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Faculdade de Artes do Paraná

A Informação Rock na Música Popular Brasileira


(1963 – 1973)

Autor: Neigmar de Souza Vieira


Monografia apresentada como conclusão
do curso de Pós – Graduação em Fundamentos
da Música Popular Brasileira.
Orientação: Professor Lydio Roberto da Silva
Co – Orientação: Professora Cristina Lemos

Curitiba
2004

“...essa capacidade humana para


experimentar níveis profundos de
felicidade explica também porque
coisas como a música e as artes
plásticas oferecem um maior grau de
felicidade e satisfação do que a mera
aquisição de objetos materiais.
Entretanto, ainda que as experiências
estéticas sejam uma fonte de
felicidade, têm também um forte
componente sensorial... por si só não
nos pode oferecer a felicidade que
sonhamos.”

14º Dalai – Lama

2
Dedicado à Krishna, que era músico.

3
Agradecimentos: A Deus, a meu pai
Gilberto e minha mãe Maria, ao meu
irmão Hugo. À Ligia Larysa que me
ajudou muito no início. À turma da pós
que me escolheu como monitor, a Cris
Lemos e Lydio Roberto que aceitaram
me orientar. À Vinyl Club, nas pessoas
de Marco e Jardel.

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Sumário

Introdução_________________________________________________________07

Rock_____________________________________________________________12

O Rock no Brasil ___________________________________________________18

Samba Esquema Novo – Jorge Ben(jor) – 1963 ___________________________22

Tropicalismo______________________________________________________ 25

Samba – Rock _____________________________________________________29

Acabou Chorare – Novos baianos – 1972 _______________________________ 34

Clube da Esquina – 1972 ____________________________________________36

Rock Rural _______________________________________________________43

Secos & Molhados – Secos & Molhados 1973 ___________________________46

Krig – Há – Bandolo – Raul Seixas 1973 _______________________________48

Considerações Finais _______________________________________________50

Bibliografia_______________________________________________________52

Discografia_______________________________________________________54

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Resumo
Este trabalho apresenta algumas considerações sobre as relações entre o rock e
a música brasileira sobre o ponto de vista estético, que abrange o período de
1963 à 1973 considerado o mais criativo. Procuramos abordar os artistas mais
conhecidos do grande público e que buscaram uma terceira linguagem, assim
como se deu com a Bossa Nova, que simplificando, uniu o jazz e o samba. Por
outro lado este período foi justamente o que viu nascer a MMPB – Moderna
Música Popular Brasileira – que pouco depois abreviou-se em MPB, um
movimento que na época além de musical era também político. Além disso
havia os interesses de uma indústria fonográfica que na sua maioria não era
nacional. Essas relações geraram uma música brasileira que resistiu a
definições e que ficou conhecida mais pelos seus intérpretes, do que por
características uniformes.

Palavras – Chave: Brasil – Música Popular, Rock’n’Roll, Brasil – Cultura


Popular, Indústria Fonográfica, Brasil – Política anos 1960.

Abstract
This research present some thoughts about the relations between rock’n’roll
and brazilian music about point of view aesthetic, which include the period
between 1963 to 1973 considered the most creative. We tackle the artists who
search a third language, like happen in the Bossa Nova, in short, it mixed
together jazz and samba. On the other hand this period was where it was born
the Modern Brazilian Popular Music which then if changed in Brazilian
Popular Music an activity which in the age besides musical it was also
political. Moreover there were the interests of a records industry which wasn’t
national. This relations produced a brazilian music which resist to definitions
and also became known more through the them artists than trough them
uniforms characteristics.
Key – Words : Brazil – Popular Music, Rock’n’Roll, Brazil – Popular Culture,
Records Industry, Brazil – Political Years of 1960.

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1 INTRODUÇÃO:

Rebeldes sempre existiram em qualquer sociedade. No século XX calhou


do rock’n’roll, surgido nos EUA nos anos 1950, ser escolhido como trilha sonora
dos rebeldes de plantão, talvez por isso (obviamente existiram outros motivos) ele
tenha se tornado universal.
É interessante notar que quando o rock começou a se inserir com força à
música brasileira já nos anos 19601 os papéis se inverteram. O rock da Jovem
Guarda era considerado pela esquerda brasileira uma música despreocupada das
questões sociais, assim como a Bossa Nova, além disso era visto como representante
direto da colonização cultural dos EUA e Inglaterra sobre a nossa cultura. Ou seja,
de trilha sonora dos rebeldes norte americanos e ingleses o rock no Brasil passou a
ser trilha de jovens ‘acomodados’ com o sistema vigente a partir de março de 1964,
a Ditadura Militar.
Nessa época a esquerda brasileira começou a pensar uma música popular
que falasse ao povo sobre as desigualdades e injustiças sociais e que através disso,
ajudasse trazer a democracia de volta. Na questão estética pensava-se que essa
música também resgatasse ritmos brasileiros, assim nasce a MMPB – Moderna
Música Popular Brasileira, com o tempo a sigla foi abreviada para MPB. Notava-se
também que um dos grupos de oposição na época era o MDB – Movimento
Democrático Brasileiro – que mais tarde se tornaria partido, o PMDB, ou seja, a
semelhança nas siglas não é mera coincidência. No entanto quem mais contribuiu
para cunhar a MPB foram, o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional
dos Estudantes (UNE) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) que formavam o
restante da oposição ‘desarmada’ no Brasil. Assim, por incrível que pareça, os

1
Existiram algumas tentativas nos anos 1950. Uma delas foi com o compositor Gordurinha, autor de
vários sucessos, entre eles chiclete com banana cujos versos “só ponho bebop (um dos nomes dados aos
primeiros desenvolvimentos do jazz moderno nos anos 1940 – consequentemente seus traços apareceram
no rock) no meu samba quando o Tio Sam tocar no tamborim” ecoaram na voz de Jackson do Pandeiro.
Segundo Tárik de Souza na Revista ShowBizz ano 15 nº 01 de janeiro de 1999 Gordurinha “(...) antecipa
uma fusão abordada sempre com ambigüidade ao longo da chamada Linha Evolutiva da MPB. Desde o
samba boogie-woogie na favela (do paulista Denis Brean, de 1945), o baião bibape do Ceará (Catulo de
Paula/Carlos Garlindo de 1955), até a Bossa Nova influência do jazz (Carlos Lyra, de 1962), questiona-
se a mistura – misturando. Também foi prenunciador de Raul Seixas, no rock ‘Tô doido prá ficar maluco’
(Rodrigues da Silva/Ataíde Pereira)” p. 27.

7
rebeldes eram associados à MPB e o Rock era associado à direita, à Ditadura Militar.
(NAPOLITANO, 2001)
Por outro lado precisa-se dizer que nem tudo era idealismo ou
conservadorismo e que nem todos saíam de camisa aberta contra ou a favor do
sistema, por trás de tudo isso havia a indústria cultural. Essa indústria começou a
aparecer na segunda metade do século XIX e se baseava numa economia de mercado
base do capitalismo que ainda hoje se conhece, COELHO T. (1995; p.10) nos dá
respaldo:

O que situaria o aparecimento da cultura de massa na segunda metade do século


XIX europeu (...) é necessário acrescentar (...) a existência de uma economia de
mercado, isto é, de economia baseada no consumo de bens; é necessário enfim, a
ocorrência de uma sociedade de consumo, só verificada no século XIX em sua
segunda metade (...)

Essa sociedade de consumo levou muitos a alienação de si mesmo, do país,


do seu trabalho e do produto que compra, que quase sempre não tem a mesma
qualidade daquele que produz. Pensando assim, a cultura dita de massa também entra
nesse contexto, COELHO T. (1995; p.11) nos dá mais detalhes:

Nesse quadro, também a cultura – feita em série, industrialmente, para o grande


número – passa a ser vista não como instrumento livre de expressão, crítica e
conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido
como se consome qualquer outra coisa (...) um público que não tem tempo de
questionar o que consome.

Portanto, saber até que ponto o que é revolução ou revolucionário, o que é


arte e o que é cultura de massa no contexto da indústria cultural é uma tarefa árdua.
Essa indústria, no caso a vertente da música popular, sempre teve interesses em
fomentar discussões, mesmo políticas num país esmagado pelo regime militar,
porque seu maior interesse era vender. No entanto para vender muito sempre foi
preciso agradar a gregos e troianos e deste modo fez-se com que os produtos
culturais, muitas vezes, acabassem não refletindo uma identidade ou um
direcionamento definido. A esses produtos convencionou-se chamá-los produtos de

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massa. Porém conforme COELHO T. (1995; p. 15-16) “ (...) quando se tenta
catalogar os produtos típicos da masscult (cultura de massa) não há facilidades (...)
os admiradores do rock jamais chamariam de masscult uma forma musical que já
teve caráter contestatório.”
Então tem-se a seguinte questão, rock e MPB são cultura de massa? Apesar
do discurso inicial dessas duas estéticas musicais e de seu engajamento político e
social, se não foram cultura de massa desde o início se tornaram pouco depois, e é
simples explicar porquê. O rock’n’roll que em sua essência era um ritmo negro norte
– americano, após alguns anos deixou de representar seu povo e passou a ser
associado a brancos cabeludos, carros, jeans e guitarras elétricas (com raras
exceções) donos de uma rebeldia que para muitos não tinha causa. E as canções de
protesto de Bob Dylan por exemplo, nos anos 60 não resolveu a vida dos proletários
americanos mas resolveu a vida do próprio Dylan.
No Brasil a MPB não foi responsável pela queda do regime militar (apesar
de muitas canções revelarem um teor de descontentamento com a situação política) e
também não chegou a ser trilha sonora de revolução nenhuma. O regime prendeu e
extraditou seus líderes, ou os mais em evidência como Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Geraldo Vandré, Raul Seixas...
Então porquê o rock e a MPB sobreviveram? Porque a indústria fonográfica
retirou no momento oportuno suas características mais contestatórias, nem todos os
consumidores norte – americanos estavam interessados nas formas de expressão
musical dos negros e nem todos os brasileiros queriam derrubar o regime militar.
Estavam mais preocupados com seus próprios problemas, mas queriam consumir,
principalmente aquilo que se caracterizasse como novo2.
Outro aspecto que ajudou na sobrevida destas estéticas musicais foi o fato
delas terem atravessado suas classes sociais de origem. Houve uma valorização de
quem podia comprar esses ‘produtos’ através de constatações literárias, históricas e
naturalmente estéticas, COELHO T. (1995; p. 17) esclarece que:

2
Para obter-se mais informações, num sistema de analogia, sugerimos a leitura do livro Moda e pop
music – Transcendências do Consumo de Tupã Gomes Corrêa, Instituto da Moda/CEM Livros, São
Paulo, 2000.

9
(...) não é possível, hoje, alguém dizer que músicas e letras dos Beatles são mero
refugo estético. (...) deve-se lembrar que freqüentemente, na história, a passagem
de um produto cultural de uma categoria inferior para outra superior é apenas
questão de tempo. É o casso do jazz, que saiu dos bordéis e favelas negras para as
platéias brancas dos teatros municipais da vida.

Sendo assim a indústria cultural acaba interferindo diretamente no produto


artístico que se pretende comercializável, o simplifica a tal ponto que o consumidor
não tenha que refletir sobre o que compra, pois este não dispõe de tempo. No entanto
esses produtos ditos de, ou para a massa não são para ninguém porque segundo
COELHO T. (1995; p. 25) o termo massa é de difícil definição:

Não se sabe bem o que é massa. Ora é o povo, excluindo-se a classe dominante.
Ora são todos. Ou é uma entidade digna de exaltação, à qual todos querem
pertencer; ou um conjunto amorfo de indivíduos sem vontade. Pode surgir como
um aglomerado heterogêneo de indivíduos, para alguns autores, ou como entidade
absolutamente homogênea para outros. O resultado é que o termo ‘massa’ acaba
sendo utilizado quase sempre conotativamente quando deveria sê-lo
denotativamente, com um sentido fixado, normalizado.

