (0 quadro histérico em que se movia 0 neoconcretismo era o do saber, Is0- Jado praticamente de suas relagbes politicas com 0 conjunto da sociedade: arte, ciéncia e filosofia eram os pontos de referéncia exclusivos. Tratava-se de ter uma produgio pertinente nesse sentido, Do trabalho dos artistas neoconcretos é pos- sivel extrair uma posi¢ao explicita diante da histéria da arte, da filosofia e, mais, vagamente, diante da ciéncia, munca diante da sociedade como lugar de um com- bate politico, Mas o apolitismo neoconcreto precisa ser analisado no registro correto: a rigor ele apenas segue 0 apolitismo comum as tendéncias construti- vas. O que tornou a sua inscri¢io cultural tio marcadamente aristocritica fol a «sa posicZo obrigatoriamente lateral num circuit muito atrasado, Por um lado, ele se beneficiava da auséncia de presses por parte do mer cao, permitindo uma concentragio da elaboracao de trabalhos € 0 descaso pela produgdo de obras, Fago a distingdo: por obras entenda-se a série de objetos fisi- cos que resultam a rigor de um mesmo trabalho, de um mesmo dispositive que pode ser reproduzido indefinidamente. © neoconcretismo, como dissemos, tinha uma dinimica de laboratério, ¢ isso s6 era possivel pela ausénciz de confronto ‘com um mercado. Talvez seja legitimo especular que, por outro lado, o apolitismo € até o idealismo neoconcretos, em sua agdo como movimento, estio parcialmente rela cionados com a falta de um contato sistemitico com o mercado. Na medida em que operava fora do alcance do mercado, nao softia sua agio, digamos, alienado- xa —nio era solieitado 4 reproducio mecinica dos trabalhos, nio era pressiona- do para adaptar suas descobertas aos esquemas formais vigentes. Mas nio hi divida de que 0 relacionamento com o mercado (representante do “real” para e Amilear de Castro 32x 49.x40 x Bom ol, Rodrigo de Castro assuntos de arte) &, em iitima instincia, politizador. Revela a verdade da posigio do artista na sociedade — a contradicio entre o tempo e a qualidade do seu pro: duto enquanto trabalho cultural ¢ o circuito comercial em que é inserido o resul- tado desse trabalho. Ao escapar ileso da dura vivéncia dessa contradi¢do, 0 neo: concretismo pode talvez conservar residuos idealistas acerca do estatuto da arte. de Mais ou menos livres para seguir © seu trabalho sem interrupes ordem econémica, os agentes neoconcretos relacionavam-se entre si: muito menos como profissionais (e, como tal, submetidos ao regime de competicio) do que como “homens de cultura, A troca de informagio se tornava fluente € ocorria num plano afetivo ~ havia, e persiste, em alguns artistas membros do neoconcretismo 0 orgulho da marginalidade, a idéia do artista como a “antena (Bara Pound) da sociedade, a vanguarda dos processos de transformagio social Inicio do processo de transformacio social. Inicio do processo de rompimento da twadigio construtiva, momento de crise dessa tradigio no Brasil, o neoconcretis- mo retomou clementos da ideologia romantica de arte € a aproximagdo progres- siva de alguns artistas do movimento para com 0 dadaismo & prova disso ~ 0 culto 4 marginalidade & um componente dessa ideologia e &, por definicio, estranho ao projeto construtivo. © lance neoconcreto € resultado de uma crise local: a impossibilidade de 0s agentes culturais brasileiros continuarem pei anclo no interior do quadro de referéncia construtivo exclusivamente, Com o final dos anos 50 e inicio dos 60, (© neoconcretismo esté no centro dessa crise ¢ representa um conjunto de opera- Ses que tentam ora renovay, ora ultrapassar esse quadro de referéncia. A partir dessas consideragdes