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PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2004, 24 (3), 2-11

Conceito de Liberdade em Vigotski


The concept of freedom in Vigotski´s theory

Resumo: Este texto sintetiza os fundamentos do conceito de liberdade vigotskiano, procurando elucidar
suas conexões a partir das investigações do autor sobre linguagem, vontade, funções psíquicas superiores,
pensamento e imaginação. Discutem-se, ainda, os antecedentes filosóficos presentes no seu conceito de
liberdade e se esboça uma análise das condições concretas necessárias para a livre-escolha em tempos de
alienação.
Palavras-Chave: Liberdade, linguagem, Vigotski.

Abstract: This text summarises the fundamental points of Vygotsky´s freedom concept, with the intention
of elucidating its connections within his investigations concerning language, will, high mental functions,
thought and imagination. We also discuss the philosophic antecedents related to freedom’s concept and
outline an analysis of the concrete conditions for free choices inside an alienation epoch.
Key Words: Freedom, language, Vygotsky.

Gisele Toassa

Núcleo de Estudos e
Pesquisa: Psicologia
Social e Educação:
Contribuições do
Marxismo (NEPPEM –
UNESP, Bauru-SP). Apoio
financeiro: CAPES.

Doze Green

O intuito deste artigo é apresentar os fundamentos com atenção a uma importantíssima dimensão do
para a compreensão do conceito de liberdade em trabalho do autor: os fundamentos especificamente
Vigotski, bem como discutir contribuições desse humanos do desenvolvimento psíquico.
conceito para uma leitura marxista da livre-escolha
1
em nosso tempo . O Estudos Experimental das
Considera-se que a principal obra na qual Vigotski Reações Eletivas
desenvolve suas noções acerca da liberdade
humana é a “História do Desenvolvimento das Neste tópico, serão discutidos os experimentos
Funções Psíquicas Superiores” (1995), não obstante vigotskianos de reação eletiva, os quais incluem o
2 apresente idéias esparsas em outros textos. A seguir, estudo da ontogênese da livre-escolha e suas
procurar-se-á apresentar a contribuição de Vigotski relações com o domínio da própria conduta.
Conceito de Liberdade em Vigotski

Inicia-se com uma questão: em que consiste o de cumprir a instrução com a memorização, as
processo de domínio das próprias reações e como crianças recorriam prontamente aos estímulos
este se desenvolve? Para Vigotski (1995), esse auxiliares.
processo equivale ao domínio das condutas
culturais, mediadas pelo signo nas relações sociais Já as reações de “livre-escolha” foram estudadas
concretas; é o processo pelo qual as pessoas com opções mais complexas do que nos dois
passam a escolher suas ações, pensar, ensaiar primeiros tipos de experimento. Segundo Vigotski
alternativas. O mote para a análise desses (1995), as diferenças entre os experimentos acerca
fenômenos foram os experimentos de livre- da reação eletiva consistem em que, nas eleições
escolha, a forma mais sofisticada de reação eletiva já estabelecidas, o sujeito realiza a instrução, e, nas
pesquisada. eleições livres, cria sua própria instrução. As
crianças deveriam realizar uma escolha
Vigotski (1995) estudou, na reação eletiva, o determinada sem modificar as opções oferecidas.
processo de formação da conduta mediada por O pesquisador indicava opções contendo
estímulos auxiliares (indicação do adulto, figuras, momentos agradáveis e desagradáveis para os
sorte), que transformam as reações condicionadas,
sujeitos, tornando as reações infantis complexas e
inferiores, em formas superiores, culturais, de
polissignificativas; em seguida, mediante a
reação. Para Vigotski, quando se introduz
indecisão da criança, oferecia-se a ela a opção de
experimentalmente um meio cultural de resolução
tirar a sorte. Vigotski conseguiu criar
entre o homem e o seu objeto consciente, em
experimentalmente motivos, ou seja, complexas
lugar de um simples vínculo associativo, formam-
formações reativas que se estruturam em torno dos
se dois novos vínculos. Isso indicaria que toda
transformação pode ser reduzida a processos estímulos; seriam as reações positivas, negativas ou
psíquicos (e nervosos) elementares. O segredo da neutras ao estímulo que o experimentador
conduta superior, no entanto, dispõe-se na distribuiu em duas séries de estímulos. A
superação das conexões isoladas. Essencial é a plurissignificação de cada intenção possível
mudança de toda a estrutura do processo de reação. concretizar-se-ia numa “luta de motivos” no
Existiria uma superação da relação associativa processo de escolha.
imediata entre sujeito e objeto pela criação de um
novo processo de comportamento mediado pela Tamanha foi a importância dos experimentos de A liberdade humana
cultura. livre eleição que Vigotski (1995) utilizou-os para consiste
refletir sobre o problema filosófico da liberdade, precisamente em
Vigotski (1995) adota a reação eletiva como a forma conceituando-a e expandindo suas conclusões que pensa, quer
mais típica de formação da conduta volitiva, um para o âmbito da vida humana: dizer, em que toma
elo importante no desenvolvimento da consciência da
personalidade, em que a criança deve perceber, A liberdade humana consiste precisamente em que situação criada
memorizar e/ou comparar estímulos com o auxílio pensa, quer dizer, em que toma consciência da (p.288).
da linguagem. Vigotski estruturou três tipos de situação criada (p.288).
experimentos: o primeiro tipo enfocava a atenção Vigotski
mediada por indicadores gestuais e verbais. Para Vigotski (1995), os experimentos sobre a livre-
Organizaram-se tarefas com taças: as crianças eleição indicaram que temos liberdade para pensar
deveriam distinguir nexos objetivos entre estímulos os estímulos, em operações impossíveis para os
pouco diferenciados a partir da indicação do animais. Ainda que se coloque uma criança na
adulto, descobrindo quais taças continham as situação de “paralisia da vontade” (com duas séries
nozes. No segundo tipo de experimento, de estímulos idênticos), ela poderá utilizar os signos
investigou-se a memorização mnemotécnica: para representação consciente das diversas opções
introduziam-se meios lógicos que tornavam a que se precisa conhecer: se escolhe A, recebe “X”
relação mediada: o estímulo “cavalo”, por motivos negativos e positivos; se escolhe B, recebe
exemplo, tinha o estímulo-meio “carroça” “Y” motivos negativos e positivos. Nesse conjunto,
próximo ao dedo que a criança deveria o pensamento mediado por signos é o processo 1 O estudo documentado por
movimentar. O uso de conexões já preparadas de estabelecimento de nexos, de conexões este artigo foi desenvolvido como
enfocava o próprio processo de compreensão, de requisito da disciplina
intermediárias entre o meio auxiliar e os objetos “Desenvolvimento Humano e
ajuste e de estabelecimento das conexões de escolha. A criança precisava dominar a Educação para as Ciências”,
subjacentes à reação eletiva. Vigotski dividiu o memorização dos nexos preparados, o que no programa de pós-graduação
processo da reação eletiva em duas fases principais: em Educação (Unesp-Bauru),
significavam para ela; precisava buscar uma sob a orientação da Profa. Dra.
1) percepção do estímulo, estabelecimento do definição de conduta quanto às diferentes opções, Sueli Terezinha Ferreira Martins
nexo devido, e 2) produção da reação pesando a relação entre os motivos existentes e as (Unesp-Botucatu).
correspondente. A reação caracterizava-se bastante reações possíveis. Confiava a sua decisão à sorte
claramente com pré-escolares maiores e crianças como resultado de um processo final de análise do 3
da escola primária: percebendo a impossibilidade que estava dado.
Gisele Toassa