Seja como for, o fato é que, novamente segundo COELHO T. (1995; p.28),
existem ainda hoje dois posicionamentos em relação a indústria cultural; de um lado
os partidários da linha de pensamento de Adorno e Horkheimer (filósofos da Escola
de Frankfurt que definiram o termo ‘indústria cultural’ na década de 1940) que essa
indústria promoveu a alienação do homem. E os que acreditam que essa indústria é
um primeiro passo para a democratização da cultura – ao disponibilizá-la para a
massa. Porém, o autor alertou para os caminhos que se deve tomar para chegar a
uma eventual conclusão: “um deles consiste em examinar o quê diz ou faz a
indústria cultural. O outro opta por saber, não o que é dito ou feito, mas como é dito
ou feito.”
Entretanto, precisa-se dizer que os produtos da indústria cultural, de
maneira geral visavam o prazer do consumidor, e que os teóricos da Escola de
Frankfurt viam a indústria cultural como indústria da diversão, e a criticavam entre
outras coisas, por proporcionarem um falso prazer. COELHO T. (1995; p.31) afirma
que a política do ‘falso prazer’ interessou aos governos de direita: “ (...) é de direita,
sem dúvida, na medida em que para a direita sempre interessou o controle do prazer

10
em benefício da produtividade capaz de gerar lucros e mais lucros.” Por outro lado,
os críticos são ainda mais exigentes quando se trata do engajamento da TV ou do
rádio e esquecem-se dela com a dita cultura superior, enfim, tudo parece uma
questão de pesos e medidas
De qualquer forma, torna-se inegável a influência do rock na música
popular de boa parte do mundo. Essa comprovação requer um pouco de pesquisa
mas encontrar-se-á rock em Israel ou no Japão. Às vezes pode-se encontrar o rock
com características de alguma parte dos EUA feito, digamos, na Austrália e outras
vezes amalgamado com ritmos locais, como aconteceu no Brasil. Muitos atribuíram
esse fenômeno à globalização. Retornando à COELHO T. (1995; p.48) que diz que:
“o próprio Marx já havia previsto que graças ao desenvolvimento da tecnologia, as
culturas nacionais acabariam por apresentar um número cada vez maior de traços em
comum, a caminho de uma eventual cultura universal.”
É interessante notar que nesta dialética musical do nacional versus
estrangeiro o justo seria que ambos apontassem na direção de uma terceira
linguagem e não no predomínio de uma sobre a outra. No caso da Bossa Nova a
dialética jazz-samba apontou na direção de uma outra linguagem e isto foi um traço
marcante da cultura brasileira, ou seja, uma permeação de elementos de culturas
estrangeiras com elementos da cultura nacional.
No caso da dialética rock - MPB será que apontou-se para uma terceira
linguagem? Ou houve o predomínio de uma sobre a outra? Será que o chamado rock
brasileiro é essa terceira linguagem? Ou é um reflexo de uma cultura colonizada?
Não é fácil responder tais questões sem suscitar polêmicas e discussões acaloradas, e
não se pode esquecer que a música popular foi (e ainda é) um produto que segue a
regras não somente musicais, mas também políticas, econômicas, sociais e até
religiosas.
Este trabalho traçou o caminho de alguns artistas mais conhecidos do
público que se ocuparam nesta tarefa de amalgamar rock e MPB. A metodologia se
fez através de pesquisa bibliográfica sobre a origem do rock e a sua chegada ao
Brasil, posteriormente foi feita uma análise do disco mais representativo da estética
rock mais MPB na carreira dos artistas citados, sempre com base em livros, revistas
ou artigos escritos sobre o disco, acompanhado de uma audição atenta.

11
Intrinsecamente a esta análise discorremos sobre a formação da estética MPB que
começou bem depois da chegada do rock no Brasil.

12
2 ROCK

2.1 O MARCO ZERO

A música é rock around the clock, o filme é The blackboard jungle – Sementes
da violência no Brasil – a banda é Bill Haley and his Comets e o ano é 1955. DAPIEVE
(2000; p.11) afirma que: “O filme (...) dirigido por Richard Brooks (...) trazia o
professor Glenn Ford às voltas com uma turma rebelde numa escola de Nova York.
Aqui e alhures, o entusiasmo com esse confronto que sinalizava a emergência da cultura
jovem ocasionou quebra-quebras nos cinemas (...)”.
Com base nesta afirmação pode-se concordar que o enredo do filme trazia
intrinsecamente algo de realidade, afinal a arte imita a vida em alguns aspectos.
Porém, é apropriado deixarmos de lado os exageros da ficção, porque no máximo
pode-se admitir que havia um mal estar no relacionamento hierárquico educacional em
algumas escolas de determinada área de Nova York, ou em qualquer outra grande
cidade norte americana. Os quebra-quebras nos cinemas “aqui e alhures” demonstra
que, provavelmente o problema não fosse exclusividade deles.
Por outro lado, pensa-se que a autoridade do professor representa em parte,
uma continuação da autoridade dos pais e analisando esta situação hipotética pouco
realista pode-se acreditar que alguns alunos dessas escolas também questionassem a
autoridade de seus pais. FRIEDLANDER (2002; p.47) fala sobre esse questionamento,
vale a pena a longa citação:

Pais, professores e pastores, todos dizendo que o rock’n’roll era ruim para eles. Mas,
deitados na cama encolhidos com seus rádios ou depois da escola na casa dos amigos,
os jovens sabiam que ouvir rock’n’roll os fazia sentir-se bem. Pai e mãe, caso
falassem no assunto de alguma maneira, diziam que as canções com letras de duplo
sentido falando de amor e sexo eram erradas. Entretanto, uma vez que os pais
pareciam envolvidos na atividade sexual que eles proibiam para a sua prole
adolescente, o que diziam parecia ser um típico “faça o que eu digo mas não faça o
que eu faço”. A vida para os adolescentes estava começando a perder sua segura
previsibilidade. A infalibilidade da família e a honra da sociedade estavam em jogo, e
talvez o papai não soubesse tanto assim de tudo.

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Portanto o rock, através da trilha sonora do filme supracitado, via-se envolvido
em violência e contestação logo no começo de carreira e agora FRIEDLANDER
revelou também o envolvimento de questões sexuais, um assunto ainda tabu para os
adolescentes na América dos anos 1950, e para piorar o conceito desse “novo” ritmo ele
possuía influências muito fortes da música negra e a maioria desses alunos rebeldes
eram brancos de classe média.
É notória a questão racial nos EUA, negros e brancos não se entendiam e nos
anos 1950/1960 o conflito era intenso. Um dos líderes pela busca dos direitos civis dos
negros foi o jovem reverendo Martin Luther King Jr. que mais tarde acabou sendo
assassinado.

2.2 AS ORIGENS

Nos anos 50, o rock’n’roll dos primeiros tempos, (também chamado rock
clássico, representado por artistas como Bill Haley, Fats Domino, Chuck Berry etc.) era
formado basicamente por dois estilos musicais, o rhythm’n’blues e o country.
FRIEDLANDER (2002; p.34) disse sobre a formação do rhythm’n’blues: “No final dos
anos 1940, visionários da música negra transformaram os elementos do blues3 do gospel4 e
do jump band jazz5 no estilo conhecido como rhythm’n’blues. Essa fusão tornou-se mais
tarde a base para a primeira era do rock, o rock’n’roll clássico.”
E sobre a formação do country SHUKER (1999; p.81) apud MALONE (1985;
p.1) afirmou que: “O gênero resiste a uma definição exata, e nenhum termo (nem
mesmo country) conseguiu captar sua essência com êxito”.
SHUKER ainda esclareceu que o gênero remontou ao mundo rural (sobretudo
de brancos pobres) do sul dos EUA nos anos 1920. Porém o country que ajudou a

3
Gênero musical maior, o blues exerceu grande influência na música popular norte americana. Suas
origens são o amálgama do gospel com as work songs (canções entoadas ritmicamente durante o trabalho
dos escravos, especialmente nas plantações de algodão do sul dos EUA). Inicialmente parte fundamental
da música negra tradicional, que surgiu no início do século XX nos EUA, abrange diversos subgêneros,
que podem ser localizados histórica e geograficamente.
4
Canções, na maioria vocais, de cunho religioso (protestante) entre os negros norte americanos, que teve
início nos anos 1920, era o estilo negro de interpretar os hinos religiosos dos brancos. Descende dos
spirituals que eram cânticos usados por eles no século XIX, canções também de inspiração religiosa, mas
de temática mundana.
5
O Gênero emergiu no rastro do fim da era das grandes bandas (Big-Bands) no final da Segunda Guerra
Mundial; um estilo animado com um conjunto formado por cinco ou seis instrumentos e um saxofone
proeminente. Um nome importante do jump band jazz foi Louis Jordan e os Timpani Five (ou six).

14
formatar o rock foi o country “moderno” que falava de infidelidade sexual e bebedeiras
(muitas vezes os mesmos temas do rhythm’n’blues) que fazia oposição às canções
melosas e rimadinhas de histórias fantasiosas feitas para brancos “conservadores”. Este
country “moderno” aproximou negros e brancos pobres “degredados”.
(FRIEDLANDER, 2000)
Foram muitos os músicos que aproximaram o rhythm’n’blues do country, tanto
negros quanto brancos, mas talvez por razões raciais, foi o branco Bill Haley o primeiro
a atingir o estrelato com o novo ritmo. FRIEDLANDER (2002; p.52) explica como
Haley chegou a este amálgama:

Chester, na Pensilvânia, tinha uma florescente cena musical. Não somente os Four
Aces e Frankie Avalon vinham desta área, mas Haley também trabalhava nos clubes
da região negra. (Mais adiante o autor cita SHAW (1974, p.139), provavelmente num
depoimento de Haley ao citado) Naquela época nós trabalhávamos em casas noturnas
de brancos e negros e não havia problema nem com os músicos nem com os fregueses.
E eu trabalhei no Pep’s Music Barn onde também tocaram B.B.King, Fats Domino,
Lloyd Price, Ray Charles, Nat King Cole...

Para FRIEDLANDER (2002; p.52), Haley era um visionário e por isso fez um
esforço consciente para integrar suas raízes country com o rhythm’n’blues, Haley num
depoimento à GILLET (1972; p.34) citado em FRIEDLANDER(2002; p.52) sustenta
essa afirmação: “Eu senti que se pudesse pegar, digamos, a música do estilo dixieland e
colocasse uma base rítmica de 2/4, acrescentando uma batida que os ouvintes pudessem
bater palmas, assim como dançar, isto poderia ser o que eles estavam procurando.”
Entretanto o estrelato de Haley com o novo ritmo não foi instantâneo, em 1952
seu grupo chamava-se Bill Haley and The Saddlemen e ainda era conhecido como um
grupo de country. Foi quando Haley escreveu uma canção para outro grupo chamada
rock-a-beating-boogie e descobriu que o DJ Alan Freed a estava usando para abrir seu
programa de rádio em Cleveland. O nome do programa era Moondog Rock’n’roll Party
e a estação era a WJW.

15
2.2.1 Um novo nicho no mercado fonográfico

Originariamente, Alan Freed era um músico clássico e foi persuadido, depois


de assistir uma multidão de jovens brancos comprando discos de rhythm’n’blues, a criar
shows para essa clientela. O interesse desses jovens pela música negra nos anos 50 era,
segundo FRIEDLANDER (2002; p.38) porque: “A indústria fonográfica (...), produziu
uma “parada de sucesso” que era banal e leve, carente de qualquer referência
identificável com o dia-a-dia deste novo grupo consumidor”.
Além disso, o rhythm’n’blues fazia referências ao sexo, tanto no ritmo sensual
quanto no conteúdo das letras, ou seja, esta música negra servia como válvula de escape
para um adolescente branco e reprimido sexualmente por pais, professores e
consequentemente, pela sociedade.
Outro fator importante era que esses adolescentes brancos apareciam como um
novo grupo consumidor, pois ainda segundo FRIEDLANDER (2002; p.38), pela
primeira vez não precisavam trabalhar fora para ajudar os pais e, com o advento de uma
ajuda de custo eles adquiriram um poder de compra maior. Empresários astutos
perceberam isto e forneceram itens para este público como roupas, cosméticos, fast
food, carros e música. Mas as grandes gravadoras não apostavam em rhythm’n’blues e
muito menos em rock’n’roll.
Enquanto isso, Alan Freed organizava no Cleveland Arena (março de 1952)
um show denominado Moondog Coronation Ball que atraiu 18 mil fãs num anfiteatro
que possuía apenas 10 mil lugares. Em 1954, Freed mudou-se para Nova York e para a
modesta estação Wins. Durante quatro anos, ele controlou a programação das sete às
onze da noite e seu rock’n’roll party tornou-se, rapidamente, o programa de música
mais popular da cidade, talvez por esta popularidade muitos creditem a Freed o batismo
do tipo de música que tocava no seu programa de rock’n’roll.
Na verdade fazia pouco tempo que o termo rock’n’roll6 estava associado a um
estilo de música, para ser mais exato, desde 1951, no programa da WJW (de Cleveland)
Moondog rock’n’roll party do próprio Freed, mas o termo já existia com outra
conotação. Conforme CORRÊA (1975; p.96):

6
Outro motivo para o preconceito em relação ao rock era também uma conotação sexual em relação ao
siginificado da expressão rock’n’roll. Na gíria dos guetos o termo era próximo do nosso rala e rola.

16
to rock é sinônimo de to swing (balanço) e to roll significa rolar, um pouco no
sentido como um barco que rola (balança). Os jazzmen empregavam desde a muito
tempo este termo para exortar os pianistas do estilo boogie-woogie, cuja maneira de
tocar dá a impressão de um balanço contínuo de navio.

Mais adiante o autor afirma que a expressão já era usada nos anos 30 em disco
e que provavelmente é tão velha quanto o próprio termo jazz. Porém era exclusiva do
meio da música negra (não necessariamente tocada só por negros), no entanto agora nos
anos 1950 a expressão estava na boca do grande público.
FRIEDLANDER (2002; p.37) salienta que, o sucesso das pequenas gravadoras
com o rock’n’roll clássico (a primeira fase do rock) salvou o rádio do que parecia ser o
seu fim inevitável por causa do aparecimento da televisão. Para termos noção do
crescimento das pequenas gravadoras independentes basta dizer, também conforme
FRIEDLANDER (2002; p.52), “que Bill Haley (ainda no selo Essex em 1953), gravou
uma canção intitulada “crazy man crazy”, que vendeu mais de um milhão de cópias e
entrou na lista das 20 mais da Bilboard7 daquele ano.” Só então o grupo atraiu o
interesse das grandes gravadoras. Columbia, RCA e Decca disputaram o artista que
acabou assinando com a última.