podem-se sacar duas hipéteses de trabalho que orientem um discurso em toro das questdes neoconcretas: 1, Como seqiiéncia da penetracio construtiva no pais, o neoconcretismo foi uma tentativa de renovagio da linguagem geométrica, contra 0 cardter racio. nalista ¢ mecanicista que a dominava entGo. Mais especialmente, uma tentativa de revitalizar, no sentido quase estrito do termo, as propostas construtivas, dando énfase aos aspectos experimentals da pratica artistica, Bw singularidade neo- concreta a de, como wimento construtivo, privilegiar 0 momento de concep: ¢a0 do trabalho em detrimento de sua insergio social 2. Apesar de seu manifesto apolitis- mo (¢ sua tendéncia liber co-ut6pica latente), © neoconcretismo foi uma importante manobra da produgio de arte brasileira no sentido de conquistar uma autonomia mais ampla em face dos modelos cultuzais dominantes, Como vértice de um movimento, que comegara cerca de dez ani antes, ele adquirira a consciéncia necesséria para t estabelecer uma dinamica espe. cifica de produsio. O neoconcretismo fixou ¢€ isso pode ser verificado pela propria pr tica dos artistas contemporineos, no Rio de Janeiro, pelo menos ~ alguns conceitos deci sivos a da significagio do proceso da Amilear de Castro 46%54%29x1,2an 2 Ant6nio da Costa Amilear de Castro Sem titwlo final déc, 80 13 x 54x 81x 0,6 cm Museu de Arte Moderna o Rio de Janeiro Doagio Conselho Nacional do sist Piginas 66 ¢ 67 Sem titulo final dée. 50 83 x 188 x 121 x 0,7 om Museu de Arte Moderna o Rio de Ja ‘Sem etulo foal dée, 50 25 x 150 x 150 0,7 em Col, Luigl Mamprin arte no Brasil e colocou i disposicio dos interessados um arsenal de operagdes cr: ticas perante a arte entendida como instituigio. Deu a partida em diregio a uma produgio contemporanea local desligada ja dos pressupostos construtivos dos quais cra inicialmente o resultado. ‘Vértice e ruptura da tradigio construtiva brasileira (permita-se 0 uso dessa expressio tio discutivel), o neoconcretismo em suas duas vertentes bisicas tinha um projeto comum: reorganizar os postulados construtivos dentro do ambien- te cultural brasileiro. © projeto era renovar a vanguarda construtiva. Uma expo- sigio neoconcreta aparecia, entio, como o ponto mais avancado € “livre” da pes- quisa de arte no pais, Representava, é claro, uma conquista local com respelto & especificidade do trabalho da arte: algo nao submetido a injungdes politicas ime diatas, nem a plano ligado diretamente ao processo desenvolvimentista do pais. Os agentes neoconcretos prescreviam, assim, 0 terreno de sua pritica e se dispunham a analisar os seus elementos de modo auténomo: a arte nio podia ser instrumentalizada, e sim compreendida como atividade cultural globalizan- te, que envolvesse 0 conjunto da relacdo do homem com 0 seu ambiente. desejo neoconcreto ia talvez além do desejo tradicionalmente em jogo nas tendéncias construtivas. O seu reco humanista e idealista diante dos postu- lados te6ricos mais rigorosos dos concretos pode ser analisado como uma recu- sa do empirismo e uma insatisfagio com 0 modelo de trabalho implicito nesses postulados. A consciéncia perceptiva concreta era por demais reducionista para 0 desejo neoconcreto de uma arte com intengdes fenomenolégicas mais amplas. O causalismo gestiltico soava mecanico, quase pavloviano, para quem pensava em trabalhar com as complexas articulagbes dos comportamentos superiores. Para {quem especulava em tomo de uma filosofia da forma. A diferenca de perspectiva entre 0 concretismo e 0 neoconcretismo resul- ta do choque entre uma concepcao empirista do trabalho de arte ¢ suas signifi- cages sociais e humanas e outra ligada ao idealismo especulativo, Ou entre um tipo de positivismo e uma variante do idealismo clissico. f dbvio que essa dife- renga no se manifestava por essa forma filoséfica, mas por intermédio de uma polémica artistica que deixava transparecer claramente essa diferenca geral ‘Tomemos, por exemplo, uma polémica que sempre estava no centro das diver- gencias: a questio do trabalho de arte como produgio ou como melo de expres- a0. 