Mas, realmente, é possível considerar as idéias autor. Tais funções não se isolam na consciência
vigotskianas sobre a liberdade como um conceito humana, mas desenvolvem-se em conjunto, num
independente em seu trabalho? Sim. A liberdade processo de constituição de uma estrutura superior
é um conceito que, mesmo sem grande espaço de consciência. Esse ponto toca o que há de
em sua obra, faz-se fundamental para a essencial no conceito vigotskiano de liberdade: a
compreensão do processo de superação das tomada de consciência, processo constituído numa
relações condicionadas entre homem e natureza. relação dinâmica entre pensamento e linguagem.
Esse processo é visto por Vigotski como função de Para Vigotski (1995), os processos decisórios, desde
um novo tipo de realidade consciente: a palavra, as escolhas mais primitivas, seriam função dessa
elemento-chave na ontogênese da conduta relação. A natureza propriamente psicológica dos
superior, o qual cria a possibilidade de signos serve não a realizar diretamente mudanças
representação da realidade ao invés da simples nos objetos físicos, mas, sim, na representação
reação imediata aos estímulos já existentes. psíquica dos estímulos produzidos por tais objetos
e na regulação dos atos motores, inclusive no uso
de ferramentas na atividade prática. Interagindo,
as pessoas apropriam-se de uma ação com objetos
e, seja no seu contexto de apropriação, seja
posteriormente, utilizam a nova reação para a
resolução de um problema. O caminho do
pensamento passa primeiramente pelo processo
de análise e as reações já desenvolvidas pela criança
ou que podem ser desenvolvidas na própria
situação nova.

Mas o domínio da própria conduta no contexto


dos experimentos vigotskianos mediaria atos livres,
ou seja, conscientes?

Vigotski (1995) reflete que, de certo modo, nos


experimentos de livre-eleição, expressam-se
escolhas o mais rigidamente determinadas e o
Vigotski (1995) elevou suas idéias sobre a liberdade menos livres possível. A única participação da
para além das simples conclusões experimentais: criança era dotar um certo conjunto de estímulos
segundo ele, os problemas em que a sorte era o neutros de um novo sentido, conferindo ao seu
principal fator configuravam uma espécie de próprio gesto de jogar – de resultado imprevisível –
“filosofia experimental”, isto é, forneciam base para a resolução do impasse. Eis o que Vigotski
a compreensão do problema do livre arbítrio, de denomina de “uma contradição dialética contida
problemas éticos em que o sujeito deve acatar uma no livre arbítrio, experimentalmente fracionada”
ação e desejar a outra, superando as relações (1995, p. 289). A participação consciente da
condicionadas que regem o comportamento criança consistiria na formação da intenção que
animal. Ante o psicólogo genético, impor-se-ia a se realizaria,a partir daí, segundo nexos
tarefa de encontrar as vias de desenvolvimento de condicionados – isso porque o domínio de nossas
livre-arbítrio. Para Vigotski, deve-se explicar a reações motoras continua sendo um processo
liberdade como um produto do desenvolvimento natural.
progressivamente incrementado – esse ideário é
indissociável da questão que dirigiu a obra de É necessário, no entanto, formular uma pergunta.
Vigotski: o estudo da manifestação mais superior
Como se poderia entender a reação de livre-
da psique: a consciência humana (Leontiev, 1996),
escolha no contexto da vida humana concreta?
que transcende a pesquisa das reações
Resposta: entendendo a complexa relação entre
compartilhadas por seres humanos e animais.
as determinações de nossas escolhas e o processo
de pensamento a elas relacionadas, que não só se
Acrescente-se que Vigotski (1995) propôs seus
experimentos sobre a reação eletiva numa define em função do que existe objetivamente,
seqüência de gradativa complexidade, como também cria novas escolhas a partir do que
culminando com o estudo do processo de já existe. A intenção livremente estabelecida não é
formação da livre-escolha – esta não ocorreria por caudatária de uma cognição asséptica, mas, sim,
acaso, mas, sim, graças ao desenvolvimento das ato de uma individualidade consciente, em que se
funções psíquicas superiores (atenção e memória) inscreve a história de interações humanas – até
4
na reação eletiva, anteriormente estudadas pelo mesmo a história dos motivos constituídos pelas
Conceito de Liberdade em Vigotski