2.2.2 A entrada das majors8

A entrada das majors no “mundo” do rock foi decisiva para a consolidação do


ritmo nos EUA e posteriormente pelo mundo. Tudo isso, graças ao seu competente
trabalho de marketing, maciça distribuição e ao polêmico serviço conhecido no Brasil
como “jabá9”. Ironicamente, um dos perseguidos e punidos por esta prática foi
justamente o nosso conhecido DJ Alan Freed, que acabou sem emprego e faleceu na
miséria em 1965. A partir dessa “caça as bruxas” o “jabá” (payola nos EUA) virou
crime federal com punição severa na América, mas isso não quer dizer que este sistema
ainda não funcione por lá. Mas nem tudo foram flores para as majors, novamente
recorremos a FRIEDLANDER (2002; p.53) que nos explica como foi a primeira
tentativa de relançar Bill Haley:

7
Uma das publicações responsáveis pela divulgação das músicas mais tocadas nos EUA.
8
Forma como são chamadas as grandes gravadoras.
9
Ou jabaculê (payola em inglês). Designa a oferta de favores financeiros, sexuais ou de outra natureza em
troca de promoção e divulgação em rádios e TV’s.

17
Em abril de 1954, o grupo se reuniu no Phythian Temple em Nova York para sua
primeira sessão de gravação na Decca. Raras vezes houve uma primeira sessão tão
boa. Eles gravaram rock around the clock, uma canção escrita por uma dupla de
brancos de meia idade, veteranos da área musical10 (M. Freedman/J. De Knight).
Embora ela tenha vendido consideráveis 75 mil cópias, o disco fracassou em
conseguir um impacto maior.

Apesar da estrutura das grandes gravadoras, o rock não “pegou de primeira”


ficando ainda algum tempo restrito aos guetos dos negros e adolescentes brancos
rebeldes. O rock só aconteceu na América quando a indústria fonográfica se alinhou a
Hollywood. SHUKER (1999; p.60) nos explica como esse alinhamento se deu:

Durante os de 1950, o declínio do sistema de estúdios de Hollywood e a diminuição


do número de espectadores fez surgir a necessidade de se buscar mais
sistematicamente públicos específicos. Desse modo, Hollywood associou-se à
indústria fonográfica a fim de conquistar os jovens, inundando o mercado com
musicais para adolescentes. (...) o musical The Blackboard Jungle – Sementes da
Violência – (Richard Brooks, 195411) usou o rock’n’roll (na ocasião uma novidade)
para simbolizar a rebelião adolescente contra a autoridade escolar.

Por fim o “boom” do rock’n’roll aconteceu, FRIEDLANDER (2002; p.53)


retrata os efeitos deste marco inicial:
A decisão de utilizar rock around the clock como música de fundo dos créditos de
abertura do filme de 1955 Sementes da Violência assegurou à música, e a Bill Haley,
um lugar nos livros de história. Os adolescentes ganharam um hino de rebeldia, e os
pais descobriram um alvo. A canção subiu para o primeiro lugar e ficou lá por
inacreditáveis oito semanas. Desde aquela época ela vendeu mais de 30 milhões de
cópias. Mais do que qualquer outro single de rock.

Nota-se portanto que, com o alinhamento de rock around the clock ao filme
Sementes da Violência, o rock em geral ganha um rótulo do qual não mais se dissociará,

10
Milt Gabler, executivo da Decca e produtor de Haley, sugeriu que parte do sucesso de rock around the
clock devia-se ao fato de que era uma versão de um antigo blues “my daddy rocks me with a steady roll”.
Ele sustenta que as palavras rock’n’roll foram retiradas desta canção. Nota de FRIEDLANDER (2002;
p.53)
11
Paul Friedlander em Rock’n’roll: Uma História Social, diz que o filme é de 1955 (2002; p.53).

18
ou seja, uma música violenta feita por pessoas violentas, além de outros agravantes
como luxúria e descendência negra. Isso causou muita discussão na branca, racista e
conservadora sociedade norte-americana da época, onde os mais afoitos defensores da
moral e dos bons costumes saíram em protestos contra o novo ritmo, proibindo filhos e
jovens mais próximos de se envolverem com algo tão “nocivo”
A verdade é que a inserção da música popular negra na cultura musical
norte americana já estava bastante adiantada, desde o jazz, o blues e o gospel, e se
tornaria eixo central com advento do rock. Porém, o rock acabou sendo vítima de um
processo de marketing negativo das gravadoras e com isso acabou amealhando pessoas
de caráter duvidoso, e também adolescentes brancos, revoltados pelos motivos mais
diversos, que o usavam como forma de afrontar pais e sociedade. Isso só aumentou o
preconceito em relação aos negros, mesmo a música sendo tocada por brancos. No
fundo, o rock era apenas um ritmo alegre e dançante que acabou sendo vendido com
outras conotações que infelizmente subsistem até os dias de hoje.

19
3 O ROCK NO BRASIL

3.1 O DESEMBARQUE

O filme The Blackboard Jungle chegou ao Brasil ainda em 1955, traduzido


Sementes da Violência estreou com sucesso nas salas de projeção e trouxe consigo rock
around the clock, representante oficial do novo ritmo. TINHORÃO (1999; p.334) relata
as repercussões que rock around the clock causou por aqui:

(...) já em fins de 1955 – aproveitando a repercussão do lançamento do filme The


Blackboard Jungle (Sementes de12 Violência, no Brasil), a cantora Nora Ney13 grava
em disco Continental a versão de rock around the clock sob o título de ronda das
horas14, e que sairia à venda quase simultaneamente com outra gravação instrumental
da mesma música em disco Columbia, sob igual título, pelo acordeonista Frontera. O
sucesso (...) levou à publicação de sua letra em inglês no número de setembro da
revista Música & Letra, fazendo eco, aliás, ao lançamento da gravação original de Bill
Halley no Brasil em selo Decca15.

O autor também fala do florescimento inicial de uma pequena cena roqueira no


país:

Assim em pouco tempo começaram a surgir as imitações nacionais, entre as quais


algumas risíveis, como a do conjunto Os Cometas (réplica dos Comets de Bill Haley)
aparecida em abril de 1957 sob selo Odeon com os rocks “Não pise no sapato” e
“Ski-Rock-Ski-Rock”, trazendo a indicação: Louis Oliveira and Friends. Essas e outras
gravações isoladas, surgidas ainda em 1957 – inclusive o “Enrolando o Rock”,

12
Paul Friedlander em Rock’n’roll: Uma História Social, na tradução de A. Costa usa “Sementes da
Violência”
13
Famosa cantora nos anos 1950, que interpretava sambas-canções.
14
FRÓES (2000; p.17-18) esclarece que não se tratava de uma versão para o português e sim uma
regravação em inglês: “... Nora Ney, (...) tratou de gravar rock around the clock em seu inglês original em
outubro de 55. A Continental lançou o 78 rpm sob o título ronda das horas, e uma semana depois o disco
já estava em primeiríssimo lugar na parada da Revista do Rádio, na época nosso principal veículo de
comunicação. Pouco depois, Júlio Nagib fez uma versão em português, gravada por Heleninha Silveira na
RCA – Victor.”
15
Fica a pergunta: O sucesso a que TINHORÃO se refere deve ser o da regravação de Nora Ney, mas
como o sucesso de tal regravação pode levar à publicação de sua letra em inglês no número de setembro
da revista Música & Letra, se conforme FRÓES (2000, P.17-18) a gravação se deu em outubro de 1955?

20
lançado no filme “Absolutamente Certo”, de Anselmo Duarte, e levado ao disco pelo
cantor Cauby Peixoto – constituíram como que o prelúdio do aparecimento, em inícios
de 1958, dos primeiros discos da dupla de cantores que iria firmar, de uma vez por
todas, o rock – branco comercial no Brasil: os irmãos interioranos paulistas de
Taubaté, Celly e Tony Campello.

E, finalmente, o autor diz que o sucesso dessa geração abriu caminho para a
consagração nos anos 1960, de uma figura definitiva no Olimpo do rock brasileiro, o
também interiorano Roberto Carlos. Mas antes disso, Sérgio Murilo16 foi coroado Rei
do Rock no Brasil, ao lado de Celly Campello, na Revista do Rock.
Complementando a visão de TINHORÃO, o jornalista FRÓES (2000; p.19)
tem uma justificativa para essa síndrome de versões e regravações de sucessos,
sobretudo americanos, que tomou conta da iniciante cena roqueira por aqui:

Como o problema da má representação dos selos americanos (que lançavam o maior


número de artistas de rock) persistia, artistas e grupos especializados em cover17
surgiam a cada esquina. Na ausência de lançamentos brasileiros dos fonogramas
originais americanos, na seqüência optou-se inteligentemente por entrar em estúdio
com artistas nacionais e gravar-se versões.

Os artistas originais regravados eram Elvis Presley, o já conhecido Bill Haley,


Little Richard, Gene Vincent and the Blue Caps (conjunto cujo nome inspirou o nosso
Renato e seus Blue Caps, que no início teve Erasmo Carlos como crooner), Paul Anka e
Neil Sedaka. Tanta gente assim fez com que essa turma se organizasse, mais adiante
novamente; FRÓES (2000; p.19) explica quem organizou esse pessoal: “O agitador
cultural Carlos Imperial (...), criava o lendário Clube do Rock, exatamente para reunir
intérpretes e apaixonados pelo rock na TV Continental do Rio de Janeiro”.

16
Sérgio Murilo Moreira Rosa, nascido no Rio de Janeiro a 2 de agosto de 1941, havia sido cantor mirim
e fizera sucesso no rádio, e depois foi também atraído pelo cinema. Foi cantando no programa de Paulo
Gracindo na rádio Nacional do Rio de Janeiro que chamou a atenção da Columbia, sendo então
contratado.
17
Nome pelo qual são chamadas as versões ou regravações ipsis literis.

21
3.2 – ROCK VERSUS BOSSA NOVA

De um lado o recém chegado rock, já em versão nacional e com grande


aceitação comercial, produzindo ídolos como os irmão Tony e Celly Campello e Sérgio
Murilo. Do outro a Bossa Nova, com repercussão internacional e com status de boa
música made in Brazil, revelando nomes como Tom Jobim, João Gilberto e Vinícius de
Moraes, contudo, aqui no Brasil, esses estilos de música popular não conviviam lá
muito bem, FRÓES (2000; p. 23) nos explica que:

“A Bossa Nova, desde o final dos anos 50, quando se tornou mundialmente conhecida
através do filme Orfeu Negro e da propagação por nomes internacionais como dos
norte americanos Stan Getz e Herbie Mann, tinha em seus ícones da zona sul carioca
fervorosos antagonistas do rock’n’roll e seus desdobramentos.”

No entanto, é preciso dizer que boa parte desta rivalidade foi fomentada pela
própria mídia, como acontecia na era do rádio com votações do estilo quem é a melhor
cantora “Emilinha” ou “Marlene”? Mas os fomentadores desse tipo de concurso ou
rivalidade perceberam que, com o rock não era interessante uma separação de
intérpretes, pois poderia criar preconceitos em um ritmo que ainda se afirmava. Por isso
se faria melhor uma separação de estilos. FRÓES (2000, p.23):

Porém, o rock brasileiro estava mudando, pelo menos seus intérpretes, contudo
a turma que vai substituir os irmãos Campello e Sérgio Murilo e integrar a Jovem
Guarda, ainda estava no semi-anonimato, vejamos por onde andava Erasmo Carlos no
início dos anos 1960, segundo FRÓES (2000; p.29):

“Erasmo pertencia a uma turma que se reunia nas proximidades do Bar Divino, na rua
Matoso – Tijuca, zona norte carioca. Desta turma participavam Jorge Ben, Tim Maia,
(...) e tocavam noite adentro, tendo sido algumas vezes detidos em função da
reclamação dos vizinhos. Aquela “serenata de rock” não agradava(...)”

Mas, talvez o que mais tenha marcado o distanciamento dessa nova geração do
rock brasileiro e a Bossa Nova, foi o fator social. O próprio Erasmo Carlos disse a

22
FRÓES (2000; p.29) que gostava do estilo e explica porque não houve maior contato
entre eles:

Muito antes disso, é bom dizer que a gente começou curtindo também Bossa Nova –
além do rock, é claro. A gente se telefonava quando aprendia os novos acordes:
“Bicho, aprendi os acordes de “Desafinado”! “É mesmo?” Aí uma saía correndo p’ro
outro ensinar. Havia um interesse, só que a gente não tinha acesso ao grupo da Bossa
Nova. Nenhum de nós tinha carro e nem conhecia ninguém da zona sul.

Além disso, o primeiro 78 rpm de Roberto Carlos (João e Maria/Fora do tom)


tinha uma “levada”18 bastante Bossa Nova.
Apesar do programa Jovem Guarda da TV Record ter estreado apenas em
setembro de 1965, o movimento em torno do rock já estava forte em 1963, que começou
a se formar ainda nos anos 1950 com a chegada de rock around the clock. O próprio
Erasmo diz isso a FRÓES (2000; p. 78), vale novamente a longa citação:

Tanto os britânicos como nós, todos somos filhos do rock’n’roll. Quando aconteceu a
ida para São Paulo, todo aquele crescente interesse pelo rock deu em algo nacional –
quando misturamos a turma do Rio com a de São Paulo. Foi surgindo uma turma, eu
me lembro que a gente já levava cinco mil pessoas para um ginásio da periferia antes
mesmo do estouro do Programa. Mas era uma coisa muito popular, a elite estava mais
preocupada em cultivar a Bossa Nova e o jazz. A Jovem Guarda começou
principalmente quando rock around the clock chegou ao Brasil, mas só o programa
nacionalizou o movimento.

