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O solilóquio em Sargento Getúlio: um olhar a partir do “romance-memória”

André Luiz Lunardelli Coiado1

Dentro do autoritário decênio de setenta brasileiro, houve inúmeras


manifestações artísticas e literárias retratadas em vozes de resistência, a partir do
discurso repreendido pelo sistema governamental em exercício. É neste conturbado
cenário nacional que o autor João Ubaldo Ribeiro realizou, no campo pós-modernista, a
publicação de seu romance inaugural, Sargento Getúlio (1971), que possui uma
linguagem regionalista nordestina, variante da caboclo-sertaneja, pronunciada
predominantemente em seu discurso pela presença do memorialismo em seu
protagonista Getúlio Santos Bezerra. A partir de uma análise linguística, buscamos
nesse estudo recriar significações literárias acerca do regionalismo nordestino e do
memorialismo no período em destaque. Com o intuito de obter um olhar sob a ótica do
protagonista, iniciaremos com o debate sobre o gênero narrativo “romance-memória” e
a sua relação com o contexto social da época, para posteriormente discutirmos o
processo de solilóquio dado pela personagem.
A partir da imposição do ato institucional número 5, grande parte das produções
artísticas eram severamente censuradas por moralistas apoiadores do governo. Devido
a esta barreira cultural, a literatura nacional recebeu também novas formas de
produções romanescas, tais como o “romance-político”, o “romance-policial”, o
“romance-reportagem” e entre outros. Entretanto, de acordo com Heloísa Buarque, uma
outra nova produção também tornou-se visível neste período, sendo esta categorizada
como “romance-memória”, caracterizada principalmente pelo “narrador, em assumida
primeira pessoa, voltando-se para a reconstrução de sua história particular. Essa forma,
a mais arcaica – e por que não atávica – da literatura perde e/ou ganha prestígio em
determinados momentos históricos” (HOLLANDA, 1979, p.17). Caracterizado pelo
discurso demasiado próximo à oralidade, tanto pelas ausências de pontuações e

1 É mestrando do Programa de pós-graduação em Letras (PPGL) vinculado ao Departamento de


Letras Vernáculas e Clássicas (LET) do Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) da
Universidade Estadual de Londrina (UEL).
espaçamentos entre parágrafos quanto pela utilização de expressões regionalistas e
neologismo, João Ubaldo compõe o seu enredo para adaptá-lo o mais verossímil
possível. Zilá Bernd em seu artigo, intitulado ROMANCE MEMORIAL (OU FAMILIAR) E
MEMÓRIA CULTURAL: A NECESSIDADE DE TRANSMITIR EM UM DEFEITO DE
COR DE ANA MARIA GONÇALVES, cita a associação entre memória cultural e
romance-memória, traduzindo que este pode ser composto por:

Um indivíduo, um grupo ou uma sociedade pensa seu passado modificando-o,


deslocando-o, deformando-o, inventando lembranças, um passado glorioso,
ancestrais, genealogias ou, ao contrário, lutando pela exatidão factual, para a
reconstituição do acontecimento ou sua ressurreição (ROBIN, 1989, p.48).

Sendo o Sargento Getúlio pertencente a este gênero, o enredo é composto


completamente a partir da memória do protagonista, que recria o tempo e o espaço
vivenciado por todas as personagens. Por tratar de um romance inserido em um
contexto pós-modernista, de acordo com Perrone-Moisés, podemos definir os traços
presentes neste período como:

A definição do pós-modernos se faz, quase sempre, pela forma negativa, a


partir de um feixe de traços filosóficos ou estilísticos opostos aos modernos. De
modo geral, os traços considerados pós-modernos são os seguintes:
heterogeneidade, diferença, fragmentação, indeterminação, relativismo,
desconfiança dos discursos universais, dos metarrelatos totalizantes
(identificados como “totalitários”), abandono das utopias artísticas e políticas
(1998, 182-183).