0 estudo das manobras em torno dessa questéo é elucidativo, Nio ha diivida de que ao concretismo cabe 0 mérito histérico (a ele € ndo as tendéncias ditas marxistas) de compreender a necessidade de atacar 0 centro do reduto idealista em matéria de arte: 0 chamado processo criador. Sobre a valo- rizasio mitica desse processo, sua capacidade enquanto trabalho intelectual, sua Irredutibilidade aos dados racionais, esta montada a ideologia vigente de arte. E € evidente até mesmo a necessidade de sa manuten¢io para a sobrevivéncia do mercado de arte: a “criagdo” € s6 a “criagio” pode justificar a especulaggo comer- cial empreendida pelo mercado e garantir sua fungio de distribuidor de status e assegurar a validade de um jogo financeiro capaz de oferecer lances mirabolan- tes. O concretismo parece ter compreendido que o deslocamento da fungio social da arte, a tentativa de transformé-la num instrumento social mais efleaz, passava obrigatoriamente pela concepedo expressivista da arte, Contra a arte como meio de expressio, ele a propunha como produgio especifica, informada por conheci- ‘mentos objetivos ¢ manipulada de modo inventivo (ndo inspirado, é légico) ‘O concretismo entretanto nio radicalizou a proposta. Em vez de seguir com uma teorizagio materialista da arte, tomanda-a como um processo de conheci- mento especifico, mas envolvido no campo ideolégico, parou num determinado 6 Hallo Oiticica Vermelio cartando ohranco 1958 leo sobre tela 52 60cm Col, Adelpho Leirmer momento ~ no momento em que o trabalho de arte tomnou-se apenas mais um meio de informagio na rede de processos informacionals que caracterizam 0 “ambiente” contemporineo. No limite, a eficicia social da arte estaria nas opera- ges semidticas que colocasse em ago, especialmente por meio dos mass media, de modo a produzir efeitos renovadores ¢ constituir algo préximo a uma nova estética coletiva. Exatamente conforme a tradigio construtiva dentro da qual toma lugar, 0 concretismo era presa de uma crenga ingénua no progresso, que o levava a pensar os mass media como instrumentos de uma penetraggo cultural pertinen- te as “necessidades espirituais” do homem moderno, A custa, evidentemente, de ignorar o seu cariter de dispositivo ideoldgico dos Estados capitalistas. Na base da atividade concretista, de sua pritica e de sua teoria, esté a idéia do jogo cultural como ser auténomo ~ ¢ isso s6 poderia inibir a seqiiéncia de um pensamento materialista em arte. Interessados numa insergio diferente do traba- Iho de arte na sociedade, os concretistas nem por isso conseguiram escapar de todo a oposi¢io tipicamente pequeno-burguesa em face do campo cultural Desligada dos processos de transformag3o ideolégicos, 2 atividade cultural sé pode ser canonizada: resultard sempre da seqiiéncia de lances geniais que, por sua vez, serio contribuigdes ao patriménio cultural da humanidade. Veja-se a pro- gressio concreta: a literatura moderna é a hist6ria de lances semidticos a partir de Mallarmé, passando por Joyce e Pound e culminando com a poesia concreta; as chamadas artes plisticas obedecem ao mesmo esquema, s6 que os nomes si os de Mondrian © Max Bill, £ facil portanto