pessoas. Vigotski (2001) afirma que o pensamento conceitos científicos. No entanto, o comentário
nasce do campo da consciência que o motiva, a de Vigotski (1995) acerca das reações de livre-
qual abrange os pendores e necessidades, os escolha refere-se a que a criança “toma
interesses e motivações, os afetos e as emoções. consciência” da igualdade de opções,
Desse modo, para Vigotski (2000), uma vez que a solucionando-a pela introdução de um meio: a
pessoa pensa, é necessário perguntar que pessoa o sorte. Considera-se que, tanto nas reações de livre-
faz. O autor compara a Psicologia a um drama, escolha quanto no processo de pensamento
com “lutas” radicalmente distintas de um processo científico, a linguagem medeia a recriação da
de reflexão estática da realidade na consciência, realidade na consciência – mas supõe-se que o
processo experimental trate de um nível prático de
lutas em que a simples adoção de um significado
tomada de consciência, em que a realidade
externo não resolverá o problema existente.
refletida espontaneamente na linguagem
Tornar-se livre é, portanto, assimilar um significado
corresponda efetivamente à organização
diferençando-se dele – é tornar-se indivíduo
experimental dos motivos nela presentes. São os
humano que recria a realidade na consciência,
primórdios da auto-determinação humana.
constituindo um ativo conhecimento das
determinações da conduta e, nesse processo de
conhecimento, modifica a realidade objetiva Ontogênese da Relação entre
(natural e/ou social). Linguagem, Consciência e
Liberdade
Desse modo, uma relação entre a noção de motivo
para Vigotski e a sua concepção geral de
Além de verbalizar o pensamento, possibilitando a
consciência esclarece que tornar-se livre é um
análise da realidade a princípio refletida
processo racional, implicado na apropriação
indiferenciadamente na consciência, a linguagem
concretamente determinada da vida humana. Isso
presta-se à regulação da passagem de uma reação
se representou nos experimentos de livre-escolha:
à outra, ou seja, ao domínio da conduta, nos seus
quando se propuseram para a criança estímulos
primórdios,realizada externamente. Para Vigotski
polissignificativos, a escolha era um imperativo
(1995), o caminho da coisa à criança e da criança
situacional que deixava possibilidades em aberto.
à coisa passa por outra pessoa, tendo o uso dos
A opção pela sorte, na dinâmica da reação eletiva,
signos como mediação – a fala egocêntrica exibe
refletiria uma tomada de consciência do sujeito
objetivamente esse processo: ora a criança fala,
com relação à estimulação conflitiva proposta pelo
analisando a situação e agindo sobre ela, ora
experimentador, em que a criança sempre teria
solicita o auxílio do adulto. Todo esse processo
de renunciar a algum motivo.
experimental de interação da criança com o outro
e consigo mesma ilustra a ontogênese do domínio
Para o fechamento deste tópico, é ainda necessário
da própria conduta, fundamento consciente da
reconstituir o significado do termo-chave para o
constituição dos atos livres. A fala egocêntrica
conceito de liberdade vigotskiano: a tomada de
comanda a percepção e memória da criança,
consciência. Se, no texto “História do
fazendo-a compreender as relações concretas que
Desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores”
determinam sua atividade; posteriormente, com a
(1995), “pensamento” e “tomada de consciência”
internalização das funções psíquicas superiores,
são equivalentes, podemos afirmar que essa
transforma-se em uma relação verbal entre o
equivalência passa pela relação entre pensamento
indivíduo e sua própria consciência: é a chamada
e palavra, especialmente, pelos conceitos
linguagem interior, uma forma de pensamento
científicos. Trazem-se, então, elementos de outros
verbal que torna a realidade subjetiva e consciente.
textos vigotskianos para esclarecer tal relação: em
Assim, a vontade não é uma função psíquica, mas
“A Construção do Pensamento e da Linguagem”
(2001), o autor afirma que tomar consciência de o próprio comando das diferentes funções e do
uma operação significa recriá-la na imaginação para estabelecimento de intenções concretas (baseado
que seja possível exprimi-la em palavras. Tal em Vigotski, 2000), pelas quais a pessoa converte a
processo é destacado da atividade geral da ação condicionada em ação livre.
consciência, tornando-se, ele mesmo, objeto
consciente – apreendem-se os próprios processos E qual seria a origem social da vontade? O domínio
psíquicos através da generalização e sistematização externo do próprio comportamento. Para Vigotski
existente no conhecimento científico. (1995), a palavra é, a princípio, uma relação social
entre a criança e os indivíduos mais desenvolvidos,
Afirma-se que os experimentos sobre livre-eleição, relação em que se exerce poder sobre o
relatados na “História do Desenvolvimento das comportamento infantil – isso é verdadeiro,
Funções Psíquicas Superiores” (1995), não principalmente na primeira infância. O domínio
coincidem, absolutamente, com o nível superior da própria conduta consiste no processo de 5
de consciência representado pela apropriação de internalização da influência estimuladora da
Gisele Toassa

