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ESSÃO
FICHA TÉCNICA:
EDIÇÃO: Juliana Correia
Agradecimento especial:
2
SUMÁ
RIO
A posição de elementos entre a ESPECIAL: Flávio Antônio da
hegemonia branca e a resistência Silva Nascimento: A educação
negra reescrevendo a história
3 17
EDUCADOR: Combatendo o racismo:
outra educação é
(indis)sociável
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ARTE - EDUCADOR: Aproximações ENTRETENIMENTO:
às questões étnico-raciais em Livros e filmes que falam
espaços culturais sobre racismo
9 26
CAPA: Aceita que o outro seja ACERVO [Im]pressão
visível em todos os espaços?
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12
Agradecimentos
TROCANDO IDEIA: Temos voz no
sistema de educação privado?
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15
wCombatendo o racismo: Ao explorar ainda mais a prática
A posiç
ão
outra educação é da branquice, encontra-se a brancura que
hegemoni de elementos apresenta-se ainda em uma segunda etapa e
a branca
(indis)sociável. entre a
e a resi está mais no micro da sociedade. Esta por sua
negra stência
vez atinge o sujeito negro mais diretamente,
porque a brancura realiza-se diariamente
com a inferiorização do elemento negro e
E
consequentemente das negras e dos negros.
xistem muitos termos para falar Geralmente acontecem no momento em que
sobre o racismo no Brasil e entender suas a negra ou o negro assumem sua negridade e são
ferramentas. Alguns são conhecidos já na luta diminuídos por isso. Por exemplo quando assumem
negra como branqueamento, embranquecimento aspectos estéticos e culturais de crítica à hegemonia
do negro e branquitude, mas detenho-me aqui cultural eurocêntrica que se apresentam no cabelo, nas
pra tentar abrir dois temas já conhecidos mas roupas, no linguajar, nos hábitos, na música, nas artes.
pouco abordados que são a branquice e brancura.
Por que todos esses termos? Ao longo
dos anos os pesquisadores sobre a questão
racial desenvolveram esses termos para
melhor entender as formas como o racismo age
socialmente, afetando diretamente o negro.*
Branquice e brancura são termos que se
confundem em algumas análises, mas de forma
genérica são responsáveis respectivamente pela
ridicularização e preconceito e, a inferiorização
do negro. Tais práticas afetam o ambiente
macro da identidade negra (negridade), pois
se passa pela busca constante em diminuir Era Carnaval, mas o bloco Cacique de Ramos teve espaço para manifestação
a ancestralidade africana e indígena. (Crédito: Carlos Vergara)
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Paola Ribeiro é formada em Artes Visuais
pela Belas Artes.
Carrega sua arte tanto musical quanto
visual pelos espaços educativos onde atua
como educadora
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w A escola como uma das instituições
Combate de poder do estado, mostra toda sua eficácia
ndo o r quando inferioriza e domestica as crianças
outra e acismo:
ducação – “cof... desculpa²” - um fato necessário
(indis) é a ser dito é que grande parte das crianças/
sociáve
l. adolescentes que frequenta a escola pública
é NEGRA (pretas, pardas e indígenas, pois
E
quando falamos de negro falamos de uma
stranho! Dar aula é estranho. Não existe raça histórica) que sofrem com esse sistema.
naturalidade pra mim, nunca houve. Nunca me Se as crianças/adolescentes não gostam
vi como professor, por que veria? A imagem de da escola, o futebol (ou o crime, sei lá) é um
professor como alguém dono do conhecimento, caminho muito bem alinhado a um plano B que lhe
alguém iluminado - e sem dinheiro - dificilmente é apresentado. A figura do educador como um ser
passa pela cabeça de um jovem para se seguir
como profissão (sim, profissão! Porque não existe
a história de dom ou de “professora Helena”).
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É nesse contexto que existe a chamada se ele for escancarado, não se pode lutar contra o
“educação informal” talvez porque não forme que não se vê (ou pelo menos é tampado, velado).
ninguém, e sim, liberte dessa inferiorização Como educador de cursinhos popular há
e domesticação, em uma construção três anos (em SP e MT) acredito na revolução
continua de todos que estão envolvidos. social, e vejo uma revolução toda vez que uma
Até aqui tentei mostrar porque pra mim é ou um estudante pobre, periférica (o) e negra
estranho dar aula ainda hoje, mesmo que poucas (o), ingressa em uma universidade pública (que
dessas aulas tenham sido ministradas na escola historicamente é branca, e não estou falando das
(como instituição). A educação se apresenta como paredes), porque esses que passam são pontos
algo que pode ir além e transformar a sociedade, fora da curva e é a partir de alguns pontos fora da
mas eu não aprendi isso na escola. Aprendi na luta, curva que podemos construir uma nova estrada.
no movimento estudantil, na militância política.
A militância mudou (ou será que moldou?)
o destino alguns jovens que são de periferia, isso
inclui drasticamente o movimento negro dos
anos 70/80, mas não só nesse período e ainda é
contemporâneo. A militância em movimentos
que denunciam as contradições sociais desenha
alguns “pontos fora da curva” da estatística
da periferia, dentre esses pontos, talvez, eu.