Em síntese, a obra em análise possui uma plurissignificação já presente em seu


título, ao referenciar a personagem Getúlio à figura do ex-presidente Getúlio Vargas.
Encontramos intertextualidade e fragmentação nos excertos poéticos recitados por
Amaro ao longo da narrativa. Apesar do romance encontrar-se ambientado na região
nordestina em meados da década de 50, João Ubaldo realiza críticas sociais sobre a
barbárie de um regime totalitário retratada pela subordinação do protagonista em seu
trabalho, o machismo por parte das personagens em situações que envolvem a figura
feminina, além da verossimilhança nos conflitos travados que envolvem a
modernização sertaneja. Ambientado neste cenário conturbado, encontramos no
capítulo “Um novo regionalismo?” de Karl Erik Schøllhammer, uma valorização da
linguagem oralizada por parte dos escritores da época:

Ao passar pelas experiências de, por exemplo, Sargento Getúlio (1971), de


João Ubaldo Ribeiro, Essa terra (1976), de Antônio Torres, Os desvalidos
(1993), de Francisco J. C. Dantas, entre outros, as características do
regionalismo se transformaram de múltiplas maneiras, estabelecendo diálogo
com as obras emblemáticas de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Em
algumas obras atuais, a questão regional abre mão do interesse pelos
costumes, pela tradição e pelas características etnográficas para se tomar um
palco da tensão entre campo e cidade, entre a herança rural e o futuro
apocalíptico das grandes metrópoles. Esse conflito é o foco principal para um
dos escritores que mereceu maior reconhecimento crítico na última década e
que, sem ter sido rotulado de “regionalista”, preserva o olhar sobre sua região
de origem e mostra forte interesse pela narrativização épica de sua história,
assim como pela inclusão de características linguísticas específicas na
construção dos personagens (2009, p.78).

Natural de Itaparica, o autor baiano abre mão de questões anteriormente


retratadas por Guimarães Rosa e Graciliano Ramos ao retratar a sua perspectiva da
região nordestina, criando a ficção de Sargento Getúlio ambientada em um cenário “em
modernização”, a partir da perspectiva da memória de seu narrador protagonista. Em
seu artigo intitulado “Vazio Cultural”?, Tânia Pellegrini discorre sobre o avanço da
modernização das sociedades brasileiras e o enfraquecimento da produção literária
regionalista:
É importante assinalar, porém, que a “modernização” do país – ou sua “pós-
modernização” –, empreendida pelo regime militar com base sobretudo na
industrialização, desde meados dos anos 60, refletiu-se na ficção, entre outras
coisas, com o enfraquecimento da temática regional; aos poucos vão ficando
raros (ainda que não desapareçam de todo) os temas ligados à terra, à
natureza, ao sincretismo religioso, peculiares a uma narrativa de fundamento
telúrico, ancorada num tipo de organização econômico-social de bases na
maioria agrárias (1999, p.59).

Entretanto, encontramos o autor amazonense Milton Hatoum, em seu romance


intitulado Relato de um certo oriente (1989), a exploração e composição da temática
regionalista em sua obra. No romance, vivenciamos os relatos reunidos pela narradora
que apresenta depoimentos de amigos e outros familiares sobre as lembranças de sua
matriarca Emílie. O ambiente retratado é uma capital amazonense bem diferente
daquela estereotipada nos livros didáticos, filmes nacionais e romances anteriormente
produzidos. Tanto na obra de Hatoum quanto na de Ubaldo, encontramos importantes
ambientes que se renovam por novas significações a partir das memórias de seus
narradores. Não obstante, Antônio Cândido realiza as suas críticas sobre as obras
deste contexto regional, retratando-as como “super-regionalistas”:

Descartando o sentimentalismo e a retórica; nutrida de elementos não-realistas,


como o absurdo, a magia das situações; ou de técnicas antinaturalistas, como o
monólogo interior, a visão simultânea, o escorço, a elipse – ela implica não
obstante em aproveitamento do que antes era a própria substância do
nativismo, do exotismo e do documentário social. Isto levaria a propor a
distinção de uma terceira fase, que se poderia (pensando em surrealismo, ou
super-realismo) chamar de super-regionalista. Ela corresponde à consciência
dilacerada do subdesenvolvimento e opera uma explosão do tipo de naturalismo
que se baseia na referência a uma visão empírica do mundo; naturalismo que
foi a tendência estética peculiar a uma época onde triunfava a mentalidade
burguesa e correspondia à consolidação das nossas literaturas (2000, p. 161-
162).

Ao termo em discussão, podemos compreendê-lo como uma visão empírica da


região ambientada por seus protagonistas, a partir da recriação de cenas presentes em
suas memórias sem a interferência do autor. Dá-se o nome desta técnica como
solilóquio, a ser definida como:
Nesta técnica há o fluxo de consciência apresentando com a presunção de uma
audiência e sem a interferência do autor. Diferencia-se do solilóquio encontrado
no drama pela diversidade de situação e pela debilidade da coesão lógica. […]
Os pensamentos são enunciados como se fossem para ser ouvidos
(CARVALHO, 1981, p.58-59).

Por conseguinte, iniciaremos a discussão de excertos previamente selecionados


da obra para uma melhor visualização e compreensão das características regionalistas
presentes, seja na construção do gênero “romance-memória” como no solilóquio
presente no enredo proferido pelo protagonista.

Sargento Getúlio: fragmentos de memórias e o solilóquio

O romance é dividido em oito capítulos, nos quais o protagonista se desenvolve


a partir do solilóquio de suas memórias, revivenciando os diversos conflitos presentes
no enredo. Ao início do capítulo I, percebemos uma característica regionalista presente
na mistura do dialeto nordestino com a descrição da paisagem silvestre a partir do
monólogo interior de Getúlio:

De Paulo Afonso até lá, um esticão, inda mais de noite nessas condições.
Estrada de carroça, peste. Temo Canindé de São Francisco e Monte Alegre de
Sergipe e Nossa Senhora da Glória e Nossa Senhora das Dores e Siriri e
Capela e outros mundãos, sei quantos. Propriá e Maruim, já viu, poeiras e
caminhãos alagoado, a secura fria. E sertão do brabo: favelas e cansançãos,
tudo ardiloso, quipás por baixo, um inferno (RIBEIRO, 2003, p.9).

A partir da leitura do trecho apresentado, notamos a verossimilhança utilizada


pelo autor para grafar o discurso oral caboclo-nordestino do protagonista, notavelmente
visível nas utilizações de figuras religiosas comuns, como “Nossa Senhora da Glória e
das Dores”, como também a não flexão em grau do substantivo “mundão” e “caminhão”.
Outro fato notado é a ausência de divisão entre parágrafos no decorrer do discurso,
sendo apenas utilizada em breves diálogos entre as personagens marcadas pelo uso
do travessão para indicar a interlocução, utilizando o sinal pela primeira vez apenas no
capítulo III, a fim de destacar a fala de outra personagem:

Elevaldo e disser: pode ir. Vou logo. Isso aqui me dá uma agonia, ainda mais
com Amaro cortando tiririca, mordendo tiririca, lascando o dedo na tiririca, uma
agonia. E olhando o novelo da menina. Não sei. Já é mulher, deve ter uns treze
anos, possa ser catorze, o oveiro já está rebaixado no ponto de mulher. Pois a
tal fica aí, de olho duro em mim.
- Tirando bicho de pé Seu Getúlio?
Não gosto de me chamarem de seu. Ora, pustema, o raio da divisa para que
serve? Estou tirando bicho do pé, não sei mais o que eu podia estar fazendo
uma agulha na mão e o pé para cima, só se quisesse costurar os pés
(RIBEIRO, 2003, p.43).