perceber que a “produgio” envolvida na teoria da arte concreta, com toda sua lucidez histérica, s6 0 € numa certa medida: por um lado, é demasiado mecanicista em seu projet de insergio social, confundindo-se com uma mani- pulacio inventiva de tipo publicitirio e aspirando a uma funcionalidade suspeita no conjunto da socie~ dade; por outro, revela um idealismo corrente 20 respeitar na hist6ria da arte uma autonomia mitica, um todo construido a golpes de genialidade. ° A leitura concreta da arte e da poesia é tecnicista, pensada a partir de trans- formagées sintagmaticas no interior das linguagens, excluindo-se as relagdes des- sas linguagens enquanto formas institucionalizadas (clas ocorrem sempre dentro de praticas reconhecidas: a a a literatura, a misica, nao sdo obviamente expres: ses “naturais") com o campo social onde operam. Esse tecnicismo, na medida em que ignora o local material de sua insergio, acaba por se tornar uma espécie de idealismo, Resulta dai um aparente paradoxo: ao mesmo tempo em que tentava extirpar do trabalho de arte qualquer transcendéncia ontolégica ~ substituindo no dizer de Max Bense a antiga estética interpretativa, ligada 4 “tematica do ser”, por ‘uma estética “abstrata e exata”” que trata da estruturagio material d © concretismo se mantinha preso ao estatuto humanista da arte ¢ da cultura, No préprio cerco que a metafisica tragara em torno dessas manifestagdes. © neoconcretismo voltava-se contra a produgio por razdes outras: © que emia era 0 reducionismo, o perigo de, esvaziando-se a arte de suas conotacdes humanistas tradicionais, esvazié-la também enquanto pritica especifica e irredu- P tivel 20 pensamento do senso comum. © neoconeretismo surge da necessi de alguns artistas de remobilizar as linguagens geométricas no sentido de um envolvimento mais efetivo e “completo” com o sujeito, Contra o que supunham ‘es das formas ser a esterilizacio da arte concreta ~ limitada as rigidas explor. serials e do tempo mecinico, limitada em iiltima instincia & experiéncia retinia- na ~, estavam empenhados em transformar © trabalho em um feixe de relacionamentos complexos com observador a caminho de ser transformado em um participante. Dai, naturalmente, 0 seu esforgo para romper as categorias tradicionais das belas-artes Para esses artistas, é possivel adivinha © termo produgio soava extremamente em: pobrecedor: de certo modo porque calava os murmiirios metafisicos de que ainda estava repleta a arte, mas ambém por conotar uma espécie de operagdo racionalista excluir um envolvimento libidinal do sujeito- i dirsita Halio Oiticica Relevo espacial no 3 1960 x 145 x 18 em Projeto Helio Oiticica Rio de Janeiro Hiéllo Olticiea Meas 958 Guache sobre ext 55x 64am Projeto Hélio Otteica Bio de Janeiro Lio Oiticica Felero espacial 1959 lec sobre madeira 50x 63x S0.em eto Fillo Oiticica 10 de Janeito Halio Oiticiea leva espacial 1959-60 Neo sobre madeira 20% 152.x 19,5 an Luiz Buarque le Hollanda artista, Falar em produgio, no quadro em que se movia 0 coneretismo pelo me. nos, parecia-lhes uma tentativa de enquadrar os lances da realizagio do trabalho © termo expresso, remanes- numa estreita racionalidade programética, Conservat cente da estética tradicional, significava manter intacta a diferenga do proceso Era salvaguardar a especificidade desse processo, 0 fato de manipular formas- expressivas, transcendentes is suas propriedades fisicas, e no apenas formas- © neoconcretismo esgrimia, como se vé, com a teoria da percepgio (0 Merleau-Ponty de [2 struc ire du comportement e Suzanne Langer) ¢ 0 fazia lar gamente contaminado por um idealismo, Nao