Uma busca imensa por encontrar um lugar
na sociedade deu-me a percepção que talvez a
educação fosse o meu “front” de batalha. Em Foto: Arquivo pessoal - Ricardo Costa
uma aula de história é indissociável, não fazer Sem esquecer que aqueles que não passam
uma analogia com o presente, sem isso a história constituem uma estatística brutal, mas que
fica imóvel e longe, ela precisa ser ressignificada mesmo assim também fazem sua revolução no
para que ela seja prazerosa para todos que estão dia-a-dia. Até porque, um diploma universitário
na construção da aula (educadores e educandos). não salva ninguém, inclusive, pode ser tóxico,
pois pode diminuir a consciência de classe.
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POESIA [IM]
PRESSA: SOLANO TRIN
DADE
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Ao longo da exposição Sempre algo entre
nós, parte do projeto curatorial Estou Cá, a pesquisa
Aproxima
ções às de mediação de Juliana Correia, denominada
co-racia questões Diálogos étnico-raciais, recebeu a contribuição
is em es
paços cu Étni- de outras pessoas, que a enriqueceram, dando-
lturais
lhe formatos variados. Eu, enquanto colaborador
estive no lugar da escuta ativa, trocando ideias
9
Sem dúvidas, nosso trabalho não mudará Chegamos à conclusão de que
de uma hora para outra esse fenômeno. Por outro
lado, ao alterarmos nosso modo de pensar os o artista afrodescendente é
públicos, podemos suscitar debates que ensejarão, visto, em geral, como aquele
a longo prazo, a geração de políticas públicas e a
produção de novas mentalidades sobre o assunto. que se assujeita à sua própria
Desde as visitas agendadas e espontâneas, quando condição, como se não pudesse
for pertinente abordar a discussão, até a produção
de textos, jogos e atividades relacionados a tratar de outros assuntos em
esse contexto, as ações educativas podem seu trabalho.
se tornar politicamente mais ativas e éticas,
Neste sentido, o educador tem à sua
disposição uma gama de parceiros com quem Ao longo dos encontros que tive com
pode trocar experiências e produzir pensamentos, Juliana Correia, a questão sobre a identidade e o
tornando sua atividade mais diversificada, questionamento à própria condição social e política
provocadora e consciente. Ao mesmo tempo, do educador se colocava cada vez mais presente.
é importante salientar que esse trabalho se Daí passamos a pesquisar bibliografias e conteúdos
dá na micro dimensão das coisas, mas que que pudessem alimentar aqueles pensamentos
pode, com o empenho institucional, se tornar historicamente e na atualidade. Discutimos sobre nossa
maior e atingir a sociedade como um todo. prática e, sobretudo, o que se poderia fazer para, de
algumamaneira,introduzirnelaprovocaçõesereflexões.
Como dito anteriormente, o projeto modificou-
como gerar reflexões sobre isso se, por um lado, na medida em que se produziu
e rever o trabalho que se faz um jogo com base nele, e, por outro, recebeu a
colaboração de um educador (professor), que o associo
cotidianamente como educador? à sua prática em sala de aula – educação formal. Na
continuidade desse processo, durante a ocupação
A princípio, o projeto de mediação Boletim Público, a ideia de dialogar a questão étni
Diálogos étnico-raciais buscou analisar três pontos co-racial e seus desdobramentos permanecerá sendo
de vista a respeito dessa questão: a do artista, a reavivada, no intuito de ampliar os seus horizontes.
da instituição e a do educador. Primeiramente,
fizemos um questionário para os educadores da
equipe que buscava colher informações sobre sua
relação com a temática ora apresentada. Chegamos
à conclusão de que o artista afrodescendente
é visto, em geral, como aquele que se assujeita
à sua própria condição, como se não pudesse
tratar de outros assuntos em seu trabalho.
Quanto à instituição, em geral, são poucas as
que trabalham a questão, ou o fazem de forma
insuficiente. É notório, por exemplo, a ausência de
trabalhos de artistas afrodescendentes em muitas REPRODUÇÃO_OSVALDO_FAUSTINO_E_MOISÉS_PATRÍCIO_EM_PRIMEIRO_
PLANO_DURANTE_A_AÇÃO_PRESENÇA_NEGRA_NA_GALERIA_MILAN
coleções de importantes museus brasileiros. Folha de São Paulo, 2016
Josinaldo Firmino
dos Santos
Educador, Graduado
em Arte: História,
Crítica e
Curadoria, PUC-SP
PERFORMANCE_PRESENÇA_NEGRA_REPRODUÇÃO Folha
de São Paulo, 2016
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Moisés Patrício é artista plástico que
aponta as problemazações do racismo através
de suas obras.
“Aceita” é sua obra que utiliza-se das mãos
e de objetos para essa ação
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[IM]PRESSÕES:Você sentiu alguma diferença,
em específico, algum tipo de discriminação
trocand
o racial dentro do sistema de ensino que integra?
sistema ideia; Temos
de educ vo
ação pr z no GABRIEL: Sim, é uma violência não direta
ivado?
estar lá todos os dias e ser o único negro na sala.
É ser silenciado quando suas pautas fogem da
N o TROCANDO IDEIAS, a revista
[IM]PRESSÕES apresenta em forma de entrevista
realidade da burguesia branca e são pouquíssimas
pessoas negras e/ou periféricas no espaço.
rápida: perguntas precisas com respostas diretas,
[IM]PRESSÕES: Os professores de sua
uma forma de problematizar a permanência dos
universidade incentivam o debate sobre
pretos e das pretas dentro dos espaços educativos.
igualdade social?