Portanto, depois destas informações, podemos pensar que o Lp (long playing)


“Samba Esquema Novo” de Jorge Ben(jor), que era da turma de Erasmo Carlos, lançado
em 1963, inaugurou um novo caminho na nossa música popular.

18
Expressão utilizada por músicos para designar determinado ritmo ou estilo.

23
4 SAMBA ESQUEMA NOVO – JORGE BENJOR19 1963

Para muitos a faceta do jazz que influenciou a Bossa Nova foi o “cool jazz”, a
análise parte do Lp Chega de Saudade lançado por João Gilberto em 1959. Este disco
trouxe uma inovação em nossa música popular, onde percebia-se uma maneira contida
de cantar, sem ornamentos e voz baixa. NAPOLITANO (2001; p.29). Essas
características contrastavam com as grandes vozes que estavam em evidência na época,
como Sílvio Caldas, Francisco Alves e Orlando Silva. De qualquer forma não era tanta
inovação assim, afinal nos anos 30 já existia o sucesso do cantor Mário Reis que
também tinha uma voz pequena.
Apesar de influenciado por João Gilberto, na maneira de cantar e de tocar
violão, utilizando a tão falada “batida diferente”, no primeiro disco Benjor optou mais
pela influência do hot jazz. O hot jazz era um estilo mais agitado, mais “quente” que
utilizava bastante metais e era tocado pelas chamadas big-bands.
Essa influência é notada pela presença do conjunto Meirelles e Os Copa 5. O
próprio Benjor explica essa parceria num depoimento que está no site
www.uol.com.br/benjor/ acessado em 16/09/2003:

Depois ele (o diretor artístico da Philips) chegou e disse: “Nós gostamos e tudo, mas
tem um problema aqui...a diretoria gostou, mas é que o produtor musical não
consegue... ele não sabe o que é isso aqui, não é samba, ele não sabe o que é.” Aí eu
falei “Bom, mas é samba”. Aí, realmente, o pessoal do samba não tinha uma leitura,
não sabiam me acompanhar, do jeito que eu tocava no violão e cantava. Aí, como eu
tinha uns amigos lá, que eram mais para o jazz, entrei em contato com eles, uma banda
que tinha lá no “Beco das Garrafas”, que chamava “Meirelles (e Os) Copa cinco.
Mostrei p’rá eles e eles adoraram, começamos a tocar. Eles fizeram... o pessoal do
samba não teve uma leitura fácil, e eu gravei meu primeiro disco com essa banda de
jazz, e foi legal.

A influência do hot jazz na música de Benjor o aproximou do rock. Nos EUA o


hot jazz antecipou o jump band jazz, que por sua vez integrou o rhythm’n’blues, ritmo
19
Nos anos 80 Jorge Ben incluiu o sufixo “jor” depois do sobrenome, porque estava com problemas de
recolhimento de seus direitos autorais fora do país. Ele estava sendo confundido com o cantor e
guitarrista George Benson.

24
que ajudou a formar o rock’n’roll. Por isso, sua música transitou tão bem entre a Bossa
Nova e a Jovem Guarda. Já o cool jazz aproximou a Bossa do blues, isso equivale dizer
que mesmo influenciando-se mutuamente, os estilos são bem distintos.
Na verdade a sonoridade de Benjor inaugurou outra estética em nossa música
popular, então o título do Lp “Samba Esquema Novo20” é uma maneira de rotular algo
que ainda não se conhecia. O colunista do jornal Folha de São Paulo José Geraldo
Couto in NESTROVSKI (2002, p.141) define bem a importância do compositor:

Jorge Ben é o lugar geométrico onde se cruzam os três principais movimentos da


música popular brasileira nos anos 60: a Bossa Nova, a Jovem Guarda e a Tropicália.
Se a Bossa Nova embranqueceu o samba, Jorge Ben enegreceu a Bossa – não por meio
de uma volta às raízes do samba carioca, e sim pela assimilação antropofágica da
música negra norte-americana: o jazz, o rhythm’n’blues, depois o soul e o funk.

Sobre a aproximação de Benjor com a Jovem Guarda – que estrearia o


programa na TV Record em 1965 – o próprio Jorge explica como aconteceu, em
depoimento ao site www.uol.com.br/benjor/ acessado em 16/09/2003, o longo trecho
citado torna-se indispensável:

Foi um convite da Record, que tinha um programa, o “Fino da Bossa”... e me


convidaram para apresentar seis programas... aí fiz o primeiro, o segundo... e eu
chegava sempre em São Paulo no sábado, porque o programa era na segunda-feira e
eu ficava o fim de semana aqui. Aí chegou num sábado eu viajei no mesmo avião que
o Erasmo Carlos e ele falou: “já que tu vai estar por aí, canta com a gente lá no Jovem
Guarda (que era na mesma emissora)”. Pô, eu adorei e cantei no programa. Na
segunda-feira me expulsaram do “Fino da Bossa”. Ninguém falou nada, mas eu
estava fora. Não estava mais escalado para o “Fino da Bossa”, porque eu cantei lá, no
Jovem Guarda. Aí eu fiquei no programa com o Erasmo. E me senti bem porque era a
minha praia. Foi um alívio p’rá mim quando falaram que eu não estava mais no “Fino
da Bossa”. Falei “Graças a Deus”. Eu não me sentia bem. Era um programa muito
radical. As cabeças que tinham no programa não batiam com a minha. Era muito

20
No segundo Lp de Jorge Ben (Sacundin Ben Samba – 1963) seu produtor, Armando Pittigliani escreveu
um texto na contracapa do disco onde constava o termo MPM (Música Popular Moderna) para definir a
estética de Ben. Contudo com o advento dos Festivais de Música Popular Brasileira (abril de 1965), e a
utilização deste espaço para fazer críticas ao Regime Militar instaurado no país em março de 1964, cria-se
um novo termo MMPB (Moderna Música Popular Brasileira) – porque dava conta da sua modernidade
(leia-se influência da Bossa Nova) e do seu engajamento. Com o tempo o termo perdeu o M de Moderna
(que já estava intrínseco) e ficou MPB. No entanto a música de Jorge Ben não era engajada e ele acabou
deslocado do movimento.

25
politizado. Para estar no programa o cara tinha de ir sério, eu tinha de cantar no
banquinho...

E, finalmente, sobre sua importância para o Tropicalismo podemos dizer que


Benjor lançou as bases sonoras do movimento, porque se o hot jazz ajudou a formar o
rock (portanto presente na Jovem Guarda) a Bossa Nova, segundo NAPOLITANO, no
artigo “O Conceito de MPB nos anos 60”21, forneceu técnica e estilo para uma
redefinição do que se entendia como Música Popular Brasileira por volta de 1965.
Porém, houve um distanciamento entre o público de MPB, que era mais
politizado, e o da Jovem Guarda mais alheio aos problemas sociais do país, devido a
ditadura dos anos 1960. Os Tropicalistas sabendo desta distância foram beber da fonte
de formulação estética proposta por Benjor, mas agora amalgamando Jovem Guarda
com MPB (entre outros estilos) causando grande impacto. Mas isso só se concretizaria
em 1968.

21
História: Questões & Debates, nº 31. Curitiba, Pr: Editora UFPR, 1999.

26
5 TROPICALISMO22

5.1 – A MONTAGEM DO CENÁRIO

O ano de 1965 delimitou algumas vertentes da música popular feita no Brasil.


É bom esclarecer que o termo Música Popular Brasileira (MPB) até o advento do
Tropicalismo (1967) era, segundo NAPOLITANO (2001; p.57), “sinônimo de música
comprometida com a realidade brasileira, crítica ao Regime Militar e de alta qualidade
estética”. Portanto, não convém confundir esses dois conceitos, já que neste período
nem toda música popular feita aqui tinha esse perfil.
A primeira destas vertentes se configurou com a realização do I Festival da
Música Popular Brasileira, organizado pela TV Excelsior em abril de 1965. Este festival
revelou e consagrou a cantora gaúcha Elis Regina que interpretou a música Arrastão, de
Edu Lobo e Vinícius de Moraes. O pesquisador André Mauro (1985; p.9) nos fala sobre
a repercussão deste festival e as conseqüências dela para os envolvidos no projeto:

O sucesso desse 1º festival, aliás, foi tão além das expectativas, que o já debilitado
canal 9 pouco pode fazer para impedir que lhe escapasse entre os dedos. A TV
Record, em seu apogeu, logo recrutou Solano Ribeiro (produtor do evento), que levou
em suas malas até o título do certame (motivo pelo qual o primeiro evento realizado
pelo canal 7 já veio com a designação de 2º Festival da Música Popular Brasileira).
Elis Regina, a estrela máxima, foi contratada para comandar um programa que
marcaria época, O Fino da Bossa (...)

A fórmula ‘Festival da Música Popular’ se desdobrará nos anos seguintes e


tomará conta da TV brasileira, sempre abrindo espaço para novos talentos.
A estréia do programa Fino da Bossa (maio de 1965) pode ser considerada a
configuração de uma outra vertente, não por diferenças na estética musical mas sim no
status dentro do showbusiness brasileiro. No Fino da Bossa compareciam artistas
consagrados e também as novidades musicais que surgiam no mercado fonográfico
brasileiro. No entanto, não havia competição e cada artista ocupava um espaço

22
O movimento Tropicalista é muito mais abrangente do que será abordado neste capítulo, sugerimos a
leitura de “Tropicália, alegoria, alegria” de Celso Favaretto, Ateliê Editorial, 3ª Ed. 2000, SP.

27
conforme sua fama. O programa ia ao ar toda semana às quartas-feiras, voltado para um
público adulto ou intelectualizado.
Já nos festivais também compareciam artistas consagrados, porém, havia uma
competição acirrada com os artistas anônimos que era o eixo do programa. A atração ia
ao ar uma vez por ano, durando aproximadamente um mês. Nem sempre os artistas
consagrados venciam e quando venciam muitas vezes não empolgavam. Ou seja, quem
era novato e se apresentava nos festivais estava lutando por um espaço maior na mídia e
quem já era consagrado estava somente se auto afirmando, afinal os festivais eram
líderes de audiência. Mas não tinham grandes preocupações em vencer pois não
precisavam da vitória, nem mesmo agradar ao público, pois já tinham seu próprio
público.
Por fim a estréia do programa Jovem Guarda23, também na TV Record em
setembro de 1965, encerrou esta delimitação de algumas vertentes da música popular
feita no Brasil. Segundo NAPOLITANO (2001; p.35) “o programa veiculava um tipo
de rock ingênuo, mais próximo das baladas norte-americanas do final dos anos 1950 do
que os Beatles estavam conduzindo na música pop.”. O cantor e compositor Roberto
Carlos (e também apresentador, ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa, do programa)
transformou-se num fenômeno de popularidade.

5.1.1 O Cenário

Quando as idéias dos tropicalistas começaram a surgir, o cenário de uma parte


da música popular feita no Brasil já estava bem estruturado. Ou seja, o Fino da Bossa
estava com as suas estrelas, que tinham um conflito estético com a Jovem Guarda, por
causa do sucesso que esta fazia entre os adolescentes “menos críticos”. E os Festivais
de Música Popular Brasileira abrigando bossanovistas, MPB engajada, Jovem Guarda
e anônimos. Lembramos que todos os programas estavam na mesma emissora, a TV
Record de São Paulo, exceção feita à outros festivais que não tinham maior audiência do
que o da emissora paulista.
Apesar de já ter conquistado alguns prêmios em festivais anteriores Caetano
Veloso ainda estava no semi anonimato. Assim que apareceu no III Festival da Música
23
O Jovem Guarda era transmitido aos domingos, voltado para um público mais adolescente e
descompromissado.

28
Popular Brasileira da TV Record em 1967, para apresentar Alegria, Alegria ao lado do
conjunto de rock argentino The Beat Boys, estava se inaugurando o que mais tarde se
chamaria Tropicalismo. Mas o que causou frisson no público do festival, composto na
maioria de universitários que criticavam o Regime Militar, foram as guitarras elétricas
dos Beat Boys. Para eles, as guitarras eram uma intromissão da cultura norte-americana
que, tinha na Jovem Guarda um representante ativo, e agora estava invadindo o reduto
da MPB. Por isso houve muitas vaias. No que tange a influência da Jovem Guarda na
composição de Alegria, Alegria o jornalista Carlos CALADO (1996; p.101) diz que:“
(...) muito antes de compor Alegria, Alegria (...) Caetano andava com a cabeça
fervilhando, com preocupações musicais próximas as de Gil. Enquanto este encontrou
nos Beatles (pós Sgt. Pepper’s) um modelo para universalizar mais sua música, Caetano
tinha afinado melhor seus ouvidos para a Jovem Guarda (...)”.
Porém, o que mais impressiona no caso de Alegria, Alegria foi o fato da
introdução da canção ter sido copiada de uma outra canção de uma dupla da Jovem
Guarda, a notícia é de 19 de setembro de 2003 publicada no caderno Ilustrada do Jornal
Folha de São Paulo por Pedro Alexandre Sanches:

O não lançamento: A EMI anda recuperando a obra da dupla de Jovem Guarda Deny
& Dino, mas se esqueceu até o momento do ‘Deny & Dino’ de 1967, que sucedeu a
estréia com ‘Coruja’ (66). A curiosidade maior está na faixa ‘O Ciúme’, de que
Caetano Veloso decalcou (ou ‘sampleou’ em linguagem de hoje) a abertura de
‘Alegria, Alegria’, marchinha pós-moderna que seria marco inaugural do
Tropicalismo.