apenas 20 manejar conceitos como © de expressio ou o de organicidade, como contrapartida ao racionalismo concre- toe o seu privilégio cista da objetividade, como em declaragdes explicitas. Willys de Castro 1s entre planos I 1959 * 2:20 sobre madeira a0 em al. Ricard Akagawa 4 ssquerda Dbjeto ativo ¢, 1960 ‘leo sobre tela sobre madeira 68.94 2.3.x6,9 cm Col, Adolpho Leimmer Gullar, no artigo “Da arte concreta 3 arte neocon- creta”: “Os neoconeretos reafirmam as possibilida- des criadoras do artista, independente da ciéncia € das ideologias”. Se pensarmos um pouco a respel- to dos anos 50 no Brasil, veremos que praticamen- te no havia outro caminho: todo 0 nosso debate ‘universitério se dava entre as varias linhas do posi- tivismo e a filosofia especulativa clissica, incluindo ai os existencialismos. A alternativa para essa pol mica, 0 marxismo, tinha uma situagio peculiar: estava duplamente cercada, por fora pelas ideolo- gias pequeno-burguesas, por dentro pelos agentes, partidérios que tomavam o proceso cultural como ‘um lance a mais da estratégia do partido, simplifi- ‘cando on recalcando questdes que nio se encaixes- sem de imediato nessa estratégia A posigio dita marxista, firmada no ambi- ente cultural brasileiro, no oferecia o menor atra- tivo para uma vanguarda de tipo aristocritica co- ‘mo o neoconcretismo. O seu leque de questées era reduzido e suas bases, estreitas: a fungio da arte cra ilustrar a seqiiéncia da lata politica e ideolégi- a, colorir os chamados valores artisticos do povo brasileiro (valores, é claro, determinados pela consciéncia pequeno-burguesa das elites dirigentes da organiza¢ao). B a0 neoconcretismo, como vimos, néo interes sava uma atitude cultural politizada: 0 seu desejo voltava-se para uma posi¢ao avangada dentro do processo de conhecimento, a sua “revolusio” prendia-se aos, limites da arte e do “homem”. A vigéncia do conceito de expressio € indice da impregnagio do idealis- mo cléssico na ideologia do movimento neoconcreto. Mas, ao longo da polémi- ca com 0 concretismo, teve uma positividade ~ significou a manutengéo de um espaco experimental aberto contra 0 reducionismo racionalista. A partir desse conceito & que 0 neoconeretismo péde se estabelecer nos limites das tendéncias, 1s construtivas, na medida em que obteve uma distancia critica em face do progra- ma dessas tendéncias que chegaram até o concretismo brasileito via Escola de Ulm. Examinemos rapidamente os efeitos da manutengio da tradicional catego- ria de expresso na prética dos artistas neoconcretos. ‘A meu ver ela incide decisivamente sobre o modo de relacionamento des- ses artistas com as linguagens construtivas, formalizadas jé numa tradicao. Torna possivel uma relativa negatividade dentro dessas tendéncias marcadamente cen- tradas em torno da conguista de uma positividade para o trabalho de arte; a0 optarem pelo caréter expressivo da arte, 0s neoconcretos deslocam-se do eixo fincionalista ao redor do qual giravam as tendéncias construtivas. B, permane- cendo nelas, mantém uma certa lateralidade. Isso & patente nas proprias produ- ‘ges do grupo: nos relevos “utépicos” de Hélio Oiticica — estudos topoligicos es- peculativos, sem aplicabilidade pritica imediata -, nos esquemas de tensiona- mento ¢ ruptura produzidos pelo sistema de Amilear de Castro, na organicidade fenomenolégica e antipositivista dos “bichos” de Lygia Clark, na exploracdo c- rirgica das partes do objeto levada a efeito pelos “objetos ativos” de Willys de Castro, na impregnacdo libidinal dos espacos de Franz Weissmann, E, mais, nas pesquisas de cor — elemento banido do trabalho concreto