Será que somos recebidos com igualdade em
qualquer espaço? As instituições particulares,
GABRIEL: Nunca! Estou no terceiro ano,
estão preparadas para receber mais alunos e alunas
e apena uma vez debatemos cotas, e mesmo assim
da periferia, por consequência, pretos(as) cada
foi uma tristeza, óbvio. Os discursos reacionários
vez mais frequente após o ProUni: “Programa
não mudam. É um misto de tudo. O capitalismo
Universidade para todos - um programa que
não comtempla os meus (os preto, as pretas,
promove a acessibilidade à educação para quem
xs pobres), então a gente ocupa algo que não é
tem baixa renda. Por meio dele, é possível conseguir
nosso, mas deveria.
bolsas integrais ou parciais para universidades
ou falcudades particulares cadastradas no
[IM]PRESSÕES: Como professor de
programa em todo país” (fonte: Site MEC)
cursinho popular: Qual mecanismo de incentivo
utiliza com seus alunos?
Na primeira edição do trocando ideia,
conversamos com o aluno de Letras na Faculdades
GABRIEL: O incentivo delas e deles
Metropolitanas Unidas (FMU), Gabriel dos
acaba por ser minha história, como a de todxs que
Santos. Ingressante graças ao seu envolvimento
constroem o espaço, são pessoas pobres também,
com o cursinho popular, o jovem que sempre
com dificuldades em comum, sofrimentos em
estudou em escolas públicas da periferia Sul
comum. No mais, nas aulas eu parto da nossa
de São Paulo, agarrou a oportunidade e ocupou
realidade para o conteúdo e não ao contrário como é
o espaço da sala de aula, até então - ou que
feito no ensino público e privado.
ainda é - elitizado. Sabendo de seu potencial e
da necessidade de colaborar om outros alunos
[IM]PRESSÕES:Você acredita que a
como ele, Gabriel, atualmente, é professor
cultura e a arte são ferramentas importantes
coordenador no meso cursinho popular que o
para falar sobre ancestralidade?
abraçou: Carolina Maria de Jesus, localizado
no bairro Valho Velho, Zona sul de São Paulo.
GABRIEL:Sim, é de suma importância
falar dos nossos, de onde viemos e o tanto que
[IMPRESSÕES: Gabriel, conte-nos
construímos, ainda que tentem nos apagar. E a arte,
mais sobre você: Qual sua trajetória até o
a cultura são meios que estão sendo cada vez mais
ingresso na Universidade:
sendo utilizados pra falar de nós mesmos. São meios
de fácil comunicação, entendimento, é a porta, é a
GABRIEL: Estudante de escola pública
chave.
sempre, desde o fundamental ao médio, e por toda
defasagem que existe no ensino público, quando (O “X” substititui as letras A ou O, neutralizando o gênero:
o conclui busquei um cursinho que entrasse Gabriel dos Santos referênciando a qualquer um)
no orçamento da minha família, no caso, algo Professor e
gratuito. Foi quando conheci o Cursinho Popular Coordenador no
Cursinho Popular
Carolina de Jesus, onde hoje sou professor- Carolina Maria de
coordenador. Com o cursinho, melhorei meu Jesus.
resultado no Enem seguinte (2014) e consegui Graduando em Letras
bolsa integral na FMU no curso de Letras. na FMU
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POESIA [IM]
PRESSA: Carolina Ma
ria de
Jesus
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Flávio
Antônio ESPECIA
da Silv L
a Nasci
mento:
a histó A educa
ria ção ree
screven
do
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E aí eu comecei. O ponto inicial foi esse: P.F: Está na moda.
levar essa experiência para Rondonópolis, mas [Im]: Aproveitamos que está na moda e
fazendo com negros, por negros, de negros para filtra, ou não, é uma fala só nossa? Porque tem
negros. Por que lá em Assis era o pessoal da até aquela coisa que vira briga de coletivo, que é
prefeitura, burocratizado e tal. Mas não tinha o lugar de fala.
outra finalidade senão a ajuda cristã. Eu cheguei P.F: Não sei. Eu acho que tem que aproveitar
a Rondonópolis, comecei a equacionar como que logo antes que passe. Daqui a pouco a moda é o
seria se seria pertinente. Aí eu achei que sim. fascismo. Tem que aproveitar. Não falo de ser
[Im]: O racismo impede nossa oportunista. Não é isso. Usar com responsabilidade,
identificação. De onde o senhor acredita que com compromisso. Mas e sim. Eles põem cada
isso venha? É uma questão familiar, social? coisa em evidência. Esse negócio da fala que você
P.F: É histórica, é abrangente. Claro que está dizendo seria uma temática dos anos 1980. Está
vai se refletir em cada uma dessas partes que você retornando. Quem que é o sujeito que está falando?
falou. Mas chega até o nível pessoal, individual. Quem que tem, como se diz, quem é gabaritado,
Começa com a história. Tem um pacto social não mal representa o outro? Não distorce
aqui no Brasil, pouca gente fala nisso. Tem uma representação. Já passamos por isso. Eu acho que
psicóloga da USP que escreveu sobre o racismo na não resolveu naquela época, parece que não vai
perspectiva psicológica. E ela disse que, no século resolver hoje, de uma vez. Porque, para mim, é um
XIX, na abolição e na pós-abolição, foi engendrado contrassenso.