palavra: daí, as pessoas aprendem a relacionar-se humana de atividade consciente. Em Vigotski


com sua própria consciência como se fosse com (1999b), a imaginação pode ser “autista” ou
outra pessoa. Segundo Vigotski (2000), a vontade, “realista” (categorias não necessariamente
num nível físico, pode ser considerada como um dicotômicas), mediando a atividade criadora.
processo de humanização do próprio cérebro Segundo ele (1987), a atividade criadora seria toda
(relações entre os centros nervosos) partindo de realização humana que cria algo : reflexos de algum
sua relação com a realidade externa. O autor objeto, uma construção do cérebro, sentimentos
(2001) afirma que a passagem a uma estrutura que vivem e se manifestam só no próprio ser
superior de consciência pode ser identificada num humano (as fantasias). A criação coletiva, que
novo emprego significativo da palavra, no seu abrange todos os acréscimos insignificantes da
emprego na formação de conceitos – eis a causa criação individual, torna possível compreender as
psicológica imediata da transformação intelectual inúmeras criações anônimas do gênero humano.
que se realiza no limiar entre infância e Criar (processo hoje erroneamente encarado como
adolescência. prerrogativa das artes ou das ciências) é uma
atividade relacionada às necessidades
Toda penetração Diversamente dos experimentos de livre-escolha, especificamente humanas de transformação das
mais profunda na todavia, na vida concreta, o indivíduo pode condições naturais e sociais.
realidade exige uma modificar as condições que determinam sua
atitude mais livre da conduta, criando uma nova solução. O processo Influências Filosóficas
consciência para de constituição de um sentido para o mundo e suas
com os elementos relações já seria uma forma de criação de novas
Deve-se considerar que a obra de Vigotski é
dessa realidade, um combinações: não é a realidade que simplesmente
essencialmente marxista. Pino (2000) afirma que
afastamento do “se reflete” na consciência, mas também o indivíduo
Vigotski encontra no materialismo histórico e
aspecto externo que a reflete ativamente, produzindo, no conceito,
dialético o “núcleo duro” de sua obra, ou seja, o
aparente da uma nova versão da realidade. Aí se atinge um ponto
principal núcleo gerador do seu pensamento
realidade dada importante da obra vigotskiana: a relação entre
teórico e metodológico. Sua psicologia é dotada
imediatamente na imaginação, liberdade e atividade criadora. Para
dos princípios do marxismo e também de uma
percepção primária, Vigotski, o desenvolvimento da linguagem constitui
teia conceitual própria, criativa, que não obedece
a possibilidade de um forte impulso para a imaginação, oferecendo à
a uma pronta correspondência com as obras de
processos cada vez criança a possibilidade de representar, para si
Marx e Engels. Conforme Shuare (1990),
mais complexos, com mesma, algum objeto que não tenha visto e pensar
corresponde a Vigotski o mérito de aplicar
a ajuda dos quais a nele. Um excerto:
criativamente o materialismo dialético e histórico
cognição da
à Psicologia e nela ter provocado uma verdadeira
realidade se Toda penetração mais profunda na realidade exige
revolução copernicana.
complica e se uma atitude mais livre da consciência para com os
enriquece. elementos dessa realidade, um afastamento do
Contudo, é importante assinalar a influência de
aspecto externo aparente da realidade dada
Espinosa na obra vigotskiana. Talvez suas reflexões
imediatamente na percepção primária, a
sobre a liberdade sejam o maior exemplo concreto
possibilidade de processos cada vez mais
dessa influência, ainda assim permeada pelo
complexos, com a ajuda dos quais a cognição da
marxismo – seria errôneo encarar suas idéias sobre
realidade se complica e se enriquece. a liberdade a partir de uma única influência
filosófica.
Desejaria, finalmente, dizer que a conexão interna
existente entre a imaginação e o pensamento realista Vigotski (1995) compara os experimentos sobre a
complementa-se com um novo problema, livre-escolha com a análise espinosana de um
intimamente ligado ao da vontade ou liberdade na antigo problema lógico, o chamado problema do
atividade do homem, na atividade da consciência “asno de Buridan”: nele, propõe-se que um asno
humana. As possibilidades de agir com liberdade, faminto está parado diante de duas pilhas de feno
que surgem na consciência do homem, estão eqüidistantes. Para Vigotski, na vigência da lei
intimamente ligadas à imaginação, ou seja, à tão natural do reflexo condicionado, em que estímulos
peculiar disposição da consciência para com a e reações se processam automaticamente, o animal
realidade, que surge graças à atividade da perecerá de fome – pois os estímulos equiparam-
imaginação (Vigotski, 1999b, pp.129-130). se. Pavlov comprovara, com cães, fenômenos de
neurose experimental, apresentando aos animais
A citação acima apresenta, com força inegável, a motivos contraditórios entre si. Mas, e o homem, o
implicação da imaginação com a “liberdade de que faria numa situação semelhante? Para
movimento da consciência” no que se refere à Espinosa, pensaria (conforme Vigotski, 1995).
realidade objetiva. Para Vigotski (1994), a
6 imaginação é um processo psicológico novo, Vigotski (1995) assinala que, segundo Espinosa, a
representando uma forma especificamente vontade não é livre, mas, sim, dependente de
Conceito de Liberdade em Vigotski