Polêmicas a parte o fato é que Alegria, Alegria acabou em quarto lugar naquele
festival.
Domingo no Parque de Gilberto Gil, também apresentada no mesmo festival
ao lado do grupo de rock paulista Os Mutantes, foi outra canção que ajudou a moldar o
Tropicalismo. No entanto apesar das semelhanças estéticas com Alegria, Alegria,
Domingo no Parque estava um passo a frente. Enquanto Caetano até certo ponto,
copiava a Jovem Guarda, Gil acompanhava de perto as mudanças que os Beatles
realizavam na música pop. mundial CALADO (1996; p.94-95) fala sobre isso:

29
Naquela época, Gil andava ligado nos Beatles. O compacto com Strawberry Fields
Forever e Penny Lane tinha despertado seu interesse pelo rock dos quatro britânicos.
Gil começou a ouvir os Lp’s anteriores do conjunto (Rubber Soul e Revolver), mas
quando escutou o novo Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band ficou realmente
impressionado. Viu nesse disco um novo caminho, não só para suas canções, mas para
a própria Música Popular Brasileira. Pensou que estava na hora de fazer uma música
que soasse mais universal e Gil sabia que esse som passava necessariamente pelo rock
e pela guitarra elétrica.

Os Beatles conseguiram a sonoridade de Sgt. Pepper’s muito em função do seu


produtor George Martin, pensando assim, Gil chegou ao maestro Rogério Duprat, que
conforme o jornalista acima (1996; p.96-97) lhe foi indicado por Júlio Medaglia como
sendo o ‘George Martin’ que Gil procurava. Rogério Duprat por sua vez apresentou a
Gil o grupo Os Mutantes. “É a primeira vez que um compositor vanguardista da área
erudita engaja-se com tal empenho num movimento de música popular, trazendo sua
experiência sólida e sofisticada da linguagem experimental”. Afirmação esta segundo o
consultor do texto Tárik de Souza em Nova História da Música Popular Brasileira
(Gilberto Gil), 1977 p.4.
Com a segunda colocação no festival, Domingo no Parque mostrou que a
Música Popular Brasileira estava se alinhando com as inovações que os Beatles estavam
promovendo e mais ainda, sendo reconhecida pela crítica e público. Tudo isso
rapidamente, porque Sgt. Pepper’s tinha sido lançado no mesmo ano do festival, 1967.

5.1.2 Panis et Circensis

Mas duas música era pouco para um disco, e uma terceira canção de Caetano
Veloso que se chamou Tropicália, segundo FAVARETTO (2000; p.64), “a música
inaugural, constituindo a matriz estética do movimento” não eram suficientes para
constituí-lo. Curiosamente nenhuma das três entrou no disco – manifesto Tropicália ou
panis et circensis lançado em agosto de 1968. A participação dos Mutantes e os arranjos
de Rogério Duprat deram ao Lp uma concepção parecida com Sgt. Pepper’s dos Beatles
contudo é uma influência discreta, sem cópia – FAVARETTO (2000; p.83) nos diz qual
é essa influência:
O disco é estruturado, musicalmente, como uma polifonia, ou longa suíte; as faixas
sucedem-se sem interrupção, com a abertura recapitulada no final. Esta concepção é a

30
de Sgt. Pepper’s, dos Beatles. Por sua vez, cada música mantém uma relação dialógica
(conceito de M. Bakhtin) com as demais e é estruturada, letra, música e arranjo, como
montagem de fragmentos (referências musicais, sonoras, literárias, diálogos,
manipulações eletroacústicas etc.)

Conforme NAPOLITANO (2001; p.69) “o disco acabou sendo o grande


acontecimento musical do movimento.” A partir daí Os Mutantes seguiram carreira
independente e, dos artistas presentes no tropicalismo, foram os que mais utilizaram a
informação rock junto a MPB ou música popular feita no Brasil.

31
6 SAMBA – ROCK24

6.1 O SOUL25

Assim como o rock, o soul tem parte de suas origens no rhythm’n’blues26,


muito em voga na América no início dos anos 1950. Se por um lado o rock acabou
embranquecendo com Elvis na metade da década, o soul permaneceu mais restrito ao
povo negro27, mas o desdobramento do rhythm’n’blues só se concretizou no final da
década. Do rhythm’n’blues o soul abrangeu as emoções de seus vocais gospel e a
divisão rítmica em quatro seções. Ritmicamente falando FRIEDLANDER (2002; p.
240) esclarece melhor este desdobramento:

Embora os instrumentos da cozinha rítmica permanecessem os mesmos durante a


evolução do rhythm’n’blues para o soul (bateria, baixo, guitarra e teclado), algumas
interessantes mudanças musicais estavam acontecendo. Se a participação do baixo no
rhythm’n’blues consistia normalmente em um ritmo estável (...) o baixo do soul era
mais complexo melódico e ritmicamente – partes altamente sincopadas
proporcionavam uma alternativa vibrante para o ritmo dinâmico estabelecido por Al
Jackson Jr. e outros bateristas de estilo similar. Respect, de Aretha Franklin, Soul
Man, de Sam and Dave e Knock on Wood de Eddie Floyd são exemplos perfeitos deste
ritmo sincopado do baixo. Além disso, a sessão de metais do soul aumentou bastante
sua importância desde os tempos do rhythm’n’blues, acentuando as batidas sincopadas
e servindo como um vocalista secundário que se alternava com o principal nos cantos
de chamado - e - resposta típicos do gospel.

Já no início dos anos 60, a soul music alcançou as paradas populares, muito
disso graças ao seu discurso pelos direitos civis dos negros e também enaltecendo o
orgulho da raça. Três artistas foram importantes neste início, Ray Charles, James
24
É uma nomenclatura um tanto equivocada, seria mais apropriado chamar o movimento de samba-soul
ou samba-funk. Assim como o rock, o soul é filho do rhythm’n’blues e mais tarde deu origem ao funk;
provavelmente foi esse parentesco tão próximo que confundiu algumas pessoas que chamaram o
movimento de samba-rock. Contudo não é de todo errado, pois rock, soul e funk influenciaram-se
mutuamente. Por outro lado pode ter havido um certo protecionismo do termo e do estilo rock, afinal é ele
que está (ou estava) associado ao revolucionário, ao progressista e por isso ligado a juventude ou ao novo.
25
Sinônimo de autenticidade, sinceridade.
26
As outras fontes eram o gospel e o doo-wop (provavelmente duas sílabas sem sentido balbuciadas por
vocalistas de apoio). As raízes do doo-wop podem ser encontradas no estilo de vocalização emocionada
do gospel combinado com a música bem ritmada do rhythm’n’blues. (FRIEDLANDER; 2002, p.95)
27
Isso não quer dizer que não houvessem cantores do soul brancos, um dos grupos vocais mais famosos
dos anos 1960 os Righteous Brothers eram representantes do chamado blue-eyed soul (o soul de olhos
azuis).

32
Brown e um pouco mais tarde Aretha Franklin. Por essas características sociais
segundo FRIEDLANDER (2002; p. 241) “comercialmente, o soul ficou relegado a uma
categoria de cidadãos de segunda classe”. Apesar disso, a soul music atingiu a América
branca, através da sua juventude que encontrou na música negra um pretexto para burlar
os padrões de separação racial.
Para o sucesso ser maior, a indústria fonográfica acabou tentando agradar
brancos e negros. Para isso retirou do estilo musical o discurso social dos últimos (para
não assustar os brancos) mas manteve o ritmo , para iludir os negros menos
comprometidos com a causa. CORRÊA (2000; p.54) nos dá mais detalhes:

Mas não tardou para que, em função da rápida popularização desse estilo de música, a
própria mídia (aqui alinhada a indústria fonográfica) se encarregasse de vulgarizá-lo
ao máximo, transformando-o por assim dizer, num produto de consumo fácil.
Emissoras de rádio dos quatro cantos daquele país (EUA) passaram a veiculá-lo, de
modo a fazer com que em breve, se tornasse o mais repetido tipo de música. Essa
popularização e conseqüente transformação do soul em produto de consumo, posto
que rapidamente ensejou a comercialização de todo um estilo de roupas usadas pelos
astros da música, fez com que as manifestações mais autênticas da canção americana
se rarefizessem e mudassem os rumos para outros estilos.

Por isso a soul music começou a década de 1970 envolvida pelo funk da
geração seguinte.

6.2 O FUNK

Segundo SHUKER (1999; p.137) “nos anos 1950, o termo funk foi empregado
para descrever uma forma de jazz moderno, que se baseava no swing (balanço) e no
soul.”. Com a retirada do discurso social negro das letras do soul e o desenvolvimento
da parte rítmica do mesmo, nasceu o novo estilo. O site
www.radiocidade1029.hpg.ig.com.br/funk.htm, acessado em 01.11.03 retrata
justamente essa característica: “As letras não precisam ser intelectuais nem
contestatórias, afinal o que importa aqui é o ritmo e a melodia. Se forem letras sobre
casos de amor banais ou sobre o simples ato de dançar, é até melhor (...) porque se
inserem no clima dance que o funk proporciona.”

33
O Jackson Five foi um dos grupos que impulsionaram o funk, que se tornou
grande sucesso em 1968. Era formado por cinco irmãos quase todos adolescentes, o
caçula do grupo, Michael Jackson, se tornou um dos maiores popstars do planeta e um
dos que mais popularizaram o funk no mundo. Outros nomes importantes do funk nos
anos 1970 forma os americanos Earth, Wind & Fire, KC & The Sunshine Band, Chic e
o inglês Kool & The Gang.

6.3 SAMBA – ROCK

Uma denominação equivocada

Antes de comentar sobre esse fenômeno que houve na MPB preciso-se dizer
algo sobre as diferenças entre rock e soul/funk. Primeiramente a marcação do soul/funk
tem mais peso e sua “levada” é bem mais dançante que o rock, há também uma
valorização dos timbres de baixo e bateria, ou seja, de timbres graves. É justamente essa
valorização de timbres que diferencia os estilos, “enquanto o rock tem a guitarra como
instrumento de destaque, o funk tem o contrabaixo como carro-chefe (...)”.
(www.radiocidade1029.hpg.ig.com.br/funk.htm).

Para melhor ilustrar este tópico alguns nomes que misturaram o samba com o
soul/funk (ou o rock como preferem outros) serão abordados a seguir.

6.3.1 Tim Maia:


Lp Tim Maia – 1970.
Tim Maia é considerado o divisor de águas na introdução do soul na nossa
música popular. O jornalista Cláudio Campos na Revisa Bizz, ajuda a entender melhor
esta inserção dizendo que ela começou ainda na Jovem Guarda: “ (...) a Jovem Guarda
já flertava com o balanço dos hitmakers28 da gravadora Motown29 e o próprio (...)
Roberto Carlos gravou em 1968 ‘Não vou Ficar’, o primeiro grande sucesso de Tim
Maia como compositor.”

28
Compositores cuja maioria das canções atingem o sucesso.
29
Gravadora de música negra (black music) fundada por Berry Gordy em Detroit (EUA), em 1959.

34
Mais adiante o jornalista descreve a experiência de Tim nos EUA e o seu
contato com a soul music: “ Onze anos antes (1959) Tim fizera um ‘estágio’ nos EUA
(...) eram tempos pré Martin Luther King. Isso no exato momento em que a derivação
do rhythm’n’blues, que seria conhecida como soul music, começava a definir seus
contornos.” (REVISTA BIZZ, ano 08, nº10, out. 1992 p.66)
Em outro momento do texto ele diz que: “o lançamento desse disco (o 1º de
Tim Maia) marcou o ano zero da música black no Brasil” e que “Tim incorporava o
soul dos negros americanos” e consequentemente “sabia exatamente como nivelar a
música brasileira com o que havia de mais legal na época em matéria de soul”.
E para finalizar o autor faz uma análise das nuances das canções detectando
onde começa e onde termina o soul e os ritmos brasileiros:

(...) ele encontrou os elementos que tornariam a música que fazia tão rica e particular,
como ficava comprovado no seu primeiro álbum. Com o paraibano Genival Cassiano
compôs ‘Padre Cícero’, uma irresistível mistura de forró e soul em homenagem ao
preacher (beato) de Juazeiro. Essa feliz experiência genética teve seu ponto alto em
‘Coroné Antônio Bento’ (Luiz Wanderley/João do Vale), onde a atuação vocal
alucinada de Tim fazia a gente acreditar que Memphis ficava em pleno sertão de
pernambuco. Aliás, a participação de Cassiano – o outro grande arquiteto do soul
Brasil – foi fundamental no disco. São dele ‘Você Fingiu’, a sensível ‘Eu amo Você’ e
o hit ‘Primavera’ (as duas últimas em parceria com Sílvio Rochael). p.66

6.3.2 A retomada da linha evolutiva de Jorge Benjor


Nos anos 1970 o pessoal que fazia o som que ficou conhecido como samba-
rock, no início foi tachado pelos críticos como imitadores de Jorge Ben(jor), o que é
apenas meio verdade. Realmente Jorge migrou do samba-jazz para o samba-funk mas
foi apenas neste último estilo que houve uma adesão maior de músicos, caracterizando
assim um movimento mais amplo.
Os jornalistas Sérgio Barbo e Pedro Só, em artigo publicado na Revista
ShowBizz, nº08 de agosto de 1999, relatam qual o período de Ben(jor) que mais
influenciou o movimento:
A turma do samba-rock tem especial adoração por seu disco Bidu – Silêncio no
Brooklin, de 1967, e pelos trabalhos que vieram depois, com o trio Mocotó. Nos
bailes, a fase de Jorge preferida é a virada dos anos 60 para os 70: músicas mais
obscuras como ‘Comanche’ ou ‘Se Manda’, fazem a moçada delirar. (p. 56)

35
Mais adiante nessa mesma entrevista Benjor disse que, ‘esses artistas sempre
gostaram do meu suíngue e fizeram algo paralelo, interessante’ e apontou as
influências jazzísticas como seu grande diferencial.