um pacto, como que subliminar não declarado, foi É um contrassenso. Você é uma intelectual
posto, que é o negro não falar do racismo e o branco negra. Está gabaritada, você tem histórico de vida,
não falar também. tem a experiência acadêmica, tem a participação na
Parece – para isso teria que voltar à sociedade problemática e tem o negro propriamente dito. Ele
da época – que eles estavam achando que estavam não tem direito à expressão, à livre manifestação?
realizando alguma coisa, abolindo a escravidão. [Im]: Quando falamos de ocupar espaços,
Quando, na verdade, eles estavam começando a ter prcebemos que o negro ainda não se sente
um grande problema. Mas é que o negro entrou com pertencente, por exemplo, a espaços de “arte
uma noção de dádiva, de ter recebido a abolição erudita”, “academicista”. Sobre o espaço da
como uma dádiva, como uma benfeitoria, um educação, isso ainda acontece? E, dentro de um
presente. E o branco assim como tendo realizado cursinho para negros, eles estarem lá já é uma
uma grande coisa, o que é uma tolice. Na realidade, iniciativa?
não era nem, talvez fosse o pensamento majoritário, P.F: É uma iniciativa boa, importante, e,
mas não eram os únicos pensamentos que existiam. claro, lá a recepção é diferente. Porque já se tem
Tinha o pensamento reformista. E parece que se uma expectativa de que o negro vai falar. É o
incorporou como tradição cultural – a Filosofia cursinho do negro. Já se pensa nisso. Por exemplo,
não gosta muito disso, gosta mais das ideias. Sabe nós fizemos como lá [em Rondonópolis]? Como a
quando uma coisa que fica aferrada? gente arranja professores sem dinheiro? Como se
Nós quase que temos vergonha de discutir implanta um cursinho do nada?
o racismo. Não somos apenas nós, os negros, os Nós fomos à universidade [UFMT
brancos também. Eles têm uma – na minha opinião, (Universidade Federal do Mato Grosso)] e pedimos
isso se dá por formação cristã -, como que uma uma reunião com o DCE, com os CAs. Todos os
percepção de que é uma coisa muito feia, malvada. cursos têm negros, mal ou bem, mais inserido, menos
Sabe uma coisa criminosa? E o negro como se fosse inserido. E, claro, lógico, todos se prontificaram a
muito rebaixado com o racismo. E de fato foi. No apresentar trabalho voluntário, e nosso cursinho na
entanto, ele também renúncia. Eu acho que vem de época tinha uma inovação - hoje isso já é comum
certo complexo, um duplo complexo, eu diria. -, tinha História da África, antes do Lula, nós já
[Im]: Sim. Uma coisa que o senhor falou tínhamos essa ideia. Então isso atraía muita gente.
que eu achei interessante foi essa questão de E a gente contava com o estudante do primeiro,
não querer falar. E, atualmente, nas conversas terceiro ano, que ainda é rebelde até o terceiro,
que tive com Josinaldo e o Ricardo, concluímos quarto ano, depois ele começa a ficar conservador.
que falar sobre ancestralidade racismo e virou Então eles se prontificaram, participaram muito.
“cult”. Então a aceitação foi grande, grandiosa.
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E como não tinha nota, era livre o debate, era Porque eu acho que, dessa maneira, você
acalorado, aberto. Isso criou atraiu muita gente. contempla também, você torna o curso mais leve.
Criou um engajamento muito grande, participação Não discute só burocraticamente o currículo,
muito ampla. Então, minimamente, apareciam embora você tenha que discutir também, você
mulheres também, mulheres organizadas, começam tem uma meta, não pode pensar que a experiência
a dar aula no cursinho. Então, eu acho que isso foi não vai ter duração plena se não houver nenhuma
muito importante, foi bom. Foi um espaço que a gente eficiência. Eficiência é ingresso pelo vestibular.
conseguiu manter nosso. Nós que planejávamos, Nós lá felizmente tivemos. Na última turma que nós
debatíamos. E não tinha remuneração para ninguém. tivemos agora de 140 nós pusemos 50.
[Im]: Em que ano o cursinho foi criado? [Im]: Esses alunos que passaram pelo
P.F: Ele está no décimo ano. Foi em 2005, cursinho, de algum modo, eles chegam à
2006. universidade mais conscientes do seu papel, da
[Im]: E o formato das aulas, essa estrutura sua identidade? E há alguma diferença com um
diferente, num formato caloroso, horizontal, em aluno negro que não passou pelo cursinho, mas
roda. Ele conta também nessa identificação? que entrou na universidade?
P.F A gente sabe que aquele é um espaço P.F: Eles chegam com um pouquinho a mais.
aberto. Mas o que legitima, em última instância, o Mas, não sei se você concorda com a minha opinião,
cursinho - e outros congêneres assim - é aprovação o negro, muitas vezes, é muito afastado de si, tem
no vestibular. Porque tudo bem, se eu tenho uma baixa consciência muito forte. Então aqui ele já é.
autorização na sociedade para funcionar, é até o Agora num centro pequeno, ele é mais ainda. Então,
ponto em que ele tem eficiência. Sem eficiência ele é presa fácil de certas ideologias que distorcem
nenhuma, ele vai ser recusado. E ele teve eficiência a negritude dele. Em linhas gerais, ele chega um
porque, no último turno, em 2016, entraram 50 na pouco melhor.