motivos externos. Vigotski admite que o problema própria natureza como a exterior; por isso, é um
atribuído a Buridan encerra uma idéia profunda e produto imprescindível do desenvolvimento
certeira: perde-se a ilusão do livre arbítrio quando histórico. Os primeiros homens surgidos do mundo
se analisa o determinismo da vontade, sua animal não tinham essencialmente uma liberdade
dependência dos motivos. O autor sublinha, nesse diferente da dos próprios animais, mas cada passo
texto, a importância do trabalho inacabado: “A dado pelo caminho da cultura era um passo à
Teoria de Espinosa Sobre as Paixões à Luz da liberdade (Engels, in Vigotski, 1995, p. 300).
2
Neuropsicologia Moderna” . Esse trabalho foi
editado na tradução norte-americana do tomo VI Desejaria, finalmente,
das Obras Escolhidas de Vigotski, com o título dizer que a conexão
“Teaching about Emotions. Historical-Psychological interna existente entre
Studies” (1999a). Nele, ganha importância a a imaginação e o
seguinte interpretação vigotskiana: para Espinosa, pensamento realista
a liberdade não se consubstancia na idéia de “livre- complementa-se
vontade” (free will), mas, sim, “livre-necessidade” com um novo
(free necessity), elemento que muito se aproxima problema,
da discussão vigotskiana sobre a “necessidade intimamente ligado
gnoseológica”. Essa idéia é discutida na ao da vontade ou
interpretação dos experimentos de livre-escolha: liberdade na
o livre-arbítrio não significaria, para Vigotski, que a atividade do homem,
criança esteja livre dos motivos para decidir, mas na atividade da
que “toma consciência da situação, toma consciência consciência
da necessidade de eleger, que o motivo se impõe a humana. As
ela e que sua liberdade no caso dado, como diz a possibilidades de agir
definição filosófica, é uma necessidade gnoseológica” com liberdade, que
(1995, p.289). Assim, o ser humano cria uma nova surgem na
necessidade, a necessidade de conhecimento – e
Desse modo, o conceito de domínio da própria consciência do
a nova necessidade é, de algum modo, expressão
conduta, ou autodomínio, é, para Vigotski, um homem, estão
da natureza, como o deus espinosano. Ao finalizar
aporte de tendências marxistas e espinosanas – de intimamente ligadas
o capítulo “domínio da própria conduta” (1995),
resto, ambas materialistas. Tendo em vista essa à imaginação, ou
em que expõe com maior vagar do seu conceito
aproximação, é essencial destacar que a chave da seja, à tão peculiar
de liberdade, Vigotski antecipa:
“tomada de consciência” é a cultura que medeia disposição da
o domínio humano das influências naturais consciência para
Não podemos analisar, aqui, em toda sua
plenitude, a perspectiva filosófica. Confiamos em (inclusive o domínio da própria natureza biológica com a realidade,
poder fazê-lo em outro trabalho dedicado à do homem) e, no entanto, às vezes não se presta a que surge graças à
filosofia. Intentaremos esboçá-la tão só para tomar outro objetivo além de suprir necessidades naturais. atividade da
clara consciência do ponto a que chegamos. Não Não foi sem razão que Marx apontou a economia imaginação
podemos deixar de assinalar que nossa idéia da – ou seja, o submetimento da natureza na forma
liberdade e o autodomínio coincidem com as de relações de produção – como o eixo Vigotski
idéias que Espinosa desenvolveu em sua “Ética” estruturador de todas as sociedades humanas, e o
(1995, p. 301). trabalho como fundamento concreto da
reprodução da própria vida. Daí encontrar-se, em
A prematura morte de Vigotski deixou inacabado Vigotski, a liberdade como “livre-necessidade”,
o texto “Teaching about Emotions”, para o qual “necessidade gnoseológica”: uma nova
prometera uma explanação filosófica “espinosana” necessidade que consiste na atribuição de novos
sentidos às informações sensoriais, na
acerca da liberdade humana e do autodomínio. É
aprendizagem do uso de instrumentos e na criação
pena, particularmente porque, exatamente uma
de novos meios de domínio da realidade natural,
página antes de comentar a coincidência de suas
necessidade cuja origem pode ser compreendida
noções com as de Espinosa, Vigotski (1995) aprova
com base nas relações sociais mediadoras da
reflexões de Engels. Vigotski interpreta que, para
relação homem-natureza. Sobre a natureza,
Engels, o domínio da natureza equipara-se ao
lembremo-nos também da importância dos
autodomínio: o livre arbítrio não constituiria mais
processos associativos elementares, herança da
do que “tomar decisões com o conhecimento do 2 Título traduzido do russo por
espécie, na constituição da conduta mediada.
assunto”. Vigotski cita o seguinte comentário de Paulo Bezerra (in Vigotski,
Vigotski (1999a) não foi um idealista: na 2001).
Engels:
companhia de Espinosa, criticou duramente o
Por conseguinte – disse Engels – a liberdade consiste idealismo cartesiano, para quem a vontade
fundamentalmente em conhecer as necessidades humana (à moda dos estóicos) é inteiramente livre. 7
da natureza [...] em saber dominar tanto nossa Para Vigotski (1995), se a natureza determina a
Gisele Toassa