6.3.3 Samba – rock: uma subcultura


Ainda segundo Sérgio Barbo e Pedro Só na reportagem citada acima p.54, “os
artistas que se dedicaram a esse som tiveram de se contentar em alimentar uma
subcultura’ porque de certa forma foram desprezados pela crítica e censurados pelos
puristas do samba.”
Poucos artistas, além dos já citados, tiveram alguma projeção, entre eles:
Gérson King Combo, que disseminou o orgulho negro, Tony Tornado que se tornou
símbolo do movimento e Banda Black Rio que virou referência internacional na fusão
do funk com a música brasileira.

36
7 ACABOU CHORARE DOS NOVOS BAIANOS 1972

Os Novos Baianos, formado, entre outros, por Moraes Moreira, Pepeu Gomes,
Baby Consuelo ( que depois virou Baby do Brasil), Paulinho Boca de Cantor e Galvão,
foi um grupo de músicos que, influenciados pelo sucesso dos antecessores conterrâneos
surgiu no mundo musical brasileiro com uma personalidade forte. Sonora e visualmente
influenciado pela estética do tropicalismo e do rock sessentista o grupo se tornou
referência para a MPB nos anos 70.

7.1 DAS INFLUÊNCIAS AOS RESULTADOS

Gilberto Gil pode ser considerado o grande responsável pela aproximação do


rock com a nossa música popular. Foi ele quem primeiro percebeu dois expoentes do
rock dos anos 1960. Como já foi dito um deles foi o lançamento de Sgt. Pepper’s, o
incensado Lp dos Beatles, que influenciou na composição e arranjo de Domingo no
Parque e que também serviu de linha mestra para os primeiros Lp’s dos Mutantes. O
segundo expoente foi Jimi Hendrix, e o gosto de Gil pelo guitarrista norte-americano
influenciou o músico Pepeu Gomes, como podemos constatar numa entrevista –
reportagem com o próprio Pepeu, para a Revista Cover Guitarra (ano 3, nº17) de
dezembro de 1995 ao jornalista Alexandre Posendoro, o longo trecho é esclarecedor:

(...)logo depois (Pepeu), tocou num programa de TV de Salvador. Gilberto Gil estava
assistindo TV naquele dia, era o suficiente, foi até a casa do garoto da TV. Queria que
Pepeu Gomes tocasse em sua banda: ‘Eu disse para o Gil, tudo bem! Eu toco com
você, mas com uma condição: Eu quero morar na sua casa!’ Agora Pepeu Gomes
tinha uma casa nova! Gil fez mais, deu um dos seus discos de Jimi Hendrix ao jovem:
‘exatamente naquele dia, eu virei guitarrista. Porque eu fumei, coloquei o disco na
vitrola e não consegui dormir mais por três dias!’ (...) Na seqüência, Pepeu e alguns
amigos fizeram um show chamado ‘O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio
Universal’. Nascia então um grupo que revolucionaria o conceito de música brasileira,
naquela época a fórmula rock + MPB se chamava ‘Novos Baianos’. Pepeu Gomes
depois de renascer com Hendrix, começou a comprar discos de Pixinguinha, Jacob do
Bandolim, Waldir Azevedo e companhia: ‘Eu ouvi aquilo e percebi que era bom,
então foi como se eu pegasse todas essas influências, colocasse no liqüidificador,
batesse e tomasse. É por isso que hoje eu mudo do rock’n’roll para um frevo numa
mesma música sem ter que mudar de instrumento’(...) p. 19.

37
O álbum ‘Acabou Chorare’ de 1972 acabou se tornando o disco mais
representativo (quatro musicas30) do esforço que o grupo realizou para alinhar a MPB
com a estética de Hendrix. A Revista MTV nº22 de jan/fev de 2003 traz um depoimento
de Moraes Moreira sobre a importância do trabalho, o qual reproduzimos :

Este disco é o maior momento dos Novos Baianos. Foi quando João Gilberto chegou
em nossa vida e fizemos grandes misturas . Tocamos samba somo se toca rock e vice-
versa, era Jimi Hendrix com Bossa Nova. Fizemos uma música universal (...) e este é
realmente um dos melhores discos da Música Popular Brasileira. p.34

Apesar do grupo perceber as mudanças estéticas de Hendrix precisa-se dizer


que essa influência chegou a MPB um pouco tarde. Infelizmente o guitarrista falecera
em 1970, dois anos antes do lançamento do disco. Por outro lado também em 1970
coincidentemente, os Beatles também acabaram.
As experiências sonoras dos Beatles com a música erudita, música mundi
(refletida na música indiana) e também na música eletroacústica permitida pela
criatividade dos músicos e pelas novas tecnologias de gravação, de certa maneira,
abriram espaço para um namoro entre o rock e as formas musicais mais complexas,
dando início ao que se chamou de rock progressivo. Quando Rita Lee saiu do grupo Os
Mutantes o conjunto seguiu por esta linha. Já as experiências de Hendrix, além de
influenciar indiretamente o rock progressivo, também lançram as bases de uma outra
estética no rock, o heavy metal.
Enfim, em 1972 o rock já estava com essas vertentes bem estabelecidas e
apesar de inovador na MPB o disco mostrou um certo atraso em relação aos caminhos
que o rock já tinha tomado. De qualquer forma, o Lp era inovador, no que tange as
experimentações bem sucedidas, estética e comercialmente, entre rock e MPB. Sem
dúvida os Novos Baianos deram um passo a frente em relação aos conterrâneos do
tropicalismo e conseguiram seu lugar na história da música brasileira.

30
A saber: Tinindo Trincando, Mistério do Planeta, A Menina Dança e Um Bilhete p’rá Didi.

38
8 CLUBE DA ESQUINA 1972

8.1 MILTON NASCIMENTO

Apesar de carioca, foi Milton que trouxe para a MPB, na segunda metade dos
anos 60 a música “folclórica” de Minas (estado onde foi criado) e também, um pouco
mais tarde seu gosto pelos Beatles. O prefácio de Caetano Veloso no livro de
BORGES (2002; p.14) Os Sonhos não Envelhecem – Histórias do Clube da Esquina
referenciou o fato:

(...) e não via ali muito além de um desenvolvimento daquilo que Edu Lobo já
vinha fazendo de interessante, ou seja, um desdobramento da Bossa Nova que
abrangia estilizações das formas nordestinas. Claro que, em breve veria que muito
do que nós baianos tínhamos sublinhado – a saber: rock, pop, sobretudo Beatles,
além da América espanhola – também estava incorporado ao repertório de
interesses de Milton.

Por outro lado precisa-se dizer que Milton era dono de uma singular
originalidade, e o próprio BORGES (2002; p.46) diz isso na seguinte passagem:

(...) Bituca31. Os arranjos que criava para músicas alheias eram algo inédito,
profundamente original e estranho, não se pareciam com nada que alguém pudesse
ter ouvido antes. Tinha de tudo ali, Yma Sumac, carro de boi, vento no cafezal,
Miles Davis, Tamba Trio, Nelson Gonçalves, Hino Católico, trilha de faroeste, e
ao mesmo tempo não tinha nada, só Bituca e sua voz retinida de taquara não –
rachada, animal extraterreno enjaulado a força, e no entanto capaz de doçura de
manga, de fruto suculento, original.

Um grupo de músicos que habitavam o Edifício Levy em Belo Horizonte e


que tinham contato com Milton, segundo BORGES (2002; p. 115-116), preferiam
jazz e Bossa Nova, no máximo uma certa Elis Regina que estava começando. O
único que levava os Beatles a sério era Bituca e o Jimi Hendrix Experience passou
despercebido.

31
Apelido de Milton.

39
Milton apareceu para o grande público ao receber o prêmio de melhor
intérprete na finalíssima do I Festival de MPB, realizado pela TV Excelsior em
1965, defendendo Cidade Vazia de Baden Powell, classificada em terceiro lugar.
Quem venceu o Festival foi Elis interpretando Arrastão de Edu Lobo e Vinícius de
Moraes, que logo depois, já em evidencia, gravou de Milton Canção do Sal, que
trazia muito das canções de trabalho (work songs32) das lavadeiras do interior de
Minas.
A faceta dos Beatles que chamou a atenção de Milton foi a fase conhecida
como experimental, que abrange os discos: Rubber Soul (1965), Revolver (1966),
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967) e o Álbum Branco (1968). Ela
também pegou de jeito alguns garotos que no futuro iriam compor ao lado de Milton
no Clube da Esquina, BORGES (2002; p. 147-148) dá mais detalhes:

(...) Revolver é um disco muito bom, um barato disse Bituca (...) compramos o
último disco dos Beatles e, mandamos embrulhar para presente. Em Belo
Horizonte, Lô (Borges), Beto (Guedes), Márcio Aquino e Yé – The Beavers –
gostaram muito do presente. Não demorou nem um dia e eles já estavam
incorporando aquelas novas canções ao seu repertório cover. (...) Bituca (...) sabia
ver sinais de musicalidade pura onde eu próprio só via dois irmãos pequenos
brincando de Beatles.

8.2 MILTON E A CONSOLIDAÇÃO DE SEU NOME

Quando os festivais de MPB migraram para outras redes de TV no Brasil


em meados dos anos 1960, abriu-se a possibilidade de alguns artistas que estavam
no semi anonimato se transformarem em estrelas de primeira ordem, entre eles
Milton Nascimento. No festival da Record de 1966 Bituca não se deu bem, sua
canção Irmão de Fé em parceria com Márcio Borges foi desclassificada logo na
primeira eliminatória. Mas Milton tinha na manga sua primeira parceria com o

32
Manifestação da música negra no folclore norte-americano. Cantos de trabalho dos escravos que deram
origem ao spiritual, ao blues, e ao gospel, conseqüentemente essas manifestações desembocaram no rock.
A estética de Milton acabou por tomar emprestado os caminhos percorridos pelo rock mas optou pelas
work songs nacionais.

40
jovem compositor também do Clube da Esquina – Fernando Brant, e a canção ainda
se chamava O Vendedor de Sonhos.
No entanto a sorte de Milton mudou durante a realização do II Festival
Internacional da Canção, realizado pela TV Globo em 1967. Quem nos conta os
detalhes é novamente Márcio BORGES ( 2002; p.157):

Classificou três músicas no Festival Internacional da Canção(...) “Maria minha


Fé”, “Morro Velho” e “Travessia” com Fernando Brant. (...)
— Que música é essa, “Travessia”? (Márcio perguntando à Fernando)
— É O Vendedor de Sonhos. Nós tiramos aquela parte que você achava esquisita...
“Quer comprar meus sonhos”... aí não tinha sentido ficar com aquele nome.
“Travessia” você gosta?
— É.

Bituca tirou segundo lugar com Travessia e ganhou o prêmio de melhor


intérprete.

8.3 DO NOME E DA ESTÉTICA DO CLUBE DA ESQUINA

O Clube da Esquina na verdade não tinha integrantes fixos e era uma


denominação pejorativa, pois denominava alguns desocupados que se encontravam
numa esquina no bairro de Santa Tereza – Belo Horizonte. BORGES (2002; p.167)
diz que “o nome Clube não designava senão uma pobre esquina, um pedaço de
calçada e um simples meio – fio, onde adolescentes da rua (e só raramente os
rapazes da minha idade) costumavam vadiar, tocar violão, ficar de bobeira, no
cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis. O Club da Esquina.”
As experimentações estético – musicais do Clube da Esquina podem ser
consideradas como um desdobramento das experiências da Tropicália. No entanto
apesar das idéias coincidirem o Clube tinha caminhos e personalidade própria. O
próprio BORGES (2002; p. 207) esclarece esse aspecto:

41
A Tropicália incorporava a Jovem Guarda, em vez de rejeitá-la em nome de uma
modernidade que invocava o movimento de 22, o concretismo dos poetas
paulistas, as rimas do samba convencional, o considerado mal gosto, o kitsch e a
tecnologia moderna (...) O quarteto criativo que formávamos com Bituca e
Fernando permaneceu mais ou menos alheio a essas coisas embora achando muito
natural o uso de guitarras elétricas. (...) portanto, num ou noutro caso, tínhamos
clara consciência de que aquele negócio de tocar guitarra e fazer disso um
escarcéu só tinha algum valor porque vivíamos num país chamado Brasil e numa
ditadura chamada revolução.