universidade federal de lá. Você tem que ter esse Eu lembro de um caso que não foi
cuidado, mas também contemplar o interesse mais excepcional. Fomos em uma das piores favelas da
amplo. Por exemplo, em Biologia, a gente tanto cidade. Nós resgatamos, tiramos de lá do fundo do
ensinava currículo quanto levava os alunos para poço uma menina negra que estava para desistir
viagem de campo. Eles ficam dois três dias, viam do ensino. Estava próxima da criminalidade. Ela
a soja, uma pequena propriedade. Já entrelaça, vai fez o nosso cursinho e entrou em sete faculdades.
discutir pequena produção, outras coisas correlatas. Uma coisa assim impressionante. Quer dizer, a
Então soubemos minimamente conciliar o currículo consciência, ela foi lá se prontificar a continuar a
com a liberdade de ensino, com liberdade de experiência dela.
interesse. Ainda conseguimos por gente para dentro Agora, não sei em que medida que você
assim, nessa perspectiva. O Ricardo acho que pegou fala da consciência. Eu também abuso dessa
uma época que podia, não chegava a ser um curso, palavra porque é muito complexa, por causa do
mas uma sequência de filmes. Então havia um racismo brasileiro, a consciência. Porque quando
cinema, que já entrelaçava com a língua portuguesa. a gente fala de consciência a gente não explicita
que consciência é o que a gente está querendo, está
falando. Minimamente mais consciente em termos
de auto-afirmação.
[Im]: Na universidade, por exemplo,
numa instituição privada, a maioria dos alunos
é branca. Haverá aí um enfrentamento, muitas
vezes explícito, às vezes com o professor. O
racismo também é, por outro lado, silencioso,
disfarçado. Os alunos do cursinho tem uma
reação mais consciente, que possa enfrentar o
racismo e promover uma mudança?
P.F: No mínimo, ele fica mais respondão.
É um contraditório tudo isso, entende? Realmente
o cara saí mais consciente, mas aí você aposta que
ele vai fazer muitas grandes coisas, mas um monte
vão ser cooptados mais adiante. É como aqui.
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Foto: Juliama Correia
Já pensou e
m um lugar
amigos, se d para ver os
iver tir, apro
melhores at veitar as
rações cultu
rais, tudo is
em “uma ta so
cada só?”
Todo penúltimo sábado do mês, na Casa Balaio! Pertinho da estação Jardim Ro-
mano da linha 12 Safira (CPTM)
Realização:
20
Não tem necessariamente uma trajetória sempre Acho que precisa ensinar mesmo, sabe?
ascendente. Tem gente que estaciona, tem família. O movimento negro devia de se preocupar com
Tem que gente que vai assessorar deputado. isso também, não só isso, tem que militar, é claro.
Nós perdemos muita gente assim. Foi assessorar Mas tem que levar esse entendimento. O racismo
vereador, deputado, e ficou por lá. Fica fazendo é caro, é difícil, e precisa saber o que é, para
trabalho de gabinete. Agora teve uns que, pelo superar mesmo. Porque a primeira discussão, quer
contrário, fizeram a diferença. Mas é a minoria. dizer, sempre coloca “eu não sou racista, não sou”.
[Im]: Percebemos, muitas vezes, É a questão da culpa cristã. A culpa do espectro.
que é muito mais falado sobre racismo Eu sou pecador. Eu não sou pecador. É difícil.
com quem já tem uma certa consciência do Essas coisas estão associadas na mentalidade.
que com quem nunca ouviu falar e não se [Im]: Sobre espaços de arte: como é que
sente pertencente ao espaço. Como agir? esses lugares da representação cultural podem
P.F: Não sei se eu... Posso ter uma visão ser instrumentos ou plataformas, meios, para se
exagerada. Eu acho que a gente tem que ensinar disseminar essa discussão racial? De um lado, tem
para as pessoas o que é racismo. Desculpe, não estou uma valorização da estética negra, por exemplo,
falando, não estou querendo subestimar ninguém. do Black Power. Como é que se equilibra isso?
Eu acho que as pessoas não sabem o que é P.F: Você compreende o que é Black Power,
racismo. Assim, claro, se eu pegar um dicionário, aí historicamente, certo? Você sabe que é Angela
eu olho lá a definição, mas não é isso. Aprender o Devis. Mas uma pessoa comum não sabe disso. Ela
que racismo é delicado, é difícil, é você percorrer sua não sabe essa coisa de negro. Se tiver na moda ela
vida, ir apreciando as experiências. Porque, eu ouso usa também. Ela vai dançar, ela vai pular. Mas o
dizer isso, eu acho, posso ser muita pretensão da que quero frisar é – você tem razão – que nós que
minha parte, que eu aprendi quatro formas principais temos alguma instrução a gente cobra o direito de
de racismo, penso eu. Posso não ter realmente representação nos meios de comunicação de massa.
razão nisso, nem certeza. E são essas principais Agora, se vincular, se continuar, se persistir assim,
formas que nos envolvem, entende? Porque, sabe acho que vai se formar uma negridade. Agora,
aquele negócio do pacto que eu falei no começo da desculpe te decepcionar, mas nós não somos isso.
nossa fala? Enquanto as pessoas tiverem, de certa Nós não somos a Angela Devis. Nós brasileiros, nós
forma, essa visão de que o racismo é uma maldade não somos. Nós também não somos o Olodum. Nós
ou uma fraqueza, nós temos poucas condições de somos negros que somos maioria. Não podemos
aprofundar a questão racial. De relevá-la, debatê-la reagir como minoria. Nós reagimos como minoria.