conduta, é a criação dos meios de domínio da superação das leis do reflexo condicionado através
natureza que tornam o homem livre. O autor ainda da palavra, mostra-se amplamente comprometida,
afirma que, na transferência de uma “luta de desde a esfera da educação até a do trabalho.
estímulos” para a “luta de motivos”, modifica-se a
força relativa dos estímulos. Estímulos mais fortes Com base nos experimentos de Vigotski (1995),
podem converter-se em mais fracos: um homem indicam-se as seguintes condições psicossociais
pode declarar-se em greve de fome para defender necessárias à reação de livre-escolha: 1) a
algum princípio. A primazia do significado impõe- linguagem (sistema de sinais arbitrários); 2) a
se sobre o imediatismo natural, modificando tanto necessidade objetiva de escolher entre motivos
a consciência quanto a realidade objetiva. significativos (e conflitivos) para a pessoa; 3) a
Portanto, modifica-se a própria causalidade das possibilidade de estabelecer os fins das próprias
ações humanas, mas tanto as necessidades do ações; 4) uma relação ativa com os objetos de
organismo biológico (qualitativamente modificadas escolha, atribuindo-se um novo sentido consciente
pelas práticas sociais) quanto as da sociedade cujos aos motivos existentes; 5) um nível de domínio das
motivos internalizamos devem ser determinações funções psíquicas superiores ao menos
constitutivas da escolha livremente estabelecida. correspondente à idade pré-escolar superior, e 6)
a aprendizagem sociocultural das ações humanas
Considerações Finais: Implicações com instrumentos (que, nos experimentos de livre-
escolha, seriam representados pelos meios para se
do Conceito de Liberdade lançar a sorte).
Vigotskiano
As condições enumeradas são indissociáveis,
Para Vigotski (1999b, p.140), “a vontade refere-se sendo a linguagem o eixo estruturador das demais
a que, em certas condições, o homem converte a condições: transpõe as funções psíquicas a um
ação determinada, causal, condicionada, em ação nível superior de conduta, medeia a aprendizagem
livre”. A vontade é dinâmica, determinada e do uso de instrumentos, representa a realidade
desenvolve-se, incrementando a liberdade num novo sistema de sinais, medeia a assimilação
individual – e, para tanto, Vigotski fala em “certas dos motivos significativos numa dada cultura, além
condições”, sem especificá-las. Hoje, qualquer de possibilitar o ativo desenvolvimento do domínio
tentativa de sistematizá-las está, de certo modo, da própria conduta na relação com os seres mais
condenada ao terreno da especulação teórica. desenvolvidos. Levando-se em consideração que
Entretanto, aceita-se o risco de introduzir o debate a ontogênese da liberdade inscreve-se num
acerca das condições psicossociais necessárias para processo de desenvolvimento humano determinado
a ontogênese da reação de livre-escolha, pelas comentadas condições psicossociais, discutir-
justificando tal introdução pela importância do se-ão algumas determinações sociais em que se
conceito de liberdade vigotskiano para a crítica inscreve a livre-escolha (ou a sua ausência), além
do idealismo na Psicologia e na Educação; em dos processos de criação não contemplados pelos
ambas as áreas porque, na esteira de Vigotski, experimentos vigotskianos, apesar de imbricados
podemos dizer que a liberdade não é uma em suas idéias sobre liberdade.
capacidade magicamente presenteada ao homem,
mas, sim, um fenômeno ontogenético indissociável O processo de desenvolvimento da livre-escolha
das relações sociais já existentes. Conhecer as demanda tanto a necessidade concreta de escolher
condições necessárias para a livre-escolha é um quanto a possibilidade de definir novas opções,
passo necessário para analisá-la e mediar seu mas, no capitalismo, o poder econômico
processo de constituição. determina as possibilidades de escolha existentes.
A tendência das relações humanas é fundamentar-
Os experimentos de livre-escolha refletem a ação se na exploração dos não-detentores dos meios
livre num nível ainda primitivo de domínio da de produção por aqueles que os detêm. Isso se
própria conduta; no que se sabe, a atividade de torna particularmente dramático no que se refere
criação de novas soluções não se constituiu em à relação entre homem e natureza: sendo a
objeto de estudo experimental para Vigotski alienação a expropriação tanto dos meios de
(embora a atribuição de novos sentidos aos meios produção quanto dos fins da mesma, a pessoa
de domínio da própria conduta sejam, de certo não mais determina seu próprio trabalho. Este passa
modo, criação ativa de novas conexões pelo a significar, então, uma forma de escravidão às
indivíduo, sem se confundirem com as atividades próprias necessidades naturais, pois é em função
de criação mais elevadas). No entanto, como será delas que o indivíduo se sujeita ao domínio alheio,
exposto, as condições de reação existentes nos o qual determina as únicas opções de
experimentos de livre-escolha – por mais simples comportamento possíveis. O trabalhador precisa,
8 que sejam – são raridade em tempos de alienação. em primeiro lugar, manter-se vivo: a falsa escolha
A ontogênese da liberdade individual, como colocada é entre morrer ou viver explorado –
Conceito de Liberdade em Vigotski