A partir da cena retratada, encontramos o protagonista na presença de seu fiel


companheiro Amaro em seu solilóquio ao observar o cenário a sua volta. Getúlio é
interrompido de seu fluxo de consciência ao ser indagado sobre o que estava fazendo.
Não obstante, inferimos que a personagem realiza um novo solilóquio, ao reagir de
maneira irônica à pergunta recebida. Ainda no capítulo em discussão, contemplamos a
apresentação da filha de Nestor, uma adolescente que sofre julgamentos de cunho
machistas pelo protagonista. Podemos observar na seguinte cena em que a
personagem feminina é flagrada com o prisoneiro de Nestor e vítima deste discurso
machista:

O fato é que ela bem que queria, deve ser ela mesmo que abriu o homem,
porque as mãos não podia mexer bem naquele estado de amarração. Mas ela
vastou e ficou berrando de solúcios: ela não quis, pai dela, ela foi dar água e ele
agarrou ela, ela é donzela, ela estava quieta no canto dela. […] Sim. Boto um
dinheiro como ela encostou lá por primeiro. An-bem, chu. Quem freta e desliza é
barcaça. […] Mas não teve precisão de segurar mais, porque aquele manguá
era dos de amansar burro, de maneiras que ela amunhecou e ficou ali no canto
dela. Boa taca e manejava bem, sem curva muito grande, só quase que de
munheca, mas batia bem. Homem nenhum uma filha assim não apreceia,
mesmo pensando que não foi ela (RIBEIRO, 2003, p.54-5).

O machismo é claramente visível na postura tomada pelo protagonista que


enxerga cegamente a jovem garota de treze anos como a principal suspeita de realizar
uma tentativa de fuga do prisoneiro de Nestor, denunciada pela velha Osonira.
Em relação a fragmentação e a intertextualidade na obra, encontramos no
discurso da personagem Amaro no romance, a citação de parlendas, fragmentos
musicais e trechos de literatura de cordel, característico da região nordestina. O trecho
a seguir exemplifica uma de outros fragmentos e intertextualidades presentes na obra,
em específico como uma paródia à letra do bolero Te quero, disseste...2 (1946),
interpretada por Francisco Alves e composta por Maria Grever e Haroldo Barbosa:

Acho que as músicas devia de ser feitas para entendimentos, assim não. Amaro
sabe diversas, mas tem costume de pegar uma e não e não tirar da boca, e aí
fica o dia todo naquilo só.
Bonequinha linda/dos cabelos louros/olhos tentadôrios/lascos de lubila.
Perguntei que vem a ser lascos de lubila, também não soube, parece mesmo
que não gosta que eu pergunte. Acho despropósito cantar uma coisa que não
se entende e disse isso a ele, mas ele não quer saber, lascos de lubila, lascos
de lubila, nunca ouvi isso. Só ele mesmo (RIBEIRO, 2003, p.50)

Ao compararmos o trecho original com o retratado por Amaro, notamos a


similaridade entre a canção interpretada por Francisco Alves. Como uma readaptação
do trecho original, expressões como “de ouro” e “olhos tentadores” se tornam

2 Trecho da letra original: Bonequinha linda/ de cabelos de ouro/ olhos tentadores/ lábios de rubi/
Bonequinha linda/ todo o meu tesouro/ dize que me queres/ como eu quero a ti.
assimilados e parodiados por “cabelos louros” e “olhos tentadôrios” pela personagem
do romance. Outro fato a destacar é que ao ser indagado sobre o significado de “lascos
de lubila” por Getúlio, Amaro não consegue chegar a uma explicação, transformando a
canção original em sua própria paródia.
Ao finalizarmos a leitura do terceiro capítulo, encontramos o protagonista
exteriorizando pela primeira vez o seu solilóquio, desta maneira mostrando ao leitor o
seu lado de torturador ao punir severamente o prisioneiro:

Seu Nestor trouxe um baú de folha, aquilo assim de ferruge, tão assim que
abriu com um roncor devagar, e deu o alicate. Esse, não muito melhor, um
negrume. Acho que vai estrompar suas gengivas, coisa. Vosmecê desculpe,
não tem outro, mas é isso ou capação. Vá entendendo, viu, esse menino?
- Vosmecê sabe o termo bonito para arrancar dente? Vosmecê não quer abrir
logo essa boquinha de bunina? Ôi peste, ôi peste!
Ai inverti a arma, encarquei duas vezes no beiço do alguém e arranquei quatro
dentes de alicate. E deixei. (RIBEIRO, 2003, p.60)

Sem dúvida a exteriorização da ironia se torna destaque no trecho anterior, pois


o protagonista ao indagar ao prisioneiro se este conhecia alguma palavra bonita
oportuna para a ação a ser cometida, se torna bem similar a frieza comportamental dos
militares que realizavam torturas do governo em exercício brasileiro.
No início do capítulo VI, encaramos uma cena em que é apresentada as
questões da modernização da sociedade e do atraso do desenvolvimento tecnológico
nordestino, ambas retratadas pela inserção do automóvel norte-americano hudson.
Percebemos a relutância das personagens ao defrontarem a cena em que há falta de
combustível do veículo e a dificuldade em abastecê-lo :

Esse hudso, quando encrencou por não ter gasolina, eu olhei bem ele e pensei
que isso era um monarquismo de bicho, porque necessitava que a gente
botasse gasolina e as latas acabou e nem bem sei aonde nesse mundo direito
estamos. Dizer a verdade, sei, mas vejo que andar é o que se pode fazer. […]
Eu fiquei olhando esse carro, que é novo mas já ficou velho faz muito tempo, eu
fiquei olhando ele assim, todo frio. Ficou lá morto.

O autor realiza uma clara crítica entre o homem e a máquina ambientada no


cenário do sertão nordestino, ao demonstrar que a “modernização” era acessível
apenas a uma classe social mais privilegiada detentora do capital financeiro. O choque
apresentado por Getúlio na situação adversa é solucionada pelo protagonista que
acaba optando pelo tradicional meio de locomoção, a caminhada. Fato que merece
destaque é o trecho em que ocorre a “morte do veículo” como destino do automóvel,
sendo personificado pela inocência da personagem como um ser vivo possuiu uma
vida.
Próximo ao final do romance, encontramos uma cena em que as personagens
encontram-se inseridas em outro ambiente, este agora mais próximo ao litoral, onde o
protagonista, cansado de sua fuga, começa a aceitar o seu trágico fim entrando em um
nítido delirante solilóquio:

[…] e eu sendo eu, sendo eu, quando eu era menino eu comi barro e entrei por
dentro do chão, comendo barro, cagando barro, e comendo de novo, ôi coisa,
olhe a vida, lá vem a força, em Japaratuba tem umas canas e o canavial é louro
louro como uns portodafolhenses e quem nasce em Muribeca é muribequeno
ou muribequeiro, hem Amaro? quando eu entrei em Luzinete, entrei e fiquei,
minha santa santinha, na lua, minha santa santinha e umas bombas de banana
que jogou nos cabras, porque a gente não dá umas risadas, coisa? que é que
está vendo aí, coisa, o chão? isso é tudo verdume só, coisa, quando chove e
quando não chove é uma amarelidão, mas vosmecê pode se jogar no chão que
não tem perigo que ele lhe abraça, talvez até lhe coma e você vire um pé de
pau ou tu vire um gaiamum ou vossa excelência vire numa pera, isso pode crer
e mesmo quente com a chuva esfumaçando, mesmo assim ele lhe abraça e
pode ficar lá, porque é aonde é que vai ficar mesmo, tem que ficar no chão, já
chorou uma certa feita, coisa? (RIBEIRO, 2003, p.158)