provavelmente pela impossibilidade de uma formalizagio mais objetiva — de Aluisio Carvio, Hélio Citicica e Hércules Barsotti. Em todos esses trabalhos hé algo que nio se permite reduzir ao simples esquema de matriz formal; hi algo, resultado de um processo por assim dizer espe- culativo, que nio tolera 0 esquema do “design superior” proposto pelo concretis- mo. So produgées de “artistas”, engendradas a partir de formalizagdes singulares, irredutiveis & objetividade das formulas e séries mateméticas. A questéo neoconcre- ta, repetimos, é impregnar vivencialmente as linguagens geométricas, repropé-las, como manifestagdes expressivas, recolocé-las como objeto de envolvimento feno. menol6gico, Tomé-las significativas até ontologicamente, Gullar com a palavra: “A atitude neoconereta, que desconhece a existéncia 2 priori dos elementos constitutivos da expressio, implica uma descida & fomte mesma da experiéncia, donde a obra de arte brotard impregnada daquele sentido nio-rético, emotivo, existencial” ("Da arte concreta & arte neoconcreta") 76 Importa agora localizar ¢ estudar os problemas que se colocou o neocon- cretismo ¢, mais diretamente, os problemas que orientaram a sua prética no cam= po de visualidade, Um dos mais relevantes ~a questo produgio x expressio ~ foi abordado acima. Nao era entretanto 0 ‘inico, O projeto neoconcreto trabalhava explicitamente outros conceitos bisicos. Vejamos, Ajidéia de tempo. A questio do tempo foi determinante para as diversas tendén- cias construtivas a partir dos anos 60. Em torno dela, pode-se observar a diferen- ca de perspectiva entre a op arte a arte cinética € a minimal art, por exemplo. As primeiras insistiam numa ligacdo estreita entre arte e ciéncia em termos de ana- logias entre os dois processos de conhecimento ¢ sobretudo em termos de parti- cipagio da arte no ambiente tecnolégico contemporaneo. Para tanto, intentavam ‘uma produgio que formalizasse seus dados & maneira da ciéncia, € 0 tempo como foi tematizado tradicionalmente pela arte seria entio apenas um residuo do pen. samento metafisico, Haveria pois que pensi-lo enquanto movimento, estimulo perceptivo atual, elemento concreto do repertério das artes visuais. Contra 0 tempo “interior”, imével, aspirante a eternidade, da obra de arte tradicional, a ala ‘mais cientificista das tendéncias construtivas (concretismo, op e cinetismo) pri- vilegiava o movimento mecinico como propriedade do trabalho de arte e abria assim uma porta para a participagio mais direta da tecnologia na realizagio dos trabalhos, A arte concreta, desde Max Bill, est na origem da maciga utilizagio tecnolégica caracteristica de algumas tendéncias da década de 60 e é 0 ponto de partida de sua ideologia cientificista ¢ desenvolvimentista, Nesse sentido, © neoconcretismo (e depois dele a minimal) operou uma ruptura na seqiténcia do desenvolvimento construtivo: 0 seu desinteresse pela tec- nologia como fator intrinseco & produgio € a insisténcia sobre uma idéia virtual do tempo, bem como sua recusa em enquadrar a forma em limites apenas 6ptico- perceptivos, colocavam até certo ponto em xeque alguns sélidos principios dessa tradigio. Ndo por acaso, € claro, neoconcretismo, minimal ¢ os artistas latino-ame- ricanos independentes como Soto ¢ Sérgio Camargo foram os iltimos momentos significativos de teor construtivo — atuavam ja nos limites dessa tradigio, © tempo toma no neoconeretismo um sentido constrativo muito pouco ortodoxo. A idéia conereta do tempo como movimento mecinico ele opds © ” tempo como dura¢do e como virtualidade. Falando sobre as diferencas entre a poesia concreta e a