dizemos “falsa escolha”, porque nos parece que a que o escravo – todavia, a liberdade burguesa, para
defesa da vida acaba (quase sempre!) sendo a única Marx (segundo Oliveira, 1997), é uma liberdade
opção razoável. Não há “livre-necessidade”, para abstrata: a formalidade da livre disposição sobre o
usar uma expressão espinosana, se a necessidade seu próprio ser opõe-se à objetividade material que
de sobrevivência deforma e descaracteriza todas impossibilita ao trabalhador a livre escolha sobre a
as outras necessidades, sobrepujando-as pela venda ou não de sua força de trabalho.
carência de opções na realidade concreta.
A escolha de valores éticos também tornou-se Sermos donos da
Alienado dos meios e fins da produção, o indivíduo possível no universo do capital. Os indivíduos verdade sobre a
pode tão-somente reproduzir a si mesmo e ao podem, contraditoriamente, constituir um novo pessoa e da própria
mundo, que tende a tudo igualar, existindo poucas sentido para o trabalho, sentido que negue pessoa é impossível
ocasiões em que se realizam “lutas de motivos” no intencionalmente os valores alienados enquanto a
plano das relações sociais; os motivos estranhos à (competição, individualismo, bajulação etc). humanidade não for
sobrevivência precisam ser sufocados pela Cindido em atividades e ainda escravo da
dona da verdade
impossibilidade de se consubstanciarem numa sociedade que medeia a relação com sua essência
sobre a sociedade e
nova intenção. Não é de se estranhar a dilatação individual, é possível ao trabalhador a livre-criação
da própria
da imaginação autista, atividade puramente e participação nas lutas ético-políticas (sindicatos,
sociedade. Ao
emocional que conforta o indivíduo enquanto o partidos, conselhos etc), além da criação artística
protege dos motivos coercitivos, constituintes de (teatro, dança, música etc). Para tais possibilidades, contrário, na nova
sua realidade concreta. A contradição hipócrita no entanto, é essencial a constituição de motivos sociedade nossa
entre a ideologia do esforço pessoal e a pobreza negativos da dominação e a aprendizagem de ciência se
concreta de situações em que essa falsa palavra se novas reações humanas – daí a necessidade tanto encontrará no centro
realize torna-se uma fonte de sofrimento psíquico da educação regular quanto dos processos da vida. “O salto do
no trabalho, em que o significado irracional da formativos nos espaços que se pretendam reino da necessidade
submissão submete a análise racional do mundo. alternativos à dominação. ao reino da
liberdade” colocará
Em geral, apenas no tempo livre o trabalhador Para a classe média, surgem como possibilidade as inevitavelmente a
pode criar melhores condições para sua existência. profissões científicas, artísticas e tecnológicas, a questão do domínio
As contradições do capital acabam legando ao partir das quais o indivíduo pode buscar o domínio de nosso próprio ser,
indivíduo apenas a sua própria força de trabalho, de novas aprendizagens. A atividade criadora, de subordiná-lo a nós
que pode ser empregada em seu tempo livre apesar disso, dificilmente existe no trabalho, e, mesmos .
conforme lhe dite a consciência. E, embora as quando se realiza, subordina-se também ao poder
pessoas sejam um tanto mais livres no processo de que determina os parâmetros básicos da criação: Vigotski
atribuição de novos sentidos às situações de sua é o caso da publicidade, da ciência ou da
realidade doméstica, são poucas as alternativas de produção de novas tecnologias. Em alguns casos,
uso reflexivo da palavra (ou seja, a discussão) na ainda que sua produção seja determinada pelo
esfera pública. Hoje, subsiste a carência de mercado, o sujeito pode apresentar sua
atividades culturais, científicas e políticas a partir contribuição criativa para a transformação das
de cuja apropriação o ser humano possa tomar necessidades sociais e das suas próprias – assim,
consciência do seu processo de vida real, sua produção pode converter-se numa livre-
assumindo uma nova e intencional relação com o escolha. No entanto, a submissão dos produtores
mundo que o cerca. Vigotski (1996) não foi ao imperativo objetivo do lucro pode trabalhar
ingênuo quanto à liberdade do indivíduo, ao dizer contra a democratização da produção: é o caso
que sermos de muitos tratamentos especializados, existentes
fora do atendimento básico de saúde. Necessário
donos da verdade sobre a pessoa e da própria é compreender que, entre as condições para a
pessoa é impossível enquanto a humanidade não livre-escolha, o indivíduo deve determinar suas
for dona da verdade sobre a sociedade e da própria próprias reações – e essa possibilidade costuma
sociedade. Ao contrário, na nova sociedade nossa ser subjugada pelos fins alienados da realidade
ciência se encontrará no centro da vida. “O salto concreta. Desenha-se a ontogênese de uma ação
do reino da necessidade ao reino da liberdade” livre algo marginal e esquizofrênica.
colocará inevitavelmente a questão do domínio
de nosso próprio ser, de subordiná-lo a nós mesmos Acrescente-se que, numa sociedade permeada por
(p. 417). contradições, quase todas as condições
psicossociais para a livre-escolha são compráveis:
Existiria, entretanto,no capitalismo, um maior leque a possibilidade de definir fins e atividades, de
de escolhas com relação aos modos de produção realizar novas aprendizagens (desenvolvendo suas
anteriores. Marx (1974) observa que a consciência funções psíquicas superiores), os instrumentos de
(ou ilusão) de uma determinação pessoal livre faz ação, a linguagem (principalmente como veículo 9
do assalariado um trabalhador muito melhor do da ideologia dominante). A acumulação de uma
Gisele Toassa

experiência cultural que possibilite a criação do liberdade de criação é importantíssima para o