Antes das gravações do álbum conceitual intitulado Clube da Esquina é


necessário dizer que, segundo BORGES (2002; p.209), Milton Miranda (diretor
artístico da Odeon) era bastante flexível em relação as experimentações de Bituca e
que durante as gravações do segundo disco de Milton (Courage – 1968) disse:
“ — Não se preocupem nós temos nossos (artistas) comerciais. Vocês mineiros, são
nossa faixa de prestígio. A gravadora não interfere; vocês gravam o que quiserem”.

8.4 A INFLUÊNCIA DO ROCK PROGRESSIVO

É sabido que as experimentações dos Beatles surtiram efeito na música pop.


Um deles foi a estética no chamado rock progressivo ou seja, a aproximação do rock
com o universo erudito. Não cabe aqui analisar se esta aproximação foi progresso ou
retrocesso já que muito do conceito de música erudita que os conjuntos de rock
progressivo utilizavam pertencia ao século XIX33. Os Beatles utilizavam um
conceito de música erudita do século XX, como é o caso da música eletroacústica.
Fato é que, querendo ou não a estética do rock progressivo era novidade.
Esta nova tendência do rock influenciou o jovem Lô Borges e esta
característica vai aparecer em suas composições junto ao Clube da Esquina. Márcio
BORGES (2002; p. 216) aponta quais foram tais influências: “Noutra vez Bituca
chegou com Tommy, a ópera – rock do The Who, encontrou Lô ouvindo Emerson,
Lake & Palmer, e o Yes Álbum.”
Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges, começaram justamente
uma parceria com a canção intitulada Clube da Esquina, que carismática, logo virou

33
Ou até mesmo antes, como é o caso das óperas – rock, Tommy do The Who e The Wall do Pink Floyd.
O termo ópera começou a ser usado no século XVII.

42
uma espécie de hino na comunidade de músicos e agregados que orbitavam os três
compositores. Com esta parceria, Lô Borges levou também Beto Guedes e inseriram
no som de Milton suas influências progressivas, calcadas nas experimentações dos
Beatles, que segundo BORGES (2002; p. 222) trouxe ao “som de Bituca uma nova
luminosidade”.
A comunidade de músicos que acompanhava Milton34 permaneceu
inalterada por um bom tempo e logo ganhou nome próprio: Som Imaginário. O
grupo gravou alguns álbuns ( sem Milton) e, apesar das experimentações ou por
causa delas, não obteve repercussão popular.
Algumas músicas de Lô Borges entraram no novo Lp de Milton. Márcio
BORGES (2002; p. 249) diz como isto se deu: “Enquanto isso, no Rio, Bituca
entrava novamente em estúdio para gravar seu segundo disco pela Odeon. Esse
trabalho registrava o repertório do show e incluía também três músicas de Lô:
Alunar, Para Lennon e McCartney e Clube da Esquina35.
Além disso a participação de Zé Rodrix foi marcante, para o autor até
exagerada: “Dentro do estúdio, teve hora que foi preciso quase amarrar Zé Rodrix
para ele não entrar em tudo quanto era faixa, tocando órgão, flauta block tenor,
ocarina, assovio de caça, flauta tenor transversal, percussão, voz, sininhos, tudo.” p.
250.
Provavelmente venha daí a percepção de Zé Rodrix de que, se o pessoal do
Clube da Esquina estava inclinado para o rock progressivo ( e ele também junto ao
Som Imaginário) ele poderia fazer o caminho inverso, algo mais ‘simples’ e ‘direto’.
Quem sabe se não foi a partir daí que criou-se a idéia do rock rural?

34
A saber: Wagner Tiso, Luís Alves, Robertinho Silva, Laudir de Oliveira, Tavito e Zé Rodrix.
35
Incluída no Lp Courage de 1968. No Lp Clube da Esquina de 1972 há a canção Clube da Esquina nº 2,
e no álbum Clube da Esquina 2 de 1978 não há nenhuma canção com este nome.

43
8.5 O DISCO CLUBE DA ESQUINA (1)

A gravação do álbum duplo Clube da Esquina36 acabou se tornando um


marco na Música Popular Brasileira. Eram compositores pouco conhecidos (exceção
a Milton) que organizaram uma mudança estética na nossa música popular alinhando
à música popular mundial, leia-se anglo – americana e mais precisamente rock
progressivo. BORGES (2002; p. 256) diz que a idéia partiu de Milton:
“ — Vamos fazer um álbum duplo – Bituca ‘viajou’.
— Um disco com princípio, meio e fim, que não seja só um apanhado de
canções. Um disco conceitual.
(...) Seria o primeiro álbum duplo produzido no Brasil37 .”
No entanto, essa idéia de álbum duplo não foi aceita de imediato pela
gravadora, não venderia, mas como eram artistas da ‘faixa de prestígio’ acabaram
ameaçando sair e com isso conseguiram sinal verde.
Para Milton, Ronaldo Bastos (carioca que também integrou o Clube)
escreveu: Cais, Cravo e Canela, Um Gosto de Sol e Nada Será Como Antes. Para Lô
Borges: O Trem Azul e Nuvem Cigana. Márcio Borges escreveu sobre música de
Milton, Os Povos e Um Girassol da Cor do seu Cabelo, Tudo Que Você Podia Ser,
Estrelas e Trem de Doido para músicas de seu irmão Lô38.
Uma das músicas mais famosas do disco, Paisagem na Janela (Fernando
Brant) foi composta pouco antes das gravações. Márcio BORGES (2002; p. 258) diz
como foi:
Antes das gravações do álbum duplo, voltamos a Diamantina. A revista O
Cruzeiro39 queria uma reportagem conosco (...) fomos hospedados num hotel
colonial (...) Meu quarto ficava numa ala do velho casarão que dava para a praça
principal, enquanto o de Fernando tinha janelas que se abriam para uma igreja e o
cemitério da cidade. Com toda certeza isso foi a inspiração que teve para nos
mostrar, certa manhã, à mesa onde fazíamos o desjejum, a letra que havia escrito
ali, durante a noite, sobre um tema que Lô lhe passara.

36
Na edição em CD, remasterizada em abbey road, lançada em 1995 o disco saiu em edição simples.
37
Gal Costa acabou se antecipando e lançou o primeiro álbum duplo produzido no Brasil (FA – TAL Gal
a Todo Vapor – 1971).
38
Fernando Brant completou em parceria com Bituca: Saídas e Bandeiras, Pelo Amor de Deus e Ao Que
Vai Nascer.
39
Publicação muito popular na época, similar a revista Veja nos dias de hoje.

44
E por fim BORGES (2002; p.257) diz que: “num clima de verdadeira
fraternidade foi concebido e criado o disco duplo que viria a se chamar,
naturalmente, Clube da Esquina.”
Foram muitos os músicos que participaram das gravações, de Belo
Horizonte foram: Rubinho Batera, Wagner Tiso, Toninho Horta, Paulinho Braga,
Márcio Borges, Lô Borges, Beto Guedes (...), Fernando Brant, Tavito, Nelson
Ângelo; e do Rio de Janeiro: Robertinho Silva, Ronaldo Bastos, Luís Alves, Paulo
Moura, Eumir Deodato. Segundo BORGES (2002; p. 267-268) “Bituca tinha a
capacidade especial de ajuntar os iguais, segundo sua história pessoal”.

8.5.1 A repercussão

Apesar de toda a inovação estética que o disco Clube da Esquina propunha,


o trabalho não foi bem recebido. Talvez não tenha sido compreendido pelos
resenhistas de jornais e similares ou tenha sofrido um certo preconceito porque o
grupo era mais mineiro que carioca. Essas críticas desfavoráveis foram feitas apenas
no começo, BORGES (2002; p.270) comenta essa passagem:

(...) as primeiras críticas do disco não foram nada boas. Os resenhistas tinham
achado tudo muito pobre e descartável e sem ter o que dizer, e coisas desse tipo.
Um chamou a voz de Lô de ‘chinfrim’, outro escreveu que meu amigo era
compositor de uma música só (referia-se a Travessia) e que determinados versos
meus ‘rolavam como pedras dentro do ouvido’ de tão desagradáveis e malfeitos .
um outro decretou: ‘Milton Nascimento está acabado.’

45
9 ROCK RURAL

9.1 ROCK RURAL VERSUS ROCK PROGRESSIVO

No Brasil o rock progressivo e o rock rural tinham mais ou menos as mesmas


preocupações, que de certa forma envolviam a ecologia. No entanto o que marcou suas
diferenças foi mesmo a estética musical.
Apesar de ser chamado progressivo esse tipo de rock não estava ligado ao
progresso das cidades, sua música de modo geral não envolvia ruídos ou barulhos,
presentes por exemplo em Sgt. Pepper’s dos Beatles que deu o ponta pé inicial na
parceria entre rock e a vanguarda da música erudita. Sua música ao contrário, trazia,
segundo as jornalistas Marisa Adán Gil e Adriana Manfredini na coleção Pop Rock, A
História, “(...) motivos clássicos, orquestrações e intricadas suítes musicais” (p. 5). Ou
seja havia um progresso, afinal o rock era uma música simples harmônicamente, porém,
em relação a parceria com a música erudita era um retrocesso, porque esses “motivos
clássicos, orquestrações e intrincadas suítes musicais” já eram ultrapassados pela
vanguarda da música erudita no final do século XIX. (GIL, MANFREDINI. In POP
ROCK, A HISTÓRIA. MTV, VOL.4 1997)
O aproveitamento do rock progressivo no Brasil foi sem muito sucesso ou
originalidade, obviamente excluindo-se o Clube da Esquina. Os grupos daqui, segundo
Marisa Adán Gil e Adriana Manfredini no mesmo artigo, tinham como “objetivo
emular, nota por nota, o som praticado pelos reis do rock progressivo nos Estados
Unidos e na Europa: Pink Floyd, Yes, Genesis, King Crimson ou Jethro Tull”(p.4).
Contudo alguns grupos conseguiram moldar rock progressivo com MPB, um deles foi o
Azymuth (Águia não come mosca – 1976) mas obtiveram mais repercussão no exterior
(EUA) do que aqui.
Por outro lado, criou-se no Brasil um movimento que ficou conhecido como
rock rural, que musicalmente seguiu na contramão do rock progressivo. Este
movimento fundia rock, blues e a música caipira do interior do país (leia-se
principalmente interior de Minas Gerais e São Paulo) estilos mais simples
harmônicamente do que o rock.

46
É interessante notar que esta estética não estava em voga no rock mundial no
início dos anos 1970, como já dissemos a novidade criou celeuma quando Bob Dylan
eletrificou o folk norte-americano em meados dos anos 1960. Porém, havia seguidores
deste estilo que faziam algum sucesso, era o caso do quarteto norte-americano Crosby,
Stills, Nash & Young.

9.2 SÁ, RODRIX & GUARABYRA

Novamente utilizando a reportagem, publicada pela Revista Caras, das


jornalistas Marisa ADÁN GIL e Adriana MANFREDINI (1997; p.7 – 8) podemos
verificar como surgiu o trio que lançou as bases do rock rural:

Foi em 1971 que Zé Rodrix conheceu Luís Carlos Sá (...), Guarabyra se juntaria à
dupla alguns meses depois. (...) começaram a bolar um projeto (...) inspirado no grupo
norte-americano Crosby, Stills, Nash & Young. ‘Eu estava cada vez mais querendo
trabalhar com as coisas da minha terra, do interior mesmo.’ diria Guarabyra (...) Com
Presente, Passado e Futuro (1º disco do grupo, 1972) o trio conseguia transformar o
rock em algo mais brasileiro.

Contudo, após o 2º disco ( Terra, 1973) o grupo se desfez. Caberia a Sá &


Guarabyra carregar a herança do trio criando a dupla em 1973, conseguindo durante os
anos 1970 relativo sucesso.

9.2.1 Casa no Campo

Zé Rodrix pode ser considerado a figura central deste movimento que associou
temas rurais brasileiros ao rock. Primeiro porque foi ele quem compôs a canção mais
famosa do movimento, Casa no Campo. Outra vez recorremos as jornalistas Marisa
Adán Gil e Adriana Manfredini (1997; p.7) na publicação já citada para entendermos
como se deu a composição deste sucesso:

47
Foi na época do Som Imaginário (conjunto que Rodrix integrou) que o músico compôs
os famosos versos musicados por Tavito, seu parceiro no grupo. (...) embora a música
seja, até hoje, associada ao trio Sá, Rodrix & Guarabyra, a gravação foi feita apenas
por Rodrix. Em 1971, ele registrou em compacto seu hino à vida alternativa. Nesse
mesmo ano, Elis Regina faria sucesso com a canção40.

Segundo porque Rodrix ajudou a formar o trio Sá, Rodrix & Guarabyra e
terceiro porque ele tocou piano/ocarina e sintetizador no primeiro Lp dos Secos &
Molhados, que com suas 800 mil cópias vendidas acabou legitimando o movimento
com a música ‘O Vira’, maior sucesso do grupo.