e, quem sabe, superá-la. Mas então é isso que falta. Nós pedimos conta de 20%. Nós somos a maioria
Quem é militante precisa admitir que o da população. A gente quer uma representação
racismo é em 90% inconsciente. Ele é inconsciente. na Globo com percentual de atores negros na
Ele não é uma ação deliberada. Há uma ação, novela, mas a gente não quer escrever a novela.
sem dúvida. A pessoa não é consciente de O racismo ainda vai persistir em quem
que efetivamente isso é um traço, de que isso escrever a novela, na estrutura da novela, mesmo
significativamente é um traço da estrutura de raça que tenha lá um negro dançando, para contentar a
e de classe. O cara não pega isso. Demora anos pressão do movimento negro. Eu falo que a gente
para você pegar isso, para você sedimentar na sua não sabe, não percebe, no geral, o que é um negro
cabeça. Entende? Eu acho que é isso. A gente dá uma e o que é racismo. A população como um todo não
palestra aqui e não finca raízes. Porque ou você já identifica como racismo não ter uma repórter negra
está preocupado, já num processo de esclarecimento, no Jornal Nacional. Ela não vê isso como racismo.
ou você não consegue ter a dimensão de que – vou
falar uma coisa simples, boba – a África não é um
país. A maioria pensa que a África é um país, e só vê
“A gente quer uma
um povo de lá. Só tem um negro, um tipo de negro. representação na Globo
E ela não sabe que... Você já observou a Umbanda?
Já participou? Aquilo é uma complexidade...
com percentual de atores
Candomblé... Então, agora, uma pessoa comum negros na novela, mas a
de classe média aí, um branco de classe média
bonzinho, do bem, ele não alcança essa... do bem,
gente não quer escrever
ele não alcança essa... Acho que é complexo. a novela.”
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A Maria Júlia Coutinho, a Majú, eles Na maldição de Cã propriamente dita, no
não estão pensando que estão dando a parte mais mito, tem o Gênesis, né? Porque Cã* era identificado
vulgar do jornal para ela. Não alcança esse nível na Antiguidade como negro. E Deus teria os
de reflexão, sabe? Porque, na minha opinião, filhos negros. O povo de Cã era o Egito, o Antigo
volto à velha tecla, precisa saber o que é racismo, Egito. Eu acho que isso ainda está indiretamente
saber o que é raça, se existe raça biológica, se na nossa cabeça. Não está com todas as partes
não existe, se existe raça histórica. Como é que constitutivas, mas está minimamente. Você vê um
é? Para entender que quando fazem um desfile menino que rejeita a menina negra para namorar.
militar, que ali está cheio de racismo, porque não É a cor, né? A primeira coisa a que ele se opõe.
tem nenhuma representação de quem mais morreu Não sei se me entende, tudo vai se
nas guerras, na Guerra do Paraguai; de quem era aproximando daquela ideia que eu falei no começo
enviado na frente como resistência primeira, de que precisa ensinar o que é racismo. Eu acho
ataque primeiro. Se a gente tivesse uma percepção que tem que ensinar sim. Desculpe minha teimosia.
maior do racismo, a gente não aceitava esse Explicar mesmo. Ter cartilha, ter coisas. Assim
desfile. Mas onde que está minha representação? eles fazem com a História, com o passar do tempo
[Im]: O senhor estava falando da questão eles vão distorcendo a História. Eles fazem livro
dos 20% das cotas, eu me questionei que didático. Mastiga. Acho que a gente devia fazer o
nos espaços centrais de arte contemporânea, mesmo. O movimento negro se ocupa muito com os
nos contentamos com tão pouco... negros que estão com algum nível de informação,
P.F: Você tocou numa questão importante. de entendimento. Acho que deixa no segundo plano
A maioria da população paulistana é negra, mas a grande massa. Acho que o movimento negro tinha
não se aceita como tal. Ela não quer ser negra, que investir nos professores. Questão pedagógica.
ela sempre dá um jeitinho de disfarçar. Mas em
setores ilustrados, esclarecidos, sim, há uma
demanda por negritude, na realidade. Mas muitos, “A maioria da
no comum, em geral, eles acham que não, que só o
preto que tinha que entender, já que não sou preto.
população paulistana
Isso cria problemas, não só de identificação, mas é negra, mas não
do próprio reconhecimento do que é importante,
do que é valor do que fizemos e continuamos
se aceita como tal.
fazendo, de projeções que a gente tem. Ela não quer ser
Eu acho que, volto à grande questão: você
tem que ensinar o que é negro. Se você vai ensinar
negra, ela sempre
o que é racismo, você tem que ensinar o que é negro dá um jeitinho de
também. Mas partindo desse suposto. O racismo
é inconsciente, inclusive, para o próprio negro é
disfarçar.”
inconsciente.