novo está, de modo geral, mais próxima do rico resultado da obra: uma simples imposição da
que do pobre. Quanto mais dinheiro, maior a escrita adulta pode restringir a criança a elaborar
variedade de escolhas que se pode fazer; textos puramente formais. Limitando-se as
entretanto, geralmente são falsas escolhas, que se possibilidades concretas de reflexão, a palavra
esgotam no consumo e não apontam para a criação presta-se fundamentalmente ao domínio social,
de novas necessidades mediadas pela cultura. As ao poder que estranha a elaboração de um sentido
pessoas são agentes, fundamentalmente, ao consciente e de reações livremente determinadas.
comprar, necessidade que supre o vazio de sentido Eis um novo paradoxo: o indivíduo deve dominar
das demais relações que submetem suas vontades, sua própria natureza, mas de acordo com
nas quais a opção define-se antes da ação. No necessidades externas a ele. Esse ponto agrava-se
consumo, a realidade apresenta-se como um porque, para Vigotski (1995), caso se queira saber
mundo em que não há conflito de motivos: como funciona a palavra na conduta do indivíduo,
aparentemente, apenas o positivo se sobressai, deve-se analisar, antes de tudo, qual foi sua função
apenas o prazer subjetivo define intenções anterior no comportamento social das pessoas. A
irrestritas. Mas, se existe um maior número de (falsas) palavra consiste na mediação do processo
opções, tais opções estão determinadas pela intencional de representação da realidade; sua
eficiência do burguês em explorar – uma natureza parte da própria natureza social dos
necessidade que o torna escravo de sua própria homens, cujas necessidades são de um “animal
condição de explorador e dos valores (motivos) já político”, que só pode isolar-se em sociedade
existentes no universo da exploração. (Marx, 1999). Se a dominação acontece nas
relações com outros indivíduos, apenas em relação
Outra questão: pudemos perceber que o processo com eles é possível criar novos sentidos para as
de conhecimento não pode ser eliminado da livre- ações – e a primeira condição para isso é a
escolha; no entanto, nas relações de dominação, possibilidade de falar sem coerções. Não é sem
existe uma ampla alienação com relação à sagacidade que as religiões fundamentam-se na
aprendizagem da cultura mediadora do criação de tabus, ou seja, temas intocáveis: o que
desenvolvimento psíquico: produtos culturais e não se discute não se muda, apenas se acata. Uma
educacionais transformam-se em mercadoria, bem experiência cultural, quando unilateral, cria
como os meios de produção historicamente significados únicos, que são realidade imutável a
desenvolvidos. E o que dizer da marcante presença partir da qual não se enxergam novos horizontes.
da práxis repetitiva em muitos ramos da produção
e da educação capitalista? Não podem ser Na ontogênese, nunca há sentidos a priori: para
chamadas de livre-escolha. Vigotski (1995) cada novo indivíduo, a atividade consciente é um
distingue a simples reação eletiva da livre-escolha processo de recriação dos significados
justamente porque, num caso, o mecanismo convencionais à sua classe. Assim, diz Vigotski
executivo formado pela criança meramente ajusta- (1994): “Em um sentido, no brinquedo, a criança
se às instruções externas e, no outro, a criança é livre para determinar suas próprias ações. No
decide-se a utilizar os meios auxiliares, preparando entanto, em outro sentido, é uma liberdade ilusória,
o aparato funcional da ação, ou seja: determina pois suas ações são, de fato, subordinadas aos
os fins das próprias ações a partir das possibilidades significados dos objetos, e a criança age de acordo
existentes. Quando não se incentiva a necessidade com eles” (p.136). Tornar-se livre no interior de
objetiva de compreender os motivos de ação e uma sociedade significa, assim, internalizar seus
escolher entre eles, tampouco é mediada a nexos discursivos, mas não é possível reduzir esse
ontogênese do domínio da vida real. Com a processo à simples apropriação da ideologia
alegação de que o aprendiz não sabe escolher, dominante: com a reflexão da realidade na
ignora-se que a liberdade humana se desenvolve palavra, esta se transforma em substância da
na própria atividade de escolha. Na “escola- consciência individual e das relações sociais. Haja
decoreba”, a imposição da mnemotécnica é toda vista, por exemplo, a eleição de Lula: conquanto
a atividade, raramente criando-se a necessidade tivesse sido rotulado pela grande burguesia como
objetiva de que o educando pense e crie suas “nordestino burro” (rótulo aceito até mesmo pelas
próprias instruções – ao invés de uma relação ativa classes populares), foi eleito com uma expressiva
com a própria vida, da primeira à última idade o votação. Qualquer ser humano que se aproprie
indivíduo é dessubjetivado, passivo diante das da linguagem é, de algum modo, livre, pois a palavra
necessidades socio-históricas. não é reflexo estático da realidade na consciência.
É também pensamento e comunicação, é
Como diz Vigotski (1987) acerca das artes: uma expressão de determinadas lutas de motivos –
compreensão justa e científica da Educação não embora o controle do discurso seja, sem dúvida, a
10 consiste em inocular artificialmente ideais, mais eficiente forma de dominação material do
sentimentos ou critérios alheios às crianças. A processo de tomada de consciência.
Conceito de Liberdade em Vigotski

Este artigo encerra-se, aqui, como uma primeira sociais como um “drama” e as “lutas de motivos” no
aproximação ao conceito vigotskiano de liberdade. plano das necessidades afetivas. A psicologia marxista
Falta muito a se fazer. Sequer se discutiu, por ainda precisa empenhar-se na investigação dessas
exemplo, o processo de tomada de consciência esferas, negando a desumanização que torna a
através dos conceitos científicos; sequer se discutiu o palavra um instrumento de domínio, quando é “a
rascunho “Psicologia Concreta do Homem” (2000), palavra que faz livre a ação humana” (Vigotski, 1999b,
em que Vigotski comenta a psicologia dos papéis p. 68).

Gisele Toassa
Al. dos Goivos, 7-35, Pq. São Geraldo,
Bauru – SP. CEP 17021-260.
E-mail: gi_toassa@hotmail.com
Recebido 19/05/03 Aprovado 14/10/04

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