40
Foi notória a antipatia de Elis Regina pelas guitarras elétricas e consequentemente pelo rock
em meados dos anos 1960. Organizou e participou de uma passeata contra as guitarras na MPB,
que contou inclusive com a participação de Gilberto Gil que devia alguns favores à ela. A
gravação desta canção pode não se caracterizar uma aproximação da MPB de Elis com o rock
mas pode-se dizer que, ao menos, a cantora ficou menos ortodoxa.

48
10 SECOS & MOLHADOS 1973

10.1 GLITTER E OS MASCARADOS

O glam (de glamour) rock surgiu na Inglaterra no final da década de 1960,


quando alguns hippies tiveram a iniciativa de criar uma música moderna associada à
arte visual. Também chamado de glitter (purpurina), o glam rock tinha uma música
essencialmente elétrica e um visual colorido repleto de brilhos e encenação exagerada
nos palcos, inspirada pela ostentação cinematográfica e letras poéticas. No Brasil este
movimento andrógino foi seguido pelos Secos & Molhados e depois prosseguiu com
João Ricardo, Ney Matogrosso, Edy Star, Cornélius, Maria Alcina, Ronaldo Resedá até
Sidney Magal.
De certa maneira o grupo Secos & Molhados realinhou a MPB com o mundo
do rock, que no início dos anos 1970 estava dividido basicamente em rock progressivo e
heavy metal. No entanto estava surgindo em Londres uma nova estética que pegava a
sonoridade do heavy metal e também o seu visual, diminuindo um pouco na primeira e
exagerando no segundo. Ou seja, o som era pesado ma non troppo41 e a maquiagem
escandalosa. Esta linha era liderada por artistas como David Bowie e o grupo T. Rex.
Conforme o jornalista Sérgio BARBO:

Tudo começou em 1971: o jornalista e poeta português João Ricardo convidou o


músico Gerson Conrad e o hippie e cantor de coral Ney de Souza Pereira para um
projeto que queria unir rock à MPB. A presença cênica , exótica e sensual de Ney –
que adotou o sobrenome Matogrosso, devido ao seu estado de origem – chamou a
atenção e o trio foi contratado pelo selo Continental, lançando o primeiro disco em
1973. (REVISTA BIZZ NOVEMBRO, 1994 P. 90)

Além de recolocar a MPB em conexão com a ‘vanguarda’ do rock o Secos &


Molhados incluiu pelo menos mais um aspecto em sua sonoridade, o folk. Essa inclusão
se deu através de motivos melódicos de ascendência lusitana (João Ricardo) mesclada
ao folclore do Brasil (exemplo: a música ‘O Vira’ maior sucesso do grupo) e também de
nuances latino americanas (exemplo: a música ‘Sangue Latino’). Este último aspecto já

41
Termo em italiano que quer dizer: “mas não muito” ou “bem dosado”.

49
tinha sido explorado pelos tropicalistas em Soy loco por ti América (Gil e Capinam)
gravada por Caetano Veloso em 1968 e também pelo Clube da Esquina.
Por outro lado o folk (norte-americano) já tinha sido inserido no rock por Bob
Dylan em meados dos anos 1960 e posteriormente assimilado pelos Beatles. O detalhe
interessante é que esta faceta do Secos & Molhados consolidou um movimento que
ficou conhecido no Brasil como rock rural. Estética esta que foi estudada no capítulo
anterior.

50
11 RAUL SEIXAS KRIG-HÁ-BANDOLO42 1973

11.1 UMA OUTRA FACE PARA O ROCK RURAL

Raul não era apenas um cantor de rock, segundo ele mesmo em entrevista ao
jornalista Ayrton Mugnaini Jr. em 198743 ele diz “ (...) não sou um cantor de rock
somente. A gente tem um lado tão latino, tão interiorano, sertanejo”. Mais adiante o
compositor fala sobre suas audições; ‘em 1957 havia o chá-chá-chá, o rock’n’roll,
muito Luiz Gonzaga, (...)’. E com o tempo sua música incorporou o tango, o country, o
bolero, o funk, baladas e etc.
Mas os aspectos que nos interessam na música de Raul são a fusão que ele fez
do rock com o repente, o baião e o candomblé44, sendo esses alguns ritmos ancestrais da
nossa música popular moderna, atualmente vistos em artistas como Nação Zumbi (com
e sem Chico Science), Zeca Baleiro, Mundo Livre S/A....
O repente é um tipo de improviso muito comum no nordeste brasileiro (Raul
era baiano) que utiliza um ‘cantador’ e uma ‘viola nordestina’. O próprio Raul fala
dessa influência no livro Raul Seixas, Biografia de ECHEVERRIA (1999; P.11), “Eram
os anos 50. Meu pai com nossa família viajava por todo o interior da Bahia
inspecionando estações de trens. Eu ouvia muito Luiz Gonzaga e os repentistas da
estrada de ferro (...)”. É bom esclarecer que a música de Raul não utilizava improvisos
mas soava como se fosse, um exemplo é a canção ‘Ouro de Tolo’. Por outro lado a
forma como Raul cantava a maior parte de seu repertório lembra os repentistas por
causa da voz esganiçada, ou seja ele apropriou-se somente da estética do repente e não
da maneira de compor.
Em relação ao baião45 Raul o incorporou a sua maneira de fazer rock porque
achava os ritmos muito parecidos, quem disse isso foi sua mãe Dona Maria Eugênia
também no livro Raul Seixas, Biografia de ECHEVERRIA (1999; p.15); “Naquele
tempo Raulzito tinha um gravador de fitas de rolo e gostava muito de ouvir baião e

42
Krig-Ha é o grito do personagem Tarzan e Bandolo quer dizer, ‘O inimigo está chegando’.
43
Publicada como citação em uma edição especial sobre Raul Seixas da Revista Shopping Music, ano 2,
nº07, NBO – Editora, SP. s/d. p.05.
44
Ao lado dos Novos Baianos, Alceu Valença e Zé Ramalho, Raul foi pioneiro na fusão do rock com
ritmos nordestinos.
45
Dança e canto nordestino acompanhado por batucada, produzida por bumbos, violas e outros
instrumentos.

51
música cubana. Dizia que baião era igual ao ritmo de Elvis Presley. Dizia que Luiz
Gonzaga e Elvis Presley eram muito iguais.”.
Por fim, Raul utilizou o candomblé46, especificamente na música ‘Mosca na
Sopa’. Quem apontou essa influência foi Miguel Rivas, maestro e pianista uruguaio, que
trabalhou com Raul por dezoito anos, participando da gravação de dezoito discos, a
partir de Krig-Ha Bandolo, na Revista do CD nº 06 de setembro de 1991 da Ed. Globo;
“ Na música ‘Mosca na Sopa’, a entrada do arranjo foi inspirada em música de
candomblé (...)” p. 31.
Krig-Ha Bandolo foi escolhido para ilustrar este capítulo porque foi o primeiro
Lp solo de Raul e trazia uma nova face para o rock rural, misturando o ritmo americano
com ritmos do nordeste brasileiro em faixas como ‘Mosca na Sopa’, ‘Rockixe’ e ‘Ouro
de Tolo’.

46
Religião afro-brasileira que utiliza muita percussão em seus rituais, vulgarmente conhecida como
macumba.

52
12 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Então em 1977 veio o punk rock. Gilberto Gil tentou mesclar a nova tendência
com a MPB com a canção Punk da Periferia, mas ficou constrangedor, a música era boa
porém, a ‘atitude’ punk era muito mais do que aquilo.
O movimento punk teve origem nos dois lados do atlântico, EUA e Inglaterra.
Foi um estilo heterogêneo, que compreendia uma complexa teia de orientações que se
espalhou sobre uma infinidade de artistas via indústria cultural, que assimilou a estética
mas sublimou os confrontos políticos e sociais que estavam explícitos nas atitudes e
canções. A música era frenética, havia palavras de ordem gritadas por vocalistas sem
noções de tom e melodia. A maioria das letras falava do desespero em relação a falta de
perspectiva, que aqueles músicos tinham perante uma sociedade corrupta e em
desintegração, sobretudo na Inglaterra.
Essa música revelava uma atitude de confrontação que refletia graus variados
de ódio justificado, performance técnica, exploração artística do choque de valores
– cabelos de qualquer cor desde que não parecesse natural, colocado em forma de
espetos com vaselina; narizes, orelhas, rostos, lábios e outras extremidades furadas com
vários alfinetes de fralda, correntes e insígnias penduradas; camisas velhas e rasgadas...,
coleiras de couro preto crivadas de tachas prateadas47... – e a intenção de renegar as
instituições oficiais de produção de música. (FRIEDLANDER; 2002 p. 352)
O amálgama subseqüente do punk com outros estilos, ficou conhecido como
new wave e tornou-se um estilo muito popular no início dos anos 80.
O grupo paulista Os Inocentes também tentou misturar os elementos punk e
MPB, isto se deu no Lp Adeus Carne mas o disco não aconteceu. Além disso, o trabalho
só saiu em meados dos anos 80 quando os objetivos da indústria fonográfica nacional já
eram outros.
Depois em 1978 veio a Discotèque, que de rock tinha pouco ou quase nada,
embora o estilo norte-mericano fosse um desmembramento do funk setentista da black

47
Descrição de 1977 dos fãs do punk em seu point londrino, The Roxy, feita por Julie Burchill e Tony
Parsons em The Boy Looked at Johnny (FRIEDLANDER; 2002 p. 351)

53
music. No Brasil As Frenéticas, pareciam imitar a música que fazia sucesso no exterior
(leia-se EUA e Inglaterra) que era mais fácil do que tentar entender, transformar e
recriar a música popular brasileira. Com o boom do rock nacional nos anos 1980 essa
tendência de imitar o que fazia sucesso no exterior se estabeleceu no mercado musical
que estava inserido na grande mídia brasileira.
Após Raul Seixas poucos músicos conseguiram fazer a mistura rock + MPB e
ser bem sucedido estética e comercialmente, a fórmula se diluiu. O rock ganhou força e
se sobrepôs a MPB que aparecia apenas nas letras em português. Em raras exceções as
posições se invertiam, como foi o caso de Cazuza em carreira solo que misturou
cantoras e compositores nacionais dos anos 50 – Dolores Duran e Lupicínio Rodrigues
à roqueiros americanos dos anos 70 como Janis Joplin e Lou Reed – e também Os
Paralamas do Sucesso que obtinham uma sonoridade mais complexa. O restante era
basicamente rock.
De certa forma foi uma volta ao procedimento da Jovem Guarda, só não eram
na maioria, versões, mas a influência dos grupos estrangeiros em evidência era grande.
Um exemplo foi o grupo Legião Urbana que apesar das boas canções e letras não
conseguiu se descolar da influência do grupo britânico The Smiths, até a performance de
palco de Renato Russo era idêntica a de Morrisey, vocalista do grupo inglês, e isso virou
regra entre as bandas nacionais.
Mas o que interessou para a indústria fonográfica foi o apelo popular que o
rock nacional obteve. A popularidade foi tanta que se tornou possível a realização de
um super festival, o Rock’n’Rio I em 1985, com astros nacionais (a maioria ainda
começando) e internacionais. Mal comparando o festival pode ser considerado o nosso
Woodstock48, com isso o Brasil entrou na rota do showbusiness internacional.
Nos anos 1990, Chico Science e Nação Zumbi junto com o grupo Mundo Livre
S/A encabeçaram o movimento conhecido como manguebeat que vinha do Recife. Ao
contrário da Tropicália, cuja guitarra elétrica era o elemento estranho, neste caso, os
‘meninos’ de Recife estavam muito afinizados com o instrumento e por incrível que
pareça o elemento estranho, pelo menos para quem era de fora do Recife, era o
maracatu, ritmo local.

48
Mítico festival de rock realizado na cidade de Monument perto da fazenda Woodstock próxima a Nova
York, que contou com um público em torno de meio milhão de pessoas em 1969.

54
Por fim rock e MPB se divorciaram. A última, na virada do milênio, começou
um affair com a música eletrônica (Otto, ex – integrante do Mundo Livre S/A, é um
exemplo) e o primeiro também partiu para novos relacionamentos. O interessante é
saber que os ritmos se conheceram e se influenciaram, provocando um mosaico de cores
e de som, criando nuances intrínsecas. São essas nuances que fazem a beleza da música
popular, o rock, desta forma, se caracteriza como uma dessas nuances dentro do rico
universo da Música Popular Brasileira.

55
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Editora 34, 1999.

57
14 DISCOGRAFIA:

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BEN(JOR), Jorge. Samba Esquema Novo. Philips, 1963 (CD Universal)
GUARABYRA, Sá, Rodrix &. Sá, Rodrix & Guarabyra. EMI, 1973 (CD Sony)
MAIA, Tim. Tim Maia. Polydor, 1970 (CD Polydor)
MOLHADOS, Secos &. Secos & Molhados. Continental, 1973 (CD Continental)
NASCIMENTO, Milton. Clube da Esquina 1. EMI/Odeon, 1972 (CD EMI)
SEIXAS, Raul. Krig-Há, Bandolo!, Philips, 1973 (CD Polygram)
VELOSO, Caetano et alli. Tropicália ou Panis et Circensis. Philips, 1968 (CD
Polygram)

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