[Im]: Nos espaços teatrais e [Im]: Existe a lei da implantação do
cinematográficos, sempre e ainda nos deparamos ensino da História africana. Mas, muitas
com as problemáticas do black face. vezes, o professor não tem o ímpeto de ir lá
P.F: Isso devia ser proibido porque não tem e enfrentar, de algum modo, todo o sistema,
sentido. No passado já se justificava que não havia e reconhecer que é necessário falar disso.
artistas negros. Então, eu acho que, eu estou falando P.F: Mas essa é a História. Quer dizer,
às vezes mais como pedagogo, porque a experiência não tem como ficar fora da História, faz parte da
que eu tive na universidade foi essa. Porque eu tive História. Se eu vou falar da colonização brasileira,
a experiência no cursinho, na universidade vi os por exemplo, a História do Brasil, de onde vieram
negros não querendo ser negros, se incomodando os africanos? Como que eu não vou contar qual
em ser negro. Precisa conceituar o que é negro, era a África? Mas, quando o próprio professor tem
para a academia. Agora, quando a gente vai falar um bloqueio na cabeça e acha que os negros estão
com a massa, então, a gente tem outro jeito, talvez atrasados, são incapazes, ele não vai fazer isso bem
mais vivo, não sei, mais fácil, para que ele entenda feito. Antes a gente podia falar: “não tinha livro”, na
o que é negro e que não é desdém. Tem gente verdade não tinha mesmo, tinha poucos. Mas hoje
que pensa que negro é sinônimo de coisa ruim. tem bastante. Embora seja um impedimento legal.
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Os professores não vão contra esse [Im]: Sobre arte-educação: Se numa
impedimento legal. Tem a lei, mas não tem exposição de arte tiver também artistas
espaço na escola para dar aula de História. negros e também um pouco da História,
Eu falo isso porque eu passei dias difíceis, negros e também um pouco da História,
um confronto com um pessoal em Pedra Preta, esse material ajuda a falar da negritude e
uma cidade do interior do Mato grosso. Eu ancestralidade e ao mesmo tempo de literatura,
estava pedindo a colaboração dos professores e de artes, temas que se atravessam, Filosofia?
dos diretores para que inserissem África Negra P.F: Sim, vantajoso sempre é, mas, na minha
paralelamente junto com o currículo. Eles não opinião, eu acho que você tem que levar o aluno
queriam. Eu ficava assim: “mas por quê?”, “será comum, porque eu acho que o sistema de ensino é
porque são conservadores?” Mas não é. Sabe o uma conquista burguesa, é para todo mundo.
que o diretor fazia? Dizia: “pode inserir, mas só se Não vou ter uma escola de negros, uma escola
vocês vierem trabalhar a mais”. Sem remuneração. de brancos. Posso ter isso? Não posso. Quer dizer,
Entende? até posso se fizer uma mudança social. Mas se não,
Precisa aumentar a carga horária de escola você vai ter que convencer o outro que o conteúdo
para inserir História da África. que é ensinado com ênfase por um professor negro
[Im]: História da África, em algumas é para todos. Eu acho que não pode ter situação em
universidades, é eletiva. Deveria ser obrigatória, que, na escola, a professora é negra assumida, dá aula
não deveria? – e isso tem muito em escola por aí –, no colegial,
P.F: No curso que eu dava aula de para um grupinho. O grupinho chega, fica batendo
História, eu coloquei como obrigatória. Para papo, conversando. Eu fico me perguntando para
acabar com isso aí. A gente mobilizou os alunos que isso aí? Aí você tem um grupinho de negros ali.
contra os professores, e deu certo, foi bom. Vigora ali um pacto. Ela não incomoda os meninos
[Im]: Falando sobre os educadores. que vão para fumar maconha, deixa os caras lá, e
Que educadores devem ensinar sobre eles também não interferem na didática dela. Você
ancestralidade? Há essa divisão? quer isso, sinceramente, como educador? Eu não
P.F: A própria lei já explica isso. Dentro da quero, porque isso tem pé de barro. Isso pode te dar
lei está se dizendo que a manifestação de História um sucesso aparente. Eu acho que a gente tem que
da África tem que ser usada em todas as disciplinas, ter raízes sólidas. Tem que ter a solidariedade do
em História da Arte também, História Africana da branco pobre, não do branco de classe média. Mas
Arte. Mas para encaminhar eu sempre pensei num o branco pobre vem da gente também. Muitas vezes
colegiado na escola, com planejamento. Aí divide- ele é descendente da nossa gente. E se ele for seu
se as tarefas. Não é só o professor de História que aliado ali, se ele entender o que está se passado, ele
vai dar História da África. Tem que se equacionar o vai participar de alguma coisa posterior. Agora, se
problema. A primeira problemática é a insuficiência ele for também um cara que olha para a atuação da
de carga horária. Não tem carga horária para dar docente negra isolada como uma coisa seccionada
aula de História da África e do Império Romano, e se a secretaria do ensino vai questionar qualquer
História da Ásia. Não tem. De alguma maneira, coisa ele vai falar: “só tem aula para gueto”, como
tem que equacionar como você vai fazer, o que nós vamos fazer? Nós não somos americanos. Nós
vai priorizar. Isso é uma questão docente. Agora, temos que assumir que somos brasileiros. Agora
depois disso, na minha opinião, tem que se ver o que é brasileiro é outra discussão. Porque nos
a capacitação docente da escola. Reciclagem, Estados Unidos faz sentido. Tem outra História.
educação contínua. A escola tem que discutir se ela surgiu na África. Eu preciso saber isso, falar para as
tem capacitação para dar Antigo Egito. Ainda vamos pessoas, explicar como foi, que tipo de democracia
promover um curso de professores de Antigo Egito. que era, senão eu não vou acabar nunca essa falácia
[Im]: Então, o senhor acredita que essa de que a democracia surgiu na Grécia. Você conhece.
capacitação tem que ser dada a todos os docentes? Agora, eu acho que a gente tem que
P.F: Não. A estabilidade do ensino... ensinar essas coisas. Isso não te exime de fazer o
Hoje eles estão num escola, amanhã já não movimento negro. Acho que isso é um aspecto
estão mais. E agora com essas leis trabalhistas do movimento negro, sabe? Você tem que lutar
aí, essa flexibilização que eles estão criando. pela segunda abolição. Todas essas coisas são
Vai haver garantia como? A permanência na pertinentes, mas eu não consigo entender como
escola por mais de um ano, por exemplo? que um espaço público vai ficar seccionado.