poesia neoconcreta, Gullar diz: “para os poetas paulistas, © tempo que o poema expressa deve ser um tempo relacional, mecinico, Desse modo, a pigina torna-se um espaco grifico, obje- tivo, dentro do qual as vibrages-visuais tém um papel preponderante: o poema € um objeto, um corpo especial que se nutre apenas das recorréncias automa ticas a que suas formas obrigam a vista, Entenda-se bem: quand os poetas con creto-racionalistas filam de espaco-tempo eles néo se referem a esse espaco. tempo orginico, nao-objetivo, que se da na percepso fenomenolégica: ref rem-se a0 conceito objetivo, da ciéncia, onde essa sintese se faz @ posteriori Tanto assim que 0s poemas concretos paulistas contém 0 tempo como funcio: namento, como relagio exterior das partes; trata-se de um tempo innit movimentos mecinicos.” (“Da arte concreta 4 arte neoconereta") heon Spanudis dizia que © poema neoconcreto “é o proprio tempo da ivéncia poética que se substancializa em espaco vivo" (citado por Gullar no arti- go acima mencionado). Estamos, como ¢ fécil perce! o racionalismo positivista ¢ 0 idealismo fenomenolégico, em torno dos quais se construfam as posig6es concretas ¢ neoconcretas, Convém lembrar, porém, que no ambito 1m movimento comprometide com a leitura construtiva da arte pés-cubista, chegar a introduzir Bergson — com sua doutrina intuicionista e sua idéla de tempo como duragado— é quase um escindalo. E, no entanto, era de alg ma maneira pertinente a0 projeto neoconereto: servia e estava associado posta de “ativar” o relacionamento do sujeito com 0 trabalho e permitir milti plas possibilidades da leitura, “abertas” no tempo. As gravuras de Lygia Pape e a Hércales Barsott Pret o/preto 1960 bleo sobre 50x 100 cm ‘ol, Ricard Akagawa Branco/preto 1960 leo sobre tela 100 x 50cm Col. Adolpho Leiener esculturas de Amilcar de Castro, por exemplo, trabalhavam o tempo como virtua- lidade ~ tratava-se de algo assim como deixar em suspenso o “tempo” de produ- ‘gio de modo a permitir 2 intervengio do espectador quase no sentido de com- pletar os trabalhos, recrié-los, Ié-los a cada vez de maneiza diversa, viver os ins- tantes de sua produgio. Foi o inicio, sem diivida, de um processo que levaria alguns artistas neoconcretos a radicalizar a participacio do outro, em direcio a0 que Oiticica chamou de “vivencias’ Como ataque 4 “eternidade” implicita na obra tradicional, 0 dispositivo de tempo acionado pelo neoconcretismo era basicamente diverso daquele acionado pelo concretismo. Néo procurava estabelecer uma dinémica real entre os movi- mentos do préprio trabalho ¢ as manobras perceptivas de leitura, Situava-se por assim dizer num plano mais abstrato € mais mediato (num certo sentido a arte concreta é um empirismo da forma). Tencionava, isto sim, mobilizar um proces- so descontimuo de leitura que desse margem a uma atitude essencialmente envol- vida por parte do observador. Prescrevia de certo modo uma leitura dramatica, existencial, dai o seu desejo de sensibilizar a geometria, polemizé-la até. Aqui, mais uma vez, tem-se a prova de que 0 neoconcretismo néo pensava o trabalho como processo informacional, mas como proposigio de “vivéncias”. O tempo concreto ¢ operacional, tem uma dimensio objetiva. O tempo neoconereto € fe- nomenolégico, recuperasio do vivido, repotencializacdo do vivido. E nesse sen- tido cle foi um precursor das tendéncias dominantes nos anos 60 que represen- tavam um esforgo para abolir a distancia entre arte e vida, 0 espaso neoconcreto. Talvez seja mais correto denominé-lo campo, dado seu cardter ativo, irradiado, Com relagio 20 espago, os agentes neoconcretos eram