A falta de coerência entre as ideias pospostas, caracteriza o solilóquio pela


diversidade de situações e debilidade de coesão lógica do protagonista. As memórias
são enunciadas como se fossem para serem ouvidas, demonstrando o estado
psicológico delirante da personagem. Ao observar a morte de Amaro e Luzinete, ambas
de importante significação à ela, o “romance-memória” se encerra com a tragédia já
prevista do protagonista em seu solilóquio final:

Amaro aaaaaaaaaaaaaaaaaaaah eeeeeeeeeeeh aê aê aê aê aê aê aê aê aê


aê ecô ecô aê aê aê aê aê aê aê ecô ecô aê aê aê aê aê eu nunca vou
morrer Amaro e Luiz netena lua essas balas é como meu dedo longe e o lhelá
Ara eu vejocaju e a águacor redonde vagare sal gadaela éboa nun cavoumor
rernun roaê aê aê aiumgara jauchei de barro e vidaeu sou eu e vou e quem foi
ai mi nhalaram jeiramur chaai ei eu vou e cumpro e faço e (RIBEIRO, 2003,
p.159).

As expressões “ah”, “eh” e “aê” exprimem a agonia e a incoerência lógica das


memórias vivenciadas por Getúlio, tornando o solilóquio inacabado pela utilização de
expressões incompreensíveis, tais como “nhalaram” e “jeiramur” finalizando com a
utilização da conjunção “e” como expressão de adição ou continuidade da oração,
caracterizando um desfecho trágico do protagonista.

Considerações finais

Observamos a construção do gênero “romance-memória” e o uso frequente de


solilóquio para a composição do enredo, no qual o protagonista recria o enredo a partir
de suas memórias, não havendo interrupção do autor durante a narrativa. Ao contexto
regionalista, João Ubaldo Ribeiro representou em suas personagens a utilização do
dialeto variante do caboclo-nordestino em totalidade no romance. Discutimos também
algumas críticas, como o machismo empregado por pelas personagens masculinas, a
modernidade da relação entre o homem e a máquina inserida em realidade
incompatível, além da intertextualidade e fragmentação de canções e outras literaturas
ao longo do enredo.
Concluímos que o solilóquio representado pelo protagonista demonstra uma
possível constituição da visão empírica dada ao super-regionalismo de Cândido, a partir
dos diversos cenários retratados por Getúlio nos excertos apresentados, culminando ao
período pós-modernista a constituição deste “romance-memória” verossímil ao contexto
nordestino brasileiro.

REFERÊNCIAS:

CÂNDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Ática,
2000.
CARVALHO, Alfredo Leme Coelho de. Foco narrativo e fluxo de consciência. São
Paulo. Ed. Pioneira, 1981.
HOLANDA, H. B.; GONÇALVES, M. A. Política e literatura: a ficção da realidade
brasileira. In: FREITAS FILHO, A. Anos 70. Literatura. Rio de Janeiro: Editora Europa,
1979.
PELLEGRINI, Tânia. “Vazio Cultural”?. In: Gavetas vazias. São Carlos: EDUFSCAR,
1999.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. A modernidade em ruínas. In: Altas Literaturas: escolha e
valor na obra crítica de escritores modernos – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
RIBEIRO, João Ubaldo. Sargento Getúlio – Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha
de S.Paulo, 2003.
ROBIN, Régine. Le roman mémoriel. Montréal: le Préambule, 1989. In: BERND, Zilá.
ROMANCE MEMORIAL (OU FAMILIAR) E MEMÓRIA CULTURAL: A NECESSIDADE
DE TRANSMITIR EM UM DEFEITO DE COR DE ANA MARIA GONÇALVES. Organon,
Porto Alegre, v. 29, n. 57, p. 15-27, jul/dez. 2014.
SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Um novo regionalismo? In: Ficção brasileira
contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

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