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Tenho dificuldades de entender, porque [Im]: Arriscado dizer que é
eu acho que a gente precisa enfrentar essa oportunismo?
questão do racismo, superar essa questão P.F: Oportunismo. Por isso que, se a gente
em que ele parou de que eu discuto com ensinasse o que é, esses tipos também não fariam o
minha turma, eles discutem lá com os deles. que fazem. O Amilton Costa deu uma contribuição
Vocês assistiram “Amistad”? Esse filme relevante, mas agora ele só enfeita. A Glória Pires
é esplendoroso, mostra uma história real. Tem não entende nada de samba. Agora, não é que eu
hora que um navio negro, de tráfico de escravos, estou defendendo que só o especialista tenha que
rebelado - começa ali um motim, eles estavam fazer. Estou defendendo um compromisso com a
precisando voltar para a África -, cruza com um nossa tradição. Iansã não bate com o feminismo de
navio da elite europeia. Eles estavam tocando classe média. É África. Claro a gente pode fazer
Bach, Strauss. Então, um navio cruza o outro como as adaptações necessárias ao Brasil que a gente
fossem mundos separados, mas a ironia do diretor quiser. A gente é livre para isso. Mas eu não posso
desse filme é bem essa. Pedi para a população fazer forçar certas coisas que não tem correspondência.
silêncio para eles não acordarem do pesadelo em Eu acho que está uma usurpação. A diferença
que eles estão. Não existe a burguesia europeia [entre Iansã e o feminismo de classe média] é
finesse sem o outro. É o outro que possibilita a nítida. E acha que apropriação cultural existe e é
riqueza. Então a gente precisa ensina para eles isso legítima. Mas ela tem limites, senão descaracteriza.
que ela falou de passagem aqui. Onde começou [Im]: E as mulheres negras periféricas,
mesmo a democracia? Onde que começaram as já que citou o feminismo, precisam dee um
principais religiões? Onde surgiu o homem? Isso recorte específico dentro do movimento?
daí é conhecimento universal para todo mundo. P.F: Uma boa parte das nossas mulheres
Agora, a escola continua com aquele porque tem traços físicos amenizados em
conteúdo absurdamente seccionado, mas a relação à negridade elas até são aceitas, mas
gente não entra de chofre no racismo. O racismo são raras, são excluídas. Tem aquele livro
é sobretudo ignorância, má fé, manipulação. que fala das negras tidas como bonitas, da
[Im]: Como o senhor vê nas artes, Gislaine Morero - fala das cinderelas negras.
especificamente, a representação do negro hoje? Então, veja bem, a questão não é ter Barbie preta. É
P.F Em parte, eu vejo uma sub- não ter Barbie que é a questão.A gente tem que lutar
representação. Em geral, os meios de comunicação por maior representação na mídia. Acho perfeito.
não propiciam uma expressão na dimensão Na Literatura. Tudo bem. E acho que de fato é
possível, verdadeira. Mas a gente precisa tomar o racismo que impede isso. O racismo de forma
uma precaução de não folclorizarmos nós mesmos. geral, não é o diretor de produção que é racista. O
O carnaval, por exemplo, a gente reclama: “o carnaval racismo, no geral, chega à cabeça dele.
é um espaço negro, foi englobado pelos brancos, Então ele precisaria ter uma formação
a figura do carnavalesco”; se perdeu tudo. Hoje é diferente da que ele tem para não ser racista. Agora,
uma indústria famosa. Eu acho que é verdade, mas desculpe, eu insisto que nós não somos americanos,
acontece que nós não queremos lutar pela verdadeira porque nos Estados Unidos o que o negro passou é
original manifestação do carnaval. uma coisa inaudível. Ele tem essa noção de teoria
Eu posso falar como Historiador. Eu sei do mal às avessas, de teoria da conspiração, mas
contra o que as escolas de samba se contrapunham tem nuances, tem diferenças. É diferente. Então,
na época. Aquele carnaval elitizado, europeizado, a gente mesmo não pode folclorizar, contribuir
de só desfile de fantasia, de salão que seccionava para a folclorização. Como a flor do Exu, tem
a população, poder aquisitivo elevado. Agora, o que explicar. Agora, tem que explicar Exu
carnaval tinha uma proposição mais abrangente. mergulhando na História. Você vai falar que é um
Isso foi perdido na História. A gente não quer sucedâneo do diabo? Por favor! Tem que explicar
recuperar isso. Vocês já assistiram os bailes a noção africana de machismo. Exu é sobretudo a
de carnaval da Globo? Às vezes, eles chamam força da afirmação do machismo nessa religião.
vários negros para ficar comentando aquelas No Pierre Verger tem cidades no Norte da África que
pataquadas lá. Vocês já viram a nova MPB? Eles tem monumentos. Ali mostra a autocracia do macho.
usam muitas palavras em ioruba, mas, santo É isso que, em grande parte, era Exu, mas tem que
Deus, não tem sentido, é desarticulado. É só ver o contexto lá, porque senão você não aprende.
para aproveitar o centenário do samba. Senão você fica com o estereótipo na cabeça.
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