enfiticos: criticavam com veeméncia a manutengio do esquema figura-fimdo — base do espaco representacional pré-cubista ~ e langavam-se 3 tarefa de mobili- zacio total do espaco, tomado agora como elemento néo-metaférico, Ha varias abordagens do espaco em acio no neoconcretismo, mas giram basicamente em torno de uma concepgio fenomenolégica e da conseqiiente recusa uninime a uma apreensio rigidamente gestaltista: as especulagdes com as geometrias nio- euclidianas (Pape, Clark, Amilcar de Castro), 0 tratamento descontinuo da super- ficie (Willys de Castro, Carvao), a tentativa de rompimento da disténcia entre 0 wo © rompimento do espaco representacional (espaco metaférico, alusivo) agia no sentido de rompimento do estatuto vigente da arte ¢ liberava até certo ponto o artista para uma atuagii do que nao respeitasse 0 cerco mitico er mais direta no campo social. Ou se) que a ideologia dominante procurava encerrar 0 trabalho de arte e soubesse suas implicagées no discurso social. Este 0 radicalismo neoconcreto: opor-se ao sistema da arte como estava constivutd com suas convengSes, por meio de seus experimentalismos. E isso de uma forma bem efetiva, ndo apenas tedrica, Estava ancorado na realidade do ambiente cultu ral brasileiro © os seus lances tinham uma eficicia ali: 0 movimento de cert nodo liquidou as fatures de qualqu projeto cultural construtivo organizad para o Brasil ao mesmno tempo em que deixou residuos de uma atitude sistema- cessava aqui a prética da arte Nessa diregio, © neoconcretismo teve ¢ velm ente critica ¢ liberatéria diante dos estreitos limites dentro dos quais se pro- feitos criticos materials incompara nte mais importantes do que 0 concretismo, submetido aos padrdes cons teutivos ortodoxos. Esse, © materialismo neocon- creto, 0 de introduzir no cireuito 4 uma pritica que forgo projeto construtivo ¢ acabou revelan sibilidade de sua inscrigio em nossa realidad que 0s concretos ¢ Max Bense consid © itracionalismo neoconcreto era somente a margem em que ele escapava ao seu racionalismo € 0 colocava em xeque. Implicita- mente havia nele uma recusa da in cionalista da arte na coletividade ¢ a arte brasilei- i¢fo critica por meio de sempre os limites do spenas € egra bertin un: Lygia Pape e Reynaldo Jardim Bi 198 Madeira etecido pintad 4 pesas O75 200 x 75 x 65 em Lygia Pape 1960 Guache sobre Pranchas de 30 Col. da artista Lygia Pape fgua (do Livro dd criagio) 1960 Guache sobre cartio Pranchas de 30 x 30 cm (Col da ardsta Semeur (do Livro di criagio) 1960 Guache sobre cartio Pranchas de 30 x 30 em. Col. da artista 1a se pensar a fungio-arte, discutir os seus efeitos para além de uma historia fe chada da arte, Por isso, o neoconcretismo langou as bases de uma arte contem- porinea no Brasil: ¢ possivel definir grosso modo a arte contemporinea como aquela que se recusa a acreditar em sua nitida autonomia no conjunto do campo social e decide investigar 0 local material onde emerge e funciona. Apolitico, © neoconcretismo contribuiu mais do que nenhum outro movimento no ambito da produgio visual para politizar a arte no Brasil, pelos mecanismos que acionou € pelos efeitos de sua pritica adogmitica e questionadora O espaco neoconcreto ultrapassou os limites do espago construtivo € aca~ bou por se estabelecer como uma irea polémica incrustada no circuito de arte brasileiro no final dos anos 50 € infcio dos anos 60. A questio da subjetividade em arte. Um dos focos de po lémica mais persistentes entre concretismo e neoconcretis- mo. O iiltimo insistia no caréter também subjetivo do tra- balho de a

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